Casos Clínicos Hospital Da Luz - 2007-2008

March 20, 2018 | Author: Mário Jorge | Category: Myocardial Infarction, Medicine, Wellness, Health Sciences, Medical Specialties


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CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ 2007-2008 uma edição A PUBLICAÇÃO DESTE LIVRO CONTOU COM O APOIO DE: UMA EDIÇÃO DA ESPÍRITO SANTO SAÚDE DESIGN BY COPYRIGHT 2008 ESPÍRITO SANTO SAÚDE - SGPS R. CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, 17-9.º EDIFÍCIO AMOREIRAS SQUARE 1070-313 LISBOA PORTUGAL +351 213 138 260 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, armazenada por qualquer sistema ou transmitida por qualquer forma ou meio, sem a prévia autorização do detentor dos direitos. TIRAGEM 3000 exemplares ISBN 978-989-96054-0-4 DEPÓSITO LEGAL 286275/08 IMPRESSÃO Tipografia PERES HOSPITAL DA LUZ Avenida Lusíada, 100 · Lisboa Tel. 217 104 400 www.hospitaldaluz.pt ÍNDICE PREÂMBULO Isabel Vaz, Presidente do Conselho de Administração do Hospital da Luz e Presidente da Comissão Executiva da Espírito Santo Saúde - SGPS PREFÁCIO José Roquette, Director Clínico do Hospital da Luz EDITORIAL Américo Dinis da Gama, Editor MEDICINA INTERNA, CARDIOLOGIA, GASTRENTEROLOGIA, ENDOCRINOLOGIA, DERMATOLOGIA, NEUROLOGIA 19 MIELOMA MÚLTIPLO IgA/K NUM HOMEM DE 36 ANOS Natália Marto, Alexandra Bayão Horta, António Medina Almeida, João Sá 27 ENFARTE AGUDO DO MIOCÁRDIO - TEMPO É MÚSCULO! Luís Raposo, Vanda Carmelo, Pedro de Araújo Gonçalves, Katya Reis Santos, Diogo Cavaco, Manuel Almeida, Marisa Trabulo, Nuno Cardim, Daniel Ferreira, Pedro Adragão, Francisco Pereira Machado 35 DOENÇA CORONÁRIA: DIAGNÓSTICO POR ANGIO-TC SEGUIDO DE INTERVENÇÃO PERCUTÂNEA. CASO CLÍNICO Pedro de Araújo Gonçalves, Hugo Marques, Augusto Gaspar, Francisco Pereira Machado 39 Ablação robótica na fibrilhação auricular: Caso clínico Pedro Adragão, Diogo Cavaco, Leonor Parreira, Katya Reis Santos, Pedro Carmo, Miguel Abecasis, Marta Marques, Rui Rodrigues 47 Importância do diagnóstico precoce e de uma abordagem multidisciplinar no cancro colo-rectal. Caso clínico David Serra, Pedro Marques, Pedro Oliveira, José Passos Coelho, José Damião Ferreira 53 Abordagem multifactorial na diabetes mellitus de longa duração. Caso clínico Francisco Sobral do Rosário, António Garrão 59 Um caso de bócio multinodular tóxico tratado com Iodo-131 António Garrão, Francisco Sobral do Rosário, Cristina Loewenthal 65 Rejuvenescimento facial com laser de CO2 ultrapulsado e fraccionado não sequencial: Resultados preliminares José Campos Lopes, Luísa Caldas Lopes 71 Tratamento de cicatrizes de acne por resurfacing com laser de CO2 ultrapulsado e fraccionado José Campos Lopes César Resende. de etiologia não aterosclerótica. Cristina Pestana . Dinis da Gama 131 A síndrome do dedo azul (blue toe syndrome) e o seu significado patogénico. José Damião Ferreira. Paulo Roquete. Diogo Cunha e Sá. António Messias. César Resende. Tiago Costa. Cristina Pestana. José Damião Ferreira. em desportistas jovens Germano do Carmo. Cristina Pestana. José Maria Rodriguez. Dinis da Gama. José Campos Lopes 81 Cefaleias persistentes em doente jovem Raquel Gil-Gouveia. José Andrade Gomes. Rosa Matias. CIRURGIA VASCULAR. A propósito de um caso clínico A. José Damião Ferreira. Nuno Rodrigues. David Serra 105 Colecistectomia laparoscópica através de porta umbilical única utilizando o dispositivo TriPort® ASC Carlos Vaz. Sandra Matias. João Sá. José Damião Ferreira. OTORRINOLARINGOLOGIA 97 Abordagem combinada (cirúrgica e endoscópica) no tratamento da litíase biliar intra-hepática Paulo Roquete. Carlos Vaz. Paulo Roquete 111 Um caso de síndrome da artéria mesentérica superior tratado por duodenojejunostomia laparoscópica Carlos Vaz. João Rebelo de Andrade. Augusto Ministro 141 Isquemia crónica dos membros inferiores. NEUROCIRURGIA. Natália Marto. Paulo Roquete. César Resende. César Resende. João Rebelo de Andrade. David Serra 125 Tratamento cirúrgico de um caso de restenose carotídea Diogo Cunha e Sá. Luísa Albuquerque CIRURGIA GERAL. Augusto Ministro. A. Cláudia Febra. ORTOPEDIA. UROLOGIA.77 Doença de Hailey-Hailey – resposta clínica ao tacrolimus tópico Luísa Caldas Lopes. Gonçalo Cabral. António Rosa. José Ferro 89 A propósito de um caso de ptose alternante e hemiparesia Raquel Gil-Gouveia. João Rebelo de Andrade 117 Tratamento endoscópico de fístula gástrica em cirurgia bariátrica revisional. João Rebelo de Andrade. Caso clínico Carlos Vaz. Vilhena-Ayres. Luísa Teles 185 Achado intra-operatório em cesariana electiva: Volumoso granuloma de corpo estranho Manuela Costa. Manuela Escumalha. José Bismarck 167 Reconstrução traqueal circunferencial. Eduardo Silva. Pedro Oliveira PEDIATRIA. Cláudia Febra. A. Nuno Rodrigues. GINECOLOGIA-OBSTETRÍCIA. A. Ana Catarino 159 Conjugação do mapeamento cerebral por estimulação directa e da neuronavegação com imagens de TC intra-operatória. Leonor Assis Ramos. Rui Anjos 179 Importância do diagnóstico precoce para a reeducação da dislexia. ANESTESIOLOGIA. Pedro Martins. Ana Catarino 189 Um caso de decisão anestésica em urgência Cristina Pestana. Álvaro Lima 209 Filtro temporário na veia cava inferior como profilaxia do tromboembolismo pulmonar. Augusto Ministro. Miguel Casimiro. Carlos Palos. Luís Rosa .149 Tumor germinativo testicular com invasão da veia cava inferior. Paulo Lúcio 201 Fístulas artério-venosas durais intracranianas revisitadas: A propósito de dois casos clínicos Pedro Vilela. Élia Matos Coimbra. Sandra Matias. Caso clínico Cristina Loewenthal. Caso clínico Rita Bettencourt. Ricardo Pacheco. Dinis da Gama. Caso clínico João Olias. Graça Nogueira. Caso clínico Graça Henriques. Teresa Granate Marques. Tratamento cirúrgico multidisciplinar J. Fernanda Melo. Maria do Rosário Vieira. Patrícia Dâmaso. Pedro Oliveira 155 Sinovite vilonodular pigmentada localizada – excisão artroscópica Pedro Granate. IMAGIOLOGIA 175 Síndrome de Wolff-Parkinson White neonatal. Gerardo Millán. José Passos Coelho. Caso clínico Tomás Appleton Figueira. no tratamento de tumores cerebrais: Descrição do primeiro caso tratado em Portugal Miguel Casimiro. Carla Reizinho. Germano do Carmo 195 Contribuição da 18 F-FDG PET-CT para a caracterização de doentes com mieloma múltiplo. Fátima Faustino. Lurdes Oliveira. Margarida Fortunato. MEDICINA MOLECULAR. Case report Francisco Sobral do Rosário. José Damião Ferreira 53 A multifactorial approach in long term diabetes mellitus. Francisco Sobral do Rosário. Miguel Abecasis. Chairman of the Board of Directors of Hospital da Luz and Chairman of the Executive Committee of Espírito Santo Saúde . Katya Reis Santos. Nuno Cardim. Rui Rodrigues 47 The role of early diagnosis and multidisciplinary approach in colo-rectal cancer. Daniel Ferreira. José Passos Coelho. ENDOCRINOLOGY. Manuel Almeida. GASTROENTEROLOGY.CONTENTS Preamble Isabel Vaz. Luísa Caldas Lopes 71 Acne scarring treatment with ultrapulsed and fractional CO2 laser resurfacing José Campos Lopes . Clinical Director of Hospital da Luz Editorial Américo Dinis da Gama. Katya Reis Santos. António Garrão 59 Radioiodine treatment of toxic multinodular goiter: A case report António Garrão. DERMATOLOGY. Marta Marques. João Sá 27 Acute myocardial infarction . CARDIOLOGY. Francisco Pereira Machado 39 Atrial fibrillation robotic ablation: A case report Pedro Adragão. Francisco Pereira Machado 35 Coronary artery disease: Cardiac-CT diagnosis followed by percutaneous intervention.Time is muscle! Luís Raposo. Pedro Adragão. Pedro de Araújo Gonçalves. NEUROLOGY 19 Multiple myeloma IgA/K in a 36-year old man Natália Marto. Pedro Oliveira. Editor INTERNAL MEDICINE. Alexandra Bayão Horta. Marisa Trabulo. Pedro Marques. Diogo Cavaco. Case report Pedro de Araújo Gonçalves. Diogo Cavaco.SGPS Preface José Roquette. Hugo Marques. Pedro Carmo. Vanda Carmelo. António Medina Almeida. Case report David Serra. Cristina Loewenthal 65 Non-sequential fractional ultrapulsed CO2 laser resurfacing for facial photoaging: Preliminary results José Campos Lopes. Augusto Gaspar. Leonor Parreira. Pedro Oliveira . Cristina Pestana. Rosa Matias. João Rebelo de Andrade 117 Endoscopic treatment of gastric leak following redo bariatric surgery. Paulo Roquete 111 Laparoscopic duodenojejunostomy in superior mesenteric artery syndrome. Dinis da Gama 131 The blue toe syndrome and its pathogenic significance. Carlos Vaz. Eduardo Silva. Tiago Costa. António Rosa. João Rebelo de Andrade. César Resende. José Andrade Gomes. Paulo Roquete. António Messias. José Damião Ferreira. A. José Damião Ferreira. Cláudia Febra. NEUROSURGERY. José Campos Lopes 81 Persistent headaches in a young healthy female Raquel Gil-Gouveia. Dinis da Gama. UROLOGY. João Sá. José Damião Ferreira. A. César Resende. Diogo Cunha e Sá. A case report A.77 Hailey-Hailey disease – clinical response to topical tacrolimus Luísa Caldas Lopes. Sandra Matias. Luísa Albuquerque GENERAL SURGERY. ORTHOPEDICS. VASCULAR SURGERY. Case report Carlos Vaz. João Rebelo de Andrade. Gonçalo Cabral. Paulo Roquete. José Passos Coelho. Vilhena-Ayres. Natália Marto. José Maria Rodriguez. César Resende. Cristina Pestana. A. Case report Carlos Vaz. Cristina Pestana 149 Germ CELL tumor OF THE TESTIS with invasion of inferior vena cava. David Serra 105 Laparoscopic cholecystectomy through an umbilical single-port using the TriPort® ASC device Carlos Vaz. Nuno Rodrigues. Multidisciplinary surgical management J. Dinis da Gama. Case report Raquel Gil-Gouveia. José Ferro 89 Alternating ptosis and hemiparesis. César Resende. OTORHINOLARYNGOLOGY 97 Combined (surgical and endoscopic) approach for the management of the biliary intrahepatic stones Paulo Roquete. Case report Diogo Cunha e Sá. David Serra 125 Surgical treatment of carotid restenosis. Augusto Ministro. Augusto Ministro 141 Non-atherosclerotic lower limbs ischemia in young athletes Germano do Carmo. João Rebelo de Andrade. José Damião Ferreira. GYNECOLOGY-OBSTETRICS. Ana Catarino 159 Combined use of direct cerebral stimulation mapping and intra-operative CT-scan based neuronavigation in the treatment of brain tumors: report of the first case treated in Portugal Miguel Casimiro. José Bismarck 167 Circumferential tracheal reconstruction. Ricardo Pacheco. Case report Tomás Appleton Figueira. Graça Nogueira. Manuela Escumalha. Miguel Casimiro. Leonor Assis Ramos. IMAGIOLOGY 175 Neonatal Wolff-Parkinson White syndrome. Sandra Matias. Paulo Lúcio 201 Intracranial dural arterio-venous fistula revisited: Review of two cases Pedro Vilela. Cláudia Febra. Fernanda Melo. Germano do Carmo 195 18 F-FDG PET-CT in the assessment of patients with multiple myeloma. Ana Catarino 189 Decision making in a case of urgent anesthesia Cristina Pestana. Case report Rita Bettencourt. Pedro Martins. Case report João Olias. Patrícia Dâmaso. Nuno Rodrigues. Gerardo Millán. Margarida Fortunato. Álvaro Lima 209 Temporary inferior vena cava filter as prophylaxy for pulmonary embolism. MOLECULAR MEDICINE. Luís Rosa . Augusto Ministro. Rui Anjos 179 The importance of early diagnosis to dyslexia re-education. Lurdes Oliveira. ANESTHESIOLOGY. Teresa Granate Marques. Case report Cristina Loewenthal. Fátima Faustino.155 Localized pigmented villonodular synovitis – arthroscopic excision Pedro Granate. Carla Reizinho. Élia Matos Coimbra. Maria do Rosário Vieira. Carlos Palos. Luísa Teles 185 Surgical finding during elective cesarian section: Voluminous foreign body granuLoMa Manuela Costa. Pedro Oliveira PEDIATRICS. Case report Graça Henriques. 9 . . que o Hospital da Luz seria um projecto vencedor e para isso têm contribuído com dedicação inexcedível. com este livro procuramos também expressar o profundo respeito que sentimos pelos nossos médicos. com a inovação e com a oferta aos seus doentes da melhor abordagem terapêutica que os avanços científicos e tecnológicos permitem. ora indutivo. pela sua saúde e bem-estar. ora dedutivo. honra o compromisso do Grupo Espírito Santo Saúde. antes de tudo. na elegância e delicadeza dos gestos de um procedimento. Na sua essência. e pelos médicos que lutam incansavelmente pelos seus doentes. dinamismo e competência exemplares. a par de uma intervenção em equipa. envolvendo de forma integrada o saber e a experiência de profissionais de diversas especialidades. Assim.SGPS .fazer luz na vida de quem o procura. um caso clínico traduz uma relação única entre um médico e o seu doente. pela tradição da sua profissão e prestar uma homenagem à beleza do acto médico concretizada na sua singularidade. que conduz a um diagnóstico e à definição de uma estratégia terapêutica. no brilhantismo de um raciocínio. desde a primeira hora. Isabel Vaz Presidente do Conselho de Administração do Hospital da Luz Presidente da Comissão Executiva da Espírito Santo Saúde .Esta primeira compilação de casos clínicos do Hospital da Luz é. muitas vezes pela sua vida. uma homenagem à vivência médica hospitalar. Este livro é ainda um agradecimento reconhecido a todos os médicos que acreditaram. protagonizada pelas pessoas que diariamente nos procuram e em nós confiam. que este livro procura representar. O hospital cumpre assim o seu nome . O trabalho de todos os profissionais do Hospital da Luz. que aqui reiteramos. . mas também a competência e profissionalismo de todos os clínicos que trabalham nesta instituição.A decisão de publicar um livro dedicado aos casos clínicos que ocorreram no Hospital da Luz resultou da constatação de que nesta instituição se recebem e tratam doentes de elevada complexidade. Para os colegas que não tiveram a oportunidade de apresentar os seus casos. Doutor Américo Dinis da Gama. Inicialmente supúnhamos que poderiam ocorrer sob a forma de situações isoladas. formulo o meu desejo de que esta publicação sirva de estímulo para que num futuro próximo o possam fazer. pela disponibilidade. Estes casos clínicos pretendem não só demonstrar a complexidade patológica atrás referida. mas rapidamente comprovámos que nas variadas especialidades clínicas tal facto se revelava ser relativamente frequente. outros pelo que significam de inovação terapêutica ou de diagnóstico e outros ainda pelo que revelam das capacidades organizativas do Hospital da Luz. Um agradecimento final para a Prof. colaboração e proficiência que tornaram possível este livro. Alguns destes casos sobressaem pela sua originalidade ou complexidade clínica.ª Drª Marina Fraústo da Silva e para o Prof. José Roquette Director Clínico do Hospital da Luz . Por isso aqui deixo uma palavra de agradecimento para todos pelo excelente trabalho desenvolvido e pela ajuda que nos deram para guindar este Hospital à posição que já ocupa no panorama nacional. . tradicionalmente vocacionadas para dar acolhimento à sua divulgação. disseminadas pelo país e pelo mundo fora. que tem. entre outros. ao longo dos tempos e desde Hipócrates. de forma incontornável e por boas ou más razões. que seja. publicações regulares. Porque o doente. com qualidade e eficiência. se não a desejável. o mérito de ultrapassar as fronteiras do interesse individual dos seus autores e poder traduzir. quem a procura. uma carenciada de ajuda (o doente). Cumpre-se. ≈ Compilar e editar um conjunto de casos clínicos. Américo Dinis da Gama Editor . como o ponto de encontro entre duas individualidades. Alguns deixam. o nível de diferenciação técnico-científico da instituição e dos profissionais que a servem. médicas e científicas. são credores de uma identidade própria. pelo menos. formulando votos para que ela frutifique e se reproduza com regularidade. Por virtude destas razões. desta forma. vai-se acumulando ao longo de uma vida clínica e constitui um verdadeiro património espiritual que consubstancia um dos atributos mais distintos de quem exerce clínica: experiência e senso clínico. feita de conteúdos humanos diversos. a vida profissional de um clínico é feita do somatório dos casos clínicos que diagnosticou ou ajudou a tratar. provavelmente única. forma de apresentação ou qualidade dos resultados terapêuticos e por isso merecem ser divulgados. no seu conjunto. raridade. pela iniciativa.O acto médico tem sido encarado. criar as condições e dar concretização a um desígnio que não pode nem deve andar arredado dos horizontes de todo o médico que se preze: o culto da excelência ao serviço do doente. que procura a outra. se pode deduzir que o acto médico se reveste de características únicas e irreprodutíveis: não há dois doentes iguais. com a possível. merecem ser felicitados o Conselho de Administração do Hospital da Luz e a sua Direcção Clínica. vivenciados numa única instituição hospitalar. tal como não existem dois médicos idênticos. Existem. Efectivamente. assume-se como uma ideia original. vocacionada para o ajudar (o médico). o objectivo último para que foi concebida e criada a instituição: tratar bem. simultaneamente. marcas indeléveis. tal como o médico. Esta interacção. com intuitos pedagógicos e educacionais. seja pela originalidade. permitindo. ao longo dos tempos. . MEDICINA INTERNA CARDIOLOGIA GASTRENTEROLOGIA ENDOCRINOLOGIA DERMATOLOGIA NEUROLOGIA 17 . . Abstract Multiple myeloma (MM) is a disease characterized by malignant proliferation of a plasma cell clone. salientamos a idade de início da doença. Descrevemos um caso de MM com manifestações clínicas iniciais de anemia e insuficiência renal aguda. traduzindo uma elevada carga tumoral no momento do diagnóstico. frequentemente produtores de imunoglobulina monoclonal. We report the case of a MM presenting with anemia and renal failure. the absence of a clear peak on serum protein electrophoresis and the coexistence of acute renal failure and nephrotic syndrome. Of particular interest is the young age at onset of disease. Como características particulares. 19 . We emphasize the advanced stage of disease. Destacamos o estadio avançado de doença. certainly related to a high tumor cell mass at the time of diagnosis.MIELOMA MÚLTIPLO IgA/K NUM HOMEM DE 36 ANOS Multiple myeloma IgA/K in a 36-year old man NATÁLIA MARTO ALEXANDRA BAYÃO HORTA ANTÓNIO MEDINA ALMEIDA JOÃO SÁ Departamentos de Medicina Interna e de Hematologia Clínica RESUMO O mieloma múltiplo (MM) é uma doença caracterizada pela proliferação neoplásica dum clone de plasmócitos. often producing a monoclonal immunoglobulin. a ausência de pico na electroforese das proteínas e a coexistência de insuficiência renal aguda com síndroma nefrótico. Nesta consulta foi identificada uma anemia macrocítica.19 2.9 2.6 21.7 10.8 4.9 30.60 0 1 8 Hemoglobina (g/dL) 11.9 - Desidrogenase láctica LDH (UI/L) - 130 125 - Proteína C reactiva (mg/dL) - - 1.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO O mieloma múltiplo (MM) é uma doença caracterizada pela proliferação neoplásica dum clone de plasmócitos.35 5.5 2.6 - Sódio (mmol/L) 140 138 144 141 Potássio (mmol/L) 4.0 Hematócrito (%) 34.4 7.9 18.92 Creatinina (mg/dL) . Descreve-se um caso de MM que embora tenha uma apresentação clínica típica. este clone produz uma imunoglobulina monoclonal.2 - 62 - 49 - 53 114 82 123 1. elevação da velocidade de sedimentação (VS) e retenção azotada Quadro I – Evolução dos principais valores laboratoriais PARÂMETROS LABORATORIAIS DO SANGUE DIAS DE INTERNAMENTO . se revestiu de alguns aspectos muito particulares. com anemia e insuficiência renal aguda.3 Volume globular médio (VGM) (fL) 107 104 103 98 35 37 37 32 Hemoglobina globular média (HGM) (pg) Leucócitos (x109/L) Plaquetas (x109/L) Reticulócitos (%) Velocidade de sedimentação (mm) Ureia (mg/dL) 9. Em mais de 90% dos casos.8 6.7 4. O doente tinha recorrido a uma consulta de Medicina Geral e Familiar para avaliação de rotina.2 - Albumina (g/dL) - - 2.4 17.8 Proteínas totais (g/dL) - - 5. É uma doença pouco frequente.6 331 465 396 354 - - 1.8 Cloro (mmol/L) 103 107 111 108 Cálcio (mg/dL) - - 8.1 CASO CLÍNICO Um homem de 36 anos de idade.56 2.7 11. foi referenciado ao Departamento de Medicina Interna por anemia e insuficiência renal. que corresponde a cerca de 1% de todas as neoplasias e 10% das neoplasias hematológicas.5 8.4 - Fósforo (mg/dL) - - 4. Saliente-se que. Não se constataram perdas hemáticas aparentes.7 g/24h). Nesta consulta foi ainda diagnosticado tumor de Whartin da parótida. A imunofenotipagem revelou plasmócitos com o fenótipo aberrante CD38++/CD138+/CD56+/ 21 . Não se palpavam linfadenopatias nas principais cadeias periféricas e o exame de tórax e abdómen não apresentava alterações.MIELOMA MÚLTIPLO IgA/K NUM HOMEM DE 36 ANOS ligeira (Quadro I). ocupando cerca de 75% dos espaços medulares da amostra de biopsia óssea (Fig. apirético. 3). manúbrio esternal e ossos ilíacos. transferrina e haptoglobina). hipo-gamaglobulinemia (Fig. hipoalbuminemia (2. A proteinúria caracterizava-se pela presença de marcadores de lesão glomerular (albumina. emagrecimento de 8 kg (80 para 72 kg) e dejecções de fezes mais moles que o habitual. 2). Não apresentava alterações no exame neurológico. A anemia foi caracterizada como macrocítica arregenerativa. A imunoelectroforese das proteínas séricas e urinárias veio a revelar uma proteína monoclonal IgA/K. O valor de beta2-microglobulina era de 13. Na consulta de Anestesiologia pré-operatória do tumor de Whartin. Não existia edema periférico. no dia da consulta de Anestesiologia. realçava-se ainda VS 49 mm. Laboratorialmente. 1) e proteinúria nefróti- Fig. Por complicação da citologia aspirativa da parótida. com pressão arterial 12080 mmHg e pulso 95 batimentos por minuto. o doente encontrava-se pálido. bem como de lesão tubular (beta2-microglobulina e alfa1-microglobulina). O doente foi ainda submetido a biópsia renal cujo estudo histopatológico mostrou aspectos compatíveis com doença de depósito de cadeias leves K associada a nefropatia de cilindros (Fig. Nos antecedentes pessoais e hábitos. febre ou queixas álgicas.6 g/dL e insuficiência renal com ureia 131 mg/dL e creatinina 2. o doente apresentava anemia com hemoglobina 7.9 mg/dL (Quadro I). o doente foi medicado com amoxicilina/ácido clavulânico e nimesulida.6 g/dL). A ecografia renal mostrou rins de dimensões aumentadas e a tomografia axial computorizada toraco-abdomino-pélvica confirmou rins de tamanho aumentado. Procedeu-se então a mielograma e biópsia óssea que revelaram infiltração da medula óssea por plasmócitos. com densificação da gordura peri-renal e revelou lesões líticas do segundo arco costal direito. o doente tinha tido jornada de trabalho nocturno com duração superior a 8 horas. No exame físico. destacam-se cirurgia do testículo na infância e hábitos tabágicos quantificados em 20 unidades maço-ano. sendo referenciado à Medicina Interna. 1 Electroforese das proteínas séricas evidenciando ausência de pico monoclonal e redução da banda gama policlonal normal ca (3. com factores hematínicos dentro da normalidade (Quadro I). submetendo-se a esforço físico intenso. Verificava-se um aumento de volume da parótida direita. imunoglobulina G.6 mg/L. Existia uma história com três meses de evolução de astenia. anorexia. com elevação das cadeias leves K livres. Durante o internamento. Para permitir a realização de biópsia renal com segurança. X250) .14) (q13. estando planeado auto-transplante de células estaminais com dose alta de melfalan. que ocupa cerca de 75% dos espaços medulares da amostragem (hematoxilina-eosina. 3 Biópsia renal. 2 Biópsia óssea: Infiltração medular por proliferação de células plasmocíticas monomorfas. B: Microscopia óptica mostra a presença de cilindros hialinos dentro de túbulos renais (nefropatia de cilindros) (tricrómio. X400). X250). B Estabeleceu-se o diagnóstico de mieloma múltiplo IgA/K. No estudo citogenético. X400) CD45-/CD19-/CD117-. A radiografia de esqueleto mostrou ainda lesões líticas da calote craniana (Fig. essencialmente nas membranas basais tubulares (imunofluorescência. fez terapêutica transfusional com quatro unidades de concentrado eritrocitário. O doente foi referenciado à consulta de Hematologia de hospital central oncológico. identificou-se a translocação t(11. C Fig. onde iniciou bortezomib. o doente manteve-se praticamente assintomático. A: Microscopia óptica revelando aspecto lobulado dos novelos capilares.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ A Fig. 4). estadio IIIB de Durie-Salmon e estadio III do International Staging System (ISS).q32). com flutuações discretas do valor de creatinina. típico de algumas formas de MM (tricrómio. C: Microscopia com imunofluorescência demonstrando o depósito linear de cadeias leves K. com rim de mieloma e doença de depósito de cadeias leves. Ao 7º dia de internamento iniciou terapêutica com dexametasona. com apenas 10% e 2% de doentes com idades inferiores a 50 anos e 40 anos.3 O MM é uma doença mais frequente no sexo masculino. A idade mediana de diagnóstico do MM é de 66 anos. esta preponderância acentua-se.2. so doente. habitualmente com mobilidade gama.2 Este é mais um ponto que torna invulgar o caso aqui apresentado. Por ser o mais evidente. arcos costais. atingindo os 67% num estudo de Ludwig et al.3 O achado diagnóstico mais típico no MM é a demonstração de proteína monoclonal (proteína M) na urina ou no soro.MIELOMA MÚLTIPLO IgA/K NUM HOMEM DE 36 ANOS Fig. realçamos a idade jovem do doente. que está presente em 97% dos doentes e constitui um dos critérios de diagnóstico da doença. a dor óssea é um sintoma frequente.4 A proteína M pode ser identificada na electroforese das proteínas séricas como um pico. 4 Radiografia da calote craniana evidencia lesões osteolíticas puras (pepper-pot skull) DISCUSSÃO Apresentamos um caso de MM que. nas idades mais jovens (abaixo dos 40 anos). em 82% dos doentes. incluindo calote craniana. salienta-se a ausência de queixas álgicas. se revestiu de alguns aspectos muito particulares.2 No nos- 23 . já que na electroforese das proteínas séricas não era evidente um pico monoclonal. traduzindo a supressão da produção normal de gamaglobulinas. estando presente no momento do diagnóstico em cerca de 60% dos casos. respectivamente. embora tenha uma apresentação clínica típica com anemia e insuficiência renal aguda. apesar do extenso envolvimento lítico do esqueleto. bem como a sua Relativamente às manifestações clínicas de MM. mas sim uma hipogamaglobulinemia. manúbrio esternal e ossos ilíacos. 9 mg/dL durante o internamento. O resultado da biópsia renal certificou este achado ao revelar que o doente apresenta simultaneamente sinais de nefropatia de cilindros (rim de mieloma) e de doença de depósito de cadeias leves. Quando o doente tem insuficiência renal. atingindo os 2. A análise do perfil das proteínas urinárias mostrou uma proteinúria glomerular não selectiva com proteinúria tubular significativa. A insuficiência renal é uma forma frequente de apresentação. na nefropatia de cilindros o dipstick é negativo uma vez que este teste não detecta cadeias leves). Num trabalho que estuda as características clínicas do MM em 1689 doentes com menos de 50 anos em comparação com 8860 doentes com 50 ou mais anos. na maioria dos doentes a regra é de apenas um tipo de doença renal ter tradução clínica. associado a uma jornada de trabalho árduo.2 A patogénese da doença renal no MM é heterogénea e envolve uma grande variedade de mecanismos.8 Saliente-se que no caso descrito. Já quando existe síndroma nefrótico. que se sabe ser um factor de risco para nefropatia de cilindros. desde o seu início e sobretudo neste grupo etário.10. Este caso ilustra a importância da imunofixação no diagnóstico do MM.9 Ou seja. enquanto o doente com amiloidose ou doença de depósito de cadeias leves e síndroma nefrótico raramente desenvolve insuficiência renal. no doente com nefropatia de cilindros e insuficiência renal raramente há síndroma nefrótico por amiloidose ou doença de depósito de cadeias leves. conclui-se que os doentes mais jovens se apresentam com um estadio ISS mais baixo e menos frequentemente com factores de mau prognóstico.8. A proteína M foi demonstrada pela presença de uma fracção monoclonal IgA/K na imunofixação das proteínas séricas e urinárias. neste . Para além do atingimento da função renal.7 g/dia.3 Porém. a lesão que mais frequentemente se encontra no exame histopatológico (em 40-60% dos casos) é a doença de cilindros ou rim de mieloma.12 Destaca-se por fim a gravidade da doença. Nunca se verificou hipercalcemia. existe lesão glomerular que provoca albuminúria. O doseamento das cadeias leves livres revelou valores elevados de cadeias K no soro e na urina. deve suspeitar-se da presença de amiloidose ou de doença de depósito de cadeias leves. tinha ainda um síndroma nefrótico com proteinúria de 3. mas tinha também tradução clínica dos dois síndromas renais: insuficiência renal e síndroma nefrótico. tornando o dipstick positivo (por oposição. bem como por algum grau de desidratação.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ perda na urina.2 mg/dL. com aumento da creatinina em 50% dos doentes no momento do diagnóstico. Se na prática não é incomum encontrar mais de um tipo histológico na biópsia renal do mesmo doente. Admite-se que o rápido agravamento da função renal que se verificou até ao momento do diagnóstico possa ter sido precipitado pela toma de anti-inflamatórios não esteróides. que é comum no MM com lesões osteolíticas e pode contribuir para a insuficiência renal. Neste caso.5-7 O doente do caso descrito apresentava no momento do diagnóstico insuficiência renal com creatinina de 2. o doente tinha evidência histológica de dois tipos de doença renal.11 O agravamento da função renal durante o internamento parece estar relacionado com a utilização de contraste iodado durante o estudo imagiológico. et al. 3. Gertz MA. Zucchelli P. Clin Nephrol 1987. Ivanyi B. anemia. et al. insuficiência renal com evidência imagiológica de rins de tamanho aumentado e lesões osteolíticas. Pasquali S. Apresentava igualmente outros factores de mau prognóstico. Siegel R. 2008. Review of 1027 patients with newly diagnosed multiple myeloma.58:71-96.14)(q13. a idade jovem. Witzig TE. et al. O diagnóstico foi confirmado pela infiltração plasmocitária da medula óssea e presença de banda monoclonal IgA/K no soro e urina por imunofixacão. a hipótese diagnóstica de mieloma múltiplo acaba por ser colocada perante a associação típica de anemia. 2. Em conclusão. 6.MIELOMA MÚLTIPLO IgA/K NUM HOMEM DE 36 ANOS caso.27:222-8. Durie B. e estadio III do ISS. Bolejack V. et al. Renal Immunopathology Group. o doente apresentou-se com doença estadio IIIB de Durie-Salmon. isotipo IgA e percentagem elevada de plasmócitos na medula óssea. No entanto. Fernanda Carvalho (Hospital Curry Cabral) para leitura da biópsia renal.78:21-33. 5. Ainda com valor prognóstico destaca-se a presença da translocação t(11. Ward E. esta translocação específica encontra-se entre as que apresentam melhor prognóstico. 4. correlacionado com uma sobrevida mediana de 29 meses.37:235-43. Criteria for the classification of monoclonal gammopathies. incluindo aumento da proteína C reactiva. Renal histological lesions and clinical syndromes in multiple myeloma. Blood 2008. CA Cancer J Clin 2008.111:4039-47. correspondendo a uma massa tumoral superior a 1. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a colaboração e disponibilidade da Dra. multiple myeloma and related disorders: a report of the International Myeloma Working Group. Myeloma in patients younger than age 50 years presents with more favorable features and shows better survival: an analysis of 10549 patients from the International Myeloma Working Group.121:749-57. Acta Morphol Hung 1989. Jemal A. neste doente. Renal complications in multiple myeloma. Br J Haematol 2003. morfologia linfoplasmocítica ou plasmócitos pequenos maduros e expressão de CD20. Cancer Statistics.q32). Ludwig H. Esta translocação é a encontrada com maior frequência no mieloma múltiplo e está associada a níveis séricos baixos de proteína M (como neste caso). BIBLIOGRAFIA 1.2x1012 células/m2 . aumento da creatinina sérica. a ausência de pico na electroforese das proteínas séricas e a coexistência de insuficiência renal e síndroma nefrótico tornaram o diagnóstico menos óbvio e conferiram a este caso clínico um interesse particular.13 Embora as alterações citogenéticas estejam em geral associadas a taxas mais baixas de remissão. Mayo Clin Proc 2003. Kyle RA. Casanova S. 25 . Long-term outcome according to renal histological lesions in 118 patients with monoclonal gammopathies. Blood EA. Valeri AM. Mery JP. et al. Fonseca R. Blood 2002. Am J Med 1984.76: 247-56. et al. Smolens P. Kleinknecht D. 11. 13. Proc Natl Acad Sci USA 1994. Meyrier A. Morel-Maroger L. Renal lesions in multiple myeloma: their relationship to associated protein abnormalities.13: 1438-45. Renal monoclonal immunoglobulin deposition disease: the disease spectrum. 9. Osserman EF. et al. . et al. Cohen DJ. Weiss DT. Myeloma and the t(11. Nephrol Dial Transplant 1998. et al.91:3034-8.110:460-5. Myatt EA. Markowitz GS.12:1482-92. Hypercalcemia can potentiate the nephrotoxicity of Bence Jones proteins.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ 7. 10. Pathogenic potential of human monoclonal immunoglobulin light chains: Relationship between in vitro aggregation and in vivo organ deposition. Appel GB. J Lab Clin Med 1987. Kreisberg R. Am J Kidney Dis 1983. Oken MM.14)(q13. Acute renal failure in patients with multiple myeloma. J Am Soc Nephrol 2001. Montseny JJ. Westholm FA.99:3735-41. Hill GS. Lin J.2:423-38. 8. Barnes JL. 12. Sherman WH.q32): evidence for a biologically defined unique subset of patients. potencialmente fatal e com um importante custo sócio-económico. critically depends on the timely reestablishment of blood flow in the occluded coronary artery. a incidência de doença coronária (DC) tem vindo a aumentar de forma consistente. The widespread use of reperfusion and secondary prevention strategies have warranted a decline in AMI related hospital mortality.ENFARTE AGUDO DO MIOCÁRDIO “TEMPO É MÚSCULO!” Acute myocardial infarction “Time is muscle!” LUÍS RAPOSO VANDA CARMELO PEDRO DE ARAÚJO GONÇALVES KATYA REIS SANTOS DIOGO CAVACO MANUEL ALMEIDA MARISA TRABULO NUNO CARDIM DANIEL FERREIRA PEDRO ADRAGÃO FRANCISCO PEREIRA MACHADO Departamento de Cardiologia RESUMO Embora a doença cerebro-vascular continue a dominar o espectro das manifestações clínicas e a mortalidade relacionada com a doença vascular aterotrombótica no nosso país. The efficacy of treating AMI. our major challenge still focus on the development of networks and 27 .which can be the first manifestation of CHD in up to one third of the cases . tão precoce quanto possível. Acute myocardial infarction (AMI) . do fluxo sanguíneo no vaso ocluído. A evolução e a generalização das estratégias de reperfusão e o emprego de medidas de prevenção secundária têm permitido reduzir a mortalidade hospitalar e melhorar o prognóstico a longo prazo nos sobrevi- Abstract Despite the increasing incidence of coronary heart disease (CHD) in Portugal. and holds a significant social and economic burden. Em cerca de um terço dos casos a manifestação inaugural da DC é um enfarte agudo do miocárdio. potentially fatal. stroke is still the leading cardiovascular related cause of death. As new treatments will continue to emerge. as well as a significant improvement in the long term prognosis in those surviving the acute episode. uma situação clínica relativamente comum.is relatively common. O tratamento do enfarte assenta no restabelecimento. adequada e atempadamente. mas o maior desafio continuará a residir na capacidade de implementação de estratégias logísticas e organizacionais que permitam tratar um maior número de doentes. a incidência de doença vascular nos países Mediterrânicos tem vindo a aumentar de forma significativa devido às modificações do estilo de vida. antes que o doente possa receber assistência hospitalar). com claro destaque. para os 16119 casos (cerca de 15% do total) relacionados com a DCV (Fig. a sua evolução. as well as the available treatment options. Apesar da tendência favorável verificada nos últimos anos na evolução da mortalidade por doenças do aparelho circulatório – cuja maior proporção corresponde a doença vascular aterotrombótica . their historical evolution. neste grupo. mercê da sua estreita relação com a hipertensão arterial. Novos tratamentos continuarão a surgir e a ser estudados. clinical manifestations. o peso relativo da doença coronária (DC) tem vindo a crescer. progressos importantes como a introdução das Unidades Coronárias nos anos 60. o enfarte agudo do miocárdio constitui a mais dramática. . a propósito. logistics capable of delivering adequate and timely treatment to an increasing number of patients. os seus méritos relativos e a sua aplicabilidade. quer pelo carácter abrupto e em muitos casos inesperado do quadro clínico (que em 20 a 30% dos casos constitui a manifestação inaugural da doença coronária). quer pelo risco de mortalidade que lhe está associado (até um terço do casos de enfarte têm um desfecho fatal. que incluem o abandono progressivo da dieta mediterrânica. embora a doença cerebro-vascular (DCV).CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ ventes do episódio agudo. o advento da reperfusão farmacológica e mecânica nos anos 80 e 90 e o estabelecimento de terapêuticas farmacológicas com impacto na prevenção secundária.2. No caso particular de Portugal. assim como às estratégias terapêuticas disponíveis. relative merits and applicability in the real life setting. constituindo actualmente a principal causa de morte. permitiram melhorias impressionantes no prognóstico destes doentes. 1). The authors report the illustrative case of an AMI patient successfully treated by primary angioplasty and comment the pathogenesis. alguns aspectos relativos à fisiopatologia e manifestações clínicas da doença coronária e do enfarte do miocárdio. Os autores relatam o exemplo ilustrativo de um caso tratado com sucesso e comentam.3 No decurso da segunda metade do século XX. INTRODUÇÃO À semelhança do que se tem vindo a passar na Europa do Norte. para além de um importante peso económico e social.estas foram responsáveis por 34% do total de óbitos registados em Portugal Continental em 2005. continue a assumir a liderança das manifestações clínicas da doença vascular.1 De todo o espectro de manifestações da doença coronária. 2). O paciente foi transportado para o Atendimento Médico Permanente do Hospital da Luz por uma ambulância do serviço de emergência pré-hospitalar. seguida da implantação de um stent TAXUS LIBERTÉ 3. registo de um episódio de ritmo idioventricular acelerado durante o período inicial de observação . O doente encontrava-se hemodinamicamente estável. 4). que resultou no restabelecimento do fluxo sanguíneo no vaso ocluído (fluxo TIMI 3) ocorreu aproximadamente 180 minutos (~3 horas) após o início dos sintomas. em Portugal Continental desde 1960 (Fonte: INE .“TEMPO É MÚSCULO!” Nº DE ÓBITOS Fig.ENFARTE AGUDO DO MIOCÁRDIO . A abordagem passou pela administração de ácido acetilsalicílico (AAS). de 61 anos de idade. 3) com um balão 2. onde chegou mantendo os mesmos sintomas.5/16 mm a 12 atm. A primeira insuflação do balão. com irradiação à região cervical anterior. com uma frequência cardíaca de 76/min . 1 Evolução da mortalidade absoluta (número total de óbitos) por doenças do aparelho circulatório (principalmente doença vascular) e comparação com a mortalidade por neoplasias malignas. A evolução clínica durante o internamento foi favorável (em classe Killip I) e o doente 29 . no entanto. O electrocardiograma de 12 derivações evidenciou ondas T hiper-agudas nas derivações precordiais e um ecocardiograma realizado à cabeceira mostrou hipocontractilidade dos segmentos médio-apicais da parede anterior. sem outros factores de risco cardiovascular major conhecidos e sem história de doença vascular clinicamente manifesta.havendo.Estatísticas da Súde . insuflado a 6 atmosferas (atm). fumador. que é subitamente acometido de um quadro de dor precordial opressiva. embora com um perfil tensional baixo (tensão arterial de 101/70 mmHg) semelhante ao padrão habitual.0/15 mm. para optimização do resultado angiográfico (Fig.e não se detectaram sinais de insuficiência cardíaca. sem outros sintomas acompanhantes.Óbitos por causas de morte e estatísticas demográficas 2007) CASO CLÍNICO Indivíduo caucasiano do sexo masculino. tendo sido estabelecido o diagnóstico de enfarte agudo do miocárdio da parede anterior. de intensidade crescente e rapidamente progressiva. o ritmo cardíaco era regular (ritmo sinusal normal). dose de carga de clopidogrel (600 mg por via oral). administração endovenosa de 5000 U de heparina não-fraccionada e subsequentemente pela realização de uma coronariografia de urgência que revelou a presença de um trombo sub-oclusivo no segmento médio da artéria descendente anterior (Fig. Procedeu-se a angioplastia primária (Fig. restabelecimento do fluxo sanguíneo no vaso distal C .5/16 mm Oito meses após o episódio agudo o doente tem uma vida normal. 2 Oclusão trombótica do segmento médio da artéria descendente anterior A Fig.pré-dilatação com balão 2.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ teve alta ao 4º dia sob dupla anti-agregação plaquetar (com AAS e clopidogrel).0/15 mm B . sem isquemia residual na avaliação por ecocardiograma com sobrecarga farmacológica. 3 Angioplastia da artéria descendente anterior: A . em classe I da New York Heart Association. B C . estatina.optimização do resultado angiográfico através da implantação de um stent TAXUS® 3. Fig. bloqueador-beta e um inibidor da enzima de conversão da angiotensina II. O valor máximo registado da creatina-cinase foi de 2519 UI/L e o ecocardiograma realizado antes da alta documentou ligeira hipocontractilidade residual do território de enfarte com uma fracção de ejecção normal. sem novas manifestações de doença vascular e sem complicações da terapêutica farmacológica. sem sintomas anginosos. potenciando a lise do “trombo vermelho” rico em fibrina e o restabelecimento do fluxo sanguíneo no vaso afectado. isquemia miocárdica em situações de 31 .com particular destaque para o GISSI-I (Gruppo Italiano per lo Studio della Streptochinasi nell’Infarto Miocardico)5 e o ISIS-2 (Second International Study of Infarct Survival)6 . originando uma janela temporal relativamente curta para a administração eficaz do fármaco10 constituem algumas das limitações ao seu uso.8 Contudo.7. Paralelamente. Esse notável avanço proporcionou uma significativa redução da taxa de mortalidade precoce.em regra provocado pela oclusão persistente de uma artéria epicárdica por um trombo formado localmente devido à instabilização de uma placa aterosclerótica4 . tornando-a. ainda hoje.permitiu o desenvolvimento e a utilização de fármacos fibrinolíticos. A imagem ampliada mostra a endoprótese após a implantação COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES O caso descrito procura ilustrar o “cenário perfeito” no contexto de um enfarte agudo do miocárdio .contacto com serviço de emergência pré-hospitalar.ENFARTE AGUDO DO MIOCÁRDIO . 4 Resultado final da angioplastia. a possibilidade de re-oclusão (com re-enfarte). de estenoses arteriais por placas ateroscleróticas não oclusivas que provocam. O esclarecimento da fisiopatologia fundamental do enfarte agudo do miocárdio . mercê de uma melhor preservação da função contráctil residual do ventrículo esquerdo nos sobreviventes do episódio agudo. em vez de enfarte.os estudos clínicos que consagraram a fibrinó- lise como a “pedra basilar” da terapêutica do enfarte. surgiam os primeiros relatos de uma forma de tratamento percutâneo da doença coronária obstrutiva.“TEMPO É MÚSCULO!” Fig. reperfusão precoce e evolução clínica favorável desde o início do quadro clínico. capazes de interferir no processo dinâmico da trombose. no final dos anos 70. contribuindo também para a melhoria do prognóstico a longo prazo. Sucederam-se então durante a década de 80 do século vinte . o risco de hemorragias (em particular em doentes idosos)9 e a relação crucial com a duração da oclusão arterial. no método de reperfusão mais usado a nível mundial. ou seja. e de acordo com as recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia e do American College of Cardiology / American Heart Association11. redistribuir a placa aterosclerótica na parede do vaso. permitindo.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ aumento da necessidade de oxigénio. graças a um menor número de contra-indicações/ limitações que a fibrinólise. incluindo o enfarte agudo do miocárdico com elevação do segmento ST (o clássico “enfarte transmural”). embora se registem acentuadas assimetrias regionais. que na globalidade do território nacional acabarão por constituir a maior parte dos casos. Nestas situações. em particular se esse atraso significar perder o período de janela óptimo para a fibrinólise num doente sem contra-indicações. mormente com a utilização de endopróteses coronárias (vulgarmente conhecidas como stents). do inglês percutaneos transluminal coronary angioplasty). não só um significativo alargamento da janela temporal para o tratamento. excepto se não for possível transferir o doente em segurança para um centro habilitado a efectuar o procedimento num intervalo temporal que não exceda 60 a 90 minutos após o primeiro contacto médico. se o fármaco for administrado muito precocemente. em virtude de limitarem a reserva coronária de vasodilatação.11 De acordo com os dados mais recentes publicados com base no Registo . ou esta não possa ser realizada durante as primeiras duas a três horas após o início dos sintomas. radial ou umeral .como forma de acesso ao aparelho cardiovascular) permitia. uma redução do risco de AVC e.12 . a fibrinólise continua a ser a principal forma de reperfusão no EAM. Desde há vários anos que a utilização desta técnica se estendeu às manifestações agudas da doença vascular coronária. não menos importante. de forma segura. conheceu nos últimos 25 anos avanços tecnológicos notáveis. no caso particular da fibrinólise (o tratamento mais disponível na grande maioria dos centros hospitalares portugueses). reconhecidos benefícios clínicos. Em Portugal. um possível alargamento do espectro de doentes candidatos ao tratamento. bem como uma maior eficácia no restabelecimento do fluxo sanguíneo na artéria lesada. nomeadamente durante as primeiras duas/três horas de evolução de sintomas. constituindo hoje. conhecida como angioplastia coronária transluminal percutânea (ACTP ou com as iniciais PTCA. A utilização de catéteres-balão introduzidos nas artérias coronárias através de um catéter e de um fio guia (usando uma artéria periférica . proporcionando. em complementaridade com a terapêutica médica/farmacológica. Na prática. deve ser dada prioridade à fibrinólise. em particular no mundo industrializado.9-11 A eficácia da terapêutica de reperfusão encontra-se criticamente dependente do tempo de evolução dos sintomas e. relativamente à fibrinólise. a PTCA primária deve ser a estratégia de escolha sempre que isso não implique um atraso significativo no tratamento do doente.femoral. decorrentes de uma significativa melhoria da qualidade de vida e possivelmente também de uma redução da mortalidade.a angioplastia primária deve ser a estratégia de escolha. Por estes motivos . um menor risco de re-oclusão do vaso e de necessidade de nova intervenção (decorrente do uso de stents). só é comparável à da angioplastia. A intensa investigação clínica desenvolvida nesta área estabeleceu a angioplastia primária como o “estado da arte” no tratamento do enfarte. aliviando o grau de estenose. Esta forma de tratamento. uma das principais abordagens da doença coronária crónica obstrutiva. constitui actualmente o maior desafio da comunidade médica e das autoridades de saúde. N Engl J Med 2001.“TEMPO É MÚSCULO!” Nacional de Sindromas Coronários Agudos. Clinical Reality of coronary prevention guidelines: a comparison of EUROASPIRE I and II in nine countries. A prospective survey of the characteristics.2:249-60.345:1473-82. cujo objectivo último é proporcionar a uma população com risco de enfarte em crescimento a possibilidade do melhor tratamento possível em tempo útil. Castellanos A. Gruppo Italiano per lo Studio della Streptochinasi nell’ Infarto Miocardico (GISSI). Hasdai D.134:224-38. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística. O reconhecimento da sintomatologia sugestiva de enfarte (tipicamente dor no centro do peito. Lancet 1988. preferencialmente. for the Euro Heart Survey of Acute Coronary Syndromes (Euro Heart Survey ACS). Randomized trial of intravenous streptokinase. Estatísticas demográficas 2007. por um lado. caso se confirme o diagnóstico. Lancet 2001. persistente. 5. Destes.343:311-22. Rauch U. mas em boa parte também. Myerburg RJ. a proporção de doentes que recebe terapêutica de reperfusão no global. both. Ann Intern Med 2001. “Tempo é músculo!”. Walentin L. Lancet 1986. a um hospital onde possa ser efectuada uma angioplastia. com irradiação aos membros superiores. 2008:63. BIBLIOGRAFIA 1. Badimon Jl. O Hospital da Luz dispõe. Lancet 1994. Fayad Z. A optimização destes e de outros recursos já existentes. 3. mesmo durante o período de 12 horas que se aceita como adequado para proceder ao tratamento. mandíbula ou dorso. em permanência. Eur Heart J 2002. 33 . Fuster V. apenas 65% dos doentes admitidos no hospital com o diagnóstico definitivo de enfarte com elevação do segmento ST receberam reperfusão. regista um decréscimo progressivo à medida que avança o tempo decorrido desde a origem dos sintomas. opressiva ou “tipo peso”.357:995-1001. or neither among 17187 cases of suspected acute myocardial infarction: ISIS. falta de ar e sudação) deve levar idealmente a um contacto imediato com os serviços de emergência pré-hospitalar que activará os meios de socorro necessários e conduzirá o doente. 7.1:397-402. menos de um terço foram submetidos a angioplastia primária. 4. Chesebro JH. 2. Osende JI. Effectiveness of intravenous thrombolytic treatment in acute myocardial infarction. 6.ENFARTE AGUDO DO MIOCÁRDIO .23:1190-2001. incluindo a realização de angioplastia primária. por vezes acompanhada de “sensação de morte iminente”. de uma equipa de cardiologistas com treino no tratamento do enfarte agudo do miocárdio. oral aspirin. Este aspecto poderá traduzir. ISIS-2 (Second International Study of Infarct Survival) Collaborative Group.2. Indications for fibrinolytic therapy in suspected acute myocardial infarction: collaborative overview of early mortality and major morbidity results from all randomized clinical trials of more than 1000 patients. Sudden death due to cardiac arrhythmias. Behar S. apesar do crescimento da taxa de reperfusão mecânica de 20% para 25% entre 1996 e 2002. Huikuri HV. Fibrinolytic Therapy Trialists (FTT) Collaborative Group. et al. Thrombus formation on atherosclerotic plaques: pathogenesis and clinical consequences. as dificuldades logísticas e organizacionais que ainda existem no que toca ao transporte inter-hospitalar destes doentes. treatments and outcomes of patients with acute coronary syndromes in Europe and the Mediterranean basin. European Action on Secondary Prevention by Intervention to Reduce Events (EUROASPIRE) I and II Group. o atraso registado no reconhecimento dos sintomas e na procura de assistência médica. 8.13 Infelizmente. 