Bruno Tolentino - As horas de Katharina.pdf
March 28, 2018 | Author: Fortunatta Rebolletta |
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Soul,
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... •• • • .. .. • . • • • .AS HORAS DE KATHARINA • . .• . • • • • . ETRAS .BRUNO TOLENTINO AS HORAS DE KATHARINA 1971-93 OlMPA�l. Poesia o. S«ulo 20 2. Bruno As horas de Kalharina.São Paulo - Telefone: (011) 826-1822 Fax: (011) 826-5523 SP . 1971-1993/ Bruno Tolentino.915 Todos os direitos desta ediç:lo reservados :l EDITORA SCHWARCZ LTDA Rua Tupi. SP. Titulo. S«ulo 20 ' Poesi2 Utentur2 . ISBN 85·7164-392-X brasileira I. 1994.915 lndices para ca�ogo slsletmtico' I. . Brasil) Tolentino. brasildn 869. Poesia.915 Utentun brasileira 869.Copyright © 1994 by Bruno Tolentlno Capa: João Baptista da Costa Aguiar Preparaç:lo: Márcia Copola Revls:lo: Carlos Alberto /nada Ana Maria Barbosa Dados lnt�madonals de CatalogaçAo ruo PubllcaçAo (CIP) (amara Brasileira do Livro. 522 01233·000 . - S1o P:lulo ' Companhia d2S Ldns. 94·2024 coo-869. . que as foi buscar às gavetas do silêncio. e a ]osé Joaquim Dutra de Andrade. que inspirou estas músicas.In memoriam Ingeborg Babmann. . poderia ser com certeza qual quer um desses inconfessos filhos bastardos que Deus ama e reclama. co mo Elizabeth Katharina Maria von Herzogenbuch e falecido aos 29 de outubro de 1927. por exemplo.RESPONSABILIDADES E CORRESPOND�NCIAS A suposta autora destas páginas. teria nascido em Veneza. . Como. ou tradutor. co mo Sóror Katharina da Anunciação e do Suor de Sangue. deste Stundenbucb. tivesse sido encarnada numa só pessoa fJSica. aos 11 de novembro de 1861. um que outro bypocrite lecteur ou no caso o inve terado autor. A não ser assim. no Con vento das Carmelitas Descalças de Innsbruck. . AS HORAS DE KATHARINA . . Manuel Bandeira . passei a vida à toa. à toa. minha cantiga é mais triste.Primeira parte Os longos vazios (1880-1909) Andorinha. andorinha. . A majestade . Mas que fazer disso tudo? Vi-te ereto. são só água. golpes agudos . Os translúcidos novelos . ao longe : estudo teu reflexo em cada lágrima. só cabelos . de repente é insuportável ! Vi-te atravessar a praça. 13 .1 O ADEUS Vi-te montar teu cavalo . . diadema do diáfano. . A coroa de fumaça. Vi-te ao longe . liminas. das nuvens com a luz em torno são só brilho. com certeza é sem retorno . a beleza de cada montanha presa à correlação de um vale. 2 NO TURNO Porque o amor não entende que tudo quer passar, nunca , nunca consente a nada o seu lugar . Planta presa, de alpendre, sacudindo no ar braços impenitentes , tenazes , em lugar de aceitar que não prende nada, o amor quer dar apaixonadamente laços à luz solar e é noite de repente . 11 Se ainda te iluminar com um olhar novamente , sei que não vais estar tão perto; a alma entende , o corpo quer gritar! Porque o olhar apreende mais do que alcança dar , à distância, na mente , de que vale um olhar com a noite pela frente? Essa noite que tende a unir e separar inapelavelmente . . . 14 3 SOLILÓQUIOS Mas não tem importância , aqui estamos nós outra vez . À distância, eu sei , mas ainda a sós . . . Que importa e u nunca fiz sonhos de perspectiva e uma chaga furtiva vale uma cicatriz. , E ainda que não h ouvesse nem uma nem a outra, quem muito busca encontra: tu vens, tu me apareces . 4 VIA CR UCIS A Via Crucis foi uma selvageria, a Crucifixão uma brutalidade; mas em três, quatro horas, acabou a agonia baixou a eternidade . , Eu viv o aqui, crucificada noite e dia, carrego da manhã à tarde o meu lenho de opróbrio e a noite me excrucia, lenta, fria, covarde . Ah, como eu preferia que me crucificassem de uma vez, sem o alarde de algum terceiro dia! Mas toca-me seguir nessa monotonia, a agonia de alçar me do catre e abrir de novo os braços, vazia . - 15 5 METÁFORAS A fogueira absurda de um corpo de mulher não tem comparação! Uma pilha qualquer de lenha opaca e surda, mera coisa do chão , não basta como símile dessa desolação inútil: o sublime que não se frutifica, o grão que seca. . . Fica cada vez mais difícil encontrar a met áfora para o estranho suplício de um corpo que está fora da vida, o seu destino pingando como bica num beco que conduz de estranhe za em mistério . Um ventre , um ventre estéril, é como o sol a pino de que não desce a luz. 6 PA VANA SEM LUXÚRIA As incontáveis sementes que andaste desperdiçando em abraços miserandos, estéreis e impenitentes! Pensar que o melhor que tinhas, aquelas pétalas brancas que nunca mais serão minhas, 16 deixaste-as cair em vão, ah, pensar que as minhas ancas como estreitas esperanças podiam ter se alargado contendo de lado a lado tantas pálidas crianças que entregaste à escuridão ! 7 O ANJO ANUNCIADOR -Ouve, Maria, a nossa (não, não te assustes!) é uma luminosa tarefa: retecer o pequeno clarão que abandonaram , o lume que anda oculto pela treva! Porque irás conceber! Porque a mão, desejosa e tosca, que O tentara reter, ainda que leve, desfez-se ao toque , assim como uma vez tocado o sopro se desfaz a avara, a dura contração do peito ansiado . . . M as a haste, o j asmim despetalado, é tudo o que ainda resta dos canteiros do céu aqui na terra, que um seco vento cresta e uma longa agonia dilacera. No entanto a morte há de morrer se tu quiseres, 6 gota concebida bendita entre as mulheres para que houvesse vida outra vez, e nascesse desse fundo obscuro do mundo , o ninho incompreensível do teu ventre . 17 6 muito séria. que naufragam no imenso . a frágil chama que há de crescer em ti. . o Seu vulto e os tumultos da luz na t ravessia entre a dádiva.Não . a ave mansa e recebe em teu corpo de criança a Verônica única. hás de conter a lágrima do Infinito. o capitel que se perdeu . hás de ser lago em que as sombras se afogam . sempre-viva. o fogo . humílimo veludo. a perda e a renúncia: quando de um certo dia cheio de luz amarga 18 . a coluna de luz. virão numa enchente de asas. a enxurrada de pétalas te abrindo . e hás de ser cântaro e fonte e ânfora e água. é O que reúne o coração e o grande anel da esfera. que hás de ser cama ao parto do Perfeito. aluvião . a língua ardendo . o incêndio vivo . não toques ainda nem a fímbria do manto nem o centro do mistério que anima a tua túnica: aguarda . constelação descendo ao rosto teu : é Ele. as cores da perdida Primavera vão retornar. Que eu venho anunciar apenas a um esquivo. púrpura. ó j ovem branca como um lenço. Em tumulto reunidas . . nascitura estranheza do amor da criatura. mais fundo que a razão e o corpo . 19 .em que serás enfim a sombra esguia que O deu à luz e que O assistiu morrer . terrível. ó Maria. 6 pétala intocada . deixa a ave do imenso sacrifício te ofender. o toque enfim possível dessa mão que há de colher para perder e ter o infinito que nasce do deserto e a semente que morre se socorre tudo o que no estertor tentava ser . canta agora como a fonte borbulha. a nova Primavera e a tessitura do ramo que obedece e se oferece para o mistério e pela criatura. Canta a alucinação. Mas canta. mas terrível. . o prenúncio da mais viva alegria: entreabre-te ao clarão da visita suave . ouve este estranho anúncio e deixa-te invadir para colher. hás de sofrer intensa madrugada e num lago de luz como afogada hás de durar suspensa entre a graça imortal e a dor imensa. o sopro cálido. como a agulha atravessa o bordado . Atravessa. os abismos do ser. . canta como essa luz pousa ao teu lado e te penetra e tece a nova aurora. Só que eu não Te procuro . E assim como o imenso te ampara. nesse onipresente que assim se me incorpora. ó mãe de Deus . essa canção que és e que na treva.Do engano da linguagem desenganada. 20 . vem . . Sinto-me tão pequena para o imenso murmúrio que me invade . me chega como na noite cega o vôo da falena que busca a chama e brusca e nua ao fogo puro deixa-se confundir. andava perto da imensidade que te invade. me ajude a celebrar a glória d' Esse estranho que me quis habitar de Seu peso e tamanho.Canta a canção do lírio e do alecrim. matriz da eternidade e d'O sem-fim . . canta e roga por mim . ó voz tão clara que consolas e elevas . imploro à corda menos ágil da lira de meu ventre que . 8 A DONZELA . desperta. na escuridão da carne . como se desde sempre e nada mais eu fora senão a Sua ânfora ou o Seu alguidar. da promessa da vinha neste mundo e. será lenta agonia. De fogo obscuro e frio penetrado. . . que para ser eu Tua não me cabe ser minha. agora que eu virei Tua ânfora. Abraça-me e perdoa minha carne banida das coisas desta vida que agora se me voa. meu corpo diz ao corpo vazio que era o meu e perdi : o peso que eu suporto é mais que o infinito que me habita. uma vela de cânfora cujo pavio chora. cada vez menos minha : a minha carne tinha qualquer coisa da pressa. é um aceso desejo de ter peso outra vez. meu Filho. . essa alegria . . 21 .Só que és Tu que me buscas. porque o Espírito que raptou meu corpo abandonou-o absorto à beira de uma calma alheia como o hábito de ser somente alma . E toca-me fugir a tudo quanto eu tinha. que mal tiveste um filho . como o brilho desta vela que acendo . sem coragem para esse assassinato . frágil como um rastilho de asas. 6 Maria. Padeço com um vulcão por dentro . sufocando em meu ventre . pobre M aria. o nosso . Ah . como eu te compreendo! Roubaram-te a alegria. ensina-me esse parto! 22 .9 À IMA CULADA Ó Maria. A esperança de ainda voltar a ver-te dói como uma criança com medo de nascer. o preço foi tremendo! 1 0 O EMBR ULHINHO Eu me debato dentro de um vulcão . Tudo em nome do exílio de um corpo . Pobre. eu pudesse matar em silêncio esse fantasma que atormenta a minha carne ! Mas não. horrendo . para arrancar-me esse pedaço que ainda hoje te pertence. se. Tu. que me inseminaste de doçura e de ultraj e. abriram-te a caverna. Mas a tua era eterna! Ninguém te perguntou se querias voltar. é pintar por orgulho a máscara da calma na cara da agonia. cada vez mais imenso . . . 1 2 A LÁZARO Está bem . e deduzo do nada minha cacofonia. . devias consolar. tua pureza e a minha acomodam-se mal . . sacudiram-te o sono . Calo. 23 . Ah. está bem. silêncio ! Vestal com avental de cozinha. e o cão à voz do dono abandona ao ouvir a solidão que tem . 6 silêncio. Mas que nada! Calar é entupir de barulho o vazio da alma . mandaram-te sair.1 1 SILÊNCIOS ó silêncio. disciplinada. . . recomeçar . mas não tenho fé . "Não vou !". . Vou por onde as outras vão. . mulher cada vez mais feia que vai caindo na teia de alguma reparação cada dia mais medonha. Eu não ia . mas não tenho mais idéia do que faço. Gritaram-te : "Vem!". Quando eu por lá ia o pão sofria que nem o Cão porque eu lhe arrancava a espinha 24 .sofrer. ser . 1 3 MEDÉIA Não sei mais nem que horas são . Irmã Hilde . caricatura que sonha com os venenos da ilusão sem que felizmente ponha a mão sequer num facão. rezo. . . teve a boa inspiração de banir-me da cozinha . quanto mais que dia é ! S ei que amanheço de pé com um rosário sempre à mão todo santo dia em vão. coitadinha. Há uma Medéia em toda separação. àquele momento . Mas não sou Medéia não. 14 AUX DIABLES! Ontem o velho Abade desta congregação de espectros. a assombração que definha na floresta sonhando um bicho-papão . balindo corno gado que acorda sonolento. Eu não ! Eu. horrendo. sou a sombra que protesta caladinha. . . Coitado tão correto! Amanhã a minha solidão não terá esquecido o seu pobre pedido : terá feito a canção que agora ando fazendo. e aquele emparedado medíocre . . disse não a urna simples vontade da sombra temporã que vagueia de um lado para o outro . . gordo.em manhãs iguais a esta . estarei à janela à cata de um qualquer 25 . dirá sua oração e seu Amém. vazios. à esquiva. a falsa freira . sei que não acordarei a mesma. ah.sinal do céu àquela que por nascer mulher foi enterrada viva. eu falarei à chave que um velho Abade grave engoliu. não ! Amanhã serei eu! Amanhã. vagos vapores como de gruta. com esta mão rasgarei este véu e aos diabos o céu ! 1 5 CORREDORES Rápidos passos nos corredores . falsos palácios. a prisioneira. torres que uma permuta cruel e irônica vai transformando em estalactites 26 . alguém à escuta? Longos espaços . eu . à oblíqua maneira das mortas-vivas . . cheguei aqui quase contente de me apagar. . mal vivi . Eu vivo aqui. tão frio e tão crepuscular cada momento neste caixão. .de pura insônia.. 27 . Sombra insistente do bel-prazer que . Aonde vou que não me esqueço nem de onde vim . que ando a vagar de encolhimento a indecisão. M as é tão lento. como se um bando (dedos em riste. ) fosse domando o que resiste e insiste em ser . . . olhos de amônia . subitamente foi-se esconder. uma quimera! Pobre animal . quase menina.do que ficou? Desapareço . . u m a enjau lada. tive um amante. 28 . Dizer que um dia. uma alegria! Que guilhotina caiu cortante e inesperada entre o que era e o que afinal sobrou de nada? A alma é uma fera instintual. mas não de mim ! S e tento o vôo o ar é espesso como é sem fm cada agonia de uma rotina desesperante . . certas cenas . invasor do tranqüilo silêncio deste átrio. lagarto. primo do crocodilo. olha . certos rasgos . salta entre as pedras. Eu danço assim também .1 6 VALSE OUBL IEE Certas estrofes perdidas longe de papel e lápis. arrasta a pança nas pedras carcerárias deste lugar. tão límpidas quanto rápidas . de manso . como certos . 17 O LAGARTO Dança . vão e vêm e doem-me ainda. dança. afiada quando ataca e cega quando sozinha. certos fatos de uma fluida inconseqüência na rapidez da existência. certa faca de que às vezes sou bainha. assim ! Põe os olhos em mim e gira. ao ritmo das árias de uma luz que me chega de onde não vou jamais ! 29 . certos raptos . dança ! Faz assim . Dança. do silêncio e do nada . dança assim também . a cega de luz. no escuro da minha cela penso em ti como naquela que passou pelo portão mais estreito: o do perdão depois do doce pecado . a que anda atrás da chama. meu companheiro entre paredes mudas . Madalena.Dança! A falena. Dancemos os dois j untos. dança ! Eu cheguei primeiro . cheia do medo de seus próprios desejos. do arremedo da liberdade afim da morte. antes das outras todas que já vêm por aí! Aproveita. como dançam os defuntos na treva. que em pouco lá vem o bando louco que tem terror de ti! 1 8 ESTREITEZAS Madalena. os percevej os na carne mal lavada e as angú st i as sem voz na garganta do algoz. 30 . vade retro. Madalena. nem um capeta quer a coisa indefinida que não chega a set bem um resto de mulher. 1 9 VADE RETRO Não . não fui possuída j amais por um diabo . Ah.M as meu corpo encarcerado não tem nenhuma opção . Na comprida noite fria como na manhã vazia. Não vivo nem da graça de Deus nem do que der o outro : uva encolhida que vai virando passa. m inha carne . e ninguém. um demônio sequer! Não me têm tanto apreço . na estreiteza desta cela a pele ardente e morena que me acossa e me flagela não conhece remissão . enquanto não acabo de ser uma não chego a ser outra . passa. esquecida . não tem escolha ou perdão. 31 alguém ! . é uma coisa qualquer seca. . . . 32 .2 0 ROMANZA Minha peregrinação . por um vão de quase seteira. de uma alma peregrina encerrada no porão de uma existência assassina. da sina de quem passa sem razão de olhar (talvez) para cima uma vez ou outra (ou não) . pendurada à oscilação fortuita de um coração. . a faminta da ração de uma vida que termina onde começa a lição de ferrolho de um portão. essa tocha feminina ardendo atrás da cortina. essa sombra vespertina que uma vez por mês se não ressuscita se ilumina tentando ver. a aparição sibilina e rara como o esturjão . o chão em que passam casco e crina do teu cavalo alazão . . . de uma visão repentina à longa antecipação solitária. vista de fora. viperina por filha da humilhação de uma paixão tão contínua quanto anda longe a menina que estende os olhos em vão E essa quase assombração. . De uma janela a uma esquina. Não parecem fenecer . . figuras que muito embora encontrem certo prazer no hábito de dizer: "A v ida ficou lá fora . pequenas chamas renitentes a tremer segundo o tempo esparrama as nulidades do ser . São como as últimas ramas da vinha .a um olhar que contamina os restos de um coração essa aparição franzina como há de ser? Como hão de ver tamanha intrusão teus olhos . Dizem-me que é assim que a s amas . " demoram m uito a morrer . Agonizo sem saber se o pátio destes passeios circulares como cheios de ângulos. tem poder de atardar o entardecer de espantalhos tão alheios . 33 . . . . 2 1 O PÁTIO Vivo entre sombras agora. daquela esquina que uma vez por mês germina ante uma flor de balcão? . . assim entreabertos um brevíssimo instante. que a inesperada esmola partiu a velha mola desse pobre coitado que Ah. Tocaram a minha pele! Por detrás da cortina outra mão como a dele tocou numa menina que não vivia mais . . sobre as teclas da música fugaz .2 2 O VELHO RELÓGIO Tocaram-me no braço ! Pegaram-me no pulso! Deram-me corda a um !asso relógio tão convulso e tão enferrujado . 34 . que que anda parado há anos! coração exausto . . . deixaram-te diante de ávidos desertos . E vão passar os séculos sobre a mão . susto o teu ! Os panos te envolvem o fausto . . a mulher que insistes em chamar de irmã . fosses mulher tu me entenderias. podias até negar-me outro olhar. . todo fome vã! Corpo de asas tristes. que me dilacera. corpo de mulher. todo desespero . o corpo 2 4 SAL OMÉ Visses-me dançar como Salomé . arrancai-o ao resto do corpo perfeito. 35 . entregai-o à fera que dança em meu peito . que eu quero e que não me quer. o par de olhos sem fé. Ah. fugir do l ugar ou ficar de pé como a estátua. .23 HERODÍADE Trazei-me esse rosto que me desespera. João que eu detesto menos que este corpo todo calafrios . Trazei-me esse rosto . que o pobre anjo vira. e vejam só : M yrian-Maria. o anjo buscava-a e não a encontrava! E olhava. . olhava e se impacientava: "Myrian-Maria!" (onde andaria?). tão igualzinha à mais pura luz. 2 6 SALGUEIROS Salgueiros! Os salgueiros solenes. coitados. . quase não pôde nascer Jesus . debruçados sobre si mesmos. . procura e quase enlouquece ! Era tão pura. aquela a que fugirias . sendo mais limpa que a luz do dia. iguais às insepultas cabeleiras dos belos enforcados. a quem um dia um anjo fora rodear de luz. anos inteiros.sem pupilas dela . 36 . 2 5 MYRIAN-MARIA Myrian-Maria. anos. . Mas não poderias não achar tão bela quanto as cotovias que mataste . anunciar-lhe o infante Jesus . :'lla turalmente não duvido. Pelo B icho também . pela coisa mais linda como por tudo enfim . . . . . ando de luto por toda a Criação ! Pela calhandra . que anda (dizem) atrás de mim. que prefere a pequena salamandra a mim . São coisas do Diabo. condenados à eternidade assim . Sentinelas dos lemos desesperos .É como os vej o por todos os lados. . a mim . com a pobre salamandra a que cortaram o rabo . coitados dos salgueiros de convemo ! Dão medo. Quando sonho com eles são caveiras de hirsutos malfeitores . pelo breve carmim da rosa imacta ainda . assim como j amais discuto. 37 . ou ainda como fundas olheiras espiando-me à noite . pendentes dos telhados . O bicho de olhos verdes que não vem . despenteados . . coisas do bicho mau que perambula no jardim . são sagrados . Calo-me . 2 7 MECHANCETE Deparei-me. no último degrau. entre as soleiras e as pupilas. Baixa as cortinas . um tronco. são tão frágeis os nexos nesse mínimo mar. acabam por ser nada: neles nada um reflexo multirrápido . espero e desespero e abano o rabo preto na varanda . 