APORTFOLIUM Laboratório de Imagens está completando 20 anos. Tempo de muitas realizações, frustrações e, sobretudo, resistência. Fundada em janeiro de 1992, por mim e pelo fotógrafo Josias Santos, amigo de todas as horas, desde o início trabalhamos com a linguagem visual (cinema, fotografia etc.), buscando contribuir com a valorização da memória dos movimentos sociais, na Bahia e no Brasil. Certamente que não tem sido fácil manter ativa e digna uma pequena empresa ousada, cheia de sonhos e rebeldias, nestes tempos de domínio quase absoluto do “mercado” e do “sistema”, novos eufemismos que denominam o velho e carcomido capitalismo. Contudo, ao olhar para trás, o sentimento é de um imenso orgulho com o já produzido. Foram três filmes longa metragem: Paixão e Guerra no Sertão de Canudos (1993), Quilombos da Bahia (2004) e Abdias Nascimento Memória Negra (2008), já vistos por centenas de milhares de pessoas, porquanto mais de 30.000 cópias numeradas circulam pelos rincões afora, sendo exibidas frequentemente em espaços ávidos por boas imagens que contam boas histórias: salas de cinema, escolas, bibliotecas, centros culturais, associações comunitárias, terreiros de candomblé etc. Além dos filmes longas (e outros curtas), promovemos muitos cursos de fotografia (na saudosa época dos banhos químicos) e editamos livros, revistas e nove Calendários de Parede. Em 2012 a PORTFOLIUM apresenta um novo Calendário, desta feita com o tema Revolta dos Búzios, que inspira um projeto mais abrangente, cuja ponta é um filme documentário longa metragem, atualmente em fase de produção. A Revolta dos Búzios, também chamada de Revolução dos Alfaiates, Conjuração Baiana, Sedição de 1798 e Inconfidência Baiana, é um movimento que ocorreu na Cidade do Salvador, capital da Província da Bahia, no ano de 1798. Possui importância ímpar para a história política do país, visto que já nesta época os conspiradores baianos, influenciados pelas ideias iluministas da Revolução Francesa (1789), planejaram um Levante que pretendia derrubar o Governo Colonial, proclamar a independência e implantar uma República democrática, livre da escravidão, onde haveria “igualdade entre os homens pretos, pardos e brancos”. Esta “tentativa de independência do Brasil”, no dizer do historiador Braz do Amaral, foi denunciada antes da deflagração e o governo instalou uma Devassa que, durante 15 meses, convulsionou a cena política da Bahia, atingindo centenas de pessoas com ameaças, interrogatórios, detenções, condenações de açoites públicos, prisões, degredo perpétuo, e até a pena de morte, sentença máxima que se abateu sobre quatro homens negros: os soldados Luiz Gonzaga (36 anos) e Lucas Dantas (23 anos), e os alfaiates João de Deus (27 anos) e Manoel Faustino (22 anos), enforcados e esquartejados em 8 de novembro de 1799 na Praça da Piedade, em Salvador. Junto a estes quatro mártires, temos o dever de consciência de acrescentar o nome de Antonio José, escravo boleeiro de um tenente coronel, que ordenou sua prisão. Antonio era homem ativo na conspiração e deu entrada na Cadeia Pública em 28 de agosto de 1798. No dia seguinte, ainda cedo, foi encontrado morto em sua cela, com um punhado de comida na boca e o corpo apresentando evidentes sinais de envenenamento. A notícia da morte logo se espalhou na cidade e as muitas bocas nas conversas diziam que Antonio foi assassinado para garantir o silêncio. O fato é que a misteriosa morte de Antonio José jamais foi esclarecida e se tornou mais um, entre os muitos enigmas do longo processo de Devassa. Antonio José, portanto, é o quinto mártir da Revolta dos Búzios. A Revolta dos Búzios é uma história que precisa e merece ser conhecida mais amplamente, saindo das sombras das efemérides oficiais. No seu estudo, tomamos como principal fonte de pesquisa os “Autos da Devassa”, documento de inegável valor histórico, com mais de 2.000 páginas escritas no “calor da hora”, contendo o desdobramento minucioso da grande investigação que o governou mandou proceder, após o surgimento dos “papéis revolucionários” em 12 de agosto de 1798. Estes “Autos” cobrem um período de agosto/1798 a novembro/1799 e são transcrições de dezenas de sessões da Devassa, incluindo a íntegra dos depoimentos de mais de 70 pessoas que foram interrogadas. Trata-se de um texto viciado e absolutamente parcial, escrito por homens que integravam a estrutura do poder colonial, comprometidos a priori com a condenação dos conspiradores, acusados de crime de lesa-majestade. Contudo, dele se pode obter informações valiosas, se lhes for dedicado uma “leitura a contrapelo”, como diria Walter Benjamin. Algo novo na nossa história, diferente de outros movimentos separatistas da América Portuguesa, a conspiração baiana de 1798 defendia as bandeiras da Independência, que só viria em 1822, da República, proclamada apenas em 1889, e avançava na defesa do fim da escravidão, conquistada somente no ano de 1888. Isso nos leva a crer que, no Brasil atual, onde a população afrodescendente é majoritária (50,74%, IBGE 2010), não é mais possível continuar desconhecendo movimentos sociais protagonizados pelo povo negro, que teve grande importância na formação histórica e política do país. É neste sentido que a realização deste projeto contribui para preencher uma lacuna na história da Bahia e do Brasil, que necessitam de iniciativas como esta, fundamentais para a afirmação e consolidação da autoestima e identidade étnica de seu povo. Sem pretensão de análise, os textos do Calendário têm uma narração descritiva dos acontecimentos, um esboço da tentativa de “esquartejamento” dos “Autos da Devassa”, mais do que nunca necessário, para que a gente não fique falando do que não conhece, contrapondo o ocultamento indesejado, a desinformação generalizada, que, a despeito das boas intenções, produz danos históricos também graves. Faço um agradecimento especial à Secretaria da Educação do Estado da Bahia, que adquiriu uma cota do calendário para distribuir nas escolas públicas e, assim, possibilitou que o projeto fosse realizado. Às outras instituições (púbicas e privadas) que não alcançaram esse entendimento..., não alcançaram. Mais importante que isso foi o nosso desejo de contribuir com o desvelar de uma história importante para a Bahia e o Brasil. Agradeço também as valiosas leituras críticas de Luciene Maria, Léa Costa Santana Dias, Graça Leal e Sergio Guerra Filho, que contribuíram muito para reduzir as imperfeições do trabalho. E aos sempre presentes Sergio Guerra, Josias Santos, Raimundo Laranjeira e Raimundo Bujão, sem eles, eu não o faria. Por fim, dedico também este Calendário a minha linda flor Mariana Ayana, de seis anos, idade/tempo que dediquei a conhecer a apaixonante Revolta dos Búzios. Antonio Olavo Cineasta mória de icado à me Ded 962 - 2011), do Neves (1 Raimun orge Filho reiro São J o. mi do Ter a de Portã Tata Kasute Mãe Mirinh , de da Goméia . e cantando canções gentílicas. entre os anos de 1798 e 1799. por não terem opções profissionais. barulhenta. p. vivendo em sua casa envolvidos na sórdida miséria. Respirava um ar que tinha o cheiro do Recôncavo. queimados. onde andam os contratos. ourives. principalmente. para muitos indisfarçável. que utilizavam a mão-de-obra servil involuntária para ampliar seus rendimentos. Palma. (Ibidem. e alguma outra ocupação pública. 3 Fernando José de Portugal nasceu em Portugal no ano de 1753. cabeleireiros. 93). isto é rebuçados a 8 por um vintém. que vale o lavor três. e principalmente o São Bento. desejosos de ver na Colônia a cultura da Metrópole. hortaliças etc. lhes provenha das desenvolturas de seus pais. falando línguas diversas. trabalhadores de ganho. o Palácio Arquidiocesano. As mercadorias eram transportadas em saveiros. que utilizavam uma ampla rede fluvial.. quando a que têm pode bem ser. se acha hoje em uma rua chamada Nova. com golas tão largas. cordões. Toda a sociedade soteropolitana se utilizava da mão de obra escrava. Também era grande o número de pequenos proprietários de negros escravizados. vatapás. projetou a cidade como um dos principais centros distribuidores do mercado escravocrata da América portuguesa. em 1759). posto que exerceu até 1806. quatro meses após o seu desfecho. toucinho. 2012 Q S S 1 8 2 3 4 5 6 7 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 1 9 16 23 31 1 . com notas e comentários de Braz do Amaral e. (Ibidem. Santo Antonio Além do Carmo. totalmente dependente da população negra. e isso com alaridos tão horrendos e dissonantes que causam medo e estranheza. ótimos muitos deles. recém-aberta. e de ordinário sem meias.Confraternização Universal 1 Neste trabalho. e o largo Terreiro de Jesus.. mingau. o Hospital Militar. p. Para Vilhena Boa parte desses homens e mulheres buscavam usar o longo tempo ocioso em saraus e bailes palacianos. 12 mil eram escravizados e se constituíam na base produtiva para o funcionamento da cidade. que não possa ser da repartição dos negros. pilotos. governada pelo fidalgo Dom Fernando José de Portugal3. recebia pelo mar quase tudo o que consumia e vivendo do comércio. 1969. ou nunca aqui trataram com senhoras. que cada uma leva em fivelas. a majoritária população negra vivia em péssimas condições de vida. com a produção de coco. que escreveu: Não parece ser muito acerto em política. com intenso movimento de trabalhadores no cais do porto. e pretas vestidas com ricas saias de cetim.. (Ibidem.5681 www. surgiam vários embriões de aglomerados urbanos. bastantes cristalinas [. basta para comprar duas. suja e ao mesmo tempo cheia da vida que lhe conferiam 60 mil habitantes. onde o grande frio corresponde ao que aí sentimos em maio. que constituem um documento de grande valor histórico. bordadas de forma tal. e certas misturas a que chamam de aloá. é que de ordinário saem acompanhadas de uma tal comitiva. destacavam-se imponentes os prédios do Palácio do Governo. Colaboração no Texto: Luciene Maria.. é em sumo grau asseadas [. ubobó. Pesquisa. Cartas de Vilhena (IV) “Não deixa de ser digno reparo o ver que das casas mais opulentas desta cidade. Segundo Vilhena: Os brancos naturais do país hão de ser soldados. acaçá. que por mais espaçosas. Para verem as procissões. sem que esses maus críticos se lembrem. Esse material foi formatado em livro e publicado em 1922. ou três negras. como seja peixe. a aguardente e o açúcar. a que dão o nome de moqueada. Morou em Salvador até 10 de dezembro de 1799. estes dois últimos vindos dos grandes canaviais cultivados em terras de massapé no Recôncavo. p. produto de luxo no consumo familiar. farinha de mandioca. Até mesmo a Igreja. e vis. por serem estas temperadas. Ocupava a área nobre. Voltou ao Brasil em 1808. roletes de cana. e também os vendia e leiloava sem cerimônia.br portfolium@portfolium. em data desconhecida. era dividida em Cidade Alta e Cidade Baixa. onde o luxo e a opulência de uma minoria branca se derramavam sobre as ruas. caixeiros de trapiches etc. quando saem fora se empavesam d e tal forma. que aqui são senhoras. Desterro. e a parelha de negros que a conduzem. se ofereciam para integrar as fileiras das tropas regulares da América portuguesa. barcas e canoas. uma na Praia. ou trezentos mil réis.] e podes viver certo em que. os produtos mais relevantes para a economia regional eram o tabaco. alfaiates. e quando a função o permite aparecem com as suas mulatas.com. Janeiro D S T Q No entorno das praças. onde se destacavam a Praça da Piedade. Franciscanos e Jesuítas (até a sua expulsão. boticários. a Praça do Palácio. foi nomeado Vice-Rei e Capitão General de Mar e Terra do Brasil. onde se localizava muitos engenhos que produziam excelente cana-de-açúcar. [. mentem. e doces de infinitas qualidades. que não terão dúvidas em tecer a sua genealogia mais comprida que as dos hebreus. o mesmo de milho.portfolium. p. pelo seu asseio. Salvador negociava com Portugal e suas colônias. celeiro fértil para o seu abastecimento. núcleo central do poder político e administrativo. fonte principal de nossa pesquisa. altamente rentável. e se lhes vêem os peitos. Cartas de Vilhena (II) “Não há nesta cidade uma só praça de mercado. Bento. de que são alguma cousa neste mundo. e bentinhos. pulseiras. indo até a Soledade. Salvador era uma cidade agitada. (VILHENA. em fuga das tropas francesas que invadiram Portugal. A carne. é a terceira quitanda nas Portas de S.134). A atividade. com a desgraça porém de serem tão pequenas que nenhuma as quis alugar. ou cassa. o Tribunal da Relação. pão-de-ló de arroz. onde o Senado havia mandado fazer outras cabanas. ou vinte. que em toda parte se encontram.com. (Ibidem. 138). peixe. que fecundam o país. não dão acesso tão livre como aí vão publicar os detratores. dez e mais negros a vender pelas ruas a pregão as cousas mais insignificantes. dançando desonestamente. arroz de coco.] Quando saem às suas visitas de cerimônia. em 1969. e horrorosos atabaques.] As peças com que se ornam são de excessivo valor. a Câmara Municipal. principalmente na região do Iguape. ou mulatas como a que o leva: e tal conheço eu que nenhuma dúvida se lhe oferece em sair com quinze. como o professor de grego Luís dos Santos Vilhena2. representada pelas principais ordens religiosas dos Beneditinos. que muitas vezes caem. feijão de coco. interligando o interior às sedes dos distritos e estes por sua vez à capital. onde faleceu em 1814.3334. baleia no tempo da pesca. posto que ocupou mais de 200 anos. para tomar por vomitórios. saem oito. que aquecia o caldeirão da tensão social latente. mas sim com mulheres da tarifa. Salvador era a sede da Capitania da Bahia. ramos de muitas famílias ilustres.. negociantes.Luis dos Santos Vilhena por “satisfação do espírito e desafeição ao ócio”. (Ibidem p. quando partiu para Lisboa. Léa Costa Santana Dias. foi nomeado governador da Capitania da Bahia. os ares são puros. tinha o cais como o grande portal das relações econômicas. que aquelas. padeiros. e onde o Senado mandou fazer umas casinhas para alugar às quitandeiras. como cirurgiões.. ladeadas por corredores de casarões. quase nunca ficam por alugar”. nomeado pela coroa portuguesa para dar aulas de grego. base alimentar da população pobre na cidade e tão importante que fazia parte da remuneração dos soldados e funcionários públicos. e cambraia transparente. São estas criticadas de pouco honestas. 54). recorrente na documentação da época. camarão e. marceneiros. Cartas de Vilhena (I) “Há nesta cidade. considerado “uma inédita e perfeita descrição da Bahia no século XVIII” (VILHENA. com camisas de cassa finíssima. carurus. onde tabaco. as fontes. Posteriormente. os seus batuques bárbaros a toque de muitos. que ali recolhiam água da fonte e realizavam animados batuques. em março de 1800. acarajé. mas sim uns lugares a que chamam quitandas. quando retornou a Lisboa onde ocupou cargos importantes. Saúde. ou avós. nos quais se juntam muitas negras a vender tudo o que trazem. As cadeiras em que saem para funções públicas não importam em menos de duzentos. utilizava escravos dentro dos conventos. era o local do comércio. perdendo-o para o Rio de Janeiro em 1763. carpinteiros. [. além das igrejas. mestres ou capitães de e mbarcações. que até lhes custa reverenciar a Deus”. onde há poucas casas. que sem hipérbole. e tanto é o ouro. Texto e Fotografias: Antonio Olavo Design Gráfico: Raimundo Laranjeira Desenho dos Mártires: Fábio Chamusca Colaboração na Produção: Raimundo Bujão / Josias Santos. Destas quitandas há três em toda a cidade.] O certo é que se encontram bastantes sujeitos. entre elas a Igreja da Sé. escreveu 24 cartas endereçadas a Portugal. nobre ou plebeu. assim ornadas. Faleceu no Rio de Janeiro em 1817. visto que o branco. hábito contumaz de uma elite social mundana. donos de metade da área urbanizada da cidade. isto é mãos de vaca. oficiais em algum dos tribunais. de que estão debaixo da zona tórrida. que faz as vezes de limonada para os negros” (Ibidem.br Produção. A Cidade Baixa. principalmente a Costa da Mina na África. Na cidade.. e o que mais escandaliza é uma água suja feita com mel. os astros claros. As mulheres negras trabalhavam como domésticas ou em serviços de ganho nas ruas. entre os quais 70% de africanos e afrodescendentes.. Entre os mais de 40 mil pretos e pardos aqui existentes. expondo as contradições profundas de uma sociedade escravocrata e racista. becas de lemiste finíssimo. 45). canjica.. 2 Vilhena nasceu em Portugal e veio para a Bahia em 1787. 1969. e me consta que por todo o Brasil. e as árvores muito frondosas em todas as estações do ano. retornou para a Bahia. dentre outras profissões. A O clima desta cidade. Contudo. açúcar e aguardente eram trocados por negros escravizados. ou quatro vezes mais que a peça. o tolerar que pelas ruas. ferreiros. acompanhando a família Real.130) A Cidade da Bahia o final do século XVIII. pamonha. e outro sexo. utilizaremos a denominação de pretos. Nesta área central. vinha dos grandes rebanhos de gado que se espalhavam pelas terras imensuráveis dos sertões baianos. ponto convergente de pretos e pardos1..] Há outros que entusiasmados sem fundamento. Carmelitas. e terreiros da cidade façam multidões de negros de um. p. se não é que os apelidos são bastardos [. 51). ao redor do poderoso Mosteiro dos Beneditinos. formada pela longa e tortuosa Rua da Praia. como sejam iguarias de diversas qualidades: mocotó. Com ruas mal calçadas e estreitas. por andarem dentro em suas casas em mangas-de-camisa. para a insatisfação das igrejas locais e de observadores portugueses. Aos 35 anos.] os prados são amenos. e camisas de cambraia.. livre ou cativa. nada menos de trezentos mil réis”. A Cidade Alta começava no Forte de São Pedro. inclusive nos “Autos da Devassa” do movimento de 1798. colares ou braceletes. Igualmente as notam de andarem em suas casas muitas vezes descalças. Graça Leal e Sergio Guerra Filho Agradecimentos: Sergio Guerra / Antonio Jorge Godi / Washington Queiroz / Instituto Búzios / Conselho Estadual de Educação / Conselho Estadual de Cultura . e os homens atuavam como pedreiros. como o bairro da Praia. e disputar nobreza com os grandes de todo o mundo. aquelas pois que são senhoras. os que aí vão dizer o contrário. carne meia assada. Debruçada sobre a encantadora Baía de Todos os Santos. Cartas de Vilhena (III) “Passando pois a falar do sexo feminino te assevero. ganhou uma nova edição apresentada por Edison Carneiro. e negociações de maior porte. 