12.24:28-66. Eur Heart J 2003.org/ clinical/guidelines/stemi/index. et al. et al. Primary angioplasty versus thrombolytic therapy for acute myocardial infarction: a quantitative review of 23 randomized trials. Rev Port Cardiol 2004. Anbe DT.acc. Schulman SP. Disponível em www. Thiemann DR. A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Committee to Revise the 1999 Guidelines for the Management of Patients With Acute Myocardial Infarction).pdf 13. Boura LA. Management of acute myocardial infarction in patients presenting with ST-segment elevation. Grines CL.23:1251-72. Mimoso J. The Task Force on the Management of Acute Myocardial Infarction of the European Society of Cardiology. Antman EM. Guidelines for the Management of Patients With ST-Elevation Myocardial Infarction. Grupo de Estudos de Cuidados Intensivos Cardíacos em nome dos Investigadores do Registo Nacional de Sindromas Coronárias Agudas.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ 9. et al. Keely FC. 11. Coresh J. 10. Van de Werf F. Circulation 2000. Ferreira J. Ardissino D. Lancet 2003. Monteiro P. 2004.361:13-20. Lack of benefit for intravenous thrombolysis in patients with myocardial infarction who are older than 75 years. . Betriu A.101:2239-46. Armstrong PW. A realização de uma angio-TC cardíaca permitiu documentar a existência de uma estenose significativa no segmento proximal da artéria coronária descendente anterior.DOENÇA CORONÁRIA: DIAGNÓSTICO POR ANGIO-TC SEGUIDO DE INTERVENÇÃO PERCUTÂNEA. becoming presently asymptomatic. A cardiac-CT study revealed a significant stenosis of the left anterior descending coronary artery and the patient was submitted to a percutaneous coronary intervention with a stent placement. com implantação de um stent e evoluiu favoravelmente. 35 . Case report PEDRO DE ARAÚJO GONÇALVES HUGO MARQUES AUGUSTO GASPAR FRANCISCO PEREIRA MACHADO Departamento de Cardiologia e Centro de Imagiologia RESUMO Os autores apresentam o caso clínico de um doente com queixas de angor atípico e prova de esforço sugestiva de isquemia do miocárdio. encontrando-se actualmente assintomático. CASO CLÍNICO Coronary artery disease: cardiac–CT diagnosis followed by percutaneous intervention. O doente foi posteriormente submetido a intervenção coronária percutânea. Abstract The authors report the case of a patient with atypical chest pain and an exercise treadmill test that was suggestive of myocardial ischemia. The patient had a favorable evolution. de 58 anos de idade. CASO CLÍNICO Indivíduo caucasiano do sexo masculino. Tinha como factores de risco para doença cardiovascular hipertensão arterial e dislipidemia. global e segmentar normais. A coronariografia não invasiva por angio-TC.Visipaque®). pelo que se encontra indicado sobretudo nos casos em que a probabilidade de existência de doença coronária é relativamente baixa ou intermédia. que não condicionava a este nível estenose significativa (Fig. A frequência cardíaca média na aquisição foi de 51 batimentos por minuto (bpm) e a dose de radiação foi de 338 DLP (correspondente a 6mSv). o médico assistente optou pela realização de uma angio-TC cardíaca. Os autores apresentam o caso clínico de um doente cuja angio-TC cardíaca documentou a presença de uma estenose significativa na artéria coronária descendente anterior proximal. 1 e 2). A angio-TC foi realizada num aparelho de 64 cortes e dupla ampola (Dual source CT .CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO A angiografia com tomografia computorizada (angio-TC) cardíaca é um exame não invasivo que permite avaliar a presença de doença coronária. 3). confirmou assim a presença de doença . na bifurcação com a primeira diagonal. sem antecedentes relevantes. como causa das alterações da repolarização verificadas na prova de esforço. ambas medicadas e razoavelmente controladas. nomeadamente ao nível dos campos pulmonares. O cateterismo cardíaco posterior confirmou os achados da coronariografia não invasiva e no mesmo procedimento o doente foi submetido a uma angioplastia com implantação de um stent. foram administrados 84 ml de contraste isoosmolar (iodixanol 320 mg/ml . nomeadamente do foro cardiovascular. Por queixas de angor atípico de instalação recente foi-lhe pedida prova de esforço. Siemens-Medical).Somaton Definition®. Sendo as queixas atípicas. Trata-se de um exame com um elevado valor preditivo negativo. a informação fornecida pela angio-TC cardíaca poderá também contribuir para a orientação e planeamento da estratégia de intervenção. A qualidade de imagem permitiu a avaliação dos 17 segmentos da árvore coronária. Documentou-se ainda a presença de placa não calcificada no segmento proximal da coronária direita. de modo a detectar a presença de doença coronária. com função sistólica ventricular esquerda. que foi positiva para isquemia do miocárdio. condicionando uma estenose significativa na descendente anterior (Fig. tendo sido documentada a presença de uma placa mista na artéria coronária descendente anterior proximal. Foi ainda avaliada a função ventricular esquerda em reconstrução multifásica.1 Nos casos em que documenta a presença de doença coronária significativa. A aquisição do scan demorou 8 segundos. que documentou cavidades cardíacas de dimensão normal. Nos segmentos torácicos incluídos na aquisição cardíaca não foram documentados achados extracardíacos significativos. ao nível da bifurcação com 1ª diagonal. Passados 10 meses o doente mantém-se assintomático. 4). Comparação da imagem obtida por angio-TC (coronariografia virtual – à esquerda) e no cateterismo cardíaco (à direita) coronária significativa. Comparação da imagem obtida por angio-TC (coronariografia virtual à esquerda) e no cateterismo cardíaco (à direita) Fig. 1 Imagens da angio-TC cardíaca com reconstrução 3D volume-rendered (VRT). sem estenose residual significativa e o fluxo final na artéria coronária descendente anterior e na diagonal foi normal (TIMI 3). com indicação para intervenção percutânea. com técnica de bi- furcação provisional T-stenting. reconstrução multiplanar (MPR) Fig. No mesmo procedimento foi realizada uma angioplastia da artéria coronária descendente anterior.0/16mm. 5). tendo já repetido prova de esforço que foi negativa para isquemia miocárdica. com implantação de um stent Taxus 3. O doente realizou cateterismo cardíaco que confirmou os achados da angio-TC e foi feita a integração das imagens obtidas pela angio-TC na sala de hemodinâmica para visualização durante o procedimento (Fig. Foi obtida uma boa expansão do stent. CASO CLÍNICO Fig. Durante o procedimento foi utilizado um fio guia suplementar para “proteger” o vaso colateral (Fig. 3 Estenose não significativa da coronária direita proximal. 2 Estenose significativa da descendente anterior proximal.DOENÇA CORONÁRIA: DIAGNÓSTICO POR ANGIO-TC SEGUIDO DE INTERVENÇÃO PERCUTÂNEA. 37 . limitations.29:531-56. Van Mieghem CA. Working Group Nuclear Cardiology and Cardiac CT. Detection and characterization of coronary bifurcation lesions with 64-slice computed tomography coronary angiography. Bengel F. 4 Integração das imagens obtidas pela angio-TC cardíaca (monitor à direita) na sala de hemodinâmica. Thury A. et al. permitindo assim um planeamento adequado da estratégia de intervenção. informação igualmente importante para a intervenção coronária. Int J Cardiol 2007. Sixty-four-slice computed tomography-facilitated percutaneous coronary intervention for chronic total occlusion. Meijboom WB. Neste caso foi possível não só documentar a presença de uma estenose significativa numa artéria coronária. Achenbach S. A angio-TC cardíaca permite ainda avaliar o tipo de placa. and training requirements: report of a Writing Group deployed by the Working Group Nuclear Cardiology and Cardiac CT of the European Society of Cardiology and the European Council of Nuclear Cardiology. 3. et al. Schroeder S. Eur Heart J. Saito S.28:1968-76. European Society of Cardiology. mas sobretudo avaliar correctamente a extensão e distribuição da lesão. . nomeadamente com envolvimento ostial de vaso colateral. exigindo por vezes a utilização de dispositivos específicos. Kaneda H. bem como o calibre do vaso. com bom resultado angiográfico final (à direita) DISCUSSÃO Este caso ilustra a utilidade da angio-TC cardíaca. Eur Heart J 2008. Domae H. e comparação com as da coronariografia invasiva (monitor da esquerda) Fig. European Council of Nuclear Cardiology. nomeadamente a presença de calcificação. A angioplastia de estenoses coronárias calcificadas é habitualmente mais difícil. BIBLIOGRAFIA 1. Shiono T. Trabalhos publicados recentemente demonstram a utilidade da angio-TC cardíaca para fornecer preditores de sucesso de recanalização de oclusões crónicas2 e para avaliar padrões de distribuição das lesões coronárias em bifurcação. 2. 5 Angioplastia da lesão da artéria coronária descendente anterior (à esquerda) com implantação de um stent Taxus (centro).CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ Fig.115:130-2. 2007. Cardiac computed tomography: indications. Takahashi S. Miyashita Y. applications. como é o caso da aterectomia rotacional (rotablator) ou de cutting-balloon.3 informação útil para o planeamento da estratégia de revascularização. que excede a sua capacidade de excluir com elevada acuidade a presença de doença coronária. refractory to several anti arrhythmic agents. Foi submetida a isolamento percutâneo de veias pulmonares com sistema de navegação magnética. One year after the procedure the patient remains symptom free without any anti arrhythmic drugs. Abstract The authors report the clinical case of a 63-year old female with highly symptomatic recurrent paroxysmal atrial fibrillation. 39 . Um ano após o procedimento continua sem novos episódios de fibrilhação auricular e sem medicação anti-arrítmica. muito sintomática e refractária à terapêutica médica. com sucesso.ABLAÇÃO ROBÓTICA NA FIBRILHAÇÃO AURICULAR: CASO CLÍNICO Atrial fibrillation robotic ablation: a case report PEDRO ADRAGÃO DIOGO CAVACO LEONOR PARREIRA KATYA REIS SANTOS PEDRO CARMO MIGUEL ABECASIS MARTA MARQUES RUI RODRIGUES Departamentos de Cardiologia e de Cirurgia Cardiotorácica RESUMO Os autores apresentam o caso clínico de uma doente de 63 anos de idade com fibrilhação auricular paroxística recidivante. The patient was successfully treated by percutaneous bilateral pulmonary vein isolation with Magnetic Navigation System (NIOBE). regulares e simétricos. A pressão arterial era de 130/70 mmHg (semelhante em ambos os membros superiores). fluxo transmitral normal. alternando com ritmo sinusal. palpitações ocasionais. A frequência cardíaca era de 70/minuto e os pulsos rítmicos. Apresentamos o caso clínico de uma doente referenciada à nossa consulta por queixas de cansaço e palpitações. Em aparente saúde até 5 meses antes da observação na consulta de Arritmologia. dor torácica ou síncope. edemas dos membros inferiores. A cintigrafia não mostrou alterações da perfusão miocárdica.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO Os anti-arrítmicos utilizados no tratamento da fibrilhação auricular têm uma eficácia reduzida. Foi efectuado ecocardiograma que mostrou: boa função ventricular esquerda. de 63 anos de idade. Para excluir a presença de doença coronária foi pedida cintigrafia de perfusão miocárdica associada a prova de esforço.1 surgiram tratamentos invasivos. com intuito curativo para esta arritmia. cursam com efeitos secundários graves e. amplos. Não existiam outras queixas sugestivas de doença cardiovascular. surgiram extra-sístoles supraventriculares muito frequentes e curtos períodos de fibrilhação auricular. em alguns subgrupos de doentes. Durante a prova de esforço (protocolo de Bruce). podem mesmo aumentar a mortalidade. O Holter de 24 horas mostrou longos períodos diurnos (>16 horas) de fibrilhação auricular que alternavam com ritmo sinusal. aurículas não dilatadas e ausência de derrame pericárdico. e a par do aumento de conhecimento dos mecanismos fisiopatológicos subjacentes à fibrilhação auricular. nomeadamente. CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino. Nos últimos anos. hipercolesterolemia controlada (sinvastatina 20 mg/dia). Não existiam alterações sugestivas de insuficiência cardíaca.5 mg/dia). O exame objectivo não apresentou alterações relevantes. ausência de alterações valvulares. associadas também a esforços físicos. O electrocardiograma em repouso não mostrava arritmias ou outras alterações. altura em que inicia queixas de cansaço para actividades diárias (classe II NYHA). ortopneia. Tinha ainda antecedentes de hipotiroidismo (controlado com levotiroxina e provas laboratoriais de função tiroideia normais). Como antecedentes relevantes há a referir a presença de factores de risco clássico para doença coronária: hipertensão arterial controlada com medicação (indapamida 1. Estes períodos de disritmia reproduziam as queixas de cansaço da doente. Referia ainda como sintomas acompanhantes. o número de recidivas sob terapêutica é elevado. . tratada com ablação percutânea. A auscultação cardía- ca não revelava sopros ou outras alterações. noutro doente do campo magnético permitem movimentar o cateter de ablação nas 3 direcções do espaço. Foram tentados sequencialmente (períodos de 2 semanas) vários fármacos anti-arrítmicos sem sucesso: bisoprolol. mal tolerada. mas sem fibrilhação auricular. Para esta ablação utilizou-se o sistema de navegação magnética (NIOBE). Após cerca de 3 meses de tentativa de terapêutica farmacológica. 1). Este sistema encontra-se sincronizado com a fluoroscopia e com o sistema de navegação electroanatómico CARTO. com a presença de tronco venoso único à esquerda. 20 minutos de exposição ao RX para a doente (3 minutos para o operador). exame que excluiu a presença de trombos no apêndice auricular esquerdo e mostrou uma aurícula esquerda não dilatada. A doente apresentava um factor de risco trombótico (HTA medicada. sotalol e sotalol associado a flecainida. Estava presente uma variante anatómica na anatomia venosa pulmonar. As veias pulmonares direitas tinham a anatomia habitual (2 veias pulmonares drenando por ostia independentes para a aurícula esquerda). O procedimento decorreu em Julho de 2007 no Hospital da Luz (Fig. Permite efectuar uma ablação à distância através da utilização de software específico. A doente fez angio-TC cardíaca antes do mesmo. propafenona. 2). Após acesso transseptal (punção da membrana da fossa oval. Uma unidade motorizada ligada ao cateter permite avançá-lo e recuá-lo. obrigando a interrupção de actividades. de forma a impedir que a actividade eléctrica destas veias atingisse a aurícula esquerda. Este sistema utiliza 2 magnetos potentes que criam um campo magnético de baixa intensidade junto ao tórax do doente. não foi considerada terapêutica com amiodarona. CHADS score = 1). Os períodos de fibrilhação auricular foram assinalados pela doente como períodos de cansaço extremo. Os Holters seriados sob terapêutica eram semelhantes ao primeiro. Todo o procedimento (após colocação de cateteres na 41 . optou-se pela ablação de fibrilhação auricular. Tratava-se assim de uma primeira apresentação de fibrilhação auricular. O procedimento demorou cerca de 2 horas. com agulha de Brockenbrough) criaram-se 2 pares de lesões em torno das veias direitas e da veia esquerda (com cateter de 8 mm e energia de radiofrequência). Imagem exemplificativa dos operadores a efectuarem ablação à distância. Utilizou-se ainda para monitorização da actividade eléctrica das veias pulmonares um cateter circular duodecapolar (Fig. 1 Sala de controlo. pelo que iniciou anticoagulação oral com varfarina (para INR 2 a 3). Em virtude da doença tiroideia. O procedimento consistiu no isolamento eléctrico das veias pulmonares (confirmado com cateter circular). muito sintomática. As variações na direcção Fig.ABLAÇÃO ROBÓTICA NA FIBRILHAÇÃO AURICULAR: CASO CLÍNICO Durante a noite existiam extra-sístoles supraventriculares. Nas semanas subsequentes registou-se uma melhoria funcional. duas vezes por dia). Um ano depois da ablação a doente encontra-se bem e sem recidiva de sintomas.Veia pulmonar esquerda (tronco único. Projecção antero posterior. VPD . bem visível na reconstrução da angio-TC). 4 e 5). O cateter circular (*) encontra-se na veia pulmonar superior direita e o cateter de ablação (+) no ostium da veia pulmonar inferior direita. 3 Imagem da fluoroscopia em projecção oblíqua anterior direita. (B) Mapa electroanatómico da aurícula esquerda (CARTO) com projecção das lesões de ablação. sem necessidade de manipulação directa dos cateteres. que foi substituída por antiagregação. duas vezes por dia). A doente teve alta no dia seguinte. Foi possível isolar todas as veias (Fig. Projecção póstero-anterior.cateter octapolar colocado no seio coronário .CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ aurícula esquerda) foi efectuado em sala de controlo adjacente. ausência de fibrilhação auricular e apenas algumas extra-sístoles supraventriculares. Nos meses seguintes foi reduzida e interrompida a terapêutica anti-arrítmica e 6 meses depois da ablação. interrompeu-se a anticoagulação oral. SC . sotalol (80 mg. pantoprazol e varfarina (para INR 2 a 3) e restante terapêutica. 3.Veias pulmonares direitas Fig. 2 (A) reconstrução tridimensional da aurícula esquerda (através dos cortes da angio-TC) com projecção das lesões de ablação na mesma (pontos vermelhos). O Holter de 24 horas efectuado 1 mês após a ablação mostrava Fig. sob flecainida (50 mg. VPE . Os sinais VP1 a VP10 referem-se aos 10 bipolos do cateter circular que se encontra colocado (no presente exemplo) na veia pulmonar superior esquerda. insuficiência cardíaca congestiva e morte. V1 e aVF) e intracavitários. SC1. Esta arritmia aumenta o risco a longo prazo de acidente vascular cerebral. A seta aponta para uma extra-sístole proveniente da veia (a activação no cateter da veia pulmonar antecipa-se à activação na restante aurícula. Este achado confirma o potencial arritmogénico desta veia. veia cava superior. com valores de 2% em indivíduos acima dos 50 anos e de 10% para aqueles com mais de 80 anos. Repare-se que no primeiro batimento existe actividade eléctrica registada no cateter VP (VP1 a VP10) e no segundo batimento já não se regista actividade eléctrica neste cateter. SC2 e SC3 refere-se aos electrogramas do seio coronário (proximal. Para alguns. respectivamente). SC1.ABLAÇÃO ROBÓTICA NA FIBRILHAÇÃO AURICULAR: CASO CLÍNICO Fig. A forma de apresentação pode ser variada e nem todos os doentes se queixam de palpitações. V1 e aVF) e intracavitários. Os sinais VP1 a VP10 referem-se aos 10 bipolos do cateter circular que se encontra colocado (no presente exemplo) na veia pulmonar superior esquerda. apêndice 43 . ao contrário do que acontece no batimento anterior). resultante da diminuição do débito cardíaco associado à perda do contributo auricular. A primeira sustenta que a fibrilhação auricular se origina a partir de focos em zonas específicas da aurícula (como por exemplo. como na doente descrita. Velocidade do papel 100 mm/seg DISCUSSÃO A fibrilhação auricular é a arritmia mantida mais frequentemente encontrada na prática clínica. médio e distal. Este traçado mostra o momento em que se isolou a veia pulmonar superior esquerda. médio e distal. 4 Electrogramas de superfície (II. o sintoma predominante é cansaço. Este é o objectivo terapêutico durante a ablação para todas as veias pulmonares. A sua prevalência aumenta com a idade. Velocidade do papel 50 mm/seg Fig. SC2 e SC3 refere-se aos electrogramas do seio coronário (proximal. demonstrando bloqueio de entrada. 5 Electrogramas de superfície (II. as veias pulmonares.2 Existem duas teorias principais para explicar a fibrilhação auricular: a teoria focal e a teoria das múltiplas reentradas. respectivamente). refractária a fármacos anti-arrítmicos.10 No caso apresentado.3 A ablação percutânea de fibrilhação auricular começou há cerca de 10 anos e. Este caso ilustra a utilidade do isolamento das veias pulmonares nestes doentes. em primeiro lugar. sendo necessário que uma parte muito substancial das aurículas esteja envolvida (massa crítica) para que a arritmia se mantenha. Inicialmente era efectuada apenas com recurso ao RX. O tratamento ablativo da fibrilhação persistente de longa duração é mais complexo. surgiram sistemas de ablação robóticos que permitem uma menor exposição ao RX (para pessoal de saúde e doente). Actualmente. a vantagem de utilizar cateteres não rígidos. originando extra-sístoles repetitivas muito precoces. ou persistente de curta duração. além do referido. com necessidade de linhas adicionais na aurícula esquerda e direita. para maximizar a probabilidade de sucesso.4 Este tipo de tratamento acabou por ser abandonado. Ao fim de alguns meses/anos de fibrilhação auricular paroxística surgem alterações fibróticas na parede auricular que levam à sua dilatação e estabelecem-se circuitos de reentrada que perpetuam a arritmia. mantendo-se a doente muito sintomática. Actualmente aceita-se que estes dois mecanismos possam coexistir. o que diminui de forma apreciável a probabilidade de perfuração cardíaca. após ablação. e a segunda sustenta que a fibrilhação se origina pela existência de circuitos múltiplos de micro-reentrada intra auricular.5 A ablação percutânea de fibrilhação auricular paroxística. este procedimento deve ser efectuado o mais . sendo nalguns doentes (ou mesmo em fases distintas de doença) mais importante a existência de focos e. automatização de alguns dos passos e uma maior segurança. a de circuitos de reentrada. pela dificuldade de identificação intra procedimento dos focos eléctricos relevantes: os focos que se encontravam com estimulação farmacológica podiam não ser os focos com significado clínico. consoante as séries consideradas. privilegiou-se o tratamento directo (com energia de radiofrequência) de focos dentro das veias pulmonares. Nos finais da década de 90 surgiram sistemas de mapeamento electroanatómico que permitiram reduzir de forma apreciável a exposição à radiação e aumentar as taxas de sucesso. O sistema nervoso autónomo tem também papel importante. por outro lado.6-8 À luz do conhecimento actual. Assim.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ auricular). inicialmente. Mais recentemente ainda. a estratégia inicial de controlo de ritmo com fármacos anti-arrítmicos não se mostrou eficaz. demorado e com alguns riscos associados. ao poder “activar” focos silenciosos ou pela modificação de períodos refractários e de velocidades de condução do tecido auricular.9 A ablação de fibrilhação auricular é um procedimento complexo. criando condições para que os circuitos de reentrada se mantenham. e as taxas de sucesso são mais baixas. e segundo as recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia. os melhores candidatos para ablação de fibrilhação auricular são doentes com fibrilhação auricular paroxística recidivante. apresenta taxas de sucesso a médio/longo prazo que variam entre 70 a 90%. noutros. O sistema de navegação magnética (NIOBE) tem ainda. a maioria das técnicas de ablação da fibrilhação auricular paroxística envolve o isolamento eléctrico extra-ostial das veias pulmonares. foram também descritos casos de estenose grave das veias pulmonares. em doentes com formas paroxísticas da arritmia. Cardiovasc Electrophysiol 2008. Wolf PA. Sala S et al. et al. Robotic magnetic navigation for atrial fibrillation ablation. Circulation 1997. Augello G. Manguso F. et al. 6.95:572-6. Bänsch D. Arch Intern Med 1998. Electrophysiological breakthroughs from the left atrium to the pulmonary veins. Vicedomini G.47:1390-400. et al.48:2340-7. Impact of atrial fibrillation on mortality. J Am Coll Cardiol 2006. Rosanio S. ACC/AHA/ESC 2006 guidelines for the management of patients with atrial fibrillation. Haïssaguerre M. Circulation. 2000. Pappone C. 45 . Clin Cardiol 2008.19:583-92. Ouyang F. Shah DC. 3. Oreto G. Circulation 2004. 2. et al. Ernst S. Wright M. Haïssaguerre M. BIBLIOGRAFIA 1. 8. Pappone C.158:229-34. Haïssaguerre M. Fuster V. Jaïs P. 5. State of the art: catheter ablation of atrial fibrillation. Knecht S. Update on atrial fibrillation: part I. Cannom DS.102: 2619-28. Kannel WB. et al. D’Agostino RB. Circumferential radiofrequency ablation of pulmonary vein ostia: A new anatomic approach for curing atrial fibrillation. Circulation 2000. stroke. Mitchell JB. Baker CS. 4. Europace 2006. quando ainda não existem alterações de remodelagem da aurícula esquerda.8:651-745. Complete isolation of left atrium surrounding the pulmonary veins: new insights from the double-Lasso technique in paroxysmal atrial fibrillation.102:2463-5. Pappone C. Savelieva I. Camm J. and medical costs. Jaïs P.31:55-62. A randomized trial of circumferential pulmonary vein ablation versus antiarrhythmic 7. A focal source of atrial fibrillation treated by discrete radiofrequency ablation. devendo preferencialmente os doentes ser referenciados enquanto ainda têm crises de fibrilhação auricular paroxística e aurículas pequenas. Rydén LE. et al. 10. drug therapy in paroxysmal atrial fibrillation: the APAF Study J Am Coll Cardiol 2006. Shah DC. 9.ABLAÇÃO ROBÓTICA NA FIBRILHAÇÃO AURICULAR: CASO CLÍNICO precocemente possível. et al.110:2090-6. . A prevenção e o diagnóstico precoce contribuem de forma decisiva para a cura desta enfermidade. The authors report a rare case of a rectal tumor in a 30-year old female patient. de um tumor do recto numa jovem de 30 anos de idade. keeping physical integrity and quality of life. CASO CLÍNICO The role of early diagnosis and multidisciplinary approach in colo-rectal cancer. Case report DAVID SERRA PEDRO MARQUES PEDRO OLIVEIRA JOSÉ PASSOS COELHO JOSÉ DAMIÃO FERREIRA Centro de Gastrenterologia e Endoscopia Digestiva e Departamentos de Anatomia Patológica.IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE E DE UMA ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR NO CANCRO COLORECTAL. Apresenta-se um caso clínico invulgar. com manutenção da qualidade de vida e integridade física. 47 .000 novos casos/ano). Prophylaxis and early diagnosis are efficient ways to achieve its cure.000 new cases per year). cuja detecção precoce e avaliação multidisciplinar permitiram tratar esta patologia. de Oncologia Médica e de Cirurgia Geral RESUMO O cancro colo-rectal (CCR) é uma patologia oncológica com uma prevalência elevada em Portugal (cerca 6. Abstract Colo-rectal cancer (CCR) is a malignant disease with a high prevalence in Portugal (about 6. The early detection and the multidisciplinary approach contributed to its definitive cure. O tratamento do CCR pode ser realizado por três vias: · Terapêutica endoscópica (apenas possível nos tumores in situ).2 Em Portugal são diagnosticados cerca de 6.1 Em cada ano. com um quadro clínico de rectorragias de sangue vivo.3 O CCR é uma doença que afecta sobretudo pessoas com mais de 50 anos de idade. que conduz a um estado de anemia). · Terapêutica cirúrgica.7 O tratamento e o prognóstico da doença estão relacionados com o estadio do cancro na altura do diagnóstico. desde que seja diagnosticada numa fase inicial.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO Na Europa o cancro colo-rectal (CCR) é a forma mais comum de cancro.000 cidadãos europeus morrem de CCR. a seguir ao cancro do pulmão e mama. CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino. sendo que existem actualmente cerca 175 milhões de europeus na faixa etária entre os 50 e 69 anos. por vezes pode ser uma perda microscópica crónica.2 Na maioria dos casos é possível prevenir e tratar esta doença. · A existência de disseminação tumoral à distância para outros órgãos (mais frequentemente o fígado e os pulmões). Este método é conhecido como colonoscopia. o consumo de tabaco. recorre ao Atendimento Médico Permanente do Hospital da Luz. com cerca 1 semana de evolução. no final de Janeiro de 2008. Os factores de risco para o CCR incluem a idade.5 Tão importante como estes e muitas vezes esquecida é a realização de uma rotina de vigilância e de prevenção da doença. história pessoal ou familiar de pólipos ou CCR. mas nas 48 horas anteriores à vinda ao hospital começou a apresentar rectorragias sem evacuação.4. dieta rica em gorduras e pobre em fibra e antecedentes pessoais de colite ulcerosa ou de doença de Crohn. dor abdominal e perda de peso inexplicável. · A presença de gânglios linfáticos com invasão tumoral. mais de 200. alterações do trânsito intestinal.2 Trata-se do 3º cancro mais prevalente em termos mundiais. 30 anos de idade. que depende de três factores: · A profundidade de invasão da parede intestinal. A avaliação inicial no Atendimento Médico Permanente revelou ausência de antecedentes pessoais ou familiares relevantes . · Terapêutica adjuvante (quimioterapia e radioterapia). Inicialmente as perdas hemáticas ocorriam associadas à emissão de fezes. O método de rastreio mais eficaz e mais utilizado consiste na observação do intestino utilizando um tubo fino e flexível com uma câmara de vídeo na extremidade (endoscópio).6 Os sintomas mais frequentemente associados ao CCR são hemorragia (perda sangue pelo ânus.000 novos casos/ano e o CCR é responsável por 10 mortes/dia. Na colonoscopia. 4). a observação da totalidade do cólon não revelou outras lesões patológicas. CASO CLÍNICO Fig. Realizou no mesmo dia os dois exames. 2 Localização da lesão polipóide (multilobulada) próximo da margem anal e ausência de sintomas prévios aos anteriormente descritos.IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE E DE UMA ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR NO CANCRO COLO-RECTAL. No final deste período foi realizado um controlo endoscópico Perante este achado endoscópico. Perante esta situação foi solicitada avaliação pelo gastrenterologista de urgência. O estudo histológico mostrou tratar-se de um adenocarcinoma do recto em adenoma tubulo-viloso com displasia alto grau. tendo iniciado programa de terapêutica combinada. localizada a 2-3 cm da margem anal (Fig. 3 Imagem de TC de uma massa vegetante no recto e de uma adenopatia na gordura adjacente 49 . 1 Lesão polipóide do recto visível na rectosigmoidoscopia diagnóstica Fig. que realizou uma rectosigmoidoscopia diagnóstica. 3). quimioterapia (5-fluorouacil) e radioterapia. Fig. No decorrer deste exame procedeu-se à realização de uma mucosectomia com remoção da lesão polipóide por via endoscópica (Fig. Esta terapêutica prolongou-se durante 6 semanas. tendo a TC revelado a presença de uma massa vegetante no recto e de uma adenopatia na gordura adjacente (Fig. a doente iniciou imediatamente preparação intestinal para realização de colonoscopia total e tomografia computorizada (TC) toraco-abdomino-pélvica. evidenciando perdas hemáticas activas. de grandes dimensões (cerca 5 cm diâmetro). Posteriormente a peça foi enviada para avaliação histológica. Este exame revelou a presença de uma lesão polipóide do recto. As análises clínicas realizadas revelaram-se todas normais (hemoglobina 13 g/dL). a doente foi avaliada em consulta de oncologia. 1 e 2). Cerca de 48 horas após a mucosectomia. O início súbito de perdas hemáticas por via ano-rectal deve implicar sempre uma avaliação endoscópica dos segmentos ano- . em regra. No grupo etário em que a doente se enquadra a presença de rectorragias traduz.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ Fig. numa doente sem qualquer antecedente clínico pessoal ou familiar relevante. Efectuou-se controlo endoscópico/histológico e radiológico em Julho de 2008. 4 Imagens da mucosectomia com remoção da lesão polipóide por via endoscópica Fig. O estadiamento pós-cirúrgico do tumor rectal foi T1 N0 M0 (estádio I). não se observando angioinvasão. uma patologia ano-rectal benigna (doença hemorroidária ou fissura anal) ou doença inflamatória do intestino (colite ulcerosa ou doença de Crohn). COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES Apresenta-se um caso clínico invulgar de neoplasia do recto em idade jovem. Oncologia e Cirurgia Geral) realizada entretanto foi decidida a proposta cirúrgica. 5 Imagens do controlo endoscópico posterior sem evidência de tumor residual ou recidiva e estadiamento por ecoendoscopia. 5). que revelou a presença de duas pequenas adenopatias das cadeias ilíacas internas e ausência de alterações da parede do recto. A peça operatória de ressecção parcial da parede do recto revelou focos residuais de neoplasia que consistiam apenas em agregados escassos de células de adenocarcinoma. Em Maio de 2008 a doente foi submetida a um procedimento cirúrgico minimamente invasivo (excisão trans-anal da zona rectal de implantação tumoral anterior e linfadenectomia inguinal bilateral por via abdominal). As margens laterais e profundas da peça estavam completamente livres de células tumorais. Os gânglios linfáticos removidos não apresentavam qualquer evidência patológica. Numa conferência multidisciplinar (Gastrenterologia. sem qualquer evidência de tumor residual ou recidiva (Fig. cancer. a referenciação e o acompanhamento em centros de referência. Neugut AI. Consultado em 7 de Outubro de 2008. Colorectal cancer . eMedicine Health . O CCR é uma doença de grande prevalência na Europa e em Portugal. Grotowski GC. graças a uma rápida e completa avaliação multidisciplinar que permitiu através de métodos endoscópicos.europacolon. CASO CLÍNICO -rectosigmoides. Cancro Colo-Rectal 2006. ter qualidade de vida. sem qualquer mutilação anatómica ou perda de qualidade de vida. geralmente o procedimento cirúrgico de eleição é uma ressecção abdomino-perineal.com. Lyon: International Agency for Research on Cancer. em estádios que permitem tratar e curar a patologia. J Natl Cancer Inst 1999. Quando do diagnóstico.Practical Guide to Health. com abordagens multidisciplinares é o caminho ideal.com. http://www. europacolon. http://www. Rectal cancer treatment.Europa together against Colorectal cancer. BIBLIOGRAFIA 1. series.118:91-5. Europacolon Portugal. 51 . Ferlay J. http://www. No caso descrito. 4. A terapêutica curativa dos tumores do recto implica geralmente a realização de uma intervenção cirúrgica (excepto nos tumores in situ . permitindo aos doentes ter esperança. Dietary risks factors for the incidence and recurrence of colorectal polyps: a case control study. National Cancer Institute.IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE E DE UMA ABORDAGEM MULTIDISCIPLINAR NO CANCRO COLO-RECTAL. O diagnóstico precoce desta patologia oncológica é simples.gov/cancertopics/pdq/treatment/rectal/patient. Potter JD. 7. com excisão do esfíncter anal e consequente colostomia definitiva. eds. Grande parte das mortes devidas a esta doença seria evitada se a população realizasse regularmente um plano de prevenção oncológica. 2002. No caso presente. emedicinehealth. 2006.estádio 0). Consultado em 7 de Outubro de 2008. esta premissa permitiu o diagnóstico precoce de uma lesão tumoral do recto e a sua posterior resolução.com. http://www. Com a localização muito próxima da margem anal. terapêutica oncológica e cirurgia minimamente invasiva curar esta doente. 6. Whelen SL. Cancer incidence in five continentes. Consultado em 7 de Outubro de 2008. permitindo que exista uma luz ao fundo do túnel. Ann Intern Med 1993. esta cirurgia altamente mutilante foi evitada. Através de um exame endoscópico intestinal (colonoscopia) é possível diagnosticar rapidamente e com grande rigor lesões de CCR. 91:916-32. 2. 5. Parkin DM. Consultado em 7 de Outubro de 2008. Teppo L.molecules and regulators. Thomas DB. Europacolon . 3. Lee WC et al. . Clinical situation was improved only by changing several aspects linked to disease control. Abstract A multifactorial approach is needed in diabetes mellitus to attend the complexity of this chronic disease. a modificação de comportamentos. Apresenta-se o caso clínico de uma doente de 84 anos de idade.ABORDAGEM MULTIFACTORIAL NA DIABETES MELLITUS DE LONGA DURAÇÃO. CASO CLÍNICO A multifactorial approach in long term diabetes mellitus. We report the case of a 84-year old diabetic female with more than thirty years of disease evolution. Apenas com uma intervenção que conduziu a alterações na terapêutica. incluindo o ensino das técnicas de autovigilância. pharmacologic and nutrition measures. Em diabéticos com décadas de evolução encontram-se comportamentos consolidados. alimentação e aspectos comportamentais foi possível melhorar a situação clínica. including selfmanagement skills. Case report FRANCISCO SOBRAL DO ROSÁRIO ANTÓNIO GARRÃO Departamento de Dermatologia RESUMO Num doente com diabetes mellitus é importante efectuar uma abordagem multifactorial que corresponda à complexidade desta doença crónica. a terapêutica farmacológica e a alimentação. Metabolic control was poor. behaviour change. dificilmente modificáveis. with frequent hypoglycemia episodes alternating with hyperglycemia. com diabetes mellitus tipo II com mais de 30 anos de evolução e com deficiente controlo metabólico caracterizado por hipoglicemias graves alternando com hiperglicemia. Diabetics with several years of evolution may present chronic behaviour patterns which are difficult to change. 53 . 1 mg/dL (valores de referência: 0. CASO CLÍNICO Doente de sexo feminino. Concomitantemente verificavam-se valores de glicemia superiores a 300 mg/dL. mas não era observada em consulta de oftalmologia desde 2002. um comprimido diário. A modificação de vários factores ligados ao seu controlo permitiu uma melhoria significativa do quadro clínico. Para optimizar o seu controlo é necessária a aprendizagem por parte do diabético de um conjunto de conhecimentos que inclui desde a execução de técnicas de administração de terapêutica ou de autovigilância até à alimentação e comportamentos de vida mais saudáveis. Em diabéticos com diagnóstico efectuado há vários anos encontram-se comportamentos consolidados. um valor de creatinemia de 1.97 mg/dL. que se apresentou pela primeira vez na consulta de Endocrinologia do Hospital da Luz em Setembro de 2007 acompanhada pela filha. 84 anos de idade. 24 unidades antes do pequeno almoço e 14 unidades antes do almoço. um comprimido diário. co- lesterol HDL. ramipril 5 mg.1-6. 70% de insulina de acção intermédia).CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO A diabetes mellitus é uma doença crónica.9 kg/m2 .71. À observação verificava-se 75 kg de peso para 161 cm de altura (índice de massa corporal de 28. No passado já fora submetida a terapêutica com laser por retinopatia diabética. Nos três meses anteriores estas crises tinham aumentado de frequência. As queixas centravam-se na instabilidade dos valores de glicemia. Apresenta-se um caso clínico que corresponde a uma evolução prolongada de doença. . O valor de glicemia era de 318 mg/dL. Não apresentava antecedentes de doença cardiovascular. sinvastatina 20 mg. com perda de conhecimento.1%). Nos últimos anos tinham-se verificado vários episódios de hipoglicemias graves.7 mg/dL). com pulso rítmico de 84 pulsações por minuto (ppm). correspondente a excesso de peso) e um valor de 125/80 mmHg de tensão arterial. A medicação efectuada consistia em insulina de mistura (30% de insulina de acção rápida. colesterol LDL. Análises recentes demonstravam um valor de hemoglobina A1c de 8. ácido acetilsalicílico 150 mg. Queixava-se igualmente de perda de sensibilidade a valores de glicemia baixos – ausência de sintomatologia com valores de glicemia de 40 mg/dL. um comprimido diário.8% (valores de referência: 4. condicionando um clima de insegurança acentuado a nível familiar. O abdómen apresentava lipodistrofias cutâneas.49 mg/dL. Ao avaliar a situação clínica destes doentes é importante tentar compreender se os conhecimentos adquiridos no passado e os comportamentos quotidianos perante a doença correspondem de facto à sua gestão correcta. muitas vezes correspondendo a erros que contribuem para um pior con- trolo da doença. 500 mg/dia).000 mg/dia). A estratégia no final desta segunda observação passou pelas seguintes medidas: · Substituição da insulina de acção intermédia por uma administração única de insulina glargina. Não revelou efeitos adversos gastrointestinais secundários à reintrodução de terapêutica com metformina.4%. · Ensino de administração de insulina em locais alternativos (deltóide. A sensação de bem-estar melhorou bastante. Analiticamente não apresentava microalbuminúria. Já não ocorriam as hipoglicemias mais graves nem os valores mais elevados de hiperglicemia (nunca superiores a 220 mg/dL). O electrocardiograma não revelava alterações significativas. A percepção de bem-estar aumentou bastante. · Manutenção das três administrações de insulina de acção rápida. com a glicemia oscilando entre 70 mg/dL e 220 mg/dL. verificou-se que não registava os valores em papel. · Substituição de insulina de mistura por um esquema de insulina de acção intermédia em duas doses diárias. Interrogada acerca dos valores de glicemia capilar. A estratégia delineada no fim da primeira consulta consistiu nas seguintes medidas: · Registo de valores de glicemia capilar três vezes por dia (antes das principais refeições). mas mantinham-se episódios de hipoglicemias não percepcionadas (valores de 40 mg/dL). com necessidade de intervenção. Passados seis meses da primeira observação verificou-se uma estabilização dos valores. Pedido de electrocardiograma. não possuindo um horário regular de vigilância dos valores de glicemia. · Pedido de análise com determinação de microalbuminúria e reobservação em consulta de Oftalmologia. com administração de insulina de acção rápida em doses fixas antes das três principais refeições. Foi ensinada fórmula de acerto das doses administradas consoante os valores de glicemia e a alimentação efectuada. reduzindo a dose total. com desaparecimento da sensação de insegurança. A doente foi reavaliada um mês depois. · Reforço das medidas alimentares e discussão de exercício físico a efectuar. com correcção exagerada de hipoglicemias. Em termos alimentares verificou-se um padrão alimentar errático. coxa) e rotação dos locais de administração. mas com redução da dose matinal. · Aumento da dose de metformina (1. 55 . · Revisão da alimentação efectuada.ABORDAGEM MULTIFACTORIAL NA DIABETES MELLITUS DE LONGA DURAÇÃO. especialmente ao fim da manhã e de madrugada. A reobservação oftalmológica revelou agravamento de retinopatia. O valor laboratorial de hemoglobina A1c era de 7. · Reintrodução de medicação com metformina (1. O peso diminuíra para 71 kg (perda de 4 kg). mas manteve-se a insegurança motivada pelos valores baixos de glicemia não perceptíveis. O excesso de peso em doente insulinotratada com hipoglicemias também sugere uma dose excessiva de insulina. já que estava presente um quadro grave de instabilidade metabólica condicionado por vários aspectos. · Erros alimentares acumulados durante vários anos. mantinham-se episódios repetidos de hipoglicemias não perceptíveis. apesar da melhoria significativa constatada. da redução da dose total de insulina e da modificação do esquema de insulina acção rápida.2 por outro lado. Por um lado.1 O caso apresentado é disto um bom exemplo. nomeadamente: · Ausência de um esquema eficaz de autovigilância dos valores de glicemia. trata-se de uma insulina com um perfil de acção mais estável e que geralmente conduz à redução destes episódios. Foi possível também determinar as alturas críticas do dia. · Esquema terapêutico inadequado. mas não o fazia com disciplina horária e não os registava de forma organizada. estes permitiram concluir que. A presença de lipodistrofias abdominais traduz uma técnica de administração incorrecta e a ausência de rotação dos locais de administração. A doente determinava os valores. Apenas com uma intervenção que consiga alterar aspectos comportamentais é possível alcançar bons resultados na doença crónica. o ensino da adaptação da posologia permite fazer um acerto quotidiano mais correcto. · Administração incorrecta de insulina. O facto de existirem hipoglicemias não perceptíveis pode indicar que os episódios hipoglicémicos são repetidos (fenómeno de dessensibilização) e aumenta o risco de eventos graves. Era impossível ter um quadro global da oscilação dos valores e apreciá-los de uma forma crítica. tinha indicação para terapêutica com metformina (independentemente de fazer insulina).3 Na reavaliação da doente foi essencial o acesso aos valores de glicemia colhidos em ambulatório. acresce ainda o facto de se tratar de uma doente idosa. A escolha da insulina glargina deveu-se à necessidade de diminuir o risco presente de hipoglicemias graves. factores que podem ser responsáveis por instabilidade de valores glicémicos (inclusive hipoglicemias graves) devido a absorção errática de insulina.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ DISCUSSÃO A abordagem de um doente diabético deve ser sempre multifactorial. A todos os aspectos referidos anteriormente. Não é raro encontrar convicções erradas que se perpetuam por não serem discutidas em sede de consulta. · Correcção errada e exagerada dos episódios de hipoglicemia ocasionando hiperglicemias acentuadas ou hipoglicemias repetidas.4 . em que os episódios de hipoglicemia podem assumir proporções graves mais facilmente. um esquema rígido de insulina num doente com hipoglicemias graves não permite uma flexibilidade que possa melhorar o quadro. sendo uma doente obesa e com função renal não comprometida. A divisão da dose de insulina em administração de insulina de acção intermédia e rápida é um primeiro passo no caminho de uma dose mais adequada. Com efeito. De facto. Esta informação esteve na base da substituição da terapêutica de insulina de acção intermédia por insulina glargina. Tendo em conta a faixa etária e os riscos aumentados de hipoglicemia que uma tentativa de controlo mais apertado acarretaria.4%. sinvastatina e ácido acetilsalicílico. Treatment of type 2 diabetes with combined therapy: what are the pros and cons? Diabetes Care 2008. Be aware of hypoglycaemic unawareness. · Melhoria do controlo metabólico (o valor de hemoglobina A1c desceu de 8. Assal JPh. L´Education thérapeutique des patients – Nouvelles approches de la maladie chronique. Kelly K. 57 . Paris: Éditions Vigot. diminuição do controlo excessivo de hipoglicemias e redução de dose de insulina. é pertinente · Redução de peso. Barnett A.ABORDAGEM MULTIFACTORIAL NA DIABETES MELLITUS DE LONGA DURAÇÃO.21:47-8. Lacroix A. BIBLIOGRAFIA 1. Foram atingidos os objectivos terapêuticos previstos para a doente. oftalmológicas). · Vigilância dos vários órgãos alvo potencialmente atingidos pela doença e terapêutica de complicações (no caso. consequência provavelmente de melhorias alimentares. diminuição da sensação de insegurança). Diabetes Self Manag 2004. como um “bom controlo”. ou seja passou-se de um mau controlo para um controlo razoável). Massi-Benedetti M. 3. 4. Gilliland A. Clin Ther 2007. 2.8% para 7. Orsini-Federici M. 2003:34. nomeadamente: considerar este controlo como o objectivo a atingir.29:987-99.31:S131-5. · Melhoria da qualidade de vida (menor instabilidade metabólica. Dosing of insulin glargine in the treatment of type 2 diabetes. A doente já estava medicada de forma correcta com ramipril. menor quantidade de hipoglicemias. ou seja. . An hyperthyroidism was disclosed by laboratory evaluation. Após controlo da função tiroideia com tiamazol. Observou-se também uma redução de 50% do diâmetro do nódulo hiperfuncionante dominante. Laboratorialmente foi diagnosticado hipertiroidismo. O diagnóstico foi de bócio multinodular tóxico (BMNT). 59 . a radioiodine treatment (15 mCi) was advised. a doente encontrava-se em eutiroidismo sem recurso a terapêutica antitiroideia. Foi realizada citologia aspirativa de nódulo do lobo esquerdo. A fine-needle aspiration biopsy of a left lobe nodule with suspicious ultrasonographic features was performed. Abstract The authors report the case of a 49-year old female observed in the Endocrine Outpatient Clinic due to a cervical nodule associated to anxiety and weight loss. Na ecografia do pescoço identificou-se um bócio multinodular e a cintigrafia tiroideia mostrou captação heterogénea com um nódulo hiperfixante. The cervical ultrasonography evidenced a multinodular goiter and the thyroid scintigraphy showed irregular uptake with a large nodule located in right thyroid lobe. After normalization of thyroid function with methimazole. com algumas características ecográficas de suspeição. At that time thyroid function was found normal and there was a significant reduction in the autonomous dominant nodule size. Quatro meses após a terapêutica.UM CASO DE BÓCIO MULTINODULAR TÓXICO TRATADO COM IODO-131 Radioiodine treatment of toxic multinodular goiter: a case report ANTÓNIO GARRÃO FRANCISCO SOBRAL DO ROSÁRIO CRISTINA LOEWENTHAL Departamentos de Endocrinologia e de Medicina Molecular RESUMO Apresenta-se o caso clínico de uma doente de 49 anos de idade avaliada na consulta de Endocrinologia por nódulo cervical e queixas de perda de peso e ansiedade. foi realizado tratamento com Iodo-131 (15mCi). O resultado foi compatível com nódulo hiperplásico. The diagnosis of toxic multinodular goiter was made. The result was hyperplastic goiter. no lobo direito. The patient was revaluated four months after treatment. Após a análise dos resultados referidos foi decidido realizar citologia aspirativa ecoguiada do nódulo dominante do lobo esquerdo. 49 anos de idade. Negava episódios de taquicardia. A hipersecreção de hormonas tiroideias. Não foram encontrados gânglios com características patológicas. hipoecogénico. tremor e intolerância ao calor. O nódulo dominante localizava-se na transição lobo direito/istmo. No lobo contralateral identificou-se nódulo com cerca de 20 mm. A sua prevalência é maior no sexo feminino e aumenta com a idade. tiroxina livre (FT4) 20. O peso era de 56 kg e o índice de massa corporal de 21 kg/ m2 . triiodotironina livre (FT3) 7. com 2 anos de evolução. · Ecografia do pescoço: identificou-se tiróide multinodular. tendo 31 mm de diâmetro transversal. O resultado citopatológico evidenciou . Por outro lado. recorreu à consulta de Endocrinologia em Novembro de 2007 por ter identificado no mês anterior um aumento do volume da região cervical anterior. Não se observava exoftalmia ou edema palpebral. Na palpação cervical apresentava um nódulo paramediano direito. com cerca de quatro centímetros de diâmetro. Referia também perda de peso que não sabia quantificar.5-6. acima da fúrcula esternal. Na presença de aporte iodado suficiente pode desencadear-se hipertiroidis- mo. pele quente e suada. mesmo num nível sub-clínico. móvel e indolor.8 pmol/L (valores de referência: 3.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO A patologia nodular da tiróide é frequente na população em geral.5). 