2 8 DOMMA GE Que lástima que as poças dos olhos. como as coisas mais triviais . . lacrimosas. são nossas um belo dia e pronto. acabou-se! Se resta dependurado à testa nosso sólito par de espelhinhos convexos. ergue-as : foi rudo um conto que aqui esteve de leve . . interrompido ou breve demais. . que um gesto . aquela oscilação da hora fria em que a sombra amarela do dia embobinado na procela balança. adeus . é a breve madrugada. . adeus e pronto ! 2 9 TAL VEZ Vem quase todo dia aquela hora muito lenta. e pronto. não guardem nada! As rosas do fugaz. um rosto.que espero e espero . assume a forma esguia 38 . . espect ros. . . Algo que agora não se vê direito . a perene borboleta. e suge re a agonia de algum verme : antecipa-se a bela. Algo invisível como a própria alma balança-se com a calma dos morcegos que dormem com as cabeças apontadas de dia para o chão. ângulos. p romessas . Acordarão? 39 . .de um casulo. s e algum dia s e viu. entre tantos trapos. Há resquícios assim em mim . a esquiva silhueta pairando como às voltas de si mesma com um aroma de luz e de umidade : a alma entre o nada e a lesma? 11 Algo intangível anda pelos cantos deste lugar estreito quando os corpos transbordam do leito e en rolam-se nos mantos de uma conspícua viuvez. os agapantos dos campos desolados do perfeito . e é como a eternidade que se insinua. a futura. . v a i d o olho a o mocotó . E como come ! Só do bom e do melhor. cordeiro . . Decididamente é louca. Lembra até o do companheiro do filho do j ardineiro . . Algum diabo a cutuca lá por trás . Tem taman h o de Priora 40 . alguma gula de carícia ou de arapuca . leitão. É devota de Maria (diz) mas faz tudo ao contrário : já partiu mais de um rosário . Quando canta desafina. Sóror Venância é pior. tanto se ajeita a cogula que um dia desses termina sob alguma guilhotina. até o do Vigário. franguinho.M or que mor reu . . não lembra nunca do nome de ninguém. aposto que não regu la! Passa tanto a mão na nuca . meia dúzia é conta pouca. sabe de cor apenas nome de homem . mexe e remexe com a boca . mas não acerta a harmonia . e toca a ajeitar a touca e tocar-se o escapulário.3 0 A RATOEIRA Sóror Bernarda é maluca . S ó mesmo vendo o amuleto dessa penitente ! E tudo em nome de Deus. tem seu pedestal de ouro . . não tem dó nem de peixinho em salmoura! Se engordar um pouco mais assusta até Satanás. ou seja. enfeia até o sofrimento: teve vez que até me disse que a morte de uma pessoa é uma coisa muito boa. . e um pedaço de esqueleto. o espeto dourado do mau agouro . o susto como tesouro . . Já a dona deste convento é pura cafajestice. . mas dá quilos de ouro em pó (é muito conversadora) por uma conversa só (ou a sós) com algum rapaz . Não sei o que deu em mim quando achei de me enfiar que nem fita de cetim neste bendito lugar! Só depois de dar o laço é que fui achar espaço 41 . . que a vida é um longo lamento. Mas com franj inhas ! Quem v isse a cela desse portento gastaria o tempo à toa tentando entender: o preto é do mais fino veludo.e pudera. . um crânio queixudo . o sofrimento a alegria. para poder m e queixar Mas não sei mais a que vim . falando com meus botões. que às vezes o coração dependurado à canção já não sabe onde começa. melodias de minhas decepções. Faço versos. Substitui-os um vento . onde termina a ilusão . leva tudo ao mesmo tempo. e vou enchendo meus dias. tempo sem fim ! . 3 1 OUTRA PRISÃO A vida vai tão depressa . velas pálidas que vão ficando mais desbotadas ao alvor das madrugadas . . 42 . . com que m hei de conversar?! Dissimulo.e tempo. O tempo . a miragem. Um vento e uma procissão de sombras mal-assombradas. a solidão. assumo o ar beato das confrari as amargas que nem limões e componho livrarias com o intuito de me livrar . . mal sei ainda o que faço. o velho ladrão. . cortina do que some ! Sobra um vão . como aqui nesta enxovia vem o tempo e passa a mão em tudo quanto esvazia dia e noite .Pelas capelas então. algumas são gravadas aqui. cela. os trapos de uma neblina. onde começa a ilusão . . Todas passam. Coitado d o ser. . j á não sabe onde termina. o arabesco que termina por tecer outra prisão . seio . solidão . . noite e dia. . um rio que se evapora. . Um tique-taque sombrio de invisível procissão que se vai embora. tão frio quanto uma evaporação é lenta . feminina. 43 . mausoléus abandonados . as horas de Katharina . . Às vezes a gente sente-lhe um roçar de mão como um calafrio rente à pele que murcha e não entende bem o que sente. com mão diligente. repletos do ar malsão que envenena os condenados dia a dia em seu porão. são mesmo o que preferias desde bem novinha .3 2 OUTRA AINDA Todos. algaravias dos tumultos de uma freira cujas pobres fantasias remexem-na a noite inteira. ainda garota faceira. os dias e as noites que bordarias sozinha. . ausente da feira de vaidades e alegrias 44 . queira ou não queira o que querias quando . E que havias de fazer . Havias de achar o modo e a maneira de isolar-te entre porfias só tuas . desde sempre escolherias. alma estrangeira a tudo o que fazes. de alguma maneira atrás de mitologias. o dia todo . rabiscos. todos os dias. sou meeira dessa herança tua. . tua feb re sobranceira. fias ou desfias. a brincadeira que . . teus raptos de prisioneira. . chegaste a esta ratoeira. Não me enganas. com pachorra de rendeira minha mão de bordadeira costura mais poesias . ah . sempre à beira de tuas monotonias? M al cabes em ti e. que cobiçavas mas vias sempre de fora, da beira, da quina esconsa . . . Sofrias? Sofres agora? Besteira! Mentirinhas que dizias às pobres das tuas tias quando , a cada sexta-feira, falsa penitente , ias à casa delas, Marias do Carmo, da Choradeira , das Dores . . . F.stripulias suspirosas de matreira, a que eras e a que irias ficar sendo a vida inteira, de pretextos a agonias até achar a maneira destas tuas h armonias, fios da dor costumeira , tua velha carcereira, profissões de fé nas frias , tuas sempre , por sombrias , vocações de carpideira. 3 3 A MAIS SEGURA Fingidora , como sofres! Como me fazes sofrer para destilar-me o ser e guardá-lo nos teus cofres ! Gostas mesmo é do teu ritmo . Se sentes falta de algo , exumas algum fidalgo, arrancas-me algum legítimo assunto de ritmar . . . Não me enganas , te conheço 45 pois sou eu quem pago o preço deste sombrio solar que vais erguendo sozinha onde quer que um dia estejas, conventos, porões, igrejas, castelos , nuvens . A minha . . é apenas a função, se não bem de acompanhar-te, alma nascida da arte e só para a arte, então a de encontrar-te um pretexto e pouco a pouco vestir-me da desolação mais firme que te j ustifique o texto . . . 34 E A RATOEIRAZ/NHA Cuidado! A dor inventada acaba tão parecida à cara nua da vida, que um encontro de calçada pode virar despedida . . . Garoa vira enxurrada, lagrimazinha esculpida, finamente musicada, pode transformar subida em queda fora de alçada, fora de qualquer medida e todo controle : o nada tem a energia escondida da ratoeira calada ali no canto . Ó fingida , . . 46 alma minha apaixonada, muito cuidadinho a cada nova sílaba sofrida . . . 3 5 SOMEWHERE, SOMEHOW Porque é possível fazer a verdade disso tudo como quem faz um estudo , sem que ao cabo do lazer, do prazer de havê-lo feito, tenha-se enfim feito nada daquilo tudo: a estocada já estava mesmo no peito . Imagino algum poeta nalguma língua estrangeira este mesmo instante à beira de escrever isso Há uma reta . . . que, pelo meio da gente como uma régua da vida, é uma frase repetida, a mesma, insistentemente: " . . . porque é possível fazer toda a realidade disso sem o enfadonho exercício de fazê-lo , de o viver . . . " 47 36 BADULAQUES Tenho vários , peq uenos amuletos: dois deles de prata, dois elos unidos de corrente indiferentemente partida pela vida; quatro ou três fios de um ouro antigo, de uns cabelos que enchiam a noite toda; e uma caixa de música de que me sai , aveludada, uma abstrusa , eterna valsa, ta-ti-tan , valsinha doida e lenta, lenta, com seus velhos espectros enlaçados, cada vez mais distantes, ta-ti tan-ta-ti-tan . . . E tenho , é claro ! , um lenço bordado , desbotado e tão , ah , tão cansado de oscilar entre seus dois fantasmas rápidos, dispersados e reunidos e perdidos de novo e assim por diante . . . Olho-os às vezes, estes meus objetos: pasma, pergunto-lhes, perguntome a mim mesma: foi assim tua vida? Um desbarate desconexo que se j u nta em pedaços, o imenso, o informe vazio entre um e outro? E escuto um eco : " . . . e existiria outra medida, outro retrato , outra soma da vida, da poesia dessa história banal que é tudo o que começa e termina de encontro 48 " Talvez a luz peregrina caindo de longe e dando naquela fronte curvada. levando os dedos à boca entre um e outro gemido que vai lendo distraído. alguém séculos depois e sem compaixão destes segredos. os dedos por estas folhas . esposo. seja esta mesma. Talvez a sombra indiscreta manuseando estes desenhos como aos poucos a ampulheta se esvazia. a luz que treme e envelhece reclinada. . noiva. amante .a nada. . como quem bebe e sufoca . cerre o cenho 49 . em estilhaços . a perene luz de sempre. o barato relicário roído de tudo o que foi grato . esse espectro sem desej o talvez diga folheando: " As horas de Katharina . ?" . mãe . . essa figura que e u vej o entre a indiferença e o gozo . a estátua sem cabeça ou sem os braços. quem sabe. 37 AS HORAS DE KA THARINA Passando . encontraste-O antes do céu . 38 NOLI ME TANGERE . entre nós duas há um ponto de contato meio paradoxal : tu andaste ao lado Dele . de novo idêntico à dona : no escuro . vi-o ao meu lado chorar de olhos fechados depois de dizer-me adeus. Tu foste-O buscar ao túmulo. . se abandona . e Ele. Eu também guardo no tato a cicatriz ideal : toquei um deus e cerquei-lhe de lágrimas e cabelos aquela última vez a curva dos tornozelos (os deuses vão-se descalços). tomaste-Lhe as mãos nas tuas e até Lhe lavaste os pés . E o meu bordado sozinho outra vez abandonado . . nalgum fundo de gaveta .e deixe cair de lado um suspiro e este livrinho . . Tu viste-O gemer de braços abertos . uma silhueta que se esquece . Seus olhos nos teus: "Noli m e tangere!" É o cúmulo da coincidência: o meu 50 .Madalena. pousaste-Lhe a mão na pele . Prefere as celas da dor às da ilusão. sempre à beira . .também foi um não-me-toques. sempre à vista. crê-me: uma idéia pode virar prisão. 11 Mas não te entregues . minha vaga irmã. interroga as . Não t e deixes colher numa vicária 51 . abelha entre a colméia e a cera da canção . prefere a mão do artista que une as sete cores do arco-íris à sua. semeia . . uma daquelas que peram bulam entre palavras e janelas. . . se fores - como eu. à morte voluntária que há nas idéias. o adeus de uma vida inteira. Só que tem que (não te choques) a intocável era eu! 39 DA CANÇÃO Para fazer a lista das tuas sete dores. tece a tua ária como uma detalhada tecelã resignada apenas à manhã . pinta-as. O ilusionista na realidade colhe como flores as idéias e passa-as em revista. . e na pele 52 . Não eras tu. naquela boca macia. Nem ele me conhecia nem eu te reconheci naquele olhar cristalino. . O teu único menino . naquela fronte serena. a alma pagã não se salva jamais ao simples preço de urna decorativa abstração . . nem um corpo! Mereces (e eu mereço !) salvar alguma coisa: u m a canção nesta vida de gesso . era ela! Certamente era a falena que consumiu tua chama e apagou-se corno a estrela. . nada se salva ao custo da emoção . Eu teria dito a ele que aquela sua orfandade e esta minha viuvez equivalem-se . a que morreu sozinha na tua cama. . era ela. . 4 0 O BEIJO E era aquele o teu menino! Não se parecia a ti . como aqui na minha cela noite e dia morro eu .consolação : a m áscara rnortuária da solidão vulgar. de longe. 53 . tantas. sem o olhar em que se espelhe . . misto de casto desejo e doce cumplicidade : ele é dela e eu sou tua. 41 ANFECHTUNG Desolado crucifixo noite e dia encarcerado com teus dois braços abertos. . mas tu ainda . como a alma nua. . talvez eu tivesse posto um beijo. . A cada um uma orfandade . Tu calado e e u gemendo. . dois moribundos que deuses e homens abandonaram . abracei-me a teus desertos tantas . . mas sem função à nudez. tantas vezes que andamos nos parecendo . trespassei-me lado a lado neste teu longo olhar fixo . Treze frios anos ! Treze simetrias que acabaram por misturar-nos um p ouco: dois corpos c heios do peso desnaturado dos loucos .tão diferente da tua . . lábio a lábio . vamos j á sem sede e sem calma pelas vagas dissoluções da alma entre rosais vazios e sem voz e como nós tu também pouco a pouc o esquecerás . Estrelas fragilíssimas se apagam a cada vez que respiramos. . .Tudo é leve . . Rosas sem corpo.42 LAMENTOS DA DESCIDA DA CRUZ . ah . . 54 . os instantes e os perfumes . tudo é escombro . sobrou o ar. Esse que ardeu e desce em nossos om bros já não tem peso : soçobrou o mundo . como andamos longe do simples horto natural por onde andam a morte e o volúvel sêmen da noite perfumando tudo . profusão sem rumo. E no entanto sonhávamos também o sonho absurdo . os sabores . o sonho à cata de que tudo acabe no incêndio de repente . Agora canta o arroio de luz envenenado que aos poucos descolore as coisas. enquanto cada vez mais distantes vamos virando nuvens . . e eu guardei dela a esperança de durar seca. uma estrela do mar . ao longe. uma estrela-do-mar. E vim parar aqui. a raiz apenas .43 ESTRELA-DO-MAR Deram-me . Eu sou feita de tudo o que senti . longe ou perto. criatura não. sem mais nada que houvesse sido dela . A 55 . Mas não deu certo: a coisa inanimada. O ser é uma emoção. arrancada também ao meu país natural . quando criança . tardinha ou madrugada. é sempre igual a si . longe de tudo o que perdi . se escolheram o que fazem . um pano rasgado pairando à toa . Que desolação ! O s meus não são gritos nem gemidos . como o nada num monte de trapos pretos .44 MISERERE "Miserere. . 56 . "Miserere!" São mais brados do que gemidos . "Miserere!". "Miserere!". os gritos daqueles pobres coitados. . mise. "Miserere!" De j oelhos como espantalhos tão velhos que já não espantam um demônio. não fazem nunca o que querem. cantam sombras de mulheres que . e não se dirigem aos céus senão aos cinco sentidos da demente am ortalhada em si mesma. ondeia a gaze de um lamento cotidiano que se dilacera . o peso humano na voz que estremece e voa . dobradas como os artelhos dos mortos.·ere!".se a Deus . num pandemônio de lamentos musicados . os espantalhos aflitos recomendando. pomba entre u rubus discretos. pendurada à beira desta minha cela: a meta. ."Miserere". e u . mas acordar sempre ao lado do espantalho pendu rado com toda a solenidade . 6 mascarada. 4 5 POURQUOI PAS? A Madre Superiora guarda em sua cela um crânio e acorda sob o instantâneo dessa luz constrangedora. por vaidade ou não. a coisa completa. àquela estóica senhora não passa de um sucedâneo da outra bem mais promissora. seria assim meu cuidado . Eu poria uma caveira inteira. de braço dado com minha mortal idade 57 . pomba de sombra e recusa! "Miserere!" Tua musa protesta. Não sofrer pela metade . quanto à mera luz de fora. . creio bem que . a perfeita companheira das lamúrias do poeta. mas se acomoda de arremedar essa música idiota a vida toda . das insubmissões da freira e da esperança indiscreta. nua. . pois prefiro à intimação do susto. a abelha.seria mais natural. por que não? 46 EM PLENA VIDA Não sei por que o Mestre. . Tudo parece a lenha já fumaça. o susto total ! Sempre fui assim. . . tudo o que brilha e p àssa me compadece . Afinal que importa o fim. a mariposa. Quem sabe que razão. Não sei. o mal que me atormenta a razão e seduz o coração é o corpo todo . mas acho uma pena que viva tão fragilmente a coisa que vai morrer! O ser. põe a cor da treva por debaixo da sempre-viva . o Criador da delícia campestre. sustêm-Lhe o pensamento na amplidão 58 . que argumento. pausada . uma garganta pálida. o meu. Minha breve vizinha pairava como a pétala de alguma flor de palha. A minha. despediu-se da vinha. acercou-se à j anela. a erva daninha queixando-se do Pai. daquela indecisão daninha que tosse : a nuvem cálida tossia mas mantinha uma graça de inválida resignada A cela. como que abriam alas à cegonha grisalha. bela. o cortil. com a timidez da vela . modelo da camélia muito clara: tranqüila. sorveu a camomila.. a capela e até mesmo a cozinha . são este ai . .diante do que se esvai . doce . . duas águas-marinhas e duas mãos de opala indecisa. . e apagou-se à noitinha. da cera que definha: 59 . . 47 O CAMAFEU DESFEITO Um ar de madrepérola. Começa a morte a tomar posse de um rosto que emagrece . 48 DE COMO SE DESFEZ A morte vem . uma sombra que tosse e tosse mais depressa cada dia . . de repente parece se afogar A ave num acesso de tosse . 60 . . . . a flor de gesso na umidade do ar . . sozinha . a tremer. uma mulher sozinha. . a frágil silhueta que ali estava. mordeu a tela da escuridão. se aninha num cantinho qualquer.sua boca vermelha. imperceptivelmente. esbarra na parede e prende sem querer . a tremer A morte lança a rede. . . como a mecha apunhala o ar. como uma garça desce ao lago. num peito de mulher. e parte ! É muito estranha a arte da pescadora quieta . que . desacelerarnento do tempo na distància . ca lmo . . corno um grito agudo . estende-se às mobílias. um pé-de-vento horrível se levan ta por todo o comprimento deste lugar cinzento : surge de urna garganta. senão sem sofrimento. A calafrio no ar esbatendo-se lento. um acontecimento sem nenhuma importância.49 A LUPA morte num convento devia acontecer como um entardecer tranqüilo. . sonolento. entorta tudo! Povoa-se o conv ento . . Mas cada vez que chega a capenga. familiar. 61 . entra no pensamento das sacrossantas filhas da sombra com o cimento e. . amplia. o momento da estranha guia cega de um corpo. urna lente de au mento . Nada faz muito sentido. virgindade de anca a anca. . a que não tem fim . pondo à prova a incógnita desta vida. num caixão ou num gemido. deitadinha. não se cabe é num vestido até que tudo desabe . . e então sim ! A morta branca. Apagou-se assim . ela a andorinha que lhe pousara no braço . a fé que tinha . de leve . alva. coitadinha. grinalda. o falso esponsal . Enfim . Assim . j á sem tosse. lei nenhuma. . E a tranca na porta. . aqui se cabe num código de Hamurabi. . a q u e ninguém mais arranca. a noiva em gaze e cetim . Tão nova! C riança que leva a sova sentindo que é merecida. . . . quieta. . à espera da única posse . 62 . quem sabe . guloso como se fosse noivo mesmo . lá foi ela. buquê .5 0 MISSA DE SÉTIMO DIA Sete dias já na cova. do estranho amante que a vinha cortejando como a um doce. . Cma semana estendida num caixote. que até o cansaço de tanto tossir esteve dando-lhe uns ares de maço: florzinhas murchando ao passo. logo a criança. com flores. junto ao peito . mais breve da respiração difícil. no olhar de corça. tratou tão mal . as mãos juntas sempre à frente. um resquício de temor do precipício no salto . Secou como seca a poça.tão calma . ergueu-as e sorridente fez-me sinal que subia! 