71. pardos e brancos. Devido a sua atuação enérgica na repressão ao movimento conspiratório republicano. p. angu. calafates. ou Fazenda. escrivães ou escreventes. isto é papa de milho. ou Juízes de Justiça. é benévolo. e seus contornos. ainda saudosa da época áurea em que Salvador era a capital da Colônia. banana. p.1). outra que indecentemente estava na praça ou Terreiro de Jesus. o sabem verdadeiramente ser [. Muitos homens pretos e pardos também realizavam serviços domésticos e eram carregadores de gente e de fardos. não fazia trabalhos manuais. enquanto outros. em uma versão popular. 1931). Foi preso em 5 de janeiro de 1799 e condenado a um ano de prisão na cadeia púbica. livros didáticos e entidades do Movimento Negro. Ao iniciar o ano de 1798. homem branco. médicos. única carga que sem dúvida trazia. baixos soldos. ferreiros. desconfiado. 2 Hermógenes de Aguilar Pantoja era um homem branco. naturalmente estava no centro das conspirações republicanas de 1798. Chegavam à Bahia e ganhava uma interpretação á luz da nova realidade. alegando avaria. mas os ideais iluministas germinaram e eram chamados de Francesias. Ensaio de Sedição de 1798 (István Jancsó. há somente uma única indicação indireta. tendo a lista branca uma grande estrela vermelha. Outro depoimento curioso foi o do soldado Romão Pinheiro que disse ser “verdade que ele tinha sociedade com Lucas Dantas e com outros mais. os soldados pretos e pardos. a elite ilustrada começava a substituir seus livros em latim. envolvendo advogados. Sedição de 1798 (José Carlos Ferreira. sendo interessante observar que o movimento de 1798 ganhou. As descrições físicas dos interrogados registram que Manuel Faustino e Lucas Dantas usavam brinco na orelha. 14 21 71. 371). Para o historiador Braz do Amaral. como a queima da tradicional forca da cidade. o mais importante centro intelectual da América portuguesa. pois confabulavam homens pardos. ameaçando destruir os tronos. Pesquisa. 1857). mas tempo suficiente para muitas comunicações. Jornais. este era francês e do partido da rebelião” (AUTOS. 1931. Falava e escrevia fluentemente em francês e.Viva Senhor Lucas!” (Ibidem. foram importantes acontecimentos que marcaram época na defesa de princípios libertários. formavam nas tropas regulares um campo fértil para a insatisfação e a revolta. mas que essa sociedade era sincera e os vivas que nela se davam igualmente sinceros” (Ibidem.1808). A França não enviou navios. O advogado de defesa José Barbosa de Oliveira impetrou recurso contra sua sentença e conseguiu a redução para seis meses. um dos maiores símbolos de repressão do Estado. Fevereiro 2012 D S T Q Q S S 1 5 6 7 8 2 3 4 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 7 21 . Conspiração dos Búzios (Viriato Corrêa. o final do Século das Luzes testemunhou o advento da Revolução Francesa (1789). o escravizado José Felix. 1798) Conspiração Socialista na Bahia em 1798 (Varnhagen. que navegava sob bandeira espanhola e. em certa ocasião numa conversa com o cirurgião prático José Freitas Sacouto teria dito que “todos os que visse com brinquinho na orelha. Esses acontecimentos ecoavam em Salvador. 536). O historiador Braz do Amaral escreveu: “segundo informações que possuo. as ideias revolucionárias. 349). cabeleireiros. circulavam discretamente na cidade e animavam encontros e debates. liderados pelo capitão da Marinha de Guerra da França. desenvolvia-se. destacou o tenente do 2º Regimento de Artilharia. e se ampliavam para segmentos populares. Na Cidade da Bahia. “a sua qualidade de conspiração formada no seio do povo. O recrutamento forçado e violento. o regime colonial vivia um período crítico. em que disseram: “Viva Senhor Romão! . p. marceneiros. A política se espalhava pela cidade e manifestações de protesto ocorriam amiúde. a língua da época. A Conspiração m 1798. O desejo de mudanças crescia e havia em muitos o descontentamento e a revolta. a intensa luta de uma numerosa população negra cativa em busca do direito de construir o seu destino.. Mesmo lhe dando boas vindas. chamando os cativos com a voz da liberdade” (AUTOS. p.Denominações do Movimento Ao longo da história. indica como a propaganda das ideias liberais ia ganhando terreno em todas as camadas sociais” (AMARAL. que sofriam com mais intensidade a falta de horizontes e E as precárias condições da vida colonial. e esta impressão foi reforçada pelo relato de outro conjurado. o movimento de 1798 ganhou várias denominações: Sedição de Mulatos (desembargadores da Devassa. que. Lacher permaneceu apenas um mês na cidade. As reações contra uma igreja comprometida com o poder era cada vez mais frequente. após quase três séculos de dominação portuguesa. Conspiração Republicana / Conjuração de 1798 / Conjuração de João de Deus / Movimento ou Tentativa Revolucionária de 1798 (Braz do Amaral. 1931. tremulando a bandeira da República e da Liberdade. A instituição funcionou como um centro de debates das ideias iluministas para intelectuais locais. trazendo a bordo um grupo de oficiais franceses. aniversário da revolução francesa. p. Era algo que não havia ocorrido ainda nos movimentos de contestação colonial. p. tanto nos grandes centros quanto no interior das capitanias. o governo. In Notícias da Bahia. através do testemunho de Francisco de Almeida. Colaboração no Texto: Luciene Maria. uma das quais branca. 1890). (AMARAL. interrupção às pregações religiosas durante as missas e até mesmo a realização de jantar de carne em plena sexta-feira santa. barba crescida. na Praça da Piedade. O ourives Luiz Pires. Estes vivas foram considerados uma senha da conspiração. planejando um Levante “ao fim de erigir o continente do Brasil em Governo Republicano. interessada na autonomia política. A Primeira Revolução Social Brasileira (Afonso Ruy. A Bandeira Existiu uma bandeira do movimento conspiratório republicano de 1798? Alguns historiadores afirmam. algumas ousadas. para acompanhar o carismático oficial francês em suas andanças. L. com letreiros aplicados a liberdade” (Ibidem. Essas ideias ganhavam adesão entre a elite ilustrada baiana. localizada no Campo da Pólvora. livre e independente. pelos escritos em francês. p. p. 1998. não foi registrada nenhuma citação direta sobre a existência de uma bandeira da conjuração. oficial influente na tropa e um ardoroso partidário dos ideais iluministas. p. 1922). na manhã de 30 de novembro de 1796. Boatos circulavam na cidade dando conta de que homens ilustrados realizavam reuniões clandestinas para a leitura de livros e folhetos proibidos. o historiador Brás do Amaral citou a existência da bandeira e a descreveu: Alguns afirmam já terem os conjurados uma bandeira composta de três tiras. até o meio do queixo com um búzio de Angola nas cadeias do relógio.102). Neste processo ocorreram as chamadas inconfidências em Minas (1789) e no Rio de Janeiro (1794). considerado pela Devassa como “um dos principais cabeças da conjuração”. 1951). 1926. trazendo as novas do iluminismo e do liberalismo. 753). Já o prestigiado historiador Luís Henrique Dias Tavares. a língua culta. livros e folhetos vindos da Europa. No cenário internacional. Aliado a isso.. ao declarar que. tempo de serviço longo. de 28 anos. Até mesmo uma loja maçônica denominada Cavaleiros da Luz teria sido fundada em 14 de julho de 1797. [foi] fundada na povoação da Barra. 1998. 28 anos. em 14 de julho de 1797” (AMARAL. sugerindo o envio de uma esquadra francesa para apoiar a revolução. professores e religiosos3. encontrou-se com o ourives Nicolau de Andrade e este lhe falou que “era público se achara na casa dele [João de Deus] umas Bandeiras.. ourives etc. 91). no dia da prisão do alfaiate João de Deus. inclusive as mais populares: Revolução dos Alfaiates / Revolta das Argolinhas / Conjuração Baiana / Revolta dos Búzios.br portfolium@portfolium. se retirou para o Rio de Janeiro1. acessíveis apenas aos homens brancos. Inconfidência Baiana (Egas Muniz de Aragão. como alfaiates. com cinco outras menores entre os raios e embaixo a divisa “Surge. Era o navio Boa Viagem. se consideravam discriminados por não poderem ascender a postos de comando nas milícias e nos Regimentos de Linha. navegador experiente e revolucionário de 1789. dentre duas azuis. 1993). Movimento Revolucionário Baiano de 1798 / Sedição Intentada na Bahia (Luís Henrique Dias Tavares. de inspiração iluminista. Texto e Fotografias: Antonio Olavo Design Gráfico: Raimundo Laranjeira Desenho dos Mártires: Fábio Chamusca Colaboração na Produção: Raimundo Bujão / Josias Santos. Graça Leal e Sergio Guerra Filho Agradecimentos: Sergio Guerra / Antonio Jorge Godi / Washington Queiroz / Instituto Búzios / Conselho Estadual de Educação / Conselho Estadual de Cultura . repercutindo intensamente no seio de uma população oprimida. Além disso. nec mergitur” . pretos e brancos. em carta ao governo francês. a denominação de “Revolta das Argolinhas”. dono de uma loja de cravador. Contudo.. que presenciou um encontro entre Lucas Dantas e Romão Pinheiro. Manuscrito de autor desconhecido. potencializando sobremaneira o desgaste do modelo servil. Mesmo sufocada pelas amarras opressivas da Metrópole. Nos interrogatórios dos réus. 2003. sob o nome de Cavaleiros da Luz. p.portfolium.Carnaval 1 Relação das francesias formadas pelos homens pardos da Bahia no ano de 1798.com. Estas duas últimas têm sido muito utilizadas por historiadores. Os “sinais distintivos” Trechos de algumas falas durante os interrogatórios conduzidos pelas Devassas indicam que haveria sinais que distinguiam e identificavam os participantes da conspiração de 1798.com. Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia.. pairava no ar um ambiente anunciador de uma grande movimentação política que caminhava clandestinamente pelas ruas e becos da Cidade da Bahia. a forma como alguns participantes se cumprimentavam. caracterizado por movimentos separatistas desejosos de independência e liberdade. escreveu que a Bahia era um campo fértil para semeadura de propósitos revolucionários.br Produção. a primeira loja maçônica da Bahia. Um manuscrito de autor anônimo circulou. pois seu povo estava “cansado do governo real e teocrático”. entravam pelo movimentado porto marítimo e ganhavam as ruas. considerado o maior estudioso do movimento de 1798. quase todos pretos e pardos. com o apedrejamento de nichos religiosos na madrugada. 1961/1975). embora não levantassem a bandeira do fim da escravidão. pedreiros.. Movimento Democrático Baiano de 1798 (Kátia Mattoso. Antoine René Larcher (1740 . 310). Em todo o volumoso texto dos “Autos da Devassa”.. outros negam. Léa Costa Santana Dias. afirmando que aportou nesta cidade uma nau francesa que depois de descarregar com todo o segredo e sagacidade uns livrinhos cujo conteúdo era ensinar o modo mais cômodo de fazer sublevações nos Estados com infalível efeito. e promoviam encontros e debates nos distantes e isolados arrabaldes de Itapajipe e Barra. paralelas a haste. E eis que. 38).3334. gestadas nos núcleos desenvolvidos da Europa. 1932).5681 www. 3 A existência de uma loja maçônica denominada Cavaleiros da Luz é um dos muitos pontos não esclarecidos do movimento de 1798. Hermógenes de Aguilar Pantoja2. Também nos quartéis a situação era precária. p. 1998. que difundiu a semente das revoluções pelo mundo ocidental. escreveu: “não tenho apoio documentado para negar ou fazer afirmações sobre a existência ou não de organização maçônica na Bahia em 1797-1798” (TAVARES. tentando para isso um levantamento no povo. Entre outras denominações. solicitou permissão para ancorar. 103). Pouco depois. péssimas condições de trabalho e frequentes castigos físicos. 1969). lentamente uma embarcação se aproximou do porto. 399. as péssimas condições de trabalho e os frequentes castigos físicos. de forma ousada e corajosa. o tempo é chegado para a vossa ressurreição. “papel revoltoso”.. considerando nos muitos e repetidos latrocínios feitos com os títulos de imposturas. finalmente a Liberdade é o repouso.. pardos e pretos concorram para a Liberdade Popular.. pardos e brancos. Defendiam a abertura dos portos.] esse mesmo rei tirano é quem se firma no trono * O Povo Bahiense e Republicano ordena manda e quer.Denominações dos “papéis” Nas páginas dos volumosos “Autos da Devassa”. A Liberdade consiste no estado feliz.com. 1998. “detestáveis libelos”. forma e maneira se atrever a persuadir aos ignorantes e fanáticos com o que for contra a Liberdade. confessionário. 233 Soldados de Milícia. 1 e 2). “papéis de revolução”. todos serão iguais. quer e manda o Povo que seja feita a sua revolução nesta cidade por consequência de ser exaltada a bandeira da igualdade. Soma total . “papéis que falavam em aumento de soldo para os soldados”. Fernando José de Portugal. De imediato. sabei que já seguem o partido da Liberdade os seguintes: 34 Oficiais de Linha. “pasquins que falavam sobre religião e liberdade”. haja por bem o exposto. (AMARAL. o tempo em que todos seremos irmãos. Os “papéis” do dia 20 de agosto Em 20 de agosto de 1798. “papéis que falavam em revolução”. Ex. Novidade desta vez. igualdade e fraternidade do Povo: outrossim manda o Povo que seja reputado concidadão aquele Padre que trabalhar para o fim da Liberdade Popular. para vós roubar e para vos maltratar. curiosamente. e no que respeita a inutilidade da escravidão do mesmo Povo tão sagrado e Digno de ser livre. Os “papéis atrevidos” clamavam contra os impostos abusivos.3334. salários dignos para os soldados e comércio livre entre as nações. portanto manda que seja punido com pena de morte natural para sempre. quanto das testemunhas ouvidas por ela: “papéis revolucionários”..br portfolium@portfolium. da nossa liberdade e da nossa felicidade está para chegar. Quer o Povo que todos os Membros militares de Linha. se tinham fixado na manhã de 12 de agosto passado. o tempo de serviço longo. “papéis ou editais tendentes a uma sublevação”. • O Povo Bahiense e Republicano na secção de 19 do presente mês houve por bem eleger e com efeito ordenar que seja V.br Produção.“aqui virão todos os estrangeiros tendo porto aberto. conclamavam a adesão do Prior dos Carmelitas e do governador. “papéis atrozes. “horrorosos papéis”.. alias. Igreja da Lapa.. “atrevidos e descarados” papéis que “falavam em uma próxima revolução que se intentava fazer. queremos. conversação. quando se imaginava que o episódio do surgimento dos “papéis” do dia 12 caminhava para um desfecho. Transcrevemos a seguir trechos de alguns dos “papéis”: Animai-vos Povo Bahiense que está para chegar o tempo feliz da nossa Liberdade. Ó vós Povo que viveis flagelados com o pleno poder do Indigno coroado [. 81 Aauxiliares do Santo Oficio. e bem aventurança do mundo. 3 Barbadinhos. mascates. “incendiários libelos”. mercador. “papéis de francesias”. grifos nossos). apareceu um Pasquim na porta do açougue da Praia. os manuscritos autodenominados de “Avisos” e “Prelos” receberam muitas denominações tanto dos comandantes das Devassas. Graça Leal e Sergio Guerra Filho Agradecimentos: Sergio Guerra / Antonio Jorge Godi / Washington Queiroz / Instituto Búzios / Conselho Estadual de Educação / Conselho Estadual de Cultura . Pesquisa. “papéis livres”. manda o Povo que cada um soldado perceba de soldo dois tostões cada dia. que para o futuro seja feita nesta Cidade e seu termo a sua memorável revolução.vive et vale. homens brancos. anunciavam uma Revolução e a imediata implantação de uma República democrática e independente.676 [660] para vos vexar. mormente os homens pardos e pretos que vivem escornados e abandonados. lavradores de mandiocas. era a força e a abrangência dos escritos. “papéis insultantes”. com data de 20 de outubro de 1798. “papéis atrevidos”. homens letrados. entre outros locais. Texto e Fotografias: Antonio Olavo Design Gráfico: Raimundo Laranjeira Desenho dos Mártires: Fábio Chamusca Colaboração na Produção: Raimundo Bujão / Josias Santos. 334). em nome do “Poderoso e Magnífico Povo Bahiense Republicano”. no estado livre do abatimento: a Liberdade é a doçura da vida. 46 Inferiores de Linha. Locais onde foram encontrados os “papéis” Há indícios de que tenham sido mais de 11 os “papéis” afixados nas portas das igrejas e nas paredes das casas e esquinas das ruas. [. logo que encontrado por um oficial militar. Republicanos para o futuro. 1998. procurei haver a mão os que constam do documento [anexo]. Buscando demonstrar força numa primeira manifestação pública. Espera o Povo que V. Igreja de São Domingos. Cada um soldado e cidadão. O governador da Bahia D. 11 Homens graduados em postos e cargos. Os oficiais terão aumento de posto e soldo. o tempo em que todos seremos iguais. exaltavam a França . que a inútil Câmara desta cidade mande por a carne a seis tostões” (Ibidem. 1931. “libelos revolucionários”. O Poderoso e Magnífico Povo Bahiense Republicano desta Cidade da Bahia Republicana. Os Papéis Revolucionários o amanhecer do domingo 12 de agosto de 1798. escreveu: Constando-me que em vários lugares públicos desta cidade. em carta à Coroa de Portugal. Colaboração no Texto: Luciene Maria. que abertamente pregavam o fim do domínio português e da escravidão. 11 dos quais foram registrados na documentação investigativa e 10 preservados. surgiram afixados em pontos de grande movimentação da Cidade do Salvador papéis manuscritos que. latente em uma grande parcela de homens e mulheres. povo o tempo é chegado para vós defenderes a vossa Liberdade: o dia da nossa revolução. “papéis atrevidos”. 8 Homens do comércio.] contanto que aqui virão todos os Estrangeiros tendo porto aberto. no mesmo dia 12 de agosto. com a implantação de uma “República Bahiense”.. deles tomou conhecimento. duas das maiores autoridades da Capitania. * Março D S T Q 2012 Q S S * 1 4 5 6 7 8 2 3 9 10 Ó vós Povo que nascestes para seres Livres e para gozares dos bons efeitos da Liberdade. 1 e 2). Esquina da Rua das Portas do Carmo (atual Rua Alfredo Brito)... pois mesmo quem não os leu. com a prisão de Domingos Lisboa. já que a estrutura hierárquica baseada em critérios raciais da administração militar impedia a ascensão dos pretos e pardos. sendo que mais de 70% dos listados pertenciam a tropa (soldados e oficiais) e os demais eram comerciantes. tributos e direitos que são celebrados por ordem da Rainha de Lisboa. por se terem já alguns rasgados afim de vir no conhecimento do que eles continham e dar as providências que pedia matéria tão delicada e melindrosa. 