Casagrande e seus demônios - Walter Casagrande e Gilvan Ribeiro

March 29, 2018 | Author: Carlos Freitas | Category: Priest, Leonardo Da Vinci, Heroin, Albert Einstein, State (Polity)


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Casagrande e seus demônios Walter Casagrande Júnior Gilvan Ribeiro . sp. Jogadores de futebol – Brasil i. 2013 dados internacionais de catalogação na publicação (cip) (câmara brasileira do livro. isbn 978-85-250-5399-2 1. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida – em qualquer meio ou forma. de 1995). Editor responsável: Aida Veiga Assistente editorial: Elisa Martins Preparação de texto: Ana Tereza Clemente Revisão: Ana Maria Barbosa e Carmen T. brasil) Casagrande Júnior. A. 2013. Jogadores de futebol – Biografia 3. A. Ribeiro. Texto fixado conforme as regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54. Walter Casagrande e seus demônios / Walter Casagrande Júnior. Paulo 1ª edição. Bibliografia. Av. 1485 – 05346-902 – São Paulo – SP www. Walter 2. seja mecânico ou eletrônico. Costa Capa. S. – São Paulo: Globo. 13-02268 cdd-796. projeto gráfico e diagramação: Negrito Produção Editorial Foto de capa: Daryan Dornelles / Fotonauta Foto de quarta capa: Domício Pinheiro / Diário de S.br .Copyright © 2013 by Editora Globo S. Casagrande Júnior. – nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados. gravação etc. Jogadores de futebol: Biografia 796. para a presente edição Copyright © 2013 by Walter Casagrande Júnior e Gilvan Ribeiro Todos os direitos reservados. Gilvan. ii.globolivros. Jaguaré.com. sem a expressa autorização da editora. Título. Gilvan Ribeiro. fotocópia.334092 Índices para catálogo sistemático: 1.334092 Editora Globo S. Uma dupla (quase) perfeita capítulo catorze .Democracia Corintiana capítulo doze .A ditadura do amor capítulo treze .Memórias do exílio capítulo seis .Demônios à solta capítulo dois .Aventura na Europa capítulo dezessete .O Leão é manso capítulo dezesseis .Às turras com Telê capítulo dezoito .Os filhos capítulo oito .Sumário Capa Folha de rosto Créditos Dedicatória Prefácio Apresentação capítulo um .Política em campo capítulo quinze .Domingão do Faustão capítulo nove .História sem fim Casão por ele mesmo Agradecimentos Créditos das fotos Caderno de imagens .Pegadinhas do Casão capítulo dezenove .Inferno na torre capítulo dez .Futpopbolista capítulo vinte .A primeira internação capítulo cinco .Overdoses capítulo quatro .Prisão em flagrante capítulo onze .Água benta capítulo três .A vida lá fora capítulo sete . Gilvan Ribeiro . que nos deixou tão cedo. ao Sócrates. e ao Raul Seixas. ao Gonzaguinha e ao Marcelo Fromer. por terem me revelado o verdadeiro sentido da palavra amizade. por tudo. Walter Casagrande Júnior Dedico este livro a Cristina e Luan Maiello. ídolo eterno.Dedico esta biografia à minha irmã Zilda. A fronteira.” [Este é o fim. cobrindo o seu Corinthians no Mundial de Clubes da Fifa 2012. sem camisa. As janelas estão fechadas há dias. o fim. foi o próprio. vai começar o jogo!”. o de comentarista esportivo respeitado e com prestígio na Rede Globo. Prepara. seu nome é Walter Casagrande Júnior. meu único amigo. curioso. o fim dos nossos planos traçados. . E quem me descreveu essa cena. o homem gol com sangue de roqueiro. Lee Marcucci e Titãs. Difícil tal cena ser imaginada. Um cheiro de cigarro.” Se alguém tem o direito de fazer este comentário. ele enxuga meia garrafa de tequila e. atirado e. inquieto. trancadas.. Coloca o dvd do The Doors. rapaziada bem vivida de seu círculo de amizades. mas o próprio desfecho embutido. busca e mofo no ar. Se estamos na estratosfera. the end. fuma um baseado. O que buscava? O fundo... Nos mandava mensagens pelo celular antes dos jogos. barba por fazer há dias. Ópera que começaria com ele sozinho em seu apê no bairro Alto de Pinheiros. Dá uma ópera rock. destemido. procura uma das poucas veias que ainda aguentam o tranco de uma agulhada. começa seu ritual macabro e rotineiro.]. uma seringa com heroína. queremos atravessar as nuvens. isso acontecia nos últimos dias do mergulho profundo a uma viagem tenebrosa e solitária que. amigo prestativo e fiel. emaranhados. queremos ir a outros planetas. sob a supervisão de Lobão. aí sim. Kiko Zambianchi. Nasi Valadão. Dá um filme. Primeiro. para dar a liga final. O protagonista Casão. ele se emocionou e se divertiu em Tóquio. Recentemente. Sua vida dá um livro. Acende um Marlboro light e vê pela enésima vez Jim Morrison cantar: “This is the end. no safety or surprise. o néctar. em São Paulo. com um dos melhores empregos do telejornalismo.. de short. o fim de tudo que interessa. Faz um torniquete. com uma sinceridade comovente. bebida.Prefácio “Minha vida dá um livro. Ele se deita no chão sobre uma mandala. Por que sempre queremos mais? Se nos dão o topo. o fim sem saída nem surpresa. cabelos escorridos. outras galáxias. foi interrompida graças à sua família e à perseverança de um filho. sobretudo. Sua busca não tinha mais um fim em si mesmo. O outro lado. chorou e riu. the end. Uma inquietação que alimenta a humanidade. na meia-idade. the end of everything that stands. nosso amigo Casão. the end of our elaborate plans. num fim de tarde comum. e as portas. abraçado a um grande crucifixo. Continua. Enquanto a droga injetada vagueia pelo corpo. Senta-se diante de uma mesa. ainda madrugada no Brasil: “Acorda. Toma uns comprimidos pra dar barato. meu. cheira três carreiras de cocaína. my only friend. por milagre. Por mais exagerada e absurda que possa parecer. a estrela de sua festinha particular. Tranca as portas. E não recomendo. que anunciou a prisão com toda a pompa. dividir as dores da dependência e alertar para os perigos de um vício frenético. pois para ele é fundamental passar adiante a experiência. maltrataram o teclado e exageraram. Casão. ou Magrão [Sócrates]. ao lado de Osmar Santos. sincero. amigo do Dotô. Andava de Havaianas ao contrário. como um alerta. já no profissional do Corinthians. que procura o baseado que ele. “curíntia” fanático. Dias depois. pelos Demônios à solta. não se espelhem em mim. Sócrates. A verdade ajuda a sanidade. Ele nos lembra com uma incrível riqueza de detalhes. como jogador. Crianças. . o tratamento dura um ano. Foi em 1982. Torcia por aquele camisa 9 cabeludo que frequentava as mesmas casas noturnas que eu. Repensa. que queria experimentar tudo na vida. sem tv ou jornais. nem vi o show. Dias depois. Corta. desvios ou mentiras. sem preconceitos. tipo baby look. era amigo dos meus amigos e jogava muito! Desde os catorze anos ele já era bicho-grilo. memória preservada. na Bela Vista. “O cara me deu um colar com uma conchinha cheia de pó. faz três contra o arquirrival Palmeiras. jeans desbotado. que não segue a ordem cronológica previsível. Impossível. Estamos agora no comício das Diretas Já. Ele. Casão com dezoito anos. Casão faz questão de contar o inferno que viveu quando era viciado em drogas e sua internação. Eu. gritam: “Queremos eleições diretas!”. equilibrado. achava o Rose Bom Bom muito “playba” — onde começou a cena roqueira brasileira dos anos 1980 —. Ele sábio. acompanhei de perto as aventuras e provocações da Democracia Corintiana. e começa pelo pior. como o Carbono 14. Sim. dispensou segundos antes. Wladimir e Zenon. e eu ficava cheirando e bebendo Campari a noite toda. Sentiu-se Zeus no Monte Olimpo. mas assim ele começou. Eu parecia um fantasma”. aparece com dois amigos levando uma dura da Rota. ele com 27. Usou tamancos na época. Saía muito com o Magrão [Sócrates]. para ampliar os conflitos e pontos de virada. me disse certa vez. que o adotou. durante o show de Peter Frampton no Corinthians. coração aberto. tudo isso aconteceu e está contado aqui por Gilvan Ribeiro. que o apresentaram à cocaína. Aos dezoito anos de idade. braço repressivo da ditadura. diante de mais de 1 milhão de pessoas no Anhangabaú. para tornar a narrativa mais atraente do que ela é. camiseta da irmã. Parece sonho de um moleque torcedor. não se censura. Num flashback. faz quatro gols na estreia como profissional do Corinthians. é preso no aeroporto Santos Dumont com uma presença implantada pela Polícia Federal. O jogador já famoso e articulador do movimento Democracia Corintiana apanha da polícia em plena Marginal Tietê. Relembra. Ao todo.Ele é levado à força a uma clínica. Depois fui tirar uma foto com o Peter Frampton. e nos primeiros quatro meses fica em isolamento. diante do garoto passional. Passeei de mãos dadas com o demônio. não adoça. Muitos acharão que o autor deste livro ou os roteiristas do suposto filme carregaram na tinta. Vi o inferno. Seleção brasileira. Portugal. e depois no Torino. Itália. Em 2005. Galvão Bueno e. Voltou a ser um dos melhores comentaristas da tv brasileira. Seguiu o caminho dos grandes ídolos. Marcelo Rubens Paiva Corintiano. Marco Mora. precisava estar lá. A droga passou a fazer parte de sua “filosofia de vida”. com uma rotina bem família. por respeito ao seu passado e ao grande cara que todos adoram. escritor . diretor executivo da cgesp (Central Globo de Esportes em São Paulo). tão bem contado aqui nestas páginas pelo confidente e amigo jornalista Ribeiro. recebendo visitas apenas dos familiares. o procurou e o apoiou. abre o jogo em eventos e entrevistas. alerta e expõe seu drama pessoal. mais sofre preconceito no Brasil. craque que viveu drama semelhante. E. como comentarista. Ficou quatro meses. que “dependentes químicos usam drogas para se anestesiar de algo na vida com que eles não conseguem lidar”. Até o desafeto ex-goleiro e técnico Emerson Leão. Sacou que aquilo não ia dar certo. primeiro no Porto. Descobriu que. deu suporte. sem parar. principalmente. maloqueiro. anda com psicólogas. grupo que. totalmente isolado. sem se drogar. sim. Casão ainda faz terapia. milita agora em palestras.Corinthians. como poucos. A imprensa o preservou. até ser introduzido à heroína. Usou três dias direto. Ficou mais oito meses. segundo ele. o bancaram durante a internação. Paulo César Caju. consegue rir da desgraça pela qual passou. que era contra a Democracia Corintiana. Ciente de que é ex-dependente. se injetava e saía dirigindo o carro. vendo estrelas e fantasmas. Ficou oito anos jogando na Europa. Não fugia da clínica porque queria provar que não precisava estar lá. Assim como Lobão. pisando com segurança sobre o repelente azul do carpete (um azul quase verde. bandeiras e cornetões. de maturidade com malícia — nascida nas ruas da Penha. exatamente o mesmo tom da camisa do Chelsea. batuque. mistura estranhamente harmônica de segurança com timidez. o Partido dos Trabalhadores? Apesar de seu passado ser uma bandeira e seu presente. na raça e no humor —. e nos arquivos do sni (Serviço Nacional de Informações. me dei conta de que uma parcela considerável da culpa por eu ser corintiano e por estar ali. e ainda ajudar a fundar um partido político. órgão dedicado a espionar os cidadãos “suspeitos”. atitude que ainda está presente no conteúdo e até mesmo no tom de voz dos comentários de Casagrande. inspirada pelo rock e curtida no peito. num anel de acesso à arquibancada. durante a ditadura)? Quantos podem dizer que subiram ao palco para cantar com a Rita Lee e ao palanque para lutar pelas Diretas? Quantos. enviado pela Folha para escrever sobre a final. nos primeiros capítulos deste livro. ninguém menos que Walter Casagrande Júnior. Para aumentar o nervosismo. quase venceram o jogo. do outro lado do mundo. mas de alguma forma sentia que havia ali uma atitude diferente. Mau augúrio. genuinamente empolgada ou irritada. com a garganta apertada. com aquele andar inconfundível. arrumariam tempo para continuar jogando num time de várzea. na Globo — um tom de voz cuja cadência humana. Casagrande tem seus demônios — demônios violentos que. Casagrande é um dos meus heróis — e não estou falando só de futebol. vendo os jogos pela televisão ou no Pacaembu. Na época do bicampeonato paulista de 1982 e 83 e da Democracia Corintiana. eu diria) e espantando qualquer mau presságio do meu coração. Quantas pessoas por aí podem se orgulhar de ter gravado o nome nas súmulas dos principais jogos do país. da rua Jaborandi. ou. enfática. com torcedores. . Casão Na noite de 16 de dezembro de 2012 entrei no Estádio Internacional de Yokohama. uma lição. em geral usado pelos homens de televisão. mas dei num corredor longo e vazio — ainda mais longo e mais vazio por conta da minha ansiedade com a final do Mundial de Clubes da Fifa. Pensei que fosse sair numa sala barulhenta.Apresentação Obrigado. pois eis que lá do outro lado surge. eu era muito pequeno para entender racionalmente todos os signos por trás daquele cabelão e daquela ginga. que começaria em instantes. nos anos 1980. atuando numa das melhores equipes do futebol profissional brasileiro. conforme lemos. quem sabe. o Veneno. o Casão. o corredor tinha um carpete azul. Enquanto nos aproximávamos. como diz o poema. com meu pai. passei pela catraca e peguei um elevador até o terceiro andar. cheia de repórteres e fotógrafos. diferencia-se do ritmo mais homogêneo e cadenciado. rumo ao centro de imprensa. pensei. Atitude que ajudou a trazer mais justiça e graça ao futebol e ao país. era daquele cara vindo em minha direção. mais de uma vez. mas não por muito tempo. com a mesma intenção? Acanhado. no corredor do estádio. agradecer por tudo ou. quis dizer-lhe muitas dessas coisas. Quando enfim nos cruzamos. Os leões. de sua família. recebi um e-mail do Gilvan Ribeiro. compõe com a parede branca uma longa faixa alvinegra: obrigado. autor da comovente biografia que você tem em mãos. Que bom. tenho que matar um leão por dia para combater um inimigo”. tinha que matar um leão por dia para vencer adversários. agora. mas hesitei: quanta gente não deve pará-lo. felizmente. Agora. Casão. estão sendo mortos. Casagrande desabafou na tv: “Como jogador. provavelmente já em alguma série C deste campeonato pessoal. no filme P&B da memória. apertar sua mão. convidando-me para escrever esta apresentação. incapaz de soltar até mesmo um protocolar “vai. dos amigos e dos milhões de admiradores que sempre torceram e comemoraram suas vitórias. pelo menos. baixei os olhos e segui em frente.Em 2011. naquele corredor — cujo carpete. Para a minha sorte. e o inimigo. depois de um ano numa clínica de reabilitação. em Yokohama. poucos dias depois daquele (não) encontro e da vitória corintiana. todos os dias. Assim eu posso dizer o que não consegui. Antonio Prata . está perdendo de goleada — para o bem do Casagrande. dentro e fora do campo. Corinthians!”. Demônios à solta .capítulo um . Porto. Em sua mente ficou registrada apenas a imagem de um deles: “O formato era de homem. enormes. encarava blitze policiais com certa ironia. com dois ou três metros de altura. via demônios pelo apartamento inteiro. constantemente. estivesse tão acuado agora. horrendos mesmo. apavorado. Alma de roqueiro. talvez. Tinha as orelhas grandes. sem noção do tempo e do espaço. autoridades. Torino. Espremido entre aqueles seres descomunais estava Walter Casagrande Júnior. Não deixa de ser irônico que o ex-jogador de 1. e exibia as maçãs do rosto proeminentes. ressaltadas por bochechas chupadas para dentro. São Paulo. já fora revistado várias vezes por soldados truculentos. sem intervalo de um sono restaurador. vermelhos. o nariz também. técnicos. Tratava os problemas em geral. Por isso não chegou a guardar as feições de todas as criaturas. tudo parecia muito real. A sua figura esquálida e os olhos fundos. mas jamais se abalava. E grandes. Atingira algo em torno de dez dias em claro. O pavor de se deparar com aqueles seres dos infernos o levava a desviar o olhar e a evitar qualquer tipo de contato. com um despudor que beirava a irresponsabilidade. Já perdera a conta de quantos dias essa situação absurda se repetia. “Eu tinha visões horríveis. a ditadura militar nos anos 1980. Magro de assustar. mas a simples presença deles era aterrorizante. Coisa de um mês. sentavam-se no sofá. muito feios. Alguns apareciam no quarto. cada vez mais próximos da outra extremidade para segurar a calça na linha de cintura.As portas do inferno estavam abertas. que não se intimidava com cara feia. chegou a ser preso por porte de cocaína no auge da carreira de atacante. porque eu os via em todos os lugares. sem dormir ou comer. Atualmente. a boca com os dentes caninos saindo pra fora”. agora demonstravam só fragilidade. Já desafiara com opiniões e gestos contundentes dirigentes. com as pupilas dilatadas. Casagrande procura dar uma explicação racional para a loucura daqueles dias. Eram feios. apareciam nas paredes. brilhavam. descreve. e tudo o que aparecia pela frente e lhe parecia autoritário. todos os dias. nem me sentava no sofá. sei lá. na zona oeste de São Paulo. Não falavam ou me ameaçavam. .91 m. acostumado a trombar com zagueiros corpulentos. usava o cinto com furos adicionais. o atacante destemido que fez sucesso em clubes como Corinthians. Como se a presença deles ali fosse algo natural. guerrilheiro. Flamengo e na Seleção brasileira. A confusão se tornava ainda maior pela quantidade de noites e manhãs que se emendavam. justifica. remotamente. Ascoli. Eram maiores do que eu. Desde a adolescência. conta o ídolo. libertado das profundezas. só que muito maior. sobre demônios”. A irreverência sempre fora a sua marca registrada. outros na sala. e até uma imagem de mulher surgiu refletida na geladeira. Os demônios invadiam a casa. sem qualquer cerimônia. “Eu entrei em surto psicótico pelo uso exagerado de drogas e privação de sono. na época. Os olhos. Também foi uma coisa induzida pelas pesquisas que eu estava fazendo. E medo. orra. andavam pelos cômodos. mal cabiam no apartamento localizado na Vila Leopoldina. inclusive no âmbito da Justiça. Estava assustado pra caralho. meu! Mas aquele cara apenas lembrava. um mês e meio”. Aí comecei a ficar com medo de ir à cozinha. Isso durou um mês. já não comia. pesquisando coisas pesadas. adoravam o demônio Belial”. ele entrou numa estátua. 71 demônios voltaram para seu lugar de origem. Mas não descarto a possibilidade de que.” Tudo explicado à luz da razão. para as energias ruins baixarem em casa. Eu ali. chegou à história do rei Salomão. Embora também estivesse sob efeito de drogas. invocou e domou os 72 demônios bíblicos. Acabei em surto psicótico e passei a criar aquelas terríveis alucinações. Só um deles permaneceu na Terra. O primeiro revolucionário de todos os tempos. As pessoas faziam oferendas e. a luz se acende e se apaga. os aprisionou dentro de um vaso de cobre. é intrigante que ela relatasse as mesmas visões demoníacas. Lembram-se daquela mulher que apareceu na porta da geladeira? Pois é. é preciso existir as duas faces. relata Casagrande. Se a gente jogar uma pedra pra cima. Casagrande não segue uma religião e não tinha a menor intenção de se meter com magia negra ou satanismo. Em vez de retornar. Para haver equilíbrio no Universo. mas que se rebelou contra o Criador e acabou expulso do Paraíso. Porém as pessoas viram o vaso ser jogado no rio e pensaram se tratar de um tesouro. naquele momento. “Acho fundamental o fato de tudo na vida ter dois lados. Jamais imaginou que eles pudessem se materializar em seu apartamento. ela vai descer. assim. compartilhava as alucinações. porque havia um desequilíbrio mental e emocional provocado pela droga. Enfim. noite e dia. então? Não exatamente. ao mesmo tempo. “Vi uma imagem muito nítida dessa mulher e fiquei gelado . A Bíblia revela a saga de Lúcifer. chamado rei Belial.. criado logo depois de Lúcifer. “Justamente o mais poderoso. governante de Israel cerca de mil anos antes de Cristo. talvez até mais. dois olhos.O interesse pelo assunto surgiu como uma curiosidade meramente intelectual. Sol e Lua. mas acabaram por libertar os demônios. me drogava muito. direito e esquerdo.” De acordo com a história. O ex-jogador pretendia somente estudar esses mitos. duas orelhas. que agora buscava algum tipo de redenção. “O lance é o seguinte: eu ainda tenho uma ponta de dúvida. qualquer definição de opostos são complementares. Havia um detalhe que deixava Casagrande ainda mais atormentado e que até hoje lhe provoca uma incômoda interrogação. acharam o recipiente e o quebraram em busca de joias. passou a pesquisar a origem dos mitos demoníacos. antes de sua mudança para lá. com quem havia se enfurnado naquele apartamento. tudo tem o oposto. lia sobre eles. Então. espiritualmente péssimo.” Movido por essa convicção. Nós temos o braço esquerdo e o direito. “Eu tinha livros. A partir daí. Um precisa do outro para existir. mas. tenha sido provocado pelo surto psicótico. ele começou a cismar que fosse uma espécie de alma penada. Alguns homens mergulharam. Uma jovem morta naquele apartamento. algo arriscado demais. “O rei Salomão virou mago. anjo criado por Deus para liderar os querubins. sem ter o preparo necessário. sombra e luz. a porta se abre e se fecha. que é movido a energia.. Em seguida. que passou a ser cultuada por muita gente. seria muita pretensão das pessoas achar que só existem Deus e os anjos. Outra pessoa. eu tenha aberto uma porta que não deveria. atirado dentro do rio da Babilônia. tá? Acho que 90% daquilo tudo.” Mas não eram somente os demônios que infernizavam a vida de nosso herói. São coisas incompatíveis. Creio que bem e mal. dos pés à cabeça. Era uma garota, de 20, 22 anos, por aí, e eu não sabia se era real ou alucinação. A impressão foi de que ela estava atrás de mim, às minhas costas, com o reflexo na geladeira.” Enquanto vivia esse pesadelo interminável, não parava de se drogar. A porção de heroína já havia acabado fazia algum tempo. Mas ele aplicava cocaína nas veias, cheirava pó, bebia tequila, tomava remédio para dormir, tudo junto. Com esse nível de alteração de consciência, a paranoia atingiu níveis cada vez mais alarmantes. Assim, convenceu-se de que o corpo daquela mulher encontrava-se escondido em algum lugar dentro do apartamento. E entregava-se à procura insana pelo suposto cadáver. Sempre com a companhia indesejável dos demônios. Em alguns momentos, pensou em pedir socorro. Mas não sabia a quem recorrer naquela situação tão vulnerável. Evidentemente, deixara de trabalhar como comentarista de futebol da tv Globo durante esse período. Não reunia a menor condição de sair de casa, quanto mais de botar a cara no ar em rede nacional. Fugia dos amigos, porque tinha certeza de que não seria compreendido. O mundo externo lhe parecia ameaçador, embora, ali, estivesse mergulhado nas profundezas do inferno. Se bobeasse, poderia ser internado como doido varrido. Fechado naquele universo sombrio, estava às raias da loucura mesmo. Como qualquer um de nós, quando a coisa aperta pra valer, Casagrande tinha ímpetos de recorrer à proteção dos pais. Sobretudo da mãe, dona Zilda. Mas, matutava, como pedir colo à velha senhora num estado tão desesperador? Certamente, iria fazê-la sofrer. Depois de ter passado a vida toda, desde a adolescência, escondendo dela que usava drogas, seria justo pedir água quando não conseguia mais segurar a onda sozinho? Por várias vezes pegou o telefone e discou o número da casa dos pais. Quase sempre de madrugada. Dona Zilda e seu Walter acordavam, sobressaltados, e corriam aflitos para atender a ligação. “Alô! Alô? Alooooô???”, diziam eles, sem ouvir qualquer resposta. Essa rotina se repetiu por diversas noites. Do outro lado da linha, com o coração aos pulos e a respiração acelerada, Casagrande não conseguia pronunciar palavra. Até que um dia ele não aguentou mais. Precisava mesmo de colo, do aconchego do útero, quem sabe até de um padre, de qualquer coisa que lhe trouxesse um pouco de paz. E foi então que, finalmente, chamou seus pais. Em meio à confusão mental, ele se esforçou para explicar seu martírio e assentiu que levassem um padre a sua casa. Embora não fosse católico e cultivasse certa aversão pelos dogmas conservadores da Igreja, sem falar na história de conivência com o poder, Inquisição e o escambau, aquela não era hora para ideologias ou princípios políticos. Era urgente expulsar os demônios. E um sacerdote versado em ensinamentos bíblicos e no Evangelho poderia lhe dar alguma orientação para se livrar do mal. Fazer o quê? Que venha o padre! capítulo dois - Água benta O telefone tocou naquela manhã de sábado, 22 de setembro de 2007, na casa dos pais de Casagrande. Dona Zilda foi atender com o coração apertado. A sua intuição de mãe havia disparado o alarme de que alguma coisa não andava bem com o filho. Já suspeitava, intimamente, de que aquelas ligações misteriosas à noite, no meio da madrugada ou pela manhã, bem cedinho, nas quais ninguém falava nada do outro lado da linha, partiam de Waltinho — como a família chama o seu integrante mais famoso. Ela vinha tentando, sem sucesso, estabelecer contato com seu eterno menino. Por isso deu um longo suspiro, entre aliviada — por finalmente ouvir sua voz — e aflita — por perceber o pânico em cada palavra dele. Com o tom alterado, ofegante, Casagrande relatou seu calvário, de forma abreviada, e aceitou que ela levasse um padre a seu apartamento. Ciosa de seu dever materno, dona Zilda convocou o marido para buscar o padre Arlindo, na igreja da Pompeia, a fim de seguir em comitiva para o apartamento da rua Passo da Pátria, na Vila Leopoldina. Com ar preocupado, o pároco ouviu o relato nervoso dos pais e pediu um instante para pegar o kit básico para ocasiões dessa natureza: crucifixo, água benta e uma imagem de Jesus Cristo. Quando o trio chegou ao prédio de Casagrande, nem foi preciso interfonar para o apartamento. Ele já havia descido e aguardava, ansioso, por seus salvadores na recepção. Não suportava mais ficar dentro de casa com os demônios. “Encontrei meu filho transtornado. Ele andava de um lado para o outro, encurvado, com as mãos para trás, segurando um grande crucifixo”, lembra-se dona Zilda, emocionando-se com a simples recordação. Até hoje Casagrande não sabe explicar de onde surgiu aquela cruz. “Não costumava ter crucifixo em casa. Não faço a menor ideia de como aquele apareceu. Acho que o comprei, talvez, mas não me lembro.” Dona Zilda procurou lhe dar carinho e seu Walter assegurou que a presença do padre iria lhe trazer paz e ainda tranquilizar o ambiente. Eles subiram, então, a fim de rezar e benzer o apartamento. Quando a porta foi aberta, os visitantes tomaram um susto. Encontraram a casa devastada, parecia que um tufão havia passado por lá. Objetos jogados pelo chão, estantes caídas, uma bagunça só. “Ah, eu quebrei muita coisa. Desmontei o quarto todinho em busca do corpo da mulher que eu havia visto na geladeira. Botei na cabeça que aquela garota havia participado de alguma festa lá dentro, antes de eu alugar o apartamento, e havia sido morta e enterrada em algum lugar por ali. Pirei com essa ideia e comecei a tirar as prateleiras e as peças dos armários embutidos, dos guardaroupas, tudo para achá-la. Uma viagem tenebrosa”, conta Casagrande. Depois de um instante de inércia pelo impacto inicial daquela visão de destruição, todos procuraram se recompor, e o padre Arlindo iniciou o ritual religioso. O sacerdote andou por todos os cômodos, espirrando água benta pelo local. Concluído o trabalho, não havia muito mais a fazer. A essa altura, Casagrande já dava sinais de impaciência. Por isso assegurou que se sentia melhor, com o único propósito de voltar à sua privacidade. Ao analisar os acontecimentos agora, ele não vê sentido nesse auxílio pastoral. “Eu tenho uma religiosidade grande, mas não sigo uma religião. Nem entendo o motivo de ter chamado um padre. Estava debilitado. enfim sós. Eu pensava: agora tô fodido! O padre jogou água benta na casa.Estava muito confuso naquele dia e acho que precisava me apegar a alguma coisa. Afinal. ele havia procurado ajuda pela primeira vez.. Casagrande. eles vão me trucidar.” Diante da presença de seus acompanhantes indesejáveis no hotel. o caralho. justiça seja feita. Não. o Jeep Cherokee capotou. ele não suportou permanecer ali por muito tempo. Estava muito preocupado. a culpa não foi dos demônios. Os demônios que ficassem lá. sem comer havia muito tempo. no entanto. sim. então. presente havia tantos dias em seu organismo. ele e a noiva escaparam vivos. Percebi que não adiantava fugir para lugar algum. perdi os sentidos. Ele ainda teve forças para sair do veículo e ajudar a socorrer a noiva. ao mesmo tempo. Quando passavam pela altura do número 809 da rua Tito. Não curto a Igreja Católica.” Dona Zilda e seu Walter foram embora bastante preocupados com o estado em que encontraram o filho. Ao contrário.” O Cherokee desgovernado. e não houve vítimas. não havia sentido em permanecer ali. se encheram de esperança. perto do prédio da tv Globo. O restante ficaria por conta da graça de Deus. Casagrande olhava ao redor e não sentia nenhum alívio. Ele se hospedou com a noiva no Hyatt. Mas logo descobriu que os demônios o haviam seguido até lá. no Brooklin. “Eu apaguei no carro. vocês venceram. Chegou à conclusão de que o melhor seria tirar o time de campo. longe daquelas criaturas dos infernos. O jeito era procurar refúgio em outro lugar qualquer. Mas. poderia ter pego todo mundo na calçada. e acho até que a situação piorou naquele dia. me drogando havia muito tempo... que fraturara a quinta vértebra da coluna. A sua agitação. não teve o efeito esperado. “O problema estava em mim. depois de capotar. convenceu a noiva a ir embora com ele.” O tranco do carro o fez voltar à consciência.” Ainda mais ameaçado. ok. A visita do padre e a purificação da casa também haveriam de lhe trazer alguma paz. onde ela ficou largada numa maca no corredor. A estratégia de retirada. Afinal. na Lapa. O saldo ficou barato. confusão mental e magreza extrema os deixaram impressionados. fomos levados para o Hospital das Clínicas. Dei até sorte de não ter provocado uma tragédia. “Havia um casamento no outro lado da rua. Além de não haver mágica capaz de anular o efeito da cocaína. sem sequelas. sinal de que estava disposto a modificar o cenário caótico e seu modo de vida. Agora. . tampouco tiraram sua atenção do trânsito. Eles não apareceram no carro. “Acompanhei tudo. uma ideia começava a martelar em sua cabeça: as criaturas do inferno não deviam ter gostado nem um pouco daquela invasão cristã em seu território. Casão simplesmente dormiu em meio àquela maratona em vigília. O padre Arlindo voltou à paróquia confiante de que desempenhara bem o seu papel e teve a sensação de dever cumprido. bateu em seis carros estacionados na rua. sem beber água havia muito tempo. Entrei numas de que a presença do padre havia irritado os demônios. crente de que ficaria exclusivamente com ela. Mas os demônios não pareciam decididos a jogar a toalha.. “Aquilo não ia servir para nada mesmo. Decidiu ir para um hotel o mais rápido possível. ficara mais apavorado. Assim que entrei no veículo. ligou o rádio e sintonizou a cbn. presidente do hospital Albert Einstein. em seu apartamento no bairro de Perdizes. Casagrande permaneceu sedado.então liguei para o doutor Claudio Lottenberg. Tão logo apresentou melhora. A poucos quilômetros dali. A família concluíra que não havia outra alternativa diante de um quadro tão dramático. No breve momento em que recuperou a consciência. referindo-se ao guerreiro imortal interpretado por Christopher Lambert no filme produzido em 1986. e convenceu dona Zilda a fazer o mesmo. disse para o filho Leonardo. à revelia do paciente. O filho mais velho. desmaiei. Durante os três dias de tratamento no Einstein. como sempre costumava fazer. assinou o documento que garantia a internação involuntária. diferente de tudo o que Casão já havia experimentado — e que mudaria radicalmente a sua vida.” A notícia do acidente logo se espalhou. Começava ali um longo período de isolamento. Eu tinha o celular dele porque a gente passava férias em Comandatuba (Bahia) e jogava tênis juntos. àquela altura em estado de coma no hospital. . Ele mandou uma ambulância para nos buscar na mesma hora. Foi assim que ela ficou sabendo do ocorrido com o filho. foi levado a uma clínica especializada em dependência química. ainda conseguiu fazer brincadeira: “Não falei pra você que sou o Highlander?”. dona Zilda levantou-se no domingo. Victor Hugo. capítulo três .Overdoses . fui até a pia. O preço da dependência química ficava cada dia mais alto. o pai disse que iria tomar banho e. Quando a porção minguou. para fazer a pequena quantidade render.” Em geral. Veio correndo e bateu na porta: “Pai. Entretido com o computador. Era preciso antes “fritá-la” numa colher. Leonardo. reconhece.. apesar da dose excessiva. juntava dois “tiros” de cocaína e um de heroína para preparar uma dose.Aquela não era a primeira vez que as drogas haviam deixado Casagrande na lona. lavei a seringa e a guardei dentro da bolsa. um tipo de orgasmo. em frente ao espelho. escondido da família. O último “speed” era de 1 ml e foi colocado na seringa para facilitar a aplicação no momento oportuno. exposta à chama. “A sensação da heroína. se trancou no banheiro para se drogar. então? “Pensei nisso. Até que a heroína chegou ao fim. não aconteceu nada na hora. “Sei lá. “Botei tudo de uma vez. houve uma explosão no meu peito. Casagrande escolheu se aplicar na pior situação possível. Só se esqueceu de um detalhe importante: aquela quantidade equivalia a duas doses e havia sido preparada com o propósito de ser usada com um intervalo entre as aplicações. juntamente com os filhos. Estranhamente. “Pensei: caraca. adverte. e eu voei.” Havia entrado em convulsão. punha mãos à obra. Passara por quatro overdoses em períodos recentes. envolvido pelo vício. quando ele ganhou um papelote com cerca de dois gramas de heroína e passou a aplicá-la nas veias.” Outra coisa: seria possível comer naquele estado? “É claro que não”. Casão injetou 1 ml de “speed” na veia. Mônica Feliciano. Por isso as pessoas morrem”. mas fiquei com medo de que alguém chegasse e achasse aquela porra. mas é a mais mentirosa das drogas. ele já havia enfrentado problemas que quase custaram sua vida. Antes de ver demônios. e provocado sua separação conjugal. Saí cerca de um metro do solo..” A sua capacidade de discernimento já estava comprometida. vou sair com meu filho e levar essa seringa na bolsa?”. Aí eu me levantei. o que está acontecendo? O que . decidi tomar e pronto. é totalmente falsa. Já a heroína exigia mais trabalho. O chamado “speed”. Dá a impressão de que você está tendo o maior prazer do mundo. ia jogando água até dissolver a droga. esperava sua mulher. Fervia e destilava água para dissolver a cocaína. Furtivamente e com pressa. Mas fazia do meu jeito. Um ritual que se tornou frequente. Antes de saírem. sair de casa. resolveu combiná-la com cocaína. por incrível que pareça. Leonardo estava em casa e o convidou para jantar fora. ele não conseguia parar. Não bastaria deixar a droga em casa. pois o Leonardo estava em casa e podia aparecer a qualquer momento. Explodiu mesmo: bummmm. Quando fechei o zíper. Leonardo ouviu o som da queda e tomou um susto. A primeira delas por ter acontecido na presença do filho do meio. Porém. mesmo assim. bati contra a parede e caí no chão. Ao ficar sozinho. pai. nunca soube fazer direito. “Algo meio complicado. rapidamente. Sempre em casa. O seu corpo se debatia e fazia uma tremenda barulheira ao se chocar com os ladrilhos e o vaso sanitário. Por isso. quero deixar isso claro. num curto espaço de tempo. O processo era complexo e demandava certo tempo. O caldo começou a entornar no início de 2006. relembra. Em seguida. A preocupação fazia sentido. mas. uma leveza. Duas foram especialmente marcantes. Qualquer movimento provocava a aceleração excessiva dos batimentos cardíacos. “Não estou muito bem. não vai me deixar na mão agora! Não bate mais do jeito que você está batendo. Leonardo se desesperava. Então. assegurou Casa. não tô legal”. Só uma coisa passava por sua cabeça naquele instante: “Eu não posso morrer aqui. Durante a hora em que Mônica e Leonardo ficaram ausentes. assustado. comecei a pedir: para. Aos poucos. limitou-se a amparar o pai até a cama. eu conheço o cara. não é nada”. cara. perguntava ele. “Preciso ir para o hospital”. ao lado de Mônica. “Não deve ter chegado a um minuto. Percebia que algo muito sério acontecia com o pai e não sabia como agir. porque eu não vou aguentar.está acontecendo?”. para. A mulher e o filho o levaram para o hospital.” Mônica chegou em casa em seguida e encontrou o marido se recuperando na cama. Casagrande ainda conseguiu responder: “Calma. Então. Falava pra ele assim: meu. No primeiro atendimento. Eu babava. ao se deitar. Porra. Mas a convulsão começou a amenizar. Casagrande se mantinha consciente. Sozinho. o tratamento inicial seguiu nesse sentido. com meu filho do lado de fora do banheiro. extremamente nervoso. Sentia que não ia suportar mais e. Apesar do estado crítico. você está comigo desde que eu nasci. Sem expressar sua desconfiança naquele instante dramático. logo vai ficar bem”. eu não vou aguentar!” Leonardo já planejava arrombar a porta. puta merda. avisou. Nunca o tinha visto escorregar em nenhum lugar antes. “Às vezes. depois passava… altos e baixos. reclamou ele. e ele me manda uma dessas? Nem o chuveiro estava ligado. a mulher o tranquilizou: “Você está impressionado. “Não faz isso. me debatia e não tinha mais controle sobre meu corpo. ela saiu com Leonardo para jantar. Pouco depois. tentando acalmar o coração. bam. comecei a conversar com meu coração. não faz isso”. bam. Do outro lado. Pensava ser apenas um trivial tombo no banheiro. pai? O que foi?”. Sem imaginar o que havia acontecido.” Chegava a fazer carinho no próprio peito. Lógico que não acreditei”. conseguiu se levantar e destrancar a porta. aflito. manteve a versão do tombo no banheiro e o trauma na cabeça e nas costas. ele alternava picos de crise e sintomas mais amenos. Casão percebeu que o problema ainda não havia passado. Eu estava muito louco. “Só o jantar terá de ficar para outra ocasião. bam. Disse que havia escorregado e batido a cabeça. Mas seu dono percebeu que seria necessário buscar ajuda médica. entrava de novo em convulsão. encontrou um . sucessivamente. para acalmar o garoto. ele pediu socorro. Mas ele sabia que teria de falar a verdade mais cedo ou mais tarde. O coração foi fiel e resistiu bravamente à descarga colossal do “speed”. uma coisa louca. “Poxa. Pipocava no chão. onde foi colocado numa cadeira de rodas e encaminhado para o quarto. “Já estou melhor”. Casagrande recuperou o domínio sobre o corpo. Mas também falava palavras desconexas. Assim que Mônica e Leonardo regressaram. “O que foi. mas a minha impressão é de que durou horas. fazia muito barulho. caralho. repetia. comenta Leonardo. foi uma dose cavalar. Não podia fazer gesto algum. Assim. sossega. para. repetia. Não posso morrer!”. Você tem de ficar quieto. referindo-se ao filho caçula. No fundo. a minha cabeça estava torta. Fiz o jogo bonitinho na quarta-feira à noite (participou da transmissão como comentarista da tv Globo) e voltei pra casa. reconhece Casagrande. Vai ter de ir para o Einstein agora. ela vai ajudá-lo”. a partir dali. talvez por não sentir no marido arrependimento sincero e disposição para lutar contra o mal. Segurou a onda no primeiro momento. mas o susto não foi suficiente para fazê-lo mudar de vida. ele se viu praticamente obrigado a enfrentar o momento tão doloroso e constrangedor: o de contar para Mônica que era dependente químico havia tempos. fala para a pessoa mais próxima. Eu estava meio desnorteado… Depois que a deixei. foge do âmbito de uma decisão racional. Ele assentiu. mas. ela fica puta também. Casagrande abriu o jogo. Mas. Casão ainda se manteve “pianinho” para tentar limpar sua barra. Por ser um sujeito tão forte. na quinta de manhã. onde iria receber tratamento específico. Você está muito mal. Algo de que ele ainda não havia se convencido que precisava. Eu estava fodido mesmo. tinha certeza de que o problema não era uma batida de cabeça. um touro mesmo. mas o relacionamento. E outra: você precisa de ajuda. ex-atleta. do mesmo jeito. pela condição crítica do marido internado. Requer muito esforço e. eu sabia. “Você já está melhor?”. ela fica puta. alternava estados de espírito. “Aí começou a crise no casamento. e realmente estava sendo mesmo”. quase sempre. Mônica jamais podia imaginar que o marido fizesse uso de substâncias pesadas. Cara. “Não. quis saber Mônica. Quando se está envolvido nela. “Porra. Mônica bem que tentou perdoá-lo. “Fiquei uma semana sem usar nada. caminho inteiro. ele voltou para casa.. Ora se mostrava compreensiva. torna-se difícil superá-la. Naquela semana em que deixou o hospital. e ela partiu para encontrar o filho. só com mais cuidado. porque ela se sentiu enganada. você não vai ficar aqui. analisa. Então. a Mônica pediu uma carona para o trabalho dela e foi me agredindo dentro do carro com palavras ásperas. tratamento especializado. que se foda! Agora vou fazer tudo do jeito que . o médico já desconfiava de que havia acontecido algo diferente do que tinha sido contado. “Continuei fazendo as mesmas coisas.. falando em separação. conseguia dissimular o que. doutor”. disse o médico. Por conta de sua experiência. ela vai me largar. não. escondido da família. “Eu não bati a cabeça”. Mônica ficou muito puta. tinha consciência de que não havia alternativa. se eu falar para a minha mulher.subterfúgio para afastar a mulher dali. A sua companheira de décadas perdeu o chão com a revelação. cara”. mais atento em relação às doses. talvez. até carinhosa. Ao ser transferido para o Einstein. sugeriu. conta pra sua mulher o que está acontecendo. revelou. Depois de receber alta. se eu faço a coisa certa. nunca mais seria o mesmo. A dependência química não é algo que se escolhe. Sabia que ela era radicalmente contra. lamentou-se. parei num restaurante lá em Alphaville e pensei: se eu uso droga e estou mal. Ele gelou ao ouvir o conselho. ora irritadiça e pensando em separação. “Poxa. com receio de encarar a situação. rebateu o médico. muito down”. Ao ficar sozinho com o médico. mas relutava em revelar o uso de drogas para a mulher. ali. fosse impossível para a maioria das pessoas. “Vai ver se o Symon já chegou”. nas suas barbas. e nada de ele dar sinal de vida. O cenário estava pronto para ele se afundar ainda mais e jogar no lixo um casamento de tantos anos. O horário do fechamento do jornal se aproximava. Ou. eventualmente poderia escrever algo com o qual ele não concordasse. sexta o dia todo. Afinal. Tratava-se de uma relação promíscua.eu quero. ele atendeu. apesar das mensagens gravadas. “Comecei a me injetar naquele dia mesmo: quinta o dia inteiro. Estava realmente preocupado com ele. Porém num estado deplorável. Dessa vez. Então. o que. resolvi fazer uma última tentativa. por outra ótica. Percebi que essa era a única maneira e não insisti mais. E se Edmundo se recusasse a participar da transação? Em tese. Mas. Quando eu já pensava numa alternativa para preencher o espaço reservado para a coluna. Mais especificamente o fato de o atacante Edmundo estar cobrando uma dívida antiga do técnico na Justiça. Nem sabia como conseguira correr ao telefone naquele momento. Propus que escolhêssemos um tema e que ele me desse sua opinião em linhas gerais. Uma mão lava a outra”. só daquela vez. As ligações para o telefone de sua casa também não eram atendidas. até ali. Na época. cada vez mais incisivas. quando não nos encontrávamos pessoalmente durante a semana. e não tinha forças para nada. misturava a questão pessoal com a profissional. por motivos óbvios. Prometi que voltaria a ligar tão logo concluísse a edição. 