63 . que já à porta da saída à guisa de despedida jogou-lhe o buquê fatal . Na agonia separou-as de repente . metida na regalia nupcial . Nunca a vira assim . ao início da agonia ainda era a moça. . e lá ia. devagarinho . apertava-as quando as dores aumentavam-lhe a orvalhada no rosto : suava as cores de um dolorido poente que a desbotava. ao ritmo mais . E lá despencou . . nunca punha as mãos em nada . a gazelinha que a vida maltratou . juntava-as como penhores de uma entrega resignada. A que sobrara cabia numa caixa de madeira com tal mestria e leveza que faltava a rigidez da pobre matéria presa à última hediondez. pode ser que cada chaga vá-se tornando perfume. . não sei . tinha em cada mão aberta não o gesto que apavora mas o toque que desperta. lume virando redoma de iridescências. intacta. estrume 64 . A que eu lavava e vestia. ar virando vaga-lume. pétala virando aroma. . Quanto a imaginá-la ilesa . saudades da companheira . . .Talvez subisse. Talvez fossem duas! Com certeza quem muito sofre se apaga como a vela que se queima e vira a fumaça. . Se a saga de um corpo não vira teima. aquela tensão alerta da asa que vai embora. o corpo magro da freira. a vaga evaporação . . a extrema unção do fogo . na certa qualquer coisa se evapora. tinha de certa maneira uns vestígios de harmonia. que balança a corda mais o comprimento . . . . do dependurado. torturavam o homem no teu pavimento . abusavam um nome sacrossanto . Vagos esboços de uma ansiada harmonia . de cair onde caía. . a soma perfumada de um negrume . . a lágrima de Maria pela mais doce das freiras . O vento que nada recorda. . 65 . os frutos sem os caroços.virando o j ardim. Era um feixe de canseiras resgatadas na alegria de resvalar pelas beiras . vinda de fundas olheiras. . U m leve buquê de ossos foi baixando à terra fria gravemente . como os nossos pensamentos ante a pia batismal. se leva o lamento. . a intenção de cada dia . 5 1 CANÇÃO DE CADAFALSO Praça de São Bento. hoje. o adeus violemo contorcendo a mão na fumaça. erguida no alto do vento como a despedida . não te inocento só porque te chamas Praça de São Bento. da agonia horrível. . es te momento de m aneira audível repete-os . ouço tu do : o lemo esfacelamento de uma solidão violentada.o ai estrangulado do sufocamemo . mentira. lemo como o esgarçamento da sufocação . e eu temo não ouvi-lo e m vão. . ao contrário ! As chamas do padecimento atiram-te o nome como escárnio ao vemo ! 66 . não . Praça da agonia . memento de selvageria. sob a s omb ra fria de um triste convento . . que horrenda ginástica o ar re pe ndi m ento segundo o sagrado concílio de Trento! Tudo em vão E o gado muge . infeliz porque nada dura . . pedras e cimento. 52 SEPTUA GESIMA Descendo à raiz dessa noite escura em que a criatura é sempre apre ndiz. . às vezes procura e e ncon t ra o país em que cabe inteira. ó Santa Escolástica. sonolento. mas não a maneira de permanecer tão próx im a ao ser. e entristece à beira de um entardecer. a alma . duro m onumento aos donos do dia. irmã de São Bento. .Réplica do homem. . 67 . tudo te é demais ou de menos . sobe como a vinha pelo ar afora. é triste te ver enrolar a esteira e partir sem ter sequer o prazer de uma noite inteira! O corpo te quer como companheira. que importa aonde vais? Ninguém te lamenta. vai . caminha. não tens o poder de unir-te à fogueira. . única andorinha que não se demora nem sabe onde mora. Voa. lll Vai . vai. . . vai sozinha aonde vais agora. nada te contenta. m as entre a poeira e um corpo qualquer tu és a estrangeira. Tenta não olhar atrás. SÓ de vê-la arder.ll Pobre forastei ra . de uma parceria : a alma e a agonizante . de dia. enxovia. v De noite . sombra carpideira falando do além . . . Que importa o futuro? O futuro faz cócegas demais . quando me levante. mas não pula muro . cá estou diante de maçonaria. trem no túnel escuro de que não sai mais . inquietante . a j aula constante e eu perambulante de cela vazia a sala mais fria. parede . 69 . . . O além! Brincadeira de mau gosto.IV Tu és como a freira que tudo o que tem é às vezes alguém j unto à cabeceira. E instante a instante essa alegoria fria. há duas saídas para nós: o breu das horas perdidas ou o vago escarcéu das arrependidas . qual a que hei de pôr na última elegia: a dor da alegria? A marca do amor na carne que esfria? Seja lá qual for a agonia. temos duas vidas: uma já morreu .VI Porque a alma e eu somos parecidas. ao léu . . 70 . a outra só no céu . VIl A sétima dor não sei qual seria. . Desapercebidas uma e outra. velhas encardidas como um solidé u . Amar é incorreto . . meto na ferida o dedo e acabo o soneto com a dor do segredo: amo e tenho medo . . retalhos do que mal lembro . tão constante quanto a pérola. mas sei que aquela bela fluidez sumia na escuridão A j anela entreaberta me revela de um lado a hera tão fria. 71 . . Tremendo este parentesco meu com o tempo. um pensamento . minha quimera. j ovem ainda este Novembro .5 3 PENÉL OPE Em face dos rendilhados da teia verde da hera à procura dos telhados no céu outonal e à espera desde então da Primavera. . diante desses bordados tão fiéis. uma vez passado o Inverno vai envelhecer . . meus vagos versificados interrogam-me : quem era a princesa cuja tela tecida durante o dia à noite ela desfazia? Não lembro. o padecimento . do que fiz antes do I nferno. do outro este meu caderno com a tinta empalidecendo: comparo-os e compreendo que a minha versão do eterno . . o que se esvai! Quando tento salvar do que se perdeu um perfume. . sumindo . sozinha se alimenta do invisível . . . . rolando tão depressa. veria a sombra do homem que certo dia lhe disse que voltaria. por mais daninha que seja . essa rainha quase viúva. busca esse nível. sinto a noite . . mas como as heras a minha lucidez. o esfolhamento da criatura que sou eu e solto as tranças ao vento . . vejo o breu . Como :ls heras . A das carroças batendo nas beiradas. quem a visse intacta ante o que consome . Pode parecer incrível . onde acaba o contorno das calçadas . Ela era a esposa de Ulisses . 54 AS LU A S ladeira das pe dras apressadas vai baixando. . que me deixe essa ou aquela ilusão de tantas dadas 72 . . quando não come definha. O abdômen se alimenta do tangível. Penélope! Era o seu nome . Não sei mais como não peça. mas a alma. .olho as heras . indiferente a crendices. a quem pedi-lo. imperceptível a olho nu . que não se alcança ver onde começa . . o mesmo que ceifa o resto da tua sósia vestida . . . .ao redem oinho em vão de uma janela. tomei um susto. . nesse espelho em que resistes vê-se melhor o inimigo . parecia gente ! Quando ouvi afinar uma viola pela primeira vez. eu. 6 rastro que te pareces comigo. Aquela era tão quente ! Queimava-me o cabelo. Baixo a cabeça. aquela era um clarim! A mente cisma até que sej am duas realmente . A que nos viu amar compunha u m prisma a cada gesto . Essa é uma lesma. nem pode sê-lo . desta noite vazia. 73 . ainda envolta nas tranças de outra lua tão mais bela? 11 Aquela essa n2o é! Não é a mesma. Esta é uma bola inútil como as duas do meu busto. 55 O ESPELHO Ó fuga de um rosto. dente a dente rasgava-me o cetim . eu custo a me render e não aceito esmola. j amais me acostumei. como a lua solta as tranças cor de vento. dou de volta o que é inútil querer: que fazer dela . queria a outra lua . não sei . . as primeiras vezes que o vi lembrei-me dela e da carniça que lhe davam.Para que mostrar-me um rosto que andava nu pela vida e agora aos poucos se veste de vagas teias de aranha? Quando te olho detesto teus fulgores de artimanha! 56 O GA VIÃO Pousava aqui como quem chega pesaroso de alguma lousa. O gavião é o mesmo. . com outro ar: pousa satisfeito. j á não pousa como certa mulher. já não voa a esmo por aí. senão . é todo a máscara. terá modificado o estilo e provavelmente a ração . a couraça 74 . de uma tumba qualquer. a cega que mendigava por aqui quando eu era ainda noviça. disso estou certa! Mas desde então cresceu muito . hoje arrebata a caça. . suas unhas duras e sujas agarrando aquilo ! Onde andará? Se nas alturas . e quando mata chega de outro jeito. Junto tudo o que posso e não consigo subir ao centro ardente e luminoso : talvez porque o intelecto é o inimigo . Como uma escultura de gelo. . . a coisa inteira . . 75 . irreal . 57 MEU A UTO-DA -FÉ Tento há tempos viver com uma fogueira peregrina . o sacro sacrifício pavoroso . talvez porque é incapaz do mesmo gozo .da arrogância! Dá-me raiva vê-lo. no entanto as labaredas da linguagem mal tocam a realidade . esse de agora é ameaçador. . o senhor das caçadas traz o nada no bico e no porte : não vem dos mortos . contínua e de passagem . prefiro o modelo anterior . vivo entre o vício cognitivo e o antigo . U m modo de dizer o mundo cheira a carne chamuscada. mas a imagem consome-se . vem da morte! Tinha antes só suas pegadas . e tudo acaba em vaga fumaceira. era solene como um cemitério. hoj e ele mesmo faz-se um e é o Não que chega aqui com um ar estéril e pousa desprezando o chão . mal vale a aprendizagem. frio . não se cansa de tentar. 76 . no vivo. o resto todo foi carbonizado. . anda um passado. fundir-se atrás da sombra de uma chama. O canto é a insaturação do absoluto. . o canto é apenas outro sopro a mais . e esse não cabe no fugaz. mas onde pões tua fé. A mente quer sumir. o que dele disseres são noções: tudo começa a ser ressole trado no instante exato em que as dissoluções instauram seu reinado purgativo . o grito que circunda de lugar em lugar o real desfaz-se em nós e o que alcança dizer some no ar . alma vã.11 Cantar não deixa marcas no fugaz. não alcança nem sequer os perímetros da dança. Não vejo como alcance atravessar o centro da fogueira e v i rar voz: . não molda o passageiro . . mas parece uma criança buscando se esconde r sem ser capaz senão de amontoar-se entre os lençóis . 111 Em cada vago feixe de alusões o fantasma febril é prolongado por uns instantes mais. enche a garganta. 77 . as que procuras entre as alturas as mais perfeitas . e é tanta a escuridão entre a laringe e um coração. são bem mais puras do que suspeitas . não a eleg:lncia desse vazio . doces lanternas do canto e espanta o escuro ! Hibernas sozinho .o ins t ante é morituro . ó fugitivo. . tua fogueira é coisa de um minuto . 58 ARS POETICA? Essas colheitas. . É em vão que deitas mãos imaturas a essa dist:lncia: fio por fio tocas a :lnsia de um fogo frio. . 11 Se queres canta! Abre cavernas . anda de luto o que tentas dizer . levanta as ternas . . 111 Planta. 6 cantor. 59 TEOLOGIAS O lagarto que viveu acompanhando um enterro teve mais sorte que eu . . Deixa o que gravas no ar. mas viva em paz. cansou-se e foi para o céu .que a alma finge cantar. 78 . . mas não: canta outra esfinge . tenta b e m mais : deixa que a vida viva ferida. larga essa lida . e a dor com que te cravas tantos punhais . Presumivelmente é um erro supor que um pobre animal acuado a vida inteira entre um pátio e uma fileira do tipo conventual . vá onde há de ir a freira. tuas palavras entre o esplendor perdido e as lavras mudas do amor . sem direito à dor do parto como elas . os remorsos envelhecem. amarelos pergaminhos . 60 OS REMORSOS Como as coisas. coitados . no entanto. como pedaços de torsos esquartej ados .não de volta ao paraíso que perdeu quando o agarraram . negam quarto nas pousadas do divino . mas ao que nos reservaram . peles coladas aos ossos . com o desleixe 79 . . . de invocar-se um raciocínio teológico E a um lagarto condenado ao apolíneo . Nossos réus baixam sozinhos à escuridão . cada uma é mais capaz . quando é preciso destacar sombras que andaram dando voltas a si mesmas e os pacatos animais as almas que andam atrás de seus corpos como as lesmas. caem por todos os lados . . pescoços que um dia foram beijados e enrugaram-se. são quebrados. . . . . ficou esperando vir o Messias e gastou os dias e as noites num quando que nunca chegava. devagarinho .de um amontoado. pelos cantos da dor musical . 6 1 BLU TVERGIF T UN G O sangue dos mártires frutifica: o meu . minuto a minuto 80 . um velho judeu que comprou um cárcere . O sangue dos santos vira eternidade . o meu . um feixe de noções que a dor remexe às vezes. O meu sangue estéril só verteu palavras no eterno mistério da inutilidade . anda a quatro patas entre duas datas : a de um esponsal que ainda não deu fruto e a indeterminada hora da chegada. cheio de asas sem vôo. O u vai ver que veio e o meu sangue . trancou-me o portão e não . . À medida que os anos vão chegando e passando . . como quem desce sem perceber uma longa ladeira. e amanhece e anoitece outra vez . porque vais deixando para trás . não entrou . . vão-se acumulando a mágoa não. 81 . . 62 A FOGUEIRA Ao fio e à medida que os dias passam . a cinza desta vida.à espera Daquele que ao pedir-me a mão enrugou-me a pele. os pedaços inúteis . e eis que tudo te enobrece. nem sequer notou-O . à maneira do avaro milionário que uma vez que acendeu a fogueira vai-lhe entregando tudo quanto fez. sempre mais a vida te enriquece. ajoelhada e farta do que j untei de pé . queimando cartas na velha chaminé.63 OUTRO A UTO-DA -FÉ E assim . como desaparece o resumido louco de tudo e nada. fica um vão . . Pouco a pouco. mas sua sombra preta como eu. e esse holocausto arrefece . . . 64 SEMELHANÇAS Sei que não tenho nada a ver com a borboleta. . vou ficando mais rica à medida que a chama recebe e purifica tudo o que o peito ama . . . . projetada da vidraça à almofada. sobra um oco . desenha a criatura que vai morrer mais pura do que eu . e tão bela 82 . Ou amou . a alfinetada que a trespassa e aquieta. nos aparenta A seta de luz. m as não sei que festa. 6 5 LE REVENANT Que foi . que baile risível dão no labirinto do que agora sinto . À altura da luz. . j unto à janela. Com certeza resta qualquer emoção na alma e se presta a uma encenação sem razão .quanto nasceu . Pairo agora ao nível do que andava extinto. . seresta para um coração que acordou da sesta à hora da ceia e tomou um susto ! Mas s e tenho Idéia de qual seja o custo. 83 . . a besta? Tocaram-me a testa com tal mansidão . . mas será possível? li Com certeza não . coração? Foi o anjo. que foi-se-me o chão! Caí pela fresta da velha emoção . sou como a sombra dela . mas que. a esse doce engodo . o ator na peça. ainda mais vã . hesitante porque temporã. falta uma peça para ser um todo. calvo. vi-a mais distante. o arabesco em vão? IV Não . é o poltrão que de madrugada bate em retirada? Por que . essa volta a um nada.não sei que sereia nina-me no busto . coração . 111 Que figura é essa? Do que me recordo? De um jardim? De um tordo? Da luz que começa? Do vulto e da pressa de um moço. hoje gordo. Se por um instante pensei na manhã. ou feita de modo tão tardio? Espessa como a mão no lodo e. sem o acordo do autor. Há quem reconheça a carícia avessa. 84 . claro . A ilusão também . Daquele novelo fiz a lã de amar. . . teci meu apelo inútil. . a tocha n o ar. a alma nua em pêlo . Tudo tão discreto que ao vê-lo outra vez pudera talvez trocar meu espectro por aquela tez . Talvez a desgraça seja ainda um bem . a crepitar . secreto. . Vai longe a fumaça . 85 . . . o mesmo lugar. Mas o belo passa. VI É ainda tão belo que doeu no olhar! Foi como pregar o ser a martelo na emoção : revê-lo ocupando o ar. Mais longe que o trem. solta.v Gostei de revê-lo. de me figurar todo o seu cabelo . tudo isso hei de deixar para adorar-Te . as dispersões do dia curto demais . Difícil por enquanto : eu vivo neste envelope cruel que endereças te . eu sei que nunca é tarde ou cedo . sei que a dor é o levedo da humana condição e não mero castigo. Cristo Rei . porque é mister que tudo passe porque assim quiseste . que a ilusão não é a ressurreição M as por quê. C risto morto d e medo naquele Horto. cheio demais para buscar-Te .VIl Cristo meu. Senhor. . . que esta vida é arremedo do madeiro de lei em que morreste e amei. meu amigo? . o mesmo tordo que criaste . 86 . e a doce cotovia e o eterno susto das coisas balançando pela haste. tudo isso . o amor da parte sem o todo . quando eu puder. o esplendor que estremece e cada vulto que passa e há de p assar. que cada rosto é antigo como o teu . como as fúrias do instinto mais o furto capcioso do instante . 66 A CAR TA COMEÇADA Senhor. se a carta era um pretexto para cada investida do amor por esse nada que o circunda. de susto em alarme . Desencontrei-me até comigo mesma e pude. . . por que me abandonaste? 67 A ESTRELA-D 'AL VA Não soube destacar-me do que amei e mal tive e . A alma anda farta dos rascunhos de tudo . a carta sem seqüência foi deixada para que eu a acabasse e fosse minha a assinatu ra mísera e mesquinha. Senhor. é possível que sozinha a alma termine bem aquela carta? Não sou eu a missiva.11 S e a carta começada e abandonada indecifrável sobre a escrivaninha. Senhor . andei de um lado para o outro sempre segundo a lei do mesmo desencontro . segundo o que se vive como se morre . como a bola de gude que a criança de pé 87 . eu sou o assunto e não sei o que diga. do presunto enigma senciente que não basta. que dizer? Que às vezes acredito . hesito e acrescento uma única ressalva: amei a estrela d ' alva! Foi meu contentamento . às vezes não? Que o ser com ser breve e infinito ao mesmo tempo é pouco? Que nada me bastou.se consegue jogá-la dificilmente acerta. De resto . como o ato contínuo de correr sem sair do lugar? Que não sei se a corrente é o instante presente ou se o ser para estar tem de voltar atrás? Se digo tudo isso com o acento enfermiço de quem não pode mais. 88 . nem a lição do vôo nem a emoção do louco que refaz o que quer? Que fui como o regato revolto. pude rolar na sala da solidão alerta . ensangüentavam a vinha. . os gerânios fiéis calavam-se e sozinha uma dália no meio daquela angústia minha 89 . . o sol numa vidraça passava a mão dourada. seus rápidos pincéis completavam a alvorada em rápidos anéis. neste jardim. Talvez cada m istério tenha toda razão em ser muito mais sério que o coração mais grave . a asa se estilhaça . um meu grito e uma garça que me ouviu espantada. A dor .68 O GRITO Talvez a esta existência falte uma explicação . mas é uma impertinência pedi-la ao coração . o grito estéril. como a ânsia da ave é um vôo rui m : a gaiola é sem chave e tanto faz enfim . Lembro. . conta a história de um exílio. A jóia pronta a ser apenas brilho é como o ocaso . . o veio perfeito do silêncio que eu mesma esfrangalhara . . Creio que vi u m contra-senso em tudo aquilo. Tive então o presságio que me poria a vida de pernas para o ar: de que é j óia perdida por muito a cobiçar esta vida. ágil que sej a. mas tão frágil que a mão que se prepara a alçá-la ao colo. de um baile que não passa de engano . É possível que � imenso sej a uma jóia rara .resistia-me . e em nosso encantamento sequer nos damos conta de faltar-lhe o elemento vital . . . um cristal . um fragmento. um resquício solar. de um rastilho de luz sobre a vidraça . é inadvertida . . 