39 Inferiores de Milícia. mormente a Nação Francesa” .. religiosos. fabricantes de açúcar e tabaco hão de ter todo o direito sobre as suas fazendas com o auxílio do povo”. com o detalhamento das suas funções. p... Igreja da Sé. “homens do comum” etc. “papéis atrevidos”. e mandamos. Igreja dos Passos.. prometendo grandes vantagens à tropa e dando liberdade aos escravos” (AUTOS.. sediciosos e revolucionários”. [. 121. Esses “papéis de francezias” não eram novidade em Salvador. que anunciavam dia e hora para o início da Revolução e. 54 Oficiais de Milícias. que vivia uma insatisfação generalizada dentro dos quartéis. E tudo isso com o agravante de que os postos de comando somente eram permitidos aos homens brancos. “papéis sobre a liberdade e revoluções”. segundo a secção do Plebiscito de 19 do corrente.. invocado compativelmente como Cidadão Presidente do Supremo Tribunal da Democracia Bahiense para as funções da futura revolução que segundo o Plebiscito se dará principio no dia 28 do presente pelas duas horas da manhã. por qualquer modo. animai-vos que sereis feliz para sempre. Breve teremos socorro estrangeiro. 13 Homens graduados em Letras.5681 www. Hospício da Palma. [.“breve teremos socorro estrangeiro” (Ibidem. “papéis infames sobre revoluções”. o governo reagiu e. 14 Franciscanos. “pasquins ou papéis sediciosos”.. Léa Costa Santana Dias. com igualdade entre os homens pretos. para levantares a Sagrada Bandeira da Liberdade..portfolium. 35-37-38). portanto manda que todo o Sacerdote Regular e Irregular assim o aprove e o entenda alias. 20 Homens do comum. 107 Soldados de Linha. Esses “papéis livres” recuperavam sonhos e desejos de uma vida digna. sim para ressuscitares do abismo da escravidão. passando a chamá-los de “papéis revolucionários”. surgiram mais dois manuscritos em forma de carta.. mormente a Nação Francesa [. E também anunciavam que “qualquer comissário. onde houvesse “igualdade entre todos”. exortação. posto que um deles foi queimado à chama de uma vela. v. papéis que “continham palavras indecentes e atrevidas contra o Governo”. Aquele que se opuser a Liberdade Popular será enforcado sem mais apelação: assim seja entendido. “carta atentatória e revolucionária”. Exa. instalou uma Devassa com o objetivo de descobrir a autoria dos audaciosos “papéis revolucionários”.] É tempo povo. todo aquele e qualquer padre que no púlpito. “papéis desaforados”. “nefastos cartéis”. p. além das suas vantagens que serão relevantes. livres e escravizados. em forma de ultimato. Esses manuscritos romperam o silêncio das conversas e confabulações que vinham de há muito e provocaram grande repercussão na cidade. A presença majoritária dos homens de farda justifica a ênfase explicitada nos manuscritos da reivindicação de aumento do soldo para a tropa. Uma testemunha interrogada durante a Devassa disse que. * 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 1 8 15 22 30 71.. “papéis sobre a liberdade”. pretos e pardos. em meados de julho deste mesmo ano de 1798. Os “papéis” preservados foram afixados na Esquina da Praça do Palácio (atual Praça Tomé de Souza).com. “papéis insidiosos e revoltosos”. Liberdade e fraternidade popular. conforme o prescrito do Povo. Esquina da Rua Debaixo do São Bento (atual Rua Carlos Gomes) na quitanda da preta Benedita. não haverá diferença. nomeando-as chefe da igreja e chefe do governo: Reverendíssimo em Cristo Padre Prior dos Carmelitas Descalços e para futuro geral em Chefe da Igreja Bahiense. “papéis de francezias” e “papéis livres”. expondo.e acreditavam no apoio externo . “papel sedicioso que falava em República e Republicanos”. Igreja dos Barbadinhos Italianos. uma antiga insatisfação de amplos setores da sociedade baiana diante da cobrança de “tributos e direitos que são celebrados por A ordem da Rainha de Lisboa”. papéis que “falavam sobre pôr-se a farinha mais barata e dar dois tostões aos soldados”. com o recrutamento forçado e muitas vezes violento. p. vários Papéis sediciosos e desaforados e introduzidos outros desta natureza no Hospício da Palma e na igreja dos Barbadinhos italianos e em outras que me foram entregues pelos Prelados e Párocos. 48 Cléricos. milícias e ordenações. que recaiam sobre a produção e o comércio e se refletiam nas condições de vida do povo pobre. entre outras denominações (AUTOS.] para que seja exterminado para sempre o péssimo jugo ruinável da Europa.. 14 Therezos.. dizendo: “Nós Bahienses. um dos “papéis” trazia a indicação de 676 supostos seguidores do “partido da Liberdade”. v.]. o descanso do homem com igual paralelo de uns para outro. “pasquins infames”. Homens. que tinham em comum as precárias condições de sobrevivência que lhes eram impostas pelo Estado colonial. 8 Frades Bentos. só haverá liberdade igualdade e fraternidade. no dia 12 de agosto de 1798... p. para onde se refugiaram vários conjurados logo após o início das prisões em Salvador. pois somente compareceram 18 homens. no exercício que fez o seu Regimento” (AUTOS. Ameaçadora.] que os réus dos papéis sediciosos que se publicaram nesta cidade e da conjuração que nela se tinham urdido. p. e necessário combate. destinados ao Superior da Ordem do Carmo e ao Governador da Capitania. mas um grande incômodo nas rodas políticas da cidade.] e que haviam já mais de trezentas pessoas a seu partido. o bordador Domingos Pedro e o alfaiate Gonçalo de Oliveira. a fim de se constituir um Governo Democrático livre e independente. Ao retornar para a Bahia. cujo objetivo era caracterizar o movimento como de “poucos mulatos pobres”. Luiz Pires disse: “É tempo de ver a gente que temos. informações valiosas ficaram discretamente registradas em alguns depoimentos. Domingos foi preso. Pesquisa. ocorrida em 26 de agosto. porque se for o bastante. o governador Dom Fernando José. com a prisão de Domingos Lisboa. p. dia seguinte à fracassada reunião no Campo do Dique. opulenta e de respeito. mas. Graça Leal e Sergio Guerra Filho Agradecimentos: Sergio Guerra / Antonio Jorge Godi / Washington Queiroz / Instituto Búzios / Conselho Estadual de Educação / Conselho Estadual de Cultura .Os homens ilustrados Nos interrogatórios. em certa ocasião. o soldado teria dito: “já agora temos muita gente boa metida na dança. 37 foram sentenciadas. Em sua companhia. de 6 anos de idade.. Segundo Félix. dono de propriedades no Recôncavo. A notícia da prisão de Gonzaga logo se espalhou pela cidade e chegou até ao soldado Lucas Dantas. em 20 de agosto. aliás. nos havemos de calar. o soldado Romão Pinheiro. O surgimento destes novos manuscritos tencionou ainda mais o ambiente político. p. Manuel Faustino. esse chamamento ao governador causou não somente estranheza.3334. 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 6 13 21 29 06 . p. seu amigo de infância. 355). conclamando a adesão das autoridades ao movimento. Os novos manuscritos ignoravam a prisão de Domingos e anunciavam dia e hora para o início da Revolução. quando morou em Salvador. No final da manhã daquele domingo.372). considerado um dos mais ativos conspiradores e que fazia de sua casa ponto de encontro dos revolucionários. envolvendo denúncias. com os Autos Sumários de culpa de 37 réus: 34 presos. Lucas imediatamente desceu para as Portas do Carmo. e de forma bastante esparsa. Lucas entrou na sala e em voz alta teria dito: Abril D S T Q 2012 Q S S 1 8 2 3 4 5 6 7 9 10 11 12 13 14 As Devassas Avelar de Barbedo e Costa Pinto então formalizaram o Termo de Conclusão. A partir dos interrogatórios. faremos o levante. Temerosos de uma onda repressiva. Contudo. Sob o comando do ouvidor geral do crime e intendente da polícia. Dom Fernando José de Portugal. A onda de prisões prosseguiu durante os dias e meses seguintes. o qual consistia em atacar as Guardas Principais desta cidade e gritar logo pela voz da liberdade. defesas e dissimulações. Ao chegar. que trabalhava como aprendiz na tenda de João de Deus. adulta. o desembargador Manuel Magalhães Pinto Avelar de Barbedo. ao declarar que ele “o dito cirurgião queimara muitos papéis. Ao ser interrogado em 12 de fevereiro de 1799. Ao ser interrogada em 3 de outubro.portfolium. o alfaiate Ignácio Pimentel revelou ter ouvido de João de Deus a seguinte informação: Estava a favor desta empresa e da sua consumação o Padre Francisco Agostinho Gomes e Antonio da Silva Lisboa. e com 50 homens. era voz corrente na Bahia que o movimento conspiratório republicano teve uma participação expressiva dos homens da elite ilustrada. que apostava no final do caso. que havia já disposto na sua parte. p. A segunda criança é Ana Piedade. A primeira é João Benguela. onde morava o ourives Luiz Pires. recém-chegado da Ilha de Madeira e com quem tinha “reflexões sinceras. nem sua aplicação ao continente do Brasil. a menina Ana declarou que certo dia. criando a expectativa de uma grande reunião. interrogatórios. A cidade viveu tempos difíceis com intenso. e impressionado com o rumo dos acontecimentos. apareceram mais dois “papéis sediciosos” em forma de carta. 25 de agosto. Interrogado poucos dias após a sua prisão.Paixão de Cristo 21 . sobre o governo econômico desta terra. Não obstante.. a Devassa comparou letras de antigas petições no arquivo do governo e apontou o requerente de causas Domingos da Silva Lisboa como autor da ousada iniciativa. que a mesma sua mãe os lançara fora” (Ibidem. bem como em qualquer outro lugar. a qual se achava pronta. que morava na parte inferior de um sobrado na rua do Cruzeiro de São Francisco. p. (AUTOS. Em 30 de agosto de 1798... p. O anúncio abalou a todos. De imediato. foi preso em 20 de dezembro de 1798 e conduzido a Salvador. inclusive o Engenho Guaíba. que ambos como ricos e poderosos seriam os que haviam de sustentar a força do levantamento. p. Além do mais. embora o mantendo preso. Sua ação política chamou a atenção das autoridades e. e até o Excelentíssimo Governador. Entre os que foram ao Guaíba estão Lucas Dantas. não há mais referência aos filhos de João e Luiza. dramático e tumultuado processo de investigação. porém não quer que Se Saiba [. A Devassa O surgimento dos “papéis revolucionários” na madrugada de 12 de agosto. 591). que estavam prontos. sob a responsabilidade do desembargador Francisco Sabino Alvares da Costa Pinto. 10 anos. eles foram poupados e não sofreram punição mais grave. que baixou uma portaria determinando a abertura de uma Devassa. Contudo. pronunciadas no crime de lesa-majestade “por serem autores e cúmplices do pretendido Levantamento nesta cidade a fim de estabelecerem um Governo Democrático” (Ibidem. que dele havia de resultar. desnorteando a investigação em curso. uma sua tia. 141). (Ibidem. provocou uma reação imediata do governador da Capitania da Bahia.Tiradentes 71. Lucas Dantas declarou que no mês anterior o pedreiro Antonio Simões foi a sua casa e falou da existência de uma pessoa desta Cidade. o cirurgião prático Freitas Sacouto e o ourives Nicolau de Andrade. Ao receber a informação. constantes das Devassas a que mandei proceder. (Ibidem. Em 18 de setembro. a Devassa foi iniciada no mesmo dia 12 de agosto. dois foragidos e um morto na cadeia pública. Nas páginas dos “Autos da Devassa”. Em março de 1799.887). a movimentação política na cidade foi intensa. de 12 anos. dizer a sua mãe que consumisse os papéis que tinha. com saques e assassinatos das autoridades. há de se executar o nosso intento infalivelmente” (Ibidem. refletindo os comentários que circulavam pela cidade. 1998. surgiram muitas referências à sua pessoa. e demonstrou não ter nenhuma informação sobre as atividades políticas de João. bem informado sobre a conspiração pelas três delações do dia anterior. aniversário da Revolução Francesa. Colaboração no Texto: Luciene Maria. para que todos os réus fossem sumariamente sentenciados: Atendendo a que Sua Majestade foi servida recomendar-me por Carta Régia [. a citação de nomes da elite ilustrada baiana causava visível constrangimento às Devassas. com o objetivo de identificar a autoria dos manuscritos... Texto e Fotografias: Antonio Olavo Design Gráfico: Raimundo Laranjeira Desenho dos Mártires: Fábio Chamusca Colaboração na Produção: Raimundo Bujão / Josias Santos. era um dos ilustrados mais entusiasmados com o Levante. sempre encontrava com José Borges de Barros. além da escravatura dos Engenhos de Ferrão e Bulcão. um filho de Sacouto chamado Luiz. disse que. em 14 de julho de 1797. e depois se ocultara” (Ibidem. Nos preparativos para a reunião. . demonstrando claramente o castigo que estaria à espera de todos aqueles que ousassem desafiar o poder colonial. ao final do processo da Devassa. com a bagagem cheia de livros e jornais franceses. Ainda conforme Felix. que morava na vizinhança do cirurgião prático José Freitas Sacouto. 359).. Nos dias seguintes.5681 www. o escravizado José Félix declarou ter encontrado na Praça da Piedade. Ainda jovem fora para Lisboa onde se formou em Gramática. no Tabuão. 310). encontros e conversas. escravo de uma senhora da sociedade.283).br Produção. Preocupado com as incertezas e dimensões que os acontecimentos iam tomando e sem obter provas para incriminar Domingos. fora algumas vezes à casa do Tenente Hermógenes. uma portaria do governador determinou que se cumprisse a ordem da Rainha de Portugal.. (Ibidem. e convém. o governo buscou outro alvo de acusação e em 23 de agosto mandou prender o soldado Luiz Gonzaga das Virgens. os homens decidiram ampliar os contatos e convocar um grande ajuntamento no Campo do Dique. deixando o ambiente tenso. deflagrando o movimento sedicioso de 1798. e sobre o Estado Político da Europa” (Ibidem. acusações. p. a área mais populosa do interior baiano e centro de mineração. Ignácio Bulcão teve seu nome citado em muitos acontecimentos da conspiração republicana e até mesmo teria participado da fundação da loja maçônica Cavaleiros da Luz. Ao todo foram presas 52 pessoas. sejam sentenciados em Relação com a maior prontidão. p. forçaram-no a se retirar para Rio de Contas. para o fim de entrar em um levantamento. na Vila de São Francisco (atual São Francisco do Conde) . em agosto de 1797.. que ao final se revelou frustrante. 1998. no início de agosto. para surpresa geral. p. O governo português queria um desfecho punitivo e exemplar para esta audaciosa tentativa de levante. baixou uma portaria instalando outra Devassa. atrás do Convento do Desterro. onde exerceu a função de professor de Gramática. Sacouto foi localizado e preso. gerando comentários e suspeitas de que os ideais republicanos tinham a oculta simpatia de Dom Fernando José. Lucas Dantas o teria chamado em casa onde fez a seguinte declaração: Temos muitas Pessoas Principais. encontrou reunidos os alfaiates João de Deus e Manuel Faustino. com o objetivo de investigar o Levante que se planejava fazer na cidade. mas sim ao interrogatório de duas outras crianças. para a noite de sábado. Essa informação foi reforçada por outra testemunha. que não devemos querer ficar perdidos” (Ibidem.“Notícias funestas! Está preso o Luiz Gonzaga e foi na tarde de hoje. Léa Costa Santana Dias. a Devassa Costa Pinto anunciava: “os que entraram em semelhante conspiração ou como agente ou como cúmplice.. homem pardo.com. Outro nome importante na conspiração é o de Francisco Muniz Barreto de Aragão. p. com o seu dinheiro. por saber das conversas que circulavam na cidade sobre a eminência de uma revolta política. os conjurados tentaram ampliar as bases do movimento e ganharam promessas de muita gente para o dia 25.888).677). e também vizinha de Sacouto. Era o anúncio de uma grande ação repressiva que se iniciava. Benguela foi interrogado em 26 de setembro. Segundo os registros nos “Autos da Devassa”. Contudo. que Sabe disso. Antonio Simões. Destas. lhe disse que “ia embora. porque em sua casa sucedera uma coisa muito grande [que foi] ter ido a mesma sua casa.679). mas nestas visitas.952). O Bulcão citado é Joaquim Inácio de Siqueira Bulcão. nunca “praticara a respeito de revolução da nação francesa” (Ibidem. 309). tem cometido crime de lesa-majestade da primeira Cabeça D´Alta traição” (Ibidem. Mediados por recados. que tinha.com. No domingo 26 de agosto. o coronel Alexandre Teotônio comandou a invasão da casa de João de Deus e o prendeu juntamente com sua esposa Luiza Francisca e os cinco filhos menores. Por conta disso. As Devassas chegaram a sua fase final tendo realizado dezenas de reuniões e interrogado 70 testemunhas entre 17 de agosto de 1798 e 1º de março de 1799.br portfolium@portfolium. durante um encontro à noite. João ainda encontrou Luiz Pires.609). 60 homens. 25 de agosto. 1998. A Reunião do Dique reunião no Campo do Dique. E tanto ele quanto Luiz Gonzaga. O primeiro mandou avisar que “estava pronto e saia a aprontar os amigos para o levantamento” (Ibidem. Cipriano circulava com desenvoltura pelos quartéis. 1931.5681 www. Foi o idealizador da reunião no Campo do Dique. que ficariam emboscados. Damázia foi presa. fora definida dois dias antes. 1235). e já cá estiveram as outras pessoas. “provavelmente refugiando-se no mundo largo dos sertões” (AMARAL. Lucas Dantas prometeu mais 100. afirmando: que “se devia com a toda pressa pôr em execução o levantamento” (Ibidem. Por assegurar os parcos bens do filho. grifos no original). Nos dois dias seguintes. sem dinheiro e agoniado pelas desordens da terra. cautela com essa canalha africana. p. Raimundo foi um dos dois homens brancos ilustrados a comparecer à Reunião no Campo do Dique (o outro foi o tenente José Gomes). e nela morram morte natural para sempre” (AUTOS. se não. Era muito próximo de Luiz Gonzaga.. Enquanto decidiam o que fazer. Pesquisa. alguns homens foram a um boteco atrás do muro do Convento do Desterro. que é do nosso partido” (Ibidem. Era o coronel Alexandre. mas munidos com cassetes. Colaboração no Texto: Luciene Maria. formado em Medicina em Coimbra.portfolium. o cirurgião prático Freitas Sacouto. ainda o sangue de todo se não aqueceu. Luís Pires foi julgado à revelia por estar foragido. logo após a tentativa de reunião no Dique. na casa do ourives Luiz Pires. conventos. que já se não levantam? Para quando se guardam?” (Ibidem. 50. À meia distância passou um homem encoberto. sinalizando. junto com as demais autoridades. oficial de lavrar ouro e prata. o tempo está melindroso para escritas. e por terem igual notícia se retiraram” (Ibidem. pois acabara de saber que o Palácio do Governo vivera um dia agitado. Surpresos. era um local aprazível e muito utilizado para discretos encontros amorosos. 