A vida e a morte de um mártir modernoNascido na riqueza, Dietrich Bonhoeffer seguia para uma carreira brilhante como teólogo, até passar a ver a vida 'sob a perspectiva daqueles que sofrem', na Alemanha nazista, o que lhe custou a vida. Por Geffrey B. Kelly Em 1942, o pastor luterano Dietrich Bonhoeffer enviou um presente de Natal à sua família e amigos que estiveram envolvidos num plano para matar Hitler. Era um ensaio intitulado After Ten Years (Depois de dez anos). Nele, Bonhoeffer lembrou a seus companheiros de conspiração dos ideais pelos quais eles estavam dispostos a dar suas vidas. Em suas palavras: “Nós aprendemos, de uma vez por todas, a ver os grandes eventos da história do mundo de baixo para cima, das perspectivas dos proscritos, suspeitos, maltratados, impotentes, oprimidos e injuriados – em resumo, da perspectiva daqueles que sofrem”. Conforme ele analisava as várias razões pelas quais eles tinham que matar Hitler e derrubar o governo nazista, Bonhoeffer lhes falava do exemplo de Jesus Cristo. Jesus, de boa vontade, arriscou sua vida defendendo os pobres e proscritos de sua sociedade – mesmo ao custo de uma violenta morte. Na época de sua prisão, a vida de Bonhoeffer tinha se tornado uma jornada de entrelaçamento, na qual ele tinha entrado por causa desta “visão de baixo para cima”. Sua vida lhe tirou de uma confortável posição de professor universitário à liderança isolada de uma oposição minoritária dentro de sua igreja contra seu governo. Ele saiu da segurança de um refúgio fora do país para a vida perigosa de um conspirador. Ele desceu dos privilégios do ministério eclesiástico e o respeito dado a uma família nobre, para sua dura prisão e mais tarde sua morte como traidor de seu país. Determinação de aço Poucas pessoas teriam predito que o jovem Bonhoeffer terminaria como um conspirador político. Nascido em Breslau, em 1906, Dietrich era o quarto filho homem e sexto filho dentre todos (sua irmã gêmea, Sabine, nasceu momentos depois). Sua mãe, Paula von Hase, era filha de um pregador da corte do Kaiser Wilhelm II. O pai de Dietrich, Karl Bonhoeffer, era um famoso médico psiquiatra e professor na universidade. Quando era um rapazinho de 14 anos, Dietrich surpreendeu sua família declarando que não queria nada mais do que ser um ministro da igreja. Este anúncio provocou uma pequena consternação entre seus irmãos homens. Um estava destinado a ser físico, o outro, advogado; ambos eram pessoas de sucesso, para quem o serviço na igreja parecia um trabalho que não obriga ao trabalho ou responsabilidade para a burguesia, algo inferior a eles. Seu pai sentiu-se da mesma forma, mas ficou em silêncio, preferindo conceder a seu filho a liberdade de cometer seus próprios erros. Quando sua família criticou a ele lembrou ao seu povo que “Deus caminha entre nós em forma humana.igreja como egoísta e covarde. ela é tanto uma comunhão de pecadores capazes de seres infiéis ao evangelho. Nesta dissertação. ele veio a estar sob a influência do conhecido historiador da igreja Adolf von Harnack e o estudioso sobre Lutero Karl Holl. doentes. quando ele tinha apenas 21 anos. Von Harnack considerou Bonhoeffer como um grande historiador da igreja em potencial. dessa forma a vida de pastor em Barcelona deu a Bonhoeffer seu primeiro triste encontro com a pobreza. Seus meses na Espanha (1928–29) coincidiram com as primeiras repercussões da Grande Depressão. um lampejo da determinação de aço de Dietrich surgiu: “Neste caso. sejam eles estranhos. Pelo contrário. Bonhoeffer interrompeu sua carreira acadêmica. The Communion of Saints (A comunhão dos santos). o jovem Dietrich estudou na Universidade de Tübingen por um ano antes de mudar para a Universidade de Berlim. mendigos. Ele aceitou uma indicação como pastor-assistente numa igreja em Barcelona que tendia para as necessidades espirituais da comunidade de negócios alemã. Na universidade. Bonhoeffer declara numa sonora frase que a igreja é “Cristo existindo em comunidade”. onde morava a família. ou mesmo naqueles mais perto de nós em nosso dia a dia. Publicada como um livro em 1931. Se a revelação . Bonhoeffer voltou sua atenção para sua “segunda dissertação” – exigida para conseguir uma designação na universidade. eu a reformarei!” Um “milagre teológico” Seguindo um costume de família. Bonhoeffer dirigiu suas energias do mundo acadêmico para o dogmático. Num sermão memorável. nem o ajuntamento de uma