Biotecnologia.pdf

March 30, 2018 | Author: Reginaldo Melo | Category: Biotechnology, Genetic Engineering, Transgenesis, Genetics, Vaccines


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BIOTECNOLOGIA 2011MARIA ANTONIA MALAJOVICH i BIOTECNOLOGIA 2011 MARIA ANTONIA MALAJOVICH www.bteduc.bio.br Copyright © 2004 by Maria Antonia Malajovich ISBN: 85-7323-223-4 Copyright © 2011 by Maria Antonia Malajovich Os conceitos emitidos nesta obra são de inteira responsabilidade da autora MALAJOVICH M. A. Biotecnologia 2011. Rio de Janeiro, Edições da Biblioteca Max Feffer do Instituto de Tecnologia ORT, 2012. Edições BIBLIOTECA MAX FEFFER do INSTITUTO DE TECNOLOGIA ORT do Rio de Janeiro Rua Dona Mariana 213 – Rio de Janeiro, 22280-020 – RJ - Brasil Tel.: (5521)2539-1842; FAX: (5521)2286-9174 http://www.ort.org.br BIOTECNOLOGIA: ENSINO E DIVULGAÇÃO http://www.bteduc.bio.br AO LEITOR Biotecnologia 2011 é a última atualização do livro publicado em 2004 por Axcell Books do Brasil, em 2006 pela Universidad de Quilmes Editorial (em espanhol) e divulgado na Internet, a partir de 2009, no site Biotecnologia: ensino e divulgação (www.bteduc.bio.br). Agradeço a Elizabeth Lissovsky pela revisão do português. Inicia-se o texto com uma apresentação sobre o que é Biotecnologia (Capítulo 1). A seguir, apresentam-se os fundamentos da Biotecnologia, isto é os agentes biológicos (Capítulos 2 a 5) e as ferramentas básicas (Capítulos 6 a 9). A última parte, O impacto na sociedade analisa o impacto das novas tecnologias biológicas em setores tão diversos como indústria, energia, meio ambiente, biodiversidade, agricultura, pecuária, alimentos e saúde. Além de um sumário detalhado, uma lista das 92 figuras e das 30 tabelas, o livro conta com uma lista da bibliografia consultada e um índice remissivo. Nascida em universidades e centros de pesquisa, onde perdura até hoje, a biotecnologia objetiva principalmente o desenvolvimento local ou regional, o progresso da agricultura e a melhora dos tratamentos de saúde. Empresas públicas e privadas de diferentes portes utilizam as tecnologias com base biológica para obter produtos diversos e, também, para assegurar serviços. O perfil da biotecnologia varia de um país para outro, em função dos recursos naturais, econômicos e políticos, das características das empresas envolvidas e do papel assumido pelos setores público e privado. A inclusão de exemplos do Brasil e de outros países latino-americanos tenta mostrar um pouco dessa diversidade. A expansão da biotecnologia introduz mudanças na sociedade. Por ser uma área ainda pouco conhecida, a percepção pública costuma oscilar entre a aceitação e a hostilidade, em função das pressões de lobbies e grupos de opinião. Alguns temas são polêmicos, seja porque despertam apreensões em relação à segurança dos procedimentos, seja porque nos exigem uma reflexão ética cuidadosa. Não espere o leitor encontrar respostas dogmáticas: as tecnologias não são nem boas nem ruins, são o que fazemos com elas. Maria Antonia Malajovich Janeiro de 2012 AS ENZIMAS E OS ANTICORPOS 33 AS PROTEÍNAS Estrutura As bases de algumas técnicas laboratoriais AS ENZIMAS A catálise enzimática Os diversos tipos de enzimas Importância econômica OS ANTICORPOS A molécula de anticorpo A união antígeno-anticorpo A produção de anticorpos no organismo A produção de anticorpos no laboratório A utilização dos anticorpos i . AS CÉLULAS E OS CROMOSSOMOS 9 A CÉLULA COMO UNIDADE DOS SERES VIVOS Unidade estrutural Unidade funcional TÉCNICAS LABORATORIAIS TODA CÉLULA DERIVA DE OUTRA PREEXISTENTE OS CROMOSSOMOS A TEORIA CROMOSSÔMICA DA HEREDITARIEDADE CÉLULAS E CROMOSSOMOS COMO AGENTES BIOLÓGICOS 3. na fronteira do vivo e do não vivo AS TÉCNICAS MICROBIOLÓGICAS BIOSSEGURANÇA E BIOSSEGURIDADE OS MICRORGANISMOS COMO AGENTES BIOLÓGICOS 4. OS MICRORGANISMOS 21 A DIVERSIDADE MICROBIANA As eubactérias As arqueas Os protistas Os fungos Os vírus. BIOTECNOLOGIA 2011 SUMÁRIO INTRODUÇÃO CAPÍTULO PÁGINA 1. O QUE É BIOTECNOLOGIA? 1 A BIOTECNOLOGIA TRADICIONAL A BIOTECNOLOGIA MODERNA AS DEFINIÇÕES DE BIOTECNOLOGIA O IMPACTO DA BIOTECNOLOGIA BIOTECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO A HISTÓRIA DA BIOTECNOLOGIA OS AGENTES BIOLÓGICOS CAPÍTULO PÁGINA 2. A CULTURA DE CÉLULAS E TECIDOS 69 O CULTIVO DE CÉLULAS E TECIDOS VEGETAIS As primeiras tentativas Os meios de cultura As etapas do processo As diferentes modalidades Melhoramento e conservação da biodiversidade vegetal A difusão da tecnologia A CULTURA DE CÉLULAS ANIMAIS A manipulação in vitro das células animais As aplicações da cultura in vitro de células de mamíferos 8. OS BIOPROCESSOS 59 BIOPROCESSOS. OS ÁCIDOS NUCLEICOS E OS GENES 47 OS ÁCIDOS NUCLEICOS A dupla hélice O código genético A EXPRESSÃO GÊNICA O fluxo da informação genética Células procarióticas Células eucarióticas O COMPLEXO MUNDO DOS RNAs A GENÔMICA O GENOMA HUMANO A GENÔMICA EM AMÉRICA LATINA 6. PROCESSOS FERMENTATIVOS E INDÚSTRIA OS MICRORGANISMOS INDUSTRIAIS Noções sobre o metabolismo primário e secundário Meios de cultura e matéria-prima A escolha das linhagens OS DIFERENTES TIPOS DE BIOPROCESSOS Os processos tradicionais Os processos submersos Outros sistemas submersos DO LABORATÓRIO À INDÚSTRIA A mudança de escala A condução do processo A recuperação do produto OS BIOPROCESSOS NA INDÚSTRIA DE FERTILIZANTES AS FERRAMENTAS BÁSICAS CAPÍTULO PÁGINA 7. A TECNOLOGIA DO DNA 81 AS FERRAMENTAS DISPONÍVEIS As nucleases ou enzimas de restrição A eletroforese do DNA Hibridização e sondas gênicas A técnica de Southern O fingerprint A síntese e amplificação de DNA O sequenciamento do DNA Os arrays A BIOLOGIA SINTÉTICA ii .Maria Antonia Malajovich CAPÍTULO PÁGINA 5. BIOTECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE 125 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL AS TECNOLOGIAS LIMPAS A substituição de processos industriais A substituição de insumos agrícolas A REDUÇÃO DOS RESÍDUOS A degradação do lixo O tratamento das águas residuais O tratamento dos efluentes industriais As emissões de gases e o efeito estufa A BIORREMEDIAÇÃO Os contaminantes Os tratamentos Um exemplo: os vazamentos de petróleo A RECUPERAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS O petróleo Os metais A biomineração O DIAGNÓSTICO DE CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL Indicadores biológicos Técnicas genéticas Técnicas imunológicas Biossensores iii . A ENGENHARIA GENÉTICA 93 O NASCIMENTO DA BIOTECNOLOGIA MODERNA As primeiras experiências Mitos e realidade AS BIBLIOTECAS DE GENES A CONSTRUÇÃO DE UM MICRORGANISMO RECOMBINANTE Encontrar o gene Inserir o gene Identificar os microrganismos recombinantes A CONSTRUÇÃO DE PLANTAS TRANSGÊNICAS O transgene A transferência dos genes a células vegetais O problema dos marcadores seletivos Do laboratório ao campo CÉLULAS E ANIMAIS TRANSGÊNICOS A transferência gênica a células animais Os rebanhos farmacêuticos O IMPACTO NA SOCIEDADE CAPÍTULO PÁGINA 10. BIOTECNOLOGIA 2011 / Sumário CAPÍTULO PÁGINA 9. BIOTECNOLOGIA E INDÚSTRIA 109 O PROCESSO WEIZMANN A INDÚSTRIA QUÍMICA A via química A via biotecnológica OS PRODUTOS BIOTECNOLÓGICOS Metabólitos de interesse comercial Enzimas Biopolímeros e bioplásticos OS BIOCOMBUSTÍVEIS Etanol Biogás Biodiesel Perspectivas 11. ovos e lã A aquicultura A SAÚDE DOS ANIMAIS Resistência a doenças Prevenção e tratamento NOVAS UTILIZAÇÕES DOS ANIMAIS DOMÉSTICOS Modelos de estudo para doenças humanas Xenotransplantes Os animais como biorreatores O marco conceitual dos três rs OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO iv . BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA 151 A EVOLUÇÃO DAS PRÁTICAS AGRÍCOLAS A OBTENÇÃO DE NOVAS VARIEDADES Mutação gênica e seleção Alteração do número de cromossomos Engenharia genética O PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO AS PLANTAS BIOTECNOLÓGICAS ATUAIS Modificação das propriedades agronômicas Plantas com qualidades nutricionais melhoradas Plantas com propriedades novas O AGRONEGÓCIO A adoção dos cultivos biotecnológicos no mundo O mercado de sementes A União Europeia e a moratória Os países de América Latina A COEXISTÊNCIA É POSSÍVEL? 14.Maria Antonia Malajovich CAPÍTULO PÁGINA 12. BIOTECNOLOGIA E PECUÁRIA 165 A CRIAÇÃO DE ANIMAIS A NUTRIÇÃO DOS ANIMAIS A necessidade de rações De liebig à vaca louca Variações sobre a composição das rações As rações transgênicas O MELHORAMENTO GENÉTICO DO GADO O controle da reprodução As novas tecnologias O MELHORAMENTO DA PRODUÇÃO Carne. BIOTECNOLOGIA E BIODIVERSIDADE 139 A DESAPARIÇÃO DOS ECOSSISTEMAS NATURAIS O HOMEM E AS PLANTAS As plantas alimentícias As plantas comerciais As plantas medicinais A BIODIVERSIDADE AMEAÇADA A erosão genética A expansão do agronegócio A transgênese A PROTEÇÃO DA BIODIVERSIDADE Os centros de diversificação A conservação da biodiversidade O CGIAR e o centro internacional da batata O protocolo de Cartagena de biossegurança 13. leite. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE – AS VACINAS AS DOENÇAS INFECCIOSAS A AQUISIÇÃO DE IMUNIDADE OS DIFERENTES TIPOS DE VACINAS A primeira geração A segunda geração A terceira geração A PRODUÇÃO DE VACINAS Pesquisa e desenvolvimento Aspectos tecnológicos Aspectos econômicos Um setor estratégico para a sociedade O ROL DAS VACINAS NA ERRADICAÇÃO DA DOENÇA O caso da varíola O caso da poliomielite O caso da influenza A AMEAÇA DAS DOENÇAS EMERGENTES O BIOTERRORISMO v . BIOTECNOLOGIA E ALIMENTOS 179 OS ALIMENTOS FERMENTADOS O pão O vinho A cerveja Queijos e iogurtes A PROTEÍNA DE CÉLULA ÚNICA OS ADITIVOS Os diversos tipos Os adoçantes OS ALIMENTOS BIOFORTIFICADOS 16. BIOTECNOLOGIA 2011 / Sumário CAPÍTULO PÁGINA 15. BIOTECNOLOGIA E NOVOS ALIMENTOS 191 A ENTRADA DOS TRANSGÊNICOS NA CADEIA ALIMENTAR Melhorando a conservação Melhorando as propriedades industriais Melhorando as características nutricionais À FAVOR OU CONTRA? O QUE O CONSUMIDOR PRECISA SABER A noção de segurança A ingestão de DNA Os marcadores de resistência a antibióticos A composição química A produção de toxinas A produção de alérgenos A utilização de um promotor viral (CamMV) Outros efeitos COMO GARANTIR A SEGURANÇA ALIMENTAR? O princípio de equivalência substancial A avaliação de riscos A rotulagem dos alimentos Rotulo e informação O rastreamento de um transgene 199 17. TESTES DIAGNÓSTICOS 215 OS TESTES DIAGNÓSTICOS AS TENDÊNCIAS ATUAIS O que é um bom teste As técnicas com base bioquímica As técnicas com base imunológica As técnicas com base genética O DIAGNÓSTICO DAS DOENÇAS INFECCIOSAS A TIPIFICAÇÃO DE TECIDOS Sangue Outros tecidos e órgãos A PRÁTICA FORENSE O DIAGNÓSTICO DE DOENÇAS DE ORIGEM GENÉTICA As limitações dos testes As estratégias seguidas Diagnóstico preventivo e preditivo 229 19.MEDICAMENTOS A INDÚSTRIA DE MEDICAMENTOS OS PRINCÍPIOS ATIVOS DAS PLANTAS O caso da aspirina Os fitoterápicos As novas tecnologias A importância de um marco legal AS SUBSTÂNCIAS ANTIBIÓTICAS Os limites ao uso de antibióticos A necessidade de inovação AS PRIMEIRAS MOLÉCULAS TERAPÊUTICAS O caso da insulina A substituição do produto natural Os produtos e suas utilizações A indústria biotecnológica OS MEDICAMENTOS PERSONALIZADOS A farmacogenômica O custo dos novos medicamentos PATENTES E GENÉRICOS 20. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE .Maria Antonia Malajovich CAPÍTULO PÁGINA 18. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE .NOVOS TRATAMENTOS 247 A APROVAÇÃO DE UM TRATAMENTO EXPERIMENTAL AS TERAPIAS BIOLÓGICAS Os anticorpos monoclonais O câncer como doença genética As vacinas terapêuticas AS TERAPIAS GÊNICAS Terapias somáticas e germinais Os altos e baixos de uma tecnologia O estado da arte As promessas do silenciamento gênico A MEDICINA REGENERATIVA Os transplantes de órgãos A engenharia de tecidos As terapias celulares CONSIDERAÇÕES FINAIS 261 BIBLIOGRAFIA 263 ÍNDICE REMISSIVO 293 vi . BIOTECNOLOGIA E SAÚDE . 6.5. TABELA 5.2. Os anticorpos como agentes biológicos. TABELA 1. OS AGENTES BIOLÓGICOS CAPÍTULO 2. CAPÍTULO 5. TABELA 3. A organização e regulação dos genes nas células eucarióticas.4. Eletroforese. FIGURA 4. Mitose e meiose.5. FIGURA 4.3.4. A classificação internacional das enzimas. Cromatografia em coluna.6. Os ensaios imunológicos (associação com moléculas fluorescentes ou com enzimas). em diferentes setores. A síntese de proteínas em células procarióticas e eucarióticas. FIGURA 5. FIGURA 2. Diibridismo. Representação dos cromossomos humanos. O código genético. vii . O QUE É BIOTECNOLOGIA? FIGURA 1. FIGURA 5.3. O mecanismo da atividade enzimática (Modelo chave-fechadura). TABELA 2. Aminoácidos e proteínas. TABELA 3. eucariótica animal e vegetal).1. TABELA 4. e a seleção clonal. FIGURA 5. FIGURA 3. Bactérias e clones. FIGURA 2.LISTA DE FIGURAS E TABELAS INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1. A produção de anticorpos no laboratório. As enzimas como agente biológico. Monoibridismo. Representações esquemáticas da estrutura celular (bacteriana. Os fungos como agentes biológicos. FIGURA 2.1.3. OS MICRORGANISMOS FIGURA 3. As algas como agentes biológicos.1. O campo da Biotecnologia. TABELA 4.1. FIGURA 4. Os ácidos nucleicos (composição química. AS ENZIMAS E OS ANTICORPOS FIGURA 4. A organização e regulação dos genes nas células procarióticas.1. estrutura da molécula de DNA). A composição química de uma bactéria. O DNA como agente biológico.9.3.3. FIGURA 4. O fluxo da informação genética. A estrutura da molécula de anticorpo (IgG) FIGURA 4. Alguns tipos de vírus. FIGURA 5.2.5. TABELA 2.5.8. CAPÍTULO 3. FIGURA 2. As funções das proteínas no organismo. As células como agentes biológicos. FIGURA 3.2.2. Produtos e serviços de origem biotecnológica. FIGURA 4. TABELA 4.1.1. Os microrganismos dentro do marco da uma classificação biológica atual. Principais destaques entre os agentes biológicos microbianos. TABELA 4.1.2.7. A função e a distribuição das estruturas celulares.4.3.4. TABELA 3. FIGURA 3.6. AS CÉLULAS E OS CROMOSSOMOS FIGURA 2.2. OS ÁCIDOS NUCLEICOS E OS GENES FIGURA 5. As etapas da síntese de proteínas (Recapitulação). As bactérias (Eubactérias e Arqueas) como agentes biológicos. As células-tronco embrionárias. A multiplicação de um bacteriófago.4. FIGURA 5. FIGURA 4. TABELA 5.4. TABELA 3.7. Os anticorpos e o reconhecimento do antígeno.10. FIGURA 4. O silenciamento gênico.2.1.2. CAPÍTULO 4. FIGURA 4. FIGURA 2. O encontro do linfócito B e do antígeno. Alguns logotipos utilizados como indicação de risco biológico. TABELA 3.1. FIGURA 5. 3. Biorreator para fermentações em fase sólida FIGURA 6. As diversas fases do crescimento de uma população microbiana e a produção de metabólitos (As fases de crescimento de uma população. FIGURA 8. Sapobacter ou Bactosapo? FIGURA 9. FIGURA 9. TABELA 7. O polimorfismo de uma sequência de vinters (VNTRs). Respiração e fermentação.Maria Antonia Malajovich AS FERRAMENTAS BÁSICAS CAPÍTULO 6.4. copiar.7. Fermentações. Modelo de biorreator utilizado em fermentações submersas. FIGURA 9. A cultura de meristemas. As diferentes possibilidades dos cultivos de calos.1. A TECNOLOGIA DO DNA FIGURA 8.7.9. CAPÍTULO 7. agentes biológicos e biorreatores. FIGURA 6. a produção de metabólitos primários e secundários). CAPÍTULO 8.3.10.5.7.1. a amplificação do DNA). Obtenção de subculturas a partir de explantes nodais. FIGURA 8. FIGURA 7. O procedimento a seguir para se obter uma cultura asséptica no laboratório. a produção de vinagre (Método de Orléans) FIGURA 6. FIGURA 9.6. A mudança de escala.5. FIGURA 9. Algumas estratégias possíveis de clonagem. FIGURA 6. A reação em cadeia da polimerase (Os elementos necessários. A construção de uma planta transgênica no laboratório. FIGURA 9. FIGURA 9. OS PROCESSOS FERMENTATIVOS FIGURA 6. TABELA 7. colar.4.5. etapas da cultura de células a partir de um fragmento de tecido). FIGURA 9.8. A experiência que deu origem à engenharia genética: cortar. A construção de bibliotecas de genes.2. FIGURA 8. As diversas partes de uma planta angiosperma. viii . TABELA 7.2.1. FIGURA 8. As possibilidades do cultivo de células vegetais e animais. O processo fermentativo genérico FIGURA 6. FIGURA 7.6.2. FIGURA 7. A estrutura de um vetor de expressão. A CULTURA DE CÉLULAS E TECIDOS FIGURA 7. A síntese de cDNA por transcriptase reversa.6. FIGURA 7. FIGURA 8. As culturas de células de origem animal (Cultura de leucócitos para a análise do cariótipo.9. FIGURA 9. FIGURA 8. FIGURA 7. Os componentes do meio de cultura para células vegetais.4. FIGURA 8.8. A produção de somatotropina por engenharia genética.4. do laboratório à indústria.1.8.10. Os polimorfismos de restrição.3.2.6.3. A ENGENHARIA GENÉTICA FIGURA 9. transfecção de células-tronco embrionárias).2.7. O método de Southern. um clone obtido por transferência nuclear. FIGURA 8. FIGURA 6. Um processo tradicional. FIGURA 6. Os componentes de um meio de cultura básico para células animais. Fundamentos da tecnologia de arrays. Hibridização de uma sonda com a sequência complementar. CAPÍTULO 9. A síntese de oligonucleotídeos. O sequenciamento de um fragmento de DNA. As etapas da construção de uma planta transgênica. Construção de animais transgênicos (microinjeção. FIGURA 7. FIGURA 8.3. Dolly.1.5. A eletroforese do DNA. Origem e utilização de algumas linhagens celulares. FIGURA 10. Distribuição da produção agrícola (grãos e cereais.5.1.4.2. Metabólitos primários e secundários obtidos por fermentação e/ou bioconversão enzimática. FIGURA 10. BIOTECNOLOGIA 2011 / Lista de figuras e tabelas O IMPACTO NA SOCIEDADE CAPÍTULO 10.4. CAPÍTULO 14. A reação de transesterificação. TABELA 12.1. As utilizações do biogás. BIOTECNOLOGIA E PECUÁRIA FIGURA 14.1. O risco de escapamento de um animal transgênico.2. TABELA 12. pradarias e pastagens. As plantas e a indústria.2. TABELA 12. O tamanho da população humana. O Controle da reprodução em bovinos. ix . cultivos diversos) na área habitável do planeta.2. A biodigestão em condições aeróbias e anaeróbias.2.3.1. FIGURA 13. FIGURA 15. O milho.4. FIGURA 12. A compostagem.2.1. FIGURA 11. A panificação. A vinificação. BIOTECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE FIGURA 11. TABELA 11. As estratégias de biorremediação.1. FIGURA 11. FIGURA 15.3. CAPÍTULO 15. O poder calorífico de vários combustíveis. A produção de xarope de frutose. FIGURA 10. O transporte de plantas de um continente a outro. Alguns exemplos de utilização de agentes biológicos como pesticidas.4. TABELA 14. As complexas etapas da produção de biogás dentro do biodigestor. BIOTECNOLOGIA E BIODIVERSIDADE FIGURA 12. queijo).3.1. Os principais tipos de vegetais que entram em nossa alimentação. A produção de milho híbrido. TABELA 10. As etapas da construção de uma planta transgênica.6. FIGURA 10. BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA FIGURA 13.2.3. Os principais contaminantes do meio ambiente. TABELA 10. FIGURA 13. CAPÍTULO 12.2. FIGURA 11. O tratamento das águas residuais. Diversidade de produtos derivados de algumas matérias-primas renováveis. Significado e alcance dos três Rs.5. FIGURA 11. CAPÍTULO 11.1. FIGURA 10.5. BIOTECNOLOGIA E INDÚSTRIA FIGURA 10.2. Os elos que integram a cadeia produtiva da semente. As etapas necessárias para a produção de etanol a partir de diferentes matérias-primas. A produção de laticínios (iogurte. A produção de etanol a partir da cana-de-açúcar. TABELA 10.3. Os centros de diversificação e os cultivos originários. FIGURA 15. TABELA 11. A indústria de papel e de celulose. TABELA 12. O funcionamento de um biossensor. FIGURA 13.4. FIGURA 15. CAPÍTULO 13.3.1. As etapas da produção de cerveja. TABELA 14.1. BIOTECNOLOGIA E ALIMENTOS FIGURA 15. 4. A estrutura da molécula de insulina humana.2. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE – AS VACINAS FIGURA 17. Imagem mostrando a identificação dos 46 pares de cromossomos humanos mediante a técnica de SKY. As principais instituições produtoras de vacinas no Brasil.2. FIGURA 19. A fórmula da aspirina. As características comparadas das células-tronco adultas e embrionárias. síntese em Escherichia coli (1982). FIGURA 18.1.( síntese in vivo. TABELA 20. uma forma de gerar células-tronco embrionárias com a informação genética do doador do núcleo. TABELA 19.Maria Antonia Malajovich CAPÍTULO 16. FIGURA 19. FIGURA 18.2. FIGURA 17. O sistema HLA. líderes de venda em 2010.8. A síntese da insulina. Os métodos direto e indireto de um teste positivo de ELISA.4. A clonagem terapêutica. FIGURA 16. TABELA 18. FIGURA 20. FIGURA 20. As etapas do desenvolvimento de um medicamento. A resposta primária e secundária do organismo. Os diferentes tipos de vacinas virais. A transformação de uma célula normal em cancerosa por mutação (câncer de cólon). TABELA 20. FIGURA 18.3. A memória imunológica. A linha do tempo de entrada dos antibióticos e antibacterianos no mercado.3. TABELA 18. TABELA 19. FIGURA 18. Alguns biofármacos de interesse médico. O tratamento com sipuleucel-T (Provenge®).6. FIGURA 20. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE – OS TESTES DIAGNÓSTICOS FIGURA 18. CAPÍTULO 20 BIOTECNOLOGIA E SAÚDE – OS NOVOS TRATAMENTOS FIGURA 20. FIGURA 18. FIGURA 19.2. A utilização da tecnologia do DNA-recombinante na vacina contra a hepatite B. CAPÍTULO 17.7. Os fundamentos do projeto internacional HapMap. O símbolo de transgênico.1. FIGURA 18. Uma microplaca de poliestireno. TABELA 17. Algumas das mais de 8. BIOTECNOLOGIA E NOVOS ALIMENTOS FIGURA 16. Imagem comercial de um termociclador para a reação em cadeia da polimerase.2. FIGURA 18.4.1. As qualidades de um bom teste de diagnóstico. FIGURA 19. x .6.1. CAPÍTULO 18.1. FIGURA 17.3. adotado no Brasil. FIGURA 20.000 doenças genéticas descritas.5.1. As tecnologias de silenciamento gênico.1.2.1. TABELA 19. A fórmula da penicilina. Os 10 anticorpos monoclonais de uso terapêutico.5. CAPÍTULO 19 BIOTECNOLOGIA E SAÚDE – OS MEDICAMENTOS FIGURA 19. Imagens comerciais de alguns dispositivos miniaturizados utilizados em testes diagnósticos. O uso de arrays no diagnóstico de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2. FIGURA 19.4. A estrutura de um transgene. Imagem comercial dos sistemas API de Biomérieux. As principais proteínas terapêuticas comercializadas atualmente. O princípio da terapia gênica.3.2.3.2. FIGURA 17.1.5. Cohen que culmina em 1973 com a transferência de um gene de sapo a uma bactéria. a demanda de mão de obra por uma indústria incipiente estimula a migração da população do campo para a cidade. Nasce a Microbiologia. um marco fundamental na história da Biologia Molecular. Ao mesmo tempo. a era bioquímica substituiria a era da pedra e do ferro. a inovação consiste em substituir os métodos de obtenção tradicionais. Karl Ereky. A importância e os riscos inerentes à nova tecnologia não passaram despercebidos para as pessoas envolvidas. a Bioquímica e a Genética. Em alguns casos. mediante a intervenção de organismos vivos”. como “a ciência e os métodos que permitem a obtenção de produtos a partir de matéria-prima.br) . Boyer e S. Da convergência entre ambas resultam logros extraordinários em vários setores produtivos. como os da insulina e do hormônio do crescimento. Em condições sanitárias cada vez mais degradadas. ignorando a existência dos microrganismos ou das leis da hereditariedade. trata-se de produtos inteiramente novos. A BIOTECNOLOGIA MODERNA A proposta de J. D. No início do século XIX. informática). Mas a divisória entre a Biotecnologia clássica e a Biotecnologia moderna é uma série de experiências realizadas por H. desenvolve um gigantesco plano de criação de suínos visando substituir as práticas tradicionais por uma indústria agrícola capitalista baseada no conhecimento científico.1. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. Para ele. O século XX assiste a um desenvolvimento extraordinário da ciência e da tecnologia (eletrônica. um arroz com vitamina A. A compreensão dos fenômenos naturais torna-se indispensável para responder às necessidades da sociedade. o que aconteceu pouco tempo mais tarde. o tratamento do lixo. A partir de 1850 surgem novas áreas do conhecimento. o progresso exige processos industriais mais eficientes. a Imunologia. A partir desse momento é possível mudar o programa genético de um organismo transferindo-lhe genes de outra espécie.bio. Em outros casos. sem dúvida. A Química Industrial se desenvolve aceleradamente e. aumenta a intervenção da Engenharia Agrícola e da Pecuária no gerenciamento do campo. Crick (1953) de um modelo helicoidal para a molécula de DNA representa. onde os seres vivos constituem a base de itens tão diversos como a produção de variedades vegetais mais produtivas. as doenças e a fome acompanham o homem. Watson e F. domesticar animais. Fato inédito na história. também. a fabricação de novos alimentos. um engenheiro agrícola húngaro. a Engenharia Genética ocupa um lugar de destaque como tecnologia inovadora. em 1975 os cientistas reunidos em Asilomar (USA) estabeleceram uma moratória em seus trabalhos até serem definidas as condições de segurança adequadas. a produção de enzimas e os antibióticos. Na passagem de uma biotecnologia de laboratório a uma biotecnologia industrial. Em 1914. como o dos anticorpos monoclonais ou do Golden Rice. transformar os alimentos ou aproveitar as propriedades curativas de algumas plantas são atividades que remontam à alvorada da humanidade e se desenvolveram com base no conhecimento empírico. Deve-se a Ereky (1919) a primeira definição de biotecnologia. O QUE É BIOTECNOLOGIA? A BIOTECNOLOGIA TRADICIONAL Cultivar vegetais.bteduc. microbiologia. químicos. o EFB . o OTA – Office of Technology Assessment: Biotecnologia. fora do contexto histórico. o E. além de complexos e diversos. com o tempo. informática. elas acabam se superpondo. genética etc. o conceito ganha uma expressão mais simples. de uma forma abrangente. robótica e controle de processos).H. Esta definição é suficientemente abrangente para englobar atividades tão variadas como as de engenheiros. As definições mais recentes não fazem mais referência aos processos tecnológicos envolvidos. Observa-se que.1). Levantamos. agrônomos. AS DEFINIÇÕES DE BIOTECNOLOGIA O impacto causado pelas primeiras experiências de Engenharia Genética estimulou numerosas tentativas de redefinição do campo da Biotecnologia. Houwink: o uso controlado da informação biológica (1989). melhorar plantas e animais. devido à enorme difusão das técnicas de manipulação gênica. A Biotecnologia abrange hoje uma área ampla do conhecimento que decorre da ciência básica (biologia molecular. advogados. como a definição de um setor de atividades depende dos interesses dos grupos envolvidos. inclui qualquer técnica que utiliza organismos vivos (ou partes deles) para obter ou modificar produtos.European Federation of Biotechnology: Uso integrado da bioquímica. Porém. encontraremos mais de uma dúzia de definições diferentes do termo. células cultivadas animais ou vegetais ou parte dos mesmos na indústria. Biotecnologia é "bio" + "tecnologia". isto é o uso de processos biológicos para resolver problemas ou fazer produtos úteis (2003). ou desenvolver microrganismos para usos específicos (1984). separações. economistas etc. biólogos. da microbiologia e da engenharia para conseguir aplicar as capacidades de microrganismos. o BIO . assim como técnicas decorrentes da física e da eletrônica). Por outro lado. que utiliza agentes biológicos para fazer produtos úteis ou resolver problemas.Organisation for Economic Co-Operation and Development: A aplicação dos princípios da ciência e da engenharia no tratamento de matérias por agentes biológicos na produção de bens e serviços (1982). muitas vezes reflete a visão dos setores profissionais predominantes. veterinários. da ciência aplicada (técnicas imunológicas e bioquímicas.). médicos. microbiologistas. empresários. a manipulação gênica não é a única ferramenta disponível. se revisitarmos os textos da década de 1980. e. biologia celular. 2 . estes evoluam muito rapidamente. Neste texto consideraremos a biotecnologia de uma maneira ampla. na saúde e nos processos relativos ao meio ambiente (1988). Mediante a substituição da expressão “intervenção de organismos vivos” por “utilização de processos celulares e moleculares” tratou-se de diferenciar a Biotecnologia clássica da moderna.Biotechnology Industry Organization: em sentido amplo. entre as definições encontradas com maior frequência. e de outras tecnologias (fermentações.(Figura 1. Trata-se de uma rede complexa de conhecimentos onde ciência e tecnologia se entrelaçam e complementam. Por isso. é difícil distinguir o limite entre ambas. as seguintes: o OECD . purificações. talvez porque. anos em que a expressão “biotecnologia” se expande.Maria Antonia Malajovich Entretanto. definida como uma atividade baseada em conhecimentos multidisciplinares. trazendo oportunidades de emprego e investimentos. hormônios. O campo da Biotecnologia. mudas de árvores para reflorestamento. glicerol. e também processos industriais menos poluentes. bebidas (cervejas. Produtos e serviços de origem biotecnológica. iogurtes e outras bebidas lácteas).1. Pecuária Embriões. Indústria Butanol.).). acetona. menor necessidade de pesticidas. Meio ambiente Recuperação de petróleo. Agricultura Adubo. adoçantes etc. Numerosas enzimas para outras indústrias (têxtil.1). Plantas com características novas incorporadas (transgênicas): maior valor nutritivo. resistência a pragas e condições de cultivo adversas (seca. SETORES TIPOS DE PRODUTOS OU SERVIÇOS Energia Etanol. mudas de plantas livres de doenças. salinidade. Trata-se de plantas resistentes a doenças. de detergentes etc. proteína de célula única (PUC) para rações. biogás e outros combustíveis (a partir de biomassa). detergentes mais eficientes. vacinas e medicamentos para uso veterinário. FIGURA 1. biorremediação (tratamento de águas servidas e de lixo. reagentes e testes para diagnóstico. biopesticidas. tratamentos novos etc. monoglutamato de sódio. em diferentes setores. células. Alimentação Panificação (pães e biscoitos). animais com características novas (transgênicos).1. organelas. os produtos e processos biotecnológicos fazem parte de nosso dia a dia. Conhecimentos Agentes biológicos Ciência e tecnologia Organismos. etc. laticínios (queijos. vacinas. plásticos biodegradáveis.). BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 1: O que é Biotecnologia? O IMPACTO DA BIOTECNOLOGIA Já não se trata de promessas ou de perspectivas futuras. eliminação de poluentes). biofertilizantes. alimentos de origem transgênica com propriedades novas. vinhos e bebidas destiladas) e aditivos diversos (shoyu. Saúde Antibióticos e medicamentos para diversas doenças. centenas de testes de diagnóstico e de medicamentos novos (Tabela 1. moléculas BIOTECNOLOGIA Fazer produtos úteis Resolver problemas TABELA 1. 3 . biocombustíveis. biorremediação de poluentes. silagem. vitaminas etc. ácidos. a energia e o meio ambiente. Não existe possibilidade alguma de construir uma sociedade moderna se os seus integrantes ignorarem os aspectos mais gerais de ciência e tecnologia. cevada. Hooke descobre a existência de células (1665). tratamento de infecções (com produtos de origem vegetal tais como pó de crisântemo e derivados de soja com fungos). a Biotecnologia suscita ainda opiniões e sentimentos controversos. na Colômbia. agroalimentos e pecuária. O enfrentamento de partidários e opositores ocorre com menos frequência no terreno das razões que no das paixões. no Brasil. Esperamos que ele seja de ajuda para todos os que nos preocupamos com os alcances desta fascinante (r)evolução tecnológica. Século XVII Início da produção comercial de cerveja. Na região. Enquanto alguns setores a percebem como uma tecnologia baseada em um sólido conhecimento científico. Países como Uruguai e Venezuela também têm atividade em algumas áreas. Assim como a América Latina. A HISTÓRIA DA BIOTECNOLOGIA DATA ACONTECIMENTOS FUNDAMENTAIS ANTIGUIDADE Preparação e conservação de alimentos e bebidas por fermentação (pão. trigo etc. milho.). em Cuba e no México. em menor escala. assim como. Paraguai. umas 500 empresas incidem em vários setores: meio ambiente e indústria. sejam elas políticas. destacando como exemplos alguns empreendimentos latino-americanos bem sucedidos. Costa Rica. No entanto. boa ou ruim. cerveja. A condição fundamental é contar com instituições competentes que formem uma massa crítica de pesquisadores e pessoal técnico treinado. a produção de alimentos. desde que existam prioridades econômicas e políticas definidas claramente. pelos astecas. Ao discutir se a biotecnologia é progressista ou reacionária. no Chile. A proposta deste livro é revisar os fundamentos das biotecnologias e mostrar como esses se aplicam em diversos setores produtivos da sociedade. através de uma divulgação ampla que atinja também o sistema educativo em todos os seus níveis. onde esta se concentra principalmente na Argentina. A China e a Índia contam hoje com uma indústria biotecnológica avançada e diversificada. cultivo de fungos na França. IDADE MÉDIA Século XII Destilação do álcool. Produtos e processos inimagináveis trinta anos atrás entram em nosso cotidiano antes que os alicerces científicos e tecnológicos correspondentes se insiram em nossa cultura. o uso das biotecnologias não se restringe necessariamente aos países desenvolvidos. 