610). e Luiz Pires. devido a sua grande capacidade intelectual e à simpatia pelos ideais franceses e movimentos revolucionários mundo afora. seu irmão Joaquim José Barata de Almeida. Sua prisão ocorreu em 19 de setembro de 1798.291). ainda não enviada: Amigo Senhor Gercent. Em sua casa as ideias revolucionárias circulavam com facilidade. embora disfarçadamente. pois os tempos estavam mudando e brevemente as tropas de linha teriam comandantes brancos. 36 anos. a quem falou: “estamos determinados. Participante ativo das articulações conspiratórias dos homens ilustrados da cidade. nosso amigo. três machos e duas fêmeas. avistaram um vulto. a polícia cercou a casa de Cipriano e lhe deu voz de prisão. apelidados de nomes bíblicos. no caso de resistência. Cipriano confiava no apoio francês a uma revolução na Bahia e foi contra a tentativa de deflagração do levante por parte dos homens pardos. A reunião era uma tentativa de agregar forças contra uma onda repressiva que já se anunciava com a prisão do soldado Luiz Gonzaga. do combate contra a tentativa de Levante.Dia do Trabalhador 71. p. Léa Costa Santana Dias. De saída. nascido em Salvador. o Campo do Dique parecia ser o palco ideal para uma grande manifestação de homens que sonhavam com a liberdade. Era o tenente José Gomes. Um dos primeiros a chegar.br Produção. 642. Em seguida apareceu o soldado Caetano Vellozo que confirmou a presença do coronel no local. diversas ordens de prisão contra Pires foram expedidas e diligências foram feitas em Salvador. a gente que tinha. que o sustentava” (Ibidem. incentivados por oficiais ilustrados e com esperanças de transformações profundas. informado pelos delatores sobre os detalhes da insurreição e a eminência de sua deflagração à noite. Admirado. visto o perigo a que temos andado expostos. Sua casa foi varejada e nela apreendidos alguns móveis usados e “cinco escravos. 1236). Lucas Dantas encontrou o soldado Romão Pinheiro e lhe disse ser esta a “ocasião de levantar a República. porquanto era de temer. pois estava tudo cercado para os prenderem. Mas. pois o vinha seguindo desde o Gravatá. Meu amigo. afixados na cidade em 12 de agosto. declarou que Raimundo “não possuía bens de qualidade alguma. o governador Dom Fernando José de Portugal encarregou o coronel Alexandre Teotônio. boticas e botequins. optando pela delação. Numa bela e calma noite de lua cheia. Pires morava nas Portas do Carmo. Enfim meu amigo. p.com. Além destes bens. em que constataram o fracasso da tentativa de ajuntamento e a urgência em dispersar. matá-lo.535). capitão do Regimento dos Homens Pretos. no interior da Capitania e mesmo em outras Capitanias do Brasil. e além deles havia pessoas importantes e até mesmo o governador seguia o partido da rebelião. 1998. preferiu não se aproximar do grupo. traído pela claridade da Lua. lugar da forca erigida para este suplício. Cipriano Barata foi absolvido. tabelião conceituado na cidade.Luiz Pires Considerado pela Devassa como um dos principais cabeças da conjuração. O coronel recebeu ordem de prender todos os participantes do ajuntamento e preparou um forte esquema de repressão no Campo do Dique. Já no próprio sábado. deixar de pôr logo mãos [a] ela e que a este fim queria passar uma revista. os homens pardos à frente da conspiração se movimentaram rapidamente buscando novas adesões. à espera do seu comando. Acrescentou ainda que os escravos de alguns engenhos do Recôncavo já estavam com a rebelião e também muitos oficiais e soldados. p. Notícias eventuais deram conta de que fora visto em vários pontos.. chamando João para uma conversa reservada. Raimundo teve uma pena considerada branda em relação aos homens pardos. Ao longe.289). e não era a afluência dos conspiradores. As promessas de grande adesão ao movimento alimentavam as expectativas da reunião. o medo superou a vontade de participar do novo e desconhecido projeto de sociedade. Apenas 18 pessoas compareceram ao Campo do Dique. promovendo frequentes sessões de leitura com “cadernos sediciosos”. Moisés. para de mandioca. dois homens brancos. p. em que foi o único a comparecer ostensivamente armado com duas pistolas e uma algibeira cheia de cartuchos. Cipriano Barata Era um homem branco. está a espera que nós vamos o libertar até o fim do mês e é justo que obremos por ele algum esforço. e para lhe dizer o grande perigo em que esteve o nosso amigo Bulcão.. Logo apareceu Luiz Pires. Nos autos de sequestro dos seus bens. Lucas. p.293). porque em particular dizia: “Que fazem estes malditos povos. e fugiu. no qual deliberaram por um grande ajuntamento no Campo Dique. em traje militar e com espada na mão. cauteloso. p. percebiam que naquela noite algo diferente estava acontecendo. durante a madrugada. Mediados por recados. O Campo do Dique estava vazio e um estranho e perturbador silêncio se fazia presente. encontros e conversas. a irmos armados tirar da prisão ao amigo Luiz Gonzaga” (Ibidem. entre os quais uma curiosa carta ao fazendeiro Luís Gercent. Temos escapado de grandíssimo desastre A pessoas para fazer uma rebelião que iria saquear a Cidade e conclamar o governador para a ela aderir e. Durante os 15 meses que durou o processo da Devassa. que bradou: “Que fazemos que não matamos a este homem?” (Ibidem. João de Deus procurou o oficial de ferrador Joaquim da Veiga e lhe afirmou que já contava com mais de 200 No dia 18 de setembro.. ao tempo em que convocavam a reunião no Campo do Dique. permanecendo na cadeia por algumas semanas. da rebelião dos escravos. promover a libertação de Luiz Gonzaga e desencadear o Levante. com as presenças dos alfaiates João de Deus e Manuel Faustino.3334. Fracassara o grande ajuntamento que pretendia reunir mais de 200 homens. que.291). Lucas procurou também o soldado Joaquim Siqueira. entregou a chave de casa a sua mãe Damázia Maria da Conceição. a quem assistia como médico. Homem pardo. Consideraram uma aventura e procuraram as autoridades. essas iniciativas revelaram suas fragilidades e produziram resultados traumáticos. O ourives logo foi contido pelos companheiros. O boleeiro escravizado Antonio José garantiu que levaria 50 homens.. eu e muitos. que o tempo pede circunspeção. p. parda forra. todos ficaremos perdidos como ele” (Ibidem. envolvendo 40 soldados armados e mais 100 escravos disfarçados com cestas e balaios. no sábado 25 de agosto. Figura carismática e bem relacionada nos diferentes extratos sociais da capitania. 1144).498). Situado na periferia da cidade. p.294). a quem chamava de “amigo e patrício”.com. que.. que também concordou ser melhor a retirada. foi reconhecido por todos. Para Joaquim Siqueira. Sua aparição provocou a ira de Luiz Pires. João reconheceu: “Aquele é o Gomes.]. caminhou ao redor. tido como oficial destemeroso. não avistou ninguém. João argumentou que ele poderia ser nomeado coronel do Segundo Regimento de Linha. onde beberam aguardente e comeram bolacha. Custódia e Raquel” (Ibidem. Pires mantinha uma oficina em casa.. que poderia trazer recompensas ou castigos. com a vista falaremos [. pardos e pretos sem distinção de cor. entre outros anúncios. E também convidou o soldado Caetano Vellozo: “o camarada Gonzaga. Raimundo Barata Convidado por Manuel Faustino. com muitas reuniões entre o governador e o coronel Alexandre Teotônio. Muito desejava lá ir para conversar. João de Deus. p. o ourives Nicolau de Andrade e o soldado Lucas Dantas. Era benquisto pelos pobres. que andava insatisfeito com a eminente nomeação de um sargento-mor branco para comandar o seu Regimento. João voltou ao grupo e disse: “vamos embora porque já é tarde e tive notícias que o Alexandre Teotônio anda por estas partes. (Ibidem. Idealizador da reunião e considerado um dos cabeças do movimento.br portfolium@portfolium. não obstante eu ter me mudado de lavrador de canas. pois era muito pobre e por isso morava com ele.. p. porém nunca mais se teve notícias dele. e respeitado pelos homens ilustrados da elite. p. p. Luiz Pires declarou: “não ficava bem a todos os dispostos para aquela projetada ação. oficiais influentes na tropa e ardorosos partidários dos ideais iluministas. Texto e Fotografias: Antonio Olavo Design Gráfico: Raimundo Laranjeira Desenho dos Mártires: Fábio Chamusca Colaboração na Produção: Raimundo Bujão / Josias Santos. p. foram consultados e deram sinal verde para a deflagração do Levante: o tenente Hermógenes Pantoja e o tenente José Gomes. p. por três anos. O segundo também decidiu apostar alto na insurreição e estimulou as ações. Contudo. Joaquim da Veiga e Joaquim de Santana. que o mesmo Gonzaga declarasse os rapazes da Sociedade. Manuel Faustino. tendo sido libertada em 24 de setembro de 1799. que todos ficariam perdidos” (Ibidem. a polícia apreendeu 74 livros. acusado de ser autor dos “papéis revolucionários”. Isaías. João foi ao encontro de Joaquim de Santana. outros conjurados também buscaram ampliar os contatos e a base do movimento. Pouco depois.593). Após este encontro. Ao final do processo investigatório da Devassa. e examinar se era bastante para dar principio ao levantamento” (AUTOS. querendo ver mais de perto a movimentação dos conjurados. dizendo ter conversado antes com João de Deus e este se mostrou receoso. Aqui fico curando uns e matando outros. Lucas Dantas e Manuel Faustino foram condenados a que “com baraço e pregão pelas ruas públicas desta Cidade sejam levados a Praça da Piedade. cujo objetivo era libertar o amigo e iniciar o Levante. sendo condenado ao degredo com prisão na Ilha de Fernando de Noronha. à medida em que os líderes iam chegando. Partidário de ações violentas. Por sua vez. todos pretos: Noé. mulatos e negros. Mesmo com grandes evidências de envolvimento. Graça Leal e Sergio Guerra Filho Agradecimentos: Sergio Guerra / Antonio Jorge Godi / Washington Queiroz / Instituto Búzios / Conselho Estadual de Educação / Conselho Estadual de Cultura . muitos em francês. atrás do Convento do Desterro. conversavam sobre a pequena afluência ao ajuntamento. e vários manuscritos. Maio D S T Q 2012 Q S S 1 6 7 8 2 3 4 5 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 6 12 20 28 01 . 98). Poucos dias depois.. e se deitou [. estando assistindo na casa do padre João Lopes da Silva. sob a acusação de apropriação indébita dos bens de Pires. cujo relato foi assim registrado pela Devassa: Às dez para as onze horas da manhã foi recolhido a um dos segredos das cadeias desta Relação. desconfiado da delação tardia. p. um caderno com trechos de um livro de Rousseau. 94). Gradativamente a Devassa foi percebendo a importância de Luiz Pires nas articulações que levariam a uma tentativa de Levante contra o governo colonial. como tinha passado dos vômitos. tempo em que veio o homem e mandou limpar o segredo. possivelmente numa tentativa de obter informações sobre o paradeiro de Pires.com.br Produção. Pedro Leão. Ana Romana do Nascimento vivia de costuras e morava na Rua Direita de Nossa Senhora da Ajuda. que trabalhavam em casa do pardo português Domingos Lisboa na Ladeira da Misericórdia. A primeira vítima da Devassa foi o requerente de causas Domingos da Silva Lisboa. atingindo os pardos Ignácio Pimentel e França Pires. Os dois primeiros desapareceram sem deixar rastros. mulher de João de Deus. onde morou três ou quatro meses. até depois das duas horas da tarde. ao que ele respondeu que assim mesmo. Enquanto isso. Andava muito próximo de Lucas Dantas. no final da manhã.408). Antonio era homem ativo na conspiração. (Ibidem. afirmaram nada saber contra Domingos e nem mesmo o porquê de estarem presas. 1246). e perguntando a causa da prisão. pelo que o homem se retirou e o cabra continuou na mesma ansiedade [. Lucas Dantas e Manuel Faustino.] e soluços até perto das nove horas. ao serem interrogadas. [Essa] amizade deixou ela há mais de dois meses. O governador. traduzidos do Francês. Percebendo a inocência da jovem. foi presa Lucrécia Gercent sobre quem não se tem maiores informações..portfolium. Pires entregou a chave de casa a sua mãe e fugiu. tendo sido libertada em 24 de setembro de 1799. Antonio foi encontrado morto na sua cela. Na mesma noite. p. Junho D S T Q 2012 Q S S 1 3 4 5 6 7 8 2 9 Preocupada com a repercussão pública. mas lá não apareceu. Uma personagem interessante na trama que envolve os homens da conspiração é Ana Romana. e perguntando ela. Ao cair da noite. pois naquela noite estivera até às 10 horas na casa da “mulata Ana” (Ibidem. quando foi preso em 9 de setembro por um grupo de soldados que saíra de Salvador no seu encalço. Thomázia Francisca e Clara Maria. chegou à cadeia pública uma escolta conduzindo Antonio José. No dia seguinte a sua prisão. Em mais uma iniciativa colaboracionista. [quando ] sentiu abrir-se a porta do segredo em que estava o cabra e percebeu que lhe entregaram comida [. que tentou utilizá-la como álibi para a noite de 25 de agosto. durante a madrugada. amásia de João de Deus. e ele respondeu que enjoado do mau cheiro que tinha o segredo. Antonio José foi o primeiro dos cinco mártires do movimento de 1798. Ao ser interrogada. motivo porque além de espancá-la. procuraram o governador e entregaram os seus escravos que tinham aproximação com os homens presos. porquanto tomando o João de Deus amizade com ela. escravo boleeiro. Graça Leal e Sergio Guerra Filho Agradecimentos: Sergio Guerra / Antonio Jorge Godi / Washington Queiroz / Instituto Búzios / Conselho Estadual de Educação / Conselho Estadual de Cultura . foi presa em 15 de setembro e solta um dia depois. Os mais visados eram Luiz Pires. foi localizada e presa pela Devassa. mandou prender também o delator. por sua vez. Luiz Leal e José Félix. Então ela conheceu que tinha falecido. p. Esses dois homens brancos ilustrados foram os últimos presos do processo de 1798. posto que “falava temerária e audaciosamente sobre matérias de Governo e Religião” (Ibidem. que continuava sendo procurado em toda a Capitania. dizendo já saber que ele era um dos homens fortes da conjuração e participara ativamente da preparação da reunião do Dique. No dia 23 de agosto foi preso o soldado Luiz Gonzaga. As duas primeiras. p. Uma testemunha assim descreveu o ato: “Na manhã de um domingo. “um moleque de Nação Mina ainda boçal e uma negra Angola de nome Angélica” (Ibidem. O homem se retirou e o cabra continuou a vomitar e escarrar com bastante desassossego. contudo. pois todo o resto da noite não percebeu movimento algum que fizesse o dito cabra.. “nem despusera ajuntamento para o Campo do Dique do Desterro. 450). a polícia prendeu Luiza Francisca. também foi preso o alfaiate Manuel Nascimento. Sua prisão precipitou as ações do movimento e gerou a convocação da reunião no Campo do Dique. 89). Domingas Maria. que por está metido em histórias de Francesia. 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 4 01 . presenciou ele testemunha passar pela sua porta. temerosos de sobre eles pairar suspeitas de envolvimento na conspiração republicana. a tirou dessa casa. no sábado dia 25. a não ser que ficou na cadeia até 5 de setembro. ao tempo em que reclamava da “frouxidão” do governo contra “as principais pessoas dessa cidade” que se achavam “infecta dos abomináveis princípios franceses”. lhe disseram que não quisesse saber. Damázia foi presa.br portfolium@portfolium. Já Faustino. o coronel Alexandre Teotônio comandou a invasão da casa de João de Deus. dando conta da conspiração republicana e o envolvimento de homens brancos e ilustrados. o qual. o mais velho com 8 anos de idade. próximo ao que ela testemunha estava presa. 450). a Devassa determinou a soltura das mulheres poucos dias depois.5681 www.. Dom Fernando José tomou medidas que buscavam desfazer a imagem negativa de seu governo e sem condições de protelar mais diante das muitas evidências. acusado de ser o autor dos “papéis revolucionários” lançados na cidade quatro dias antes e suspeito de envolvimento na conjuração “pelo seu modo Livre. 1998.. o governador recebeu uma Carta Régia. em 4 de outubro. nascido em Portugal e preso em 16 de agosto de 1798.] e deu um grande suspiro. Pesquisa. pressionou para que confessasse.] estendeu no chão o seu capote. com um punhado de comida na boca e o corpo apresentando evidentes sinais de envenenamento.. foram presas em 16 de agosto. e escarrar muito. e replicou o homem dizendo que lavasse a boca e comesse. Imediatamente. Ignácio Pires e Manoel José. A onda de prisões prosseguiu durante o dia. Texto e Fotografias: Antonio Olavo Design Gráfico: Raimundo Laranjeira Desenho dos Mártires: Fábio Chamusca Colaboração na Produção: Raimundo Bujão / Josias Santos. já sabedor de que estava sendo procurado pela polícia. a Devassa emitiu mandato de prisão para Damázia Maria. Percebendo a inutilidade do ato de força. o Secretário de Estado José Pires de Carvalho e Albuquerque mandou prender e entregar ao governador os seus escravos: João Pires. A notícia da morte logo se espalhou pela cidade e as muitas bocas nas conversas diziam que Antonio fora assassinado para garantir o silêncio. E assim passou toda aquela tarde e noite até às oito horas. crioulas forras. alguns membros da elite ilustrada. p. uma personagem que passa quase despercebida na Devassa é a parda forra Damázia Maria da Conceição. 324). a Devassa. homem pardo.] e porque o homem que abriu o segredo o viu sujo de vômito. mãe do ourives Luiz Pires. É provável. revelando que a Coroa estava sobressaltada com as notícias que chegavam da Bahia. No final da manhã. pondo-a em uma que alugou na Saúde. E perguntou ao cabra preso. nem lhe importava saber. ordenou a prisão do professor Francisco Muniz Barreto de Aragão e do tenente Hermógenes de Aguilar Pantoja. foi preso em 14 de setembro. dia da reunião no Campo do Dique. Lucas acompanhava um comboio de Joaquim Inácio de Siqueira Bulcão que adentrava a Capitania.. Léa Costa Santana Dias. E ainda foi a casa de sua cunhada Maria Francisca da Conceição e prendeu o escravo Tubias e o forro Fortunato da Veiga. preso.As mulheres Em todo o processo de 1798. Ana foi presa em 15 de setembro de 1798 e interrogada quatro dias depois. que ordenara sua prisão. Em meados de 1799. 316). 