BRECHT Estudos sobre Stanislávski 1951-1954 em 20082002

March 23, 2018 | Author: Marina Cananda | Category: Actor, Realism (Arts), Theatre, Contradiction, Time


Comments



Description

Bertolt BRECHT. Estudos sobre Stanislávski.1 BRECHT, Bertolt. “Études sur Stanislávski. 1951-1954” [Estudos sobre Stanislávski. 1951-1954], in Écrits sur le théâtre [Escritos sobre o teatro]. Edição nova completada. Textos franceses de Jean TAILLEUR e de Edith WINKLER. Vol. 2. Paris: Arche, 1979. p. 175-197. — Tradução de José Ronaldo FALEIRO. Estudos sobre Stanislávski 1951-1954 Assim como é indispensável considerar os resultados quando queremos verificar os métodos, o melhor para estudarmos o método de outra pessoa é inseri-lo em nosso próprio trabalho. Escolhemos o que nós mesmos também fazemos, e ainda neste caso, em que nós mesmos também fizemos alguma coisa já desde muito tempo, muitas vezes ainda é uma aquisição estudar outro modo de trabalho, pois muitas vezes, ainda, é só então que adquirimos consciência do que fazemos ou fizemos. Depois, experimentamos o desconhecido com prudência, se podemos utilizá-lo para as tarefas existentes, e só então (então, e embora o processo global de apropriação seja irregular) é que podemos verificar, continuando sempre a trabalhar, se, através dos novos meios artísticos e da visão adquirida, tarefas inteiramente novas não se tornam executáveis. (O Estudo) [Desenvolvimento da personagem] 1 Antes de você se apropriar da personagem da peça ou de se perder nela, há uma primeira fase: você aprende a conhecê-la e não a compreende. Isso acontece na leitura da peça e nos primeiros ensaios de marcação. Aí você procura resolutamente contradições, os desvios do típico A, a feiúra na beleza, a beleza na feiúra. Nessa primeira fase o gesto principal seu é sacudir a cabeça: você sacode a cabeça como uma árvore para que os frutos dela caiam ao chão, lá onde possam ser colhidos. 2 A segunda fase é a da identificação, da busca da verdade da personagem no sentido subjetivo. Você deixa que ela faça o que ela quiser, como quiser, que o diabo carregue a crítica, só caberá à sociedade pagar o que for necessário. — Não se trata, porém, de um salto de ponta-cabeça. Você deixa a sua personagem reagir às outras personagens, ao meio, à fábula específica, do modo mais simples, quer dizer do modo mais natural. Essa colheita acontece lentamente, até que se chegue, apesar de tudo, ao salto, até você mergulhar na personagem definitiva, até você unir-se a ela. 3 E então vem uma terceira fase, onde você tenta ver a personagem, que você “é” atualmente, de fora, a partir da sociedade, e onde você precisa lembrarA Lembremos, em filosofia, o “tipico do julgamento”, de Kant: procedimento pelo qual se determina se uma ação particular é ou não conforme ao conceito de bem moral (idéias ou tipos do bem e do mal). [JRF] exige sempre que nos primeiros ensaios os atores mostrem antes de tudo a fábula. Acrescente-se o seguinte: o ator utilizará esses ritmos seguindo-os ou. B. no Berliner Ensemble. que não param em algumas cenas ou em partes de cenas.Bertolt BRECHT. Como .. convencido de que os sentimentos e estados de alma aparecem a seguir. em certas peças em versos. [As ações físicas] A teoria das ações físicas de Stanislávski é provavelmente sua contribuição mais significativa para um novo teatro. muitas vezes as fases se acavalam. A dicção se torna viva. [Dizer em versos] 1 Stanislávski fala daqueles ritmos. nenhuma dificuldade. é necessário (como também em cenas em prosa) um estudo da “lógica dos acontecimentos”. Especialmente ao ouvir as considerações de Stanislávski em seu último período. não os seguindo.. o processo. muitos métodos que visavam a lenificá-las se tornaram supérfluos. Para detectá-los. Como a música. aqui quando os ritmos carregam a dicção. Em certas partes a terceira fase já foi alcançada quando em outras a segunda ou mesmo a primeira apresentam ainda grandes dificuldades. seja como não suficientemente exatas. simplesmente à procura de uma figuração realista. E depois da terceira fase. Foi elaborada por ele sob a influência da vida soviética e de suas tendências materialistas. o desenvolvimento da personagem é feito irregularmente. a ocupação. temos a impressão de que aí B. 2 se da desconfiança e da admiração da primeira fase. você entrega a sua personagem à sociedade. assim como o ginasta usa barras para manifestar sua destreza. é provável que de modo totalmente inconsciente. Ao mesmo tempo em que as terríveis convulsões que custavam ao ator o fato de figurar o papel a partir do seu físico. O método das “ações físicas” não nos reserva. a da responsabilidade perante a sociedade. Combate com todas as forças o hábito deplorável de muitos atores que de certa maneira só usam a fábula da peça como um preâmbulo insignificante para as acrobacias sentimentais deles. Estudos sobre Stanislávski. a linguagem em versos dá indicações gerais que devemos considerar (e tratar) seja como demasiado exatas. ali quando a dicção tira partido deles enquanto forças antagonistas. emenda. 