4 . domesticação de animais. em função de suas riquezas naturais. Peru e Bolívia. extração de metais por ação microbiana na Espanha. vinho e vinagre). nos lagos de México. Existe um espaço que os países emergentes podem ocupar. cultivo de plantas (batata. capazes de abrir perspectivas novas. O desconhecimento aumenta o risco de rejeitar tecnologias promissoras. queijo. Equador.Maria Antonia Malajovich BIOTECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO Por se tratar de uma coleção de tecnologias diversas. para outros se trata de uma atividade antinatural e perigosa. saúde animal e humana. IDADE MODERNA Século XVI Cronistas registram a colheita de algas para alimentação. se esquece que o que caracteriza uma tecnologia é o uso que fazemos dela. religiosas ou ideológicas. com vistas a um desenvolvimento sustentável em áreas tão críticas como a saúde. 1809 Appert utiliza o calor para esterilizar e conservar comida. produção comercial de um biopesticida (Bacillus thuringiensis). investiga as doenças do bicho-da-seda (1865). Paralelamente. 1912 a 1914 Rhöm obtém a patente de uma preparação enzimática para a lavagem de roupas. faz os primeiros testes de uma vacina contra a raiva (1881). Constroem-se biodigestores para a produção de metano (China e Índia). 1936 Obtenção de ácido cítrico por fermentação. já enunciadas por Mendel em 1865. derruba a teoria da abiogênese (1864). 1892 Descoberta do vírus do mosaico do tabaco. IDADE CONTEMPORÂNEA 1797 Jenner inocula uma criança com um vírus que o protege contra a varíola. porém esquecidas. 1944 Produção em grande escala da penicilina (descoberta por Fleming em 1928. Watson e F. 1863). uma técnica que facilita sua utilização em processos industriais. na Inglaterra. 5 . usa microrganismos atenuados para obter vacinas contra o antraz e a cólera (1881). e enuncia quatro postulados sobre os agentes infecciosos como causa de doenças. 1938 Na França. crece o cultivo de leguminosas na Europa e se difunde a prática de rotação de cultivos. 1918 Morrem de gripe espanhola mais de vinte milhões de pessoas. um número de vítimas superior ao da Primeira Guerra Mundial. Griffith descobre a transformação. 1900 Redescobrimento das leis da hereditariedade. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 1: O que é Biotecnologia? Século XVIII Invento da máquina a vapor (1752). 1910 Em Manchester. 1933 Comercialização do milho híbrido. 1915 Morgan publica “Mechanism of Mendelian Heredity”. começam a ser introduzidos os sistemas de purificação de esgoto baseados na atividade microbiana. A partir de 1750. Schwann e Virchow enunciam a teoria celular. 1899 Primeiro transplante de um órgão: o rim de um cachorro a outro cachorro. 1940 a 1950 Avanços na mecanização do trabalho agrícola. desenvolvida por Florey e Chain). 1835 a 1855 Schleiden. que será utilizado contra sífilis. 1863 a 1886 Pasteur inventa um processo para conservar alimentos sem alterar suas propriedades organolépticas (Pasteurização. isto porque a córnea não tem antígenos. processo que será utilizado nas campanhas napoleônicas. Crick propõem um modelo da estrutura do DNA. Descoberta da presença de genes saltatórios no milho por Bárbara Mc Clintock. 1919 O engenheiro agrícola húngaro Ereky utiliza pela primeira vez a palavra biotecnologia. Em 1865 Mendel apresenta o seu trabalho “Experiências de hibridização em plantas”. 1897 Büchner mostra que enzimas extraídas da levedura podem transformar açúcar em álcool. introdução do trator na agricultura. 1953 J. 1959 Reinart regenera plantas de cenoura a partir de uma cultura de células (calo). identifica a levedura como o agente responsável pela fermentação alcoólica (1876). isto é de sementes de um milho mais produtivo. D. Weizmann consegue a produção de acetona e butanol por microrganismos. Koch inicia o desenvolvimento de técnicas fundamentais para o estudo dos microrganismos (1876). 1906 Ehrlich descobre o primeiro agente quimioterápico. isto é a transferência de informação genética de uma linhagem bacteriana a outra. aumentando a produtividade e melhorando o uso da terra. 1916 Imobilizam-se as enzimas. chamado Salvarsan. 1951 Inseminação artificial de gado utilizando sêmen congelado. 1887 Inauguração em Paris do Instituto Pasteur. 1928 F. 1927 Muller descobre que os raios X causam mutações. 1905 O primeiro transplante de córnea se realiza com sucesso. Milstein desenvolvem a tecnologia de hibridomas e obtêm anticorpos monoclonais. no México. 1982 A insulina humana de origem recombinante da Genentech. Nasce na Inglaterra Louise Brown. Isolado o vírus HIV no Instituto Pasteur (França) e no NIH (National Institute of Health. Inc. A empresa Novo produz xarope com alto conteúdo de frutose por via enzimática como adoçante alternativo à sacarose. Aprovada a primeira vacina biotecnológica para uso humano. 1967 Primeiro transplante de coração. 1986 A Environmental Protection Agency (EPA) dos Estados Unidos aprova a liberação de plantas de tabaco transgênicas. contra a hepatite B. 1973 Havendo desenvolvido técnicas de corte e reunião do DNA. e que os riscos associados com organismos transgênicos podem ser avaliados do mesmo modo que os riscos associados aos outros organismos. Cohen e Boyer transferem um gene a um organismo de outra espécie. Mullis inventa a técnica da Reação em Cadeia de Polimerase (PCR) cuja patente será obtida por Cetus. Inc. Clonagem e sequenciamento do genoma do HIV pela empresa Chiron Corp. 6 . 1976 Utilização da técnica de hibridização molecular no diagnóstico pré-natal da alfa talassemia. 1978 Genentech. acetona e butanol por via fermentativa. dando início ao que será chamado de Revolução Verde. Inc. na África do Sul. ácido cítrico. Estados Unidos). trata-se de Recombivax-HB. 1984 A. O paciente sobrevive 18 dias. 1975 A Conferência de Asilomar pede ao National Institute of Health (NIH) que sejam estabelecidas normas para a regulação dos experimentos com DNA-recombinante. Chakrabarty. Obtenção da primeira linhagem de células-tronco de camundongo. fundada um ano antes por Boyer e Swanson. 1962 Plantio de novas variedades de trigo mais produtivas. F. 1968 Produção industrial de aminoácidos utilizando enzimas imobilizadas. Lançado no Brasil o programa de produção de álcool a partir de biomassa (Pró-Álcool) 1975 G. que. o primeiro bebê de proveta. pelo processo de 1973. Syntex Corporation recebe a aprovação da Food and Drug Administration (FDA) de um teste para Chlamydia trachomatis baseado na utilização de anticorpos monoclonais. 1961 Descoberta do código genético. e de H. é comercializada. Uma licença será obtida mais tarde pela empresa Eli Lilly. A primeira vacina de DNA-recombinante para o gado é comercializada na Europa. um ano depois. que a venderá com o nome de Humulina®. Inc. Jeffreys introduz a técnica do Fingerprint (impressões digitais). em 1985 e vendida em 1991 a Hoffman-La Roche.. K. utilizando a tecnologia do DNA- recombinante. As primeiras patentes são de A. 1981 Obtenção da primeira planta geneticamente modificada.Maria Antonia Malajovich 1960 Aumento da produção de ácido láctico. Um grupo de especialistas em segurança em Biotecnologia da Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OECD) declara que a previsibilidade das mudanças genéticas obtidas por Engenharia Genética é frequentemente maior que a correspondente às técnicas tradicionais. N. para um microrganismo para biorremediação de petróleo. a primeira empresa biotecnológica. obtém a proteína somatotropina (hormônio de crescimento) mediante a tecnologia do DNA-recombinante. 1980 A Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos aprova o princípio de patentes para as formas de vida de origem recombinante. será utilizada pelos tribunais para a identificação de suspeitos. J. por 300 milhões de dólares.Boyer. o que acontecerá meses mais tarde. 1983 Realizam-se as primeiras experiências de Engenharia Genética em plantas (petúnia). Köhler e C. Desenvolvimento de uma protease alcalina para uso em sabões para a lavagem de roupas pela empresa dinamarquesa Novo. Cohen e S. 1979 Produção do hormônio de crescimento humano. do Consórcio do Genoma Humano. Sequenciamento do genoma de plantas de interesse agronômico para os países em desenvolvimento (arroz. na mesma década. Affymetrix). e Venter. obtém a patente de um processo que permite obter enzimas (proteases) resistentes a alvejantes (processo bleach) para a fabricação de sabões para a lavagem de roupa. 1997 No Reino Unido. clonada e geneticamente modificada. Os cultivos transgênicos são introduzidos em vários países. o de uma bactéria que ataca os cítricos (Xylella fastidiosa). 1990 Primeira experiência de terapia gênica para uma doença rara (ADA) em uma menina de quatro anos. Inc. A FDA declara que os alimentos de origem transgênica não demandam uma regulação especial. uma enzima de origem recombinante para a preparação de queijos. a levedura Saccharomyces cerevisiae. Isolada a primeira linhagem de células-tronco embrionárias humanas. uma segunda ovelha. a FDA aprova o fator ativador de plasminogênio. 1995 Decifrado o primeiro genoma de uma bactéria. 1993 Aprovada a utilização do hormônio de crescimento bovino rBGH/rBST. GenPharm International. Sequenciamento do genoma de bactérias de importância agronômica. permite testar anormalidades como a fibrose cística e a hemofilia em embriões in vitro. 2001 O rascunho do sequenciamento do Genoma Humano é publicado simultaneamente nas revistas Science e Nature. para aumentar a produção de leite. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 1: O que é Biotecnologia? 1987 Advanced Genetic Sciences libera em campo bactérias DNA-recombinante (Frostban) que inibem a formação de gelo nos cultivos de morango. Pesquisadores descobrem que as células-tronco podem ser induzidas a se diferenciar em diversos tipos celulares. na Califórnia.500 empresas de Biotecnologia nos Estados Unidos e mais de 3. da Celera Inc. consegue uma vaca transgênica que produz no leite proteínas humanas para alimentação infantil. A Universidade da Califórnia (UCSF) e a Universidade de Stanford contabilizam 100 patentes relativas ao DNA- recombinante. mal de Chagas. Descoberta da participação de moléculas de RNA na regulação de vários processos celulares. Sequenciamento do primeiro genoma animal.. e. para o tratamento de ataques cardíacos. 1994 Lançamento no mercado do tomate FlavSavr®. o verme Caenorrabditis elegans. o primeiro genoma de uma planta (Arabidopsis thaliana) e. elaborada por cientistas americanos e britânicos. que. devido à inativação de um gene. meses mais tarde. Pfizer comercializa Chy-Max TM. 1992 Uma técnica. Haemophilus influenzae. 1998 Contabilizam-se mais de 1. 2000 O rascunho do sequenciamento do genoma humano é anunciado simultaneamente por Collins. Identificam-se mais de 200 genes envolvidos na diferenciação das células-tronco. 1996 Sequenciado o primeiro genoma de um organismo eucarionte. banana). os europeus obterão a patente de outro rato transgênico. 7 . uma ovelha clonada. 1999 Sequenciamento do primeiro cromossomo humano. Sequenciados também o genoma da mosca Drosophila melanogaster. sensível a substâncias carcinogênicas. amadurece na planta. no Brasil. produzido por Monsanto Co. obtido por engenharia genética.000 no mundo. 1988 A Universidade de Harvard obtém a patente de um rato transgênico desenvolvido especialmente para o estudo do câncer. nascem Dolly. Em diversos países inicia-se a utilização de células-tronco adultas para o tratamento experimental de diversas doenças (leucemia. 1989 Com a criação do National Center for Human Genome Research se inicia o mapeamento do genoma humano. Polly. Células-tronco embrionárias são utilizadas para regenerar tecidos. 2002 Completados o rascunho do proteoma funcional da levedura e o sequenciamento do genoma do agente e do vetor transmissor da malária. diabetes e anemia falciforme). Desenvolve-se o primeiro GeneChip (Stanford. Genencor International Inc. Obtenção de células sanguíneas a partir de células-tronco embrionárias. Pesquisadores do Instituto Craig Venter constroem a primeira célula sintética. 2008 Pesquisadores japoneses desenvolvem a primeira rosa azul. 2007 As autoridades europeias de segurança alimentar concluem que os genes marcadores de resistência aos antibióticos não apresentam riscos relevantes para a saúde humana ou animal nem para o meio ambiente. 2010 Autorizada na União Europeia a comercialização da batata transgênica Amflora (BASF) para uso industrial. do GloFish. Clonagem de vários tipos de animais e de espécies ameaçadas de extinção.Maria Antonia Malajovich 2003 Comercialização como mascote. um peixe transgênico que brilha na escuridão. originalmente criado para detectar poluentes. Yamanaka consegue induzir a pluripotencialidade celular em células somáticas. 2006 O grupo de pesquisadores liderado por S. 2004 Comercialização de novos medicamentos (Avastin® ou bevacizumab) e testes de diagnósticos. geneticamente modificada. 8 . bteduc. Processados no aparelho de Golgi. lipídios e ácidos nucleicos). Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. os produtos celulares são secretados ou distribuídos em outras estruturas (lisossomos. mantém a forma da célula. Numerosos ribossomos asseguram a síntese proteica (Figura 2. Nenhuma dessas estruturas se observa nas células animais. A informação genética se encontra em um cromossomo circular formado por uma molécula de DNA e associado a uma invaginação da membrana plasmática (mesossomo).005 mm) e com requerimentos nutricionais simples. todas as células são formadas por água. membrana celular). as células animais diferem das células vegetais em alguns aspectos. As células procarióticas se encontram exclusivamente no Reino Monera. onde ocorre a fotossíntese. AS CÉLULAS E OS CROMOSSOMOS A CÉLULA COMO UNIDADE DOS SERES VIVOS UNIDADE ESTRUTURAL A célula é a unidade estrutural dos seres vivos.2). o retículo endoplasmático. estas células se multiplicam rapidamente.1). cloroplastos e peroxissomos).001 a 0.1). A presença de compartimentos diferenciados.bio. amebas. espermatozoides ou neurônios. formado por túbulos e filamentos proteicos. um envoltório com poros que separa o núcleo do citoplasma. Os cromossomos e o nucléolo se encontram no núcleo. complexas e rodeadas de membranas (mitocôndrias. O citoplasma é percorrido por um sistema de membranas. Apesar de ter uma organização muito parecida. Bem mais complexa é a estrutura das células eucarióticas. resulta em uma subdivisão do trabalho que garante a eficiência do funcionamento celular (Figura 2.br) . estas têm um centríolo que falta nas células vegetais (Tabela 2. além de assegurar o transporte interno das organelas e os movimentos celulares. E todas elas apresentam uma membrana plasmática que separa o citoplasma do meio externo e permite o intercâmbio de moléculas entre ambos. íons inorgânicos e moléculas orgânicas (proteínas. e grandes vacúolos. Com um tamanho variando entre 0. presentes nos quatro Reinos restantes (Protista. por conseguinte.01 e 0. o citoplasma contém cloroplastos.10 mm. Trate-se de bactérias. Pequenas moléculas circulares adicionais (plasmídeos) podem também estar presentes. ou organelas. Um citoesqueleto. Planta e Animal). que funciona como um centro de controle celular. que cumprem atividades específicas. que está associado aos ribossomos e. permite o intercâmbio de substâncias entre ambos. estas células são dez vezes maiores que as procarióticas. carboidratos. A membrana nuclear. A informação genética está distribuída em cromossomos. à síntese de proteínas. Nas células vegetais encontramos uma parede celular ao redor da membrana plasmática. Pequenas (0. cada um deles formado por uma molécula linear de DNA associada a proteínas. O metabolismo energético está associado a organelas citoplasmáticas. Fungo.2. onde se armazenam substâncias e degradam macromoléculas. Maria Antonia Malajovich FIGURA 2.1. Representações esquemáticas da estrutura celular. Célula procariótica (bacteriana) Célula eucariótica (vegetal) Célula eucariótica (animal) 10 . Presente Ausente Ausente Cloroplastos Fotossíntese. A função e a distribuição das estruturas celulares. Estrutura FUNÇÃO CÉLULA BACTERIANA CÉLULA CÉLULA ANIMAL VEGETAL Parede celular Manutenção da forma e Presente ou ausente Ausente Presente proteção da célula. Membrana plasmática Manutenção da estabilidade do meio intracelular. 11 . Carioteca ou Controle do fluxo de membrana nuclear substâncias entre o núcleo Ausente Presente e o citoplasma. Retículo endoplasmático liso Síntese de lipídios. contração. Vacúolo central Equilíbrio osmótico e Presente armazenamento. DNA. Ribossomos Síntese de proteínas.1. Ausente Presente Citoesqueleto Manutenção da forma celular. Ausente Lisossomos Digestão intracelular. Cromossomo(s) Controle da estrutura e do Único e circular. Ausente Presente Centríolos Formação de cílios e flagelos. Ausente Presente Complexo de golgi Secreção celular. Ausente Presente ancoragem de organelas. Presente Retículo endoplasmático rugoso Síntese de proteínas. armazenamento e inativação de substâncias. proteínas. Nucléolo(s) Formação de ribossomos. Mitocôndrias Respiração celular aeróbia. apenas Múltiplos e lineares. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 2: As células e os cromossomos TABELA 2. controle das trocas entre a célula e o Presente meio extracelular. participação na Ausente Presente Ausente divisão celular. DNA e funcionamento celular. 8 milhões de anos atrás. Estas reações constituem o que denominamos metabolismo. que são pequenos componentes citoplasmáticos. centrifugação em gradiente) para separar os componentes celulares para estudos bioquímicos posteriores. que a leva do núcleo até o citoplasma. que permite a observação em um plano de cortes tingidos com sais de metais pesados (microscopia de transmissão) e a observação tridimensional de células (microscopia de varredura). fornecendo uma imagem tridimensional. Microscopia fluorescente. denominadas enzimas. . que se utiliza para observar os cortes de tecidos. as enzimas se sintetizam nos ribossomos. o Técnicas instrumentais que possibilitam a contagem de células e a separação de populações celulares (cell sorter) ou de cromossomos (flow sorter). não membranosos. estes são fixados (álcool. . . Os dois tipos celulares que reconhecemos hoje. 12 . A estrutura das proteínas depende da informação genética codificada no ácido desoxirribonucleico (DNA) e transcrita no ácido ribonucleico (RNA). as células procarióticas e as eucarióticas. TÉCNICAS LABORATORIAIS O estudo das células se vê facilitado por um conjunto de técnicas laboratoriais. ácido acético. Microscopia de tunelamento. aumentando o contraste da imagem. As semelhanças de estrutura e funcionamento celulares decorrem de uma origem evolutiva comum. . Assim como as proteínas estruturais. permitem medições e a manipulação de moléculas e átomos. consumindo ou liberando energia. Microscopia de contraste de fase. que associa anticorpos específicos a um reagente como o PVF (proteína verde fluorescente de medusa). tais como: o Técnicas microscópicas que permitem uma visualização detalhada da célula: . . formaldeído) e tingidos com corantes que reagem com as proteínas ou com os ácidos nucleicos. Microscopia óptica. apareceram entre um e um milhão e meio de anos mais tarde. do inglês scanning probe microscope) que. de forma a marcar as moléculas e visualizar sua distribuição nas células. As reações metabólicas são facilitadas por proteínas com atividade catalítica. Microscopia eletrônica. que combina a microscopia fluorescente com a análise eletrônica da imagem. Geralmente. Microscopia confocal. além de fornecer uma imagem de moléculas e átomos.Maria Antonia Malajovich UNIDADE FUNCIONAL A célula também é a unidade funcional de um organismo O citoplasma é uma solução viscosa onde continuamente ocorrem reações de síntese e degradação de substâncias. o Técnicas de cultura de células com objetivos diversos. que transforma as diferenças de espessura ou de densidade do fragmento observado em diferenças de contraste. aproximadamente 3. com os diversos tipos de microscópios de varredura por sonda (SPM. o Técnicas físicas como a centrifugação diferencial (ultracentrifugação. a persistência de tecidos embrionários totipotentes (meristemas) na planta adulta permite o crescimento e a regeneração durante a vida toda do organismo. pele. essas células-tronco adultas originam células especializadas de vários tipos. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 2: As células e os cromossomos TODA CÉLULA DERIVA DE OUTRA PREEXISTENTE Assim como uma planta se forma a partir de outra planta e um animal de outro animal. As células-tronco embrionárias. não foi plenamente aceito até dez anos mais tarde. por exemplo. Em condições apropriadas. que. polpa dentária. sendo consideradas pluripotentes (Figura 2. Nos animais superiores. no embrião de mais de quatro dias. os queratinócitos da pele. Nessas propriedades se fundamenta a propagação de plantas in vitro. 13 . quando L. enunciado por R. se multiplicam rapidamente. Células-tronco unipotentes se diferenciam em uma única linhagem celular como. por exemplo. que são as únicas capazes de regenerar um organismo inteiro. fígado. As células embrionárias se diferenciam. Um único tipo de célula-tronco multipotente da medula óssea. Nos vegetais. leucócitos e plaquetas). Pasteur mostrou experimentalmente que a proliferação de microrganismos em um meio orgânico estéril se deve à contaminação deste com os microrganismos presentes no ar. Os diferentes tipos celulares cumprem funções específicas que. trato digestivo e pâncreas) apresentam células-tronco.2. assegurando a manutenção e o reparo do tecido onde se encontram. As células-tronco podem ser extraídas do blastócito com 5 a 7 dias e cultivadas in vitro. Este conceito. formando mais de 200 tipos de células em animais. As contribuições dos genes maternos e paternos para o desenvolvimento do embrião não são idênticas (imprinting).3). No entanto. Elas podem permanecer nos tecidos. Também tecidos adultos (medula óssea. a totipotência se restringe às células do embrião com menos de quatro dias. córnea e retina. diferenciam-se nos distintos tipos celulares. gera todas as células sanguíneas (hemácias. FIGURA 2. ao encontrar um meio propício. células especializadas podem reverter a um estado não diferenciado e regenerar um organismo completo e diferenciado. Virchow em 1855. toda célula deriva de outra preexistente. Todo organismo multicelular se forma a partir da multiplicação de uma única célula-ovo ou zigoto. algumas células internas do blastócito (células-tronco embrionárias) podem originar todos os tecidos do organismo. asseguram a unidade do organismo. sangue. Em determinadas condições fisiológicas. colocadas em condições experimentais adequadas. multiplicando-se durante longos períodos de tempo sem que ocorra a diferenciação. e um pouco menos nos vegetais. integradas. as células-tronco adultas encontraram rapidamente aplicações terapêuticas promissoras. XY). dos quais só alguns apresentariam algum sintoma. medicamentos e tratamentos novos. Do ponto de vista morfológico. n = 4 em Drosophila melanogaster e n = 23 no homem. Já nas células reprodutivas. na espécie humana o número de cromossomos (2n) é de 46.Maria Antonia Malajovich Por serem mais fáceis de conseguir. OS CROMOSSOMOS Cada cromossomo está formado por um filamento de DNA enrolado. 14 .85%. A mitose mantém constante o número de cromossomos nas células somáticas dos indivíduos de uma mesma espécie. homens 47. por exemplo. induced pluripotent stem cells) com propriedades equivalentes às das células-tronco embrionárias. a meiose reduz a n o número de cromossomos. diabetes e doença de Parkinson. Na divisão celular. a determinação do sexo segue mecanismos diversos. Estas podem ser obtidas seja a partir de um embrião. o entrecruzamento dos cromossomos permite a permuta e recombinação dos genes (Figura 2. os cromossomos se encontram distendidos. de maneira que cada uma das células filhas recebe 2n cromossomos. Durante a maior parte do ciclo celular. Na leucemia mieloide crônica. é frequente encontrar alterações no número de cromossomos das células cancerosas. erros na disjunção dos cromossomos podem dar origem a indivíduos com fórmulas cromossômicas alteradas. sendo que um par determina o sexo. Estima-se que a percentagem de recém-nascidos com alguma anomalia cromossômica estaria em torno de 0. Durante a formação dos gametas. Entender os mecanismos que controlam o crescimento e a diferenciação celular é um dos maiores desafios atuais. na fecundação. XX + 21. formando uma rede de filamentos finos (cromatina). a espaços regulares. Alterações cromossômicas também podem ser relacionadas com alguns tipos de câncer. Durante a meiose. seja a partir dos embriões supernumerários congelados nas clínicas de fertilização assistida. Os cromossomos sexuais são idênticos na mulher (46. (mulheres 47. Não aconteceu o mesmo com as células-tronco embrionárias. uma constrição que divide o cromossomo em dois braços. os cromossomos se duplicam. possibilitando a observação microscópica dos cromossomos. Na síndrome de Down. aumentando nosso conhecimento sobre o controle genético da diferenciação e abrindo uma nova senda para a implementação de testes. sobre proteínas (histonas).4). a pessoa apresenta geralmente um cromossomo 21 adicional. De um modo geral. XX) e diferentes no homem (46. a cromatina se condensa. Em outras espécies. por exemplo. Um pouco antes da divisão de uma célula. estes se caracterizam pelo tamanho e a posição do centrômero. A tecnologia de reprogramação celular se desenvolve rapidamente. A indução de pluripotencialidade mediante a inserção de alguns genes em células adultas é um passo importante para acabar com a necessidade de utilizar embriões congelados. a fusão dos gametas irá restaurar o número n característico da espécie. por exemplo. porque as células-tronco possibilitarão novos tratamentos de regeneração celular para doenças cardíacas. A polêmica começa a esmorecer com o desenvolvimento de uma tecnologia que permite obter. XY + 21). obtido por transferência de um núcleo a um ovócito anucleado. células iPS (do inglês. Como nas células somáticas os cromossomos se encontram sempre em pares. se observa a translocação recíproca de dois pedaços dos cromossomos 9 e 22. a partir de células somáticas. Os dois métodos suscitaram grandes debates éticos em torno de quem forneceria os ovócitos e do status do embrião. O número de cromossomos n é constante em todos os indivíduos de uma mesma espécie. a permuta de fragmentos cromossômicos homólogos possibilita a recombinação dos genes. Mitose e meiose. Lei de Segregação ou Monoibridismo. Lei de Segregação Independente ou Diibridismo. graças a sua publicação um ano mais tarde nos Anais da Sociedade de História Natural. a primeira delas se refere à segregação dos fatores (alelos) de um par (um gene) na formação de gametas. No texto figuram algumas generalizações. este reunia os resultados experimentais realizados com ervilhas (Pisum sativum). 15 . BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 2: As células e os cromossomos A TEORIA CROMOSSÔMICA DA HEREDITARIEDADE Em 1865. que é conhecida como Segunda Lei de Mendel. Gregor Mendel apresentou seu trabalho “Experiências de hibridização em plantas”. no jardim do monastério Agostino de Brno (Morávia). Conhecida como Primeira Lei de Mendel. Apesar de passar quase despercebido.3. A segunda. Durante a meiose. se refere à segregação dos fatores (alelos) de dois ou mais pares (dois ou mais genes) independentes na formação de gametas. FIGURA 2. durante sete anos. o trabalho acabou sendo distribuído por várias bibliotecas da Europa e América. O cruzamento entre duas linhagens puras de moscas que diferem pela cor do corpo (amarelo ou preto) gera.4.Maria Antonia Malajovich FIGURA 2. Do cruzamento entre indivíduos da F1 nasce uma segunda geração (F2) com uma proporção fenotípica de 3 moscas amarelas: 1 mosca preta. Esta proporção decorre da segregação dos alelos de um gene. na primeira geração (F1). Monoibridismo. 16 . moscas de corpo amarelo. mostrando a recessividade do alelo e. com dois alelos (e = corpo preto ou ebony. A cor do corpo da Drosophila depende de um gene. e+= corpo amarelo). na formação de gametas. localizado no cromossomo III. moscas com olhos e de corpo amarelo.5. na primeira geração (F1). O cruzamento entre duas linhagens puras de moscas que diferem pela cor do corpo (amarelo ou preto) e a presença ou ausência de olhos gera. A presença ou ausência de olhos depende de um gene. localizado no cromossomo III. mostrando a recessividade dos alelos ey e e. localizado no + cromossomo IV. e+= corpo amarelo). 3 moscas pretas com olhos: 1 mosca preta sem olhos. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 2: As células e os cromossomos FIGURA 2. Esta proporção decorre da segregação independente dos alelos dos genes localizados em diferentes cromossomos homólogos na formação de gametas. A cor do corpo da Drosophila depende de um gene. 17 . ey = com olhos). Diibridismo. com dois alelos (ey = sem olhos. com dois alelos (e = corpo preto ou ebony. Do cruzamento entre moscas da F1 nasce uma segunda geração (F2) com uma proporção fenotípica de 9 moscas amarelas com olhos: 3 moscas amarelas sem olhos. A partir dos dados obtidos em milhares de cruzamentos sobre a recombinação dos genes de um mesmo grupo de ligação chega-se a estabelecer a distância genética entre estes. que determina o sexo. os genes. formando um determinado número de grupos de ligação. Das descobertas de Morgan e sua equipe. Como durante a meiose se produzem permutas entre segmentos cromossômicos. sugerindo que os fatores hereditários de Mendel estariam nos cromossomos. em consequência. Os genes correspondentes se classificam em quatro grupos de ligação. 5. Von Tschermak e H. com a mosca da fruta. A confirmação desta hipótese decorreu dos trabalhos de T. depois de uma série de cruzamentos e de análises estatísticas. nasce a Teoria do Gene. associando os dados genéticos aos dados físicos. Com a descoberta de células com cromossomos gigantes (politênicos) nas glândulas salivares das larvas de drosófila.de Vries redescobriram nas bibliotecas o trabalho de Mendel. meiose.Maria Antonia Malajovich Em 1900. encontraram outras com asas curtas em vez de longas. 2. A observação microscópica das bandas nos cromossomos mostrou com enorme riqueza de detalhes uma sucessão consistente de bandas largas e estreitas. Drosophila melanogaster. 4. o próximo passo correspondeu a Sutton e Boveri (1902). 1890).4).5). Os genes estão ligados uns aos outros nos cromossomos. segundo a qual: 1. que leva à recombinação dos genes (Figura 2.H. Morgan mostrou que a herança da cor branca do olho do mutante white está associada à transmissão do cromossomo X. Entre os elementos pertencentes a cada grupo de ligação. depois de chegar de maneira independente a conclusões semelhantes. de acordo com a Segunda Lei de Mendel (Figura 2. 