elite cheia de dons. Ele ajudou a organizar um programa que sua igreja estendeu aos desempregados. Triste encontro com a pobreza Como ainda não estava na idade mínima para ordenação e precisava de experiência prática. Karl Barth o celebrou com um “milagre teológico”. Sua dissertação. A igreja para ele não é nem uma sociedade ideal. Act and Being (Ser e Agir) externamente parece ser um rápido tour de filosofias e teologias de revelação. Em desespero. De volta à Alemanha. capaz de um dia subir no seu próprio pódio. Para tristeza de von Harnack. foi completada em 1927. Seu maior interesse ficava nos campos associados da Cristologia e da igreja. ele até mesmo implorou por dinheiro à sua família para este propósito. tornando-se a ordem de Cristo em nossa fé nele”. sem necessidade de reforma. falando a nós naqueles que cruzam nosso caminho. quando é uma comunhão de santos para quem servir um ao outro deve ser uma alegria. intervindo muitas vezes quando menos se espera. Bonhoeffer tornou-se devoto da resistência pacífica ao mal. então é a presença contínua de Cristo na igreja. Mais tarde ele descreveu este ano acadêmico de 1930–31 como “uma grande liberação”.é “agir”. em Nova York. a guerra claramente negava o evangelho. As pessoas perceberam as mudanças na perspectiva de Bonhoeffer em sua volta à Universidade de Berlim. Outro amigo. e mais tarde ele defendeu com veemência a paz em encontros ecumênicos. dizendo ainda: “Eu sei que por dentro serei realmente claro e honesto somente quando eu tiver começado a levar a sério o Sermão do Monte”. julgando que ele fosse tão permeado de humanismo liberal que tivesse perdido suas amarras teológicas. Esta lhe ofereceu um ano de estudos adicionais no Seminário de Teologia União (Union Theological Seminary). Tentando explicar o que houve com ele. prevendo que o racismo se tornaria “um dos problemas futuros mais críticos para a igreja branca”. Ele falou aos alunos freqüentemente sobre a injustiça racial na América. ele esteve pela primeira vez na sua vida “no trilho certo”. Como ele mesmo disse. Através de todas as análises cruzadas deste livro. A princípio. Mas cursos com Reinhold Niebuhr e longas conversas com seu amigo mais próximo. Primeira visita à América Tendo assegurada sua indicação para a universidade. Bonhoeffer disse simplesmente que tinha se tornado cristão. nós também detectamos a luta profunda de Bonhoeffer entre o conforto do status acadêmico e o perturbador chamado de Cristo para ser um cristão genuíno. estes mais enfadonhos e desinteressados. Se a revelação é “ser”. Através de um aluno negro do Alabama. nela os cristãos matavam uns aos outros para ideais alardeados que só mascaravam objetivos políticos mais sinistros. As amizades de Bonhoeffer no Union Seminary influenciaram-no profundamente. então a Palavra eterna de Deus interrompe a vida da pessoa de um modo direto. Admirando os serviços desta igreja. Bonhoeffer experimentou em primeira mão o racismo opressivo sofrido pela comunidade negra do Harlem. levou Bonhoeffer a transcender sua ligação natural à Alemanha para assumir um compromisso maior com a causa da paz mundial. Seus alunos o descreveram como diferente de seus colegas. Elas alimentaram sua crescente paixão pelas preocupações do Sermão do Monte. . trouxeram sensibilidade aos problemas sociais. Bonhoeffer decidiu então aceitar uma bolsa de pesquisa Sloane. o americano Paul Lehmann. ele levou gravações dos spirituals para a Alemanha para tocar para seus alunos e seminaristas. Para Bonhoeffer. o pacifista francês Jean Lasserre. o reverendo Frank Fisher. Bonhoeffer olhou severamente para o Seminário de Teologia União. que valorizavam a vida. muitos cristãos dentro da Alemanha adotaram o Socialismo Nacional de Hitler como parte de seu credo. o que perguntávamos e o que queríamos saber”. Os alunos atraídos pelo nazismo o evitavam. tinha que confessar a fé em Jesus com coragem incomum e rejeitar sem hesitação toda idolatria secular. tornou-se eficaz entre nós. Conhecidos como “cristãos alemães”. Bonhoeffer começou a usar Barth como um meio de divulgação de suas opiniões. buscou o conforto dos privilegiados. (A natureza da igreja). um destes alunos lembrou que “a turma dificilmente ficava agitada”. ele se mudou para a sua vizinhança. Em The Nature of the Church. onde ele finalmente conheceu o teólogo Karl Barth. Bonhoeffer fez uma pausa na Universidade de Bonn. Hitler é o modo do