4 Talvez seja necessário também acrescentar que no trabalho prático de ensaio nem tudo acontece impecavelmente segundo o esquema esboçado. — Em suma: queiramos ou não. em outros termos: como não improvisados. [“Fanfarronada” e identificação no ensaio] Interessante como Stanislávski admite a “fanfarronada” — no ensaio! Assim também eu admito a identificação — no ensaio! (E ele e eu precisaremos admitir as duas dois na representação. ou se deixar arrastar por ele. os versos da obra — precisamente graças ao distanciamento a que foram submetidos — precisam ser ditos como algo totalmente específico. . de Griboiedov (1823). mas isso não acontece com muita freqüência. A verdade W: Dizem que durante o ensaio Stanislávski muitas vezes gritava para um ator. (Em que lugar? — Segundo a lógica das personagens e dos acontecimentos!) 2 Stanislávski recomenda que. exatamente tais quais são. ele precisará ser suficientemente constituído para aparecer enquanto ser humano. Contudo. Bom. essas imagens e expressões improvisadas. Stanislávski reuniu notas sobre a encenação dessa peça a fim de descrever as diversas etapas do trabalho sobre um papel. quer dizer numa parte da fábula. não como um enunciado entre três possíveis. 3 na música. mas muito “fina”. E se a verdade já é difícil descobrir. não estou acreditando em você!” Será que muitas vezes você também não acredita nos atores? B: Às vezes. um jogo épico depende do fato de que queremos ver esse funcionário arrogante e inculto rejeitado ou justificado— e. Estudos sobre Stanislávski. embora numa mistura diferente. Quase sempre só com principiantes e com veteranos. — N. De 1916 a 1920. t. uma palavra mais: no final das contas. 1 Personagem da comédia A Desgraça de ter demasiado espírito . a personagem chamada Famussov 1 era uma descrição satírica ou. partindo da “condição humana” que lhe é atribuída dentro do Teatro de Arte. E nesse caso trata-se do fato de que eu e os atores nos cansávamos. da platéia: “Neste trecho. os próprios atores inventem outras imagens e expressões em prosa.) Quanto a Famussov-Stanislávski. d. muitas vezes as pessoas perguntam: na representação de Stanislávski. Stanislávski “justificou” essa personagem clássica da sátira russa? Gortchakov responde: era uma descrição satírica. Ditos. a voz pode preceder o ritmo que ela arrasta junto consigo. os versos da obra encerram então. mas como o único. para melhor compreender e sentir os versos. de certo modo.Bertolt BRECHT. obviamente. Acontece com mais freqüência eu não acreditar num processo. se não pudesse tirar dela nenhum proveito? Claro: pode ser verdade que um homem perde ou ganha a mulher dele quando bate nela. Pois que faria o público de uma verdade. nesse caso? B: É preciso que descubra melhor o processo entre si mesmo. Shakespeare escolhe de propósito um general que não herdou o cargo. was Leiden schafft”: jogo de palavras célebre. mas o conquistou por feitos específicos. Tomemos o ciúme de Otelo. como uma paixão inteiramente consagrada à busca do sofrimento 2. as da sua personagem) não fazem o efeito de ser sinceras. prevenido de que suas sensações (mais exatamente. que não valem muito mais que mentiras e muito menos que quimeras. geralmente consegue. W: Que é preciso. W: Stanislávski fala na sinceridade das sensações de cada ator. apreender as sensações da sua personagem e restituí-las com credibilidade. mas por isso devemos espancar nossas mulheres para perdê-las ou ganhá-las? Durante muito tempo o público foi empanturrado com verdades dessa laia. atribuído a Schleiermacher (1768-1834). senão ele lhe será retirado. Se apreendeu a verdade disso. (Parece que os esquimós oferecem a mulher deles ao seu hóspede e ficam ofendidos se este é tão indelicado que a recusa. por mais bela que fosse. Mas se estou bem lembrado. o ciúme não existe nem existiu por toda a parte. com relativa facilidade. Otelo não possui somente Desdêmona: possui também um cargo de general. Estudos sobre Stanislávski. Não é uma paixão “eterna”. onde o status 2 “Eifersucht etwa zu definieren als eine Leidenschaft. como conseqüência e expressão de sua posição na sociedade. Precisa defender esse cargo de general. não basta definir o ciúme. e também não existiu sempre nem sempre existirá — com o grau de importância que possui em Shakespeare —. possa torná-las sinceras apenas pelo trabalho sobre si mesmo. die mit Eifer sucht.) Parece-me totalmente possível expressar isso no teatro. intraduzível. não mais hoje do que inclusive no tempo de Shakespeare. ele também não acredita que um ator. e certamente o tomou de alguém. sua personagem e as outras personagens. . Em suma: vive num mundo de conspirações por causa da propriedade e do status. — N. É um general contratado.Bertolt BRECHT. por exemplo. B: Eu sei. talvez já seja facilmente desfigurada — é ainda mais difícil descobrir a verdade socialmente útil. d. sobre as quais a ação repousa. 4 ou melhor. não tem a posição de general. “Características” O que não vejo em tudo o que foi escrito até aqui sobre o modo de trabalho de Stanislávski é como Stanislávski faz com que provenham da sociedade certas características das personagens de uma obra. e é dela que precisamos. como um feudal. t. Em nossos dias. Quando se mostra isso. Portanto. E com isso resultam indicações sobre as possibilidades que a sociedade possui no sentido de interferir. [Métodos de concentração] Os métodos de concentração de Stanislávski sempre me lembraram os métodos dos psicanalistas: tratava-se. o objetivo de uma representação de Otelo ainda não se realizou quando ela permite reconhecer isso. por meio dos quais os atores podem pôr-se num estado de espírito criador? B: Ainda não trabalhei com atores que conheçam esses exercícios. no fim de certo tempo de ensaios precisamos de um público. podia-se lutar somente contra as conseqüências da doença. Nas peças antigas. Estudos sobre Stanislávski. Sem falar do hábito. . a paixão-ciúme não fica diminuída. 