90 . talvez me atreva a perguntar: . Não creio em pecado de amor. mas pela criatura. confundida como sempre andei. sou um mata-borrão: as manchas dos outros e as minhas misturam-se numa confusão de fazer dó ! Mas quem sabe um dia a paciência de Maria. naquele informe labirinto do que sou . carrego os pecados mais feios deste mundo. E uma vez ao pé do tremendo trono de luz. do que fiz. haj a por bem achar saída e conduzir-me . Santíssimo Senhor. seja lá como for. Porque há de ser por sua mão que hei de chegar talvez até seu santo Filho .69 LA BLANCHISSEUSE Por fim os pecados alheios doem-me tanto quanto os meus. a cruz dos erros e dos pesos 91 . onde há amor há dom de Deus. não por mim. por que me tocou carregar entre todas j ustamente aquela. por simpatia com nossa excelsa imperfeição . até ela . do que sinto. Filho e Pai da mais doce donzela. Ainda assim ."Santo. mãe de Deus e perpétua madrinha dos perpetradores da vida . consiga destrinchar a leitura desse meu texto e. tão alheios quanto meus? Às vezes aceitei caminhar ao Teu lado . não digo é nada . Brancos só os ossos. A pobre . Que enfim o rol dos meus remorsos. Fico bem calada e esquecida da inexplicável barafunda que fiz de tudo neste mundo. . onde todo sofrimento é herdado para que seja redimido pelo suor da lavadeira que a alma por aqui sempre é . este é o lugar do parto do coração. caridade e fé. da dor do corpo inteiro estatelado. cuj a roupa suja é dela e dos outros . uma vez subida a ladeira de esperança. farto de dar à luz um feto 92 . Porque afinal toda sujeira é de todos. o rol dos erros e desvios meus. mas como quem faz um favor! " Pensando bem . ela depõe ao pé de Deus . 70 OS CABIDES Este é o quarto. o quarto dos velhos desesperos useiros e vezeiros. é o mesmo rol dos nossos. e cuja trouxa enxaguada e ainda pesada. . do cheiro da solidão de quatro. a j ove m múmia loura. pecadora e sombria. Este é o busto dela: dois montes pendurados como sacos de tela soltos. E s t e é o lugar de ouvir e de dizer mentiras . da agonia da carne vã que o dia embalsamou e agora se desamarra e chora como uma múmia fria. 11 Esta é a nudez da hora do corpo. e por todos os lados. d obrados com cuidado e metidos entre os cinco sentidos . manuseados pelo vazio. 1 11 E estes são meus pec a dos : um esp elho escondido . meus espectros 93 . uns bilhetes rasge� dos e rec olados . pela mão dos ventos gelados .tão pa t é ti co e preto quanto o monte de tiras da múmia que o parir. nos rápidos cabides da ilusão . lidos e relidos. . do cipreste . que tirava a camisa e pendurava-a à brisa debaixo do salgueiro . pardo . O primeiro ! Tinha a pele tão lisa num corpo tão ligeiro que o olhar ainda precisa correr-lhe atrás depressa! Tinha a fina cabeça do jovem leopardo e parecia um dardo seu braço ágil. do demente que . secretos . . de comum acordo com a alma impaciente. pendurados às vigas de umas cenas antigas em que andavam despidos . . .deslumbrantes. IV Este é o meu jardineiro. assim ! com todo o ardor 94 . flecha na luz travessa . . o porte irreverente da estátua. Naturalmente este é o maior de todos e ainda tem os modos. . beijava como e u mordo meu lábio inferior. v Este . . . VI Este pende vazio. sem Minotauro . . 95 . na luz em riste . �ele penduro um lenço às vezes . em não dar-se .do girassol contente de entregar-se de frente ao sol que vai se pôr . . O meu cabide triste no longo espaço frio do que já não existe. inútil como um fio num labirinto esguio. É em vão que cumpres tua parte nesse idílio de morto. VII Este é um quarto vazio que só a imaginação povoa com um sombrio cortejo temporão. . os cabides . infindável insiste em não ser. Este é o maior ausente . . Este. O de Semiramide em seu jardim suspenso . a mão que acaricia o fio do labirinto frio. Este é só um cabide . . . seu disfarce. quando enfim ficar muda. sacode lhe a poeira um dia. este armário fechado . fantasma! . aqui a tua arte é a de embalsamar-te na múmia do meu corpo . VIII Este meu povoado oculto. . se nasceu desnuda. - 96 . fria. .coração absorto . não vestirá o negro de cada dia entrego-o a ti. . este velho arsenal de arcabuzes ao lado do hábito da vestal que . quieta talvez. . se ainda me lês . entre a noção do mal e o mal de haver amado . - IX Abre tu este armário . da beira da janela do aquário em que viveu. 6 vaga herdeira do sonho perdulário de uma vida ao contrário : o hábito da freira j oga-o fora. a torre fria da Lorelei que e n canto algum socorre . cada ai . O eco daquele grito ouvido quando a voz no retàngulo atroz de um reino tão restrito sufocou-se . vai com ela aonde se morre! X Este é o testamento da sombra sonhadora que viveu aqui dentro desde que caiu fora da vida. Hoje. 97 . Ah.O resto. a sós com o que deixara escrito. a pecadora que entrou por um convento como a dor pelo centro da carne que demo ra a se apagar de todo . Este é o grito doido que uma sombra gravou no papel . que nunca o arremedes! 7 1 POS T-SCRIPTUM Este é um post-scriptum vários anos após . como um vôo contínuo entre paredes. ocorreu-me indagar se seria possível. cada cabide . Mas desde seu desmaio a douta equilibrista de patinha engessada 98 . quebrei o braço tentando ver as três Pessoas da Trindade. Mf. . Fui olhar de soslaio. no espaço. 72 O DESMAIO Desmaiei certa vez na varanda. caí. resvalei num vazio e não O vi: senti-O . não sofrer tanto .talvez. a douta indiferença que abole o invisível e instala o ser ao nível do canudo que pensa .S não sofrer enquanto a carne chamejar é uma noção risível . buscando entender Deus! Invej ava aos ateus sua tranqüilidade . do animal . . Hoje invejo bem menos esse ser doutoral que os olhinhos serenos da a v e. donos do cristal que rodeia o ser. que não pode mais ver ou respirar o ar natural ou meu rosto igual ao seu e ao de Deus . consiga me ver! 99 . Senhor. inveja a passarada feliz de não ver nada . obedecei e purificai pela última vez vosso cortinado para que meu pai possa respirar. Pelos seus pecados não . vinde . mas pelos meus . . 73 IN EXTREMIS Gnomos do ar. (rompei) aj udai (o cristal) meu pai . . Gnomos de Deus que ordenais o ar.j á não inveja o artista . ordenai os gnomos do �r que queiram erguer com todo o cuidado esse cortinado já quase final para que meu pai possa me enxergar. aquela é a paz que nasce do tormento. malgrado os gnomos do ar que cumprem as leis da morte. a paz que o ser cobiça mas não vem nem da delícia cobiçada nem das simplificações do alheamento. vós que conheceis a humana agonia. Maria. acorrei. Maria. fazei a vontade de quem vai morrer. perfeita Trindade que nunca se fez. 74 UM DOM DADO DE GRA ÇA A paz que elude o humano entendimento . . mas que tem raízes dolorosas muito além. 1 00 . mandai que agora meu pai possa respirar uns instantes mais e no rosto meu pouse o seu olhar vendo o que ele fez.Senhor que sois Três . . suspendei as leis da vida e. aquela paz que chega como um vento ou como a brisa mansa. rogai que ele possa ver para abençoar antes de morrer . que era muito maior que o teu martírio e o meu multiplicados pelo pus que ferve em nós por causa do delírio 101 . pede-a a Deus Pai como um coroamento inefável de espinhos: Ele deu Seu Filho para o teu contentamento . ressuscitar e nunca mais hás de deixar de vê-Lo do teu lado . . um colibri de luz sangrando na madeira escura . cravado àquela Cruz. a unidade de um corpo que eu traí mas que veio perdoar . . quando o ferro rompeu a tessitura. . III A incompreensível solidão da Cruz. porque só Deus dela dispõe e só no sofrimento Ele a concede toda. e só aos Seus. . .da Cruz . Um dom dado de graça! E dado a ti e a mim por puro amor da criatura. Foste perdoado . . Il A vida terá sido uma procura desnecessária : tudo estava ali . que vais morrer. A tua paz. fomos todos perdoados pelo Pai porque Seu Filho foi crucificado aquela vez e agora em ti. onde o corpo ama e morre : todo ft. que és. . do mistério que tudo explica. a solidão do Cristo no Calvário. . confia-te também às mãos daquela que O amamentou para j untar-Lhe os pés ensangüentados Confiado nela.que idolatramos entre a sombra e a luz. que Ele te quer e veio procurar te nessa cama em que agonizas . Confia nela. Deita a no colo de Maria. hás de te levantar . a solidão do único inocente . mas desta vez perfeito. tão necessária à tua e à m inha e ao vário rebanho desvairado que Jesus veio buscar por ela . aquela expiação salva-nos do confuso e do ilusório . Como o menino que Ele foi . Deus é filho de mulher - .lho de mulher - deita a cabeça quando Ele quiser. põe teu coração nas mãos Daquele grande solitário . a ama de-leite que O ninou e que Ele chama de mamãe. IV Vai . e hás de correr como a gazela ! . 1 02 . entrega-te a Deus. no andar de baixo. VI p ai aquele umbral e esquece-te do corpo que definha porque a não pode acompanhar e tinha que abandonar-se : o corpo era um sinal . um primeiro rascunho do real . Mas a alma não pertence a este chão em que engatinha o corpo. a alma tateia e só se acalma quando flutua. À porta da saída a alma volta a cabeça e irrequieta desiste de en ten de r-se . Aqui . na cozinha de Deus . prepara para a grande majestade da transfiguração . . se não tem medida. A tua alma (e a minha) pertence à pe rfeição . misturando-nos lágrima e suor. de pressa de repente . Deus é o escultor 1 03 . . Atravessa. meu . p rocura o umbral maior que o mundo a que desceu so z i nh a . Tudo é breve nesta vida que nos confunde e. sacramental . devagar. tem o nome t rocado na etiqueta . .v Tudo se aca ba. . Tudo é remédio e nada cura dessa desolação gra t uit a que convida e desaponta . somos só pó somos farinha que o levedo da dor. uma seta que sobe e que no ardor . E o vôo é pura música. . fecha os olhos e pensa numa seta. . .que refaz o i mperfeito essa metade que somos aq u i embaixo e por amor Ele vai completar na eternidade . . do cristal mais perfeito E se não for te fácil imaginar tamanha meta. desfolha-se o mundo . ele não: fecundo em idas e voltas sobra um coração em tumulto. 1 04 . ao fundo a ressurreição . . VII Entrega tudo aquilo que te resta à última operação do Criador que há de fazer de tudo o que não presta um corpo glorioso como a cor . . 7 5 VINHETA FINAL Vai-se o moribundo entre as folhas soltas. de ir subindo se vai fragilizando e transformando em asa de libélula. e há o bando dos querubins e serafins e aquela que concebeu Jesus e Deus chegando e te envolvendo como a madrepérola . . existe aquele susto e . o resto é propaganda: o incontrolável instinto de abusar de um pobre \OCO plantado ali para enc aixar-se a um oco . como a que foi usada por um corpo para que cada corpo desse à luz a própria solidão como arcabouço da transfiguração : o sangue. mais não fora. Inevitável neste mundo louco é sair dele . a carregar como uma cruz. Porque o corpo nesta vida estraçalha-se por fora mas é salvo por dentro . mas um pouco . Porque existe no corpo uma incorpórea inquietação . existe a grande aspiração do corpo . é uma grande mentira. O corpo é necessário . a vertigem instauradora. por não feri-lo 1 05 .76 OS RASCUNHOS E A TÚNICA É mentira que o corpo é inevitável. Existe aquilo que os sentidos agarram na corrida e largam para trás . É um peso grave o corpo. O c orpo é do inefável . o pus e o suor são r asc u nhos mas de um sopro. 11 Existe a realidade e existe o sopro do real . a vocação do morto em ser mais que seu corpo . . o corpo ponto de p art i da . cheio do desconforto amor que ninguém quer. arrancada e pisada e sem noção do que vale entre os dados . a alma en j eit ada atira-se n o chão . 111 alma é c o m o a sombra desse corpo. Será única? Ou só indivisível . do . . o amor do alheio . Pobre túnica. Pobre dem a is para conter a v i da . 77 A VISITANTE Às o vezes imagino-a. ou talvez c o mo a túnica que veio cobrindo aq uele outro até o Horto. . . Seu corpo cheio A de solidão . as carnes do h om e m -deus . e geme. . A túnica por fim cai u no me i o dos v az i os do mundo e. / 06 . e todos dormem . Nobre demais para viver tranqüilo. . a forma femin i na a saia de balão . vej o-a mesmo : a visão de um vulto de menina. .demais. . como o corpo. ? . mais das vezes não . disputada por capric h o de Deus a o homem e ao nada . divago. Eu como fui um dia? A doce visitante se me pára diante .não sei - na mão . sorri como eu sorria e abre a mão. . . Pairo . mas não : repito meio sorriso e o pobre mito vaga impreciso 107 . mas exagero : d e mão n o queixo o dia inteiro. de ser Narciso. alga no lago que Deus me deu . passo e não deixo marca nem cheiro na longa poça da vida estéril. 78 REFLEXOS Depois do estrago lá venho eu .a testa pequenina e algo . . Fosse mais moça levava a sério a arte insossa . . . confiante da oferta: está vazia . . o peso morno da sombra fria . sinto também que o que se espelha no escuro tem o mau contorno da podridão . sinto-me velha . dou-me ao trabalho de ser reflexo sem nem sequer o débil nexo de ser mulher! Vulto convexo 1 08 . a forma. Sou como o resto de uma heresia. o gesto sem harmonia de um espantalho de beira d'água. entre a colina e esse ninguém . Assim term ina o entardecer e.como a neblina que ronda o ser . sei que não valho nem essa mágoa. o mal em torno da assombração . . . manchas do nada. assim ficou-me o esboço : velho. fui. marionette de olheiras . sobras do entulho. olhar de trapo. ficar vivendo porque o elástico não arrebenta! Mas é fantástico: cumpro quarenta e volto ao claustro por minha escolha! Podia ir-me . papo.no grande espelho. Destino horrendo não ter saída. . lábio vermelho. mas que folha sente-se firme soltinha? E a bolha 1 09 . da m ascarada que ando fazendo da minha vida . empáfia e sete pintas de sapo na cara inchada! Sarnas de orgulho . sem nome . solto. quer paz . 79 À ANIVERSARIANTE Dou-te . alguns anos a mais para voltar atrás. Mas volta exausta. faz como eles. pacientíssima . . traz a ti o que atormenta. . Abrem-me a porta e eu volto atrás : a semimorta já não quer mais andar à toa . pega em ti e amamenta essa dor tão tenaz. 110 . farta da boa notícia : a Fausta que Deus perdoa . .quer céu. por teus quarenta. . dá-lhe colo e verás a chaga purulenta adormecer em paz. joga fora a placenta . . lenta. tão tirânica: tenta ser como os animais. . Perdi-me muitas vezes . do instante imorredouro. 8 1 CORRENTEMENTE O alarde triunfal daquelas anarquias . escorre ainda 111 .80 WIEDERGEKOMMEN E aqui venho de volta e Te agradeço me haveres socorrido . e por fim o alarido do fogo eterno já não faz nenhum sentido . A minha longa litania foi um terço rezado às escondidas. porque não levo mais no corpo combalido a dor que ainda mereço . Mas Te agradeço que um martírio sem razão fechasse uma ferida sem culpa e sem perdão . sem que a consolação da vida eterna me curasse desta vida . mas paguei logo o preço . já não pertencem ao corpo. Ah . ao seco escoadouro que as longas agonias umedeciam humanamente enquanto os dias gritavam por socorro : este corpo em que morro não tem mais nada do que eu tinha e não colhias . mas o doce alarde daquele tilintar de gemas escondidas escapa. como viveste : louco. meu coração . colar no colo da mais casta das mulheres ! Não te atormentes mais . a inteiridade ! 82 NA CKT WIE GO TT SIE SCHUF Corre . muito mais l impos do que eu . e é muito. corolário da adaga libertária que me deste ! 83 IN DIE ILLA Só o santo há de chegar ao céu melhor do que de lá desceu . não desesperes! Ninguém . mas queira Deus que ao tocar-Lhe à porta todos estejam bem mais limpos. tão estéreis. Quando afinal a alma absorta na perpétua contemplação da perfeição do absoluto 1 12 . livres . mas com este delírio teu do uno . os belos ais. longe deste lugar vazio. j amais há de deter-te o jorro livre . 6 perdulário! Morre . Leva os teus malmequeres aonde quiseres . nada . longe do fugaz . a fonte irreprimida . o arroio.livre de tudo o mais. meu coração . tão altos. muito tarde para abolir-lhe o j orro. partido em mil pedaços. vário. assombrado. E quando ao fim da noite escura se encontrarem reflexo e modelo. desvios e destratas. não respondem nunca a essa fome de completude que há no homem . por meus desencantos inesgotáveis . são sempre os netos naturais de Deus. enfim me prostre ao pé do trono inabalável que é como o umbigo desta vida . Porque o rost o da esfmge . porque os filhos de Eva e de Adão . se restitua à pura origem que era s ua. e pela idolatria a que m e entreguei noite e dia como quem não sabe . como a promessa de um sorriso. Só a face de Deus é o ri ge m e resposta. o coraçã o re sgatado de algozes e irmãos roguem por mim . por meus atos e omissões. eu fo r enfim restituída ao esplendor inevitável e enfim me renda. ou quem finge não saber . 1 13 . em que pesem a Queda e a Expulsão. quando afinal naquele olimpo modelar o me u surdo-mudo e cego e en fermo co raç ão se abandone. in die ma e pelos meus erros . Só o Divino Narciso reproduz-se na fo nte virgem que é o olhar da Sua criatura. quando já des p i da do l uto . do medo co rp oral da morte .que não tem fim porque é o Pr i n c ípi o que engendra o contínuo de tudo. oxalá ent re os anjos e os santos a alma em paz. . É entre nós dois que o pão do último gesto sustenta a fome enorme . fiquei calma . pau de lenha que sou . É entre nós dois que tudo cabe e conta . o reino é o resto. quem sabe. A alma anda tonta e quer ceder. - 1 14 . a hemorragia ao pé daquele lenho plantado para sempre aqui no meio da condição que herdei ! Teu reino venha ou não venha . O reino não importa. deixar se ah . Já não tenho medo de mim Tenho medo só de que a alma se me evapore antes do fim. 85 O RELÂMPA GO Quero a totalidade que incende ia. mas que eu tenha perpétuo acesso aO que sacrifiquei .que a luz dos que me precederam desembrulhe o meu olhar e eu veja desemaranhar-se o novelo de minhas culpas e cegueiras para todo o se mp re E assim seja. . a alma quer o relâmpago ou venha o que vier! - . Tudo o que tenho dou-o para que venhas: veia a veia. 84 O ÚL TIMO TEMOR Não fiquei melhor. 11 Mas que venha depressa , sem demora, sem mais o tique-taque na cabeça, o tufão na garganta, o arremesso em vão do corpo todo , hora após hora, como se a eternidade fosse o preço e o prêmio a paciência . . . Como fora a espera suficiente! Vem depressa. Vem , chega sem aviso , vem de fora ou vem de dentro , mas depressa. Vem ! Vem , porque a alma é fraca e a carne é forte , inutilmente forte e j á ninguém agüenta mais, atado a esse vaivém de esperar e esperar. Quem sabe a morte , quem sabe O prometido, O que já vem . . . 86 VELHOS PAPÉIS Só mesmo um quase-nada, a palidez da tinta na folha amarelada, confessa que são trinta, são trinta anos hoje desde uma certa tarde , desde o d i a covarde em que, como quem foge do nada no vazio, cerquei-me das paredes 1 15 deste lugar tão frio . Ah , mas se as velhas sedes envelhecessem assim , eu não me queixaria do tempo nem do dia em que saí de mim e entrei por este cofre adentro! Mas que nada, a folha amarelada não recorda , não sofre , como a tinta não chora , desbotada mas seca . Que dizer da boneca que aos poucos foi-se embora? 87 A ANDORINHA Debateu-se , solitária, entre paredes , compôs e recompôs sua ária desesperada, e depois de muito sofrer, lutar, dar de lado , dar de frente, dar nas pedras , de repente imobilizou-se o ar: cansada de esvoaçar , entregou-se àquele espaço . Como o falcão no antebraço , como a múmia milenar, 116 mantinha os olhos cerrados; se tinha a intenção de ver espaços insuspeitados atrás desse anoitecer que a alma imagina e sozinha como intrépida percorre; se os suspeitava e mantinha a máscara do que morre, a expressão de fixidez do corpo que renuncia a si mesmo e à luz do dia, comovia-me: a mudez daquele não que se impunha reverberava-lhe em torno como o sim da testemunha, a confissão sem retorno . Renunciara ao esforço, fechava os olhos à luz que lhe punha sobre o dorso , sombra da grade , uma cruz . . . Durava imóve l , apática no centro de seu quadrado como a afirmação enfáticil do seu não emparedado . Quando lhe abri a janela abriu os olhos : não era a que entrara, era uma fera que se devorara, aquela que não sairia mais ! Tomei nas mãos a andorinha 117 com pena da pobrezinha que não voltaria atrás e soltei-a . . . Voltej o u , indecidida voltou-se , doou-me um olhar mais doce do que a doçura do vôo e enfim desapareceu . . . Fechei os olhos então , fiz como ela e fui e u , e u mesma minha prisão . 