1875. E. com corpo de cor marrom ou preta em vez de amarela etc. A frequência da permuta fornece a prova da linearidade dos genes em cada grupo de ligação e permite determinar sua posição relativa. Morgan e seus colaboradores identificaram numerosos outros mutantes de Drosophila melanogaster com um padrão mendeliano de hereditariedade. de acordo com a Primeira Lei de Mendel e. sendo que cada um deles está associado a um dos quatro pares de cromossomos da Drosophila.3). Em 1910.Morgan e sua brilhante equipe na Universidade de Columbia (Nova York). 3. ocorre uma troca ordenada chamada permuta ou crossing-over. Os caracteres de um indivíduo correspondem a elementos pares. Correns. nos cruzamentos aparecem indivíduos recombinantes. Nesse intervalo de 35 anos tinha sido descrita a divisão celular (mitose. com outras combinações gênicas diferentes das previstas pelas leis mendelianas. começaram os primeiros trabalhos de mapeamento. Da associação entre os métodos genéticos e os métodos citológicos surgiram os primeiros mapas físicos. cada gameta fica contendo apenas um conjunto de genes (Figura 2. associando uma região cromossômica a cada gene. os pesquisadores K. Os genes de cada par se separam durante a gametogênese. isto é. Os genes pertencentes a grupos de ligação diferentes segregam independentemente. Além de moscas com olhos brancos em vez de vermelhos. 18 . quando uma característica depende da ação de muitos genes. Fonte: http://www. deve-se destacar que o fenótipo de um indivíduo é o resultado da interação entre o genótipo e o ambiente em que este se expressa. O número e a estrutura dos cromossomos são analisados e apresentados em um arranjo (cariótipo) que segue uma classificação convencional (Figura 2. o Pleiotropia. quando um gene determina diversos caracteres (pelagem e sobrevivência em ratos. FIGURA 2. por exemplo). o Interação gênica.png 19 . por exemplo). Os testes de diagnóstico genético envolvendo a análise de cariótipos estão amplamente difundidos na prática médica. cor dos olhos). dominantes. CÉLULAS E CROMOSSOMOS COMO AGENTES BIOLÓGICOS Um dos testes pioneiros de diagnóstico genético está baseado na observação microscópica dos cromossomos de células somáticas durante a divisão celular (mitose).6).6. Finalmente.molecularstation. o Herança poligênica. sendo facilitados atualmente pela utilização de corantes específicos para cada par cromossômico. Representação dos cromossomos humanos. a posição do centrômero (tracejado no esquema) e o padrão das bandas de cada cromossomo. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 2: As células e os cromossomos Os estudos posteriores mostraram a complexidade dos padrões de hereditariedade. A identificação se vê facilitada pela presença de regiões ou bandas reveladas mediante algumas técnicas de coloração. O arranjo segue uma classificação convencional que leva em conta o tamanho.com/molecular-biology-images/data/502/karyotype. quando um caráter está determinado por vários genes de efeito cumulativo (altura. quando um gene admite múltiplos alelos. recessivos ou codominantes (Sistema ABO. que incluem casos de: o Alelismo múltiplo. cultivada in vitro. Indústria farmacêutica (alcaloides e esteroides). 20 . Também se utilizam para regenerar plantas. A multiplicação de vírus em cultivos de células de insetos permite a comercialização de práticas de controle biológico. saram ferimentos e/ou queimaduras em seres humanos. A síntese de algumas substâncias importantes para a indústria farmacêutica. cosmética e farmacêutica.Maria Antonia Malajovich Como agentes biológicos. As células como agentes biológicos. TABELA 2. Células vegetais cultivadas in vitro produzem substâncias de alto valor agregado. Os enxertos de pele artificial. humanas Medicina regenerativa (produção de tecidos de substituição).2. Combinando as técnicas de cultivo celular com o desenvolvimento de materiais biológicos semelhantes ao colágeno. CÉLULAS Estudos toxicológicos. e/ou Indústria farmacêutica (produção de anticorpos e vacinas). Também possibilitam a produção de anticorpos. uma área nova de engenharia de tecidos visa a reparação ou substituição de tecidos lesionados. importantes para as indústrias alimentar. Indústria alimentar e cosmética (adoçantes. como o fator ativador de plasminogênio. Estas também substituem os animais nos testes toxicológicos e são utilizadas na multiplicação de vírus para a preparação de vacinas.2). as células encontram outras aplicações (Tabela 2. Animais Diagnóstico clínico (cariótipos). corantes. flavorizantes e Vegetais aromatizantes). depende do cultivo in vitro de células animais. Gimnospermas e Angiospermas. Presencia de cloroplastos. celular nem peptidoglicano peptidoglicano alguns.bteduc. Archaea e Eukarya.3.bio. em de quitina. TABELA 3. * Nutrição Nutrição autotrófica: o organismo produz seu próprio alimento a partir de substâncias inorgânicas e de uma fonte de energia. cloroplastos. Ausência de Presença de cloroplastos.br) .1). e Cordados Bolores e Pteridófitas Cogumelos. algas e fungos e. Nutrição heterotrófica: o organismo se alimenta de moléculas orgânicas elaboradas por outros seres vivos por absorção (captação de nutrientes dissolvidos na água). Os seres autotróficos podem realizar fotossíntese (para a qual a fonte de energia é a luz solar) ou quimiossíntese (para a qual a fonte de energia é uma reação química exotérmica).1: Os microrganismos dentro do marco da uma classificação biológica atual. Salvo estes últimos. (samambaias). arqueas. OS MICRORGANISMOS A DIVERSIDADE MICROBIANA O termo “microrganismos” se aplica a um grupo heterogêneo de seres que vivem como células independentes ou como agregados celulares: bactérias. também. vírus (Tabela 3. os encontramos dentro dos três domínios em que se classificam os seres vivos: Bacteria. protozoários. ORGANIZAÇÃO Unicelular Unicelular Uni ou Uni ou Pluricelular Pluricelular pluricelular pluricelular NUTRIÇÃO (*) Autotrófica ou Autotrófica Autotrófica ou Heterotrófica Autotrófica Heterotrófica Heterotrófica ou Heterotrófica (absorção) (ingestão) Heterotrófica EXEMPLOS Eubactérias Arqueas Protozoários e Leveduras. (musgos). Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. ou ingestão (entrada de partículas de alimentos não dissolvidas). que estão na fronteira entre o vivo e o não vivo. Briófitas Invertebrados Algas Mofos. em alguns. celulose. DOMÍNIO BACTERIA ARCHAEA EUKARYA REINO EUBACTERIA ARCHAEBACTERIA PROTISTA FUNGI PLANTAE ANIMALIA TIPO DE Procariótica Procariótica Eucariótica Eucariótica Eucariótica Eucariótica CÉLULA ESTRUTURA Parede celular Parede celular Parede celular Parede celular Parede celular de Sem parede CELULAR com sem de celulose. cloroplastos. causantes da sífilis e da doença de Lyme. AS EUBACTÉRIAS As eubactérias ou bactérias são organismos unicelulares procarióticos em que uma parede celular pode cumprir uma função protetora. Algumas espécies bacterianas também mantêm formas de reprodução sexuada. os espiroquetas (Treponema pallidum e Borrelia burgdorferi. na Europa do século XIX. Mas há também parasitas que crescem à custa de outros seres vivos. 22 . a esses grupos. trazidos à superfície pelas minhocas. produtora de antibióticos como a estreptomicina. Os heterótrofos dependem das moléculas orgânicas elaboradas pelos autótrofos. cuja parede celular é mais simples.1). devido ao alto risco de contrair o carbúnculo ou antraz. identificação) podem ser aplicados. Pequenas (0. Escherichia coli. desde o cume das montanhas até as profundidades dos oceanos. Entre as Gram-positivas.005 mm) e de formas diversas (esféricas. outras se aderem mediante pelos ou fímbrias a um organismo hospedeiro. as cianobactérias fotossintéticas. Em uma de suas acepções. outros eucariontes. as algas e os fungos. Formas livres colonizam todos os ambientes terrestres. O grupo inclui também as cianobactérias. os anaeróbios se não o houver. algumas reações químicas inorgânicas. Alguns são procariontes. Os aeróbios crescem se houver oxigênio. Além do DNA cromossômico. Os autótrofos sintetizam seus alimentos a partir de dióxido de carbono. e os que mostram diversos graus de dependência de outros seres vivos. contaminavam as pastagens. cultura in vitro. um agente de muitas intoxicações alimentares. As eubactérias formam um grupo com mais de 5. uma colonizadora do trato digestivo de muitos organismos. os bacilos presentes nos animais vitimados pela doença e enterrados nesses campos formavam esporos que. a palavra clone se aplica às células que derivam de uma única célula.0005- 0. encontramos gêneros como Clostridium. possibilitando a recombinação do material genético. mediante um ou mais flagelos distribuídos na superfície celular. germinando e retomando sua atividade fisiológica. helicoidais). podem apresentar moléculas circulares extras de DNA denominadas plasmídeos. Salmonella. encontramos os micoplasmas. Bacillus. que absorvem ou ingerem. algumas bactérias formam esporos que resistem em forma latente até que a situação mude. cadeias ou agregados. De fato. já que os mesmos métodos básicos de estudo (isolamento. como Streptomyces. O fato de mantê-los agrupados sob a denominação de “microrganismos” talvez obedeça menos a uma questão de semelhança que a razões práticas. acidez e temperatura. onde encontram abrigo e alimento. é o da existência de “campos malditos”.000 espécies conhecidas. Uma técnica laboratorial (coloração de Gram) permite diferenciar as bactérias pela estrutura da parede celular. Entre as Gram-negativas. Em condições desfavoráveis. Algumas se locomovem livremente. respectivamente) e as clamídias (responsáveis por tracoma e uretrites). com pequenas variações. Mycobacterium (com algumas espécies que causam a tuberculose e a lepra) e os Actinomicetes. Um exemplo interessante. as bactérias se multiplicam rapidamente por fissão celular produzindo milhões de células em poucas horas (Figura 3. como as bactérias. Em condições favoráveis de umidade. os fotossintéticos utilizam a luz como fonte de energia e os quimiossintéticos. como os protozoários. elas podem ser encontradas isoladas ou em pares. bastonetes.Maria Antonia Malajovich Os microrganismos mostram uma diversidade surpreendente de estrutura e modos de vida. que serão comentadas mais adiante junto com as algas. campos em que as ovelhas não deviam transitar. Por outro lado. como o Grande Lago Salgado (Estados Unidos) ou o Mar Morto (Israel). a fixação de nitrogênio e a produção de toxinas pesticidas contribuem para melhorar as práticas agrícolas. também. Assim como o homem. AS ARQUEAS As arqueobactérias. O dano decorre da invasão dos tecidos do hospedeiro ou da liberação de substâncias tóxicas (exo e endotoxinas). por alguns aspectos metabólicos relacionados com a síntese de proteínas que as aproximam dos eucariontes. FIGURA 3. Também se utilizam na produção de enzimas para uso industrial e médico (Tabela 3. também. Algumas vivem em habitats inóspitos.1. aminoácidos. picles e azeitonas) e de aditivos (vitaminas. a temperaturas superiores a 60-800C (Islândia. os animais e as plantas também são afetados por patógenos bacterianos. sendo sua diversidade bem maior do imaginado previamente. possibilitando o tratamento de resíduos e de águas servidas e. toxinas e antibióticos). nos últimos anos tem-se acelerado a prospecção de arqueas com propriedades potencialmente interessantes. Entre as arqueas existem também gêneros com vias metabólicas peculiares que as tornam dependentes de enxofre ou produtoras de metano. gomas emulsificantes e estabilizantes). a eliminação de compostos recalcitrantes (biorremediação) e a extração de minérios (biolixívia). na indústria química (acetona. como as solfataras dos vulcões ou gêiseres. Mas nem todas são patogênicas. Devido a suas propriedades metabólicas. diferem das eubactérias pela estrutura da parede celular e. A participação das bactérias na reciclagem dos elementos é fundamental do ponto de vista ecológico. As Gram-negativas resultam mais difíceis de tratar que as Gram-positivas. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 3: Os microrganismos Estima-se que as bactérias sejam responsáveis por aproximadamente metade das doenças humanas. devido a uma camada adicional na parede celular que as protege e dificulta a entrada de antibióticos. para serem utilizadas em processos industriais que exijam condições ambientais extremas. vinagre. Bactérias e clones. butanol e plásticos biodegradáveis) e na indústria farmacêutica (vacinas. Devido a estas propriedades. estudos recentes de ecologia molecular mostram que as arqueas não se limitam a ambientes extremos. ou arqueas. Costa Rica). Outras prosperam em lagos onde a concentração salina é altíssima. No entanto.2). Por divisão binária de uma bactéria gera-se um clone de bactérias semelhantes 23 . muitas eubactérias são utilizadas na produção de alimentos (laticínios. TABELA 3. Indústria de alimentos (vitaminas B12 e β-caroteno. ácido láctico. Agricultura (rizóbios. Biomassa Agricultura (adubo). biopesticidas). Alimentos (laticínios. Produção de alimentos (alimentação humana. obtenção de energia.Maria Antonia Malajovich TABELA 3. As bactérias (Eubactérias e Arqueas) como agentes biológicos. Bactérias Enzimas industriais. queijaria).3. Indústria farmacêutica (enzimas de uso médico. 24 . Produtos de fermentação (etanol. substitutos proteicos. antibióticos. AGENTES BIOLÓGICOS APLICAÇÕES Tratamento de efluentes. Produtos metabólicos (extrato de levedura. complementos nutricionais. glicerol. biomonitoramento de poluição. AGENTES BIOLÓGICOS APLICAÇÕES Tratamento de resíduos e de águas servidas. polissacarídeos xantana e dextrana*). espessantes e emulsionantes).). Fungos Biomassa (fermento de padaria. azeitonas. picles. Indústria farmacêutica (compostos biologicamente ativos.2. micoproteína). pigmentos. micorrizos). ração para avicultura e aquicultura). aminoácidos lisina e ácido glutâmico. hormônios de crescimento vegetal). Indústria química (acetona. esteroides). Algas Indústria de alimentos (aditivos. extração de minério. silagem). butanol. vitaminas. abrasivos finos etc. Biorremediação. Os fungos como agentes biológicos. destilados).4. antivirais e antitumorais). Indústria de bebidas (cervejas e vinhos. vacinas. AGENTES BIOLÓGICOS APLICAÇÕES Agricultura (controle biológico de insetos e nematoides. vinagres. As algas como agentes biológicos. antibióticos. Enzimas industriais. Indústria de alimentos (panificação. ácido cítrico). glicerol. vacinas e toxinas). Produção de energia (metano). Indústria farmacêutica (antibióticos. tais como toxinas. (*) A dextrana também tem usos médicos TABELA 3. ácido acético). Moléculas Indústria de cosméticos (ácidos graxos e outras substâncias tais como ficocoloides. sua caracterização molecular pode dar origem a testes diagnósticos e vacinas. A proliferação de microalgas como florações na natureza (marés vermelhas) ou em reservatórios. O metano é um gás combustível que resulta da degradação de biomassa de algas por microrganismos anaeróbios. Classificadas junto com os protozoários no reino Protista. com uma parede celular formada por quitina. Também são usadas como indicadores de poluição. As leveduras são fungos unicelulares que se desenvolvem em lugares úmidos e se reproduzem por brotamento. Devido a sua capacidade de formar géis e emulsões. nas quais causam doenças: Giárdia. na alimentação humana (Porphyra ou nori e Laminaria. Amoeba. os ficocoloides extraídos dessas algas (agar. São utilizadas como adubo e. também. Porém. as macroalgas marinhas (algas pardas. As microalgas são aproveitadas na alimentação animal como ração para a avicultura e a aquicultura. como o kombu. euglenoides e outras algas verdes) como procariontes (cianobactérias. a farmacêutica (laxantes. as algas são organismos uni ou pluricelulares. tais como a alimentícia (sorvetes. algas vermelhas e parte das algas verdes) formam filamentos e talos que podem chegar a medir mais de trinta metros.002 e 1mm. OS FUNGOS O Reino Fungi comporta mais de 100. autótrofos ou heterótrofos. de reprodução sexuada ou assexuada. carragenina.3). de água doce. Situadas na base das cadeias alimentícias aquáticas. Alguns vivem livres em ambientes marinhos. Apesar de não ter órgãos diferenciados. ou simplesmente muito úmidos. dinoflagelados. geralmente devido à eutrofização das águas. Também são utilizadas na formulação de cosméticos e na indústria farmacêutica (Tabela 3. em alguns sistemas de tratamento de efluentes as microalgas são incorporadas nos tanques para remover nutrientes inorgânicos e adicionar oxigênio. Todos eles são heterótrofos e podem se reproduzir sexuada ou assexuadamente. cochayuyo no Chile). sendo muito perigosa se estiver acompanhada pela liberação de toxinas. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 3: Os microrganismos OS PROTISTAS Os Protozoários se classificam no reino Protista. no Oriente. Trichomonas. As microalgas representam um grupo extremamente diversificado de umas 25. as algas cumprem um papel fundamental na biosfera por serem capazes de fixar gás carbônico e produzir oxigênio. autotróficos e aquáticos.000 espécies das quais só um pequeno grupo está bem estudado.). trata-se de aminoácidos. a produção de hidrogênio por algas representa uma alternativa energética promissora. Trata-se de organismos unicelulares heterotróficos. alginato) são empregados em análises clínicas (preparação de meios de cultivo para cultivo de bactérias e fungos) e em várias indústrias. geleias etc. Leischmania etc. tanto eucariontes (diatomáceas. Algumas participam na formação de solos e na fixação de nitrogênio. uni ou pluricelulares. causa a morte de outros organismos. antigamente algas azul- esverdeadas). Plasmodium. Por outro lado. Toxoplasma. cápsulas de remédios) e a cosmética (cremes. 25 . cremes. cujo tamanho varia entre 0. -caroteno ou provitamina A). um grupo mal definido de seres eucarióticos unicelulares ou pluricelulares. xampus. Os fungos são organismos eucarióticos. Outros parasitam outras espécies. De importância fundamental para o ser humano do ponto de vista médico. Este compreende aproximadamente cinquenta espécies de microrganismos fotossintéticos. dentifrícios etc). Algumas das substâncias que elas sintetizam são incluídas na alimentação humana como complementos nutricionais e substitutos proteicos. sabonetes. ácidos graxos e vitaminas (B12.000 espécies. 2) Como parasitas obrigatórios de bactérias.Maria Antonia Malajovich Pertence a esse grupo um dos microrganismos de maior importância econômica: Saccharomyces cerevisiae. o Gorgonzola e o Camembert. 26 . Nos bolores e mofos. uma das quais é utilizada na indústria farmacêutica. soja) e produz uma toxina poderosa. Devido a esta propriedade. Podem atravessar filtros extremamente finos e cristalizar. Mas também os há comestíveis como o Agaricus ou champignon. OS VÍRUS. esta levedura produz uma vacina contra a hepatite B (Tabela 3. um quarto da colheita de frutas e vegetais é destruído pelos fungos. a aflatoxina. um indicador de pH).3). a praga causou um milhão de mortes e a emigração forçada de boa parte da população. plantas ou animais. para a produção de penicilina. Na Irlanda no século XIX. Muitos possuem enzimas que serão liberadas dentro da célula hospedeira (Figura 3. Candida albicans. tais como a psilobicina. Sua estrutura é muito simples: um ácido nucleico (DNA ou RNA. destruindo a fonte básica de alimentação. um bolor que ataca as sementes de leguminosas (amendoim. um microrganismo oportunista da flora normal humana pode. outros produzem substância alucinógena. para a maturação de queijos como o Roquefort. ou ainda como Aspergillus flavus. um gênero que conta com diversas espécies. retrovírus). ao infetar uma célula viva passam a utilizá-la para sua própria reprodução. nem todas as leveduras são benéficas. Em contrapartida. Os menores medem 20 nanômetros (1nm = 10-4 mm). Entretanto. apesar de ter encontrado aplicações como corantes (tintura de tornassol. utilizada por grupos nativos mexicanos em rituais religiosos. Alguns se integram no genoma da célula infetada (bacteriófagos. ou como Rhizopus. em certas condições. Os cogumelos são os corpos reprodutivos de muitos fungos. O grupo não tem sido muito explorado economicamente. outra associação. e outras na indústria de alimentos. desta vez entre um fungo filamentoso e as raízes das plantas vasculares. feijão. sintetizada quimicamente no século XX com o nome de LSD (ácido lisérgico). Os liquens resultam da simbiose entre um fungo e uma alga. assim como na produção de etanol. que se expande sobre a superfície deste apesar dos conservantes acrescentados. no tingimento de tecidos e como fixadores na indústria de perfumes. como filamento simples ou duplo) dentro de uma capa proteica ou capsídeo.4). os micorrizos. ocupam um lugar de destaque na agricultura em solos tropicais por facilitarem a solubilização dos fosfatos. Alguns são venenosos (Ammanita). causando graves intoxicações. o popular levedo de cerveja (ou. NA FRONTEIRA DO VIVO E DO NÃO VIVO Os vírus são partículas inertes sem nenhuma atividade metabólica. vitaminas e outros metabólitos. proliferar de maneira anormal. o Phytophtora infestans atacou a batata. o fungo preto do pão. Neste grupo também se encontra o Penicillium. Alguns são comestíveis. Em termos ambientais. como Aspergillus niger. os vírus têm sido utilizados como vetores para introduzir genes em uma célula hospedeira (Figura 3. Também são indicadores de poluição (biomonitoramento). Transformada mediante técnicas de engenharia genética. o esporão do centeio e a vassoura-de-bruxa afetam gravemente a agricultura. denominado micélio. pragas como a ferrugem do café. o Shiitake e o Pleurotus. supondo- se que a Lecanora esculenta seja o maná referido na Bíblia. simplesmente. no limite entre o “vivo” e o “não vivo”. tornando-se patogênica. ou a ergotamina. as células formam um emaranhado de filamentos ou hifas. levedura) utilizado tradicionalmente na preparação de alimentos e de bebidas. um produtor de ácido cítrico. Os mofos crescem rapidamente por fragmentação do micélio e se disseminam mediante esporos. que são cultivados e comercializados pelo homem. o coronavírus responsável pela SAR (síndrome aguda respiratória) etc. Os vírus que infectam insetos podem ser utilizados no controle de pragas.2 milhão de litros de inseticidas por ano nas lavouras brasileiras. o DNA viral se integra no cromossomo sendo transmitido às células filhas. Em alguns casos. o bacteriófago. o HIV. bactérias. HIV Adenovírus Bacteriófago FIGURA 3. Ao infectar as células animais normais. alguns vírus as transformam em células cancerosas.2.3. o Baculovírus evita a aplicação de 1. Os adenovírus e o HIV parasitam células humanas. em determinadas condições o vírus retoma sua atividade. tais como o poliovírus. Na luta contra a lagarta da soja. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 3: Os microrganismos Várias doenças humanas são causadas por vírus. FIGURA 3. A multiplicação de um bacteriófago. 27 . reiniciando o ciclo lítico. Alguns tipos de vírus. A infecção da bactéria pelo bacteriófago destrói a célula (ciclo lítico). Trabalha-se em condições assépticas. a fungos e algas. um cuidado especial com as condições de temperatura e iluminação em que este será incubado. as técnicas clássicas são trabalhosas e muito demoradas para o diagnóstico clínico. facilitam o trabalho laboratorial. uma substância que lhes confere uma consistência gelatinosa. se utilizam alças de platina e pipetas de diferentes tipos. A identificação de um microrganismo demanda a observação microscópica e a utilização de alguns métodos específicos de coloração. técnicas e práticas necessárias para evitar a exposição acidental a patógenos e toxinas assim como sua liberação acidental (Figura 3. Em outra linha de ação. Cultivar microrganismos exige. Encontrar e manter um microrganismo no laboratório demanda a aplicação de técnicas bacteriológicas aplicáveis também. A tendência geral é de automatização do laboratório microbiológico. Em geral. Os meios nutrientes se empregam líquidos ou solidificados com ágar. 28 . que também podem ser solicitados a centros especializados (Coleções de cultura). isto é a multiplicação de outros microrganismos. além do desenho de um meio nutriente que satisfaça suas necessidades metabólicas. Os microrganismos são isolados a partir de amostras de solo. água. A grande dificuldade do laboratório microbiológico está em conseguir a multiplicação do microrganismo desejado evitando as contaminações. contagem eletrônica. para inocular os meios. Também se evitam as contaminações na hora de eliminar o material utilizado.Maria Antonia Malajovich AS TÉCNICAS MICROBIOLÓGICAS Diversos tipos de técnicas. dependemos dos avanços na área da genômica para ampliar nosso conhecimento das comunidades microbianas do ambiente. e. O número de espécies que conseguimos cultivar no laboratório não representa ainda mais do que 1 a 5 % da totalidade existente. O número de microrganismos em uma amostra pode ser estimado por diversos métodos: contagem microscópica. a partir do início do século XX surge a Microbiologia Ambiental. No entanto. o que demanda a esterilização prévia do material de vidro. com algumas variações. massa seca. nossa ignorância em relação aos microrganismos ainda é enorme. por isso estão sendo substituídas por técnicas miniaturizadas mais rápidas que identificam os microrganismos com base em algumas reações bioquímicas em kits padronizados. muitas das quais datam do século XIX.4). Equipamentos especialmente desenhados para trabalhar sob um fluxo de ar esterilizado ajudam o profissional. Os recipientes mais comuns são tubos de ensaio e placas circulares de vidro com tampa (Placas de Petri). a fim de não liberar microrganismos prejudiciais no ambiente. BIOSSEGURANÇA E BIOSSEGURIDADE De acordo com a Organização Mundial da Saúde. turvação do meio. As linhagens obtidas se conservam como culturas puras. dos meios nutrientes e dos instrumentos (alças. complementados por testes bioquímicos e eventualmente genéticos e imunológicos. evita-se cuidadosamente toda contaminação com os microrganismos do ar. Cada laboratório mantém os estoques microbianos necessários. conteúdo de nitrogênio ou medidas indiretas da atividade microbiológica. Microrganismos com características diferentes são obtidos induzindo mutações e selecionando as linhagens mutantes. E na transferência do material biológico. trazendo uma nova visão em relação às populações microbianas presentes na natureza. contagem em placa. pipetas) que serão utilizados. o termo biossegurança abrange os princípios. ar ou fluidos corporais. Exemplos: Mycobacterium tuberculosis. o conjunto de medidas de proteção de uma instituição e dos trabalhadores necessárias para evitar a perda. Os critérios são: a patogenicidade para o homem. Microrganismos que nunca foram descritos como agentes causadores de doenças para o homem e que não constituem risco para o meio ambiente. Streptococcus sp. Grupo 3: Risco individual elevado. Lactobacillus sp. Exemplos: Bacillus cereus. Definem-se assim quatro grupos de risco: Grupo 1: Baixo risco individual e coletivo. o uso incorreto ou a liberação intencional de patógenos e toxinas (bioterrorismo). Biossegurança Biosseguridade 29 . Escherichia coli (algumas linhagens).4. vírus da rubéola. Bacillus subtilis. Schistosoma mansoni. Grupo 2: Risco individual moderado. Grupo 4: Sério risco para os profissionais do laboratório e para a coletividade. o modo de transmissão. Toxoplasma. o roubo. Microrganismos que causam doenças graves para o homem. Microrganismos que podem causar doenças no homem. vírus do sarampo e vírus da hepatite B. risco coletivo baixo. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 3: Os microrganismos Os microrganismos são classificados segundo o risco de causarem danos aos profissionais que trabalham com eles e à coletividade. Microrganismos que podem causar doenças graves aos profissionais do laboratório. Alguns logotipos utilizados como indicação de risco biológico. a virulência. Exemplos: vírus Ebola. com pouca probabilidade de alto risco para os profissionais do laboratório. a endemicidade e a existência ou não de uma terapêutica eficaz. Exemplos: Salmonella. Bacillus anthracis e vírus da imunodeficiência humana (HIV). O conceito de biossegurança se complementa com o de biosseguridade. isto é. que abrangem desde a arquitetura do laboratório e as características dos equipamentos até as precauções que devem ser tomadas pelos profissionais e a forma em que o lixo será descartado. A cada grupo de microrganismos correspondem normas estritas de trabalho. risco coletivo limitado. vírus Lassa e vírus Marburg. FIGURA 3. vitaminas e outros metabólitos). chamado PCR (Polymerase Chain Reaction ou Reação em cadeia da polimerase). Pode crescer no Mar Morto. biscoitos.5 uma lista dos principais os agentes biológicos microbianos e suas utilizações. esta bactéria produz uma enzima que copia o DNA a uma temperatura alta. Dunaliella Acumula glicerol em condições de alta salinidade. são vendidas em tabletes como complemento nutritivo.000 de pares de bases e 6. seja no tubo digestivo de alguns animais (gado. sendo também cultivada em tanques ou lagoas. Esta enzima permite obter milhões de cópias de um fragmento de DNA em um processo automatizado que revolucionou a Biotecnologia. com o qual consegue evitar a desidratação. Spirulina. Bactérias metanogênicas Vivem em lugares onde há ausência de oxigênio.Maria Antonia Malajovich OS MICRORGANISMOS COMO AGENTES BIOLÓGICOS Encontra-se na Tabela 3. ALGAS UTILIZAÇÃO Spirulina O seu alto teor proteico. Principais destaques entre os agentes biológicos microbianos. lhe confere um elevado valor nutritivo. o primeiro organismo eucariótico a ter o seu genoma sequenciado. um gás combustível. A levedura cresce facilmente em laboratório. Na África. é utilizado na preparação de alimentos (pão. os astecas já preparavam umas bolachas (tecuitlatl) com a Spirulina coletada no lago Texcoco. Nos fermentadores ou biorreatores industriais onde se multiplica rapidamente apartir de matérias-primas de baixo custo. ainda hoje ela é coletada e consumida como alimento. Quando da chegada dos espanhóis. as proteínas representam aproximadamente 2% do peso seco da batata e 6-10% do trigo. para a extração de outros produtos metabólicos (glicerol e -caroteno). vinho e destilados). pode ser separada por filtração ou centrifugação. que corresponde a 60% do peso seco. utilizada para a produção de ácido cítrico ou de enzimas (em linhagens modificadas geneticamente). Também pode ser manipulada geneticamente. cupins) ou nos pântanos.5. no lago Tchad.000 genes em 16 cromossomos. TABELA 3. assim como Chlorella. ao concluir o processo. perto do Mar Vermelho.000. Aspergillus Algumas espécies alcançam grande importância industrial. em 1997. Estas bactérias transformam o acetato resultante da degradação de celulose por outras bactérias em metano. FUNGOS UTILIZAÇÃO Saccharomyces cerevisiae Conhecido como levedo de cerveja ou levedura. queijo Camembert).niger. fermento de padaria) e de bebidas (cerveja. como o Roquefort e o Gorgonzola. ARQUEOBACTÉRIAS UTILIZAÇÃO Thermus aquaticus Isolada em uma poça do parque nacional de Yellowstone (Estados Unidos). Penicillium Algumas espécies são utilizadas na indústria farmacêutica (penicilina) ou indústria de alimentos (queijos azuis. assim como na produção de outras substâncias de importância industrial (etanol. Saccharomyces cerevisiae foi. ela permanece ativa durante períodos longos e. 30 . como A. Com 12. 002 mm de comprimento. Devido a sua ação inibitória da contração muscular. Em condições adequadas. de interferon e de hormônio de crescimento. o envelhecimento dos vinhos. tais como a elaboração de queijos e de iogurtes. a conservação de alimentos (sauerkraut ou repolho fermentado. calcula-se que um grama desta bastaria para matar um milhão de pessoas. Clostridium acetobutyricum é utilizado na produção industrial de acetona e butanol. A introdução de transgenes em Escherichia coli K12. a toxina botulínica é utilizada em concentrações muito pequenas. um aditivo utilizado na indústria de alimentos como acidulante e estabilizante. a produção de ácido láctico. Os seus requerimentos nutricionais básicos são simples. Algumas linhagens são patogênicas. antifúngicas (nistatina).000 ribossomos. leite. como a levedura. representando 90% das vendas de inseticidas biológicos e reduzindo a necessidade de aplicação de pesticidas químicos nas lavouras. Agrobacterium tumefaciens Agente patogênico para as plantas dicotiledôneas que desenvolvem um tumor ou galha quando infetadas. Escherichia coli tem se tornado uma ferramenta indispensável para estudos bioquímicos e genéticos. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 3: Os microrganismos EUBACTÉRIAS UTILIZAÇÃO Bactérias lácticas Os gêneros Lactobacillus e Streptococcus são responsáveis por vários processos. Entretanto. possibilitou os primeiros processos de produção de insulina. também pode se reproduzir de maneira sexuada (conjugação). Flagelos e pelos permitem que se movimente rapidamente. uma linhagem inofensiva de laboratório. perde a capacidade de provocar tumores. antitumorais e supressoras de rejeição a transplantes. por se tratar de uma célula procariótica. Bactérias butíricas Na indústria têxtil. para reduzir as rugas e marcas de expressão durante certo tempo (efeito cosmético). 1 a 4 moléculas de DNA e 15. Escherichia coli Descoberta em 1855. tetraciclina. o gene codificador da toxina tem sido transferido a plantas (algodão. podendo contaminar os alimentos (carne. Devido à facilidade com que ela pode ser cultivada no laboratório. se divide a cada 20-40 minutos. tendo sido aos poucos substituída por outras células eucarióticas. Nos últimos anos. esta bactéria Gram-negativa vive no trato digestivo do homem e de outros animais.000 a 30. vegetais) que devem ser cozidos adequadamente. 0. eritromicina). outras podem remover o mercúrio aquático. sintetizando uma toxina fatal para as larvas de insetos.6 milhões de pares de bases que codificam em torno de 4. Clostridium botulinum produz uma toxina poderosíssima. Esta é produzida comercialmente há mais de 40 anos. nem sempre é a melhor opção de "fábrica" para a síntese de produtos de origem animal ou vegetal. água. Com a remoção de um gene. 31 . conservando a capacidade infecciosa. Streptomyces Além do cheiro característico da terra removida. sais minerais. herbicidas. Bacillus thuringiensis Este microrganismo prolifera no solo e na superfície das plantas. este gênero de bactérias do solo produz substâncias antibióticas (estreptomicina. uma fonte de nitrogênio e uma fonte de energia. Clostridium butiricum libera as fibras vegetais durante a maceração do cânhamo e do linho. O seu genoma compreende 4. Tem forma de bastonete (0. milho) para que estas sintetizem diretamente o inseticida.000 proteínas diferentes. utilizada na engenharia genética de vegetais. como os existentes nos acidentes de derramamento de petróleo. Algumas quebram moléculas de hidrocarbonetos. Pseudomonas Várias linhagens se utilizam na eliminação de poluentes. incluindo a Engenharia Genética. silagem para o gado).0008 mm de diâmetro). A ingestão de conservas contaminadas e mal esterilizadas resulta quase sempre em um desfecho fatal. Maria Antonia Malajovich 32 . como pela sequência em que estes se encontram. participação nos mecanismos de defesa (anticorpos. e os anticorpos. moléculas que participam na defesa do organismo. citocinas). que participam em numerosas atividades. Ao se estabelecerem ligações entre os grupos que formam os enlaces peptídicos. a cadeia adota uma estrutura regular ou estrutura secundária.2 C). As funções das proteínas no organismo. fatores ambientais como o pH. A união de vários aminoácidos forma uma cadeia peptídica que se caracteriza não só pelo número e tipo de aminoácidos que a compõem. se encontra um grupo de macromoléculas. Os aminoácidos que compõem as proteínas correspondem à forma (L).2 A). um grupo amino (básico). denominada estrutura primária. Pertencem a este grupo as enzimas. Entretanto.1). geralmente em forma de hélice ou de folha.1). Quando sintetizada dentro da célula. moléculas de ação catalítica. a concentração salina ou a temperatura podem causar alterações momentâneas ou definitivas na forma da molécula. caseína do leite. unidos ao átomo de carbono. Estes se caracterizam por ter. Ação catalítica Enzimas que controlam as reações químicas celulares.2 B).1. A reação de condensação entre o grupo carboxila de um aminoácido e o grupo amina de outro cria uma ligação peptídica (Figura 4. Outras Transmissão de informação (hormônios proteicos).br) . A forma final de uma proteína dependerá ainda da associação entre vários polipeptídios. colágeno da derme. FUNÇÃO EXEMPLOS Componentes estruturais Queratina do cabelo. inorgânicas e orgânicas (Figura 4. as proteínas.4.bteduc. AS ENZIMAS E OS ANTICORPOS AS PROTEÍNAS Todos os organismos estão formados por água e moléculas de diversos tipos. cumprindo um papel fundamental para os seres vivos (Tabela 4.bio. Substâncias de reserva Albumina do ovo. TABELA 4. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. um grupo carboxila (ácido) e um radical variável (Figura 4. transporte e armazenamento de pequenas moléculas (hemoglobina). uma proteína adotará espontaneamente a configuração espacial que decorre de sua estrutura primária. As interações entre as cadeias laterais dos aminoácidos causam o dobramento da proteína. no que se denomina de estrutura quaternária (Figura 4. resultando uma configuração espacial que é chamada de estrutura terciária. ESTRUTURA As proteínas são macromoléculas formadas por 20 aminoácidos diferentes. A presença de um carbono assimétrico resulta em duas formas moleculares (L) e (D) que diferem por suas propriedades ópticas. Entre estas últimas. actina e miosina das fibras musculares. Maria Antonia Malajovich FIGURA 4.1. FIGURA 4. Aminoácidos e proteínas. A composição química de uma bactéria. 34 .2. Este é o fundamento de outra técnica analítica. forma e tamanho. medida que permite a identificação de uma substância. A separação obedece a três tipos de mecanismos: o Troca iônica. açúcares. Como a associação depende de fatores como o pH e a força iônica da solução. da disposição da cuba (horizontal ou vertical). 35 . Com a descoberta de métodos de ionização adaptados às moléculas biológicas como o MALDI (do inglês. inversamente. formando cada um deles uma banda característica que será visualizada mediante um corante ou uma reação química específica. a eletroforese (Figura 4.3). o Afinidade. amido ou poliacrilamida). e que essa carga varia com o pH do meio.4). muda-se o pH ou a concentração salina. em camada delgada. Existem numerosas variações da técnica em função do suporte (papel de filtro. a modificação destes fatores permite controlar a separação. da direção da migração (unidirecional ou bidirecional) etc. se ela for negativa. lipídios e outros compostos orgânicos. ácidos nucleicos. cromatografia líquida etc. o Filtração em gel. A matriz consiste em partículas porosas que separam as proteínas em função de seu tamanho. A eletroforese permite separar os componentes de uma mistura. Desse modo se consegue a proteína purificada. sobre um suporte estacionário ou matriz (Figura 4. Observe-se que a carga de um peptídeo resulta da soma das cargas correspondentes aos grupos amina e carboxila terminais e dos radicais dos aminoácidos que o compõem. gel de agarose. Se uma mistura de peptídeos for colocada em um campo elétrico. Espectrometria de massa Esta técnica analítica mede a massa molecular a partir da razão entre a massa e a carga de moléculas ionizadas. Está baseada na migração diferencial das moléculas de uma mistura. colocada em uma fase móvel. Eletroforese Moléculas ionizadas colocadas em um campo elétrico migram de acordo com suas cargas e pesos moleculares. eles migrarão de acordo com sua carga. cromatografia em gás. como uma peneira molecular. sólida e permeável. Matrix Assisted Laser Desorption/Ionization). a migração ocorrerá na direção do pólo positivo ou ânodo. Se a carga for positiva. A matriz está formada por pequenas partículas carregadas que retêm as moléculas de carga contrária. As partículas da matriz estão unidas por ligações covalentes a moléculas (enzimas. Na cromatografia em coluna. distinguem-se diferentes modalidades: cromatografia em papel. Em função das características da fase estacionária. membranas de acetato de celulose. a separação das proteínas de uma mistura depende da estrutura da matriz. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 4: As enzimas e os anticorpos AS BASES DE ALGUMAS TÉCNICAS LABORATORIAIS Cromatografia Esta técnica permite separar as substâncias de uma mistura com fins analíticos e preparativos. por exemplo. sílica-gel. a espectrometria de massa se tornou nos últimos anos uma ferramenta indispensável na identificação de proteínas. anticorpos) que interagem com a proteína de interesse. que se encontra imersa em um solvente. Para liberar a proteína retida na coluna. elas migrarão para o pólo negativo ou cátodo e. tem alcançado múltiplas aplicações em farmacologia e diagnóstico. Separação dos peptídeos de uma mistura. Por ser um método automatizado e rápido.Maria Antonia Malajovich Aplicada às proteínas. FIGURA 4. Cromatografia em coluna. Também fornece uma análise estrutural da molécula indicando a sequência de aminoácidos.4. 36 . Com esta técnica é possível estudar o conjunto de proteínas de um organismo (proteoma) e dissecar as interações das proteínas com outras moléculas. por migração diferencial em um campo elétrico. FIGURA 4.3. a espectrometria de massa identifica a molécula por comparação com outras de um banco de dados. Eletroforese. O processo está baseado na velocidade de migração diferencial das moléculas proteicas em uma matriz imersa em um solvente. em função de sua origem biológica. podendo atuar inúmeras vezes (Figura 4. sendo capazes de promovê-las e acelerá-las. A atividade enzimática não modifica o equilíbrio da reação. da temperatura. uma enzima como a lactase. não agirá sobre a sacarose. A reação pode ser representada como a seguir: S+E SE P+E A primeira característica das enzimas é a especificidade. FIGURA 4. O encaixe no sítio ativo da molécula facilita a transformação do substrato no(s) produto(s) da reação (P). sem ser alteradas ou destruídas. como a -amilase e a -amilase. duas enzimas que hidrolisem o amido poderão fazê-lo cortando a molécula de maneira diferente. muitas das quais são vitaminas). Uma inibição da atividade enzimática ocorre quando moléculas muito parecidas com o substrato competem com este para ocupar o sítio ativo da enzima (inibição competitiva). formando com ele um complexo molecular ou estado de transição (SE). Os metais pesados alteram a estrutura molecular da enzima de maneira irreversível impedindo sua ação catalítica (desnaturação). BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 4: As enzimas e os anticorpos AS ENZIMAS A CATÁLISE ENZIMÁTICA As reações químicas que ocorrem nos seres vivos dependem da atividade catalítica das enzimas. Ou quando outras moléculas se ligam a determinadas partes da enzima. A ação enzimática depende do pH. 37 .5. cobre) e/ou orgânicos (coenzimas. alterando a estrutura espacial e dificultando o encaixe com o substrato (inibição não competitiva). ferro. que opera sobre a lactose. Estas moléculas agem diminuindo a energia de ativação necessária de uma reação química. as enzimas são biodegradáveis e agem em condições brandas de temperatura e pH.5). O mecanismo da atividade enzimática (Modelo chave-fechadura). A molécula de enzima reconhece um substrato específico (S). A segunda é que. da presença de cofatores inorgânicos (zinco. A enzima é recuperada no fim da reação. Porém. CLASSE TIPO DE REAÇÃO CATALISADA EXEMPLOS Oxirredutases Reações onde se transferem elétrons. tratamento da acne e da caspa. Indústria têxtil (desengomador de tecidos. A classificação internacional das enzimas. se mencionam o nome do substrato e da reação catalisada adicionando ”ase” como. Produtos de limpeza (detergentes e lava-roupas para a remoção de manchas difíceis. Hidrolases Reações de hidrólise. de grupos funcionais para a água. edemas e lesões. grupos dentro de moléculas. amilase. formação de duplas ligações por eliminação de grupos. Transaminases. trombina). Liases Adição de grupos a duplas ligações ou Decarboxilases (renina. em DNA-polimerase. AGENTES BIOLÓGICOS APLICAÇÕES Indústria de alimentos e bebidas (clarificação de vinhos e sucos de frutas. C-S. peptidases. substituição da maltagem pelo tratamento do amido na elaboração de cervejas. ENZIMAS Curtumes (amaciamento de couros). TABELA 4. Indústrias de papel e celulose (branqueamento de polpa de celulose). fabricação de laticínios. Indústria farmacêutica (reagentes para uso em análises clínicas. celulase. reações de condensação. acrescentando o sufixo “ase” ao nome do substrato que é transformado: protease.2. oxirredutase. conservam seus nomes tradicionais (Tabela 4. carboidrases. agentes terapêuticos em transtornos digestivos). acabamento de jeans). Tratamentos médicos (combate de inflamações. isto é. mutases. depilatórios. cosmocêuticos em geral). produção de adoçantes.Maria Antonia Malajovich OS DIVERSOS TIPOS DE ENZIMAS Uma forma de classificar as enzimas é pelo tipo de reação que catalisam. Quando combinadas as duas regras anteriores. fabricação de pão. Transferases Reações onde se transferem grupos químicos. Desidrogenases. Isomerases Produção de isômeros por transferência de Isomerases. algumas enzimas. como a renina ou a trombina.3. lipase. por exemplo. produtos para limpar dentaduras e lentes de contato). Ligases Formação de ligações C-C. 38 . biscoitos e bolachas. fosforilases. Cosmética (produtos de higiene bucal. Também se pode adicionar “ase” ao nome da reação catalisada: hidrolase. oxidases. As enzimas como agente biológico.2). de transferência Proteases. dissolventes de coágulos sanguíneos. C-O e C-N por Sintetases. lipases. suplementação de rações animais). nucleases para a manipulação gênica). lactase. TABELA 4. com resultados satisfatórios. as enzimas se utilizam em vários contextos. Desse modo. Em dermatologia. chocolate.000 enzimas que. O mercado se distribui fundamentalmente entre as proteases (59%). Também facilitam a clarificação de vinhos e cervejas. Das 25. estão sendo estudados métodos enzimáticos para eliminar os príons responsáveis pela denominada “doença da vaca louca”. Não sendo mais necessário esfregar as manchas. algumas das aplicações mais frequentes estão no combate ao envelhecimento e no tratamento de acne e de caspa. sendo comercializadas 400. os jeans eram lavados com pedras (stone washed).800. De um modo geral. Como medicamentos. na década de 1960. As enzimas permitem a resolução de misturas de moléculas racêmicas. correspondente a 1% do seu custo. molho de tomate. Nos sabões lava-roupas. enquanto que as celulases removem as microfibrilas de celulose das roupas. em vez de excrementos de cachorro ou de pombo. E muitos entre os mais corriqueiros testes de diagnóstico dependem de reagentes enzimáticos. operação em condições facilmente controláveis e biodegradabilidade. existiriam na natureza. Também se cogita a utilização de enzimas para limpar áreas contaminadas com agentes químicos como o gás sarin. biscoitos e bolachas. poderão ser evitados problemas como o da talidomida. Os curtumes. capim. três grandes conjuntos de enzimas que são utilizadas por diversas indústrias. as pedras foram substituídas por celulases. batom etc. junto ao tipo “mão esquerda”. de queijos. desodorantes e artigos para a higiene bucal. Um exército constituído por proteases. Para conseguir o aspecto usado. ao liberar o suco retido na pectina das paredes celulares vegetais. leite. de ação calmante. especialmente em quimioterapia e nas terapias trombolíticas. como estas moléculas trabalham a temperaturas baixas. as carboidrases (28%) e as lipases (3%). As enzimas entram na composição de vários produtos cosméticos. As enzimas são empregadas também no acabamento de roupas. os tratamentos enzimáticos diminuem a carga poluidora dos efluentes industriais. 39 . Na extração de sucos de frutas. Na indústria de alimentos e bebidas. até o momento só foram classificadas umas 2. Nos últimos anos.3). nas que há duas formas isoméricas. as enzimas participam na produção de adoçantes. de ação teratogênica. Atualmente. A tragédia teria sido consequência da presença no produto comercial da forma molecular tipo “mão direita”. a limpeza se realiza com pouco esforço e sem desgaste do tecido. Com mais uma vantagem para o fabricante: as enzimas não representam mais que uma fração muito pequena do sabão (0. tipo “mão direita” e “mão esquerda”. com diferente atividade biológica.). BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 4: As enzimas e os anticorpos IMPORTÂNCIA ECONÔMICA As enzimas apresentam numerosas vantagens quando utilizadas como agentes biológicos em processos tecnológicos: especificidade. o consumo de energia é menor. as pectinases aumentam substancialmente o rendimento do processo. um processo que tinha o inconveniente de causar a abrasão da maquinaria e o desgaste do tecido.4-0. de pão. as enzimas prometem ao consumidor roupas limpas e com aparência de novas. amilases e lipases digere as manchas difíceis (sangue.8%). os 10% restantes do mercado correspondem às enzimas analíticas e farmacêuticas (Tabela 4. um medicamento que causou o nascimento de numerosos bebês com deformações congênitas. segundo as estimativas. se valem hoje de enzimas pancreáticas para amaciar e desengordurar as peles. tais como depilatórios. Observe-se que. 40 .6. FIGURA 4. alguns antígenos podem ser reconhecidos por um mesmo anticorpo.7. FIGURA 4. Os anticorpos e o reconhecimento do antígeno. ao compartilhar estruturas (determinantes antigênicos ou epítopos).8. e a seleção clonal. A estrutura da molécula de anticorpo (IgG).Maria Antonia Malajovich FIGURA 4. O encontro do linfócito B e do antígeno. dando origem a uma reação cruzada. se os antígenos estiverem dissolvidos em um meio líquido ou em um gel (poliacrilamida). que será mais rápida e mais intensa que a primeira. a reação antígeno-anticorpo ocorre quando os reagentes se encontram em meio líquido e nas concentrações adequadas. Uma parte importante da resposta imune envolve a produção de anticorpos que reconhecem o antígeno. os anticorpos são elementos importantes no reconhecimento do “eu” e na eliminação do “não eu” (antígeno).6). algumas células desse clone permanecerão no organismo como células-memória. o Uma aglutinação. o que explica a eficiência da resposta imune. A UNIÃO ANTÍGENO-ANTICORPO A união antígeno-anticorpo ocorre quando um anticorpo encontra no antígeno uma forma complementar. o linfócito B prolifera.8). Depois de um processo de diferenciação que envolve uma série de rearranjos genéticos. Em condições experimentais de laboratório. que se formam na medula óssea. geralmente parte de uma molécula livre ou ancorada na membrana celular. se os antígenos estiverem localizados sobre partículas (hemácias ou bactérias). as células- memória darão início à resposta imune. originando um clone de células secretoras de anticorpos. Este tipo de anticorpo se encontra no soro sanguíneo. sendo visualizada como: o Uma precipitação. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 4: As enzimas e os anticorpos OS ANTICORPOS Dentro da estratégia de defesa de um organismo. cada linfócito pode reconhecer um único epítopo (Figura 4. Ao encontrar o epítopo específico. todos os linfócitos podem reconhecer aproximadamente 108 epítopos diferentes. Em um contato posterior com o mesmo epítopo. na fração proteica caracterizada por eletroforese como - globulina. desencadeano os mecanismos de destruição adequados. Um antígeno pode ter várias destas formas (epítopos ou determinantes antigênicos) e ser reconhecido por anticorpos diferentes (Figura 4. Uma parte da molécula é constante. Apesar de cada linfócito ser capaz de reconhecer um único epítopo. 41 . Uma vez eliminado o antígeno. ao qual se associa um pequeno número de grupos carboidrato. A MOLÉCULA DE ANTICORPO A molécula de anticorpo denominada IgG (Imunoglobulina G) é formada por duas cadeias polipeptídicas leves e duas pesadas em forma de Y. A PRODUÇÃO DE ANTICORPOS NO ORGANISMO As células responsáveis pela produção de anticorpos são os linfócitos B.7). as regiões variáveis localizadas nas extremidades dos braços do Y respondem pelo reconhecimento do antígeno (Figura 4. extrai-se o baço do animal e fusionam-se os linfócitos B (alguns dos quais reconhecem a molécula X) com células de mieloma. 42 . B: A produção de anticorpos monoclonais. A: A produção de anticorpos policlonais. cultivados e testados para identificar os que produzem anticorpos contra X. No soro se encontrarão misturados anticorpos de diferente especificidade. Os hibridomas são separados. Recolhe-se o soro de um animal imunizado contra uma mistura de moléculas entre as quais está a molécula X. Injeta-se em um rato a mesma mistura de moléculas. dias mais tarde.9. A produção de anticorpos no laboratório.Maria Antonia Malajovich FIGURA 4. um dos quais reconhece X. 10. 2. e este por um anticorpo que reconhece a fração constante do anticorpo. Associação dos anticorpos com moléculas fluorescentes O anticorpo marcado pode reconhecer diretamente o antígeno (reação direta) ou reconhecer o anticorpo unido ao antígeno (reação indireta). 43 . BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 4: As enzimas e os anticorpos FIGURA 4. formando um produto colorido (reação direta). Também pode ser reconhecido por um anticorpo específico. 1. Associação dos anticorpos com enzimas. ao reagir com o seu substrato específico. forma um produto colorido (reação indireta). Os ensaios imunológicos. O segundo anticorpo está associado a uma enzima que. O antígeno pode ser reconhecido por um anticorpo associado a uma enzima que reage com o seu substrato. resultantes da ativação de vários clones de linfócitos B. sendo separadas mediante uma placa defletora do equipamento. Milstein. Observe-se que. Se o antígeno utilizado possuir vários epítopos. sendo quantificada a radioatividade por exposição de uma placa sensível. substituindo praticamente os anticorpos policlonais. Sendo produzidos por células de camundongo ou de rato. coelhos) com um antígeno induz em pouco tempo a produção de anticorpos específicos que podem ser separados do soro sanguíneo do animal. isto é “monoclonais”. 1975). o soro também terá anticorpos contra eventuais impurezas do antígeno e anticorpos contra outros antígenos aos que o animal esteve exposto anteriormente. o antígeno é localizado pelos anticorpos acoplados a uma molécula fluorescente que possa ser identificada microscopicamente (Figura 4. reagentes de laboratório deste tipo foram utilizados normalmente até a década de 1980.10). além dos anticorpos específicos. A UTILIZAÇÃO DOS ANTICORPOS Os anticorpos monoclonais encontraram imediatamente aplicações. Em consequência. Reunindo as propriedades de ambas as células. Nos ensaios imunoenzimáticos. 44 . Outra utilização extremamente engenhosa está na separação de populações celulares em um aparelho denominado cell sorter. adquirem cargas elétricas. só se tornou possível com o desenvolvimento da tecnologia de hibridomas (Kohler. Associados a uma molécula radiativa. Em cortes histológicos. cada um dos quais reconhece um dos epítopos do antígeno.9). Um hibridoma resulta da fusão entre um linfócito B e uma célula cancerosa de mieloma. Não é possível cultivar separadamente os linfócitos porque estes sobrevivem pouco tempo in vitro. ao passar através de raios laser. utilizam-se estes anticorpos acoplados a uma enzima que reage com o seu substrato. A injeção de animais (ratos. formando-se complexos imunes que lesionam gravemente os rins. cada hibridoma é capaz de sintetizar um único tipo de anticorpo (monoclonal) e de se multiplicar indefinidamente no laboratório. As células são marcadas com anticorpos ligados a uma molécula fluorescente. seja na cavidade do peritoneu de um animal hospedeiro (Figura 4. Contudo. formando um produto colorido (Figura 4. os anticorpos são utilizados na dosagem de substâncias presentes nos fluidos corporais. Anticorpos específicos fixados nas partículas de uma coluna de afinidade permitem separar moléculas de uma mistura que circule por ela. ovelhas. seja em cultivo de tecidos. A obtenção de clones que sintetizem anticorpos específicos contra um único epítopo. eles são reconhecidos como estranhos quando injetados no homem. A utilização de anticorpos monoclonais com fins terapêuticos demorou muito mais que o esperado.Maria Antonia Malajovich A PRODUÇÃO DE ANTICORPOS NO LABORATÓRIO Os anticorpos ocupam um lugar de destaque nos testes de diagnóstico clínico.10). a purificação de um soro será um processo longo e complexo a ser repetido a cada extração de sangue do animal. tanto na purificação de biomoléculas e células como nos testes de diagnóstico clínico ou ambiental ou no controle de qualidade dos alimentos. A obtenção de anticorpos contra a fração constante da molécula de anticorpos humanos representa um avanço considerável na produção de reagentes para o diagnóstico clínico. no soro extraído se encontrará uma mistura de anticorpos. A visualização da reação entre o antígeno e o anticorpo se vê facilitada quando estes últimos recebem alguma marcação. por reunir duas propriedades que os transformam em uma ferramenta ideal: especificidade e diversidade. chamados “policlonais”. 4. 45 .4). começaram a serem elaborados anticorpos monoclonais quiméricos (33% de proteína animal) e humanizados (10% de proteína animal). Ultimamente. Os anticorpos como agentes biológicos. Anticorpos Reagentes para diagnóstico. sendo o restante da molécula substituído por sequências humanas. Imunoterapias. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 4: As enzimas e os anticorpos A fim de evitar essas reações. Estes conservam parte das sequências animais. TABELA 4. com a obtenção de anticorpos monoclonais humanos mediante técnicas de engenharia genética. se abriram novos caminhos para o diagnóstico e o tratamento de doenças (Tabela 4. AGENTES BIOLÓGICOS APLICAÇÕES Purificação de moléculas. Reagentes de laboratório. especialmente nas partes que reconhecem o antígeno. Maria Antonia Malajovich 46 . OS ÁCIDOS NUCLEICOS E OS GENES OS ÁCIDOS NUCLEICOS Embora descobertos em 1869. Watson e F. De acordo com o modelo. por Miescher. Como as sequências são complementares. guanina. Ambas as cadeias estão unidas entre si por pontes de hidrogênio entre as bases. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. quando J. Porém. fisiológicas. D. como os cloroplastos e as mitocôndrias.br) . havendo também uma ou duas moléculas de DNA extracromossômico. Estas direcionam o desenvolvimento de suas características bioquímicas. a dupla hélice. Um nucleotídeo resulta da associação mediante ligações químicas covalentes de três tipos de elementos: uma molécula de ácido fosfórico. Nas células eucarióticas.5. várias moléculas lineares de DNA associadas a proteínas formam os cromossomos. no momento da divisão celular. cada filamento pode servir como molde para a síntese de uma nova molécula. anatômicas e inclusive de algumas das comportamentais.1). O ácido ribonucleico (RNA) se encontra no núcleo e no citoplasma celular.bio. o papel dos ácidos nucleicos na hereditariedade e no controle da atividade celular começou a ser esclarecido apenas em meados do século XX. sendo que as ligações ocorrem sempre entre adenina e timina (2 pontes) e entre citosina e guanina (3 pontes). Nas células procarióticas. localizados dentro do núcleo celular.1). formam-se cadeias. segundo suas próprias palavras. o modo “como” esta molécula poderia assegurar essa função só começou a se vislumbrar em 1953. uma molécula grande e circular de DNA forma o cromossomo. Do ponto de vista químico. no outro filamento ela será TCATGC.bteduc. vários trabalhos indicavam claramente que o material responsável pela hereditariedade era o DNA. Nessa escada. No modelo de Watson e Crick. citosina. E. A DUPLA HÉLICE Já na década de 1940. timina ou uracila. quando em um filamento a sequência de bases é AGTACG. um açúcar de cinco carbonos (pentose: ribose ou desoxirribose) e uma base cíclica nitrogenada: adenina. formando estruturas circulares. O ácido desoxirribonucleico (DNA) carrega em sua estrutura as instruções necessárias para a construção de um organismo. poderia ter um “considerável interesse biológico”. isto é. no pus das bandagens de ferimentos. os ácidos nucleicos (ácido ribonucleico e desoxirribonucleico) são macromoléculas formadas a partir de unidades chamadas nucleotídeos (Figura 5. cada célula- filha poderá receber uma molécula semelhante à da célula-mãe. o ácido fosfórico e o açúcar são as partes verticais (corrimãos) e as bases nitrogenadas são os degraus (Figura 5. Crick formularam um modelo da estrutura tridimensional do DNA que. denominadas plasmídeos. duas cadeias de nucleotídeos formam uma figura parecida com uma escada de corda torcida. Da união dos nucleotídeos mediante uniões covalentes entre as extremidades 5' e 3'. Também há DNA em algumas organelas. se uma corre na direção 5'  3' a outra corre na direção 3'  5. As cadeias são antiparalelas. A duplicação do DNA dá origem a duas moléculas semelhantes (à direita). A.Maria Antonia Malajovich FIGURA 5. B. A dupla hélice B. Composição química: observe-se a posição dos grupos 3´ e 5´ no açúcar. A duplicação do DNA 48 . 2. guanina e citosina. 1. A molécula de DNA. O pareamento das bases ocorre sempre entre uma purina e uma pirimidina: adenina e timina ou uracila. Observe-se que o processo de duplicação envolve numerosas enzimas. A. sendo bem mais complexo do que está representado.1. Os ácidos nucleicos. Asn = Asparagina. se GUG for substituído por CGU. Leu = Leucina. A tabela 5. Thr = Treonina.3. Alguns são codificados por uma única trinca. Met = Metionina. o aminoácido codificado continuará sendo a valina. correspondendo um aminoácido a cada trinca de bases. em função da sinonímia do código. como o triptófano (UGG) ou a metionina (AUG). Gly = Glicina. Mas. No exemplo da figura 5. His = Histidina. 49 . Lys = Lisina. O funcionamento de uma célula depende. Glu = Ácido Glutâmico. um segmento de DNA. se a trinca GUG for substituída por GUA ou GUC. três códons que significam stop. Arg = Arginina. isto é. Ambos estão relacionados. Cys = Cisteína. outros admitem vários códons que geram sinonímia como. com as instruções necessárias para a construção e funcionamento do indivíduo. Gln = Glutamina. sendo que a estrutura primária de um polipeptídeo é codificada por um gene. de dois tipos de moléculas: os ácidos nucleicos e as proteínas. Ile = Isoleucina. Tyr = Tirosina. Perdas ou adições de uma base modificam o resto da sequência do peptídeo. UAG ou UGA. por exemplo. o códon correspondente a metionina. fundamentalmente. no peptídeo correspondente a valina será substituído por leucina. Ser = Serina.1: O código genético SEGUNDA BASE PRIMEIRA BASE URACILA (U) CITOSINA (C) ADENINA (A) GUANINA (G) TERCEIRA BASE Phe Ser Tyr Cys (U) URACILA (U) Phe Ser Tyr Cys (C) Leu Ser Stop Stop (A) Leu Ser Stop Trp (G) Leu Pro His Arg (U) CITOSINA (C) Leu Pro His Arg (C) Leu Pro Gln Arg (A) Leu Pro Gln Arg (G) Ile Thr Asn Ser (U) ADENINA (A) Ile Thr Asn Ser (C) Ile Thr Lys Arg (A) Met Thr Lys Arg (G) Val Ala Asp Gly (U) GUANINA (G) Val Ala Asp Gly (C) Val Ala Glu Gly (A) Val Ala Glu Gly (G) Abreviaturas: Asp = Ácido Aspártico. CCA. Phe = Fenilalanina. sendo este aminoácido removido posteriormente. sua frequência aumenta em presença de alguns agentes químicos e físicos como a luz ultravioleta e os raios X. Mudanças na sequência de bases do DNA podem ter como consequência a substituição de um aminoácido por outro. Trp = Triptófano. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 5: Os ácidos nucleicos e os genes O CÓDIGO GENÉTICO A autoduplicação do DNA permite que cada célula receba uma cópia do material genético. Ala = Alanina. o fim da sequência é sinalizado por UAA.1 nos mostra quais os aminoácidos correspondentes aos diferentes códons ou trincas de bases do mRNA. CCG). As pequenas mudanças ou mutações de ponto se devem a erros na duplicação do DNA. TABELA 5. Pro = Prolina. Val = Valina. O código é simples. a prolina (CCU. O início da sequência é sinalizado por AUG. CCC. DNA Filamento codificador Filamento molde TRANSCRIÇÃO mRNA r RNA tRNA + aminoácidos TRADUÇÃO Transporta os aminoácidos Onde ocorre a síntese e os coloca no lugar adequado Peptídeo FIGURA 5. A. Células procarióticas Transcrição Tradução Modificações posteriores DNA mRNA Proteína Alteração da atividade da proteína B.Maria Antonia Malajovich FIGURA 5. A síntese de proteínas em células procarióticas e eucarióticas.3. Células eucarióticas Transcrição Processamento Tradução Modificações do RNA posteriores DNA RNA transcrito mRNA mRNA Proteína Alteração da atividade da proteína Núcleo Poro Membrana nuclear 50 . O fluxo da informação genética.2. sendo montado o peptídeo correspondente. O funcionamento do óperon depende da função exercida pelos genes (degradação ou síntese). Segundo o denominado Dogma Central da Biologia Molecular. A enzima RNA-polimerase encaixa no promotor. rRNA e tRNA. produzirão os vários tipos de enzimas necessárias para sintetizá-lo. nem todos funcionando simultaneamente. onde as indicações serão traduzidas da linguagem dos ácidos nucleicos à linguagem das proteínas. O produto final é um peptídeo.4). As células procarióticas e eucarióticas apresentam algumas diferenças em relação às etapas da síntese de proteínas e aos mecanismos de regulação correspondentes (Figura 5. a síntese proteica começa quando o mRNA está ainda sendo transcrito. Já no óperon Trp. Associado a proteínas. o ácido ribonucleico ribossômico ou rRNA forma as duas subunidades dos ribossomos. Deste modo. Isto se vê facilitado pela agrupação dos genes correspondentes em baterias (óperons). além dos genes funcionarem em bloco. as bactérias sintetizarão aquelas enzimas que possibilitem sua utilização. três tipos de RNA: mRNA. Se houver lactose no meio (e faltar glicose). O ácido ribonucleico mensageiro. basicamente. com certa economia de recursos. A molécula de mRNA leva até os ribossomos a informação genética transcrita em trincas de bases (códons) complementares a algum segmento de uma das cadeias do DNA. Existem 61 tipos moleculares diferentes de tRNA. em ausência de lactose. Na célula procariótica. abrindo ou bloqueando a passagem da RNA-polimerase. Uma sequência específica que não é traduzida indica o sítio de união ao ribossomo. Na síntese de proteínas intervêm. Por isso. E se faltar o aminoácido triptófano no meio. Este mecanismo possibilita a indução ou repressão da transcrição da sequência codificadora (Figura 5. é de tamanho variável e filamento único. cujo material hereditário é RNA e que contam com uma enzima (transcriptase reversa) que lhes permite transcrever a informação no sentido RNADNA. O ácido ribonucleico de transferência tRNA é capaz de reconhecer simultaneamente um aminoácido e um códon de mRNA. de maneira que a transcrição e a tradução são simultâneas. o operador e o regulador. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 5: Os ácidos nucleicos e os genes A EXPRESSÃO GÊNICA O FLUXO DA INFORMAÇÃO GENÉTICA A informação codificada no DNA é transcrita em uma molécula mensageira que a leva até os ribossomos. Uma exceção a esta regra é a dos retrovírus.3). Proteínas sintetizadas pelo gene regulador agem no operador. desde onde começará a se deslocar ao longo do gene. 51 . que são ligadas ou desligadas em conjunto. sendo sintetizadas várias enzimas necessárias para degradá-la.2). que são as estruturas celulares onde ocorre a síntese proteica. do RNA ao peptídeo (Figura 5.500 genes. A organização dos genes de uma mesma via metabólica em óperons permite que a célula se adapte rapidamente às condições ambientais. Neste processo de “ligar e desligar” estão envolvidas três regiões anteriores à sequência codificadora: o promotor. CÉLULAS PROCARIÓTICAS Uma bactéria pode contar com aproximadamente 2. se estabelece na célula um fluxo da informação genética que segue em uma direção única: do DNA ao RNA. ou mRNA. a presença de lactose induz a transcrição do óperon lac. a presença de triptófano reprime a transcrição das enzimas necessárias para sintetizar esse aminoácido. a informação genética codificada no DNA é transcrita no mRNA e traduzida no ribossomo com a participação dos tRNAs. o óperon deixa de funcionar. 5). A enzima avança na direção 5´. A sequência gênica é transcrita por inteiro no RNA e. salvo em nematódeos. Tanto o número como a extensão das sequências intercalares varia em diferentes genes.000 genes não expressa mais que 3 a 5% destes. por quanto tempo e em que células o gene será transcrito. portadoras de sequências sinalizadoras que não serão traduzidas. este recebe um revestimento inicial ou cap (7-metilguanosina) que o dirigirá ao ribossomo. se localizam a montante e a jusante da unidade de transcrição. a RNA-polimerase encaixa nas sequencias promotoras da transcrição.5).000 a 35. Esta inclui fatores de ativação. os genes responsáveis por uma sequência de reações metabólicas se encontram dispersos em um ou em vários cromossomos. a tradução envolve a participação de numerosas enzimas e proteínas reguladoras.3´. e uma cauda de poli(A) que lhe dará estabilidade na sua viagem até a maquinaria de tradução. distantes do gene em até vários milhares de bases (Figura 5. As consequências biológicas deste mecanismo são importantes. a estrutura do gene é fragmentada (Figura 5. Associada a outros fatores adicionais. Regiões denominadas UTR (do inglês untranslated regions). Estas permanecerão no núcleo (íntrons) em quanto que as restantes (éxons) formarão o RNA mensageiro que sairá do núcleo na direção do citoplasma. Assim como a transcrição. estimuladoras e inibidoras. As sequências reguladoras levam. 52 . um mecanismo de “corte e reunião” irá eliminar algumas das sequências intercalares. A tradução e o destino das proteínas A síntese proteica se inicia depois do mRNA atravessar a membrana nuclear e migrar para o citoplasma. O corte e reunião dos fragmentos não é a única modificação do RNA transcrito. Entretanto. além do sítio de união ao ribossomo. Uma célula humana com 30.Maria Antonia Malajovich CÉLULAS EUCARIÓTICAS A transcrição As bactérias não são as únicas que ligam e desligam os seus genes. que não serão necessariamente os mesmos ao longo da vida embrionária ou em diferentes tipos celulares. Proteínas sintetizadas utilizando as vias alternativas de “corte e reunião” permitem que um único gene se expresse de maneira diferente em diversos tecidos. outras que podem determinar quando. fatores de transcrição e proteínas reguladoras. Ao reconhecer a presença dos fatores e proteínas reguladoras na região anterior ao gene. a enzima se desloca abrindo a dupla hélice e transcrevendo a sequencia codificadora de um ou outro filamento no RNA. podendo dificultar o acesso da maquinaria de transcrição ao DNA. posteriormente. Uma vez cumprida sua tarefa. O processamento do RNA transcrito Nos organismos eucarióticos. sendo que várias moléculas de RNA-polimerase podem estar transcrevendo o mesmo gene simultaneamente em algo parecido com uma fila indiana. A síntese acaba quando a RNA-polimerase encontra uma sequencia finalizadora. a molécula de RNA-polimerase será liberada. algumas das quais dependem de outras sequências. O controle da transcrição começa na compactação do cromossomo e na metilação de algumas bases. não foram achados óperons nas células eucarióticas. Óperon Gene Gene Gene regulador promotor operador Genes estruturais Gene 1 Gene 2 Gene 3 DNA Sequência transcrita Fim da transcrição Em alguns óperons. As UTR são sequências sinalizadoras que não serão traduzidas.4. Uma visão geral comparativa da síntese proteica em células eucarióticas e procarióticas (Figura 5. Existem vários mecanismos de regulação envolvendo a ação de proteínas associadas ao complexo ribossômico. Inclui as sequências iniciais e finais. Gene Sequências reguladoras Sequências reguladoras promotoras da transcrição finalizadoras da transcrição UTR UTR DNA Unidade de transcrição.6). Cada tRNA carrega o aminoácido que lhe corresponde até a cadeia peptídica. A complementaridade entre um dos códons do mRNA e o anticódon do tRNA garante que este coloque o aminoácido no lugar adequado na sequência. sendo as proteínas resultantes utilizadas no mesmo lugar ou nas organelas celulares. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 5: Os ácidos nucleicos e os genes Algumas moléculas de mRNA levam sequências sinalizadoras que as dirigem até os ribossomos associados ao retículo endoplasmático. sendo as proteínas sintetizadas secretadas fora da célula. variações na vida média do mRNA e inclusive a tradução do mRNA por vários ribossomos ao mesmo tempo. A organização e regulação dos genes nas células eucarióticas. O peptídeo sintetizado passará por diversas modificações e associações. os éxons e os íntrons Início da transcrição Fim da transcrição Início da transcrição Fim da transcrição 53 . até se constituir no produto final ativo. O mRNA reconhece o ribossomo mediante uma sequência específica. o produto de gene regulador bloqueia a entrada da RNA-polimerase no operador. a associação entre ambos dá início à síntese peptídica. A organização e regulação dos genes nas células procarióticas. Outras moléculas de mRNA serão traduzidas nos ribossomos livres no citosol. FIGURA 5. uma proteína com uma estrutura quaternária determinada. em outros a desbloqueia FIGURA 5.5. Maria Antonia Malajovich FIGURA 5. A) Célula eucariótica B) Célula procariótica Citoplasma DNA DNA Íntrons Éxons mRNA Gene Proteínas TRANSCRIÇÃO mRNA A Núcleo RNA cap A: Adição de um revestimento inicial e de uma cauda de poli-A B B: Mecanismos de corte e reunião mRNA TRADUÇÃO Proteína FIGURA 5.7. 54 .6. As etapas da síntese de proteínas (Recapitulação). O silenciamento gênico. Aplicado tanto a moléculas de RNA endógenas como exógenas. alguns codificam ácidos ribonucleicos que não são traduzidos como proteínas (rRNA. que permite o pareamento com uma molécula de sequencia complementar e. Os seus resultados estão armazenados em bancos de dados públicos que podem ser acessados via Internet. A associação entre um pequeno fragmento e o complexo proteico RISC (do inglês RNA-induced silencing complex). Compartilhamos com estes organismos alguns genes e contamos com outros que são característicos dos vertebrados como. uma empresa privada norte-americana. nas revistas Nature e Science. Nos últimos anos começou a ser desvendada a existência de pequenas moléculas de RNA (sRNA. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 5: Os ácidos nucleicos e os genes O COMPLEXO MUNDO DOS RNAs Nem todos os genes codificam proteínas. Essas atividades são possíveis devido à estrutura molecular do RNA. Entre as principais conclusões: o O número de bases no genoma humano chega a 3. Em 1990. O sRNA participa no processamento de íntrons e de éxons. também. Dentre os diversos tipos de RNA descritos nos últimos anos. 55 . Os resultados foram publicados em fevereiro de 2001. cinquenta anos depois da descoberta da dupla hélice. desencadeia a degradação de um dos filamentos. X e Y) em cada um dos quais há uma molécula de DNA. podendo parear com qualquer RNAm parcial o totalmente complementar. às propriedades de se associar com proteínas e de desenvolver uma atividade catalítica. no nível da tradução. envolvendo pesquisadores de mais de 18 países na tarefa de mapear e sequenciar o DNA humano e também o de outros organismos. A GENÔMICA O GENOMA HUMANO O termo genoma designa o conjunto completo de cromossomos haploides que contém toda a informação genética de um indivíduo.7). o O número de genes em organismos como a mosca Drosophila melanogaster ou o verme Caenorrabditis elegans é três vezes menor. tRNA). do inglês small RNA) e sua importância nas atividades celulares. teve início o Projeto Genoma Humano (HGP.000. na regulação da expressão génica e na conservação dos telómeros. existe também de um genoma mitocondrial. O filamento restante permanece associado a RISC. só 2% do genoma codificaria proteínas. Em Junho do ano 2000. Em abril de 2003. Devido à presença de DNA nas mitocôndrias. O genoma nuclear da espécie humana está representado em 24 cromossomos diferentes (22 autossômicos. de herança exclusivamente materna. vários dos genes referentes ao sistema imune. destacam-se os que impedem a expressão gênica. do inglês Human Genome Project).000 e 40.2 bilhões. o mecanismo permite silenciar a expressão de um gene e eliminar as moléculas de RNA viral que tenham-se introduzido na célula. um dos projetos científicos mais ambiciosos já realizados. o Consórcio anunciou ter completado 99% do mapeamento. bloqueando a tradução ou provocando sua destruição (Figura 5. por exemplo. anunciaram simultaneamente ter completado o rascunho do genoma humano. e o número de genes a um valor compreendido entre 30. o International Human Genome Sequencing Consortium e a Celera Genomics. Trata-se de moléculas de RNA de filamento duplo que são clivados por enzimas em pequenos fragmentos de aproximadamente 20 nucleotídeos. As primeiras aplicações contemplam a agricultura e a medicina. surdez. compartimos com os outros seres humanos 99.000 bases. o A proteômica. doenças musculares). que varia ao se diferenciarem as células e em resposta a estímulos ambientais. Estas variações se denominam polimorfismos de um nucleotídeo único ou SNPs (do inglês. o A metabolômica. concernente ao RNA transcrito ou transcriptoma. AGENTES BIOLÓGICOS APLICAÇÕES Identificação de microrganismos patogênicos Controle da qualidade dos alimentos Medicina molecular (diagnósticos. O desenvolvimento da Bioinformática. A Genômica surge como uma nova disciplina que tenta responder a algumas questões fundamentais: Onde estão os genes? O que faz cada gene? Como diferem os organismos em relação a seus genes? Cada uma dessas perguntas a subdivide em especialidades como a Genômica estrutural. diabetes. Indústria farmacológica (proteínas terapêuticas. Paralelamente. o número de proteínas poderia ser bem maior. ocupam pelo menos 50% do genoma. se definem outras áreas de estudo. a Genômica funcional ou a Genômica comparativa. cuja função direta ainda não é bem conhecida. referente ao conjunto de proteínas da célula ou proteoma. o Em vários genes foram encontradas sequências associadas a doenças (câncer de mama.2.000 de pontos dentro e fora dos genes. artrite e cânceres). o Independentemente de nossa origem étnica. Como boa parte dos genes poderia ser lida de diversos modos. Os SNPs podem dar informações sobre a base genética da susceptibilidade a uma série de doenças ou servir como marcadores das mesmas (doença cardiovascular. armazenada em grandes bancos de dados. isto é. Os laboratórios de sequenciamento modernos estão altamente automatizados. tratamentos personalizados. single nucleotide polymorphisms). TABELA 5. o tamanho não parece ter muita importância. tem sido fundamental para o progresso dos estudos sobre os genomas. avaliação dos riscos de saúde) DNA e genômica Agronomia e pecuária (métodos seletivos mais eficientes). aos padrões de expressão gênica. Muitos dos estudos atuais não são mais feitos in vivo nem in vitro.Maria Antonia Malajovich o A densidade dos genes em diversos cromossomos e em diferentes partes deles varia. cegueira. o O tamanho dos genes é variável. sendo que muito do trabalho é feito por robôs e computadores.000. um conjunto de novas tecnologias que utiliza métodos computacionais e matemáticos para analisar as informações. mas in silico. Na realidade.9% da sequência gênica. Uma quantidade enorme da informação obtida se encontra na Internet. relativa ao conjunto de substratos e subprodutos de reações enzimáticas que incidem no fenótipo celular. às vezes chamados de DNA-lixo. tais como: o A transcriptômica. vacinas recombinantes e de DNA) Prática forense (identificação das pessoas) Estudos antropológicos e evolutivos 56 . Sequências repetidas. terapias gênicas) Testes genéticos (diagnósticos. o As diferenças entre os seres humanos se devem a variações de uma base em 3. não codificadoras. sendo na média de 3. O DNA como agente biológico. Existem grandes espaços entre os genes. Em 2009.000 a 10. Ministério de Ciência e Tecnologia). de Crinipellis perniciosa (um fungo causador da vassoura de bruxa. os mais de 4. de Leischmania chagasi (um protozoário causador do calazar). animais). o Brasil alcança resultados significativos em diversas áreas.2). o Pecuária: Mapeamento de Bos indicus (gado Nelore adaptado ao Brasil). de Xanthomonas (uma bactéria causadora do cancro cítrico ou tristeza).000 poderiam ser o alvo de novos produtos farmacológicos. de Mycosphaerella fijiensis (que causa a sigatoka negra da banana) de Gluconacetobacter diazotrophicus e de Herbaspirillum seropedicae (bactérias fixadoras de nitrogênio). Também se desenvolvem importantes estudos sobre o Genoma Humano do Câncer e o Genoma Clínico. Alemanha) ou por redes de cooperação inter-regionais (Brasil. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 5: Os ácidos nucleicos e os genes A genômica tem aplicações imediatas no campo médico e farmacológico. A GENÔMICA EM AMÉRICA LATINA Vários países de América Latina contam com projetos em andamento (Argentina. em um futuro próximo. da pecuária e da indústria química. Argentina. café. De um modo geral. plantas. de Baculovírus anticarsia (um vírus que ataca a lagarta da soja). o número de alvos pode ser multiplicado por dez. Paralelamente ao mapeamento do genoma humano. sendo beneficiados por acordos internacionais com países desenvolvidos (Estados Unidos. através dos testes genéticos e dos novos medicamentos (Tabela 5. esta informação reverterá também no desenvolvimento da agricultura. 5. 57 . tais como: o Saúde humana: Sequenciamento de Schistosoma mansoni (um protozoário causador da esquistossomose). com 25 laboratórios regionais e um laboratório de bioinformática (Laboratório Nacional de Computação Científica). de Trypanosoma cruzi (um protozoário causador da doença de Chagas). bactérias (53%). França.000 genes humanos recentemente descobertos. A criação de empresas novas com fundo de capital de risco visa desenvolver produtos biotecnológicos que gerem e comercializem patentes na área da genômica aplicada. cana-de- açúcar. de Leifsonia xyli (bactéria que ataca a cana-de-açúcar). eucalipto. Se forem consideradas as proteínas. Uruguai e Paraguai). entre os 30. estes envolvem parcerias entre instituições públicas e privadas. o Saúde animal: Sequenciamento de Mycoplasma synoviae (um vírus que afeta os bovinos) e Mycoplasma hyopneumoniae (um vírus que afeta os suínos). Em curto ou médio prazo. Chile. o Agricultura: Sequenciamento de Xylella fastidiosa (causadora da praga do amarelinho das videiras). Essas realizações foram possíveis graças ao envolvimento pioneiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e à criação de Rede Nacional de Sequenciamento do Programa Genoma Brasileiro (CNPq. Estima-se que. a participação do Brasil nesta área se verá afiançada. do frango. feijão-caupi e amendoim). a participação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e várias universidades que deram a infraestrutura necessária e possibilitaram a capacitação profissional. estudos sobre o genoma funcional do boi. com o qual. da abelha. além de leguminosas como soja. de Paracoccidioides brasiliensis (um fungo causador de micose).000 a 40. que ataca o cacau). Brasil. arqueas (22%) e metagenomas (3%).500 projetos em andamento abrangem organismos eucariontes (22%). Chile e México). o Indústria: Sequenciamento de Chromobacterium violaceum (uma bactéria que pode originar compostos de interesse farmacológico) e de várias plantas industriais (guaraná. mais de 900 outros organismos foram sequenciados (microrganismos. Pioneiro na ciência genômica. feijão. de Anopheles darlingi (um mosquito transmissor da malária) de Leptospira interrogans (uma bactéria transmitida pela urina do rato e que afeta o homem). Maria Antonia Malajovich 58 . independentemente de ser ou não uma fermentação. ácido cítrico. PROCESSOS FERMENTATIVOS E INDÚSTRIA A produção de vinhos e cervejas é o primeiro processo fermentativo desenvolvido em escala industrial. tanto no tratamento ambiental como na produção de alimentos e aditivos.1. OS BIOPROCESSOS BIOPROCESSOS. Atualmente. O processo fermentativo genérico. de produtos químicos e de medicamentos. pH) Ar Esterilização Tratamento final Subprodutos Produtos Resíduos Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. Por motivos históricos.bio.bteduc. Ao longo do século XX. antibióticos etc. as fermentações encontram aplicações novas. FIGURA 6. E o termo fermentador se usa como sinônimo de biorreator. ainda hoje o termo processos fermentativos se aplica em biotecnologia a qualquer processo microbiano operado em grande escala.br) . butanol.). etanol. designando o recipiente onde ocorre o processo (Figura 6. a expansão da Microbiologia Industrial possibilitou.1). a produção de diversas substâncias (acetona.6. mediante o desenvolvimento de processos baseados no metabolismo microbiano. Preparação do inóculo FASE DE LABORATÓRIO FASE INDUSTRIAL Preparação do meio Esterilização Controles (temperatura. a glicose é degradada até uma molécula de três carbonos. Na fermentação. Em presença de oxigênio. ácido láctico. Estas reações ocorrem geralmente em ambientes onde o substrato é abundante. algumas leveduras e bactérias (assim como as células musculares) podem respirar ou fermentar. a entrada do piruvato no ciclo de Krebs e a fosforilação oxidativa permitem a quebra total da glicose em CO2 e H2O. ácido acético. o último aceptor de elétrons é o piruvato ou algum outro derivado. Na respiração. para a manutenção de sua estrutura e para suas atividades. a oxidação de glicose se completa até chegar a CO2 e H2O. Respiração e fermentação. etanol. onde o último aceptor de elétrons é o oxigênio. H2O e 36-38 ATP 60 . liberando uma grande quantidade de energia sob a forma de ATP (respiração aeróbia). Glicose GLICÓLISE (2 ATP) Citoplasma FERMENTAÇÃO Ácido pirúvico Composto orgânico Sem O2 (etanol. a degradação de compostos orgânicos em moléculas menores libera energia.2). FIGURA 6. sendo pequena a quantidade de energia obtida.2. Dependendo das condições ambientais. produzindo 36-38 moléculas de ATP. Mediante a redução do piruvato ou de algum de seus derivados (fermentação). vários microrganismos geram outras substâncias orgânicas: acetona. da presença ou ausência de oxigênio. glicerol etc. ácido láctico) Com O2 RESPIRAÇÃO Citoplasma (procariontes) Ciclo de Krebs e cadeia respiratória Mitocôndria (eucariontes) CO2 .Maria Antonia Malajovich OS MICRORGANISMOS INDUSTRIAIS NOÇÕES SOBRE O METABOLISMO PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO Denominamos metabolismo o conjunto de reações químicas de degradação (catabolismo) e de síntese (anabolismo) de substâncias em um organismo. isto é. butanol. uma parte desta será acumulada sob a forma de ATP (trifosfato de adenosina). As células e a maioria dos microrganismos retiram dos compostos orgânicos a energia que precisam. As primeiras liberam energia. o piruvato. Respiração e fermentação são as principais vias catabólicas (Figura 6. e a restante dissipada como calor. A quantidade de energia liberada e os produtos finais diferem se a oxidação do composto orgânico for total ou parcial. Nas vias catabólicas. as outras a consomem. Na glicólise. produzindo 2 ATP. De um modo geral. São metabólitos secundários os antibióticos. No fim da fase log e início da fase estacionária começam a serem sintetizados os metabólitos secundários. Já os metabólitos secundários. podendo inclusive ocorrer em compartimentos celulares diferentes. existem outras vias metabólicas secundárias específicas. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 6: Os bioprocessos A respiração e algumas fermentações são representadas mediante equações. convergindo para a produção de energia e de pequenas moléculas simples (CO2. um metabólito primário ou um metabólito secundário (Figura 6. algumas células morrem. ácidos graxos) podem entrar em determinados pontos da via catabólica da glicose. os caminhos de degradação se cruzam com os de síntese. o Fase lag: período de adaptação em que. como a seguir: o Respiração aeróbia: C6H12O6 + 6 O2 +38 ADP + 38Pi 6 CO2 + 6 H2O + 38 ATP Glicose o Fermentação alcoólica (leveduras como S. o Fase de declínio: sem a renovação dos nutrientes. Além das vias metabólicas primárias. sendo sintetizados numerosos metabólitos primários. a população passa por diversas fases (Figura 6. A ativação de umas e/ou de outras depende do microrganismo e das condições em que ele se desenvolve em seu ambiente natural ou em que irá ser cultivado. H2O e NH3). os alcaloides. Os metabólitos primários estão relacionados com o crescimento dos microrganismos e a transformação de nutrientes em biomassa. que são comuns a todos os microrganismos.3B). cerevisiae e algumas bactérias): C6H12O6 + 2 ADP + 2Pi CH 3 CH2OH + CO2 + 2 ATP Glicose Etanol o Fermentação láctica (bactérias como Streptococcus e Lactobacillus): C6H12O6 + 2 ADP + 2Pi CH 3 CHOH COOH + 2 ATP Glicose Ácido láctico No metabolismo. as vias metabólicas não são reversíveis: o caminho seguido na degradação de uma substância é parcial ou totalmente diferente do caminho de síntese correspondente. mesmo sendo desnecessários no metabolismo microbiano. alguns dos compostos intermediários do catabolismo são os pontos de partida para vias anabólicas. os microrganismos sintetizam enzimas e constituintes celulares. Outras moléculas (aminoácidos. permitem a sobrevivência em ambientes extremamente competitivos que contam com escassos nutrientes. Entretanto. e as condições de cultivo dependerão do objetivo da fermentação. quando os microrganismos se desenvolvem em um meio com uma quantidade limitada de nutrientes. apesar de não se multiplicar. os pigmentos. enquanto outras se dividem. o Fase log: a população cresce de maneira exponencial. o Fase estacionária: devido ao esgotamento dos nutrientes e à acumulação de excretas. o ácido láctico ou os aminoácidos. as células morrem em um tempo variável. a escolha do microrganismo terá que ser feita em função de suas vias metabólicas. sendo os principais exemplos o etanol. 61 . Com vistas ao desenvolvimento de um bioprocesso. Esta separação facilita a regulação enzimática do metabolismo que ocorre com o menor desperdício de matéria e energia. Inversamente.3A). algumas enzimas e toxinas. o Sais minerais. Este deve conter todos os nutrientes necessários nas concentrações adequadas.Maria Antonia Malajovich FIGURA 6. zinco. No caso de se tratar de um processo enzimático.). cobre. além do substrato adequado. por exemplo.) ou complexa (farinha de soja. soro de leite. ureia etc. amido etc. 62 . sulfato de magnésio (MgSO4 7H2O). amido de milho etc. Em geral. peptona etc. este pode também ser sintetizado diretamente a partir de alguma substância do meio (b). a matéria-prima passa por um tratamento prévio com métodos físicos e/ou químicos. Em alguns casos. succinato de amônia. cloreto de cálcio (CaCl2) etc. Com vistas a uma exploração comercial. que variam em função do microrganismo e do objetivo do processo. os meios definidos são substituídos na indústria por matérias-primas de baixo custo como. Os nutrientes do meio permitem a multiplicação celular e a formação do metabólito primário. A. que pode ser utilizado pelas células para sintetizar o metabólito secundário (a). o Uma fonte de energia e de carbono: glicose. o Elementos-traço: ferro. os elementos necessários para que a enzima possa desenvolver sua atividade catalítica (precursores.). orgânica (asparragina. melaço de cana ou de beterraba. nitrato de potássio etc. os meios de cultura utilizados no laboratório incluem: o Água. glutamato. o meio deverá levar. tais como fosfato de potássio (K2HPO4 ou KH2PO4). a Meio nutriente Células Metabólito primário Metabólito secundário b MEIOS DE CULTURA E MATÉRIA-PRIMA A composição do meio de cultura depende das necessidades metabólicas do microrganismo escolhido.). o Uma fonte de nitrogênio: inorgânica (sulfato de amônia. cofatores etc. cobalto. log do número de células Tempo Fase Fase Fase Fase lag log estacionária de declínio B: A produção de metabólitos primários e secundários. manganês.3: As diversas fases do crescimento de uma população microbiana e a produção de metabólitos. As fases de crescimento de uma população. molibdênio. uma película que flutua. O vinho é inoculado com bactérias do gênero Acetobacter que formam na superfície a "mãe do vinagre". Este tipo de fermentação em meio sólido umedecido é utilizada na produção de alimentos como. Os microrganismos constituem um grupo biológico muito diversificado e. Existem outros processos semelhantes. por isso existem muitas expectativas em relação à prospecção de linhagens em ambientes extremos ou pouco usuais. mas é lento e exige muito espaço. Apesar de terem sido isoladas do meio ambiente. Outra variante interessante do processo fermentativo é a produção tradicional de vinagre (Processo Francês ou de Orléans) em barris de carvalho. O processo fornece excelentes vinagres. o missô. em virtude de uma série de alterações genéticas (mutações. pouco conhecido. serragem etc. Em geral. colunas. soja fermentada. também existem hoje equipamentos sofisticado com bandejas. como norma geral. o microrganismo deve ser capaz de se multiplicar rapidamente. A tendência atual é de transferir os genes correspondentes a algum dos microrganismos conhecidos. dentro de folhas de bananeira e cestas de bambu ou mesmo em montões. Existem Bancos e Coleções de Cultura que vendem esse tipo de linhagens de microrganismos como culturas puras. estas fermentações ainda ocorrem artesanalmente. a maturação de queijos por ação de fungos (Roquefort. OS DIFERENTES TIPOS DE BIOPROCESSOS OS PROCESSOS TRADICIONAIS Algumas fermentações se desenvolvem sobre resíduos agroindustriais ou florestais. Em alguns lugares. recombinações) obtidas no laboratório. alguns totalmente automatizados (Figura 6. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 6: Os bioprocessos A ESCOLHA DAS LINHAGENS De um modo geral. geneticamente estáveis e aptas para o cultivo em grande escala. por estar tão selecionadas geneticamente. Não se precisa desenvolver um processo novo para cada microrganismo que apresente alguma característica comercial interessante. palha. sintetizando grande quantidade do produto a partir de uma matéria-prima barata. por exemplo. A produção de medicamentos ou de vacinas é um caso especial que exige medidas de segurança estritas. ainda. o cultivo de fungos. Na Ásia. as linhagens industriais diferem substancialmente das linhagens originais. para que o cultivo em um fermentador resulte economicamente viável. o levedo da massa na panificação. presa a um quadriculado de madeira que a impede de afundar. sendo a capacidade de cada barril de 200 litros (Figura 6. em contato simultâneo com o ar e com o meio. como grãos. 63 . que formam uma película de micélio na superfície do líquido. frascos e tambores rotativos.4). Algumas vias metabólicas. de maneira a aumentar ao máximo a síntese do produto desejado e evitar a produção de algumas substâncias desnecessárias. o shoyu e o sakê. o microrganismo cresce na superfície de um meio líquido. a fermentação do cacau. especialmente as do metabolismo secundário. Porém. adaptados às condições industriais. Gorgonzola). as linhagens industriais não devem ser patogênicas nem produzir toxinas. a preparação do koji. conduzidos por fungos. do café e do chá etc. estas linhagens sobrevivem pouco tempo no meio ambiente. Deste modo. é a base de alimentos tradicionais como o tofu. podem ter sido alteradas. tendo inclusive algumas vias metabólicas anuladas ou desbalanceadas. bagaço.5). a maioria dos processos industriais se desenvolve em cubas de vidro ou de aço de até 20 litros. tais como a esterilização do sistema. Esta facilita a distribuição dos nutrientes na cuba. por exemplo. Os agentes biológicos se encontram submersos no meio de cultivo que ocupa. a manutenção do pH etc. 75% da cuba. sendo esta medida extensiva a todos os ductos de entrada e saída e às válvulas correspondentes. e em muitas fermentações se forma espuma. Em outros tipos de biorreatores. Às vezes é necessário injetar ar. Os modelos de fermentadores mais utilizados com microrganismos contam com aeração e agitação mecânica. a homogeneização depende da injeção de ar (Figura 6.000 m3 de capacidade como. por injeção de vapor ou mediante o calor gerado por serpentinas. o acréscimo de nutrientes e de aditivos antiespuma. no Reino Unido.7). O desenho do biorreator deve se adequar ao objetivo do processo. Se o processo exigir assepsia. em coluna ou torre. dentro ou fora do fermentador. os fermentadores para a produção de proteínas de célula única. mas gera calor que deve ser eliminado mediante a circulação de água fria (Figura 6. Tubo para adicionar o vinho Entrada de ar Mãe do vinagre Mosto Retirada do vinagre OS PROCESSOS SUBMERSOS Atualmente. Um processo tradicional. aproximadamente. da Imperial Chemical Industries (ICI). Os tanques podem chegar a 3. Biorreator para fermentações em fase sólida.5. Injeção de ar Controles Saída de ar Umidade Bandejas com a matéria-prima para o cultivo de microrganismos FIGURA 6. esta será conseguida mediante: o A esterilização do meio.6). o A desinfecção ou esterilização do equipamento. 