CAMINHADAS ALEATÓRIAS: CONCEITO E APLICAÇÕES Dalton Vinicius Kozak Departamento de Engenharia de Computação PUCPR, Pontifícia Universidade Católica do ParanáRua Imaculada Conceição, 1155 - 80215-901 - Curitiba - PR
[email protected] RESUMO Este breve artigo tem como objetivo dar uma visão geral do que vem a ser uma caminhada aleatória, e qual a sua utilidade na análise de alguns fenômenos físicos. Para tal, é explicado o conceito de caminhada aleatória através de gráficos a simulações, e alguns exemplos de aplicação são mostrados ilustrando a utilização desta técnica. se R ≤ 0.5, o passo será para frente; • se 0.5 < R, o passo será para trás. Tal lógica é facilmente implementada em computador, conforme ilustrado na Figura 1. • 1. INTRODUÇÃO Um indivíduo, após "tomar todas", caminhava, mal conseguindo se manter de pé. A probabilidade de ele dar um passo em qualquer direção era a mesma. Um grupo de "amigos" observava a cena, e apostavam entre si que distância ele percorreria a cada número fixo de passos. Embora pareça um problema sem nexo algum, a caminhada acima ilustra uma classe de problemas associada ao que se denomina "caminhada ou passeio aleatório", onde um walker (o bêbado) realiza passos em direções quaisquer, sendo o tamanho do passo e o intervalo entre eles fixos, ou com algum grau de aleatoriedade. Tais caminhadas permitem modelar alguns fenômenos físicos, tornado assim seu estudo algo de interesse. Analisando melhor o problema exposto acima, imaginemos agora um problema semelhante, simplificado, onde: • todos os passos do walker têm o mesmo comprimento (1 m); • o walker caminha apenas numa direção, no sentido para frente ou para trás em cada passo; • a probabilidade de ele andar em qualquer sentido (para frente ou para trás) é a mesma. Para simular esta caminhada é preciso lançar mão de um gerador de números aleatórios (mais precisamente, pseudo-aleatórios1) que será utilizado na determinação do próximo passo - para frente ou para trás - conforme a seguinte seqüência: • calcula-se o número aleatório R (0 ≤ R ≤ 1); Function Passo() As Integer ' Rnd: gerador de números Randômicos If Rnd <= 0.5 Then Passo = 1 Else Passo = -1 End If End Function Figura 1. Código em VBA2 que determina o próximo passo do walker 1-D. Simulando a realização de 10 caminhadas do walker (ou 1 caminhada para 10 "walkers" - hipótese ergódica3), com 24 passos cada uma, obtém-se as curvas mostradas no gráfico Passo x Distância da Figura 2. Na Figura 3 é mostrada a freqüência relativa (normalizada em relação à freqüência máxima) das distâncias percorridas pelos walkers. Aumentando o número de caminhadas, é possível observar na Figura 4 que a distribuição da freqüência relativa tende a uma curva normal, cuja expressão, neste caso, é dada por p n (m) = 1 2π n e − m2 2n (1) onde m é a distância percorrida pelo walker e n é o número de passos da caminhada. Neste caso, o desvio padrão σ é dado por σ= n 2 3 (2) 1 É um formalismo. Nenhum algoritmo é capaz de gerar uma seqüência aleatória na acepção pura da palavra, já que o algoritmo em si é sempre determinístico, e há a limitação numérica intrínseca da máquina em armazenar números. Visual Basic for Applications. Hipótese ergódica: "Para um processo randômico estacionário, um grande número de observações feitas num único sistema em N instantes arbitrários de tempo tem as mesmas propriedades estatísticas que observar N sistemas escolhidos arbitrariamente ao mesmo tempo a partir de um conjunto de sistemas semelhantes". - 1/5 - através da expressão x = x médio + ∆x = x médio + m ⋅ s 0 (5) A Figura 5 exemplifica o resultado da amostragem de 1000 valores de uma variável x com desvio padrão igual a 1. Figura 5. A seguir será visto como este comportamento da caminhada aleatória pode ser útil. sendo a distribuição normal. Assim. Figura 3. ou gaussiana.2. onde σ é o desvio padrão e x a variável de interesse. Distribuição da amostragem da variável x a partir de 1000 walkers 1-D. um soluto num solvente. dada