1). com apetite mantido e ansiedade. · Cintigrafia da tiróide com Tecnécio-99m (99mTc): Foi evidente uma captação heterogénea do 99mTc com um nódulo tiroideu hipercaptante volumoso. está associada a um risco aumentado de arritmias cardíacas e a uma perda acelerada da massa óssea. Não havia referência a exposição a radiações e desconhecia a existência de familiares com patologia tiroideia.7). a identificação de um nódulo na tiróide requer sempre um conjunto de avaliações com o objectivo de excluir a sua malignidade. requerendo por isso a instauração de medidas terapêuticas. Na observação inicial havia a salientar uma postura ansiosa. Alguns destes nódulos adquirem autonomia funcional. localizado acima da fúrcula esternal. Foram realizados os seguintes exames complementares de diagnóstico: · Hormona estimulante da tiróide (TSH) <0. Calcula-se que cerca de 50 por cento das mulheres em idade menopausica tenham nódulos tiroideus identificáveis por ecografia. com microcalcificações. localizado no lobo direito (Fig.4 pmol/L (valores de referência: 11. rítmica e um tremor fino das extremidades superiores. raça caucasiana.355. CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino. Como antecedentes pessoais havia a salientar hipercolesterolemia e hipertensão arterial. de consistência parenquimatosa. estando por isso medicada com bisoprolol e perindopril.5).01 μUI/ml (valores de referência: 0.5-22. uma frequência cardíaca de 64 pulsações por minuto. Relativamente aos nódulos não palpáveis. Se existe um hipertiroidismo.09 pmol/L). que lhes conferem um risco acrescido. os nódulos hiperfuncionantes (nódulos “quentes” na cintigrafia tiroideia) são quase sempre benignos. sendo evidente um nódulo hipercaptante. FT3 3.4 pmol/L). como sejam o facto de serem hipoecogénicos e terem limites irregulares. FT3 4. Quaisquer outros nódulos individualizáveis à palpação. Observou-se também uma redução de cerca de 50% do diâmetro do nódulo dominante. existem algumas características ecográficas. a que correspondeu uma reversão do quadro clínico de hipertiroidismo. pelo que não deverão ser objecto de citologia.01 μUI/ml. Fig. 10 mg/dia.2 61 .7 μUI/ml.UM CASO DE BÓCIO MULTINODULAR TÓXICO TRATADO COM IODO-131 aspectos compatíveis com nódulo hiperplásico. que efectuou em Abril de 2008. observou-se normalização da função tiroideia (TSH 0. sobretudo se tiverem consistência aumentada ou mobilidade diminuída. Nódulos tiroideus identificados em elementos de famílias com neoplasias endócrinas múltiplas de tipo 2 (MEN-2) ou carcinoma medular familiar ou em pessoas que sofreram exposição à radiação em idades jovens deverão também ser avaliados no sentido de excluir carcinoma da tiróide. O risco de um nódulo tiroideu ser maligno é relativamente baixo (cerca de cinco por cento). Cerca de 2 meses após a instituição da terapêutica. DISCUSSÃO O caso acima descrito é representativo da abordagem diagnóstica de uma situação de bócio nodular para a qual podemos definir como objectivos a exclusão de patologia maligna e de disfunção tiroideia. Quatro meses após a realização desta terapêutica a doente estava em eutiroidismo (TSH 1. Foi iniciada terapêutica com tiamazol.1 Também estes nódulos são candidatos a avaliação citológica. 1 Cintigrafia da tiróide com 99mTc mostrando uma glândula com captação heterogénea. com uma actividade de 15 mCi. FT4 14. localizado no lobo direito Após a estabilização da função tiroideia a doente foi proposta para terapêutica com Iodo-131 (131I). sem recurso a terapêutica anti-tiroideia. Neste caso a decisão de qual ou quais os nódulos a puncionar nem sempre é fácil. Este risco é semelhante para os nódulos únicos e para os inseridos no contexto de um bócio multinodular. devem indiscutivelmente ser puncionados. microcalcificações ou vascularização aumentada. sobretudo se possuírem dimensões superiores a um centímetro. volumoso. FT4 12.8 pmol/L. A exclusão de malignidade faz-se sobretudo através do recurso à citologia aspirativa. incluindo um ganho de peso corporal de 3 kg.4 pmol/L. a maioria destes doentes necessita de terapêutica vitalícia com anti-tiroideus. a que se recorreu nesta doente. Na doença de Graves. conseguindo assim a cura definitiva do hipertiroidismo. A complicação mais grave é o surgimento ou agravamento da oftalmopatia da doença de Graves. o tratamento com 131I surge como a op- ção de primeira linha. Esta situação não deverá ser encarada como um efeito adverso. Por esta situação não ser reversível. após o tratamento. de causa auto-imune. já que é de compensação extremamente simples e torna a recidiva da doença muito pouco provável.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ A identificação de um nódulo maligno ou suspeito coloca de imediato uma indicação cirúrgica. No BMNT. insensível aos mecanismos de regulação. a hiperprodução de hormonas tiroideias é ocasionada pela presença de áreas de tecido tiroideu com funcionamento autónomo. Estes efeitos são geralmente ligeiros e facilmente resolvidos pela prescrição de anti-inflamatórios não esteróides.3 A popularidade deste tratamento deve-se tanto à sua eficácia como à sua segurança. 15 ou 20 mCi. Este princípio aplica-se também aos adenomas tóxicos da tiróide. No caso de doença de Graves a maioria dos doentes curados fica em hipotiroidismo (Quadro I). nos casos em que ocorre persistência ou recidiva do hipertiroidismo.0 Nódulo tóxico 100 17. visa destruir o tecido autónomo.0 11. A exclusão à partida dos doentes com oftalmopatia em evolução e a realização da terapêutica sob cobertura com corticóides em casos de risco. O tratamento com 131I. secundários à tiroidite radiógena.0 Bócio multinodular tóxico 75. Quadro I – Função tiroideia dos doentes tratados com 131I doze meses após a realização da terapêutica (resultados não publicados) DOENTES CURADOS (%) DOENTES CURADOS QUE FICARAM EM HIPOTIROIDISMO (%) Doença de Graves 84. a percentagem de doentes curados um ano após o tratamento é para a doença de Graves. 100% e 75%. Com efeito. a avaliação da função tiroideia permitiu confirmar a suspeita clínica de hipertiroidismo. De facto. No caso presente. a situação é diferente. dependendo do volume da tiróide). nódulos tóxicos e BMNT de 84%. Os riscos associados ao 131I são também reduzidos. No entanto. Podem ocorrer dor e edema cervical. Fez-se assim o diagnóstico de bócio multinodular tóxico (BMNT). A terapêutica com fármacos anti-tiroideus (propiltiouracilo ou tiamazol) permite um controlo funcional na generalidade destes doentes. respectivamente. cerca de 50% dos doentes entram em remissão após um curso de anti-tiroideus.2 75.0 . quando se avaliam os resultados das actividades que habitualmente administramos (5. É no entanto de referir que os tiroidologistas dos EUA elegeram esta terapêutica como abordagem inicial também na doença de Graves. que ocorre sobretudo em doentes fumadores ou com hipotiroidisimo compensado de forma deficiente. Com esta terapêutica consegue-se também alguma redução do volume do bócio que poderá atingir os 40-50% por cento do volume inicial. 10. Papini E. Glinoer D. Differences and similarities in the diagnosis and treatment of Graves’ disease in Europe. Após a realização da terapêutica o doente deverá ter alguns cuidados que têm como objectivo reduzir a exposição comunitária à radiação. 338:73-8. J Clin Endocrinol Metab 2002.1:129-35.87:1941-6. 12:63-102.4 A administração do 131I faz-se numa única toma por via oral. Sendo um tratamento que implica a exposição a um produto radioactivo. Bogazzi F. 4. American Association of Clinical Endocrinologists and Associazione Medici Endocrinologi. Guglielmi R. BIBLIOGRAFIA 1. N Engl J Med 1998. 63 . São disso exemplo a interdição do contacto com grávidas e com crianças por um período que varia dependendo da actividade administrada. Japan. está obviamente completamente desaconselhado no caso de gravidez. AACE/AME Task Force on Thyroid Nodules. 2. Wartofsky L. Endocr Pract 2006. 3. et al. Risk of malignancy in nonpalpable thyroid nodules: predictive value of ultrasound and color-Doppler features. et al. Relation between therapy for hyperthyroidism and the course of Graves’ ophthalmopathy. et al. Bianchini A. Bartalena L. Solomon B. and the United States Thyroid 1991.UM CASO DE BÓCIO MULTINODULAR TÓXICO TRATADO COM IODO-131 minimiza este problema. Medical guidelines for clinical practice for the diagnosis and management of thyroid nodules. Marcocci C. REJUVENESCIMENTO FACIAL COM LASER DE CO2 ULTRAPULSADO E FRACCIONADO NÃO SEQUENCIAL: RESULTADOS PRELIMINARES Non-sequential fractional ultrapulsed CO2 laser resurfacing for facial photoaging: preliminary results JOSÉ CAMPOS LOPES LUÍSA CALDAS LOPES Departamento de Dermatologia RESUMO Abstract Apresentam-se os resultados do tratamento do fotoenvelhecimento facial com o Active FX, um laser de CO2 ultrapulsado, fraccionado e não sequencial, através de um sistema computorizado (CPG). This paper evaluates the results of the protocol Active FX for photodamaged facial skin. A non-sequential fractional ultrapulsed CO2 laser is used with a new computer pattern generator (CPG). Entre Novembro de 2006 e Março de 2007 foram tratadas nove pacientes do sexo feminino, aplicando uma só passagem. O resultado foi considerado bom, com efeitos adversos escassos e um período de recuperação rápido. Conclui-se que este sistema laser é uma alternativa excelente para o tratamento da face fotoenvelhecida. From November 2006 to March 2007, nine female patients underwent this new treatment, with a single pass per session. Good results, with significant improvement in photoaging were obtained, with minimal adverse effects and a very low downtime. This laser system can be considered an excellent alternative for photodamaged facial skin. 65 CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO O processo natural de envelhecimento da pele (envelhecimento intrínseco) é agravado pela exposição solar, poluição e outras agressões (envelhecimento extrínseco), estabelecendo-se sinais de deterioração gradual e progressiva da estrutura e função da pele. Inicialmente, este processo é mais evidente a nível da epiderme e da derme superficial, com pele laxa, alteração do brilho, discromias e rugas, alterações estas que motivam a procura de tratamentos de foto-rejuvenescimento. Existem diversas técnicas para tratamento do envelhecimento cutâneo (por exemplo, toxina botulínica, produtos de enchimento, abrasão química, luz intensa pulsada e laser), utilizadas de forma isolada ou em combinação, com as quais os autores têm uma vasta experiência. O laser de CO2 é, no entanto, o processo com resultados mais duradouros, embora de recuperação mais lenta. CASOS CLÍNICOS Entre Novembro de 2006 e Março de 2007 recorreram à consulta de Dermatologia do Hospital da Luz nove pacientes do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 48 e os 74 anos, para tratamento de manifestações de envelhecimento da face. Foi utilizado laser de CO2 ultrapulsado Encore da Lumenis com o sistema Active FX. As pacientes pretendiam um tratamento de “refrescamento” pouco agressivo, razão pela qual só se efectuou uma passagem com o laser. Com uma protecção ocular adequada e após a remoção do anestésico tópico aplicado Fig. 1 Paciente do sexo feminino, 64 anos de idade. Tratamento do lábio superior e mento, com parâmetros mínimos (80 Mj 6J cm2 75 Hz P3 densidade 2) uma hora antes (lidocaína e prilocaína), os tratamentos foram praticados em quadrados de 2,25 cm2 e uma densidade de spots de 1 a 5, possibilitada pelo sistema CPG (de acordo com a intensidade do fotoenvelhecimento). Utilizaram-se fluências da ordem dos 100 mJ (a que correspondem energias de 7,5 J/cm2), com uma frequência de 100 Hz. Obtém-se assim ablação até uma profundidade de 80 micra e efeito de aquecimento até 200ºC. Nas áreas perioculares e peribucais fez-se redução para fluências de 60 mJ e frequências de 75 Hz. Foram tratadas áreas limitadas da face em cinco pacientes, pelo que a duração média do tratamento foi de 15 minutos. Imediatamente a seguir ao tratamento, o aspecto da pele era de múltiplos pontos acinzentados, provocados pela epidermólise fraccionada. Terminado o tratamento, aplicaram-se compressas frias embebidas em água termal, que foram mantidas até a sensação de queimadura já não estar presente (10 -15 minutos). O protocolo pós-operatório inclui lavagem quatro vezes ao dia com soluto antiséptico, REJUVENESCIMENTO FACIAL COM LASER DE CO2 ULTRAPULSADO E FRACCIONADO NÃO SEQUENCIAL: RESULTADOS PRELIMINARES A B C D Fig. 2 Paciente do sexo feminino, 58 anos de idade. Aspecto antes do tratamento (A); logo após o tratamento (B); três dias depois do tratamento com maquilhagem correctora (C); e três semanas depois do tratamento (D) seguida de aplicação de creme emoliente, durante três dias. Posteriormente, ocorre uma descamação gradual e progressiva do epitélio da zona tratada, processo que está concluído no prazo de sete dias depois do tratamento. Permanece então apenas um eritema de grau variável, que com maquilhagem permite uma vida normal. A evicção e protecção solares, são indispensáveis durante três meses, procedimento que é praticado por vários autores.1-4 A COMENTÁRIOS O foto-rejuvenescimento com laser de CO2, com comprimento de onda de 10.600 nm, que tem como alvo a água intercelular, é considerado o tratamento padrão para a recuperação dos danos do envelhecimento facial.5,6 Aquele equipamento aquece a água intracelular a uma temperatura superior a 100 graus centígrados de uma forma praticamente instantânea e produz a ablação completa da epiderme e de parte da derme superficial por necrose térmica, até espessuras da ordem dos 150 micra. É um laser ablativo, porque remove 100% da epiderme e uma espessura variável da derme subjacente. Obtém-se assim uma boa recuperação do aspecto da pele, no que se refere à sua textura, discromias e rugas, podendo falar-se de foto-rejuvenescimento uma vez que o calor produz um efeito imediato por encurtamento do colagénio de tipo I, em cerca de 30%. 67 8. com menor edema e eritema pós-operatórios.2 Apesar de uma casuística pequena. surgem diversos sistemas laser e de luz intensa pulsada. há para muitas pessoas o inconveniente do tempo de recuperação associado ao afastamento da actividade profissional e social.7 de pele não lesada nos intervalos entre os spots. mas não há necessidade de interrupção da actividade. são razões para limitar os tratamentos com este laser. menos dor e menos complicações.1. e a recuperação do eritema. de forma não sequencial. Este sistema produz cilindros microscópicos de dano térmico. formas geométricas à escolha do operador. erupção acneiforme e cicatrizes). com uma duração de sete a dez dias. 3 Paciente do sexo feminino. com sistema de emissão fraccionada e em 2007 começam a ser referidos na literatura os primeiros resultados preliminares relativos à sua aplicação no rejuvenescimento da face. com spots de diâmetros de 1. é possível concluir que o laser de CO2 ultrapulsado e fraccionado é um tratamento com uma eficácia elevada e com uma relação riscobenefício excelente. No entanto. ultrapulsado. que promovem a fototermólise fraccionada não ablativa. Torna-se assim possível uma recuperação mais rápida. Ficam presentes áreas Fig. nas situações de fotoenvelhecimento mais acentuado os seus resultados não têm uma eficácia comparável à dos métodos ablativos.1.1. Tratamento com 100 mJ. que pode demorar até seis meses. além de outras complicações e efeitos acessórios (por exemplo. ultrapulsado e fraccionado.9 Para manter a grande eficácia dos laser ablativos e aproximar da agressão mínima os sistemas não ablativos. nomeadamente hiperpigmentação em pacientes com fototipos mais altos. graças a um sistema computorizado (CPG Cool Scan).10 Em 2006 é lançado no mercado um novo laser de CO2. frequência de 100 Hz e densidade de 3 .CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ No processo de cicatrização há estimulação da neocolagénese e melhoria das características das fibras elásticas.5. Em regra. requerem vários tratamentos. Para minorar aqueles inconvenientes.6-8 Apesar da eficácia indiscutível.25 mm varre. alterações pigmentares.4 Este novo laser de CO2. circundados por áreas de tecido intacto. surgiu em 2005 o conceito de fototermólise fraccionada. 54 anos de idade. A re-epitelização epidérmica. Goldman MP. Khan MH. Fitzpatrick RE Goldman MP.10: 62-5 (Advertorial). Manuskiatti W.REJUVENESCIMENTO FACIAL COM LASER DE CO2 ULTRAPULSADO E FRACCIONADO NÃO SEQUENCIAL: RESULTADOS PRELIMINARES BIBLIOGRAFIA 1.9:218-25. 7. 69 . 4. Beretta D. Lasers Surg Med 2003. Gilardino P.1120-8.36:270-80. 9. Bjerring P. Complications of carbon dioxide laser resurfacing. Gold MH. J Am Acad Dermatol 1999. Update on non-ablative light therapy for rejuvenation: A review. J Cosm Laser Ther 2008. 6.132: 395-402.7:774-7. 8. Fractionated delivery systems for difficult to treat clinical applications. Tan KL. Med Laser Appl 2004. Fractional laser skin resurfacing with SmartXide DOT. Dermatol Surg 1998. 5. Intradermally fucosed infrared laser pulses: Thermal effects at defined tissue depths. 2. Matteo TC. An evaluation of 500 patients. Laser Surg Med 2005. Long-term effectiveness and side effects of carbon dioxide laser resurfacing for photoaged facial skin. Sadick NS. J Drugs Dermat 2008. Low risk of postinflamatory hyperpigmentation in skin types 4 and 5 after treatment with fraccional CO2 laser device. Schianchi R. Kurniawati RN.19:186-95. Taub AF.32:120-8. Muti GF. Nanni CA. J Drugs Dermat 2007:6. Nonsequential fractional ultrapulsed CO2 resurfacing of photoaged facial skin: Preliminary clinical report. Zerbinati N. Initial results. Sink RK. Arch Dermat 1996. 3. Fitzpatrick RE. Pulsed carbon dioxide laser resurfacing of photo-aged facial skin. Alster TS. Photorejuvenation – an overview. J Cosmet Laser Ther 2007.24:315-20. 10. Pillouer-Prost A.40:401-11. . Seven patients with moderate acne scarring received only one session with this type of laser (Lumenis. Abstract Acne may cause scarring with associated negative psychological effects. Its treatment is still a big therapeutic challenge despite the several technologies available. Registou-se uma melhoria marcada nas cicatrizes de todas as doentes. Encore Active Fx). Apesar das várias tecnologias disponíveis. com efeitos psicológicos negativos consequentes. This method seems a safe and effective treatment for the resolution of acne scarring. The treatment led to a clear improvement of acne scarring in all patients. é um novo conceito para esta indicação terapêutica. Ultrapulsed and fractional CO2 laser. Encore Active Fx). aprovada pela Food and Drug Administration (FDA). behind a moderate pain and erythema. is a new concept for the treatment of these situations. com pouco absentismo e efeitos secundários reduzidos (dor suportável e eritema). sete doentes com cicatrizes de acne moderadas. numa sessão única. Este tratamento parece constituir uma opção segura e de grande eficácia para a resolução de cicatrizes de acne. with minimal downtime and no adverse events. A laserterapia com CO2 ultrapulsado e fraccionado. o tratamento deste problema cosmético frequente constitui um desafio terapêutico complexo. 71 . approved by Food and Drug Administration (FDA).TRATAMENTO DE CICATRIZES DE ACNE POR RESURFACING COM LASER DE CO2 ULTRAPULSADO E FRACCIONADO Acne scarring treatment with ultrapulsed and fractional CO2 laser resurfacing JOSÉ CAMPOS LOPES Departamento de Dermatologia RESUMO A acne pode causar cicatrizes. Foram tratadas com este tipo de laser (Lumenis. sendo-lhe explicada a metodologia a seguir.3 laser CO2. fundamentalmente quando existiu acne moderado a grave. durante quatro dias. utilizando o laser CO2 da Lumenis. Encore Active FX. Nas áreas de fronteira. sub cisão e diversos sistemas não ablativos. rolling e boxcar. o que possibilitou que a dor fosse classificada como “suportável” pela totalidade das pacientes. a que pode corresponder ablação tecidular até 1. é aplicado ácido tricloroacético (15 a 35%). a aplicação de creme hidratante e evicção e protecção solares foram mandatórias para todas as doentes.4 mm de profundidade. seguida da aplicação de um creme de antibiótico. com morbilidade reduzida e resultados apreciáveis. Pode estar presente morbilidade física e psicológica marcada. Foi efectuado um tratamento único com duas ou três passagens em função da gravidade das lesões. Utilizaram-se fluências entre 25 e 70 mJ. Posteriormente. com idades compreendidas entre os 19 e os 34 anos. durante um período mínimo de três meses.2 No passado. Antes do tratamento foi realizada uma avaliação das expectativas das doentes.5 A maior dificuldade do tratamento reside na existência de bandas fibrosas na profundidade destas cicatrizes.icepick. ção. com uma eficácia reduzida. nomeadamente dermabrasão.7 Nos últimos 30 anos têm sido usadas diversas técnicas no tratamento de cicatrizes de acne. fototipos III e IV. com aparecimento de cicatrizes. com um soluto antiséptico. bem como vários graus de atrofia. Quatro das sete doentes já tinham sido submetidas a peelings químicos para correcção de cicatrizes acneicas embora. optámos por seguir a classificação e abordagem terapêutica considerando três tipos básicos de cicatrizes . CASOS CLÍNICOS Entre Fevereiro e Março de 2008 foram tratadas no Departamento de Dermatologia do Hospital da Luz sete pacientes do sexo feminino.6 Estão disponíveis diversas modalidades de tratamento e existem na literatura várias revisões sobre o tratamento de cicatrizes de acne. entre a zona tratada e não tratada.1.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO A acne é uma patologia muito comum. os efeitos secundários possíveis e a eventual necessidade de várias sessões para conseguir os resultados desejados. com graus de sucesso variáveis. afectando particularmente adolescentes e adultos jovens. . com o objectivo de evitar a transição brusca entre essas mesmas áreas. Os tratamentos com laser CO2 foram antecedidos pela aplicação de um creme anestésico. de acordo com a sua descrição. excisão por pun- Neste trabalho.4 elevação com punção. Foi igualmente estabelecido um protocolo com lavagem 3 vezes por dia. o que implica por vezes a combinação de várias técnicas. sublinha-se a eficácia de uma sessão única de tratamento com laser CO2 ultrapulsado e fraccionado. infecciosas. 2 Aspecto pré (A) e pós-tratamento (B) de doente com 27 anos 73 . Duas das doentes ponderam mesmo repetir o tratamento no próximo Inverno. Verificou-se A B que a presença de crostas e o eritema tinham uma relação directa com as fluências utilizadas no tratamento. pigmentares ou agravamento ou reactivação da acne. os resultados foram avaliados pelas próprias como excedendo as suas expectativas. Em todos os casos. O eritema persistente foi disfarçado facilmente com maquilhagem adequada. Aspecto da face imediatamente após tratamento com 3 passagens (B). Fig. nomeadamente dolorosas. 1 Cicatrizes acneicas de gravidade moderada (A). Aspecto após 10 dias de tratamento (C).TRATAMENTO DE CICATRIZES DE ACNE POR RESURFACING COM LASER DE CO2 ULTRAPULSADO E FRACCIONADO A B C D Fig. O período de duração das crostas foi inferior a uma semana em todas as doentes. Exemplo da crosta que cai ao fim de 4 a 5 dias (D) O pós-operatório decorreu sem queixas ou complicações. considera-se que o resurfacing com laser de CO2 ultrapulsado e fraccionado pode ser uma opção bastante eficaz para o tratamento das cicatrizes de acne. Permite aplanar os bordos de uma cicatriz deprimida e desta forma homogeneizar as diferenças com a pele sã. Consegue-se assim menos eritema e edema pós-intervenção. sendo ainda escassos os artigos publicados em que sejam referidos resultados favoráveis. poupando a porção central na qual está a cicatriz a eliminar. Em trabalhos publicados sobre a sua utilização em doentes com cicatrizes moderadas a graves (sem outra classificação adicional do tipo de cicatrizes). pois permite o arrefecimento dum ponto até que o ponto adjacente volte a ser atingido. a laserabrasão ocorre apenas na área limitada por duas circunferências de raios diferentes.8 Nas doentes tratadas a recuperação da fase de crosta foi inferior a uma semana. mas também lateralmente das pontes deixadas intactas. O seu uso em modo contínuo com scanner para varrimento permite atingir com mais eficácia este objectivo. . de forma não sequencial. o que vai permitir uma recuperação mais rápida.4 O processo de re-epitelização demora em média dez dias e o eritema pode manter-se durante um período até três meses.8.9 A partir de Dezembro de 2007 foi iniciado no Departamento de Dermatologia do Hospital da Luz o tratamento de cicatrizes de acne da face com este novo laser de CO2. foi responsável por melhorias das cicatrizes de 25 a 90%. além do processo ser menos doloroso do que os sistemas clássicos. com aplanamento a partir do centro. que emite num comprimento de onda de 10. com spots de diâmetros de 1. minimiza o dano térmico. Mantêm-se assim áreas de pele não lesada nos intervalos entre os spots.10 A cicatrização faz-se não só dos anexos cutâneos da profundidade. surge o laser CO2 ultrapulsado e fraccionado. com uma forma geométrica especial para esta patologia.600 nm. Face ao exposto. O carácter aleatório dos spots.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ COMENTÁRIOS O resurfacing ou rejuvenescimento com laser de CO2. possibilitado por um sistema computorizado (CPG Cool Scan). Este sistema está aprovado desde Março de 2006 pela Food and Drug Administration (FDA) para as cicatrizes de acne. formas geométricas à escolha do operador. Com o objectivo de manter a eficácia do laser CO2 “clássico” e diminuir o tempo de recuperação. é bem absorvido pela água tecidular e causa inevitavelmente dano térmico. No tratamento de cicatrizes de acne. devido ao maior estímulo à remodelação do colagéneo sem efeito térmico indesejável nos tecidos periféricos.25 mm que varrem. 5. Solish N. 2. Treatment of scars: a review. Raman M.31:1218-22. Lee C. 4. Resurfacing of atrophic facial acne scars with a highenergy pulsed carbon dioxide laser. Alster TS. Bellew SG. Dermatol Surg 2005. Alster TS. 75 . Pollack SV. Ann Plast Surg 1997. Approaches to acne scarring: a review.13:780-9. West TB. Modern dermabrasion techniques: a personal apraisal. 3.39:418-32.TRATAMENTO DE CICATRIZES DE ACNE POR RESURFACING COM LASER DE CO2 ULTRAPULSADO E FRACCIONADO BIBLIOGRAFIA 1. Weiss RA. Dermatol Surg 1996. J Dermatol Surg Oncol 1987.2:24-32. J Cutan Med Surg 1998. Fulton JE. Improvement of atrophic acne scars: retrospective study.22:151-5. . Patient remains without lesions after a follow-up of 6 months. Medicada com tacrolimus tópico em pomada 0. caracterizada clinicamente por erosões localizadas às áreas intertriginosas. Abstract Hailey-Hailey disease or familial benign chronic pemphigus is a chronic recurrent autosomal-dominant blistering dermatose. with clinical improvement after one week and complete remission after 4 weeks. Descreve-se o caso de uma doente com diagnóstico de doença de Hailey-Hailey de longa data.1%. rara. 77 . We report the case of a patient with an acute flare of lesions in groin. axillae and inframammary folds. crónica e recorrente. characterized by erosions in intertriginous areas. com surto de agudização das lesões nas axilas.DOENÇA DE HAILEY-HAILEY – RESPOSTA CLÍNICA AO TACROLIMUS TÓPICO Hailey-Hailey disease – clinical response to topical tacrolimus LUÍSA CALDAS LOPES NATÁLIA MARTO JOSÉ CAMPOS LOPES Departamentos de Dermatologia e de Medicina Interna RESUMO A doença de Hailey-Hailey ou pênfigo familiar crónico benigno é uma dermatose bolhosa autossómica dominante. registou-se melhoria evidente das lesões em 1 semana e remissão completa às 4 semanas. em aplicação bidiária após suspensão da ciclosporina por hipertensão arterial. Topical tacrolimus 0.1% ointment twice daily was applied after suspension of cyclosporine due to hypertension. mantendo-se assintomática após um período de 6 meses. prega inframamária e região inguinal. podendo existir mutações esporádicas raras. Apesar de autossómica dominante e de penetrância completa. fundo eritematoso e erosões várias.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO A doença de Hailey-Hailey é uma genodermatose autossómica dominante. sem terapêutica habitual em ambulatório. a idade de aparecimento e a expressividade da doença são muito variáveis. Fig. inframamárias e inguinais (Fig. pelos irmãos Howard e Hugh Hailey. apresentando à entrada placas vegetantes hiperqueratósicas. descrita pela primeira vez em 1939. 1 Placa eritematosa na axila. com diagnóstico de doença HaileyHailey desde os 25 anos. São visíveis as erosões e a hiperqueratose na zona de flexão Fig. 2 e 3). Recorreu ao Atendimento Médico Permanente do Hospital da Luz devido a um agravamento progressivo das lesões cutâneas. localizadas preferencialmente nas áreas intertriginosas. com bordo circinado. 3 Região inguinal e prega abdominal afectadas pelas mesmas lesões cutâneas . 49 anos de idade. As lesões localizavam-se nas pregas axilares. A doente queixava-se ainda de dor localizada às lesões e odor fétido. viria a ser identificada uma mutação no gene ATP2C1 (cromossoma 3q21-24). Em 2000. que resulta na disfunção da ATPase do Ca2+ localizada no aparelho de Golgi1 e justifica a perda de adesão celular epidérmica. 1. com bordo activo circinado. maceradas e fissuradas. CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino. 2 Lesão na região inframamária direita Fig. resultando clinicamente em erosões e bolhas flácidas. O ecocardiograma transtorácico mostrou dilatação biauricular e do ventrículo direito. Não foi efectuada biópsia cutânea por recusa da doente e porque o quadro clínico era enquadrável no diagnóstico já existente de doença de Hailey-Hailey.DOENÇA DE HAILAY-HAILEY — RESPOSTA CLÍNICA AO TACROLIMUS TÓPICO Não se observavam alterações ungueais ou afecção de mucosas. aplicação bidiária de tacrolimus tópico em pomada 0. Realizou tomografia computorizada (TC) do tórax que não mostrou alterações significativas do parênquima pulmonar. A doente teve alta melhorada. Analiticamente realçava-se poliglobulia com hematócrito (Ht) 55%. A gasimetria mostrava hipoxemia grave (PO2 50) e acidose respiratória compensada (PCO2 260). com indicação de manter o tacrolimus tópico em ambulatório e de usar uma associação de antibiótico e corticóide em caso de falência do primeiro. A doente foi internada e tendo em conta a extensão das lesões e os sinais de sobreinfecção cutânea (Fig. as provas de função respiratória não revelaram padrão obstrutivo que justificasse a apresentação clínica. Fig. suspensa às 24 horas por intolerância gastrointestinal e hipertensão arterial. 4 Pormenor de lesão vegetante da axila direita. lavagem com antiséptico. Nas avaliações às 4 semanas e aos 6 meses. As lesões vegetantes e o odor fétido sugerem sobreinfecção bacteriana ou fúngica e têm um papel relevante na exacerbação da doença e 79 . leucocitose discreta com neutrofilia e proteína C reactiva (PCR) 10. As lesões cutâneas evoluíram favoravelmente.21. Actualmente a doente mantém-se assintomática sem qualquer terapêutica. Nestes doentes a dor e o prurido podem interferir com as actividades físicas e profissionais. não se conseguindo avaliar com precisão a pressão da artéria pulmonar. Ao exame objectivo geral estava presente cianose labial e saturação periférica de 85%. podendo observar-se a sobreinfecção bacteriana da lesão COMENTÁRIOS A lesão primária da doença de HaileyHailey é uma bolha flácida que raramente se observa porque rompe facilmente e dá origem a erosões que maceram facilmente. Do ponto de vista respiratório. que a doente desconhecia e negou quaisquer sintomas. confirmou-se um padrão de insuficiência respiratória tipo 2. iniciou antibioterapia empírica com amoxicilina/ ácido clavulânico. 4). registando-se melhoria evidente ao 8º dia de tratamento.1% e terapêutica sistémica com ciclosporina 3 mg/kg. fruto da sua localização intertriginosa. observou-se remissão completa das lesões. sistémica ou cirúrgica. Os corticóides tópicos são frequentemente associados a estes últimos.3:200-3. 3.3-5 verificou-se no caso presente uma melhoria evidente com a utilização de tacrolimus tópico (um inibidor da calcineurina). Paris FR. et al.47: 562-70. À semelhança de outros casos descritos. J Drugs Dermatol 2004. . Alguns trabalhos demonstraram que não existe risco aumentado de infecção bacteriana. Arch Dermatol 2003. permitiu desde então uma ausência quase completa de progressão das lesões. Int J Tissue React 2005. Tacrolimus ointment for the treatment of atopic dermatitis is not associated with an increase of cutaneous infection. Hu Z. Baptista J. o tacrolimus tópico mostrou ser um fármaco eficaz e com uma acção rápida no controle desta doença. Ling M. pelo que a sua ocorrência simultânea nesta doente foi certamente fortuita.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ na sua persistência. Treatment of HaileyHailey disease with tacrolimus ointment and clobetasol propionate foam. Brodell RT.2 Apesar de existirem resultados muito controversos no que diz respeito à utilização de imunomoduladores tópicos nesta doença. encoding a calcium pump cause Hailey-Hailey disease. Sand C. a utilização pontual de tacrolimus tópico. Fleisher AB Jr. A biópsia cutânea pode mostrar alterações típicas (grandes áreas de descoesão celular com células acantolíticas. A sua utilização preferencial deve-se ao perfil de se- gurança e ao facto de não provocar muitos dos efeitos secundários dos corticóides.140:1282. particularmente frequentes em zonas flexurais. terapêutica tópica. A eficácia da utilização de corticóides em associação com tacrolimus está também descrita nesta doença. assim como a utilização de antibióticos tópicos ou sistémicos para correcção da frequente sobreinfecção. Existem várias modalidades terapêuticas. Nat Genet 2000. Bonifas JM.27: 151-4. Lopes LC. Topical tacrolimus is an effective therapy for Hailey-Hailey disease. J Am Acad Dermatol 2002. Fidalgo A. 6.3. Thomsen HK. nomeadamente indução de atrofia cutânea.6 O curso clínico da doença é difícil de prever e não altera a esperança de vida. Eichenfield L. 2.4 BIBLIOGRAFIA 1. 4. Umar SA. Mutations in ATP2C1.24:61-5. 5. O uso de peças de vestuário leves e não irritativas deve ser recomendado. Bhattacharjee P.139:1401-2. que englobam medidas gerais. Ferreira A. et al. Não existem na bibliografia referências a qualquer associação entre esta patologia cutânea e síndrome de hipoventilação. viral ou fúngica associado ao tratamento com tacrolimus. Beech J. Nesta doente. Topical tacrolimus in Hailey-Hailey disease. Laffite E. Is topical tacrolimus really an effective therapy for Hailey-Hailey disease? Arch Dermatol 2004. Panizzon RG. estrias e potencial supressão do eixo hipotálamo-hipófise-suprarenal. denominadas dilapidated brick wall). mas vêm o seu uso limitado pelo risco de efeitos secundários locais. 81 . Abstract Isolated headache is a rare presentation of cerebral venous thrombosis. a careful medical history and the brain magnetic ressonance were crucial for the diagnosis and therapeutic intervention. The authors report a case where the persistence of the headaches. patologia cujo prognóstico é em regra benigno. a disease with a relative good prognosis when adequately investigated and treated. a anamnese cuidada e a realização de ressonância magnética craniana foram determinantes para o diagnóstico e para a rápida instituição da terapêutica. FERRO Departamento de Neurologia e Centro de Imagiologia (Unidade de Neurorradiologia) RESUMO A cefaleia isolada é uma forma de apresentação rara de trombose venosa cerebral.CEFALEIAS PERSISTENTES EM DOENTE JOVEM Persistent headaches in a young healthy female RAQUEL GIL-GOUVEIA SANDRA MATIAS JOSÉ M. mas que requer intervenção terapêutica e uma investigação etiológica cuidada. Descreve-se um caso clínico em que a persistência das cefaleias. Foi medicada com antidiarreicos e anti-inflamatórios. Descreve dor ligeira. por outro lado. pela sua prevalência. mas referiu mal-estar geral. sem qualquer antecedente patológico conhecido. o que mais preocupa o clínico é o diagnóstico diferencial relativamente a cefaleias sintomáticas de patologia intracraniana grave. icterícia ou queixas respiratórias. sem alívio. Uma semana após o início do quadro é observada no Atendimento Médico Permanente do Hospital da Luz. sob anti-concepção oral com Yasmin® (drospirenona 3 mg e etinilestradiol 0. autolimitadas. Um intervalo de tempo maior estava associado a um agravamento da intensidade da dor que era holocraniana. com melhoria sintomática do quadro abdominal. também. Da história familiar havia a salientar abortos recorrentes do primeiro trimestre na mãe e tromboflebite espontânea de um membro não complicada numa tia materna. condicionando uma dificuldade marcada na mobilização cervical. não se agravava com a manobra de Valsalva ou com o decúbito. que cede parcialmente aos anti-inflamatórios (ibuprofeno e paracetamol. O caso apresentado ilustra uma patologia cujo diagnóstico requer um grau de suspeição elevado e é completamente suportado pela clínica. sem sonofobia. CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino. . alternadamente de 4 em 4 horas). que pode ser extremamente complexo. contribui também para orientar essa investigação. persistente. mantendo quadro de diarreia e prostração. mas envolvendo também a zona malar bilateralmente e a zona occipital e cervical alta. sem vómitos. No dia seguinte ao início do quadro refere instalação progressiva de cefaleias de localização predominante na região bi-frontal.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO A cefaleia é um dos sintomas neurológicos mais frequentes e também um dos mais desafiantes.1 No entanto. ascendentes até ao braço e depois à hemiface esquerda. A confirmação do diagnóstico foi possível de uma forma imediata devido aos recursos humanos e tecnológicos disponíveis no Hospital da Luz. mas mantendo cefaleias persistentes. Cinco dias depois do início do quadro tem episódio de parestesias da mão esquerda com cerca de 5 minutos de duração. erupções cutâneas. cólicas abdominais e diarreia com início cerca de 2 semanas antes da observação inicial. Nesta altura. Não registou a temperatura. não se acompanhava de náuseas ou vómitos. não deixam de representar sofrimento e incapacidade individual. A doente descreveu um quadro de náuseas. Nestas situações. a história clínica é muito mais relevante do que a observação do doente para decidir efectuar ou não uma investigação complementar de diagnóstico.03 mg) quando da sua apresentação no Atendimento Médico Permanente do Hospital da Luz. 29 anos de idade. têm um impacto sócio-económico importante. por persistência das cefaleias. aftas ou úlceras orais. Refere fotofobia ligeira. realiza tomografia computorizada crânio-encefálica (TC CE) que é normal e mantém terapêutica sintomática para cefaleias. sem vómitos. sem defeito de força ou outras queixas. Embora na maioria dos casos as cefaleias sejam primárias (ou idiopáticas). programando-se um esquema de redução progressiva da terapêutica anti-inflamatória para o ambulatório.56 mg/dL. Este episódio foi autolimitado e teve cerca de 8 minutos de duração. lesões corticais bilaterais compatíveis com pequenos enfartes venosos 83 . vírus herpes simplex (HSV1 e 2). Nesta altura. Foram efectuadas serologias virais que não identificaram infecção aguda pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). vírus de Coxsackie e echovirus. ascendentes lentamente até ao braço e hemiface direita. citomegalovírus (CMV). apenas sob anticoagulação oral. apresentando-se normotensa e apirética. desta vez com início na mão direita. Ficou internada com o diagnóstico de trombose venosa cerebral (TVC) e crises focais sensitivas secundárias a enfartes corticais. perda de consciência ou cefaleias posteriores. clonias. Foi internada com a hipótese diagnóstica de meningite linfocitária. o exame neurológico era completamente normal à excepção de rigidez terminal da nuca. Fig. leucograma com linfocitose (53%) e elevação ligeira da proteína C reactiva (PCR) (3. sem ter ocorrido defeito de força. vírus de Epstein Barr (EBV). que revelou uma diminuição da proteína S (21%. onde foi observada apresentando-se ansiosa com o evento mas sem qualquer alteração na observação geral ou no exame neurológico. Durante o internamento houve recorrência esporádica das crises parciais. seguidas de período de dificuldade em emitir discurso e algumas parafasias. a sua observação geral era normal. tendo também sido medicada com valproato de sódio como antiepileptico. sem defeito de compreensão. mantendo medicação anti-inflamatória e hidratação. valores de referência 60-140 %). Cerca de 12 horas após a alta contacta o médico assistente descrevendo novo episódio de parestesias. 1). Foi orientada para o Atendimento Médico Permanente do Hospital da Luz. Foi efectuado o estudo dos factores pró-trombóticos. em particular sem edema papilar. Teve alta após 36 horas. com predomínio de células mononucleadas. tendo tido alta após 6 dias. Efectua punção lombar que identifica liquor límpido e incolor. A avaliação analítica revela aumento discreto das provas de função hepática. bilaterais. sendo a sua observação completamente normal e tendo ocorrido melhoria sintomática significativa. Foi iniciada anticoagulação com heparina de baixo peso molecular efectuando-se sobreposição com varfarina. sem qualquer défice ou queixa e com o exame neurológico normal. nomeadamente os D-dímeros foram negativos. A avaliação analítica não revelou alterações. compatíveis com pequenos enfartes venosos. que identificou trombose venosa do seio longitudinal superior com lesões corticais parietais na alta convexidade. 1 Imagens de ressonância magnética encefálica: trombose venosa do seio longitudinal superior.CEFALEIAS PERSISTENTES EM DOENTE JOVEM e não tinha queixas de obscurações visuais transitórias. valores de referência < 0. Efectuou então ressonância magnética encefálica com estudo venoso (Fig.60 mg/dL). com glicorráquia e proteínorráquia normais e elevação da contagem celular – 18 células/μl. após 24 horas de internamento tinha ocorrido melhoria sintomática significativa. existindo no entanto 13% de casos com evolução desfavorável. No entanto.5 A sua prevalência é mais elevada do que se suponha antes do advento da ressonância magnética. elevação da PCR. No contexto clínico admitido.4 A avaliação analítica efectuada 2 semanas após o início das queixas revela linfocitose. pelo que o seu prognóstico era considerado muito reservado. visto que a maioria das meningites assépticas resolve com terapêutica sintomática após 1 a 2 semanas. compatível clinicamente com um síndroma meníngeo. compatíveis com o diagnóstico de infecção viral sistémica com meningite asséptica. Esta dúvida.5% das doenças vasculares cerebrais. alterações ligeiras da função hepática e presença de células mononucleadas no líquor estéril.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ DISCUSSÃO Apresenta-se o caso clínico de uma jovem com um quadro de gastroenterite seguido de cefaleias generalizadas. De notar que as crises focais sensitivas foram bilaterais. sarcoidose. Mycobacterium tuberculosis. Outros agentes frequentemente implicados são os herpesvirus. embora sem regressão completa das cefaleias. em resolução. o que não ocorreu neste caso. com fotofobia e dificuldade em mobilizar o pescoço e rigidez terminal da nuca. implicava envolvimento cortical e não puramente meníngeo. doença de Behçet. echovirus e outros). os enterovirus (vírus de Coxsackie.3. síndrome de Mollaret). fotofobia e vómitos). Os dados actuais revelam que na maioria dos doentes o prognóstico é favorável. tal como o eram as lesões parenquimatosas que estariam na sua origem. pelo que a doente teve alta ainda sob medicação. A TVC é uma doença rara (5 casos por milhão de pessoas). altura em que era diagnosticada sobretudo na autópsia. levou a colocar outras hipóteses de diagnóstico que pudessem justificar a sintomatologia. incluindo 8% de mortalidade.3.6 . A duração do quadro é prolongada. se suspeitou de etiologia epiléptica. seria possível considerar um envolvimento meningo-encefalítico. embora sem vómitos (tríade sintomática: cefaleias. Brucela.2 O contexto de gastroenterite aguda e a altura do ano (Verão e Outono) são compatíveis com os agentes infecciosos virais mais frequentes nos casos de meningite asséptica. A ocorrência subsequente de um episódio com queixas sensitivas que. A suspeita de trombose venosa cerebral foi confirmada por ressonância magnética encefálica com estudo angiográfico venoso. Borrelia burgdorferi). nomeadamente cefaleias persistentes de novo com crises focais sensitivas numa jovem saudável a tomar anticonceptivos e com a observação e exame neurológico normal. representando apenas 0. mas a evolução temporal não era compatível com este diagnóstico. A programação de re-avaliação em consulta permitiria avaliar a resolução do quadro ou a sua persistência. aliada ao facto das cefaleias nunca terem remitido durante mais de duas semanas apesar da medicação. Leptospira. que então justificaria a pesquisa de agentes menos frequentes (por exemplo. a seroconversão HIV e o vírus da papeira. pelo seu início e marcha do membro superior à hemiface direita seguida de sintomas afásicos. o que é bastante característico das tromboses do seio longitudinal superior. persistentes.4 ou outras doenças com envolvimento meníngeo (por exemplo. desde os habituais factores pró-trombóticos congénitos ou adquiridos. doenças hematológicas.5.7 Como noutras patologias. Podem também ocorrer formas de apresentação menos frequentes. podendo ser hereditária ou secundária à utilização de anticoncepção oral. (2) Síndrome focal (manifestação de lesão limitada a um local do sistema nervoso “foco”). atribuída incorrectamente a resolução espontânea do quadro inflamatório meníngeo.5 As causas de TVC são inúmeras e variadas. pois o mais habitual nestes casos é a sua ocorrência estar associada a diversas causas simultâneas. sem alterações na análise do líquido céfaloraquidiano e com TC CE normal. caracterizada habitualmente por uma cefaleia de início agudo ou sub agudo. condicionando quer fenómenos epilépticos quer fenómenos deficitários. neurocirurgia. Nesta doente a causa dessa deficiência ainda se encontra em investigação. que ocorre em cerca de 80% dos casos. mas que habitualmente se acompanha de outros sintomas. entre estas.7 (1) Síndrome de hipertensão intracraniana isolada (cefaleias. (4) Síndrome do seio cavernoso (síndrome de Foix – parésia do III. entre outras. mais frequente em casos graves ou com oclusão das veias de drenagem profundas. cateter venoso jugular) e terapêuticas (anticoncepção oral. A identificação de uma causa de TVC não deve evitar a pesquisa de outras. nomeadamente em estado protrombótico. A diminuição da pressão intracraniana pela remoção de liquor através da punção lombar causou uma melhoria sintomática das cefaleias. corticoterapia e quimioterapia). terapêutica hormonal de substituição. IV e VI nervos cranianos com envolvimento do ramo oftálmico do V par.CEFALEIAS PERSISTENTES EM DOENTE JOVEM A apresentação clínica mais frequente da TVC é a cefaleia. vómitos e edema ou estase papilar).8 (Quadro I) No caso em discussão. a situações fisiológicas como a gravidez e o puerpério. que pode ocorrer devido a enfartes venosos ou hemorragias. hereditário ou adquirido. a cefaleia era persistente. podendo existir quemose. No entanto.5 85 . às doenças autoimunes e vasculites.2 por acumulação de sangue venoso intracraniano devido a obstrução da sua drenagem. sem alterações na observação (nomeadamente sem estase papilar). dentro do contexto clínico do doente. (3) Encefalopatia difusa (sinais e sintomas de disfunção difusa do encéfalo). habitualmente unilateral e pulsátil. a intervenções médicas (punção lombar. náuseas. injecção conjuntival e proptose)2 por trombose deste seio. mas o contexto clínico e as alterações analíticas e do liquor levaram a assumir o diagnóstico de meningite asséptica. cancro. aos quais se associou a utilização de anticoncepção oral e a sua susceptibilidade individual por deficiência em proteína S. a inflamação meníngea e a desidratação devida à diarreia actuaram apenas como factores facilitadores ou predisponentes para o desenvolvimento da TVC. nesta doente. a mais difícil de diagnosticar é a síndrome da cefaleia isolada. é na anamnese que se identificam os sintomas de alarme para sus- peição de possível patologia intra-craniana. intensa e persistente.7 Os quadros sintomáticos mais habituais são de 4 tipos. infecções. meningo-encefalite. tumores.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ Quadro I – Sintomas e Sinais de Alarme nas Cefaleias* SINTOMAS E SINAIS SIGNIFICADO Cefaleias de início súbito e/ou precipitada por exercício. doentes idosos (maior risco de artrite temporal e hematoma subdural) e anticoagulação (maior risco de complicações hemorrágicas) * Adaptado de Pavão Martins I. In Sinha KK. encefalite.. actividade sexual ou manobras de valsalva Ruptura de aneurisma intracraniano (hemorragia sub-aracnoideia) ou de malformação arterio-venosa ou hemorragia intra-tumoral Mais raramente: apoplexia pituitária. tumores. 2000:377-92 . hemorragia sub-aracnoideia Mais raramente: abcesso cerebral. trombose venosa cerebral Cefaleias com epilepsia e/ou sinais focais Tumor cerebral. trombose venosa cerebral. hipertensão intracraniana Cefaleia com diminuição da visão Arterite temporal. doença vascular cerebral Cefaleias após traumatismo craniano (ou em doentes anticoagulados) Hematoma subdural ou epidural. carcinomatose lepto-meningea Cefaleia com diplopia Aneurismas expansivos pré-ruptura. Gil Gouveia R. neoplasia conhecida ou suspeita (maior risco de metástases ou carcinomatose meningea). doença vascular cerebral isquémica ou hemorrágica. meningite crónica. dissecção arterial Cefaleias isoladas não remitentes Meningite viral ou bacteriana. meningo-encefalite. hipertensão intracraniana idiopática Cefaleia com febre e/ou síndrome meníngeo Meningite viral ou bacteriana.) Advances in Clinical Neurosciences. apoplexia pituitária Cefaleias com alterações do comportamento Encefalite. dissecção arterial ou trombose venosa cerebral Cefaleia com hipertensão intracraniana Tumor cerebral. hematoma sub-dural ou epidural. Volume 10. abcesso cerebral. carcinomatose lepto-meningea etc Situações que aumentam a probabilidade de uma cefaleia isolada ser sintomática: Infecção HIV ou imunosupressão (maior risco infeccioso). India: The Catholic Press. hemorragia sub-aracnoideia. hipertensão intracraniana idiopática. Emergency diagnosis and management of headache. Ranchi. (Eds. meningo-encefalite. Chandra P. meningite crónica. trombose venosa cerebral. hematoma intracraniano. CEFALEIAS PERSISTENTES EM DOENTE JOVEM A avaliação imagiológica por TC é frequentemente normal. A ponderação em T2* é a que tem maior sensibilidade diagnóstica. Canhão P.6:162-70. The aseptic meningitis syndrome. Semiologia Neurológica. Stam J. o coma. 7. 8. Volume 10. podendo também estar indicada a anticoagulação permanente. Nelsen S. Ferro JM. Stroke 2004. 2 vezes superior ao normal). et al. Hagen K. pode ser necessária a trombolise química ou mecânica intra-arterial A duração da anticoagulação para prevenir recorrências ou outros fenómenos trombóticos depende dos Tal como neste caso. Schneider EF. a alteração do estado mental. The acute aseptic meningitis syndrome. In Sinha KK. 3. Bousser MJ. Pavão Martins I. Connolly KJ. Valade D.. 87 . Chandra P. O diagnóstico é efectuado por estudo angiográfico venoso por ressonância magnética. Lancet Neurology 2007. acetazolamida. 6. Ferro JM.35:664-70. 2. anti-epilépticos para epilepsia. Lisboa: Lidel.6 BIBLIOGRAFIA 1. Emergency diagnosis and management of headache. Cumurciuc R.4:599-622. Crassard I. a maioria dos doentes tem bom prognóstico de recuperação funcional sem sequelas. drenagem de liquor ou osmoterapia para hipertensão intracraniana). 2000:377-92.27:193-210. (Eds. A restante terapêutica utilizada é sintomática (por exemplo. independentemente do tempo decorrido entre a trombose e a realização da imagem. Am Fam Physician 1993. Ferro JM. APTT. et al. Pinto F. Stovner LJ.) Advances in Clinical Neurosciences. Jensen R. J Neurol Neurosurg Psychiatry 2005. India: The Catholic Press. Cephalalgia 2007. 