1 18 5 4 : 7 . et volabo et requiescam? Salmos .Interlúdio O castelo interior (190 3-7) Qui dabit mibi pennas sicut columbae. ..�_ ( · . / \ .'. . i ) . I . -.f . � ' . ' · \r' "' ·. \ \ ·. . · t. . .· \ � 1 . da limpidez do sal a que o C risto aludiu . com certeza a ele retorne . um quartzo de cristal radiante . O ser livre da mácula. dessa pureza que antecede ou sucede todo mal. 89 Segundo a santa é o corpo o habitante do castelo da alma. exausta do irreal . que deserta para entregar-se a um mundo inebriante . havendo-o abandonado . o castelo que Teresa evocou de maneira genial segundo ela é a alma. Teresa concebeu-lhe a visão como a um pombal alvíssimo e afirmou que é a natureza sensível que o habita . e é natural que. a alma ilesa vestida do esplendor da natureza original . Mas como ele deixara a porta aberta 121 .88 Como um diamante. se distantes . a que tentam tornar os desertores . . sobre as torres de cristal desejadas. . esvoaçantes em torno da mansão que havia antes e talvez haja ainda . E canta a luz que cai entre os diamantes desertos e buscados . . . 90 E é assim que os sentidos vão chegando. Se a porta se fechasse não há chave neste mundo capaz de a reabrir . ocupado em consentir entrada ao corpo desertor e. Como quando as pálpebras caídas e os instantes perdidos se confundem àquele bando de asas mansas que aos poucos vão voltando .ao partir. Pobres pombas chegando coruscantes de saudade aos perdidos esplendores do pombal tão igual ao q ue era dantes! 122 . ele pensa a todo instante que um dia voltará . se aos poucos. à revoada que há de vir . voltando devagar. ave por ave . E é coisa certa que há de voltar . Mas naquele castelo vive O suave zelador . ofegante e incerto de encontrá-la ainda abe rta . . rapto a rapto. vem propor descidas deliciosas como o mar em maré baixa. . das náuseas do porão e dos abismos sensíveis. 92 Mesmo assim . o corpo tropeçando em seus fantasmas.91 Porque se fácil fora abandoná-lo . Porque será preciso conquistá-lo outra vez e ir subindo : dos m iasmas do andar de baixo. que o Tentador agarra-se aos sentidos. não é voltar atrás : se o corpo for atrás de sombras perde-se. à segunda mansão . cada andar tem perigos só seus . para habitá-lo . M as voltar é voltar ao princípio instaurador. o momento da subida se esvai e no acatamo enganoso se afoga o pensamento . cheio do langor e do embalo da volta. onde se arrasta o réptil. o pesadelo agora é vê-lo e não poder entrar . os graus desse castelo! Para as pombas cansadas de esvoaçar no engano cá de fora. do chão decrépito. 1 23 . se alcançado . ir subindo . que difícil o ofício de voltar! Com que dedicação há que escalar. Aqui há que nadar contra a corrente do mar interior. 93 Mas se o exilado persevera e vence o combate com o príncipe do exílio sobe às mansões centrais . virado para dentro como as coisas mais simples e mais belas . de maravilha em maravilha e silêncio por silêncio . e folha a folha vai despontando o páramo suspenso que ocupa o alto como ocupa o centro. nele medra 124 . E como a pedra preciosa formando-se no útero da montanha há de abrir-se e dar de súbito o esplendor transformado . que por enquanto tudo é dilúvio e nada é permanente . Espera-o aquela fonte que borbulha a inesgotável limpidez intensa. o castelo sem janelas para fora. 94 E o peregrino aos poucos arremeda em momentos humildes e minúsculos o bicho dedicado a virar seda e ir morrendo a si mesmo no casulo do centro do castelo . mansa e prodigiosa. entre as sete mansões e acima delas : porque como a espiral ele é concêntrico e ascendente. a rosa-do-deserto . descoberto pela tormenta da metamorfose. . coitada ! Pequena espiga ansiosa da colheita . aquele alvo alvíssimo . ai girassol no escuro . ai meu atraso. . essa asa . 95 Mas a recém-nascida borboleta não sabe onde pousar . não aceita nada menos : o mundo não tem nada sequer de parecido ! E a insatisfeita borboleteia cheia da saudade dos inefáveis que provou . esse dardo embriagado . 96 " Ai de mim ! " . brasa . eis que ele é de repente aquela rosa inesperada. que tudo é espinho . cristal criado pela misteriosa ventania do sopro do Arquiteto. e nada satisfaz a pobre seta acordada a esvoaçar fora de casa! Que uma vez entrevista aquela meta. geme a alma. ai erro 1 25 . u rtiga. "que me muero porque no muero ! Ai corpo. irrequieta.o arco-íris secreto. . E bate a asa de um lado para o outro . . cinza. meu alguidar sombrio como um vaso vazio. somos idênticos . que o diálogo do eterno e do sensível . e as correntes que nos acorrentaram concebi-as eu mesma. . é apenas um período de capítulo no livro das delícias. . cuj o prólogo é tão triste e ilusório quanto o epílogo é fantasia. 126 " . na l íngua dúplice da fera. 97 E a mais sutil noção do mal espera a alma e o corpo j untos e depara os prestes a atravessar a última sala dos cumes inefáveis do castelo . ai ! ai de mim . o monstro diz aos dois que a gema rara da u nião é ilusão .da coisa separada por acaso . um híbrido de sonho e pesadelo inventa aquele rapto. . que a imaginá-la. . diz a alma a esse corpo renitente . . desolação do barro no desterro da ânfora partida! Ai desespero de não acabar mais. " simbiose dos meus. sendo ambíguo. Ali. como um ocaso longo . cheio de sombras ! Teus vazios" . e o eterno um sonho frívolo . são como os rios frios. . intermináveis. É que du rante a nota a flauta é dela. 127 . um arremedo do lume triunfal . Do verme à borboleta. da chama inteira. e depois da música a perene aparição ! 99 Teresa fala da metamorfose dos sentidos obtusos desde a Queda . e o duo agora transformou-se no trio triunfante porque o Inefável quis unir-Se aos dois . Desfazem-se castelo e castelão por um toque da Mão que aos poucos foi-se revelando. foi-se embora o mundo. tudo perfeita música. e celebrado e celebrante celebram-se um no outro : a alma incorpora o fugitivo que no tempo afora agora será dela . uma vez cumprido seu degredo . o Seu bicho-da-seda que de si mesmo vai compondo a casa em que. como de uma divina simbiose com a criatura .98 Mas enfim habitado e habitante são um só ! Que esvaiu-se . há de morrer. que afinal era um resto . da faísca à festa fervorosa da fogueira. e eis que tudo é comunhão. mas como morre a brasa. o último intento a que tende a razão que vive dentro dos casulos da vida cá de fora . Santa Teresa é a grande tentadora. não pensar. dispensar a pensadora . tão afim da eternidade. 101 Tudo aqui embaixo quer o que ela quis . se talvez perigoso demais. Difícil escapar-lhe ao pensamento. a maior tentação . fica impossível quase não medi-la pelo imenso que brilha além da grade desgraçada do ser que se perfila contra os altos ciprestes da saudade . É possível. . . nessa irmandade da morte com a vida. 100 Difícil escutá-la e não segui-la nessa estranha ascensão . É na morte volitiva que a santa quer que a criatura viva . Essa tranqüila volição . ou infeliz. tudo se arrisca pelo tudo .tudo é transformação. Toda alma quer fazer o que ela fez. É desastroso ouvi-la que uma vez ouvido tudo aquilo que ela diz é impossível voltar a ser feliz. com a mesma insensatez de antes . ser aprendiz 128 . o que procura à imagem a amorável união. onde a criatura se descolore . 1 02 Durar no alto . arder. seu breve malmequer insistente e volátil. da ansiada. dando a mão à imperfeição circunjacente. �os j ardins deste mundo . duração sempre mais duvidosa . um prisioneiro da figuração. É possível tentar (mas como Á vila) durar na altu ra (torturada e presa). . que a santa expostulou na fortaleza prodigiosa e interior. no andar 1 29 . . é instável . mal consegue ser figura. voluntária e ávida. andar na altura como o balão na noite de São João . mas de evaporação. . se árida (como Castela) à débil natureza . imitação da estrela. . é uma levitação. que leva à altura . se mais pura.da morte nobre . cada vez mais distante . O reflexo aqui embaixo . puríssima loucura entre a luz e a impureza que é a ilusão. quer permanecer plantado aqu i. adeus ao chão . 1 03 Se bem que o ser. conjuração de mágico nos vazios do palco sem platéia. A frágil fl o r carnal s e agarra à terra e aos poucos esquecida do que era . como o sonho . para o fantástico castelo do ideal. . substituindo o mundo pela idéia. . sem ser quem é . . o ser . sempre desconsolado e delirante . entre a evasão do ar e a âncora da terra . sonha-se uma estação que perpetuasse a impermanência. sem morrer.de baixo da existência . como pude r . não quer ser o que é. trágico porque tudo o que toca toca o lado do abismo. quer durar interminavelmente onde estiver. . sonhando-se quimera . a gaze do espectro que um fantasma desposasse . quer ser o instante que imagina e compõe. 130 . 1 04 O ser não quer morrer. Perambulando nesse vácuo . é projetado a um labirinto efêmero voltado para a alucinação. a estranha teia em que delira a aranha agonizante . o ser elástico como a dor. mal-assombrado . um véu mentido . 105 Celebrar este mundo adivinhando a incurável leveza . no vento. somos como o vôo dos flamingos em brasa ao oriente . Teresa enfeitiçada pei ' O belo Sedutor do infinito como a lua pelo sol . todo luz . mistu rando se ao sol nascente . leva à praça e a praça à poeira de Castela e a poeira . 106 Teresa encarcerada em seu castelo . um b ando de flamingos ardendo . ao inimaginável incêndio indescritível . N o silêncio do Carmelo Teresa como o grito do martelo nos cravos da Paixão . Somos reflexos dessa luz. . a inabalável certeza do esplendor interminável da luz de Deus . lívida e nua sob o suor de sangue que a alma sua. 13 1 . . na sétima mansão . todo asas . E nunca h á de apagar-se aquele ardente sol perfeito que neles se espelhou . . à dor da raça . Somos feitos como brasas abrindo o vôo . Lá fora a rua . a ladeira d e pedra. . aurora ruminando para sempre a quietude do imutável . . Que a coisa presa ao provisório quer a ete r nidade . Teresa . escapar à masmorra ou preferível . se era possível evitar o degredo ensimesmado. e eis a pérola raptada (pela graça) àquela raça tão igual a ela . como a concha. 132 . saudosa de esvair-se . Senhor. a pioneira da pureza que é a tradução de tudo em nós. 1 08 Não saberei. se ao coração sedento de invisível e cedo emparedado em seu quadrado de febre. leva a pérola. . . fora talvez possível . Somos todos parentes de Teresa . claridade que tende a evaporar-se na leveza .A raça. Teresa e nós . parce iros na saudade (provisória) de Deus. haver crescido encarcerado. por um lado . de impureza e de impossível. todos os cidadãos dessa cidade ideal do real. é alcaide da cidade-fortim que por bondade de Deus habitaremos com certeza . por outro . 1 07 Teresa e a lim p idez da fortaleza . porque a beleza neste mundo é arremedo da verdade . valha o que valha o meu fervor. se primeiro hei de arder que entregar-me ao ilusório . talvez. E se hei de merecer algum martírio tanto mais duro quanto o assédio é sério . Senhor.Sei que duro é o exílio e que difícil a arte de . que renitente a lenha e quão propício teu cadafalso às almas mais extremas ! 1 09 Não permitas . que não se apague o fogo meu . nos pulsos tendo algemas . de palha. que a minha carne se confunda outra vez e eu me atrapalhe e caia como cartas de baralho o castelo em que entrei para salvar-me . Sei quanto é frio o fogo em que nos queimas . mas seja palha de fogueira . escalar pedra a pedra o precipício . Fogo d e auto-da-fé . s e necessário. o meu fragor de armas. Teresa castelã. sustentai-me. 13 3 . mas fogo irrevogável. rogai que eu não desarme. " "I ' I . · · ' ' ' · . , .. . ., ' I' \, f l ' · ' • 1.. . t. I .� ' " IJ ! ' ,I ' � ' I j. I )I )f; .) • I Última parte No carmim da tarde (1909-2 7) In Warheit SinRen, ist ein andrer Hauch. Ein Hauch u m Nichts. Ein Wehn in Gott. [E in \l?ind. Rai n e r �·t a ria R i l k e 1 1 O NO CARMIM DA TARDE Mudei três vezes de cela; três vezes o entardecer, sua fogueira amarela que dança em vez de morrer, vinha despedir-se dela, da freira fujona! E ao ver a bailarina singela persegu i-la assim, tão bela quanto breve, a cor do ser que se desfaz, a aquarela pálida como o prazer de quase não ser, aquela que não queria viver nem morrer, subitamente deliqüescia, aceitava a corte do sol cadente . . . Quando me certificava de que o ocaso iminente, sem nuvem alguma, andava preparando aquela lava luminosa e decadente para ofertar-me-la, urgente como a coisa que se acaba, corria imediatamente 13 7 de frente . Havia uma a finidade dramática e natural entre nós. Três. tão cortês quanto pontual e fria. A audiência com meus reis abdicados. talvez insinuasse uma alegria que eu reconhecia . O alarde da visitante formal partindo-se ante uma grade . cada qual uma metade . a luz por setentrional. dependuradas à cumplicidade 1 38 . 1 1 1 A VIDA BOA Tenho apenas um maço de horas velhas . . . se tinha a melancolia dos desenlaces. o eco da outra . . . losangulando a vestal que rápida se despia para espelhar-lhe a nudez. eu por covarde . . entre o final deliqüescente da tarde e a sombra sentimental de mim mesma. . passadas a ferro na saudade e cada dia mais amarfanhadas.à minha cela e sentavame ante a j anela. a o rgia do sol como timidez . três celas e cada vez a visitante batiame à janela. . . envoltos pela gaze do Verão . os pardais o vaivém das florezinhas no s beirais. ale g res quase . enchem os papos de sons quase tranqü:los . olhando as andorinhas . como as reses no pasto . Estranha procissão ! E quem diria que eu me distrairia assi m . os nossos t rapos. ao sol . . quase humanos às vezes. . . esses lúgubres farrapos animam-se três meses ao ano . . Como na m ã o de Deus. . à toa. A v i da quase boa! Não fossem aquelas minhas . . a intimidade das s o mb r as ampa rada s umas às outras rumo à eternidade .das vel h as passo a passo no p á tio uma no braço da outra. amontoando-se na confraria das coisas sem razão de b ril h a re m na brisa que amacia um pouco o coração. corteses. !39 . enroladinhos vão os meus frutos baratos da emoção . frágeis jenipapos . M inhas horas alegre s ! Na alegria processional de um dia i gual ao outro . . . na ga ro a que só se vê cai r por entre as vinhas . no canteiro que amontoa as core s . incham-se aqui também . como os sapos no pantanal lá fora E como deuses s eminus . das coisas colossais que brilham por detrás de cada despedida . É uma vaga ferida aqui. . se não fosse pelo que ela agüentou . A vida boa . da intimação da coisa proibida. a luz que passa e as linhas do horizonte fugindo mais e mais . pela alegria que ela embalou perplexa. aquele lento afago. momento cheio de agonia. 1 1 2 CALMARIA Não não que este fosse em tempo assim de calmaria. Se a espera é doce é por causa da calma de Maria. . se não fosse por Maria. nesse vento não vem . . fosse nessa ausência. ah . . a intimação da vida como teria sido se um rapaz não houvesse partido atrás da lida. a vida boa dos casais . se não fosse por ela quem teria paciência com tanto adiamento? Se não fosse por ela. não fosse aquela brisa. em 1 40 . se não fosse este momento.assombrações por entre a pétala que voa. que ela trouxe si e deu à luz e um belo dia devolveu ao Senhor . eu não sabia que eras tu a paisagem. 1 1 4 ENTDECKUNG Madalena. Os ecos 141 .1 1 3 CIVITAS DEI Ó cidade de Deus. ponto final da longa romaria. estou de volta. . e o mundo ficou sabendo da glória que não se enterra no fundo - de uma caverna qualquer. a morta de dor. . um pardal sabem mais do que eu sabia . Manto tão evidente e tão pobrinho . . cidade transparente em que eu vivia sem saber! Sabe Deus que estranha vinha me embebedou de enganos . Santo Agostinho ao identificar-te com Maria descreveu-te tão bem ! Cidade-ninho. . . . o caminho e a chegada ! Eu pensava andar sozinha e pisava no manto de Maria . outra vez à tua porta! A descabelada . . Passaram-se vários séculos e outro grito de mu lher não sacudiu nada . . .Raboni! gritaste . Ó cidade-Maria. eu não via a cidade em que andava! Uma andorinha . e a mulher que solta o grito que muda a História . que o meu foi um grito rouco . perfeito. que a pena vale a alegria . sem razão de acordar do seu delírio.do teu e do meu vão juntos e na mesma direção . e o grito que faz da dor o trampolim do invisível. t'lõossos defuntos misturaram-se tão pouco na minha imaginação . o peito pode rasgar seu disfarce . o teu não . o impossível como aceitação do instante. Por muito que doa . Desculpa-me. Madalena . 1 42 . dois gritos : o meu em vão. seja lá o que trouxer. mas então eu não sabia que tudo valia a pena . louco de dor. reside toda no amor como resgate . É talvez que a diferença entre o grito de quem pensa que não merece um martírio . O inconcebível diante de um coração de mulher pode vir a revelar-se como um dom total . e esta vida é fantasia. as coisas . olhei a rua . o espectro espreitando a vida com os olhos de uma espiã. preto como um urubu abrindo o vôo. que eu hoj e fui ao portão . F iquei olhando dos altos deste meu cume tão empedernido e quando senti que o velho perfume .11 E as sim foi . Madalena. o passarinho . as pedras do chão . e até o cheiro da madressilva no vento! 1 43 . . a carroça do leiteiro . meu vade-retro não foi apenas sincero. do ciúme vinha vindo como sempre vinha. hoje de manhã . no entanto . ao soltar nessa subida de pedra familiar e cheia de burburinho os restos d aquele olhar. . o burro tão sonolento quanto o dono . vi o ar. foi natural e eficaz ! Há anos vivo detrás de um velho portão severo . a pequena ladeira. . inteira numa visão! O que viste uma manhã e o que viu esta espiã foi o mesmo . mas não vi tudo distante : vi a dor da criatura. mas como quem chega perto. lida de cada dia. Madalena. o coração . a entrada do Paraíso . 1 44 . . . de andar fora .Vi cada coisa e a figura que me passava diante. esta ladeira no ar. perto de tudo . e então Ele brindou-me o sorriso que abre os braços e o portão. a criança que não tive mas é minha como é meu este lugar. . a a a a monótona esperança . . não foi uma ilusão .Raboni! . . Não . difícil alegria.gritei. esta sensação mesquinha de ser outra. a vida cabe toda num olhar desperto . correria. quem sabe . Vi tudo aquilo talvez a primeira e ú nica vez não como quem vai embora . . A terra é muito pequena. a casca e o vulto . 1 45 . o fumo do coração . dá voltas buscando o céu . acaba aquilo que ardeu. O fruto como a folha da parreira e a evaporação constante do que é lenha de fogueira. . quando a opereta termina. .111 A vida. mas quando o drama barato. reaparecem os atores. ficam atrás. os amores. mas diante dessa desaparição surge a espécie de resumo. que tinham toda a razão em arder. Vai caindo o entardece r como cai cada cortina depois do último ato . a cinza . como um aroma do sumo. muito estreita para ser mais que u m palco. Madalena. que a platéia bata palmas ou vaie tudo . . as dores daquelas almas. é a lenha apenas que passa. como a fumaça. rolar no chão e sumir no ar . . da vaia . gritavas à luz dos dias que o perigo . . . deixam-se ver como são . por exótica ou i ncrível . antes que o público saia e se esvazie o teatro vai voltando. o epílogo d a aventura . mais temido do contrato . Caberia à criatura. Cada qual com sua parte.tudo confusões do enredo . Será o papel mais horrendo. essa coda i ncompreensível . esse final da ópera sem remédio. que o perigo de aparecer outra vez era uma realidade ! 