64 . a aeração e homogeneização do meio.Maria Antonia Malajovich FIGURA 6.4. mediante filtros adequados. o A esterilização do ar. respondendo eventualmente a diversos imperativos. a produção de vinagre (Método de Orléans). OUTROS SISTEMAS SUBMERSOS Os sistemas submersos são apropriados para o cultivo de microrganismos livres. o processo passa a ser estudado em um biorreator de até 10 litros de capacidade. chegando a 5. Uma operação simples de laboratório pode ser impraticável.000 l em uma planta piloto e 100. O crescimento da população microbiana. mas resultam pouco econômicos quando se trabalha com células ou enzimas caras.000 l em uma planta industrial. Modelo de biorreator utilizado em fermentações submersas. seja por adesão a um suporte inerte. quando realizada em grande escala. além de simplificar a purificação do produto permite a reutilização das células ou das enzimas. Existem fermentadores adaptados às necessidade de cada agente biológico e de cada tipo de processos DO LABORATÓRIO À INDÚSTRIA A MUDANÇA DE ESCALA A capacidade de uma cuba varia entre 1 e 10 l para um fermentador de laboratório.6. No laboratório. onde se analisam as variáveis físico-químicas em outra escala. 65 .7). BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 6: Os bioprocessos FIGURA 6. ou pouco econômica. seja por inclusão dentro de um polímero que permita o contato com o meio de cultura. após as primeiras experiências realizadas na bancada. A imobilização em fermentadores menores. ou a quantidade do produto formado são monitorados a partir de amostras extraídas ao longo do processo. que permanecem dentro do biorreator (Figura 6. 8). o nível do meio etc. agentes biológicos e biorreatores. altera-se a relação superfície/volume. velocidade de agitação. de modo que as condições de operação do fermentador na planta piloto deverão ser ajustadas até se aproximar das correspondentes a um processo comercial. os ajustes à mudança de escala são de grande complexidade. A automatização do monitoramento e do controle da fermentação permite que a informação relativa aos parâmetros físicos e químicos (pH. temperatura.) seja recolhida on-line por sondas e sensores. a informação é analisada em relação a um modelo previamente estabelecido. Fermentações. piloto). Para que o processo se aproxime das condições ideais.Maria Antonia Malajovich Ao aumentar o tamanho do equipamento.7. o processo poderá ser desenvolvido em um fermentador industrial (Figura 6. FERMENTAÇÕES SUBMERSAS Podem ser conduzidas por CÉLULAS E ENZIMAS Livres Imobilizadas Em suportes inertes Entre membranas Reatores com Reatores com agitação mecânica agitação pneumática Reatores de Reatores de leito fixo fibra oca Ou de leito Reatores fluidizado em torre Reatores STR Ou com membranas planas Coluna de bolhas Reatores air-lift 66 . Se a experiência na planta piloto for bem-sucedida. oxigênio. FIGURA 6. Como este se elabora a partir da experiência obtida com cubas menores (laboratório. 10 litros 50 – 200 – 500 litros 5. o tratamento de água. o sistema é relativamente flexível. do laboratório à indústria. uma vez que o fermentador é carregado com a matéria-prima e o inóculo correspondentes. parte do conteúdo (meio de cultivo + produto) é retirada e substituída por meio fresco. Em um sistema descontínuo de produção. A mudança de escala. 67 .000 – 50.000 – 200. Concluído o processo e extraído o produto. periodicamente. eliminando-se quase totalmente o tempo improdutivo.000 litros 5 – 50 – 200 m3 LABORATÓRIO PILOTO INDÚSTRIA A CONDUÇÃO DO PROCESSO O processo fermentativo pode ser conduzido de maneira contínua ou descontínua (batelada). o acréscimo de nutrientes e a retirada do produto ocorrem simultaneamente ao longo do processo. a fermentação prossegue até o esgotamento dos nutrientes. o sistema se adapta a processos que não exijam assepsia. sendo que ambas as formas apresentam vantagens e inconvenientes. Já no sistema contínuo de produção. o fermentador é esvaziado. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 6: Os bioprocessos FIGURA 6. limpo e esterilizado antes de receber outra carga. já que o mesmo equipamento pode ser utilizado na fabricação de produtos diferentes. obviamente. Entre o sistema em batelada e o sistema contínuo existe um sistema intermediário de batelada alimentada em que. A produção em bateladas é bastante utilizada na indústria farmacêutica porque o risco de contaminação permanece relativamente baixo. A mudança de escala entre o processo laboratorial e o processo industrial cria vários problemas de índole tecnológica.8. Bancada Fermentador de laboratório Fermentador piloto Fermentador industrial 1 . Apesar do tempo improdutivo entre uma batelada e a seguinte. Como o risco de contaminação aumenta. como a produção de proteína microbiana e de álcool e. Se o produto for secretado fora da célula. Brasil. alguns dos quais podem representar um perigo para o meio ambiente como. Segundo a legislação do Mercosul. como a cristalização e os métodos cromatográficos. esta envolverá outros procedimentos. os microrganismos são veiculados em meio líquido ou em turfa estéril. precipitação. estas terão que ser desintegradas para proceder a sua extração. a biotecnologia moderna começa a se inserir neste campo. Um destes agentes é o Rhizobium. como o crescimento de biomassa sobre resíduos industriais. 68 . filtração. Com o mapeamento do genoma de microrganismos como o Rhizobium etli (México) e o Gluconacetobacter diazotrophicus (Brasil). Uma vez recuperados. a produção de biofertilizantes envolve numerosas empresas. Vários exemplos serão tratados nos capítulos correspondentes (indústria. saúde). extração por solventes. uma bactéria simbionte das raízes de leguminosas que fixa o nitrogênio atmosférico. saúde). meio ambiente. que contam com um sólido suporte tecnológico originado em universidades e instituições públicas de pesquisa agronômica. O termo biofertilizante se aplica aos produtos que contém agentes biológicos capazes de favorecer o desenvolvimento vegetal. Vários países produzem inoculantes agrícolas. por exemplo. Cuba. Na América Latina. Se a purificação for necessária. As linhagens bacterianas são estirpes selecionadas por sua eficiência em uma ampla gama de cultivares e amplamente adaptadas às condições locais. meio ambiente. OS BIOPROCESSOS NA INDÚSTRIA DE FERTILIZANTES Os bioprocessos são utilizados por numerosas indústrias na produção de bens e serviços. até o presente. Existem formas de tratamento. A utilização de bioprocessos na indústria de fertilizantes é uma aplicação interessante porque permite a substituição de produtos químicos derivados do petróleo por agentes biológicos. Peru e Uruguai.500 litros. Chile. a indústria baseia a produção dos microrganismos nas tecnologias fermentativas clássicas. entre eles: Argentina. durante o prazo de validade do produto. O produto se concentra por sedimentação. alimentos. destilação. menos prejudiciais para o meio ambiente. o vinhoto resultante da produção de etanol ou o soro das indústrias de laticínios. a concentração deverá ser de 108 microrganismos viáveis por grama de produto. México. centrifugação. utilizando recipientes cada vez maiores até chegar a biorreatores de 1. A multiplicação dos microrganismos se realiza em etapas sucessivas. No entanto. em vários setores produtivos (indústria. Um problema a considerar é o despejo dos resíduos de uma fermentação. sendo empacotados e posteriormente vendidos e distribuídos aos agricultores. pequenas e médias. Mas se o produto permanecer dentro das células. Colômbia. que eliminam o problema e ainda permitem a obtenção de mais um produto.Maria Antonia Malajovich A RECUPERAÇÃO DO PRODUTO A recuperação do produto representa uma fração considerável do custo de um processo fermentativo. reduzindo a necessidade de aplicar fertilizantes nitrogenados nas lavouras. evaporação do solvente e secagem. estará disperso em um volume grande de água e será necessário separá-lo por decantação ou filtração. as células vegetais seguem vias metabólicas diferentes. maça. Distintamente das experiências anteriores. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. devido ao tamanho minúsculo das sementes e à ausência de reservas nutritivas. Em outras palavras. folhas (begônia. caules (banana). Com algumas variações.1 ).bio. as possibilidades de sobrevivência das plântulas após a germinação in vivo são muito baixas. tais como folhas. FIGURA 7. porque. Em função das condições fisiológicas e ambientais. isto é. rizomas (samambaias). de pequenos fragmentos de tecido extraídos de diversas partes da planta. raízes (batata-doce.br) . tubérculos (batata-inglesa). 1922). raízes. no entanto. A CULTURA DE CÉLULAS E TECIDOS O CULTIVO DE CÉLULAS E TECIDOS VEGETAIS AS PRIMEIRAS TENTATIVAS A reprodução assexual é utilizada para obter um grande número de mudas a partir de uma única planta.1. As diversas partes de uma planta angiosperma. cormos (gladíolo). o método é usado ainda hoje por numerosos floricultores.bteduc. estacas (videiras) etc. as sementes e mais tarde as plântulas se mantiveram protegidas do ataque de fungos e bactérias. Transferidas assepticamente ao meio de cultura. Dependendo do caso. amora). As primeiras tentativas de cultura de tecidos vegetais em laboratório datam de 1902. As plantas obtidas por propagação assexuada ou vegetativa são idênticas à planta-mãe e idênticas entre si. espada-de-são-jorge). segmentos nodais e gemas axilares.7. gemas florais e apicais (Figura 7. esta propriedade é característica das plantas. Restringida em animais. são clones. A capacidade de uma célula regenerar réplicas do organismo do qual ela deriva é denominada totipotência. a primeira experiência bem-sucedida é a germinação in vitro de sementes de orquídea (Knudson. a micropropagação se inicia a partir de explantes. A totipotência permite a sobrevivência das plantas superiores após o ataque de herbívoros. e incubadas em condições favoráveis. aproveitam-se bulbos (cebola). pragas e patógenos ou em condições ambientais desfavoráveis. Ni.0 e 6. vitaminas. Ca. ácido nicotínico (niacina). zeatina. outros polissacarídeos (Gelrite. A tendência atual em pesquisa é de substituí-los por meios de composição definida. raízes e. Phytagel). Materiais inertes Utilizados como suporte. hidrolisados de caseína. Substâncias inorgânicas Macroelementos (N. 70 . Mg. pantotenato de cálcio. Mo. vitamina B1 (tiamina). Fonte de carbono Geralmente se utiliza sacarose. Outras substâncias Exemplos: giberelinas.4 D (2. Exemplos: IAA (ácido indolacético). I). se for igual. substâncias inorgânicas (sais minerais). A composição do meio de cultura varia com as necessidades de cada espécie. Zn. B. 2iP (2- isopentiladenina). vitamina H (biotina). areia. inibem a formação de brotos axilares adventícios e. Citocininas Estas promovem a divisão celular. Exemplos: agar. o pH do meio varia entre 5. 2. IBA (ácido indolbutírico). extratos vegetais. ácido para-aminobenzoico e vitamina E (tocoferol). se for menor. uma fonte de carbono. P. a embriogênese em suspensões celulares. regulam o crescimento e o desenvolvimento dos tecidos vegetais. BAP (benzilaminopurina). pouco definidas peptona e triptona. vitamina C (ácido ascórbico). calos.5. A fonte de carbono é necessária porque os explantes não são totalmente autotróficos e a fotossíntese in vitro não supre as necessidades das células. suco de laranja). papel de filtro. COMPONENTES CARACTERÍSTICAS E EXEMPLOS Água destilada Representa 95% do meio nutriente. vitamina B 2 (riboflavina). Cu. A incubação ocorre a uma temperatura entre 23 e 28C. De um modo geral. Al. Hormônios e Auxinas reguladores de crescimento Estas promovem o alongamento celular. desenvolvem-se brotos. Alguns destes componentes podem ser substituídos por misturas pouco definidas. a formação de calos e de raízes adventícias. lã de vidro. Os componentes do meio de cultura para células vegetais. Exemplos: cinetina. vitamina B6 (piridoxina). ácido abcíssico. TABELA 7.Maria Antonia Malajovich OS MEIOS DE CULTURA O meio de cultura inclui água. suco de tomate. O crescimento e a diferenciação celular são controlados modificando a proporção entre os hormônios e reguladores de crescimento. Vitaminas Mioinositol. NAA (ácido naftalenoacético). em uma proporção que depende da planta escolhida. Mn. com 12 a 14 horas diárias de iluminação. ácido fólico. Co. se a proporção entre citocininas e auxinas for maior que 1.1. S) e microelementos (Fe. Geralmente. etileno. mais econômicas ou simples de manipular (água de coco.4- diclorofenoxiacético). K. esponjas de poliestireno. Misturas de substâncias Exemplos: extrato de levedura. às vezes. hormônios e fatores reguladores do crescimento (Tabela 1). agarose. Compostas e Liliáceas. de hortaliças e na silvicultura. mais tarde para uma casa de vegetação. depende também do genótipo e das condições ambientais. 20-250C. Gesneriáceas. Uma vez retirados da planta-mãe. A cultura in vitro tem a vantagem de ser mais rápida e de ocupar muito menos espaço que a multiplicação in vivo. em condições assépticas semelhantes às utilizadas para a cultura de microrganismos (Figura 7. Estabelecimento de uma cultura asséptica. C. Multiplicação. Preparação das plântulas para a transferência ao solo. de maneira a se obter numerosas subculturas (Figura 7. Os propágulos desenvolvidos são divididos e transferidos para um meio de multiplicação. As principais aplicações estão no cultivo de plantas ornamentais. primeiro para o solo ou para algum outro substrato. Protegidas da iluminação solar direta. O procedimento a seguir para se obter uma cultura asséptica no laboratório. A incubação ocorrerá a uma temperatura entre 23 e 28C. Aclimatação. na luz 71 . os explantes são desinfetados com um agente químico. além de desenvolver raízes. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 7: A cultura de células e tecidos AS ETAPAS DO PROCESSO A capacidade de regeneração é maior nas plantas herbáceas que nas lenhosas. Os explantes se cultivam assepticamente em meios de composição adequada. Os explantes são transferidos para o meio de cultura.2. D. diminuindo com a idade da planta. Separação Esterilização Lavados Dissecação Incubação dos explantes e semeadura Água + detergente + hipoclorito de sódio Água estéril Condições assépticas. O processo envolve quatro etapas: A. enrijecem e começam a fotossintetizar.2). B. elas aumentarão sua capacidade fotossintética adaptando-se lentamente as condições ambientais. Transferência das plântulas. Crucíferas. distribuindo-se em forma desigual entre algumas famílias de Solanáceas. que é mais tarde lavado. possibilitando a regeneração direta da planta. com iluminação durante 12 a 14 horas diárias. FIGURA 7. geralmente hipoclorito de sódio. As plântulas das subculturas são transferidas para um meio de enraizamento onde.3). A cultura de meristemas.4. 72 . FIGURA 7.Maria Antonia Malajovich FIGURA 7.5. FIGURA 7. As diferentes possibilidades dos cultivos de calos. Obtenção de subculturas a partir de explantes nodais.3. Uma vez estabelecido em um meio de cultura.000 plantas / m 2) sem depender dos fatores climáticos e da época do ano. como as orquídeas. na cultura de calos a proliferação celular está acompanhada por um aumento das variações genéticas e da instabilidade cromossômica (variação somaclonal). é produzido como resposta aos ferimentos em órgãos e tecidos. cana-de-açúcar. Outra variação desta modalidade é a microenxertia.3 mm) de meristema. preferem-se pequenas cubas de 1 a 5 l onde os propágulos permanecem em sistemas de imersão permanente ou temporária. que se aplica às essências florestais (eucalipto) e às árvores frutíferas (citros). A técnica também permite a multiplicação de espécies que se reproduzem lenta e/ou dificilmente. 73 .01 a 0. Estoques de plantas livres de vírus e de outros patógenos são obtidos associando a cultura de meristemas com a termoterapia. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 7: A cultura de células e tecidos AS DIFERENTES MODALIDADES A cultura de meristemas A regeneração de uma planta pode ocorrer a partir de um órgão tão pequeno quanto a gema apical (tamanho 0. a partir dos quais poderão ser regeneradas numerosas plantas (Figura 7.). a partir de uma única gema apical podem-se obter 4. no mínimo. morangueiro. o custo destas mudas é alto porque a cultura em meio sólido necessita um trabalho minucioso e uma mão de obra especializada. por micropropagação produzirá 300. a tecnologia é interessante quando se planeja introduzir uma espécie em uma região determinada porque elimina qualquer contaminação prévia. um tecido embrionário a partir do qual se formam todos os outros tecidos das plantas. que são cultivadas em pouco espaço (mais de 1. e acelerar a produção de mudas em plantas com ciclo anual ou bianual. impressionantes. se encontra um pequeno fragmento (0. dália.5 a 2 mm). alcachofra etc. trata-se de um tecido de tipo tumoral que. visa reduzir os custos. visando a amplificação posterior dos cultivos.4). Se um tubérculo de inhame de 100 g produz 25 kg de tubérculos em dois anos. Apesar dos custos. batata. Do ponto de vista econômico. Por isso. Recuperam-se com este método algumas plantas que só se reproduzem naturalmente pela via assexuada e se encontram ameaçadas de extinção devido à contaminação por vírus Os exemplos citados na bibliografia sobre o cultivo de meristemas são. associado aos primórdios foliares e ao tecido subapical. mantendo indefinidamente as células em meio nutriente com a mesma composição. análogos aos fermentadores microbianos. formar-se-ão órgãos ou embriões. a cultura da gema apical pode ser substituída pela cultura de meristemas (Figura 7. A multiplicação dos propágulos em biorreatores. Nesta. uma incubação a 32-340C. Se o calo for transferido a outro meio com uma concentração diferente de hormônios.000 kg. Também é interessante para iniciar a propagação vegetativa com mudas certificadas. Ao modelo tradicional de pás giratórias que danifica os tecidos e as células.5). A técnica gera uma alta produtividade de mudas sadias. Diferentemente das outras modalidades de cultura de tecidos. o calo pode ser subdividido a cada três ou quatro semanas. Um calo é uma massa de células desdiferenciadas que prolifera de maneira irregular a partir de um explante. A cultura de calos A cultura de calo é a modalidade alternativa para aquelas plantas que não podem ser propagadas diretamente a partir de meristemas. in vivo.000.000 de cravos em um ano. crisântemo. por um tempo determinado (gerânio. a herbicidas. também. pela produção mediante o cultivo de suspensões celulares em biorreatores. também. possam vir a estabelecer as bases de uma agricultura molecular. a produção de shikonina a partir de raízes (Lithospermum erythrorhizon) pela empresa Mitsui Petrochemical Ind. de hormônios esteroides etc. Por outro lado. a cultura de calos resulta menos conveniente que a cultura de meristemas para micropropagação. de se tratar de um produto intra ou extracelular. de corantes. as aplicações se restringem à produção de alguns fármacos e de aditivos para a indústria de alimentos (flavorizantes. Contudo. apesar de poucos terem alcançado um nível comercial. leguminosas. forrageiras. A variabilidade pode ser aumentada pela utilização de agentes mutagênicos. Do ponto de vista tecnológico. espécies florestais e palmeiras tropicais).. semicontínua ou contínua. tendo um alto valor agregado no mercado. ou não. A escolha de uma modalidade ou outra de cultivo depende da substância estar. Por enquanto. tais como a resistência ao estresse. isto é de embriões formados a partir de células somáticas. associada ao crescimento celular e. por isso uma das aplicações desta tecnologia é sua dispersão por aviões para o reflorestamento de regiões de difícil acesso. Podem ser encapsulados em uma substância gelatinosa contendo nutrientes. de gingenosídeo (Panax ginseng) e de purpurina (Rubia akane) por Nitto Denko Corp. adoçantes e aromas para as indústrias alimentícia e cosmética. Trata-se de alcaloides. de glicosídeos cardíacos. No início da década de 1990. Os metabólitos secundários. combinando o desenvolvimento de novos processos industriais com a engenharia metabólica das células. Espera-se que as estratégias para aumentar a produção. são considerados produtos de Química Fina.Maria Antonia Malajovich Devido a essa característica.000 por kg. sua utilização é inevitável no caso de algumas espécies economicamente importantes (cereais. Mn). a variação somaclonal permite a seleção de variedades de plantas com propriedades novas. envolta por um plástico biodegradável. os riscos de contaminação aumentam. comercializado como Taxol por Phyton Inc.. Os cálculos mostraram que se o mercado fosse suficientemente amplo e o valor do produto superasse os US$ 500 ou 1. Como o crescimento é lento. A possibilidade de substituir os métodos tradicionais de extração ou de síntese. neste último caso se utilizam células imobilizadas. 74 . de substâncias antitumorais e antimicrobianas. A condução do processo pode ser descontínua. formando “sementes artificiais”. para a indústria farmacêutica e. gerou grandes expectativas comerciais. ao ataque de insetos. Ltd. corantes e aromas). Existem diversos modelos de biorreatores para o cultivo de células vegetais. Entre eles. e de paclitaxel (Taxos cuspidata). Estas condições não são tão frequentes. Estas se desenvolvem normalmente quando semeadas na terra. a concentrações salinas elevadas. a produtividade do sistema deveria ser de pelo menos um grama de composto por litro de cultura celular. a patógenos. A tendência a formar agregados as torna muito sensíveis ao cisalhamento. A cultura de células e órgãos vegetais em biorreatores Desagregando um calo em meio líquido se obtém uma suspensão de células que podem ser cultivadas em biorreatores industriais visando a produção de metabólitos secundários ou de embrioides. Também existem problemas relacionados com a transferência de oxigênio. as células vegetais são grandes (100 m) e sedimentam com facilidade. uma empresa associada a Bristol-Myers Squibb. ou compostos naturais. O cultivo de órgãos e especialmente de raízes transformadas (hair roots) tem dado bons resultados. entre os quais o tradicional de pás giratórias e outros de tipo air-lift ou de leito fluidizado.. vários estudos estimaram as condições necessárias para que a síntese ou a bioconversão de compostos naturais em produtos de alto valor agregado resultasse vantajosa. a moléculas químicas (Al. 6. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 7: A cultura de células e tecidos FIGURA 7. 75 . As possibilidades do cultivo de células vegetais e animais. Sendo técnicas de domínio público. leguminosas. Esta tecnologia está amplamente difundida na América Latina. o IBP (do espanhol. isto é. em que se manifestem os caracteres recessivos. Esse tempo pode se reduzir a meses mediante a cultura de anteras. banana. todos podem ser congelados em nitrogênio líquido a –1960C.Maria Antonia Malajovich MELHORAMENTO E CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE VEGETAL Existem várias modalidades de cultura de tecidos que contribuem para facilitar a tarefa de melhoramento (Figura 7. embriões somáticos e zigóticos. A criopreservação facilita a preservação de numerosas plantas ornamentais. que tratadas com colchicina originam diretamente plantas diploides (2n) homozigotas. café) e de mudas de essências florestais para as indústrias de papel. na hortifruticultura. Finalmente. oleaginosas. maracujá etc. A DIFUSÃO DA TECNOLOGIA As técnicas de cultura in vitro de vegetais foram rapidamente assimiladas por empresas e instituições de pesquisa e desenvolvimento. que poderá ser regenerada novamente no meio de cultura. células. junto com outros centros científicos. Instituto de Biotecnologia de las Plantas) tem desenvolvido. com ampla difusão na olericultura. também. tanto das espécies cultivadas como das espécies selvagens. Em Cuba. já que a maioria dos medicamentos de que dispomos contém princípios ativos extraídos de plantas. 76 . protocolos para batata. goiaba. numerosas empresas as utilizam no mundo todo para garantir a qualidade genética e fitossanitária das mudas e sementes comercializadas. relativamente simples e de baixo custo. onde representa o segundo produto mais comercializado da biotecnologia agrícola. demora oito ou 10 anos para obter linhagens puras (homozigotas). calos. pode-se introduzir material genético estranho (transformação) ou conseguir a fusão de protoplastos de diferentes cultivares ou espécies (hibridização somática). plátano. na floricultura e na propagação de plantas ornamentais. frutíferas. A conservação da biodiversidade é importante não só do ponto de vista do melhoramento agronômico como do farmacológico. Os protoplastos se formam por digestão enzimática da parede celular. a autofecundação das plantas por várias gerações. frequentemente é necessário retirar os embriões do resto da semente e proceder a sua recuperação mediante a cultura in vitro. gerando-se plantas haploides (n cromossomos). porque facilitam o melhoramento genético das variedades comerciais e. sementes. deve-se destacar a importância destas técnicas de cultura de células e tecidos vegetais para a conservação do germoplasma. Como as plantas resultantes destes cruzamentos geram sementes que dificilmente se desenvolvem.6) O método genético tradicional. assim como na produção de plantas de interesse industrial (cana. cana-de- açúcar. medicinais e aromáticas. Durante o período em que a célula está sem a parede celular. meristemas. porque representam uma etapa indispensável na obtenção de uma planta transgênica. Protoplastos. O IBP está associado a uma rede de 15 biofábricas com capacidade de produzir 60 milhões de plântulas in vitro e sementes artificiais. gemas apicais e laterais. abacaxi. por exemplo. Os componentes de um meio de cultura básico para células animais. treonina. tirosina. Entretanto. KCl. CaCl2. Os linfócitos extraídos do paciente são colocados em um meio líquido que induz a divisão celular.2. Células isoladas a partir de fibroblastos ou de tecido epitelial se multiplicam na superfície de um suporte inerte (vidro. 6H2O. Um choque hipotônico provoca a lise das células e libera os cromossomos (Figura 7. e também os linfócitos B imortalizados por infecção com o vírus de Epstein-Barr ou por fusão com células de mieloma (hibridomas). TABELA 7. cistina.2). Mediante a transferência de algumas células a um meio novo (repiques). as células animais sofrem um tipo de morte programada (apoptose) depois de aproximadamente umas cinquenta a cem divisões. aminoácidos. NaHCO3. Deve-se então reiniciar o cultivo com uma nova amostra. soro humano ou de cavalo (fatores de crescimento). pH e umidade. formando uma monocamada. As células devem ser isoladas.2-7. inclusive humano.). à diferença dos microrganismos que podem ser repicados indefinidamente. Basicamente. vitaminas. plástico etc. Misturas de substâncias Soro animal de diversa origem. Vitaminas Biotina. valina.7 B). uma cultura primária gera sucessivas culturas secundárias (Figura 7. Eagle conseguiu definir os nutrientes necessários para o crescimento celular (Tabela 7. triptófano. pouco definidas Outros Antibióticos (penicilina. bloqueando as células na metáfase. COMPONENTES CARACTERÍSTICAS E EXEMPLOS Água Desmineralizada. ácido pantotênico. nicotinamida. AS APLICAÇÕES DA CULTURA IN VITRO DE CÉLULAS DE MAMÍFEROS Uma das primeiras aplicações é a cultura de linfócitos. histidina.7 A). um meio para o cultivo de células animais inclui água. Mas há outros tipos de células de mamíferos que também se cultivam in vitro. como as células extraídas de tumores ou as células-tronco. que fornece em poucos dias um número adequado de células para a análise do cariótipo. lisina. antibióticos (para prevenir as contaminações microbianas). fenilalanina. metionina. MgCl2. riboflavina. Substâncias inorgânicas NaCl. estreptomicina) e vermelho de fenol (pH 7. 77 . piridoxal. A adição de colchicina inibe a formação das fibras do fuso mitótico. ácido fólico.4). NaH2PO4. destilada. isoleucina. Este visa detectar as alterações cromossômicas estruturais e numéricas que possam ser a causa de distúrbios no funcionamento do organismo. inoculadas e mantidas assepticamente em condições bastante estritas de temperatura (350 a 370 C). leucina. colina. glicose. o cultivo de células animais só começou a se desenvolver com sucesso na década de 1950. tiamina. Existem algumas exceções que escapam dessa limitação. glutamina. quando H. sais minerais.H2O. L –aminoácidos Arginina. Fonte de carbono Glicose. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 7: A cultura de células e tecidos A CULTURA DE CÉLULAS ANIMAIS A MANIPULAÇÃO IN VITRO DAS CÉLULAS ANIMAIS Apesar dos primeiros estudos datarem de 1912. A. Meio de cultivo Repique Desagregação Suspensão Cultura Cultura mecânica ou enzimática celular primária secundária (tripsina. morreu aos 31 anos de um carcinoma uterino. Amostra de Separação dos Cultivo dos Adição de colchicina Fixação e coloração sangue com leucócitos por leucócitos e lise celular (bandeamento) anticoagulante centrifugação OBSERVAÇÃO E COMPARAÇÃO B. Etapas da cultura de leucócitos para a análise do cariótipo. As culturas de células de origem animal. CÉLULAS ORIGEM APLICAÇÕES HeLa(*) Carcinoma cervical humano Pesquisa MDCK Rim de cachorro Produção de vacinas veterinárias 3T3 Tecido conjuntivo de camundongo Técnicas laboratoriais Nawalwa Linfoma humano -interferon WI-38 Pulmão embrionário humano Produção de vacinas humanas VERO Rim de macaco verde africano Produção de vacinas humanas MRC-5 Pulmão embrionário humano Produção de vacinas humanas (*) Henrietta Lacks. Origem e utilização de algumas linhagens celulares.3. Etapas da cultura de células a partir de um fragmento de tecido.7. Maria Antonia Malajovich FIGURA 7. colagenase) TABELA 7. A linhagem de células HeLa isolada na época continua sendo cultivada há mais de 50 anos. 78 . à produção de compostos biológicos (proteínas recombinantes).) que.ex. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 7: A cultura de células e tecidos Nas Coleções de Culturas se encontram linhagens celulares de diversos tipos. soros e reagentes chegará a US$ 3. algumas considerações devem ser levadas em conta. Como as células se dividem lentamente (a cada 20 horas aproximadamente). Também é adequada para a produção de citocinas (linfocinas. de tecidos para transplante e de vacinas para uso humano e veterinário. em modelos de fermentadores análogos aos representados no capítulo anterior.4 bilhões em 2013. p. imobilização em géis ou cápsulas ou fixação sobre suportes. interferons. A cultura de células animais exige. Nos estudos toxicológicos. já os de maior tamanho (até 1. conservadas por criopreservação (Tabela 7.000 l) exigem a substituição da agitação mecânica por sistemas de tipo air lift ou leito fluidificado. A cultura in vitro de células animais é a rota seguida para a manufatura em grande escala de vários produtos. tal como pequenas partículas de 100 a 400 m em vidro. No biorreator. Na hora de passar da escala do laboratório à escala industrial. meios de cultivo complexos e caros. Biorreatores de tamanho pequeno (até 15 l) e processos descontínuos apresentam menos problemas de contaminação. o que diminui a produtividade e a rentabilidade do processo. Nos últimos anos. Estima-se que o mercado gerado pela venda de meios de cultivo. além de um cuidado extremado. a assepsia deve ser mantida durante períodos prolongados. aos testes de diagnóstico. desenvolvendo-se em condições muito rigorosas. a experimentação com animais. uma atividade que suscita forte resistência na sociedade devido aos questionamentos éticos levantados. ao menos parcialmente. As concentrações celulares são baixas.3). Evita-se a apoptose ou morte celular renovando periodicamente parte do meio para retirar os produtos excretados. 