5 é tratado como uma propriedade. Eu gostaria de acrescentar que. No entanto. mas não indefinidamente mais. logo se esgota a reserva de saber sobre as novas relações sociais. que não pode ser esticado à vontade. nas novas. Poderíamos precisar de um pouco mais de ensaios que os que temos atualmente. a rotina fixa o ritmo relativamente entravado do tempo possível de ensaio. Assim. Muitos ensaios X: É por razões econômicas que não podemos trabalhar numa peça seis meses ou mais? B: Não só.Bertolt BRECHT. e sem ele já não progrediríamos muito. mas ao contrário: aprofundada. Os atores só se repetiriam. como acontece quando a agulha de um gramofone pára num sulco defeituoso. de lutar contra uma doença de natureza social. Ouço dizer que eles eliminam certas manifestações de cansaço da imaginação cênica. não contra as causas dela. X: Que tal os excelentes exercícios de Stanislávski. de um ritmo de trabalho muito preciso. X: O senhor pensa que a aptidão para se concentrar numa obra ou num papel também é determinada pelo lugar e pelas circunstâncias do momento? B: Certamente. com isso a sua realização se torna permitida . a relação que tem com a mulher amada se desenvolve como uma relação de propriedade. Todo e qualquer pintor não é capaz de trabalhar durante anos num quadro. cá e lá. e essa luta não era travada com o auxílio de meios sociais. obviamente. voyeuse que fila o gozo dos outros ou os esforços que fazem para gozar. de Ostróvski. mas. a tentativa de controlá-la. comprando um jornal. que evidenciaria o fator associal. ao contrário. um proprietário rural. não somente a agitação do homem bêbado. O indivíduo fora figurado a partir do indivíduo. indiferente. Ocorreu a maior crítica nunca antes exercida sobre a vida em comum dos homens: a revolução russa. Engendrar em si emoções revelando todas as manifestações atribuíveis a elas. Os atores tinham de passar pelo crivo os recursos artísticos que possuíam. Já durante a sua gestação. ao contrário. Mostrar não a cólera. X: Qual é a situação hoje? B: Os atores a “têm” com mais facilidade. e a bela contradição sofre um pouco com isso. nas maravilhosas pantomimas onde tudo é — e seria — possível. está omitida a luta de classes. etc.Bertolt BRECHT. [Contradições] A célebre representação por Stanislávski de Coração Ardente. num terreno movediço. Hoje em dia o indivíduo é mais facilmente figurado a partir da sociedade. encanta. e isso se tornava cada vez mais difícil. Estudos sobre Stanislávski. a vida interior era descrita como vida interior ou parasitas ou rebeldes. 6 Talvez você não concorde comigo. esta ou aquela produção realizada até aqui num terreno sólido. Sem dúvida. Nas obras-primas dos realistas russos. mas suas tentativas de parecer sóbrio. mas. pela contradição entre a inutilidade e o poder de sedução do herói. incapaz de gozar. . mas acredito que muitos dentre esses exercícios célebres eram respostas à pergunta: como realizar daqui para a frente. Representar para si o pequeno-burguês assassino por paixão jantando. entediada. se os servidores que. No entanto. Durante a vida de Stanislávski. Conselhos clássicos de Stanislávski Para a representação de uma orgia numa comédia de costumes parisiense: Representar a imoralidade da alta sociedade de modo que pareça não hedonista. a maneira de sentir e de pensar dos homens caíra em crises cada vez mais profundas. Podemos ver como qualidades tão criadoras quanto a fantasia e o humor tornam um homem pura e simplesmente ainda mais parasita quando vive ou deve viver da exploração. mudou o material a partir do qual o ator deve construir a sua personagem. Mostrar um avarento onde ele procura ser generoso. por exemplo. infelizmente. durante a grande orgia no parque. a um limite. teríamos a contradição de modo mais completo. Poderíamos dar ainda um passo à frente na elaboração das diversas pessoas da multidão que contempla o encarceramento da herética. reunido desordenadamente. seu suplício no fogo. Chegaríamos. B. Este poderia conhecer e cumprimentar aquele. Então seus camponeses não são reproduções de camponeses reais. pars pro toto. mas reproduções de camponeses de teatro. ou entre a vendedora de peixes e o médico Dufour (ele é um grande apreciador de peixe). Identificação Como estavam sendo preparadas jornadas de estudos sobre Stanislávski. e ele interrogou os atores sobre o que sabiam de Stanislávski. mas é um rebanho autêntico. e o método dos questionários não deve ser recusado pelo fato de poder levar a representações naturalistas. com opiniões típicas e não típicas. sobre a grande resistência e sobre impressões em relação a ela.Bertolt BRECHT. os nossos teatros começam a estilizar antes de ter passado pelo crivo a realidade que deve ser reproduzida. Na maioria das vezes. porque precisa ver o espetáculo. Existem relações entre as pessoas. Sobre a mesa havia uma quantidade de literatura stanislavskiana. ser enriquecido. deixassem um deles cair no chão por puro cansaço. Veríamos no teatro um grupo de seres como são vistos na vida. Estudos sobre Stanislávski. Em suma: poderíamos estender e completar cada vez mais os questionários sobre o desenrolar da jornada e da vida das personagens. por exemplo: entre a família de camponeses e a vendedora de peixe (elas se conhecem do mercado onde têm as bancas uma na frente da outra). 