Espírito e da vontade de Deus para o povo alemão entrar na igreja de . publicada como Christ the Center (Cristo o centro). confiando nas avaliações maduras de Barth sobre como contra-atacar as concessões da igreja ao nazismo. Para ser mais envolvido na vida destes alunos. Depois da guerra. Barth apreciava os avisos incisivos de Bonhoeffer sobre a acomodação das ideologias políticas na religião organizada. Bonhoeffer ficou conhecido pelo seu jeito de ir até o fundo de uma questão e abordar os assuntos na sua revelância atual. havia uma preocupação pelo que me perturbava. seu porta-voz Hermann Grüner. no mundo de 1933? Onde Ele pode ser achado? Para ele. Bonhoeffer também achou tempo para ensinar a turma de confirmação numa favela de Berlin. A igreja. e de fato. visitou suas famílias e os convidou a passar finais de semana num chalé alugado na montanha. Um aluno escreveu sob a direção de Bonhoeffer “cada frase encontrava seu lugar. Os dois ficaram amigos. Portanto. Bonhoeffer insistiu com seus alunos a responder perguntas perturbadoras: Quem é Jesus.. Crescente luta da igreja Durante este período. Alguns dos cursos de Bonhoeffer na universidade durante este período têm sido publicados como livros desde então. com muita freqüência. Durante os anos na universidade.. então. Bonhoeffer observou que a igreja ficou à deriva. o Cristo de 1933 era o judeu perseguido e o dissidente na luta da igreja. deixou claro o que eles defendiam: “O tempo se completou em Hitler para as pessoas na Alemanha. É por causa de Hitler que Cristo. Deus. Mas a carreira de ensino de Bonhoeffer foi ofuscada pela ascensão de Hitler ao poder. todos nós jovens. ela. ele disse aos seus alunos.Palestrante universitário eletrizante Retornando da América. o ajudador e remidor. Os escritos de Barth tinham eletrizado o mundo teológico e cativado Bonhoeffer durante seus anos de estudante em Berlim. o Socialismo Nacional é cristianismo positivo em ação. Sendo o professor mais jovem da faculdade. Em suas palestras sobre Cristologia. Cristo”. Em setembro de 1933. permaneça uma igreja! Confesse. tentou persuadir delegados nos sínodos da igreja a não votar em candidatos pró-Hitler. ele falou a um grupo de pastores sobre “A Igreja a questão judaica”. Os comentários contra ele apontaram sua posição radical e intempestiva às . com seu grupo de “Jovens Reformadores”. Neste sermão. mais uma vez os bispos da igreja continuaram em silêncio.” Eles defendiam a luta para repelir a Frase Ariana. A Frase Ariana dividiu a Igreja Protestante alemã. foi afetado pela legislação (junto com muitos outros). Bonhoeffer afirmou com franqueza: “O conflito é realmente ser Alemão ou ser Cristão e o quanto antes este conflito ficar às claras. e no fim de setembro. convencidos de que tinham ouvido a incitação para um motim. entretanto. os cristãos alemães elegeram como Bispo Nacional um simpatizante do nazismo. O amigo mais próximo de Bonhoeffer. desafiar com ousadia o governo que justifica tais leis. mas a outros senhores…” Abandonando uma carreira promissora Uma vez que os cristãos alemães estavam agora entrincheirados em posições de liderança na igreja. Numa carta à sua avó. Bonhoeffer. em primeiro lugar. Segundo. logo antes das eleições na igreja em julho de 1933. ele exigiu que a igreja viesse em socorro das vítimas – batizadas ou não. confesse!” Apesar dos seus esforços. para decepção de Bonhoeffer. o pastor Martin Niemöller. a igreja adotou a “Frase Ariana”. ele pediu as igrejas para. Bonhoeffer foi rejeitado para um pastorado. Bonhoeffer e um herói da Primeira Guerra Mundial. melhor”. Mas. Em abril de 1933. que negava o púlpito a ministros ordenados que tivessem sangue judeu. Finalmente. Muitos dos que ali estavam saíram correndo. confesse. obviamente imorais.000 assinaturas. formaram a “Liga de Emergência dos Pastores. a nova “Igreja Confessante” (aqueles pastores que se opuseram à Frase Ariana e outras políticas nazistas) afirmaram a agora famosa Confissão de Fé de Barmen. Bonhoeffer apelou: “Igreja. Concebida em grande parte por Karl Barth. No “Sínodo Marrom” naquele mês (chamado assim porque muitos dos religiosos usavam uniformes nazistas marrons e faziam a saudação nazista). sua associação do Hitlerismo com idolatria fez muitos dos simpatizantes homens marcados pela Gestapo: “Nós repudiamos o falso ensino de que há áreas em nossa vida que não pertencem a Jesus Cristo. tinham obtido 2. Defesa aberta