por p( x) = 1 2π σ − ∆x 2 2σ 2 e (3) Figura 2. assumindo N partículas de. uma caminhada aleatória de n passos (n grande) e distância percorrida m fornece um valor para a variável x. como as de Monte Carlo.2. APLICAÇÕES DA CAMINHADA ALEATÓRIA 2. Simulação da Difusão Unidimensional No estudo da difusão. conforme o esquema descrito acima. Simulação da caminhada de 24 passos de 10 walkers 1-D. Freqüência relativa das distâncias percorridas por 10000 walkers 1-D. Freqüência relativa das distâncias percorridas pelos 10 walkers 1-D. pode ser associada a uma caminhada aleatória (para número de passos n grande) através das relações ∆x = m ⋅ s 0 s0 = (4a) (4b) σ n Assim.1. Isto é útil em simulações. 2. Geração de Amostras A partir da caminhada aleatória unidimensional é possível amostrar uma variável cuja distribuição gaussiana seja conhecida através do valor de sua média e de seu desvio padrão.2/5 - . por exemplo. a concentração do . obedecendo a uma distribuição gaussiana. Figura 4. O cientista que explicou corretamente esse movimento. Estudo do Movimento Browniano O movimento browniano é o movimento aleatório de partículas macroscópicas num líquido como conseqüência dos choques das moléculas do líquido nas partículas.t) é a concentração (partículas/comprimento) na posição x e no instante t > 0. R é a distância da (10) . mantido um passo fixo. Este movimento está diretamente ligado a muitas reações em nível celular.y. à síntese de ATP e ao transporte intracelular de moléculas A variância σ2 da caminhada 1-D no plano Concentração x Raio (espaço x-y-z) se relaciona com o coeficiente de difusão K do movimento browniano 3-D através de onde K é a difusividade mássica e C(x. A Figura 6 ilustra este comportamento. As equações de posição aplicadas na simulação do movimento browniano de uma partícula são Figura 7. para o caso unidimensional.5 onde Rnd é um número aleatório entre 0 e 1. t ) =K ∂t ∂x 2 (6) 2. Simulação da difusão 1-D através de walkers 1-D. propondo que a matéria fosse constituída de moléculas. t ) = N 4π Kt e − x2 4 Kt (7) σ 2 = 6 Kt onde K= 1 ε2 6 δt (8) (9) sendo ε o passo da caminhada. foi Albert Einstein. t ) ∂ 2 C ( x. A solução da equação diferencial (6) é C ( x. em 1905.z) são as coordenadas espaciais cartesianas. e a Figura 7 mostra θ = 2πRnd φ = 2πRnd x = x + step·sin(θ)·cos(φ) y = y + step·cos(θ)·cos(φ) z = z + step·sin(φ) R = (x2 + y2 + z2)0. ∂C ( x. Difusão 1-D: para cada tempo de difusão. δt o tempo entre passos e t o tempo da caminhada. por o resultado da simulação de um processo de difusão unidimensional. o tempo estará associado ao número de passos dado por uma partícula (o walker neste caso) numa caminhada unidimensional. (x. Sendo σ2 = 2Kt. Trajetória após 500 passos de uma partícula descrevendo um movimento browniano.primeiro no segundo é dada pela Lei de Fick. Figura 6. à formação de proteínas. expressa. Figura 8. Notar que a expressão (7) representa uma distribuição normal para cada valor distinto de tempo. uma distribuição gaussiana das distâncias percorridas pelas partículas é estabelecida.3. sendo proporcional à concentração.3/5 - . obedecendo a uma equação de difusão. Direct Simulation Monte Carlo) é um método especializado para simulação de escoamento de gases. que cada componente de velocidade da partícula realiza uma caminhada aleatória no espaço colisão x velocidade. Distribuição de velocidades para o componente i (i = x. reativos ou não. neste caso.a colisão entre partículas obedece a conservação de quantidade de movimento. mas com o módulo respeitando. sendo as direções pós-colisão aleatórias. . Distribuição da posição (maxwelliana) e concentração (gaussiana) de 10000 partículas após 1000 passos de movimento browniano. Pode-se dizer. O resultado de tal simulação para uma partícula pode ser visto na Figura 8. então.vy. de forma semelhante à realizada através da solução da equação de Boltzmann. com era de se esperar. respeitando a maxwelliana da temperatura na respectiva fronteira. conforme mostra a Figura 12. através de colisões ao longo do tempo.z). conforme ilustrado na Figura 11. No modelo de gás . y . A cada colisão entre partículas. Simulação Direta de Monte Carlo A Simulação Direta de Monte Carlo (DSMC . Em termos do espaço de velocidade (vx.4. respeitando cada uma a distribuição gaussiana referente à temperatura do gás.partícula do ponto de partida do movimento.vz). interagem entre si até atingir um regime estacionário. 