4. Ranchi. 5. sendo os factores relacionados com um prognóstico desfavorável a idade superior a 37 anos. factores predisponentes. Hammer SM. Sarov M. Headache as the only neurological sign of cerebral venous thrombosis: a series of 17 cases. a presença de hemorragia cerebral na admissão. o mesmo podendo ocorrer com o estudo encefálico por ressonância magnética (RM). Em casos graves. 2004. Bousser MG. Prognosis of Cerebral Vein and Dural Sinus Thrombosis. Results of the International Study on Cerebral Vein and Dural Sinus Thrombosis (ISCVT). Sealy DP.76:1084–7. a trombose do sistema venoso profundo e a presença de infecção do sistema nervoso central ou neoplasia sistémica.48:809-15.5 A terapêutica da TVC na fase aguda consiste em anticoagulação com heparina de baixo peso molecular ou heparina endovenosa convencional (para um tempo de tromboplastina parcial activado. analgésicos e antieméticos para cefaleias e vómitos. mesmo que exista hemorragia intracraniana. o sexo (masculino). Cerebral venous thrombosis: an update. mantém-se no mínimo durante 3 a 6 meses. Infect Dis Clin North Am 1990. Gil Gouveia R. The global burden of headache: a documentation of headache prevalence and disability worldwide. . The magnetic ressonance with diffusion study was considered normal and clinical evolution led to complete ophtalmoplegia and tetraparesis. sem sinais piramidais ou sensitivos. without pyramidal or sensitive signs. ptose e hemiparesia contralateral. A ressonância magnética com estudo de difusão foi negativa e o agravamento clínico do doente com instalação de oftalmoplegia completa e defeito motor dos 4 membros. bem como as dificuldades da terapêutica subsequente.A PROPÓSITO DE UM CASO DE PTOSE ALTERNANTE E HEMIPARESIA Alternating ptosis and hemiparesis. Abstract The authors report the case of a 75-year old male with a rapidly progressive history mimicking a brainstem stroke. allowing the final diagnosis of myasthenia gravis. Discute-se o diagnóstico inicial e as principais intercorrências. Case report RAQUEL GIL-GOUVEIA JOSÉ ANDRADE GOMES ANTÓNIO MESSIAS CLÁUDIA FEBRA JOÃO SÁ LUÍSA ALBUQUERQUE Departamentos de Neurologia e de Medicina Interna RESUMO Os autores apresentam o caso clínico de um homem de 75 anos de idade com uma história rápida de oftalmoparesia. permitiu formular o diagnóstico de miastenia gravis. sugestiva de acidente vascular cerebral vertebrobasilar. 89 . The initial diagnosis and main difficulties of treatment are discussed. CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO Num adulto, a ptose unilateral adquirida, isolada e sem parésia de outros músculos da órbita é rara. A lesão do III par craniano (nervo motor ocular comum) associa ptose a diplopia subjectiva e parésia objectiva da adução e movimentos verticais do olho e eventual midríase. Neste caso pode estar relacionada com causas médicas e/ou metabólicas como a diabetes, mas obriga à exclusão de lesões compressivas do nervo. Se coexistir ptose, miose e enoftalmia, define-se um síndrome de Claude-Bernard-Horner, tipicamente associado a lesão do plexo simpático cervical. Quando a ptose não se enquadra num dos estereótipos referidos admite-se a possibilidade de causas locais (por exemplo, lesões inflamatórias ou compressivas da cavidade orbitária, miosites focais) ou de manifestações localizadas de doença sistémica (tiroideia, muscular). Por outro lado, a ptose bilateral simultânea pode ocorrer por lesão do sistema nervoso central (SNC), ou seja do núcleo único dos levantadores da pálpebra, mediano no tronco cerebral.1 A associação de uma lesão de nervo craniano (uni ou bilateral) a defeito motor, de sensibilidade ou de coordenação dos membros apoia decisivamente a hipótese de lesão no tronco cerebral, envolvendo os núcleos dos nervos e vias longas. O caso que se apresenta parecia evoluir rapidamente e de acordo com lesão do tronco cerebral, pelo que a hipótese diagnóstica mais plausível era de acidente vascular isquémico nessa localização. O exame de eleição para visualizar este tipo de lesão numa estrutura pequena e sujeita a artefactos imagiológicos, como é o tronco cerebral, e/ou em fase aguda, é a ressonância magnética nuclear (RM) com estudo de difusão protónica, com uma sensibilidade de 90%, logo em fase inicial.2 CASO CLÍNICO Indivíduo do sexo masculino, de 75 anos de idade, reformado, previamente saudável, sem factores de risco vascular, recorre ao Atendimento Médico Permanente (AMP) do Hospital da Luz por quadro de ptose do olho direito e hemiparesia esquerda. Referia ter acordado 2 semanas antes com ptose da pálpebra esquerda, indolor e sem diplopia. Melhorou ao longo dos 10 dias seguintes, mantendo as suas actividades de vida diária habituais, incluindo conduzir. Três dias antes da sua observação no AMP descreve o aparecimento de ptose do olho direito e diplopia, assim como de desequilíbrio na marcha e dimi- nuição da força do hemicorpo esquerdo. Por este motivo tinha recorrido anteriormente à urgência de duas unidades de saúde, tendo alta sem diagnóstico. No AMP do Hospital da Luz apresentava-se vígil e colaborante, sem alterações dos parâmetros vitais ou exame objectivo geral. Estava presente ptose completa do olho direito com pupilas isocóricas e isoreactivas, limitação da abdução do olhar para a esquerda e nistagmo no olhar para a direita (oftalmoplegia internuclear), bem como hemiparesia esquerda ligeira, proporcionada, incluindo parésia facial esquerda de tipo central. A PROPÓSITO DE UM CASO DE PTOSE ALTERNANTE E HEMIPARESIA Perante a hipótese de acidente vascular isquémico do tronco cerebral (território vascular dependente do sistema arterial vertebrobasilar) o doente foi internado e anti-agregado, tendo sido realizados RM crânio-encefálica com estudo de difusão, estudo por doppler da circulação cervical, ecocardiograma transtorácico e avaliação analítica, que não revelaram qualquer alteração. Nas 72 horas seguintes verificou-se agravamento clínico com estabelecimento de oftalmoplegia completa com tetraparesia assimétrica (mais grave à esquerda), sem alterações da sensibilidade ou coordenação e sem alteração dos reflexos osteotendinosos ou dos reflexos cutâneos plantares (sinais de envolvimento neuronal da via cortico-espinhal). Pelo envolvimento exclusivamente motor suspeitou-se de patologia neuromuscular, em particular de miastenia gravis (MG) generalizada, posteriormente confirmada pela realização de electromiograma com estudo específico, por estimulação repetitiva (Fig. 1). Apesar da instituição de terapêutica sintomática com brometo de piridostigmina ocorreu um agravamento progressivo do Fig. 1 Electromiograma com registo de actividade no trapézio. A resposta muscular reduz-se significativamente com a estimulação eléctrica repetitiva quadro, já em ambulatório. Na consulta, realizada uma semana depois, verificava-se oftalmoplegia completa, tetraparésia assimétrica, disfonia e diminuição da capacidade ventilatória, com cansaço extremo para pequenos esforços. O doente foi internado na Unidade de Cuidados Intensivos durante uma semana, sendo efectuada vigilância da função ventilatória e iniciada imunomodulação, com corticoterapia (prednisolona oral 1 mg/kg/dia) e imunoglobulina (Ig) humana hiperimune (0,400 mg/ kg/dia, intravenosa, durante 5 dias)3 com melhoria funcional progressiva. Ultrapassado o risco ventilatório e estabilizado o quadro miasténico teve alta, vindo a recuperar por completo em cerca de 8 semanas. Neste doente o doseamento de anticorpos anti-receptores de acetilcolina foi positivo; no entanto não havia evidência de timoma, hiperplasia do timo ou de doença tiroideia e/ou paratiroideia no restante estudo complementar. Após um período de estabilidade clínica de cerca de 3 meses, iniciou-se desmame progressivo da corticoterapia pela ocorrência de efeitos acessórios crónicos de dislipidemia, hiperglicemias ocasionais, aumento dos depósitos adiposos (fácies cushingoide, pescoço de búfalo e aumento do perímetro abdominal), cataratas (que necessitaram de cirurgia bilateral), irritabilidade e insónia e alterações dermatológicas (seborreia, fragilidade capilar com equimoses fáceis). Quando atingiu uma dose de 10 mg / 5 mg (dias alternados) de prednisolona, cerca de um ano após o internamento, o doente voltou a ter sintomas de diplopia ocasional e alguns momentos de menor força muscular na mão esquerda. Foi iniciada azatioprina que não tolerou por efeitos adversos gastrointestinais marcados. 91 CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ Devido ao agravamento progressivo dos sintomas foi proposta a realização de novo pulso de IgIV, que foi suspenso no segundo dia de tratamento por exuberante reacção alérgica cutânea. Foi necessário aumentar a dose de corticoterapia em curso e introduziu-se um imunosupressor de segunda linha para o tratamento da miastenia gravis,4 o metotrexato oral, até 20 mg semanais com ácido fólico, sob monitorização clínica e laboratorial. Efectuou-se também pro- tecção gástrica, terapêutica sintomática sem benzodiazepina para ansiedade/irritabilidade, suplemento de cálcio oral e vacinação antigripal anual. O plano terapêutico em curso inclui, dependendo da eficácia do metotrexato, eventual recurso a imunossupressão de terceira linha,4 com micofenolato de mofetil, e a discussão do potencial benefício de timectomia com o doente. DISCUSSÃO A miastenia gravis é uma patologia auto-imune rara da transmissão na placa neuromuscular, potencialmente fatal se não diagnosticada. As formas oculares arrastadas, com defeito flutuante ao longo do tempo e paresia oculomotora variável são mais frequentes no idoso e são mais comummente corticodependentes e negativas para os anticorpos clássicos. Nestes casos de MG localizada a dificuldade está geralmente no diagnóstico diferencial com patologia tiroideia ou patologia primariamente orbitária. No doente em causa a progressão muito rápida de miastenia ocular para MG generalizada mimetizava um acidente vascular cerebral (AVC) do tronco cerebral pois coexistia uma aparente oftalmoplegia internuclear (sugestiva de lesão da fita longitudinal posterior, localizada no tronco cerebral) e ptose com um defeito motor contralateral. Outra alternativa, já excluindo o AVC do tronco, e considerando o desenvolvimento rápido de um síndrome de tipo miasténico seria o botulismo, em que o bloqueio da placa neuromuscular é efectuado por uma toxina e não por autoanticorpos. Este caso constitui por isso um bom exemplo da exigência do diagnóstico diferencial neurológi- co, da utilidade de meios de diagnóstico específicos e rápidos e dos cuidados multidisciplinares por vezes requeridos para uma boa prestação de cuidados. A chave do diagnóstico clínico de MG reside em geral nas queixas motoras flutuantes ao longo dia e sujeitas a fatigabilidade fácil, isto é, que se agravam com o esforço e aliviam com o repouso, variando de localização ao longo do tempo, aspectos que não eram evidentes neste doente. As paresias podem atingir músculos oculares, da deglutição e fonação ou músculos proximais dos membros (afectando a marcha prolongada, subir escadas, manter os braços elevados ou pentear-se) e, se existe uma crise miasténica grave, pode haver defeito maciço da transmissão neuromuscular, com falência ventilatória e insuficiência respiratória aguda. Em casos excepcionais de MG a apresentação inicial ocorre em circunstâncias precipitantes agudas - anestesias gerais ou uso de algum fármaco da extensa lista dos que diminuem a transmissão na placa neuromuscular. Pelo mesmo motivo, uma vez feito o diagnóstico de MG há que conhecer as A PROPÓSITO DE UM CASO DE PTOSE ALTERNANTE E HEMIPARESIA contra-indicações farmacológicas importantes (Quadro 1), bem como as regras anestésicas estritas para evitar o agravamento abrupto e a crise miasténica. Esta deixa de responder ao brometo de piridostigmina e pode incluir necessidade de cuidados intensivos e ventilação assistida, escalada de corticoides, imunoglobulinas ou plasmaferese, com um risco de complicações inerente elevado. A história subsequente deste doente parece-nos ainda ilustrativa da complexidade de decisões terapêuticas4 que se vão colocando num hospital de referência. A utilização crónica de corticoides em dose baixa está preconizada na MG, procurando-se o controlo da auto-agressão imunológica com imunossupressores alternativos. A azatioprina é a primeira linha, devendo manter-se com vigilância hematológica e hepática regular. Em fase de imunossupressão crónica há ainda que referir que os riscos posteriores incluem infecções oportunistas e neoplasias secundárias. Por outro lado, se o doente não tolera os fármacos (como no caso presente) ou quando a doença é refractária, devem ser considerados imunossupressores alternativos e pode ponderar-se a utilidade da timectomia electiva. Quadro I – Fármacos susceptíveis de agravar miastenia gravis Anestésicos gerais ou locais Relaxantes musculares, tranquilizantes Antibióticos (excepto cefalosporinas, eritromicina, ampicilina) Antiepiléticos, psicotrópicos, lítio Analgésicos narcóticos / opiáceos Antiarrítmicos (beta bloqueantes, antagonistas do cálcio, lidocaína, procainamida) Tópicos oftalmológicos Terapêuticas hormonais Penicilamina, trimetadiona, cloroquina BIBLIOGRAFIA 1. Ferro JM, Pinto F. Semiologia Neurológica. Lisboa: Lidel, 2004. 2. Etgen T, Grafin von Einsiedel H, Rottinger M, Winbeck K, Conrad B, Sander D. Detection of acute brainstem infarction by using DWI/MRI. Eur Neurol 2004;52:145-50. 3. Dalakas MC. Intravenous immunoglobulin in the treatment of autoimmune neuromuscular diseases: present status and practical therapeutic guidelines. Muscle Nerve 1999; 22:1479–97. 4. Skeie GO, Apostolski S, Evoli A, et al. Guidelines for the treatment of autoimmune neuromuscular transmission disorders. Eur J Neurol 2006;13:691-9. 93 CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ . CIRURGIA GERAL CIRURGIA VASCULAR UROLOGIA ORTOPEDIA NEUROCIRURGIA OTORRINOLARINGOLOGIA 95 . . podia mesmo ser necessária uma hepatectomia ou um transplante hepático. Sometimes. estas situações obrigavam à abordagem cirúrgica do colédoco para remoção dos cálculos e implicavam frequentemente a realização de anastomoses biliodigestivas. when dealing with stones within the biliary tree. The authors report the case of a 35-year old female with complex intrahepatic obstructive lithiasis that was impossible to treat with ERCP and extracorporeal lithotripsy. through which an endoscope was inserted for removal of stones using an extraction baloon and a Dormia basket. Until then. and it was frequently necessary to perform bilioenteric anastomosis. No caso da litíase biliar intra-hepática obstrutiva intratável. A laparoscopic cholecistectomy with coledocotomy was performed. Até então. 97 .ABORDAGEM COMBINADA (CIRÚRGICA E ENDOSCÓPICA) NO TRATAMENTO DA LITÍASE BILIAR INTRA-HEPÁTICA Combined (surgical and endoscopic) approach for the management of intrahepatic biliary stones PAULO ROQUETE CARLOS VAZ CÉSAR RESENDE JOÃO REBELO DE ANDRADE JOSÉ DAMIÃO FERREIRA DAVID SERRA Departamento de Cirurgia Geral e Centro de Gastrenterologia e Endoscopia Digestiva. Optou-se então por uma abordagem cirúrgica laparoscópica do colédoco seguida da introdução de endoscópio através da coledocotomia para remoção dos cálculos com balão de extracção e cesto de Dormia. RESUMO O desenvolvimento da laparoscopia e os progressos na área das técnicas endoscópicas revolucionaram o tratamento da litíase biliar. Abstract The advent of laparoscopic surgery and the recent advances in endoscopic techniques caused significant changes in the treatment of gallstones. cujo tratamento não foi possível com CPRE e litotrícia extracorporal. Os autores apresentam o caso clínico de uma doente de 35 anos com litíase biliar intra-hepática obstrutiva complexa. surgical exploration of the common bile duct was mandatory to achieve gallstone extraction. hepatectomy or even liver transplant could be required in cases of intractable obstructive intra-hepatic lithiasis. As queixas dolorosas tinham surgido cerca de 2 meses antes. As cólicas eram acompanhadas de náuseas. Concomitantemente foi efectuada uma tomografia computorizada (TC) abdominal. tendo sido negada a ocorrência de febre. Analiticamente havia a referir uma anemia hipocrómica. a ausência de icterícia e a palpação abdominal muito dolorosa no epigastro. a etiologia. O aumento progressivo da sua frequência e intensidade tinha já motivado o recurso a vários serviços de urgência. 35 anos de idade. Desta forma. da. em alguns países orientais.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO A litíase intra-hepática (LIH) é uma situação rara no hemisfério Ocidental. sem sinais de irritação peritoneal. tipo cólica. CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino. 1 Imagem de tomografia computorizada abdominal realizada no dia de internamento . icterícia. que não cedia à analgesia oral. já que a raridade desta condição no Ocidente torna por vezes difícil a decisão terapêutica.9 g/dL. reflectindo naturalmente as características da doença aí observadas. a qual revelou litíase da vesícula biliar e dilatação da árvore biliar intra-hepática à esquer- Fig.1 Justifica-se assim que os conhecimentos actuais sobre esta patologia se devam sobretudo a estudos efectuados nessa região do globo. estimando-se que menos de 1% dos doentes colecistectomizados por litíase da vesícula biliar apresentem LIH concomitante. recorreu ao Atendimento Médico Permanente do Hospital da Luz com queixas de dor abdominal epigástrica paroxística intensa. sem evidenciar a causa da obstrução. os sintomas e as formas de tratamento mais adequadas para a LIH no Oriente não serão necessariamente os mesmos para a LIH nos países ocidentais. com uma hemoglobina de 10. sem qualquer alteração analítica sugestiva de colestase. Foi realizada uma ecografia abdominal. colúria ou acolia. reveste-se de bastante interesse documentar todos os casos observados. com uma função hepática normal. sem aumento das bilirrubinas. a incidência de LIH em doentes colecistectomizados é superior a 50%. No exame objectivo era evidente uma palidez cutâneo-mucosa. sem vómitos. a fisiopatologia. Pelo contrário. No entanto. Em seguida. através de uma agulha de Veress introduzida no umbigo. A seta indica o local do cálculo obstrutivo culos sob visualização directa e controlo radiológico. imediatamente antes da confluência na via biliar principal. a doente referiu o reaparecimento das queixas de dor epigástrica. O caso clínico foi reavaliado em reunião multidisciplinar entre a Cirurgia Geral. O procedimento foi realizado por via laparoscópica. foram introduzidos dois 99 . constatou-se a presença de cálculo volumoso obstrutivo (Fig. Não foi possível remover este cálculo. com extracção de cálculos das VBIH direitas (que ficaram totalmente desobstruídas) e colocação de novo dreno nasobiliar devido à persistência de cálculo obstrutivo na VBIH esquerda. A abordagem inicial foi a de colecistectomia laparoscópica. com alívio completo das queixas dolorosas da doente após o exame. pelo que foi colocado um dreno nasobiliar a montante da obstrução. Foi ainda contemplada a eventual realização de litotrícia intra-operatória com laser. com remoção de alguns cálculos das VBIH.ABORDAGEM COMBINADA (CIRÚRGICA E ENDOSCÓPICA) NO TRATAMENTO DA LITÍASE BILIAR INTRA-HEPÁTICA que confirmou a dilatação das vias biliares intra-hepáticas (VBIH) à esquerda não se tendo conseguido. com o mesmo padrão e intensidade do episódio anterior. O primeiro trocarte colocado foi o umbilical. com a doente em posição de litotomia. seguida de coledocotomia para exploração das vias biliares com endoscópio e extracção dos cál- Fig. 72 horas após a litotrícia. que não foi possível remover. com a criação do pneumoperitoneu com uma pressão de 12 mmHg. Após a esfincterotomia endoscópica (ETE) foram removidos inúmeros cálculos da VBP. Ao nível das VBIH esquerdas. 2 Colangiografia retrógrada endoscópica realizada no dia de internamento. A doente foi informada da eventual necessidade de realizar uma hepatectomia esquerda no caso de não ser possível desobstruir as vias biliares. 1). objectivar a causa obstrutiva (Fig. e sob visualização laparoscópica. Gastrenterologia e Imagiologia. tendo sido decidida a abordagem cirúrgica. 2). pelo que foi efectuada nova CPRE. mais uma vez. Foi planeada a realização de colecistectomia. com 10 mm de diâmetro. Sete dias após o internamento foi realizada litotrícia extracorporal seguida de CPRE. tendo sido observada a existência de múltiplos cálculos ao nível da via biliar principal (VBP) e das VBIH esquerdas. para introdução de uma óptica de 30º. A TC abdominal confirmou o reaparecimento de dilatação das VBIH. No mesmo dia foi efectuada uma colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE). permitiram remover todos os cálculos das VBIH. Na colangiografia intra-operatória efectuada com contraste O último passo da cirurgia consistiu na totalização da colecistectomia e na colocação de um tubo em T na via biliar principal. a incisão do canal cístico foi prolongada para a via biliar principal. Foi então introduzido um quinto trocarte de 5 mm. através da qual foi efectuada uma colangiografia intra-operatória para confirmação da persistência da LIH. A ampla incisão na via biliar principal permitiu uma introdução fácil do endoscópio (Olympus N180) (Fig. realizados sob controlo radiológico. Na Fig. o qual serviu depois para a introdução alternada de um balão de extracção de cálculos e de um cesto de Dormia (Fig. entre o trocarte umbilical e o do flanco direito. injectado através do endoscópio (Fig. C Fig. sob visualização endoscópica e controlo radiológico. 5A mostra a visualização directa endoscópica no local do cálculo obstrutivo. De seguida. 5B é possível ver o aspecto endoscópico final das VBIH no local da obstrução. Depois da laqueação e secção da artéria cística. A B Estes procedimentos. 3 Imagens intra-operatórias: A – Introdução do endoscópio na coledocotomia B – Extracção do balão com cálculos C – Extracção do cesto de Dormia com cálculos . 4) é possível observar com mais detalhe o local da obstrução.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ trocartes de 5 mm (subxifóide e flanco direito) e um de 10 mm (flanco esquerdo). 3B e 3C). para servir de canal de passagem do endoscópio. foi introduzido um fio guia distalmente à obstrução. de forma a criar um ponto de acesso para o endoscópio. O primeiro passo consistiu na dissecção do triângulo de Callot. foi feita uma incisão no canal cístico. 3A). A Fig. com identificação da artéria e canal císticos. através da incisão efectuada. Em seguida. a presença de estenose dos ductos biliares (localização e gravidade) e a presença de dilatação de ductos biliares (localização e gravidade). dentro da árvore biliar. sendo bem visível o local da obstrução B – Imagem no final da intervenção DISCUSSÃO Vachell e Stevens.2 A prevalência de LIH é mais elevada no Oriente. ou à migração da litíase da vesícula biliar para as VBIH. como na colangite esclerosante. sendo também apontada como causa frequente a infestação com Clonorchis sinensis ou Ascaris lumbricoides. o lobo hepático esquerdo é mais afectado do 101 . A seta indica o local do cálculo obstrutivo B Fig.3 No hemisfério Ocidental a incidência de LIH é muito menor. Hong Kong.ABORDAGEM COMBINADA (CIRÚRGICA E ENDOSCÓPICA) NO TRATAMENTO DA LITÍASE BILIAR INTRA-HEPÁTICA O pós-operatório decorreu sem complicações.1 Por outro lado. Coreia Malásia e Japão. pelo que a doente teve alta no dia seguinte. A litíase hepática pode ser classificada de acordo com a localização dos cálculos (intra-hepáticos vs extra-hepáticos. Enquanto nas Ilhas Formosas se estima que mais de 50% dos doentes colecistectomizados por litíase da vesícula biliar apresentem em simultâneo LIH.4 No caso clínico apresentado parece-nos ser esta última hipótese a mais provável. quistos do colédoco e tumores malignos das vias biliares.1 Tendo em conta esta classificação.3 Nestas zonas do globo a etiologia da LIH está relacionada sobretudo com a infecção e a estase biliar. A Fig. 4 Colangiografia com injecção de contraste através do endoscópio. e no que se refere à localização da litíase. 5 Endoscopia intra-operatória das vias biliares: A – Imagem no início da intervenção. Ao quarto dia foi efectuada uma colangiografia de controlo. ou ambos). com as maiores taxas de incidência registadas nas Ilhas Formosas. que era normal. no Ocidente essa percentagem não chega a 1%. China. descreveram pela primeira vez um caso LIH num doente com uma provável doença de Caroli. nesta região do globo a litíase deve-se à existência de estenoses das VBIH. em 1906. seja por esfincterotomia endoscópica ou por anastomose biliodigestiva.6 No caso clínico agora documentado. sendo a primeira mais eficaz na demonstração da presença de cálculos. podem levar à atrofia dos lobos afectados. A ocorrência de icterícia é menos frequente.1 Na maioria dos casos. No caso descrito neste artigo a única queixa significativa foi a dor abdominal epigástrica. sendo as queixas frequentemente confundidas com sintomas dispépticos. muito intensa.8 No entanto. A técnica terapêutica aqui descrita. a única solução poderá ser o transplante.5 O diagnóstico da LIH é difícil e muitas vezes tardio. sem outro sinal ou sintoma acompanhante. A remoção deve ser complementada por um procedimento que garanta a livre passagem dos cálculos residuais para o intestino. bem como nos casos de atrofia do parênquima hepático ou de litíase obstrutiva intratável. Os exames complementares de imagem são os mais importantes no auxílio do diagnóstico desta condição. de forma a prevenir a ocorrência de lesões hepáticas irreversíveis. sendo de grande utilidade quando se planeia a intervenção cirúrgica. caso se verifique a presença de estenose. as indicações para a hepatectomia estão a mudar.7 Alguns autores continuam a considerar a hepatectomia como o tratamento de eleição para a LIH complicada. o facto do ângulo das primeiras ramificações da via biliar principal ser mais agudo à direita poderá contribuir para a maior probabilidade de litíase à esquerda. Nos casos muito avançados. deve ser tentada a resolução da mesma através de dilatação. A longo prazo. com o aperfeiçoamento constante das técnicas minimamente invasivas. os quais provocam o aparecimento de estenoses que. por vezes acompanhada de febre. além de inovadora em termos técnicos. paroxística. Além disso.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ que o direito. Para melhor caracterização da arquitectura das vias biliares. por sua vez. A ecografia abdominal e a TC mostram quase sempre a dilatação das vias biliares. O principal objectivo do tratamento consiste na remoção o mais precoce possível da litíase. . A persistência da litíase desencadeia processos de fibrose crónica das vias biliares. Este caso clínico demonstra a sinergia de actuação do Departamento de Cirurgia Geral e do Centro de Gastrenterologia e Endoscopia Digestiva na resolução de um caso clínico raro e de tratamento bastante complexo. sendo a primeira preferida por permitir também tratar a litíase. os sintomas surgem apenas quando ocorre obstrução ou infecção. Tal como aconteceu com a doente em estudo. poderá estar indicada a hepatectomia. A razão desta predominância à esquerda não é inteiramente conhecida. tendo a primeira interpretação sugerido a existência de uma neoplasia da árvore biliar intra-hepática. A colangio-RM possibilita a visualização tridimensional da árvore biliar. os doentes com LIH são assintomáticos. nenhum destes exames permitiu detectar a litíase. Se esta não for eficaz. no entanto. permitiu poupar a doente a uma cirurgia radical e mutiladora (hepatectomia esquerda). com atrofia generalizada do parênquima hepático. tal como aconteceu no presente caso. a CPRE e a ressonância magnética das vias biliares (colangio-RM) são os exames mais usados. esta atrofia pode estar associada ao aparecimento do colangiocarcinoma. sendo a queixa mais frequente a dor localizada nos quadrantes superiores do abdómen. 8:105-10. 6. Onishi H. Terada T. Lee SM. AJR 2002. Kinoshita H. Intrahepatic stones . Uchiyama K. Stevens WM. Nakanuma Y. Indian J Gastroenterol 2004. Park SD. Tani M.1:434-6. 1994.179:429-34. 8. eds. Arch Surg 2002.8:9-14. Kim TK. Surgical experiences with hepatectomy for intrahepatic stones.137:149-53. Case of intrahepatic calculi. Lee M-G. et al.765-74. 103 . World J Surg 1984. Are hepatolithiasis and cholangiocarcinoma etiologically related? A morphological study of 12 cases of hepatolithiasis associated with cholangiocarcinoma. Ohta G. Keum JW. 3.23:201-2. Nitin Rao AR. 4. Yamaue H.ABORDAGEM COMBINADA (CIRÚRGICA E ENDOSCÓPICA) NO TRATAMENTO DA LITÍASE BILIAR INTRA-HEPÁTICA BIBLIOGRAFIA 1. Kim BS. 5.406:45-58. 7. Virchows Arch A Pathol Anat Histopathol 1985. Ueno M. Hepatolithiasis: present status. Vachell HR. Chui AK. 2. Tanaka Y. New York: Churchill-Livingstone. Intrahepatic Stones. Korean J Hepatobiliary Pancreat Surg 2004. Koga A. BMJ 1906. In: Blumgart LH. Surgery of the Liver Biliary Tract. Nakayama F.An etiological quagmire. Indication and procedure for treatment of hepatolithiasis. Diagnosis of intrahepatic stones: Superiority of MR cholngiopancreatogrphy over endoscopic retrograde cholangiopancreatography. Nakayama F. . COLECISTECTOMIA LAPAROSCÓPICA ATRAVÉS DE PORTA UMBILICAL ÚNICA UTILIZANDO O DISPOSITIVO TRIPORT® ASC Laparoscopic cholecystectomy through an umbilical single-port with the TRIPORT® ASC device CARLOS VAZ CRISTINA PESTANA CÉSAR RESENDE JOSÉ DAMIÃO FERREIRA JOÃO REBELO DE ANDRADE PAULO ROQUETE Departamentos de Cirurgia Geral e de Anestesiologia RESUMO Os autores descrevem o primeiro caso de colecistectomia laparoscópica que realizaram com o dispositivo TriPort® (Advanced Surgical Concepts). which allows the access of surgical tools through a single umbilical port. o qual permite o acesso dos instrumentos cirúrgicos através de uma porta única na região do umbigo. 105 . The authors found out that the use of articulated tools and of a light source incorporated in the head of camera (light cable coaxial with the head of camera) renders the procedure significantly easier. overcoming the problems of lack of space for surgeon movements and insufficient triangulation. A doente operada teve alta menos de 24 horas depois da intervenção. The patient length of stay in the hospital was less than 24 hours. Abstract The authors report the first case they performed using the Tri-Port® (Advanced Surgical Concepts) device. Constatou-se que a utilização de instrumentos articuláveis e de um sistema óptico em que a fonte de luz está incorporada na cabeça de câmara facilitam significativamente a colecistectomia realizada com este dispositivo. A colecistectomia conta-se entre as intervenções realizadas desde há muito por via lapa- roscópica. a primeira. Após um estudo diagnóstico prévio. recuperação mais rápida e ausência de cicatrizes visíveis.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO As técnicas de cirurgia minimamente invasiva. tipo cólica. são actualmente a abordagem de eleição em muitas intervenções cirúrgicas. Em regra. recorreu à consulta de Cirurgia Geral do Hospital da Luz por queixas de dor abdominal intermitente. uma incisão com cerca de 2 cm na região do umbigo. foi-lhe detectada litíase múltipla de pequenas dimensões da vesícula biliar. O caso descrito neste trabalho refere-se à primeira colecistectomia laparoscópica realizada com o dispositivo TriPort® no Hospital da Luz. do hipocôndrio direito. para as instituições financiadoras e para o estado (pela redução inerente da despesa global). regresso mais rápido à actividade profissional. 60 anos de idade. como também para as instituições prestadoras de cuidados de saúde (pelo aumento possível da rentabilidade). incluindo uma ecografia abdominal. resposta imunitária mais forte. foi também. náuseas e vómitos biliosos. são usadas 4 portas. . sendo-lhe assim colocada indicação para colecistectomia por via laparoscópica. também os progressos tecnológicos associados aos sistemas de imagem e ao desenvolvimento do equipamento e instrumental cirúrgico continuam a contribuir de uma forma decisiva para a tendência de crescimento da utilização de técnicas de cirurgia minimamente invasiva. CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino. Os benefícios da cirurgia minimamente invasiva são numerosos. tanto para os pacientes (menos dor pós-operatória. Algumas das suas primeiras utilizações em colecistectomias e em intervenções urológicas. com menos dor. intolerância aos lípidos e sensação de enfartamento pós-prandial. que na década de 90 abriram uma nova era e revolucionaram o tratamento cirúrgico de muitas doenças. nomeadamente ao nível da cavidade abdominal. O TriPort® é um dispositivo plástico com três acessos (dois de 5 mm e um de 12 mm de diâmetro) que permite a introdução simultânea de três instrumentos através de uma porta única.1-3 O sistema TriPort® (Advanced Surgical Concepts) é um dos desenvolvimentos mais recentes que visa diminuir o número de portas na cirurgia laparoscópica. são descritas em publicações de 2008. realizadas em Portugal. menor incidência de infecções e hérnias incisionais e cicatrizes operatórias menores). para a sociedade. Além dos benefícios referidos. ou uma das primeiras.3-6 Este sistema apresenta como potenciais vantagens uma redução significativa da invasividade. recuperação geral mais rápida. provavelmente. mas têm sido feitas tentativas para diminuir tanto o número como a dimensão desses acessos (tal como no caso de outras intervenções). de modo a potenciar as vantagens da cirurgia laparoscópica. O tempo operatório foi de 60 minutos. 3). foi aplicado o anel interno do dispositivo TriPort® utilizando o introdutor fornecido. 2). C. No acesso de 12 mm foi introduzida uma óptica de 30º EndoEYE (Olympus). D) 107 . Foi ligado o tubo de insuflação e o dispositivo ficou assim pronto para ser utilizado (Fig. A dissecção e o isolamento da artéria e canal císticos realizaram-se como habitualmente (Fig. Posteriormente. O cirurgião posicionou-se no meio das pernas e o ajudante à esquerda da paciente. A B C D Fig. de acordo com as instruções do fabricante.COLECISTECTOMIA LAPAROSCÓPICA ATRAVÉS DE PORTA UMBILICAL ÚNICA UTILIZANDO O DISPOSITIVO TRIPORT® ASC A paciente foi colocada em decúbito dorsal. com os membros inferiores em abdução. aprofundada em seguida até ao plano peritoneal. A banda de remoção do dispositivo foi traccionada suavemente até ao limite do seu comprimento. B. A paciente não referiu dor no pós-operatório e teve alta hospitalar menos de 24 horas depois do procedimento. 1A a D). nos dois acessos restantes foram introduzidos uma pinça fenestrada e um gancho de dissecção monoplolar. Foi criado um pneumoperitoneu com agulha de Veress umbilical. A vesícula biliar foi então libertada do seu leito hepático por dissecção com cautério monopolar e foi removida num saco colector. No centro da cicatriz umbilical foi realizada uma abertura sagital com cerca de 2 cm. O pós-operatório decorreu sem complicações. 1 Fases de colocação do TriPort® (A. Para as suas laqueações foi usado um aplicador descartável de clips de titânio (Fig. Os anéis interior e exterior do dispositivo foram adaptados à parede abdominal e fixados em posição com o clip de fixação. 2).3. Assim. Também devido à proximidade já referida dos três acessos do TriPort®. em média.6 foi também constatado pelos autores. existem já instrumentos desenhados especificamente para utilização em dispositivos de portaúnica.1. já referido na literatura. realizou que não apresentava qualquer cicatriz visível. na opinião dos autores. contribuindo para aumentar o tempo operatório. está obviamente relacionado com a experiência da sua utilização. que os autores realizam.6 No entanto. o maior benefício da técnica (Fig. Este será. 2 Dissecção e isolamento da artéria e canal císticos Fig.3. Finalmente.6 No caso descrito foi usado apenas um instrumento articulável (Fig. foi superior ao necessário para uma colecistectomia laparoscópica com 4 portas. que dificultou a manipulação dos instrumentos. 3 Laqueação da artéria e canal císticos COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES Utilizando do dispositivo TriPort® os movimentos dos instrumentos são muito limitados pela posição relativa evidentemente muito próxima dos três acessos. a utilização de instrumentos curvos ou articuláveis facilita a sua triangulação.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ Fig. em cerca de 30 minutos. pois entre outros factores. 4).1. nomeadamente pela utilização no caso presente de um sistema deste tipo e numa intervenção posterior de uma fonte de luz com um ângulo de 90º com a câmara. após o recobro anestésico. Este facto. Este aspecto não pode ser considerado desfavorável para a intervenção realizada com o novo dispositivo. a utilização de um sistema óptico em que a fonte de luz está incorporada na cabeça de câmara facilita francamente aqueles movimentos. é digno de nota o grau de satisfação (e de surpresa) da doente quando. com efeito. O tempo operatório aproxima-se do indicado por outros autores. . 138:1017-23. Consultado em 2 de Outubro de 2008. HPB 2008.009. The feasibility of single port laparoscopic cholecystectomy: a pilot study of 20 cases. doi:10. Chen RJ.COLECISTECTOMIA LAPAROSCÓPICA ATRAVÉS DE PORTA UMBILICAL ÚNICA UTILIZANDO O DISPOSITIVO TRIPORT® ASC Fig. Rao PP. doi:10. Romanelli JR. Bhahwat SM. 4 Aspecto da parede abdominal cerca de um mês após a intervenção BIBLIOGRAFIA 1. et al. Surg Innov 2008. Huang M-T. 2.15:223-8. 109 . Desai MM. Aron M. Wei P-L. Transumbilical single-port surgery: evolution and current status. J Urol 2008. pyeloplasty and partial nephrectomy. Scarless single port transumbilicar advanced laparoscopic surgery: initial report of nephrectomy.2008.1016/ jeururo. Single port laparoscopic cholecystectomy with the TriPort system: a case report. 6.07. Minilaparoscopic and laparoscopic cholecystectomy. Omotosho PA. Consultado em 2 de Outubro de 2008.179 Supp:239 (abst). Lee W-J. Rane A. Aron M. Eur Urol 2008.179 Supp:238 (abst). Rao PP. Arch Surg 2003.1080/13651820802276622. Canes D. 3. et al. Rao PP. Desai MM. J Urol 2008. Wang W. Single port nephrectomy and other single port laparoscopic urological procedures using a novel laparoscopic port (R-Port®). Mark L. 5. 4. Rao P. Rane A. Rao P. . Abstract The authors report the case of a young female patient with superior mesenteric artery syndrome who underwent laparoscopic duodenojejunostomy. the first being easier. and enhance the potential role of exploratory laparoscopy in the diagnostic workup. They conclude that this procedure is effective.UM CASO DE SÍNDROME DA ARTÉRIA MESENTÉRICA SUPERIOR TRATADO POR DUODENOJEJUNOSTOMIA LAPAROSCÓPICA Laparoscopic duodenojejunostomy in superior mesenteric artery syndrome. Confirmam a eficácia deste procedimento. referem o papel potencial da laparoscopia exploradora no diagnóstico quando a exploração restante não é elucidativa e sublinham. no caso concreto desta anastomose. 111 . a vantagem da sutura manual sobre as suturas mecânicas pela sua simplicidade e rentabilidade económica. Case report CARLOS VAZ PAULO ROQUETE CÉSAR RESENDE JOSÉ DAMIÃO FERREIRA NUNO RODRIGUES JOÃO REBELO DE ANDRADE Departamentos de Cirurgia Geral e de Anestesiologia RESUMO Os autores descrevem um caso clínico de síndrome da artéria mesentérica superior tratado através de uma duodenojejunostomia laparoscópica. mantendo o mesmo nível de segurança. cheaper and still safe. Finally. the authors emphasize the advantages of a manual opposed to a stapled duodenojejunostomy. data do início do século XX. 1 Compressão do duodeno ao nível do ângulo aortomesentérico na síndrome da artéria mesentérica superior . A SAMS resulta de uma compressão extrínseca.1 Nos últimos 10 anos o contributo da cirurgia minimamente invasiva. através de uma duodenojejunostomia. foi descrita pela primeira vez em meados do século XIX. intervenções cirúrgicas.7.10 Entre estas. pelo ângulo aortomesentérico. incluem-se perdas de peso rápida com depleção da gordura mesentérica e retroperitoneal (p. Quaisquer situações que provoquem uma diminuição da amplitude daquele ângulo e/ou diminuam a distância aortomesentérica podem predispor para a ocorrência da SAMS.3. ex. com uma obstrução parcial ou completa. também designada pinça mesentérica ou síndrome de Wilkie. em doenças debilitantes e perturbações alimentares).9.1. continuam a ser publicados regularmente novos trabalhos sobre o assunto. de origem vascular.9 A SAMS afecta principalmente os adolescentes e adultos jovens.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO A síndrome da artéria mesentérica superior (SAMS). aumento da estatura não acompanhado por um aumento adequado do peso corporal). 1). bem como as mulheres o que está relacionado com os seus factores predisponentes.2-11 nitas ou adquiridas. ex.8 uma compressão de origem extra ou intraabdominal e alterações anatómicas congé- Fig. Para que o ângulo aortomesentérico mantenha a sua amplitude normal contribui de forma importante o tecido adiposo que envolve a artéria mesentérica superior na sua origem e que impede a compressão vascular do duodeno (Fig. no entanto. para o tratamento cirúrgico da SAMS deu também origem a diversas publicações. nomeadamente quando são alteradas as relações anatómicas locais (p. do terceiro segmento duodenal. a primeira referência à sua resolução cirúrgica.1 A bibliografia sobre esta síndrome é relativamente vasta. com os benefícios que lhe são inerentes. com uma utilidade inquestionável pela necessidade de sensibilização para um problema que na maioria dos casos só é diagnosticado depois de uma história prolongada. desde esta visita tinha perdido 8 kg. o cólon transverso foi mobilizado cranialmente expondo o ângulo de Treitz e observou-se a artéria mesentérica superior a cruzar a terceira porção do duodeno o qual. foi-lhe colocada indicação para tratamento cirúrgico: duodenojejunostomia por via laparoscópica. mas não se observou qualquer melhoria no esvaziamento gástrico. de 10 mm. a laparoscopia exploradora sob anestesia geral. Nos últimos 2 dias a situação tinha evoluído para uma intolerância alimentar absoluta. distalmente. sem espessamentos parietais e sem lesões pancreáticas aparentes. Foi criado um pneumoperitoneu com agulha de Veress umbilical. ecografia abdominal e endoscopia digestiva alta que não revelaram alterações. Ao exame físico. de 12 mm. com os membros inferiores em abdução. Na altura. se apresentava colapsado. Observou-se uma dilatação importante do estômago e do duodeno proximal. com normalização da hipoproteinemia. à direita dos vasos cólicos 113 . iniciou nutrição parentérica e foi submetida. flanco esquerdo. de 5 mm. neste período perdeu cerca de 20 kg. para instrumentos de dissecção. sem lesões parietais aparentes. optou-se por não realizar. o exame físico foi normal e realizou estudo laboratorial. para óptica de 30º. Uma vez que a doente apresentava desnutrição importante. A paciente foi colocada em decúbito dorsal. qualquer procedimento terapêutico. Foi referenciado um segmento entre a segunda e a terceira porções do duodeno para a confecção da anastomose. Em consequência. Foi realizada uma tomografia computorizada (TC) que confirmou a estase gástrica importante. náuseas e vómitos alimentares persistentes e sensação de enfartamento pós-prandial. A exploração mostrou novamente uma distensão importante do duodeno. Foram introduzidos quatro trocartes: umbilical. A dor aliviava com o vómito e agravava na posição de decúbito dorsal. sem irregularidades superficiais e sem massas aparentes a esta via de observação. admitida pelo Atendimento Médico Permanente do Hospital da Luz por queixas de dor abdominal intensa (de localização inicial epigástrica e posteriormente difusa). e hipocôndrio esquerdo. 24 horas depois. A radiografia abdominal simples revelou uma estase gástrica importante. não revelou outras alterações. com cerca de 3 meses de evolução. para pinça fenestrada. 2). neste tempo cirúrgico. recuperou parcialmente do seu estado de nutrição. de 5 mm. O cirurgião posicionou-se no meio das pernas e o ajudante à esquerda da paciente. O pâncreas apresen- tava-se sem edema. Foi assumido o diagnóstico de síndrome da artéria mesentérica superior. Não apresentava história de alteração do trânsito intestinal e estava apirética. corte e coagulação e para suturas manuais. de volume normal.UM CASO DE SÍNDROME DA ARTÉRIA MESENTÉRICA SUPERIOR TRATADO POR DUODENOJEJUNOSTOMIA LAPAROSCÓPICA CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino. Foi criada uma janela no mesocólon transverso (Fig. A paciente fez nutrição parentérica nos 15 dias seguintes. O cólon transverso foi mobilizado cranialmente expondo o ângulo de Treitz e foi seleccionada uma ansa jejunal a cerca de 20 cm daquele ângulo. a doente apresentava-se desidratada e desnutrida (IMC = 17 kg/m2). flanco direito. 36 anos de idade. Havia já recorrido ao Atendimento Médico Permanente cerca de 4 semanas antes com as mesmas queixas. para outra pinça de dissecção fenestrada. A doente foi internada. nomeadamente com a flexão do tronco sobre os membros inferiores. a posição geno-peitoral ou o decúbito lateral esquerdo. Desde então.9 A dor é aliviada com alterações da postura. através da janela do mesocólon (Fig. muitas vezes com vários anos de duração antes do diagnóstico. ao 6º dia de pós-operatório. nomeadamente em relação à amplitude do ângulo aortomesentérico. constitui a primeira pista para o diagnóstico. pela necessidade de exclusão de outras causas mais comuns de obstrução intestinal e pelo facto de muitos dos seus sintomas não serem específicos.3. Fig. 3). Foi confeccionada uma duodenojejunostomia trans-mesocólica latero-lateral isoperistáltica. O quadro clínico. As informações dos exames imagiológicos. saciedade precoce. que permitem aumentar a amplitude do ângulo aortomesentérico. à dilatação do duodeno proximal ao local de compressão e ao atraso pronunciado do trânsito intestinal. a ansa jejunal previamente seleccionada foi mobilizada em sentido cranial.7. Realizou prova com gastrografina no 4º dia de pós-operatório. anorexia e perda de peso.4. A paciente iniciou dieta líquida. manual. 3 Mobilização da ansa intestinal através da janela do mesocólon DISCUSSÃO E CONCLUSÕES A SAMS tem em regra um início insidioso e uma evolução crónica.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ médios.6 náuseas.com fio monofilamento não absorvível (polipropileno) de calibre 3/0 (Fig. a paciente tem vindo a recuperar peso e não se observou recorrência dos sintomas até à data presente. com boa passagem distal do contraste para o jejuno e sem estase.1. em dois planos . 2 Janela no mesocólon transverso para anastomose trans-mesocólica Fig. O tempo cirúrgico foi de cerca de 120 minutos. Teve alta hospitalar. às 48 horas. 4). Foi administrada terapêutica analgésica durante as primeiras 72 horas.9 sintomas que reflectem a obstrução duodenal e que são agravados pelo decúbito dorsal.7. com dor epigástrica pós-prandial. O pós-operatório decorreu sem complicações.sero-seroso e total extra-mucoso . vómitos.6-9 . permitem frequentemente a sua confirmação. bem tolerada. nomeadamente o carácter intermitente dos sintomas e as típicas posições antálgicas. assintomática.3 O diagnóstico da SAMS é em regra moroso e difícil. UM CASO DE SÍNDROME DA ARTÉRIA MESENTÉRICA SUPERIOR TRATADO POR DUODENOJEJUNOSTOMIA LAPAROSCÓPICA A B C Fig.11.3 Estes autores sublinham a segurança e eficácia do tratamento laparoscópico. para o que são possíveis diversas técnicas. referida uma maior precisão e rigor nas manobras de dissecção.4. um menor tempo operatório e uma melhor visualização.7. B. 4 Três fases da anastomose latero-lateral em dois planos (A.9 O tratamento cirúrgico da SAMS por via laparoscópica data dos anos 90.11 com o objectivo de repor o tecido adiposo ao nível do ângulo aortomesentérico.4 A duodenojejunostomia é considerada por alguns autores como a técnica de eleição para a resolução cirúrgica da SAMS.7 que 115 .5 pelo seu carácter menos invasivo.3.6 Quando realizada por via laparoscópica.12 A gastrojejunostomia é considerada uma opção menos satisfatória do que as restantes e está associada a várias complicações. é preferida por alguns autores. ainda. fluidoterapia intravenosa para reposição do equilíbrio hidroelectrolítico e uma alimentação parentérica de elevado teor energético.3 O tratamento cirúrgico é a opção consequente ao insucesso do tratamento conservador ou à recorrência dos sintomas.2 sendo também indicada como vantajosa em crianças. Tem como objectivo excluir do trânsito intestinal a porção de duodeno afectada. nomeadamente uma duodenojejunostomia ou uma gastrojejunostomia.12 sendo mesmo apontada como recurso quando nenhuma das alternativas permite a resolução do problema.6 Pode também ser a primeira abordagem de tratamento quando a causa subjacente exige uma resolução cirúrgica.6-11 É. a lise do ligamento de Treitz (operação de Strong).3.9.3 Uma alternativa mais simples. Em 1995 foram descritos quatro casos por lise do ligamento de Treitz2 e em 1998 foi descrita a primeira duodenojejunostomia por esta via de abordagem. Posteriormente estes benefícios foram documentados também por outros autores. é tecnicamente mais exigente do que quando realizada por via aberta. até então a usada no tratamento cirúrgico da SAMS. C) O tratamento da SAMS deve ser iniciado com uma abordagem conservadora3 que pode incluir a descompressão através de uma sonda nasogástrica. bem como os benefícios para os doentes. permitindo a sua abertura e eliminando a compressão duodenal com o consequente alívio dos sintomas. associados às intervenções realizadas por via minimamente invasiva comparativamente à via aberta.6. Wright AR. Int Surg 1995. Park DH. Superior mesenteric artery syndrome in a patient with HIV. Superior mesenteric artery syndrome. J R Soc Med 2003. Tendo em consideração a informação bibliográfica disponível apresentada anteriormente. 10. Ren C. 4.2-11 foram realizados em indivíduos de ambos os sexos.2:281-4. Kienle P. Gastrointest Endosc 2008. Gersin KS. Laparoscopic duodenojejunostomy for superior mesenteric artery syndrome: report of a case.7:151–3. Cano I. Urruzuno P.18:213-5. Rangarajan M. Fenoglio ME.8 Os casos de duodenojejunostomia por via laparoscópica para resolução da síndrome da artéria mesentéria superior descritos na literatura.24:149–56. Park JY. WZ. segura e económica a considerar.4. Gould SWT. Bermas H. 5. Rockall TA. (abst) 9. Surg Laparosc Endosc Percutan Techn 2008. Pediatr Endosurg Inn Tech 2001. Cho NC. (abst) 12. Kingham TP. JSLS 1998. 80:322-7. Laparoscopic management of superior mesenteric artery syndrome.96:350–1. · Ainda em relação ao diagnóstico e quando toda a exploração restante não é elucidativa.6-9 Contudo. Surowiec WJ. é uma alternativa simples. Büchler MW. com idades compreendidas entre os 14 e os 81 anos. Senthilkumar R.5:309 –14. Kim DS.3. O caso presente permitiu confirmar a efectividade e exequibilidade da opção pela via de abordagem minimamente invasiva na síndrome da artéria mesentérica superior. Park CH. Am J Surg 2001. Jani K. verifica-se que a laparoscopia exploradora pode dar um contributo decisivo. Laparoscopic Duodenojejunostomy for Superior Mesenteric Artery Syndrome. é muito importante o grau de suspeição clínica. Yonsei Med J 2003. BIBLIOGRAFIA 1. Richardson WS. Welsch T. Agarwal T. Lee SH. Laparoscopic duodenojejunostomy for management of superior mesenteric artery syndrome: two cases report and a review of literature. Kim SJ. . Dig Surg 2007. 