24 de fevereiro de 2006.” Esse pensamento é típico de dependentes químicos. pela convivência ao longo dos anos. Falou que estava deprimido. queria desabafar. disse. Um sufoco. Paulo. na cama. naquele dia. inclusive à noite. Tampouco ele queria deixar de publicar a coluna. O tema escolhido para a coluna foi Vanderlei Luxemburgo. o mínimo para eu desenvolver o texto. virei a noite de novo e. e Casão não haveria de aprová-la. não conseguia localizá-lo. como a mulher. cheguei a manter contato com ele na sexta-feira. Esse era o fato novo. que . Voltou a pegar cocaína e heroína. Eu anotava suas ideias e depois as colocava no papel. eu o ajudava a escrever o texto. Só ponderei que. O celular caía na caixa postal e. não obtinha retorno. um favor de amigo. Expliquei que precisava escrever “voando” a coluna porque já estava quase na hora de a edição fechar. Emocionalmente dilacerado. me pediu para escrever o que eu quisesse. que procuram justificativa para usar a droga e atribuem a responsabilidade a terceiros. para minha surpresa e alívio. eu banco. Mas o cara não tinha a menor condição. Como editor do Diário de S. seus valores e suas ideias. Nunca o havia encontrado em estado tão abatido. eu estava morrendo. “Se isso acontecer. Com a agravante de o treinador ter pego dinheiro emprestado na época em que comandava a Seleção brasileira. missão posteriormente assumida pelo jornalista Fernão Ketelhuth.” Fui testemunha de seu descontrole. por mais que conhecesse seus pensamentos. conversávamos por telefone. poderia ter sofrido retaliação e deixado de ser convocado. Em geral. normalmente uma pessoa próxima. a grana dada também poderia ajudar o jogador a ser “lembrado”. no qual Casagrande tem uma coluna aos sábados. eu sabia a forma dele de pensar. evidentemente. o seu drama ainda não se tornara público. no sábado de manhã. para não chamar a atenção das pessoas — afinal. tomei todo o cuidado para não dar margem a qualquer ação judicial. e a melhor forma de reconquistá-la seria respeitando seus sentimentos e dando provas de que iria mudar de vida. apesar de reconhecer seu talento e lamentar que seus trambiques o afastassem da Seleção. as cicatrizes se fechariam. Servi como confidente. levantava a hipótese de a mulher ter um amante e tentava encontrar um motivo para ela querer largá-lo. nem havia clima para isso. em tom ácido. ele precisava de um ouvido amigo. Durou cerca de uma hora. Descartei. era tudo o que eu não queria arranjar para ele. não se conformava com a ideia de separação. liguei novamente. mas não adiantou nada. naquela situação. Transtornado. E mais um problema. A coluna. Embora contundente. essa bobagem: claro que ela não estava apaixonada por outro. Assim que terminei o texto. prontamente. como falsidade ideológica e sonegação fiscal. proposta por Mônica. Aquela foi a conversa telefônica mais longa que já tivemos. . Com o tempo. e se juntava a uma série de enroscos já conhecidos de Luxemburgo. como havia prometido.acabara de vir à tona. Ele se encontrava em queda livre e parecia sentir atração irresistível pelo abismo. a overdose e tudo o mais. como se o uso de drogas pesadas e suas mentiras não fossem suficientes. Não tocamos no assunto da coluna. Seria constrangedor fazer Casagrande ter de se defender por algo que eu havia escrito. Contou-me o que havia se passado nos últimos dias. desancava o técnico. Argumentei que ele havia traído a confiança da mulher. A primeira internação .capítulo quatro . Ela reclamava do fato de ter sido entrevistada e respondido a perguntas até sobre a intimidade do casal. do jornal Lance!. . Essa primeira internação foi por um período relativamente curto: quarenta dias. Porém uma surpresa fora-lhe reservada.Na manhã de sábado do dia 25 de fevereiro de 2006. diversos jornalistas amigos do noivo. E não demorou para que os dois assumissem o relacionamento amoroso. antes de ele se casar com a atriz Deborah Secco. como os integrantes do Sepultura. sem qualquer exibição. Compareceram outros músicos profissionais pesos-pesados. de Milton Nascimento. Corinthians e Cruzeiro). Ari Borges (Band) e Mauro Naves (Globo). como José Trajano e Juca Kfouri (espn Brasil). ligou para o psiquiatra e explicou tudo o que havia feito nos últimos dias e como seu estado era desesperador. Até o repórter Abel Neto. mostrou seu talento como baterista amador. assim como o colunista Benjamin Back. por se sentir invadida e manipulada. era insuficiente. brota involuntariamente. “toda maneira de amor vale a pena”. Mr. mesmo magoada e disposta a se separar. Num sopro de sobrevivência. Mônica participou do processo terapêutico. A apresentadora Adriane Galisteu também marcou presença. o paciente e a médica mantiveram contato. Houve até festa de noivado no bar A Marcenaria. portanto um dia depois de nossa conversa.” Solidária a seu parceiro desde a juventude. principalmente. soltou a voz na casa noturna. O relacionamento progredia rapidamente. Como diz a música “Paula e Bebeto”. juntamente com o meia Roger (exFluminense. algo surpreendente e insólito: Casagrande se envolveu afetivamente com uma psiquiatra que conhecera na clínica. comecei a treinar bastante e a fazer exercícios. Ruffino (baixo). exvocalista de um grupo de reggae. então seu namorado. O argumento deles era de que a paixão é algo incontrolável e. ainda. No nível em que eu estava. mas estes chegaram mais tarde e só se sentaram à mesa para beber e conversar. os convidados tiveram o prazer de ver apresentações de Marcelo Nova (ex-Camisa de Vênus). Casagrande sentiu que ia morrer. por vezes. o mínimo para superar a fase crítica. além do comentarista de arbitragem Arnaldo Cezar Coelho. o que provocou a demissão dela da clínica. Encontravam-se lá. “Achei legal. Diante desse relato tão dramático. em situações impróprias e inadequadas. na Vila Madalena. Quando acabou o período de internação. Franklin Paolillo (bateria) e Nando Fernandes (vocal). colega de Casagrande na mesma emissora. Assim. formada por Luiz Carlini (guitarra). Além de vários roqueiros amigos de Casão que se revezavam no palco. A dor e a indignação de Mônica foram. No fundo. Mas o buraco ficava mais embaixo. ainda cultivava a esperança de que Casagrande se recuperasse e a família pudesse se reestruturar. sustentavam na época. da tv Globo. além de ir todos os dias correr no parque Villa-Lobos com um enfermeiro. Mas o par recém-formado se mostrava apaixonado e determinado a pagar o preço desse amor proibido. Nasi (ex-Ira!) e Simbas (ex-Casa das Máquinas). em canjas sucessivas para animar a noite. o médico não teve dúvida: passou-lhe o endereço de uma clínica especializada em dependência química e determinou que ele seguisse direto para a instituição no bairro da Pompeia. submetendo-se a entrevistas com profissionais da clínica. embalada pela banda Expulsos da Gravadora. O problema foi de potência na aplicação da dose. não provocou nenhuma mudança de rumo. mas o velho guerrilheiro da bola. Casagrande retomou seu lugar como comentarista da tv Globo e cobriu a Copa do Mundo da Alemanha. né. “Cheguei. ainda com a presença de muitos convidados. “Passei mal em casa e comecei a arrumar desculpa pra sair. Casão enfrentara diversos problemas de saúde. O casamento parecia questão de tempo. então houve uma tentativa de resolver o caso sem me expor publicamente. Passara a se injetar cocaína novamente e. fui direto para a uti. Ele se tratava.. não parava jamais. claro. Isso aconteceu com Casagrande quando assistiu ao filme sobre a vida de Ray Charles. Não seriam a insuficiência cardíaca e quase a morte que o fariam escolher outra direção. o descontrole se tornou evidente: não morreu por um triz. A coronária começou a fechar e eu passei muito mal mesmo. “Depois dessa primeira internação. ele nem chegou a embarcar com a noiva. o “vírus” da dependência se manifestou novamente. sobrevivi por pouco mesmo. Dessa vez. interpretado por Jamie Foxx. Assim. para se recolher à intimidade. por onde já havia passado no início do ano. estava morrendo. começou tudo de novo. capazes de derrubar qualquer simples mortal. Como assim. A noiva o acompanhou na viagem. Na segunda-feira. reforçando a imagem de casal em lua de mel. que precisa de preparo e muita determinação para não recair no vício. apesar de todos os problemas ali relatados. Ao chegar em frente ao consultório. Casagrande desmaiou por insuficiência cardíaca e respiratória.” Mau negócio. Ao longo dos anos. “Continuou tudo normal”. e os médicos me salvaram. teve outra overdose. “Ele sabia dos meus problemas. para passar as festas de fim de ano. assegura Casagrande.” No hospital.” Em dezembro. A essa altura. com alma de roqueiro rebelde. já não tinha parte do intestino grosso. “Mas. Eu era impetuoso. diz. tirada por conta de uma diverticulite. o esquema foi previamente montado para recebê-lo.O romance ia tão bem que os noivos deixaram a festa relativamente cedo. Qualquer cena que remeta ao uso de cocaína ou heroína pode desencadear o processo cerebral relacionado ao prazer e instigar o ex-usuário a voltar à ativa. controlava as moléstias e seguia em frente.” A constatação. Aparentemente recuperado da dependência de drogas. cara?” Nada o detinha. o escambau.” Há muitas armadilhas no caminho do dependente químico. relatou a emergência e o levou às pressas para o consultório localizado na avenida Angélica. Ao ver o dvd com a história do músico viciado em heroína. “Os batimentos estavam caindo a galope e aí tive de ser levado imediatamente para o Einstein. Ao .. Com viagem a Natal marcada. Fiz a Copa da Alemanha bonzinho pra caralho”. seu problema também era conhecido. E voltei pesado. “Dessa vez não havia heroína. sífilis. no dia 21 de dezembro. quando voltei. Assisti num sábado à noite e fiquei dois dias com fissura (desejo quase incontrolável de consumir a droga). tudo normal? “Não me assustou de novo. voltei a usar cocaína.” A noiva ligou para o médico. entretanto. fiquei legal por um tempo. em meados daquele ano. papel que lhe valeu o Oscar em 2005. correndo sério risco de morte. experimentara todos os tipos de hepatite. mesmo. Sofreria para se adaptar à nova realidade. O seu convívio social seria limitado aos profissionais especializados e aos outros pacientes. em Itapecerica da Serra. ainda voltaria a incluir a heroína em seu cardápio. a maior parte desse período sem contato com a família e os amigos. contar com os préstimos dos demônios e o acidente de carro para sair daquele buraco infernal. Talvez fosse preciso. Casagrande ficaria ali por um longo ano. Essa clínica é conhecida por ser fechada e impor regras rígidas ao tratamento de dependentes químicos em grau avançado. a 33 quilômetros de São Paulo. .contrário. tão distinta de seu estilo de vida. acabou sendo levado sob sedação para a clínica Greenwood. completamente afastado do mundo externo. depois de ser socorrido do acidente novamente no hospital Albert Einstein. Depois de dar de ombros para tantos avisos de que necessitava tomar uma atitude drástica. Em setembro de 2007. não lhe restou escolha. Memórias do exílio .capítulo cinco . Só depois de algum tempo. internado na clínica? Era um pretexto para sair de lá. e que só agora começava a se dissipar. quando comecei a melhorar fisicamente e a recuperar a sanidade. porque achava que não tinha de ficar lá.” Recusando-se a assinar o cheque. Cansado de dar murros em ponta de faca. Mas se eu não havia pensado em tudo isso antes. Porém. em breve. Tinha vaga ideia de que sofrera um acidente. Ele resolveu acertar as contas e prosseguir com a internação. Olhou para o teto. e ele só conseguiu entender melhor o que se passara bem mais tarde. alegava que iria perder o emprego. mecanismos para despertar o sentimento de culpa dos parentes. Manifestava preocupação com seu trabalho. Ainda sob efeito da medicação que havia tomado. se estava no Brasil. perguntou. completou dois meses de inadimplência. dos filhos.” A resistência ao tratamento durou quatro meses. e eu insistia nesses pontos com os médicos. decididamente. Além de ouvir os argumentos do terapeuta. já que permanecera todo aquele tempo sem usar droga. “Parei de pagar a mensalidade na tentativa de ser mandado embora. tornara-se extremamente impaciente. Se pudesse conversar com eles. para as paredes do quarto. Victor Hugo. sentia certa confusão mental. o alto custo mensal da internação. faria qualquer pessoa querida fraquejar. enfim. para as coisas ao seu redor. O ultimato deu resultado. três meses. não sabia se era São Paulo. Não compreendia que o seu grau de dependência exigia tratamento prolongado. “Isso martelava na minha cabeça. regressar para cá? Ou vai se tratar até receber alta e ter uma vida normal lá fora?”.” Após dois. precisava cuidar da família. E foi assim que um dos psicólogos que cuidavam dele o chamou para uma reunião: “Você vai sair daqui. Lançaria mão de todos os argumentos e artifícios: chantagens emocionais. Aos poucos. continuar naquele ciclo vicioso e. Esperava ver alguém da família a seu lado. estava “limpo” e pronto para regressar à vida normal. passei a entrar em conflito. Um dos motivos da privação de contato é justamente esse. Casagrande por fim capitulou. procurou organizar os pensamentos e reconstituir os últimos acontecimentos de que se lembrava para tentar entender o que fazia ali. Em dado momento. Um tempo interminável. qual a direção em que ficava. tudo isso. “Acordei num lugar estranho. no qual se sentia preso e se desesperava por não poder se encontrar ou falar com nenhum integrante da família. Em sua avaliação. recorda-se.Despertou sem noção de nada. não tinha meios sequer de pedir ao filho mais velho. fora levado ao Hospital das Clínicas e pedira transferência para o Albert Einstein. promessas enfáticas de que nunca mais voltaria a usar drogas. aliado ao seu inegável poder de sedução. “Onde estou?”. eu não sabia nada”. não estava lá — um local que conhecia tão bem. mas se encontrava sozinho. por que iria ficar preocupado a essa altura. perguntava-se. tinha consciência de que sua família não permitiria passivamente aquela ruptura unilateral. e à sua mãe para tirá-lo da clínica. então não tinha nem forças para me revoltar. “Eu estava muito frágil. Completamente isolado do mundo externo. não reconheceu o ambiente. Percebeu que a única . resolveu jogar pesado. as chances seriam grandes de convencê-los de que já superara o problema. Os terapeutas da clínica lhe davam poucas explicações nesse primeiro momento. já tinha de regar a horta. A partir desse momento. não é permitido se comunicar com os colegas.” Durante meses. por ter tentado passar o número do telefone de sua mãe ao irmão de um paciente. Quinze minutos depois. permaneceria mais oito meses internado.” Conforme o caso. nem por gestos. comecei a acreditar nos psicólogos e naquilo que eles falavam para mim. necessários para obter recompensas. impreterivelmente. totalizando um ano na clínica. formava um grupo de cinco internos e voltava para a horta a fim de limpar os canteiros. juntamente com outro paciente. Percebi. há punições mais severas. Se eu tivesse feito um jogo apenas para sair da clínica. por exemplo. As suas obrigações diárias deviam ser cumpridas à risca. Às 9 horas. quando os internos têm direito a duas latinhas. O dependente químico se torna um tanto prepotente. durante 24 horas. De acordo com a gravidade do erro. “Queria que ele ligasse para ela e pedisse para me tirar de lá. longe das armadilhas da vida cotidiana. confessa. com rotina extremamente rígida. Essa linha de tratamento é bastante contestada por psiquiatras e psicólogos adeptos de outras . O sistema de pontuação semanal vai de zero a dez. à tarde. uma das funções atribuídas a ele no início do tratamento. dissesse que eu estava desesperado para sair. Também arrumava a sala de reuniões de grupo. digamos. convenceu-se da necessidade de isolamento e da terapia em período integral. “Para mim. Para receber visita. Existem regras em todas as atividades: no fumódromo. explica. Além da conclusão lógica de que sua resistência só iria estender o período de internação. o isolamento pode durar mais. sob pena de sofrer punições e descer alguns degraus na. Se não concluísse dentro do tempo estipulado. praticava educação física. “Mas fazia parte do processo de tratamento para desenvolver a humildade. uma oportunidade para me transformar como ser humano”. De fato. era um saco”. perdia pontos. Em seguida. Tirava todas as cadeiras.maneira de sair de lá seria aceitar o tratamento. A programação de deveres seguia padrão quase militar. cabia a ele a tarefa de tirar a mesa do café. me fingindo de bonzinho para ter alta. Nessa primeira fase. precisou se dedicar a esses serviços. organizava as prateleiras de livros. como o confinamento no quarto. passava pano no chão. às sete horas. Casagrande experimentou tal castigo. eu entrei no tratamento. “Foram as duas coisas. O café da manhã era servido pontualmente às 8h30. assim como os jogos e materiais de terapia. fica sem refrigerante no fim de semana. é necessário somar pelo menos sete pontos. Quem não atinge seis. fiz tudo direitinho. porque a droga o leva a não cumprir obrigações. Tudo isso tinha de ser realizado em quinze minutos. hoje estaria com o mesmo comportamento de antes. regalia restrita àqueles que estão em fase avançada do tratamento. meses até. ali. escala evolutiva — o que só acarretaria privações adicionais e deixaria a meta mais distante. Mas não mudou de postura meramente como uma estratégia em busca da liberdade. das 7h45 às 8h25. Qualquer desvio provoca perda de pontos. acordava todos os dias. Assim. tamanho o rigor da disciplina imposta aos internos. Cada passo do paciente é avaliado e levado em consideração. Quem apresenta um quadro de agressividade fica separado até se enquadrar. Hoje. pior. eu as olhava só como outras pessoas doentes. Era uma aflição. muito menos durante a internação. hoje. “Fiquei um ano sem sexo e. Eu já havia entendido que meus filhos tinham feito o que era melhor para mim. Ainda que os encontros fossem breves. Não se pode nem encostar em uma mulher. “Ficamos sete meses sem poder falar com ele. Os internos são monitorados o tempo todo. eu sou o Walter a maior parte do tempo. Aliás. assegura. Casagrande — o comentarista popular e ex-jogador de futebol — jamais foi paciente da clínica. “Havia poucas mulheres lá dentro e. ao mesmo tempo. vejo que a clínica precisa tomar alguma atitude para a pessoa cair na realidade. Nós só o observávamos por um vidro. Passaram-se sete. sequer para amizades. Casagrande acabou por entender a necessidade de ações mais duras em determinadas situações. “A minha maior angústia era não ter ideia de como ele iria reagir quando se encontrasse na clínica e soubesse que eu havia assinado o documento para a internação”. Durante esse período. cabe aqui uma correção. ali. já eram uma referência afetiva. O método da clínica inclui atividades em conjunto. Walter sofria com a privação de contato feminino. Quem estava lá era o Walter. Todos os internos e funcionários só o chamavam assim. nem quando estava sob efeito de drogas. ela e Victor Hugo haviam dado o aval para a internação involuntária do filho.” Não havia espaço. Ele nunca apresentou comportamento agressivo ou reagiu com violência. sete meses isolada do convívio com os demais. para evitar a formação de grupos ou panelinhas. então não pode ter ninguém remando contra a corrente. para que Walter ganhasse sinal verde para receber visitas. A minha relação com eles.” Os casos de dependentes que ficam confinados por longos períodos causam mais contestação. pelo primeiro nome. Mas. com consciência da doença e do tamanho do problema que pode causar a si mesmo”. Precisaram ser preparados para lidar com aquela situação complexa. e de uma forma legal. quase oito meses.” Todos precisaram de muita paciência. tinha problemas emocionais e se escondia atrás do Casagrande. ele passava por tratamento e os familiares também. embora tenha discordado de algumas punições desse tipo. é ótima. Uma forma de humanizar o personagem e tirar a aura criada pela fama. e traziam com eles um pouco de sua história. tem gente que fica seis. Mas. nem sabia que estávamos lá. “É cruel. sempre com a mediação de um terapeuta. Além da distância da família.” Esse não era o caso de Casão. como eu. Afinal. Um cara que cuida das pessoas queridas e dele próprio.” . “Foi muito emocionante meu primeiro contato com o Victor. homens em sua maioria. afirma dona Zilda. “Há pessoas que não têm condições de conviver com outras durante um período de crise.” A clínica comportava 32 pacientes. A impressão é de que se trata mais de uma prisão do que uma clínica destinada à sua recuperação. Dona Zilda sofria profundamente. ao longo de sua permanência na clínica.correntes terapêuticas. Por isso foi um alívio quando as visitas começaram a ser permitidas. sem carinho ou qualquer tipo de amor. pela janela de uma sala. “O fato de ter começado a manter contato com o Walter me mostrou o quanto ele estava doente. o Leonardo e o Symon. mas ele não nos via. ainda assim. Muito mais ensolarada. teria a obrigação moral de honrar a confiança depositada nele e seguir o roteiro estabelecido pela emissora para o retorno gradativo às transmissões. abria agora uma nova janela. pago normalmente seu salário e lhe dado todo o apoio para o tratamento.. Mas seria preciso controlar a ansiedade. A maioria de seus ídolos morrera jovem. Mônica também participou do processo terapêutico. ironicamente. me presenteou com a autobiografia de Eric Clapton. sobre a proposta da Globo Livros de contarmos a sua história. que superara a dependência de heroína. interesse. Eu mesmo tive a oportunidade de encontrá-lo na clínica. Estava empolgado com o que lera sobre o ídolo do rock e do blues. que existia muita coisa a reparar em sua vida. carinho e afeto por mim”. descobriria. Diante de seu entusiasmo com a oportunidade de também revelar ao mundo sua saga. Paulo em 27 de julho de 2008. ao ser posto na rua. pelo menos por algum tempo. Também precisaria filtrar. Walter só receberia alta em outubro daquele ano. colocado junto com os outros pedidos dos demais participantes. Havia ganhado o volume de quatrocentas páginas na festa de amigo secreto. em sua primeira visita depois das dos familiares. combinamos que faríamos juntos o projeto do livro tão logo ele saísse da internação.Mesmo na condição de ex-mulher. fiz uma longa entrevista com ele. Janis Joplin. que.. de overdose: Jim Morrison. Naquela ocasião. Quando voltou. E o mais importante de tudo: precisava se reaproximar dos filhos e saldar a dívida afetiva contraída com a família. com uma ou outra discordância. No momento em que Walter voltasse a ser Casagrande. pediu a um familiar para comprar o livro — era assim que funcionava a troca de presentes no Natal. O paciente que o tirou como amigo precisou primeiro submeter a sugestão ao corpo clínico. no fim do ano anterior. envelheceu nos palcos sem perder a energia. Ele ficou animado com o projeto e pediu ao psicólogo que o acompanhava para buscar um livro no quarto. publicada no Diário de S. Além disso. Jimi Hendrix. pela primeira vez. A tv Globo havia mantido seu contrato em vigor durante o longo período de afastamento. Depois da aprovação. como é comum em separações conjugais. Ele próprio escolhera aquele presente. Os dois mantêm uma relação relativamente amigável. a quem sempre admirou. cocaína e álcool. também conversamos. “Ela demonstrou preocupação. Sempre sob a supervisão de um terapeuta. A trajetória revelada por Clapton. como se fosse seu destino cumprir a sina de viver intensamente e morrer até os trinta anos — uma ideia juvenil lançada nos anos 1960 por Mick Jagger. o círculo de amizades — para minimizar o risco de sofrer recaída. Casagrande se inspirava na biografia de Eric Clapton por se tratar de um dos monstros sagrados do rock que haviam sobrevivido ao uso pesado de drogas. . antes de mais nada. Durante muito tempo. Ele havia engordado vinte quilos e voltara a se parecer com a imagem consagrada do personagem Casagrande. escrevendo seu desejo num papelzinho. reconhece Casagrande. cultivara certa atração por aquele fim fatal. capítulo seis .A vida lá fora . na confluência das avenidas Pedroso de Morais e Faria Lima. que eu iria ao flat mais tarde. Qualquer pisada na bola poderia lhe custar o regresso a Itapecerica da Serra. Eu não queria desempenhar mais uma vez o papel de grilo falante. deixou mais uma pista dessa visita . ligara propondo um almoço naquele sábado. tintim por tintim. morou em um flat na praça Roquete Pinto. Porém na sexta-feira ele telefonou desmarcando o encontro. Fumava um cigarro atrás do outro. Naturalmente. era observado de perto pelos profissionais para averiguar se continuava sem usar qualquer droga. em tal lugar. assistindo a um dvd de rock pauleira. até que seu celular tocou. Nada mais natural. durante um mês. cheguei ao flat às quatro da tarde e o encontrei agitado. de leve. Assim. destinada a pacientes logo depois da alta. apesar de todos os riscos que envolviam a decisão. estava de partida para Portugal e queria se despedir de Casagrande. antes de voltar a ser dono de seu nariz. Não gostei nada daquilo. O que todos eles têm em comum? Claro: o uso desmedido de drogas. ac/dc. então. Radiante de alegria. Durante esse período. ainda precisou cumprir uma fase intermediária. apenas ansioso por estar de volta ao mundo externo. ele tinha direito a uma vaga no estacionamento do flat. os profissionais da clínica foram avisados sobre o compromisso: iria se encontrar com o jornalista Gilvan Ribeiro no restaurante Fidel. Walter deixou a clínica em Itapecerica da Serra. a liberdade tão sonhada: em outubro de 2008. portanto. sobre as possíveis consequências. porque a ex-mulher de Marcelo Fromer. saíra do regime fechado e entrara em uma espécie de “condicional” a fim de provar que estava pronto para voltar plenamente ao convívio social. Havia avaliações na unidade da clínica Greenwood localizada na avenida Brigadeiro Luís Antônio. ele me ligou contando a boa-nova e marcamos de almoçar no sábado. também ex-paciente da clínica. Ana Cristina Martinelli. A alteração de planos teve de ser avisada à clínica. Mesmo assim. porque ficara a pé desde o acidente. que tivera estreita amizade com o músico — um dos projetos interrompidos de Fromer era escrever a biografia de Casão. por volta das dezesseis horas. disposto a visitá-lo com sua namorada. o sujeito já era bem grandinho. o guitarrista dos Titãs morto por atropelamento em 2001. e ainda permitiu que estacionasse o carro em sua garagem. em São Paulo. ele autorizou a subida do jovem casal. algumas com sabor de aventura — o que potencialmente é capaz de atiçar o desejo tão combatido. que as conversas versassem sobre experiências do passado. metal pesado. em todos os seus detalhes. como eu nunca tinha visto. Na prática. Fiquei preocupado. Uma das regras impostas pela clínica é justamente a proibição de exinternos se encontrarem. Além de se submeter a sessões de terapia. Ele assegurou que estava bem. a Tina. Ao alugar um apartamento. em tal horário. E Casa ainda estava sob observação. Afinal. já que esperava vê-lo mais tranquilo. Porém. Dessa forma.Finalmente. quando cada passo dado tinha de ser comunicado aos terapeutas. Era um ex-interno da Greenwood. no Alto de Pinheiros. mas não a usava. aparentemente adolescente. A restrição existe por razões óbvias. Combinamos. Conversamos um pouco sobre o projeto do livro e assuntos variados. Só o adverti. Ele concordou. Somente ao constatar. Algo bastante compreensível. de fato. Os dois. assim. se conhecer melhor e resgatar as relações familiares. mas não insistiu. “Beleza. ainda mais pelo nível de envolvimento a que já tínhamos chegado com a ideia do livro.. sem dúvida. me fez um incômodo pedido: “Você pode conversar na recepção e colocar a chapa do seu carro como ocupante da minha vaga no estacionamento?”. Desisti de procurá-lo e toquei a minha vida. e Casa precisava tomar os remédios prescritos pelos psiquiatras para relaxar e dormir. Ele ainda não estaria pronto para contar a própria história e reviver passagens capitais — para o bem e para o mal — que lhe deixaram marcas ao longo dos anos. Ele me olhou como se eu fosse um traidor da pior espécie. durante o uso mais intenso das drogas. mas não recebi nenhum retorno. por experiência própria. Chegou a confessar o delito aos terapeutas. por que não falar disso abertamente. Só então fiquei sabendo que a rebeldia de encontrar ex-internos da clínica. seu filme com os terapeutas que avaliavam sua evolução. passaram a morar juntos. que acreditou na capacidade de o pai seguir seu próprio caminho e fazer suas escolhas. Chegara a hora de mergulhar em si mesmo. havia queimado. Uma turminha se formara a partir daquele momento: pacientes se reuniram outras vezes e saíram juntos. o perigo daquelas companhias. Paulo. esperando apenas uma advertência. Porém. ao retomar sua coluna no Diário de S. Casão atribuiria o sumiço repentino a uma orientação da psiquiatra. Não aceitei aquela proposta indecente. apesar da proibição expressa.inesperada. em plena tentativa de virada em sua vida. ainda em processo de reabilitação. O projeto do livro estava engavetado. tanto para mim como para a editora? “Eu não sabia como dizer não. Alguns deles tiveram recaída. Os profissionais recomendaram à família um novo período de internação em Itapecerica da Serra. Mas as regras da Greenwood são inflexíveis. então. . uma psiquiatra e três psicólogas foram contratadas para ajudá-lo a reorganizar a vida e a lidar com as emoções e os sentimentos guardados por tanto tempo. quando voltamos a nos encontrar. algo contra os meus princípios. Meu Deus! A visita do casal durou uma hora e pouco. Ele só não voltou a ser confinado graças à firmeza de Victor Hugo. e ainda abriria o flanco para ser acusado de acobertar atitudes perigosas para um dependente químico em fase crucial do tratamento. Casão resolveu cair fora. até mais. O bom-senso mandava tratá-lo como convalescente. Interrompemos. Ainda deixei recados em sua caixa postal. limitou-se a dizer. além do número no celular: a placa do veículo visitante iria ficar registrada no sistema de computadores do flat.”.. Precisava de mais tempo para trabalhar uma série de aspectos na terapia”. Tempos mais tarde. não há dúvida de que sentia mágoa. Permaneci um tanto mais e logo me despedi: começava a anoitecer. Depois da ruptura com a clínica. Logo eu que discordava daquilo tudo! Expliquei que não poderia cometer uma fraude. Claro que ele não ficou sem nenhum apoio terapêutico. a nossa convivência por mais de um ano. inclusive. Simplesmente não me telefonou mais e parou de atender minhas ligações. Quando me acompanhou até a porta. justificou-se quando nos reaproximamos. Por mais que ele não admita ter me retaliado. seu drama se tornara público a partir do acidente de carro e a consequente internação. o julgamento das pessoas em geral? Afinal. Era necessário medir cada passo para atenuar possíveis preconceitos que poderiam desestabilizá-lo e provocar nova queda no precipício. Um desafio colossal o esperava.relegadas a segundo plano até então. a convivência com os amigos e os parentes. Como seriam a volta ao trabalho. . capítulo sete - Os filhos Cada filho sofreu à sua maneira o drama paterno. São três personalidades completamente diferentes. O mais velho, Victor Hugo, então com 21 anos, demonstrou maturidade. Depois da difícil decisão de determinar a internação à revelia, houve um episódio lembrado por Casagrande até hoje com indisfarçável orgulho. Tão logo mantiveram contato na clínica, depois de sete meses sem trocar olhar ou palavra, o pai, sempre envolvente e com alto poder de persuasão, lhe disse que se sentia ótimo e já preparado para retomar a vida normal. Sugeria ao primogênito, sutilmente, que o tirasse o quanto antes dali. Sem iniciar qualquer discussão ou sermão, bem ao seu estilo, Victor lhe respondeu simplesmente: “Ótimo pai; então os terapeutas da clínica vão chegar a essa conclusão logo, logo e lhe darão alta. Parabéns”, limitou-se a comentar. Hábil, não se intimidou à frente da figura paterna, tampouco entrou em conflito. Victor nasceu durante o período em que Casagrande estava concentrado com a Seleção brasileira para a Copa do Mundo de 1986, disputada no México. “Por isso, nunca vi foto dele com minha mãe grávida. Os primeiros registros me mostram no colo dele, depois que ele retornou do Mundial e nos encontrou aqui em São Paulo.” Por ter pego o auge do pai como jogador, Victor não contou com sua presença constante em casa. As concentrações, jogos e viagens o afastavam. Mesmo assim, guarda boas recordações dos dois juntos. Quando havia oportunidade, recebia atenção e carinho. “Na minha infância, embora ele fosse meio ausente, nos momentos em que podia estar comigo, comparecia ao máximo como pai. A gente fazia tudo junto: via televisão, desenho animado, ouvia música, dormia na mesma hora e tudo mais. Ficava grudado mesmo.” Tanto havia essa sintonia que Victor herdou vários gostos de Casagrande. É o mais roqueiro entre os irmãos e chegou até a fazer parte de uma banda de heavy metal: Lethal Eyes (Olhos Letais, em português), mesmo nome de uma música cuja primeira versão da letra fora escrita por ele mesmo. Mais tarde, os parceiros de banda deram sugestões e houve algumas adaptações, num processo de criação coletiva. Ele cantava e tocava baixo. No dia em que decidiu comprar o instrumento e aprender música, recebeu um estímulo e tanto. “Meu pai ligou na hora para o Nando Reis me passar umas dicas pelo celular. Fiquei realmente emocionado, pois sou grande fã dos Titãs.” Além da veia roqueira, Victor compartilha o interesse por desenhos animados e histórias em quadrinhos. Chegou até a ajudar o pai a escrever o argumento de uma delas, produzida pela Fábrica de Quadrinhos e publicada pela Editora Abril, na revista Linha de Ataque — Futebol Arte, em 1998, pouco antes da Copa na França. A história, intitulada “O primeiro confronto”, mostrava um jogo disputado por animais, caracterizados para lembrar os jogadores da Seleção brasileira daquele Mundial, e compunha o gibi juntamente com outras três, de autoria de José Trajano, Armando Nogueira e Marcelo Fromer. “Herdei dele esse prazer de criar. Desde criança fazíamos histórias de super-heróis, essas coisas. Isso influenciou na escolha da minha profissão. Cogitei parar de estudar e seguir com a banda de heavy metal, estilo musical que aprendi a gostar com ele, mas acabei decidindo fazer faculdade de rádio e tv, outra influência do meu pai na minha formação.” A ligação afetiva é tamanha que Victor carrega uma tatuagem do rosto de Casão, com a assinatura dele, no bíceps direito. Até seu nome se deve a inspirações paternas. “Inicialmente, eu iria me chamar Fidel, em homenagem a Fidel Castro, mas minha mãe não deixou. Então, ficou Victor Hugo, por causa do escritor francês”, conta, referindo-se ao autor de Os miseráveis e O corcunda de Notre Dame, entre outros clássicos. Enquanto estudava, e logo depois de se formar, Victor começou a “ralar” para ingressar no mercado de trabalho. Ficou por algum tempo na O2 Filmes, produtora de Fernando Meirelles, como acompanhante de casting, ajudando a organizar o processo de seleção dos candidatos que iam fazer testes para comerciais. Esse trabalho era voluntário, não propriamente um emprego, apenas uma forma de ter alguma experiência na área e se aproximar do mundo das câmeras. Em seguida, foi para a Rede tv como estagiário de produção. Trabalhou por um mês no programa Ritmo Brasil e outros dez no Pânico na tv. Na sequência, Victor se transferiu para a Record como estagiário de edição. Por um ano, colaborou com o Terceiro tempo, apresentado por Milton Neves, e com outros programas esportivos exibidos durante a semana. De lá, passou pela espn Brasil como produtor da parceria com a Rádio Eldorado. Depois de um ano, recebeu convite para ser roteirista de um programa em outra emissora, mas o projeto acabou abortado. Desempregado por seis meses, trabalhou em telemarketing, fez curso de locução e se aventurou a narrar corridas de autorama em shoppings. “Quase comecei a viajar pelo Brasil narrando campeonatos de autorama”, diverte-se. “Mas resolvi não me afastar da minha área, e houve a proposta para ser assistente de produção do programa Brothers, dos irmãos Supla e João Suplicy, na Rede tv.” Em março de 2011 surgiu a chance de ser roteirista, função que sempre desejou, no Hoje em dia, da Record. “Fiquei muito contente, porque o que mais me dá prazer é escrever. Nas minhas horas de lazer, desenvolvo ideias de programas de rádio e televisão. Peguei também meu trabalho de conclusão de curso da faculdade, um roteiro de desenho animado, e estou adaptando-o para virar um livro. Quando estiver pronto, vou procurar uma editora para tentar publicá-lo.” Até Casagrande chegar ao nível agudo da dependência, o sinal de alerta não havia acendido para Victor. “Talvez seja até um defeito, mas eu tenho uma espécie de memória seletiva e procuro pensar positivo o tempo todo. Não prestava muita atenção. Cursava faculdade e trabalhava ao mesmo tempo... Só a partir da primeira internação do meu pai passei a acompanhar melhor essa questão e visitá-lo sempre que possível. Na clínica, ele criava bastante, escrevia poesias, desenhava e até fez um quadro pra mim, meu retrato, que está no meu quarto lá na casa dele.” Salvo um ou outro comentário que lhe fizeram mal, Victor não enfrentou grandes constrangimentos pelo fato de o problema do pai ter se tornado público. Certa vez, houve uma saia justa em seu ambiente de trabalho, na Record. Um funcionário, sem saber do parentesco, o achou parecido com Casagrande e começou a brincar sobre o uso de drogas. “Percebi que a coisa estava tomando um rumo nada bom e saí de perto. Virei no corredor seguinte e ainda deu tempo de ouvir os colegas advertindo o sujeito: ‘Meu, esse cara é filho do Casão mesmo!’. Foi chato, mas não guardei rancor.” Fora isso, chateou-se com críticas mais ácidas feitas por Ronaldo e Romário, que já tiveram rusgas com seu pai, e ao ver gozações em programas humorísticos. Racionalmente, ele até entende que o humor é território livre, praticamente sem limites, sobretudo hoje em dia. Porém se incomoda quando extrapolam nos comentários maldosos. “O Rafinha Bastos, por exemplo, já fez uma piada no CQC a esse respeito. Até o admiro como humorista, mas na hora fervi. Depois assimilei e não levei tão a sério. Os ataques do Romário e do Ronaldo me machucaram mais, porque achei um lance gratuito.” Quando Casagrande saiu da internação, os dois passaram a morar juntos. Dividiram o apartamento de dezembro de 2008 a outubro de 2011, quando Victor se casou. Embora tenha grande admiração pelo pai, tanto como homem quanto como jogador, Victor não torce pelo Corinthians, clube do coração de Casão desde criança e onde o atacante despontou para a fama. Ao contrário, optou pelo maior rival, o Palmeiras, empolgado com a equipe campeã paulista de 1996, formada por Velloso, Cafu, Rivaldo, Luizão, Muller, Djalminha e companhia, sob o comando do técnico Vanderlei Luxemburgo. Aliás, cada filho escolheu um clube diferente. Leonardo, o segundo, é são-paulino. Ou, pelo menos, era na infância e na maior parte da adolescência, seduzido por Raí. Hoje, tentando seguir carreira no futebol, diz não torcer mais por nenhum time. Já o caçula, Symon, tornou-se santista, na esteira de Diego e Robinho. Mais democrático, impossível. Curiosamente, não há nenhum corintiano, para decepção do avô Walter, nascido numa família alvinegra de carteirinha. Mas Casão nunca se incomodou com isso e até, deliberadamente, tomou cuidado para não influenciá-los. Jamais gostou de imposições. Se Victor herdou do pai o interesse criativo e a faceta intelectual, os outros dois filhos dão preferência ao lado boleiro. Não que o mais velho não tenha praticado esporte. Estimulado pela mãe, ex-jogadora de vôlei e professora de educação física, experimentou várias modalidades na infância e adolescência: kung fu, boxe, judô, caratê, jiu-jítsu, basquete, vôlei... Claro, também jogava futebol, de preferência como goleiro, mas jamais teve a meta de se tornar jogador profissional. Esse objetivo deixou para os irmãos mais novos. Na época em que Casagrande sofreu o acidente de carro, Leonardo atuava nas categorias de base do Palmeiras, como centroavante. Quando ficou sabendo da notícia, num domingo de manhã, acabara de acordar. Tinha jogo naquele dia, mas, evidentemente, não pôde comparecer. Ligou para o técnico, Jorginho, ex-ponta-direita da Portuguesa e do Palmeiras, e explicou a situação. Nem precisava. “Já estou sabendo, você está liberado do jogo, não tem problema”, procurou tranquilizálo o treinador. Quem ligou dando a notícia a Leonardo foi tia Zenaide, irmã de Casagrande. Toda a família entrou em polvorosa e correu para o Albert Einstein. No hospital, o que mais o impressionava eram a magreza extrema e as manchas roxas pelo corpo do pai. Mas essa debilidade não chegava a ser surpresa. Além de ter presenciado a primeira overdose no banheiro de casa, quase um ano e meio antes, ele via seu ídolo definhar já havia algum tempo. Inclusive, depois de uma briga com a mãe, passara três dias na casa do pai e conferira a decadência de perto. “Ele já estava feio, mal, muito magro. E usava o dia todo pijama de mangas compridas e calças longas, meias, inteirinho coberto.” Era preciso esconder as marcas de agulha nas veias. Com toda a repercussão em torno do caso, Leonardo se tornou alvo de brincadeiras de mau gosto feitas por colegas de equipe. “Os caras simulavam que estavam cheirando alguma coisa, o pessoal achava graça e ria”, lamenta. Forte e impetuoso, não foram poucas as vezes que o jovem centroavante enfrentou os próprios companheiros. “Todo dia tinha conflito, discussão. Nessa época, briguei com quase metade do time. Isso aí foi bem desagradável...” Em 2008, já no Juventude-rs, ouviu uma ou outra provocação, mas por parte dos adversários. “Em uma partida do Juventude B contra o Grêmio B, entrei no segundo tempo e botei fogo no jogo. Quase fiz um gol... o zagueiro tirou com a mão e o juiz apitou pênalti. No final, um cara do Grêmio falou assim: ‘É, dá um remedinho aí que o menino gosta, e o pai dele também!’