7 embarcam os patrões caindo de bêbados. Ao contrário: é preciso estudá-lo e empregá-lo porque só podemos destacar o essencial da abundância do que é essencial e do que é não essencial. onde o grupo em cena já não representaria. Experiências possíveis Tomemos as cenas populares na representação do Processo de Joana d ´Arc pelo Berliner Ensemble. Isso poderia. o que poderia ficar no registro cômico. Não teríamos uma representação como no Teatro de Arte de Moscou. quer dizer fortuito. em todo o caso não representativas. porém. Um poderia estar muito resfriado e estar aí apesar de tudo. Etc. etc. etc. a multidão. e não conheceríamos mais do que na vida nem sentiríamos melhor do que na vida. convidou os encenadores. porém. sob a forma do qual a vida se apresenta para nós. aquele conhecer e não cumprimentar este. . e assim obtemos representações formalistas que desnaturam a realidade e rebaixam a forma ao plano dessas fôrmas de bolo com as quais podemos recortar da mesma maneira qualquer massa. outro só ter vindo para ser visto.. os dramaturgos e alguns atores para ir à casa dele. que Stanislávski estabelece também em cenas de massa. 8 HURWICZ: Li seu Geheimnis des schauspielerischen Erfolgs3. acrescente também a isso que a identificação não me parece suficiente. — [A tradução brasileira de Pontes de Paula Lima ( A Preparação do Ator. E isso inteiramente a título privado.t. — N. se alguém falar sobre o assunto? O senhor sabe: o senhor é criticado por querer rejeitar totalmente a identificação e geralmente recusar-se a suportar em cena qualquer ser inteiro. a saber a tomada de posição relativa à personagem com quem você se identificar. me pareceu.Bertolt BRECHT. creio eu. — [A tradução brasileira tem por título — mais próximo da edição americana — A Preparação do ator. e. tão rigorosa e impacientemente. talvez. de enganá-lo.] 4 Na edição francesa de La Formation de l´acteur [A formação do ator]. ou melhor: exigia uma identificação completa mesmo para uma representação realista. utiliza a expressão “super-objectif” [superobjetivo]. naquilo que chama.. — JRF. Muitas coisas me pareceram então um pouco extravagantes. e nas idéias. B: Não fiquei com essa impressão das publicações que me foram acessíveis. Título da tradução francesa: La Formation de l´acteur[A formação do ator]. Você só apresentava a crítica da personagem e não a personagem. B: Pode. Penso que muitas vezes sublinhou a necessidade da identificação apenas porque detestava o hábito desprezível de certos atores de comprar os favores do público. hoje. Mas o senhor. DANEGGER: Posso anotar isso e dizê-lo eventualmente. em vez de concentrar a atuação deles na personagem que tinham de representar. utilizei algumas delas. Sou a favor. E a Weigel. Estudos sobre Stanislávski. Ele fala sempre do que chama a “supertarefa” 4 de uma peça e manda subordinar tudo à idéia. A tradução adotada aqui leva em conta o termo empregado por Brecht: “Überaufgabe”. a verdade. Mas então. ao pé da salamandra de faiança e tiritou de frio com o corpo todo. exceto.t. anos a fio. forçosamente também se identificou. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira) traz também o termo “superobjetivo”. BRECHT: Eu? Não. para peças naturalistas. Brecht. onde se fabrica a completa ilusão da natureza. 3 O segredo do sucesso do ator.d. — JRF] . Somente é preciso que. errado. passim e título do capítulo XV. a tradutora. etc. eu o aconselhei ontem a se identificar com o camponês gordo. DANEGGER: Mas Stanislávski se contentava com isso. Geschonneck. Ele diz que é preciso ter idéias muito concretas para a representação de sentimentos e com essa finalidade fazer a sua imaginação trabalhar. ainda seja acrescentado algo a isso. é contra a identificação.d. a apreciação social. — N. quando se sentou. Elisabeth Janvier. mas também encontrei partes que imediatamente me pareceram muito importantes. mas esse livro só foi publicado na Suíça e tinha esse título. depois. numa fase precisa dos ensaios. sim. Em suma: o que ensinou na última fase. a frase: “Preciso voltar ao comércio”. O público está constantemente presente em nosso pensamento. como eu. . No entanto. tão inconfundível quanto a de Stanislávski. não o que pode prejudicá-lo. Esse é o processo. Pelo menos isso.S. se as coisas fossem diferentes. quase como uma caricatura. como o autor deseja? Propostas para as jornadas de estudos sobre Stanislávski 1 É preciso que os principais escritos de Stanislávski e de seus alunos sejam enfim publicados. é a preparação meticulosa das representações. WEIGEL: Apesar de tudo.S. Nenhuma representação que só tenha sido elaborada segundo o método de Stanislávski tem a mínima chance de igualar uma representação de Stanislávski se não der testemunho da marca individual de um artista. diria. Essa fase é precisamente aquela em que o socialismo foi construído na U. por exemplo. 