6. Kim IY.181:377–8. 8. 11. Palanivelu C.67:348-50. 3. Parthasarathi R. Song KY. a opção técnica por uma anastomose manual em lugar de uma anastomose mecânica. Park SH. 2.8:376-9. 44:526-9. JSLS 2003. JSLS 2004. bem como os benefícios que lhe são classicamente atribuídos. Laparoscopic treatment of superior mesenteric artery syndrome. · É muito frequente o recurso às suturas mecânicas nas técnicas anastomóticas descritas na literatura disponível para a duodenojejunostomia na SAMS. Chung IK. JSLS 2006. Shen R. Laparoscopic treatment of superior mesenteric artery syndrome. Jo JB. 7. Laparoscopic duodenojejunostomy for treatment of superior mesenteric artery syndrome. Benavent MI. atenta a posição extremamente favorável das ansas a suturar em relação aos trocartes de trabalho. Laparoscopic management of superior mesenteric artery syndrome. independentemente dos resultados dos exames complementares de diagnóstico que frequentemente não são elucidativos. Park JH.10:531–4. Portela E. o presente caso clínico aporta ainda o seguinte: · Em relação ao diagnóstico da SAMS. Rhoe BS. Berchi FJ. Heniford BT.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ se deve em parte ao estado de magreza dos pacientes. Laparoscopic repair of superior mesenteric artery syndrome. Massaoud. Recalling superior mesenteric artery syndrome. Redo bariatric surgery is a significant skill challenge for the bariatric surgeon. CASO CLÍNICO Endoscopic treatment of gastric leak following redo bariatric surgery.TRATAMENTO ENDOSCÓPICO DE FÍSTULA GÁSTRICA EM CIRURGIA BARIÁTRICA REVISIONAL. with special mention to temporary stenting of leaks in gastrointestinal sutures or staple lines has proven to be feasible and has shown excellent results – this represents a huge and 117 . Dado o elevado número de intervenções deste tipo realizadas nos últimos anos. Thousands of these operations have been performed all over the world in the last few years and as a result. O tratamento endoscópico das complicações. an increasing number of patients subsequently require surgical revision. The endoscopic treatment of complications. like silicone adjustable gastric banding. a colocação temporária de stents em deiscências de suturas gastrointestinais tem demonstrado resultados excelentes e constitui uma verdadeira Abstract Bariatric gastric restrictive procedures. a banda gástrica ajustável. realiza-se com frequência por via aberta e associa-se a uma elevada taxa de complicações. a cirurgia bariátrica de revisão é cada vez mais frequente. often fail to control weight in the long term or give rise to high rates of complications. nomeadamente. has traditionally been done in open fashion and is associated with high complication rates. resultam com frequência numa insuficiente perda de peso e cursam com elevada incidência de complicações a longo prazo. Case report CARLOS VAZ PAULO ROQUETE CÉSAR RESENDE JOSÉ DAMIÃO FERREIRA JOÃO REBELO DE ANDRADE DAVID SERRA Departamento de Cirurgia Geral e Centro de Gastrenterologia e Endoscopia Digestiva RESUMO As operações bariátricas puramente restritivas. acresce que é especialmente exigente do ponto de vista técnico. nomeadamente. In the post operative period she developed a leak at the vertical stapled line of the proximal gastric pouch that was successfully treated by means of endoscopic placement of self-expanding partially covered metallic stents. têm sido mal sucedidas a longo prazo em mais de 95% dos casos. isto é.000 de pessoas).3. incluindo o acompanhamento e ensino alimentares.000 pessoas sofrem de obesidade mórbida. as abordagens mais conservadoras. com total sucesso clínico. sabe-se hoje que as operações puramente restritivas e. aquela nova realidade. a cirurgia é o tratamento mais eficaz e o único que garante resultados significativos e sustentados a longo prazo. a alteração de hábitos e comportamentos e a introdução de programas de exercício físico. Os custos totais da obesidade correspondem a 6% da despesa total com a saúde! Estes valores estarão provavelmente aquém da realidade actual: assim o fazem suspeitar as elevadas taxas de obesidade infantil que se observam em Portugal. por via laparoscópica. revolutionary change in the therapeutic approach of that frightful complication. No pós-operatório ocorreu uma deiscência parcial da linha de sutura vertical da bolsa gástrica.1 Entre estas.a banda gástrica ajustável . nos doentes com obesidade mórbida. resultam com frequência numa insuficiente perda de peso. por outro. ou em sintomas indesejáveis e em complicações. Já em 1999 era referido que cerca de 10% da população portuguesa era obesa (aproximadamente 1. bem como a prevalência da obesidade mórbida de cerca de 5% nos países mais desenvolvidos do mundo ocidental. por um lado. um importante problema de saúde pública.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ revolução na abordagem terapêutica desta temível complicação. só por si. 1% da população portuguesa. De facto.6 Assim e em virtude do grande número destas intervenções já realizado.2. Os autores apresentam o caso clínico de uma doente com uma banda gástrica.5 Por outro lado. The authors report the case of a female patient. colocada três anos antes (por laparotomia). who underwent a redo operation which consisted of laparoscopic band removal and Roux-en-Y gastric bypass. 75. O tratamento consistiu na colocação endoscópica de stents metálicos autoexpansíveis parcialmente cobertos.3.000.3 A cirurgia da obesidade mórbida é realizada desde década de 1950. surgem cada vez mais doentes com indicação para uma revisão cirúrgica . with a silicone adjustable gastric band placed three years before (through a laparotomy). aliada ao desenvolvimento da cirurgia minimamente invasiva e ao aparecimento de uma solução cirúrgica simples no plano técnico . nomeadamente.provocou uma grande expansão da cirurgia da obesidade. com a realização de muitos milhares destas intervenções cirúrgicas em todo o mundo nos últimos 15 anos.4 Contudo.000 a 100. pela sua prevalência e pela gravidade das doenças que lhe estão associadas. INTRODUÇÃO A obesidade mórbida é uma doença grave que consubstancia.2. que foi submetida a uma cirurgia de revisão que consistiu na remoção da banda e conversão em bypass gástrico. No caso concreto da obesidade mórbida. a banda gástrica ajustável. 2. por via laparoscópica. seja por insuficiente perda de peso. Em intervenção cirúrgica realizada em 25 de Outubro de 2007. foi removida a banda gástrica e realizado um bypass gástrico. 41 anos de idade. O pós-operatório imediato decorreu sem complicações e em 2 de Novembro teve alta hospitalar. Em 12 de Novembro seguinte (18º dia de pós-operatório). cerca de 25 a 35% dos doentes submetidos a uma gastroplastia vertical calibrada ou a uma banda gástrica ajustável terão necessidade de alguma operação de revisão em algum momento da sua evolução. Após avaliação clínica. que recusou. onde após tomografia computorizada (TC) toraco-abdominal. por laparoscopia então convertida em laparotomia por dificuldade técnica. ter-lhe-á sido colocada indicação cirúrgica urgente. 1A e 1B).3. Por recuperação de peso e intolerância à presença da banda. para uma re-operação) de uma operação bariátrica prévia que falhou. relacionados com deiscência par- cial da linha de agrafagem vertical da bolsa gástrica proximal (Fig. seja pelo aparecimento de complicações. CASO CLÍNICO (isto é. tendo optado por recorrer novamente ao Hospital da Luz onde deu entrada em 13 de Novembro. lhe foi diagnosticado derrame pleural esquerdo e volumoso abcesso intra-peritoneal na região da gastrojejunostomia. De acordo com as suas informações. submetida a colocação de banda gástrica cerca de 3 anos antes. foi proposta a remoção da banda e realização de bypass gástrico.7 De acordo com a literatura. A B Fig. recorreu ao hospital distrital da sua área de residência. análise da relação risco-benefício e auscultadas a vontade e as expectativas da doente.2. recorreu à consulta de Cirurgia da Obesidade do Hospital da Luz. 1 Imagens de tomografia computorizada do derrame pleural esquerdo (A) e do abcesso abdominal (B) 119 . por dispneia e febre. caracterizada por dor crónica intratável.TRATAMENTO ENDOSCÓPICO DE FÍSTULA GÁSTRICA EM CIRURGIA BARIÁTRICA REVISIONAL.8 CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino. À entrada realizou TC tóraco-abdominal e pélvica que confirmaram os achados atrás descritos. procedendo-se à remoção da prótese metálica sem intercorrências. A doente apresentava-se assintomática e iniciou regime alimentar geral. uma resolução completa da deiscência da sutura (Fig. em 14 de Novembro foi-lhe colocada por via endoscópica uma prótese metálica coberta esofágica (Ultraflex . sob controlo endoscópico e radiológico. 3). drenado e lavado pela mesma via. de carac- Foi programado um reinternamento electivo para Fevereiro de 2008 (8 semanas após a colocação da segunda prótese esofágica). O abcesso intra-peritoneal foi acedido. 2A e B). Apesar da manifesta redução do volume do abcesso verificou-se uma persistência ténue do leak ao nível da sutura. com pequena loca septada. intervenção que permitiu a oclusão completa leak ao nível da sutura deiscente (Fig. 2 Deiscência da sutura (A) e obliteração da deiscência com a primeira prótese (B) Cerca de 5 semanas depois da colocação da prótese procedeu-se à sua remoção. 4. A terapêutica antibiótica instituída foi mantida durante cerca de seis semanas e a doente manteve-se assintomática e apirética. Nesta altura foi realizada uma endoscopia digestiva. 5A e B). sendo bem tolerada. Às 24 horas foi realizado controlo com gastrografina. Assim. . A doente retomou então a alimentação oral. A alimentação oral foi retomada às 24 horas. A B Fig.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ Após avaliação multidisciplinar foi decidida uma terapêutica conservadora.Boston Scientific®). em que se constatou uma regressão progressiva da dimensão do abcesso abdominal. tolerando bem a dieta. com boa tolerância. constatando-se por via endoscópica e radiológica. pelo que a terapêutica antibiótica foi interrompida. também por via endoscópica. 3 Obliteração da deiscência com a segunda prótese No final de Dezembro do mesmo ano. Na sequência deste procedimento foram realizadas TC abdominais seriadas. Fig. os exames radiológicos revelavam apenas a loca residual ao nível da sutura. verificando-se patência da prótese e ausência de trajectos fistulosos. pelo que se procedeu nesta altura à colocação de uma nova prótese esofágica. terísticas idênticas à primeira (Fig. que variam de acordo com a literatura entre os 20 e os 50%.TRATAMENTO ENDOSCÓPICO DE FÍSTULA GÁSTRICA EM CIRURGIA BARIÁTRICA REVISIONAL. 4 Resolução completa da deiscência após a remoção da segunda prótese A B Fig.2.3. sobretudo quando a intervenção cirúrgica primária é uma banda gástrica ajustável (devido à reacção de corpo estranho e fibrose associada) ou quando a via de abordagem foi a via aberta tradicional (laparotomia).2-6 A evolução recente do tratamento endoscópico das complicações da cirurgia 121 . as intervenções cirúrgicas de revisão são frequentemente realizadas por via aberta (laparotomia) e estão associadas a eleva- das taxas de complicações pós-operatórias. como procedimento de revisão após uma intervenção cirúrgica primária puramente restritiva. 5 Imagens endoscópicas após a remoção da segunda prótese (A) e da resolução da deiscência (B) DISCUSSÃO E CONCLUSÕES As intervenções cirúrgicas de revisão.2.8 O bypass gástrico em Y de Roux é a técnica que tem vindo a ser usada com mais frequência e com bons resultados.7 Por esta razão.5. CASO CLÍNICO Fig. são particularmente exigentes do ponto de vista da exequibilidade técnica.7. 1999. a complicação cirúrgica mais temível. resultam frequentemente em insuficiente perda de peso. Balliu L. gastrectomia em sleeve e switch duodenal – adaptam-se especialmente à utilização das referidas próteses. J. primária ou de revisão. de Csepel J. · Os abcessos intraperitoneais associados a deiscências de suturas gastrointestinais podem ser acedidos e drenados pela mesma via endoscópica usada para a colocação de um stent. a própria anatomia das anastomoses ou das linhas de sutura gastrointestinais nas operações bariátricas mais frequentes em que as mesmas se realizam – bypass gástrico.12:254-60. · O tratamento endoscópico das deiscências de suturas gastrointestinais através da colocação temporária de stents intraluminais apresenta excelentes resultados.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ bariátrica.10 M. Vaneerdeweg W. alguns dos factos reportados atrás. et al. com especial incidência para a banda gástrica ajustável. Weyler J. com capacidade multidisciplinar de resolução clínica e técnica destas situações. Amaral MJ.22: 1014-18. Surg Endosc 2008.9.11 Por outro lado. . tem permitido reduzir drasticamente a morbilidade e a mortalidade que lhe estão associadas. Custos da Obesidade em Portugal. Cremer. Os resultados obtidos neste campo têm vindo a revolucionar a forma como é encarada uma complicação tão temível como é a deiscência de uma anastomose. Gagner M. de forma paradigmática. deve ser considerado como opção de primeira escolha para o efeito. tem permitido obliterar o leak até à completa cicatrização da deiscência em mais de 80% dos casos. Laparoscopic reoperative bariatric surgery: Experience from 27 consecutive patients. · Estas complicações major devem ser referenciadas para centros de excelência. Ruppert M. evitando re-intervenções cirúrgicas de muito alto risco em ambiente contaminado e infectado. Roux-en-Y gastric bypass as a re-do procedure for failed restrictive gastric surgery. apesar de ser contrária a indicação original do fabricante. O presente caso clínico documenta. Eisendrath. com uma drástica redução da morbilidade e dos custos associados – na opinião dos autores. sobre os stents plásticos. o doente pode ser seguido em ambulatório e manter a nutrição oral. A utilização de stents auto-expansíveis nas deiscências de anastomose por via endoscópica. Documento de Trabalho 4/99 APES. 2. Van Dessel E. Mateus MC. Obes Surg 2002.9. · As intervenções cirúrgicas de revisão são particularmente exigentes no plano técnico e associam-se a elevada taxa de complicações pós-operatórias. nomeadamente: BIBLIOGRAFIA 1. Devière e colaboradores demonstraram claramente a vantagem da utilização de stents metálicos auto-expansíveis parcialmente cobertos para este fim. Mais. Hubens G. apresentam elevada incidência de complicações e associam-se a elevadas taxas de re-intervenções a médio e longo prazo. 3. Gentileschi P. · As operações puramente restritivas. Pereira J. P. Himpens J. Vittimberga G. Endotherapy for fistulae of the uper GI tract after laparoscopic bariatric surgery. 5. Lucchi A.6:206-11. Eisendrath P. Gustavsson S. Gastrointest Endosc 2006. Consultado em 8 de Outubro de 2008. Cremer M. doi 10.1007/s11695008-9655-z. Ackermann C. Sanchez H. P. Obes Surg 2007.17:1137-45. Le Moine O. Cadiere GB.68:402. et al. Obes Surg 2002.11:487-90.206:935-9. et al. Revisional bariatric surgery for inadequate weight loss. Amenta E. Edwards C. CASO CLÍNICO 4. 6. Pomp A. Donadini A. 7. Deviere J. 8. Plastic stents in the treatment of benign esophageal conditions. Cabrera S.63:246. Complications after gastroplasty and gastric bypass as a primary operation and as a reoperation.TRATAMENTO ENDOSCÓPICO DE FÍSTULA GÁSTRICA EM CIRURGIA BARIÁTRICA REVISIONAL. Reoperations following laparoscopic adjustable gastric banding. 11. Grani S. Peters T. Öhrvall M. Westling A. J Gastrointest Surg 2002. Nottola D. Use of endoscopic stents to treat anastomotic complications after bariatric surgery. 9. Eisendrath P. Obes Surg 2001. Gumbs AA. Obes Surg 2008. 123 . Fearing NM. Gastrointest Endosc 2008. Cariani S. 10. Tondelli. Cabrera K. Peterli R. Gagner M. Eubanks S. Roux-en-Y gastric bypass after previous unsucessfull gastric restrictive surgery. Laparoscopic Roux-en-Y gastric bypass as a revision procedure after restrictive bariatric surgery.12:851-6. J Am Coll Surg 2008. Devière J. . de 79 anos de idade. with the diagnosis of symptomatic carotid restenosis. who underwent a second surgical procedure for the management of the condition. tendo o doente tido alta hospitalar ao 3º dia. O pós-operatório decorreu sem complicações. Abstract The authors report the clinical case of a 79-year old male. No postoperative complications were reported and the patient was discharged on the third day. DINIS DA GAMA Departamentos de Cirurgia Vascular e de Anestesiologia * Clínica Universitária de Cirurgia Vascular do Hospital de Santa Maria RESUMO Os autores descrevem o caso clínico de um indivíduo do sexo masculino. que desenvolveu um quadro de restenose carotídea sintomática. Alguns aspectos referentes a este tema são analisados e discutidos à luz de uma revisão da bibliografia actual. 125 . 6 mm diameter) graft interposition. developed 6 years after a carotid bifurcation endarterectomy. The procedure consisted in the common carotid-internal carotid polytetrafluoroethylene (PTFE. 6 anos após ter sido submetido a endarteriectomia da bifurcação carotídea e que foi objecto de nova intervenção cirúrgica para a sua correcção.TRATAMENTO CIRÚRGICO DE UM CASO DE RESTENOSE CAROTÍDEA Surgical treatment of carotid restenosis. Case report DIOGO CUNHA E SÁ TIAGO COSTA* GONÇALO CABRAL* JOSÉ MARIA RODRIGUEZ CRISTINA PESTANA A. Some features of this case are analysed and discussed according to a review of the current literature on this matter. A operação efectuada consistiu na interposição de um bypass entre a carótida primitiva e a carótida interna. utilizando um enxerto protésico de politetrafluoroetileno (PTFE) de 6 mm de diâmetro. Apesar da endarteriectomia carotídea ser um dos procedimentos mais duráveis do foro da cirurgia arterial reconstrutiva. manteve-se estável. Estes aspectos permitiram a realização de estudos randomizados bem desenvolvidos e de qualidade. em Março de 2008. O caso clínico que seguidamente apresentamos refere-se a um doente submetido a uma intervenção cirúrgica no Hospital da Luz para correcção de uma restenose carotídea sintomática.2 Se por um lado existe um consenso relativamente alargado quanto à necessidade de se intervir nas restenoses sintomáticas (≥70%). com acentuada repercussão hemodinâmica. que conduziram a uma razoável padronização no que respeita às indicações terapêuticas e às técnicas cirúrgicas utilizadas. 2). CASO CLÍNICO Indivíduo do sexo masculino. . 1). uma restenose ao nível do bulbo carotídeo. foi efectuado estudo angiográfico convencional por cateterismo femoral. as taxas de restenose (≥60%) atingem os 12% aos 5 anos. Esta restenose. Para uma melhor caracterização de toda a circulação dos troncos supra-aórticos e para uma definição mais clara da estratégia terapêutica a adoptar. Este exame confirmou a existência de restenose grave ao nível do sector proximal do patch (Fig. o doente referiu a ocorrência de um episódio de acidente isquémico transitório (AIT) do hemisfério direito com hemiparesia esquer- da. de 79 anos de idade. em razão não só da sua elevada frequência. assim como a presença de tortuosidade do segmento inicial da carótida primitiva direita e oclusão da artéria vertebral do mesmo lado (Fig. Nessa ocasião. na região proximal do patch. efectuou uma tomografia computorizada (TC) cranio-encefálica cujo resultado foi normal e um novo ecodoppler carotídeo que desta vez revelou um agravamento da lesão previamente conhecida e que agora condicionava uma restenose de aproximadamente 95%. controlada em exames bianuais até que. inicialmente avaliada por critérios morfológicos e hemodinâmicos como sendo uma lesão cujo grau de estenose se situava entre os 50% e os 60%. da qual recuperou após cerca de 20 minutos. por outro lado subsistem algumas dúvidas quanto à atitude terapêutica a tomar face às restenoses assintomáticas. foi identificada. submetido no ano de 2002 a uma intervenção cirúrgica para tratamento de uma estenose envolvendo a carótida interna direita e que consistiu na tromboendarteriectomia da bifurcação carotídea e no encerramento da arteriotomia utilizando um patch de dacron. associado ao facto de esta região ser facilmente acessível à metodologia de diagnóstico não invasiva (ecodoppler).1.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO O tratamento cirúrgico das lesões ateroscleróticas da bifurcação carotídea é um tema amplamente estudado e debatido. Um ano após a cirurgia. através de exame ecodoppler carotídeo de rotina. como também de particularidades inerentes a uma certa tendência para a uniformidade anatómica destas lesões entre os diferentes doentes. assim como uma oclusão da artéria vertebral do mesmo lado. foi submetido a intervenção que consistiu na interposição de bypass com prótese de PTFE de 6 mm de diâmetro entre a carótida primitiva (anastomose término-lateral) e a carótida interna (anastomose término-terminal). Recentemente efectuou um ecodoppler carotídeo que demonstrou uma franca permeabilidade do bypass e das suas anastomoses (Fig. sem intercorrências significativas.TRATAMENTO CIRÚRGICO DE UM CASO DE RESTENOSE CAROTÍDEA Fig. 3). Angiografia dos troncos supraórticos Em 4 de Abril de 2008. Fig. 2 Restenose crítica da carótida primitiva direita. 1 Restenose crítica da carótida primitiva direita Fig. é passível de um controlo pós-operatório 127 . Por se tratar de um procedimento localizado e superficial. tendo o doente tido alta hospitalar ao 3º dia. a ciurgia aberta (tromboendarteriectomia) mantém-se ainda hoje como o gold standart no tratamento das lesões ateroscleróticas da bifurcação carotídea. 3 Ecodoppler de controlo mostrando o enxerto venoso a funcionar em excelente condição DISCUSSÃO Apesar dos progressos verificados na área das intervenções endovasculares (angioplastia/ stent). O pós-operatório decorreu normalmente. Seabrook GR. J Vasc Surg 2001. Kievit J. os índices de restenose de novo no interior do stent são relativamente elevados e não estão limitados ao período inicial após o procedimento. Aburahma AF. Nelson JJ. Hobson RW 2nd. apresenta resultados imediatos favoráveis e não tem o risco de causar lesões neurológicas periféricas. Toole JF. 7. No que se refere às taxas de restenose.33:1008-14. Stone PA. quer sejam sintomáticas ou assintomáticas.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ rigoroso através de metodologia não invasiva (ecodoppler). Towne JB. Kempczinski RF. Moore WS. no sentido de se detectarem alterações morfológicas e hemodinâmicas (restenoses. os dados existentes na literatura apontam para valores entre os 0.8% e os 19% no caso das restenoses assintomáticas. Carotid recurrent stenosis and risk of ipsilateral stroke : a systematic review of the literature. Welch HJ. Recurrent carotid stenosis after endarterectomy. Comparative study of operative treatment and percutaneous transluminal angioplasty/ stenting for recurrent carotid disease. BIBLIOGRAFIA 1. O’Donnel TF Jr.7 O tratamento endovascular é menos invasivo.2-5 A restenose pós-cirurgia carotídea está associada a um risco aumentado de acidente vascular cerebral (AVC).10-15 Por esta razão.6. Fortunato JE. van Baalen JM. An outcome analysis of carotid endarterectomy: the incidence and natural history of recurrent stenosis. oclusões. 4. Wulu JT.3 Relativamente à abordagem terapêutica das restenoses carotídeas. são altamente compensadores. Frericks H. Jamil Z. Freischlag JA.6% e os 3. Carotid restenosis: operative and endovascular management.8. J Vasc Surg 2001. et al. Harris JP. Mackey WC. Leger AR. van Bockel JH. Recurrent carotid stenosis: results of the asymptomatic carotid atherosclerosis study.9 A cirurgia aberta é efectuada habitualmente através de nova endarteriectomia ou através de revascularização utilizando um bypass venoso ou protésico. aneurismas). a cirurgia aberta (re-endarteriectomia ou bypass) contínua a ser o gold standart com o qual devem ser comparadas as terapêuticas endovasculares (angioplastia/stent). o qual ocorre frequentemente quando sobrevém a oclusão. 24:207-12. Os resultados quer imediatos. J Vasc Surg 1999.34:831-8. como também ao nível do eixo carotídeo contralateral.84:1206-19.23: 749-54.29:2018-25. Poor durability of carotid angioplasty and stenting for treatment of recurrent artery stenosis after carotid endarterectomy: an institutional experience. 2. 8. mas apresentam uma tendência crescente com o decorrer dos anos. Stroke 1998. Lattimer CR.29: 228-35. Carballo RE. 6. consideramos que também na restenose carotídea pós-endarteriectomia. Bates MC. quer tardios. Cambria RA. Br J Surg 1997.4 O risco de oclusão é mais elevado nas restenoses ≥75%. com índices baixos de restenose e com uma morbilidade e mortalidade per-operatórias que não parecem diferir daquela que é observada na endarteriectomia primária por doença aterosclerótica. tem surgido alguma controvérsia na comunidade científica entre as alternativas endovascular (angioplastia/ stent) e a cirurgia aberta (re-endarteriectomia ou bypass). 3. Neale M. Burnand KD. J Vasc Surg 1996. . Rodriguez AA. Management of recurrent carotid stenosis: should asymptomatic lesions be treated surgically? J Vasc Surg 1996.2. tanto ao nível do eixo carotídeo operado. Goldstein JE. como atestam várias séries publicadas. Stroke 1998. No entanto.29:244-50.3.6% no caso das restenoses sintomáticas e para valores entre os 8. 5. 10. Riles TS. J Vasc Surg 2007. Stoner MC.39:155-61. et al. et al. J Vasc Surg 2004. Redo carotid surgery: an analysis of materials and conFig. 14. Carotid angioplasty and stenting for postendarterectomy stenosis: long term follow-up. Rockman CB. Ricotta L. J Vasc Surg 2008.tions used in carotid reoperations and their influence on perioperative stroke and subsequent recurrent stenosis. 12.45:118-23. Cho JS. J Vasc Surg 2003. Ackerstaff RG. Cuadra SA. High-risk carotid endarterectomy: fact or fiction. J Vasc Surg 2001. 129 . J Vasc Surg 1999. Safety and durability of redo carotid operation: an 11-year experience. de Borst GJ. de Vries JP. Conrad MF.37:40-6.TRATAMENTO CIRÚRGICO DE UM CASO DE RESTENOSE CAROTÍDEA 9. et al.41:942-9. Durability of surgery for restenosis after carotid endarterectomy. Landis R. Safety and efficacy of reoperative carotid endarterectomy: a 14-year experience. 15. Moll FL.33: 495-503. Cambria RP. Archie JP. de Pavoordt ED.47:363-71. 11. Gasparis AP. de Borst GJ. et al. Ackerstaff RG. J Vasc Surg 2005. 13. Zanen P.29:72-81. Pandurangi K. de Vries JP. Reoperations for carotid artery stenosis: role of primary and secondary reconstructions. et al. Brewster DC. . Foram requeridas angio-TC e angiografia convencional. The diagnosis of blue toe syndrome was then made. A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO The blue toe syndrome and its pathogenic significance. na transição para a artéria popliteia. A case report A. não fazia terapêutica hormonal de substituição. medicadas mas não controladas. under medication but no laboratory control. Estes sintomas tiveram início no mês anterior. complaining also of obesity. Angio-CT scans and conventional angiography disclosed an atherosclerotic lesion at the femoropopliteal level. Os exames analíticos permitiram excluir um estado de hipercoagulabilidade e o electrocardiograma não demonstrava alterações significativas. with an adherent and floating thrombus in the arterial lumen. era obesa e referia coexistência de hipertensão arterial e dislipidemia. que revelaram a existência de lesão aterosclerótica oclusiva na artéria femoral superficial. 131 . DINIS DA GAMA ROSA MATIAS AUGUSTO MINISTRO Departamento de Cirurgia Vascular RESUMO Abstract Uma mulher de 64 anos de idade referiu o aparecimento de cianose fixa do 2º. Procedeu-se a endarteriectomia para Blood tests excluded an hypercoagulable state and the ECG revealed no significant abnormalities. com um trombo aderente e flutuante. causing microemboli to the collateral digital arteries. 3º e 4º dedos do pé direito.A SÍNDROME DO DEDO AZUL (BLUE TOE SYNDROME) E O SEU SIGNIFICADO PATOGÉNICO. arterial hypertension and hyperlipidemia. A 64-year old woman complained of fixed cyanosis and rest pain of the 2nd . A doente encontrava-se num estadio pós-menopausa. de forma súbita. The complex lesion was removed through a local thromboendarterectomy followed by a Carrel-DeBakey patch graft angioplasty. She was in a post-menopause state. causa de microembolismo das artérias colaterais digitais. after a sudden onset one month previously to the clinical examination. acompanhada de dor em repouso. with no hormonal substitution therapy. 3rd and 4th toes of the right foot. e permitiram formular o diagnóstico de síndrome do dedo azul. pelas singulari- dades de que se reveste. frequentemente. em que a propósito se discutem os aspectos controversos que gravitam em torno da sua patogenia e significado clínico. according to the data published in the literature on the subject.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ remoção da lesão ateromatosa e do trombo flutuante e a arteriotomia foi encerrada com patch venoso de Carrel-DeBakey. Os aspectos essenciais desta entidade são objecto de discussão. O pós-operatório decorreu sem intercorrências. que não são provenientes do coração. devido à sua reduzida dimensão. tais como a fibrilhação auricular e o enfarte agudo do miocárdio. laboratory and immagiologic surveillance program and the main features of this entity are emphasized and discussed. resultam da embolização de trombos provenientes do coração. existe uma entidade particular. cerebrovascular. until now. ficando a doente sob vigilância clínica. circunscritas. com reversão total do quadro clínico. Os resultados dessa investigação foram inconclusivos até à data. femoropopliteu. A doente foi medicada com anti-agregação plaquetária dupla e investigou-se a possível associação deste evento de trombose arterial com neoplasia maligna oculta. dando origem a um quadro clínico singular designado por síndrome do dedo azul (blue toe syndrome). Neste contexto amplo do tromboembolismo arterial. como as colaterais digitais. with no conclusive results. The patient was placed in a clinical. correspondendo a uma grande variedade de manifestações clínicas. . sendo na sua grande maioria resultantes de cardiopatias. ocluem pequenas artérias das extremidades. dependendo naturalmente do território afectado. Por ordem decrescente de frequência são atingidos os territórios aortoilíaco. que merece ser individualizada. mas antes de lesões ateroscleróticas obstrutivas ou aneurismáticas. INTRODUÇÃO Os fenómenos tromboembólicos arteriais são comuns na prática clínica corrente e. using autologous saphenous vein. with an immediate recovery of the clinical picture. laboratorial e imagiológica periódica. embolizando diversos territórios arteriais. Double antiplatelet therapy was advised and an extensive investigation of the possible relationship of this event with an occult malignancy was started. Post operative course was uneventful. é descrito no presente trabalho um caso clínico exemplificativo. baseada na informação publicada na literatura dedicada ao tema. da árvore arterial e que. A libertação de trombos de grande ou pequena dimensão na circulação pode causar obstrução a jusante da sua origem. Com o objectivo de contribuir para a divulgação desta rara entidade. É na essência constituída por partículas de pequenas dimensões. membros superiores e artérias viscerais do abdómen. 5 cm e de aspecto crostoso (Fig. referia hipertensão arterial desde há oito anos. 2 Face dorsal do pé direito. 3º e 4º dedos. Encontrava-se também medicada para dislipidemia com rosuvastatina. De igual forma. Ao exame objectivo salientava-se uma obesidade moderada. onde é evidente coloração azulada/púrpura do 3º dedo Fig. No que respeita a factores de risco vascular. A menopausa ocorrera aos 56 anos. do 2º. de aspecto crostoso 133 . Negava outros sintomas ou sinais vasculares nesse membro. Negava diabetes mellitus ou hábitos tabágicos. os pulsos femorais eram amplos e simétricos. 2). Era evidente uma cianose fixa Fig. Negava igualmente queixas de insuficiência cerebrovascular ou isquemia mesentérica crónica. 1) e existia uma lesão isquémica justa-ungueal no 2º dedo. Os pulsos dos membros superiores eram amplos e simétricos. 3º e 4º dedos do pé direito e cianose fixa da respectiva polpa digital. Negava também quaisquer sintomas ou sinais no membro oposto. arrefecimento ou alterações da sensibilidade cutânea. contudo. por queixas de dor em decúbito no 2º. o pulso radial era regular. quando iniciou sintomas sugestivos de isquemia aguda do 2º. Encontrava-se aparentemente saudável até cerca de um mês antes. 1 Face plantar do pé direito. 3º e 4º dedos do pé direito. mais acentuada no 3º dedo (Fig. com dimensões de 1x0. actualmente medicada com nebivolo e losartan. os pulsos popliteu. As carótidas eram simétricas à palpação e não tinham sopros à auscultação. de forma oval. A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino. com uma frequência de 72 pulsações por minuto (ppm) e a tensão arterial era de 160/90 mmHg em ambos os membros superiores. rítmico e amplo. nomeadamente claudicação intermitente. de 64 anos de idade. observada na consulta externa. não tendo efectuado terapêutica hormonal de substituição. bem como acções traumáticas.A SÍNDROME DO DEDO AZUL (BLUE TOE SYNDROME) E O SEU SIGNIFICADO PATOGÉNICO. com evidência de lesão isquémica justa-ungueal no 2º dedo. tibial posterior e pedioso eram de menor amplitude à direita. Ciente do risco de futuras embolizações ou mesmo de oclusão completa da artéria lesada. A cirurgia consistiu na exposição da artéria femoral superficial e na realização de uma arteriotomia com cerca de 6 cm de extensão. próximo da transição para a artéria popliteia (Fig. evidenciando trombo flutuante (seta) na artéria femoral superficial. foi realizada uma arteriografia do membro inferior direito. 4). 4 Imagem de angiografia convencional do membro inferior direito. Fig. que corroborou o diagnóstico clínico presuntivo (Fig. que revelou a existência de um trombo flutuante no lúmen da artéria femoral superficial. na transição para a popliteia. Procedeu-se.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ Fig. consistência firme. 6). o que permitiu expor uma moderada placa de aterosclerose com um trombo aderente à sua superfície (Fig. 3). Estes dados de informação permitiram formular o diagnóstico clínico de síndrome do dedo azul. de cor rósea. 5). e que ocluía quase totalmente o lúmen da artéria (Fig. 3 Imagem de angio-TC do membro inferior direito. por punção femoral. Para esclarecimento da localização da fonte embolígena. dada a redução de amplitude dos pulsos periféricos desse membro. recorrendo-se a um patch venoso de Carrel-DeBakey para o . foi requerida uma angiografia por tomografia computorizada (angio-TC) da circulação aorto-ilíaca e membros inferiores. com cerca de 2 cm de comprimento. depreendeu-se da urgência de proceder a uma intervenção cirúrgica. seguidamente a tromboendarteriectomia local. mostrando lesão obstrutiva (seta) no trajecto da artéria femoral superficial. muito provavelmente originado por presumível lesão embolígena localizada ao segmento femoropopliteu. radiológica e electrocardiográfica pré-operatória foram consideradas normais. A avaliação laboratorial. Tendo sido impossível discriminar a natureza da lesão. potencial causador deste quadro clínico de microembolização. telerradiografia antero-posterior do tórax e mamografia. observando-se uma remissão quase completa das alterações isquémicas digitais e palpando-se pulsos periféricos amplos e simétricos em ambos os pés. Fig. 6 Peça operatória excisada: Trombo aderente a placa aterosclerótica A doente irá ser objecto de estreita vigilância clínica. que não evidenciaram qualquer anormalidade. foram requeridos os seguintes exames complementares: hemograma completo. para além dos fármacos que já fazia. marcadores tumorais . com alta clínica às 48 horas.3. com carácter periódico e foi medicada com dupla anti-agregação plaquetária (clopidogrel e ácido acetil salicílico). 7 Imagem intra-operatória de arterioplastia de encerramento com patch venoso de CarrelDeBakey 135 . CA 15. Para proceder à referida investigação. O relatório da anatomia patológica obtido da análise da peça operatória não revelou informação relevante.antigénio carcinoembrionário (CEA). A doente foi objecto de avaliação global e específica para despiste de um estado pró-trombótico. revelando placa aterosclerótica com trombo aderente e flutuante Fig. 5 Imagem intra-operatória da arteriotomia da femoral superficial. CA 19. O pós-operatório decorreu sem intercorrências. laboratorial e imagiológica. exame ginecológico. estradiol e beta HCG. As suturas cutâneas foram removidas ao 7º dia. Fig. para controlo da hipertensão arterial e da dislipidemia. A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO encerramento da artéria. A peça operatória foi devidamente encaminhada para estudo histopatológico. 7). estudo completo da coagulação. utilizando-se um segmento de veia safena interna ipsilateral (Fig. CA 125. alfafetoproteína (AFP).A SÍNDROME DO DEDO AZUL (BLUE TOE SYNDROME) E O SEU SIGNIFICADO PATOGÉNICO.9. com base nos elementos anamnésticos recolhidos e sinais objectivados e que justificou a realização dos exames complementares efectuados. distúrbios de hipercoagulabilidade e síndromes que dão origem a vasculopatia periférica. Tomando em consideração os antecedentes pessoais verificou-se que a doente além de se encontrar num estadio pós-menopausa. mas também existem casos similares descritos no membro superior.6 ainda que de etiologias completamente distintas. sem manifestações clínicas até então. numa isquemia aguda digital. vasculites8 ou doenças autoimunes. que podem culminar na necrose e gangrena digital. em 1976.2-4 Alguns anos depois. A síndrome do dedo azul consiste.5 relacionando esta entidade clínica com fenómenos de microembolismo a partir de lesões ateroscleróticas proximais. causada por fonte embolígena localizada na árvore arterial proximal. que a associaram a uma complicação da terapêutica anticoagulante com varfarina. Há uma interrupção súbita da circulação.10 tendo sido esta a etiologia considerada como presumível no caso clínico apresentado.1 Este efeito adverso da anticoagulação oral foi denominado como purple toe syndrome. há a considerar várias etiologias possíveis de dedo azul. exclusivamente. sendo motivo de publicação de vários trabalhos. muitas vezes é difícil diferenciar o microtromboembolismo de fenómenos trombóticos a nível local. Existem autores7 que dividem esta entidade em três categorias etiológicas: êmbolos provenientes do coração ou do sistema arterial. Perante estas manifestações clínicas.9 Nestes casos. mas antes decorrentes de patologia sistémica. o quadro foi designado blue toe syndrome. No entanto.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ DISCUSSÃO A síndrome do dedo azul foi descrita pela primeira vez em 1961 por Auerback e Feder. a fenómenos microembólicos. Fica assim justificada a razão de surgirem descrições na literatura de vários casos de blue toe syndrome que não são devidos. a objectivação da amplitude diminuída dos pulsos distais no membro inferior direito constituiu um dado a favor de uma lesão obstrutiva/estenótica a montante. Apesar da doente não mencionar manifestações prévias de doença vascular periférica. Estes autores chegaram mesmo a fazer uma analogia entre esta síndrome e o acidente isquémico transitório cerebrovascular. por oclusão súbita das artérias colaterais digitais. esta síndrome apresenta-se como uma coloração azulada ou púrpura súbita do dedo e dor em repouso. Geralmente este fenómeno ocorre no membro inferior. a causa mais comum da síndrome do dedo azul é a doença aterosclerótica. obesidade e dislipidemia. com conservação da integridade da circulação periférica. como síndromes mieloproliferativos. que provavelmente contribuíram para o desenvolvimento de doença obstrutiva aterosclerótica femoro-popliteia. reunia alguns factores de risco vasculares como hipertensão arterial. . na sequência da qual ocorrem fenómenos isquémicos de grau variável. Clinicamente. realçando o facto de o fenómeno ocorrer e aparecer isoladamente num contexto de normalidade da restante circulação. essencialmente. 17 Ambos podem ser fenómenos espontâneos ou induzidos iatrogenicamente. alguns autores7 defendem que. de acesso mais fácil. A ecografia com sonda transesofágica ou a ressonância magnética (RM) também podem ser úteis.A SÍNDROME DO DEDO AZUL (BLUE TOE SYNDROME) E O SEU SIGNIFICADO PATOGÉNICO. É também salientada5 a importância de se detectar e erradicar a fonte embolígena. A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO A angio-TC e a angiografia convencional vieram confirmar esta hipótese clínica.5% foram diagnosticados aneurismas. Perante o diagnóstico de doença combinada. Apesar da angio-TC ser uma técnica mais sofisticada. que resultam da ruptura da placa aterosclerótica. que resultam da fragmentação de uma placa ulcerada. reforçando as conclusões acima referidas. 90% dos doentes tinham doença aterosclerótica obstrutiva. e sendo indispensável detectar a fonte embolígena. na sua transição para a artéria popliteia. que afectava em 20% dos casos o território aortoilíaco. com o objectivo de rever as alterações hemodinâmicas das extremidades inferiores dos doentes com síndrome do dedo azul. então. e os cristais de colesterol. na medida em que identificaram 66% de casos com origem no segmento femoropopliteo. tal como as dissecções arteriais. Foi. como tal considerou-se que 137 . esta clássica técnica imagiológica que melhor permitiu visualizar a localização da lesão fonte de microembolos responsáveis pela isquemia aguda das artérias colaterais digitais. um terço dos quais apresentavam também lesões no território aortoilíaco. e a presença de trombo aderente a uma placa ulcerada foi a evidência mais comum de fonte embolígena. concluiu-se que seria mandatório explorar a região femoropopliteia.11 Apenas em 7. O reconhecimento da constituição fibrinoplaquetária da maioria dos trombos justifica o recurso à terapêutica anti-agregante plaquetária como profilaxia da recorrência de novos eventos tromboembólicos. Num estudo publicado em 1986 que englobava 48 doentes. não são conhecidas circunstâncias que pudessem induzir o fenómeno trombótico sobre a lesão aterosclerótica obstrutiva detectada. Neste caso.15 Ainda que menos frequente. discrimina apenas a parede dos vasos. podem considerar-se dois tipos essenciais: os trombos fibrinoplaquetários (os mais comuns). com elevadas probabilidades de ser a fonte embolígena. enquanto que a angiografia revela o seu verdadeiro lúmen.16 Neste sentido. detectada por arteriografia. justifica-se a realização de exame angiográfico tão completo quanto possível. a forma aneurismática da aterosclerose também pode ser causa de síndrome do dedo azul. Apesar de menos frequente. foi publicado um estudo14 que investigava a localização das fontes de ateroembolismo nos membros inferiores. demonstrando a existência de uma lesão oclusiva importante no território da artéria femoral superficial direita. permitindo excluir doença de outra natureza na aorta torácica. em 30% o femoropopliteotibial e em 40% apresentava-se de forma combinada.12 nomeadamente os aneurismas popliteos. perante a suspeita de embolismo.13 Em 1989. como forma de evitar novos eventos de microembolismo e restaurar a circulação arterial. existem casos publicados que relatam situações de síndrome do dedo azul com origem em lesões na aorta. No que diz respeito à natureza do trombo que se forma e adere às lesões ateroscleróticas obstrutivas. os autores verificaram que 47% dos casos apresentavam obstrução arterial proximal significativa e 87% obstrução arterial pediosa ou digital. nestas situações o tratamento cirúrgico é preterido em detrimento de outras técnicas de revascularização. é reconhecido que o estado pró-trombótico pode ter repercussões sobre o tratamento e posteriores complicações. também se pode recorrer à angioplastia transluminal com colocação de stent21 ou trombectomia com balão. Para remoção ou exclusão da fonte embolígena pode recorrer-se tanto à endarteriectomia como ao bypass. lesão endotelial e estase e também pelo estado de hipercoagulabilidade decorrente de alteração dos níveis de Factor VII (FVII). atendendo ao grupo etário a que a doente pertence. Mantém-se em estudo a eficácia da terapêutica trombolítica. como a angioplastia transluminal. de modo a que se faça despiste de cancro do pulmão. existindo poucos estudos dedicados a este tema. um complexo desequilíbrio entre o processo de coagulação e o de fibrinólise. no entanto. ainda não existe um consenso relativamente ao tratamento. estão reportados na literatura cerca de 50 casos de trombose arterial espontânea em doentes com neoplasias malignas.22 que são. não descurando o facto de poder induzir.23 Finalmente. O prognóstico destes doentes ainda não se encontra bem documentado. Como tal. a telerradiografia do tórax deve integrar a rotina da investigação médica. era aconselhado proceder-se a uma investigação de um possível estado de hipercoagulabilidade. bem como o fácil acesso à lesão. Considerando apenas os fenómenos microembólicos. Como se depreende do exposto.18 tentando excluir a possibilidade de neoplasia maligna oculta. contudo. É concluído num trabalho20 que perante um evento de isquemia crítica de um membro inferior. ao passo que a sua relação com a doença arterial ainda não é facilmente reconhecida. uma purple toe syndrome. O fenómeno trombogénico é promovido pelo aumento do factor tecidual. de um ponto de vista fisiopatológico. trombocitose. proteína C e S. sendo que a decisão deve ser considerada caso-a-caso. a anticoagulação oral com varfarina. Em alguns casos. dependendo da localização da lesão. optou-se por uma endarteriectomia. Neste contexto. a investigação de um estado pró-trombótico foi inconclusiva. pelo que esta doente . técnicas mais falíveis no que concerne à remoção do trombo.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ seria um caso espontâneo. está preconizado a dupla anti-agregação plaquetária ou. na medida em que pode comprometer a permeabilidade de um bypass. seguida de angioplastia com patch venoso. em caso de risco de isquemia recorrente. ainda que raramente. entendido sempre como complementar da intervenção cirúrgica. mais especificamente por êmbolos fibrinoplaquetários. cumpre realçar que à semelhança de outros casos descritos na literatura.19 A associação de neoplasias malignas a eventos trombóticos venosos é frequente na clínica e tem sido intensamente investigada. procoagulantes neoplásicos. a neoplasia maligna mais comummente associada a este tipo de ocorrências. Em relação ao tratamento farmacológico. Os estados pró-trombóticos associados às neoplasias malignas representam. Efectivamente. No caso vertente e tomando em consideração o carácter segmentar e bem localizado da doença aterosclerótica. o tratamento vai depender da patogenia do processo isquémico. Blue toe syndrome. (Abst) 8. Smith L. Blue Digits. Os pequenos fragmentos do trombo dão origem a microembolias das artérias colaterais digitais.48:472-7. Akle C. o diagnóstico de neoplasia maligna. 7.111:1263-8. J Vasc Surg 2008. frequentemente. Nix M. chamando a atenção para a importância de se realizarem estudos prospectivos.24 CONCLUSÃO A síndrome do dedo azul é um evento isquémico vascular periférico agudo. Purple Toe Syndrome. J R Soc Med 1981. escardio. Leather R. Powers S. E-journal website: http://www. mas é muito raro que se compliquem deste modo e que apareçam na clínica sob a forma de síndrome do dedo azul. Geriatrics 1994. Postgrad Med J 1998. Esta entidade é resultado da associação de lesão aterosclerótica pré-existente a trombose local dessa mesma lesão. Blue Toe Syndrome. O desenvolvimento de lesões ateromatosas na circulação periférica é comum. Goshima K. A endarteriectomia e a angioplastia de encerramento são cirurgias recomendáveis em todas as circunstâncias em que a doença arterial seja cirurgicamente acessível e os doentes devem ficar sob protecção de uma vigorosa terapêutica anti-agregante plaquetária. Auerbach R. Karmody A.3:475-80.151:1261-7. Majoie I. Poredos P. enaltece a possibilidade de aparecer num contexto de síndrome pró-trombótico. Ned Tijdschr Geneeskd 2007. 11. Nolan P. J Vasc Surg 1986.55:911-7 2. Consultado em 03/10/08. (Abst) 4. 6. (Abst) 10. 5. 9. Making the diagnostic when the patient has “blue toes”. Tal facto. existindo estudos que indicam que os eventos tromboembóli- cos arteriais periféricos desta natureza podem preceder. laboratorial e imagiológica periódica. Blackshear J. Monaco V. que resulta. L. Greenfield L. BIBLIOGRAFIA 1. Purple toes: an uncommon sequela of oral coumarin drug therapy. 3. A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO permanece sob vigilância clínica. Zaman S. Lauvao L. Contudo. Hughes J. Ann Intern Med 1962. The blue toe syndrome: hemodynamics and therapeutic correlates of outcome. Darby C. Leon Jr. EJVES 2005 Extra 10:90-100. e que deve ser exaustivamente investigado. Purple toe syndrome. A man with purple toes. An indication for limb salvage surgery. Mally J. Arch Surg 1976.org/communities/councils/ccp/ejournal/volume2/Pages/ Vol2_no18. a sign of end arterial occlusion.74:219. Wingo J. Devalia K. “Blue toe” syndrome. Barnes R. muitas vezes associado a neoplasias malignas. (Abst) 139 . Mantém-se a dúvida se as neoplasias malignas podem precipitar o desenvolvimento de doença arterial periférica ou coronária. de fenómenos de microembolismo ao nível das artérias colaterias digitais.74:51-5.aspx. que justificam o modo de apresentação desta entidade clínica. J Emerg Med 2006. Joiner C. Dikhorst-Oei L.43-5.49:37-9. constata-se que há um número significativo de doentes em que fica por esclarecer a patogénese do fenómeno tromboembólico. Bousema M. Sherman S. Thomas M. Feder W.4:435-6. Oldenburg W. Nijhof I.A SÍNDROME DO DEDO AZUL (BLUE TOE SYNDROME) E O SEU SIGNIFICADO PATOGÉNICO. The femoral artery thrombosis as a cause for distal embolism in primary antiphospholipid syndrome. Cohen M. meses a anos. et al. Halawa M. Cassina I. Chong P. Fukumoto Y.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ 12. McFarland D. Br J Surg 2005. El Sakka K. Poser M. Am J Surg 1984. JVIR 2000. Arterial occlusive disease in occult cancer. Matchett W. 2003. Masumoto A. Laird J. Fisher Jr. O’Donnell Jr T. A rare cause of the blue toe syndrome. Trousseau’s syndrome and acute arterial thrombosis. 18. Arterial diagnosis and management of acute thrombosis of the lower extremity. The incidence and risck factors of cholesterol embolization syndrome. Abrahamson J. Brigham R. (Abst) 15. 21. Int Angiol 2006. Clagett G. Kügler C. (Abst) . Woodyer A.148:836-9.92:1498-501.124:738-45. Rashid H. (Abst) 23. J Vasc Nurs 2003.35:84-7. Javid M.25:93-7. The femoropopliteal segment as a source of peripheral atheroembolism.21:70-1. 