. Quando terminou o jogo, faltou pouco para ter confusão em campo. Respirei fundo umas quinze vezes para não fazer uma merda gigante.” Era duro ver seu maior ídolo caído. Leonardo sempre se espelhou nele, admirava sua força, rebeldia e qualidade de artilheiro. Vira e mexe, acessa o site YouTube para assistir aos gols de Casagrande. “Gosto muito da imagem do meu pai como jogador. Cabeludo, forte, de estatura elevada, ótimo cabeceador... ele me inspirou a seguir no futebol. Toda vez que comprava um jogo novo de videogame, a gente o criava. A imagem dele como jogador é uma imagem que eu quero para mim.” Leonardo presenciou uma overdose — uma passagem bem aflitiva. No entanto, o maior abalo teve o caçula. Adolescente, Symon se sentiu abandonado numa fase importante de sua vida e sofria em silêncio. O pai não imaginava o quanto. Mas iria descobrir em breve, e de forma inesquecível. O garoto abriria o coração para todo o Brasil, em rede nacional de tv, e levaria Casagrande às lágrimas na frente de todo mundo. capítulo oito - Domingão do Faustão e mais tarde chegou à maior emissora do país. Então. iniciou uma longa entrevista na qual o ex-jogador pôde falar do vazio após ter encerrado a carreira no futebol. jogando bola”. movimento libertário que conquistou corações e mentes pelo Brasil afora em plena ditadura militar. o tempo passa rápido e você não percebe. que possa substituir a intensidade da emoção e do prazer por ter feito dois gols numa final de Copa do Mundo contra a Alemanha. agora vou estar na minha casa. o acidente de carro.. completou. com bom nível cultural e identificado com a Democracia Corintiana. pelos diversos clubes em que atuou. com quatro gols no Pacaembu. o craque foi chamado ao palco. de paz. a internação e o impacto de tudo isso sobre seus três filhos e sobre os pais. tendo de parar de jogar. tem muita visibilidade. com a diminuição drástica das emoções após os jogos. Ao mesmo tempo. jamais experimentará novamente as sensações proporcionadas pelo esporte. Ele citou até Ronaldo. programa de debates em canal fechado. Veja o exemplo do Ronaldo: não existe nada. carismático. Enquanto isso. “Conheço essa fera desde os dezesseis anos de idade”. de Pepeu Gomes. No dia 10 de julho de 2011. No final do clip. com os mais diversos perfis. embora tenha atividade profissional bem-sucedida fora dos campos. com a trilha sonora “Fazendo música. A bola estava com ele.. e o envolvimento com elas poderia ter desgastado a imagem do jogador. ele voltou primeiramente ao Arena SporTV. Em seguida. Mas aí ele começa a sentir falta de alguma coisa”. Treina todo dia. a primeira impressão é de sossego. As drogas ainda são tabu em vários lares brasileiros. pelas mãos de José Trajano. dos liberais aos conservadores. vou poder me divertir com meus filhos e tudo mais. era necessário preparar os telespectadores. já está com trinta anos. explicou Casagrande. Faustão ressaltou conhecer Casagrande há muito tempo. Mesmo que faça sucesso em outra profissão. não demorou a ser convidado para trabalhar na tv como comentarista. o apresentador dizia tratar-se de um dos maiores astros do futebol brasileiro. para recebê-lo sem preconceitos.A Rede Globo traçou um roteiro cuidadoso para reintroduzir Casagrande no universo da tv. do que expor o drama do ídolo. o consumo mais intenso de drogas. sem nada armado para depois. Articulado. Ao recepcioná-lo. fazê-lo contar em detalhes a queda e mostrar toda a família para iluminar um pouco aquele terreno de trevas. “Você tem muitos prazeres naquela vida. nem religar o seu principal comentarista na tomada de alta voltagem das transmissões em rede nacional sem o aquecimento adequado. testemunhou. portanto. Nada melhor. . foram mostrados gols de sua carreira. O próprio Casagrande conseguiu uma trajetória vitoriosa depois de pendurar as chuteiras. A direção da emissora tomou todas as precauções para não queimar etapas. quando o cara para. “A vida de jogador de futebol é muito intensa. que. vou fazer o que eu quiser. Dessa forma. Casagrande tomou conta do programa e passou seu recado com muita eficiência aos telespectadores. que estreara como profissional aos dezoito anos. a dependência química. O caminho escolhido para alcançar o público de todo o Brasil foi o Domingão do Faustão . daqui pra frente. Quando vê. Pô. Iniciou na espn Brasil. Antes de entrar em cena. dando aval a seu caráter. Porque o maior defeito do ser humano é tentar substituir ou preencher o vazio deixado por outra coisa que lhe deu prazer”. contando o episódio da overdose presenciada em casa. A plateia. com os meus erros. As pessoas até perguntavam: ‘Por que você não tá legal? Você foi um jogador bemsucedido. Assim. eu usava droga e me sentia aparentemente melhor. Eu o ajudo ainda hoje. nem triste”. Àquela altura. uma característica do dependente químico. ou se já fazia uso na época de jogador. O primeiro a falar foi Leonardo. o vazio estava ainda maior”. O objetivo de evitar a rejeição ao comentarista estava sendo alcançado. Aprendi com os erros dele. também. Constrangido. Naquele momento. trabalha numa grande empresa.’.. ele tem uma psicóloga e vai ao psiquiatra para aprender a lidar com essa situação”.. Dona Zilda surgiu na tela falando sobre o peso de ter assinado a ordem de internação e o receio de que o filho se sentisse traído e acabasse por se revoltar contra ela. Na sequência. Pela obsessão em buscar droga e conseguir consumi-la sem ser notado.. E ele é uma pessoa muito melhor. E concluiu de forma carinhosa: “Tudo que meu pai fez a ele mesmo trouxe uma tristeza particular a cada membro da família. nada melhor do que os pais idosos. encontrei erroneamente um falso prazer que a droga dá. Mas faltava alguma coisa. eu não conseguia preencher o prazer que buscava. anunciados por Faustão como seus velhos conhecidos — afinal. Dessa maneira. (Leonardo já parou de fazer terapia. Fausto Silva iniciou a carreira como repórter de campo e transitava no ambiente do futebol. depois de ouvir a sugestão de um médico. mas eu só cresci com essas experiências. eu não notava nada diferente nele quando o via. conseguia anular o vazio que eu sentia. nem feliz.” Indagado por Faustão se as drogas entraram em sua vida somente a partir daí.” A internação involuntária e o tratamento na clínica foram relatados por Casagrande. Isso deve ter acarretado problemas psicológicos a ele. Seu Walter emendou uma declaração de incondicional amor paterno: “A gente pensa que essas coisas nunca acontecem na vida da gente. Casagrande relatou que um dos efeitos da cocaína é o congelamento emocional: “Ela te deixa frio. aplaudiu com entusiasmo. Isso só aconteceu durante a internação prolongada. é difícil .“Estou na Globo há catorze. depois do que aconteceu”. e hoje acho que sou uma pessoa muito melhor do que era antes. entraram no ar depoimentos da família. quase quinze anos. O tempo foi passando e eu entrava nesse conflito. Para arrebatar de vez os sentimentos.. porque o vazio era deste tamanho (mostrou com as mãos). Mas. o pai revelou sua dor por ter exposto o garoto a um acontecimento tão pesado: “Lamento pela situação que coloquei o Leonardo. inventava mentiras e criava situações para se afastar do convívio social e familiar. fui descendo a ladeira e tive um acidente muito feio de carro. contra a vontade dos pais). quando parei de jogar. num trabalho fantástico. Na sequência. Victor apareceu para explicar como optou pela internação forçada. emocionada. explicou: “O meu relacionamento com as drogas foi quase de curiosidade inicial na adolescência. mas é uma coisa muito falsa. acabou se distanciando das pessoas amadas e demorou a perceber os danos que causava a elas. previamente gravados. e quando passava o efeito. já ficara claro que o público reagia com solidariedade ao drama. com toda segurança. “Eu estava sendo muito egoísta. tropeços. Mas agora só quero lhe mandar um abraço bem apertado. Fica com Deus. potencializou a dor da família. corajosas diante de um público tão grande. foi um acontecimento marcante para o então adolescente Casagrande. Zé Carlos. no passado. Era gente como a gente. com suas alegrias e tristezas. “O Casa nunca foi de demonstrar muito seus sentimentos… Mas uma das poucas vezes que o vi chorar foi no enterro da Zildinha”. “Era hora do almoço e chovia forte. Ao perguntar o que havia acontecido. Casagrande dirigiu-se à residência de Wagner de Castro. constatou logo cedo. Ela não estava doente. meu filho!”. meu… a minha irmã morreu!”. Foi fulminante. que ajudara a cuidar dele desde o nascimento. quase a desafiá-la. . Zildinha brincava com as crianças quando caiu sem vida no sofá. estupidamente. nem houve nenhum sinal anterior de alerta. para procurar apoio naquele momento difícil. O próprio Casa não consegue dimensionar o impacto dessa tragédia em sua vida. em 1979. a partir da ascensão como jogador. Tudo colaborava para criar um clima de intimidade. sentimentais e. “Isso mexeu muito com a cabeça dele. com a roupa colada ao corpo e a água escorrendo pelos cabelos. no pé da escada que dava acesso ao sobrado. a aventura neste mundo pode acabar sem mais nem menos. O apresentador lembrou ainda que seu Walter e dona Zilda já haviam passado por outro sofrimento. agradecer por todas as alegrias que você deu para mim e para sua mãe. por ter aprendido a lição de que ela é traiçoeira. diz Magrão. com revelações autênticas. Percebi. aumentou ainda mais a temperatura do programa. A morte de Zildinha. derrotas e superações. Um duro golpe para todos nós”. quase sem acreditar que aquilo pudesse ser verdade. Mas não resta dúvida de que o episódio lhe deixou sequelas. sucessos. Aqui vale abrir parênteses. vítima de ataque cardíaco. por conta de diversas sessões de terapia. Por mais que se respeite a danada. por Faustão. com os dois filhos pequenos. Praticamente impossível não se identificar com uma família como aquela. seu amigo desde a infância. O caráter inesperado da morte. completamente encharcado. ainda em choque. aliado ao drama dos meninos que perderam a mãe tão precocemente. que havia algo errado”. Começou a zombar mais da vida. típica da classe média brasileira. Zildinha. Aquela fase já passou e nunca mais vai acontecer. atesta seu Walter. Depois de ser chamado pelo parceiro. Magrão recebeu a notícia como um soco no estômago: “Pô.perceber. Faustão aproveitou a deixa para enfatizar que Casagrande proporcionara uma vida melhor e mais confortável aos pais. relata Magrão. Os dois foram juntos ver o corpo e se encontrar com o marido dela. no ato. quando sofreu um infarto do miocárdio. Acostumou-se a não expressar muito as emoções e só passou a demonstrá-las mais recentemente. A jovem estava em casa. o Magrão. A citação desse acontecimento. propôs Casão. Assim que soube do ocorrido. abriu a porta e o viu lá embaixo. Todo mundo estava atordoado. sobretudo. com a perda de uma filha de apenas 22 anos. Ele era muito apegado à irmã mais velha. Até hoje Magrão não se esquece da cena. Estranhei ao vê-lo todo molhado. “Você vem comigo ao Hospital da Penha?”. “É uma coisa muito mais difícil. O desabafo cortante de Symon. O melhor. Symon levou o pai a nocaute ao descrever a proximidade deles em sua infância. e o doloroso distanciamento à medida que o garoto se tornava adolescente. amigo! Com jeito de menino desamparado. passou o recado: “Nós estamos mostrando essa história aqui. a cereja do bolo. e só assim consigo virar o jogo. mas sentia que começava a haver um declínio. o filho caçula. é ter consciência de que preciso de ajuda mesmo. quando o atacante acabara de encerrar a carreira. foi uma revelação até mesmo para o próprio pai. do Marco Mora (outros diretores da emissora). definiu. Mas faltava o grande final. enquanto Galvão Bueno descreveu a conversa de Casagrande com o próprio coração. Cléber Machado. ainda tinha proximidade grande com meu pai. então eu não interferia. para o público se debulhar em lágrimas. para demonstrar seu jeito especial de ser. Se me sentir desconfortável em alguma situação. Se o programa terminasse ali. disse se sentir honrado por seu programa ter servido de plataforma inicial para o retorno do comentarista. durante uma das overdoses (relatada no capítulo 3). Tenho três psicólogas e uma psiquiatra. diretor de jornalismo da Globo.Ficava cada vez mais claro que ninguém iria dar as costas para Casagrande e impedi-lo de renascer na tv Globo. a meu pedido pessoal. o ídolo concluiu: “Um dos passos principais do tratamento é você se olhar no espelho e admitir que é um fracassado perante a droga. Gente envolvida com droga vê o que aconteceu com o Casagrande — ele mais do que passou do fundo do poço — e isso serve de alerta”. Como jogador. já vestia a camisa de Casão na eterna luta contra as drogas. “Eu gostava quando ele ia me pegar na escola. seguramente. ele reconhecia que o jogo não estava ganho. Mostro minha fragilidade tranquilamente. É a luta pela vida”. Humildemente. a maioria absoluta dos espectadores. Quando sentia saudade. Para o telespectador tomar fôlego. admitia enfrentar uma batalha bem mais complicada. por ter muitas e muitas famílias espalhadas pelo mundo vivendo esse problema. Quando comecei a crescer e cheguei mais ou menos aos doze. Gostava porque passava mais tempo com ele. arrancando mais aplausos da plateia. treze anos. Faustão ofereceu um copo d’água a Casagrande. A essa altura. houve um bloco com colegas de trabalho para atestar seu caráter e mostrar que se tratava de pessoa querida no ambiente profissional. prevenindo-o de que viria algo contundente pela frente. na época apresentador do Arena SporTV. do Luiz Fernando Lima. Caio Ribeiro destacou a admiração pela figura humana do parceiro. tive de matar um leão por dia para vencer adversários. haja coração. porque acreditava no que ele . Em seguida. então. depois de tantas emoções com os familiares. e o Casagrande obteve autorização do Carlos Henrique Schroder. não penso duas vezes em ligar para uma delas”. para mim. já teria sido um golaço. juntamente com o personagem principal. pensava que ele estava resolvendo coisas de trabalho. Como diria Galvão Bueno. do Ali Kamel. era algo que não via os pais dos meus colegas fazerem. Faustão. mas agora tenho de matar um leão por dia para combater um inimigo muito mais forte do que eu. muito mais pesada. Numa comparação com os desafios vividos como jogador. No final.. Foi muito legal eu ter visto isso. Quero que ele seja meu melhor amigo. Casagrande saiu de lá mais disposto do que nunca a se reinventar. Esse problema me aproximou dela e hoje ela é a minha melhor amiga”. eu ainda jogava e não tínhamos muito contato. agora tenho um mais importante ainda: reconquistar a amizade do meu filho. “A princípio. né? Com o decorrer do depoimento dele. senti raiva de todo mundo”. as pessoas resolveram me blindar dos problemas que aconteciam. fui tendo outra visão. vendo o depoimento dele. Se tenho. E tristeza. Mas isso era questão de tempo.. as lágrimas já escorriam pelo rosto do pai. como é dentro de mim. até então eu não queria participar. Se tenho vários objetivos na vida. Diante do que sobrou de Casagrande. Ele se recompôs e descreveu sua sensação diante de revelações tão profundas. Mas o caçula ainda daria o chute final.. é a minha mãe. Nessa altura. com a precisão de um pênalti implacável.. E aí senti raiva dele. Enquanto passava a gravação com Symon. vi como estava mal e não entendi o porquê. Então. Casagrande era mostrado no palco. ia buscá-lo na escola. por eu ser o mais novo e ter contato maior com ele. que me ajudou muito. num clímax familiar sem precedentes. A coisa que eu mais senti foi raiva. Faltava agora conseguir fazer o mesmo com Symon. o garoto deixou uma porta aberta: “Ele pode me reconquistar do jeito que era antes. tão verdadeiro. Hoje. colocando seguidamente a mão no rosto. eu o levava ao clube. foi me dando uma tristeza… Fiquei pensando: era isso mesmo! Quando o Victor e o Leonardo nasceram. completamente desmontado.. “Chegou um momento em que eu não sabia o que ia fazer da vida. mostrado ao vivo para todo o Brasil. o público aplaudia de pé ao ver o pai decidido a reconquistar o filho. como sempre foi. . Já o Symon nasceu no meu último ano no Torino. visivelmente abalado. eu não acreditava no que falavam. ele abria um sorriso tão gostoso. fui visitá-lo no hospital. estava com o Symon todo dia mesmo. entre emotivo e envergonhado diante da câmera. Porque ele fez uma coisa que fala para a gente não fazer. quando eu chegava na porta da escola. E aí teve a reunião com o médico. Era meu melhor amigo e não tinha por que não acreditar”. Senti raiva. mas quero que ele prove pessoalmente isso pra mim”. Era pequenininho e. tão natural. ressaltou. enfatizou.me falava. não tenho melhor amigo.” A opinião pública já estava conquistada ao final do programa. O depoimento de Symon prosseguiu: “Quando houve o acidente.. disse. vim para o Flamengo e logo parei de jogar. porque não queria ouvir coisa ruim sobre ele. A família inteira já sabia e. capítulo nove .Inferno na torre . lembra-se Magrão. Achava que estaria completamente alterado. Escondido no banheiro. aliado ao álcool. Foi no campo do Minez. Parecia tão em paz. o Saraiva. Nada mais”. que deixaram saldo positivo em sua memória. Um atrativo a mais para os jovens em plena fase de experimentação de sensações desconhecidas e contestação dos valores impostos pelos pais. sei lá. A gente fechava o olho e falava que estava bem louco. porque só demorávamos mais para dormir. era quase um caminho natural a ser seguido. relembra Magrão. como placebos. Acho que era mais psicológico. despertavam na mente fantasiosa dos meninos a impressão de que estavam “doidões”. agitado. Mas ele se mostrava tranquilo. Em grande parte das vezes. atento a todas as suas reações. plantava sua horta e onde o pessoal das redondezas costumava jogar bola. àquela altura.. como se chamavam os remédios de farmácia utilizados com propósitos alucinógenos. A primeira tentativa aconteceu com Optalidon. não provocavam efeito nenhum. só ria além do normal. “Não dava nada. reuniu um grupo de amigos para acender um baseado e convidou Casagrande e Magrão.Verdade seja dita: nem sempre as drogas mostraram sua face de horror na vida de Casagrande. famosa na zona leste de São Paulo. por volta dos quinze anos. E Casagrande pegou essa trilha logo cedo. de quem tentam cortar a ligação umbilical. A sedução da droga já começa pelo rótulo de “proibido”. “Ficava procurando alguma coisa diferente nele. Fiquei esperando numa funilaria o Casa voltar”. e o Saraiva era muito malvisto no pedaço por conta disso. o inseparável amigo de infância e adolescência. Dizia a lenda que. O que depois me levou a experimentar também. A turma se reunia na padaria Yara. com alucinações. ele o media de alto a baixo. “Não fui porque senti medo. que lhe trazem boas lembranças. tentação que acompanha o ser humano desde a maçã de Adão e Eva. por curiosidade”. Inspirado nos astros da música pop. A curiosidade era grande: como o parceiro voltaria daquele “batismo” com a erva maldita? Quando Casagrande regressou. As experiências iniciais se deram com as “bolinhas”. Mesmo que a experiência mais recente tenha sido devastadora. com o consentimento do dono. espécie de chácara urbana na qual o proprietário. buscava viver intensamente. curtido na cultura do rock e reprimido pela ditadura militar do Brasil nos anos 1960. sobretudo na adolescência e juventude. tornam mais complicado se livrar definitivamente do impulso de alterar os sentidos. antes de seguir para os bailes do Clube Esportivo da Penha. relata Magrão. uma porção significativa de seu inconsciente ainda relaciona o uso de “aditivos” ao prazer.. que eu pensei: o negócio deve ser bom. Aventuras ao lado de amigos malucos e impagáveis. Há muitas histórias divertidas. 70 e 80. Só ouvia dizer que maconha era coisa de bandido. sem se preocupar. um japonês. com as consequências disso no futuro. um dos moradores da região com fama de barra-pesada. . Ele também estava presente quando o parceiro fumou maconha pela primeira vez. se tomado em excesso. o medicamento dava “barato” — outro termo em voga naqueles tempos. Casagrande amassava uma cartela inteira desses comprimidos para depois dissolver nos copos de cerveja. que jamais entrou pesado nas drogas e hoje é um pacato representante comercial. vendo bichos subirem pelas paredes. mas. Para um garoto irreverente. Naquele dia. né? Mas o Casa explicou que servia para ajudar a fazer a dobra na seda antes de começar a enrolar. não conseguia se controlar. comandada então pelo general Ernesto Geisel. Casagrande conseguiu um pouco de maconha com os malandros do bairro e chamou Magrão e Coxinha. Ele percebeu que não estávamos em estado normal e tentou botar a gente pra fora. mas. coisa de moleques mesmo. um lugar onde não precisávamos gastar dinheiro. surgiu o carro . Chapeuzinho Vermelho e outras personagens infantis. o outro cortava o papel de seda para fazer o baseado. Coube a Casagrande a tarefa de confeccionar o cigarro. mas Coxinha chamava mais a atenção. Ele falava assim pra mim: ‘Vamos fazer o Coxinha rir sem parar?’. com histórias sem sentido e declamação de poemas absurdos. Enquanto um deles dischavava o fumo na palma da mão. no fim das contas. “O cara já estava preocupado por dar tanta bandeira para a vizinhança. A gente dava voltas no quarteirão até que ele conseguisse terminar. Nesse dia. Ao chegar ao local. presidente imposto pelas Forças Armadas. Numa das primeiras vezes em que foram abordados. o trio ria sem qualquer motivo. Mas a quermesse era da igreja. a garota das tranças que vivia presa numa torre. também trazia excitação para os garotos. algo um tanto ingênuo. Até que o sujeito da barraca do churrasco resolveu tomar uma atitude antes que o cara desmaiasse de rir. “Ele falou que tinha de ter uma carteira de identidade. então. sem o menor êxito. e ficávamos à espera de receber correio elegante das menininhas. os rapazes logo passaram a ser alvo de blitze policiais. Nós até recebíamos. Mas Casa não perdoava. Pareciam os “Três Patetas” em meio à comunidade católica reunida para a festa. mas o Casa. relembra Magrão. pois chegava a ter “convulsões” de tanto gargalhar. para acompanhá-lo. De repente. Éramos todos duros. o trio foi à tradicional quermesse da paróquia de São Estêvão Mártir. crocodilo do jeito que era. Em dado momento. Aproveitou o cenário para contar a fábula de Rapunzel. Chegou a um ponto que passou a ser a atração da festa.” Coxinha tentava se recompor. Porém com esse comportamento fora dos padrões convencionais. Todo mundo olhava na nossa direção para ver o que estava acontecendo. queria ferrá-lo de vez. acabávamos não ficando com ninguém”. ao mesmo tempo que inspirava terror e preocupação. mas acabou dando certo”. E emendava uma piada atrás da outra. e nós estranhamos. Acabamos ficando por lá naquela noite e em todos os fins de semana”. na rua. o goleiro do time da rua Jaborandi. eles nem pensaram nas garotas. começou a olhar para a torre da igreja para desviar um pouco o foco. “A gente ia sempre lá. diverte-se Magrão. “O pobre Coxinha já chorava de tanto gargalhar. Eles se sentiam transgressores da ordem instituída e se orgulhavam de desafiar a guarda militar. ali na Penha mesmo. eles estavam na “esquina do pecado”. diretamente associada à repressão da ditadura. O barato daquela turma adolescente era sempre esse. triturando-o com os dedos e tirando as sementes. A abordagem dos camburões da pm.Na segunda vez. sem um tostão no bolso. Depois de fumar na rua. como se referiam ao local onde se sentavam na escadaria para fumar maconha. foi difícil. misturando com Branca de Neve. e ninguém é expulso da igreja. recorda. mano!”. o galã da turma. tenente: o senhor tem fogo?”. Coisa de menino.”.. Mas o tenente Cobrinha sentiu o cheiro no ar e. hein. procurou intimidá-lo. que trabalhava na ocasião como corretor de imóveis.. Casagrande ficou cheio de si com seu ato de ousadia. perguntou. o desejo de confrontar a ordem vigente e de se divertir com a transgressão são uma marca definitiva de sua personalidade. sob os longos cabelos. em alusão ao filme que fez sucesso nos anos 1980. disse. gostava de bater nos rapazes. Algo que o acompanharia mesmo depois da fama. “Nós quase batemos nele”. Pronto: a senha havia sido dada. já se preparando para desembarcar outra vez. policial muito temido na região entre os anos 1970 e 80. por volta das sete horas da noite. muitas vezes relembrado quando a turma se encontra. um dos amigos mais malucos de Casa. . foi a festança batizada de “Inferno na Torre”. Afinal. Enquanto os amigos se irritaram com a provocação gratuita. com os colegas Magrão. “Mão perfumada. limitou-se a passar um esculacho nos meninos. “Só um momento. Tudo começou com um comentário despretensioso de Casagrande. regada a álcool e drogas. Esses dois eram especialistas em levar produtos do supermercado. Voltou para casa com o peito estufado. O plano consistia em inventar que Casagrande comprara aquela cobertura e iria dar uma festa de inauguração. foi encarregado de arregimentar as mulheres. Imediatamente. Casagrande se aproximou dela com rapidez. Tudo para dar mais emoção. a galera se mobilizou. mostrando o prédio de dezoito andares recém-construído na vizinhança. Mas aí os outros rapazes intercederam. hein? Imagina só se fosse naquela cobertura que está à venda. de jogar no chiqueirinho do camburão para dar voltas e aterrorizá-los”. menino?”. Era um sujeito maldoso. que ainda não estavam presentes. De bate-pronto. enquanto fumava um baseado na rua Jaborandi. sem passar pelo caixa. crente de que havia desafiado o poder militar do país. digamos. Marquinho. em local proibido. ainda um garotão.”.. tirando um cigarro comum guardado atrás da orelha. grunhiu o militar. Uma balada clandestina. chamaram outros dois integrantes da trupe. Ocimar. mesmo porque ele virou celebridade prematuramente. conta Magrão. recorda-se Magrão. a turma acabara de fumar um baseado e ninguém tinha qualquer substância ilegal. dar um corretivo no colega folgado. até farejou a mão de Casagrande. seus amigos também desenvolveram atração pelo risco e viraram fiéis escudeiros do badalado atacante alvinegro. eles mesmos. quando Casagrande já havia se tornado ídolo corintiano. depois de revistar todo mundo e não encontrar nada. Marquinho. Ocimar e Tambor — os dois últimos já morreram. a chave está na minha mão. no afã de fazer a apreensão.da pm comandado pelo tenente Cobrinha. para providenciar os comes e bebes. que graça teria a farra sem elas? Ao mesmo tempo. Porém. devolveu: “Ué.. “Todo mundo morria de medo dele. Naquele momento. De tanto vivenciar tais situações. Um dos casos mais curiosos. Quando o oficial entrou com os soldados na viatura para ir embora. O tenente Cobrinha espumou de raiva: “Não vou nem responder. Mas esse gosto pelo perigo. pediram desculpas e prometeram que iriam. aos dezoito anos. Muitas brincadeiras irresponsáveis desse tipo se repetiam com frequência. “Se a gente pudesse fazer uma festinha hoje. Pouco depois. os pms apenas dispersaram a moçada e foram embora. com o qual fizeram ponche. Cancela e Jajá. Naquele instante. A crise foi contornada. passara a acreditar na mentira inventada para o síndico. não há balada. em pé. cheio de convicção. não!!!”. Ocimar convenceu o porteiro do prédio de que Casagrande transformara-se no mais novo morador do condomínio e o apresentou para o embasbacado empregado. Os moradores já não aguentavam mais. incluindo mais dois jogadores do Corinthians só para impressionar o síndico. a brincadeira de moleques já se realizara: o “Inferno na Torre” entrou para história da Penha e ficará para sempre na memória dos participantes. Para quê? O corretor de imóveis surtou na mesma hora. O Casagrande já está aqui. Casagrande ainda enfrentaria problemas bem mais sérios . o síndico bateu na porta. em meio àquele forrobodó. Inconformado com a situação. ela fazia sexo oral nele. O apartamento estava sem luzes e móveis. “Chamei uns amigos para comemorar. mas. Em seguida. trouxeram presunto. Ele empurrava a porta na esperança de invadir o cômodo. sem se dar conta de que o apartamento não havia sido comprado por ninguém. Ocimar foi atendê-lo e. do lado de dentro. uísque e vinho. enquanto o jogador. bebida supostamente mais ao gosto feminino. Na condição de corretor de imóveis. com rock pauleira no último volume. “Respeite a minha mãezinha! Chupeta no quarto da dona Zoquinha. argumentou. resolveu mudar a versão inicial: sustentou que ele próprio comprara a cobertura para sua mãe. sem música. pois não havia chave. proclamou. queijo provolone. outros fumavam maconha e cheiravam cocaína pelos cômodos. gritando que aquilo era um desrespeito à dona Zoca. insistia. Marquinho chegou acompanhado por vinte moças recrutadas numa galeria da rua Penha de França. Com Casagrande na crista da onda. encostado na porta. diante das inesperadas lições de moral dadas por Ocimar. Ocorre que Magrão tinha um caso com a mesma moça e se sentiu um tanto enciumado. já está até com a chave e vai mostrar o imóvel para os amigos nesta noite”. sem o menor constrangimento. De qualquer forma. Alheio a tudo isso. com a orientação para baixar o volume do som. mais precisamente. Quase amanhecia. “Ele comprou a cobertura. local cheio de barzinhos. Mas nem sempre foi assim. e os convidados conversavam ruidosamente. Quem iria duvidar do artilheiro do Campeonato Paulista? O atacante só precisou dar um autógrafo ao entusiasmado funcionário. Já doido e bêbado. Magrão resolveu desabafar com Ocimar. quem se negaria a participar de uma celebração como essa? A festa rolava solta. evitava que fosse aberta.. pois. chegou a polícia para acabar com a farra. sem registrar ocorrência. Logo depois da meia-noite. Os rapazes trataram de acionar a chave da eletricidade para ligar um aparelho de som. sentados no chão. o BiroBiro e o Ataliba vão chegar logo”. o sonho se concretizava. Nem os convidados.Poucas horas depois. Dessa vez não houve consequências. a dupla responsável pelo “serviço de bufê”. Batia na porta insistentemente. Casa a segurava com um dos pés e prosseguia com o ato sexual. dona Zoca. como já se conheciam. e. tampouco seria o futuro lar de sua prezada mãe. Alguns namoravam. Casagrande se entretinha com uma garota no quarto principal.. .com a polícia. capítulo dez .Prisão em flagrante . na “esquina do pecado”. Acostumado a andar sempre atento. antes de ser jogador conhecido. a incidência das blitze cresceu exponencialmente. mais cedo ou mais tarde. por 1 a 0. o atacante corintiano era brutalmente espancado. No dia 14 de julho de 1982. Os policiais sentiam o cheiro do baseado e exigiam que a maconha fosse entregue. Enquanto isso. a andar com artistas. ele não recuava. Os tiras ligaram um potente refletor e direcionaram a luz diretamente para o motorista. percebeu uma viatura da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). sem que nada ilegal fosse achado. “Eu tinha a noção exata de que corria risco a todo momento. Aquele garotão já havia passado dos limites com sua insistência em pôr as mangas de fora. O placar estava amplamente a seu favor. Em vez de se restringir a jogar bola e marcar gols. parava na hora. mostravam-se mais violentos do que beques de fazenda. deixaram seus dois amigos pelados na rua. no Pacaembu. tinha de se submeter a mais de uma no mesmo dia.. acompanhado por dois amigos. O cabelão encaracolado na altura dos ombros. Transformara-se num símbolo da juventude contestadora. estacionada debaixo da ponte das Bandeiras. juntamente com Sócrates e Wladimir. a postura irreverente e a fumaça na qual sempre estava envolto. Ao final da partida. na Penha. confessa. insolente. Acendeu um baseado com haxixe e pegou a Marginal Tietê para fumar. tampouco evitava cutucar a onça com vara curta. de olho na aproximação de qualquer camburão. O temperamento desafiador. Ao reconhecer Casagrande. ainda adolescente. deram início ao martírio. de quebra. Tomava duas. lhe davam socos no estômago. Afinal já perdera as contas de quantas vezes fora revistado. a sorte poderia mudar. quando ficou famoso. já eram motivos suficientes para atrair a pm. na imagem da Democracia Corintiana. a tropa de elite da polícia paulista. passou a fazer parte da rotina. com o pretexto de revistá-los. Quando a polícia me via na rua. A prisão dele traria notoriedade dentro da corporação e. como se dizia. A cada negativa. Casagrande não acusava o golpe e saía de cada blitz com ar superior e vitorioso. o fazia encarar aquilo como um jogo. Para não deixar marcas. Nessa ocasião. ele havia marcado o gol da vitória corintiana sobre o Santo André. Mesmo diante desse incômodo constante. tremeu na base. na estreia no Campeonato Paulista. o jogador dispensou a bagana (ponta do cigarro de maconha) pelo quebra-vento e. Era preciso cortar suas asinhas — assim pensavam muitos policiais. foi interceptado pelos policiais. os maiores expoentes do movimento.As batidas policiais se tornaram relativamente frequentes desde que Casagrande passou a se expor com a Turma do Veneno. Com o ímpeto da juventude. até três blitze por dia. com as luzes apagadas. O trio “gelou” dentro do carro. queimaria o filme dos revolucionários de chuteiras. Às vezes. não alterava um milímetro seu comportamento. se metia a dar opiniões sobre tudo. a criticar a falta de liberdade no país. ato contínuo. o centroavante saiu do estádio em seu carro. Mas ele vivia no fio da navalha e sabia que. No entanto. relembra Casagrande. não faltavam guardas dispostos a revistálo. A disputa ficava cada vez mais acirrada e alguns policiais apelavam para a truculência. Rapidamente. o jogador recebia um . nem a sua natural irreverência resistiu à agressividade de uma das abordagens.. Assim. Porém. Sob um frio dos diabos. e “tomar uma geral”. não havia dúvida”. durante um show de Peter Frampton. fosse no xadrez. poucas vezes. Casagrande e o amigo Ocimar chegaram mais cedo e se trancaram no quarto do anfitrião para tomar Pervitin. inventou Magrão.” Mas não iria demorar para que o desfecho de uma daquelas blitze. a fim de entrar. Não havia uma. um de seus integrantes. Ele olhava para os pertences ali. com a pulga atrás da orelha. largaram o trio ali. Eles bateram na porta. indagou Casa. Eles foram muito violentos. Tremendo com as rajadas cortantes do vento gelado.” Os guardas haviam despejado o conteúdo de sua bolsa sobre o capô do carro. Numa dessas ocasiões. . batendo os dentes. Isso aconteceria no fim do mesmo ano. nas veias. “Qual é a senha?”. “Você vai para uma casa maior do que o seu nome”. dois moderadores de apetite. entre uma partida oficial e outra. Ele buscava prazer nos momentos de lazer. E foi com cocaína. Quase a totalidade da equipe era composta por “loucos”. e seus amigos já cogitavam admitir a posse da droga para que a surra cessasse. apareceram Magrão e outros “brothers”. Eles marcavam jogos em outras cidades e transformavam cada viagem em uma aventura. “Essa foi a pior blitz que já levei. ameaçava um dos guardas.golpe mais contundente. “Do Largo do Arouchhhe”. Jovem e cheio de energia. “Olho de peixxxxe”. mas. “Quem é?”. Casagrande só fumara maconha. Quando Casagrande não suportava mais a dor. carregando no som sibilante. time de várzea que nasceu na rua Jaborandi e no qual Casagrande continuou jogando mesmo durante boa parte da carreira profissional. Até que o frio falou mais alto do que o medo. Logo em seguida. Nós nos perguntávamos: o que a gente faz agora? E se formos embora e eles voltarem? Não vai parecer que estamos fugindo? Dava medo de tomar qualquer atitude. Além da agressão. não precisava desse artifício para correr mais. lançando mão de um trocadilho que não fazia ninguém dar risada. os pms iniciaram a perseguição. estimulante que ele conheceria em dezembro de 1982. Naquele exato momento. aplicara Preludin ou Pervitin. Até então. jogados. durante a aplicação do medicamento. durante festas e bailes de Carnaval. Certa vez. os amigos vestiram as roupas e decidiram ir para casa. Imediatamente. um carro passou em alta velocidade pela Marginal e o rádio da patrulha deu o alerta de que seus ocupantes eram suspeitos de um assalto a banco. depois de dissolver os comprimidos em água destilada. parece que o anjo da guarda deles resolveu entrar em ação. já tão corriqueiras. no seu caso. mas criou-se na hora. “Fiquei tão chocado que permaneci naquele local por algum tempo. perguntou Casagrande. sem saber como proceder. no próprio Corinthians. Sem dizer nada. com falta de ar. foram criadas a senha e a contrassenha do Veneno. Esses medicamentos eram usados como doping por alguns jogadores na época. curvando-se a cada pancada. “É o Magrão”. para dobrar o dia e vencer a timidez. não os utilizava para melhorar o rendimento em campo. provara ácido lisérgico e. respondeu o parceiro. embora não tenha sido preso. fizeram terror psicológico. a turma programou uma festa na casa de Claudinho. Todos estavam em pânico. ainda em clima de comemoração pela conquista do Campeonato Paulista. juntamente com Sócrates e o diretor de futebol Adilson Monteiro Alves. estou sozinho e não tenho onde ficar. ele aproveitou para levar Magrão junto. onde havia um alojamento para os atletas que vinham de outras cidades. às gargalhadas. “O que você vai fazer depois do jogo?”. Mas cocaína. Tinha escritório num elegante prédio localizado na esquina das avenidas Rebouças e Faria Lima. no final da tarde de segunda-feira. Três deles também eram usuários e cederam seu quarto com satisfação. eu pago o avião pra você. O espetáculo ocorreu na quadra do parque São Jorge e. referindo-se ao primeiro nome de Fagner. Mas não demoraria para o roteiro terminar mal. para se hospedar na casa dele. por brincadeira. pronunciando o próprio nome com o som de xis — assim mesmo: “Belxior”.” Nessa breve passagem por São Paulo. Parecia conhecido. então. Casagrande e Magrão . pediu para sair no intervalo e assistiu ao restante da partida do banco de reservas. Ele conheceu dois traficantes na rua São Jorge. Tocou a campainha da casa do amigo. perguntou o compositor. Ocupava duas salas no 17o andar. Pegou a ponte aérea. A Democracia Corintiana estava no auge e. Casão atendeu o telefone numa tarde. explicou. “Só tem Crusssh”. só entrou na vida de Casagrande no final de 1982. por intermédio de Sócrates. Depois de alguns dias na casa de Fagner. Eu me hospedei na casa do Fagner. muito mais do que hoje em dia. do outro lado da porta. em meio a muita badalação. o cantor avisou que iria para Fortaleza passar as festas de fim de ano com a família. para participar de um amistoso entre as seleções paulista e carioca. justamente a droga que o derrubaria mais tarde. O cantor Fagner. no Leblon. A mesma estratégia voltaria a ser empregada em outros eventos realizados no Corinthians. com quem fizera amizade recentemente. ele também fazia produção de shows. ele se dirigia ao fundo do ginásio. “O Raimundo está?”. Fagner o convidou. “Aqui é o Belchior”. O Sócrates e o Adilson vieram com suas mulheres”. advertiu Magrão. onde fica o Corinthians. Essa senha é empregada até hoje. aquele timbre e entonação soavam familiares. levemente rouca. e curtiu o show de Peter Frampton sob o efeito do pó. deu a chave para os visitantes continuarem ali. O Timão acabara de conquistar o campeonato paulista. finalmente identificou-se o interlocutor. atrás do palco. Exausto. “Fomos a um barzinho no domingo à noite. “Não há problema. Após virar a madrugada nessa celebração. concluiu Casão. e você pode ficar comigo lá”. Além de atleta. pelos remanescentes da Turma do Veneno. dormiu por duas horas e foi diretamente para o aeroporto de Congonhas. solícito. “Vou para São Paulo. “Estou curtindo no Rio e passei aqui só pra buscá-lo. voltei a São Paulo na segunda-feira só para pegar roupas e retornei ao Rio no mesmo dia. com direito a música ao vivo. do outro lado da linha. para esticar e cheirar as carreiras. “Aqui não tem trouxxxa”.rebateu Casa. O próprio Casagrande organizou a festa dos campeões. Durante a estada no apartamento da avenida Bartolomeu Mitre. na Penha. sentou-se a seu lado. “Não tenho um tostão”. por conta dos ensaios do artista cearense e de seus amigos. a comemoração não tinha fim. propôs. onde funcionava o bcn (Banco de Crédito Nacional). perguntou uma voz grave.” E lá foram os dois parceiros de longa data. título com grande importância na época. Mas. emendou Magrão. um dos sambistas da velha guarda chamou a turma para um churrasco na casa dele. para servir os grelhados. que proibira o marido de cometer tais excessos. só não revelaremos seu nome para preservá-lo. Sem o conhecimento de sua mulher. os atores Osmar Prado e Antônio Pitanga. Por isso. que se inspirou nele para criar aquele tipo do programa Chico city. Eles encontraram Afonsinho. Legítimos representantes da velha malandragem carioca. Casagrande. garoto? Tu tá me antecipando? Veio lá de São Paulo pra me dar chapéu?”. Acabaram aportando em seu apartamento. “Achei muito louco.. outros amigos antigos do anfitrião se incorporaram ao grupo... na tv. o compositor Nonato Buzar. Lá conheceram diversos artistas. Os dois eram fãs do autor de “Como nossos pais” e “Apenas um rapaz latinoamericano”. sentado a seu lado. Convidados por Afonsinho. Para o sonho ser completo. quando ele se apaixonou pela futura mulher. médico e ex-meia de Botafogo. Terminado o jogo. que se tornou célebre por lutar pelos direitos dos atletas profissionais e pela atuação política. “Foi sensacional. os integrantes do grupo musical mpb4. quase ninguém se interessava mais pelas carnes. O Afonsinho é um gênio. músicos e outros jogadores.. Além dos peladeiros trazidos do jogo de futebol. só entre os adeptos. de repente. o craque Paulo César Caju. Magrão até gravaria uma fita cassete com músicas de Belchior para o atacante presentear Mônica.. Mas aqueles que haviam cheirado — a maioria deles — já não tinham o menor apetite. Os parceiros tentavam despistá-lo.” .. O “vovô” da patota passou a implicar com Casagrande. Fluminense e Vasco nas décadas de 1960 e 70. Um senhor de idade que se apresentou como Azambuja. Afinal. eles foram jogar bola na casa de Chico Buarque. tradicional organizador de peladas com seu time. o prato de pó era escondido debaixo da mesa. Apesar da generosidade de Fagner. Acontece que Azambuja também gostava do negócio e não era bobo nem nada. o primeiro jogador a conseguir passe livre na Justiça”. No ano seguinte. um divisor de águas. aquele breve contato telefônico já foi suficiente para deixar os rapazes radiantes. intimava. por ser o mais velho da turma e ter tido piripaque cardíaco meses antes. naturalmente. sem graça diante daquele senhor escolado e pós-graduado nos morros cariocas. “A linguiça não está boa?”. “O Azambuja passou a madrugada toda me barbarizando. no meio da festa. “Está ótima!”. muito discretamente sob a tábua da mesa. por educação. o prato com cocaína começou a rodar pela mesa. os hóspedes acabaram não ficando na casa dele depois de sua viagem a Fortaleza. ressalta Casagrande.” O prato com pó passava de mão em mão. Casa só sorria amarelo ao tentar cumprir a ordem do dono da casa. Depararam-se com o sambista João Nogueira. insistia a senhora. “Qual é a tua.se entusiasmaram. porque ele falava igualzinho ao personagem do Chico Anysio. Uma figura bastante conhecida. respondiam os convidados. o Politeama. faltou só o próprio Chico. Aos dezenove anos. entre outras canções que eles adoravam. especialmente. Um deles impressionou. À sua aproximação. entre tantos nomes estrelados. que nesse dia não pôde comparecer à pelada em seu campo. sobretudo com a idade avançada. Santos. Ela só estranhava que. não ia escapar. o pm achou o canhoto de um ingresso do show de Gilberto Gil. O craque estava empolgado por conviver com tantos artistas famosos no Rio. uma coisa ficou clara: o que eles queriam mesmo era destruir a Democracia Corintiana e. O escândalo repercutiu pelo Brasil inteiro e.” O inquérito foi instaurado e o centroavante teria de responder à acusação na Justiça.. Em seguida. não sei do que estão falando”. eles foram ao Recreio dos Bandeirantes. policiais pararam e lhe pediram documentos. “Nunca vi esse vidrinho. por tabela. Um jogo duríssimo. que surfava naquela praia. . isso não é meu!”