A Pena de Suspensão Temporária de Licitar e Contratar Está Adstrita ao Órgão e/ou Entidade Pública que a AplicouToshio Mukai Mestre e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo 1. Não obstante o largo tempo decorrido, desde a introdução da pena de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, através do Dec.-lei nº 2.300/86 (art. 73, III), e mantida pela Lei nº 8.666/93, com a fixação de um prazo máximo de duração de até 2 (dois) anos, ainda hoje, há órgãos públicos que incluem em seus editais restrição como a seguinte: “não poderão participar do presente certame empresas declaradas suspensas de licitar e impedidas de contratar com a Administração, declaração essa feita por qualquer órgão e/ou entidade pública federal, estadual ou municipal”. É escandalosamente ilegal e afrontosa à Lei nº 8.666/93 tal exigência. Tanto a doutrina, salvo um único autor (Marçal Justen Filho), mesmo assim sem nenhum argumento efetivamente jurídico, como a jurisprudência dos Tribunais de Contas, entendem que (aliás, conforme o texto legal) a pena de suspensão temporária de licitar e de contratar com a Administração restringe-se ao âmbito do órgão e/ou da entidade pública que aplicou a sanção. 2. Confirmemos essa assertiva na doutrina. Com efeito, comecemos pela Drª Yara Darcy Police Monteiro (Licitação: Fases e Procedimento, Editora NDJ, São Paulo, 2000, pp. 31 e 32): “A suspensão temporária de participação em licitação e impedimento para contratar com a Administração, prevista no mesmo art. 87, III, alcança apenas o órgão que aplicou a punição (art. 6º, XII), salvo se legislação específica de determinado Estado ou Município ampliá-la para que tenha incidência no âmbito da respectiva Administração. É o caso, por exemplo, da Lei municipal paulistana nº 10.544/89, cuja suspensão temporária abrange toda a Administração Municipal. Registre-se sobre a matéria posição discordante de Marçal Justen Filho, que entende ser destituído de sentido o impedimento apenas perante o órgão sancionador, porquanto assevera: ‘Se um determinado sujei- 12ª ed. 6º. abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do Poder Público e as fundações por ele instituídas ou mantidas’ (inc. Malheiros. posto que esta é a definição que a lei adota” (p. Daí por que não nos parece apropriada a punição dos que praticarem atos ilícitos enumerados no art. resultando no seu impedimento de participar em futuras licitações. fá-lo-á no sentido do art. 6º. os efeitos dessa ilicitude se estendem a qualquer órgão’. do Distrito Federal e dos Municípios. 1999. na execução do pactuado. estatuindo que. 4ª ed. contratando livremente com outros particulares” (pp. Rio de Janeiro. Poderá ser imposta conjuntamente com outras punições. 87. O argumento do preclaro jurista é.. nada impedindo que a empresa prossiga em suas atividades socie- tárias. 386/387) assevera: “A suspensão temporária de participar em licitação ou de contratar com a Administração é sanção de natureza mais grave que as anteriores. Hely Lopes Meirelles (Licitação e Contrato Administrativo. mais adiante: “A diferença do regime legal regulador dos efeitos da suspensão e da declaração de inidoneidade reside no alcance de uma e de outra penalidade. considera Administração Pública ‘a administração direta e indireta da União. 1996. 566. Max Limonad. sempre que artigo da Lei nº 8. emprega a acepção do art. ressalve-se que a vedação para contratar diz respeito apenas à Administração. Roque Citadini (Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas.. parcial ou totalmente. não nos parece compatível com os princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito interpretação ampliativa de disposições punitivas. 230/31) aduz a propósito: “A suspensão provisória ou temporária do direito de participar de licitação e de contratar com a Administração é penalidade administrativa com que geralmente se punem os inadimplentes culposos e aqueles que culposamente prejudicarem a licitação ou a execução do contrato. Assim é porque. Esta suspensão não poderá ser superior a 2 (dois) anos. Por conseguinte. como sempre. 