2 É necessário aprender a conhecer os ensinamentos e métodos de Stanislávski a cada fase de sua atividade teatral. Estudos sobre Stanislávski. quando o comércio me custou o último filho meu. se pessoalmente não estivesse precisamente transtornada pelo fato de que o ser humano que eu represento aqui não possui a capacidade de aprender? B: A isso. se acrescenta o seguinte: como é que eu poderia. dizer-lhe.Bertolt BRECHT. nunca acontece uma identificação total. representamos para as pessoas um ser humano que é diferente de nós mesmos. é igualmente necessário que seja estabelecido o que ele reconheceu como errado ou insuficiente durante a sua atividade. sobretudo e logo. 3 Do modo de trabalho de Stanislávski é preciso retomar o que favorece o modo individual de trabalho de nossos encenadores e atores.R. e por que não seríamos conscientes desse processo? E quanto ao ”pelo menos isso” de Geschonneck. no final. Geschonneck. 9 GESCHONNECK: Durante a representação. que no último quadro de Katzgraben você deve interpretar o camponês gordo muito grosseiramente. finalmente. no papel da Coragem. 4 O que se deveria aprender com o Teatro de Arte de Moscou. dá aos camponeses dinheiro para o enterro.t. de Mãe Coragem e seus filhos . e então os participantes precisaram improvisar tudo — o que. para não chamar a atenção. Nem sequer foram divulgadas teses. Langhoff não me pareceu suficientemente completo. que. tentou expor alguns dos princípios fundamentais de Stanislávski. decidiu vesti-lo com roupa clara e corretamente: “Durante o nazismo. já não se trata de realismo. e a solução realista seria. Em compensação. quer dizer à guerra. no caso. Essa elevação da realidade se produziu pelo fato de que certas personagens foram idealizadas. uma ação física. aliás não sem uma inteligente autocrítica. desde que se queira realmente aprender. a se esconder em celeiros de feno. e com razão. tal como o compreendo eu. um homem que foi obrigado. não se trata. os esforços do homem para a 5 6 Wolfgang Langhoff (1901-1966) era na época diretor do Deutsches Theater . ou seja. e para as jornadas de estudos sobre Stanislávski. falou da transposição desse conteúdo para a representação cênica pelos atores. sem significação social. tive a impressão de que por momentos caía num idealismo elementar. sem importância. não provocou certa confusão. atribuía ao teatro unicamente a tarefa de “encarnar” as idéias do escritor. no relatório. Em vez de simplesmente chorar pela filha. porém. Pergunto a mim mesmo se meu amigo Langhoff 5. Langhoff falou da personagem de Vansen. Primeiro a viu como rebelde. escolher uma roupa que possibilitasse reconhecer muita iniqüidade e. na representação. naturalmente. eu diria o seguinte: o simbolismo da cor clara não é totalmente claro para mim. Como sou particularmente fraco em matéria de improvisação. 10 Algumas reflexões a respeito das jornadas de estudos sobre Stanislávski Nossas jornadas de estudos às vezes ainda são organizadas de um modo um pouco desastrado. há algum tempo. baseando-se na encenação de Egmont por Langhoff. tendo como princípio. no último quadro. Basta um breve estudo sobre o modo de trabalho de Stanislávski para revelar uma grande riqueza de exercícios e de procedimentos que são úteis para uma representação realista. Quando. teríamos. conseqüentemente. não pôde ser obtido o relatório principal antes delas. segundo Stanislávski. de naturalismo. a evocação do resistente me agrada. Ele descreveu o conteúdo de idéias da obra de Goethe. chama isso de a “supertarefa” 6. Coragem vai pegar uma lona para recobrir a morta. os resistentes também não tentaram estar sempre corretamente trajados?” Quanto a isso. na pose de uma pietà. por exemplo. a tarefa principal da encenação é expressar completamente o conteúdo de idéias — Stanislávski. para um tema de caráter tão importante. Há aí muito que aprender. Então. ao mesmo tempo. de jeito nenhum. Para as jornadas de estudos sobre o teatro. Estudos sobre Stanislávski. que ele concebeu como positiva. pensando na supertarefa da peça. que muitos de vocês conhecem. é muito mau. . perseguida e esfarrapada. etc. Conseqüentemente. atualmente. acrescento aqui a minha contribuição. que.Bertolt BRECHT. A “supertarefa” do quadro é: cega pelo fato de que seu comércio com a guerra lhe custou todos os filhos. e na concepção primitiva. ela se apressa a voltar “ao comércio”.d. pois os signos da perseguição não pertencem ao campo das coisas fortuitas. Agora. — N. louvável. ou ser desencadeadas pela ação. 7 O livro de Toporkov Stanislávski en train de répéter [Stanislávski ensaiando] foi publicado em Berlim em 1952. A peça evocada é Les Jours de Tourbine [Os Dias de Turbina]. — N. estão em circulação (quer dizer. adaptação por Mikhail Bulgakov (18911940) de seu roman La Garde blanche [A Guarda branca]. mas nessa questão das ações físicas também não concordo com Langhoff. alemães. nisso podemos aprender muito com Stanislávski. Egmont é apenas um campeão sem mácula de uma guerra de liberação nacional. que detestava quando os atores se contentavam em prensar a ação para chegar a manifestações sentimentais. da realidade. que procedia de maneira muito diferenciada e nunca idealizava. teria também decidido assim. Ao contrário. descrito por [Toporkov]. Segundo a minha interpretação. sempre têm o elemento do inesperado. Ele