. de fato. rebateu Casagrande. E ainda surgiu a versão de que a droga havia sido dada pelo próprio Gilberto Gil. “Pela atitude deles durante a abordagem. Mas ele também contaria com apoio para resistir ao vendaval. Mas já a partir daqui esse desgaste de sua imagem começou a ser explorado pelos rivais. sustentando que os policiais tinham “plantado” a droga com o propósito de incriminá-lo. afirmou.. à noite. Casagrande negou a posse do entorpecente. Os policiais o colocaram no camburão. avisaram a imprensa sobre a ocorrência e deram voltas pela cidade até que os jornalistas chegassem à delegacia para filmá-lo e fotografá-lo. ao qual o atacante havia assistido no Rio. “O que é isso?”. o policial aproveitou para tripudiar: “Pois é. Os detratores só teriam êxito em expurgá-lo do clube um ano mais tarde. desmoralizar nosso envolvimento na luta pela redemocratização do país. né?”. o Gilberto Gil e a Rita Lee já foram pegos. O jogador mostrou prontamente a carteira de identidade. Depois de desembarcar em Congonhas na manhã do dia 23. Um garoto de bosta. foi revistado. “Não faço a mínima ideia. e tratou de estabelecer uma conexão entre o artilheiro e o compositor baiano. Assim que viram Casagrande numa roda com dois amigos. Embora admita ter cheirado pó durante a viagem ao Rio. resolveu se encontrar com outro amigo do bairro. como você. por parte de conselheiros contrários ao movimento. que morava a poucos quarteirões. ele deixou Magrão em casa e. colocou em xeque a Democracia Corintiana. Isso foi o que mais o irritou. ainda assim. quando seria emprestado ao São Paulo. Casão assegura que não portava droga naquele momento. mas. supostamente encontrado em sua bolsa. Casão enfrentaria grande resistência dentro do próprio clube. Porém os policiais apresentaram um frasco com pequena quantidade de cocaína. mas o Natal se aproximava e era preciso voltar a São Paulo antes que se esgotassem as passagens aéreas. indagou um dos soldados. Diante do delegado. onde Casagrande conheceu o ator Kadu Moliterno. Foi ali que se deu mal. Segundo Casão. outro alvo preferencial dos tiras naqueles tempos — mais um ingrediente que o fez espumar de raiva.No dia seguinte. Democracia Corintiana .capítulo onze . . por meio de votos com o mesmo peso. Ele próprio passaria a ser vice. Vários fatores concorreram para a sua criação. A notícia da prisão de Casagrande com cocaína foi amplamente utilizada para transmitir a ideia de que o Corinthians se encontrava mergulhado na bagunça. numa inversão de posições apenas no papel. onde seu pai conseguira colocá-lo por indicação de um amigo. Desde a impossibilidade de o antigo caudilho. funcionários e dirigentes. à margem dos princípios morais. pois havia clara intenção de usar o parceiro como testa de ferro. temia que houvesse um retrocesso que prejudicasse o curso natural da história. como o dia em que viu uma faixa no parque São Jorge anunciando peneira nas categorias de base e resolveu tentar a sorte. indiretamente. Além de se ver no olho do furacão e ser usado como bode expiatório. pelo clube do coração. a liberdade para expressar opiniões políticas.. de Poços de Caldas (mg). afinada com valores mais conservadores ou alinhada aos velhos cartolas por diversos interesses. Os conselheiros leais ao folclórico dirigente. quando ingressou no dente de leite aos treze anos. As lembranças passavam como um filme em sua cabeça.A Democracia Corintiana era a joia da coroa. que terminou posto para escanteio. apesar do êxito obtido em campo. as decisões referentes ao time sendo tomadas em conjunto por atletas. Natural. Ele valorizava ainda mais os novos ventos que arejavam o clube porque sentira na pele a filosofia retrógrada das administrações anteriores. Recordou quando subiu para o profissional. No início. entrara em choque inúmeras vezes com os mandachuvas. vice em suas duas administrações anteriores. ao ser tratado como subalterno e diante do risco de acabar desmoralizado publicamente. esgueirando-se . com a conquista do título paulista de 1982. Casagrande tinha profundo orgulho do movimento que trouxe liberdade e respeito aos jogadores e lançava luz. chegava discretamente. O plano inicial de Matheus consistia em lançar Waldemar Pires. Um discurso moralista encampado também por parte considerável da imprensa. Essa reviravolta provocou o gradual rompimento com Matheus. aproveitavam qualquer sinal de fumaça para criar o cenário de um incêndio. com drogas e bebidas alcoólicas rolando soltas entre integrantes da equipe. Casagrande acompanhava com apreensão aquela campanha rasteira. Aprovado tanto pela técnica quanto pelo porte físico. com quinze anos. Pires resolveu tomar as rédeas e exercer o cargo na plenitude. A abolição da concentração para os jogadores casados. tentar a reeleição após dez anos consecutivos no poder — por força do estatuto do clube — até a reunião casual de jogadores incomuns e com afinidades de pensamento. nas trevas da ditadura militar do país. portanto. e agora surgiam novos focos de rejeição. No Corinthians desde 1976. e treinava ao lado de seus ídolos. como candidato a presidente nas eleições realizadas em 1981. trocou a Portuguesa. depois de eleito. o direito de tomar bebidas alcoólicas em público e de fumar (do qual Sócrates se tornara a principal bandeira). Vicente Matheus. chegara a ser emprestado para a Caldense. Porém. Algo raro e precioso. aliados a outras facções da oposição. que o atacante se preocupasse com o perigo de o escândalo de sua prisão pôr em risco o projeto que se anunciava vitorioso. tudo passou a ser severamente questionado. Numa dessas ocasiões. com os jogadores fazendo o que bem entendiam. as sandálias Havaianas viradas ao contrário (na época. Algo que parecia inerente ao desenvolvimento humano. jogava as preliminares das partidas do time principal e. em vez de ir embora. Quando me encontrava num ambiente com esses caras. deslumbrado. pegava carona no ônibus das feras e vinha observando tudo. Por ter estreita ligação com aquele universo. no qual foi introduzido ainda bem pequeno. não existiam chinelos desse tipo com a face superior colorida. aborrecia-se com a cultura autoritária do futebol. escrever as primeiras palavras. as camisetas com temas ligados ao rock ou à política. em tom ríspido. depois. A começar por seu Walter. Havia a lei do passe. impasse na renovação de contrato ou simples capricho de um cartola. as calças jeans desbotadas e puídas. Se o jogador fosse encostado por indisciplina. o que tornava o clube do parque São Jorge um assunto obrigatório em festas e reuniões. “Quando eu tinha cinco anos. Imagine estar ao lado do Zé Maria. centroavante conhecido como Geleia na várzea paulistana. Waltinho acompanhava o pai nas partidas disputadas nos domingos de manhã em campos da capital paulista. Não se tratava exatamente de uma escolha. como aprender a falar. para cortar o cabelo e se vestir de maneira mais comportada. “Como torcedor. Casagrande sofria pressão para se enquadrar em outro figurino. Desde cedo. desenhar.pelos cantos. digamos. desde pequeno idolatrava os jogadores do Corinthians ao máximo. Ao final dos jogos. cheio de timidez.” Ao mesmo tempo que provava essas sensações especiais. a decisão de cair fora dele não era nada fácil. Os confrontos recorrentes o levavam a cultivar certa dúvida sobre o prosseguimento da trajetória no futebol. mais do que sentia em relação aos outros. Até o advento da Democracia Corintiana. ele já me levava ao campo para vê-lo jogar. então os jovens descolados invertiam a sola. Nos fins de semana. que equiparava os atletas a mercadorias e os deixavam completamente à mercê dos desmandos dos dirigentes. Além de a família em peso torcer pelo Corinthians. predominante até hoje. encaracolados e despenteados. mais convencional. Se existe alguém que representa o Corinthians é o Zé Maria.. Os meus três tios paternos também jogavam bem. Já estava farto de receber ordens. usar talheres. A bola entrara em sua vida tão naturalmente quanto as atividades primordiais da infância. apesar da personalidade normalmente ousada. vivia futebol o . permanecia no estádio para torcer das arquibancadas. mas que naquela época se apresentava ainda mais sufocante. Dessa forma. e o Corinthians não fugia à regra. passando o lado branco para baixo e exibindo o preto ou azul em cima). inclusive o Sócrates. Essa era a realidade dos clubes brasileiros. era a maior emoção. Para mim. assim como os irmãos da minha mãe. O seu jeito de ser incomodava os comandantes: os cabelos longos.. da eficiência e do amor à camisa. ficava impedido de defender outro clube. Qualquer rebeldia podia ser punida com a segregação e o risco concreto do fim da carreira. ficava só olhando. não abria a boca. o símbolo da raça. os homens jogavam bola rotineiramente e adoravam conversar sobre esporte. Não tinha remédio: mofava até pedir água e voltar com o rabo entre as pernas. brincar. a bolsa de couro a tiracolo. Muitas vezes lhe parecia impossível permanecer por mais tempo naquele mundo opressivo. tempo todo. reserva da Seleção. para os corintianos. Mas o que contava era o evento todo. mas entrou em campo para ser homenageado. estivera muito próximo de roer a corda em 1981. por ter conquistado taças importantes à frente de vários clubes — especialmente. Ditão ainda levava às festas colegas da equipe alvinegra. mal conseguia se conter de tanto contentamento. a expectativa pela estreia iminente do filho atingiu o ponto máximo. a proximidade com os campeões do mundo. representante corintiano no time canarinho. o dia a dia da profissão nem sempre era tão glamouroso. pela consagração de Rivellino. “Eu tinha sete anos. Mas logo descobriria que. Nem tinha como não me interessar dentro daquele ambiente. o contato direto com a Fiel torcida. Por conta desse parentesco. Waltinho conheceu outras personalidades ligadas ao esporte. e anunciou à queima-roupa: “Arruma a mala. ali no gramado estava também o zagueiro Ditão. Às vezes. Algo tão tocante que o levou a se projetar em campo na partida contra a Ponte Preta. Correu para casa a fim de dar a extraordinária notícia aos pais.” O jogo não foi dos melhores: acabou empatado em 1 a 1. me emocionei com a festa da torcida para o Rivellino. em breve. ex-Flamengo).” Uma experiência que marcaria definitivamente seu imaginário infantil. Por isso. teve início a convivência nas reuniões de família. o título supremo: o Campeonato Paulista de 1977. Brandão procurou Casagrande. Mas também se notabilizava pelo estilo durão e intransigente. depois de um arranca-rabo com o técnico Osvaldo Brandão e o presidente Vicente Matheus. Em face disso. Houve grande comoção familiar. Um personagem que Waltinho conhecia pessoalmente. menos de uma semana depois da conquista do tri da Seleção brasileira na Cidade do México. que quebrou o jejum de quase 23 anos. Ele ficava encantado com a história desses atletas e imaginava construir a própria. que não destoassem tanto das dos . Então. além do ala/pivô Adílson. que defendeu a Seleção brasileira de basquete nas Olimpíadas de Munique (1972). pois um de seus tios maternos. na prática. Finalmente relacionado para um jogo oficial. que tu vais viajar com o time”. como o centroavante Benê e o meia e ponta-direita Paulo Borges — este último também presente no jogo contra a Ponte Preta. Certo dia. juntamente com o goleiro Ado. O coração do jovem centroavante disparou: seria a primeira vez que integraria a delegação profissional do Corinthians. pois Ditão era irmão dos zagueiros Flávio (ex-Portuguesa) e Ditão (homônimo. Tudo isso influenciou Casagrande a seguir a trilha esportiva. no parque São Jorge. Antônio Carlos. Waltinho se encontrava no auge da empolgação — orgulhoso. O país inteiro celebrava a posse definitiva da Taça Jules Rimet. sobretudo os iniciantes. o primeiro jogo que vi ao vivo no estádio. então maior símbolo da raça corintiana. Além disso. garoto. O treinador já atingira o patamar de lenda do esporte. meu grande ídolo. Moscou (1980) e Los Angeles (1984). se casara com uma prima da mulher do beque. na sequência. e o Brasil havia acabado de ser campeão. Mas dois fatos me entusiasmaram ainda mais: a Copa do Mundo de 1970 e. que até então somente treinava com os profissionais. Ele não jogou naquele sábado. Só tinha um probleminha: a necessidade de comprar roupas novas. sobretudo. disputada no dia 27 de junho de 1970. O que mais lhe desagradava era a falta de respeito dos dirigentes com os atletas. escalado pelo técnico Dino Sani. nossas visões eram incompatíveis. sem falar no constrangimento de ser barrado na última hora. curto e grosso. seus sonhos e planos foram pelo ralo. que ele seria emprestado para a Caldense. não planejava retornar ao Corinthians. lhe comunicou: “Pode voltar. Num segundo. Ao constatar a ausência do centroavante nos treinos. Se fosse negociá-lo. Ficou decidido. Saiu até faísca daquele encontro. precisava encarar o embate com o presidente Vicente Matheus.” Para tentar driblar Matheus. cujo time era bom naquele tempo. de Minas Gerais. Casagrande foi todo empolgado e ansioso para embarcar com a delegação corintiana. tive um trabalho danado. Na manhã seguinte. diante dos demais atletas. Seu Walter e dona Zilda. duas equipes grandes do estado que acompanharam de perto seu bom desempenho na temporada. levou uma terrível ducha de água fria. O novato se sentiu humilhado. construiu-se uma estratégia: Casagrande deveria ir para o América-rj. O Corinthians ficou mais atento ao potencial do centroavante prata da casa — e não tinha intenção de entregá-lo de mão beijada a um rival nacional de primeira linha. A determinação de chutar o balde. relembra seu Walter. certamente o preço seria alto. Casagrande finalmente desabrochou. inicialmente vista como um arroubo de momento. Não concordava com a sua ditadura e. Como iria voltar para casa e encarar a decepção dos pais? O sangue lhe subiu à cabeça e ele exteriorizou para o treinador toda a sua revolta. “Eu estava completamente duro. “Você tem de ir treinar. No ano seguinte. aí sim. você não vai com a gente. e uma mochila de viagem. Os tons das vozes se acaloraram. Depois de desacatar o chefe imediato. Chegou até aqui e vai pôr tudo a perder? É preciso ter calma nessa hora e agir com sabedoria”. ficaram muito aflitos. mas dei um jeito”. Já no aeroporto. ele consumaria a transferência para o Cruzeiro. com indisfarçável orgulho. ponderava o pai. Waltinho. Volta para treinar lá no parque São Jorge”. me virei de todos os lados. mas não se configurava um gigante do futebol brasileiro. não! O Geraldão renovou contrato nessa madrugada e a sua presença não é mais necessária. menino. obviamente. O negócio casado já estava combinado entre os dirigentes cariocas e . Jamais o cartola lidara com um iniciante tão destemido. se fosse preciso. por ter sido criado lá dentro. “Mas eu não queria mesmo voltar para o parque São Jorge. Em Poços de Caldas. a diretoria enviou um carro para buscá-lo em casa e tentar contornar o impasse. embora ele até demonstrasse algum carinho por mim. com tapas na mesa e ameaças de parte a parte. A visão que eu tinha do Corinthians se associava ao Matheus como presidente. Arrumara uma namorada em Poços de Caldas e considerava a possibilidade de se transferir para o Atlético-mg ou o Cruzeiro. Terminou o Campeonato Mineiro como vice-artilheiro e despertou o interesse de vários clubes do país. O preço haveria de ser mais barato.outros companheiros. “Somente a partir daí me convenci de que meu destino seria mesmo jogar futebol.” Valorizado e ainda magoado com o time do coração. então. Casagrande avisou que não atuaria mais pelo Corinthians e saiu da sala disposto até a parar de jogar profissionalmente. persistia no coração do filho. Brandão se aproximou dele no saguão e. Assim que o centroavante pôs os pés no parque São Jorge. para o cargo de vice-presidente de marketing. comprovar que sua ascensão profissional não era fogo de palha e que ele já estava pronto para suportar o enorme peso da camisa corintiana. para viabilizar a gestão depois do rompimento com Matheus. indicado pelo próprio pai. Pela composição de forças. poderia conferir os novos rumos prometidos pelos dirigentes e. porém.. e buscar patrocinadores para a camisa. Não era o que imaginava. pela Taça de Prata do Campeonato Brasileiro. ao mesmo tempo. com mais dinheiro. “Procurei organizar a mercadologia do clube. com prestígio e coragem suficientes para suportar a resistência reacionária que sempre tentaria minar o terreno. e tirou até o fôlego da Fiel. o novo presidente delegou o comando do futebol a Adilson Monteiro Alves. “O América funcionaria como uma ponte. mas. no Morumbi. não se concretizou. Talvez valesse a pena experimentar. uma usina de ideias. jovem sociólogo com ideias revolucionárias para a administração esportiva. Travaglini parecia ser um sujeito bacana. O seu retorno coincidiu com a ascensão de Waldemar Pires. Não deixou o adversário respirar ao balançar a rede seguidamente. tinha de pegar a fila. algo novo no futebol daqueles tempos. . “Coisa que era uma novidade impressionante”. antes. iniciar isso para que o Corinthians se tornasse mais rentável e. 38 e 40 minutos do segundo tempo. só jogando. que assumira o comando do time alvinegro. Nesse contexto.. Adilson ainda teve uma sacada genial: convidou o publicitário Washington Olivetto.. mostrou-se impressionado por sua ótima performance na Caldense e avisou que contava com ele para aquela temporada. aceitou assinar contrato por três meses. o chamou para uma conversa. reiniciava sua trajetória no parque São Jorge como reserva de Mário. Afinal. Casagrande foi se acomodando. E como valeu. não lhe restava alternativa. Para mostrar serviço. e sua estrela brilhou intensamente: fez quatro gols. o técnico Mário Travaglini. e cheguei até a acertar os valores do contrato”. O titular se machucou. aos 37. Mas. Sem delongas. no Pacaembu. um líder libertário por vocação e craque acima de qualquer discussão. A consagração definitiva viria no Campeonato Paulista. e assim surgiu a chance tão esperada. no entanto. como o passe pertencia ao Corinthians. o conselheiro e vice-presidente de futebol Orlando Monteiro Alves. mesmo depois da mudança de poder consumada. ao marcar três gols na goleada por 5 a 1 sobre o arquirrival Palmeiras. pudesse montar uma equipe melhor”. Assim.mineiros. Uma conjunção de acontecimentos. ressalta Olivetto. bem mais liberal do que seus antecessores. A primeira medida foi listar os produtos fabricados com a marca do clube. Depois de um papo franco com Adilson. pisou em campo pela primeira vez como jogador profissional do Corinthians na vitória por 5 a 1 sobre o Guará. outros atacantes não estavam bem. Adilson ainda teve a sorte de encontrar respaldo em Sócrates. conciliador. acrescenta. revela o ex-jogador. Dali em diante. abreviou sua estreia. sem contar as demais alternativas para montar a equipe com jogadores mais experientes. No dia 3 de fevereiro de 1982. ganhou prestígio. O plano. de tanto comemorar. Além do mais. sem licença.. contou com o apoio de Adilson Monteiro Alves. é isso mesmo: a relação com a mulher que lhe daria três filhos seria. Assim. só reforçava sua convicção de lutar pela sobrevivência da Democracia Corintiana. Sim. passada em perspectiva. Casagrande se tornou a própria expressão da Democracia Corintiana. que iria imprimir marca definitiva em sua vida. . a ponto de deliberar até sobre seu futuro amoroso. estranhamente. objeto de discussão e votação entre os colegas de time. E com a amizade e o companheirismo de diversos parceiros de time. enfrentar os ataques pela prisão por porte de cocaína e seguir em frente com aquele time incrível. que a cada dia se revelava um cartola realmente diferente de todos os que ele já conhecera. que parecia saído do mundo dos sonhos. Para isso.Toda essa história. capítulo doze .A ditadura do amor . Esse sempre fora um traço da personalidade dele. Com o advento da Democracia Corintiana. numa mesinha ao ar livre. misturava-se aos associados. perto da passagem das pessoas. mas já dava sinais claros de esgotamento. Saiu de lá decidido a conquistá-la. O amigo Magrão faz troça. nada disso. promulgado sabe-se lá por quais forças da natureza. Já acompanhara diversas partidas das meninas do vôlei. desde as categorias mirins. a ser paparicado pelos fãs e cultuado por intelectuais e pela imprensa progressista. Quando ficou famoso. até hoje. seu coração iria ser invadido. Mesmo depois de se tornar jogador conhecido e assediado. Só sabia que a desejava absolutamente. que ele se deparou com a musa de seus sonhos. Era comum vê-lo nas práticas de basquete. Sem escolha. Por decreto. As defesas se abriam. Talvez sentisse receio de ser rejeitado. E foi lá. ele precisou respirar fundo para buscar oxigênio e já nem ouvia mais o que seus amigos à mesa lhe falavam. e ele ficaria vulnerável como jamais havia imaginado. coisa de adolescente”. só abalada diante de uma outra ditadura: a imposta pelo amor. perambulava por todas as áreas. Também pudera: a iniciativa partia muitas vezes das próprias garotas. ele defendia com unhas e dentes os ideais de liberdade.. Assim. Em meados de 1983. relembra. Criado no parque São Jorge. ele mantinha os hábitos cultivados desde a infância e a pré-adolescência. ia à piscina. O regime militar tentava se manter a todo custo no poder. mais do que tudo no mundo. Também concedia entrevistas a respeito desses assuntos e estimulava um grande contingente de jovens a abraçar as mesmas causas: tornara-se um símbolo dos tempos de mudança que se anunciavam cada vez mais palpáveis. é verdade. A pulsação disparou. o atacante se enchia de esperança e autoconfiança. mas foi fora das quadras que uma delas lhe chamou particularmente a atenção. Casagrande logo provaria o outro lado da moeda. voto ou opção. atualmente. vôlei. engajava-se na luta pelas eleições diretas para presidente da República e pelo restabelecimento pleno dos direitos civis no país. Habituado às facilidades proporcionadas pela fama. “Quando ela passou na minha frente. Ao contrário da maioria dos colegas de equipe. tenta explicar. lembrando-o de que precisava dar uma mãozinha para as aventuras amorosas de Casagrande se concretizarem. prestigiava treinos e jogos de outras modalidades. com a construção dos centros de treinamento separados das sedes sociais. . mesmo. tinha ligação afetiva com o clube e gostava de viver intensamente o dia a dia. depois de treinar. futebol de salão. Os hormônios corriam soltos pelo corpo e provocavam estranhas sensações. Havia apenas um obstáculo: a timidez com as mulheres. sem qualquer pudor. para ele entrar com bola e tudo. quais seus valores e convicções.Tudo na vida de Casagrande orbitava em torno da experiência democrática no clube. sem sofrer represálias por ser atleta. Na crista da onda. eu fiquei alucinado”. Não tinha ideia de quem era exatamente aquela garota. Se não o deixasse na cara do gol. podia-se beber até cerveja no Bar da Torre. tradicional boteco encravado no coração do parque São Jorge. a situação melhorou.. ele não se limitava a ir lá apenas nos horários de treino — um tipo de relação com os atletas que se perdeu por completo. No auge da empolgação. não havia jeito de balançar a rede. “Eu era muito mais tímido do que sou hoje. Mas esse não era o caso de Mônica. ao contrário. a paixão de Casagrande se tornou lendária no parque São Jorge. passou a bater ponto nos treinos do time feminino de vôlei e informava-se sobre a tabela de jogos só para vê-la em ação. Criou-se até um mutirão para juntar o casal. conta. já os havia deixado na ordem exata para que ela se sentasse ao lado dele. e convocou Magrão para ajudá-lo na missão de levar Mônica ao espetáculo. Esse amor platônico chegou a tal ponto que virou algo quase institucional no Corinthians. avisavam elas. porque mobilizou o clube inteiro: do porteiro ao presidente Waldemar Pires. A retranca durou cerca de cinco meses. começou a rolar um clima. no Anhembi. Mas não era nada disso”. Amanhã tem jogo no Pinheiros. determinou a Magrão. pode-se dizer. os dois se tornaram mais próximos. fiquei desnorteado. O ano de 1983 chegava ao fim e o craque . encabulado por ter montado o plano só para encontrá-la. estádio do Morumbi. evitava se envolver com astros do futebol. inventou que ganhara convites da produção do compositor baiano. É praticamente desnecessário dizer que Mônica finalmente se convenceu da sinceridade dos sentimentos de Casagrande e disse o tão esperado “sim”. mesmo em partidas fora de casa. Foi engraçado. e as pessoas tentavam ajudar. Para piorar. vai!”.. No entanto. Numa dessas ocasiões. juntamente com outras atletas do Corinthians. como se fosse preciso. diverte-se. Nesse período. Na noite em que entregou os mimos. e presenteou a amada com uma bolsinha do personagem Cebolinha. o roteiro completo. Ao som de Caetano. “As meninas do vôlei me davam todas as dicas. Só pensava nela. “Minha reputação não era das melhores. com a inscrição: “Fica comigo. Chegou a recorrer a amigos no sentido de criar situações propícias para uma aproximação. O que existia de tão especial nesses lugares? Em todos eles havia pichado os muros com declarações de amor. a jogadora de vôlei que comera seu coração de galinha num xinxim. ao se encontrar com as moças. distribuiu os bilhetes como se fosse aleatoriamente. Ela não dava mole. especialmente do disco Coração selvagem. de Belchior. Porém. então com vinte anos. Tudo isso amoleceu o coração de Mônica. parque São Jorge. Como a família de Mônica morava em Santos. No dia do evento. O maior receio dela era com a imagem dos jogadores de futebol. de sair com a mina só para transar e depois sumir.. em geral malacostumados pelas benesses da fama. passando pelo diretor Adilson Monteiro Alves e as mães das outras jogadoras de vôlei”. Mesmo assim. ele travou ao se deparar com aquela gatinha de dezessete anos. E eu aparecia em todos os lugares”. levou-a de carro em tour pela cidade: estádio do Pacaembu. Diziam em que restaurante iriam jantar. comprou oito ingressos para o show de Caetano Veloso. foram as contundentes provas de amor de Casagrande. ela se instalou numa república em São Paulo. Ele pediu para Magrão gravar uma fita cassete com músicas de mpb. Tantas entradas eram necessárias para incluir as amigas dela e não escancarar suas reais intenções. “Fala que a gente tem ingressos para o show do Caetano e chama as meninas. ressalta. onde iam passear. Em sua presença. de fato. “Completamente apaixonado nessa fase. de Mauricio de Sousa. o ídolo dos gaviões se sentia frágil. mas o que a dobrou. túnel da avenida Paulista. Obcecado. Só um detalhe: a Mônica precisa ir de qualquer jeito”. ela endurecia o jogo e recusava a ideia de namoro. Passou as festas de Natal e réveillon nas nuvens. também fui para lá por empréstimo. acusado de porte de cocaína. quando fora preso. eu fiz essa mesma excursão pelo Cruzeiro e meu pai morreu no Brasil. Então. Para não dar simplesmente um golpe no movimento. no pico da empolgação amorosa.. para compensar o aborrecimento do ano anterior. pensava até em dar uma banana aos compromissos profissionais e se aninhar nos braços de Mônica. Quando o Adilson (Monteiro Alves) vinha nos dar o dinheiro no hotel. Ele insistiu tanto que o assunto voltou a ser posto na pauta outras duas ou três vezes. Inconformado com o resultado das urnas.” . Indonésia e Tailândia. Porém. e ele. tentou impugnar o resultado do plebiscito. que tinha sido enviado para arrastá-lo ao embarque da delegação corintiana. quando o jovem casal teve uma crise e se separou. A maioria não o liberou. Aí aconteceu a mesma mobilização dos colegas de time até voltarmos a namorar. “Ela se transferiu para o São Paulo naquela época. Tanto insistiu com o diretor Adilson Monteiro Alves que a proposta acabou indo a votação. Casagrande foi quase amarrado para a turnê por Japão. Com a impetuosidade da juventude. sentenciou. sobretudo. não acho justo você querer voltar porque está apaixonado”. não estava nem um pouco disposto a embarcar nessa viagem. “Só desisti de ir embora quando o Eduardo Amorim me chamou à razão”. ele mergulhou de cabeça na relação. Tudo transcorreu bem até meados de 1984. Só chegou em sua casa. O que se iniciara como uma ditadura amorosa terminou absorvido pela Democracia Corintiana. como já se pode imaginar. à tarde e à noite. O Corinthians programara uma excursão a países do Oriente para janeiro do ano seguinte.” Ao voltar para o Brasil. Mônica não saía de sua cabeça. e não haveria prejuízo se voltasse sozinho. “Gastava toda a diária em telefone. A argumentação do ponta corintiano era bastante forte: “Em 1977. Casagrande por pouco não mandou às favas os princípios que sempre defendeu.mal se continha de tanta felicidade. Mas dessa vez o processo democrático o fez sofrer. a reivindicação do artilheiro foi submetida aos colegas. por coincidência. familiares e. “Queria ver se me atrasava e perdia o voo. Alegava que aqueles amistosos não tinham importância alguma. da própria namorada. às vésperas das celebrações. Ninguém aguentava mais deliberar sobre os sentimentos do atacante. Depois de passar o período de festas no litoral.. por insistência de amigos. a não ser financeiramente para o clube. Como todas as decisões relativas ao time eram colocadas em discussão pelo grupo. mas encontrei uma kombi do Corinthians me esperando na porta. eu lhe devolvia na mesma hora. Mas a novela ainda não havia acabado. cumpri meu compromisso profissional com o time. Embora já resignado com a resolução. Assim.” O zagueiro Juninho. Ligava para a Mônica de manhã. Juninho. ainda ouviu a recomendação de dona Zilda. Muito menos a ideia de abandonar a delegação. Casagrande mantinha-se o tempo todo conectado à sua paixão. mas eu briguei no Corinthians e. confessa. Senão ele foge!”. na Pompeia. o atacante voltou a São Paulo a contragosto. Hong Kong. no momento da despedida: “Não larga dele. Mesmo muito triste. por volta das dezessete horas. mesmo do outro lado do mundo. .. lentes de contato.. Ao sair da piscina. Os dois reataram pouco tempo depois e se casaram no ano seguinte. me joga na piscina!”. não frequento a igreja. deu um jeito de mudar de roupa no meio da festa. Magrão. Vestida de noiva. pensou com seus botões. aconteceu fora dos padrões convencionais. escalado como padrinho. Casão insistiu. originando a maior confusão. bem. ele correu para se trocar. Então. digamos. O velho parceiro estancou: “Como vou jogá-lo na piscina. dispensa comentários.Além de arrastar o lateral-direito Paulo Roberto — com quem iniciara amizade desde um amistoso da Seleção brasileira — para assistir aos treinos de Mônica no São Paulo. realizada ao lado da piscina. “Caí com documentos. ainda durante os cumprimentos?”. o atacante optou por um modelo. exótico. tudo. o zagueiro Darío Pereyra e o lateral-esquerdo Nelsinho sempre eram escalados nessas ocasiões. todo de smoking. mas ela estudou em colégio de freiras. e o pessoal olhava feio pra mim. pensando que eu tivesse armado a molecagem”. Todo o ritual do casamento. Novamente a operação deu resultado. sapato social. então. Assim. Mônica estava mais linda do que nunca.. Porém. rápido. o noivo encostou em Magrão (o amigo de infância) e cochichou: “Agora. além de também puxar um outro amigo da Penha para a água. Casagrande. ele arregimentava outros colegas para animados jogos de vôlei contra a equipe feminina. E tão logo as formalidades diante do padre foram cumpridas. Talvez por não ter a mínima familiaridade com trajes sociais. me joga na piscina. sem qualquer cerimônia imposta aos convidados. o Doutor teve atuação destacada para tornar o evento ainda mais singular e conturbado. relata Magrão. impaciente: “Porra. Sócrates conseguiu escapar desse mico. Com a perna imobilizada. desengonçado dentro de um smoking branco. no dia 28 de outubro de 1985. celebrado num sítio em Perus. Enquanto os convidados faziam fila para cumprimentar os recém-casados. E justificou para os parceiros: “Não aguentava mais essa roupa!”. E postergou ao máximo vesti-lo. .” Foi um dia memorável.. o noivo ainda empurrou o zagueiro Oscar e o lateral Wladimir. combinamos que eu arrumaria um padre para fazer algo mais descontraído ao ar livre. para buscar o meio-termo.. “Não tenho religião. sapatos. e Casagrande o agarrou na mesma hora. Uma festa pitoresca em vários sentidos. Os primeiros amigos que chegaram ao sítio o encontraram ainda com uma bermuda preta de lycra. Somente ao constatar que a noiva já estava pronta. com uma faixa azul na cintura e gravata-borboleta. Mas o Doutor é um capítulo à parte. eu já disse!”. cumpriu a ordem. Tudo para ele ficar mais próximo da amada. Uma dupla (quase) perfeita .capítulo treze . . problemas com a dependência química. ele me reconheceu e se aproximou para saber notícias. Sócrates morreu em 2011. recorda. A primeira vez que interagiram remete a 1981. com Casagrande já na Caldense. apenas como observador. Aficionado por futebol desde sempre. durante esse período de empréstimo. Compartilhava convicções políticas. estabeleceu-se a relação em pé de igualdade. Num jogo contra o São Paulo.” Porém o que particularmente despertava sua admiração era a firmeza do jogador em concluir a faculdade de medicina. os dois ficaram mais perto um do outro. aos 57 anos. no ano seguinte. ideais libertários. mantinha-se em seu canto diante das feras consagradas. A dupla exibia grande sintonia dentro e fora de campo. em 1978. Como principal revelação do interior. Assim. inclusive —. de calcanhar. o cara larga tudo e vai jogar na Ucrânia.. Igual a Vinicius e Toquinho. busca de emoções sem medir consequências e. Casagrande logo percebeu o surgimento de Sócrates no Botafogo de Ribeirão Preto: a estreia como profissional ocorreu em 1973 e. o Gordo e o Magro. Mesmo assim. pois jogava pelo empate”. Tal união ficou gravada no imaginário popular. em Minas Gerais. no ano seguinte. impossível lembrar-se de um deles sem pensar no outro. Lennon e McCartney. ele marcou dois gols na vitória por 3 a 2 — um deles. “Para minha surpresa. paixão pela criação artística. mas se recusava a deixar Ribeirão Preto antes de pegar o diploma. alegando que ele havia solado. no Morumbi. o Botafogo ganhou a decisão. Mas só em 1977.” Quando Sócrates finalmente se transferiu para o Corinthians. vítima de problemas decorrentes do alcoolismo. sede de viver. inclusive. Ajudou o fato de Casagrande ter iniciado com tudo a sua trajetória. mas o juiz anulou. e até tiramos uma foto juntos como recordação. Por ser alto e magro. como se disse anteriormente. que valia exatamente o título do turno.. foi eleito revelação do Campeonato Paulista. com dez ou onze anos. “O que mais me chamava a atenção era o tamanho dele. o Sócrates fez um puta golaço. num jogo-treino da Seleção brasileira contra a equipe de Poços de Caldas. desenvolveu um estilo diferente de fazer as jogadas.. na Vila. Mas nem tanto. Numa partida contra o Santos. “As minhas primeiras lembranças dele são desse tempo. Enquanto Casagrande sobreviveu por pouco às overdoses de cocaína e luta até hoje contra o risco de recaída. Simon e Garfunkel.. Sócrates e Casagrande.Não é exagero dizer que a parceria com o Doutor resultou em casamento. usando bastante o calcanhar e a inteligência. os treinos do time principal.. “Isso foi do caralho! Qual jogador recusaria uma oportunidade dessas com o propósito de terminar os estudos? Hoje. Perguntou como eu estava lá..” Com a volta do novato ao Corinthians. Mesmo quando foi integrado ao elenco profissional. Casagrande ainda era um garoto das categorias de base e presenciava. com aqueles quatro . ele já havia recebido diversas propostas de clubes grandes — do São Paulo. passou a observá-lo mais atentamente. Batman e Robin. por qualquer euro. Waltinho já ouvia falar naquele craque magrelo que despertava interesse nos clubes da capital. disposição para contestar os costumes vigentes.. quando o time do interior se tornou a sensação do primeiro turno do Paulistão. Pato Donald. O engajamento no movimento Diretas Já. com a imagem do personagem Pateta. Casagrande deixou o campo todo cheio de si. o bicampeonato paulista de 1982/83. as chamadas assistências. como Super-Homem. No dia da queda em Sarriá. os melhores times da Taça de Prata seriam integrados à Taça de Ouro no mesmo ano. Seguiram-se várias batalhas. pois seu grande parceiro era o capitão da equipe. Saiu com Sócrates e Zé Maria para encontrar. Mesmo sem ter balançado a rede. como tantos outros brasileiros. pelo restabelecimento de eleições para presidente da República. Os ácidos — até hoje. “Para mim. Afinal. passado o efeito do ácido. o torneio estadual servia como ranking para o Brasileirão. quando pegamos um táxi e voltamos para a concentração. Casão ainda não sentiu a dor em sua plenitude. mas de alguma forma se sentia parte integrante dele. Ou seja. ocorria um cruzamento entre as duas principais divisões. diga-se. foi destituído da direção. porém restava uma saída honrosa. Snoopy etc.” A partir dali. com a . parecido com um selo. foi o máximo. essa estrada é cheia de curvas!”. porém Casagrande sofreu com a eliminação precoce da Seleção brasileira. eles saíram de carro e pegaram a antiga Rodovia dos Trabalhadores. Ao volante. atual Ayrton Senna.gols na vitória por 5 a 1 sobre o Guará. Depois da partida. dera os passes finais.. a intimidade se estabelecera. ganhou uma recompensa e tanto. Mastigara um pedacinho de papel. Afinal. pela Taça de Prata do Campeonato Brasileiro. Apesar da diferença de idade. no triunfo por 3 a 1 sobre o Leôncio. mas principalmente naquela época — à vezes vêm em cartelas com figuras do universo dos gibis. na Copa de 1982. com três gols de Zenon e um de Sócrates. na vitória sobre o Fortaleza por 4 a 2. Ficamos lá até as cinco horas da manhã. na Fonte Nova. O Corinthians conseguiu subir para a Taça de Ouro e recuperou o moral. a desgraça daquela seleção fantástica. Tinha visões e acessos de riso. vitórias e frustrações. Naquele tempo. Com evidente prestígio pela estreia avassaladora. da Bahia. No entanto. Casagrande lamentou.. Ele viu à distância a derrocada daquele time que jogava por música. Casagrande se manteve no time e voltou a marcar na partida seguinte. tomando cerveja com aqueles caras que eu tanto admirava. diante da Itália. Ao final da partida. Com dezoito anos. fiquei deslumbrado com a situação. no Ceará. os ideais em comum os aproximavam. Porém. O Corinthians disputava a Segunda Divisão da competição nacional pelo fato de ter terminado o Paulistão de 1981 na decepcionante oitava colocação. Sócrates não participara desses dois jogos e ainda não trocara ideias com o jovem centroavante em plena ascensão. A primeira vez que os dois atuaram juntos foi no jogo posterior. do Distrito Federal. Parecia coisa de outro mundo estar ali. Na sequência. Casão observava: “Nossa. Pelo regulamento esdrúxulo de então. o cantor Fagner. em Salvador. tomara um ácido lisérgico com os amigos e mal tinha noção da realidade. O atacante olhava ao redor e mal acreditava. Como praticamente só havia retas. num barzinho. e a identificação com o recém-fundado Partido dos Trabalhadores (pt) reforçava a afinidade fora do universo do futebol. para os gols corintianos. mas todo mundo nos respeitava. Casão não pôde evitar de conferir. no Anhangabaú. Um episódio ocorrido num jogo de despedida para o Doutor. de onde viam chegar artistas e políticos convidados. conta Casão. e não apenas os que se referiam a ele. “O Pai da Matéria”. realizado no dia 16 de abril de 1984. Ao mesmo tempo que estava até arrepiado no cumprimento do ato cívico. nos tratavam até com carinho e admiração. revela o nível de intimidade da dupla. pois era proibidíssimo. mas. no Ceará. embora normalmente subissem ao palco. “Com tanta gente. depois de Sócrates ter se transferido para a Europa. já que havia tantos interesses envolvidos. O locutor era Osmar Santos. Na esteira do sucesso dentro de campo. a dar sustentação à Democracia Corintiana. Cabia a ela a tarefa de cantar o Hino Nacional. e permaneceria no Corinthians caso a emenda do deputado Dante de Oliveira. estrela do rádio que ajudava. Os jogadores corintianos foram recepcionados por uma multidão desde o aeroporto e. . Uma das passagens mais memoráveis refere-se ao principal comício pelas Diretas Já. as eleições diretas se transformariam em realidade. deixou Casagrande boquiaberto. Mesmo os torcedores dos clubes rivais não nos hostilizavam. em amistoso contra o Vasco.” Os jogadores corintianos se dirigiram para o espaço anexo ao palco. depois da vitória por 3 a 0. Ainda hoje é um cara do circuito alternativo. Enquanto Sócrates bebia cerveja e cantava com os colegas no bar. Apesar da causa nobre e de certo receio de que os militares resolvessem conturbar a manifestação com o aparato de repressão policial. juntamente com outros jornalistas progressistas. fosse aprovada pelo Congresso Nacional. quase não havia chance de ver um show dele.confirmação do triunfo da Democracia Corintiana. Até hoje não sei como ele iria cumprir isso. “Os outros passageiros estranhavam ao nos ver ali. o Sócrates e o Wladimir estacionamos na estação Tietê e fomos de metrô”. serviria para enterrar as dores e decretar a temporada de festas no parque São Jorge. “Também adorei cruzar com o Walter Franco. o clima de confraternização e alegria predominava. em vários momentos se comportavam como cidadãos comuns. mais detidamente. pois tínhamos os mesmos objetivos políticos. meu poeta maldito. Sempre gostei dele pra caramba. eu. não dava para chegar lá de carro. Tantas aventuras juntos tornavam impossível dissociar as imagens de Sócrates e Casagrande. ao contrário. e com a Democracia Corintiana já extinta. “O Magrão (como também chamava Sócrates) teve muita coragem. diante de uma multidão estimada na época em mais de 1 milhão de pessoas. Foi uma atitude sensacional!” Infelizmente. naquela época. que restabelecia eleições presidenciais diretas.” A promessa de Sócrates. de que recusaria a proposta milionária da Fiorentina. houve festa no hotel. Apenas cinco anos mais tarde. o decote da cantora Fafá de Belém. a emenda acabou rejeitada pelos parlamentares nove dias depois. em São Paulo. Então. em 3 de junho de 1984. Sócrates e Casagrande se expunham cada vez mais na campanha pela redemocratização do país. famosa pela exuberância de seus seios e transformada em musa das Diretas Já. espremidos no meio da massa. da Itália. na cidade de Juazeiro do Norte. em praça pública. Iam juntos a comícios e. manquitolando com a perna engessada. eu tenho algo contra esse casamento. um ingrediente a mais de subversão naquela cerimônia maluca. quase uma ruptura. mas o afastamento que se verificaria entre eles. Nem o padre conseguiu segurar um sorrisinho furtivo. seu colega no Corinthians. com quem jogara durante a breve passagem pelo São Paulo. Além da inevitável tensão durante a sua ausência. por si só. no fundo. a garota pediu uma camisa do Corinthians como recordação daquele dia tão especial. o atraso extremo de Sócrates na festa. nessas ocasiões. também teve de ser trocado por De Leon na última hora. Sócrates ainda roubou a cena com a chegada triunfal. fazendo alvoroço e brincadeiras. Mais tarde.. se concretizou por outros motivos.. Casão.”