1 46 . . Que susto a ressurre ição ! A volta cheia do medo da condenação . . . bem ou mal . . e vai tremendo . enfrentar um tal desfecho com o que reste da esperança? O meu sonho de criança não incluía esse trecho da comédia . pura commedia dell 'arte. a repetição do tédio de haver sido. �unca me entendi contigo porque insistias. dizias . . . perturbava-me a existência. freira . fosse criança . Madalena. uma altivez . minha indisciplinadora. amante . . a tua boa notícia. .No entanto a mortalidade é um consolo. para cima. a dor que voa como a pétala da haste . noviça. e aquela tua insistência. que fazer? Como ir-me embora? Vou dormir um sono aflito. ante a última cena de uma vida sempre à beira do vazio . Hoje. rebelde. os cravos . . me enchia de sobressalto o peito. para o escu ro ou para o azul lá no alto. 1 1 5 DOIS OLHOS MANSOS Tentava muito explicar-Te (com medo de que o entendesses) a sabedoria desses meus desesperos A arte . . que me ensinaste com os espinhos da coroa . de sofrer. o peito tão duro! 147 . agora que aquele grito me condena ao infinito. toca-nos. 1 1 6 PASSA GE A NIVEA U É Deus que nos sustém . que tudo entendias . . 1 48 . É o Seu sopro que vem murmurar-nos ao pé do velho ouvido até que nos acorda . um dom quase inaudível . não sei tudo de cor. . . Mas se for noutra parte. 1 1 7 SAINT-L OUIS DE MONFOR T Diz São Luís Maria de M onfort que a Criação in divinis foi um j ogo . no Epílogo . persuasão de esposo . não fosse caricioso . me enterravas noite e dia na chaga dois olhos m ansos .Me explicava sem descanso e Tu . um bem . troca o nível do ser. . da dor. do gozo . ou algo assim. Como a brisa invisível . tudo vem Dele : a fé parece nossa e é um dom Dele também . paciência. diz o santo no Prólogo do Amour de la sagesse. por exemplo. e escreve bem melho r. Seu brinquedo . aliás. 11 São Luís de Monfort pousou o dedo no enigma de maneira delicada e o que disse me agrada: aceito o nada ou aceito que Deus.observe-se. Que dizer? Aprovo ou não aprovo? Dá que deu-se o palco por criado . não sendo grego . . o por-fazer foi se fazendo e Caim mata Abel . mas no céu . Brincadeira tem graça. Pura energia da necessidade incoercível do divino . tudo coisificado pela liberdade vital . mas eis que a mão de Deus. o se r total como ser lúdico . E por que não? Viva o primeiro alvor! Viva São Luís Maria de Monfort ! 1 49 . Tudo é segredo. Mas voltemos à imagem : e ei s q ue Deus brincando faz o mundo . . faz madrugada e nela põe o mundo . que ele é teólogo além de santo. pode e deve brincar . contaminada de onipotência . . . portanto maternal também . nos seus (de Juliana) cálculos dos véus adivinhados . diz que Ele é mistério. Maria e Deus. Falando sério : Juliana não diz que Deus é fêmea ou andrógino. em Deus é que não cabem: nesse extremo qualquer categoria do precário é precária . e tem razão! Além de ter tremenda inteligência de quanto diz respeito à perfeição . e se a pluralidade de Deus é una. que não por ser o Pai .1 1 8 RECL USE A TTE NOR WYCHE Já a reclusa Juliana diz que Deus é nossa mãe . . é totalidade . Quem há de desdizer a beata se nos céus há lugar para mais que um só mistério? E nem fica a Santíssima Trindade um quadrado por isso. o empíreo é etéreo e multiforme . . e ela diz que o que entendemos do eterno é tradução feita no vário daquilo que é unidade . mãe só temos três : mamãe . . tudo de vez! [( E até vai ver que é . . 1 50 . Ele vai deixar de ser por isso o que . e que tais distinções cabem no efêmero . o Filho e o Santo Espírito. . que só fosse subindo. depois de iluminar seu século . Nós é que vemos como vê o inglês . os brilhos da estação . 111 A inglesa do século catorze enobreceu um século xereta com a autoridade de um anacoreta . . Que ela repouse em Deus . a perfeita união . . sobe como os perfumes. curvou o arco da razão e t rouxe à criatura a distinção da seta: puro vôo na altura. com o ciúme do humano coração que . humilde e generosa. E por subir tão alto e pôr-se continuamente à altura só da meta metafísica. 1 19 VA GA -L UMES Olho três vaga-lumes numa ressurreição contínua. . se abandona o chão . A colisão da rosa . . a beata implodiu e deparou-se com Deus descendo . tem um velho costume : 151 . centrífuga e do ourives centripétalo.A reclusa viveu a contingência e a visão com perfeita lucidez. o corpo vive à míngua e à mercê da alma incontentada e pouco a pouco perde o contentamento ele também . E como a lei do visível limita e o prazo é curt o. Não que a luz vá baixando : a luz. não têm como falhar ao corpo . . A alma vem de tão longe sozinha que não vê senão separação e exílio. . do absorto absoluto original . porque vêm da origem . 11 A alma vive à míngua de esplendores que presume perdidos .apaga-se de vez. Mas a alma obscurece a luz do corpo . nem por quê . talvez perfure a venda mortal . Mas quem sabe talvez o meu me surpreenda. a alma vê só o que ele ilumina neste horto nem dela nem do corpo . 1 2 0 O DUO DOL OROSO Porque o olho é a lâmpada do corpo e a janela da alma. o sopro perene do invisível. as torres 1 52 . desde sempre . como esses três holofotes de lenda . nada é seu bem . se também sente-se mal a alma.longínquas da cidade que perdeu . é porque desse a outro rapto qualquer. das cortes celestiais e anônimas. e a alma também . e um dia o duo doloroso morre . como quem sonha voltar atris. contraditórios em que pese a lei das virtudes angélicas . mas sempre os entontece e desaponta porque nunca têm as mãos tranqüilas como as têm na prece . se compadece de si mesmo e de tudo. Ill Cada vez mais esquiva lhes parece cada nova visão . que às vezes vem e às vezes não. não têm nem o elixir melhor nem os piores : a alma tem o corpo e mais ninguém . A alma anda doente e seus doutores. 1 53 . Se o corpo dói então é porque além da saudade em que vive desconhece o lugar da chegada e. e é imenso o seu desejo e o que aparece parece-lhe incompleto e é tudo aquém . E o dueto persiste e os contrafortes do corpo vão cedendo . enfim lhe importem mais . e sem noção nenhuma do que já não tem . v Difícil o vazio . ora o suplício mesmo era dileto . O abismo era metódico . nem doçura. e nem sequer o mundo que esmorece . Ali. entre os sentidos. eis que afinal o duo reconhece como um vazio o seu perdido bem . sob o teto e o solo onde começa o precipício. ou esse ou aquele delírio : até que nem desejo. mas um se foi e outro esvaiu-se como mais um suspiro sem remédio . Como desce o sol que alonga a sombra. tinha início a todo instante e nunca era direto. Mais difícil entre as quatro paredes do intelecto. . o corpo tem que ir desaparecendo até que cesse não o esplendor que ele atravessa.IV E assim pouco a pouco desfalece o corpo nessa terra de ninguém onde a alma é passageira e não convém demorar-se por ela . seu método audaz. era oblíquo: ora o gozo era suplício. . nem desdém. o vôo. . Que agora . impertinente. . 1 54 . mas igual a nada neste mundo. como um rio impassível passava. poder construir nessa esplanada a calma inaugu ral e necessária . VII Ah . Sob as levitações que sobre u m fio atravessando o abismo do ideal a mente ia cumprindo em seu desvio passional e patético . pelas delícias límpidas do nada! E ali deixar-se estar. qu e é vária. o vazio atravessado pelo raio frio do intelecto era grave . era um puro palácio aritmético . Mas e a vida? Ah . . onde o vulto de Deus. corta o horizonte em dois e a mortuária 1 55 . esse vazio celebrado e buscado . brandindo a espada . a vida era esse vício! VI Como os prismas da neve . . era um cristal irredutível. por primordial : soma total de todo desvario . o mais límpido exercício. como o sal estéril e puríssimo. sombra precária e breve da perdida madrugada. e era imortal .Já o vazio. . esse umbral inconsú til do eterno. saber deixar a so lidão . . . . corola de chama que se fecha. a eternidade como um vazio puro que aparece . . . deixar de ser . 1 56 . E deixar-se embalar à luz daquela imensidão que treme como a mecha. . . IX Essa proposição. nesse vazio provisório e urgente deitar-se como o abismo sobre a pérola e. . o prisma aprisionado pelo peito mas prometido a atravessar o abismo. a de Zenão de Eléia.máscara usual de tudo empalidece . imensamente . bela por inúti l : o arqueiro sem a flecha . Saber viver nessa imobilidade instantânea e perene . . o perfeito . abandonado como ele nela. Ah. Ir contornando aquela idéia. deixar-se resvalar pela corrente imensa do vazio . esse algarismo perfeitamente únpar. ir desaparecendo como a vela e. viver dela enquanto desce a tarde ! VIII Enquanto a tarde cai. cair com ela. mas nesse colo frio e impermane nte. e viver desse pânico branco e alado . à dor. no mundo como tal . segundo essa ilusão . E se não for numa abdicação sem alegria (dizem-nos). do real. não chegam nunca a ocupar o sonhador que exilou Deus e homem . os pólos da união impossível . o pontilhismo trágico desta vida em que o eleito nada tem a fazer porque foi feito para escapar-lhe . à Cruz. é uma mentira e uma contradição: mente quando propõe como noção do m undo . o belo imobilismo desse sonho cruel como tirânico. X Quanto ao peso da História . . odeia o aqui e o agora . algo satânico. A idolatria. 157 . o bic et nunc e o Filho de Maria . uma ilusão . . qualquer que seja. .a noite deste mundo. ao chamado do Cristo à conversão como portal da realidade . da aparição do ser. . Criador e criatura . as metades da ilusória separação do duo sem História j amais se alcançarão . e contradiz-se ao fazer do epifânico. à beira do mesmo precipício. aquela inclinação de pedra que uma freira esquadrinhava em vão e de repente .1 2 1 A LIÇÃ O Venho dar-te a l ição que ainda te faz falta. meu velho coração . mais que o Espectro da Rosa . da solidão. A visão . ó coração que vives da mentira. que talvez seja cedo para que esse segredo te alcance . foi dar de supetão com um rosto tão difícil de descrever. No entanto e i s a lição: quando a alma delira e o corpo tira a tira 1 58 . furta-se à descrição . que não quero cair no vício da frase mentirosa porque bela. é tão m isteriosa. da dor. tão luminosa e tão diferente do medo. a que me sobressalta desde que de um portão olhei uma ladeira. Convido-te à ascensão dos puros universos do amor . que a alma sobressaltada acorda. que revolução ! A embriaguez. um traste cheio de indecisão . encher am de ilusão . as músicas do ser. ainda não se viu nada . meu coração . coração que uma vã conjuração malsã engravidou de versos . Desde aquela manhã tomei-te pela mão . Quando te surpreender aquela aparição. o gozo a que te h abituaste são como um paredão contigo atrás . ah. Mas como a flor na haste 1 59 . quando esse amanhecer mais pleno e radioso que a mesma insolação conduzir-te ao Esposo .rasga-se de emoção. que ritmos perversos . é só quando a alvorada cai-nos do céu na mão . 6 meu irmão . espera-o uma surpresa tumultuosa ! Até às vésperas da cova a alma se renova. a morte no convento nem sempre é uma assombração . essa visão do amor. . Quem j amais sentou-se à mesa dos divinos deleites. o amor de Deus c rucificado e ressurreto é sem comparação ! Do sonho mais dileto à mais fina delícia nada aqui se compara ao toque dessa mão no coração que pára e quando recomeça a bater bate no teto . . . 1 2 2 EXTRAÍDO A UMA CAR TA Não é bem que prefira o amor de Deus : quem prova não tem escolha . de seu prazer feito revelação. Quando a P riora morre u . Eu li Santa Teresa e por graça de Deus decidi pôr à prova tudo o que ela dizia: pois de susto a incerteza lá fui de embalo em êxtase . 1 60 . a morte-padecimento e a morte-evaporação algumas vezes se j untam . um pé-de-vento. um tumulto .acaba por crescer e abrir-se. ao ritmo de harmonias que j amais suspeitara! 1 2 3 A CES TA DE L UZ Não . . E a coisa é sempre nova. algum dia há de ser também tua lição . enfrenta a ressurreição . e enq uanto isso a doente brilhava à luz de um poente que rasgava os lenços lentos manchados de hemorragia. Morreu subindo ao sol-posto a carmelita descalça. a derradeira corola de luz num canteiro infindo : era o fim de um dia lindo e as nuvens j ogavam a bola - rosada do sol fulgente pelo ar. o quarto . . levantava-se e soerguia o leito. 1 2 4 O BICHO-PAPÃO Tenho medo da emoção . o peso posto na Mão que lhe erguia a alça . . . a freira virando garça . aos quatro ventos. mais feia ainda. a agonia. 1 61 .como resposta a perguntas irrespondíveis o céu apiedou-se da defunta gradual e foi se abrindo . a cesta de luz do rosto levitando . . luzia sem inflamar-se . essa assombração que depois que o corpo finda . mas tenho mais medo ainda da alma. ou mais linda. . . . e a vida é um vaivém : volta e ida . Minha vida não teve como acontecimento 1 62 . penduram-se no ar. da brincadeira que brinda buquês fantasmais na mão de espectros que vivem à míngua de palavras. de altar a mortuário.Tenho medo da ilusão. e acabam no lugar que afinal lhes convém . porque enfim uma crença é só uma idéia boa. vão e vêm . do que a língua diz como consolação . . o som do campanário. . Mas tenho mais medo ainda da última aparição! 1 2 5 CRENÇAS Pouco importa o que pensa que crê uma pessoa. volteiam . é uma reviravolta a vida A folha solta. por correta que seja é uma noção . de cemitério a igreja. vivi na indecisão que determina o ser e. tudo semivazio? Há um só consolador num labirinto frio como a vida . eu . o a ssunto mais sério não é a vida . Tive a paixão de crer e a crença da paixão . um ícono velho uma pobre covarde . quanto a algum conselho a legar assim tarde. . é a morte feita interrogação : existe ou não existe a última apa rição que torna tudo triste . à futura heroína que interrogasse a antiga .o que o meu pensamento determinou : foi breve . foi leve como a flor arrancada do solo e j ogada no colo de mármore da dor. Que tudo é uma cortina? Que a existência é mistério? Qualquer que seja a sorte . não sei o que lhe diga. o amor. 1 63 . e existe u nicamen t e porque a canta e canta e canta a voz dessa garganta imemorial : e voltaria ao nada se acaso interrompida na calada da noite universal a sacrossanta garganta emudecesse . uma serpente na agonia . canto. . canto. o hálito mesmo desse alento! ll Ah . . t t1 . . supremo dom da v ida Só que a esmola é tão ávida quanto a mão estendida .mas amor feito dádiva . negas que és duração e movimento dessa voz infinita e musical . vinda toda de cima: o todo em cada palheta detalha da e enternecida 1 64 . co mo uma espiral demente . A h . 1 26 O AMADOR DE SERPENTES O ser é uma canção por Deus cantada . enlouqueceste e . cama. frase que te imaginas separada da voz que te proclama e pronuncia. canta a mal agradecida canção que se reclama emancipada como se a grande festa colorida não fosse justamente uma alvorada - . . 1 65 . . no reino aqui de baixo . continuamente ecoa a solene canção que nunca é toda cantada . no som . e vai mais alto e mais além e aborda o infinito fugaz como se fora ela só o rebento dessa boda da imanência de Deus com a luz lá fora. . Mas não : aquelas cobras . IIl E tal um longo afresco pela abóbada universal . a do instante criador. . se um tão frágil prodígio se contempla descobre-se na voz que o põe no espaço e que o sustém no tempo: por exemplo . N o ar. canção. dom do dedo de Deus no multicor. IV Se os cabelos de ofídio da Medusa mordessem-na . como a vida.de Deus . Como se cada pincelada não fosse unicamente . o ser transbordamento da mais bela cornucópia. anda tremendo . quando acode à notinha que do alto começa a resvalar. . canção subindo estrela a estrela . . . que só dura enquanto voa. prodigioso teto da capela prevista: o alto arremesso do esplendor. . a obra-prima do mal que o sonho usa para enredar-se . não separam o infinilo e o inslante senão segu ndo o velho mil o da h u m an a divisão . . . o pão 1 66 . a m pulado. se ape que na? 1 2 7 DUALIDADES Não é Deus o problema. Nossa dualidade axiomática. ó en igm a da paixão que se apaixona por si mesma! ó absurda marafona no slálg ica do e clip se na obscena obsessão da negação do nexo! Que volúpia se nulre desse amplexo em q u e o im e n so.doido acor de de negras s e mi fusa s sabem que fazem pa r te dessa obra. sem Deus . Tudo o que s o bra do ser que nega o ser é uma recusa . A humana confusão nasce da velha teima da alma com o coração (ou vice-versa) e o tema não lem resolução enquanto for dilema. confundir-se às dobras sinuosas. Um corpo e um espírito que se debatem em v ã o um contra o outro . . mas unidos em razão de uma paixão que faz do esforço a solução. como gêmeos dissemelhantes . . atravessam a obscura ponte-separação.da falsa refeição em que tudo é metade . resta que essa voraz . um no ar. fazem do mal a cura . são um só . um não termina onde começa o vão esforço da cortina para alçar-se do chão : a comédia é divina por ser a encenatura de um drama em que a paixão . um na mão. . é uma irrealidade . a dor da criatura e sua redenção . A mão que busca a eternidade e o eterno que se inclina para encontrá-la. Somos um todo . grave equivocação . resta que a inclinação insistente de remos opostos. Quando nos debatemos numa irresolução entre pólos extremos. deifica o fugaz 167 . E . o som sempre mais fino .e retarda a ascensão rumo à única meta . tudo é evaporação insistente . mais sutil. somos a dispersão dos gemidos do sino escalando a amplidão . buscamos a amplidão . mais repleto daquela oscilação do vôo. a predestinação de tudo é o invisível . Como o branco no preto. faz supor uma dissolução 1 68 . a reverberação entre a ausência de cor e a excessiva união de todas . Movemo-nos na mão de um ritmo contínuo : recapitulação do humano no divino . que é direto em si . secreta e enfim irreprimível! Vamos aonde vão todos na multidão à procura do nível. mas que em função deste mundo inquieto é cheio de ilusão . Somos irmãos da seta. se a alma é concreta. a espiga . e sua vocação é p repara r o lume . . o coração do eterno: uma o adentra enquanto a outra o concentra . não como o vaga-lume. mas enfim tudo canta! 1 69 .contraditória. Sofri num corpo impuro sem frutificação mas fiz uma canção . a erupção triunfal de um futuro . o alvor do amor na negação . Que se a dor era o estrume . M as ao fim d a lição nem Deus era o problema nem era a solução : não havia o dilema! Era ilusão a teima do ser. sua prisão uma má criação . uns desenhos no escuro. como as heras no muro vão subindo do chão . . mas são gêmeas : canção e hera são concêntricas . - . o humano coração é mortal como o grão . uma e outra a explosão da terra. Entendo que não são duas coisas idênticas . o anjo e o acalanto da que é mãe e filha. como a voz do sino no silêncio aberto . uma ànsia de planta que se alcança : a canção é o grão que se levanta . Paira a madrugada primeira e perfeita 1 70 . tudo se constela : o cometa e o canto do burro e do boi . pelos arredores a invernada. as cores da estação silente. Depois do deserto. mais a maravilha cercada do manto em que a carne foi rasgada e refeita. 1 2 8 BELÉM E súbito ao ombro de reis e pastores pousa a mão do assombro . um vão aberto entre a garganta e uma sublimação . como o cristalino reflexo da estrela nas mãos do menino.