26 de agosto. parda forra de 17 anos. Pouco citada nos estudos sobre o movimento conspiratório baiano. que haviam desaparecido de Salvador. dentre as quais 37 foram sentenciadas. Na terça feira 28 de agosto. Também no 26 de agosto. no que continuou. ela largou a casa onde vivia muito só. (Ibidem. A Devassa. Colaboração no Texto: Luciene Maria. dizendo que “nunca soubera de revolução alguma. em casa do padre João Lopes da Silva. Com a rebelião sufocada. onde tinha um irmão. ordenou que ele acompanhasse uma diligência para a prisão do soldado Caetano Vellozo. nunca mais se tendo notícias deles. e morador na vizinhança dele também sua mulher e filhos” (Ibidem. de propriedade do tenente coronel Maurício Machado. Muniz Barreto foi preso em sua casa na Vila de Rio de Contas. lhe perguntou o que tinha e de que vomitava. e porque a espancou ela se ausentou [pois João] poucas vezes lá ia e só. quando sossegou. por sua vez. após a Devassa ter percebido sua completa ignorância a respeito das atividades políticas do marido. do que se admirou ela. acusado de ser autor dos “papéis revolucionários”. o preto Vicente Jeje. um homem que [. p.. juntamente com seu patrão. dia seguinte à frustrada reunião no Campo do Dique. que o número daqueles levados à Cadeia Pública tenha sido mais elevado. p. dois cadernos com textos traduzidos do francês. alfaiate. p. E o cabra lhe respondeu que logo comeria.3334. juntamente com 26 livros. abriu uma investigação e tomou vários depoimentos ligeiros e superficiais.Corpus Christ 11 19 27 71. senhor do escravo envenenado. e atrevido de falar” (AUTOS. Luiza Francisca foi liberta. também carente de informações. Desta forma. a Devassa determinou sua soltura cinco dias após sua prisão. unicamente soube. Esta. sete mulheres foram presas. o pardo João de Deus. Os cuidados com o envolvimento de homens importantes da sociedade baiana era tanto. Em seu poder foram encontrados dois cadernos com discursos sobre religião e política.. uma série de prisões varreu a cidade. em 20 de setembro. estava em curso uma verdadeira caçada em busca dos suspeitos de envolvimento na conspiração.. a quem garantiu que levaria 50 homens para a reunião do Dique. apesar de refugiar-se nas matas dos engenhos do Recôncavo. Perto do meio dia começou a vomitar. objetos de uso pessoal. Doentes e muito abatidas com a prisão. nem convidara alguém para entrar em revolução. mesmo contrariada. Interrogado no dia 10 de setembro. o ferrador Joaquim Siqueira decidiu pela delação e foi ao Palácio comunicar ao governador. Logo após a frustrada reunião do Dique. As Prisões O s registros dos “Autos da Devassa” apontam 52 pessoas presas. 26 de agosto.com. que em nada resultaram. afirmando que não tinha ideia de revolução. que sequer foi chamado para depor o tenente coronel Maurício Machado. Juntamente com João. João negou tudo. de quem foi escrava. nem fora participante dela” (Ibidem. e a mexer-se. neste dia foram presos Felipe Neri. a caminho de Itabaiana. embora nenhuma tenha sido sentenciada. a parda Lucrécia Gercent e dois homens brancos: o tenente José Gomes e o sargento Joaquim Antonio.. então. pois tendo tido amizade ilícita com o João de Deus. nem fora a semelhante lugar”. Em fins de dezembro. João de Deus negou participação no movimento. O fato foi testemunhado por Luiza Francisca. ficando na cadeia por algumas semanas. No domingo. disse que: Logo que João foi preso teve ela notícia. A partir de domingo. Depois de 34 dias de prisão. O fato é que a misteriosa morte por envenenamento de Antonio José jamais foi esclarecida. que teve principio nos fins de setembro do ano passado. sua esposa Luiza Francisca e os cinco filhos. tornando-se mais um entre os muitos enigmas do longo processo de Devassa. qualquer gesto de colaboração seria bem avaliado. alguns móveis usados. no interior da Capitania. que coisa era Francesia. já ciente da conjuração. a polícia invadiu a casa de Hermógenes Pantoja e o prendeu. juntamente com os cinco filhos e o marido João de Deus. jamais lhe viu ações que ela pudesse aplicar o crime. Emerenciana Francisca. 35 anos.. e trabalhou negociando gado pelos sertões nordestinos. “ Luiz Gonzaga uís Gonzaga das Virgens era um homem pardo nascido livre em Salvador. como muito bem conhecia. ladainhas católicas etc.. proferia várias vezes palavras latinas sem que se soubesse como as tinha aprendido [.. estando com um pleuris interior e prenha. abatidos pelos cantos. (Ibidem... passou mais de um ano na cadeia e enfrentou o Conselho de Guerra. (AUTOS.com. cuja prisão causou grande repercussão na cidade.] Principiei a reforma da vida em 22 de junho de 1796. não era acreditável que um homem branco do Reino se sujeitasse a ser seu escrevente” (Ibidem. porém jamais localizou Manuel João. um português que conhecera alguns anos atrás. e reafirmou a negação de que a letra fosse sua. muitas vezes lhe falava em situação presente dos franceses e ingleses. e sensibilidade dos outros indivíduos albicantes da Sociedade militar e Civil. orelhas grandes. a uma menos razoada distinção. 181).Os escritos de Luiz Gonzaga Dentre os cinco mártires do processo de 1798. p. quase nus.] ficando os ditos contudo.] e finalmente como exterminados ou espúrios do mínimo acesso e graduação dos postos. foi conduzido à cadeia pública. ao ser interrogado. Colaboração no Texto: Luciene Maria. ignorância suprema. Pesquisa.. havendo. 1144). Nos interrogatórios a que foi submetido revelou ser solteiro e não possuir morada certa. p.br portfolium@portfolium. orações. o soldado argumentou que todos os papéis foram escritos por Manuel João. ratos e escorpiões fragilizavam tanto a ele quanto a seus companheiros. Léa Costa Santana Dias. e com resguardo uns papeis compridos. 65 anos.] Em dia de Sábado... quentes e úmidas e a desagradável companhia de percevejos.br Produção. L A Devassa o pressionou para que confessasse a autoria dos manuscritos. Fiz confissão geral [.. décimo sexto rei da França [. enquanto os dias se arrastavam monótonos e angustiantes. que escrevia tudo que ele pedia. p. A Devassa.. pelas 7 horas da noite do ano de 1797. mas suposto que os homens pardos sejam obrigados a militar muitos e dilatados anos desde a adolescência. por ter sido perdoado pelo governador Dom Fernando José de Portugal. falava contra Frades com algumas expressões de irreligião e que tendo desertado do seu regimento há muitos anos. Desconfiada e disposta a aflorar ressentimentos e tensões. sem descanso e sem prêmio. em um requerimento ao governador Dom Fernando José. foi parar no Rio Grande do Norte. senhor de engenho na Vila de Santo Amaro da Purificação. 71. nariz afilado. parciais e equivalentes aos homens brancos.] Fui preso pelo capitão Pedro no dia 17 e saí a 18 de abril de 1796 [. 46. diz Sêneca. como quem estava copiando. p. a 15 saiu ordem do General para reduzirem-se a paz [. e instruído. olhos pretos. p. inclusive com conhecimentos do Latim. apesar de nunca ter confessado a autoria dos “boletins sediciosos”. No ano seguinte. destacou ter visto... e algumas vezes que não estava de guarda dormia nas lajes da sua casa. discorrendo sobre a igualdade dos homens e humanidade com que deviam ser tratados. piolhos.] A 4 de março mais ou menos do ano de 1795. são contudo por abuso inoficioso. Ainda assim. com quem aprendeu a prática de cirurgia. relevou a informação registrada de que Emerenciana não sabia ler. ele lhe prometera [e não dera]” (Ibidem. tendo um diante do outro. disse ser tudo falso. cujas celas escuras. Gonzaga. cheio de corpo.. de forma esquiva. (AUTOS. caiu um raio numa parte lateral e externa do mirante das religiosas da Lapa e ouvi dizer que ofendera a quatro religiosas porém. Duas testemunhas foram decisivas para a sua condenação e tiveram seus depoimentos assim registrados pela Devassa: Pedro Nolasco e Emerenciana Francisca. muito pouco [. tinha suas manias. e indagou se “não é digno de ser acessível na graduação dos postos por ser homem pardo?” Em outro requerimento ao governador. quando considera sua valia. Em posse de Luiz Gonzaga. p. que recaindo sobre eles todos os [de]veres do bélico trabalho da infalível fidelidade. [E por ser ele] um indivíduo da classe dos referidos desgraçados tem a mágoa. numa luta constante entre a esperança e o desespero. tanto pela substância Material. lugar da forca erigida para este suplício.. andara pelos sertões vagabundo. Em todas estas sessões. onde ele anotava fatos cotidianos desde o ano de 1791: A quatro de agosto de 1791 sangrei a Ana de tal. culto.. Gonzaga era um homem caprichoso. de sorte que no mesmo mês pariu uma menina com feliz sucesso e melhorou da pontada com 4 sangrias [. Pedro Nolasco não apresentou nem a Devassa pediu as cartas que Gonzaga teria escrito a sua madrinha. Luiz Gonzaga. sentença que cumpriu apenas seis meses. A Devassa o interrogou em cinco oportunidades: 31 de agosto. foi o único que deixou registros manuscritos para a história. “sendo ele um pardo pobre miserável.. [Manuel João] era um sujeito muito inteligente. 113). reconheceu serem todos escritos da própria letra do Luiz Gonzaga. dia em que foi preso. sujas. alfabetizado.. acidente dissimilar com que os distinguiu a natureza [. a Devassa perguntou se ele “tivera algumas práticas libertinas e irreligiosas” com Emerenciana. 44. quanto João de Deus. (Ibidem. filha do defunto Ignácio Brandão. e nela morram morte natural para sempre” (Ibidem. que sendo os homens pardos da mesma massa. ao mesmo tempo lia as gazetas e mais papéis públicos. p. como também pela espiritual consistência microcósmica e que sendo os ditos contemplados. Emerenciana era sua inimiga “por causa de um par de sapatos que ela lhe pedira. Submetidos a penosas sessões de interrogatórios. lábios grasso e barba fechada. 1. aplicando-se nesse tempo a Cirurgia. grifos no original).. não foram recebidos como tais [. em 1791. Rosto comprido. 4 e 28 de setembro de 1798 e 6 de março de 1799. e fidelidade”. caíram as casas da Ladeira da Misericórdia e as conjuntas respectivas da fonte da Rua da Praia [. Julho S T Q 2012 Q S S 1 8 2 3 4 5 6 7 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 6 11 19 26 2 . mulher de fulano de tal Viana. mulher dele. dizendo que desejava se acabasse já tudo. Contudo. 116). 1998. Após o surgimento dos “papéis revolucionários”. e tudo quanto é inerente aos que abraça a profissão militar voluntaria e coactamente.. os homens se assemelhavam a fardos humanos. e se pareciam com os que ela vira estar escrevendo. 105). ressaltando a contradição que havia no fato de ser ele um homem letrado tendo todos os seus escritos por outra pessoa.] a única cor branca. Segundo Gonzaga. assim como a presente forma de governo. Pedro Nolasco. de volta à Bahia. Contudo. em seu prontuário. magoa inconsolável de ver subir aos postos [. que é só o que faz gostosos os trabalhos preteridos. E sendo-lhe mostrados os papéis juntos ao auto...] E aos 23 de janeiro de 1793. Argumentou também que “se divertia com ela”. Durante mais de 14 meses. filho do alfaiate Joaquim da Cunha Robim e da parda Rita Gomes da Veiga. exemplar a seus escravos [. que também sofriam com os pés metidos em grossas correntes de ferros que lhes marcavam o corpo e adormeciam as pernas ociosas. o governo orientou o foco de acusação sobre a autoria dos “papéis” para Luiz Gonzaga. que certamente merecem estudos mais cuidadosos por parte dos historiadores. Gonzaga negou ser o autor dos “papeis revolucionários”. a Devassa abriu uma investigação registrando breves depoimentos de algumas testemunhas. (Ibidem... Conduzido a Salvador.] Quem ao longe vai casar ou vai enganado ou vai enganar [. Gonzaga foi considerado “chefe e cabeça” do movimento conspiratório. e contidos indissoluvelmente no régio vínculo da boa união.portfolium. um “papel sedicioso” em mãos de um padre na Igreja da Lapa. 12 de agosto.com.] Nenhuma causa é difícil. considerava-se um injustiçado na tropa e tinha consciência das relações raciais que a permeavam. Além do mais. Com a citação dessa nova e desconhecida figura. sem maior diferença que a da cor. Disse mais que Gonzaga andava comumente só.. homem branco. Levado à presença do governador.] Aos 28 do mês de maio (1795) chegaram dois embaixadores de Daomé enviados a Lisboa pelo seu rei.3334. Foi condenado a seis anos de trabalho forçado. Lucas Dantas e Manuel Faustino. Graça Leal e Sergio Guerra Filho Agradecimentos: Sergio Guerra / Antonio Jorge Godi / Washington Queiroz / Instituto Búzios / Conselho Estadual de Educação / Conselho Estadual de Cultura “ D homem pardo de ordinária estatura..Independência da Bahia .. e algum tanto trocido e crescido por detrás e com falta dele adiante. por sua vez. A outra testemunha.] A 11 [de outubro de 1796] houve o princípio das desordens entre a tropa e a justiça. foi preso na Vila de Cachoeira. Tempos atrás.. a saúde e a própria vida. porque todos eram iguais. foram apreendidos vários escritos sobre práticas de cirurgia. o qual ele dava de comer por caridade e por ter sido afilhado da defunta sua mulher. foram condenado a que “com baraço e pregão pelas ruas públicas desta Cidade sejam levados a Praça da Piedade. principalmente sobre a injustiça de não serem admitidos os pardos a maiores acessos. [Nolasco afirmou que Gonzaga já havia] escrito várias vezes a sua madrinha. reputados nas tropas pagas e auxiliares da compatibilidade dos homens brancos como objetos da escravidão. sete de março [1795] pelas cinco horas da tarde... houve nesta Cidade da Bahia uma tosse comum a quase todas as pessoas [. Mesmo tendo se alistado como soldado voluntário há 16 anos. do desprezo [. escreveu: Que sendo os homens pardos recrutados e adscritos ao grêmio militar das tropas pagas. Gonzaga negou qualquer envolvimento no episódio.] e sendo mostrado a ele todos os papéis e cartas incorporados no auto.] A 23 de outubro [1795]. um pouco de latim. verificando ainda mais a sua suspeita porque houvera um mês vira ela por duas vezes estar [Gonzaga] escrevendo alta noite. três deserções anotadas. não somente pela surpresa da ação repressiva. escrava de Pedro Nolasco. pelas oito horas da noite em dia sexta feira eu ouvi a Dionizia. declarou que suspeitava ter sido o Gonzaga o autor dos papéis porque várias vezes o ouvira proferir expressões atrevidas contra a Religião... 107). p. Tinha 36 anos em 23 de agosto de 1798. Tanto Luiz Gonzaga. Na última delas.. 1998. tem a cabeça redonda [. alojando-se em casa de uma madrinha no ainda emergente bairro da Saúde ou no quartel onde servia como soldado granadeiro do 1º Regimento de Linha. a expor as suas vidas pelo bem da Real Coroa do Estado. porém que não conhecia a letra..5681 www.. Gonzaga retrucou dizendo ser muito amigo de Manuel João. no domingo.. que reconheceu ser escrito por letra do soldado Luiz Gonzaga das Virgens.] Em dia de domingo do mês de julho. Gonzaga mantinha uma relação conflituosa com seu regimento... foi morto guilhotinado Luiz. Ao ser apresentado a este depoimento. Luiz Gonzaga suportou todas as agruras da prisão na cadeia pública. incluindo um Diário. até perderem as forças. e melancolias. destacou estar servindo há 16 anos na tropa com “prontidão. Gonzaga respondeu que “sabia que ela era casada” e “várias vezes lhe tinha dito que a transgressão do Sexto mandamento [“não cometerás adultério”] não era pecado”. grifos no original). mas também por ser ele muito querido entre seus patrícios. sobrancelhas pretas e finas.. Para contrapor as acusações de semelhança das letras dos manuscritos lançados nas ruas em 12 de agosto com aqueles encontrados em seu poder no ato da prisão. testa alta. de couro preto. obediência. nem jamais ter aparecido contra ele prova de delito. de sorte que fazia muita receita. boca rasgada.. mais um personagem enigmático no processo de 1798. no momento de sua prisão em 23 de agosto de 1798. e da nação.] o cabelo preto. a instalação da Devassa e a improdutiva prisão do requerente de causas Domingos Lisboa. moradora na Patatiba na Fazenda da Penha. parda. disse ela que eram semelhantes. Texto e Fotografias: Antonio Olavo Design Gráfico: Raimundo Laranjeira Desenho dos Mártires: Fábio Chamusca Colaboração na Produção: Raimundo Bujão / Josias Santos. aconselhando a ele [Santana] que preparasse as suas” (Ibidem.318). disse a ele: – Vossa Mercê não tem medo ao tempo e porque é rico. não quer molhar os pés. conforme uma declaração feita à Devassa. dois chamam a atenção por serem escravizados: o menino João Benguela. e a praticar insultos. Em um ambiente tenso. e nela morram morte natural para sempre” (Ibidem.br Produção. p. Quase todos os alfaiates citados no processo de 1798 trabalhavam na tenda de João ou por lá haviam trabalhado.. E ele tornou: – Está feito.] disse: . sendo muito comum serem também soldados. nos revelam traços da personalidade de João. marcante na cidade. soldado do Regimento Novo).. tempo virá. o que influenciaria sobremaneira no julgamento de sua sentença. Entre estes. 297). dizendo que era a munição. Santana reafirmou os termos da sua delação. e ruinoso. obrigada a viver em situação deplorável. Tem as orelhas pequenas. O evento. no ofício de alfaiataria. que tinha pronta para as suas pistolas. e lidas de forma cuidadosa. colecionava desafetos. e falava assim assentado as mesmas pessoas.1144). Homem pardo. em que possa ser. como foi a de um ferimento que fez no rosto de um pardo. E muitas vezes ele presenciou dizer João de Deus. visando claramente desqualifica-lo. p. é bem instruído e entende do militar” (Ibidem. Visivelmente constrangido. (Ibidem. aprendiz de alfaiate. que dizia “publicamente e em vozes altas. que teve uma amante de 17 anos e andava constantemente armado com uma faca. ao declarar que “fez o vestuário preciso para Dona Joaquina casar com Joaquim Ignácio” (Ibidem. Seu modo de vestir causava estranheza àqueles acostumados ao padrão cultural da Metrópole. João de Deus confirmou o fato. costumado a desordens. na intenção de formar uma imagem negativa de sua pessoa. e o achou sempre de um caráter insolente. Cinco dias depois dessa informação de Fortunato. Graça Leal e Sergio Guerra Filho Agradecimentos: Sergio Guerra / Antonio Jorge Godi / Washington Queiroz / Instituto Búzios / Conselho Estadual de Educação / Conselho Estadual de Cultura “ Fevereiro 2012 D S T Q Q S S Agosto 8 9 10 11 1 2 3 4 D S T Q 12 13 14 Q S S 2012 5 6 7 15 16 17 18 19 20 21 1 2 3 4 22 23 24 25 26 27 28 5 6 7 8 9 10 11 29 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 2 9 17 24 31 . p. referida acima. João de Deus incomodava a muitos e. Lucas Dantas e Manuel Faustino. O relato de Francisco Xavier de Almeida. há na Devassa um depoimento do já referido Francisco Xavier de Almeida: O conhecimento que tem de João de Deus provém de lhe ter tirado uma carta de seguro. Ricardo Guedes. de dia.345). p. e os mais em fechar as portas das suas casas. caso raro de homem branco trabalhando para homem pardo. mergulhada por quase 200 anos em um sistema de escravidão que atingia diretamente a majoritária população negra. homem pardo claro de ordinária estatura. ficaram frente a frente um homem acusado de conspiração e seu delator. “ J Acareação: João de Deus x Joaquim de Santana Um dos momentos mais constrangedores da Devassa foi o momento em que o capitão do Regimento dos Homens Pretos. 