. e nada de o padrinho aparecer. Ele administrou enquanto pôde a irritação de Mônica. Esses incidentes podem ter provocado alguma indisposição por parte de Casagrande. Mas o tempo iria se incumbir de somar outras situações em que o atacante ficou à mercê dos atrasos de Sócrates. Depois de transarem. alegando ter outros compromissos. Isso passou a irritá-lo cumulativamente. mas Sócrates chegou somente às treze. ele não pode ser consumado sem o padrinho”. está acostumado a ser aguardado com ansiedade. contrariado. com descaso bem semelhante ao do parceiro. Claro que esse incidente. emendando piadas. Não raramente. ao reencontrar o amigo. Ele não pensou duas vezes: presenteou a moça com o uniforme usado pelo parceiro na partida. estava pendurada num cabide. A cerimônia estava marcada para as onze horas da manhã. ironizou. não estremeceu a amizade entre os dois. as circunstâncias exigiam. pensando bem. abrindo espaço entre os convidados. Nem sequer a transferência de Sócrates para a Fiorentina e sua posterior contratação pelo Flamengo esfriaram a amizade. seu companheiro de quarto. resmungou o Doutor. O . Todo mundo riu. “O que é isso? Já começou??? Espera aí. Tá limpo!”. não restou alternativa a não ser concordar.. notoriamente tocado pelo álcool. não desenvolveu a paciência necessária para ele mesmo tomar chá de cadeira e.Casão preferiu subir para o quarto. que ficara com a incumbência de pegar o Doutor. Casagrande desmarca compromissos em cima da hora e deixa os outros a ver navios. Tanto assim que o Doutor foi convidado para ser padrinho de casamento de Casagrande e Mônica. “Mas. conformou-se. muitas vezes. resultado de uma lesão no tornozelo. Inclusive o próprio Casão entrou na brincadeira. Por mais que conte como algo engraçado. O centroavante não tinha uma para lhe dar naquele momento. foi por uma boa causa. Por isso. sente-se desprezado. Uma honra que ele perderia por sua proverbial impontualidade. coisa e tal. acompanhado por uma bela tiete. Chegou a hora marcada. mas a de Sócrates. talvez por ele próprio agir. a apreensão de familiares e a impaciência do padre. Quando o sacerdote finalmente lhe deu o ultimato.. chamando para si as atenções num dia em que deveria caber somente aos noivos o papel de protagonistas. explicou que tomara essa liberdade. deixou Casagrande magoado. em substituir Sócrates pelo zagueiro Oscar. eu iria guardá-la como lembrança da minha despedida. Juninho. “Porra. e não o contrário. Ou seja. mas o atraso do parceiro num dia tão importante lhe provocou algum desconforto. Ele poderia ter tido influência no país de modo muito mais efetivo”. e mais outro. pelos bares da vida. Sem que o sujeito se dê conta.atacante constatara. A pouca dedicação e a falta de interesse o levaram a encarar aquele período como se fosse uma extradição. e outro. O jornalista José Trajano. ou como produtor teatral de peças fadadas ao prejuízo. quando eram pequenos. Afastou-se das drogas e treinava com absoluto afinco. Acho que lhe faltava flexibilidade para usufruir a própria genialidade na plenitude. Foi secretário de Esportes de Ribeirão Preto. A formação em medicina pela Universidade de São Paulo (usp). E depois outro. conta que o craque chegava a esconder as chaves das portas da residência para que os convidados não fossem embora. As aventuras bissextas do Doutor como técnico. é certo que acabará se impondo a meta de ultrapassar o corredor desconhecido imediatamente à sua frente. uma instituição de primeira linha. sequer no jogo de palitinho. Por exemplo: embora tenha sido um dos maiores gênios do futebol. reforçam tal ideia. E o Casão ouvia como se fosse um filho. deliberadamente. tem de ser esperto. sobretudo. Por não se entusiasmar com o ambiente na Fiorentina. Apesar de também ser dependente químico e jamais ter se configurado num exemplo de quem cuida bem do físico. eu me lembro do Magro (como ele se refere a Sócrates) dando dura no Casão. Essa visão em relação a Sócrates. participou aqui e ali de ações desenvolvidas pelo pt. o que de fato conseguiu. malandro coca-cola’. apegava-se a amigos brasileiros que o visitavam. “Não concordo com muitas coisas que o Sócrates fez ou até mesmo deixou de fazer.” Anos mais tarde. em times como Cabofriense e ldu (Equador).. ia direto para o treino. “Na época da Democracia Corintiana. se impressiona com a inversão de papéis verificada ao longo dos anos. Ele não deixa ninguém ganhar dele. entrava em campo como quem batia ponto. bebia chope ou cerveja o dia todo e dava festas intermináveis. sua atuação política poderia ter sido bem mais profícua. Se ele for correr no parque Ibirapuera. tanto num clube pequeno como o Ascoli. tentando colocá-lo no caminho depois daquele episódio da prisão: ‘Você dá muito mole. Mas. como o Porto e o Torino. não se restringe à carreira de atleta. ele dizia. que era bem próximo de Sócrates e mantém relações fraternas com Casagrande. quando se transferiu para a Europa. Para afastar o banzo. de que podia ir muito mais além. que Sócrates possuía talento e inteligência para alcançar objetivos bem mais importantes do que se dignava a atingir. em determinadas situações. analisa Casão. quanto em times de maior tradição. foram tratados como café com leite. durante um jantar com a dupla num restaurante. Quando amanhecia. Dessa forma. você é bobão. mas nunca se dispôs a se transformar num autêntico líder nacional. Nem mesmo seus filhos. indo ao ataque e voltando para auxiliar a defesa com fôlego invejável. O jornalista Juca Kfouri. Casão conseguiu se manter centrado na meta de alcançar sucesso. até com certa decepção. Juca ... a sua passagem pela Itália resultou em fiasco. por puro lazer. a quem convidou para morar em sua casa na Itália. A tal ponto que. já bêbado. Casagrande exibe um traço primordial de personalidade: o senso competitivo. também não rendeu os frutos possíveis. parecia se transformar em líbero.. em curtas temporadas. planejei promover a reaproximação da dupla. O maior empecilho era o fato de ele viver em Ribeirão Preto: seria preciso conciliar suas vindas a São Paulo com a agenda de Casão. Gilvan. Esse foi o tema da coluna “Bola em Jogo”. A partir dali. mas os dois sempre escapuliam. “Foi uma das coisas mais assustadoras que vi. que era publicada no Diário de S. como se fosse trama de novela. O comentário feito em público à mesa de um restaurante — em tom de humor. Até que surgiu uma chance extraordinária para juntar o “casal” em crise: Paulo César Caju os convidou para participar de um evento sobre a Democracia Corintiana. você não leva nenhum projeto adiante. nas principais capitais do país. Mas eu não vou ligar pra ele! Só se você telefonar e combinar tudo. silencioso e calculado. tudo bem. Paulo aos domingos. Ninguém se conformava com o afastamento deles. às voltas com viagens para transmissão de jogos pela tv e outros compromissos. a Academia do Palmeiras de Ademir da Guia. respondeu Casão. pela ligação afetiva com os personagens. até porque Sócrates não demonstrava ressentimento. Diante daquilo. como um barzinho ou restaurante. mas com um quê provocativo. isso foi antes das crises do Casão. como o Fluminense de Rivellino.. ele passou a evitar qualquer contato.ficou surpreso com a mudança de situação.. sem que quase ninguém soubesse. Em 2006. O primeiro passo já estava dado. O curioso é que não houve briga. por não gozar de tanta exposição na mídia quanto o companheiro àquela altura — insinuou que o amigo havia se vendido ao sistema. Como se trabalhar na maior emissora do país implicasse a renúncia de seu lado transgressor. Aí era o Casão que dava dura no Magro: ‘Pô. então. Simplesmente um afastamento frio. As pessoas pareciam sofrer junto. típico do Doutor — não caiu bem para Casão.”. Esse divórcio durou anos. mas não leva nada pra frente’. um cara capaz de fazer qualquer coisa que quiser bem-feita. com os papéis invertidos..” Esses conflitos chegaram à ruptura a partir de um encontro no qual Sócrates — talvez como autodefesa. Resolvi. ou coisa do gênero. falei sobre a repercussão junto aos fãs e o estimulei a tomar uma atitude para fazer as pazes. pensei: parece agora que o Casagrande é o pai! Evidentemente. Você é brilhante. com as mais variadas pessoas: simplesmente riscou o amigo da agenda. Dudu e Leivinha etc. do dia 27 de agosto. Aquilo vinha a . Fiquei surpreso com o número de e-mails enviados por leitores para comentar o assunto — ultrapassou em muito a média habitual de mensagens que recebia. Até me ofereci como mediador e propus um local neutro. tornar público o rompimento para ver se os forçava a tocar no assunto espinhoso e resolver de uma vez por todas a situação.. anos depois. escolhendo como temas os times inesquecíveis do futebol brasileiro. sequer discussão. o que impossibilitava a lavagem de roupa suja e a consequente reconciliação. Num almoço com Casagrande. ao se tornar comentarista da tv Globo. Casão agiu como em tantas outras vezes. ambos já ex-jogadores. um tanto infantil. “Se você quiser assim. Carlos Alberto Pintinho e companhia. lhe mostrei a coluna. sem exteriorizar seus sentimentos. O Magro só ouvia e olhava pra ele. O campeão do mundo de 1970 organizava encontros desse tipo. Um completava a frase do outro. com tiradas inteligentes. mas ele nem sequer quis se despedir do Doutor. Só segurei a onda e fiz o show pelo Caju.calhar. “Fiquei com medo de me atrasar por causa do trânsito. no mictório ao meu lado: “É o melhor evento entre todos que já realizei. “Sabe aquilo que eu falei antes? Não mudou nada. Diante da irritação de Casão. mas já ia caminhando em direção à saída. . foram aparecendo convidados e jornalistas que fariam a cobertura para diversos meios de comunicação. então. Porém. as luzes e câmeras de tv começaram a ser ligadas e os repórteres precipitaram-se para a entrada. Ao passar por mim. fui ao banheiro e encontrei Paulo César Caju exultante. por conta de uma hemorragia digestiva. Esses caras são geniais. logo em seguida. Porém. temi que houvesse alguma saia justa na frente de todo mundo. se despediu secamente e foi embora em ebulição.. mas já me cansei! Só não vou embora agora pelo Caju”. me deixou na porta de casa. Conversei. Depois da alta. em absoluta sincronia. Aliás. Não se continha nem enquanto urinava. Foi uma noite incrível. Sócrates. Ficaram com a alma mais leve. com Sócrates e Casão: combinamos que. Nós nos sentamos a uma mesa e. finalmente. Assim que o evento se encerrou.” Sem esconder o abalo emocional. quer ser o centro das atenções. Ele atendia as pessoas que se aproximavam para tirar fotos e pegar autógrafos. local do evento. encadeadas e bemhumoradas. apenas para oficializar o tratado de paz. Mal consegui dormir naquela noite de tão frustrado que estava. se entendem por pensamento. Em face da gravidade da doença. e Caju já dava sinais de preocupação. Ali percebi o quanto a mancada no dia do casamento o havia de fato incomodado. deixa todo mundo sempre esperando por ele. e eles mostravam intimidade como nos velhos tempos da Democracia Corintiana. Em dado momento. Quando Sócrates teve de ser internado às pressas. chegara. O cara não respeita ninguém. Na hora programada. os dois voltaram a se encontrar e até gravaram juntos o programa Arena SporTV. enterrou as mágoas e o orgulho ferido. Ledo engano. o Doutor lhe deu a mão e ouviu palavras de força. O tempo ia passando. Parecia que ambos tinham ensaiado um roteiro. agarrou o meu braço e praticamente me arrastou para seu carro. para minha surpresa. aos poucos. Tentei argumentar e convencê-lo a esperar por Sócrates. Casão me cochichou ao ouvido: “Esqueça aquela ideia de sairmos juntos depois. Ainda entubado. o rosto de Casagrande se transfigurou. no mesmo instante. Quando já se passara exatamente uma hora do horário estabelecido.. Fez isso até no dia do meu casamento. Pelo menos a vida lhe daria a chance de se reconciliar com o velho companheiro antes de sua morte. nada de Sócrates aparecer. cheguei com antecedência ao Jockey Club de São Paulo. depois do debate. eu julgava as diferenças da dupla já superadas e esperava por nossa reunião em particular. explicou ele. Casagrande foi visitá-lo no hospital Albert Einstein. Àquela altura. os dois se cumprimentaram normalmente com um abraço e foram para o pequeno palco montado no salão. como se diz. não queria pisar na bola com o Caju”. iríamos para um local reservado acertar os ponteiros e acabar com aquela bobagem. estão fazendo tabelinhas com palavras!”. e já encontrei Casagrande por lá. No grande dia. de ninguém: saiu de fininho. O Sócrates não respeita a gente. o encontrei meditativo. “Essa chuvinha me faz lembrar do Sócrates. Estranhei porque ele bebe pouco. mas havíamos nos separado em decorrência da vida. eu o tinha como ídolo e costumava ficar ao lado do campo para vê-lo nos treinamentos do time profissional. na terceira vez. mas poucas vezes não rendemos bem juntos. Para mim. Quando eu era juvenil no Corinthians. No fim de semana seguinte.. por conta de visões diferentes sobre algumas questões. Demonstrava o socialismo que tinha nas veias em lugares acessíveis a qualquer um. o quanto gosto dele. *** Confesso que te amei (Por Walter Casagrande Júnior) Claro que fiquei muito triste com a morte do Sócrates. Felizmente. fui jogar na Caldense e houve um amistoso lá contra a Seleção brasileira. ao chegar. Ainda bem que nos reaproximamos no final da vida dele. Casagrande publicou um belo texto no Diário de S. Mas nunca deixei de amá-lo e precisava lhe falar isso antes de sua partida. As minhas características combinavam com as dele. caipirinha e ficávamos batendo papo até a noite. em 1981. Pedia cerveja. muitas vezes ele me chamava para ir a botecos em dias assim. Senão a dor seria insuportável. não sabia se ele me reconheceria. nós nos completávamos. Nós passamos muitos anos sem nos falar. Eu participei de todos os gols e percebi que daria liga. Fico aqui recordando as suas ideias e tentando adivinhar o que ele ainda teria a dizer. tomando cerveja e batida de coco. bem simples.. Se não tivesse acontecido. exatamente na data em que o Corinthians se sagrou pentacampeão brasileiro — e o público no Pacaembu deu adeus ao ídolo com seu gesto tradicional. agora estaria carregando um peso insuportável. Mas o Magrão se lembrou de mim e até tiramos fotos no campo. A partir dali. essa oportunidade surgiu por conta das internações anteriores. o que faz parte do jogo. No ano seguinte. e havia muito tempo não o via misturar duas bebidas. reconhecer a importância que ele teve na minha história e recordar momentos especiais que vivemos juntos. mas. almoçamos juntos no restaurante Fidel e. Ficaram uma distância e alguns ruídos na relação. foi meu maior parceiro no futebol. Sem dúvida. Paulo. ainda mais raramente cerveja. Isso porque tive a chance de falar para o cara. Vale encerrar este capítulo com a declaração pública de amor feita por Casão. olhando bem nos seus olhos.” A esse respeito. ele também não estava. Podíamos até perder. formamos uma dupla memorável. Fiquei ansioso. com tabelinhas e troca de passes em que antecipávamos o pensamento do outro. de punho cerrado e o braço direito levantado. não resistiu. voltei para o Corinthians e fiz minha estreia contra o Guará sem a presença do Sócrates. Nunca brigamos. Sócrates voltaria a ser internado e. No segundo jogo. . com três gols do Zenon e um do Sócrates. no dia da morte de Sócrates. Casão sentiu como se tivesse perdido uma parte de si mesmo. o sentimento predominante é de alívio.Meses depois. Depois. Precisava me sentar à mesa com o Magrão. na vitória sobre o Fortaleza. Preferia bares de esquina. de forma até egoísta. era algo fundamental. Só fomos jogar juntos no terceiro. aproveitamos a popularidade para passar mensagens contra a ditadura militar. parceiro. Como jogadores. lutado por eleições diretas para presidente e participado da fundação do pt. mas parte em paz.Nós também nos identificávamos no aspecto político. Pagamos caro por isso. Você deixou uma história fantástica. Foi sensacional ter vivido a Democracia Corintiana a seu lado. com álcool. Compartilhávamos também da dependência química: tive problemas com drogas e ele. Sócrates não sobreviveu. Fazer o que com um anel pela metade? .. Vou jogar meu anel fora.. Tínhamos uma estreita aliança. e ajudou a tornar o mundo um pouco melhor. Política em campo .capítulo catorze . Trocava ideias “subversivas”. Sócrates influenciou politicamente Casagrande. Casão acompanhava com atenção as mobilizações de resistência ao autoritarismo.” Além da sensação cívica por participar de uma causa tão importante. Desde pequeno. naqueles tempos. é até difícil para as novas gerações imaginarem. uma amiga que era moradora desse mesmo prédio. continuou indo a shows dessa natureza no parque São Jorge. estudantes e artistas criava um clima de terror. “Com escudos e cassetetes. Com índole libertária.. o Made in Brazil. que vicejavam na mpb e no rock nacional. com os colegas na Penha. Então invadi a galeria e dormi ali mesmo. Nesse cenário. Casão ainda curtia o prazer proporcionado pela própria música. tive contato com artistas. bem em frente ao próprio clube. mas ela já tinha ido embora quando a polícia apareceu. Os alojamentos localizados atrás do ginásio foram improvisados como camarins e. No fim da manhã daquele dia. que castrava a expressão de ideias e as manifestações culturais. mas. já famoso.Sem dúvida. a preocupação com os rumos do país. que Casagrande conheceu um personagem de vital importância em sua vida: o cantor e compositor Gonzaguinha. num cantinho. Mas engana-se quem pensa que esse interesse surgiu por causa do parceiro. os policiais partiram para cima da gente. aliás. sua paixão desde o berço. E não deu outra. incomodava-se profundamente com a opressão imposta pelos milicos. um jogo cívico pela democratização do país do qual constara jogadores do Corinthians e diversos artistas. A prisão arbitrária de oposicionistas. depois de treinar de manhã e à tarde.” Poucos anos depois. Sem falar na censura. que pertencia ao então presidente corintiano. de Caetano Veloso a Mutantes. como. O uso de drogas. No parque São Jorge. Tudo corria bem até 1h30. Em 1979. pronto a tomar parte delas. Muitos eram torturados e mortos no cárcere. Naquela sexta-feira. consegui acesso. um simples show podia se transformar numa aventura perigosa. já existia. Lia os quadrinhos e as charges do cartunista Henfil. dominado pela ditadura militar. Foi um corre-corre fodido. como . “Eu assisti ao show com a Taís. extravasava suas emoções por meio de músicas de protesto. como os aparelhos repressivos costumavam definir qualquer tipo de questionamento civil. houve alguns eventos desse tipo. de Gilberto Gil a Belchior. por ser atleta.” Para não correr o risco de apanhar ou ser preso. foi o único atleta das categorias de base a ir ao espetáculo. assistiu a um show em prol da anistia aos brasileiros exilados. Ouvia de Chico Buarque a Raul Seixas. fazia questão de comparecer a shows com motivação política. quando ainda era chamado de Waltinho. quando o batalhão de choque da pm invadiu o local. duas horas da manhã. Mas havia certa tensão no ar. Adolescente engajado. Hoje. Mas só passei rapidamente e dei uma olhada: vi a Elis Regina. em defesa das eleições diretas para presidente ou com o propósito de levantar fundos para o recémnascido Partido dos Trabalhadores (pt). os cabelos compridos e as roupas de “bicho grilo” não deixavam de ser atos de contestação e rebeldia naquele ambiente sufocante. o fez com tanta gente. “Pela primeira vez.. Vicente Matheus. refugiou-se na galeria de um prédio. Foi numa ocasião dessas. o craque participara do Futebol das Estrelas. em 24 de outubro de 1982. ainda juvenil do Corinthians e totalmente desconhecido. invadida então pelo aparelho de repressão. parte da multidão buscou refúgio na universidade. o atacante levou o cantor em seu jipe até o hotel. teatro da Pontifícia Universidade Católica ( puc). mas não queria se ligar a nenhum partido politico”. destruídos. Os dois iniciaram conversa enquanto caminhavam e. denominado Estrelas no Parque. A tropa investiu contra os manifestantes com grande violência. Então. cerca de 2 mil estudantes se reuniam em frente ao Tuca. Belchior. No entanto. explica Casa. Gonzaguinha iria fazer à noite um show no Tuca. de pouca conversa. Henfil. uma grande amizade”. pediram a conta e correram para se juntar aos demais colegas no churrasco preparado na área dos quiosques. ao lado de Gonzaguinha. explodiu bombas. no coração do parque São Jorge. Gonzaguinha não iria participar do show no Corinthians. Tetê Spíndola. tinha um apelo quase irresistível para Casagrande.os ponteiros do relógio se aproximavam das dezessete horas. O tempo passou rapidamente. com a participação de diversos artistas para levantar fundos para a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva ao governo de São Paulo. das quais 92 foram fichadas no Dops. Na ocasião. entre militares e civis. Chegaram à confraternização no final. então. casualmente. Como também aponta outro documento preparado pelo Dops. aquele episódio trágico. haveria um show no Corinthians. para tomar cerveja e continuar o animado bate-papo. Cinco anos mais tarde. Ao final da partida. ali. Fagner. A ação terminou com a detenção de 854 pessoas. como houve afinidade imediata. Mas o jogador não poderia ir ao espetáculo. a organização do evento considerava imprescindível sua presença e delegou ao atacante a missão de . além dos jogadores Sócrates. comandadas pelo coronel Erasmo Dias. que se tornara um símbolo de resistência depois de ter sido invadido em 22 de setembro de 1977 pelas forças do regime militar. conforme consta do relatório oficial preparado por agentes da Polícia Civil para o Dops (Departamento de Ordem Política e Social). relatou o agente da repressão. espancou alunos e professores. quando foram surpreendidos por 3 mil policiais. com as carnes já um tanto esturricadas. “Ele defendia a democracia. Móveis foram quebrados e arquivos. Depois do churrasco. Falaram um pouco sobre futebol e música. Naquela mesma noite. “Elis Regina foi muito lembrada pelos presentes. perto das piscinas do clube. conta Casão. Um show de Gonzaguinha lá. resolveram parar no Bar da Torre.Gonzaguinha. estiveram presentes Fagner. Mas valera a pena… “O Gonzaguinha tinha a imagem de ser um cara fechado. Beth Mendes e Gonzaguinha. até ranzinza. Toquinho e até a atriz Bete Mendes. quando perceberam. Nasceu. Por toda sua história. juntamente com Casão. que inúmeras vezes gritavam euforicamente o nome do Partido e de seu candidato ao governo de São Paulo”. com o objetivo de reprimir uma manifestação estudantil no local. eles já haviam enxugado várias garrafas —. Casão deixou o campo. Wladimir e Casagrande. Mas descobri que era aberto e sorridente com quem se identificava. Inicialmente. o Tuca era um teatro que trazia lembranças afetivas às pessoas com aspirações democráticas. Em pânico. mas muito mais sobre política. As paredes amanheceram pichadas com a sigla ccc (Comando de Caça aos Comunistas). e. o show de Gonzaguinha no Tuca fazia o cantor relembrar. Gonzaguinha chamou seu pai ao palco e o ginásio quase veio abaixo para saudar uma das maiores figuras da música popular brasileira de todos os tempos. Não queria se vincular a qualquer partido. “Fiquei até emocionado. Porém. ele partiu sozinho em direção ao Tuca. que eu havia estudado no colégio. reconhece. esperando por sua chegada. “A partir daí. saíamos juntos. no meio do público. lateral-direito do Corinthians que o acompanhava. Isso ajudou muito a deixar a opinião pública ao meu lado”. fui ao camarim. onde encontrou somente Gonzagão. com princípios democráticos. nós nos tornamos muito próximos. referindo-se à prisão de Casagrande no mês anterior. houve o show de Gonzaguinha com seu pai. ia ao jogo do Corinthians e. Logo ao entrar no palco. claro. Mas argumentei que vivíamos um momento de transição e seu apoio a um partido novo. depois de fazerem as pazes. Wladimir e Pita até subiram ao palco para fazer back vocal. disse Gonzagão. corre para a plateia que já vamos começar o espetáculo”. Enquanto isso. depois. Em seguida. Ele me visitava no hotel. seguiram-se muitos outros encontros com Gonzaguinha. lembra-se Casa. O centroavante acabou aceitando a tarefa. Depois de subir ao palco para anunciar Fagner. Como já sabia. Casão tinha os olhos marejados. Durante a preparação para a Copa do Mundo de 1986. os militantes ressaltaram que Gonzaguinha demonstrara simpatia especial por ele naquela tarde. em Belo Horizonte. Chegou em cima da hora e dirigiu-se ao camarim. Luiz Gonzaga. rebateu o jogador.500 pessoas pelos agentes do Dops. haviam estabelecido parceria. ainda estava por vir. Ele acabou concordando e fomos rapidamente para o Corinthians. o primeiro astro a se apresentar naquela noite no ginásio do parque São Jorge.convencer o compositor a fazer parte do espetáculo. bem na minha frente”. Os dois tinham uma relação conflituosa e. no ginásio do Ibirapuera. e eu só conheci o cara hoje. Porra. Casagrande. “Cheguei a tempo de pegar a última música do show. foi assistir à apresentação. em São Paulo. Luiz Gonzaga surpreendeu a todos com um discurso: “Aqui no ginásio há um garoto de dezenove anos que está lutando para ser alguma coisa na vida. pô! Não posso fazer nada!”.” Gonzaguinha foi recebido com entusiasmo pelo público. era o Luiz Gonzaga saindo em minha defesa. o Luiz Gonzaga! Uma figura histórica. o contato se tornou . Gonzaguinha tentou resistir à ideia. seria muito importante. começando a carreira no futebol. Ele já está no palco. “Ele não quer vir. onde Gonzaguinha morava. o jovem centroavante espremeu-se na arquibancada. estimado em cerca de 2. Após cantar uma música. Toda vez que eu jogava em Belo Horizonte. Ao lado de Ismael. A maior emoção. finalmente. “Uma coisa fodida! Não era qualquer um.” Em janeiro de 1983. esse seria Casagrande. Depois disso. e já se tornou vítima da repressão neste país”. no entanto. “Ainda bem que você veio! Meu filho estava aflito. disse o rei do Baião ao vê-lo ali. Sócrates. na Toca da Raposa. sob acusação de porte de cocaína. ainda atônito e ofuscado pela luminosidade. E se havia alguém capaz de recrutá-lo para a causa. Numa das músicas. Casagrande. pois não costumava conversar por tanto tempo e ficar tão à vontade na presença das pessoas em geral. Ao ser localizado. nós nos encontrávamos. um canhão de luz o procurava na plateia. em cima de uma mesa na primeira sede da legenda em São Paulo.” Casagrande relativiza as críticas feitas a Lula e ao pt pelas composições com antigos caciques da política nacional. acabado.Paulo . são concessões necessárias para exercer a presidência no Brasil e dar continuidade ao projeto de transformação idealizado desde seu surgimento. como a assinatura de um manifesto contra o racismo. o Lula não caiu nessa rede. o levou a ser monitorado pelos órgãos da repressão dali em diante. treze anos. Ele dá um exemplo concreto: “Se o primeiro ato do Lula tivesse sido declarar guerra ao José Sarney. ver o treino. pois tinha o lado contestador muito aflorado. reduto de intelectuais e artistas de esquerda. Entre erros e acertos. que acabou dando certo. quando foram abertos para consulta e um amigo do Rio me avisou. e até algumas reuniões do pt eram feitas lá. Ele chega a se emocionar toda vez que olha para uma foto histórica.praticamente diário.” O estreito envolvimento com os shows de cunho político realizados no parque São Jorge.. em seu último suspiro. e Ari Borges. Casão continua sendo petista e lulista convicto. “Ele ia quase todos os dias. Então. Pronto.. assim que chega lá. “Naquela época. andava muito com os jornalistas Gilson Ribeiro. com maior divisão de renda e melhoria das condições de vida das classes menos favorecidas. e sente grande orgulho por ter ajudado a legenda a crescer e se estabelecer como força nacional. também foram registrados pelos representantes da ditadura. então na tv Globo. depois de sua chegada ao poder. “A maioria dos políticos. Precisa ser hábil para compor até certo ponto e limitar . Fazia movimentos com os alunos por qualquer coisa. Quando ele virou presidente. assim como seu papel de destaque no movimento da Democracia Corintiana. não. Afinal.” Mesmo com o fim da imagem purista em relação ao pt. Nada que o incomode. gente fina. de bicicleta. Mas considero isso até uma honra. não se pode bater de frente. No meu entender. Para ele. juntamente com Wladimir e Pita (ex-jogadores do Corinthians). argumenta. Tinha até problemas na escola porque batia de frente com professores e diretores. mais fechada. mas simplesmente cedeu em alguns pontos em prol de um objetivo maior. estava fodido. às vezes até por razões meio bobas. “Nunca votei em outro partido e sempre acreditei no Lula. no Palácio do Planalto. na qual aparece sentado ao lado de Lula. alegre e divertido. Bem diferente daquela sua imagem pública. foi uma aposta minha.” Casagrande se filiou ao pt numa época em que o novo partido simbolizava a esperança de mudança na política do país. “Só descobri que havia referências a mim nos arquivos da repressão recentemente. O Gonzaguinha se tornou um irmão para mim e acrescentou muito na minha vida. Desde os doze. me senti orgulhoso. da Folha de S. Um cara inteligente pra caralho. Outros “atos suspeitos” do atacante. entra completamente no jogo das velhas raposas. Ficava na rua Augusta. juntamente com muitas outras pessoas. que compartilhavam os mesmos ideais de liberdade. Isso é a melhor forma de governar mesmo”. o saldo é muito positivo. já dispunha de informações sobre o que se passava no país e abominava a ditadura. Ele se tornou um dos melhores presidentes da história do país. Nós frequentávamos o bar Spazio Pirandello. e o Brasil não teria os avanços proporcionados por seu governo. realizado. afinal.” Nessa aproximação da esquerda com a direita. Casagrande não resiste a uma comparação com o futebol: “Eu me tornei mais flexível com o tempo e até me dou bem com o (Emerson) Leão. tempos atrás. mesmo assim. Não queria nem conversa com malufistas e. Só o acho cômico. caso deixe o país. ainda consegue se manter na ativa? Virou folclórico. com quem tive sérios problemas na época da Democracia Corintiana. mas podemos manter. o que é uma grande bobagem. Eu e o Leão temos filosofias e conceitos totalmente opostos. é vista com alguma condescendência. que indignou tanta gente na eleição de 2012. uma relação amigável”. certamente. ou por trabalhar numa emissora poderosa como a Globo. Isso. se visse uma foto do Lula com o Maluf. Muita gente radical me chama de vendido por isso. É um cara que me faz dar risada. Até mesmo a atitude de Lula ao buscar o apoio de Paulo Maluf para aumentar a base de sustentação e eleger Fernando Haddad prefeito de São Paulo. sem extremismos. Como um sujeito que corre o risco de ser preso pela Interpol. “Cultivei ódio mortal pelo Maluf durante um longo período da minha vida. ainda mais depois de ter perdido força e acabar praticamente neutralizado. é o princípio da própria democracia. Mas hoje esse personagem ultrapassado não me inspira mais tanta indignação. .ao mínimo a influência desses caras no cenário político nacional”. sofreria um ataque nervoso. O Leão é manso .capítulo quinze . O ex-goleiro do Palmeiras. com olhar perscrutador e sorriso irônico. fiz questão de ir vê-lo e levar minha solidariedade. Zé Maria e Wladimir. ao saber que o ex-atacante enfrentava problemas de saúde. na derrota para o Fluminense por 1 a 0. a diretoria apresentava uma lista com três sugestões e.Quem acompanhou a convivência conflituosa de Casagrande com Leão. né?”. hein? Será que ela faz gol?”. O diretor de futebol. E o primeiro diálogo foi provocativo. Alguns nomes chegavam a ser vetados. pelo Campeonato Brasileiro. Mais tarde ainda jogaria a de 1986. passaria a esquentar o banco. Quando começou a convivência no parque São Jorge. Só tem de agarrar a bola. ele rejeitava o reforço por solidariedade a Solito. mas com qualidade indiscutível. Foram ouvidas apenas cinco pessoas: o técnico Mário Travaglini. e cutucou: “É bonita. os dois não se dirigiam a palavra nem mesmo durante os treinos. Quando havia alguma posição carente. uma novidade na época. não aconteceu essa consulta ampla. por exemplo. Por isso. dessa vez. como a diverticulite que o obrigou a extirpar parte do intestino grosso. Houve. apostava que conseguiria contagiá-lo com o clima de entusiasmo e união presente no parque São Jorge. . o ex-goleiro foi visitá-lo no hospital. e disputara as Copas de 1974 e 1978 como titular. resolveu abrir uma exceção e consultar. surgiram focos de insatisfação. Leão se sentou ao lado de Casagrande no banco do vestiário. o elenco. mas isso Adilson acreditava ser possível contornar. somente profissionais que já tivessem trabalhado com Leão. afirma Leão. Todos elogiaram o profissionalismo e a capacidade técnica de Leão. Na época da Democracia Corintiana. Adilson Monteiro Alves. é claro. qualquer reforço pretendido passava pelo crivo de todo o grupo. Às vezes. o preparador físico Hélio Maffia e os jogadores Sócrates. o que. aliás. “Quando os ídolos enfrentam crises mais sérias. ainda mais depois da conquista do Campeonato Paulista de 1982. tinha fama de ser individualista e desagregador. O curioso é que Casagrande foi justamente o jogador que mais se opôs à sua contratação pelo Corinthians em 1983. Além de considerar o goleiro uma ameaça ao projeto democrático no clube. Dessa forma. que chegou a ser afastado do elenco por quarenta dias depois de contestar publicamente a decisão. na certa. no Maracanã. o que gerou a indignação do jovem centroavante. existe um afastamento dos pseudoamigos e das pessoas que antes eram íntimas. na época em que ambos jogaram juntos no Corinthians. minutos antes de estrear pelo Corinthians. que então defendia o Grêmio. uma demonstração de carinho e respeito faz parte de um bom tratamento”. ressalvas sobre seu temperamento um tanto difícil. No dia 6 de março de 1983. pegou a chuteira branca do atacante. que. mas a camaradagem e o afeto são evidentes. surpreende-se com a boa relação entre os dois atualmente. a comissão técnica e os integrantes do departamento de futebol opinavam. Ele integrara a seleção tricampeã do mundo em 1970. Mais de uma vez. como reserva. e temia ver o projeto frustrado por conta dessa prevenção existente entre muitos atletas. questionou. por votação. dispensava comentários. No caso de Leão. Diante da notícia consumada de que Leão fora contratado pelo Corinthians. Eles continuam divergindo em quase tudo. camisa 1 na conquista do título estadual. O mais revoltado era Casagrande. Casão devolveu: “Sua luva também é bonita. radicalmente contrário à ideia. Um mês depois da chegada de Leão. se os dirigentes não atrapalharem e se a imprensa esclarecida apoiar. e não no futebol. a partir de uma frase de Juca Kfouri. psicólogo do time que ganhava até bicho. Menos por Leão e seus seguidores. Só uma turma mandava: o Sócrates. o Adilson Monteiro Alves. algumas extremamente difíceis. o próprio Casagrande e o Flávio Gikovate. a única coisa que Casagrande admirava no companheiro. além do talento embaixo das traves. “Ele pegou muito. diretamente com o roupeiro. Casão tinha a pachorra de chegar mais cedo ao vestiário só para pegar uma dessas camisas e as luvas do desafeto. especialmente na semifinal contra o Palmeiras. em sua opinião excessivas. “A permissividade exagerada se chocava com o profissionalismo. e brincar no gol. eu achava até gozado. bastante incomum. “Até hoje se fala de uma democracia que eu achava não existir. É um lado legal da personalidade do Casa”. embora o Adilson me chamasse. Como sempre fui um atleta voltado a fazer sucesso na carreira. não. Durante um debate na Pontifícia Universidade Católica (puc). Aquele grupo até vencia campeonatos. No princípio. “Esse tipo de irreverência dele. o jornalista fizera o seguinte comentário: “Se os jogadores continuarem a participar das decisões no clube. por mérito e qualidade técnica dos jogadores. se puder’. Ao subir para o campo e se deparar com a cena. Eu era visto como uma ameaça porque não fazia parte daquilo. Os choques para valer aconteciam pela oposição de Leão às liberdades concedidas aos atletas. com listras pretas e brancas horizontais. antes do início dos treinos. e 50% das pessoas já passaram para o seu lado’. com as peças pessoais de Leão. porque vou mudar 100%. O meu único objetivo era servir o Corinthians da melhor maneira possível. infelizmente. veremos que aqui se vive uma democracia. era o novo modelo de camisa adotado pelo goleiro. percebi que lá reinava um pensamento diferente: o foco principal estava na política. não perdia o foco com outras coisas. Jovem e atrevido. evidentemente.” Apesar dos conflitos. assegura Leão atualmente. ao final de um treinamento. não teríamos sido campeões naquele ano. então vice-presidente de marketing. foi convocada uma assembleia com a presença de todo o elenco. Pelo menos assim pensava Casagrande. Leão ficava tiririca.” Leão fechou o gol em várias partidas. Olivetto pescou aquilo no ar para criar uma marca que entraria para a história.” Por discordar do sistema instituído. pois não queria saber de política. Não comparecia a festas e reuniões.Foi nesse clima hostil que os dois se tornaram colegas. lançado pelo publicitário Washington Olivetto. Queriam me acusar de dividir o grupo. “A reunião era por minha causa. isso é inegável. Casão sempre admitiu a importância do goleiro para a conquista do título paulista de 1983. de bater bola no gol com meu uniforme. Antes daquele jogo. uma democracia corintiana”. Aí respondi assim: ‘Então não deixem. e fazia isso através de treinos e mais treinos. é claro. Se não fossem suas defesas. E logo ao chegar. A coisa foi posta dessa forma pra mim: ‘Faz trinta dias que você está aqui. acontecera outra . mas poderia ter ido ainda mais longe.” Leão contesta até mesmo o rótulo Democracia Corintiana. o goleiro imediatamente passou a fazer oposição. . atravessara o campo para abraçar o camisa 1. mas o Casa não merecia ter sofrido tanto. Sócrates e Adilson Monteiro Alves lhe deram uma prensa. o culpado seria eu. Mas Casagrande tem a capacidade de lhe falar as coisas mais espinhosas. para minha surpresa. os líderes da Democracia Corintiana iriam conceder entrevistas responsabilizando-o pela derrocada. Só me tornei representante dos excluídos porque eles não tinham voz e precisavam de alguém de peso para representá-los”. mesmo abusando tanto do álcool. acerca dos velhos tempos da Democracia Corintiana: “A coisa ia bem até você chegar. ao final da decisão. a maioria deles porque estava na reserva”. Embora não concordasse com suas .reunião para lavar roupa suja. O gesto causou surpresa na época. isso vai acabar em indigestão. Se ele conseguiu ser um craque excepcional. O time não jogava tão bem quanto na campanha do ano anterior.” Sempre apontado como inimigo número um de Sócrates. Mas não era nada disso. pensei: xiiiii. Mas percebo a independência em suas análises. mas aconteceu espontaneamente. dissecar os bastidores de uma equipe e tocar nos pontos nevrálgicos. Porém. presenciei a seguinte discussão entre eles. mas jamais poderia contestar a capacidade futebolística dele. num reconhecimento sincero. Além de ambos terem se tornado mais flexíveis com o passar dos anos. “Discordava das atitudes particulares do atleta Sócrates. falou em panelinha. Talvez tenha se iniciado ali. O dirigente o preveniu de que. “Desde o início eu estava no fio da navalha. depois de marcar o gol de empate.. Leão não perdeu as estribeiras e simplesmente rebateu: “Não havia panela nenhuma. eu falei uma coisa que o Casa interpretou de forma negativa. A sua personalidade dominante normalmente intimida os interlocutores. “Não é fácil para um ex-jogador ser tão autêntico. disparou Casão. Leão. O time tinha sido campeão paulista e. a aproximação entre os dois. filho da puta. e ele me chamou de Judas. Cada um tem seu carma para pagar. com gols de Sócrates e Marcão. que destaca a capacidade de ler o jogo. durante um almoço. Eu era tido como arrogante. na maior cordialidade. imagine se levasse uma vida de atleta. falando na Rede Globo para milhões de telespectadores. O resultado havia sido o mesmo e. Ele fala coisas que a gente está vendo no campo e não só aquilo que os torcedores gostariam de ouvir”. Ele já dera o braço a torcer desde o confronto com o São Paulo no primeiro turno do campeonato. de forma embrionária.” Por isso. Tudo entre uma garfada e outra.” Esse mesmo raciocínio Leão faz em relação a Casagrande. “Numa ocasião. Certa vez. Eu sinto prazer em escutá-lo. se a equipe fosse eliminada. Leão lamenta a morte precoce do ídolo corintiano por alcoolismo. Algo acima da compreensão de muita gente que vê Leão como um osso duro de roer. na bucha. Na hora. há muito tempo. Eu disse que ele precisava de ajuda para ser reconduzido à sociedade. outra vez contra o São Paulo. metido. se não fosse bicampeão. Ele consegue fugir da mesmice de tantos outros comentaristas. Casão voltou a elogiar o goleiro. no empate em 1 a 1. Só envelheci primeiro e tentava projetar o futuro. e Leão foi acusado de fomentar rachaduras no grupo e quebrar a harmonia. avalia Leão. e começar a formar panelinha com os jogadores insatisfeitos. sem que ele morda ou nem sequer solte um rugido. os dois se respeitam por se admirarem profissionalmente. “O Casa se reencontrou no futebol como comentarista. no Morumbi. sempre o vi como uma pessoa boa. Ele só lamenta que isso tenha acontecido depois de terminada a carreira de atleta profissional. o atacante conseguiu êxito durante os sete anos em que atuou na Europa. .” Para Leão. mas sim de lesões. o tempo e os percalços levaram Casão a amadurecer. ainda seria um dos melhores jogadores do país e voltaria a jogar no exterior. como ocorreu no passado. sobretudo nos joelhos. ele é outra pessoa”. Atualmente. De qualquer forma. responsáveis pelo fim da carreira depois de um breve retorno ao futebol brasileiro. E seus principais obstáculos não foram em consequência das drogas ou de ideais políticos. constata. “Se ele atuasse hoje. A diferença é que teria uma longevidade maior.ideias. Aventura na Europa .capítulo dezesseis . Sócrates já havia ido embora em 1984. Uma sacanagem inadmissível. Então. tinha de ser numa boa. a saída do Corinthians foi praticamente forçada.” A gota d’água foi na derrota para o Atlético-mg por 2 a 1.” Dessa forma. tranquilo. ainda mais depois de ter disputado a Copa de 1986. no Pacaembu. andava cada vez mais triste. o agente Juan Figer mostrou interesse em adquirir seu passe para. Não houve jeito. quando fui emprestado ao São Paulo por seis meses. que não se alinhava com o nosso movimento. para não dizer monolítica — mentalidade no futebol. A cada momento. em que Casão desperdiçou um pênalti no fim do primeiro tempo..Embora a trajetória de Casagrande na Europa tenha sido um sucesso e a transferência fosse algo natural para um jogador de seu nível. em vez de me substituir no vestiário. ele dizia que eu tinha jogado mal. que os tempos eram outros e só lhe restava rezar pela cartilha conservadora e jogar bola de boca fechada. Casagrande comunicou ao treinador que não jogaria mais pelo Corinthians. O sonho da Democracia Corintiana extinguira-se com a derrota da candidatura de Adilson Monteiro Alves a presidente e a volta ao poder de cartolas representantes da velha — e predominante. e a diretoria ansiava pelo dinheiro que viria com uma transferência para o exterior. Mas havia um repórter de um jornal esportivo muito próximo dessa turma no poder.” Porém. Assim. Eu fazia uma boa partida. jogadores com os quais