É tudo um eco . a guardar nos braço s o pequeno orvalho como um seu trabalho . o obscuro obreiro d os lenhos do mundo. - 1 71 . transfigure o mundo . solitário vai sorvendo o licor que lhe coube . por causa do amor. 1 29 O PADRAS TO O que não foi pai porque teve um filho e ensinou-Lhe o ofício de carpinteiro . o que vai perfil har o exílio e su ster Lhe os passos rumo ao precipício . Por causa da graça. até que o sangue da graça transborde da taça . José .em que tudo nasce j unt o à revelada . pequenina face que José cobria de melancolia. calado José obedece ao Pai e inclinando a taça bebe-a até o fundo. o seio branco do arco-íris cercado de imenso . a avena de bruços sobre a cantilena do mistério . mãe da eternidade . 1 72 . o meio da lágrima. Maria .1 30 A ÚNICA Maria . aquela que não teve nunca um filho. filha de seu Filho . ou o exílio da maternidade. . a chaga que por tão serena mão nenhuma afaga. a que o vento inclina sob a luz do dia solta na campina . Maria. do berço deserto. . da ressurreição . a do lenço cheio de soluços . do túmulo aberto. a asa do barco na tormenta. a virgem Maria. a que ensina a perda e o perdão . . A flor do vaso que vaza vê o pescador . 1 3 2 O SUMIÇO José carpinteiro e a cheia-de-graça procuram primeiro na rua. comensal da casa da miséria . Onde? 1 73 . perderam-no . a doce . da brasa. . Onde anda o menino? Fato sem exemplo . e deita os novelos da dor a Seus pés : desata os cabelos . de j oelhos lava-Lhe os pés . . pálpebras em chama e olhos de falena. a dos pés na lama. espalha os anéis ali mesmo e. a pequena faísca na cama de ferro do amor dos outros : a asa do tição . ao vê-los no chão . . .1 3 1 A OUTRA A que o povo chama de Madalena. . na praça . . atrás do que via e abraçava. para seu espanto foi o traido r sem culpa: soara três vezes o canto do galo e entretanto Pedro atraiçoara. como por encanto colheu outra sede . 1 74 . Pedro desertor das coisas do mundo. olha que aos doutores pergunta e responde! Ah . tão pequenino pregando no Templo! 1 3 3 PEDRO Pedro pescador das águas do mundo. um dia ao jogar a rede pouco mais ao fundo .Maria das Dores. e trocou de amor como quem trocara de ofício ou de manto . três vezes aflito entre o horror profundo e o amor infinito . desventramos o barco e quando a noite avança cuspimos sobre os mortos . 1 3 5 O REBANHO Vigiamos o berço para que nada nasça. Imitamos os porcos .1 3 4 O CONVOCADO Vem. migalhas de fumaça e um desvario amargo . caminha sobre a erva daninha deste mundo. e eis que o pastor nos ama ! 1 75 . deitamo-nos na lama . escuta o chamado triste d ' O que sabe bem que a morte estremece porque não existe . Lázaro . desce do teu sono. vem do fundo da gruta sem fundo . insultamos a dança. semeamos esterco . não seguirias um peso mono na noite densa. chamando os fantasmas à primeira mesa .1 36 DOMINGO DE RAMOS No dorso do burro como se da pomba. Bem-vindo à cidade dos mortos . Se a alma fosse a prisioneira 1 76 . às portas da sombra da cidade O puro peregrino chega: cercado de palmas e calma beleza. Chega a Primavera e com ela chegam o instante da fera e o grito da ave da ressurreição . 1 3 7 NO HOR TO Se fosse o corpo só o que pensas que o corpo é . não estarias subindo a pé por este horto. irmão . 1 38 O BEIJO Aproveito o ensejo para dar um beij o no Teu rosto . . tu não virias atrás de mim .que te imaginas. más conselheiras do coração . tu sabes bem que não há morte para ninguém . Iscariotes . o último beijo do meu sol-posto . Aproveito a hora desoladora da despedida e beijo agora a minha vida desencontrada. tão tuas. pelas colinas deste jardim . . são como as cegueiras. beijo o meu nada . à sombra doce das oliveiras . que já me acorda 1 77 . que as agonias da indecisão. de madrugada com aquela co rda na mão escura. a antepor como espesso véu aos olhos vazados pelos frios dardos que lhes joga o céu. 1 78 . Doce mão Lhe leva água junto à boca e o que bebe a treva bebe aquela fresca água santa e pouca. 1 39 A VERÓNICA Ago ra o suor misturado aos cardos e ao sangue . como a loucura . como o alvoroço que se pendura pelo pescoço . muge a soldadesca e o cortejo toca. Mas ela chegaraLhe perto e enxugava Lhe o rosto suave coberto da lava do mundo : e ficara no pano uma cara de deus ou de ave . 1 79 . A dor como a canção do sangue e o sangue aos berros entre a raiz e o fruto. mas os olhos vendo a noite que os cega . 1 4 1 O BOM LADRÃO Morro sem cuidado . ao lado do imenso morro bem . o absoluto . proclamando a unidade da árvore e da terra . A O círculo que nega . suspenso como o beijo ao lábio que fal o u me sábio do que eu não sabia. morro bem ao lado - . aos espinhos entregue. destrói a morte .1 40 /NR/ cabeça no centro . o êxtase . do anel e da mão. entra-o como numa visão: na rendição aos ferros enfim a redenção da carne torturada . Morro de alegria . vão morrer. açoitado e crucificado por mim .do que foi enfim julgado. mas vão morrer muito perto da ressurreição . onde o teu degredo . O crucificado chamado Jesus é o encontro marcado entre a solidão e o significado do teu coração: de um lado teu medo. teu não . 1 42 O SEGREDO O Cristo não é um belo episódio da história ou da fé : nem o clavicórdio nos dedos da luz. teu ódio. nem o monocórdio chamado da C ruz. do outro o segredo com seu cofre aberto . 1 80 . onde o teu deserto. convocai a geme que anda descontente pelo precipício: o mundo era o fútil que ficou difícil porque o mundo é um vício. Confessa a verdade . vai estremecer.1 43 CANTARÃO OS OSSOS O mundo era ótimo o céu era péssimo não valia um décimo. quando a luz vier. . Avisai o próximo . quem ficar deitado com a morte ao l a do . ah . responde . se Deus quiser camarão os ossos nesses mundos nossos . . coração inútil. 181 . . . Quando amanhecer. coração que matas por sombras e pratas . quem deitar no fundo . e eis que de repente . quem há de tomar este mundo pelo que ele é? Quem sonhar de pé há de se r co n t a do. . . a mão tutelar do assom bro . . Com as cadeias de luz do acorrentado . . que importa. não toques na corda da lira invisível . vou no vento e como quem relampeja levito de bom grado . uma asa. não toques em nada . maravilhada ! 1 4 5 O ABISMO Tal a pomba de luz que visitou Maria aquele dia. o Prometeu que o rochedo brutal não segurou . 1 82 . mas com a levitação que as coisas têm quando um vento as possui de lado a lado . ninguém . não toques no ar. estando eu toda abismada diante dela.1 44 NOLI ME TANGERE Não toques no manto. alguém . assim tenho vivido . e acorda para o outro possível . Toca a mão do espanto. E agora eu sou um ritmo. um vôo repentino e total me apareceu no escuro em que eu vivia e converteu o mundo todo em nada. faz dos paus de lenha a transfiguração da pura dança. . lii O Santo Espírito é o prolongamento do perfeito no efêmero . como o !amemo do vemo vai abrindo uma avenida invisível na tela do visível : somos uma passagem subtraída 1 83 . puro vemo vem e vai como o eco não de um grito . Seu bri lho inaugural é como a faca. puro aperfeiçoamento do infinito . Arder para existir: que o fogo venha apontar para o céu que não se alcança.11 O batismo de fogo é como o nácar. . de um sopro . . cimila quando fere e faz da vida a labareda solra. que destaca da lenha bruta e da fumaça opaca . O Espírito é pura vemania e. porque a pérola nasce da ferida no abismo da matéria dolorida . . O ser é um túnel que o perfeito Espírito vai cavando na luz. Se o batismo de fogo mal convida o que transforma. pura cintilação que a luz desenha no quadro-negro da desesperança. P rofusão do pensamemo. . é Deus no ar . vai resultar no Espírito É infalível ! . IV Quem baixa sobre mim c traz a música invasora .a Deus. a ardente borboleta . como a seda sustém a curva grácil do vestido . . . . no cimo . . ? Pentecostes. . a vida . chega com um ar de coisa caída 1 84 . multiplicando e dividindo a vida . como um despetalar-se de petúnias? Quem murmura o que eu penso por escrito? Que dia é hoje? U m dia feito o gesto da luz que me sustenta. mas que somando-se ao sensível . Ah. os acordes que eu imito como quem joga dados sobre a túnica à beira do martírio do infinito? Quem vira chama e chama o meu espírito e desfaz minha mão em semifusas. quem me toca a testa com dedos musicais e comovidos? 1 46 EDEL WE/SS E eis que já tarde . a realidade sempre colhida entre a saudade e a despedida. quem sabe fruto do precipício . do absoluto que desde o início te pôs de luto o olhar. um sopro. 1 47 SOPRO Porque de súbito adventício. Mas quando some tudo porque o Espíri to anda perto. um vôo baixando o nível. roçou-te. . . . a flor do agora. 1 85 . subitamente surge . sustém-te . indício de que o invisível enfim chegou. se abandonou-me a imensidão que havia atrás de um nome . " 1 48 A NOITE (Q UASE) ESCURA Nem sempre O sinto e nunca sei ao certo se desertei-O eu.nas mãos da gente ! Ei-la que à hora do sol poente . audível : "Vem . Quando Ele andou e andou pelo deserto devia ser assim . aqui estou . . 11 Não seria que a ausência era um contraste indispensável a uma aparição que. Eu sinto a calma das coisas que atormentam e alguma vez vejo-me com horror: o olho da alma vendo-se com o olhar de Deus.o vazio não pesa e aquela fome de absoluto. quando me sinto assim . sustenta o corpo aéreo . do infinito aberto . como o orvalho retorna. 1 86 . . quase um fantasma. . é como o olhar do gato que te espia. braços abertos para o tronco seco . É então que entendo São João da Cruz. . necessário esse desastre . acorda o coração que acostumaste a dormir descuidado em Sua mão? Necessário talvez que não te baste consolação alguma. . distração nenhuma. e vai sempre direto àquele galh o q ue mais secou sem Ele . como o eco . Se Ele desaparece como o orvalho . desaparecendo sem razão. A certos cimos Ele só baixa quando desistimos . 111 O Cristo redescobre-se no escuro. talvez . É Ele. Naquele mudo . que te encontras com Ele. esse nome sem lugar em ti que não ecoe. As fantasias que te alvoroçam . IV O C risto é esse cristal que vem morar no centro das pupilas quando tudo escurece ao redor. até furar a escuridão. os muros do absurdo . o mar onda por onda se derrama . espanto de ser visto quando o muro mais cego te encurrala. o absoluto que te chama pelo nome . um rosto inconfundível vem te olhar . 187 . cego espaço que mura o teu olhar. . como a chama vai envolvendo tudo e. Reverberando ali como se um surdo de repente escutasse o próprio ar. o olhar fecundo interrompendo a treva quando o mundo acode ao interruptor e a luz não vem . soltas pelos dias. desaparecem e Ele vem : o escuro tem as modulações que a luz não tem . é que Ele brilha mais .astuto de saber que não o vias à luz habitual . É ali naquele túnel . contra um fundo de desbarate . devagar. O Cristo é o puro . de esplendor também . aproxima e separa o olhar e o céu . VI Aquele solitário . um novo. O que carrega a solidão do ser que desespera Dele e do coração na noite cega.v Se re-velar significa pôr sobre o inacessível mais u m véu . um neo nato ato de olhar. Véu sobre véu . o esplendor a que chamamos In exce/sis Deo. o enigma. cada revelação . E l e é um puro infinito limitado pela aproximação que traz ao ser Sua revelação . sob o fulgor refigurado . Olha a abóbada imensa. ato de amor. Aquela solidão que espera e espera e sonha recobrar-te numa entrega embriagadora. sofre porque sente-te resistir. impaciente 1 88 . o invisível dado aos olhos que O não podem e sonham ver . punge-Se contemplando-te: uma fera enjaulando a si mesma . uma quimera prisioneira de tudo quanto O nega. mas com o cuidado de um véu filtrando o intenso amanhecer . recusar. sofrer sem ela. é uma ansiedade em nós . ou a sede da alma pelo eterno . . pelo toque fugaz do eterno é uma ardidura constante desde então no espírito que O espelha . E de supetão 1 89 . . a farrapos de ilusão . M as borboleta trespassada pela altura . ou dardo prodigioso . diz bem Santa Teresa.de devolver-te a imensidão que tinhas: não tens dó desse rosto entre as estrelas curvado desejando ervas daninhas ? . que rasgasse tira a tira esta múmia que cansou de arrastar um coração agarrado a uma mentira . uma faísca da fogueira azul vermelha do amor de Deus Essa invasão da criatura - . é incapaz de dizer esse mistério: o refrigério de um prazer como incêndio contínuo! Como os gelos do inverno . Mais nada . . . . . 1 4 9 APÓS RELEITURA D ' "O CASTELO INTERIOR " É com efeito uma ferida a queimadura que no peito da alma deixa uma só centelha. queima sem consumir e vai virando o ser pelo avesso . 1 5 0 LE VEZA Eu apenas lhe pedira perdão por ser como sou . . esse fogo que é o oposto do inferno . Que me tomasse na mão . essa linguagem velha como a alma . . . da cozinha. . . os pés como dois pardais fiéis mais à altura do que ao bando. Enfim. foi-me voltando de manso e eu senti que percorria os meus labirintos não. não . à ração dos apetites mesquinhos . um corredor. com a indecisão do convalescente . mas um pobre coração acostumado aos espinhos que colecionava. me aproximava senão de uma di s tância maior Os santos sabem de cor esses lépidos caminhos. . mas uma sala vazia. talvez ancorar-me a ela. à do r que cultivava. minha carne . ao sétim o dia . . a extensão da capela. 190 . que iria saber da Mão que sustenta os passarinhos? . como o ganso que descansa da amplidão .senti-me levantar vóo! Um sopro me levantou como uma folha do chão! Durei seis dtas buscando sentir o solo outra vez! Usava. desabava no colchão sem senti-lo quase E quando me ajoelhava tentando voltar à terra. . como um descanso . bêbeda de solidão . se sei que não mereço. e na calada da noite às vezes se erguia. o resto vai de encontrão contra a pobre natureza. que isto é um começo. tanto mais inesperada que eu não tinha nem noção de que seria escutada. era a mesma criatura cheia de vacilação e repleta de amargura. na Mão que jamais a largaria .do pátio e. . como uma restauração ! Toda a angústia sobranceira de uma alma que vivia de sua íntima fogueira de repente acabaria no ar. no susto . quanto mais de andar na altura! Não esperava era nada. . 191 . que ia da cela ao portão queixando-se . como diz Santa Teresa. sem saber que lhe pagaria o preço? Sei que não voltei. . . não Lhe pedira senão uma ajuda. . a que sempre se despia . que em vão piso o chão . revoltada de ser freira. desci . . senti que descia . Quem diria E que dizer? ! Que. Foi demais essa aventura. m as ouvia aquela malta 192 . leve . leve como um véu . . . ao me ver aparecer branca como uma açucena . . J á não me fazia falta sua doce companhia. sorria . Como a gatinha Luzia. mas nenhuma compreendia que eu ia a pé para o céu . 1 5 1 A PÉ Pobre de Sóror Helena.o que vem depois é o pão do martírio. . . . a cada vez que me via fazia aquele escarcéu. não podia se conter. eu que sempre fui morena . . da incerteza de um dia sentar-se à mesa da perfeita comunhão . . como se eu fosse morrer . soluçava de prazer! Ou talvez fosse de pena. 1 52 A FLA UTA Escutava o som da flauta do pastor de cada dia e suspirava. Tudo subia. sinto-me despida . Se falhei à vida . a campina. a mata . . .de balidos e harmonia como uma folha mais alta na brisa que a levaria. doce como o manto da tarde lã fora . . como quem se despe e se sente mais leve . a luz. . . É a minha ária mais íntima. 1 53 REINCIDÊNCIAS Necessariamente agora. . tão límpida. . s e errei d e endereço. se compliquei tudo sem necessidade e fiz da saudade o meu grito agudo. leve como nada. eu também mal me reconheço. E ra tão exata. . e embora seja necessária 193 . tão esguia aquela curva de prata subindo . agora me espanto de andar tão calada . e ria . este momento. por mera lucidez. por irredimida sempre ansiosa. . nem isso. 194 . e por dentro já se me perfuma mesmo o pensamento ! Sinto-me tão leve que o gesto que escreve isto . um aroma. sempre insocorrida. a nada mais que à graça imerecida da última humildade .como à folha a haste . Cada vez que alguma inadiável despedida levou-a ao matadouro como rês auto-iludida ou não . 1 54 COMMIA TO A minha louca e incontentada vida nunca aspirou . . o resto da soma que se me evapora . mas de repente obediente a Deus. parece-me um vôo . Caem-me uma a uma pétalas do centro da alma. cada ferida parecia-me j usta e sempre fez que a minha carne. é silenciosa. é como o contraste entre o aroma e a rosa. não chorei . . Não tenho nada. . e tanta ! Uma viva saudade multiforme de redenção .Lhe aceitasse a sentença: pelos meus pecados distraídos minha vida mediu-se. . 1 95 . não sei. Santa saudade . não sou nada e venho como um mendigo à beira de um portão estreito . isso sim . vale mais que ouro ou cobre. ah . não há de ser agora que a alma escrava escapou ao feitor que a incontentava que hei de chorar por ele Antes . Tenho saudade . a esmola. ajoelhou-se e submeteu-se . não chorei quando havia por quem e me abraçava à hora fugitiva! Quando a lava daquelas erupções que idolatrei sepultava o que havia. sempre sem razão . mas aberto . 11 Eu nunca tive e muito menos tenho razão agora: tenho um coração sempre insensato. vale o gesto que espera e estende a mão . santa esmola que me deste e que um disforme coração Te agradece : o sonho planta porque a colheita prometida é enorme! Ill Não chorarei o mundo. pobre que sej a. há de vir anunciada talvez pela alvorada da agonia. Não me faz falta nada . aquela perfeição total que um dia será minha. a minha vida há de cumprir ao menos essa lei . São horas de pensar n a despedida que hei de fazer . passo a passo. . há de ter sido um sonho: eu mal existo e a vida é o imponderável do invisível. dentro de um curto espaço. a alma o inscreve no labirinto figurado e eu sei que em breve. 196 . e que talvez farei tão melhor quanto mais apetecida. . o mundo irá parar : faz-se mais leve . a idade o leva aos poucos para dentro e tudo vai parando . IV São horas de pensar que dentro em breve. no coração. como estou : a sós com o C risto . e se houve alguém que um dia fez meu corpo imprescindível. Quando eu entro em mais um corredor .agora me apetece estar mais bem onde estou . v A transfiguração tão esperada . lá por dentro. à esquerda desse centro da precária criatura que aqui esteve . mas como um lenço sobre os olhos fechados para o mundo . as vestes com que me despedistes. desde que Ele as vestiu também enfim eu não as necessito mais. j á não tem mais sentido o querubim . VI E aquele querubim do Extremo Leste. talvez. ai de mim� O C risto é essa nudez que vem de leste . a grande convidada da alma. há de fazer-me c ompanhia de repente . é a luz devolvida do j ardim que eu perdera e outra vez me oferecestes . guardião dos limites do j ardim com sua espada giratória p restes a cair para sempre sobre mim. vestir-me só de lua entre os ciprestes! 197 . Eu vou ser outra vez como o j asmim .talvez pela alegria da chegada. E estas vestes d e pele q u e me destes . E há de chegar-se a mim naquele imenso aconchego supremo que há no fundo de tudo o que se amou e anda suspenso como o gemido a mais de um moribundo . A surpresa suprema que existia desde o princípio. Tua palavra. de amplidão vestido e proclamado pela veste . E hei de voar atrás do gafanhoto só por voar. Essa ambição era todo o meu cuidado quando entreguei ao passado meu reinozinho malsão e entrei neste casarão com um vestidinho emprestado e de rosário na mão . e provarei do mel que não se acaba.VII De gafanhotos e de mel silvestre João se alimentava . e a língua. mas Teu pão . que transforma o gosto . Lembro meu rosto alumbrado pela solene expressão de quem deixa o namorado esperando no portão e vai à missa. Coitado . . 