564 a 566) leciona: “b) a suspensão temporária é a penalidade que a Administração pode graduar em até dois anos . E. dos Estados.666/93 adota conceitos distintos para Administração e Administração Pública. pp. É que os efeitos jurídicos da sanção aplicada estão indissoluvelmente atrelados. 1997.402 BLC – Boletim de Licitações e Contratos – Julho/2001 to apresenta desvio de conduta que o inabilita para contratar com a Administração Pública. São Paulo. (. como pena expulsiva. a empresa suspensa do direito de licitar e de contratar com a ‘Administração’ está impedida de fazê-lo tão-somente perante o órgão.. a empresa sancionada resulta impedida perante as licitações e contratações da Administração Pública. à competência do agente que aplica a sanção’ ”. XI.. averbando: ‘De modo nenhum pode-se entender que aquela sanção possa ter o condão de ter validade perante qualquer órgão ou entidade pública que promova licitação. 6º. Jessé Torres Pereira Junior (Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. aplicada a segunda. XI) e Administração ‘o órgão. ficando restrita ao órgão que impôs a sanção. 88 da . para os fins de sua aplicação. a Lei nº 8. Toshio Mukai sustenta a falta de competência do agente para aplicar sanções fora do âmbito da Administração contratante. e visa punir o contratado que tenha falhado.) . em seu art. pp. XII. a entidade ou unidade administrativa que aplicou a penalidade. grifamos).666/93 referir-se a Administração. 564/565) (grifamos). Segundo o art. São Paulo. quando aludir a Administração Pública. Aplicada a primeira. fica a empresa punida impedida perante as licitações e contratações da Administração.. III. Renovar. como a multa por exemplo”. entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente’ (inc.. sendo mesmo produtos dela.. Todavia. pertinente. XII). pp.. E. na lei de licitações. mais adiante: “Analisando-se esse conceito. ou se a infração é grave. em qualquer esfera da federação”. 1997. quis dar uma abrangência maior para a declaração de inidoneidade. mais adiante. IOB nº 5. Maria Sylvia Zanella di Pietro. também afirma: “A resposta. p. e assim aplicadas” (p. Nada impede. E aquele que for suspenso temporariamente será assim tratado perante os órgãos. III do art. assevera: “Fundamenta referido professor seu ponto de vista no princípio da estrita legalidade: à míngua de disposição legal expressa acerca da extensão de tais efeitos às entidades e órgãos de outras unidades da Federação. São Paulo.TEORIA E PRÁTICA DAS LICITAÇÕES E CONTRATOS 403 Lei nº 8. respondendo rápida e decididamente uma questão. porém: considerar que as autoridades competentes para aplicar a sanção do inc. uma vez que se o infrator age com dolo. necessariamente. coord. uma vez aplicada a algum licitante. perante a Administração Pública”. coord. tradicionalíssima. restritivamente. sendo lícito pensar que o contratado inidôneo assim o será perante qualquer órgão público do País. Editora NDJ. sobretudo no direito penal. restringe seus efeitos ao âmbito exclusivo daquela entidade que a aplicou. e a segunda. E. em suas licitações. em livro específico sobre as sanções administrativas em relação às licitações e contratos (Sanções Administrativas Aplicáveis a Licitantes e Contratos. de empresas e profissionais considerados inidôneos ou suspensos por atos oriundos de outras esferas de governo. nos parece. ou mesmo que impõem penalidades. 101). por óbvio. E. III e IV. Malheiros. Floriano de Azevedo Marques Neto (“Extensão das sanções administrativas de suspensão e declaração de inidoneidade”. 181) também se manifestou no mesmo sentido: “Quanto ao alcance da penalidade de suspensão temporária e declaração de inidoneidade. apenas podem ser lidas literalmente. o autor fundamenta juridicamente sua afirmativa: “III – A primeira razão por que não se pode conceber ampliar os efeitos da penalidade de suspensão para além e para fora do âmbito da entidade pública que a aplicou. 