Casão se identificava. seguido por Wladimir. só para eu sair vaiado de campo. Nasci no Corinthians e. tinha contrato em vigência com o Corinthians e disputava o Campeonato Paulista. depois do Mundial. ele deixou para me tirar com cinco minutos do segundo tempo. o ambiente não ficou nada favorável.. combinaram queimar minha imagem com a torcida para ficar mais fácil me vender. E o Roberto Pasqua. não fazia sentido. argumentando que a tempestade passaria logo e estimulando-o a entrar em campo. Àquela altura. sinalizavam que ele deveria baixar a crista. Não queria desviar o foco. Ficou apenas treinando. na minha cabeça. “Apesar de ter ficado a fim de ir para a Inter. O Juan Figer comprou meu passe e me emprestou para o Porto. naquele momento eu já estava pensando na Copa. exatamente o cara que havia feito abaixo-assinado para eu sair do Corinthians em 1984. a torcida já chiara contra ele.. para mim. Zenon e Juninho. se a intenção realmente fosse essa. “Aquele seria mesmo meu último jogo. à espera de uma transferência. se fosse embora. ele se sentia um peixe fora d’água no parque São Jorge. o centroavante chegara a recusar um pré-contrato com a Internazionale de Milão. Tudo para criar situação de crise. negociá-lo com algum clube europeu.” Com os 15% a que tinha direito sobre o valor total da negociação. ciente dessas circunstâncias adversas no Corinthians. “Daquele time bicampeão paulista. “O técnico era o Jorge Vieira e. Casagrande adquiriu dois . assumiu a presidência do clube.. antigo presidente do Conselho Deliberativo. em seguida. “Não era a saída que eu imaginava. Ao mesmo tempo. O preparador físico Gilberto Tim ainda tentou dissuadi-lo.” No dia seguinte. seu contrato estava para terminar. ficou só o Biro-Biro. Na saída para o intervalo. depois de um desentendimento com o técnico Jorge Vieira. Antes do Mundial disputado no México. sem desgaste. com o time em férias. A torcida o recepcionou com festa. Ele não quis. Mas só conseguia correr em linha reta. O apoio dos brasileiros era mesmo preciso. e os dirigentes propuseram que ele vestisse a camisa e entrasse em campo para ser ovacionado. “Foi sensacional essa experiência. e eu ainda me sentia meio tímido ali”. Aí acabei ficando no banco. explica. Mais do que isso. embarcou com a delegação para o jogo de volta cheio de expectativa. fraturou a fíbula e rompeu os ligamentos do tornozelo esquerdo. “Ficava isolado nos treinos e era difícil receber a bola. Chegamos a Copenhagen com um frio tremendo. E se preparou para mergulhar num futuro desconhecido. que o gelo não quebra’. Vasco e Portuguesa) e Juary (ex-atacante do Santos).” Ele soube que seu destino seria o Porto apenas a dois dias da viagem. Depois de ter enfrentado o Brondby. Com a mesma preocupação. Celso e Elói foram encontrá-lo no hotel.” O que Casagrande também não imaginava era que ele próprio iria se quebrar num campo coberto pela neve. “Fui para o Porto sem saber o que ia rolar. onde permaneceram até dez minutos antes da meia-noite. “Nesse dia. o boicotavam. No empate em 1 a 1 com o Brondby. o argelino Madjer e eu. quase não chegava informação no Brasil sobre os clubes de Portugal. naquele inverno rigoroso. por puro ciúme. O treinador queria me escalar na decisão. pelas quartas de final. Mas tinha muita confiança em mim mesmo para triunfar na Europa. véspera do jogo. e fomos passear. percebi o quanto o time era forte. principal jogador do país na época e seu amigo até hoje. entre os atletas portugueses. Não poderia mais atuar naquela Copa dos Campeões. entre Porto e Benfica. Casão passou o Ano-Novo em Portugal sem a família. Contava com catorze jogadores de Seleção: a equipe de Portugal em peso.” O bom desempenho da equipe na Copa dos Campeões e as viagens para cenários diferentes de tudo o que já havia visto também o animavam. Para amenizar sua solidão.. “Fizeram tudo para que eu me recuperasse até a final. o goleiro polonês Józef Mlynarczyk.” Depois da conquista da Copa dos Campeões. em uma jogada logo aos quinze minutos. sua família veio visitar o . num barco. Elói (ex-meia de Santos. “As arquibancadas estavam lotadas.apartamentos na Pompeia. Afinal. Então andamos em cima do mar. Os demais companheiros de time o tratavam friamente. Os compatriotas lhe dariam suporte na adaptação. isso foi melhorando. Quando Figer lhe disse que o clube português classificara-se para a Copa dos Campeões. fez uma única amizade: Paulo Futre. principal campeonato europeu. da Dinamarca. enquanto avistávamos icebergs no horizonte. falou para a gente: ‘Pode até pular aí. Com o tempo. o atacante topou a aventura. e eu fiz um teste na terça-feira à noite. com vitória por 1 a 0 (gol de Madjer). Um dinamarquês. um deles para seus pais. Encontramos o cais totalmente congelado. não fazia curva de jeito nenhum. Os dois viajaram juntos e assistiram à final da Supercopa de Portugal. no estádio das Antas.. Muito louco! Algo que nunca havia imaginado.” Também havia três brasileiros no elenco: Celso Gavião (exzagueiro do Vasco). Juary sempre o convidava para churrascos na casa dele. conquistada pelo seu clube. no Porto. o que importa são os fatos. ele meteu a bicicleta no saco e se retirou de cena. mas Casão ainda permaneceu algum tempo sozinho na cidade do Porto. Depois de ter admitido tantos pecados publicamente. não faria sentido esconder a própria experiência com doping. pelo menos. Por ter voltado a vencer a prova mais importante do ciclismo internacional depois de se recuperar de um câncer nos testículos. Simple Minds. Casagrande foi dopado para jogar quatro vezes.. faziam sucesso The Cure. porém o lateral e meia Paul Breitner lhe deu razão e confirmou a denúncia. e a contragosto. longe das chamadas drogas sociais. aqueles lugares a que ela ia. pois a prática era corriqueira no futebol alemão. Havia muitos pubs nessa linha. com receio de macular a imagem. injetavam Pervitin no músculo. Existe um pacto tácito pelo silêncio.. Ao publicar a autobiografia Anpfiff. O recente caso de Lance Armstrong. mas aconteceu. resolveu revelar a verdade e o mundo caiu em sua cabeça. empanar o brilho de conquistas ou. .. ele conseguiu se disciplinar e se manter distante das drogas para preservar a condição física. Aproveitou para desbravar os “buracos” da noite e saciar uma antiga curiosidade: experimentou fumar e tomar heroína na veia. incontestáveis. Apesar de ser fato. Assim. na música. David Bowie. Na década de 1980. Ou. Em todos os anos que atuou na Europa. vice-campeão nas Copas de 1982 e 1986. a gente virava bailarina. lenda do ciclismo mundial. o goleiro alemão Harald Schumacher. acabei conhecendo umas pessoas e provando heroína. Podia-se levantar totalmente a perna. posou como herói até ser desmascarado.. com alongamento máximo dos músculos. Jurava inocência e ameaçava processar quem lhe imputasse tal desonra. mostra bem a desfaçatez que impera nesse campo minado. Vários clubes e ex-colegas voltaram-se contra ele. A intenção não é denunciar ninguém. Apesar dessa cortina de fumaça.Brasil. “O movimento dark estava muito forte e.” Esse episódio pode ser considerado uma exceção. até mesmo. Por precaução. foi sempre contra. correr o risco de ter títulos cassados pela Fifa ou por tribunais desportivos. nenhum clube quer assumir esse passado obscuro. com indignação capaz de comover até inimigos. nem difamar qualquer clube — até porque já se passou muito tempo. Sabia-se já havia algum tempo que o heptacampeão da Volta da França fazia uso de substâncias proibidas. o jogador não desistia em nenhuma bola. vamos omitir nomes e lugares. diferentemente do que ocorria no Brasil. Somente quando surgiram provas materiais.. para evitar qualquer viés acusatório. e a vida segue em frente. num limite extremo. Comecei a passear pela cidade e encontrei uns barzinhos escuros. pela primeira vez na carreira. Esse assunto é delicado. Determinado a obter êxito profissional no exterior. se dopou para melhorar o rendimento. Porque ele constatou que. o corpo superquente. o uso de doping estava disseminado pelo futebol europeu. Isso realmente melhorava o desempenho. o que ele negava veementemente. Afinal. “Em geral. Casagrande não pode se furtar a assumir uma passagem relevante em sua carreira. confessou ter feito uso de doping em várias partidas. Lá. Nunca quis. a pulsação ficava acelerada. De imediato. um fato isolado durante o período em que Casagrande jogou na Europa. cubículos que pareciam cenário do filme Cristiane F. fazíamos sauna de manhã e dávamos uma corridinha ao redor do campo. A despeito de ter passado por essa experiência poucas vezes. a curiosidade de provar a droga que havia levado à morte vários de seus ídolos. porém sabia ser algo comum pelas conversas com jogadores que atuavam em outros times. “Estava sempre à nossa disposição. não necessitava de aditivos para render bem fisicamente e ainda me expus a riscos desnecessários. Embora não houvesse um aviso formal de obrigatoriedade. de Paris. Tomar ou não tomar poderia definir a escalação. todo mundo sabia. por ferir a lisura esportiva. “Era uma coisa oficial: do treinador ao presidente do clube.Cansaço? Esquece. “O clube não deixava a gente ir pra casa depois do jogo.. porque a droga mascarava a dor. àquela altura.” Mas. deixando de lado as substâncias “oficiais”. quando descobriram um estimulante mais avançado. como Janis Joplin e Jim Morrison. O seu contrato com o Porto terminaria em julho de 1987. e a Supercopa Europeia. Porém. Ficávamos concentrados e dormíamos no hotel. O uso de doping é totalmente contra seus princípios. isso estava implícito.” O uso da substância não era exatamente opcional. quanto para liquidar as provas. havia Benfica. “Além de ser moralmente condenável. ficou seis anos completamente limpo. ou para o Racing. e quase todo mundo seguia o script. ainda nas quartas de final da Copa dos Campeões.” Esse procedimento acontecia abertamente no vestiário. Casagrande simplesmente saciou. se fosse preciso. dava para jogar três partidas seguidas. E a minha meta sempre foi jogar o Italiano. Porém com a g rave lesão sofrida. eu me machuquei e permaneci no campo por mais algum tempo. sem a menor preocupação de escondê-lo de qualquer integrante da agremiação. tanto para prestar socorro.. da Itália.” Só havia o cuidado de acompanhar o atleta até a eliminação da droga pelo organismo. ele já estava com duas transferências engatilhadas: ou iria para o Torino. ele já praticamente selara a transferência para a Itália. chegou a constatar a troca de informações entre departamentos médicos de clubes de países diferentes. campeão da Recopa. parecia obrigatório. dona do campeonato mais badalado do mundo. e voltando à heroína. diante do Ajax (Holanda).” Ele não se deparou com essa prática em outros clubes europeus nos quais jogou. “Portugal só tinha quatro times competitivos: além do próprio Porto. causava dependência em pouco tempo. Tinha consciência de que a substância. No dia seguinte. Além disso. o panorama . muito pelo contrário.” Quando quebrou a perna. que seria mais difícil de detectar num eventual exame antidoping. na cidade do Porto. e dirigentes de ambos os clubes encontravam-se em Copenhagen. mas. Sporting e Vitória de Guimarães. pelo menos essa era a sensação geral. Só depois disso nos dispensavam. Quando se transferiu para a Itália. Depois voltou a andar na linha outra vez. o assunto traz desconforto a Casagrande até hoje. dispostos a fechar o contrato naquele dia fatídico. Em um daqueles jogos. embora exames antidoping fossem raros naqueles tempos. Poderia ter agravado seriamente a lesão. Eu era jovem. e o clube manifestou desejo de renoválo. é bom ressaltar. O apelo era grande: o time iria disputar o Mundial Interclubes no Japão. contra o Peñarol (Uruguai). caso alguém se sentisse mal ou tivesse algum efeito colateral. fortíssima. aquilo não me trouxe qualquer benefício. Até os valores já haviam sido acertados. nos jogos importantes. O retorno de Casagrande aconteceu no empate com a Roma. Casagrande enfrentou problemas durante o ano todo. Mas deixei os pelos crescerem para ficar com cara de mau e provocar mais medo nos zagueiros. onde a vaga ficara em aberto. de Maradona e Careca. resultado que salvou o Ascoli da queda para a Segunda Divisão. atuou o jogo todo. com mais um gol dele. que ele fosse recompensado por essa fidelidade. quando deveria ir para o Torino ou a Fiorentina. O austríaco Toni Polster. Então. pelo mesmo placar. assim que retornou para a pré-temporada com o Ascoli. pois estava barbudo e cabeludo. No jogo seguinte. Muitos torcedores já haviam perdido a esperança. a posterior é para ser esquecida. sua equipe bateu o Atalanta por 3 a 1. “Ainda peguei hepatite química por causa dos . Casagrande se apresentou ao Ascoli. No segundo semestre de 1987. portanto. de acordo com a imprensa. time de uma pequena província com 30 mil habitantes. estourou o ligamento cruzado do joelho esquerdo e precisou ser operado. resolvi permanecer lá por mais uma temporada. atrás somente do Vialli. Ele reapareceu na rodada posterior.” Se essa temporada foi dura. o joelho operado inchou novamente e o artilheiro não pôde atuar no empate em 1 a 1. Ficou seis meses parado. Mas uma série de circunstâncias o levou a ficar mais tempo e a fazer história na modesta agremiação. por 1 a 1. O colega brasileiro lhe falou sobre o interesse de seu time em contratá-lo e o colocou em contato com o técnico Sven-Göran Erickson.” Valorizado. depois de seis horas de viagem. no entanto. em casa. acabou indo no lugar de Casão para o Torino. então na Fiorentina. por 5 a 1. “O Dunga passou o recado dos dirigentes da Fiorentina: eles queriam que eu deixasse minha equipe lá nas montanhas e voltasse pra casa. O compromisso seguinte seria em Turim. e eu retribuí jogando pra caralho nesse primeiro ano. Casão se recuperou a tempo de disputar as oito últimas partidas. cada vitória valia apenas dois pontos. E o atacante brasileiro foi para o Ascoli. naquela época. Ainda durante a pré-temporada. “Até ganhei o apelido de Jesus. pelo placar de 2 a 0 — embora não tenha balançado a rede. Porém. Repetiu a dose no triunfo sobre o Verona. o time caía pelas tabelas. contra o Bologna. Na sequência. em casa. quase a 150 quilômetros de Roma. A redenção veio na última rodada. contratou jogadores que combinavam com meu estilo de jogo. no empate sem gols com a Lazio. da Sampdoria. seriamente ameaçado de rebaixamento.mudou. Mas o Ascoli contava comigo. O seu agente planejava deixá-lo lá por apenas um ano. no campo adversário. Aí o time sofreu uma goleada em Milão. Enquanto isso. em Ascoli. e Casagrande pelo menos marcou o gol de honra. ele fez o gol da vitória por 1 a 0. com dores e inchaço no joelho. e ajudou a equipe a bater o badalado Napoli. Fui o segundo melhor atacante do Campeonato Italiano. e eu não podia comprometer todo o planejamento. Casão veio passar férias no Brasil e. forçando a barra para provocar a transferência. que estava acertado com o Ascoli. Mesmo os fãs mais pessimistas renovaram a fé. recebeu ligação do volante Dunga. com uma missão inglória: o Ascoli somava cinco pontos a menos do que o primeiro clube fora da zona de descenso e. “A população me recebeu como rei. frente ao Milan. O milagre se consumara. contra o Torino. em Ascoli.” Não quis o destino. na capital italiana. Pois o Jesus Cristo do Ascoli ressuscitou. orgulha-se.” Na decisão. quando morreu a equipe inteira. eu fui superbem o ano todo. “Marquei contra o Real Madrid e fiz dois gols na final contra o Ajax. e o Martín Vásquez. e o acidente aconteceu no morro de Superga. profundamente abalado. o ídolo marcou seu nome definitivamente na Europa. pela Juventus. com seis gols. o clube lhe daria 50 mil liras adicionais. se fosse negociado. com dois gols meus”. Em Turim. com trinta pessoas a bordo. e havia a rivalidade com a Juventus. Continuei. estavam o Scifo. Além do êxito dentro de campo. “Era muito divertido. “O meu contrato terminou e fiquei constrangido de sair com o clube na Série B. Além da natural dramaticidade. Assim. Se disputasse mais de trinta jogos. pois os italianos também se entrosavam conosco. o caso provocou ainda maior comoção no Brasil. Nós jogamos a Copa Uefa. E.” Acolhido pelo grupo. destacando-se em jogos contra adversários de peso. Só voltaria a ser campeão em 1976. porque o . e nós ganhamos da Juventus por 2 a 0 no Campeonato Italiano. Casagrande passou a cultivar as tradições do clube e a viver intensamente as emoções junto com os torcedores. e 0 a 0 na Holanda. O time vencera quatro Campeonatos Italianos consecutivos e caminhava para ganhar o quinto.’’ Com a camisa do Torino. então. entraria numa longa fase de declínio. a aeronave bateu numa torre da basílica de Superga. por mais um ano. O Ascoli acabou rebaixado. Rolavam muitas brincadeiras.remédios que tomava. não houve o milagre da multiplicação dos pontos. o Torino levantaria o pentacampeonato. fixando bônus por metas atingidas ao final do campeonato. saiu como ídolo (até hoje é reverenciado na pequena cidade) e foi jogar em um time tradicional da Itália. sobretudo comparada a Ascoli. quando ele balançou duplamente as redes. mas. O último tinha sido o Platini. bem próximo ao aeroporto. com desempenho em alto nível. gesto imitado por diversos rivais.” Dessa forma. ganhou todos os bônus. Do total de 34 jogos. mais 50 mil liras. o clube subiu para a Primeira Divisão. Havia três estrangeiros: além de mim. Desse time eu tenho saudade. se fez representar por atletas juvenis. Como eu já atingira o teto salarial e não tinham grana para me pagar mais. incluindo dezoito jogadores. Ou seja. no fim da temporada. fizemos um acordo em anexo. num gesto de solidariedade. Mas se a equipe subisse de divisão. “Lá é outra história. Caso superasse a marca de onze gols. estava numa cidade grande. um belga excêntrico. Casagrande foi vice-campeão da Copa Uefa e artilheiro da equipe. mantenho contato com muitos deles até hoje pelo Facebook. em Turim. “O Torino tem uma história bonita com aquele episódio do avião que caiu em 1949. fez 22 gols.” Com seu principal jogador meia-boca. Em meio a um espesso nevoeiro. Casão receberia mais 50 mil liras. o período no Torino ficou marcado pelo excelente ambiente entre os jogadores. Nas quatro rodadas restantes. um espanhol caladão e cismado. os vencimentos fixos continuavam em 600 mil liras. “Fazia seis anos que nenhum jogador marcava dois gols nesse clássico. ele atuou em 33. e Casagrande se transferiu para o Torino. além do prêmio a ser dividido por todos os atletas. embolsaria outras 50 mil liras. houve dois empates: 2 a 2.” A delegação regressava de uma viagem. Desacorçoado. “Quando o Casão saiu. na basílica de Superga. vinha falar com a gente em italiano. eu sou do Flamengo!”. na derrota por 1 a 0 para o Corinthians. numa partida contra a Portuguesa. Uma coisa de arrepiar. no Pacaembu. A Fiel lhe daria uma prova de amor que poucos craques do mundo tiveram a honra de receber de uma torcida adversária. Uma das raras ocasiões em que não conseguiu segurar as lágrimas. tudo rolava lá pela primeira vez. lhe reservaria uma grande emoção.. no Pacaembu.. Mesmo jogando contra o time que o revelou. com quatro anos. uma camisa que sempre desejou vestir. pois ficava até difícil jogar tão tocado emocionalmente. Todo esse pano de fundo fortaleceu a ligação de Casão com a equipe de Turim.. molequinho de tudo. “Íamos à missa que fazem todos os anos lá.. tentou explicar o jornalista. quatro dias depois da tragédia. Mas a volta ao Brasil.” As recordações de Casagrande também se referem ao convívio familiar. o que é isso?”. não pode. houve aquelas coisas marcantes na vida de todo pai: eles começaram a andar. ele deixou a cabine de imprensa e correu para a entrada do vestiário. esqueci do jogo. Uma figurinha. O jornalista Juca Kfouri foi testemunha privilegiada desse momento histórico. Pensei: vou encontrá-lo antes de todo mundo.. A imagem de Casagrande já sem camisa. Além do nascimento do Leonardo. ficou gravada nas retinas. o mais velho. Nem sei como consegui chegar ao vestiário antes dele”. por uns dois minutos. perplexo e desorientado com o uniforme do Flamengo na mão. ainda incrédulo com o que acabara de ver no campo.”. Por conta dessa proximidade. Ao perceber que Casagrande seria substituído.. o Corinthians entrou em campo com uma camisa grená. “Ele só repetia: nunca vi isso. eu não me engano. em lembrança aos jogadores mortos. Ele teve oportunidade de jogar pelo Flamengo. a galera alvinegra passou a homenageá-lo com dois coros gritados pelos espectadores de todos os setores do estádio: “Doutor. e houve confraternização entre as equipes depois do jogo. Juca insistiu: “Os caras te amam.”. seu lugar é no Timão!”. Considerado o melhor time do mundo naquela ocasião. perdera para o Corinthians por 2 a 1. com o nascimento de Leonardo em San Benedetto del Tronto.” Juca lhe deu um beijo na testa. em nova homenagem. vencida por 2 a 0. cor do Torino. e ainda viveria uma tarde inesquecível no dia 3 de outubro. já falava italiano. O meu casamento passava por uma fase bacana. cidade litorânea próxima a Ascoli. relembra. em 1993. comenta. Com o joelho . o Casagrande é corintiano!” e “Volta Casão. como que buscando conforto. Eu tinha de fazer gol neles. mas o Victor. e o adversário mais amado do Brasil finalmente entrou no vestiário. “Porra. Casão então lhe deu um abraço e permaneceu assim. e eu nem usava drogas”. o clube do parque São Jorge lançou seu terceiro uniforme na cor grená. a falar. “O Victor começou a ir à escolinha e. Juca. os caras te amam”. e o crescimento de Victor. O engraçado era que eu e a Mônica nos comunicávamos em português dentro de casa. lembra-se Juca. nunca vi isso. muito bom naqueles dias.. em Turim. Casão rebateu: “Não pode ser.poderoso esquadrão italiano excursionara pelo país no ano anterior.. indagou. “Muitos fatos importantes da minha família aconteceram na Itália. nunca vi isso. com ternura. Desnecessário dizer que Casão voltaria ao Corinthians na temporada seguinte. Em 2011. “Pô. . Tempos depois. repreendeu-o Juca. com papel crucial para a classificação do Brasil para o Mundial de 1986. que precisou se esforçar para manter o equilíbrio quando comentou ao vivo as partidas decisivas pela tv Globo. Até hoje Casagrande e Juca trocam torpedos em tom camarada. depois de Sócrates ter se transferido para a Fiorentina. houve novo choque. mas que não deixou muita saudade. o atacante o abordou: “Você tem falado muito mal da gente! Quando o Magrão estava aqui. hein? Vocês estão repetindo o Manifesto de Glasgow. Em certa ocasião. e quando o Magro estava. com altos e baixos.baleado. foi bastante conflituoso para Casagrande. retrucou o cronista esportivo. ao longo de tantos anos de convívio. sobretudo em dias de jogos do Corinthians. E o retorno serviu para reparar a saída traumática em 1986. Casão levou outra enquadrada: “Que mancada. Casão resolveu cobrar o amigo pelas críticas que vinham sendo feitas. não exibia a mesma eficiência do passado. questionou.. o jornalista diverte-se ao ver como a conquista inédita da Libertadores mexeu com Casagrande. então descontentes com as análises negativas de jornalistas durante uma excursão à Europa. Juca trabalhava como comentarista no sbt e. ao final das partidas. “O que é isso. sobretudo depois de Telê Santana assumir o comando da equipe. a relação entre os dois teve suas crises. Assumidamente corintiano. Porém. este já na Seleção. O período na Seleção. aliás. numa fase particularmente difícil no parque São Jorge. Uma experiência importante para seu currículo. jogavam muito bem.”. coisa mais reacionária. Ao vê-lo ali. em protesto contra as críticas ao time dirigido por Evaristo de Macedo. O jornalista chegou a Santiago do Chile para cobrir um amistoso do Brasil e encontrou os jogadores em greve com a imprensa. você não falava”. mas a Fiel adorava vê-lo vestido com a sua segunda pele. ele entrou em choque com o treinador. Eles haviam acabado de fazer o chamado Manifesto de Santiago. caiu de produção pouco antes do início da competição no México e acabou no banco de reservas ainda na primeira fase da Copa.. Casão? Você tá louco? Eu tô falando mal de vocês porque estão jogando uma merda. descia ao vestiário para entrevistar os técnicos. Embora tenha se destacado nas Eliminatórias SulAmericanas. É só isso!”. referindo-se à atitude idêntica tomada por integrantes da Seleção em 1973. capítulo dezessete .Às turras com Telê . O atacante corintiano havia sido artilheiro do Campeonato Paulista de 1982 e seu nome andava na boca do povo — nos dois sentidos. Dessa forma. Branco. Tanto que fui convocado inicialmente para o meio de campo. golaço).” Ele se entusiasmou e. então na tv Globo. pois em dezembro sofrera a prisão por porte de cocaína. por 2 a 1. então vou ser chamado mesmo. Mas a receita desandou. Na época. do Brasil contra a seleção gaúcha.” O primeiro sinal de que seria convocado partiu do juiz José Roberto Wright. “Carlos Alberto Torres. também era cotado para defender a equipe canarinho oficial. por voto popular. Reinaldo. posição em que também passei a atuar no Corinthians. por 2 a 0. assim. Eu era jovem e mostrei desenvoltura com duas camisas de peso. porque na ocasião o time já tinha o Serginho Chulapa como centroavante. Os atacantes eram Reinaldo e Careca. Joguei como meio-campista no São Paulo porque o Careca era o centroavante e. por 4 a 0. Éder e companhia. no estádio do Arruda. Vieram as vitórias sobre o Uruguai. Geovani e Luís Carlos Winck. O time de Evaristo não jogava bem e recebia críticas de todos os lados. apesar de ele sustentar que ela fora plantada pela polícia. Casagrande considera a breve passagem pelo São Paulo. mas o episódio da droga queimara seu filme. por empréstimo. abri novas perspectivas. e o clima começou a ficar tenso. no Pacaembu. para acompanhar de lá o anúncio da lista de Evaristo de Macedo. que futuramente seria seu colega na tv Globo. em Recife. como Bebeto. até quando ganhava.A primeira convocação de Casagrande para a Seleção ocorreu em janeiro de 1983. “O fato de eu ter atuado tão bem no São Paulo. A sua estreia aconteceu num amistoso contra a Colômbia. com um gol dele e outro de Alemão. o sonho se tornou mais concreto. como comentarista de arbitragem. formado por Oscar. quando voltei para lá. em Brasília. Numa goleada do Corinthians sobre o Goiás. Casagrande foi chamado para o meio de campo. Somente um mês depois. o repórter Luiz Ceará. ganharam oportunidade outros jogadores jovens. Wright aproximou-se dele e comentou: “Você está bem. permaneceu longo tempo na geladeira. Assim. me credenciou para a Seleção. hein. . no Mineirão: vitória por 2 a 1. A comemoração dele e de sua família passaria ao vivo no Fantástico. mas ainda não dava para receber a informação como favas contadas. mandou me chamar no quarto dele para me avisar que eu seria convocado à noite. mas sem apresentar futebol consistente. Para um amistoso festivo. o fator primordial para a quebra de resistência: Evaristo de Macedo finalmente o relacionou em 1985. então técnico do Corinthians. A ideia era mesclá-los com um grupo de atletas mais experientes. e os torcedores escolheram os jogadores. Ele ficou animado. na Fonte Nova. marcou um dos gols na vitória alvinegra por 2 a 1. Mário Sérgio. com dois gols de Casão (um deles. no estádio Mané Garrincha. a notícia de sua iminente convocação já havia vazado para a imprensa. tanto quanto no Corinthians. perdeu do Peru por 1 a 0. Depois da vitória sobre a Colômbia. e contra a Argentina. Além de Casão. foi para o apartamento de Casagrande. garoto? Ouvi dizer que vai para a Seleção brasileira!”. na Pompeia. Como se esperava. houve uma enquete. Pensei: se o capitão do tri está falando. horas mais tarde. em Goiânia. na concentração para o jogo de volta contra o Goiás. em 1984. A essa altura. Já o Zico.” De fato. Apesar de sua história em defesa da liberdade de expressão. errar passe.” Em campo. polêmico jogador chileno que se opunha a Pinochet. em vez de ir ao treino. A gente brigava com ele em todos os treinos. “O Cabrini falou que era uma reportagem importante. “O Touguinhó dizia que aquela Seleção era uma porcaria.em Salvador — com briga em ambas entre jogadores brasileiros e adversários. Telê Santana. rival para o qual o Brasil jamais havia perdido. Aquilo me deixou puto. Reinaldo e Oscar bateram à sua porta. o Cerezo e o Falcão podiam fazer qualquer merda. onde Casão caiu de cama com febre. A péssima apresentação e a inédita derrota por 1 a 0. com insinuações sobre aventuras sexuais dos jogadores nas viagens. teria nova chance. A revolta resultou numa reunião de todo o grupo. mas não podia quebrar minha palavra com o grupo. na qual se decidiu um boicote à imprensa.” No calor daquele momento. o chamado Manifesto de Santiago. o Sócrates. mas. “Eles falaram que precisávamos tomar uma providência. Em seguida.” Casagrande não sabia o que se passava naquele primeiro treino em Santiago. ao final do dia. Até deu vontade de participar. deterioraram de vez o ambiente. Assim. a Seleção perdeu para o Chile por 2 a 1 — o gol de honra foi de Casagrande —. Casagrande embarcou nessa barca furada no Chile. no qual o jornalista carioca Oldemário Touguinhó criticava duramente a Seleção brasileira. em plena ditadura Pinochet. vendo tv. não por acaso dois jogadores do Rio. Por causa disso. os jogadores ficaram ainda mais fragilizados e voltaram a conceder entrevistas depois do jogo. Ele chegou a ficar em conflito quando foi procurado pelo repórter Roberto Cabrini. ao qual Juca Kfouri se refere no capítulo anterior. Mário Sérgio. A delegação viajou para enfrentar o Chile em Santiago. Só que o ataque da Seleção era eu. publicada no Brasil. permaneceu no quarto do hotel. o caralho. Ele pegara erisipela em decorrência de um machucado na perna. houve o confronto com a Colômbia no estádio El Campin. Também estavam irritados com uma matéria. em Bogotá. o jornalista lhe propunha um encontro com Caszely. As mulheres dos caras casados começaram a ligar para cobrá-los. contaminado por bactéria ainda na Colômbia. e ele não falava nada. Isso nos irritava ainda mais e nos indispunha contra seu comando. então da tv Globo. pôde assistir a um programa esportivo chileno. essa diferença de tratamento era uma característica do velho mestre. No retorno ao Brasil. Apesar da greve de silêncio. e botou mais lenha na fogueira. O relacionamento entre Casão e o novo técnico sempre foi tenso e conturbado. três caras de personalidade forte. pois a imprensa pegava demais no nosso pé. com a torcida colombiana gritando “olé”. Evaristo de Macedo acabou demitido dentro do avião. “O Telê gostava de tudo certinho e não admitia contestação. livrando a cara apenas de atletas cariocas. Casão aproveitou para lhes contar sobre a entrevista de Touguinhó que vira na tv chilena. com censura dos meios de comunicação e toque de recolher nas ruas. o Renato Gaúcho e o Éder. Quando dirigiu o . derrotado em 1982. mas entrei num dilema. que tínhamos de fazer ainda que fosse escondido. só se salvavam o Bebeto e o Branco. graças a um gol de Careca. em Porto Alegre. em Frankfurt. durante folga concedida em Belo Horizonte (onde a delegação estava hospedada). revela Casão. O Telê não sabia desse nosso pacto. com gols de Casagrande (dois). dificilmente chamava a atenção de jogadores de sua confiança. Já aqueles com quem não tinha grande afinidade.São Paulo. como Macedo. se deteriorou ainda mais por causa desse episódio. mas Casão não jogou essa partida. os atacantes. tomado cerveja. Nessa partida. pelas eliminatórias. Os gols foram dele e de Zico. o lateral desertou . iniciou-se uma série de amistosos preparatórios para a Copa do Mundo. eu levei socos pelas costas. já sob o comando de Telê.. como Raí e Toninho Cerezo. Nada anormal em um dia livre. diminuía um pouco a velocidade para esperar o cara chegar e pegá-lo. em Santa Cruz de la Sierra. recebeu cartão vermelho. e as coisas não iam nada bem. vencido pela equipe canarinho por 3 a 1. Nós. Em 2 de junho de 1985. Ele entraria em ação novamente no triunfo contra o Paraguai por 2 a 0. em Budapeste. Mas era assim: numa bola dividida que estava mais para mim do que para o adversário. em nossa casa”. Suspenso pelo cartão amarelo recebido no jogo anterior. decidiu cortar apenas Renato. em Assunção. deixou Telê furioso e foi o primeiro a ser cortado pelo técnico. E assim foi feito sete dias mais tarde. gols de Casagrande e Noro (contra). gols de Sócrates e Romerito. no Maracanã. o Brasil estreou com vitória sobre a Bolívia por 2 a 0. exatamente quando a Seleção embarcaria para o México. o Renato era parado com violência. Dias depois. levavam broncas homéricas na frente de todo mundo. Em seguida. é claro. Alemão e Careca. e para a Hungria por 3 a 0. alegando seu histórico conturbado. jogamos o jogo. por exemplo. a Seleção se redimiu com uma goleada sobre o Peru por 4 a 0. Como Telê gostava pessoalmente de Leandro. num confronto marcado por lances ríspidos. Acho até que a bronca dele conosco aumentou depois disso. Elivélton. nos anos 1990. Casão não pôde atuar em São Paulo. O Zico apanhou demais. Uma semana depois houve um amistoso contra o Chile. outros dois cortes abalariam o país. Algo que Casagrande sempre abominou. Mais para a frente. Na sequência. Casagrande e Éder se excederam em algumas disputas mais duras com os paraguaios e acabaram advertidos com cartão amarelo. no último compromisso pelas eliminatórias. feito festa. mas percebia algo esquisito e ficava gritando na beira do campo: ‘Pô.. defensor intransigente do jogo limpo. no Beira-Rio. já no Rio. vamos jogar bola!’. depois de muito matutar. Mas Renato e Leandro voltaram fora do horário estipulado e pularam o muro da concentração.. “Nós não ficamos pensando só nisso. em São Luís.” É fato que a relação com o treinador. restara um período de apenas doze dias. O Brasil perdeu para a Alemanha Ocidental por 2 a 0. Os jogadores haviam saído da Toca da Raposa. no estádio Ramón Tahuichi. juramos que iríamos dar o troco no jogo de volta. o Brasil empatou com a Bolívia em 1 a 1 no Morumbi. entre tantos outros. Mas nem assim o ambiente melhorou. Éder acertou uma cotovelada num jogador peruano. “Os caras bateram pra caralho. Catê e até Cafu no início de carreira. no empate por 1 a 1.. no Defensores del Chaco. A partir daí. Entre a queda de Evaristo e o início das eliminatórias para a Copa do Mundo. eu reagi: ‘Pô. E o Zico nem jogava na minha posição. Mesmo eu tendo abandonado o treino. “Sempre havia conflito. “Olha. daquele ataque das eliminatórias.” Isso irritava profundamente Casagrande. . na Espanha. durante o Mundial de 1982. Leandro encheu a cara novamente e não se dirigiu ao aeroporto do Galeão. eu tinha grande admiração pelo Galinho e sairia com o maior prazer para ele jogar. o relacionamento entre os dois se tornou mais tenso a cada treino. Além disso. Além disso. À medida que se aproximava o Mundial.em solidariedade ao amigo. A partir daí. posição na qual vinha atuando bem no Flamengo. tá?”. só comentou comigo: ‘Nossa! Que papo é esse?’.” No quarto. não haveria como o Telê me colocar na reserva. Estava amargurado pela punição ao colega e sentia-se culpado porque ele próprio. não dei brecha para sofrer nenhuma punição”. Casagrande iniciou o Mundial como titular. já sem Éder e Renato. O próprio Zico tratou de contornar a crise. era o tipo de técnico que saca o jogador sem lhe dar explicação. eu. o craque conseguiu dissuadilo. na tentativa de dissuadi-lo. Foi antes do primeiro jogo da Seleção no Mundial. o Zico e o Leandro éramos as únicas unanimidades. Aos prantos. queria jogar como zagueiro. Dessa forma. ele pegava direto no meu pé. mas não houve jeito. O Galinho o procurou e o tranquilizou: “Calma. Zico e Júnior ainda foram a seu apartamento.. ao contrário. Eu me invoquei não por causa do Zico. você é importante pra gente. Durante um coletivo realizado no centro de treinamento do América do México. Se estivesse tão bem quanto em 1985. “Fiquei com a impressão de que o Telê só não me cortou porque não tinha como. para depois o Muller entrar e matar o touro. porque estava minando meu lado emocional. Mas eu estava muito bem naquele coletivo. Apesar de que. “O Telê quis fazer um teste para ver se o joelho do Zico aguentava e me tirou da equipe. Casão quase abdicou da Seleção ao ser substituído por Zico no time titular. só reclama comigo? Não enche mais o saco. Telê só voltaria a lhe dirigir a palavra uma única vez.. Chegou a deixar o treino antes do final e se refugiar em seu quarto. “Já o Telê não me falou nada. O seu papel é cansar o touro. e o Telê podia ter tirado outro jogador. meu!’. “O que eu podia dizer diante disso? O Mauro Galvão. disse-lhe o treinador.”. supõe Casão. “Acho que esse foi o motivo principal para eu sair do time. mesmo eu estando bem pra caramba. Casagrande fervia de tanta raiva. fica frio. Casagrande entrava em declínio físico e técnico. na qual eles escalavam seu time ideal. ele não tomou nenhuma atitude. sob qualquer pretexto. tinha de contar até dez para não explodir. é fácil supor que seu futuro na equipe não seria nada promissor. embriagado a ponto de não reunir condições de se apresentar na concentração em Minas.” Assim. restou apenas Casagrande. Não foi fácil aguentar tudo isso. Acho que ele queria que eu tivesse uma reação”. contra a Espanha. levara Renato a permanecer a seu lado. com ímpetos de abandonar o grupo e voltar ao Brasil. era eu quem ele tirava da equipe. pois já não ostentava a mesma condição física de quatro anos atrás.” Nesse clima hostil. você vai sair jogando. eu estava muito bem. por ser mais conhecido. Com palavras assim. caramba. durante toda a preparação. Numa enquete feita com jornalistas que cobriam a Seleção. que estava ao meu lado. Um dia. mas no estranho papel de primeiro toureiro. analisa. Muller o substituiu aos 21 minutos do segundo tempo na vitória sobre a Espanha por 1 a 0. com gols de Careca e Platini no primeiro tempo. Por mais que admirasse o Doutor. o Brasil goleou a Polônia por 4 a 0. sem o aproveitamento do atacante corintiano. “De manhã. talvez porque ainda estivesse frio. chegou sem pernas num cruzamento de Careca da direita. Sócrates se recuperara pouco antes de uma lesão e tentava reaver a forma física. Num dia de folga. Feliz ele não poderia estar com aquela situação. num lance em que bastaria empurrar para a rede. com gols de Sócrates. fora do ritmo em um confronto decisivo. Os principais jogadores do time de 1982. à medida que o jogo no estádio Jalisco. Zico sofria com dores nos joelhos. no triunfo pelo mesmo placar contra a Argélia. A participação de Casão ia minguando a cada rodada. No jogo seguinte. a imprensa conservadora tentou criar fuzuê.Como Telê antecipara. Vem a prorrogação. cortado anteriormente por contusão. Nessa apresentação derradeira. diante da Irlanda do Norte. Pênalti! Àquela altura. Quando Sócrates. Então. gol de Careca. encontravam-se lá. Assim. Zico entrou aos 27 minutos do segundo tempo. E os dois acabaram fotografados por um repórter mexicano sem camisa e bebendo cerveja. Josimar. durante o Mundial. derrubado pelo goleiro Bats dentro da área. pelo placar de 3 a 0. Aquela era uma Seleção envelhecida. e logo acertou um lançamento primoroso para Branco. na eliminação do Brasil diante da França. Casão declarou guerra a Telê. Dessa vez. Casagrande e Alemão foram a um show de Alceu Valença no Circo Voador — a trupe de artistas que agitou o cenário cultural nos anos 1980.” Surgiu um princípio de crise. O Brasil ganharia o duelo posterior. o jogo seguia empatado em 1 a 1. furando dentro da pequena área. no lugar de Muller. e ambos os times dão sinais evidentes de cansaço. via necessidade de injetar sangue novo na equipe. Ou seja. fisicamente esgotado. Mal. assim como Telê entendeu que eles estavam em horário livre de lazer. Nas oitavas de final. o são-paulino saiu jogando e o antigo titular só entrou no decorrer do jogo. Mas eu não tinha de me justificar. gol de Sócrates. mas os jornalistas mais liberais trataram o episódio com naturalidade. permaneceu em campo um pouco menos do que no jogo anterior. o Gilberto Tim (preparador físico) jogou todos os jornais em cima da mesa e olhou para mim. pois estava de folga e não voltei atrasado nem bêbado. Porém o próprio Zico desperdiçou a cobrança. A derrota pairava no ar. O time seguiu com altos e baixos até o duelo com os franceses nas quartas de final. . o roteiro praticamente se repetiu: Casão saiu aos catorze da etapa final para a entrada de Muller. Ponto final. O seu lugar — agora não havia mais dúvida — seria no banco dali para a frente. Casagrande foi à loucura. montara uma instalação em Guadalajara. se encaminhava para a disputa de pênaltis. mas a situação de Casão e Muller se invertera. e os jogadores brasileiros comemoraram como se fosse a pá de cal sobre o adversário. Edinho e Careca. em Guadalajara. que encantara o mundo na Copa da Espanha. aconteceu um bafafá que por pouco não teve consequências piores. Falcão esquentava o banco. mas sem a mesma vitalidade — com exceção de Cerezo. com a criação da casa de espetáculos no bairro carioca da Lapa. gols de Careca (dois) e Josimar. inconformado com a postura passiva do treinador na prorrogação. houve um desabafo do jogador. Apesar de achar que a teimosia de Telê colaborou para a eliminação do Brasil. Foi exatamente essa semelhança que propiciou a aproximação deles. “Na hora do almoço. Casão não se conteve. continuei treinando forte. Porém. A dupla estreitaria a amizade — incluindo até relação entre as famílias — e daria origem a diversas situações cômicas no futuro. é minha mesmo. o De Léon veio com o Paulo Roberto na minha direção e me apontou: ‘Olha. Mas pelo menos um episódio o faz descontrair sempre que lhe vem à lembrança: em sua primeira convocação. não falei pra você? Vocês são irmãos!!!’. em vez de descansar.” As recordações de Casão relativas à Seleção trazem muitas passagens incômodas. atingi o ápice antes da hora e entrei em declínio físico durante a Copa. mais próximo do banco de reservas do que o jornalista. com trotes. Em pé na beira do campo. motivado para a Copa do Mundo. Então. pegadinhas e armações de uma irresponsabilidade infantil e saborosa. e eu fui até me sentar com eles na mesa da seleção gaúcha. Os dois eram amigos e. aprofundada quando eles jogaram no São Paulo e no Corinthians. ele conheceu uma espécie de alma gêmea na arte de pregar peças e fazer molecagens: o lateral direito Paulo Roberto. nem mesmo o treinador ou a comissão técnica. que se hospedou no mesmo hotel. Escracho à vista! . sobretudo pela rixa com Telê e por não ter rendido todo seu potencial no Mundial do México. gritava em alto e bom som. e tinham os cabelos compridos encaracolados. O Brasil estava eliminado. definitivamente arruinada. Não sou de dosar as coisas e. O jogo acabou empatado e foi para a decisão por pênaltis. mesmo à distância. Então brincamos com isso. ele não se esquiva da autocrítica em relação a todo o processo de preparação. pelo porte físico longilíneo e por alguns traços do rosto. Aí aconteceu o que todo mundo sabe: Bats defendeu a cobrança de Sócrates e o zagueiro Júlio César chutou na trave.” Aquele seria o início de uma duradoura parceria. o Telê tá louco! Eu e o Muller tínhamos de estar em campo! A gente ganhava esse jogo. aquela do time montado pelo povo em janeiro de 1983. treinei demais. fingia não ouvir. Tive folga no Carnaval e. então da tv Bandeirantes. impassível. Casão não aponta culpados. Os dois se pareciam fisicamente. “Essa parte não é responsabilidade de ninguém. então integrante da seleção gaúcha. e a relação de Casa com Telê. porra! O Falcão tem de ser o treinador agora!”