devia isso ao sentido genial. Muitas vezes suas concepções são admiráveis. que não depende diretamente delas. Na minha opinião. Em Stanislávski. Precisamente nós. cujo teatro oscila entre um naturalismo sem idéias e um idealismo puro. um padrão. a execução delas quase sempre é espantosa.Bertolt BRECHT. seus “achados”. Pelo menos na sua comunicação de sábado. Durante um ensaio da Famille Tourbine [Família Turbina] 7. seu. uma expressão do medo da morte que se aproxima perigosamente do lugar-comum). o realismo é combativo por ser revolucionário e destruir as imagens falsas que. .teatral. por estarem em oposição aos chavões da cena. Escolho o termo “espantoso” porque suas idéias sobre o teatro. apesar de tudo. e desconfiava desse tipo de sentimentos. Elas adquirem algo surpreendente. exigiu que fossem procurar no quarto um lugar para o ferido. Stanislávski interferiu quando foi levado para a cena um jovem oficial ferido nas barricadas e quando a família começou a expressar a sua dor. parece-me que geralmente gosta de utilizar as coisas tais quais são em verdade contra as representações insípidas que delas possuímos. Stanislávski me parece proceder muito mais profundamente e de modo mais materialista. 11 manter limpa.d. Stanislávski. No entanto. postas em circulação) e por substituí-las por imagens corretas. Aqui também. do efeito. as emoções das personagens devem ficar subordinadas à ação da peça. Talvez isso seja apenas a indicação de minha própria ignorância. Estudos sobre Stanislávski. não se trata somente de saber como a vida interior privada ou esta ou aquela característica das personagens podem ser tornadas imperceptíveis por uma ação exterior (andar de um lado para o outro apavorado) — de mais a mais. Creio que Stanislávski. não pode tratar-se de saber como a Regente expressará seu nervosismo e Egmont o seu medo da morte (por esta ou aquela marcação). Talvez isso não deva ser imitado de saída. mas constitui.t. que fossem pegar gaze e que levassem em conta o fato de ser preciso esconder o oficial contra-revolucionário: o episódio era um episódio da guerra civil! O estudo das descrições de ensaios de Stanislávski me parece particularmente proveitoso. A concepção que Langhoff tem do Egmont de Goethe também a mim parece idealista e não dialética. a arte não era uma finalidade em si mesma. se é que interpreto corretamente Stanislávski . A herança de Stanislávski é rica em indicações e em idéias. No teatro de Stanislávski. Até onde e por quê. embora seja precisamente sobre a questão da “supertarefa” que o exemplo de Stanislávski deve ser muito especialmente levado em consideração: é quase o ponto capital 8.Bertolt BRECHT. Ele mostrou que o jogo individual só pode alcançar seu efeito pleno através do jogo coletivo. mas ele sabia que no teatro nenhuma finalidade será atingida se não for através da arte. . Mesmo em peças naturalistas. entre outras coisas. 12 Como. viva e cheia de contradições. só havia vedetes — grandes e pequenas. Entre nós. A formulação mais bela e mais profunda da ”supertarefa” certamente permanecerá seca e pedante. 3. que o teatro de Stanislávski tinha de representar segundo o gosto da época. mesmo as peças clássicas muitas vezes não adquirem nenhum brilho! 2. 8 Além do mais. pelo que eu soube. a teoria da “supertarefa” também ajuda a esclarecer o problema dialético da “identificação”. O sentido da qualidade poética de uma peça. no teatro. Uma não é nada sem a outra. Expliquemos. não insisto mais. O sentimento das responsabilidades perante a sociedade. podemos aprender com o teatro de Stanislávski 1. na Alemanha. O Teatro de Arte de Moscou dava a cada peça uma concepção rica em pensamento e uma multidão de detalhes cuidadosamente elaborados. a encenação apresentou características poéticas: nunca caiu numa reportagem banal. 4. Stanislávski ensinou aos atores a importância social do jogo teatral. Estudos sobre Stanislávski. Vallentin B falou sobre isso. se não chegarmos com ela a uma imagem total da realidade. sou diferente. Importância da grande linha e do detalhe. Para ele. de Stanislávski. depuremos e completemos os nossos pelo estudo do grande renovador do teatro — Stanislávski! O que. já enquanto escritor de teatro. nesse aspecto. vai requerer estudos mais precisos. em exercícios e em procedimentos que facilitam essa tarefa. O jogo de conjunto das vedetes. também compareceu. mas a representava com graça. Como realista. os quais. De resto. Seus espetáculos trazem um sentido. Sem querer ignorar outras partes de seu ensinamento. e que isto decorre daquilo. O Teatro de Arte de Moscou nunca dormiu em cima dos louros. A sujeição à verdade. 8. com o máximo de exatidão. dramaturgos e encenadores participaram delas. foram realizadas jornadas de estudos sobre Stanislávski. por sua vez. Representação da realidade como repleta de contradições. 6. . Stanislávski desenvolveu novos recursos artísticos para cada espetáculo. continuaram a desenvolver com total independência a arte do seu mestre. A importância do homem. ela indicou também as diferenças. B: Nossos teatros podem aprender muito com Stanislávski. e a Weigel falou de algumas questões de método próprias ao modo de trabalho de Stanislavski e do Berliner Ensemble. Stanislávski compreendeu o caráter complexo e diferenciado da vida social. organizadas pela Comissão para as Artes. talvez igualmente importantes. Estudos sobre Stanislávski. ele nunca recuava diante da representação da feiúra. 