22. McFarland R. Blue toe syndrome: treatment with intra-arterial stents and review therapies. Ruehm S.31:87-91. Atherothrombotic microembolism of the lower extremities (the blue toe syndrome) from atherosclerotic non-aneurysmal aortic plaques. Am Heart J 1992.36:349-53. Magee T. (Abst) 17. Dilemmas in dealing with blue toe syndrome: aortic versos peripheral source. Veen H. Tsuchihashi M.11:585-92. Giuntini G et al. 14. D.42:211-6. Yeshurun D. Association of malignant disease with critical leg ischaemia. The management of acute limb ischemia: techniques for dealing with thrombus. J Interv Cardiol 2001. Spronk S. 20. a complication of cardiac catherization: a prospective study. Arterial thrombosis associated with malignant disease. Hoead P. (Abst) 13. 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Although rare, the iliac endofibrosis and the popliteal artery entrapment syndrome are undoubtfully recognised as causes of intermittent claudication in young patients, particularly in athletes. Apresenta-se um caso de uma atleta de alta competição, com claudicação intermitente incapacitante por lesão estenosante da artéria ilíaca externa e um caso de isquemia aguda num ciclista, por trombose da artéria poplítea devido a compressão extrínseca por feixes musculares anómalos. Ambos os doentes foram tratados cirurgicamente com sucesso. The authors report the clinical case of a young female athlete, with disabling claudicaton of the lower limbs due to a stenosis of the external iliac artery, and a case of acute ischemia in a male cyclist owing to an extrinsic compression of the popliteal artery by anomalous muscular bundles. Both cases were successfully treated by surgical means. O reconhecimento e detecção precoce destas entidades é fundamental para que se possam evitar complicações potencialmente graves. The early diagnosis of these situations is of utmost importance to prevent complications that may be particularly severe. 141 CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO Para os mais incautos, a isquemia crónica dos membros inferiores estará, sempre, associada ao envelhecimento, à aterosclerose generalizada com todos os seus factores de risco sobejamente conhecidos: o tabagismo, a hipertensão arterial, a diabetes, as dislipidemias… ou mesmo a tromboangeíte obliterante que, apesar de raras, não devem ser esquecidas na abordagem a doentes com queixas sugestivas de claudicação intermitente. Quando confrontados com indivíduos jovens, sem os tradicionais estigmas de doença aterosclerótica, só excepcionalmente é posta a hipótese de que as queixas do doente sejam devidas a patologia arterial obstrutiva. São pedidos múltiplos exames complementares de diagnóstico, consultas de várias especialidades e, muitas das vezes, só quando finalmente são óbvios os quadros de isquemia crítica é feito o diagnóstico. A claudicação intermitente dos membros inferiores é extremamente rara em adultos jovens, particularmente em desportistas sem factores de risco de doença arterial aterosclerótica. Por esse facto, a dor e incapacidade induzidas pelo exercício, poucas vezes são atribuídas inicialmente a patologia arterial obstrutiva, determinando assim, um diagnóstico por vezes tardio. No entanto, especialmente nos desportistas jovens, existem duas entidades nas quais é necessário pensar: a endofibrose ilíaca e o entrapment da artéria poplítea. Existem, contudo, diversas etiologias, não ateroscleróticas, responsáveis por quadros de isquemia dos membros inferiores em indivíduos jovens, como sejam o ergotismo, os traumatismos, as embolias de origem cardíaca, a doença quística da adventícia Os autores apresentam dois casos clínicos incomuns, um de fibrose da íntima da artéria ilíaca externa e outro de entrapment da artéria poplítea, em doentes desportistas relativamente jovens, que foram tratados durante este ano, no Hospital da Luz. CASO CLÍNICO CASO 1 Doente do sexo feminino, 31 anos de idade, desportista de alta competição (triatlo, com realização de treinos diários, corrida, ciclismo e natação, com durações superiores a duas horas), não fumadora, não diabética, não hipertensa, sem dislipidemia. Refere desde 4 meses antes, dor glútea e gemelar à direita, a partir dos primeiros 40 minutos de treino, que a obrigava a diminuir significativamente o ritmo do seu treino. Foi inicialmente observada em consulta de Ortopedia e posteriormente Neurocirurgia, com exames objectivos dentro da normalidade. Fez múltiplos estudos imagiológicos, nomedamente radiografias, tomografia computorizada (TC) e ressonância magnética (RM) da coluna lombo-sagrada e dos membros inferiores que não demonstraram quaisquer anomalias, orgânicas ou funcionais. Recorreu então, por agravamento substancial das queixas, a consulta de Angiologia e Cirurgia Vascular. Apesar da observação, em ISQUEMIA CRÓNICA DOS MEMBROS INFERIORES, DE ETIOLOGIA NÃO ATEROSCLERÓTICA, EM DESPORTISTAS JOVENS repouso, ser absolutamente normal (todos os pulsos periféricos eram palpáveis, síncronos, amplos e simétricos; não existiam quaisquer estigmas de insuficiência venosa e os exames eco-doppler dos eixos arteriais e venosos dos membros inferiores eram normais em repouso), pelo facto das queixas terem um padrão sugestivo de doença arterial obstrutiva (dores semelhantes, com a mesma localização, para esforços sobreponíveis, com um tempo de recuperação sistematicamente igual) foi decidido realizar um teste de hiperemia reactiva. O teste demonstrou, inequivocamente a existência de lesões obstrutivas proximais no membro inferior direito. Foi então sugerida a realização de angio-TC que confirmou o diagnóstico, evidenciando uma estenose de 50% no segmento médio da artéria ilíaca externa, com dilatação pós-estenótica (Fig.1). Fig. 1 Angio-TC dos eixos ilíacos, demonstrando a lesão estenosante da artéria ilíaca externa direita sua actividade desportiva normal. A doente optou por ser operada. Através de uma abordagem retroperitoneal (Fig. 2A), foi feita a dissecção e o isolamento do segmento terminal da artéria ilíaca primitiva, do segmento inicial da artéria hipogástrica e da artéria ilíaca externa em toda a sua extensão (Fig. 2B). Seccionou-se a artéria ilíaca externa obliquamente, em espátula, na sua porção mais distal e procedeu-se a uma endarteriectomia, por eversão, em sentido retrógrado, de toda a artéria. Restabeleceu-se a continuidade através de uma reanastomose topo-a-topo (Fig. 2C e D). O resultado do estudo anátomo-patológico da lesão revelou uma exuberante proliferação intimal, sem evidência de degenerescência aterosclerótica. A cirurgia de revascularização acabou por consistir, portanto, numa intimectomia da artéria ilíaca externa. O pós-operatório decorreu sem complicações, tendo a doente tido alta no terceiro dia depois da cirurgia medicada com antiagregante plaquetário. Retomou progressivamente a sua actividade física, conseguindo, rapidamente readquirir o seu ritmo competitivo, sem queixas relevantes. Reobservada seis meses após a cirurgia, não apresentava alterações no exame físico e os perfis hemodinâmicos, estudados com doppler, mantinham-se normais. CASO 2 Foram discutidas com a doente as opções possíveis: manter uma atitude expectante, uma vez que a claudicação existia apenas para esforços significativos e não havia qualquer risco imediato de perda de membro; ou adoptar medidas mais agressivas, que necessariamente implicariam uma cirurgia, mas que possibilitariam o retomar da Doente do sexo masculino, 44 anos de idade, ciclista amador, não fumador, não hipertenso, não diabético, sem antecedentes de dislipidemia, sem antecedentes de patologia cardíaca (nomeadamente disritmias) ou história de claudicação intermitente prévia. Refere, 4 semanas antes do internamento, 143 CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ Fig. 2A Incisão para abordagem retro-peritoneal da artéria ilíaca Fig. 2B Eixo ilíaco direito, com lesão estenosante Fig. 2C Reconstrução arterial Fig. 2D Eixo ilíaco direito após endarteriectomia quadro compatível com isquemia aguda do membro inferior direito (dor, arrefecimento, palidez, parestesias e impotência funcional). Desde então manteve as queixas, com claudicação para curtas distâncias e dor em repouso com parestesias, pelo que foi referenciado a consulta de Angiologia e Cirurgia Vascular. À observação, o pulso femoral era palpável, não se palpando pulsos distais no membro inferior direito. No membro inferior esquerdo todos os pulsos eram palpáveis, em repouso, deixando de se palpar os pulsos pedioso e tibial-posterior com a dorsiflexão do pé. O pé direito estava pálido e significativamente arrefecido, quando comparado com o contra-lateral. Não havia evidência de disritmia cardíaca. Fez eco-doppler e angio-RM (Fig. 3A) dos eixos arteriais do membro inferior direito, que demonstraram uma trombose da artéria poplítea e da origem de todas abordaram-se a artéria femoral superficial. 3B). com excelente efeito de revascularização (fluxo trifásico ao nível das artérias pediosa e tibial-posterior). bem. assintomáticas. Sob anestesia combinada (geral e epidural). Foi medicado com anti-agregante plaquetário. sem queixas relevantes. por via posterior. por trombose de aneurisma poplíteo. por via lateral interna. Três meses após a cirurgia fez angio-RM de controlo. Fig. tibial posterior e peroneal. por compressão extrínseca. DE ETIOLOGIA NÃO ATEROSCLERÓTICA. Tem programada a reparação cirúrgica. da origem das artérias tibial anterior. com veia safena interna invertida. seguida de bypass femoro-tronco tíbio-peroneal. tendo o doente tido alta ao terceiro dia após a cirurgia. 3C). Recuperou pulsos distais. EM DESPORTISTAS JOVENS as artérias crurais. com dilatação pós-estenótica. proximal ao canal de Hunter e a artéria poplítea ao nível da sua trifurcação. Foi então realizada a laqueação/exclusão do aneurisma da artéria poplítea. do membro inferior esquerdo. Note-se a permeabilidade do enxerto em posição femoro-poplítea à direita e da lesão estenosante com ectasia pós-estenótica à esquerda 145 . demonstrando oclusão da artéria poplítea e da origem das artérias crurais Fig. O pós-operatório decorreu sem complicações significativas. 3A Angio-RM. com discreta reabitação distal. autóloga e homolateral (Fig.ISQUEMIA CRÓNICA DOS MEMBROS INFERIORES. 3B Angiografia de controlo. O doente foi operado com o diagnóstico de isquemia crítica do membro inferior direito. per-operatória. 3C Angio-RM de controlo aos 3 meses. conseguiu-se a trombectomia. da artéria poplítea contralateral (Fig. desta lesão. Confirmou-se a existência de uma lesão estenosante. com um cateter de Fogarty. consequente a entrapment da artéria poplítea com oclusão das artérias crurais. Através de uma arteriotomia longitudinal no segmento terminal da artéria poplítea e origem do tronco tibio-peroneal. da anastomose distal do bypass Fig. com o intuito de estudar as lesões. descrita nos anos 80. fruto da trombose aguda da artéria.8 Nestes casos as complicações do entrapment podem ser graves. estando associadas a queixas de claudicação intermitente incapacitante e a um risco significativo de isquemia crítica. O diagnóstico pode ser suspeitado no exame clínico se os pulsos distais deixarem de ser perceptíveis com a dorsiflexão passiva ou extensão plantar activa do pé. actualmente. o que por sua vez hiperbolizaria qualquer gradiente de pressão. por vezes mínimas. para a génese da qual a hipertrofia do músculo psoas-ilíaco também contribuirá. como muitos doentes não conseguiriam efectuar esse exercício. determinava uma vasodilatação distal extrema que condicionava. Para confirmação do diagnóstico tanto da endofibrose ilíaca como do entrapment da artéria poplítea e com o intuito de conceber a estratégia cirúrgica. Estas variações podem ser anatómicas ou apenas funcionais e parecem ser mais frequentes do que inicialmente se supunha. como aconteceu no segundo caso descrito. O aparecimento de isquemias graves. Para a exclusão da possibilidade de existência deste tipo de lesões. a angio-TC e a angio-RM são exames. . realizar as medições durante um treadmill test. Mas não só isso não seria prático. não bastará um exame objectivo sem alterações ou a verificação de que os índices sistólicos são normais. nas situações em que a doença arterial obstrutiva é óbvia. com risco de perda de membro. O síndrome de entrapment da artéria poplítea foi descrito pela primeira vez no século XIX. após a desclampagem. a medição dos índices sistólicos (razão entre a pressão medida nas artérias crurais e a pressão sistólica umeral) é suficiente para a determinação da existência de doença. uma vez que estas lesões obstrutivas. neste grupo restrito de doentes. só determinam variações significativas durante o esforço.7. muitas vezes com ectasias ou aneurismas pós-estenóticos e antecedentes de fenómenos embólicos distais que ocluiram os vasos crurais. o gradiente de pressão só se torna aparente em regimes de fluxo máximo. com alguma frequência. tornando aparente qualquer lesão obstrutiva proximal). Para obviar esses inconvenientes e baseado na descrição das alterações circulatórias após oclusão arterial temporária. a angiografia. eventualmente. é. utilizando uma braçadeira pneumática. É um teste extremamente sensível.6 No entanto. foi descrito4 o teste da hiperemia reactiva. a maioria dos portadores não refere quaisquer queixas na sua actividade quotidiana. que consiste na medição do tempo de recuperação da morfologia normal das curvas velocimétricas após um período de oclusão das artérias de um membro. No entanto. por variações congénitas das inserções musculares ao nível da fossa poplítea. com uma enorme especificidade.5 Corresponde ao “aprisionamento” da artéria poplítea. as consequências só são clinicamente relevantes em indivíduos com hipertrofia muscular.3 (que refere que a isquemia por clampagem de uma artéria. Aparentemente.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ DISCUSSÃO A endofibrose ilíaca. É uma patologia típica dos ciclistas. Poder-se-ia.1 corresponde a uma proliferação da íntima com fibrose da parede arterial induzida por elevados regimes de fluxo por períodos prolongados.2 Habitualmente. um fluxo arterial compensatório máximo. contra-indicações para a colocação de uma endoprótese. pode pôr-se a hipótese de corrigir apenas as anomalias anatómicas. A realização de uma arteriotomia longitudinal. EM DESPORTISTAS JOVENS com sensibilidades sobreponíveis sendo. mesmo que não tenham qualquer estigma ou factor de risco de doença aterosclerótica e o exame físico seja normal. Não se põe a hipótese de substituição do eixo arterial por um enxerto sintético. preenchido com trombo mural. CONCLUSÃO Nos doentes com queixas de dor ou impotência funcional após exercício. interpondo um enxerto venoso. por não terem elasticidade. utilizando. quando a lesão é identificada precocemente e a artéria se mantém íntegra. funcionando como uma estenose longa e restritiva. Uma nova “agressão”. inquestionavelmente. procede-se à substituição do segmento arterial lesado. cirúrgico. particularmente na cirurgia urgente por oclusão dos eixos arteriais. pelo risco de o enxerto poder sofrer as mesmas compressões pelas inserções musculares anómalas. de alguma forma. 147 . preferível o estudo por TC ou ressonância magnética. O diagnóstico precoce destas patologias evitará complicações potencialmente graves e o seu tratamento cirúrgico tem resultados compensadores. através de exames específicos. Na doença da artéria ilíaca externa. não se põe a hipótese de terapêuticas endovasculares pelo facto de todo o processo patogénico corresponder a uma proliferação anormal da íntima associada a uma compressão extrínseca. Quando existem lesões estenosantes ou aneurismáticas. a existência de endofibrose ilíaca ou entrapment da artéria poplítea. estimularia essa proliferação e a probabilidade de restenose seria elevada. a possibilidade de doença arterial obstrutiva não deverá ser descartada. preferencialmente. nos casos de entrapment da artéria poplítea. abordando-se a artéria por via posterior. Deverá ser evitado um trajecto anatómico. na construção de um bypass femoro-poplíteo. com endarteriectomia e arteriorrafia com patch de safena interna é uma alternativa válida à cirurgia realizada no caso aqui descrito. Na cirurgia programada. A terapêutica cirúrgica consiste.ISQUEMIA CRÓNICA DOS MEMBROS INFERIORES. A região poplítea é uma zona de flexão. DE ETIOLOGIA NÃO ATEROSCLERÓTICA. mas acrescentaria o ónus. sem excluir. não só pelo facto de os doentes serem jovens com uma longa esperança de vida e não se pretender condená-los à possibilidade das complicações inerentes às próteses. um enxerto venoso. estético e funcional.9 O tratamento da endofibrose e do síndome de entrapment da artéria poplítea é. mas também porque esses enxertos. Também no tratamento do síndrome de entrapment da artéria poplítea não se vislumbra a possibilidade de um tratamento menos invasivo. da colheita da veia. Todas estas premissas são. aproveitando esta via para corrigir os feixes musculares anómalos. Existe habitualmente um aneurisma associado. Na origem das lesões estão feixes musculares e fibróticos que comprimem extrinsecamente a artéria. não se adaptam ao regime de fluxo de um atleta de alta competição. por darem uma percepção correcta das alterações anatómicas ao nível da fossa poplítea. CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ BIBLIOGRAFIA 1. J Anat Physiol 1879. Rignault DP. Popliteal artery entrapment syndrome: more common than previously recognized. Collateral resistance in limbs with arterial obstruction: spontaneous changes and effects of sympathectomy.15:285-94. Dornhorst AC. Sharpey-Shafer EP. Chevalier JM. Lower extremity arterial disease in sports. Ann Chir Vasc 1986. Surgical treatment for popliteal artery entrapment syndrome. 5. Pailler JL. 3. Shigematsu H. Doppler ankle pressure and reactive hyperaemia in the diagnosis of arterial insufficiency. L’endofibrose iliaque externe du cycliste de compétition. Posniak M. Veller MG. 9. Oshiro H. Miyata T.I3:162. Une pathologie arterielle méconnue. 2.4:341-3. 6. J Surg Res 1974. Clin Sci 1951.10:371-81.18:177-80. et al. 8. Johnson WC. Stuart T. 7. Erion B. Walder J. Am J Sports Med 1997.9:141-4. Abraham P. Int Angiol 1985. Popliteal entrapment as a result of neurovascular compression by the soleus and plantaris muscles. . Leftheriotis G. Cardiovasc Surg 2001. J Vasc Surg 1992. Ohara N. A note on a variation in the course of the popliteal artery. et al. J Vasc Surg 1999. 25:581-4. Chevalier JM.30:587-98. Turnipseed WD. The “functional” popliteal entrapment syndrome. Levien LJ. 4. Lunel F.1:297-303. The rarity of the situation as well of its surgical management justifies presentation and the discussion of case.TUMOR GERMINATIVO TESTICULAR COM INVASÃO DA VEIA CAVA INFERIOR. de Oncologia Médica e de Anatomia Patológica RESUMO Os autores descrevem o caso clínico de um indivíduo de 34 anos de idade com um tumor germinativo testicular. que desenvolveu metástases retroperitoneais volumosas. A raridade da situação e da solução cirúrgica justifica a sua apresentação e discussão. with compression and later on invasion of the inferior vena cava. O pós-operatório decorreu normalmente sem complicações e revisto um ano após a operação encontrava-se em excelente condição. a que se seguiu a exerese do tumor original e das metástases retroperitoneais e a veia cava inferior foi substituída por uma prótese vascular. TRATAMENTO CIRÚRGICO MULTIDISCIPLINAR Germ cell tumor of the testis with invasion of inferior vena cava. A. VILHENA-AYRES A. The patient underwent chemotherapy followed by resection of the original tumor and of the retroperitoneal metastasis and the vena cava was replaced by a vascular prosthesis. apoiada numa revisão bibliográfica actualizada sobre o tema. who developed large retroperitoneal metastasis. as the the the 149 . based on the most recent data of literature dedicated to the topic. Abstract The authors report the clinical case of a 34-year old male. Multidisciplinary surgical management J. O doente foi objecto de quimioterapia inicial. The post operative course was uneventful and one year later he was found in excellent condition. de Cirurgia Vascular. que exerciam compressão e posteriormente invasão da veia cava inferior. with a germ cell tumor of the testis. DINIS DA GAMA EDUARDO SILVA JOSÉ PASSOS COELHO PEDRO OLIVEIRA Departamentos de Urologia. CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO Os tumores germinativos do testículo são relativamente comuns na prática clínica, no grupo etário dos 20-35 anos e têm características biológicas singulares: são muito sensíveis à quimioterapia, mau grado o facto de no momento do diagnóstico cerca de 20% dos casos apresentarem já metástases retroperitoneais e quando associados à cirurgia de exerese, cursam com índices elevados de cura definitiva da doença. Por vezes, a invasão do espaço retroperitoneal pode levar à compressão ou igualmente invasão das estruturas contíguas, como é o caso dos ureteres, cólon, rins e pedículos renais, aorta e seus ramos principais e veia cava inferior, como sucedeu no presente caso clínico. A cirurgia consistiu na exerese do tumor, das massas metastáticas e da veia cava inferior, seguida da sua substituição protésica, o que justificou a constituição de uma equipa cirúrgica multidisciplinar. A raridade do caso e da solução cirúrgica justificam a sua apresentação e discussão. CASO CLÍNICO Indivíduo do sexo masculino, de 34 anos de idade, notou um ano antes da observação o aparecimento de uma tumefacção na virilha direita, indolor, esférica, com cerca de 2 cm de diâmetro. Recorreu ao seu médico de família que presumiu tratar-se de uma hérnia inguinal e por essa razão foi enviado à consulta de cirurgia do hospital distrital da sua área geográfica e colocado em lista de espera para a intervenção cirúrgica. Cerca de um mês depois notou um aumento progressivo e rápido de volume do testículo direito, que se tornou muito doloroso e determinava incapacidade para a marcha. Recorreu de novo ao hospital distrital, onde foi excluído o diagnóstico de hérnia inguinal e formulada a hipótese de se tratar de uma volumosa adenopatia inguinal, que foi objecto de biópsia, mas cujo resultado foi inconclusivo. Por essa razão e com o diagnóstico provisório de linfoma foi enviado ao I.P.O. em Lisboa, onde de imediato e logo na primeira consulta lhe foi feito o diagnóstico de tumor do testículo direito e dirigido à consulta de Urologia. A avaliação clínica e laboratorial, baseada em valores muito elevados dos marcadores tumorais, betaHCG 14.570 U e alfafetoproteína (AFP) 2.348 U, permitiu chegar ao diagnóstico definitivo de tumor germinativo testicular e a avaliação imagiológica de estadiamento revelou a existência de extensa propagação metastática ao espaço retroperitoneal. O doente foi objecto de quimioterapia intensiva com bleomicina, etoposido e cis-platinum (BEP), repartida por 4 ciclos. Entre o 1º e o 2º ciclos de quimioterapia, desenvolveu um quadro clínico de trombose venosa profunda do membro inferior esquerdo, complicada com embolia pulmonar, obrigando a internamento urgente e à instituição de heparinoterapia. Uma nova tomografia computorizada (TC) abdominal revelou a existência de invasão tumoral e oclusão da veia cava inferior e da origem das veias ilíacas primitivas (Fig.1A e B). A resposta clínica à quimoterapia foi excelente, com normalização dos valores dos marcadores tumorais e nesse contexto foi o TUMOR GERMINATIVO TESTICULAR COM INVASÃO DA VEIA CAVA INFERIOR. TRATAMENTO CIRÚRGICO MULTIDISCIPLINAR A B Fig. 1 Metástase tumoral invadindo a veia cava inferior e determinando a sua oclusão trombótica doente considerado apto para o tratamento cirúrgico, o qual foi efectuado no Hospital da Luz. O objectivo da cirurgia era múltiplo: consistia na remoção do tumor original (orquidectomia radical e colocação de prótese testicular), na remoção das massas tumorais retroperitoneais residuais (Fig.2), na ressecção da veia cava inferior ocluída e invadida pelo tumor e na sua substituição por um conduto protésico, para o que se constituiu uma equipa multidisciplinar, composta por cirurgiões urologistas e cirurgiões vasculares. A remoção das massas tumorais foi completa e exaustiva e decorreu sem complicações. De igual forma, a veia cava inferior foi removida e substituída na sua totalidade, desde a confluência das veias ilíacas primitivas até à confluência da veia renal esquerda. Foi utilizada, para o efeito, uma prótese de politetrafluoroetileno (PTFE) de 20 mm de diâmetro, com reforço externo espiralado, de molde a prevenir o seu colapso por eventual compressão externa (Fig.3) A prótese foi colocada entre a veia ilíaca primitiva direita e a veia cava inferior justa-renal, visto a veia ilíaca primitiva es- querda se encontrar definitivamente ocluída por flebotrombose prévia. Fig. 2 Aspecto macroscópico do tumor retroperitoneal excisado Fig. 3 Prótese espiralada de PTFE a substituir a veia cava inferior 151 CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ O pós-operatório decorreu normalmente, sem complicações, e uma angio-TC realizada dois meses depois demonstrou o enxerto a funcionar em excelente condição (Fig.4). O doente foi medicado com anticoagulação oral com varfarina e as avaliações subsequentes, clínicas e laboratoriais, não revelaram qualquer reactivação do tumor. O estudo histopatológico do tumor original e das massas metastáticas confirmaram o diagnóstico clínico de tumor germinativo do testículo direito; o segundo, exclusivamente com elementos benignos (growing teratoma syndrome) e o primeiro com aspectos sugestivos de burnt-out tumor (Fig. 5 e 6). Revisto um ano após a operação encontrava-se bem, assintomático, tendo reassumido integralmente a sua vida social e profissional. Fig. 5 Estudo histopatológico do testículo (burnt-out cell tumor) (hematoxilina-eosina, X50) Fig. 4 Angio-TC dois meses após a operação mostrando a prótese a funcionar em excelente condição Fig. 6 Estudo histopatológico das metástases ganglionares (growing teratoma syndrome) (hematoxilina-eosina, X25) TUMOR GERMINATIVO TESTICULAR COM INVASÃO DA VEIA CAVA INFERIOR. TRATAMENTO CIRÚRGICO MULTIDISCIPLINAR DISCUSSÃO Os tumores germinativos testiculares são a neoplasia maligna mais frequente nos homens com idades compreendidas entre os 20 e 34 anos. Em mais de 20% dos casos, no momento do diagnóstico apresentam-se metastizados, sendo a localização mais frequente as cadeias ganglionares linfáticas retroperitoneais, onde podem assumir a forma de massas muito volumosas. Apesar da elevada quimiosensibilidade destes tumores é frequente a persistência de massas residuais pós quimioterapia. A sua exerese representa um desafio cirúrgico importante pela natureza das estruturas a que estão aderentes: veia cava inferior e aorta e suas subsidiárias, pedículo renal, uretere, duodeno, entre outros.1 Este caso reveste-se de complexidade acrescida em virtude de por compressão e invasão vascular se ter verificado trombose da veia ilíaca primitiva esquerda e da veia cava inferior. Conforme já foi assinalado, estes tumores reagem muito bem à quimioterapia, usualmente constituída por BEP, permitindo normalizar os marcadores tumorais em poucas semanas, como sucedeu no presente caso clínico, dando oportunidade à intervenção cirúrgica, que consiste essencialmente na exerese do tumor original e das massas metastáticas residuais. A acção combinada da quimioterapia e cirurgia pauta-se por níveis elevados de cura definitiva do tumor.2,3 O caso vertente tem a particularidade de ter cursado com invasão da veia cava inferior, levando à sua oclusão, com consequências hemodinâmicas importantes, como sejam o edema dos membros inferiores, da pélvis e dos órgãos genitais. A veia cava inferior é sede rara de tumores primitivos, como é o caso do leiomiosarcoma,4 mas pode ser atingida por tumores secundários provenientes de diversos órgãos, como o rim (carcinoma de células renais, o mais comum), a supra-renal, o útero, o ovário e o testículo, como sucedeu no presente caso clínico. A cirurgia reconstrutiva da veia cava inferior consiste essencialmente na sua substituição protésica, por condutos de PTFE, com diâmetros da ordem dos 18-24 mm. Devido à baixa velocidade e baixa pressão do regime circulatório na veia cava inferior e com o objectivo de manter permanente o diâmetro da prótese, evitando o seu colapso, é utilizada uma tira rígida de material sintético na parede da prótese, sob a forma espiralada, protegendo-a igualmente de possíveis compressões extrínsecas.5,6 Quer na experimentação animal, quer na prática clínica, os índices de permeabilidade destes substitutos protésicos estão longe de se poderem comparar àqueles que se obtêm na cirurgia reconstrutiva das artérias, em consequência das características diferentes de débito circulatório e pressão intraluminal a que já se aludiu.5 Alguns autores advogam a construção de fístulas artério-venosas distais visando incrementar a velocidade e a pressão de circulação dentro da prótese,6-8 mas esta prática, embora com resultados favoráveis, não recebe ainda a opção unânime por parte dos cirurgiões vasculares. 153 Primary venous leiomyosarcoma: A rare but lethal disease. 3. BIBLIOGRAFIA 1. Cherry KJ.7:1497-504. et al. Inferior vena cava bypass: Experimental evaluation of externally supported grafts and initial clinical application. O excelente resultado clínico obtido com esta abordagem multidisciplinar. 6. An update.15: 595-603. Bardin JA. Thornhill JA.31:270-81. Adjunctive surgery after chemotherapy for nonseminomatous germinative cell tumours. Urol 1999. 7. Gloviczki P. Martins C. aumentando a pressão e a velocidade de circulação. Heelan RT. Almeida CH. et al. J Clin Oncol 1990.149: 237-42. 8: 1683-87. o facto de pré-existir uma oclusão do eixo venoso ilio-femoral esquerdo. Leiomiosarcoma da veia cava inferior: Ressecção. Bernestein EF. Panick DM. Dzimich C. Einhorn LH. J Clin Oncol 1998.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ No caso em apreço.21:35-40. Bower TC. Concer DJ. eds. In: Bergan JJ. vanHeerden JA. é de si suficiente para incrementar o retorno venoso do eixo ilio-femoral direito. Toner GC. 4. Replacement of the inferior vena cava for malignancy. . Foctus RS. confirmada um ano após a operação. Nagorney DM. naturalmente suportada por terapêutica anticoagulante oral. A propósito de um caso clínico. et al. substituição protésica e criação de fístula artério-venosa mesentérico-cava. Dinis da Gama A. Schutlz SM. Doreoline VR. Kieffer E. New York: Grune e Stratton. J Vasc Surg 2000. Chomette G. 1985:423-43. Berod JL. Yao JST. Retroperitoneal lymphadenectomy for testis cancer. 8. Surgery of the Veins. 2. Management of postchemotherapy residual masses in patients with advanced germ cell tumour. Chan EL. J Vasc Surg 1992. J Vasc Surg 1984. Soares M. justifica a sua apresentação e divulgação. Rev Port Cir Cardiotorac Vasc 2001. et al.1:675-80. Primary tumors of the inferior vena cava. contribuindo desta forma para a manutenção da permeabilidade da prótese. 5. et al. corpo livre intra-articular.2 A abordagem cirúrgica de eleição é artroscópica. embora esta seja bastante mais rara. fractura osteocondral ou massa de partes moles. incluindo luxação meniscal. que revela uma lesão com áreas focais hipointensas em T1 e T2. cuja excisão em bloco foi realizada através de artroscopia. localizada e difusa.SINOVITE VILONODULAR PIGMENTADA LOCALIZADA – EXCISÃO ARTROSCÓPICA Localized pigmented villonodular synovitis . já que o seu comportamento e prognóstico são muito diferentes. Abstract The authors report a case of localized pigmented villonodular synovitis of the knee treated by arthroscopic excision. embora seja discutível se são manifestações diferentes da mesma entidade ou duas entidades diferentes. com ou sem sintomas mecânicos associados (bloqueio. O diagnóstico diferencial é feito relativamente a quase todas as alterações intra-articulares conhecidas. sensação de corpo livre intra-articular ou instabilidade). Independentemente desse facto é importante distingui-las. tanto para sinoviectomia como para excisão completa da lesão. INTRODUÇÃO A sinovite vilonodular pigmentada é uma doença proliferativa da sinovial que afecta principalmente o joelho. gigantes e multinucleadas com depósitos de hemossiderina. Caracteriza-se por nódulos circunscritos que apresentam em geral um pedículo de origem sinovial. O diagnóstico imagiológico é feito através de ressonância magnética (RM). 155 . Pode apresentar-se de duas formas. embora se admita que possa tratar-se de um processo neoplásico. défice de mobilidade e uma massa palpável intra-articular. A etiologia da sinovite vilonodular pigmentada localizada (SVNPL) é desconhecida. embora inespecíficas.1 Na apresentação clínica é geralmente evidente dor articular. Histologicamente estes nódulos são compostos por células semelhantes a sinoviocitos.arthroscopic excision PEDRO GRANATE TERESA GRANATE MARQUES* ANA CATARINO Departamentos de Ortopedia e de Anatomia Patológica * Hospital Garcia de Orta RESUMO Os autores apresentam um caso clínico de sinovite vilonodular pigmentada localizada (SVNPL) de um joelho. A radiografia simples não revelou qualquer alteração significativa. A RM revelou “…formação intra-articular preenchendo o espaço fémoro-patelar interno com cerca de 3 cm de diâmetro. 3). recorre à consulta de Ortopedia do Hospital da Luz com queixas de dor articular do joelho direito com cerca de 6 meses de evolução. sem sinais de instabilidade ligamentar. de coloração acastanhada e com um pedículo ligando-o à sinovial femoral na localização atrás referida (Fig. com alguma mobilidade e não aderente aos planos superficiais ou profundos. a porta supra-patelar interna foi alargada de 5 para 15 mm para permitir a sua exteriorização (Fig. Procedeu-se à laqueação do pedículo com um eléctrodo de radiofrequência (VAPR-T) e à excisão em bloco da lesão. sem crepitação e com massa palpável no fundo de saco subquadricipital. normal com um nódulo encapsulado. sem antecedentes traumáticos identificáveis. O encerramento desta porta foi realizado apenas com dois pontos de sutura. …Lesão proliferativa da sinovial? outra?. 1 Imagem de ressonância magnética sagital T1 Fig.. O exame objectivo revelou um joelho com hidrartrose moderada.” (Fig. 2).. com sensação de corpo livre/massa intra-articular palpável no fundo de saco subquadricipital. é uma lesão indeterminada que carece de correlação artroscópica. As restantes articulações não apresentavam qualquer alteração ou sintoma.1). 2 Imagem intra-operatória Fig.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino. 49 anos de idade. Devido às dimensões da lesão. interlinhas articulares indolores.. 3 Exteriorização através da porta supra-patelar interna . A doente foi submetida a artroscopia do joelho que revelou uma articulação de aspecto Fig. 4 e 5). passou a ser mais comum considerar a possibilidade de ocorrência desta entidade. Assim.3 é provável que quem se dedique especialmente à cirurgia articular se depare com uma lesão deste tipo. as dimensões apreciáveis da lesão dificultavam à partida a sua excisão em bloco através de artroscopia. A RM permite distinguir entre a forma localizada e a forma difusa da sinovite vilonodular pigmentada.1.SINOVITE VILONODULAR PIGMENTADA LOCALIZADA – EXCISÃO ARTROSCÓPICA A doente teve alta às 24 horas e o pós-operatório decorreu sem complicações. 4 Peça operatória removida crose extensas. A sinoviectomia pode alterar esta evolução. o que se reveste de particular importância pelo facto da forma difusa ter um comportamento muito agressivo.8 casos num milhão de pessoas. com recidivas frequentes e evolução para osteoartrose grave. em consequência do colapso mecânico do pedículo muito estreito. 5 Zona de enfarte em sinovite vilonodular (hematoxilina-eosina. No caso presente. X100) DISCUSSÃO Apesar de pouco frequente. Com o advento da RM. tal como aconteceu no caso presente. com uma incidência referida de 1.4. na forma localizada. A apresentação e os sintomas mecânicos inespecíficos que muitas vezes estão presentes levam a que o diagnóstico clínico seja por vezes complexo. embora muitas vezes o diagnóstico definitivo só seja possível com o exame anátomo-patológico. No entanto. Fig. a sinoviectomia é uma opção mais comum do que a excisão da lesão em bloco. mas as complicações deste procedimento não são raras. que ocorreu. dado que a RM apontava para 157 . provavelmente. O exame anátomo-patológico revelou sinovite vilonodular localizada com áreas de ne- Fig. o aspecto histológico é mais homogéneo do que o habitual (Fig.5 Também. Localized pigmented villonodular synovitis.84:2192-202. Orthopedics Today 2008. Long-term follow-up of surgically treated localized pigmented villonodular synovitis of the knee. DeBernardino TM. 23:930-7. Orthopedics Today 2006. Winalsky C. Mai MC.28:5. et al.29:661. a cirurgia artroscópica está focalizada principalmente para o tratamento de lesões menisco-liga- mentares e condrais. Chin KR. Arthroscopy 2007. Dines JS. Lomasney LM. Pigmented villonodular synovitis of the Pes Anserine Bursae. Demos TC. Christoforetti J. em regra no âmbito da traumatologia desportiva. . 2. BIBLIOGRAFIA 1. Wells JL. J Knee Surg 2007. Ao nível da articulação do joelho. Brick GW.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ uma lesão benigna e completamente capsulada. 5. Treatment of advanced primary and recurrent diffuse pigmented villonodular synovitis of the knee. A experiência adquirida neste campo permitiu encarar o tratamento artroscópico desta lesão como uma opção lógica e com uma eficácia evidente. Dines JS. Annunziata CC. optou-se por esta técnica. 4. Harrington MA. Pigmented villonodular synovitis: a rare problem and a challenging diagnosis. 3.20:44-7. Riccio AI. que teve um resultado cirúrgico e estético excelentes. Barr SJ. Zurakowsky D. J Bone Joint Surg Am 2002. An intraoperative CT-scan based neuronavigation system allows the control over the extent of tumor removal and improves navigation acuity. to identify those relevant functional cerebral regions that would be responsible for unacceptable neurological 159 . This risk is higher if the lesion is located on the “so-called” eloquent cerebral regions. distinguir as áreas cerebrais Abstract Any neurosurgical procedure has the potential to inflict a neurological deficit. Não nos permite. mas também melhorar a eficácia das técnicas de neuronavegação. It doesn’t help us. A utilização da TC intraoperatória vem permitir não só o controlo do grau de remoção cirúrgica. Em oncologia este risco é mais elevado se a lesão se localizar em áreas cerebrais funcionalmente eloquentes.CONJUGAÇÃO DO MAPEAMENTO CEREBRAL POR ESTIMULAÇÃO DIRECTA E DA NEURONAVEGAÇÃO COM IMAGENS DE TC INTRA-OPERATÓRIA. localizando as áreas atingidas pelo tumor. NO TRATAMENTO DOS TUMORES CEREBRAIS: DESCRIÇÃO DO PRIMEIRO CASO TRATADO EM PORTUGAL Combined use of direct cerebral stimulation mapping and intra-operative CT-scan based neuronavigation in the treatment of brain tumors: report of the first case treated in Portugal MIGUEL CASIMIRO CARLA REIZINHO NUNO RODRIGUES JOSÉ BISMARCK Departamentos de Neurocirurgia e de Anestesiologia RESUMO Qualquer neurocirurgia tem o risco potencial de induzir sequelas neurológicas. no entanto. however. se conjugaram estas duas técnicas no tratamento de um doente.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ funcionalmente mais relevantes e cuja manipulação ou remoção poderão condicionar sequelas inaceitáveis para o doente. de forma segura. As correlações anátomo-funcionais clássicas. quer estas sejam superficiais ou profundas. Permite determinar a nova localização das lesões e. O doente encontra-se. com grande capacidade de resolução e detalhe anatómico. INTRODUÇÃO Qualquer cirurgia ablativa do sistema nervoso central acarreta o risco de induzir défices neurológicos sequelares. deficits if manipulated or removed during the procedure. sente maior confiança para estender a sua remoção para além dos limites funcionais clássicos. pouco fidedignas as orientações dos sistemas de neuronavegação baseados em imagens pré- -operatórias. de outra forma. possibilitando. sem défices neurológicos incapacitantes e retomou as suas actividades profissionais. Um outro problema com que o cirurgião se depara na cirurgia dos tumores cerebrais é a determinação da importância funcional dos tecidos a remover. ao mesmo tempo.5%). It is the case of a 41-year old male patient with a left central gyrus fibrillary astrocytoma. associada a técnicas de neuronavegação computorizada. Esta tarefa é de importância primordial a fim de se evitarem sequelas inaceitáveis do seu procedimento. no entanto. Esta distinção é obtida através do mapeamento funcional intra-operatório. se limitaria a procedimentos meramente diagnósticos. With the use of these combined techniques the surgeon feels the confidence to enlarge his resection beyond the classical functional limits which allows safer total resections in regions where he normally would perform a simple diagnostic biopsy. controlar em tempo real a extensão da sua remoção. A remoção cirúrgica foi total. the patient had no significant deficits and has returned to work. com o diagnóstico de astrocitoma fibrilhar. Descreve-se um caso clínico em que. remoções totais. as áreas de Broadman e suas evoluções. Este risco é tanto mais elevado quanto mais próximo estiver a lesão das chamadas áreas eloquentes ou quanto mais se assemelhar estruturalmente ao tecido normal adjacente (15 a 27.1-3 A introdução na clínica diária da ressonância magnética (RM). ao dominar estas técnicas. A ocorrência de deformação das estruturas cerebrais durante um procedimento cirúrgico torna. em situações em que. Brain mapping through direct electrical stimulation does. The motor strip was mapped during surgery and the tumor was completely excised. pela primeira vez em Portugal. veio simplificar a questão da localização das lesões. apesar de bons indicadores não são universais . localizado na circunvolução frontal ascendente do hemisfério dominante. O cirurgião. A possibilidade de actualizar o sistema de orientação com imagens colhidas ao longo da cirurgia por tomografia computorizada (TC) ou RM intra-operatórias tenta resolver esta limitação. de 41 anos de idade. The authors report the first clinical case of combined treatment with these techniques in Portugal. ao fim de três meses. After three months. 6 Os autores apresentam o caso clínico de um doente com um glioma rolândico esquerdo. mas de forma genérica hipointensa em T1 e hiperintensa em T2.8x3. dextro. Trata-se do primeiro caso tratado em Portugal em que se conjugou a realização de mapeamento funcional por estimulação eléctrica directa com o sistema de neuronavegação com aquisição de imagens intra-operatórias. Não se assistiu a reforço do sinal lesional com a administração de gadolíneo nem restrições à difusão. Não se identificava edema perilesional relevante. especialmente os localizados em áreas funcionalmente eloquentes.5. o que reforçou as conclusões anteriores. Pretendem ilustrar o que se pode conside- rar o actual estado da arte no tratamento cirúrgico dos tumores cerebrais.CONJUGAÇÃO DO MAPEAMENTO CEREBRAL POR ESTIMULAÇÃO DIRECTA E DA NEURONAVEGAÇÃO COM IMAGENS DE TC INTRA-OPERATÓRIA. Não foi administrado contraste. Foi realizada RM ce- rebral que confirmou os achados anteriores. a distorção tumoral e eventuais fenómenos de plasticidade cerebral podem deslocar áreas funcionais importantes para regiões classicamente pouco eloquentes. Realizou TC cerebral que revelou a existência de imagem homogeneamente hipodensa. e após a análise de risco/ benefício. Cerca de uma hora depois o exame clínico e neurológico era completamente normal.8cm). Discretamente heterogénea. intra-axial compatível com lesão expansiva frontal. NO TRATAMENTO DOS TUMORES CEREBRAIS: DESCRIÇÃO DO PRIMEIRO CASO TRATADO EM PORTUGAL e. PROTOCOLO ANESTÉSICO Foi utilizado um protocolo anestésico apropriado à necessidade de mapeamento cerebral em área motora. Avaliado em estado pós-crítico apresentava-se sonolento e com discreta disartria. CASO CLÍNICO Indivíduo de 41 anos de idade. tidos classicamente como inoperáveis ou nos quais o procedimento cirúrgico se limitava a biópsia ou pequenas excisões. A anestesia geral foi administrada sem recurso a curarização. profissionalmente activo e sem antecedentes médico-cirúrgicos relevantes. foi proposto e aceite pelo doente o tratamento cirúrgico da situação clínica.4x3. envolvendo a porção mais posterior da circunvolução frontal superior e a circunvolução frontal ascendente (região motora).4 A estimulação directa das estruturas cerebrais através de estímulos eléctricos de parâmetros fisiológicos realizada intra-operatoriamente é considerada actualmente a técnica de mapeamento funcional mais fidedigna. 2). em situações patológicas. Na espectroscopia salientou-se uma marcada redução do pico de N-acetil-aspartato e aumento significativo dos picos de colina e lactato. 161 . recorreu ao Atendimento Médico Permanente do Hospital da Luz na sequência de crise convulsiva tónico-clónica generalizada inaugural. O estudo laboratorial excluiu a existência de desequilíbrios metabólicos ou outras alterações relevantes. mas a lesão condicionava efeito de massa moderado sobre as estruturas adjacentes. Com a suspeita clínica e imagiológica de glioma cerebral de baixo grau de malignidade em área cerebral potencialmente eloquente (Fig. com cerca de quatro centímetros de diâmetro (4. 1). a imagem era compatível com glioma cerebral de baixo grau de malignidade (Fig. a 60 Hz. T1. C e D – Cortes axiais por ressonância magnética da mesma lesão nas ponderações FLAIR e T2. 1 Avaliação imagiológica pré-operatória: A – Aspecto de TC inicial. A estimulação foi feita em duas fases. previstas de acordo com as correlações anátomo-funcionais clássicas. A craniotomia foi ampla o suficiente para permitir a total exposição tumoral e das áreas corticais adjacentes. Os estímulos foram administrados por contacto directo dos eléctrodos sobre a superfície cerebral. baseada em imagem de RM. De acordo com a imagem. 2 Representação gráfica.5-7 Neste sentido. a remoção cirúrgica do tumor apresenta uma alta probabilidade de condicionar sequelas neurológicas incapacitantes Com o doente em decúbito dorsal e com a cabeça em flexão moderada e rodada cerca de 45º para a direita. (software IPlan®) resultou da fusão das imagens pré-operatórias com as adquiridas intra-operatoriamente após o posicionamento do doente (TC intra-operatória Siemens®). de corte sagital do hemisfério esquerdo com identificação de lesão tumoral que não captou Gadolíneo. em ressonância magnética. A lesão tumoral era macroscopicamente indistinguível do tecido cerebral normal adjacente. a primeira de determinação da intensidade mínima de estimulação efectiva e a segunda de mapeamento propriamente dito. que afectariam o seu limiar de despolarização e a sensibilidade do mapeamento. guiada por neuronavegação (BrainLab®). com amplitude de intensidade de 0-10 mA. não foram utilizados anestésicos halogenados. como gerador. o Estimulador Multifuncional Nimbus® da Newmedic© (Fig.7 Utilizou-se. respectivamente Fig. O mapeamento estendeu-se também às vias de substância branca. B – Aspecto. O mapeamento funcional foi realizado através de eléctrodos bipolares que administraram corrente bifásica. procedeu-se a craniotomia fronto-parietal esquerda. e pulsos de 1ms.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ A fim de não alterar as propriedades fisiológicas do potencial de membrana celular neuronal. O mapeamento funcional . em intervalos de cerca de 2 segundos. da localização do tumor e da sua relação com as áreas motoras e da sensibilidade. O modelo computorizado 3D utilizado. PROTOCOLO CIRÚRGICO Fig. 3). optou-se por anestesia total intravenosa utilizando-se perfusões de propofol e de remifentanil com taxas de infusão adequadas. contactando a porção mais posterior das circunvoluções F1 e F2. Não apresenta outras alterações ao exame objectivo. aspecto do modelo tridimencional das estruturas cerebrais do doente. Pormenor do gerador utilizado (Estimulador Multifuncional Nimbus® da Newmedic®) e imagem do processo de estimulação com eléctrodo bipolar Fig. Em baixo. onde não se registaram intercorrências relevantes. 4 Neuronavegação e controlo intra-operatório da remoção cirúrgica. Apresentou disartria ligeira e hemiparésia de predomínio braquial direito com força grau 3 nos segmentos musculares distais. constatou-se que o tumor se encontrava imediatamente anterior a essa região ao longo da circunvolução frontal ascendente. Fig. A exerese tumoral foi total de acordo com a determinação dos limites anatómicos aferidos das imagens pré-operatórias e nos dados fornecidos pelas imagens de controlo realizadas por TC intra-operatória (Fig. actualizável pela TC durante a cirurgia. permitindo uma navegação em tempo real mais fiável. Em cima. Retomou as suas actividades profissionais ao fim de quatro semanas e ao fim de três meses apresenta-se sem défices da linguagem mas mantém força grau 4/5 na extensão do 4º e 5º dedo da mão direita.CONJUGAÇÃO DO MAPEAMENTO CEREBRAL POR ESTIMULAÇÃO DIRECTA E DA NEURONAVEGAÇÃO COM IMAGENS DE TC INTRA-OPERATÓRIA. Concluiu-se que era possível a sua remoção sem se preverem défices neurológicos permanentes relevantes. O doente teve alta clínica após seis dias de internamento. O doente foi admitido na Unidade de Cuidados Intensivos durante cerca de 24 horas. Mantém programa de reabilitação. NO TRATAMENTO DOS TUMORES CEREBRAIS: DESCRIÇÃO DO PRIMEIRO CASO TRATADO EM PORTUGAL identificou as áreas responsáveis pelo controlo motor primário dos membros superior e da hemiface homolateral. Com o auxílio da neuronavegação. o aspecto da capacidade de controlo da extensão de remoção cirúrgica por TC intra-operatória 163 . que melhoraram progressivamente com programa de fisioterapia. O exame anátomo-patológico da peça operatória confirmou tratar-se de astrocitoma fibrilhar. 4). 3 Mapeamento cerebral por neuroestimulação eléctrica directa. Para conseguir garantir progressivamente uma maior remoção com menores sequelas torna-se fundamental identificar a localização das células tumorais por um lado e das áreas funcionalmente relevantes por outro. A partir do momento que existe manipulação do cérebro. a vermelho. Uma delas é denominada brain shift. 5 Aspecto final da cirurgia após o mapeamento intra-operatório e a remoção total da lesão tumoral. Este caso clínico tem a particularidade de exemplificar as vantagens para a resolução deste dilema do domínio e da conjugação de desenvolvimentos tecnológicos recentes. apenas em 66% com os resultados do mapeamento intra-operatório. O mapeamento funcional do cérebro representa um problema maior. nomeadamente a neuronavegação com recurso a imagens adquiridas intra-operatoriamente e a estimulação cerebral directa. permite actualizar o mapa cerebral e ainda controlar o grau de remoção das lesões e a eficácia do procedimento cirúrgico. o desvio cerebral que ocorre durante a cirurgia. no entanto. quer a nível cortical quer ao longo da substância branca. permitiu a remoção do tumor sem sacrifício das áreas funcionais relevantes. apresentam limitações técnicas importantes e coincidem. maior o risco de condicionar sequelas neurológicas. computorizado. por correlação da anatomia imagiológica com modelos padrão de localização funcional ou o recurso à ressonância magnética funcional (RMf). em cada momento durante a cirurgia. das estruturas cerebrais permite ao cirurgião reconhecer. A neuronavegação tradicional tem. definir vias de abordagem cirúrgi- ca e identificar a localização e os limites das lesões tumorais. o ponto exacto em que está a trabalhar. ou seja.