dos judeus A primeira reação pública de Bonhoeffer à legislação anti-semita chegou logo. Num sermão memorável. em agosto daquele ano. Ordenado em 15 de novembro de 1931. Ludwig Müller. ele declarou que a igreja devia “travar as rodas” do governo se a perseguição aos judeus continuasse. o conflito ficou às claras. No Sínodo de Barmen. Franz Hildebrandt. Logo após o Sínodo Marrom. de 29 a 31 de maio de 1934. na Dinamarca. As trombetas da guerra podem tocar amanhã. Buscando para o mundo o apoio da igreja Era no nível ecumênico que Bonhoeffer esperava continuar mais efetivamente na luta da igreja. Dietrich Bonhoeffer e outros delegados foram a uma conferência ecumênica em Fano. Bonhoeffer pregou um sermão aos líderes cristãos de mais de 15 nações. Neste papel. ele assumiu o pastorado de duas igrejas de língua alemã em Londres. para apoiar a Igreja Confessante e para expulsar a igreja do Reich do movimento ecumênico. Além disso. Na conferência. A assustadora “nazificação” das igrejas deixou Bonhoeffer sentindo-se isolado e incapaz de esboçar uma oposição destemida a Hitler dentre os pastores. “e a desconfiança que salta dos olhos de cada ser humano é assustadora. Bell era presidente do Conselho Universal Cristão para a Vida e Trabalho. Suas atividades levaram a uma amizade duradoura com o bispo inglês George Bell. Numa carta ao líder do Ministério Eclesiástico Estrangeiro. Franz Hildebrandt. E ele foi considerado muito ligado ao seu amigo cristão-judeu.políticas governamentais. De Londres. No outono de 1933. Bonhoeffer recusou a se abster de criticar o governo alemão. Ele apoiava a luta de Bonhoeffer para que a Igreja Confessante fosse reconhecida como a única representante da igreja protestante na Alemanha. Mas Bonhoeffer ainda não estava abandonando a luta contra o nazismo. “O mundo está sufocando com armas.” Nesta ocasião. na Dinamarca. em 1934. Barth acusou Bonhoeffer de privar a luta da igreja de seu “esplêndido arsenal teológico” e de sua “correta figura alemã”. ele pretendia trazer pressão externa sobre a igreja do Reich Alemão. A Comissão Ecumênica de Jovens de Bonhoeffer surpreendeu os delegados por sua recusa em expressar resoluções em uma polida linguagem diplomática. Bonhoeffer queria que as igrejas . Estas frustrações facilitaram a decisão de deixar a Alemanha. Em sua posição de ensino. Ele tinha sido indicado secretário da juventude para a Aliança Mundial para Promover a Amizade Internacional através das Igrejas (um precursor do Conselho Mundial das Igrejas). ele ajuntou as igrejas internacionais para fazer um forte protesto anti-nazismo. Ele ficou perturbado também pela falta de protesto diante do afastamento de professores judeus. ele insistiu para que os cristãos falassem contra a guerra e ousassem pelo “grande empreendimento” da paz. ele sentiu que a universidade tinha se ligado indesculpavelmente ao sentimento popular que exaltava Hitler como salvador político. Por causa desta atitude Bonhoeffer foi severamente repreendido por Karl Barth. Os esforços de Bonhoeffer alcançaram um clímax na conferência de 1934 em Fano.” ele disse. que achou que ele estivesse fugindo de cena quando ele era mais necessário. que trabalhava de perto com a Aliança Mundial. Este é o grande empreendimento!”. Os jovens candidatos. leituras bíblicas e reflexão. tomou as armas das mãos dos seus filhos. ele perguntou. no nome de Cristo. chamado “A Igreja e os Povos do Mundo”. Mas não houve sucesso. lembram-se do seminário como um oásis de liberdade e paz. eles podiam ignorar as exigências para que os candidatos provassem seu sangue puro ariano e lealdade ao nazismo como condições para a ordenação. Bonhoeffer tentou então conduzir um “seminário secreto em atividade”. Elas deram origem ao mais conhecido de seus livros O discipulado. Cada dia era aliviado pela recreação. entretanto. proibiu a guerra. em Finkenwalde.” Bravo novo seminário Em 1935. os líderes da Igreja Confessante pediram a Bonhoeffer para dirigir um seminário ilegal perto do mar Báltico. que garantia uma salvação na base da barganha. “a vida de seguir a Cristo”. proclamou a paz de Cristo contra o mundo irado”. Mas o ponto alto de seu treinamento. Até mesmo Dudzus lembrou que “Bonhoeffer tinha seguido tanto à frente que a conferência não podia segui-lo. que se juntavam primeiro em Zingst. foi um sermão matinal inesquecível sobre a paz. embora esteja rangendo os dentes. A igreja. A Gestapo