11). 87 da Lei de Licitações são as mesmas competentes Observe-se que a suspensão provisória pode restringir-se ao órgão que a decretou ou referir-se a uma licitação ou a um tipo de contrato. p. doutrinador um erro. nº 10. Abrangência da Penalidade”. in BLC – Boletim de Licitações e Contratos. Dialética. 1997. in DCAP – Direito Administrativo – Contabilidade e Administração Pública. 1998. 1994.666. verifica-se que a primeira se dá perante a Administração. 153) assim se expressa: “O legislador. p. valer para afastar o agente privado de contratar com qualquer órgão da Administração. jamais podendo alguém pretender que aqueles efeitos possam ser estendidos para além dos limites daquela entidade”. p.666. deve-se restringi-la à esfera de governo competente para a aplicação da sanção. e 88). Odete Medauar. ou ainda normas que criem obrigações a alguém. pessoa física ou jurídica. conclui-se que a penalidade de suspensão somente impede o sancionado de licitar ou contratar com a entidade que a aplicou e não com os demais órgãos ou entidades da Administração Pública” (p. Eduardo Dias Rocha. assevera: “1ª) A penalidade de suspensão. conforme a extensão da falta que a ensejou”. entidades e unidades administrativas concernentes ao Poder Público que aplicou a sanção” (grifamos). out. Sônia Yuriko Tanaka (Licitações e Contratos Administrativos. Ivan Barbosa Rigolin (“A suspensão do direito de licitar. criticando a posição do professor Carlos Ari Sundfeld. a sanção adequada será a declaração de inidoneidade (Lei nº 8. Editora NDJ. p. 87. 12). segundo a qual normas que restringem direitos. Márcia Walquiria Batista dos Santos (Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos. fundamenta-se na regra jurídica. maio 1999. pode ser encontrada tanto na lei vigente quanto na própria gênese dos institutos: enquanto a pena de suspensão tem seus efeitos para o ente da Administração que o edita. 182). 487. Comete o il. que a legislação específica de outras unidades federativas preveja a vedação de participação. porém. arts. a declaração de inidoneidade deve. . É por essa razão que entendemos que. não podem Estados e Municípios prever em suas legislações específicas sanções diversas daquelas relacionadas na Lei nº 8. num ato administrativo. e a de inidoneidade. Nesse sentido. antes de mais nada. previstos na Lei nº 8. Tal entendimento não encontra amparo no § 3º do referido art. por isso. 87. O raciocínio desenvolvido para estabelecer o âmbito de eficácia destas duas últimas sanções.. citando Jessé Torres Pereira Junior: “ressalve-se que a vedação para contratar diz respeito apenas à Administração. somente no âmbito da Administração Federal (art.” (p. Em face dessa norma penal. por um lado. 132/133): “A sanção prevista no inc. Ou seja: o efeito sancionatório não pode ir além do âmbito da competência do agente”. III prevalecerá para o âmbito do órgão que a decretar. aduz: ‘Daí por que.666/93 tipifica como crime admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo. 73. Isso porque o art. 152. pp. III e IV).300/86. sendo mesmo produtos dela. puramente administrativo. e será justificada. contratando livremente com os particulares”. Por essa razão escrevemos (Licitações e Contratos Públicos. IV valerá para o âmbito geral. 4. nada impedindo que a empresa prossiga em suas atividades societárias. com seus conceitos. o agente administrativo que decide somente pode praticar atos administrativos dentro do âmbito de competências que lhe foi dado pela Constituição ou pelas leis. Ora. Saraiva.. não tem cabimento no caso da sanção de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública. respondendo a determinada consulta. eficácia irrestrita no campo das licitações disciplinadas pela Lei nº 8.666/93 (art.666/93. 4ª ed. à competência do agente que aplica a sanção. 87. “Já aquela prevista no inc. e. III e IV) são normas gerais. 