.Ao avistar o repórter Gilson Ribeiro. o técnico não tinha como não escutar tudo isso. “Gilsão. Uma marca da personalidade de Casagrande que agora encontrava um espelho. Sobre sua queda de produção pouco antes do Mundial. Pegadinhas do Casão .capítulo dezoito . embora ainda fosse juvenil. só eu e o Ademar fomos para a diretoria. ele mantinha o hábito de fazer desenhos da diretora. mais tarde. Acho que só por isso não o expulsaram de novo. com Magrão. conta Magrão. um cinema famoso no bairro. lhe causava problemas. As piadas.” Não houve perdão. os dois passaram a formar uma dupla do barulho. A gente só fazia bagunça”. Aprontava uma travessura atrás da outra nos tempos de estudante e chegou a ser expulso da Escola Penha de França. Mas nos pegaram bem em cima do muro. Ele só completaria o segundo grau. que ninguém está vendo!’. Esse traço aflorara desde a infância e. Dona Cida falava assim: ‘Vai. Tambor. peças e encenações armadas para se divertir às custas de todos — pessoas íntimas ou desconhecidas. Quando passou a conviver com o lateral Paulo Roberto. pois levei bomba dois anos depois de ele ter ido pra lá. ele e o Ademar. Porém. Ele não tinha nada a ver com isso. Levado pelo vizinho Magrão para a Escola Santos Dumont. transformando aquela turma impagável num sexteto. que havia sido lançado recentemente e fazia grande sucesso. “Não sabiam quem tinha feito aquilo. ocorrido no Fórum da Penha. no bairro da Penha. no dia seguinte. uma praga em nossos dias. vai. Ela chegava a me ajudar a pular o muro quando eu dizia que queria ir ver algum filme bacana. que anos depois seria técnico da seleção feminina de futebol. Mas as peraltices que aprontava na escola apenas mudaram de lugar. o Casa inventou de pular o muro para ir ao Penharama. Além do perfil contestador.” Casagrande admite que tirava proveito pelo fato de ser querido. Marquinho. até estudarmos juntos. o que já o indispunha com os professores. Sem a preocupação de ser politicamente correto. Ele poderia facilmente ser personagem dos filmes Meus caros amigos e Quinteto irreverente. Essa diretora adorava o Casa e sempre aliviava a barra dele. não raro. de cabeça para baixo. tanto faz — são da mesma natureza das maquinações postas em prática pelos tipos representados por Ugo Tognazzi e companhia nas comédias dos anos 1970 e 80. Estávamos eu. mas pagou pela má reputação. atual ensino médio. Foram flagrados várias vezes. entre tantos malucos da Turma do Veneno. Ocimar. Também costumavam fugir para cabular aula.A tendência para zombar da vida sempre se manifestou em Casagrande.” Ao se tornar uma realidade no Corinthians e começar a treinar com os profissionais. embora já tivesse estabelecido outras parcerias no âmbito particular. então levaram para a diretoria os caras mais suspeitos. atualmente chamada Professora Esther Frankel Sampaio. com o nome da diretora escrito ali. encontrou o cúmplice ideal para dar vazão a essa faceta nas concentrações do São Paulo e do Corinthians. Casão largou os estudos. em um curso supletivo. “Ele já tinha repetido de ano. Uma passagem inesquecível para Magrão. e eu nunca. A gota d’água foi quando penduraram na parede uma vassoura de piaçava. Márcio. do italiano Mario Monicelli. e com inconsequência estarrecedora. Ir ao cinema durante o horário escolar se tornou quase rotina. refere-se ao julgamento por porte de cocaína. “Havia uma coordenadora que também gostava de mim. “Numa das ocasiões. Diante da grande . vestida como bruxa. Queria ver Guerra nas estrelas. Maria Amélia. como bruxa. e que demonstra bem a irresponsabilidade moleca de Casão. “É que ela faz filme pornô. e iniciou um romance que terminaria ruidosamente por culpa de Casão. enquanto o juiz observava a explanação de Aranha. do interesse público e da parafernália montada pela imprensa em frente ao fórum. mas o Casa parecia não estar nem aí. né?”. na Radial Leste. O advogado deu bronca: ‘Estou falando sério. e pelos amigos Magrão e Claudinho. Logo que se tornou jogador conhecido. levou o amigo Marquinho para atuar como figurante. isto aqui não é brincadeira’. Vera Zimmermann e Regina Casé. Mas o Casa não se preocupava com os problemas. Marquinho fisgava a isca e tentava sempre defender a amada. em 1982. No set de filmagem. testemunhas de defesa. seu amigo conheceu Acácia Andréa. com ares de preocupação. em 1983. provocou o jogador. O desempenho como ator era sofrível. Casagrande simulava com a mão direita. “Ele adorava me colocar em situação difícil. Casagrande chegou acompanhado pelo advogado José Aranha. às costas do jurista. Eu estou me sentindo o John Lennon. só fazia brincadeiras”. qual o problema? Ela é uma garota bacana!”. perplexo ao vê-lo tão relaxado. e Onda nova. rede muito popular na década de 1980. Certo dia. Ao revelar seus sentimentos a Casagrande e Magrão. uma tarântula andando em cima da mesa. da dupla José Antônio Garcia e Ícaro Martins. os três foram comer num restaurante do Grupo Sérgio. ele achou a experiência interessante e. o dsv fechou a rua. como Carla Camurati (cuja personagem sonhava em ser “descabaçada”. Eu tentava prestar atenção nas explicações. Marquinho se apaixonou por Acácia e a pediu em namoro. Magrão. o rapaz passou a ser torpedeado. Tânia Alves. uma das atrizes. por desacato. Mas contracenou com atrizes famosas. argumentando que ela era substituída por uma dublê nas cenas de sexo. o mesmo do ex-governador Paulo Maluf. mas não dava para segurar o riso. Nesse segundo filme. dirigida por Deni Cavalcanti. já viu. me repreendeu. ele não tinha a menor noção do risco de pôr fim à sua carreira. sob risco de sair algemado do plenário. “Sim. Casagrande foi convidado para atuar em duas pornochanchadas: Procuro uma cama. perguntava ao amigo. “Nossa! Quantos flashes e luzes em cima da gente! Nós quatro estamos parecendo até os Beatles. Enquanto o doutor Aranha passava instruções a Magrão. .” O advogado os conduziu a uma sala para orientar qual deveria ser o procedimento do réu e das testemunhas. depois de abandonar as gravações. ele repetia o gesto com a mão e olhava para o lado de Magrão. e Casão começou um papo atravessado.” Até mesmo durante o julgamento.. perguntou Casão. por mais sérios que fossem. “Aparentemente. segundo suas próprias palavras. para acompanhar qual seria o desfecho da acusação criminal que ameaçava a carreira do jovem e promissor artilheiro do Campeonato Paulista de 1982. na montagem final.. quem quer ser? O Paul McCartney?”... que precisava segurar o riso. “Você vai namorar mesmo a Acácia!!!?”. ouviu como resposta. Depois de saírem juntos algumas vezes. E você. No início.repercussão do caso. relata Magrão. “Havia uma tensão no ar. Ele levava tudo na gozação. ele precisou ser dublado e substituído por um dublê em algumas cenas. pelo atacante corintiano). montado no parque da Aclimação. que contou também com a participação de Wladimir. numa das gravações do primeiro filme. Porém Casão não sossegava: “Como é a música do Sidney Magal. Como os dois se recusavam e os carros buzinavam diante daquele transtorno no trânsito. você contaria pra ele?” “Eu não falaria.. com um dilema: se você. pô.. “Mesmo se fosse um grande parceiro. soubesse que a mina de um amigo seu o traía. Às vezes o cara pode até ficar com bronca de você”. conseguiu convencê-lo de que uma Veraneio teria mais utilidade. Possesso. e se você tivesse comido a mina do seu melhor amigo?” Depois de um silêncio tenso pairar sobre a mesa.”.. tocada até hoje em rádios e boates. Naquele dia. a uma loja de automóveis. O namorado ofendido acelerou e saiu cantando pneu. seria um negócio da China se tornar proprietário. você não contaria?” “Não.. Nem deu tempo de terminar a frase. modelo usado na época como ambulância e carro de polícia (tanto da pm quanto da Polícia Civil). Casão e Magrão entraram rapidamente no banco de trás. ela o largou definitivamente. não era pra levar a sério. teve uma crise de nervos. Marquinho puxou o breque de mão.” “Mas. referindo-se à canção da cigana “Sandra Rosa Madalena”. não diria nada. perguntou. Tá vendo no que dá ser bobão? Você perdeu uma princesa. “Ah. . Ao reencontrar Casão e constatar que tudo não passara de brincadeira. “Por que você não vende esse carro e compra uma ambulância?”. Marquinho. não. que ele adorava. estarrecidas com o ataque de fúria. e se fosse assim como um irmão?” “Nãooo.“Estou numa situação complicada. Exigia que os passageiros descessem ali. o atacante sugeriu ao amigo trocar o Opala Comodoro. já disse. Marquinho subiu na mesa e provocou tumulto no Grupo Sérgio. parou com estardalhaço no meio da Radial Leste e saiu do carro. Marquinho encontrou a namorada e houve uma briga daquelas de sair faísca. Marquinho ficou inconsolável. grande sucesso no final dos anos 1970.”. disse Casão. Eles foram.”. pô! A gente gosta de zoar com tudo mesmo. Dessa forma. Marquinho encaminhou-se bufando para o estacionamento. E ainda teve de ouvir lição de moral: “Quem mandou entrar na minha pilha? Parece até que não me conhece. Com seu quase irresistível poder de persuasão. Depois de ser contido pelos amigos e garçons. Casão voltou à carga: “E se eu lhe disser que transei com a sua namorada. Instantaneamente. exasperou-se o jovem. então. Magoada e ofendida com a desconfiança infundada. um escândalo dos diabos. desde que não abram mais a boca!”. despejou o cesto de lixo dentro da pia. ingenuamente. mesmo? Aquela da pilantra Acácia Rosa Madalena.. “Vou deixar vocês dois aqui!” Mas. estragando o almoço das famílias presentes. Essa não foi a única vez que Marquinho foi vítima desse peculiar senso de humor. O amigo trabalhava na época como motorista desse tipo de veículo e.. por uma Veraneio. não foi possível desmentir aquela provocação barata.. inventada só por diversão. assim que destravou as portas do carro.. ele voltou ao volante e impôs uma condição: “Eu levo vocês embora... Aonde você quer chegar?”. respondeu Marquinho. Em outra situação. segundo o atacante. Não podia ter entrado no meu barulho!” A turma tem muitas histórias que envolvem carros. como se fosse uma arma. que lhe enviou outro Puma. Para não ser reconhecido. arrumar outro Puma. o Casa só fazia palhaçada . Casão devolveu o carro para a concessionária. e passou a impor a lei e a ordem nas quebradas. Porém o carro esportivo não comportava os quatro parceiros ali reunidos. Depois de limpar a área. por sorte. justificou-se para não fechar o negócio. A rapaziada seguiu viagem. “Passamos a madrugada sem dormir. exvereador de São Paulo que acabaria preso por corrupção. só chegaram ao destino à noite. dava tapas na lataria. circulando. “Os namorados se separavam na hora e iam embora. de tanta aceleração na serra. caindo aos pedaços!”. Um dia. modelo popular condizente com seu bolso. e com o fator surpresa. dirigiu-se a uma loja de automóveis pertencente a Vicente Viscome. parecida com carro de polícia. a Veraneio morreu em plena avenida Pompeia. “Eu estava de bermuda e chinelo. Esse tipo de viagem surpresa. Ele imaginava se divertir com aquela Veraneio verde. a gente já volta!”. divertiu-se no litoral e. O Casa já era jogador do Corinthians. e lhe disse sem rodeios: “Entra aí. Como a fama abre portas. sem ter necessariamente o significado conhecido por qualquer pessoa. objeto de desejo de quase todo jovem. comprou um Gol. Na maior cara de pau. No fim das contas. deixando só a ponta para fora. ninguém poderia imaginar algo absurdo assim. antes de estrear pelo Corinthians. no entanto. no dia seguinte. mas disfarçado. direcionava a luz de uma lanterna e bradava para os casais que se agarravam num drive-in: “Circulando. Por isso levou outro puxão de orelha..venderam o Opala e compraram o tal modelo defendido ferrenhamente pelo jogador. resolvi trocar de roupa. sem qualquer planejamento. caíamos na risada”. que ligou para o presidente. certo dia. saíram dando “blitz” por aí. relata Magrão. Casão decidiu. escondeu a chave de roda sob um casaco longo. então. passou na casa de Magrão.” Casagrande acabara de acertar a transferência para a Caldense e precisava assinar o contrato de empréstimo. Porém. levado por dois funcionários. e assustar a molecada. providenciar um hotel para a turma. você é cabeça fraca. Só depois me falaram que estávamos indo para Poços de Caldas. Ao entrar no carro do centroavante. isso não representava um problema. e manifestou o desejo de experimentar um Puma. “Claro. os amigos tinham de estar preparados para tudo. Ele não titubeou: telefonou para Viscome. no jargão típico dos tiras. Mas ele acabara de virar profissional e ainda não tinha dinheiro suficiente para comprar esse modelo. O jogador explicou a situação ao vigia. Com o braço para fora da janela. era frequente. Assim. uma frase típica dele. No meio da madrugada. junto com Marquinho. chamado Bento Gonçalves. o motor do carro dirigido por Casa fundiu na Anchieta. Para comemorar a aquisição. com o clube já fechado. à noite. “Não gostei”. Casão propôs para a galera: “Vamos para a praia?”. Casão botou um gorro na cabeça. lhe foi concedido tal privilégio. A bordo de um Fusca. Ocimar tinha um Puma conversível e. e. O motor havia despencado na rua. o quarteto partiu com dois Pumas rumo a Praia Grande.. Marquinho desesperou-se: “Olha só o que você arranjou! Maldita hora que troquei aquele meu Opala lindo por esse carro horroroso. Para o impetuoso atacante. circulando!”. um dos líderes da Revolução Farroupilha que deu nome à cidade do Rio Grande do Sul. como ele se machucou. um Chevette prata. com o chamariz de que Casagrande iria atuar. Mas somos jogadores do Corinthians e. o time de várzea de Casão. eles programaram um congresso para o hotel.. tem uma blitz. Mesmo assim. só um momento. eu não tenho carta de motorista. nos libere.por causa do nome do dirigente: ‘Bento Gonçalves em Minas? Ah. Pior: outro jogo fora programado para o dia seguinte em Manduri. a gente já volta”. o carro é do meu amigo aqui. por sua atuação na Taça São Paulo de Juniores. foram parados na estrada pela Polícia Rodoviária. passando o aparelho para Paulo Roberto. que havia torcido o joelho e estava com a perna imobilizada. as duas são amigas”. se julgava no dever de apreender o veículo e levá-los à delegacia. argumentou Casão. ex-São Paulo e Santos. ela vai dizer que é mentira”.. Por sorte. também foi vítima desse jeito engraçado de Casagrande. Casão foi e voltou dirigindo o Gol novo de Marquinho. qual é o nome da empresa mesmo? E a data desejada? Ok. porque podem pará-los lá também”. “Ah. no largo do Arouche. Sidney se torturava: como explicar tal imprevisto para a mulher. “É aqui perto. reserva confirmada!”. cidade vizinha a Piraju. embora não tivesse habilitação. vou chamar a pessoa responsável”. sem o menor constrangimento. reclamava. “Encontrei o Sidney uns dias depois e soube que o bicho pegou na casa dele. eles estavam concentrados com a delegação do Corinthians no hotel São Rafael. e houve até transmissão ao vivo da rádio local. Tereza. “Fica frio. eu falo para a Mônica explicar. perguntou. divertia-se. por excesso de velocidade. assegurou Casão. Só depois de algum tempo na estrada. a cerca de trezentos quilômetros de São Paulo. sem conhecimento da direção. ao regressar novamente a São Paulo. Depois de muita conversa. o atacante já dirigia o próprio carro. O ponta-esquerda Sidney. Porém ainda sem a carteira de habilitação. isso não existe!!!’. “Seu guarda. Cuidado. o policial gostava de futebol e já ouvira falar dele. bermuda e chinelo Havaianas. Certa vez. disse a voz do outro lado da linha. Casão ligou para o colega e avisou: “Tô passando aí. Um belo dia. tentava tranquilizá-lo Casão. . Eles estavam indo para Piraju. e Casão atendeu a ligação. você vai bater uma bola comigo!”. Por favor. assegurou o lateral. Casagrande ganhou um parceiro no futebol para praticar novas molecagens. para um jogo do Veneno. No regresso a São Paulo. conta Magrão. concordou em deixá-los prosseguir viagem e ainda deu o alerta: “Daqui a trinta quilômetros. A Tereza ainda não o havia perdoado”. jogadora de vôlei do São Paulo? “Nem vou ligar. levando apenas as chuteiras nas mãos. “Vamos ver. Sidney embarcou de camisa regata. a verdade veio à tona. Ao conhecer Paulo Roberto. assumi o volante.” Ele não se conformava de haver um homônimo mineiro do herói gaúcho. “Onde é o jogo?”. Ou seja. quando o telefone do quarto tocou. seria preciso passar a noite fora. A partida no interior havia sido comercializada por seus amigos. “Só queria confirmar a reserva para quarenta pessoas”. certo de que disputaria uma pelada entre amigos. depois de ter terminado a temporada pela Caldense. Quase um ano mais tarde. Numa outra viagem do “trio calafrio” a Poços de Caldas. porque temos treino no parque São Jorge”. emendou ele. em São Paulo. Assim. Diante da resposta negativa. Concentrado para um jogo em Salvador. o atacante combinou com Paulo Roberto de passar um trote no parceiro de infância. Até mesmo quando Casão pretendia fazer a coisa certa. como “Choquito”. . Só restou a Ocimar desfiar um rosário de palavrões. hein?”. “Abacaxi” e “Chuteira”. Algo sério. Logo na entrada. Naquela década. diziam para o gerente que. empresarial. Ocimar. numa atividade paralela. Serginho. que andava sumido. nós vamos dar uma voltinha. Ele ligou para a lanchonete de Ocimar e colocou o lateral na linha. Nada melhor. solícito. um par de chuteiras e dez quilos de abacaxi”. sabia a resposta. tudo bem? O Nelsinho já chegou? Combinamos de encontrá-lo aqui”. Marcos Winter!”. “Marcos Winter. como se estivessem à espera do colega. Mas o que se iniciou com as mais nobres intenções terminaria em confusão e fuga. enquanto ouvia pela extensão no banheiro. Casão deixava os amigos da Penha em paz. sentavam-se e consumiam. Ocimar tinha muitas espinhas no rosto e ganhou vários apelidos referentes a isso. “Resposta exata! O senhor acaba de ganhar uma caixa de Choquito. pensou ele. Casão e Paulo Roberto aplicaram o mesmo truque para sair sem pagar a conta. “Boa tarde. Mais tarde. Mais de uma vez. cada um mais enrolado que o outro. em São Paulo?”. exultante. estamos ao vivo na Rádio Brasil. criado no bairro. completou o lateral. o atacante tentou juntar o tino comercial à sua paixão pela música. concluíam a trama: “Olha. do que promover um show de Raul Seixas. quando o Nelsinho chegar. os jogadores do São Paulo gostavam de ir a um barzinho na avenida Nove de Julho. doente e decadente. Haveria de ter público fiel para ver o Raulzito. da Bahia. ainda mais com o astro fora da mídia. cujo gerente era homossexual e demonstrava grande interesse pelo lateral-esquerdo Nelsinho. sem engabelar ninguém. assinava as comandas liberando a saída. No momento em que se propôs a organizar shows e eventos. o que o deixava extremamente bravo. é claro. gritou. um de seus maiores ídolos do rock. e o senhor será premiado se responder à seguinte pergunta: qual o ator da tv Globo que é nascido na Penha. mas. impostando a voz como locutor. enquanto Casão gargalhava. falou Paulo Roberto. Ainda mais quando envolvia o pessoal da Turma do Veneno. perguntavam ao gerente: “E aí. avisa que nós vamos voltar. Ser torto na vida parecia uma sina. os fatos iam se desenrolando de tal maneira que se transformavam numa aventura arriscada.Nem mesmo quando estava longe. apostaram Casão e seus fiéis escudeiros. Futpopbolista .capítulo dezenove . realizado em 1969 nos Estados Unidos. “Havia uma característica interessante na Democracia Corintiana. O que era visto com desconfiança ou até repulsa. é capaz de antecipar solos de guitarra. se tornou tradicional ponto de encontro de integrantes do time depois das partidas do Corinthians. barreiras de importação. “Como filha de um grande corintiano.. indo de Beatles a música popular brasileira. e ela mesma uma torcedora fanática.. na avenida Faria Lima. por volta de 1975. a maioria já extinta. virou alvo de admiração com a renovação trazida pela Democracia Corintiana. o escambau. com precisão. que era a proximidade entre as faixas etárias de jogadores e dirigentes. Naquele tempo. convivendo com estudantes e jovens de sua geração. havia censura da ditadura militar. também o influenciaram profundamente. Parecia ser um bom caminho para combater o velho estigma de que jogadores de futebol frequentam puteiros depois dos jogos. frequentava cineclubes e salas do circuito alternativo paulistano. Em busca de informações sobre produções estrangeiras. na época de Vicente Matheus e seus asseclas. as novidades demoravam a chegar. Sócrates e Wladimir fazendo parte do espetáculo”. destaca Olivetto. Também adora blues. na rua Bela Cintra (região da avenida Paulista). Ele domina. feitos por almas atormentadas. dando a autoria de cada um deles. e abrir perspectivas para os atletas descobrirem um universo mais atraente.” As cenas da juventude rebelde no festival de Woodstock. Um conhecimento adquirido a partir da pré-adolescência. coisa que praticamente não havia acontecido antes no futebol”. quando esperava com ansiedade o lançamento. convidado por Adilson Monteiro Alves para ser vice-presidente de marketing do clube. incluindo camisetas com estampa de astros do rock. ao colocar uma música para tocar. Foi além: planejou estender aquele interesse cultural para o restante do time. Curte os roqueiros nacionais e se tornou amigo de vários. Um barzinho especializado em rock. de lps e álbuns de vinil dos seus maiores ídolos. como ac/dc e Black Sabbath. Tem preferência por sons pesados. E ela os chamou até o palco. Jimmy Hendrix. não havia a velocidade das informações pela internet e a cultura digital. Fiquei maravilhado. naquelas cenas famosas com Casagrande. no Brasil. Além disso.. a história e a formação dos grupos e. bateria. Ao se tornar atleta profissional. O publicitário Washington Olivetto. lembra Olivetto. baixo.. Os três dançaram e . com fascínio especial por Eric Clapton. como Jim Morrison. estratégias comerciais das gravadoras para o mercado fonográfico internacional. ou bandas de metal. “A primeira vez que vi Janis Joplin em ação foi num cinema desse tipo. embora seu gosto musical seja vasto. Olivetto articulou a aproximação do casal com o time do Corinthians. sugeri à Rita Lee convidar a rapaziada para o seu show. um lugar-comum embasado na realidade.Casagrande é fã de rock desde que ouviu pela primeira vez aquela batida vigorosa e se encantou com a atitude desafiadora de seus ícones. Janis Joplin. encarou aquilo como algo positivo e percebeu que poderia virar uma marca de Casagrande. Amigo de Rita Lee e Roberto de Carvalho. Casão destacava-se dos demais tanto pelas conversas recheadas dessas referências musicais quanto pelas roupas inspiradas na moda hippie. Tudo tornava o acesso mais difícil. Waldemar Pires. será uma honra”. no Morumbi. Mas o recado já havia sido dado. feita pelo Osmar Santos. mas tocou especialmente Casagrande. O Doutor também se esquecera. o refrão “Meu amor. necessariamente. Numa tacada de mestre. mas somente quando já estavam na plateia Casão se lembrou desse detalhe. Mas. . A principal foto era a dele de costas. que tinham conotação de rock and roll”. O presidente do Conselho Nacional de Desportos (cnd). A iniciativa causou preocupação ao regime militar. conclamando a população a comparecer às urnas para eleger o governador do estado. numa promessa cumprida pelo artilheiro no segundo jogo da final do Campeonato Paulista de 1982. define Olivetto.. Casão olhou ao redor e viu um rapaz vestido com o uniforme do time. e logo em seguida começaram a aparecer empresas interessadas em explorar o espaço publicitário. destaca Olivetto. Talvez ele tenha sido o primeiro futpopbolista do Brasil por suas atitudes.cantaram. um roqueiro por excelência. ao Rio de Janeiro. “Você só pode estar de sacanagem. Eles iriam se encontrar diversas vezes e selar uma amizade que o influenciaria dali em diante.”. É o que eu chamo de futpopbolista. ao lado da estrela. a fim de proibir o uso da camisa em campanhas políticas. ressaltando o talento do atacante para a comunicação de massa. trouxe o presente da Rita?”. assim como Wladimir. vote em mim”. convocou o presidente corintiano. rebateu. aceitou ajudar: “Se é esse o motivo. na vitória por 3 a 1. para demonstrar às empresas a grande exposição proporcionada pela camisa do Corinthians — um tipo de marketing até então desconhecido por aqui —. “Pô. por favor. Ao ver os três principais jogadores da equipe ali. o torcedor pensou que estivesse enlouquecendo. A parceria com Rita Lee e Roberto de Carvalho agradou a muitos corintianos. contra o São Paulo. depois de tantos anos sem eleições. Eu tenho essa gravação até hoje em casa”. Era a única saída: ele o abordou e lhe pediu a camisa. A imagem de roqueiro colou em Casagrande e fez com que um grande contingente de jovens se identificasse com o atacante corintiano — e não. Casão até homenageou a rainha do rock nacional com o célebre “Gol Rita Lee”. ao ouvir a explicação. Tirou prontamente a peça e ficou sem camisa. Casagrande e sua veia roqueira ajudaram a chamar a atenção da juventude mais ligada em música para a luta pela redemocratização do país. pois o time era nitidamente associado à oposição.. “O Casagrande é o precursor de um personagem que começou a se materializar fortemente na Europa a partir do Ronaldo Fenômeno. música escolhida justamente por fazer referência a voto e remeter à ideia de democracia. Nesse show no Ibirapuera. “Há uma narração inacreditável desse gol. Olivetto colocou a mensagem “Dia 15 vote” nas costas do uniforme alvinegro. brigadeiro Jerônimo Bastos. cruzamento de jogador de bola com ídolo do pop. Magrão. empolga-se Olivetto. “O grande destaque da utilização daquela camisa foi o Casagrande. Como também se destacava por ser politizado. inclusive melhor do que a do Sócrates”. perguntou para Sócrates. apenas torcedores do clube. eles haviam prometido levar uma camisa do Corinthians para dar a Rita Lee. lhe fazendo um pedido tão insólito. marcado para uma semana depois. o atacante encontrou-se de duas a três vezes por semana com Raulzito para amadurecer o projeto. houve até o lançamento de um disco do cantor. Casão resolveu ingressar no universo do show-bizz. “Por isso mesmo! Há um interesse reprimido do público”. um dos antigos sócios da fwm teve a ideia de sortear uma moto para a plateia no dia do espetáculo. então quero fazer um show do Raul Seixas”. Então. a empresa passou-se a chamar Casagrande Produções. onde haveria um campeonato de motocross. cuja família é de Marília. com gente jovem de vários lugares do país e uma população com poucas opções de lazer. entrou em acordo com uma concessionária e a levou em consignação. O fiel escudeiro Magrão. perceberam que haviam cometido um grave erro: a reserva do ginásio não coincidia com o evento de motocross. Simone. A sugestão foi prontamente aprovada. Ele conheceu os donos da fwm. com prato. do rock com cara de bandido. na boate Gallery. a divulgação fora feita e. começaram a fazer divulgação por cidades de toda a região. Oriente etc. não se cheirava em banheiros ou carros. A dificuldade de acesso iria afugentar muitos potenciais espectadores. como Bauru. Os usuários seguiam todo um ritual. Nada disso. Na esperança de contornar o problema e atrair público. No ano seguinte. ponderou um dos parceiros envolvidos no projeto. . como mais tarde se tornou comum. Sandra de Sá com Tim Maia na quadra da Rosas de Ouro. decretou ele. Quando se aproximava o grande dia. Casão compareceu e saiu algumas vezes. Ele já não estava bem. e entrou como sócio. faltava só arranjar um local apropriado para o show. teve um estalo: levar o show para a cidade do interior paulista.. mas foram 2 mil. conta Magrão. a moto seria paga posteriormente. “Nunca usei cocaína na frente do Raul. Mas existia um problema. e eu não queria instigá-lo. maestro e agente de Raul. De cara. fã declarado do pioneiro. em São Paulo. Representantes da produção viajaram para lá e alugaram o ginásio do Campus Universitário de Marília. Nesse ínterim. o jogador corria até seu escritório na Faria Lima para cumprir todo esse processo. Não dava para pagar nem o Raul Seixas. E não havia mais como mudar. amante do rock e com desejo de transformar o mundo. embora saiba que o álcool e as drogas fizeram parte de sua vida até o final.. sorrateiramente. quanto mais o ginásio. Porém sem dinheiro para comprá-la. e voltava “ligado” ao Gallery. organizou a festa do título paulista de 1982 no parque São Jorge. Com a arrecadação da bilheteria. Estava tudo amarrado: o ginásio encontrava-se indisponível na data pretendida. “Esperávamos 5 mil pessoas. com capacidade para 5 mil pessoas. Naquela época. Raul Seixas já se programara. agência de eventos em dificuldade financeira. no país. para cheirar cocaína. “Mas ele não aparece em lugar nenhum”. Durante seis meses.” Depois de entrar em acordo com Miguel Cidras.Ídolo pop. “Eu sou roqueiro. o hotel e a moto”. Tupã. Bateu desespero. e o novo dono idealizou a realização de um espetáculo musical para tentar levantar o negócio. principalmente. gilete para bater bem o pó e canudinho. concluiu. Pior ainda: não existia linha de ônibus aos sábados à noite para a universidade. Algumas opções entraram em discussão: Fagner. assim como todas as despesas do show. Em seguida. amigo de Rita Lee. lhe perguntou entredentes: “Você sabe o que está se passando. que deu o bilhete a uma amiga sem lhe explicar devidamente o plano. O organizador responsável pela marmelada. deu um tapa no copo e anunciou: ‘Não canto mais!’. um copo de uísque. seria preciso devolvê-la à concessionária. “Conseguimos escapar. que já se enturmara na cidade. mas o circo já estava armado e ele acabou cedendo. enquanto os espectadores protestavam e pediam bis”. Assim um papelzinho foi tirado da caixa e o número. Minutos depois. né?”. Assim. ele cantou por menos de meia hora. Saiu do palco. “Ele cantava uma música e parava pra tomar uísque. surpreso. Ainda havia o problema da moto para resolver. diz Magrão. que não tinha nada a ver com a confusão. Àquela altura. Para piorar. previamente escolhido. A resposta caiu como uma pedra: “Claro. impaciente. “Ainda tentamos convencê-la a não ficar com a moto. inclusive. Desnecessário dizer que Raul estava pra lá de Bagdá. Levou para o palco.. encontro gente que ainda se lembra desse show”. o mesmo sócio que idealizara o sorteio da moto preencheu na hora um “cheque voador” e o entregou ao cantor. eu ganhei a moto!”. muito bêbado — na melhor das hipóteses —. quando visito minha terra. Seguiu-se uma longa e extenuante negociação. ela era filha de um promotor público de Marília”. Até hoje. Mas ninguém se manifestou. O amigo de Casão designado para arrumar a tal moça repassara a tarefa para um morador da cidade. então. cinco. tira outro número!”. Ele pediu a outro amigo de Casagrande. Repetiu-se o número. embora com indisfarçável contrariedade. Ela entregou o bilhete “premiado” e foi convidada a comparecer em seguida ao camarim. relata Magrão. pegou as coisas e fugiu da cidade às pressas. a vencedora apareceu nos bastidores com um grupo de oito amigos. O show começou com uma hora de atraso. pois estava concentrado para o jogo contra a Portuguesa. Raul queria dinheiro vivo. O astro avisou que não entraria em cena se não recebesse o cachê adiantado. com pompa e circunstância: “oito. quando surgiu uma moça. pulando de alegria no palco. entrou na perua e voltou para o hotel. e nada. A imprensa local dizia que o Casagrande havia dado chapéu em Marília. mas não ficaria com a moto. o pessoal da produção voltou rapidamente para o hotel. O autor da ideia. três!!!”. a menina subiria ao palco como a vencedora do concurso. A tensão dominava os organizadores. Mais enroscado do que disco velho de vinil. resolveu apelar para uma fraude. Diante do risco de um escândalo dos diabos. para combinar com alguma garota um jogo de cartas marcadas. A 440 quilômetros dali...O clima de tensão aumentou com a chegada de Raul. A confusão aumentava cada vez mais. mas a polícia fechou a estrada e parou o Raul Seixas. feliz da vida por ter ganhado a moto. Ele nem pudera ir ao show no sábado à noite.. para ludibriar o público. mas não houve jeito. ou a garota não entendeu direito a maracutaia. conta Magrão. o público já reagia com irritação. anunciado para a plateia. no . como se tornou praxe em sua fase de decadência e alcoolismo crônico. para prestar esclarecimentos. Ele chamaria o número referente ao bilhete entregue a ela. se invocou com a plateia. Casagrande também nada tinha a ver com esse rolo todo. Sem dinheiro. Alguns espectadores gritaram: “Essa pessoa já foi embora. com seu estilo peculiar. ele manifestara a intenção de passar uma cantada na estrela. Porém. E lá foram eles. desenvolvia tanta intimidade que chegava a ir aos shows no ônibus da própria banda. Barão Vermelho etc. Casão repetia o jargão: “E aí? Tá legal. Era frequentador assíduo de shows e. gostaria de conhecê-lo. Depois desse dia. a um show da Blitz. o cumprimentou assim: “E aí? Tá legal. Magrão e a namorada dele. ao longo dos anos. nós vamos perder nossas namoradas!”. insistiu Magrão. ao final. Ao ver o sinal negativo dos parceiros. vocalista e líder da banda. Antes de ir para o Anhembi. que estourara com o hit “Você não soube me amar”. Casão logo percebeu que as coisas não tinham ido bem no interior. essa mina é demais. tão cedo. sentia-se quase como integrante do grupo. Ao vê-los ali. Casão entendeu o recado e caiu na risada. gostava de visitar camarins e fazer amizade com os músicos. “A gente as encontra depois. Denise e Silvana foram ao banheiro. embora. Todos assistiram ao show no Anhembi e. Por isso a ausência da namorada naquele instante vinha até a calhar. educadamente. Mais do que isso. Nessas ocasiões. No meio da partida. bem-humorada e cheia de significado. ponderou o amigo. como já ocorreu com Titãs. fica frio”. Casagrande teria seu grande momento de ser apresentado à musa da Blitz. convidou Magrão para ir junto ao camarim. “Cara. por quem sentia atração. seus amigos chegaram ao Canindé. antes de conseguir conquistar Mônica. por conta do apoio dado à Democracia Corintiana e à campanha pelas Diretas Já. mas simples. com os olhos vermelhos e recendendo a maconha. por quem nutria grande simpatia e até afinidade. cara!”. Em 1983. o atacante abriu o jogo: “Eu preciso falar com a Fernanda. sempre que encontrava um amigo “maluco”. garotinho?”. local do espetáculo. mas travou na hora . Casão se animou e. Enquanto esperavam as garotas. política e futebol fazia parte de seu dia a dia. encontrou-se com o locutor Osmar Santos. ele esfregou as unhas da mão na camisa — o típico sinal de “sujeira”. hein. A forma como ele viria a saber das encrencas em Marília foi a mais estranha possível. ou pelo menos demonstrar seu interesse. A mistura de rock. decidido. não perdia a chance de manter contato pessoal com os artistas. desde que não estivesse concentrado ou jogando pelo time. um deles assobiou da arquibancada e gritou “Wartão!!!” para chamar sua atenção. E se esforçou para se concentrar apenas no jogo. Logo na entrada do show. batia ponto nos espetáculos. Com ar interrogativo. garotinho?”.domingo de manhã. Às vezes. Osmar percebeu seu estado alterado. Mas. Casão queria aproveitar a oportunidade para conhecer Fernanda Abreu. uma pessoa da produção da Blitz avisou o atacante de que Evandro Mesquita. No caminho até o camarim. sempre que podia. “E as meninas?”. vocalista e parceira de Evandro Mesquita na banda. fumara um baseado e encontrava-se chapado. não tenha comentado isso de forma aberta para não constrangê-lo. Mesmo quando não tinha proximidade. hein. Ao vê-lo. no jargão da malandragem — como que perguntando se algo havia dado errado. Silvana. ele foi com Denise (sua primeira namorada). Nem precisava dizer mais nada. algo do gênero. trocar telefone. na hora. com seu habitual descompromisso. só levou as mãos à cabeça. respondeu. Uma forma de comunicação cifrada. como costumavam ser as frases do genial Osmar Santos. Depois de cumprimentar o vocalista. foram ao estacionamento conferir se o carro ainda se encontrava lá. tripudia o amigo de infância. e você chega lá e não fala um ‘a’? Tenha dó! Agora. “Escolhíamos pela letra e íamos visitar as melhores. para homenagear os dez anos da morte do ex-integrante do grupo. As duas haviam rodado o Anhembi inteiro e. e falou em tom imperativo: “Vai lá e pega o telefone daquela mina ali pra mim”. colocou essa prática de lado. “Que nada. acertávamos na mosca! Quando nos decepcionávamos. ele se virou para um amigo. largamos nossas namoradas pra você tentar engatar algo com a mina. Era o baterista Peninha. “Você tá louco? Ela está com um cara. Pediu a seu acompanhante que fosse buscar uma bebida e.” Um pouco mais velho. Só que ele mesmo não tivera coragem de fazer a abordagem. elas estavam paradas ao lado do Jipe. claro. Como quase sempre acontecia. sempre foi fraco. Magrão não se cansa de jogar na cara de Casão que. meu. embora tímido para tomar a iniciativa da primeira abordagem. dirigindo-se ao companheiro. Até a Mônica. “Tá vendo? Eu não disse? Sou malandro. pô. vamos enfrentar a fúria das garotas. Dito e feito. eu tive de dar um jeito de aproximá-lo dela. já chegou “travado” ao Anhembi. Quase sempre pedia auxílio a um de seus camaradas para se aproximar da mulher desejada. se não fosse pelos velhos camaradas. “Quando aparecemos. Com dezoito anos. Casagrande sempre acabava se dando bem nesse terreno. . já saía com as mulatas do Sargentelli e as chacretes do programa do Velho Guerreiro. Ele estava a caminho. numa bronca danada”. fustigou Casão. os integrantes do Barão se dirigiram ao camarim. Logo que chegaram à casa de espetáculos. aproximou-se de Casagrande e lhe passou rapidamente o número do telefone dela. Ao saírem de lá. Também abria. que devem estar nos procurando feito loucas e. Apesar das espetadas de Magrão. tão logo ele se afastou. vamos juntos para o show. olha só. Ao saber que se encontravam próximos do ginásio. e você é um puta otário!”. aparentemente namorado. as centenas de cartas que as fãs lhe enviavam. “Eu é que cantava as meninas pra ele. Mas nem em todos os shows Casão sentia-se tão descontraído assim. Ouvimos um sermão interminável”. vai pegar o telefone dela!” Ajuizadamente. como vou chegar assim?”. combinou. a vida sexual e afetiva do atacante corintiano teria sido um fiasco. O problema era que a garota estava acompanhada por um sujeito. Algumas vezes. o percussionista fez o convite: “Nós passamos para pegá-lo. Márcio não se atreveu a entrar nessa roubada. só fazíamos um agá. acena pra gente”. Magrão o cobrava pela timidez: “Pô. quando o celular tocou. Estaciona aí mesmo e. E assim foi feito. e os shows se tornaram o ambiente preferido para iniciar paqueras. a mina tá dando bola pra mim. Márcio. Essa falta de coragem para abordar as mulheres sempre o acompanhou. quando vir uma van. rebateu o parceiro. Nessa área. “Depois você me liga”. Só se dava bem por causa da fama”. No “Tributo a Cazuza”. lembra-se Magrão. e especialmente por ele próprio. A certa altura. com a ajuda do amigo Ocimar.H. Porém a própria moça resolveu tomar uma atitude. a menina ficava feliz e íamos embora. Isso aconteceu numa apresentação do Creedence em São Paulo. apresentação do Barão Vermelho em 2000. Soltou um elementar e reprimido “Oi!”. lia e selecionava. o Chacrinha. com um grupo de amigos. sem achá-los. ele recebeu a visita de Casão às sete horas da manhã. já supondo que alguém teria a ideia de registrar sua presença ali. apenas pensei: ‘Não vou. Os caras eram meus amigos. à medida que a dependência se agravava. mas para dissolver cocaína. insistiu Duda. frequentam as respectivas casas e já viveram aventuras capazes de deixar até os carecas de cabelo em pé. diz Casa. “Bota água pra ferver”. que se comprometera a sair logo em seguida para assistir ao espetáculo. entrei no banheiro de novo. “A gente pega só daqui pra cima. Carlini passou a zelar mais pela saúde. ingenuamente. para divulgação. Os dois são amigos de longa data. quando estou louco. é tirar fotografia”. Havia levado uma porção com ele. pediu o ex-jogador. num hotel da boca do lixo de São Paulo. enquanto o músico tentava despertar por completo. Foi acordado pela insistência do amigo em bater à porta. por acaso. abriu o jogo. Além de ser falta de respeito e consideração. O encontro. Tentou. Ao constatar que a água não seria usada exatamente para fazer café. os músculos da face contraídos. não tiro uma foto agora nem por um caralho”. a seu modo. O destino de Carlini era o mesmo: dirigia-se ao quarto do maestro e agente de Raulzito. “Daqui pra cima que é pior. alertar o companheiro sobre os perigos daquele caminho que já percorrera em outros tempos.” Quando faltava uma hora para o show. mas sem grande poder de argumentação. mordendo o próprio lábio pelo efeito da droga. logo avisou: “Uma coisa que não suporto fazer. um momento superbacana. Porém. em Marília. embora mantenha o visual transgressor de sempre. “Mas eu fiquei mais algum tempo ali. O dia em que os dois se conheceram nunca será esquecido. Na hora. Em plena “trip” saudável. Frejat deu pessoalmente o ingresso para Casão. diante da situação”. “Ele se sentia impotente. no estado em que estou.. foi um puta ato egoísta. Casão chegou a receber conselhos até de Luís Carlini. depois de ter confirmado presença. ele tomou um susto. e bateu paranoia. muito doido. E. Estava no hotel com o Frejat. “Uma mancada clássica minha foi num show do Barão Vermelho no Via Funchal. pô!”. e até mesmo as carnes vermelhas. Ao se reencontrar com Peninha.. o Peninha e o Duda.. legendário guitarrista do Tutti Frutti na década de 1970. a se preocupar tanto com o corpo quanto com a mente. “Meu. penitencia-se. Casão havia ido até lá para se encontrar com Miguel Sidras e contratar o show de Raul Seixas — aquele conturbado. desvencilhou-se Casão. se deu dentro de um velho elevador. não pôde posar para a foto histórica. Mal ele acabou de falar. apontando. Riscou as drogas e o álcool do cardápio. Houve outras furadas piores por causa da droga. Durante o . não queria passar recibo. o pessoal do Barão se despediu e partiu rumo ao Via Funchal.enquanto Casão foi para o banheiro cheirar mais cocaína. Só que eu ia ao banheiro do saguão para cheirar. apareceu o produtor Duda Ordunha disposto a tirar uma foto deles juntos. assim.. conversando numa boa. foda-se!’. Parece até piada: um símbolo dos anos mais loucos do rock nacional tentou colocar Casão nos eixos. pelo histórico dele. por não se sentir em condições de aparecer em público. irrompendo sala adentro. Simplesmente não consegui ir. Com as pupilas dilatadas. Na fase ainda mais aguda da dependência química. certo dia. a altura do peito. pô!”. Casão já faltou a vários espetáculos de artistas amigos.”. Essa é a desculpa oficial. saudou o guitarrista. né? Sou seu fã pra caralho”. “Você é o Carlini. Uma resposta que ele procura até hoje. grupo fundado por Carlini. que fez grande sucesso com Rita Lee. O sol batia na janela. com a esperança de aprender seus mistérios com um grande mestre. enquanto o som tocava na sala: “Mais uma dose? É claro que eu tô a fim! A noite nunca tem fim. Não era só um elogio educado por uma questão social. Os Mutantes e Tutti Frutti. explica Casagrande. Certa manhã. decidiu ligar diretamente para um dos autores da música. Virado. mas um autêntico pedido de socorro.percurso do vagaroso elevador. ele se entusiasmava com Raul Seixas. “Fala. por que a gente é assim?”