fechou o seminário em outubro de 1937. Ele desafia os leitores a seguir a Cristo até a cruz. Bonhoeffer acusou os cristãos de buscarem “graça barata”. no Vida em comunhão. serviço fraternal. mas não fazia exigências reais às pessoas. da fé que vive em solidariedade com as vítimas de sociedades sem coração. Com seus próprios seminários. Estes seminários eram apoiados não por ajuda do governo. estabelecer seus próprios seminários era um passo ousado. a aceitar “a graça de alto preço”. Bonhoeffer acreditava. precisava promover um senso genuíno de comunidade cristã. O espírito de Finkenwalde sobreviveu. Seu aluno. incluindo cantar os spirituals que Bonhoeffer trouxera da América. Otto Dudzus relatou que as palavras de Bonhoeffer deixaram os delegados “prendendo a respiração de tanta tensão”. Eles simplesmente contornavam o treinamento típico dos candidatos nas universidades contaminadas pelo nazismo.declarassem não-cristã qualquer igreja que tivesse se tornado meramente uma audiência neutra nas questões políticas. Bonhoeffer estruturava o dia ao redor da oração em comum. meditação. Sem isso. no mar Báltico e mais tarde numa escola particular abandonada. Todos os delegados sabiam que a Igreja do Reich era o alvo de tais resoluções. envenenando. mas por ofertas de boa vontade. e suas próprias palestras. Publicado em 1939. o livro registra as “experiências em comunidade” dos alunos. Para a Igreja Confessante. Como poderiam as igrejas justificar sua existência. Nele. entretanto. Uma frase deste sermão ficou para sempre marcada nas memórias dos alunos de Bonhoeffer: “Temos que nos atrever pela paz. eram as palestras de Bonhoeffer sobre discipulado. para que as pessoas se alegrem por que a igreja de Cristo. se elas não tomavam medidas para impedir a marcha em direção a outra guerra? Ele exigiu que o conselho ecumênico se levantasse “para que o mundo. tenha que ouvir. A contribuição mais duradoura de Bonhoeffer para esta conferência. dessa forma. não poderia testemunhar com eficácia contra . A falha na coragem da igreja Os anos de 1937 a 1939 foram particularmente problemáticos para Bonhoeffer e seu papel na luta da igreja. Friedrich Werner. comissário do governo. Em junho de 1938. O Dr. o sínodo transferiu o peso da decisão para cada pastor individualmente.a ideologia nacionalista na qual a Alemanha havia sucumbido. Através da oração e serviço a igreja podia tornar-se novamente “Cristo existindo como comunidade”. A paz. Ele ofereceu aos ministros da Igreja Confessante legitimidade para retomar seu apoio silencioso aos seus planos expansionistas. Bonhoeffer foi bloqueado. em seus esforços para agitar uma oposição mais forte na igreja contra a cruel perseguição aos judeus. mas ser um ponto de apoio para os esgotados espiritualmente e um refúgio para os perseguidos.8 – “Erga a voz em favor dos que não podem se defender”. Bonhoeffer sentia que era um homem sem igreja. Os líderes da Igreja Confessante pareciam não ter firmeza na questão de fazer o pacto civil a Hitler. como um “presente de aniversário” a Hitler. responsável pela Igreja da Prússia. Para ele. incluindo a anexação da Áustria. para explicar o motivo de ser a voz de defesa dos judeus na Alemanha nazista. o Sexto Sínodo da Igreja Confessante reuniu-se para resolver a última crise da igreja. a respeitabilidade e o patriotismo eram a isca. os sínodos (assembléias) da igreja olhavam apenas os seus próprios interesses.ele perguntava. Faltavalhes o sentimento para assuntos mais urgentes: como contra-atacar o abuso e negação dos direitos civis na Alemanha. “Onde está seu irmão Abel?” . o juramento de lealdade civil. A congregação de uma igreja não era para ser fechada em si mesma. em questões de consciência. a decisão majoritária mata o espírito?” Viagem por engano à América No outono de 1938. Enfurecido com os bispos. Ele freqüentemente citava Provérbios 31. Os ensaios e palestras de Bonhoeffer deste período exibiam sua indignação contra a covardia dos bispos. havia ameaçado expulsar qualquer pastor que se recusasse a fazer. Ao invés de lutar pela liberdade da igreja. Ele não conseguia influenciar a Igreja Confessante a tomar coragem e resistir a um . Bonhoeffer teria como avaliar o sucesso ou o fracasso do sínodo. que pôde facilmente identificar os poucos desleais que ousaram recusar-se a fazer o juramento. “Será que a Igreja Confessante nunca irá aprender que. Bonhoeffer queria que os bispos