9. De seu teatro saíram artistas importantes como Vakhtangov. e soube representá-lo sem perder-se nele. 13 5. 7. Nada do que o ator não tirar da observação ou do que não for confirmado pela observação valerá a pena ser observado pelo público. posso citar imediatamente algumas que devemos estudar. No teatro de Stanislávski. O alcance do progresso na arte. Alguns atores. Stanislávski ensinava que o ator precisa conhecer a si mesmo e conhecer os homens que quer representar. a beleza natural se conjugava com a grande significação. A harmonia da naturalidade e do estilo. Jornadas de estudos sobre Stanislávski Nestes dias.Bertolt BRECHT. Stanislávski era um humanista convicto e como tal pôs o teatro na via do socialismo. B. Existem exercícios através dos quais reforçamos a observação e a percepção. para mostrar a alegria de uma multidão. as explosões. B: Eu ficaria decepcionado se Stanislávski pensasse isso. pode servir a nossos objetivos e a nossas tarefas. “oculta”. a naturalidade artística. se é que eu a compreendo corretamente. também? B: Isso também. que ele chama de “cachée”9 e que emprega para tornar interessantes certos processos por meio de um acobertamento parcial (em Les Deux orphelines [As duas órfãs]) (. a captação dos aspectos contraditórios nos seres e nas situações. embora talvez não conscientemente. — Mas ele chega até a usar efeitos de distanciamento. 14 Existe o caráter diferenciado de suas representações. — JRF] . está utilizando um efeito de distanciamento.. P: ? B: Uma técnica específica.t.Bertolt BRECHT. provindo da reserva universal do teatro mundial. é claro. A teoria das ações físicas contém igualmente muitas coisas que valem a pena ser conhecidas.. e quando (. então. mas não somente isso. juntamente com a idealização insípida. Estudos sobre Stanislávski. P: Você quer. mas por que não exploraríamos essa reserva.d. P: Nossos homens de teatro entendem por ações físicas as marcações ou a utilização de acessórios tais que tornem visíveis estados de alma. indicações sobre o modo como o ator pode liberar-se das influências perturbadoras da sua vida privada para ter condições de consagrar-se inteiramente a seu papel. — [“Cachée” significa “escondida”. procurando todas as técnicas possíveis? Mais de uma dentre elas. — N. a saber: as emoções. seja qual for o uso feito do distanciamento. Pode-se dizer. faz uma mulher muito velha executar.). de alegria. a luta incessante contra os chavões (que.. Existem os esforços dele para estimular a imaginação dos atores e torná-la concreta. que se aprenda isso. infesta os nossos teatros).) é uma técnica de distanciamento. 9 Em francês no texto. as manifestações psicológicas precisam produzir-se depois de ações resultantes da fábula e não devem perturbá-las. as inúmeras sutilezas. que a reserva de efeitos nesse grande homem de teatro era tão vasta que isso não significa nada.. uma pequena dança. indicações sobre o modo como o ator pode realizar o ato de identificação com a personagem da obra. a saber o que ele chama a “supertarefa”. Trata-se de saber como deve ser constituída a consciência do ator quando atua. produtos cerebrais esquemáticos. propriamente falando. no palco do Berliner Ensemble. são seres cheios de sabor e explodindo de vitalidade? — No caso de Stanislávski. Pelo menos é assim que o sistema é compreendido pelas pessoas que atacam o Pequeno Organon. e essa contradição precisa existir em sua consciência: ela torna a personagem viva. e são expostas as razões pelas quais não se deve chegar a isso. Poucas obras de Stanislávski foram publicadas. Onde você vê as diferenças? B: As diferenças começam num plano bastante elevado da representação realista do ser humano pelo ator. P: Na sua opinião. Na minha maneira de ver as coisas. Pelo menos um elemento importante de sua teoria. depois de . 15 O Pequeno Organon e o sistema de Stanislávski P: Durante as jornadas de estudos sobre Stanislávski. como o mostram os poucos livros que foram publicados entre nós por alunos. É preciso dizer que no Pequeno Organon é descrito um modo de representação com o qual não chegamos a uma fusão total com o papel. P: Mas então como se pôde chegar a uma simplificação tal do sistema que se pretende que Stanislávski acredite numa metamorfose mística no palco? B: Como se pôde chegar a uma simplificação tal do Pequeno Organon que se pretende que ele exige no palco pálidas criaturas de laboratório. É claro que o ator está efetivamente no palco ao mesmo tempo como ator e como personagem. o que deve conter. todo o mundo pode se convencer de que Puntila e Coragem. e. indubitavelmente seu ensino conheceu também transformações importantes. ao contrário. Cumprindo a supertarefa de Stanislávski. enquanto. a Weigel chamou a atenção para algumas analogias que existem entre as suas exigências para com o ator e as de Stanislávski.Bertolt BRECHT. Stanislávski é corretamente compreendido? BV: Falando francamente. o que deve acontecer. não posso julgar isso. Todo e qualquer dialético compreenderá isso. essa impressão errônea realmente aconteceu por ele ter-se encontrado diante de uma arte dramática que. Stanislávski indica uma série de