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ Fig. A sua identificação precisa durante a cirurgia. Representa-se. As técnicas de mapeamento funcional pré-operatórias. A neuronavegação através da criação de um modelo tridimensional. as suas limitações. as estruturas cerebrais modificam a sua localização e o modelo inicial perde a sua fiabilidade. a área motora mapeada. A utilização de neuronavegação com imagens colhidas pela TC intra-operatória. nas melhores séries. No canto superior direito a representação 3D permite a orientação do observador DISCUSSÃO E CONCLUSÕES No tratamento cirúrgico oncológico do sistema nervoso central o dilema para o cirurgião reside na consciência que quanto maior o esforço de remoção tumoral (que os conhecimentos disponíveis continuam a mostrar que se justifica).8 Uma margem de erro de cerca de um terço nesta aferição . 10 A manipulação cirúrgica de regiões cerebrais com esta importância funcional pode condicionar. Em conclusão. Os paradigmas de mapeamento em RMf não permitem detectar de forma específica a origem cortical de tarefas motoras ou cognitivas complexas. A neuroestimulação eléctrica esteve na base da maioria dos estudos de correlação anátomo-funcional que servem de base à nossa actividade clínica e representa.9 o que implica riscos acrescidos logo que o neurocirurgião atravessa o córtex cerebral. o mapeamento funcional fidedigno das vias de substância branca. como se ilustra no caso descrito. NO TRATAMENTO DOS TUMORES CEREBRAIS: DESCRIÇÃO DO PRIMEIRO CASO TRATADO EM PORTUGAL pré-operatória implica um risco inaceitável de infligir défices sequelares importantes nos doentes se a avaliação funcional se basear apenas nestes métodos. no entanto. a fim de evitar potenciais efeitos adversos.4 Torna-se assim difícil a percepção da real importância relativa de cada uma dessas áreas e da verdadeira implicação funcional da remoção de uma delas durante o acto operatório. a conjugação das técnicas de neuronavegação baseada por imagens intraoperatórias e o mapeamento cerebral por estimulação directa. das complicações e dos custos do tratamento destas situações. se limitaria a procedimentos diagnósticos. permite. de ser mais versátil na 165 . de forma sinérgica. apresenta sobre o método de mapeamento eléctrico por grelhas as vantagens de poder mapear também as vias de substância branca. o método mais seguro e fiável de mapeamento cerebral. sempre transitórios se for assegurada a integridade das áreas funcionais principais mapeadas. condicionando o desencadear de crises convulsivas intra-operatórias. A sua utilização deve ser. As áreas evidenciadas numa RMf como funcionalmente relevantes para determinada tarefa podem ser extensas. O método de estimulação aqui descrito. défices neurológicos que serão. a estimulação cerebral directa intra-operatória. no entanto. quer na sobrevida quer na qualidade de vida dos doentes neuro-oncológicos. Na prática. associativo e efector de várias regiões de importância primária e acessória.5-7. promover uma remoção cirúrgica mais segura e extensa dos tumores cerebrais. Além do problema de sensibilidade e especificidade do mapeamento cortical e mesmo com o desenvolvimento recente das tractografias. tais como lesões corticais ou a sua disseminação regional. O cirurgião ao utilizá-las sente maior confiança para estender a sua remoção para além dos limites funcionais clássicos e para promover remoções totais em situações em que. na actualidade.CONJUGAÇÃO DO MAPEAMENTO CEREBRAL POR ESTIMULAÇÃO DIRECTA E DA NEURONAVEGAÇÃO COM IMAGENS DE TC INTRA-OPERATÓRIA. sua capacidade de guiar passo a passo a exerese tumoral e de não necessitar de implante de rede de eléctrodos num primeiro tempo cirúrgico. na maioria das vezes multifocais ou bi-hemisféricas. sistemática e criteriosa. A aplicação das intensidades de estimulação tem que ser limitada a parâmetros fisiológicos estritos. Esta afirmação é verdadeira fundamentalmente se estes se localizarem em áreas potencialmente mais nobres do ponto de vista funcional. de outra forma. de forma validada. nenhuma avaliação permite ainda. Não parece assim abusiva a conclusão que o tratamento cirúrgico à luz deste paradigma metodológico terá um impacto positivo de relevância inegável. a execução de uma tarefa implica o recrutamento coordenador. com redução do tempo. Ltd. Factors influencing surgical complications of intra-axial brain tumours.17-28. Hammoud M. J Neurosurg 2001. Nathan SS. Schulder M.78:785-93. J Neurosurg 2002. Electrical and magnetic stimulation on the brain and spinal cord. eds. Physiological principles of electrical stimulation. Functional recovery after surgical resection of low-grade gliomas on eloquent brain: Hypothesis of brain compensation. Case illustration. Optical imaging of bipolar cortical stimulation. In: Devinsky O. 50:474-83. Haglund MM. Tremoulet M. . Denvil D et al. Mahapatra AK. Intraoperative functional mapping using direct electrical stimulations. Methodological considerations. Capelle L. New York: Raven Press. Neurochirurgie 2004. Beric A and Dogali M. Tandon P. Duffau H.142:739-50. Sawaya CJ. 4. Operation on gliomas involving speech centers. Caral L. Ibanez J. Neurological outcomes in a modern series of 400 craniotomies for treatment of parenchymal tumours. Ferrer E. New York: Raven Press.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ BIBLIOGRAFIA 1. Lesser RP. 2.42:1044-56. eds. J Neurol Neurosurg Psychiatry 2003. Gordon B. Organization of language areas in bilingual patients: a cortical stimulation study. Acta Neurochir (Wien) 2000.74:901-7. 5. Electrical and magnetic stimulation on the brain and spinal cord. Acta Neurochir Suppl 1993. Roux FE.97:857-64.61-85. Khosla A. Schwartz TH. 1993. J Neurosurg 1993. Tumor involvement of the corticospinal tract: diffusion magnetic resonance tractography with intraoperative correlation. Ollenschleger M. 10. Liu WC. Theoretical approach. Jayakar P.56:67-71. Blasdel GG. Brell M. Thakor NV. Schoppa D et al. 9. Holodny AI. Beric A and Dogali M.95:1082. 6. Ojemann GA. 3. 1993. In: Devinsky O. Neurosurgery 1998. 8. Electrical stimulation of the human cerebral cortex. Ltd. Duffau H. 7. não resolvido por técnicas cirúrgicas convencionais prévias.RECONSTRUÇÃO TRAQUEAL CIRCUNFERENCIAL. 167 . Abstract The authors report the surgical management of a long tracheal defect in a 33-year old patient that was not solved by previous conventional surgery. Case report JOÃO OLIAS GERARDO MILLÁN* RICARDO PACHECO PEDRO MARTINS* PEDRO OLIVEIRA Departamentos de Otorrinolaringologia e de Anatomia Patológica * Hospital de S. resulting in the respiratory function improvement and decannulation of the patient. The reconstruction of the extensive laryngotracheal defect was performed using a totally autologous free prefabricated cutaneous chondromucosal forearm flap. CASO CLÍNICO Circumferential tracheal reconstruction. Foi realizada uma reconstrução traqueal circunferencial utilizando um retalho livre totalmente autólogo. conseguindo-se uma melhoria funcional respiratória e a descanulação do doente. José RESUMO Os autores descrevem a resolução cirúrgica do caso de um doente de 33 anos de idade que apresentava um segmento traqueal estenosado longo. cutâneo-condro-mucoso pré-fabricado no antebraço. possibilitando a fonação.20 de Julho de 2007: A intervenção foi realizada sob anestesia geral e incluiu os seguintes procedimentos: · Incisão arciforme cutânea-subcutânea na parede torácica.2 No entanto. existem limites (geralmente consideram-se quatro anéis traqueais) para além dos quais se poderá verificar uma tensão excessiva entre os topos e uma eventual falência da sutura. em 12 de Julho de 2006. tem sido considerado adequado um retalho livre totalmente autólogo. mantendo-se a respiração assistida por cânula traqueal. a partir de pré-construção no antebraço e posterior transferência como retalho livre para o pescoço. para acesso à região de sincondrose. depois de tentadas várias abordagens.1. OBSERVAÇÃO EM 5 DE FEVEREIRO DE 2007 Laringe: cordas vocais móveis e simétricas. com estenose traqueal pós-intubação (politraumatizado em acidente de viação em 28 de Outubro de 2005) foi referenciado para tentativa de resolução. Respiração assegurada por tubo em T de Montgomery. · Cirurgia por laser CO2 sob microlaringoscopia de suspensão e mudança de tubo em T. depois de esgotadas as possibilidades terapêuticas usuais nestas situações. 33 anos de idade. nomeadamente: encerramento laríngeo completo na deglutição. propôs-se a reconstrução traqueal completa por tecidos autólogos. demonstrada clinicamente e por exames imagiológicos. · Ressecção de vários blocos paralelipipédicos . verificou-se a não resolução da estenose. · Traqueotomia e cirurgia por laser CO2 sob microlaringoscopia de suspensão.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO A resolução da maioria dos casos de estenose traqueal é efectuada com uma grande taxa de sucesso por ressecção do segmento patológico e anastomose topo-a-topo. traqueoplastia e colocação de tubo em T de Montgomery. cutâneo-condro-mucoso pré-fabricado no antebraço. Assim. em 9 de Dezembro de 2005. · Cirurgia por laser CO2 sob microlaringoscopia de suspensão e mudança de tubo em T. quer por plastia quer por laser CO2. em 12 de Janeiro de 2006. PROPOSTA TERAPÊUTICA EM 5 DE FEVEREIRO DE 2007 CIRURGIA 1º tempo . para a reconstrução circunferencial definitiva de defeitos laringotraqueais extensos não viáveis de encerramento primário. · Cirurgia por laser CO2 sob microlaringoscopia de suspensão. CASO CLÍNICO Doente do sexo masculino. em 19 de Outubro de 2006. Dada a extensão da estenose.3 No presente caso. paralela ao bordo inferior da última costela. O doente foi então referenciado para tentativa de resolução por reconstrução traqueal circunferencial. sob anestesia local: · Colheita de fragmento de mucosa septal para cultura por engenharia de tecidos. Vicente de Paulo). Fig. Ressecção do segmento. fina mas com boa distribuição e sem zonas de deiscência (Fig. 3º tempo – 29 de Março de 2008: A intervenção foi realizada sob anestesia local e incluiu: · Colheita de fragmento de mucosa septal para cultura por engenharia de tecidos. semeado por células de mucosa respiratória previamente cultivadas por método de engenharia de tecidos (Prof. · Incisão na face interna do antebraço esquerdo (contrário ao dominante). 5º tempo – 12 de Julho de 2008: A intervenção foi realizada sob anestesia geral e incluiu: 6º tempo (transferência final) – 24 de Setembro de 2008: A intervenção foi realizada sob anestesia geral e incluiu: · Dissecção cervical para identificação do segmento traqueal estenosado. Jeri Adler – Clínica S. que se verificou ter extensão desde o 1º ao 6º anel.RECONSTRUÇÃO TRAQUEAL CIRCUNFERENCIAL. 1). · Introdução de molde em silastic para conseguir uma compressão ligeira e de cilindro compacto de silicone com o objectivo de evitar a acumulação de plasma. dimensões semelhantes às da traqueia humana. criando um túnel subcutâneo suprafascial e introdução neste local do molde envolto pelos anéis de cartilagem. colocação de drenagens e pensos. · Remoção do cilindro de silicone e do molde Dynamic RUSH Stent do interior da neotraqueia. · Enrolamento em forma de anel e sutura das extremidades das tiras de cartilagem. inseridas em redor de um molde de silicone (Dynamic RUSH Stent 15 mm tracheal stent) com 9 cm de comprimento e 15 mm de diâmetro interno. 1 Interior da neotraqueia no antebraço 4º tempo – 16 de Maio de 2008: Por falência da cultura de mucosa foi repetida. A derme previamente implantada para revestimento interno encontrava-se com aspecto regular. Identificação das 169 . · Sutura e penso. · Sutura. · Pulverização da derme com tissucol. 2º tempo – 15 de Dezembro de 2007: A intervenção foi realizada sob anestesia geral e incluiu: · Colheita de retalho livre de derme da coxa direita para revestimento interno da neotraqueia. com conservação dos nervos recorrentes. CASO CLÍNICO a partir das cartilagens costais 7ª e 8ª. · Confecção de várias tiras longitudinais com dimensão aproximada de 60 mm x 5 mm a partir dos blocos cartilagíneos. com lúmen de amplitude normal. sem ocorrências dignas de registo. · Colocação de sonda alimentar nasogástrica. para o domicílio. 2 Neotraqueia no antebraço Fig. · Anastomoses microvasculares dos vasos radiais aos vasos receptores cervicais. resolvida através de antibioterapia e de cinesiterapia respiratória. · Respiração por intubação orotraqueal. · Dissecção do antebraço e levantamento do retalho livre compreendendo a neotraqueia e os vasos nutritores: artéria e veia radiais (Fig. A traqueobroncoscopia efectuada no 5º dia de pós-operatório revelou aspectos cicatriciais regulares.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ principais artérias e veias cervicais à direita como preparação para as anastomoses microvasculares. . 3 Dissecção e levantamento da neotraqueia O doente teve alta hospitalar no dia 10 de Outubro de 2008. A fala. Fig. 4 Transferência da neotraqueia PÓS-OPERATÓRIO: Foi mantida intubação orotraqueal e sedação profunda para prevenção de movimentos bruscos indesejáveis. pelo que se procedeu à desintubação. 2 e 3). · Suturas e pensos. 4). ventilação assistida. · Transferência da neotraqueia e anastomose dupla topo-a-topo da neotraqueia aos topos traqueais nativos (Fig. a respiração e a fonação foram retomadas rapidamente. Registou-se a ocorrência de pneumonia. Fig. demonstra revestimento que aparenta ser um epitélio primitivo (Fig. em que a mucosa era obtida a partir de mucosa oral. Fig. CASO CLÍNICO DISCUSSÃO E CONCLUSÕES A ressecção segmentar com anastomose topo-a-topo é considerada o tratamento padrão para estenoses laringotraqueais curtas. idiopáticas. aspecto a confirmar através de observações e avaliações futuras. 5 Aspecto histológico do segmento autólogo construído (hematoxilina-eosina. Para segmentos circunferenciais longos ou estenoses recorrentes complexas. X100) 171 . No presente caso. A aplicação desta técnica no caso descrito provou que as funções respiratórias traqueais podem ser restabelecidas. O aspecto histológico do segmento construído. e como evolução em relação às intervenções semelhantes realizadas até à data pela mesma equipa. considerada como uma boa segunda escolha. prevenindo a necrose. adquiridas ou neoplásicas. Um retalho livre totalmente autólogo. Constatando-se a existência de epitélio respiratório cultivado por engenharia de tecidos. a infecção e a restenose. resultantes de doenças congénitas. é possível que se esteja na presença de um processo de fabricação total de um órgão. Para além da necessidade do cumprimento de determinados requisitos (os crité- rios de Belsey). qualquer substituto da traqueia deve possuir uma vascularização que assegure a viabilidade e sobrevivência do segmento transplantado. capaz de resolver casos de defeitos longos. voltando aos níveis normais. cutâneo-condro-mucoso pré-fabricado no antebraço pode constituir uma reconstrução traqueal bem tolerada e viável. 5). ainda em fase de estudo imunocitoquímico.RECONSTRUÇÃO TRAQUEAL CIRCUNFERENCIAL. a mucosa foi agora cultivada por engenharia de tecidos a partir da recolha de um pequeno fragmento de mucosa do septo nasal (epitélio respiratório ciliado). as técnicas conservadoras não têm aplicabilidade. Wright CD.BIBLIOGRAFIA 1. 2.73:1995-2004. Wain JC. Treatment and results. Mathisen DJ. 3.109:486-92. Laryngoscope 2005.115:159-61. Millán G. Grillo HC. Grillo HC. J Thorac Cardiovasc Surg. Postintubation tracheal stenosis. Costa D. Olias J. Tracheal replacement: a critical review. 1995. Donahue DM. Circumferential tracheal reconstruction for the functional treatment of airway compromise. Ann Thorac Surg 2002. . PEDIATRIA GINECOLOGIA-OBSTETRÍCIA ANESTESIOLOGIA MEDICINA MOLECULAR IMAGIOLOGIA 173 . . A digoxina foi suspensa aos 6 meses e com um ano de idade a criança mantém-se sob terapêutica com propranolol. Case report GRAÇA HENRIQUES MANUELA ESCUMALHA LURDES OLIVEIRA FERNANDA MELO MARGARIDA FORTUNATO GRAÇA NOGUEIRA RUI ANJOS Departamentos de Pediatria (Unidade de Neonatologia) e de Cardiologia Pediátrica RESUMO Os autores apresentam o caso clínico de um lactente de 29 dias com taquicardia supraventricular (TSV) e frequência cardíaca de 270-300 pulsações por minuto. The patient was started on digoxin.SÍNDROME DE WOLFF-PARKINSON WHITE NEONATAL. so propranolol was added. O ecocardiograma não revelou cardiopatia estrutural e o electrocardiograma (ECG) mostrou um padrão de pré-excitação. and there were no further recurrences of the tachycardia. Digoxin was stopped at 6 months and the infant is still on propranolol at one year of age. associada a sindroma febril. tendo sido associado propranolol com sucesso. Este caso caracterizou-se pela recorrência das crises de TSV. apesar da terapêutica de manutenção com digoxina. After 4 months of age. associated to a febrile episode. the pre-excitation pattern disappeared. An echocardiogram disclosed no cardiac structural anomalies and an electrocardiogram (ECG) showed a preexcitation pattern. Abstract The authors report the case of a 29days old infant with supraventricular tachycardia with a heart rate of 270-300 beats per minute. A partir dos 4 meses de idade não foi evidente padrão de pré-excitação no ECG. 175 . CASO CLÍNICO Neonatal Wolff-Parkinson White syndrome. with full control of the arrhythmia. which did not control the tachycardia completely. CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO A síndrome de Wolff-Parkinson White (WPW) neonatal é a forma mais frequente de taquicardia supra-ventricular de reentrada. urinocultura e liquor): negativos · Exame bioquímico do liquor. com intervalo PR curto. 1): revelou taquicardia supraventricular (TSV) na crise e ritmo sinusal fora da crise. pelo que foi pedida a colaboração da Cardiologia Pediátrica. com falência cardíaca. · Ecocardiograma: no primeiro dia de internamento revelou ausência de cardiopatia estrutural. sendo os valores posteriores negativos.º minuto de 9 e 10. Envolve uma via de condução aurículo-ventricular anómala. com perda da via de condução anómala até ao 1 ano de idade em 70 % dos casos.1-3 CASO CLÍNICO Lactente com 29 dias de vida.º e 5. recorreu ao Atendimento Médico Permanente do Hospital da Luz devido a febre (38. Tratava-se do primeiro filho de um casal jovem e não consanguíneo. · Electrocardiograma (ECG) com tira de ritmo (Fig.6 mg/dL. · Exames culturais (hemocultura. sendo esta a arritmia mais comum no período neonatal e a que mais vulgarmente causa instabilidade hemodinâmica.000/mm3. acompanhado de taquicardia (270-300 bpm) com repercussão hemodinâmica (palidez e sudação). tendo a gravidez sido vigiada e sem intercorrências. onda delta e complexos QRS estreitos. Na admissão.000/ mm3 com 35% de neutrófilos e 54% de linfócitos. EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO · Hemograma: hemoglobina (Hb) 12 g/dL. · Proteína C reactiva (PCR): 2. .9º C) e recusa alimentar. a criança mantinha-se em aleitamento materno exclusivo. O peso ao nascer foi de 2730 g (percentil 25) e desde essa altura. amoniemia. rubéola e citomegalovírus e a pesquisa Streptococcus do grupo B no exsudado vaginal foram negativas. ventrículo esquerdo ligeiramente dilatado e insuficiência mitral ligeira com função ventricular conservada. existindo uma pré-excitação ventricular. gasimetria e função tiroideia normais. O parto (por ventosa) ocorreu às 38 semanas. Em 85-90% dos casos reverte com manobras vagais e nos restantes com adenosina endovenosa. cálcio ionizado. ionograma. respectivamente. · Radiografia do tórax: sem alterações. sudação e. ao quarto dia de internamento mostrou padrão de pré-excitação ventricular (compatível com síndrome de Wolff-Parkinson-White). A criança foi internada na Unidade de Cuidados Especiais Neonatais tendo após quatro horas de internamento um pico febril de 39ºC. episódios de palidez. o exame objectivo não revelou alterações. plaquetas 330. Manifesta-se com frequências cardíacas entre 180 a 210 batimentos por minuto (bpm). hematócrito (Htc) 32%. leucócitos 6. com onda delta no electrocardiograma. O electrocardiograma é muito característico. com Índice de Apgar ao 1. As ecografias realizadas durante a gravidez foram normais e as serologias para toxoplasmose. do sexo feminino. O prognóstico é bom. nos casos mais graves. sendo o último no décimo primeiro dia de internamento. Como terapêutica de manutenção foi iniciada digoxina (5 μg/ kg/dose) por via oral. Aos quatro 177 . recorrência das crises. 1 Traçado de ECG onde se evidencia (área destacada) crise de taquicardia supraventricular os ecocardiogramas posteriores demonstram recuperação da normalidade após o controlo dos episódios de taquidisrritmia. CASO CLÍNICO Fig. Aos dois meses de vida apresentou no ECG ritmo sinusal de base com padrão WPW intermitente. que foi interrompida ao quinto dia devido a exames culturais negativos. Nos episódios de TSV foram realizadas manobras vagais sem sucesso. associou-se propranolol.SÍNDROME DE WOLFF-PARKINSON WHITE NEONATAL.1 mg/kg. e com digoxinemias terapêuticas observou-se A febre não se repetiu para além do primeiro dia de internamento. Assim. de 8 em 8 horas.5 mg/kg/dia. Registaram-se nove episódios de TSV. até à dose máxima de 3. não se confirmando a hipótese diagnóstica inicial de sepsis clínica. A criança teve alta ao décimo quinto dia de internamento e foi referenciada para a consulta de Cardiologia Pediátrica do Hospital da Luz. de 12 em 12 horas. seguindo-se bólus de adenosina endovenosa com conversão a ritmo sinusal com a dose de 0. PROCEDIMENTOS E TERAPÊUTICA EVOLUÇÃO Foi iniciada terapêutica com cefotaxima e gentamicina por suspeita de sepsis. 1 O caso presente caracterizou-se pela recorrência das crises. BIBLIOGRAFIA 1. Neonatal heart disease. Neonatal Heart Disease. A digoxina foi suspensa aos 6 meses e com 1 ano de idade mantém-se a terapêutica com propranolol. Smallhorn JF. The clinical diagnostic approach in congenital heart disease. A TSV é a arritmia neonatal que causa maior instabilidade hemodinâmica. Esta manobra desencadeia uma apneia.4 Até à presente data. .Holter não apresentava crises de TSV com características de WPW. Epstein ML.2 mg/kg. Roberton NR. estima-se que no recém-nascido essa incidência seja de um caso em 200 a 250. Benson LN. 1999. No entanto.3. Benson LN. A história natural desta doença mostra que cerca de 70% das crianças perdem a condução pela via acessória perto do ano de idade e que as recorrências são raras. o ECG dinâmico de 24h . Rennie JM. Freedom RM. Garekar S.1992:165-75. este lactente não apresentou episódios de recorrência. a incidência de TSV na criança estimava-se em um caso para 25. Brugada J. é referida na bibliografia uma percentagem de recorrência imediata de taquicardia de 30%.05 mg/kg até à dose máxima de 0. mantendo-se a terapêutica com digoxina e propranolol. Singh HR. eds. SpringerVerlag: London. tal como aconteceu no caso descrito.000. Em 70% dos casos está presente o fenómeno de reentrada e destes 12 a 56% são WPW. realizam-se na terapêutica desta arritmia manobras vagais. Boersma L.4 Caso não esteja presente uma instabilidade hemodinâmica significativa. actualmente.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ meses. que consistem em desencadear o diving reflex através da colocação de um saco gelado na face durante 5 a 10 segundos. Neonatal supraventricular tachycardia. apesar do tratamento anti-arrítmico de manutenção. ocorrendo a interrupção da crise em 63 a 96% dos casos. 3. por maior acuidade diagnóstica e sensibilidade dos meios auxiliares de diagnóstico. Neoreviews 2005:6339-49. Edinburgh: Churchill Livingstone. identificada no ECG de superfície por intervalo P-R curto e onda delta. Accessory pathway localization by QRS polarity in children with Wolff-ParkinsonWhite syndrome. L’Ecuyer T. Esta síndrome caracteriza-se por TSV com evidência de pré-excitação ventricular.4 Neste lactente o insucesso daquela manobra vagal levou a que se administrasse adenosina endovenosa em bólus na dose de 0. Textbook of Neonatology.13:1222-6. Garcia ME. In: Freedom RM. J Cardiovasc Electrophysiol 2002. 2. 4. Mont L. COMENTÁRIOS Até há alguns anos. Case report RITA BETTENCOURT PATRÍCIA DÂMASO LUISA TELES Departamento de Pediatria (Unidade de Neurodesenvolvimento e Comportamento da Criança e do Adolescente) RESUMO O diagnóstico precoce na dislexia assume grande importância na reeducação e no sucesso educativo da criança. In this case. Foi efectuada uma avaliação psico-educacional (vertente neurocognitiva e educacional). but with important gaps in phonological processing and consequent limitations in metacognition in reading. allows the comprehension of written message. embora com registo de lacunas importantes no processamento fonológico e limitações consequentes na metacognição da leitura. associated to a systematic training of phonological skills. O perfil cognitivo da criança encontrava-se dentro do esperado para a sua faixa etária. A psychoeducational evaluation (neurocognitive and educational sides) was performed. associada ao treino sistemático das competências fonológicas permite alcançar a compreensão da mensagem escrita. que permitiu analisar a normalidade da relação entre o nível intelectual. a idade cronológica e as aquisições escolares. The authors report the case of a 6-year old child with lack of scholar acquisitions (reading and writing).IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE PARA A REEDUCAÇÃO DA DISLEXIA. dyslexia early re-education was based on the theoretical assumption that the prompt detection of symptoms. CASO CLÍNICO The importance of early diagnosis to dyslexia re-education. The behavioural issues that may interfere with school performance were not determinant of the learning profile. chronological age and scholar acquisitions. Além disso. Apresenta-se o caso clínico de uma criança de seis anos de idade com ausência de aquisições escolares (leitura e escrita). Abstract The early diagnosis in dyslexia is of major importance in child re-education and educational success. 179 . allowing the analysis of the relation between intellectual level. O processo de reeducação precoce baseia-se no pressuposto teórico de que a detecção atempada dos sintomas. Os aspectos comportamentais passíveis de interferir com o seu desempenho escolar não foram determinantes no seu perfil de aprendizagem. His cognitive profile was within the expected for his age group. permitiu a inventariação de competências no domínio da consciência fonológica. and enumeration of the child phonological awareness skills. ficando posteriormente até aos quatro anos de idade com a avó paterna. cuja importância é inegável para a aprendizagem e automatização do processo leitor. na medida em que a análise das relações entre o nível intelectual. permite a comprovação de quaisquer discrepâncias entre os mesmos. Os resultados obtidos através do desempenho na avaliação cognitiva (Fig. a idade cronológica e as aquisições escolares. sem sinal de alterações na alimentação e no padrão de sono.8 CASO CLÍNICO Criança de seis anos e nove meses de idade. mantendo um contacto regular com a mãe e esporádico com o pai por motivos geográficos. havendo apenas a salientar da história clínica familiar patologia psiquiátrica na família materna.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO O diagnóstico precoce na dislexia assume uma importância fulcral na reeducação e sucesso educativo da criança. Frequentou o ensino pré-escolar e ingressou no primeiro ciclo do ensino básico num estabelecimento de ensino regular situado numa zona urbana. A cronologia das aquisições do desenvolvimento ocorreu dentro do esperado (marcha autónoma aos 12 meses. com ausência de aquisições escolares no domínio da leitura e da escrita.1 A avaliação cognitiva constitui-se como elemento fundamental na determinação do diagnóstico de dificuldades de aprendizagem. a frequentar o 2º ano do primeiro ciclo do ensino básico. negativismo. efectuou consulta de Pediatria do Desenvolvimento no Hospital da Luz por dificuldades na aprendizagem da leitura (ausência de aquisições formais na leitura e na escrita). A componente pedagógica da avaliação consistiu na aplicação dos seguintes instrumentos aferidos para a população portuguesa: Teste de Linguagem Técnica da Leitura e da Escrita5 e Bateria de Aptidões para a Aprendizagem Escolar (BAPAE). manifestação de comportamentos de oposição (não obediência às figuras de autoridade. Apresenta-se o caso de uma criança de seis anos de idade. primeiras palavras aos nove meses de idade e construção frásica aos 14 meses). a frequentar o 2º ano do primeiro ciclo do ensino básico. 1) . com dificuldades na adaptação (choro frequente. Tratava-se de uma criança saudável. Foi efectuada uma avaliação psico-educacional com o objectivo de definir um perfil neurocognitivo e efectuar um levantamento de competências e dificuldades referentes ao rendimento escolar. provocação) e desatenção. Da história educativa salienta-se a frequência de infantário durante dois meses (entrada aos quatro meses de idade). dificuldades na alimentação).6 A determinação de competências específicas nos domínios da leitura e da escrita foi inventariada através da análise da consciência fonológica.7 A gravidade e a frequência dos sintomas comportamentais descritos pelos tutores e pelo contexto escolar foram avaliadas através de questionários aferidos para a população portuguesa (Escala de Conners para Pais e Escala de Conners para Professores).2.3 Foi utilizada a Escala de Inteligência de Wechsler para crianças (WISC-III)4 posteriormente à realização da entrevista semi-estruturada aos tutores e à criança. A criança é o único filho do casal e vive desde os quatro anos de idade com a avó paterna. Disposição de Gravuras Cb -Cubos CO . nomeadamente de cariz social (sub-teste compreensão) e.Compreensão MD . Os restantes resultados obtidos através do desempenho nos sub-testes de semelhanças. Este resultado aventa dificuldades em tarefas que implicam competências de memória visual. a atenção ao detalhe e ao meio circundante (sub-teste completamento de gravuras).Informação SEM .Memória de Dígitos PROVAS DE REALIZAÇÃO: CG . rapidez e destreza visuo-motora. CASO CLÍNICO PROVAS VERBAIS: INF . capacidade para integrar a informação e conceitos do quotidiano. registando-se um vocabulário adequado (sub-teste vocabulário).Aritmética VOC . 1 Perfil cognitivo registado indicaram um funcionamento intelectual num nível médio.Labirintos ESCALA WISC III: Resultados padronizados Fig. codificação da informação para processamento. Registou-se homogeneidade entre o QI verbal e o QI de realização. A análise e interpretação dos resultados obtidos nas provas verbais indicaram dificuldades na memória a longo-prazo. ainda.Completamento de Gravuras Cd . ou seja. e um desempenho dentro do intervalo esperado no estabelecimento de sequências lógicas e de planeamento em situações sociais (sub-teste disposição de gravuras) e na conceptualização do todo a partir das partes. aptidões na conceptualização e relacionamento dos conceitos entre si (sub-teste semelhanças). bem como competências em tarefas que avaliam a memória verbal imediata e a retenção auditiva a curto prazo. Os resultados obtidos nas provas não verbais sugeriam que apresentava um desempenho acima da média esperada nas tarefas que avaliam a percepção fina. conteúdo simbólico e processamento sequencial.IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE PARA A REEDUCAÇÃO DA DISLEXIA.Pesquisa de Símbolos Lb .Semelhanças ARIT . integração da informação visual (sub-teste composição 181 . no raciocínio lógico-matemático e no cálculo mental (sub-teste aritmética). ou seja.Código Dg . vocabulário e compreensão situaram-se dentro da média.Vocabulário COMP . na assimilação de experiências e na capacidade de retenção da informação escolar e conhecimentos de cultura geral (sub-teste informação). A criança apresentava competências na verbalização de conceitos. com o valor do quociente de inteligência (QI) de escala completa compreendido no intervalo entre 85 e 90.Composição de Objectos PS . com o índice de velocidade de processamento situado num nível médio inferior. para um nível de significância de 90%. Registam-se resultados no limite inferior da média nos sub-testes código. o que sugere competências um pouco menos desenvolvidas na memória visual. organização perceptiva. cubos. a realização de uma avaliação formal (cognitiva.10 ou seja. intermédias e finais). frase. bem como algumas dificuldades no planeamento de tarefas. Ainda que a utilização do QI tenha sido amplamente defendida como critério de exclusão para determinação do diagnóstico de perturbação específica da aprendizagem da leitura.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ de objectos). estruturação espacial. A cotação dos questionários preenchidos pela família indicava resultados clinicamente significativos nas sub-escalas A (oposição). B (problemas cognitivos/desatenção) e E (perfeccionismo). pedagógica e comportamental) constituiu-se como elemento fundamental para a realização do diagnóstico. No que concerne aos resultados obtidos nas baterias de avaliação pré-escolar. Na cotação dos questionários respondidos pela professora. Apresentou resultados abaixo da média para a sua faixa etária e ano de escolaridade nas provas de conceitos quantitativos (percentil 30). velocidade de processamento. a ausência de aquisições escolares compatíveis com a idade cronológica e nível de escolaridade. segmentação e manipulação silábica (delecção. os resultados obtidos indicaram um desempenho dentro do esperado para a idade cronológica e ano de escolaridade nas provas de compreensão verbal e relações espaciais. palavra. sentido direccional da leitura e escrita. o desempenho da criança demonstrou aquisição das seguintes noções: número. actualmente esta tese encontra-se em discussão. com dificuldades na identificação de um nome próprio (noção de que deve iniciar com letra maiúscula) e do título de uma história. os sintomas clinicamente significativos situam-se na sub-escala B (desatenção). o contexto actual e os critérios classificativos do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-IV-TR). rapidez. Na consciência fonológica apresentou dificuldades significativas na nomeação e identificação dos sons e dos nomes das letras do alfabeto (vogais e consoantes) bem como nas tarefas de identificação silábica (sílabas iniciais. a história de desenvolvimento indicar que a cronologia das aquisições se efectuou dentro do esperado.9 A análise do desempenho académico (motivo da procura da consulta de desenvolvimento). Na BAPAE. COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES O enquadramento diagnóstico é efectuado tendo em conta a história do desenvolvimento. Não obstante. constância da forma (percentil 15-20) e orientação espacial (percentil 30-35). indicou de forma inequívoca. pesquisa de símbolos e labirintos. destreza e coordenação visuo-motora. bem como distinção entre letras maiúsculas e minúsculas. alguns autores defendem que não existem evidências de que o critério de discrepância do QI seja indicador de uma perturbação específica de aprendizagem em detrimento de outras formas justificativas de baixo rendimento . adição e substituição de sílabas). letra. A detecção precoce das suas dificuldades permitiu elaborar um plano de intervenção.11 A criança apresentou ausência de competências fonológicas necessárias à realização do mapeamento alfabético e da metacognição da leitura.12 A prevenção e a identificação destas dificuldades no início da escolaridade assumem uma importância preponderante na reeducação da dislexia. com ênfase no processamento fonológico. Albuquerque CP. A intervenção teve início no treino do reconhecimento da letra13 e no mapeamento alfabético (correspondência grafema-fonema). Lisboa: Adaptação Portuguesa de Simões M. compreendendo o significado da mensagem escrita. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. Paidéia 2002. muitas das quais não chegam a ser diagnosticadas ou apenas o são tardiamente. Escala de inteligência de Wechsler para crianças – III. 37. Ainda que o factor comportamento (queixas de desatenção em contexto familiar. Torres R. Departamento de Investigação e Publicações Psicológicas. Neste sentido. Simões MR. a compreensão leitora. 2002. ou seja. Estudos de validade com a Wisc-III: Relações com os resultados escolares. Após 12 meses. D. Foi iniciada intervenção psico-educativa após a avaliação. escolar e processo avaliativo) interferisse com a aprendizagem. não encerra em si mesma a obtenção do QI. Concluiu-se deste modo. Ferreira C. Estima-se que a dislexia afecte cerca de 15% das crianças em idade escolar. 183 . o perfil cognitivo. Utilizações da Wisc-III na avaliação neuropsicológica de crianças e adolescentes. BIBLIOGRAFIA 1. 4. que se situa dentro da média. disortografia e disgrafia. 3. Wechsler. Amadora: McGrawHill. A avaliação evidenciou ainda competências menores em tarefas dependentes das funções executivas. Psicológica 2002. No caso clínico que se apresenta. 2. a flexibilidade de pensamento e a capacidade de auto-regular a sua acção. UC. a criança descodifica textos do 2º ano do primeiro ciclo do ensino básico e lê por acesso fonológico. CEGOC – TEA. que as dificuldades no processamento fonológico.IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE PARA A REEDUCAÇÃO DA DISLEXIA. com prossecução do treino da consciência silábica e fonémica. determinava o diagnóstico de perturbação específica da aprendizagem da leitura (dislexia). Simões MR. quando comparado com as dificuldades no processamento fonológico. sempre que se manifestem dificuldades que impeçam a aquisição normal do processo leitor. associadas à existência de um perfil cognitivo dentro da normalidade e com registo de aquisição de pré-requisitos (necessá- rios à aprendizagem da leitura). exclui a possibilidade das dificuldades da criança advirem de um comprometimento cognitivo. O domínio da leitura e o consequente desenvolvimento da literacia requerem um processo de aprendizagem e treino contínuo que implica prática diária e intervenção sistemática especializada. dada a complexidade do objectivo. Contudo. que são essenciais à automatização do processo leitor. Rocha AM. Dislexia. não era neste caso justificativo do perfil de aprendizagem. 12:113-32. tais como a capacidade para planear e organizar objectivos. 2003. cuja aplicação tem um carácter iterativo. Fernández P. a realização da avaliação cognitiva. permitindo a determinação de competências e dificuldades. CASO CLÍNICO escolar.29:153-68. a gravidade e a frequência dos sintomas de desatenção. foram as aptidões no processamento fonológico que constituíram a base para a realização do diagnóstico. 6. Graham S. Conners K. National Reading Panel. 2000. 13. Lisboa: Climepsi Editores. 7. 11.org. Fletcher MJ. Swanson LH. Peixoto F.In: Starting out right: a guide to promoting children’s reading success. eds. Bateria de aptidões para a aprendizagem escolar. Griffin P. 8. 1999. New York: The Guilford Press.nationalreadingpanel. Escala de Conners para pais e professores (Forma Completa). DC: National Institute of Child Health and Human Development. Snow CE. Mata L. 12. 127-46.10. eds.2008. . 1997. Monteiro V. Manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais. 2002. In: Handbook of learning disabilities. 2000.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ 5. Departamento de Psicologia Educacional. Graham S. Cruz MV. Preventing reading difficulties. Washington. Lisboa: CEGOC –TEA. Foulin JN. Lisboa: Instituto Superior de Psicologia Aplicada. Siegel LS.18:129-55. In: Handbook of learning disabilities. Basic cognitive processes and reading disabilities. Harris RK. Morris DR. American Psychiatric Association. 1-944. Harris RK. 9. 1990.158-181. A. Washington. 2003. Consultado em http://www. Faculdade de Motricidade Humana. Burns MS. Teste de linguagem técnica da leitura/escrita. DC: National Academy Press.30-56. 2003. Teaching children to read: an evidencebased assessment of the scientific research literature on reading and its implications for reading instruction. Why is letter-name knowledge such a good predictor of learning to read? Reading and Writing 2005. New York: The Guilford Press. Martins MA. Lyon RG. 13. Classification and definition of learning disabilities: an integrative perspective. 10. Swanson LH. Lisboa: Aferição Portuguesa de Rodrigues. O diagnóstico só foi efectuado pelo exame extemporâneo da peça. who found to be a foreign body granuloma due to a surgical sponge left intra-abdominaly during an operation performed 25 years before. The diagnosis was made after an analysis of the mass by a pathologist. 185 . cuja excisão foi programada para um segundo tempo operatório.ACHADO INTRA-OPERATÓRIO EM CESARIANA ELECTIVA: VOLUMOSO GRANULOMA DE CORPO ESTRANHO Surgical finding during elective cesarian section: voluminous foreign body granuloma MANUELA COSTA LEONOR ASSIS RAMOS FÁTIMA FAUSTINO ANA CATARINO Departamentos de Ginecologia-Obstetrícia e de Anatomia Patológica RESUMO Durante uma cesariana electiva foi detectada uma formação sólida pélvica de etiologia desconhecida. Abstract During an elective cesarian section a pelvic solid tumour of unknown etiology was found and its surgical excision was planned for a subsequent intervention. Tratava-se de um granuloma que envolvia uma compressa deixada na cavidade abdominal numa cirurgia efectuada 25 anos antes. encontravam-se dentro dos parâmetros normais. Intraoperatoriamente constatou-se processo aderencial pélvico à direita. no seio do qual se identificava um tumor de consistência sólida.1-3 Muitas vezes a sintomatologia é precoce e o doente é reintervencionado no pós-operatório imediato. No entanto. a sintomatologia é mais insidiosa e o diagnóstico só é efectuado passado muito tempo.Ca 125. curiosamente o processo aderencial pélvico extenso não condicionou infertilidade. aderente à trompa e ovário direitos. Decidiu-se adiar a sua excisão pelo risco de hemorragia intra-operatória. Ca 19-9. Tratava-se de uma mulher saudável que apenas referiu como antecedentes pessoais uma apendicectomia aos 10 anos de idade complicada com peritonite e reintervenção cirúrgica. recorreu à consulta de Obstetrícia do Hospital da Luz onde vigiou a sua primeira gravidez que decorreu sem intercorrências. tratando-se de uma mulher em idade fértil. e ressonância magnética (RM) ab- Fig. com extracção de feto do sexo feminino. Na consulta de revisão foram requisitados marcadores tumorais. com cerca de 6 cm de diâmetro (Fig. em alguns casos. domino-pélvica. 3430 g.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO Existem vários casos descritos na literatura de corpos estranhos deixados inadvertidamente na cavidade abdominal e torácica durante intervenções cirúrgicas. O puerpério decorreu dentro da normalidade. Ao exame objectivo apresentava uma cicatriz mediana infra-umbilical. Esta formação encontrava-se aderente à trompa e ovário direitos. de superfície lisa e cor amarelada. intestino e ligamento largo . A grávida foi submetida a cesariana em Janeiro de 2008. elástica. 1 Formação sólida identificada na cesariana. na tentativa de esclarecer a etiologia da formação encontrada intra-operatoriamente. CASO CLÍNICO Mulher de 35 anos de idade.1). índice de Apgar: 10 em 10 ao 1 e 5º minuto. No caso que se apresenta não estava presente qualquer sintomatologia e. antigénio carcinoembrionário (CEA) e alfafetoproteína (AFP) . Analiticamente os marcadores tumorais pedidos . ecografia pélvica. intestino e ligamento largo. a doente foi submetida a uma laparoscopia diagnóstica. Adjacente ao ovário direito visualizava-se imagem hiperecogénica com cone de sombra com 66 mm. mesmo passados muitos anos. de consistência sólida e superfície lisa que foi submetida a exame extemporâneo. O diagnóstico foi de granuloma de corpo estranho (aparentemente uma compressa) (Fig. Assim. de 6 cm. cursam com alguma sintomatologia que leva à investigação e diagnóstico. 2 Granuloma de corpo estranho identificado no exame anátomo-patológico COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES A apresentação deste caso deve-se à sua peculiaridade. Neste caso a doente encontrava-se completamente assintomática. 187 . Procedeu-se então à lise das aderências que envolviam esta formação tumoral a qual foi sendo progressivamente libertada dos tecidos adjacentes (ansas intestinais. ovário e trompa direitos e ligamento largo). Estas situações podem e devem ser prevenidas tendo uma conduta de contagem criteriosa das compressas e instrumentos utilizados nas cirurgias.2 mm. provocam uma sintomatologia precoce ou. Optou-se por uma laparoscopia/laparotomia exploradora para excisão da formação pélvica. 2). linha endometrial regular com 7. o processo aderencial não condicionou subfertilidade e não houve qualquer interferência na gravidez.ACHADO INTRA-OPERATÓRIO EM CESARIANA ELECTIVA: VOLUMOSO GRANULOMA DE CORPO ESTRANHO A ecografia pélvica com sonda vaginal realizada em Fevereiro de 2008 revelou útero em anteversoflexão com 83x47x60 mm.1-3 No entanto. na sua grande maioria. a qual foi convertida em laparotomia por se constatar a presença de um processo aderencial à parede abdominal que dificultava a inspecção da pelve. apresentando plano de clivagem com o parênquima ovárico. Estão descritas na literatura várias situações de corpos estranhos deixados inadvertidamente durante diferentes intervenções cirúrgicas. A RM não acrescentou informação adicional. Extraiu-se uma formação tumoral com cerca Fig. Nursal TZ.91:51-3 3. 82:223-5. et al. Textiloma complicated by abcess formation three years after surgical repair of abdominal aortic aneurysm.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ BIBLIOGRAFIA 1. Tarim A. Int J Gynaecol Obst 2003. Retained surgical sponge (gossypiboma) after intraabdominal or retroperitoneal surgery: 14 cases treated at a single center. Kim SR. 2. Maleux G. Yildirim S. Heye S. JBR-BTR 2008. Haegeman S. Daenens K.391:390-5. . Park YW. Langenbecks Arch Surg 2006. Retained surgical sponge presenting as a pelvic tumor after 25 years. Baik HK. de Cirurgia Vascular e de Medicina Interna RESUMO A escolha de uma técnica anestésica é condicionada pelo procedimento cirúrgico a que o doente vai ser submetido. the patient pathology and his current medications. pela patologia associada do doente e por eventuais terapêuticas que este faça. devendo ser realizada num espaço de tempo apropriado relativamente à data da intervenção. pelo grau de urgência do mesmo. preoperative evaluation is fundamental to select the most appropriate anesthetic technique and should take place within a correct time frame. according to the planned time for surgery. who also had an INR of 2. Patients submitted to urgent procedures are in a less favourable situation for that evaluation. The authors report the case of a 80-year old male patient. In each case. Abstract The choice of an anesthetic technique depends on the surgical procedure and its urgency. Assim. em cada caso. scheduled for an aortic tromboembolectomy with a PAP of 86 mmHg. os doentes urgentes encontram-se numa situação menos favorável.UM CASO DE DECISÃO ANESTÉSICA EM URGÊNCIA Decision making in a case of urgent anesthesia CRISTINA PESTANA AUGUSTO MINISTRO CARLOS PALOS CLÁUDIA FEBRA GERMANO DO CARMO Departamentos de Anestesiologia. Apresenta-se o caso de um doente de 80 anos de idade proposto para tromboembolectomia aórtica com pressão na artéria pulmonar (PAP) de 86 mmHg e simultaneamente anticoagulado. a avaliação pré-operatória é fundamental para a escolha da técnica anestésica mais adequada. 189 . that stands up the importance of the anesthesia decision making. Neste contexto. com INR (international normalized ratio) de 2. em que sobressai a importância da decisão anestésica. está contra-indicada.000 anestesias. o que representa valores 5 a 10 vezes superiores aos registados em procedimentos electivos. de 80 anos de idade.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO A escolha da técnica anestésica é condicionada pelo procedimento cirúrgico a que o doente vai ser submetido. recorreu ao Atendimento Médico Permanente do Hospital da Luz por arrefecimento. a anestesia loco-regional tem uma contra-indicação relativa ou absoluta em determinadas situações. A literatura aponta para a anestesia loco-regional. sob pena de hematoma do neuroeixo com sequelas neurológicas consequentes. um doente não se enquadra exclusivamente num estereótipo. Por outro lado. nomeadamente nas alterações da coagulação.1 A avaliação pré-operatória é fundamental para a escolha da técnica anestésica mais adequada ao doente e ao procedimento a que vai ser submetido. isoladamente ou combinada. a incidência de paraplegia pós bloqueio do neuroeixo está estimada em 1:100. A mortalidade anestésica em procedimentos urgentes nos doentes classificados como ASA (American Society of Anesthesia) III e ASA IV está estimada em 5 -10:10. Assim. pelo que é importante tomar decisões e assumir riscos em tempo útil.000 anestesias. progredindo rapidamente para o membro inferior esquerdo. uma diminuição da morbimortalidade em relação ao mesmo procedimento. devendo ser realizada num espaço de tempo apropriado relativamente à data da intervenção. por esse motivo. com INR (international normalized ratio) de 2. sendo as respiratórias e cardíacas particularmente importantes em termos de morbimortalidade. dor e impotência fun- cioanal do membro inferior direito.2 As técnicas loco-regionais são geralmente associadas a uma diminuição da morbimortalidade. para o mesmo tipo de doentes. sendo que a sua percentagem exclusiva ou em técnicas combinadas (analgesia / anestesia epidural conjuntamente com anestesia geral) constitui hoje um parâmetro de qualidade hospitalar. Por outro lado.1 Contudo. em que sobressai a importância da decisão anestésica. A anestesia geral tem múltiplas repercussões fisiopatológicas. pelo grau de urgência do mesmo. Tratava-se de um doente cronicamente anticoagulado com cumarínicos e que tinha . Apresenta-se o caso de um doente de 80 anos de idade proposto para tromboembolectomia aórtica com pressão na artéria pulmonar (PAP) de 86 mmHg e simultaneamente anticoagulado. sendo maior em doentes com distúrbios da coagulação nos quais. os doentes urgentes estão particularmente desfavorecidos neste aspecto. CASO CLÍNICO HISTÓRIA DA DOENÇA ACTUAL Indivíduo caucasiano do sexo masculino. pela patologia associada do doente e por eventuais terapêuticas que este faça. executado sob anestesia geral. orientado no espaço e no tempo. foi proposto para tromboembolectomia urgente. creatinina 1. 191 . eupneico muito queixoso e agitado.8%. 2 ). · Implantação de cardiodesfibrilhador (CDI) em 2007. A pele e mucosas estavam coradas e hidratadas com excepção dos membros inferiores que apresentavam palidez acentuada. O pulso radial apresentava uma frequência de 84 pulsações por minuto e os pulsos femorais.8 g/dL. colaborante. Analíticos: hemoglobina 15. hematócrito 46. frequência cardíaca 80 batimentos por minuto. popliteus e tibiais posteriores estavam ausentes bilateralmente. o doente foi observado por um membro da equipa de Cirurgia Vascular que diagnosticou isquemia aguda de ambos os membros inferiores. vesicular audível bilateralmente sem estase ou outros ruídos adventícios. EXAME OBJECTIVO O exame objectivo permitiu verificar que o doente estava lúcido. compromisso grave da função ventricular esquerda. 