defendessem o direito dos pastores de se recusarem a fazer o pacto de fidelidade a Adolf Hitler. também. Bonhoeffer questionava. Este resultado caiu nas mãos da Gestapo. Ele censurou publicamente a falta de sensibilidade para com a situação difícil dos pastores aprisionados por suas dissidências. Se os líderes da igreja levantassem suas vozes em favor dos judeus. almirante Wilhelm Canaris. Por isso arranjaram o tour com a intenção implícita de que. mas voltou rapidamente para aquele cenário. impunha a todos os pastores o dever de devotarem-se completamente a “política nacional de trabalho construtivo do Führer”. Neste período o diário de Bonhoeffer é repleto de expressões de ansiedade. Ele desejava repensar seu compromisso com a Igreja Confessante. estavam ansiosos por resgatar Bonhoeffer do destino reservado aos dissidentes na Alemanha Nazista. Porque ele havia ido para a América quando era necessário aos cristãos da Alemanha? . e o coronel Hans Oster (todos da unidade de inteligência militar ou Abwehr). ele sublinhou Salmo 74. Em sua Bíblia. o ponto principal de sua oposição a Hitler. ele pudesse permanecer na América. uma vez iniciada a guerra. Na frente ecumênica. o frenesi do nazismo anti-semita é permitido contra os cidadãos judeus. em 9 de novembro de 1938. brutalizando os judeus. Como forma de protesto. A Godesberg Declaration.8 – “Disseram em seus corações: ‘Vamos acabar com eles! E queimaram todos os santuários do país’“. Ele temia. a tranqüilidade desta viagem era perturbada pela lembrança da perseguição que os pastores dissidentes estavam enfrentando. Hans Von Dohnanyi. no verão de 1939. Na chamada “Noite de Cristal” (Kristallnacht). em 1937. desta vez via um tour de palestras pelos Estados Unidos. Outra razão para deixar a Alemanha era a iminente convocação às forças armadas para os de sua faixa etária. Por todos estes motivos. sobre aquela noite de selvageria.governo civil que ele considerava como o mal inerente. Bonhoeffer também havia entrado em contato com seu cunhado. A polícia observava passivamente as hordas de alemães quebrar as vidraças das casas e das lojas judias e queimar as sinagogas. Este foi um dos fatores que o levou a cogitar uma segunda viagem à América. Bonhoeffer renunciou ao cargo de secretário da Aliança Mundial. de 04 de abril de 1939. Bonhoeffer considerava a possibilidade de deixar a Alemanha. Entretanto. atrair a atenção da Gestapo para este plano. Bonhoeffer estava fora de Berlim naquela noite. Bonhoeffer compreendeu que sua recusa a ingressar no exército traria a ira nazista sobre seus colegas da Igreja Confessante. Bonhoeffer embarcou para os Estados Unidos em 2 de junho de 1939. que estavam preparando um golpe de estado. inconscientemente. Ele se recusou a acreditar nas tentativas de atribuir tal violência a tão falada maldição divina sobre os judeus por causa da morte de Cristo. – e colocou ao lado a data da Noite de Cristal. O americano Paul Lehmann. Bonhoeffer sentiu um enorme desapontamento com o vergonhoso silêncio que se seguiu por parte da igreja. Tornava-se cada vez mais perigoso ser enumerado como um dos inimigos do Terceiro Reich. ele havia se mostrado inapto em persuadir a Aliança Mundial das Igrejas a não aceitar a delegação do Terceiro Reich em sua conferência. seu amigo íntimo e o seu primeiro professor Reinhold Niebuhr. Hans von Dohnanyi e o coronel Hans Oster. Cartas e papéis da prisão Enquanto trabalhava para a Abwehr. Bonhoeffer estava envolvido em reais atividades de espionagem.. sob esta aparência. e em 05 de abril de 1943. A liberdade para continuar a escrever veio inesperadamente através do seu recrutamento para uma conspiração.. Partiu em 08 de julho de 1939. figuras de prestígio na inteligência militar alemã. se não compartilhar das aflições deste tempo com o meu povo”. Na verdade. eram os últimos quatro fragmentos dos métodos de construção da ética cristã em meio à crise nacional da Alemanha. em Sigtuna – Suíça. após o . caso o plano contra Hitler fosse bem-sucedido. Anthony Eden. Bonhoeffer foi proibido de ensinar. Quando não estava desperdiçando seu tempo no escritório de Munique. Eu não terei direito de participar da reconstrução da vida cristã na Alemanha depois da guerra. Como Bonhoeffer estava designado para o escritório em Munique. restaurariam a democracia na Alemanha e fariam reparações de guerra. Neles. Isto atraiu suspeitas da Gestapo. ele continuava a escrever