726). a porta de uma parda amasia do mesmo João de Deus. pretos e pardos.que havia de ser nesta terra um homem muito grande – o que asseverava publicamente. o mais velho com 8 anos.. 483). p. com Joaquim Ignácio de Siqueira Bulcão” (AUTOS. Passado o impacto inicial. cheio de corpo. “uma porção de pólvora e algum chumbo grosso. conhecer ser o João de Deus de péssima conduta. pela culpa de um ferimento feito de dia publicamente. Dotado de uma personalidade forte. Manuel do Nascimento (27 anos. soldado do Quarto Regimento de Milícias).318). (Ibidem. na travessa que vai de Nossa Senhora da Ajuda para detrás da cadeia. e Vicente Jeje. Santana havia sido recomendado por Lucas Dantas. Texto e Fotografias: Antonio Olavo Design Gráfico: Raimundo Laranjeira Desenho dos Mártires: Fábio Chamusca Colaboração na Produção: Raimundo Bujão / Josias Santos. nariz afilado. ocorrido em 1794. Na oportunidade. pela voz comum e constante. homem de confiança do governador. um homem destemeroso e ousado. que trabalhou “perto de dois meses” na loja de João de Deus. Santana também lembrou que João teria lhe mostrado em sua casa. como vai aquele repimpado na sua cadeira. é a costureira forra Ana Romana do Nascimento. “altivo” e “atrevido”. ainda com pessoas de maior graduação. com o espírito de elevação. como ao público. homem branco. O processo de conquista da liberdade certamente possibilitou a este pardo alfaiate uma tomada de consciência das profundas desigualdades na sociedade baiana. trabalhava como oficial de alfaiate e era dono de uma movimentada tenda na Rua Direita do Palácio (atual Rua Chile. tanto assim que chegando algumas vezes a porta da mesma loja pessoas circunstanciadas. onde arriaram a cadeira a tempo que o mesmo João de Deus se recolhia de fora para a loja. atrevido. Esse jovem alfaiate. p. este trajar é francês. Antonio Ignácio Ramos (24 anos) e João Fernandes de Vasconcelos (40 anos).. preto nascido na Costa da Mina. que era também procurado para iniciação de adolescentes e jovens. que João tentou utilizar como álibi para a noite de 25 de agosto. altivo e insolente. morador a Rua do Bângala. de 24 anos.br portfolium@portfolium. filha do Morgado José Pires. O oficial de alfaiate Antonio Ignácio Ramos. ao avistar um homem carregado em uma cadeira de arruar. tendo comandado diretamente a repressão ao movimento conspiratório. que disse conhecer João de Deus “há dois anos. João negou as afirmações de Santana. que vinha muito descomposto. e por isso deviam ser logo mortos a faca” (Ibidem. p. tanto ao particular. Com a fama de valente. tem a cabeça redonda [. assim como o tenente coronel Caetano Maurício de Machado. parando os pretos na porta da loja do João de Deus. rosto comprido. atrevido e despejado. lhe estranhou ele testemunha. João comprou sua liberdade pela quantia nada módica de 600 mil réis.portfolium.. menosprezando os homens brancos. da qual sempre fez frequente uso. que lá tinham retardadas. requerente de causas. O deputado Francisco Gomes de Souza destacou que. sonhos e desejos e dizia aberta e publicamente que “havia de ser nesta terra um homem muito grande” (Ibidem. pai de cinco filhos. por ser [ele] quem fez o vestuário necessário para a função do casamento de Dona Joaquina. vindo ele em uma cadeira de arruar. no rosto de Valério da Silva com faca. p. tinha projetos. e de dia e tanto assim que é notório que o alferes José Gabriel Daltro o fez prender em certa noite com a mesma faca. tendo praticado bastantes desordens. nas entrelinhas. reproduz esse sentimento: Trazia calçados uns chinelins com bico muito comprido. dia da reunião no Campo do Dique.5681 www. (Ibidem.. como o mostrava: . filho da parda forra Francisca Maria da Conceição e do branco José de Araújo. João de Deus é um personagem merecedor de maiores estudos. (Ibidem. Colaboração no Texto: Luciene Maria. por causa de obras. dentro haverá quem as abra. Posto o não conhece. que eu ande de cadeira e vossa mercê de pé. p. e acaso haverá tempo em que andem a pé todos. o qual é de mau gênio. fia-se Vossa mercê. 38 anos. escravo do tabelião Bernardino de Sene e Araújo. 471). boca pequena e barba serrada. e muitas vezes sem estar trabalhando. Manoel Pereira Severio (21 anos). por conta desse comportamento desafiador. João de Deus não se levantava do assento em que estava. Dizia que “não nascera para alfaiate e aspirava coisa maior”.Os Alfaiates de João A laboriosa tenda de alfaiataria de João de Deus ficava de frente para a movimentada Rua Direita do Palácio no centro da cidade. Vicente Jeje (30 anos).328). João ouviu tudo em silêncio. sabe que é um pardo muito petulante. que o alugava a João por duas patacas semanais para trabalhar em sua tenda como oficial de alfaiate..3334. 298). com publicidade de noite. 57 anos.328). O coronel Carlos Balthazar. declarou. forro. e ajuntamento no Campo do Dique [. na rua de Nossa Senhora da Ajuda e com uma faca. sem serem carregados por criaturas?” (Ibidem. Roupas para o casamento de Ignácio Bulcão A tenda de João de Deus também atendia clientes da elite baiana. capaz de empreender qualquer projeto mau. Joaquim de Santana. declarou a Devassa que O conhece há muito tempo. João de Deus provavelmente seja o personagem mais controvertido e polêmico da conspiração de 1798. A “parda amásia”. foram condenados a que “com baraço e pregão pelas ruas públicas desta Cidade sejam levados a Praça da Piedade. composta por sua esposa Luiza Francisca e cinco filhos menores. 349). insolente e atrevido de que é dotado. homem branco de 17 anos. nascido cativo na Vila de Cachoeira. disse que o conhecia por ter “um caráter animoso. moradora na Rua Direita de Nossa Senhora da Ajuda. João teria dito: “Grande coisa é ter dinheiro. olhos pretos e pequenos.. crescido por igual. (Ibidem. ao que respondeu: . “ João de Deus oão de Deus do Nascimento tinha 27 anos de idade. p. e cinco filhos menores.] o cabelo preto. Esta fala de João demonstra também o quanto os ideais iluministas e a Revolução Francesa estavam presentes no imaginário da Cidade do Salvador no final do século XVIII. Contudo. 71. E declarou que “quando João lhe fez o convite para o levante. que a ele se referia como “um pretinho que fala Francês.Cale a boca. pelo pardo forro Fortunato da Veiga. p. homem pardo. p. de 17 anos. que seria em um dos dias do mês de Julho deste ano. São eles: Ignácio da Silva Pimentel (24 anos. A presença do menino João Benguela demonstra o bom conceito profissional que desfrutava o mestre alfaiate João de Deus.com. O tenente Alexandre Teotônio. requerente de causas: Em certa ocasião. p. senhor de engenhos na Vila de São Francisco (atual São Francisco do Conde). ao ser interrogado.).. que era insolência perceber um soldado cinquenta reis por dia e um Cônego da Sé seiscentos e quarenta reis” (AUTOS. Tinha duas portas e ao fundo acomodava a família de João. p. Do complexo processo do movimento conspiratório de 1798. soldado do Quarto Regimento de Milícias). João era um homem vaidoso e de estima elevada. 30 anos. Pesquisa.com. Sobre este episódio. há o registo do depoimento de Antonio Joaquim de Oliveira. escravo de Dona Maria Josefa Bernardino de Araújo. informações garimpadas nos interrogatórios dos volumosos “Autos da Devassa”. foi chamado para acareação com João de Deus. sem respeitar a religião nem as leis. 483). publicamente. João Benguela (10 anos). e a entrada muito baixa. José do Sacramento (23 anos. e eu que não tenho dinheiro ando a pé. p. Tanto João de Deus quanto Luiz Gonzaga. Ainda sobre suas impressões a respeito da cadeira de arruar.. Naquele momento teve a dolorosa certeza de que fora traído por um homem que ele buscou recrutar para a conjuração. 1998. por causa da chuva. testa alta. revelou ter presenciado na Guarda de São Bento um jantar entre o tenente José Gomes e João de Deus. muito breve verá Vossa mercê tudo francês. e calções tão apertados. em 4 de outubro de 1798. lugar da forca erigida para este suplício.453). casado com uma mulher três anos mais velha. Do que respondeu ele: – São Mercês do céu. pronto para toda a ação má. pouco mais ou menos. 1998.333). Léa Costa Santana Dias. onde também morava com a esposa Luiza Francisca de Araújo. vários dos quais foram ouvidos pela Devassa. (Ibidem.que não eram preciso Ministros para o governo dos povos. ocorreu em 8 de setembro de 1796. atrevendo-se a insultar com desaforo a pessoas de graduação”. br Produção. que antes afirmava com tranquilidade o que agora negava aflito. No dia 9 de setembro. Além do padrinho Pedro Leão e dos tenentes José Gomes e Hermógenes Pantoja. disse que perfeitamente: Igualdade e liberdade No sacrário da razão.5681 www. sobrancelhas finas.] e que haviam já mais de trezentas pessoas a seu partido além da escravatura dos Engenhos de Ferrão e Bulcão. boca pequena. (Ibidem. que nunca praticou a este respeito. declarando-lhe ao mesmo tempo. Fará bem aventurado Ao povo rude. muito magro.3334. Seu texto era de conhecimento de vários conjurados e foi apreendido nas casas de Domingos Lisboa. rosto comprido. Com nomes falsos. tem a cabeça redonda. consistir o particular em um levantamento. p. que saíra de Salvador no seu encalço. Constantemente citado durante os interrogatórios das Devassas. Porém. 71.br portfolium@portfolium. pois vivemos sujeitos e por sermos pardos. de chofre. porque temos muitas Pessoas Principais. propriedade de Joaquim Ignácio de Siqueira Bulcão. onde pretendia se recolher na casa de um irmão. nos quartéis e nos engenhos do Recôncavo. João de Deus tinha cinco filhos menores.] e tudo quanto indicou sobre práticas. Seu estado era lastimável devido ao espancamento durante a prisão e os maus tratos sofridos na viagem de volta. Tanto Lucas Dantas quanto Luiz Gonzaga. a Devassa Costa Pinto interrogou Lucas. O comportamento de Lucas. tendo bebido as suficientes instruções do professor Francisco Muniz Barreto.97).. foi por ele recomendado a João de Deus. próximo de Água Fria. Freitas Sacouto tinha pelo menos um filho: chamava-se Luiz e tinha 6 anos. p. outras vezes transferindo responsabilidades. Quão felizes e soberanos. Lucas resistiu à prisão. sem coroa ou sinal dela. Lucas não teve forças para uma resistência. ora assumindo. Um outro oficial com quem Lucas mantinha amizade era o tenente José Gomes. oficial influente na tropa e para quem Lucas fizera um tear de madeira. um profundo e extenso corte na cabeça e muitos ferimentos no corpo. embarcando numa lancha com destino ao Recôncavo. acusando-o de ser “um dos cabeças e chefes da Conjuração”. é mais um enigma do processo de 1798. Preenchem meu coração (Ibidem. Lucas esteve presente nos principais acontecimentos do movimento conspiratório nestes últimos anos do século XVIII. insinuava bem o partido da Liberdade. além do dono da casa. a caminho de Itabaiana. motivo porque era muito fácil enganar-se nas suas declarações [. que estavam prontos. outros homens tiveram seus filhos registrados pela Devassa. Porém. Lucas Dantas irrompeu na casa de Luiz Pires na noite de 23 de agosto de 1798. a qual ele formalizou em razão do estado de fraqueza em que o reduziu a sua moléstia. respondeu Lucas Dantas: . Na ocasião estavam presentes. pois já havia [escrito] para fora [. espoliado. ora negando. Soldado de linha do Regimento Pago de Artilharia. De início mais comedido. João de Deus e Manuel Faustino. e convém. Lucas também teve uma intensa atuação na convocação para a reunião no Campo do Dique. começou a falar. anunciando a prisão do soldado Luiz Gonzaga. 1931. Léa Costa Santana Dias. Lucas também exercia o ofício de marceneiro. por meio do qual se propunha reduzir o continente do Brasil a uma República. porque os oficiais dele eram do mesmo conluio e estavam prontos a entregarem as guardas e as Pessoas Principais interessantes no mesmo levantamento. e é bem instruído. 858-860. um senhor de engenhos tido como defensor de ideias liberais. trabalhando no quarto onde morava. A filha de Lucas Dantas Fragmentariamente. para entrar nele. 618). Alguns historiadores o consideram “uma espécie de hino à liberdade” (AMARAL.com. o escravizado José Felix revelou que. Graça Leal e Sergio Guerra Filho Agradecimentos: Sergio Guerra / Antonio Jorge Godi / Washington Queiroz / Instituto Búzios / Conselho Estadual de Educação / Conselho Estadual de Cultura “ homem pardo escuro. que aliciara Faustino. Com o rosto deformado e muito debilitado. Bem relacionado com figuras ilustradas.. Colaboração no Texto: Luciene Maria. Lucas Dantas do Amorim Torres nasceu livre na cidade do Salvador e era filho do branco Domingos da Costa e da parda Vicência Maria. Lucas manifestava claramente posturas anticlericais e afirmava sem cerimônias que os frades “eram homens inúteis na sociedade”. frequentando amiúde sua casa. Passados alguns dias. realizada em dezembro de 1797. E sendo República há igualdade entre todos. esperavam duas embarcaçãoes em socorro dele. Numa cidade onde a religiosidade católica era dominante.É para respirarmos livres. de uma ferida na cabeça que recebeu no ato da prisão. p. nem viu praticar mais que a Manoel Faustino e João de Deus. dentre outros. homem branco de poucas posses e muita lábia. p. Perguntado se sabia a “décima”. p. que até repetia por muitas vezes uma décima. acusado de autor dos “papéis revolucionários” surgidos na cidade no dia 12. após a chegada do professor Francisco Muniz Barreto e do tenente Hermógenes Pantoja e a consequente realocação dos presos. de alta estatura. França Pires era escravo e tinha pelo menos um filho. E longe de si lançarem Mil despóticos tiranos. que tivera com ele argumentos a este mesmo respeito mas que quando principiaram neste reciproco trato. gradativamente seus depoimentos foram ficando mais desenvoltos. exausto após vários dias de viagem a pé. Respeitando os seus direitos. Além de Lucas. um dos delatores do movimento foi o soldado Joaquim Siqueira. o cabelo crescido preto. querendo. também escravo. não somos admitidos a acesso algum. ficaram alguns registros dos filhos dos homens pardos interrogados pelas Devassas. Fevereiro 2012 D S T Q Q S S Setembro12 13 14 2012 8 9 10 11 1 2 3 4 5 6 S 7 15 16 17 18 19 20 21 1 22 23 24 25 26 27 28 2 3 4 5 6 7 8 9 29 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 8 16 22 30 7 .Independência do Brasil D S T Q Q S . Recém-chegado a Salvador. Nas suas terras serão! Oh! Doce comoção Experimentam estas venturas Se elas. Lucas também recebia convidados ilustres em sua casa. o cirurgião prático Freitas Sacouto e o ourives Nicolau de Andrade. que imputavam ao dito Martins. já que promoveu uma animada festa de batizado para “uma sua filha” (haveria outras?).com. mas já demonstrando grande capacidade de liderança e convencimento político. Lucas Dantas tinha pelo menos uma filha. pregava as ideias revolucionarias nas ruas. Lucas foi convocado para um interrogatório. p. conversações e sessões a respeito de revolução é menos verdade. e temos os dois Regimentos dos Pardos e dos Pretos a nosso favor. p.portfolium. Assim flutue o Pendão Dos franceses. Ao lado da sã justiça Preenchem o meu coração Se a causa motriz dos entes Tem as mesmas sensações Mesmos órgãos e precisões Dados a todos os viventes. nos últimos meses. Ignácio permitiu que Lucas se incorporasse ao seu comboio de mantimentos que ia para o sertão. 1998. como na ocasião de uma animada festa de batizado de sua filha. e uma cicatriz no alto da cabeça. no início de agosto. Jurarão viver ditosos. p. 1144). sozinho ou na companhia de outros soldados e oficiais. Se a qualquer suficientes Meios da necessidade Remir deu com equidade. chamado por ele para o encontro. que gostava de usar brinco em uma das orelhas. Se este dogma for seguido E de todos respeitado. Assim. lábios grossos e tem pouca barba. sofrendo uma fratura no antebraço. Isentos da vil cobiça. tendo o mais velho 8 anos. 1998. tenho eleito a você. mas foi violentamente espancado. Outro delator. atravessaram a Baía de Todos os Santos... no exercício que fez o seu Regimento” (AUTOS.. Em sua casa frequentemente reunia amigos para confabulações e até mesmo promovia “uns bailes” de fim de ano.. onde fez a seguinte declaração: Há dias ando procurando para lhe comunicar um particular em benefício de todos. já Manuel Faustino estava bastantemente instruído nesta matéria e no modo de conseguir a revolução. quando foi surpreendido por um grupo de soldados. realizada em dezembro de 1797. e conferências a respeito da conjuração e levantamento. porém não quer que se saiba. lugar da forca erigida para este suplício. Deste encontro saiu a convocação para a reunião no Campo do Dique do Desterro. circulara com desenvoltura. Logo são imprescritíveis E de Deus leis infalíveis Igualdade e liberdade “ Lucas Dantas “N otícias funestas! Está preso o Luiz Gonzaga e foi na tarde de hoje. o que havia de acontecer no dia em que estivesse de guarda o Regimento Pago da Artilharia.. mudou totalmente o comportamento e surpreendeu a Devassa ao dizer ser menos verdade tudo quanto contém suas respostas. Da impostura e da preguiça. com quem ele praticava tanto. porquanto agora declara novamente. por onde. estavam presentes o soldado Luiz Gonzaga e o mestre alfaiate João de Deus. É assim que florescido Tem da América a Nação. Alegres e satisfeitos Ao lado da sã justiça Quando os olhos dos baianos Estes quadros divisarem. localizado na parte térrea de um sobrado no Largo do Cruzeiro de São Francisco. onde os convidados comeram um ensopado de carne e beberam aguardente. Lucas o teria chamado em casa. o capitão do Regimento dos Homens Pretos Joaquim de Santana. Pesquisa.. E perguntando-lhe que benefício vinha de se levantar este Brasil em República. Joaquim A mudança de atitude de Lucas tornava evidente que algo muito estranho aconteceu nos úmidos silêncios da cadeia pública. e nela morram morte natural para sempre” (Ibidem. Lucas e Manuel Faustino decidiram sair de casa e se refugiar no afastado Sítio do Unhão. Em 16 de outubro de 1798. Lucas era compadre e “mensageiro das correspondências amorosas” do ex-cadete de artilharia Pedro Leão.. testa curta. bem que futuras. grifos no original). entende do militar” (Ibidem. nariz afilado. irmão do tenente Hermógenes Pantoja. (Ibidem. foram condenados a que “com baraço e pregão pelas ruas públicas desta Cidade sejam levados a Praça da Piedade. De forma confusa e contraditória.92). Desfeitos em mil pedaços Ferem grilhões vergonhosos. Lucas declarou ser verdade que tivera com Manuel Faustino infinitas sessões. vergado sob os ferros. que sabe disso. e até o Excelentíssimo Governador. que a imitarão Depois que afoitos entrarão No sacrário da razão Estes povos venturosos Levantando soltos os braços. a partir de 15 de fevereiro de 1799. quando saíram numa pequena canoa e foram até o cais da cidade. olhos pequenos e pretos. com destino ao Engenho Guaíba na Vila de São Francisco. pois era um “pretinho [que] fala Francês.O “Hino” do Movimento O poema Igualdade e Liberdade foi classificado pela Devassa como uma “quadra revolucionária” e “feita com destino de fomentar a Rebelião” (AUTOS. Em depoimento à Devassa. Luiz Gonzaga e Francisco Muniz Barreto de Aragão. 