97 constitui-se em norma penal em branco. Qualquer ato praticado fora do leque de atribuições que constitui o âmbito de sua competência será nulo de pleno direito. De nossa parte. que tem caráter geral. Também se deve notar que a Consultoria Jurídica da Editora NDJ. em conseqüência. 1998. preenchida pelos atos e fatos administrativos. no BLC – Boletim de Licitações e Contratos de março de 1995. prima facie.” É que o art. pelo qual a sanção de suspensão somente valia no âmbito da Administração onde fora aplicada. e. “acrescentamos nós que essa empresa pode continuar a ser contratada não só pelas . grifamos). Aliás. diversamente da penalidade de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração. p. Lembra o autor que as normas sancionatórias.404 BLC – Boletim de Licitações e Contratos – Julho/2001 para aplicar a sanção do inc. a sanção de declaração de inidoneidade ganha essa generalidade.. entendemos que o estudo das sanções administrativas não pode deixar de considerar. 97 da Lei nº 8.666/93 . sabemos todos nós que. avulta no estudo a questão fundamental da competência do agente para a prática do ato.-lei nº 2. a questão segundo a qual todo ato punitivo administrativo se constitui. em face do princípio da especialidade administrativa. nos casos em que o infrator prejudicou o procedimento licitatório ou a execução do contrato por fatos de relativa gravidade. 104. eis que então o ato administrativo carece de um dos elementos fundamentais para a sua validade jurídica: a competência do agente. asseverou. em princípio. é o que ocorria exatamente sob a égide do Dec. IV do mesmo dispositivo. regra geral. tanto a sanção de suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração como a declaração de inidoneidade deveriam ter seu âmbito de validade apenas e tão-somente dentro da competência do agente que aplicou a sanção. É que os efeitos jurídicos da sanção aplicada estão indissoluvelmente atrelados. De modo algum se pode entender que aquela sanção possa ter o condão de ter eficácia perante qualquer órgão ou entidade pública. no BLC – Boletim de Licitações e Contratos de outubro de 1999. que resultou do TC-017. também respondendo à mesma indagação. com a sanção prevista no art. Finalmente. E. considerando-se que. A Decisão nº 352/98 – TCU – Plenário. III. desse diploma legal. a ilegalidade da inclusão.801/95-8. III do art. 6º. 87 da Lei nº 8. I a IV do art. aquela sanção deverá ficar adstrita tão-somente ao órgão que a aplicou” (TC-017. da Lei nº 8. inc. no seu ponto essencial. p. pela interpretação do dispositivo mencionado. Determinar ao Superior Tribunal de Justiça que. 522. em edital de licitação. de interessados eventualmente apenados por outro órgão ou entidade da Administração Pública (art. 87. 78 da referida lei ” (grifamos. fartamente demonstrada.666/93). XI. . ou ainda que tenham tido seus contratos firmados com os mencionados órgãos e entidades rescindidos com fulcro nos incs. em observância ao princípio da legalidade.666/93 por outro órgão diverso daquele que está promovendo o certame. porém.6. Sessão de 10.2. Nada impede. que a apenada venha a participar de licitações em outras Administrações” (grifamos). invocamos acórdão do TCU que contém a seguinte ementa: “É ilegal a cláusula editalícia que veda a participação em licitação de empresas apenadas com base no inc.TEORIA E PRÁTICA DAS LICITAÇÕES E CONTRATOS 405 demais empresas privadas como por todos os demais órgãos e/ou entidades públicas que não aquele órgão que lhe aplicou a pena” (grifamos). 5. extraordinária). inc. não mais inclua nos seus editais de licitação cláusula impeditiva de participação. deixou ordenado: “8.801/95-8 – Representação). por outros órgãos ou entidades da Administração Pública em geral. Eis aí. no respectivo certame. da exigência da comprovação de que a empresa licitante não tenha sido apenada com a sanção de suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração. respondeu: “Ressalve-se que a suspensão terá o seu âmbito de aplicação somente em relação à Administração promotora do certame.98.