o que uma vez declarou ser o principal trabalho de sua vida: Ética – obra póstuma reconstruída por Eberhard Bethge. Todavia. Em uma frase contundente ele declarou a igreja “culpada da morte dos mais fracos e dos mais indefesos irmãos e irmãs de Jesus Cristo”. encontrado meios de sair em socorro a elas”. pouco mais de um mês de sua chegada. Sua verdadeira e principal missão era conseguir com os Aliados os termos da rendição. Bonhoeffer criticava a igreja duramente por “não ter levantado sua voz em defesa das vítimas ou. Bonhoeffer convenceu Bell de que ele poderia acreditar que os conspiradores venceriam o governo nazista. O ponto alto dessas negociações foi em uma reunião secreta com o Bispo Bell. Bonhoeffer ficava em seu quartel-general. mas que dificilmente seria “Ética” completa. ele escreveu para Reinhold Niebuhr. Atividades de espionagem Quando retornou ao seu país. Ele também recebeu ordens para se apresentar regularmente à polícia. “Eu tenho que viver este período da história nacional com os cristãos da Alemanha. isto o livrou da prisão e o deixou longe da vigilância da Gestapo em Berlim. em maio de 1942. Bonhoeffer se envolveu na chamada “Operação 7”: um ousado plano de contrabandear judeus para fora da Alemanha. mas os aliados responderam que para a Alemanha só havia a condição para uma “rendição incondicional”. localizado nas vizinhanças de um mosteiro beneditino.Rapidamente Bonhoeffer mudou de idéia e resolveu voltar. Lá. arranjaram para tê-lo figurando como indispensável para as atividades de espionagem que desenvolviam. pregar ou de publicar qualquer coisa sem submeter uma cópia do material para aprovação prévia. “Cometi um engano ao vir para a América”. Bell levou estas informações ao Secretário Britânico para Assuntos Exteriores. Sua missão ostensiva era espionar para a inteligência através de suas “visitas pastorais” e seus contatos ecumênicos. Mas após sua prisão. uma religião que servia a interesses próprios. fala do amor dos dois como “um sinal da graça de Deus. então a igreja somente poderá ser uma igreja de verdade quando existir para corajosamente servir às pessoas. Nestas cartas. oferecia apenas. Bonhoeffer escreveu. Ele foi atraído por sua beleza. Bonhoeffer também levantava questões perturbadoras que iriam irritar os líderes da igreja. Maria von Wedemeyer. por Eberhard Bethge. fechou o cerco contra os principais conspiradores.fracasso de três atentados contra a vida de Hitler – Bonhoeffer foi preso e encarcerado na prisão militar de Tegel. sua participação na “Operação 7” e suas deslealdades anteriores. ansiosa por manter os privilégios clericais e sobreviver aos anos de guerra com seu status intacto. em Berlim. eles anunciaram o noivado publicamente como uma forma de apoio a ele. hoje. por ela ser muito mais jovem – ela estava com 18 anos e ele com 37. A igreja tem que repudiar aqueles “adereços religiosos” que são muitas vezes confundidos erroneamente com a fé autêntica. Estruturas religiosas sem significado e linguagem teológica abstrata eram respostas insípidas aos clamores das pessoas perdidas em meio ao caos e às mortes nos campos de batalha e campos de concentração. para cada um de nós”. Uma das cartas que escreveu a Maria. os nazistas tinham apenas acusações vagas contra ele: sua evasão do serviço militar. Ele também estava envolvido em ações secretas que poderiam ser perigosas para ela. Inicialmente. outro plano para assassinar Hitler falhou. que nos encoraja a ter fé”. Ele acrescenta ainda. Durante o tempo que passou na prisão. vivacidade e seu espírito independente. a família dela foi contra a um compromisso entre eles. tornando-se um refúgio da responsabilidade pessoal. ou de fato quem Cristo realmente é. Bonhoeffer observava que a igreja. Ele foi transferido para a prisão . como resultado de sua rede de investigação. Campo da morte em Flossenburg Em 20 de julho de 1944. As visitas de Maria a Bonhoeffer tornaram-se o principal sustento dele durante os primeiros dias sombrios do seu encarceramento. A Gestapo. Bonhoeffer escreveu cartas inspirativas e poemas que hoje são considerados como clássicos cristãos. se Jesus é “o homem para os outros”. também. A igreja falhara em demonstrar qualquer tipo de credibilidade moral em uma “época em que o mundo precisava dela”. Para ele. Ele se apaixonara por Maria em 1942. “e eu não falo de uma fé que foge do mundo. e de sua bondade. e cujo amor e verdade permanecem