1): é visível o CDI implantado e moderado engurgitamento hilar. A auscultação pulmonar revelou murmúrio Fig. · Fumador de 40 cigarros/dia durante 30 anos e actualmente 20 cigarros/dia. 1 Radiografia de tórax. Tomografia computorizada crânio-encefálica: hemorragia subdural (Fig. A tensão arterial apresentava valores de 160-100 mmHg. aneurisma ventricular apical. sendo visível o CDI implantado e moderado engurgitamento hilar Electrocardiograma: fibrilhação auricular. devido a uma hemorragia subdural aguda pós traumática (queda no domicílio) sem indicação cirúrgica. Ecocardiograma: dilatação da aurícula esquerda.UM CASO DE DECISÃO ANESTÉSICA EM URGÊNCIA interrompido a anticoagulação 7 dias antes do presente episódio. EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO Entre os antecedentes e hábitos pessoais do doente salientava-se o seguinte: · Hipertensão arterial.2 mg/dL. No Atendimento Médico Permanente. · Cardiopatia isquémica: enfarte agudo do miocárdio em 2000. · Fibrilhação auricular crónica. Na classificação de Mallampatti da via aérea foi atribuído um valor de 2. tendo feito angioplastia transluminal percutânea (PTCA) em 2003 e bypass coronário em 2005. · Hemorragia subdural aguda 7 dias antes do presente internamento. de etiologia embólica provável. hipertensão pulmonar com pressão da artéria pulmonar estimada de 86 mmHg. Radiografia de tórax (Fig. tanto por questões ventilatórias como porque estas diminuem a estimulação simpática.4 No que concerne à anti-agregação. Como técnica anestésica foi escolhido um bloqueio subaracnoideu (BSA) com agulha 27G. os Guidelines existentes são permissivos em relação ao ácido acetilsalicílico em doses baixas. com abordagem mediana ao Depois da intervenção registou-se uma recuperação imediata de pulsos femorais bilateralmente. com efeito. tensão arterial invasiva. pressão venosa central. A monitorização anestésica foi realizada com 2 derivações electrocardiográficas DII e V5. DISCUSSÃO Do ponto de vista anestésico este doente tinha dois problemas com implicações contraditórias na conduta anestesiológica: a hipertensão pulmonar e a anticoagulação.3 Consequentemente será de prever uma dificuldade de supressão do suporte ventilatório. desde que possível.5. a acidose e o aumento da estimulação simpática são factores de risco para o agravamento da referida hipertensão pulmonar. a hipercápnia. Um doente com hipertensão pulmonar bene-ficia da execução. A hipertensão pulmonar acarreta um risco acrescido quando da realização de técnicas de anestesia geral. índice biespectral (BIS) e monitorização do bloqueio neuromuscular. respectivamente. As alterações da coagulação condicionam um risco aumentado de hematoma do neuroeixo. gasimetrias arteriais seriadas.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ nível de L3-L4. 2 Imagem de tomografia computorizada em que é visível hemorragia subdural A intervenção cirúrgica consistiu numa tromboembolectomia aorto-ilíaca por via femoral bilateral. Fig. O doente teve alta da Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) às 24 horas de pós-operatório e alta hospitalar às 72 horas de pós-operatório. EVOLUÇÃO PÓS OPERATÓRIA TÉCNICA ANESTÉSICA E INTERVENÇÃO CIRÚRGICA Foi determinado um risco anestésico ASA IV. mas aconselham a supressão de clopidogrel e de ticlopidina 7 e 14 dias antes da punção do neuroeixo. as alterações fisiopatológicas induzidas pela anestesia geral levam a um aumento das resistências vasculares pulmonares sendo que a hipoxemia. de técnicas anestésicas loco-regionais.4 . pelo que a literatura aconselha a suspensão de cumarínicos 7 dias antes do procedimento cirúrgico e desaconselha a realização de técnicas loco-regionais em casos de INR>1. saturação de oxigénio por oximetria de pulso. 879-93. Greengrass RA. 2006. de hipertensão pulmonar (PAP 86 mmHg) e alterações da coagulação (INR 1. Complications in Anesthesiology. nomeadamente a acidose metabólica pós desobstrução. pelo que se optou por um bloqueio do neuroeixo. 2.UM CASO DE DECISÃO ANESTÉSICA EM URGÊNCIA No caso descrito. eds. tendo em conta a coexistência. Neuroaxial anesthesia. Wilson IH.407-34. Oxford: Oxford University Press.9). Brull SJ. Wallace MC. BIBLIOGRAFIA 1. Marsschall KE. Gravenstein N. Philadelfia: Churchill Livinstone. Allman KG. cuja avaliação correcta permita a menor morbimortalidade possível. In: Lobato EB. 2008. tornou-se imperioso decidir qual o maior risco potencial.24-32. no mesmo doente. Considerou-se que o risco maior seria o de anestesia geral. 3. In: Allman KG. 4. Kirby RR. Oxford Handbook of Anesthesia. pois devido à sua anatomia as complicações neurológicas potenciais seriam mais prováveis neste último. Anesthesia and Co-Existing Diseases. eds. eds. In Hines RL. na conduta intra-operatória e no planeamento do pós-operatório. Perioperative morbidity. preveniram-se e corrigiram-se os factores de risco. Haddadin AS. Rinder CS. particularmente em situações de urgência. Anesthesia and Co-Existing Diseases. 87-102. Systemic and pulmonary arterial hypertension. In Hines RL. 2008. implica muitas vezes a ponderação de comorbilidades contraditórias do ponto de vista anestésico. a opção foi pelo bloqueio subaracnoideu em detrimento do bloqueio epidural. 193 . Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins. Fez-se um preenchimento vascular adequado de acordo com monitorização invasiva. Hematologic Disorders. Marschall KE. eds. 2008. A escolha da técnica anestésica. CONCLUSÕES O caso descrito contribui para salientar a necessidade de elaborar algoritmos que permitam sistematizar o raciocínio e estabelecer uma sequência lógica na preparação pré-operatória. Fez-se vigilância hemodinâmica e neurológica intensiva em UCI nas primeiras 24 horas. dentro deste. Philadelphia: Churchill Livinstone. . T9. L5) and in the left iliac bone. A cintigrafia revelou lesões na coluna dorsolombar (D12. The bone scans revealed widespread degenerative disease of the spine (T12. lombares (L5) e osso ilíaco esquerdo. D9. referenciado ao Departamento de Medicina Molecular para realização de cintigrafia óssea. CASO CLÍNICO 18F-FDG PET-CT in the assessment of patients with multiple myeloma. based on patient status and previous image studies. distinguindo-as claramente de lesões também descritas na cintigrafia mas não relacionadas com a doença. The differential diagnosis was made between metastatic disease and multiple myeloma. D11). L4) e arcos costais. o estadiamento foi complementado pela realização de uma 18FFDG PET-CT. O protocolo de diagnóstico efectuado confirmou tratar-se de um mieloma múltiplo IgG Kappa. Tinha como hipóteses diagnósticas doença óssea metastática e mieloma múltiplo. Neste contexto. T11. L2. baseadas em exames de imagem previamente efectuados. vértebras dorsais (D5. Case report CRISTINA LOEWENTHAL MARIA DO ROSÁRIO VIEIRA PAULO LÚCIO Departamentos de Medicina Molecular e de Hematologia Clínica RESUMO Abstract Os autores apresentam o caso clínico de um homem de 77 anos de idade com história de dorso-lombalgias. com um componente predominantemente osteoblástico. Staging was complemented with an 18F-FDG PETCT scan. thoracic and lumbar vertebrae (T5. L3. furthermore. The authors report the clinical case of a 77-year old male complaining of pain in the dorsal and lumbar spine which was referred to the Molecular Medicine Department for a bone scan. como sejam colapsos vertebrais sem Further diagnostic procedures revealed an IgG Kappa multiple myeloma.CONTRIBUIÇÃO DA 18F-FDG PET-CT PARA A CARACTERIZAÇÃO DE DOENTES COM MIELOMA MÚLTIPLO. with a slightly blastic nature. L1. L1. L4) and multiple small focal rib lesions bilaterally. que documentou a existência de lesões hipermetabólicas na grelha costal.18F-FDG 195 . clearly distinguishing these lesions from those described on the bone scan not pertaining to this disease process (collapsed vertebrae not presenting with 18F-FDG uptake). which revealed hypermetabolic lesions in several ribs. evidenciou lesões líticas sem tradução na cintigrafia. como a talidomida. os tomógrafos de positrões (PET). Estes resultados ilustram o valor da 18F-FDG PET-CT no estudo de doentes com discrasias plasmocitárias. nomeadamente na detecção precoce de focos de doença e no diagnóstico diferencial entre doença activa e lesões residuais pós-terapêutica.1 O diagnóstico de mieloma múltiplo baseia-se actualmente na existência de pelo menos 10% de plasmócitos na medula óssea (ou na biópsia de um tumor constituído por plasmócitos clonais). PET-CT showed several lytic vertebral lesions not revealed by conventional bone scan. tornou imprescindível o uso de meios de estadiamento e avaliação da resposta à terapêutica cada vez mais sensíveis e precisos.2 multifocal apresentar-se com radiografias normais. A 18F-FDG tem sido muito usada para evidenciar aumentos do metabolismo nas células tumorais.6 A ressonância magnética (RM) apresenta uma boa sensibilidade para as lesões da medula óssea. a sua evolução tem-se alterado significativamente ao longo dos últimos anos.5 A possibilidade de obter remissões completas de muito boa qualidade. by defining the metabolic activity of previously diagnosed lesions and identifying lesions missed by conventional staging procedures. a cintigrafia óssea. A integração da tomografia computorizada (CT) convencional nas imagens obtidas pelos tomógrafos de positrões (PET-CT) torna este exame particularmente informativo. evidenciando preferencialmente lesões osteoblásticas. INTRODUÇÃO O mieloma múltiplo é uma doença hemato-oncológica com origem na proliferação neoplásica de plasmócitos e caracterizada por destruição óssea. Quando marcada com Flúor-18 (18F-FDG) é um emissor de positrões.3 o bortezomib. falência renal. que apresentam uma grande captação desta molécula. simultaneamente. Esta captação é demonstrada através de imagens recolhidas em equipamentos próprios. mas tem algumas limitações. anemia e hipercalcemia. A fluorodesoxiglicose (FDG) é um análogo da glucose.4 ou a lenalidomida.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ captação de 18F-FDG. These results demonstrate the added benefit of 18F-FDG PET-CT in the evaluation of patients with plasma cell dyscrasia. pela demonstração de uma paraproteína sérica ou urinária monoclonal e pela evidência de disfunção de um órgão alvo. A 18F-FDG PET-CT permite a caracterização metabólica de lesões previamente identificadas e documenta lesões não identificadas por outros métodos de estadiamento convencionais. A radiologia convencional tem limitações nos estadios iniciais e não é raro a doença A apresentação deste caso clínico pretende ilustrar a importância da Tomografia por .7 Embora o mieloma múltiplo seja considerado uma doença incurável. mercê da introdução de novas modalidades terapêuticas. não é considerada relevante para o estadiamento desta doença. CONTRIBUIÇÃO DA 18F-FDG PET-CT PARA A CARACTERIZAÇÃO DE DOENTES COM MIELOMA MÚLTIPLO. A apreciação do cone medular e da cauda equina foi normal. confrontando os resultados obtidos com a informação disponibilizada por métodos convencionais.1mg/dL) para hiperhidratação e terapêutica de suporte. mais importantes a nível da coluna dorso-lombar. 1 Cintigrafia óssea: Lesões vertebrais e na grelha costal A ressonância magnética efectuada durante o internamento revelou alterações degenerativas na coluna vertebral.3 mg/L). com uma plasmocitose medular de 49% e um prognóstico reservado decorrente de um International Scoring System (ISS)8 de 3 (beta2-microglobulina = 10. focais em múltiplos arcos costais. As imagens foram obtidas numa câmara-gama Siemens e. parecendo tratar-se de um colapso vertebral recente em L1 e colapsos possivelmente mais antigos em D12. Os exames efectuados confirmaram o diagnóstico de mieloma múltiplo IgG Kappa em estádio IIIB. 1). caso se viesse a confirmar a discrasia plasmocitária.9 mantendo ainda suporte com eritropoietina e pamidronato. CASO CLÍNICO Indivíduo do sexo masculino. L3 e L4. CASO CLÍNICO Emissão de Positrões com Tomografia Computorizada utilizando o radiofármaco 18FFDG (18F-FDG PET-CT) no estadiamento do mieloma múltiplo. O doente apresentava dores ósseas. CINTIGRAFIA ÓSSEA Método: Realizou-se cintigrafia óssea com 20mCi 99mTc-HDP duas horas após administração do radiofármaco. O doente foi internado após o diagnóstico por deterioração do estado geral. a que se associou posteriormente talidomida (MPT). que foram interpretadas como possivelmente traumáticas ou eventuais localizações de plasmocitomas. Foram também visualizadas várias imagens Fig. Todas as imagens observadas apresentavam algum componente blástico e não foram observadas imagens que sugerissem lesões líticas (Fig. de que é exemplo a cintigrafia óssea. Foi visualizada também fractura 197 . As imagens obtidas mostraram colapsos vertebrais. de 77 anos de idade.cam equipada com dois colimadores LEAP. falência hematopoiética e agravamento da função renal (creatinina=3.20%. Iniciou quimioterapia com melfalan e prednisolona. numa janela de 140 Kev +/. referenciado para cintigrafia óssea na sequência de suspeita analítica de discrasia plasmocitária. 06. Após a alta hospitalar. A unidade de TC permite a aquisição de volumes ao longo do eixo longitudinal do corpo. 3 18F-FDG PET-CT: Lesão em D9 assinalada Não foram observadas lesões hipermetabólicas noutras localizações.01).38). com um desenho de bloco de 81 planos de imagem com um campo de visão axial de 16. foi realizada 18F-FDG PET-CT. Os parâmetros de aquisição foram: 9 beds. De acordo com a globalidade do estudo. A impressão final foi que estas alterações de fixação se enquadravam no diagnóstico de envolvimento ósseo de mieloma múltiplo (Fig.05). Fig. A velocidade de rotação da gantry é de 120 rpm com um tempo de rotação de 500 m/s.07 e 4. As imagens foram adquiridas num tomógrafo Biograph 16 (Siemens Medical Solutions). na grelha costal e no ilíaco esquerdo Fig. com afundamento moderado da plataforma superior. deformação em cunha de vértice anterior e retropulsão discreta do muro posterior.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ somática de L1. compreendendo um tempo total de 31 minutos. 2 18F-FDG PET-CT: Lesões vertebrais. · Ilíaco esquerdo com SUV máximo 5. 18F-FDG PET-CT identificadas qualitativamente. Antes do exame o doente cumpriu 6 horas de jejum.2 cm.64). 2 e 3). D11 (SUV máximo 5. O sistema de detecção do tomógrafo Biograph 16 consiste num anel múltiplo de cristais de LSO. A glicemia era inferior a 100 mg/L. · Vértebras: D5 (SUV máximo 5. D9 (SUV máximo 6. a situação poderia enquadrar-se num processo de gamapatia monoclonal.10. Este índice corresponde à relação entre a actividade no tumor e a actividade injectada tendo em conta o peso do doente. . Após a reconstrução o exame foi observado e relatado tendo em conta os outros exames realizados (cintigrafia óssea e ressonância magnética). L5 (SUV máximo 4. com 16 cortes por resolução e com uma abertura de 70 cm. Utiliza-se o valor de SUV (standard uptake value) para quantificar a captação de 18F-FDG nas lesões O exame revelou lesões com aumento de captação de 18F-FDG em: · Arcos costais (7º e 8º) com SUV máximo de 5. a 3 minutos/bed. Método: Obtiveram-se imagens cerca de uma hora após administração endovenosa do radiofármaco. em contrapartida. a 18F-FDG PET-CT foi decisiva para identificar os focos de doença e para distinguir as lesões neoplásicas (com afinidade para a 18F-FDG) das alterações degenerativas previamente existentes.CONTRIBUIÇÃO DA 18F-FDG PET-CT PARA A CARACTERIZAÇÃO DE DOENTES COM MIELOMA MÚLTIPLO. num doente com patologia óssea de etiologia multifactorial. Atendendo à sua sensibilidade e especificidade. D9. tendo sido reportadas como inespecíficas as alterações documentadas a nível da grelha costal e coluna. na grelha costal e no ilíaco esquerdo. CASO CLÍNICO DISCUSSÃO Demonstrou-se que a 18F-FDG PET-CT faz uma avaliação de corpo inteiro e permite detectar lesões medulares e extra-medulares num só procedimento. permitindo nomeadamente confirmar que todos os doentes com diagnóstico clínico de Gamapatia Monoclonal de Significado Incerto (MGUS) apresentaram 18F-FDG PET negativa e demonstrar a grande especificidade e sensibilidade da técnica em causa.11 a tomografia por emissão de positrões utilizando o radiofármaco 18F-FDG (18F-FDG PET) revelou-se particularmente útil. parece ser preditiva de lesões activas de mieloma. Nenhuma das lesões vertebrais detectadas na 18F-FDG PETCT foi identificada na cintigrafia óssea. uma 18F-FDG PET negativa sugere uma remissão completa de boa qualidade e cuja importância prognóstica deverá ser confirmada em estudos posteriores. de que são exemplo as imagens descritas como colapsos vertebrais na cintigrafia óssea. sugerindo uma vez mais a necessidade de integrar esta técnica na avaliação habitual de doentes com mieloma múltiplo.10 No caso clínico apresentado verificou-se que o contributo da cintigrafia óssea para o diagnóstico foi modesto. No entanto. a 18F-FDG PET-CT tem também sido utilizada para monitorização da resposta à terapêutica. distinguindo-as claramente de lesões não relacionadas com a doença. como a radiologia convencional. Num trabalho recente por nós publicado e que envolveu uma população de 46 doentes. a utilidade da 18F-FDG PET-CT em doentes com gamapatia monoclonal ainda não fora demonstrada de forma inequívoca. permitindo uma intervenção terapêutica mais precoce e fundamentada. mesmo sem evidência de doença por outros meios imagiológicos. a nível lombar as lesões documentadas eram sugestivas de colapsos vertebrais de etiologia não esclarecida. TC e RM. 199 . existe evidência crescente da relevância que este meio de diagnóstico representa no estudo das discrasias plasmocitárias. tanto imediatamente após terapêutica como no seguimento a longo prazo. concluiu-se ainda que uma 18F-FDG PET positiva. O caso clínico descrito ilustra algumas das vantagens reconhecidas à 18F-FDG PET-CT quando comparada com outros métodos de avaliação convencionais. para ajudar a confirmar a presença de lesões em doentes sem confirmação prévia de lesões ósseas. identificando inclusivamente doença em alguns doentes considerados em remissão completa. lombares (L5). D11). Estas possibilidades constituem vantagens importantes relativamente a outras técnicas anteriormente utilizadas. Pelo acompanhamento desta população de doentes ao longo de 18 meses. Em contrapartida. Até recentemente. Por outras palavras. sem captação de 18F-FDG. A 18F-FDG PET mostrou-se também um método útil como complemento das restantes técnicas. a 18F-FDG PET-CT identificou lesões hipermetabólicas sugestivas de mieloma múltiplo em vértebras dorsais (D5. Br J Haematol 1999. Michaux L.184:1199-204. Singhal S. Sethi R. Barlogie B. Richardson PG. N Engl J Med 2003. Angtuaco EJ. Hawkins R. Skeletal survey in advanced multiple myeloma: radiographic vs MR imaging survey. Saunders. Bredella MA. 11. Radiology 2004. Durie BGM. J Clin Oncol 2005. et al. Caravita T. Desikan R.106:35-9.341:1565-71.121:749-57. et al. 3. 4. multiple myeloma and related disorders: a report of the International Myeloma Working Group. In: Goldman L. Barlogie B. Antitumor activity of thalidomide in refractory multiple myeloma. Eur J Nucl Med Mol Imaging 2005. Ausiello DA. 5.23:3412-20. et al. Am J Roentgenol 2005. Bringhen S.B. Malghem J. Combination therapy with lenalidomide plus dexamethasone (Rev/Dex) for newly diagnosed myeloma. Value of FDG PET in the assessment of patients with multiple myeloma. Rajkumar SV. 9. Cecil Textbook of Medicine. Criteria for the classification of monoclonal gammopathies.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ BIBLIOGRAFIA 1. International Staging System for Multiple Myeloma. et al. Palumbo A.106:4050-3. Greipp PR. San Miguel J. 2. Kyle RA. Fassas AB. 2005. Br J Haematol 2003. Caputo G. Oral melphalan and prednisone chemotherapy plus thalidomide compared with melphalan and prednisone alone in elderly patients with multiple myeloma: randomised controlled trial. refractory myeloma. et al. Walker R. Mehta J. Vieira MR. Lacy MQ. . An evaluation of the usefulness of FDG-PET in multiple myeloma. Lancet 2006. Segall G. eds. Loewenthal C.367:825–31. Hayman SR. N Engl J Med 1999.32:94 (Abst).1184-95. Berenson J. 10. 2004. Lecouvet FE.348:2609-17. Steinbach L. 7. Plasma cell disorders.  8. Rajkumar SV. A phase 2 study of bortezomib in relapsed. Multiple myeloma: Clinical review and diagnostic imaging.231:11-23. 6. Philadelphia: W. et al. International Myeloma Working Group. Blood. respectively. Dural arteriovenous fistulas with cortical venous reflux or direct cortical vein drainage are aggressive and are associated with a significant risk for development of neurological symptoms and intracranial hemorrhage. The authors report two cases of intracranial aggressive dural arteriovenous fistulas presented as chronic venous myelopathy and intracranial hemorrhage. Os autores apresentam dois casos clínicos de fístulas artério-venosas durais intracranianas agressivas que se manifestaram como mielopatia venosa congestiva e hemorragia intracraniana. Abstract Dural arteriovenous fistulas are acquired vascular lesions of the dura mater. respectivamente.FÍSTULAS ARTÉRIO-VENOSAS DURAIS INTRACRANIANAS REVISITADAS: A PROPÓSITO DE DOIS CASOS CLÍNICOS Intracranial dural arterio-venous fistula revisited: review of two cases PEDRO VILELA SANDRA MATIAS MIGUEL CASIMIRO ÁLVARO LIMA Centro de Imagiologia (Unidade de Neurorradiologia) e Departamento de Neurocirurgia RESUMO As fístulas artério-venosas durais intracranianas são lesões vasculares adquiridas da dura-máter. As fístulas artério-venosas durais com refluxo venoso cortical ou drenagem venosa cortical directa são agressivas e associadas a um risco significativo de desenvolvimento de sintomas neurológicos e hemorragia intracraniana. 201 . HoffmannTromner positivo e queixas adicionais de disfagia ligeira e disfonia. mas com hipersinal T2 medular cervical alto. Foi realizada angiografia de subtracção digital encefálica / medular que confirmou a presença de FAVd intracraniana com refluxo venoso cortical e medular (Fig. que demonstrou: canal raquidiano central estenótico com debruns disco-osteo- -fibróticos plurissegmentares que condicionavam moldagem da medula. altura em que apresentava de positivo ao exame objectivo. caracterizado pela presença de conexões artério-venosas anómalas entre artérias durais e veias / seios venosos durais ou directamente entre artérias durais e veias corticais. com exclusão dos pedículos fistulosos da FAVd através da injecção selectiva de material oclusivo permanente (ciano-acrilato). Foi submetido a cirurgia por discopatia lombo-sagrada e canal estenótico. desde há 3 anos. que surgem em idade pediátrica. O quadro clínico foi-se agravando progressivamente até recorrer à consulta de Neurocirurgia do Hospital da Luz. seguido de diminuição da força do hemicorpo esquerdo. ilustrando as duas manifestações clínicas mais severas deste tipo de lesões: isquemia venosa e hemorragia. 1A e B). que são lesões típicas da idade adulta. fístulas artério-venosas infantis/juvenis. . Iniciou progressivamente. com refluxo venoso cortical. de adenocarcinoma da próstata operado há 8 anos e de traumatismo craniano há 3 anos. fístulas artério-venosas durais (FAVd). sem melhoria das queixas. tetraparésia espástica com reflexos osteotendinosos aumentados. 1F). sem relação com as áreas de maior moldagem medular e associado a sinais de vazio vascular anómalos perimedulares. e. CASOS CLÍNICOS CASO CLÍNICO 1 Doente do sexo masculino. com antecedentes de tuberculose pulmonar há 54 anos. quadro clínico de diminuição da força dos membros inferiores.1 Neste artigo os autores revêem dois casos de FAVd agressivas. que levantaram a suspeita de FAV (Fig. de enfarte agudo do miocárdio há 11 anos.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ INTRODUÇÃO As lesões artério-venosas (AV) durais intra-cranianas são um grupo heterogéneo de lesões vasculares. de 78 anos de idade. O procedimento decorreu sem intercorrências e o estudo por RM cervical demonstrou a regressão da lesão medular (Fig. as mais frequentes. Foi realizada ressonância magnética (RM) cervical.1 Existem três tipos principais de lesões AV durais primárias intracranianas: malformações sinusais com shunts artério-veno- sos. O doente foi submetido a terapêutica endovascular. por via transarterial. 1C. D e E). 1E Angiografia de subtracção digital. 1B Axiais T2 TSE. 1D Angiografia de subtracção digital. Hipersinal T2 medular Fig. Injecção da artéria carótida primitiva esquerda. Injecção da artéria carótida externa esquerda. Imagem de perfil. Sinais de FAVd Borden II com shunts AV dependentes do ramo petroso da artéria meníngea média com drenagem venosa cavernosa contralateral e cortical por veias tributárias dos seios lateral e sagital superior Fig. Sinais de marcada congestão venosa raquidiana (rectângulo – foramen magno) Fig. Hipersinal T2 medular entre C1-C3 (seta longa) e sinais de vazio vascular anómalos (setas curtas) Fig. 1A Sagitais T2 TSE. Sinais de FAVd multifocal látero-cavernosa e clival Borden II com shunts AV dependentes dos ramos clivais da artéria carótida interna (injecção selectiva dos ramos clivais da artéria carótida interna pré-embolização – imagem da direita) com drenagem venosa descendente e medular (setas) Fig. 1F Sagital T2 TSE. Imagem AP. Injecção da artéria carótida primitiva esquerda. 1C Angiografia de subtracção digital. Regressão do hipersinal T2 medular após o tratamento 203 . Imagem de perfil (esquerda) e AP (direita).FÍSTULAS ARTÉRIO-VENOSAS DURAIS INTRACRANIANAS REVISITADAS: A PROPÓSITO DE DOIS CASOS CLÍNICOS Fig. Fig. continuando a doente em seguimento clínico. com dois pontos fistulosos distintos interessando a mesma veia cortical vermiana superior. Sinais de dilatação venosa anómala da fossa posterior correspondendo a veia vermiana superior e sistema venoso profundo ção das queixas é solicitada a realização de tomografia computorizada crânio-encefálica (TC CE). 2A Cortes axiais de TC: Sinais de hemorragia subaracnoideia centrada à cisterna da lâmina quadrigeminal Fig. Seguidamente. bem como pelas artérias da foice do cerebelo e da margem livre do tentorium (Fig.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ CASO CLÍNICO 2 Doente do sexo feminino. náuseas e vómitos. A TC CE revelou a presença de hemorragia subaracnoideia com distribuição topográfica atípica (Fig. A doente foi submetida a terapêutica endovascular por via transarterial com exclusão da maioria dos pedículos fistulosos da FAVd. tonturas. 2B Angio-TC. com antecedentes de depressão. 2A). tendo recorrido. de 77 anos de idade. O procedimento decorreu sem intercorrências. 2C Angiografia de subtracção digital. Recorre ao Atendimento Médico Permanente do Hospital da Luz no quinto dia de evolução do quadro clínico e pela manuten- Fig. 2C a G). Imagem de perfil. Imagem 3D VR. Sinais de FAVd Borden III com shunt (*1) entre a artéria da convexidade cerebelosa (ramo dural da artéria occipital) e a veia vermiana superior. foi realizada angio-TC intracraniana que demonstrou a presença de fístula artério-venosa dural infratentorial (Fig. por duas vezes. através da injecção selectiva de material oclusivo permanente (ciano-acrilato). 2B). iniciou subitamente quadro de cefaleia occipital. Injecção da artéria carótida primitiva direita. e sentido da drenagem venosa da FAVd (setas) . alimentada por ramos durais na dependência das artérias occipitais e meníngea média. A angiografia de subtracção digital encefálica realizada confirmou a presença da FAVd. a serviços de urgência de outras instituições hospitalares e tendo sido medicada com terapêutica sintomática sem resolução das queixas. podendo nomeadamente ser formadas em situações de hipertensão venosa. Imagem de perfil. Sinais de FAVd Borden III com shunt alimentado pela artéria da foice do cerebelo Fig. Imagem de perfil. FAVd de seio dural com refluxo 205 . mais frequentemente. Injecção selectiva da artéria occipital direita demonstrando o shunt AV mais periférico DISCUSSÃO As FAVd são lesões adquiridas que surgem em relação com alterações da hemodinâmica venosa.1-4 Existem várias classificações de FAVd.7 Na classificação de Borden. Imagem de perfil. 2E Angiografia de subtracção digital. Sinais de FAVd Borden III com dois shunts distintos dependentes dos ramos dural da artéria meníngea média (*2) e trans-ósseo da artéria occipital (*1) Fig. 2D Angiografia de subtracção digital. Imagem de perfil.6 consideram-se apenas três tipos de FAVd: tipo I. associadas a alterações veno-oclusivas. que têm em consideração o tipo de estrutura venosa envolvida5 ou o tipo de drenagem venosa. Injecção da artéria vertebral esquerda. tipo II.FÍSTULAS ARTÉRIO-VENOSAS DURAIS INTRACRANIANAS REVISITADAS: A PROPÓSITO DE DOIS CASOS CLÍNICOS Fig. FAVd de seio dural sem refluxo venoso cortical. Injecção selectiva da artéria meníngea média esquerda demonstrando o shunt AV mais central / profundo Fig. 2G Angiografia de subtracção digital. Injecção da artéria carótida externa esquerda. 2F Angiografia de subtracção digital.6. e. IIa+b. neurocirúrgica e endovascular. Em ambos os casos deve ser salientado que as FAVd são patologias extremamente dinâmicas. A sintomatologia das FAVd depende da topografia das veias usadas na sua drenagem. e a história natural benigna da lesão. estas fístulas têm um elevado risco de rehemorragia precoce. Dessa forma.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ venoso cortical. neste caso sob a forma de hemorragia subaracnoideia. correspondem às FAVd Cognard tipos IIb. presentemente. sendo de 7. resultante da hipertensão venosa crónica associada à FAVd. como é exemplo o caso clínico 1. i.e. com um risco extremamente baixo de progressão em grau e de hemorragia. está indicado nestes casos o tratamento precoce neurocirúrgico ou endovascular. As manifestações e o prognóstico das FAVd estão relacionados com o seu padrão de drenagem venosa. Nos casos de FAVd em que não existe drenagem venosa cortical.8 Em oposição. Nos dois casos apresenta- . tipo III FAVd directamente conectada em veia cortical. Neste caso. A discussão detalhada da forma de tratamento das FAVd ultrapassa o âmbito do presente trabalho. contudo. com envolvimento bulbar. não existe forma de avaliar por imagem se as alterações encefálicas/medulares presentes são reversíveis. não sendo obrigatório o seu tratamento e podendo estar preconizada apenas terapêutica paliativa visando o alívio dos sintomas. i. A relação entre as FAVd e as tromboses venosas é biunívoca. i. são lesões que necessitam de seguimento clínico e imagiológico. mas sim com o trajecto e topografia das veias que drenam a FAVd.5% se não existir história prévia de hemorragia.10 Assim. Este quadro clínico e as alterações medulares foram reversíveis com a cura da FAVd. a sua história natural é benigna. levar à sua trombose espontânea. nos casos de FAVd com refluxo venoso cortical. O caso clínico 1 é ilustrativo da forma de apresentação não hemorrágica mais grave das FAVd. que são os tipos mais agressivos de FAVd. visando a erradicação da fístula. i. em oposição e mais raramente. III. dever-se-á tomar em consideração o balanço entre o risco terapêutico. O caso clínico 2 é demonstrativo da apresentação hemorrágica. O seu risco de hemorragia está igualmente dependente do padrão de drenagem venosa.4% para a apresentação clínica sob a forma de hemorragia. Nestes casos. deve ser mencionado que existem duas formas principais de tratamento.e. e IV.e. FAVd Borden tipo I. embora de uma forma resumida. que para ser curativo implica a exclusão da estrutura venosa onde se localiza ponto fistuloso. em que a sintomatologia não está relacionada com o local dos pontos fistulosos. a presença de refluxo venoso cortical na fossa posterior e medular condicionou um quadro de mielopatia cervical alta. a história natural desta doença é mais agressiva. resultante de um processo de isquemia venosa progressiva. associando-se a fenómenos veno-oclusivos e trombóticos que podem alterar o grau de agressividade da lesão ou. como no caso clínico 2. e de 1. As classificações de Borden6 e de Cognard7 são equivalentes: as FAVd Borden tipo II e III. O seu risco anual de hemorragia varia de acordo com a sua apresentação clínica.9 Adicionalmente. as FAVd podem ser a causa ou a consequência de trombose venosa. estando a radiocirurgia reservada para os casos em que não é possível obter a cura pelos outros métodos. embora este resultado não seja previsível antes do tratamento pois. FAVd Borden tipo II e III. 2. 7. Benign cranial dural arteriovenous fistulas: outcome of conservative management based on the natural history of the lesion. e a exclusão praticamente total da segunda FAVd que continua em tratamento/seguimento. Berenstein A. As FAVd com refluxo venoso cortical têm uma evolução mais agressiva. Satomi J. Ter Brugge KG. Springer. Vilela P. com injecção de material oclusivo permanente nos ramos durais da FAVd. Andersson T. tendo-se obtido a cura da FAVd do primeiro caso clínico. CONCLUSÃO As FAVd são lesões adquiridas.FÍSTULAS ARTÉRIO-VENOSAS DURAIS INTRACRANIANAS REVISITADAS: A PROPÓSITO DE DOIS CASOS CLÍNICOS dos a opção foi endovascular. Stroke 39: 2783-94. 5. Lasjaunias P. Edner G. Gobin YP. 2. que contribuíram de forma activa no tratamento e seguimento dos casos apresentados. TerBrugge K. Willinsky R. Pierot L. A proposed classification for spinal and cranial dural arteriovenous fistulous malformations and implications for treatment. Radiology 1995. Wallace MC. Goulão A. Cognard C. Geibprasert S. et al. Borden JA.97:767–70. Primary dural intracranial arteriovenous lesions. J Neurosurg 2002. Natural history of dural arteriovenous shunts. sempre que esta última não participe na drenagem venosa normal encefálica. O tratamento endovascular visa a exclusão do ponto fistuloso e da estrutura venosa (veia ou seio dural) envolvido na FAVd. 207 . 3. Krings T.82:166–79. Vilela P.1. apresentando-se sob a forma de hemorragia ou de défice neurológico consequente a isquemia por encefalopatia / mielopatia venosa congestiva. Söderman M. 2004.16:171-8. Em ambos os casos apresentados a via transarterial foi a escolhida. TerBrugge K. com carácter dinâmico. Terbrugge KG. Wu JK. com resolução das alterações de mielopatia. BIBLIOGRAFIA 1. Willinsky R. cujo comportamento está dependente do seu padrão de drenagem venosa. Willinsky RA. 8.39:1735-9. Surgical Neuroangiography. ou por via transvenosa. Vilela P. Acta Med Port 2003. Holmin S. Paulo Saraiva e a toda a equipa de Medicina Interna do Hospital da Luz. 94:671–80.43:816-20. Dural arteriovenous fistula associated with neoplastic dural sinus thrombosis: two cases. com deposição de espiras metálicas no interior da estrutura venosa.43:770-7. Neuroradiology 2001. Clinical and endovascular treatment aspects. Neuroradiology 2001. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Dr. 6. J Neurosurg 1995. Pavic L. Pereira V. et al. Cerebral dural arteriovenous fistulas: clinical and angiographic correlation with a revised classification of venous drainage. Association of distinct intracranial pial and dural arteriovenous shunts. Este objectivo pode ser atingido por via transarterial. Shucart WA. Dural arteriovenous shunts: A new classification of craniospinal epidural venous anatomical bases and clinical correlations. pela multiplicidade de pontos fistulosos e pela anatomia venosa das FAVd não ser favorável a uma abordagem transvenosa. van Dijk JM. 4. Stroke 2008. 9. 90:78–84. Ter Brugge KG. Surgical Neuroangiography. Janosevic V. 2001. Berlin: Springer. 11. et al. Clinical Vascular Anatomy and Variations. 1. . Early rebleeding from intracranial dural arteriovenous fistulas: report of 20 cases and review of the literature. Lopes M.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ 10. Lasjaunias P. Duffau H. J Neurosurg 1999. Berenstein A. registou-se novo episódio de Abstract The authors report the clinical case of a 76-year old female patient that was observed in the Atendimento Médico Permanente. CASO CLÍNICO Temporary inferior vena cava filter as prophylaxy for pulmonary embolism. although anticoagulation was initiated. During the hospital stay. e apesar de instituída adequada terapêutica anticoagulante. Durante o internamento. diagnosticadas cerca de dois meses e duas semanas antes. polipneia e hipoxemia. with an O2 saturation of 88%. the patient had a new episode of PE. until stable anticoagulation was achieved. Nos antecedentes clínicos havia a referir internamento prévio por pneumonia e tromboflebite solar superficial esquerda. polypnea and hypoxemia. tendo sido avaliada a saturação de O2 em 88%.FILTRO TEMPORÁRIO NA VEIA CAVA INFERIOR COMO PROFILAXIA DO TROMBOEMBOLISMO PULMONAR. respectivamente. leading to the decision of inferior vena cava (IVC) filter placement. com um quadro clínico de insónia. She had been admitted before with a pneumonia and right solar deep vein thrombosis diagnosed two months and two weeks before. The temporary IVC filter 209 . In the subsequent diagnostic evaluation a CT-angiogram showed evident signs of bilateral pulmonary embolism (PE). Case report TOMÁS APPLETON FIGUEIRA ÉLIA MATOS COIMBRA LUÍS ROSA Centro de Imagiologia (Unidade de Radiologia de Intervenção) RESUMO Os autores apresentam o caso clínico de uma mulher de 76 anos de idade que deu entrada no Atendimento Médico Permanente. Na avaliação diagnóstica subsequente foi realizada angiografia por tomografia computorizada (angio-TC) que mostrou sinais evidentes de tromboembolismo pulmonar (TEP) bilateral. respectively. complaining of insomnia. dislipidemia. Os êmbolos mais pequenos alojam-se na circulação mais distal. CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino. estima-se uma taxa de mortalidade de cerca de 30%. para os pulmões. até estabilização da terapêutica anticoagulante. recorreu ao Atendimento Médico Permanente do Hospital da Luz no dia 20 de Novembro de 2007 com queixas de insónia nocturna. elevação das pressões cardíacas direitas e hipóxia com evidência de diminuição das trocas gasosas. estando em geral relacionada com cirurgia prévia ou obstrução proximal. Quando não tratado. Os efeitos clínicos da obstrução aguda das artérias pulmonares e os consequentes sintomas de apresentação. doença vascular periférica. em última instância. hiperuricemia e hipotiroidismo. and during that period of time there were no new episodes suggesting recurrence of pulmonary embolism. que resultam em dor torácica pleurítica. disfunção renal. Em geral.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ TEP. Pacientes saudáveis com boas funções pulmonar e cardíaca podem tolerar êmbolos pulmonares maciços. Como antecedentes havia a referir diagnósticos prévios de diabetes mellitus tipo II. os êmbolos de grandes dimensões alojam-se nas artérias pulmonares centrais e apresentam-se com colapso cardiopulmonar. A formação de trombo in situ nas artérias pulmonares é rara. causando pequenos enfartes. Havia ainda história de internamento cerca de dois meses antes por pneumonia adquirida na . apesar do alto nível de cuidado clínico. enquanto pequenos êmbolos podem resultar na morte de doentes idosos com patologia pulmonar avançada. tendo sido decidida a colocação de um filtro temporário na veia cava inferior (VCI). A verdadeira incidência de TEP não é conhecida. de 76 anos de idade. Foi colocado um filtro temporário na VCI por abordagem femoral direita e retirado após catorze dias. Nesta altura apresentava cansaço e polipneia.000 casos/ano. Ambos os procedimentos decorreram sem complicações e não se registou qualquer episódio sugestivo de recorrência do TEP durante esse período de tempo. hipertensão arterial. mas calcula-se que nos EUA seja superior a 600. dependem do grau e nível da obstrução.1 No entanto. was placed using a right femoral approach. das condições basais dos vasos e parênquima pulmonares e do status cardíaco. o TEP é provavelmente sub-diagnosticado. and was removed fourteen days later. No complications were noticed in both procedures. mas com padrões hemodinâmicos estáveis e oxigenação normal. O trombo no pulmão é quase sempre de origem embólica. INTRODUÇÃO O tromboembolismo pulmonar (TEP) agudo ocorre quando um trombo formado nas veias sistémicas se solta e é transportado pelo retorno venoso para o coração e. Ao terceiro dia de terapêutica observou-se novo quadro sugestivo de TEP. que revelou trombose venosa profunda (TVP) fémoro-popliteia do membro inferior esquerdo e angiografia por tomografia computorizada (angio-TC) que revelou TEP bilateral (Fig. tendo a oximetria revelado uma saturação de O2 de 88%. iniciou investigação clínica. A doente foi internada e iniciou terapêutica anticoagulante com heparina de baixo peso molecular (enoxaparina 60 mg. 12/12 h) associada a varfarina (5 mg/dia). apesar da anticoagulação instituída. com aumento da pressão na artéria pulmonar. CASO CLÍNICO comunidade e diagnóstico de tromboflebite solar superficial do membro inferior esquerdo. segmentar posterior do lobo inferior direito (B) e segmentar anterior do lobo superior esquerdo (C) 211 . Foi feita avaliação dos parâmetros vitais. A C B Fig. decidiu-se colocar filtro temporário na veia cava inferior (VCI). Realizou estudo Doppler venoso dos membros inferiores.FILTRO TEMPORÁRIO NA VEIA CAVA INFERIOR COMO PROFILAXIA DO TROMBOEMBOLISMO PULMONAR. Dada a recorrência de TEP. até estabilização da terapêutica anticoagulante. 1 Angio-TC demonstrando a presença de trombo no lúmen das artérias pulmonares lobar superior direita (A). registada em 66 mmHg por ecocardiograma transtorácico. O ecocardiograma não revelou hipertensão pulmonar significativa (avaliada em 38 mmHg). 1). Por este motivo. tendo tido alta no próprio dia. com estabilização da terapêutica anticoagulante. É fabricado com nitinol. que permite a remoção através de uma bainha 10 F. ev3. com auxílio de um laço de remoção (Amplatz GOOSE NECK® Snare kit. Passados dois dias regressou ao Hospital da Luz para remoção do filtro (Fig. Fig. através de uma bainha 8. Cordis Endovascular. confirmando-se a sua topografia infra-renal (Fig. tendo na sua extremidade inferior um gancho. 2). 3 Remoção do filtro. observando-se o laço de remoção encaixado no gancho do filtro A doente teve alta no 14º dia de internamento. Plymouth MN). O filtro foi colocado por via femoral direita. Na extremidade inferior é visível o gancho que permite a sua remoção (seta) Fig. em topografia infra-renal observando-se o fluxo de sangue não contrastado proveniente da veia renal direita. Observou-se boa abertura do filtro.5 F. Durante este período não ocorreu nenhum episódio sugestivo de novo TEP. não está documentada qualquer diferença em termos de resultados clínicos. 3). pelo que foi utilizado aquele em que os autores têm mais experiência de colocação (Optease. Este filtro pode ser colocado por via femoral ou jugular. 2 Filtro colocado na VCI.CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ Embora existam vários filtros disponíveis no mercado. Miami FL). quer removíveis quer definitivos. tendo o procedimento decorrido sem complicações. . no dia 22 (3º dia de internamento). sem intercorrências. mesmo em doentes graves. os doentes podem ser divididos em categorias em função da probabilidade de TEP . é um estudo seguro. O algoritmo de diagnóstico encontra-se em mudança constante dada a aceitação cada vez maior da angio-TC no diagnóstico de TEP. mas não podem ser usadas para diagnosticar TEP na ausência de defeito de preenchimento luminal. Uma das suas principais vantagens reside na quantidade apreciável de informação que fornece sobre as outras estruturas intra-torácicas. A sensibilidade e a especificidade da angio-TC na avaliação do TEP têm valores de cerca de 95% para êmbolos centrais. o diagnóstico é baseado na Quadro I – Causas de embolia pulmonar aguda Trombose venosa profunda dos membros inferiores Trombose venosa pélvica Trombose de veia gonadal (pós-parto) Trombose venosa renal Trombose venosa central dos membros superiores Invasão vascular tumoral (carcinoma de células renais. sendo mais comum a trombose venosa profunda dos membros inferiores (Quadro I). na visualização de um defeito de repleção intraluminal. Áreas de diminuição da perfusão pulmonar são sugestivas de obstrução da artéria pulmonar. Todas as modalidades de imagem vascular . A angio-TC é a modalidade de imagem mais frequentemente utilizada em doentes com suspeita de embolia pulmonar aguda. Todos os outros “sinais” de TEP são secundários e passíveis de explicação por etiologia não-embólica (Quadro II). carcinoma da supra-renal. média e elevada. Este defeito traduz-se pela presença de um objecto não opacificado no lúmen vascular rodeado por sangue opacificado pelo contraste. com valores semelhantes aos da angio-TC para a sensibilidade e especificidade. aqueles valores decrescem. à medida que os êmbolos se tornam mais periféricos. A angiografia pulmonar continua a ser uma modalidade importante no diagnóstico do TEP agudo. tendo sido validada num estudo multicêntrico (Prospective Investigation of Pulmonary Embolism Diagnosis. respectivamente. e convencional .angiografias por TC.1 A suspeita de TEP é a indicação mais comum para estudos de imagem da vasculatura pulmonar.baixa.baseiam o diagnóstico de TEP no mesmo critério. o que por vezes conduz ao diagnóstico alternativo e correcto. Tal como na angio-TC e na angio-RM. ou seja. A angio-TC tem pouca utilidade na pesquisa de pequenos êmbolos periféricos. CASO CLÍNICO DISCUSSÃO A causa do TEP é identificada em apenas 30% dos casos. por ressonância magnética (RM). com probabilidades de TEP <20%. e >80%. Os êmbolos aparecem como defeitos de preenchimento luminal. A angiografia por ressonância magnética (angio-RM) mostra bom desempenho no diagnóstico de TEP central e proximal. quando realizada com os cuidados necessários. entre 20 e 80%.2 De acordo com este estudo.FILTRO TEMPORÁRIO NA VEIA CAVA INFERIOR COMO PROFILAXIA DO TROMBOEMBOLISMO PULMONAR. A cintigrafia de ventilação/perfusão (V/Q) pode ser usada na avaliação do TEP. PIOPED) com 993 doentes. hepatocarcinoma) 213 . Os filtros não impedem a formação de trombo.3 A heparina de baixo peso molecular também se revelou segura e eficaz. Ambos os objectivos são geralmente cumpridos com anticoagulação. aci- dente vascular cerebral (AVC) hemorrágico ou outras contra-indicações. Quando a anticoagulação não é possível. A colocação de filtro na VCI no contexto de TEP tem indicações precisas. · prevenir a ocorrência de êmbolos adicionais. ou .CASOS CLÍNICOS HOSPITAL DA LUZ Quadro II – Critérios imagiológicos para o diagnóstico de embolia pulmonar Absolutos Defeito de preenchimento luminal Secundários Interrupção abrupta da artéria pulmonar Transição abrupta de diâmetro da artéria. pode estar indicada a interrupção da VCI com um filtro. com uma mortalidade de cerca de 50% dos casos. O TEP recorrente ocorre em cerca de 5% dos doentes após o início da anticoagulação. não potenciam a anticoagulação nem tratam o TEP que já tenha ocorrido. sendo as mais importantes a contra-indicação para anticoagulação e a recorrência de TEP apesar da terapêutica anticoagulante indicada. Os agentes trombolíticos podem ser administrados por via endovenosa ou directamente na artéria pulmonar através de cateterismo. monitorizados. A trombólise está associada a um risco de 25% de complicações hemorrágicas e está contra-indicada em doentes com cirurgia major recente. seguida de varfarina. O tratamento convencional para o TEP e para a trombose venosa profunda é a anticoagulação.4 A trombólise está indicada em doentes com TEP maciço e instabilidade hemodinâmica associada (core pulmonale agudo. A embolectomia pulmonar deve ser ponderada quando são necessários resultados imediatos ou não houver resposta aos tratamentos convencionais. hipóxia e hipotensão). sem ramificação Ausência inexplicada de ramo(s) da artéria pulmonar Oligoemia do parênquima pulmonar Ausência de drenagem venosa de um segmento pulmonar presença de um defeito de preenchimento luminal na artéria pulmonar. O tratamento do TEP agudo tem dois objectivos: · permitir ou potenciar a lise do êmbolo pelas vias trombolíticas intrínsecas do pulmão. elevação grave das pressões na artéria pulmonar. durante pelo menos 6 meses. ou os doentes com um grande risco de TVP não podem ser rastreados. Quando os doentes com doença tromboembólica não podem ser anticoagulados. Os doentes podem ser tratados com heparina não fraccionada. ou um TEP adicional seja potencialmente fatal.1 Os filtros na VCI previnem a embolização de trombos para a circulação pulmonar. embora sem diferença nos resultados. que previne a formação de trombo adicional. cirurgia ortopédica de risco elevado) BIBLIOGRAFIA 1.FILTRO TEMPORÁRIO NA VEIA CAVA INFERIOR COMO PROFILAXIA DO TROMBOEMBOLISMO PULMONAR. Kaufman JA. 215 . Morris TA. Este facto diminui a ocorrência de algumas complicações tardias. Quadro III – Indicações para colocação de filtro na VCI I. Os procedimentos de colocação e remoção do filtro são seguros e as complicações ocorrem numa minoria de casos. prevendo-se que possa chegar a vários meses. The Pioped Investigators. Hyers TM. O filtro pode ser retirado num período até 4 semanas. 2004. Clássicas TVP e/ou TEP documentados com: · Contra-indicações absolutas para anticoagulação · Progressão documentada da TVP ou TEP recorrente apesar da anticoagulação · Complicações da anticoagulação requerendo cessação da terapêutica · TEP maciço a necessitar de trombectomia cirúrgica II. 4. politraumatizado. um corpo estranho desnecessário na circulação venosa central. Mosby.194-218. A opção por filtros temporários permite a estabilização da anticoagulação. Estes filtros não são indicados em doentes com TEP estáveis e que possam ser tratados com anticoagulação (Quadro III). Hull RD. Agnelli G. In: Kaufman JA. American-Canadian Thrombosis Study Group. Stein PD. Value of the ventilation/perfusion scan in acute pulmonary embolism diagnosis (PIOPED). sem necessidade de procedimentos adicionais. nomeadamente a oclusão da VCI no local do filtro e o aumento da incidência de TVP. Profilácticas · Risco elevado de desenvolver TVP/TEP (e. 2. Antithrombotic therapy for venous thromboembolic disease. cirurgia bariátrica. Lee MJ. Muitos doentes poderão beneficiar deste procedimento. Samama M. Raskob GE. Elliott G. JAMA 1990. The Requisites: vascular & interventional radiology. pode estar indicada a colocação de um filtro na VCI. embora este período tenda a ser alargado.263:2753-9. 3. Arch Intern Med 2000. Pineo GF. CASO CLÍNICO tratados profilacticamente. Pulmonary circulation. Philadelphia. sendo necessária uma maior divulgação das indicações para o mesmo.g.160:229-36.119:S176-S93. Brant RF. et al. num futuro próximo. sem deixar O filtro utilizado no caso clínico descrito permite a transformação em filtro permanente. Tapson V. et al. Os filtros removíveis podem ser classificados em temporários (têm de ser removidos) e opcionais (podem ser deixados como filtros definitivos). Hull RD. Relativas TVP e/ou TEP documentados com: · Reservas cardíaca ou pulmonar limitadas · Doente não cumpridor · Trombo instável na VCI III. Chest 2001. Low-molecular-weight heparin vs heparin in the treatment of patients with pulmonary embolism.
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