. convenhamos. tocando mundo afora. houve o contato. literalmente. Telefonou para a casa de Frejat. reconhecendo o centroavante do Corinthians. chegou a comprar uma guitarra profissional preta. respondeu o jogador. destruindo o instrumento ao final de seus shows —. por que a gente é assim?”. e seu “aluno” também tem compromissos com a tv Globo que dificultam a conciliação das agendas para um aprendizado musical regular e sistemático. perguntou à queima-roupa: “Frejat. a probabilidade de Carlini transmitir seu virtuosismo a Casagrande é a mesma de o ex-jogador ensinar o roqueiro a fazer gols de bicicleta. Gibson Les Paul. e ao ouvir a voz do cantor do outro lado da linha. “Queria mesmo uma resposta para entender essa nossa compulsão”. em grande medida pelas performances avassaladoras de Pete Townshend — que arrebentava a guitarra. não conseguia parar de consumir cocaína e tomar tequila. no Brasil. lembrando-lhe que já era outro dia. Carlini não foi o único ícone do rock a se sentir impotente em barrar a escalada de Casão rumo ao inferno. Esse episódio não foi uma gozação. Porque. Ele tinha verdadeira adoração pelo Tutti Frutti. O cantor deu uma risada um tanto amarga e emendou: “Eu também nunca consegui descobrir isso…”. nosso herói foi tomado por sensação de culpa e insatisfação. Ao se ver retratado naquela canção. não perdeu a oportunidade de iniciar uma amizade que perdura até hoje. Portanto. no Rio de Janeiro. Mas o projeto não deu muito certo. Casão!”. baby. Se entre as bandas estrangeiras Casão tinha profunda admiração pelo The Who. Recentemente. . Carlini sempre põe o pé na estrada. capítulo vinte .História sem fim . Recentemente. suando a camisa na competição incessante de cada dia. pais e filhos. shows. Já marcou gol contra. calmantes e estimulantes desde seu surgimento na face da Terra. mostra coragem para assumir seus erros e buscar corrigi-los. “Dentro desse universo. assumir um discurso reacionário contra ídolos do rock. O uso de drogas normalmente é consequência de desequilíbrios químicos do organismo. Mas. Essas últimas se revezam na função de acompanhantes terapêuticas. o serviço prestado pelo craque é inestimável. psicose. mas sem renegar a própria personalidade. ninguém é normal”. Nesse aspecto. Ao contrário. afetivos e emocionais. não uma peça manipulada no tabuleiro de xadrez. “Ninguém está imune” é a sua convicção. passa a reproduzir frases feitas e a rezar por uma cartilha rasa e préfabricada. Encontra-se incrustado na alma e no metabolismo de cada um. Ainda há grande preconceito em relação a distúrbios mentais e sequelas psicológicas. restaurantes. o ajudam a lidar com os problemas da vida cotidiana e lhe fazem companhia em qualquer lugar. seria mais prático virar as costas para a sua história. e isso basta para Casagrande seguir em frente. Não se trata de coisa de bandidos. reuniões. a humanidade faz uso de alucinógenos. um dos compositores que influenciaram a formação de Casagrande. Sabe que é o senhor do destino. tomou cartão amarelo — por pouco não foi expulso de campo — e viu seu maior parceiro ser derrotado pelo álcool. Podem encontrá-lo tanto em casa como ir com ele a bancos. ressalta o ex-atacante. Desvendou-se por inteiro. e três psicólogas que lhe dão suporte no dia a dia. em setembro de 2012. como ansiedade. quase metade se tornou dependente. Desse total. Ele tem consciência de que o mal não vem de fora. Foge ao estereótipo do viciado que. ele ficou impressionado ao tomar conhecimento de uma pesquisa divulgada pela Universidade Federal de São Paulo. Sem esquecer que o álcool e os medicamentos vendidos em farmácias também são drogas”. Quando a casa caiu. pelo mau exemplo dado à juventude. Atualmente. com sessões uma vez por semana. o que impede muita gente de assumir a doença e buscar ajuda especializada. tão citadas nesses casos. Mas essa visão simplista não faz parte de seu ideário. Jamais caiu na tentação covarde de atribuir seus tropeços às chamadas “más companhias”. Casão tem uma psiquiatra. “de perto. há desde jovens à procura de aventuras e experimentações até adultos em busca de alívio para seus tormentos. Afinal. como diz a música “Vaca profana”. Nessa partida renhida. profissionais de sucesso. em pleno Domingão do Faustão .8 milhões de brasileiros consumiram cocaína ou crack no período de um ano. ou seja. segundo a qual por volta de 2. Atinge tanto marginais e desvalidos como estudantes. de Caetano Veloso. depressão. O que não deveria causar estranhamento. e desmistificar o uso de drogas. depois de ser flagrado e se submeter a tratamento. Uma . Existe o medo de ser tachada de louca. teve lesões sérias e quase perdeu a vida. Sofreu danos físicos. ou posar de vítima de traficantes para comover a opinião pública. de patologias psíquicas que se manifestam das mais diversas formas.A bola ainda está em jogo. pânico. Ele teve o mérito de entrar nas casas das famílias de todo o Brasil. contando em detalhes sua saga e alertando para o perigo a que todos estão sujeitos. Em bares e restaurantes.. que rezam por ele.prova de humildade do ídolo diante do risco de recaída. Recebe excelente salário da tv Globo e leva vida de classe média alta: mora sozinho num apartamento confortável. presencio constantemente o carinho com que é tratado pelo público. mas que se mostrou um aliado de peso durante a fase mais crítica — em uma rodinha de amigos. expõe as entranhas de seu inferno particular com raro despudor. atribui tanta popularidade à sinceridade desconcertante do antigo craque. até de forma ingênua. inicialmente as pessoas imaginavam. mas com recursos acima das possibilidades da maioria da população brasileira. pois pode-se controlar os sintomas dos distúrbios psíquicos com medicamentos e terapia. Sobre isso. especialista em comunicação de massa. na zona oeste de São Paulo. a necessidade de reabilitação dos dependentes químicos. Sem ostentação ou esbanjamento. em escala nacional. por meio da mídia. Nas ruas da Pompeia e da Vila Madalena. E esse talvez seja o traço mais marcante de sua personalidade: o de ser autêntico. o ídolo desperta manifestações de admiração por onde passa. faz um apelo à compreensão das famílias com os usuários de drogas e chama a atenção das autoridades para um drama subterrâneo. sempre é abordado para tirar fotos com fãs das mais variadas faixas etárias e escuta palavras de incentivo. Desde senhoras religiosas. Casão!”. Em nossa convivência. uma marca”. desde a época de jogador. ao contrário. que essa sinceridade poderia lhe ser prejudicial como comentarista na tv. a jovens e pais que se identificam com seu problema. é exatamente a honestidade absoluta. A sua lição de vida serve como farol à população em geral. e uma das coisas que ele destacava era a absurda sinceridade. “Uma qualidade que o Casagrande sempre teve.. O tratamento é o melhor caminho. “Outro dia. motoristas chegam a reduzir a marcha ao vê-lo andando na calçada para gritar saudações desse tipo: “Você é o cara.” . Agora defende a criação de uma rede pública de atendimento médico. paga pensão à ex-mulher e adora comer fora. Embora não deixe de ser arriscado. nessa área crucial. virou um grande patrimônio dele. Mas. A dependência precisa ser encarada como uma questão de saúde pública. A postura transparente foi fundamental para conquistar o apoio de muita gente. encontrei o Galvão falando bem do Casagrande pelas costas. Ele entende ter cumprido seu papel ao combater o preconceito e preconizar. O seu caso leva luz a um tema delicado. sustenta e apoia financeiramente os três filhos e os pais. Ao mostrar que nem um ídolo está livre de cair no abismo. incluindo molecagens e brincadeiras irresponsáveis da juventude. por onde costuma circular. Gozado. analisa o publicitário. Washington Olivetto. ainda encarado como tabu. É verdade que Casagrande tem condição econômica privilegiada. embora sem luxo. não como caso de polícia. é justamente isso que comove a maioria das pessoas. Assim como assume com naturalidade passagens de sua vida que poderiam lhe trazer censuras e constrangimentos. ampla e confiável. Olivetto revela um elogio feito pelo locutor Galvão Bueno — com quem Casão já teve rusgas no passado. de alguma maneira. são os que fazem a história. com aquele lutador de boxe que é muito bom. às vezes considerados perdedores pela sociedade. mais ainda. até manifestou disposição de deixar de beber e entrar na fila para transplante de órgão. Além disso. com uma recuperação sensacional. mas sofre uma queda. Nós nos emocionamos. Esse é um lado preocupante.. quando essas duas figuras nasceram. os dois viveram intensamente e produziram um momento único na história. Não é pouco. Juca Kfouri defende a ideia de que são pessoas assim que levam o mundo a evoluir. sem chance de virar o jogo. um anjo torto cochichou em seus ouvidos: “Vai ser gauche na vida. meus amigos. porque achava que o amigo devia assumir a gravidade da doença para buscar tratamento intensivo e apoio psicológico. Quando foi internado em estado grave. E ambos seguiram seu destino com alegria. “A maneira digna e corajosa com que ele enfrentou seu problema. que ultrapassou os limites do esporte para interferir na política da nação e até influenciar os costumes de uma geração — não só de torcedores alvinegros. diz Olivetto. volúpia e genialidade. partiu sem reconhecer a dimensão do alcoolismo que o destruía: assegurava não ser dependente e se achava capaz de parar de beber a qualquer hora. Sócrates não teve a mesma sorte. meus pais. mudar de rumo”. apesar de admitir os perigos e excessos cometidos. que recorre a uma imagem do pugilismo para traçar um paralelo. embora paguem um preço pessoal alto por isso. “Quando olho para trás. Como diria o poeta Carlos Drummond de Andrade. na última delas para morrer. mas logo vieram outras crises. mas consegue se levantar e ainda fazer o nocaute no final. Ao melhorar e receber alta. “O ser humano gosta de heróis. A recuperação do Casagrande foi sensacional porque.”.Tal característica desmonta qualquer um. sem sofrer abstinência. De qualquer forma. Sabe que foi uma das peças responsáveis pelo surgimento de um novo Brasil e se orgulha por ter dado a cara a tapa. Casagrande mostra que. está longe de soar como um muro de lamentações. Jamais houve um time como o da Democracia Corintiana. Afinal. Apesar da morte precoce de um e da queda quase fatal do outro. reconhecendo e superando todas as dificuldades. O fato de Sócrates negar o vício irritava Casagrande. Sem se gabar disso por aí. o Doutor consumiu-se silenciosamente. teria deixado meus filhos. foram necessários meses de isolamento numa clínica até que Casão admitisse a dependência para si mesmo. no íntimo. não me arrependo de nada. ele precisou voltar ao hospital mais duas vezes. Aí entra o egoísmo. deu um exemplo público. além de tudo. poucas pessoas chegaram a fazer tanto em tão pouco tempo. Em retrospectiva. Talvez por não ter passado por uma experiência tão dramática como a de Casão. só aumentou a admiração das pessoas”. seu fígado já estava irremediavelmente comprometido. Quanto ao uso de drogas. não se pode falar que nenhum deles tenha desperdiçado a existência. Se estivesse morto. tem essa consciência. e depois outra. pois falo isso porque estou vivo. afirma..” Nesse ponto.” . Acreditava ser a única salvação. “Esses caras que escolheram ser gauches na vida. com delírios e overdoses. mas saindo fora do esquadro. Sempre esteve na linha de frente dos acontecimentos. Depois de um breve retorno com a noiva.. a beleza do quadro é radiante — os tons sombrios e as pinceladas mais pesadas até ajudam a lhe conferir profundidade. Casão já pintou o sete e. a consciência do problema. Sem contar o fator genético. sob o risco de pirar definitivamente.. “Como já entrei em surto psicótico. Chegou a ser internado pelo próprio filho. terá de andar somente com as próprias pernas. sem dúvida. Até mesmo porque os campeões envelhecem. os cuidados dos filhos. poderia ser um fator de desencadeamento de uma nova crise. em busca de novas conquistas e emoções. Para quem vê a vida tal qual arte. não se sabe. No todo. Meu lado rock’n’roll me faz sentir orgulho: fui louco pra caralho. com doze. Além disso. A questão de Casagrande é mais complexa. quando saía para brincar com os amigos na rua. Não posso usar mais nenhum alucinógeno. Respeita a decisão de cada um. à distância. uma roleta-russa em que nunca se sabe qual será a consequência. é uma figura pública. continuará completando a sua grande obra com novas tintas.” Casão evita dar lições de moral aos amigos. Solteiro. o pai muitas vezes se tornava agressivo. Quando e como concluirá o trabalho. relaciona-se com muita gente. Mas que já fez o suficiente para entrar na galeria dos imortais. o carinho dos fãs e a determinação de atleta. A seu lado estão o indiscutível amadurecimento. pelos mesmos tormentos que eu vivi. . Ao mesmo tempo. O pai de Casagrande já enfrentou sérios problemas com álcool.Há duas percepções antagônicas em relação a seu estilo de vida. tinha o cuidado de voltar para casa a cada hora para verificar se ela estava em segurança. “Sou ambíguo nessa questão. vive em ritmo intenso. “Quero alertar sobre o perigo de alguém se tornar dependente. Uma aplicação já pode levar à morte. certamente. Não gosta nem de passar perto de ambientes com fumaça de maconha. que predispõe quem tem histórico de dependência na família a trilhar o mesmo caminho — há estudos conclusivos a esse respeito. Quando ficava bêbado. meu lado racional pensa assim: que merda.” Esta é uma história sem fim. não há como não admirar tal visão. O meu caso é extremo. treze anos. Usei drogas injetáveis. parou de beber e hoje é um pacato senhor que frequenta a igreja da Pompeia ao lado de dona Zilda. a relação deles acabou. Casagrande colhe os louros do nocaute sensacional sobre as drogas. ninguém pode negar. Mas nem todos irão passar.. com algumas regiões escuras na tela e figuras fantasmagóricas distorcidas ao fundo. em algum momento. mas nada garante que ganhará novamente caso volte a ter uma recaída. Seu Walter conseguiu controlar esse mal. As cores quentes e vibrantes predominam em sua existência. Porém essa tentação é eterna. mas com a exata noção das próprias restrições. Desde a infância. Por enquanto. mora sozinho. é um terreno pantanoso. após o acidente e a internação. frequenta shows de rock. Por ser mais jovem. necessariamente. se via incapaz de proteger a mãe. eu poderia ter tido uma vida melhor. a convivência com as terapeutas funciona como escudo.” Também toma cuidado para não se tornar um patrulheiro contra os usuários de drogas.. Segue na disputa de cada lance. quer ter realizações. quando este jogava na Itália e. porém. . mas é também um tanto delicado. Naquele instante. Esse mergulho no túnel do tempo foi muito gostoso. por exemplo. não puderam participar desse processo de revolver o passado. cair e me machucar. com sua boa memória — esse apelido é usado quase sempre em referência ao Wagner. Várias dessas passagens aconteceram lá atrás — no fim dos anos 1970 ou começo dos 1980 — e. Assim. Outros amigos. a verdade — pelo menos da maneira como a vejo — precisava vir à tona. às vezes até com certo esforço para reconstituí-los nitidamente. Digo isso porque o Sócrates era chamado da mesma maneira. Nas poucas vezes em que o termo Magrão refere-se ao Sócrates. assumi o compromisso de ser sincero e transparente. Porém. o apartamento para a mãe dele. É um lance muito louco. independentemente de ser algo certo ou errado. mas evitamos tratá-lo assim nesta biografia para não confundir os leitores. Ele era muito louco. Essa foi a parte mais bacana: resgatar os fatos da juventude que eu precisava reviver. equilibra-se entre a dor e o prazer. falavam . Sobretudo porque sempre consegui me levantar e seguir em frente. O ser humano é complexo. mas é claro que os caras também punham pilha. mas não me arrependo de quase nada. de fato. Apesar de ser preciso reconhecer que nós fomos moleques por muitos anos. ao contrário das coisas ruins. uma aqui e outra ali. lá pelas tantas. Principalmente o Magrão. Ele era muito engraçado e muito próximo.Casão por ele mesmo Passar a vida a limpo pode ser um exercício interessante e às vezes até prazeroso. Era uma fase em que a gente se divertia demais. falaria para mim hoje. os dois participaram. Então. cheios de responsabilidades. O Tambor também. a revelação das nossas aventuras. Penso nas coisas que o Ocimar. Sei muito bem disso e acho ótimo. antes de fazermos essa biografia. eu tinha recordações muito esporádicas. Então. Não me orgulho de tudo o que fiz. Alguns parceiros de infância e adolescência também colaboraram ao relatar passagens da nossa Turma do Veneno. principalmente. nas inúmeras conversas que tivemos para relembrar as passagens mais marcantes do passado. O livro me trouxe lembranças mais frescas à memória. o João Gordo e o Tambor morreram cedo. porque vivemos aventuras incríveis. e perdemos um pouco daquele lado moleque. E admito: a sensação predominante é de paz comigo mesmo. de nossas histórias juntos.. positivo ou negativo para a minha imagem.. lá da Penha. O Ocimar. Requer coragem de se expor publicamente. porque os lances dramáticos com as drogas aconteceram há pouco tempo. ele passou a acreditar na própria mentira. até passamos um pouco do período em que já deveríamos estar adultos. Eu me sentiria mal se tivesse deixado de fazer o que quis. como se fosse comprar. Do Inferno na Torre.. Depois nos tornamos adultos. numa linha tênue e perigosa. passei a me lembrar deles com mais frequência. de tudo o que aprontávamos. isso ficou bem explícito no contexto. É sensacional trazer à cena a lembrança: já muito doido. a gente se via todo dia. infelizmente. a partir do momento em que me dispus a contar em detalhes a minha história.. principalmente ao recordar minha juventude e a de meus velhos amigos. jamais por dar cabeçadas. imagino a reação deles com a publicação do livro. meu vizinho de rua por tantos anos e fiel companheiro até hoje. Eles já morreram. por tropeçar. que era corretor de imóveis e estava negociando aquele apartamento com algum cliente. estabeleceu-se um clima confessional. Aquela festa de arromba foi idealizada por mim e pelo Ocimar. tem algo a ver. Estava gordo. com altos e baixos. como diretor de futebol. De qualquer forma.. em dezembro de 2012. assim como na vitória sobre o Fluminense no Brasileiro de 1976. A cara do Corinthians. sai daí. mas dependia sempre de investimentos externos pontuais. a Libertadores e disputar o Mundial. uma doença que pegou em cheio uma geração usuária de drogas injetáveis. o Casa tá dando uma paulada lá no quarto da dona Zoquinha. Acho que a combinação do sangue com a droga. sem desenvolver o potencial da sua marca tão poderosa. O clube ficou estacionado. então. O Tambor. Ele se inflamava e ia bater na porta. Uma figuraça. E não necessariamente ao compartilhar seringa com outras pessoas. porque eles eram corintianos pra caramba. filho do Adilson. Mas é a minha impressão.. o Sócrates pra caralho. por experiência própria. né? Tudo bem. tenho convicção de que contraí hepatite C mesmo sem trocar seringa com ninguém. Foi desse jeito no Campeonato Paulista de 1977. talvez os especialistas considerem isso uma bobagem. é a de vencer campeonatos importantíssimos com times sem estrelas. não sei. Infelizmente. Não deixa de ser curioso o Corinthians ter finalmente triunfado no Japão com o Duílio Monteiro Alves. Casa. reflete a . né? Fico imaginando o jeito do Ocimar. O estilo do Corinthians é aguerrido. supermetido. Acho que o título no Japão poderia ter vindo antes.. em 1983. exposta ao ar. A princípio. vendo o Corinthians ser campeão mundial. o que me emocionou mesmo foi a entrada do time em campo. eles invadem a Lua. mas. com a derrota do Adilson na eleição para presidente. pode ser que não. o Adilson Monteiro Alves. não sou infectologista.. numa gangorra que chegou a levar a equipe até a Segunda Divisão. E podem cair de pau em mim. que também não se cuidava. refém de uma grana suspeita trazida por estrangeiros. Mas o que mais me deixava impressionado era a força da Fiel. que valeu praticamente como uma conquista. uma porrada de coisas passou pela minha mente ao ver o Corinthians campeão mundial no Japão. morreu de hepatite C. Também me lembrei muito deles no Japão. entre Corinthians e Palmeiras. Mas o fato é que o Corinthians andou politicamente para trás. Aí me veio à cabeça todo mundo. Nunca aconteceu uma invasão igual no Japão. no segundo jogo da semifinal da Taça Libertadores da América de 2000. mas é certo que darão algum jeito e logo estarão lá.assim: “Ô. Eu me lembrei da época da Democracia Corintiana. Muita gente se contaminou dessa maneira... com aquela torcida gigante em Yokohama. Claro. antes de a seringa ser reutilizada. Não há limites para os torcedores do Corinthians. se não houvesse o retrocesso no clube. Quer dizer. ao ambiente. não ia a médico de jeito nenhum. fincando sua bandeira em cada cratera lunar. puta falta de respeito!”. sexo no quarto da dona Zoquinha. fodido. É uma energia inesgotável e contagiante. morreu no Morumbi. o Wladimir. fora o projeto da Democracia Corintiana. Não sei o que os médicos vão dizer sobre isso. como nunca ocorreu uma invasão como a do Maracanã na semifinal do Brasileiro de 1976. Ocimar. pode ser que sim.. Como vão chegar. botando banca pra falar sobre o time que conquistou o mundo.. indignado: “Ô. quando fizemos uma reunião para discutir o planejamento para ganhar o Brasileiro. Simplesmente usava a mesma mais de uma vez. esse pessoal que começou a idealizar tudo isso. mas o nervosismo daquele jogo também deve ter colaborado para a tragédia. Tudo isso me levou a uma viagem maluca enquanto presenciava aquele acontecimento histórico como comentarista. naquela decisão em que o Marcos pegou o pênalti batido pelo Marcelinho. ganhou títulos brasileiros e o primeiro Mundial com o Alberto Dualib. Parece um ajuste de contas com o destino. Ele sofreu um avc (acidente vascular cerebral) no estádio. Já o Ocimar. Se houver um jogo contra a seleção da Lua. não! Respeite a minha mãezinha!”. ele estava sedado. o Corinthians é campeão do mundo! O fato de a conquista ter sido no Japão. vamos dizer a verdade. de carne. para destacar a importância do que aqueles caras fizeram. que apesar de ter sido ganho com um time fortíssimo. pela importância histórica de ambos. Um sonho imenso… Agora. Em qualquer lugar do mundo o treinador teria sido demitido numa situação semelhante. Se tivesse sido forçado. E é preciso reconhecer: quem lhe deu essa possibilidade de escapar do comportamento ditatorial que ainda domina o futebol hoje em dia foi o Andrés Sanchez. é o Brasil na Libertadores!”. não quis saber de coisa nenhuma. não acompanhei de perto a repercussão no Brasil. pela tv Globo. mas me disseram que foi boa. em 2013. Todo esse cenário me levou a exteriorizar meus sentimentos durante a transmissão dos jogos do Corinthians no Mundial de 2012. também é simbólico. algo que qualquer jogador que já defendeu o Corinthians desejava. quando ele foi internado pela primeira vez. Mais ainda: esse título veio depois de o clube ganhar a Libertadores de forma invicta. Não tinha como ficar alheio à importância daquele título. com todos os clubes. porque valeu o Mundial de 2012 e ainda bateu a tecla do bicampeonato. A atitude do então presidente de não demiti-lo depois da derrota para o Tolima. todo mundo aceita o primeiro título mundial. com lágrimas nos olhos. Nem com a reação do público nem com a quebra do protocolo dentro da tv Globo. Acho que as pessoas receberam bem o meu gesto por ser honesto. Quando eu jogava no dente de leite. faço isso tranquilamente há muitos anos. Pessoalmente. mexeu demais com o Tite. Não me importei com as possíveis consequências. mas no Japão. deviam ser homenageados de alguma forma dentro do parque São Jorge. Comparo o título de 1977 ao projeto da Democracia Corintiana. que detém sempre o papel principal. já acordado. pô. inclusive o Corinthians. confesso. Entrei duas vezes na uti: na primeira. osso e principalmente sentimentos. no bom sentido. Deu um gosto especial levantar a taça no mesmo país onde os outros clubes haviam sido campeões. colocando um ponto final naquele rótulo de time caseiro. porra. um profissional que foge ao estereótipo do técnico autoritário. sofria questionamento em face de o campeonato ter ocorrido no Brasil e sem passar pela Libertadores. caralho. Na segunda. Fui lá no hospital e a situação era crítica. ainda garoto. Os campeões de 1977. logo ao . posso me dar o direito de torcer também. Essa manifestação de amor pelo Corinthians também tem a ver com o Sócrates. principalmente para quem nasceu no próprio clube. independentemente do Memorial. me disse assim. no último ano antes de a competição se tornar itinerante.própria torcida. Se é assim. por exemplo. o meu pensamento era ser campeão paulista e quebrar o jejum que durou 23 anos. hoje. autêntico. justamente por isso. Uma perda que estava mais ou menos escrita. Não que eu tenha de me segurar para comentar um jogo. Mas. na Pré-Libertadores de 2011. Publicamente. eu tinha certeza de que ele iria falar assim: “O Corinthians. Do outro lado do planeta. Naquela hora. Mas como trabalho com o Galvão Bueno há muitos anos. Hoje. Outro lance legal da conquista do Mundial no Japão foi ter sido alcançada com o Tite. significou uma libertação para mim poder torcer pelo Corinthians — que fosse um dia pelo menos. Era uma coisa que eu desejava também. Acabou sendo uma conquista dupla. para eu ficar mais à vontade. os grandes feitos têm de ser eternizados pelo clube. Então pensei: essa é a deixa para me soltar. Foi algo importantíssimo para mim. contra o tradicional Boca Juniors. os rivais já iam falar: “Ah. Ele cresceu com aquele episódio e se tornou mais seguro. não ia cair legal. vocês nunca foram!”. né? Todo mundo viu que eu estava ali torcendo. Eu me dei o direito de ser humano. Mesmo que fosse no Marrocos. Sonhei com você. Nós negligenciamos gestos como esse no dia a dia. Era aquele negócio: casei. Saí do hospital preocupado. e a gente vai deixando pra lá coisas importantes tanto para nós como para quem vai ouvir. sem noção da gravidade de seu quadro. algo até normal. apesar de termos ficado tantos anos sem conversar. Mas o Sócrates morreu naquela mesma madrugada. quando fomos gravar o Arena Sportv. mas. Mas como a sensação era de que ninguém lhe dava atenção. Pensei: puta que o pariu. se ele falou. num curto espaço de tempo. Mas ela existe de várias maneiras. o Magrão não entendeu porra nenhuma. E como foram difíceis! A primeira significou o fim de um casamento de 21 anos. porque eu teria de comentar o clássico Corinthians × Palmeiras. mas naquele momento tinha saído da internação havia pouco tempo e. Foi estabelecido que o Juca iria naquele primeiro domingo. de repente. Dias depois. Não vou dizer que essa experiência tenha sido suficiente para mudar meu modo de me relacionar em geral. Amanhã eu falo. Casão. em que a vida em comum deixa de existir. Nessa segunda visita. Sempre fui louco em uma porção de coisas. no mínimo. na madrugada de sábado para domingo. eu era careta. para combinarmos um revezamento nas visitas ao Sócrates. você olha pra ela e diz que a ama? Não. estou ainda. entendeu? Perdi até o rumo. Então. você parece uma assombração. um de nós teria de estar presente no fim de semana. no qual tive três filhos — e porra. antes de partir. Quando ele morreu. caro leitor: quando vai visitar sua mãe. Eu estava em recuperação da dependência química — quer dizer. pela última rodada do Brasileiro de 2011. melhor. falou. eu pensava que não ia sair dessa. “Poxa. me vi sozinho. numa internação posterior. mas a gente nunca acha que o pior vai acontecer. que estava olhando pra minha cara. Passei por duas separações conjugais seguidas. E serviu como reflexão e consolo. então tá tudo bem. disse-lhe com todas as letras o quanto eu gostava dele. me comprometi a ir no seguinte. Portanto. No sábado à noite. eu fazia planos de passar a visitá-lo regularmente. ninguém faz isso. pudemos conversar depois de um longo tempo de afastamento. com o Sócrates. oras. tive essa felicidade. eu estava em Poços de Caldas e liguei para o Juca Kfouri. deve ter tido alguma percepção. A segunda separação ocorreu num momento especialmente complicado. eu e o Juca resolvemos ir à sua casa todos os domingos. nem por um instante. Eu lhe expliquei que não era sonho coisa nenhuma. mas tô aí novinho em folha”. Aí eu lhe pergunto. e fiquei impressionado com o aspecto dele. no casamento. Acabo enredado pelo cotidiano e ainda não verbalizo tudo o que deveria para as pessoas queridas.me ver: “Pô. . O que me confortou foi. para ele se sentir acolhido. mesmo sob sedação. alternadamente. Casão. e agora você aparece aqui!”. eu nunca havia pensado em me separar. embora as pessoas estivessem até muito preocupadas com ele. O cara estava verde! Ali me convenci de que a doença era realmente grave. eu gosto dela e ela sabe disso — pensamos sempre assim. então vou ficar com a minha mulher até o fim da vida. pelo menos. Mas. não deu tempo de eu assumir esse papel. ele está negando a situação. A gente vive com medo de pensar na morte. Mas também acabei negando pra mim mesmo. não me lembro direito. Na gravação do Arena. Ele andava se sentindo rejeitado. ou ele me ligou. outro dia eu falo. realmente estive olhando para o rosto dele e. encontreio na Globo. Os dois rompimentos não partiram de mim. mas. Até hoje vêm várias versões na minha cabeça. meu. ter tido a chance de lhe falar o que sentia por ele. numa crise emocional de quem se encontra debilitado. Quando pudéssemos ir juntos. Ah. O término de um relacionamento é um tipo de morte. e. mas aí a loja de congelados já estava fechada. eu até já havia tido a experiência de morar longe da família. na vida inclusive. costumo ouvir música e ver filmes. preparo algum congelado no microondas. fugia às regras pra caralho. cruzo pouco com a faxineira que limpa o apartamento às segundas e quintas-feiras. acho que sempre vai ser assim. Atualmente. Além de vasculhar a coleção de dvds. Não me tolho em nada. do dinamarquês Lars von Trier. tento achar opções interessantes nos canais a cabo. com o Jack Nicholson e o Morgan Freeman. é que elas foram embora porque sou um sujeito difícil de conviver. então eu destravava o breque de mão e ia empurrando o Chevette até a outra rua pra não fazer barulho e o segurança não ouvir. Sou democrático mesmo.. por falar em morte e realização de desejos. Não cozinho nada. Stanley Kubrick. Isso aconteceu no início da carreira profissional. não deve ser fácil para uma mulher ficar ao meu lado.Uma delas é de que conviver comigo deve ser foda. o freezer estava desabastecido e demorei para fazer compras. não cumpri regra nenhuma! Desta vez. pulava a janela do quarto e fugia. Sou um tanto radical. quem precisa pôr as regras sou eu. outro dia revi o filme Antes de partir. Os dois são pacientes com câncer terminal e montam uma lista das coisas que gostariam de fazer antes de morrer. quando o Corinthians me emprestou para a Caldense. Ou seja. se fosse uma mulher casada com um cara como eu. no início. ele é o máximo. Mas refleti algum tempo e constatei que já fiz coisas pra caralho. Curto Martin Scorsese. Só me lembrava disso quando batia a fome e não encontrava nada. . que lance louco. Vejo mais de uma vez os filmes de que mais gosto. algo bem simples e fácil. Fico quase o tempo todo dentro de casa. Quando fico em casa. Quando voltei do Japão. uma massa. no fim das contas. ela já foi embora. os meus amigos costumam reclamar disso. tudo bem. sempre desrespeitava o horário pra voltar ao alojamento. todo homem se incomoda de ter empregada dentro de casa. que tudo vai acontecer naturalmente. o controle de sair e voltar. num relacionamento. O meu carro ficava estacionado bem ali embaixo. uma carne pronta. quando voltava a tempo e não podia sair mais. moro sozinho. Passo muito tempo assim no meu apartamento. Ninguém é perfeito. Oliver Stone. Então. é preciso ceder um pouco. almoço e janto muito em restaurantes. em Poços de Caldas. Talvez. O que me conforta.. não tenho a frustração de ter deixado de fazer qualquer coisa. Chegaria uma hora em que diria: não dá mais! Gozado. porque ainda não consegui ter a manha de impor o limite. Mas sou pouco eficiente como dono de casa. Então. porque quero fazer tudo o que me dá vontade. No início da semana é mais tranquilo. Essa é a primeira vez… quer dizer. eu faço tudo o que quero. não me censuro. porque sou muito louco e o resultado iria ser foda! Deixa a vida correr. ou eu vou a uma padaria na Vila Madalena ou como alguma coisa em casa mesmo. Tinha dezessete anos e foi um caos! Eu me drogava pra caralho. principalmente de dramas emocionais. No café da manhã. Não tem ninguém mais ali… e. O que eu vou pôr na lista. vou escrever a minha lista com tudo o que sempre quis fazer e nunca tive oportunidade. agisse da mesma forma. foi meio complicado. Gosto de privacidade. porque vou fazer o Arena Sportv.. como Anticristo e Melancolia. por exemplo. Então. De vez em quando. Pelo menos. quando volto. tira um pouco da liberdade. mas.. não peguei o jeito até hoje. meu! Tenho esse histórico todo aí e primo pela liberdade. Ou. Adoro filmes europeus. porém com outras pessoas. então? Decidi não mexer nesse negócio. Às quintas. Gosto pra caralho do Quentin Tarantino — pra mim. ao mesmo tempo. É oito ou oitenta. procuro arrumar alguma coisa pra sair também. Aí fiquei pensando: caraca. E eu não sou diferente. Em geral. E. Capanema e Itupeva. Nós. nas fases de paixão e amor intensos com minha mulher. As coisas acontecem naturalmente. Aliás. Não adianta tentar dirigir o destino. Essa é a realidade. Saio muito com o Carlini. no que a gente pensa instantaneamente? Na 89. Às vezes. São eles que devem ter medo de mim. Por isso pensaram em mim. quando se fala em rádio do rock. dentro do projeto Cuide-se Mais. esse amor. o mestre da guitarra. Maringá. hoje. não come mais nem carne vermelha. Entre todos. com o Nasi e o Ronaldo Giovanelli (ex-goleiro do Corinthians) na Kiss. né? Mais alto de loucura e mais baixo da moral do homem. mesmo que esse sentimento. e eu não vou fazer lista nenhuma. Preciso me manter ocupado. Só que passei do ponto. não fuma.. Até hoje ouço a Kiss o dia inteiro. não é meu instinto. juntamente com o Marcelo Fromer. Mas não culpo ninguém pelo meu problema. Então. Em seguida. o Marcelo Rubens Paiva. Mais recentemente. o Rock e gol. mas. vão ao banheiro. claro! Essas atividades ajudam a me deixar mais centrado. com o Paulo Miklos e o Carlini. Depois. Não é porque estou livre que vou sair pra putaria ou ficar com uma mina diferente todo dia. Brincadeira… Encontro poucos amigos. amanhã você trabalha”. Simplesmente não consigo. Tenho contrato com o Sesi do Paraná. faço duas palestras por mês — depende muito do meu tempo livre — nas cidades de Curitiba. Conto o que passei e como a Globo lidou com o meu caso. Então. Prefiro um contato de verdade.Saio pouco. Londrina. sei muito bem onde as pessoas fazem o movimento. uma coisa que tenho na cabeça é o seguinte: não preciso ter medo deles. mas agora já estou . Nenhuma das duas formas está certa. Fiquei entusiasmado com a volta da 89. gosto de sentir alguma coisa pela pessoa. nos programas de rádio sobre rock e futebol. Não estou desmerecendo outras emissoras. O mais correto é ajudar o sujeito a se tratar. Continuo muito envolvido com a minha profissão. Foi assim como jogador profissional. sempre me dediquei ao máximo para atingir meus objetivos. Apesar de toda a loucura. da geração dos anos 1980.. Preciso me cuidar para não sofrer recaída. tinha o programa 90 Minutos. algo assim. Nunca fui desse jeito. o Kiko Zambianchi. Se o uso de drogas vai ser descarado no ambiente. seja breve. às vezes por uma semana ou alguns meses. como comentarista esportivo. vou raramente a festas.. acho que fui eu quem atingiu o estágio mais alto. nas transmissões da tv Globo. evito me aproximar. A última foi o aniversário do Carlini. ou então demitir o empregado. Muita gente imagina que aproveito a vida de solteiro para pegar um monte de mulheres. não vou a festas faz um tempão. O propósito é esclarecer para empresários como tratar de funcionários com dependência química. às vezes por algumas horas. Nunca saí com ninguém por sair. e também faço palestras sobre a minha experiência de vida.. a Rádio Rock.. Mas ele não bebe. Mas aí a gente volta àquele papo do filme Antes de partir. Sempre me apaixonei. fomos para a Brasil 2000. imaginava que não passaria dos trinta anos. estão afinados. esses são os mais conhecidos. Ele e o padre Marcelo Rossi. Cheguei a fazer lá. ainda mais agora que estou sozinho. estou fora. entendeu? E eu tenho de ter medo de mim mesmo. Cascavel. e já me apaixonei durante 21 anos! Lógico que dá vontade de voltar a ter um relacionamento mais sério e estável. E caso esteja numa festa. Porque o mais comum é o patrão passar a mão na cabeça do cara e dizer “vai pra casa. somos todos filhos dela. Todos os amigos que tive eram quase tão intensos quanto eu. Quando eu era jovem. ou mais baixo. mas não é nada disso.. passei pela Transamérica. Pretendo fazer novamente programa de rádio. Walter Casagrande Júnior . Às vezes. Porém. e fico me perguntando: você tem sede de quê? Você tem fome de quê? Pra gente conseguir viver. A gente não pode ficar no meio-termo. não me contento com nada pela metade. Eu quero tudo completo. que chegou a gravar várias entrevistas comigo.quase com o dobro disso. Todo o nosso esforço para estas páginas se materializarem ficará como homenagem ao Marcelo. Só tenho uma certeza: eu vou viver a vida intensamente. alguns anos e muitos acidentes na vida depois. tem de ter sede de alguma coisa. E é assim que espero ter me entregado nesta biografia: por inteiro. até ser morto por atropelamento em 2001. Isso seria pior do que a morte. Nasceu como um projeto do titã Marcelo Fromer. não sei mais se vou viver bastante ou se morrerei logo. Pensei que o livro tivesse morrido com ele. Então. para as coisas da minha vida. amigo eterno. elas me dão algumas respostas para o dia a dia. Esta biografia é a realização de um sonho. dos Titãs. ouço “Comida”. a gente precisa ter fome de alguma coisa. Gosto muito de músicas. Faltam poucos anos pra chegar lá. surgiu a chance de eu retomar a ideia em parceria com o Gilvan Ribeiro. Agradecimentos Nossos pais. Aida Veiga. Daniela Gallias. Simone Carvalho. Iemanjá. Praia da Almada. nossos guias espirituais. Deborah Yafa Goldshmidt Eskenazi. José Roberto Malia.. Fernão Ketelhuth. Santo Expedito e Chico Buarque. . Fiódor Dostoiévski. Nelson Rodrigues.. Fernanda Moreira. Evandro Ruivo. E aos demônios. por terem nos dado uma trégua. Paulo Capítulo três: Jorge Araújo / Folhapress Capítulo quatro: Wilson Fonseca / Diário de S. Paulo Capítulo sexto: Tiago Queiroz / Estadão Conteúdo Capítulo sete: Paulo Cerciari / Folhapress Capítulo oito: Sérgio Neves / Estadão Conteúdo Capítulo nove: Fernando Santos / Folhapress Capítulo dez: Evenir R. Paulo Capítulo dezesseis: asf / Press Photo Agency Capítulo dezesete: Domício Pinheiro / Estadão Conteúdo Capítulo dezoito: José Ribeiro / Diário de S. Paulo Casão por ele mesmo: Daryan Dornelles / Fotonauta . Paulo Capítulo quinto: Daniel Pera / Diário de S.Créditos das fotos O Diário de S. Paulo Capítulo treze: Jorge Araújo / Folhapress Capítulo quatorze: Antonio Lúcio / Estadão Conteúdo Capítulo quinze: Eliaria Andrade / Diário de S. Paulo Capítulo dezenove: Folhapress Capítulo vinte: Daniel Pera / Diário de S. Paulo gentilmente cedeu as fotos de seu arquivo para este livro. Silveira / Folhapress Capítulo onze: Jose Pinto / Abril Comunicações S/A Capítulo doze: Inacio Teixeira / Diário de S. Folha de rosto: Sergio Moraes / Abril Comunicações S/A Capítulo um: Fernando Santos / Folhapress Capítulo dois: Oslaim Brito / Diário de S. Antonio Moura / Agência O Globo Em início de carreira. no bairro da Pompeia . Walter e Zilda. na casa onde morava com os pais. Antonio Moura / Agência O Globo Ídolo veste a camisa corintiana com a inscrição “Dia 15 vote”. estimulando a população a votar para governador do estado em 1982 . José Ribeiro / Diário de S. Paulo Emprestado ao São Paulo em 1984 . Manoel Motta / Folhapress Artilheiro pela Seleção brasileira . Paulo Cigarro na boca: irreverência .Paulo Cerciari / Diário de S. Mônica.Oswaldo Kaize / Folhapress Casão picha o muro do parque São Jorge. então jogadora de vôlei do Corinthians . tentando conquistar a sua futura mulher. posa para a revista Placar: lançando moda .J. Scalco / Abril Comunicações s/a Com seu exótico chapéu de pirata. B. Paulo Casamento com Mônica no sítio em Perus. em 28 de outubro de 1985 .Inacio Teixeira / Diário de S. juntamente com convidados . Paulo O noivo cai na piscina de smoking branco.Inacio Teixeira / Diário de S. time de futebol amador . em jogo do Veneno. o Magrão.Acervo pessoal Magrão Ao lado do amigo de infância Wagner. Luiz Novaes / Folhapress A dupla com Sócrates. eterno parceiro . em 16 de abril de 1984. no Anhangabaú. como Sócrates. ao lado do locutor Osmar Santos e de outros jogadores do Corinthians.Carlos Fenerich / Abril Comunicações s/a Durante comício pelas Diretas Já. e do diretor Adilson Monteiro Alves . Wladimir e Juninho. Irmo Celso / Abril Comunicações s/a Na final do Paulistão de 1983. defendendo o lema: ganhar ou perder. sempre com democracia . Edilson Lopes / Diário de S. Paulo O craque carrega o filho Leonardo no colo . Acervo pessoal Relatório do dops cita a participação de Casagrande num show para levantar fundos para o pt . José Ribeiro / Diário de S. Paulo Vestido com camiseta do Lula, desenhada por Henfil, Casão mostra sua chuteira branca, novidade na época Domício Pinheiro / Estadão Conteúdo Com Renato Gaúcho na Seleção, durante as eliminatórias para a Copa de 1986: dupla do barulho Diário de S. Paulo Renato, Casão e Éder: o ataque da Seleção que entrou em choque com Telê antes da Copa de 1986 Paulo Em seu sítio. Casão mostra cds de rock tocados durante churrasco com amigos em 1995 .Marcelo Navarro / Diário de S. no Rio. quando defendeu o Flamengo em 1993 . Paulo Com a mulher Mônica e o filho Symon.Vidal da Trindade / Diário de S. no Aeroporto Santos Dumont. Acervo pessoal Magrão Casão. quando ele defendia o Torino . Victor e Leonardo (no colo): família passeia em parque de Turim. na Itália. Mônica. asf / Press Photo Agency Em janeiro de 1987. em sua estreia pelo Porto. com um gol dele . contra o Vitória de Guimarães: 2 a 2. asf / Press Photo Agency Casagrande comemora gol pelo Porto: sucesso na Europa . Casão recebe a camisa do amigo Júnior .Carlos Moraes / Agência O Dia Ao ser contratado pelo Flamengo. Daniel Pera / Diário de S. Paulo Em recuperação da dependência química na clínica Greenwood. em Itapecerica da Serra . Wladimir. Paulo Paulo César Caju.Lucas Lacaz Ruiz / Diário de S. Casão e Sócrates em evento sobre a Democracia Corintiana . Paulo No mesmo evento no Jockey Club de São Paulo.Lucas Lacaz Ruiz / Diário de S. recebe o abraço de Sócrates .
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