para o mundo apesar de todo o sofrimento que ele nos traz”. mas de algo que faz com que ele sobreviva. A princípio. Na carta de 30 de abril de 1944. incluindo Bonhoeffer. pessoas de todo o mundo começaram a apreciar a criatividade incansável de Bonhoeffer em busca do significado da fé cristã. cartas à sua noiva. quando conheceu a família dela durante as viagens a serviço da Abwehr. Em resposta a esta questão. ele confidencia que “o que mais me preocupa é a questão do que o cristianismo realmente é. Após a publicação póstuma de Resistência e submissão. Era o primeiro domingo depois da Páscoa. por causa do assalto final das tropas aliadas à Alemanha. A quietude foi interrompida assim que a porta foi aberta por dois homens. Em 08 de abril. os pensamentos e resoluções que isto tinha trazido”. Para os prisioneiros. Maria e Dietrich Bonhoeffer estavam completamente separados um do outro. ele novamente fez uma pequena oração e então subiu os degraus para a forca. . Eles ordenaram que Bonhoeffer os seguisse. o oficial da inteligência britânica Payne Best. e mais quatro outros conspiradores foram enforcados no campo de extermínio de Flossenbürg. e estava sempre junto com ele. escrito por um companheiro de prisão de Bonhoeffer. Bonhoeffer e outros presos foram colocados em um vagão de trem e levados para serem exterminados no campo de Flossenbürg. Bonhoeffer e Payne Best estavam entre os “prisioneiros importantes” levados para Buchenwald. em trajes civis. eles alcançaram Schönberg. Os guardas da SS cumpririam as formalidades de uma corte marcial. Bonhoeffer foi mandado para o campo de concentração de Buchenwald. Ele aceitou e meditou no livro de Isaías “E por suas chagas fomos curados”. corajoso e sereno.” No dia 3 de abril. Bonhoeffer.. geralmente a pé. em outubro de 1944. uma pequenina vila da Bavária. Hans Oster. isto só podia significar uma única coisa: que ele seria executado em breve. Best relembra aquele momento: “Ele tocou o coração de cada um. Em meio ao caos reinante. a sentença de morte já havia sido decretada em Berlim. Em fevereiro de 1945. e muitos prisioneiros pediram a Bonhoeffer para liderá-los em culto e orações. uma mensagem para seu amigo inglês. Bem cedo. “Naquele lugar de execução. em infrutíferas tentativas de ver Bonhoeffer novamente. Para transportarem prisioneiros desta maneira. encontrando as palavras certas para expressar o espírito do nosso aprisionamento.” ele escreveu. se lembra de ter visto Bonhoeffer ajoelhar-se e orar antes de ser levado à forca. que testemunhou as execuções. Maria viajou por todos os campos de concentração entre Berlim e Munique.. o Bispo Bell: “Este é o fim – mas para mim. Best escreveu mais tarde sobre Bonhoeffer: “Ele foi um dos poucos homens que conheci para quem o seu Deus era real. O médico do campo. Bonhoeffer arrumou tempo para se despedir de cada um. membros da Gestapo. Wilhelm Canaris. Nos quase cinqüenta anos em que trabalhei como médico. “Eu fiquei profundamente comovido pela maneira com a qual aquele homem amável orava: tão devotado e tão certo que Deus ouviria sua oração. O que sabemos sobre aqueles últimos dias está reunido no livro The Venlo Incident (O incidente de Venlo).. na manhã de 9 de abril.da Gestapo em Berlim. onde os prisioneiros eram amontoados em uma pequena escola usada temporariamente como prisão.. ele falou as últimas palavras das quais se têm registro. Em seu livro. creio que jamais vi um homem morrer tão completamente submisso à vontade de Deus”. Puxando Best de lado. executariam estes inimigos do Terceiro Reich e depois destruiriam seus corpos. o início da vida”. em 7 de maio. Geffrey B. Três semanas depois Hitler cometeria suicídio e. O nazismo contra o qual Bonhoeffer lutou sobrevive no mundo moderno sob outras formas de um mal sistemático. na Filadélfia. e autor de Liberating Faith: Bonhoeffer's Message for Today (Augsburg.com. Dr. Mas o seu testemunho de Jesus Cristo ainda vive.br/artigo.cristianismohoje. 1984) (Liberando a fé: a mensagem de Bonhoeffer para hoje) http://www. Bonhoeffer continua a desafiar os cristãos a seguir Jesus até a cruz do genuíno discipulado e a ouvir o clamor dos oprimidos. Kelly é professor de teologia sistemática na La Salle University. soavam os canhões do exército norte-americano do general George Patton.À distância. a guerra na Europa estaria terminada.php?artigoid=35109 .
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