25 de agosto.677). Após a frustrada reunião no Campo do Dique. Ainda jovem. Lucas já adentrava o sertão. 453). os alfaiates João de Deus e Manuel Faustino. na noite do sábado. 309). Homem pardo de 23 anos. Durante os interrogatórios foi declamado por Lucas Dantas e Manuel Faustino. onde ficaram até a madrugada seguinte. Texto e Fotografias: Antonio Olavo Design Gráfico: Raimundo Laranjeira Desenho dos Mártires: Fábio Chamusca Colaboração na Produção: Raimundo Bujão / Josias Santos.. Lucas afirmou também que. Aparecida . o qual se executaria dali a um ou dois meses. em cuja casa eram realizadas as reuniões e onde ouviu dizer que o “governador seria o Presidente do mesmo Governo da Igualdade e que se devia conservar as Pessoas de Letras e tudo pertencente a Religião por Política. que este.. Cipriano lhe aconselhou que “deixasse semelhante projeto. em determinado dia. somente de capacidade para mandar e governar. sendo citado por vários deles como presente em reuniões importantes do movimento.. na Vila de São Francisco. à casa deste. embarcando numa lancha com destino ao Engenho Guaíba. nascia da igreja. revelando uma sagacidade que o colocava como um dos principais animadores da conspiração.Este é aquele antigo Lucas Dantas. Simões teria dito “isto não se faz assim.. (Ibidem. Morava próximo à Igreja de São Domingos. no mês de junho. Continuando suas atividades. Léa Costa Santana Dias. chamando-o de “insolente”. ao saber que a polícia os procurava.. Pesquisa. enfatizando que “já há três anos haviam nesta Cidade. destacando que “tinha muita gente rica e boa que entrava no Levante”. p.com. Foi ele quem encontrou José Félix. pardos e pretos. testa curta. Lucas Dantas e João de Deus foram condenados a que “com baraço e pregão pelas ruas públicas desta Cidade sejam levados a Praça da Piedade. 1118). Na manhã seguinte. (Ibidem.br portfolium@portfolium. em casa de sua madrinha Maria Francisca da Conceição. durante a tarde. declarando ser “tudo calúnia e uma impostura de Faustino”. do que pelo nome próprio” (AUTOS. de baixa estatura. Simões reagiu afirmando ser falsa a fala de Faustino. nos dias seguintes. e o instigou a ir. juntamente com Lucas. 71. e assim viveriam todos contentes.portfolium. ao ser interrogado. No domingo seguinte à tentativa frustrada de reunião no Dique. escravos de José Pires de Carvalho. p. Cipriano reagiu destacando “ser falsa tal afirmação. seco de corpo. Faustino confirmou tudo. perto da Matriz na Rua de São Pedro. e Cipriano a negativa. Contudo. 440). Foi chamado Lucas Dantas. encontrara Raimundo Barata com Manuel Faustino num botequim e este lhe apresentou: . Para desassossego de Raimundo. 671). o bordador Domingos Pedro e o alfaiate Gonçalo de Oliveira. cunhada de José Pires de Carvalho e Albuquerque. Já sabedor do seu envolvimento com a conspiração. a Devassa chamou Antonio Simões para ser acareado e Manuel Faustino como acareante. “bêbado” e “traidor”. rosto comprido. se ocultasse. e nunca terá fim”. filho de Raimundo e Felizarda. e que intentavam fazer um levantamento nesta cidade. termo pelo qual “era mais conhecido. saqueando os cofres públicos e reduzindo todos a um só. No dia 27 de setembro. era para reduzir o continente do Brasil a um Governo de igualdade. Texto e Fotografias: Antonio Olavo Design Gráfico: Raimundo Laranjeira Desenho dos Mártires: Fábio Chamusca Colaboração na Produção: Raimundo Bujão / Josias Santos. que por sua vez enfatizou que falava a verdade. Neste primeiro interrogatório. Raimundo ficou furioso e reagiu insultando Lucas. Raimundo apertando a mão dele disse: . E devia ele ter uma espada. em 30 de fevereiro de 1776. na Vila de São Francisco. e nela morram morte natural para sempre” (Ibidem. 1998.Nossa Sra. o desembargador Costa Pinto desconfiou da pouca idade declarada e mandou averiguar os “Livros de Batizados da Freguesia de Nossa Senhora da Purificação e Santo Amaro”. Manuelito. é que ouviu falar. magro. Gonzaga e João. Ao ouvir estas declarações. ou ainda Lira. também usava brinco em uma das orelhas. Era solteiro.Padroeira do Brasil . na manhã de Domingo 26 do mês passado. para neste dia defender o partido do levante. 672). que lhe atingira ainda muito novo. baixo. foi localizado e preso no Engenho da Pedra. para dele se pagar as tropas e assistir as necessárias despesas do Estado.Eu sou amigo. Ao saber que o padre estava a sua procura. foi gradativamente assumindo responsabilidades e participações.. dia 22 de setembro de 1798. escrava do padre. 25 de agosto. Em vários depoimentos recolhidos pela Devassa. e que melhor era esperar que viessem os Franceses. propriedade de Joaquim Ignácio de Siqueira Bulcão. Manuel Faustino mandou lhe chamar e perguntou se estimava a liberdade e [queria] ser forro? E dizendo-lhe que sim. a Devassa dispensou Faustino. Com as versões em campos opostos. p. que garantiu levar 50 homens ao local. recebeu Raimundo na casa de Lucas e o encaminhara ao Campo do Dique.. surpreendeu ao dizer que iria falar a verdade. mandou-me para o campo onde achei o tenente Coronel Alexandre. Lucas era melhor que Simões. antes das 8 horas. Nesta mesma casa moravam os irmãos Ignácio Pires e Fortunato da Veiga. Raimundo retrucou. Revelou ainda que quem “deliberava sobre a formalidade do levantamento” era o grupo formado por Antonio Simões. o primeiro escravizado e outro forro. os quais andavam nessa mesma diligência pela Europa e logo cá chegarão” (Ibidem. Faustino era grande articulador e teve papel de destaque nos contatos dos conjurados. 1144). Ignácio Pires e Manoel José. mas que ele nunca soube em que consistia nem quais eram os seus fins. para os seus amigos e patrícios. eram Franceses. Descreveu inclusive a roupa que Raimundo usara na noite. Dias depois. o nome de Manuel Faustino aparece como personagem ativo. Raimundo o louvou. Homem pardo. muitas pessoas desabusadas” que em certa época tentaram realizar um jantar no sítio da Barra “destinado a publicar-se nesta cidade a liberdade”. testa estreita e rosto comprido marcado com sinais de bexiga.que não se ocultava”. procurando tirar proveito do descontrole de Raimundo. Porém. José Felix. Em seu primeiro interrogatório. sem ponta de barba. encontrando o registro que. Faustino foi acareado com Raimundo Barata. e que o grande Bonaparte não tardaria aqui quatro meses a defender com grande armada o partido da liberdade. que também lhe chamou para o ajuntamento no Campo do Dique. fora batizado “Manuel forro. assim como Lucas Dantas. também contribuiu para que fosse criado este clima de expectativa. França disse ainda que aceitou o convite de Faustino. em que viviam os pretos e pardos nesta cidade. Foram padrinhos Salvador Pires de Carvalho e Dona Maria Pires” (Ibidem. Faustino despertou a atenção da Devassa ao declarar ter “17 anos incompletos”.br Produção. pressionado pela Devassa e sem condições de manter uma resistência. porque a maior parte dos habitantes deste continente viviam debaixo da disciplina de um cativeiro e não tinham capacidade para tal ação. naquela noite. boca pequena. caso tivesse menos de 17 anos de idade. 672-673). ao comentar sobre o êxito do movimento. procurou Cipriano e “lhe participou que nesta cidade se projetavam um levantamento para conseguir-se o direito da liberdade. Então. Disse que enquanto ao fim em que se dirigia o levantamento. Ao que Faustino refutou ser verdadeira. Manezinho. Assim. para avisar o local àqueles que chegassem atrasados. Faustino reafirmou ser Simões um dos cabeças do movimento. A expectativa de uma grande reunião naquela noite foi criada pelas várias promessas de que para lá iria muita gente. mas seu dono somente o deixaria forro por trezentos mil. E voltando-se pra ele continuou: . que ultimamente “só punha dificuldades”.. Graça Leal e Sergio Guerra Filho Agradecimentos: Sergio Guerra / Antonio Jorge Godi / Washington Queiroz / Instituto Búzios / Conselho Estadual de Educação / Conselho Estadual de Cultura “ homem pardo claro. Faustino negou envolvimento na conjuração. Tanto Manuel Faustino quanto Luiz Gonzaga. juntando cem mil réis para comprar a sua liberdade. ex-ouvidor da Comarca. “ Manuel Faustino anuel Faustino dos Santos Lira. tem a cabeça pequena. secretário perpétuo do Estado do Brasil. A Devassa. declarando: Depois que foi preso João de Deus. o Engenho Guaíba recebeu outros três homens envolvidos com a conjuração: o pedreiro Antonio Simões.com. dia 25 de agosto. 673-674). ambos pardos escravos da dita. Logo a seguir. sem distinção de cores. em que tantas vezes lhe tenho falado. Faustino também confirmou que. Após ouvi-lo. Luiz Gonzaga. sobrancelhas finas. Chegara recentemente de uma fuga e andava revoltado. O ato de Faustino declarar uma idade menor era uma busca de atenuantes numa futura punição. Em 1 de outubro de 1798. em seu segundo interrogatório. de quem se deviam queixar. Raimundo foi a sua casa e lhe disse: “você fez a boa. refugiou-se nas matas vizinhas. o cabelo dela curto [. a devassa dispensou Faustino. Contudo.. onde encontraria os companheiros do Levante. sabia ler e escrever e. Faustino e Lucas decidiram sair de casa e se refugiar no afastado Sítio do Unhão. Faustino saiu do Engenho Guaíba e foi para o Engenho Calogi onde morava sua mãe. e declarou ter ido. Faustino revelou que. que determinavam que ninguém deveria ser punido com pena capital. Faustino manteve a declaração. Ainda no sábado. p. de quem lhe tenho falado. em certa ocasião. veio para Salvador e aprendeu o ofício de alfaiate. no dia 14 de setembro de 1798. p. e igualdade”. E que a causa M da escravidão. p. 698).As acareações com Manuel Faustino No dia 2 de novembro de 1798. Também esteve presente quando Lucas participou pela primeira vez a João de Deus sobre o Levante. ao iniciar um bate-boca. na noite de 25 de agosto. entrando nele brancos. olhos pardos. ficando na casa de Lucas. que confirmou ter visto Raimundo no Campo do Dique e com ele conversara. por mercê de sua Senhora Dona Sebastiana Ferreira de São Gonçalo.Que estava projetado um levantamento nesta cidade.] orelhas pequenas. Ao responder que era desabusado. A Devassa colocou Cipriano Barata no centro da sala e chamou Manuel Faustino como acareante. (Ibidem. nasceu cativo em Santo Amaro (BA) e logo cedo ganhou alforria. de 22 anos. pois durante muitos anos trabalhou nas horas de folga. para se encontrarem à noite no Dique. 386).Ao que respondeu ele que não sabia que Alexandre Teotônio lá estaria e que se ele Raimundo Barata receava. Ainda adolescente. mandou chamar Manuel Faustino e lhe perguntou sobre o encontro no Botequim. que não haveria distinção de seres. a fim de serem libertos todos os pretos e pardos cativos. Curiosamente. Outubro 2012 D S T Q Q S S 1 7 8 2 3 4 5 6 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 8 15 22 29 12 . no Terreiro de Jesus. fugindo assim das normas de maioridade penal das Ordenações Filipinas. João de Deus e Lucas Dantas. de onde saíram na madrugada seguinte numa pequena canoa até o cais da cidade. Reafirmando sua estratégia de sempre negar qualquer relação com o movimento. Colaboração no Texto: Luciene Maria. ao Terreiro de Jesus. (Ibidem. no final do ano passado. O acareante destacou ainda que. era escravo de Francisco Vianna. (AUTOS. p. pois nunca tratou com Faustino em semelhante matéria”. 1998. e viverem em uma igualdade tal. cabeça pequena. nariz afilado. Com o confronto aberto. a fim de evitar uma guerra civil” (Ibidem. p. segundo Faustino. Manuel Faustino. dono do Engenho. Faustino tinha em realidade 22 anos. ao que respondeu . França Pires declarou que. p.Aqui está o meu amigo José Raimundo Barata. Segundo Faustino eles tinham se refugiado naquele lugar até que as coisas sossegassem na cidade.3334.5681 www. lhe tornou Manuel Faustino: . lugar da forca erigida para este suplício. com sinais de bexiga pelo rosto. que teria lhe perguntado se era desabusado ou se acreditava em carapetões da Religião. p. e outros mais. já no sábado. “impostor”. . Faustino não foi ao Campo do Dique. a devassa encerrou a sessão. 675-676). certa feita. Faustino foi ao Sítio do Unhão e convocou França Pires. . por fim. que teve como maior expressão seu sobrinho neto Rui Barboza (1849 . condenado ao açoite e posterior degredo perpétuo. julgado pelo Tribunal da Relação (RUI. previsto nas Ordenações Filipinas com a pena de morte natural. E apresentou sua defesa ao Tribunal da Relação pedindo a absolvição de todos os réus tanto por sua incapacidade de realizarem um Levante. comandantes das Devassas. argumentando que sem armas não haveria possibilidade de êxito no levante: é “certo que faltando esse requisito tão essencial. especifica. Graça Leal e Sergio Guerra Filho Agradecimentos: Sergio Guerra / Antonio Jorge Godi / Washington Queiroz / Instituto Búzios / Conselho Estadual de Educação / Conselho Estadual de Cultura . orelha). José Barboza de Oliveira apresentou vários embargos ao Tribunal. Domingos Pedro. quanto pela ausência de armas e pela inexistência de provas “tão claras quanto a luz do meio dia”. Vicente Jeje. deve-se louvar a ousadia e a coragem do jovem advogado. reafirmando os argumentos de que para a imposição das penas referidas são necessárias provas mais claras do que a luz do meio dia. faltava-lhes as Luzes necessárias. 959-960 e 1069). que “não podem suportar em paz a diferença de condições e desigualdades de fortunas. capaz de atrair alguns desgraçados pela permitida licença de costumes. p.A Defesa dos Réus O advogado José Barboza de Oliveira. os desembargadores Avelar de Barbedo e Costa Pinto. o soldado Romão Pinheiro condenado a morte na forca. os réus foram pronunciados no crime de lesa-majestade “por serem autores e cúmplices do pretendido Levantamento nesta Cidade a fim de estabelecerem um Governo Democrático” (Ibidem. com o fim de estabelecerem um Governo Democrático. por conta das investigações sobre o movimento conspiratório republicano. e sabedoria. Destacou também que as confissões dos réus eram insuficientes para condená-los. 71. ou três testemunhas maiores de toda a exceção”. (Ibidem. Na América portuguesa do final do século XVIII. outros soldados rasos. o sossego público desta Cidade. adaptando indistintamente os mais bárbaros e perniciosos expedientes de incendiar a Cidade. Texto e Fotografias: Antonio Olavo Design Gráfico: Raimundo Laranjeira Desenho dos Mártires: Fábio Chamusca Colaboração na Produção: Raimundo Bujão / Josias Santos. Um dos eixos de argumentação de Barboza de Oliveira foi a ausência de armas no movimento. foram apontados como “indivíduos malévolos”. tentando desclassificar o delito como crime de “traição ao Rei”. Em 5 de novembro de 1799. João Pires e Fortunato da Veiga. p. Domingos Lisboa. e mais autoridades. Barboza adotou como principal eixo de argumentação defender os acusados desqualificando-os. 1978. demora resultante da complexidade do processo de julgamento de crime de lesa-majestade. Por isso. p. tinha outros interesses a zelar. João de Deus.. lugar da forca erigida para este suplicio. p. Conforme o desejo da Coroa Portuguesa.. Antonio Simões.. e abjeta condição dos Embargantes. como costumam fazer os ociosos. (AUTOS. e não por que quisessem. Barboza explorou as inúmeras contradições nos depoimentos. Em 14 de Junho de 1799. Tubias. e acompanhada de duas. com a suspeita de assassinado por envenenamento. um dos homens afortunados da cidade. era membro de uma família tradicional no campo jurídico. com o objetivo de fomentar a destruição da ordem pública. Considerado “sem culpa”: Antonio José. condenados a um ano na cadeia. devido também à Fevereiro 2012 Novembro52012 1 2 3 4 6 7 D D S T Q Q S S O Tribunal decretou: Absolvidos: Cipriano Barata. Barboza de Oliveira concluiu a defesa dos réus.Finados 15 . todas pessoas de baixa ralé. Foi nomeada uma junta para sentenciar os réus. Num texto acusatório contundente e cruel. dois foragidos e um morto na cadeia pública. agora estava livre. com os Autos Sumários de culpa de 37 réus: 34 presos.Homem branco de 44 anos.952). falta também a necessária prova do delito”.. fora dos domínios portugueses. 