procedimentos para o ator poder pôr a sua própria consciência fora de circuito e substituí-la pela do ser humano que ele está representando. duranre os quarenta anos de seu trabalho no teatro. o ator representa de modo totalmente efetivo a sociedade perante a personagem — também em Stanislávski. parece indicar que estava consciente do problema que é tratado no Pequeno Organon. Estudos sobre Stanislávski. P: E o que acontece com o Pequeno Organon? B: Ele tenta fazer com que o espírito de partido prevaleça na representação de seres humanos em cena. 16 ultrapassar altos cumes. seres humanos. Isso precisará ser cuidadosamente aprofundado: trata-se de um passo totalmente essencial. no Pequeno Organon. ambos os modos de trabalho. Ninguém que conte em fazer um teatro realista pensa nisso. P: O seu “sistema” não diz respeito ao modo de trabalho do ator? B: Não essencialmente. E os aspectos discordantes? B: É relativamente mais fácil designar os concordantes que os não concordantes. porém. mínima a diferença? B: De modo algum. tornam-se o principal ponto de referência para o papel. não se pode ingenuamente os “superpor” como dois polígonos para ver em que diferem. As constatações que fiz até aqui visam apenas a impedir a vulgarização do problema e a mostrar a que posto avançado da representação realista as diferenças se manifestam. Portanto. não como ponto de partida. Naturalmente. portanto. a fim de apreender em cada um a coerência interna dos diversos elementos deles —. É claro: é quase impossível terminar essa verificação. considerando que se trata. eu. para retomar o termo técnico utilizado por Stanislavski. Ele precisou. se admitirmos ingenuamente que se trata pura e simplesmente de escolher aqui entre um teatro cheio de sangue e um teatro exangue. valorizar tudo o que levava à criação de seres completos. dizem respeito a pontos de partida diferentes. P: Você considera. Stanislavski e Brecht P: Ultimamente você mencionou traços concordantes entre o seu modo de trabalho e o de Stanislávski. daqui para a frente. sistemas que. . sou essencialmente escritor de teatro. seres completos. como encenador. para dizer a verdade. se rebaixara a fabricar lugares-comuns. reais. As ações físicas. e a problemas diferentes. do caráter contraditório da representação exige do ator uma abordagem bastante nova do papel. para os dois sistemas — designemos assim. já não servem apenas para construir o papel de modo realista: sob a forma da fábula. A elaboração. cheios de contradições. Stanislávski como encenador é essencialmente ator. Estudos sobre Stanislávski. sobretudo entre os atores de segunda ordem. cheios de contradições. ou sequer iniciá-la. então. reais.Bertolt BRECHT. em presença de dois sistemas diferentes com campos de tarefas diferentes e que coincidem? B: Sim. P: O teatro se encontra. deve estabelecer. ajuda-o a compor autênticos seres humanos. do ator. o ato de identificação. P: Na sua opinião. você pode me ouvir também dizer que tudo depende do ator. P: Talvez você pudesse fornecer melhores ensinamentos sobre o seguinte: o ator extrai algo do modo de trabalho de Stanislávski para o seu modo de trabalho? B: Creio que sim. Enquanto escritor de teatro. e antes de tudo. enquanto representante da sociedade (da sua parte progressista). B: É exato. Em todo o caso. que Stanislávski é. que ele não pode tirar imediatamente do sistema de Stanislávski? B: É possível. talvez ele pudesse ser extraído do sistema de Stanislávski. mas eu parto inteiramente da peça. de suas necessidades e exigências. Considerando as coisas do ponto de vista teórico. Stanislávski subordina igualmente o ator ao escritor de teatro. Por outro lado. B: Do ponto de vista do escritor de teatro. portanto. P: Mas talvez ainda exista a necessidade de outra coisa. Em mim. esses sistemas poderiam se completar? B: Creio que sim. sem dúvida. 17 P: No entanto. preciso dessa capacidade do ator para se identificar completamente e para se metamorfosear integralmente. . da distância com relação à personagem que o ator. na minha opinião esse sistema ainda tem necessidade de um sistema que satisfaça o campo de tarefas do meu. não sei se o sistema assim extraído seria análogo ao meu. mas também.. porém. formularei esta afirmação com prudência. Naturalmente. essa contradição é dialética.. Para ele. Stanislávski inventa estudos e exercícios. P: Tomemos o problema: Tomada de partido — Justificação. Stanislávski possui a supertarefa. o primeiro a conceber sistematicamente. mas até conhecermos melhor o sistema de Stanislávski. Estudos sobre Stanislávski. Ele parte. P: Como isso se expressa nos dois sistemas? B: Se é que eu o compreendo corretamente.Bertolt BRECHT. Textos franceses de Jean TAILLEUR e de Edith WINKLER. Bertolt. Estudos sobre Stanislávski..Bertolt BRECHT. Paris: Arche. na ótica de Stanislávski. p. então. — Tradução de José Ronaldo FALEIRO. “Études sur Stanislávski. que Stanislávski ensina a suscitar. 18 P: . vol.  . 2... 19511954].. 175-197.acontece numa outra fase dos ensaios. Edição nova completada...     BRECHT. P: Poderíamos. 1979. descrever o seu sistema como um sistema relacionado com a supertarefa? B: Provavelmente sim. 1951-1954” [Estudos sobre Stanislávski. in Écrits sur le théâtre [Escritos sobre o teatro]. B: . B .
Copyright © 2024 DOKUMEN.SITE Inc.