2.Figura 10 . através da modelagem física direta das interações entre as partículas. as componentes das velocidades de cada uma delas sofrem alterações aleatórias. Notar que a concentração obedece a uma distribuição gaussiana. e estas. Na colisão com fronteiras ocorre com reflexão difusa/especular.4/5 - . Figura 9. Modelo de gás na simulação DSMC. existe uma caminhada aleatória da velocidade (módulo e direção). Condições iniciais são aleatoriamente atribuídas às partículas. θ é o ângulo longitudinal e φ o ângulo latitudinal. ao passo que a distribuição da quantidade de partículas (freqüência da posição) segue uma curva maxewelliana. Na Figura 9 é mostrada a distribuição da posição e da concentração das partículas após uma simulação onde 10000 partículas efetuaram 1000 passos cada. a distribuição maxwelliana. Figura 10. Figura 11. onde o passo é variável para cada componente (respeitando a distribuição gaussiana). Modelos de interação entre as partículas são considerados na colisão (como o de esferas rígidas). .N. S.yale. M.3.pdf. 12. passeios aleatórios explicam acuradamente a relação entre o tempo de tomar uma decisão.geocities. Técnicas estatísticas têm se mostrado úteis na análise de vários problemas. J. K. G. January. 1984. Oxford University. . Physics World. [7] Speigel. passeios aleatórios são utilizados para calcular a solução da equação de Laplace. atuando em consonância com a seleção natural.. No. permite modelar a forma e tamanho de suas cadeias. sendo um processo estocástico). Acesso em 03/12/2006. Brownian Functionals in Physics and Computer Science.fi/~knordlun/mc/2004/mc7. a hipótese de passeio aleatório é utilizada para modelar a evolução dos preços de ações. 25 December 2005 [4] Nordlund. passeios aleatórios são utilizados para modelar cascatas de sinapses nos neurônios. [6] Rudnick. 2.5/5 - . Disponível em: http://www. • Passeios aleatórios descrevem as propriedades da deriva genética (mecanismo que. UCLA Disponível em: http://research. Acesso em: 28/05/2006. • Durante a segunda guerra.. Lectures on the Random Walk.S. Current Science. • Em redes sem fio.edu/boulder/Boulder2006/Lectures/rudnick_notes. [5] Pllana. • Em economia. Vol. Department of Physics and Astronomy. 89. Estatística. • No estudo do cérebro. R.pdf. Disponível em: http://beam. passeios aleatórios são usados para simular o tráfego através dos nós.. passeios aleatórios foram utilizados para modelar a distância que um prisioneiro fugitivo poderia percorrer num dado espaço de tempo. Acesso em 03/12/2006.com/CollegePark/Quad/2435/index. [3] Majumdar. CONCLUSÃO Espera-se que a visão geral aqui fornecida tenha dado ao leitor uma noção razoável do que vem a ser a técnica das caminhadas aleatórias na simulação e estudo de fenômenos das mais variadas naturezas.helsinki.5. 4. REFERÊNCIAS [1] Bird. São Paulo. • Na matemática. [2] Haw. e espera-se que o conhecimento de mais esta ferramenta possa agregar valor aos procedimentos de análise do leitor. • No estudo de polímeros. html. Hystory of Monte Carlo Method. modifica as características das espécies ao longo do tempo. Figura 12.. Outras Aplicações Existem várias outras aplicações das caminhadas aleatórias. 1994. McGraw-Hill. das quais podemos citar as abaixo-listadas. M. • Em psicologia.. Molecular Gas Dynamics and the Direct Simulation of Gas Flows. Einstein’s Random Walk. Random Walks. Caminhadas aleatórias das componentes de velocidade de uma partícula no plano colisão x velocidade. A. e a probabilidade de que dada decisão será executada. 2005.