1 98 . e como João por Salomé perderei a cabeça pelo gozo de ver Quem vejo e estar-Lhe sempre ao pé ! I S S A SUB VERSIVA O projeto do telhado sereno da perfe ição era o meu . me alimentarão! Caminharei no céu como pedestre da eternidade e ali naquele chão por fim o corpo que me prometeste será como o Teu corpo. . uma inversão do j ogo mal calculado da alma com a imensidão? Digo antes disso que o fado da criatura é a imperfeição e quem vive seu bailado 1 99 . a um momento dado . . . coitada. vive acima do telhado. de hesitação. entulhado de tombos . e sempre em vão. A andorinha sem telhado . mas desce de supetão para ficar-nos ao lado como uma evaporação ao inverso. levitado pôs-se a fazer-lhe o Verão que ela havia malogrado! Que dizer? Que o céu é alado. antes tocava-me o chão como era mesmo. desistindo com razão do seu sonho emparedado. a pobre soltou um brado inconsolável . faria então o esforço mal-azado para subir de encontrão em tropeço a um delicado equilíbrio.não me esperaria em vão por muito tempo . Malgrado aquela firme intenção (que nunca deixei de lado). a j ovem operária não teve o esforço aproveitado na cumeeira. empoeirado. Até que . as desordens do pecado . o porão esperava-a. e o chão levantou-a. a cumeeira . Não se alcança a perfeição . 200 . estrelas . o portão . sem mais razão que subverter a ilusão e converter o culpado . leva o condenado como um pássaro na mão. . caprichos da solidão . o gado. não pode ser alcançado . O céu chega sempre dado como uma esmola ou perdão. abre o velho cadeado e solta o pobre coitado! A graça é uma subversão . Desenhozinho acabado com amor e p recisão . o tempo da operação de havê-las esvaziado . Fui descobrir que a ilusão é como um céu retocado. faz as vezes do telhado. um céu de mentira não porque tem sempre o cuidado de anexar-se uma porção de verdades . caretas de malcriado . no meu pus um campo. sobe . é o chão que um dia . Não se alcança nada . m as era tudo invenção . .ao ritmo do coração passa um tempo agoniado nas vasilhas da emoção. e até um balão! Entrei ali com a intenção de ir subindo e dar ao chão um adeus bem-comportado . o sobrado . . e o coice que lhe levei foi o golpe de misericórdia : a tosse que resultou do xarope quase me mata! Mas foi-se corno viera. filhos. .1 56 O XAROPE Já disse que tenho medo das ilusões. 1 5 7 COCHICHOS Se eu tivesse sabido o que iria passar. Mas h á uma voz no ar que . . não teria saído de mim mesma. et pour cause: iludo-me desde os doze ou treze anos! Concedo que as venho escolhendo a dedo. minhas comédias : a pose . " 201 . em lugar de atalho tão comprido saberia encontrar um circu lar : marido. a galope . em que exagerei. . se não faz sentido . . diz-nos ao pé do ouvido : " Mais vale se enganar . coisas do lar . . o estilo j usto O arremedo da perfeição foi a dose . . . formosura faiscante.1 58 O INVISIVEL O invisível. . . como o caco de vidro pelo sol de lado a lado . E se o que existe passa pelo opaco como o trem pelo túnel de repente . procura 202 . é pela transparência. a função do ser é a arte da luz atravessando-se à espessura: ser é espelhar-se contra a noite escura . olha. que se anima este reino atravessado. nada existe nunca à parte desse baile de luz que transfigura e vai criando : a criação é pura figuração da luz que se reparte em mil cintilações para criar-te . te imaginas trancafiado nela. como uma opala lânguida a seu redor é diferente apenas como o espaço de uma sala difere das paredes: ao formá-la. cheio de treva. fagulha. que a criatura sente mas não pode tocar. 11 E ninguém . Finalmente é sempre o invisível que assinala lugar de ser à coisa contingente . Fulguração. esse espaço incorpóreo mas presente cria a noção de sala . Mas se . foi porque na estreiteza da cabeça. mas solto nesse rápido alvoroço de formas incompletas. mas cada vez que alguém amou-o. O sonho do infinito é uma promessa . misturam-se o que cabe numa cela e o infinito. 1 5 9 O INFINITO No infinito. no pálido pescoço da cabeça invisível.no fundo das pupilas . 11 Dizem que vou morrer. esse espaço que procuras . de paragens indefinidas como um velho esboço de mão desconhecida. nos vazios dessa tela o que não tens aos poucos se mistura ao pouco que te reste : à luz da vela que se debate na corrente escura. as imagens vagam como confusas tatuagens. eu sei . e verás como perdura a mesma luz em ti que há nas salinas . 203 . como sem pressa a asa atravessa o espaço que buscou . Dizem que vou cessar de ser porque este corpo cessa . nas meninas dos olhos . Dizem que a flecha que interrompe o vôo há de me atravessar . nas miragens tensas e retorcidas como um torso arcaico. 1 60 A INESPERADA Hoje. tão discreta . Não cheira e não tem companheira. esta manhã inteira a corola amarela foi-se abrindo . tem uns ares de caminho oferecido. Tudo é ressurreição imerecida .nalgum canto do corpo esse infinito cabia . E cabe ! A p rofusão da vida é feita de minúcias . o aroma do j ardim . da hortênsia. Tudo é rito . e vem oferecê-lo a um ninho 204 . que é a idéia da coisa e a coisa j untas . mas um grito se faz de imensidões e uma ferida de infinitas renúncias . da violeta e da tulipa preta! É tão harmoniosa. do fugaz . Assim como a brisa que traz de longe. na minha cela. da rosa. . da papoula. tão calma. mas é tão mais singela por ser única. . amarelinha faz as vezes do j asmim . mas a alma. o ai da dor do parto . não ace i ta o que aceito . . a Sua ária de amor à parasita . não quer . que quase já não sente . quieta. . debate-se. M inha flor solitária. a última visita de Deus . . . pronta a atravessar o nada. como é necessária! 161 DEBA TES Deito-me resignada. pelo vazio . . a alma tonta. diz ela . Estranha companhei ra do corpo de uma freira que já não se rebela. abandona a mulher que vai morrer e sai às soltas pelo quarto. Ah . Formam u m estranho par um corpo decadente e a alma que quer durar! 205 . . não da morte . vestida .que tivesse também esse ar de passarinho que ela às vezes imita. um ai . levanta-se do leito. sabe-se lá por quê . quem sabe por onde acabaremos as duas ! A que cabe num leito . cada dia ando mais solta. num caixão . como ele vou subindo . sumindo a cada arrebol. é sempre o mesmo drama: no palco de uma cela resignação na cama e delírio à janela . vou virando o vôo infindo de um alvíssimo lençol 206 . a que descerra os véus de uma visão que a primeira não vê A morte de uma freira. meu Tirol ! Como mais um girassol cada vez faço mais parte daquela reviravolta que sai no encalço do sol. num buraco da terra. quer não queira. quer queira. . . mais leve que o rouxinol . . . e a outra.Quem sabe a quais extremos me há de levar. . 1 62 A TR UTA Já não voltarei a dar-te nem um olhar. 1 63 A PRECE Junto as mãos numa prece ansiada. . . apagando-se do rol como da trouxa. . Deus do alto da igreja concede-me esse vôo .que anda desaparecendo. se querem voar com as revoadas. Vejo muito mais claro quando escrevo e não chego a conversar com Deus porque os delírios meus como o pássaro cego mal alcançam voar. . os meus arroubos são obcecados não com sair do lugar mas com deixar pegadas de tinta onde estiverem . querem que o vôo seja com asas de papel. não quero ceder ao desespero. Meus sentidos . . e tremendo como uma truta no anzol . . mas logo penso um verso e separo as duas mãos em fogo . à hidra que oferece o que não tem . 20 7 . no que der. nessa bruma em que mal se vê . mas não sei por que fui virando espuma. os últimos badalos. .recebe-me o tropel. imitações de sino. que por fim já parece uma espécie de prece. sem dono . Já fui um buquê. sem peso. Um sono sem cor. Dê . as asas dos cavalos no céu como o imagino . de abandono . os dobres do que sou . 208 . e aqui . facilita o sono. . o Outono tem como um sabor de fim . 1 64 SONOLÊNCIA Sinto-me uma pluma. vão-se-me uma a uma as pétalas . . os meus remos soltos . padecimento. Adeus. e tu. 1 66 A DEUS Adeus. poesia .1 65 À JANELA Vai . hesitante e tão cheia de emoção. mas deixemo-los . que é quase harmonia. amor. quase paz. festa da vida. É tudo a que me arrisco debruçada ao balcão para a última visita. 209 . os meus dedos . meu trêmulo. Tocai-os . demo-los a Deus . ilusão. minha velha ferida. . . . esguia. solidão . Dou-vos uma fria carícia de mão. a mão leve . Vai. ida e volta . canção. . meu coração . Em toda despedida há um aceno de mão e o meu é este rabisco . . a última visão : o adeus da parasita . sonho . meu último adeus . . 1 ! . 1)' 1: • l ' .' ' '.-. 1 . . . . .• I I r . : I ) · f. O que A ladeira das pedras apressadas . 1 3 1 Cenas estrofes perdidas. 1 72 Canção de cadafalso. A 10 vida teri sido uma p rocura . I 73 A ratoeira . 1 98 dor. 1 4 1 Cocblcbos. 1 40 A morte vem. 1 2 5 A fogueira. 3 9 A fogueira absu rda . 45 Atravessa. 8 1 Algo Intangível anda pelos cantos.ÍNDICE DE POEMAS E DE PRIMEIROS VERSOS A vida. 1 0 1 A cabeça n o centro. 1 60 Adeus. 1 6 Anfecbtung. canta. como a fumaça. se A o utra . 6 1 aninha. 1 06 A Via Crucis foi uma selvageria. 2 09 A do nze la . 1 06 A ca rt a começada. 1 03 A m in ha louca e incontentada Aux dia bles . meu pai. 70 A transfigu raç:lo t :lo esperada. 1 77 A inglesa do �cuJo catorze. 1 58 As i nco nú veis sementes. 2 0 1 21 1 29 . 1 6 As �! Não é a mesm a . I A vida vai t2o dep ressa. 7 2 A lupa. chama. 40 ·" s�lima A subversiva. 1 78 sombra desse corpo. 5 3 À imaculada. 6 1 As A Madre Superiora. 60 A paz que elude o humano entendimento. 15 1 92 canta a mal-agradecida. 209 Aquele solitirio. 1 70 Blutvergiftung. 2 3 Ars poetlca. 72 A Lázaro. 2 2 A o fio e à medida. 1 79 A visitante. 207 Calma ria . 1 3 8 A andorinha. vida. Ah. Civltas Dei. Badulaques. 10 I Após releitura d 'o castelo interior. 1 1 6 À aniversariante. I 52 A vida boa . 1 5 5 " Ai de mim ' " . 1 96 A truta. 77 A lição. 1 92 A prece. poesia. 8 1 A incompreenslvel soli<Üo da Cruz. 80 A JW. 1 8 1 Celebrar este mundo adivinhan do . 76 Can ta rão os ossos. 5 7 À s vezes irnagino·a. 86 Abre t u este arm�rio. A alma vive à mingua de esplendores. aquele umbral. A Deus. A mais segura. 1 73 1 00 A que o povo Cada vez mais esquiva lhes parece. 194 1 06 25 A m o n e n u m convento. 1 5 1 Aquela essa n ão À janela. 73 carrega. 204 A p ro veit o o e nsej o . 1 4 5 A alma � com o a A Verónlca . geme a alma. 1 53 65 Cantar n:lo deixa marcas no fugaz. 1 89 A Inesperada. 1 88 horas de Katbarlna. 8 7 A flauta. 1 78 20 Ah. 49 luas. 42 96 209 Agora o suor. 1 64 construir nessa esplanada. 206 A ú n ica . poder A estrela·d 'alt•a. A cesta de luz. 48 Belhn. 1 98 Essas colheitas. 1 56 Entdeclrung. nada existe nunca ::t parte. 38 Dou-te. 92 Este t o testamento. . 166 Durar no alto. 1 48 E t assim que os sentidos v::to chegando. 5 5 Diz Sllo Luis Maria de Monfort. 26 E m plena vtdQ. 1 65 Em cada vago feixe de alusões. 76 Em face dos rendilhados. 95 � rai z . 205 Este Deparei-me. 4 5 Dualidades. 1 1 2 E ass im foi. 52 Como as coisas. I 70 E tal um longo afresco pela abóbada. 1 1 2 Corredores. . 1 1 1 c�. 202 Gnomos d o ar. nllo desesperes. 1 50 � com efeito uma ferida a queimadura. queimando cartas. Madalena. de dia. De como se desfez. Da E estes sllo meus pecados. soUtirla. est� bem. 1 2 9 E a mais sutil noçllo d o t o quarto. 98 96 Este pende vazio. 203 E u apenas lhe pedira. 1 84 Correntewumte. 1 5 5 Como um diamante. E o peregrino aos poucos arremeda. Cristo Rei. por teus quarenta. . I 54 /!•iR/. 1 47 Existe a realidade e existe o sopro. 1 2 2 E att vai ver que diz. 20 Eu nunca tive e multo menos tenho. 2 0 1 J� a reclusa jullana J� J� não voltarei a dar-te. I 05 E nlngutm. 93 Este t o meu jardineiro. meu coraçllo. Desmaiei certa vez. lagarto. 1 4 1 cançdo. 1 79 99 E ass im . 85 E aquele querubim do Extremo Leste. 1 73 212 . 5 8 46 Enquanto a tarde cal. 3 5 � ainda t::Jo belo. 3 0 DiftcU o vazio. 1 24 Edelwetss. 1 28 Estreitezas. 2 2 Do engano da linguagem. 1 97 Hoje. 1 05 Domingo de ramos. como sofres. 97 Deram-me. 3 7 Este t um post-scrlptum. 1 89 � Deus que nos susttm. 1 26 E a ratoetrazinba. 1 92 60 Essa proposição. 83 E e is que I � tarde. 69 Est� bem. 1 48 Dizem que vou morrer. 7 1 86 Cuidado! A dor Inventada.Com certeza �o. E assim pouco a pouco desfalece. arder. 204 E aqui venho de volta e Te agradeço. 93 � mentira que o corpo t lnevl�vel. 99 Gostei de rev�-lo.. 94 Debateu-se. 5 1 Entrega tudo aquilo que t e resta. 1 56 De gafanhotos e de mel silvestre. 1 94 B era aquele o teu menino. 1 1 6 Deito-me reslgn2da. 95 Desolado crucifixo. 1 54 Estrela-do-mar. 5 5 Este t um quarto vazio. 205 Esta t a nudez da hora. 1 07 Descendo E súbito ao ombro. n a minha cela. 1 50 disse que tenho medo. 82 t . 1 62 Cristo meu. os remorsos. 94 DiftcU escu�-la e �o segui-la. 77 De noite. 46 Herodúule. 1 43 In extremis. como o sal. Naturalmente. 2 06 jost carpinteiro. 1 89 Eu me debato dentro de um vuldo. 1 60 Fingldora. andar na altura. dança. 85 mal espera. 1 04 Dança. 2 9 Escutava o som da flauta. um quartzo de cristal. 1 76 Extrafdo Dommage. 1 1 1 In dte tlla . no último degrau. 1 84 Commtato. 6 7 Este meu povoado. esse algarismo. 1 95 Dois olbos mansos. 1 1 0 a uma carta. quando criança. cair com ela. 23 Debates. 79 Como os prismas da neve. 121 Corre. 53 Este . 97 Depois do estrago.. 73 gaviilo. a morte no convento. 1 86 1 14 O sangue dos m:lrtlres. n:lo fui possulda. Senhor. 1 93 O ser n:lo quer morrer. 202 N:lo chorarei o mundo. 1 8 1 N:lo fosse em tempo assim de calmaria. 9 1 :'110 dorso do b urro . sem demora. 202 O Nacltt Wte Gott Ste Scbuf. 32 Mlserere. 87 O segredo. 1 1 5 Mas se o exilado persevera e vence. 1 83 N:lo soube destacar-me. 1 7 O batismo de fogo � como o �car . 74 O grito. 1 2 4 Mecbancetl. Madalena. 2 3 Madalena. ó slltn clo . 54 No borto. 1 64 Necessariamente. 1 85 Nolt me tangere. 1 2 5 M as enfim habi!ado e habl!ante. O lagarto que viveu. 1 32 N:lo sei mais nem que horas Maria. 1 6 O castelo Interior. 24 O padrasto . 1 60 ftquei calma. entre nós Madalena. 195 N :lo t bem que prefira o amor de Deus: quem prova. mi nha vaga lrm:l. 1 6 1 O bo m ladrilo . se era posslvel. O lagarto. 1 3 6 . 1 82 M. i 83 O beijo. M udei trts vezes de cela. que a criatura sente. 1 75 Meu auto-de-f�. 1 72 Mas a rec�m-nasclda borboleta .No carmim da ta rde. 1 2 7 Mas n:lo t e entregues. 84 N:lo. 1 1 2 N:lo. O I71 pá tio. 73 Myrian-Maria. 1 30 Nem sempre o sinto e nunca sei ao ceno. 50. 22 O mundo era ótimo. 3 1 O lnvisfvel.o foi pai. 50 vol!a. 36 O espelbo. miserere. 1 73 ó 213 siltncio. se alcançado. 89 O Infin ito. ó rasuo. 78 s:lo. 123 Metáforas. 56 O Cristo nilo �. 1 20 ó cidade de Deus.o toques no manto. 36 ó fuga de um rosto. Senhor. 56 O Cristo redescobre-se no escuro. estou de Noturno. 1 79 O t:amafeu desfeito. 1 76 Lamentos da descida da cruz. no p1lldo pescoço. 24 Mesmo assim. 1 60 N:lo. M as que venha depressa. 2 2 Myrian-Maria. 1 7 i O rel1anbo. 80 O Sa n to Espírito � o prolongamento. 1 37 junto as m:los numa prece. 1 1 1 O amador de serpentes. 1 3 7 O embrulbinbo. 1 76 Le revenant. falta uma peça. 203 O tn vtsfvel . q ue a minhll carne. 59 Medita. 1 82 Madalena. 52. 58 N:lo seria que a austnda era um contraste. 30 Maria.o por Deus cantada. 1 85 O sumiço. N:lo sei por que o Mesue. 1 66 N:lo fiquei melhor. 98 I 52 Mor ro sem cu idado . 23 . ó Maria. 1 82 O ser � uma canç:l. 1 64 O anjo anunciador. 1 1 4 N:lo perm i tas . 1 4 1 O convocado. 2 07 Lo blancbtsseuse. 75 O C risto � esse cristal que vem m orar . 1 79 O duo doloroso. 1 89 Noite (Quase) Escura. a do lenço. 62 O desmaio. 1 77 O bicbo-papão . e2da andar. 203 Leveza. 1 87 Minha peregrinaç:lo. 1 80 Mlserere. 33 O projeto do telhado. 1 4 1 O abismo. 1 3 O alarde triunfal daquelas anarq u ias . 83 No Infinito. 1 86 Missa de slttmo dta. Santo Agostinho. 1 80 N:l. 29 Ó l':lo � Deus o problema. 1 40 IH :'11:1o saberei. 5 1 15 M as n:lo tem lmporthda. 3 7 O adeus. 1 75 O relilmpago. 1 98 O que n:l. 1 4 duas. a quem um dia. 7 4 Tenho apenas um maço . 48 1 57 t essa. 1 4 7 Que foi. 1 1 4 Te resa fala da metamorfose. 208 Porque o olho t a lwpada do corpo. Recluse atte Norwycbe. Que figura Tenho medo da emoç:lo. 84 Tentava multo explicar-Te. 208 Pobre forasteira. 9 1 S6 o santo h:i de chegar ao ctu. 65 Tenho h:i tempos viver como uma foguei- ra. 2 0 1 Saloml. 1 5 1 S:lo horas de pensar que dentro e m breve. 2 3 Pedro. l i Os rascunbos e a túnica. 3 5 Reflexos. 36 O último temor. 1 88 Para fazer a lista. I I 5 Por fim os pecados alheios. 77 Se re-velar significa pOr. 1 4 Sonolência. 1 29 Outra ainda. 49 Senhor. 68 Só mesmo um qu� nada. 38 Teresa e a limpidez d a fortaleza. 79 Se bem que o ser. 1 62 Talvez. ó cantor. 89 Pousava aqui como quem chega. 40 Porque se f:icil fora abandon:i-lo. Maria. 1 82 Pouco lmpona o que pensa. todos os dias. 5 I S egundo a sama t o corpo o habllante. 3 5 Olho � vaga-lumes. 1 48 Tudo se acab a . 20 I Outro auto-túl-fl. 1 50 Trazel. devagar . se u breve malmequer. 1 2 1 Passage a Niveau. 3 4 Salgueiros! Os salgueiros. 38 Pourquoi pas. 1 74 Pobre de Sóror Helena. il.• j:i na c ova. 54 . 1 93 Tudo aqui embaixo quer o que ela quis. 1 2 3 Post-scrlptu m . 97 Tal a pomba de luz que visitou. as dispersões do dia cuno. 1 2 7 R:ipldos passos . 62 Plama. i1. 1 4 9 Se a cana começada e abando nada . coraçil. 32 Tudo Saint-Louis de Monjort. 36 o xarope. 1 03 214 t leve. 1 6 Sei que n:lo tenho nada. 92 L uis de Monfort pousou o dedo. 42 Se eu tivesse sabido. 47 t possfvel fazer. 1 76 Se os ca be los de ofldlo da Medusa. quem sabe. tudo t escombro. 78 poças. 1 84 Teresa encarcerada em seu castelo. 47 Porque o amor n2o entende. somebow. 1 3 I Quero a totalidade que incendeia. 44 rosto. 82 Se fosse o corpo. 1 38 Praça d e S:lo Bento. os dedos. 1 1 2 Porque a alma e eu. 1 65 Ouve . 75 Quanto ao peso da História. 1 48 Passando. 83 Que l:istlma que as Teologias. depressa. 1 96 O ntem o velho Abade. 69 Retnctdhacias. pequenos amuletos. 82 Pedro pescador. 5 7 Talvez a esta exlsttncla. 1 85 Somewbere. 1 4 Os remorsos.me esse Tocaram-me n o braço. 1 05 Se ainda te iluminar. 1 92 Sinto-me uma pluma. 34 ah. 87 Os longos vazios. 1 1 4 O velbo relógio. 70 Solilóquios.o. 1 85 t maluca. 1 52 Sóror Bemarda Porque Sopro. 128 Romanza. I 5 Porque de sú bito. 82 Penllope. 1 6 1 Tenho v :irios . 7 1 Septuagesima. 1 32 Quem baixa sobre mim e traz a música. 25 S:lo Os cabides. a nossa. 26 Todos. 1 7 Se queres canta. 86 Pavana sem luxúria. I 07 T u t s como a freira. dor. 67 Sete dia. 44 Outra prlsiJo. 78 Silêncios.Salgueiros. 1 74 Semelbanças. Cruz. I 02 Vigiamos o berço. 3 5 Vai. vai sozinha. entrega-te a Deus. 1 58 VIa cructs. 68 Vivo entre sombras agor:1. 209 Vtnbeta flnal. festa da vida. 1 00 Vem. 1 1 5 Wtedergelwmmen. 1 75 104 Vai. vai.Um ar Vem quase todo dia. 1 5 Vasa-lumes. 38 � madrepfrola. 33 Valse oubllle. 1 5 1 Vai. 1 75 Vade retro. que Ele te quer. 1 04 Visses-me dançar. Val-se o moribundo. 29 Velbos paJWis. 3 1 Vi-te montar teu cavalo. 1 1 1 215 . desce. 1 3 Venho dar-te a U�o. 59 Um dom dado de graça. Uzaro. RCZ EM J l: LHO DE 1994 ..ESTA OBRA FOI COM POSTA PELA RELVÉ TICA EDITOR IAL EM GARAMOSD L IG HT F.. I M PRESSA PELA C ROMOSET G RÁ F ICA E EDI10RA E�t OFF-SET PARA A EDITORA SC H W..
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