8 S 9 10 11 12 13 14 T Q Q S S 15 4 22 11 29 18 25 1 2 3 16 17 18 19 20 21 5 6 7 8 9 10 23 24 25 26 27 28 12 13 14 15 16 17 19 20 21 22 23 24 26 27 28 29 30 7 13 20 28 02 .1923). para ter lugar a pena de morte natural. constantes das Devassas a que mandei proceder. ousaram difundir “a quimérica doutrina de uma igualdade geral.1070). e falta de juízo. o advogado pediu a absolvição de todos os réus por sua incapacidade de realizarem um Levante. o governador Dom Fernando José de Portugal assinou uma portaria destinada às duas Devassas ainda em curso. onde receberão 500 açoites intercalados e restituídos a cadeia.. muitas vezes do mesmo réu. e de menor idade. cujos membros não gozavam do prestígio de isenção e independência junto à sociedade. e outros finalmente pelos ricos despojos do projetado saque da Cidade.167). verdadeira. tiveram sua pena reduzida para seis meses. França Pires. comprometidos a priori com a condenação dos conspiradores. visando à implantação de uma “democracia rasa e independente”. já tendo surgido em épocas anteriores graves denúncias de prevaricação e suborno contra eles (RUI. p.. punitivo e exemplar. tanto pela ausência de armas no movimento. José do Sacramento. teve a pena comutada em um ano de prisão. E. ainda sendo os delitos atrocíssimos. no entanto. por isso. atacando os réus e procurando demonstrar de forma clara qual era o seu posicionamento quanto ao Levante. escrito por homens que integravam a estrutura do poder colonial. ao mesmo tempo em que os desqualificava. ao enfatizar suas impossibilidades de realizar tal intento: Nunca podiam os Embargantes terem a intenção alguma de promoverem um Levantamento. o movimento foi classificado como “perpetração do horrendo crime de alta traição e lesa-majestade de primeira cabeça”. [. para ser excluído da pena da Lei. ao assumir a defesa dos 37 réus acusados de crime de lesa-majestade. Como Vassalo Respeitoso à Augustíssima Soberana. em que dizia: Atendendo a que Sua Majestade foi servida recomendar-me por carta Régia [. enfatizando sua impossibilidade de realizar tal intento. assassinar o Governo.5681 www. Desse modo. (Ibidem. o Tribunal da Relação apresentou as argumentações do processo. quanto pela inexistência de provas para poder ter lugar a condenação: “é preciso que as provas sejam mais claras do que a luz do meio dia. Félix da Costa. Gonçalo Gonçalves. “Condenados a serem conduzidos com baraço e pregão pelas ruas da cidade até o Pelourinho.br portfolium@portfolium. e esse reconhecimento é uma consequência infalível do ânimo que tive unicamente defendendo á estes infelizes. renomado advogado da Santa Casa da Misericórdia.. três meses após receber a volumosa documentação das Devassas.] que os réus dos papéis sediciosos que se publicaram nesta Cidade e da conjuração que nela se tinham urdido. para por esse modo inquietarem. A Sentença m 06 de Março de 1799.] e depois serem degradados por toda a vida para lugares de África não sujeitos a Real Coroa”: Ignácio Pimentel. Em uma vigorosa peça jurídica. com mais de 200 folhas de papel. que uma vez perdida. outros pela elevação as futuras dignidades. Nicolau de Andrade. Manuel Faustino. viúvo e morador na Rua do Saboeiro. Condenados a “mais um ano de prisão na cadeia pública. jamais pode tornar a ser (re)cobrada. cujas evidências na conspiração eram grandes. Os tenentes Hermógenes Pantoja e José Gomes e o soldado Caetano Vellozo. por sua vez. ou conhecimentos para poderem estabelecer um governo daquela qualidade. E preocupação com as presenças de réus brancos e ilustrados da sociedade baiana. que deveria exigir um Tribunal Especial e foi. José Gomes e Caetano Vellozo. Se faz evidente que tudo isso era produto de uma ociosidade. por se tratar da Vida do homem. p. não contraditada. pressuposto para seu êxito. teve sua pena comutada em açoite e degredo na África. e não queria se indispor com os poderosos desembargadores. onde buscou defender os acusados. as contestações à Coroa de Portugal não eram admitidas e. sem distinção de cores e estudos”. outros de pedreiro. e nela morram morte natural para sempre”: Luiz Gonzaga. dominados por “um espírito fanático e atrabiliário”. O austero Tribunal da Relação acatou apenas alguns casos: O escravo Ignácio Pires. E finalizou seu longo texto. de que se compõem a admirável obra da sociedade civil”. Para a defesa dos réus foi nomeado o bacharel José Barboza de Oliveira1.. Colaboração no Texto: Luciene Maria. Luís Leal. revoltar as tropas e conseguir assim a permanência e estabilidade de tão abominável trama.. caso não ocorressem outros elementos que comprovassem o delito: “toda a confissão deve ser verificada em suas circunstancias. condenado a 500 açoites.. O fato de em todo processo haver referência a apenas duas pistolas os impossibilitava de “uma sublevação a uma cidade tão populosa e a Capital da América”. nem ainda pudessem realizar o que neles se continha [. Em alguns casos. morto na cadeia. Freitas Sacouto e Francisco Muniz Barreto de Aragão.161) Condenados “a serem açoitados pelas ruas públicas desta cidade [. p. Pesquisa. e compreender as cautelas e esquivas de seu longo texto. escrita em mais de 200 folhas de papel.br Produção. Lucas Dantas.13). com versões diferentes e desencontradas. a existência de uma só testemunha seria insuficiente para uma prova cabal: “a confissão de qualquer Réu.. que faz com que eles sejam dignos de compaixão. tanto maior deve ser a prova dele para a imposição da dita pena”. escravos. 956). Joaquim Antonio. senão também por ser indisputável que quanto mais grave é o delito. Os conspiradores.com.] nos embargantes mais operava a leviandade. (AUTOS. Manoel de Santana. e Rainha Nossa Senhora. deve ser clara.com. Léa Costa Santana Dias. (Ibidem. e dos seus moradores. Cosme Damião (cinco anos em Angola) e o réu ausente Pedro Leão (dez anos no Presídio em Angola). pois ele. formalizaram o Termo de Conclusão. para justificar a falta de clareza das questões e a fragilidade das acusações.Proclamação da República 1 José Barboza de Oliveira . composta de dez desembargadores do Tribunal da Relação. ou a loucura. inegavelmente produziu um documento marcante na história do judiciário brasileiro. Pressionados por um desfecho rápido. em que cada hum se acha. bem como propagar ideias que influenciavam pessoas a “transgredir os mais santos e sagrados vínculos da vassalagem”. após mais de quatro meses de análise dos processos de acusação dos réus. Foram reafirmadas todas as outras sentenças. Condenados ao degredo: Raimundo Barata (três anos na Ilha de Fernando de Noronha). Após a divulgação das sentenças. Romão Pinheiro e Luís Pires (réu ausente).. 1998.3334. 1978. reconheço o horror do delito de que se trata. e grave for o delito tanto mais claras devem ser as suas provas. com a Capitania da Bahia vivendo há sete meses um cenário politico conturbado.portfolium. pelo principio de que quanto maior. Condenados a que “com baraço e pregão pelas ruas públicas desta Cidade sejam levados a Praça da Piedade. O professor Francisco Muniz Barreto de Aragão. Em seu pedido de embargo foi alegado parentesco com tradicionais famílias portuguesas e portanto não ficava bem a humilhação e o castigo público em um homem branco de ascendência nobre. Joaquim Siqueira. João Fernandes. ficando seu Senhor obrigado a vendê-los para fora da Capitania”: Manoel José de Vera Cruz e Ignácio Pires. e a cujo estabelecimento não podia chegar a inferior qualidade. e Sedição contra o Estado. sejam sentenciados em Relação com a maior prontidão. pois que se os Embargantes eram uns oficiais de alfaiate. que faz com que não seja atendido semelhante caso. que pede Leis especiais. e vadiação.] Ninguém se persuada. e qualidades”. e vadios.. que nesta ação Eu me determinasse a outro fim mais do que mostrar o grau da prova. além do tempo já cumprido”: Hermógenes Pantoja. 1998. Felipe Néri. 37 foram sentenciadas e aquelas consideradas culpadas sofreram condenações que variavam de humilhantes açoites públicos a venda para o exterior. Sob um céu baixo. grifos nossos). perguntou ao vizinho de cela. Nos densos e volumosos registros dos “Autos da Devassa”. fora do domínio português: Inácio Pimentel. tendo João afirmado: “depois que dei ouvidos a uns cadernos. professor de gramática em Rio de Contas. deixou um relato escrito sobre os últimos dias dos quatro mártires. Todos os Regimentos estavam a postos. sendo próprias serão arrasadas. e da mesma sorte os quatro quartos. Luiz Gonzaga e João de Deus. São Paulo: Hucitec-UFBA. Afonso. deixei o que não devera e por isso vim parar a este lugar”. Bahia. e os julgam incursos no crime de lesa-majestade de primeira cabeça.5681 www. 89/151. localizada no Campo da Pólvora. o único homem branco que mais próximo chegou da imputação de castigos severos. Lucas Dantas o segundo. o frei afirma que ao chegar ao Oratório. seu esquartejamento teve simbolicamente outro fim: “sendo-lhe depois de morto decepadas as mãos e Cortada a Cabeça. e por isso infames para sempre a sua memória.com. Editora Itapuã. 13 20 28 71. Proclama ações mediadas entre o “demônio”. e os julgam incursos no crime de lesa-majestade de primeira cabeça. p.3334. p. o também alfaiate Ignácio Pimentel: . Eram oito os homens condenados ao açoite público e posterior degredo à África. Os outros quatro. Na Bahia. interrogatórios. p. (Ibidem. até o número de vinte. Diz ainda que ao chegar no patíbulo. Referências Bibliográficas AMARAL.. Os doze presos condenados saíram da cadeia às 9 horas da manhã. defronte da casa que lhe servia de morada. Luiz Gonzaga seria o primeiro a ser enforcado.] feitos em quartos. uma sexta feira quente e encoberta. Em um clima de tensão e ansiedade. foi o primeiro.Natal D S T Q Q S S Para João de Deus: O impiedoso ritual das punições. Em meados de novembro. Num texto frágil. Pesquisa.. ainda teria outro cruel complemento: Outrossim. e outros sejam consumidos pelo tempo. cercados por dezenas de guardas e padres enfileirados. e sedicioso ajuntamento da noite de 25 de agosto.br Produção. Foram ouvidas 70 testemunhas entre 17 de agosto de 1798 a 1º de março de 1799. Manoel de Santana. Uma nova forca havia sido construída especialmente para este momento. Salvador.com. p. condenado sob a acusação de ter escrito os “papéis revolucionários”. A conspiração republicana da Bahia em 1798. teriam sido inusitados. Luís Henrique Dias. àquelas horas?” Ao que Ignácio respondeu: . 1978. 380). onde fazia a sua maior assistência e esperou os convidados na referida noite de 25 de agosto. determinando a inscrição dos nomes de quatro dos cinco mártires da Revolta dos Búzios (João de Deus. considerando-se sua condição de homem branco. logo pela manhã o pardo alfaiate França Pires talvez pensando no pai. Autos da devassa da conspiração dos alfaiates. condenações de açoites públicos. 1998. Léa Costa Santana Dias. Era como se quisesse adiar o suplício. (Ibidem. István.. que foi de sua habitação até o dito sítio. Com isso. “pareciam uns verdadeiros Loucos”. levantando um padrão [marco de pedra]. E revela a pressão exercida sobre eles: “tratamos fortemente de os converter. 1 e 2. nem que fosse por alguns minutos. Era o desfecho de um longo e penoso processo que durou 15 meses e convulsionou a cena política da Bahia. Felix da Costa.. Entre as profissões: 11 militares e 10 alfaiates. para ser assim patente a todos. com a resolução final do Tribunal da Relação.. Este ato simbólico significa o reconhecimento oficial do Estado brasileiro à memória e à luta desses quatro homens negros. Apresentação de Edison Carneiro. 1145) Será igualmente posta a cabeça do réu João de Deus. História da sedição intentada na Bahia em 1798. França Pires. Manoel de Vera Cruz e Romão Pinheiro. 1145) “A cabeça do réu Manuel Faustino. São Paulo: Editora Nacional/MEC. seis palmos maior que a antiga. as sentença dos réus dizia que [suas casas] sendo próprias serão arrasadas e salgadas para que nunca mais ai se edifique. está à espera de também ter o justo reconhecimento de sua memória. 9 eram brancos e 25 pretos e pardos. ficando em distâncias proporcionais desde a casa. na Cadeia Pública. JANCSÓ. L. descreve Lucas Dantas e Manuel Faustino como homens desvairados e arrependidos. Salvador/São Paulo. e salgadas para que nunca mais ai se edifique. sendo conduzida a [cabeça] ao sítio mais descoberto e público do Campo do Desterro e pregada em um poste levantado até que o tempo a consuma. carregavam suas fisionomias cansadas e andavam devagar. o Tribunal da Relação acatou um embargo do advogado José Barboza de Oliveira. degredo perpétuo ou temporário e morte na forca. O quarto e último foi João de Deus. 1969. VILHENA. recorreu da sentença. como se quisessem atrasar as horas. Sobre João de Deus e Luiz Gonzaga. (Ibidem. e nela morram morte natural para sempre”. incendiada durante uma madrugada. o Provedor da Saúde da cidade e o médico e cirurgião do Senado solicitaram a retirada. por ser o próprio destinado para o infame.“O que vocês iam buscar no Campo do Dique. chegou ao fim o longo processo das Devassas. dedicada a os salvar. p. para assistir ao enforcamento de quatro homens acusados de participarem de um Levante que pretendia derrubar o Governo Colonial. acorrentado. porém nada se pode conseguir” e foram “conduzidos impenitentes ao patíbulo”. e a “mãe de Deus”. Relação das francesias formadas pelos homens pardos da Bahia no ano de 1798. Manuscrito de autor desconhecido. 2ª edição. No entanto. Apenas 16 foram soltas e uma faleceu na prisão. Graça Leal e Sergio Guerra Filho Agradecimentos: Sergio Guerra / Antonio Jorge Godi / Washington Queiroz / Instituto Búzios / Conselho Estadual de Educação / Conselho Estadual de Cultura . _________________________. Em 2011. teve sua pena comutada em um ano de reclusão. três dias antes da execução. 1996. degredo perpétuo. mantendo num sopro a vida. o mais jovem dos quatro. levantando um Padrão. Ao sentenciar que as casas dos réus condenados fossem “arrasadas e salgadas para que nunca mais aí se edifique” e que sejam “infames para sempre a sua memória. dando uma demonstração de força em resposta à ousadia desafiadora e libertária que havia surgido na Bahia. na irmã ou no filho.br portfolium@portfolium.. pouco antes da eclosão dos “papéis revolucionários” de 12 de agosto de 1798.. Freitas Sacouto. a Cidade do Salvador amanheceu excitada. Da Sedição de 1798 à Revolta de 1824 na Bahia. alguns dias depois. milhares de pessoas se dirigiram à Praça da Piedade. Texto e Fotografias: Antonio Olavo Design Gráfico: Raimundo Laranjeira Desenho dos Mártires: Fábio Chamusca Colaboração na Produção: Raimundo Bujão / Josias Santos. RUI. Imprensa Oficial do Estado. seus filhos e netos”. a enormidade de seu delito e a correspondente punição. livre da escravidão. na véspera do enforcamento. A primeira revolução social brasileira. Vale ressaltar que foi Francisco Muniz Barreto de Aragão. no dia 4 de março. Salvador. Os membros das classes mais abastadas foram inocentados ou indultados. alegando ascendência nobre com famílias tradicionais portuguesas. I. Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia.. detenções. de a Presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei 12. p. de pouco convencimento. 1145) Para Luiz Gonzaga. em que se conserve a lembrança da sua infâmia: igualmente os condenam na confiscação de todos os seus bens para o Fisco e Câmera Real. Mas. gritava e se debatia com os carrascos. 1998. Gonzaga e João foram acorrentados em cadeiras e carregados pelas ruas. ficou o detalhamento macabro do destino dos restos mortais dos quatro réus: Para Lucas Dantas: depois de [morto] será separada a cabeça.O Final Em 8 de novembro de 1799.391. In: Accioly. Manuel Faustino. 399. reduzindo sua pena para açoite e degredo à África. Salvador: Arquivo Público do Estado da Bahia. seus filhos e netos. para integrarem o Panteão dos Heróis Nacionais. p. com o argumento de que o mau cheiro emanado causava “gravíssimo prejuízo aos moradores” da cidade. atingindo centenas de pessoas com ameaças. evitando a humilhação e o castigo públicos.. e o corpo [. Jose Monte Carmelo. nenhuma punição mais grave se abateu sobre eles. Este último estava condenado à morte e. Colaboração no Texto: Luciene Maria. e tantos Religiosos de todas as Religiões desta Cidade e Presbíteros Seculares. nota 17. todos escravos como ele. A memória em disputa: apagamento x resgate Em 1799. Lucas Dantas. em que se conserve a lembrança da sua infâmia: igualmente os condenam na confiscação de todos os seus bens para o Fisco e Câmera Real. ornamentada em grande estilo. empenhado em fazê-los atentarem ao menos três vezes contra a própria vida. Condenado ao açoite pelas ruas da cidade e posterior degredo perpétuo. corroboram com a pouca credibilidade do tendencioso relato do frei. demonstrava claramente que qualquer gesto de contestação à Coroa Portuguesa não seria admitido na Colônia. mas pediu para se confessar a um frei carmelita que acompanhava o cortejo. Luiz Gonzaga e João de Deus pedem para se confessar e anunciam um profundo arrependimento. (AUTOS. Fevereiro 2012 D S T Q Q S S Dezembro 2012 8 9 10 11 12 13 14 1 2 3 4 5 6 7 15 16 17 18 19 20 21 1 22 23 24 25 26 27 28 2 3 4 5 6 7 8 29 10 11 12 13 14 15 9 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 6 25 . e os quartos nos cais de maior frequência e comércio desta Cidade até que uns. Vol. Notas e comentários de Braz do Amaral. chegando-se a juntar no Oratório. EUFBA/UNESP. (Ibidem. In: Notícias da Bahia. Para Manuel Faustino: No dia 30 de agosto de1798. prisões. II e III. contra o Império. lugar da forca erigida para este suplicio. o reino de Portugal buscava fazer com que a memória dos revoltosos de 1798 fosse apagada para sempre.portfolium. declaram que as casas dos dois primeiros réus. os sinos das igrejas repicavam anunciando o grande ato. o momento de aplicação das penas aos homens punidos no processo investigatório. Os últimos momentos do enforcamento foram dramáticos para os condenados. Contudo. (Ibidem. Brás. 165) A justiça real determinou que os pedaços de todos os corpos ficassem expostos até que “sejam consumidos pelo tempo”. 1998. Nenhuma mulher. o que sobrava dos restos mortais dos quatro mártires foi retirado dos postes públicos. que. com humilhantes açoites públicos e a expressão máxima da morte na forca com esquartejamento. proclamar a independência e implantar uma República democrática. com olhar vigilante sobre uma multidão que esperava atenta. 1145). Das 52 pessoas presas. Lucas Dantas. Mesmo alguns deles tendo sofrido alguns incômodos com a devassa. TAVARES. sentença máxima que se abateu sobre quatro homens pardos. numa lentidão de mil agonias.O frei carmelita. as quais ficaram postadas no lugar da execução até que o tempo os consuma”. José do Sacramento. 2003. a um Calvino e a um Rousseau. na mãe. condenados a que “com baraço e pregão pelas ruas públicas desta Cidade sejam levados a Praça da Piedade. (AUTOS. a violência que se abatia sobre os quatro conjurados pardos. seguiram de forma diferente. Ignácio. que aplicado a ele. p. 1931. o quinto mártir da Revolta. por não ter habitação certa se porá defronte da casa do primeiro réu Lucas Dantas. misturado com lagrimas de resignação. Luis Gonzaga o terceiro. Luís dos Santos. e por isso infames para sempre a sua memória. que foram enforcados no dia 8 de novembro de 1799 na Praça da Piedade em Salvador (BA). seus filhos e netos. São Paulo: Pioneira/INL/MEC. Volume III. e até a pena de morte. Com isso Manuel Faustino. Dentre os considerados culpados.“Íamos ver se podia ser feliz”. O Relatório do Frei . a um Voltaire. A Execução N o dia 8 de novembro de 1799. v.1145. Faustino e Lucas caminharam com as mãos e os pés acorrentados. encaminhando-os para o Campo do Dique”. Memórias Históricas e Políticas da Província da Bahia. Manuel Faustino e Luís Gonzaga) no Livro dos Heróis Nacionais. 1975. Formulações improváveis como essa. A Bahia no Século XVIII. por vezes ruidosa. Antonio José.