79 . as técnicas de cultura in vitro de células animais deram um amplo impulso às pesquisas básicas e aplicadas. por exigir modificações pós- traducionais complexas. A demanda de oxigênio é alta e as células são muito frágeis e sensíveis ao cisalhamento. tais como as vacinas e os anticorpos monoclonais. Enquanto algumas células podem crescer livremente em suspensão. esta tecnologia substitui. eritropoietina) e de outras proteínas de origem recombinante (fator ativador de plasminogênio. não podem ser produzidas em bactérias ou leveduras transformadas. outras só crescem se houver um suporte. este problema pode ser resolvido de diversos modos: mediante o confinamento das células dentro de membranas semipermeáveis. às técnicas de fertilização in vitro. como os linfócitos. plástico ou dextrina. Maria Antonia Malajovich 80 . 3’ ou 3’. geralmente em sistemas automatizados especialmente desenhados para efetuar rapidamente um número altíssimo de operações. De um modo geral. isto é de uma sequência que pode ser lida do mesmo modo (GAATTC) nos dois sentidos (5’. que se precipita com etanol. Observe-se a existência de um palíndromo. Uma vez extraído e purificado o DNA. Pertencem a este último grupo as “enzimas de restrição”. Assim como há enzimas que cortam o DNA. já que ao cortar o DNA viral impedem sua multiplicação. outras cortam a molécula por dentro. marcar. as enzimas de restrição são produzidas por bactérias. seja porque não possui as sequências correspondentes. a quebra de paredes e membranas libera o conteúdo celular. Todas elas agem como tesouras químicas que cortam o DNA ao reconhecer. outras colam os fragmentos (ligases). do qual se eliminam o RNA e as proteínas antes de separar o DNA. Normalmente. constituindo hoje um conjunto de ferramentas que é utilizado rotineiramente nos laboratórios. de forma análoga a frases como “Amor a Roma”. seja porque estas estão camufladas pela adição de um grupo metila. que são capazes de cortar o DNA em sítios específicos. fragmentar. A extração de DNA é um procedimento relativamente simples. como uma arma de defesa contra o ataque de vírus (bacteriófagos). Estas técnicas foram desenvolvidas ao longo de uma década (1985-1995).bteduc. sintetizar. como os seus pontos-alvo. AS NUCLEASES OU ENZIMAS DE RESTRIÇÃO Entre as numerosas enzimas utilizadas diariamente nos laboratórios. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www.8. A TECNOLOGIA DO DNA AS FERRAMENTAS DISPONÍVEIS A tecnologia do DNA engloba uma série de procedimentos para extrair. primeira endonuclease a ser descoberta I" corta o DNA em dois pedaços com pontas lascadas: as setas indicam o ponto de corte. diversos tipos de tratamento são possíveis. já foram isoladas centenas de enzimas de restrição. Por exemplo.bio. cujo nome deriva de "Escherichia coli linhagem RY13 (R). determinadas sequências de 4 a 8 bases. identificar. Desde sua descoberta por Werner Arber. Estima-se que este mercado alcance um valor de US$ 158 bilhões. Estas enzimas quebram as ligações entre os nucleotídeos de uma cadeia de DNA. O DNA bacteriano não é atacado por suas próprias enzimas. Pelo menos uma trintena de empresas já comercializa diferentes tipos de kits para a extração de ácidos nucleicos. em 2014. amplificar e sequenciar o DNA. as nucleases merecem atenção especial. algumas começam pelas extremidades eliminando-os um a um.5’).br) . na década de 1960. substituindo os protocolos tradicionais por sistemas mais fáceis de automatizar. a enzima EcoRI. 2. A eletroforese do DNA.Maria Antonia Malajovich FIGURA 8. 82 . FIGURA 8.1. Os polimorfismos de restrição. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 8: A tecnologia do DNA A ELETROFORESE DO DNA A eletroforese separa os fragmentos de DNA obtidos com uma enzima de restrição. As amostras são colocadas em um gel no qual se aplica um campo elétrico. Os fragmentos de DNA carregados negativamente se movimentam na direção do pólo positivo. Ao encontrar uma resistência menor, os fragmentos menores migram mais rapidamente (Figura 8.1). O poder de separação varia com o suporte (gel de agarose ou de poliacrilamida) e com o tamanho do poro, que depende da concentração do meio. Também varia com as características do campo elétrico aplicado. Os fragmentos de restrição formam bandas que podem ser observadas na luz ultravioleta, após coloração com uma substância fluorescente. Fragmentos de tamanho conhecido inseridos no gel, à maneira de uma régua molecular, servem como padrão de comparação para estimar o tamanho das bandas do DNA analisado. Uma das primeiras aplicações da eletroforese dos fragmentos de restrição foi o estudo dos polimorfismos. A modificação do sítio de restrição de uma molécula de DNA (como, por exemplo, de GAATTC para GAACTC) origina fragmentos de tamanhos diferentes, denominados RFLPs ou rifleps (do inglês, restriction fragment length polymorphism). Os RFLPs são marcadores que podem ser estudados do mesmo modo que um gene que determine um caráter visível ou uma modificação bioquímica (Figura 8.2). Uma mutação pode gerar dois alelos diferentes, A 1 (nenhum sítio de restrição) e A2 (um sítio de restrição). Na eletroforese, o DNA dos indivíduos A1A1 será visualizado como uma banda, o de A1A2 como três bandas e o de A2A2 como duas bandas. HIBRIDIZAÇÃO E SONDAS GÊNICAS Quando o DNA é colocado em determinadas condições de temperatura, pH ou concentração salina, os dois filamentos da hélice se separam. A dissociação se deve à quebra das pontes de hidrogênio entre as bases complementares. Voltando às condições iniciais, essas ligações se restabelecem e os filamentos se associam novamente. A reação de hibridização também ocorre entre filamentos de DNA ou de RNA de diferentes origens e tamanhos, sempre que houver algumas sequências complementares. Em função desta propriedade se constroem filamentos simples, geralmente marcados radiativamente, de DNA ou RNA de sequência conhecida. Estes se usam como sondas para reconhecer a presença de uma sequência complementar em um cromossomo ou em um fragmento de DNA (Figura 8.3). FIGURA 8.3. Hibridização de uma sonda com a sequência complementar. 83 Maria Antonia Malajovich FIGURA 8.4. O método de Southern. A sonda identifica a homozigose de I (sem sítio de restrição) e de III (com sítio de restrição) e a heterozigose de II (um filamento sem sítio de restrição e o outro com sítio de restrição). 1. Preparação dos fragmentos de restrição Três amostras de DNA de diferente origem + enzima de restrição. 2. Eletroforese Os fragmentos de restrição são separados por eletroforese. 3. Transferência O DNA é desnaturado e os fragmentos unifilamentares transferidos a uma membranade nitrocelulose. 4. Sonda radiativa Acrescenta-se uma sonda unifilamentar complementar ao gene procurado. Esta hibridiza com o fragmento portador da sequência complementar. 5. Autorradiografia Depois de lavar, para eliminar o excesso de reagente, coloca-se sobre o filtro um filme sensível à radiatividade. FIGURA 8.5. O polimorfismo de uma sequência de vinters (VNTRs). A. Número de VNTRs presentes no mesmo B. Separação dos fragmentos de restrição fragmento de restrição, em 3 indivíduos (eletroforese) 84 BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 8: A tecnologia do DNA O MÉTODO DE SOUTHERN Em 1975, E.M. Southern descreveu um método para analisar fragmentos de restrição, utilizando sondas de DNA. Uma vez separados os fragmentos por eletroforese, transferem-se os fragmentos a uma membrana de náilon ou de nitrocelulose. A hibridização de uma sonda radiativa com o seu alvo é registrada em um filme apropriado (Figura 8.4). O método, denominado Southern blotting, tem sido utilizado para diagnóstico de doenças genéticas, algumas das quais são causadas por mutações que, ao eliminar ou criar um sítio de restrição, modificam o padrão de bandas. Métodos análogos foram desenhados para estudos de RNA (Northern blotting) e de proteínas (Western blotting). Observe-se que, no primeiro caso, a sonda pode ser um fragmento de ácido nucleico, mas no segundo a sonda é um anticorpo específico. O FINGERPRINT Descrita por A. Jeffreys em 1985, uma variante do método de Southern focaliza as regiões do genoma que não se expressam, acumulando mutações que conferem a cada indivíduo uma sequência única (excetuando-se os gêmeos). Muitas delas representam sequências repetidas que estão dispersas ao longo do genoma. Denominadas VNTR ou vinters (do inglês variable-number tandem repeats) estas sequências se repetem um número de vezes que pode variar de um cromossomo ao seu homólogo. Sendo assim, os fragmentos de restrição correspondentes terão um tamanho diferente, o que pode ser visualizado por eletroforese (Figura 8.5). Ao aumentar o número de sondas para o reconhecimento de outros tipos de VNTRs, obtém-se um padrão de bandas individual, parecido com o código de barras do comércio. Assim como as impressões digitais identificam as pessoas, as sondas revelam a identidade genética de cada um de nós. O procedimento, não por acaso chamado de Fingerprint, encontrou rápida aplicação tanto na investigação de paternidade (ou maternidade), como na identificação policial ou forense. A SÍNTESE E AMPLIFICAÇÃO DE DNA Síntese de oligonucleotídeos A síntese de oligonucleotídeos de DNA e RNA se desenvolve hoje em máquinas automatizadas (sintetizadores) capazes de construir, em poucos minutos, moléculas com dezenas de pares de bases (Figura 8.6). Estes oligonucleotídeos podem ser utilizados como sondas ou como primers para a PCR (ver um pouco mais adiante). Síntese de cDNA Uma enzima de origem viral transcreve a informação genética no sentido RNA  DNA. Esta enzima, denominada transcriptase reversa, normalmente garante aos vírus com genoma de RNA sua multiplicação no hospedeiro (como o HIV, por exemplo). O rRNA e os tRNAs podem ser isolados facilmente devido a seu tamanho; o mRNA, por sua vez, deve ser isolado dos tecidos onde se expressa. O mRNA da proteína da seda ou fibroína, por exemplo, se extrai das glândulas salivares do bicho-da-seda.Como ferramenta de laboratório, a transcriptase reversa possibilita a construção de filamentos de DNA complementares (cDNA) a qualquer molécula de RNA (Figura 8.7). Note-se que, diferente do gene original, não haverá íntrons no cDNA reconstruído a partir de RNA. 85 Maria Antonia Malajovich FIGURA 8.6. A síntese de oligonucleotídeos. FIGURA 8.7. A síntese de cDNA por transcriptase reversa. 86 BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 8: A tecnologia do DNA FIGURA 8.8. A reação em cadeia da polimerase. A. Os elementos necessários para a reação em cadeia da polimerase. B. A amplificação do DNA. 87 Maria Antonia Malajovich A reação em cadeia da polimerase A reação em cadeia da polimerase (Polymerase Chain Reaction ou PCR) é um procedimento que permite obter milhões de cópias de DNA em poucas horas (Figura 8.8 A). Para isso, se precisa do DNA que contenha a sequência que se deseja amplificar, de desoxinucleotídeos dos quatro tipos (dATP, dTTP, dCTP e dGTP), de uma polimerase de DNA e dos primers correspondentes. Estes são pequenos fragmentos sintéticos de DNA, complementares às extremidades da sequência-alvo, sendo indispensáveis para que a polimerase comece a sintetizar o filamento de DNA. A chave do processo é a DNA-polimerase, uma enzima estável a altas temperaturas que permite à bactéria Thermus aquaticus sobreviver em águas termais. Atualmente, esta enzima se produz por engenharia genética. Em um ciclo pontuado por mudanças de temperatura, os filamentos de DNA são dissociados e anelados com os primers, possibilitando que a polimerase sintetize o resto da sequência. Repetindo muitas vezes o ciclo, gera-se em pouco tempo um número altíssimo de cópias que podem ser utilizadas em qualquer tipo de análise (Figura 8.8 B). Uma máquina de PCR pode desenvolver 25 ciclos em menos de uma hora, amplificando 10 5 vezes o fragmento de DNA. Uma das grandes vantagens da PCR é que não há necessidade de isolar previamente o fragmento a ser amplificado, bastando conhecer as extremidades da sequência e escolher os primers adequados. Desenvolvendo-se de forma totalmente automatizada, o procedimento admite múltiplas variantes. A empresa Cetus comprou de seu inventor, K. Mullis, a patente da PCR por U$S 10.000, vendendo-a pouco tempo depois a Hoffmann-La Roche por U$S 300 milhões; hoje se trata de uma técnica corriqueira em qualquer laboratório de Biologia Molecular e provavelmente nenhum dos dois fez um bom negócio. Mais tarde, em 1993, Mullis recebeu o Prêmio Nobel pela invenção da PCR. Como assinalado anteriormente em relação aos sintetizadores de oligonucleotídeos, uma das chaves do êxito da PCR é o fato de ser um procedimento automatizado que se desenvolve em máquinas rápidas e eficientes, resultado da integração da Biologia Molecular com a Informática e a Eletrônica. O sucesso da PCR se deve a sua extraordinária versatilidade, permitindo que seja utilizada, com objetivos diversos, em campos tão diferentes como a agricultura, a medicina veterinária, os estudos ambientais, os testes de diagnóstico e a medicina forense. Entre suas muitas aplicações, cabe citar também os estudos antropológicos e evolutivos, tais como a extração de DNA de múmias egípcias, de animais extintos como o quagga (um tipo de zebra) ou de insetos presos em âmbar 40 milhões de anos atrás. O SEQUENCIAMENTO DO DNA Desenvolvido por F. Sanger em 1977, o sequenciamento de um fragmento de DNA é, também, um procedimento de tipo iterativo, possibilitando a construção de máquinas capazes de realizar rapidamente a tarefa (Figura 8.9). Um sistema automatizado permite identificar, na corrida eletroforética, cada um dos quatro didesoxinucleotídeos, fornecendo diretamente a sequência do fragmento sequenciado. Uma vez determinada a sequência de várias amostras, inicia-se a montagem da informação armazenada nos bancos de dados. Esta etapa se realiza em supercomputadores, exigindo um tratamento matemático para ordenar as sequências, preencher as lacunas e verificar os dados. Existem sequenciadores automatizados em que o gel é colocado nos capilares por um braço- robô que acrescenta o DNA e efetua a limpeza depois da eletroforese. No ano 2000, tais braços permitiam o tratamento de uma centena de amostras em 4 horas, sem exigir mais do que 15 minutos diários de atenção humana. 88 1. em vez de um desoxinucleotídeo. 89 . na forma didesoxi. 4. O sequenciamento de um fragmento de DNA. marcados com substâncias fluorescentes de diferente cor. Depois de vários ciclos teremos fragmentos de todos os tamanhos: 5. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 8: A tecnologia do DNA FIGURA 8. O sequenciador identifica cada um deles pela fluorescência do nucleotídeo didesoxi incorporado e fornece a sequência. se incorpore um didesoxinucleotídeo. Preparar numerosas cópias do fragmento a sequenciar (tamanho aproximado: 500 pares de bases) 2. Incubar a preparação com as substâncias necessárias para a síntese de filamentos complementares e acrescentar alguns nucleotídeos. Os fragmentos são separados por electroforese. porque estes não formam ligações fosfodiéster. 3.9. Iniciar a síntese dos filamentos complementares que será bloqueada quando. OS ARRAYS Em consequência do conhecimento acumulado sobre o genoma do homem e de outros organismos. É difícil prever os alcances desta tecnologia tão promissora.000. Os microchips são pequenas placas de vidro. A escolha de sequências transcritas.Maria Antonia Malajovich Calculava-se que.000. Os pontos onde ocorreu a hibridização são identificados por varredura com um raio laser e um software apropriado para o tratamento da informação (Figura 8. Hoje. Illumina/Solexa. . a partir de 2006 o método automatizado de Sanger começou a ser considerado pouco eficiente. o custo do sequenciamento de 1 Megabase (1. Atualmente. chegando a gastar U$S 1. Escolhem-se as sondas entre os genes codificadores de proteínas que se expressam na célula. 90 . por exemplo: o Determinar quais os genes ativados em um tecido. sobre a placa. os métodos utilizados eram 500 vezes mais rápidos que os da década anterior. a tecnologia é utilizada para diversos tipos de análise de DNA e RNA. aos tRNAs. se excluem os genes que correspondem ao rRNA. às sequências de controle e ao DNA extragênico. e NABsys). Lidar com um número enorme de informações demanda novos avanços tecnológicos. Oxford Nanopore Technologies. Intelligent Bio- systems. Helicos Biosciences) coexistem atualmente no mercado e numerosas empresas contam com tecnologias em diferentes etapas de desenvolvimento e comercialização (IBM. como o sono. náilon ou sílica com centenas de sondas por cm 2. Várias plataformas comerciais (Roche/454. Desse modo. fixadas mediante diferentes tecnologias (robótica. que possibilita estudos comparativos e evolutivos de uma dimensão inimaginável alguns anos atrás. contendo todo o genoma humano. as restantes serão eliminadas na lavagem posterior. denominadas ESTs (do inglês. Life/APG. até 2012. o Comparar as sequências de dois alelos.000 de pares de bases) era de US$ 1598. Também abre o caminho para estudos sobre as diferenças genéticas que afetam a saúde e a doença. surgindo a necessidade de desenvolver uma nova geração de tecnologias.91.47 bilhão de dólares por ano. as moléculas complementares a alguma das sondas ficarão grudadas. já podem ser estudados alguns aspectos relacionados com a expressão e a interação dos genes.12. Numerosas empresas fabricam arrays comercialmente. Em 2006. LaserGen Inc. o Determinar qual o medicamento adequado para um paciente. o Prever o risco de uma pessoa adoecer se ela for exposta a determinada substância etc. um deles normal e o outro associado a alguma patologia. as tecnologias de segunda geração tem derrubado os custos do sequenciamento. o mercado chegará a 1. Se em outubro de 2004. aumenta as chances de detectar os genes que participam de alguma resposta patológica. Coloca-se a amostra. expressed sequence tags).10).000 mensais com eletricidade. entre os quais a construção de chips de DNA e microarrays. Em consequência temos uma enorme avalancha de dados. Apesar de ter possibilitado o estudo de numerosos genomas. no auge do estudo do genoma humano. uma empresa ligada a Celera (Biosystems Applied) mantinha os computadores funcionando dia e noite. em julho de 2011 o preço era de US $ 0. em um momento do desenvolvimento ou em um estado fisiológico. fotolitografia). mas os analistas estimam que. mais rápidas e mais baratas. algumas estimam que em pouco tempo serão construídos arrays do tamanho de uma moeda. marcada com um corante fluorescente. como. além de serem ainda mais velozes. O tamanho das sondas depende da tecnologia utilizada na construção do array. G8 e H5 91 . que é marcado com uma substância fluorescente Microarray com as sondas (oligonucleotídeos de DNA) fixadas a um suporte Hibridização Eliminação do cDNA marcado que não emparelhar com nenhuma sonda Varredura (scanner) para detectar as sondas que hibridizaram com o cDNA Resultado: Houve complementação com As sondas B7. D4. A partir do mRNA extraído. saberíamos que os genes representados por B7. Fundamentos da tecnologia de arrays. C2. D4. E10. Observe-se que cada uma das sondas representadas no desenho corresponde a um conjunto de moléculas semelhantes. G8 e H5 estão ativados. Se as sondas representarem ESTs. C2. se prepara o DNA. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 8: A tecnologia do DNA FIGURA 8.10. E10. Em 2010. Esperam-se da biologia sintética avanços substanciais em medicina. e a eliminação posterior do genoma desta.) promovem a criação de uma comunidade que compartilhe valores e normas de trabalho. com segurança. A síntese cada vez mais rápida de alguns genomas virais (hepatite C. MIT etc. Trata-se de uma nova área de conhecimento com finalidades práticas. como blocos fundamentais. energia e meio ambiente. 2003) permitiu a construção e o patenteamento de uma bactéria parcialmente sintética (Mycoplasma laboratorium) por pesquisadores do Instituto J. indústria.) e universidades (Harvard. 2002. poliomielite. denominada Synthia. 2000. SYNBIO etc. mediante a introdução de unidades básicas de DNA de Mycoplasma mycoides em uma bactéria receptora de outra espécie. A bactéria sintética. DIYBIO. a biologia sintética. capazes de cumprir funções determinadas. que visa o desenho e a construção de sistemas biológicos simplificados. phi X 174. várias organizações (Biobricks Foundation.Maria Antonia Malajovich A BIOLOGIA SINTÉTICA Com o desenvolvimento da genômica e a aparição de novas plataformas tecnológicas surge. na interface entre a biologia e a engenharia. Mycoplasma capricolum. Craig Venter. Moléculas de DNA sintetizadas automaticamente e associadas entre si como blocos de Lego são os elementos fundamentais para construir genomas mínimos. se reproduz normalmente e leva sequências específicas que confirmam sua origem artificial. Com o objetivo de desenvolver a biologia sintética em benefício da humanidade e do planeta. pesquisadores do mesmo Instituto obtiveram uma bactéria sintética. mediante a livre difusão de protocolos e sequencias biológicas standard que possam ser usadas. 92 . eles planejaram colocar um fragmento de DNA do sapo Xenopus laevis. pequenas moléculas de DNA circular. devido à permuta de fragmentos cromossômicos homólogos. A ideia de uma colaboração entre ambos teria surgido uma noite. formando uma molécula mista de DNA. P. Herbert Boyer isolava a primeira das enzimas de restrição que corta o DNA em fragmentos com pontas lascadas. a estrutura e a síntese das proteínas. também chamada de engenharia genética. os pesquisadores abriram o pSC101 e inseriram fragmentos do pSC102.bteduc. esta começou a sintetizar rRNA de Xenopus (Figura 9. A ENGENHARIA GENÉTICA O NASCIMENTO DA BIOTECNOLOGIA MODERNA A Genética e a Biologia Molecular se desenvolveram rapidamente ao término da Segunda Guerra Mundial. um deles com um gene de resistência a kanamicina (pSC102) e o outro com um gene de resistência à tetraciclina e um sítio de restrição para EcoRI (pSC101). A seguir. Em um período de 25 anos. É nesse contexto de rápidos avanços que devemos situar as primeiras experiências que deram origem à tecnologia do DNA-recombinante.9. S. Boyer dispunha da enzima de restrição EcoRI. na Universidade de Califórnia (San Francisco). AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS Em 1972. na Universidade de Stanford (Califórnia). a produção de proteínas em organismos modificados geneticamente e a geração de organismos transgênicos com propriedades novas.1). em redor de sanduíches e cervejas. eles introduziram este plasmídeo quimérico na bactéria Escherichia coli. A engenharia genética é um instrumento valioso para o estudo dos genomas. Com esse objetivo. Cohen e H. diante da praia de Waikiki. um fenômeno limitado na natureza a uma mesma espécie ou a espécies muito próximas.br) . uma característica que simplifica a tarefa de associar (“colar”) os pedaços. selecionaram um gene codificador de rRNA no DNA do sapo e o inseriram no plasmídeo pSC101. Mediante o corte e a união de pequenos pedaços de DNA. Boyer e Cohen repetiram a experiência. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. Boyer se encontraram em uma conferência científica no Havaí. E. um fenômeno que ocorre normalmente durante a meiose. o código genético. portadoras de alguns genes capazes de se replicar de maneira autônoma. A seleção de clones resistentes a ambos antibióticos (tetraciclina e kanamicina) mostrou o sucesso do experimento (Figura 9.2). a regulação gênica etc. A extraordinária novidade do experimento está na transferência de genes de uma espécie para outra bem distante na escala evolutiva. utilizando a enzima de restrição e uma ligase como “tesoura” e “cola”.bio. Berg conseguira associar o DNA de dois microrganismos diferentes. Cohen de dois plasmídeos. foram esclarecidos temas de enorme importância: a estrutura dos ácidos nucleicos. Stanley Cohen especializava-se na biologia dos plasmídeos microbianos. As experiências conjuntas começaram assim que eles regressaram a seus laboratórios em San Francisco. Na primeira experiência. a ação dos agentes mutagênicos. Na mesma Universidade. a engenharia genética cria novas combinações de genes. a genética dos microrganismos. Introduzido o plasmídeo recombinante na bactéria Escherichia coli. mas em vez de inserir no plasmídeo um pedaço de DNA bacteriano. A utilização da palavra “recombinante” nos remete à recombinação gênica. pertencentes ou não a indivíduos de uma mesma espécie. K= kanamicina.Maria Antonia Malajovich FIGURA 9. Ts: sensível à tetraciclina. Kr: resistente à kanamicina. com DNA de Xenopus. pSC102: plasmídeo de Stanley Cohen n0 102. Transferência dos plasmídeos e seleção das bactérias recombinantes R R Plasmídeos Bactérias T K recombinantes COPIAR OU CLONAR Multiplicar Bactérias T S K S Meio de cultivo com tetraciclina e kanamicina Legenda T: tetraciclina. em uma bactéria.1. pSC101: plasmídeo de Stanley Cohen n0 101.2. Sapobacter ou Bactosapo? Com a entrada de um plasmídeo recombinante. Ks: sensível à kanamicina. FIGURA 9. Preparação dos plasmídeos recombinantes Bactérias T R CORTAR COLAR Enzimas de restrição pSC 101 Bactérias T S pSC 102 2. Tr: resistente à tetraciclina. 1. A experiência que deu origem à engenharia genética: cortar. copiar. Xenopus DNA de Xenopus Bactéria recombinante Moléculas de Xenopus 94 . esta passa a sintetizar algumas moléculas características de Xenopus. colar. a Universidade de Stanford obteve uma patente que lhe rendeu U$S 300 milhões.F. replicate stably in E. CHANG A. Em 1974. RNA isolated from E. e que bem no fundo da caixa de Pandora estava a esperança. Com base nos trabalhos publicados em 1973. mostrada oportunamente pelos pesquisadores e as instituições científicas envolvidas. o National Institute of Health (NIH) formou o Recombinant DNA Advisory Committee (RAC). P. o RAC publicou um conjunto de normas de trabalho que. divididos com a Universidade da Califórnia em San Francisco. A ambiguidade da nova biotecnologia. Eli Lilly. USA 71:5.C. a engenharia genética é utilizada atualmente em centenas de laboratórios de universidades e institutos de pesquisa.M. Sci. Nature e Proceedings of the National Academy of Science. reunindo 139 pesquisadores de 17 países. Extraído de: Replication and Transcription of Eukaryotic DNA in Escherichia coli (MORROW J. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 9: A engenharia genética Fragments of amplified Xenopus laevis DNA. Nesta breve recapitulação do nascimento da Biotecnologia moderna. até serem estabelecidos os cuidados e salvaguardas necessárias.. Talvez valha a pena lembrar que Prometeu foi liberado depois de 30 anos. Y. podem ser introduzidos no ambiente. containing both eukaryotic and prokaryotic DNA. coli minicells harboring the plasmids hybridizes to amplified X. 95 . and the recombinant molecular species have been introduced into E. vale destacar a preocupação com a segurança. Em 1976.E R.W. Não há na história da ciência ou da tecnologia um episódio de responsabilidade coletiva comparável ao da Conferência de Asilomar. HELLING. um rei com o dom de ver simultaneamente o passado e o presente. laevis rDNA. These recombinant plasmids. Genentech. Prometeu sofreu o terrível castigo de ser acorrentado a uma montanha e ter o fígado devorado por uma águia. classificou os experimentos em função do risco (baixo. se não existirem os devidos controles”. entre as quais Amgen. Pandora abrira a caixa da qual saíram todos os males da humanidade. pedindo a suspensão dos experimentos de alto risco enquanto não se determinassem quais as formas de contenção adequadas. a conferência de Asilomar (Monterrey. que se transforma assim em uma fábrica capaz de reproduzir esse gene em quantidades ilimitadas. COHEN S. coli by transformation. costuma ser representada nas duas faces de Janus. tanto físicas como biológicas. GOODMAN H. coli. E mais de trinta anos depois não há registro ou relato de nenhum acidente relacionado com essa tecnologia.N. Acad. Berg e mais nove pesquisadores publicaram uma carta nas revistas científicas Science.B. Por desobedecer a Zeus. médio ou alto). Qual o invento patenteado? O processo ou ferramenta biotecnológica que consiste em inserir um DNA exógeno em um plasmídeo bacteriano e este em uma bactéria. A Universidade de Stanford licenciou o uso da tecnologia a mais de 400 empresas. Johnson & Johnson e Schering Plough. devem ser seguidas por todos os pesquisadores e instituições que recebam dinheiro do NIH para pesquisas com DNA-recombinante. incapazes de sobreviver fora do laboratório. Instrumento da vingança divina. 1974 MITOS E REALIDADE As infinitas possibilidades da tecnologia do DNA-recombinante despertaram alguns dos antigos mitos. have been linked in vitro to the bacterial plasmid pSCl01.. Paralelamente a sua exploração comercial. Em 1975. Enfatizava-se também a necessidade de trabalhar com microrganismos enfraquecidos. Califórnia). BOYER H. Proc.. coding for 18S and 28S ribosomal RNA and generated by EcoRI restriction endonuclease. alertando os colegas sobre os possíveis riscos da nova tecnologia e pedindo uma moratória sobre os experimentos com DNA. Nat. entregando o fogo ao homem. com os seus desafios e promessas. alguns deles potencialmente perigosos.. além de revisadas periodicamente. Considerando que “o uso desta tecnologia apresenta vários riscos possíveis porque novos tipos de organismos. ou expressed sequence tagged). a triagem também pode ser feita com anticorpos específicos para a proteína sintetizada. no caso do gene se expressar. ou sequence tagged site. 96 .Maria Antonia Malajovich FIGURA 9.3. ESTs. A construção de bibliotecas de genes. A triagem dos clones pode ser feita reconhecendo a "etiqueta" representada por uma sequência conhecida no DNA (STS. na degradação de poluentes. Boa parte do DNA é “lixo” e não leva genes. A transferência de um gene de uma espécie permite obter microrganismos que sintetizem alguma substância diferente. em um processo extremamente engenhoso (Figura 9. De fato. existem vários outros microrganismos que são habitualmente utilizados como hospedeiros: Bacillus subtilis. Separa-se o mRNA codificador. vacinas) ou de enzimas (quimosina) e. além da sequência codificadora do peptídeo-guia. Como a enzima de restrição eliminava do cDNA. A construção de bibliotecas de genes representa o primeiro passo para o mapeamento de um genoma. Com este procedimento. Ao sequenciamento dos fragmentos segue a montagem da informação. o número de clones na biblioteca será menor (Figura 9. Pseudomonas. estes tiveram que ser acrescentados quimicamente. transposons etc. BACs ou bacterial artificial chromossomes. O gene de interesse costuma ser selecionado e estudado na bactéria de laboratório Escherichia coli e. o número de clones depende não só do número de genes como do tamanho do fragmento que o vetor pode carregar. O usuário tem acesso através da Internet. e. hormônio de crescimento. mediante programas especializados que acumulam uma enorme quantidade de informações. os nucleotídeos correspondentes aos primeiros aminoácidos da molécula. esta é armazenada em bancos de dados. Por isso.3). 97 . Inserem-se estas em plasmídeos. O tratamento matemático das informações demanda algoritmos sofisticados e computadores poderosos. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 9: A engenharia genética AS BIBLIOTECAS DE GENES O enorme tamanho de um genoma dificulta tanto o mapeamento como a localização de um gene. Como os plasmídeos bacterianos e o bacteriófago  só transportam fragmentos pequenos de DNA de 10 kb a 20 kb. YACs ou yeast artificial cromossomes. Estes microrganismos são utilizados na produção de fármacos (insulina. Aspergillus nidulans. os genes responsáveis pela síntese de proteínas. e os plasmídeos em bactérias. também. Picchia pastoris. incluindo exclusivamente os genes que se expressam. um procedimento alternativo é a montagem de uma biblioteca gênica. outros vetores genéticos foram especialmente desenhados para carregar fragmentos maiores (cosmídeos. Neurospora crassa etc. obviamente. posteriormente. transferido à espécie na qual se pretende produzir a proteína correspondente. com a enzima transcriptase reversa. Uma vez organizada a sequência. Trata-se de uma etapa complexa em que se alinham as sequências. geralmente visando o cultivo em grande escala. Cada bactéria formará um clone e cada clone levará um fragmento do genoma do organismo estudado. A CONSTRUÇÃO DE UM MICRORGANISMO RECOMBINANTE Uma das primeiras proteínas de origem recombinante foi a somatotropina ou hormônio de crescimento. se constroem as moléculas correspondentes de cDNA. O conjunto de clones representa o genoma inteiro de um organismo. Streptomyces. se preenchem lacunas e se verificam os dados.4).3). Além de Escherichia coli e de Saccharomyces cerevisiae. constituindo uma biblioteca genômica (Figura 9.). ou seja. inserir os fragmentos em plasmídeos e introduzir os plasmídeos recombinantes em bactérias. cortá-lo com enzimas de restrição. Uma forma de facilitar a manipulação é extrair o DNA de um organismo determinado. 4. que remove também 72 bases. A produção de somatotropina por engenharia genética. codificadoras dos primeiros 24 aminoácidos da molécula.Maria Antonia Malajovich FIGURA 9. O sinal correspondente ao peptídeo-guia é removido do cDNA com a enzima de restrição Hae III. Biblioteca genômica Biblioteca gênica Identificação do clone com o gene que se procura Síntese in vitro Clonagem e subclonagem Reação em cadeia em Escherichia coli da polimerase (PCR) Transferência a outro organismo. Algumas estratégias possíveis de clonagem.5. visando a expressão do gene 98 . cDNA de somatotropina Fragmento de DNA sintético com as 72 bases correspondentes aos 24 primeiros aminoácidos União dos dois fragmentos de DNA Inserção em um plasmídeo Plasmídeo recombinante Transformação Transcrição e tradução do gene SOMATOTROPINA FIGURA 9. Uma solução é a multiplicação do clone correspondente e posterior isolamento do gene procurado. que são elementos genéticos móveis capazes de pular de um lugar a outro do genoma. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 9: A engenharia genética ENCONTRAR O GENE De um modo geral. das características e possibilidades do laboratório (Figura 9. é necessário que esta reconheça seus próprios sinais de expressão. pode ser necessário construí-la. Escherichia coli não é o organismo ideal para a expressão de genes eucarióticos.3). espalhando ou não cópias. O gene pode ser localizado por triagem dos clones de uma livraria gênica ou genômica (Figura 9. Porém. Além dos plasmídeos (bacterianos e de leveduras) e os bacteriófagos (. INSERIR O GENE Vetores de expressão gênica A transferência de um fragmento estranho de DNA se vê facilitada pela utilização de vetores. para multiplicação ou integração no genoma. formando um gene sintético que será amplificado por PCR. entre os quais alguns marcadores que permitam reconhecer sua presença dentro da célula. podem-se construir cadeias curtas de oligonucleotídeos e associá- las. também. Para poder sintetizar uma proteína exógena. Por este motivo.6). para encontrar o gene de interesse. como a levedura Saccharomyces cerevisiae. Seja qual for o caminho seguido. A segunda dificuldade está na obtenção de numerosas cópias desse gene. sempre que se conheçam as sequências iniciais e finais ou. um fungo utilizado há séculos na produção de alimentos e bebidas. Se esta não existir. os sítios de restrição. término de leitura).5). estas terão que ser transferidas ao hospedeiro definitivo. que dependem do caso e. Ao colocar a sequência codificadora da proteína. existem hoje vetores bacterianos. a célula deverá ler a sequência codificadora com seus próprios sinais de transcrição (promotor) e de tradução (sítio de ligação com o ribossomo. o vetor funciona como um “cassete” de expressão (Figura 9. Se a sequência do gene for conhecida e relativamente curta. uma vez que as cópias do gene de interesse forem obtidas. Outra é a amplificação do gene mediante a PCR. É no vetor que será inserido o fragmento de DNA estranho. quando se procura expressar genes de mamíferos. carregando vários genes. Escherichia coli é substituída por outras células eucarióticas. Para que um gene se expresse em uma célula hospedeira. as sequências adjacentes à região onde está inserido. em uma primeira rodada de clonagem. Um vetor é uma molécula de DNA que se duplica de maneira autônoma dentro de uma célula. encontrar um gene equivale a procurar agulha em palheiro. um microrganismo muito conhecido e fácil de se cultivar no laboratório. As primeiras experiências de Engenharia Genética foram feitas na bactéria Escherichia coli. vetores de leveduras e vetores bifuncionais que podem ser utilizados tanto em bactérias como leveduras. 99 . Construídos em função das necessidades. Existem numerosas estratégias. eventualmente. Células procarióticas e eucarióticas diferem em relação ao processamento do mRNA e às modificações das proteínas depois da tradução. uma sequência promotora e os sinais adequados de início e fim da transcrição. também se utilizam como vetores os transposons. m13). O ideal é construir um vetor que já contenha os genes marcadores para seleção ou reconhecimento. também deve ser considerado o destino da proteína dentro da célula. o que será interessante comercialmente se esta for uma enzima. porque existe uma possibilidade remota dos genes serem transferidos das bactérias transformadas para as bactérias do ambiente. Associa-se o gene estranho a um marcador seletivo como. será preferível escolher um promotor fraco. um gene de resistência a algum antibiótico. Um promotor forte. permitirá sintetizar uma quantidade grande de proteína. temperatura). se esta for secretada haverá que acoplar na construção gênica um gene de sinalização.6. Fala-se neste caso de transfecção (transformação + infecção). só poderão se multiplicar e formar clones ou colônias as células que incorporaram ambos os genes. A aplicação de forças elétricas também aumenta as chances do DNA penetrar na célula. Finalmente.Maria Antonia Malajovich Outros fatores adicionais intervêm na construção de um vetor de expressão. se a proteína em questão for uma toxina que possa afetar o hospedeiro. Transformação e transfecção Existem diversos métodos para inserir o DNA recombinante dentro da célula. Entretanto. Em presença deste. Este deve incluir os elementos genéticos da célula hospedeira para a transcrição e tradução . Os plasmídeos atravessam a membrana celular em um processo denominado transformação. A tecnologia do DNA-recombinante está baseada em fenômenos que ocorrem em frequências muito baixas. que ocorre em determinadas condições fisiológicas da célula hospedeira. de maneira tal que o gene possa ser ligado ou desligado no momento que se considere conveniente. Entretanto. que a leve até a membrana celular. o uso de genes de resistência a antibióticos é considerado polêmico. Facilita-se a entrada do DNA com algumas manipulações. tais como a adição de CaCl 2 no meio e/ou a modificação da temperatura. Uma possibilidade interessante é a utilização de um promotor que responda a um fator externo controlável (substrato. por exemplo. 100 . por exemplo. ao abrir os poros da membrana (eletroporação). A existência de métodos de seleção eficientes possibilita detectar e recuperar aquelas células que incorporaram um gene estranho. FIGURA 9. A estrutura de um vetor de expressão. a infecção da célula promove a entrada do DNA exógeno dentro da célula. Em se tratando de vetores virais. O gene marcador confere resistência a substâncias normalmente tóxicas para as células vegetais. também. A TRANSFERÊNCIA DOS GENES A CÉLULAS VEGETAIS Agrobacterium tumefaciens é uma bactéria do solo.7). sua utilização para produzir substâncias novas (biofábricas). O TRANSGENE Para garantir a transferência de uma sequência gênica determinada. Esta característica transforma o plasmídeo em um vetor adequado para a transferência de genes de outras espécies às células vegetais. LUC. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 9: A engenharia genética IDENTIFICAR OS MICRORGANISMOS RECOMBINANTES Também podem ser utilizados como marcadores seletivos os genes que codificam a síntese de um aminoácido. Quando infectadas com a bactéria portadora desse plasmídeo. O promotor desencadeia a transcrição da sequência codificadora de interesse. isto é. Basta colocar o transgene na região T do plasmídeo previamente desarmado para se obter um plasmídeo recombinante que poderá ser transferido novamente a Agrobacterium ou a células hospedeiras. Um promotor constitutivo permitirá a expressão gênica na maioria dos tecidos e ao longo da vida da planta. também. A eliminação de alguns genes na região T do plasmídeo Ti conserva sua capacidade de inserção no cromossomo da célula hospedeira. Métodos alternativos envolvem a identificação de uma proteína com anticorpos marcados ou o reconhecimento de um gene por hibridização com uma sonda marcada. como a luz. verde brilhante na luz ultravioleta. A CONSTRUÇÃO DE PLANTAS TRANSGÊNICAS As plantas transgênicas se originam via cultura in vitro a partir de células vegetais modificadas geneticamente. eliminando a propriedade de induzir tumores. Neste caso. tumores característicos (crown gall). Denomina-se transgene o conjunto formado pela sequência gênica e a estrutura que o acompanha. deve-se construir em redor uma estrutura complexa que inclua também um gene marcador. os pesquisadores contam com outro tipo de marcadores que permite identificar as bactérias transformadas e. que emite luz em presença do substrato. a seleção do microrganismo recombinante ocorre em um meio sem esse aminoácido. o gene da luciferase. uma enzima dos vaga-lumes. acompanhar a expressão de um gene no organismo modificado. Além dos marcadores seletivos. GFP. de modo que em um meio seletivo só sobrevivam células que integraram o transgene. respectivamente o gene da -galactosidase e o gene da glucuronidase que transformam o substrato correspondente em um composto colorido. Portadoras de um gene exógeno ou transgene. Também existem promotores que respondem a estímulos ambientais internos ou externos. tais como os antibióticos ou os herbicidas. que leva um plasmídeo denominado Ti (do inglês. as plantas dicotiledôneas desenvolvem galhas. Destacam-se entre estes marcadores. 101 . sua obtenção visa o melhoramento das propriedades agronômicas e nutritivas dos vegetais e. um gene da medusa Aequorea Victoria. que sintetiza uma proteína fluorescente. onde o transgene irá se inserir em algum lugar do genoma (Figura 9. Tumour induced plasmid). ou genes repórteres: GAL e GUS. um promotor e as sequências de leitura adequadas (sequência terminal). 8.Maria Antonia Malajovich FIGURA 9. FIGURA 9. em pequena e grande escala Autorização da legislação local Liberação do cultivo para sua exploração comercial 102 . O plasmídeo Ti "desarmado" portando um gene exógeno é transferido a células de discos foliares. Transformação por engenharia genética Regeneração mediante técnicas de cultura de tecidos Caracterização molecular e bioquímica Avaliação do valor agronômico Melhoramento mediante cruzamentos com linhagens de elite Obtenção de uma variedade transformada geneticamente Experimentos e testes de campo. A construção de uma planta transgênica no laboratório. Formam-se calos que poderão regenerar a planta inteira.7. As etapas da construção de uma planta transgênica. células em que a parede celular foi eliminada com enzimas. se regeneram as plantas correspondentes (Figura 9. experimentação. 103 . armazenamento. O dispositivo possibilita a entrada do DNA exógeno no núcleo. A liberação do cultivo dependerá da autorização da legislação local. mediante as técnicas de cultura in vitro. a utilização de marcadores moleculares e de técnicas de cultura in vitro permite caracterizar a progênie bem mais rapidamente. milho. Já foram desenvolvidas várias técnicas genéticas de remoção dos marcadores. mas que geralmente resultam pouco vantajosas do ponto de vista agronômico. nas mitocôndrias ou nos cloroplastos. DO LABORATÓRIO AO CAMPO No laboratório.8). a liberação depende da Comissão Nacional Técnica de Biotecnologia (CTNBio). cultivo. Conceitualmente. apesar de se tratar de antibióticos sem uso clínico e que já se encontram nas bactérias do intestino. O método mais difundido provavelmente seja a biolística. transporte. biolística ou uso de vetores. assim como ao tratamento com uma substância que desestabilize a membrana plasmática (polietilenglicol ou PEG). De um modo geral. Acabada a etapa de laboratório. é conferida mediante técnicas bioquímicas e/ou marcadores moleculares (polimorfismos na molécula de DNA. Os testes visam a obtenção de uma linhagem transgênica de alto rendimento. mas como sua utilidade se limita ao processo de transformação. repetição de sequências). Estes marcadores podem ser substituídos. A presença do transgene. o melhor seria eliminá-los uma vez cumprida sua função. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 9: A engenharia genética As plantas monocotiledôneas (arroz. até que o novo híbrido transgênico esteja pronto para o seu cultivo comercial. manipulação. geralmente bastante restrita a esse respeito. um cultivar com uma produtividade potencial parecida à da linhagem “elite” que expresse o traço codificado pelo novo transgene. Só então dá-se início à liberação planejada no meio ambiente. liberação e descarte de OGM e derivados. trigo) não são infetadas por Agrobacterium. assim como o número de cópias e o lugar em que estas se integraram no genoma. como o plasmídeo Ti de Agrobacterium tumefaciens). no entanto. sendo necessário recorrer a métodos físicos para a transferência de genes. restando por verificar a estabilidade da expressão gênica e o seu valor agronômico. que envolve o cultivo de plantas em experimentos protegidos e testes de campo em diferente escala. porque são aspectos que podem influir na expressão gênica. em direção às células. adaptada a um contexto específico. Com um revólver especial (gene gun) dispara-se microprojéteis de ouro ou tungstênio. a seguir se selecionam e recuperam as células transformadas e. Considera-se alcançado o êxito quando o transgene se expressa no lugar correspondente e com um adequado nível de atividade. consumo. a transformação se realiza em protoplastos. Note- se que este trabalho costuma ser realizado em plantas cujo genótipo favorece a transformação e a regeneração da planta transformada. iniciam-se os testes controlados em casa de vegetação. uma instância colegiada multidisciplinar que regula mas atividades que envolvam a construção. No Brasil. esperando-se que nos próximos anos sua retirada se transforme em uma prática corriqueira de laboratório. estes testes são semelhantes aos efetuados no processo de melhoramento tradicional. para selecionar as plantas-mãe com as quais se originará várias gerações de retrocruzamentos seletivos com alguma das linhagens “elite”. Recorre-se à eletroporação. recobertos de DNA. comercialização. O PROBLEMA DOS MARCADORES SELETIVOS O uso de marcadores de resistência a antibióticos na construção de plantas desperta vários questionamentos. transfere-se a construção genética às células receptoras por algum dos métodos possíveis (geralmente eletroporação. isto é. interessa ao laboratorista porque os vírus animais infectam tecidos específicos e se integram no genoma da célula hospedeira de maneira estável. depois de numerosas tentativas de transferir o núcleo de uma célula mamária a um ovócito anucleado (Figura 9. anemia falciforme etc. Em mamíferos. os retrovírus e os adenovírus. Uma aplicação interessante desta tecnologia na pesquisa clínica é a construção de modelos animais para o estudo de doenças humanas. Células de inseto também podem ser manipuladas geneticamente com vetores como os elementos P de transposição de Drosophila. genes para características metabólicas (Tk ou timidina quinase) etc. ingestão de micropartículas. Adorada pela mídia. 104 . plasmídeos e transposons). doença de Huntington. uma vez eliminado o gene que permite sua proliferação na natureza. isto significa que houve integração no lugar desejado. O transporte de DNA exógeno dentro da célula é assegurado por métodos físicos (eletroporação. a sequência codificadora é colocada em uma construção gênica bem definida que inclui um gene marcador para selecionar as células que receberam o transgene. A transfecção mediante vetores virais dos quais se eliminaram as sequências patogênicas. Para integrar a construção gênica no lugar desejado. tais como câncer de mama (BRCA 1). Estes animais são de grande utilidade para as pesquisas farmacológicas. Em relação aos microrganismos. Utilizam-se como marcadores genes de resistência a antibióticos. Inversamente. sendo substituída por transfecção. Como distinguir a integração no lugar desejado (recombinação homóloga) da integração ocorrida em qualquer outro lugar (recombinação não homóloga)? Acrescentando na construção gênica. a vacina. ou como o baculovírus. Se a célula o integrar em qualquer outro lugar do genoma. Assim como visto anteriormente em relação aos microrganismos e às plantas. Observe-se que em relação às células animais a palavra transformação designa a conversão de uma célula normal em maligna. ela se tornará sensível a um segundo antibiótico. a grande vantagem das células animais é possuir os sistemas de transcrição e de processamento das proteínas indispensáveis para a expressão dos genes de organismos superiores. Desse modo se obtiveram camundongos transgênicos para genes determinantes de algumas doenças humanas. Os animais como biofábricas A ovelha Dolly nasceu em 1996. fusão de lipossomos com a membrana plasmática) e por vetores (vírus. se colocam nas extremidades sequências de DNA homólogas às extremidades do segmento que se quer substituir. tendo recebido o marcador colocado dentro da construção gênica. um gene de “seleção negativa”. artrite e sinais de envelhecimento precoce. se a célula for resistente a este antibiótico. um pouco mais longe das sequências homólogas. Os animais como modelos para a experimentação A transfecção de células cultivadas in vitro permite que sejam verificados o sítio de integração do transgene e o número de cópias inseridas.Maria Antonia Malajovich CÉLULAS E ANIMAIS TRANSGÊNICOS A TRANSFERÊNCIA GÊNICA A CÉLULAS ANIMAIS Um dos objetivos da engenharia genética é a produção de proteínas recombinantes em culturas celulares. os vírus utilizados mais frequentemente como vetores são o SV40. o clone Dolly teve que ser sacrificada em 2003 com um tumor no pulmão.9). microinjeção. O fato de ter-se utilizado para gerar Dolly uma célula diferenciada mantida em cultivo teve uma importância enorme. 105 .10). Mesmo sendo difícil de obter. uma ovelha transgênica para o gene codificador do fator IX. escolhe-se habitualmente um promotor que se expresse na glândula mamária. de modo que o produto gênico apareça no leite do animal. Chama-se Atryn o primeiro anticoagulante liberado comercialmente em 2009. originarão animais quiméricos. somatotropina ou insulina já são uma realidade. uma proteína que falta nos hemofílicos. como Polly. Cabras transgênicas produtoras de fator ativador de plasminogênio (tPA). Dos cruzamentos entre quimeras com células germinais portadoras do gene desativado nascerão animais homozigóticos com duas cópias do gene inativo (Figura 9. reimplantados. porque células embrionárias em cultura podem ser transfectadas e os seus núcleos transferidos para a obtenção de animais transgênicos. como para colocar um gene ativo (knock in). Esta estratégia é utilizada não só para construir modelos animais com um gene inativo (knock out). um processo complexo e de alto custo. vacas produtoras de lactoferrina. um animal transgênico pode ser bem mais interessante do ponto de vista econômico que o cultivo de células em biorreatores. produzido a partir do leite de uma cabra transgênica pela empresa GTC Biotherapeutics. Dolly. que. Após a transfecção de células-tronco embrionárias com um gene desativado. o mesmo grupo do Instituto Roslin e de PPL Therapeutics anunciou o nascimento de Polly.9. FIGURA 9. isto é animais com células de dois tipos: umas em que o gene está ativado e outras em que não está ativado porque incorporaram o transgene. Na construção de animais transgênicos para a produção em grande escala de uma proteína recombinante. um clone obtido por transferência nuclear. realiza-se sua transferência a blastócitos. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 9: A engenharia genética Poucos meses depois do nascimento de Dolly. nascem alguns animais com pelagem preta.10. neste caso. Após a transfecção. Microinjeção. Mediante a implantação do blastócito com células modificadas em uma fêmea aguti. B. se implantan os ovos em fêmeas receptivas (pseudográvidas). são obtidos animais quiméricos.Maria Antonia Malajovich FIGURA 9. Construção de animais transgênicos. A. Do cruzamento entre quimeras. 106 . com células que levam o caráter para pelagem marrom e células com o caráter para pelagem preta. Transfecção de células-tronco embrionárias. tendo incorporado o DNA exógeno no genoma. animais de tamanho maior (supermouse). Aqueles que incorporaram o transgene originarão. no entanto. muitas tentativas tiveram que ser feitas até alcançar o êxito. França. bastam poucos animais para se extrair uma quantidade grande de proteína recombinante. em condições estritamente controladas. Alemanha. Apesar do elevado valor da inversão inicial. com o nascimento de Pampero. Da fusão destes fibroblastos com ovócitos anucleados resultaram embriões que se implantaram em vacas portadoras. o tambo farmacéutico demandou um investimento de US$ 7. Reino Unido e Austrália. Japão. Já existem cabras produtoras do fator ativador de plasminogênio (tPA) e vacas produtoras de lactoferrina. uma vaca da raça Jersey que é o primeiro clone bovino da América Latina. A modificação das técnicas de produção interessa à indústria farmacêutica porque elimina as dificuldades inerentes à condução dos bioprocessos e à purificação dos produtos. nascia Pampa Mansa. é provável que em um futuro próximo estes agentes biológicos sejam substituídos por mamíferos transgênicos.000. clones de um clone. Este chegou em 2002. uma vaca clonada e transgênica que um ano mais tarde começou a produzir leite com somatotropina. com o qual seria possível baratear o seu preço. juntamente com Estados Unidos. a empresa Biosidus obteve das autoridades a autorização para liberar um número limitado de animais no meio ambiente agropecuário. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 9: A engenharia genética OS REBANHOS FARMACÊUTICOS Algumas proteínas terapêuticas (somatotropina. Estima-se que bastariam três animais semelhantes para abastecer o mercado latino-americano. Em 2004. iniciou as experiências de clonagem de bovinos em 1997. Uma vez dominada a tecnologia. um touro transgênico resultante do cruzamento entre Pampa Mansa e um animal reprodutor. a multiplicação dos animais passou a ser independente da clonagem. Biosidus. Biosidus contempla a ampliação do rebanho para outras proteínas terapêuticas (Dinastia Patagônia produtora de pró-insulina humana. A partir de fibroblastos da orelha de Pampa Mansa obteve-se uma dinastia de vacas. Dinastia Portenha. Em 2005. O próximo passo será a aprovação do produto para o uso farmacêutico. Como as dificuldades técnicas são numerosas. o passo seguinte era conseguir um animal que secretasse o hormônio de crescimento humano (somatotropina) no leite. já próximos de ser comercializados. O tambo farmacéutico está completo. O projeto colocou a Argentina entre os países que dominam esta tecnologia. a participação de uma equipe multidisciplinar de 40 pesquisadores e a assessoria do CONICET (Consejo de Investigaciones Científicas y Técnicas da Argentina). se elaborou uma construção gênica que incluía o gene codificador da somatotropina e um promotor para sua expressão no leite. com o nascimento de Pampa. insulina) são obtidas atualmente mediante o cultivo de células animais ou de bactérias e leveduras recombinantes. Com esse objetivo. uma empresa argentina do Grupo de Empresas Farmacêuticas Sidus.000. produtora de hormônio de crescimento bovino). 107 . Além da participação pioneira de Biosidus. Esta construção foi inserida em fibroblastos fetais. Em 2002. Maria Antonia Malajovich 108 . Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. proveniente do Brasil e das plantações inglesas na Malásia. objetos diversos etc. devido à guerra e à falta de alimentos. e a Inglaterra começou a explorar a via biotecnológica. a acetona e o butanol continuaram a ser utilizados como solventes. a atenção da Inglaterra desviou-se da borracha para a produção de explosivos e. Dunlop inventou os pneus. Em 1916 os britânicos transferiram a produção para uma destilaria em Toronto (Canadá). a produção de acetona por via química se tornou inviável. Weizmann chegou a ser um dos mais importantes líderes comunitários do movimento sionista mundial. Com o início da Primeira Guerra Mundial. o químico de origem russa Chaim Weizmann desenvolveu. outras os transformam nos petroquímicos finais: polietileno (PE). polipropileno (PP). desencadeou uma corrida à borracha sintética.bteduc. B. Enquanto a Alemanha tentava sintetizar a borracha a partir de um derivado do petróleo (butadieno). Em 1917 começou a funcionar uma fábrica produtora de acetona por fermentação do milho em Indiana (Estados Unidos). BIOTECNOLOGIA E INDÚSTRIA O PROCESSO WEIZMANN Por ser o primeiro processo fermentativo industrial a se desenvolver em condições assépticas. butadieno). C. O processo Weizmann está indissoluvelmente ligado à história do século XX. Weizmann foi escolhido primeiro presidente do Estado de Israel. Nesse contexto histórico. Ao longo do século XIX. ao finalizar o mandato conferido pela Liga das Nações à Grã Bretanha e a partilha da Palestina. Como esta era sintetizada a partir de carbonato de cálcio. em 1888.10. Recrutado pelo Comitê de Munições e tendo cedido a patente do processo ao governo britânico. com o correspondente aumento do preço. Goodyear descobriu que a vulcanização lhe conferia elasticidade e resistência e. ao tempo que era construída outra fábrica na Índia. J. dois acontecimentos decisivos transformaram a borracha natural em um material estratégico para o crescimento da indústria automotora. na Universidade de Manchester (1914). Em 1948. a Inglaterra explorava as possibilidades de síntese de moléculas precursoras por fermentação. Químico e jornalista. Enquanto algumas empresas sintetizam os derivados petroquímicos básicos (etileno. O instituto de pesquisas científicas e tecnológicas fundado em Rehovot (Israel) leva o seu nome. poliésteres e óxido de etileno. recipientes. Os caminhos da ciência. Weizmann começou a produzir acetona por fermentação microbiana do amido de milho na Nicholson Gin Distillery (Londres). Contudo.bio.br) . propileno. em 1839. o processo Weizmann é considerado um marco histórico na biotecnologia industrial. uma matéria-prima importada da Alemanha. Uma vez finalizada a guerra. A INDÚSTRIA QUÍMICA A VIA QUÍMICA A indústria química se caracteriza por produzir substâncias que atendem as necessidades de outras indústrias. de uma pólvora (cordite) à base de nitrocelulose em cuja preparação se usa acetona como solvente. da tecnologia e da política se cruzaram mais uma vez. policloreto de vinil (PVC). especialmente. Um terceiro grupo converterá esses materiais em objetos de consumo tais como filmes. o suplemento de carboidratos acabou se tornando o fator limitante da produção. A diminuição da oferta de borracha natural. um processo fermentativo no qual a bactéria Clostridium acetobutilycum produz butanol (um precursor do butadieno) e acetona. mediante o desenvolvimento de processos tecnológicos inovadores e rentáveis. reapareceu como solvente essencial na fabricação de lacas. papel e Materiais de construção. Óleos Canola. Triglicerídeos. Madeira Pinho. fibras. mandioca etc. A situação poderá mudar em meados do século XXI. porque um agente biológico será capaz de realizar diretamente a sequência completa de reações. adesivos. cosméticos. ácidos graxos. Surfactantes para sabões e detergentes. tintas. uma indústria terá que reagir com versatilidade. A produção da vitamina B2 (BASF) e do antibiótico cefalexina (DSM Life Sciences Products) são dois exemplos bem sucedidos da substituição da síntese química pela ação microbiana. Um exemplo típico é a evolução do mercado da acetona. um recurso barato e renovável. SETOR MATÉRIA-PRIMA COMPONENTES APLICAÇÕES Açúcar e Cana-de-açúcar.1. adesivos. 110 . nas fermentações e na biocatálise. TABELA 10. batata. resinas.1). sorgo sacarino. a condição de o mercado se tornar novamente favorável. recebendo o impacto da biotecnologia moderna (genômica. no petróleo e seus derivados. limpadores. revestimentos. Para substituir a via química. ingredientes inativos de produtos glicerol. lignina. girassol. Solventes. engenharia genética) que abre perspectivas novas no melhoramento das linhagens microbianas e das variedades vegetais. Uma vez concluído o conflito. beterraba Açúcar. A Indústria Química do século XX se baseou. pinturas. engenharia metabólica. devem-se desenvolver processos que possibilitem a obtenção de produtos. principalmente. Subproduto da corrida à borracha sintética durante a Primeira Guerra Mundial. materiais de construção. ácidos graxos. polímeros. lubrificantes. gorduras animais. A Biotecnologia Industrial se fundamenta na microbiologia. eucalipto. melaço. arroz etanol. de óleos vegetais ou de madeira (Tabela 10. Todas estas condições se encontram satisfeitas na obtenção de numerosas moléculas de interesse industrial a partir de milho. Os processos descartados poderão ser utilizados novamente. Esta resultará vantajosa sempre que existirem vários metabólitos intermediários entre o substrato inicial e o produto final. vegetais dendê. Diversidade de produtos derivados de algumas matérias-primas renováveis. Celulose. milho. resinas. trigo. com a diminuição das reservas conhecidas e a necessidade de apelar a tecnologias de extração novas e caras. tintas. coco. amido açucareira. o petróleo ainda resulta competitivo. resinas. amido. pinturas. selantes. materiais e energia a um custo competitivo e com menor impacto ambiental. Apesar da crise dos anos 1970 ter chamado a atenção da sociedade sobre os riscos da dependência de um recurso não renovável. farmacêuticos. piche. produtos farmacêuticos. uma função de onde seria afastada mais tarde por outras substâncias. A VIA BIOTECNOLÓGICA A via biotecnológica está baseada na transformação da biomassa. soja. Para subsistir. a acetona passou a ser um produto indispensável para a indústria de armamentos.Maria Antonia Malajovich As empresas devem responder às mudanças do mercado se ajustando rapidamente a qualquer variação de preço da matéria-prima ou da energia. polímeros. denominada química fina. em processos que demandam investimentos menores e operações mais simples. A via biotecnológica resulta hoje economicamente viável para alguns metabólitos. 111 . sendo incapazes de sobreviver fora do laboratório ou. em condições favoráveis. Também se deve destacar a importância do etanol. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 10: Biotecnologia e indústria A utilização de organismos geneticamente modificados permite melhorar os processos produtivos e desenhar produtos novos. Nesta categoria. Não é por acaso que a biotecnologia industrial é denominada “biotecnologia branca”. por sua versatilidade. em empreendimentos economicamente sustentáveis. verificando-se gradual e progressivamente sua substituição por outros que contam com um nível tecnológico avançado e são gerenciados por grandes empresas. METABÓLITOS DE INTERESSE COMERCIAL Estima-se que. A via biotecnológica também se aplica a algumas substâncias fabricadas em grandes quantidades (volume alto). se inserem os produtos farmacêuticos e agrícolas. Em relação à segurança. em instalações sépticas e com uma mão de obra não especializada. nos deparamos ainda em alguns países com sistemas produtivos desenvolvidos em pequena escala.2). que não exigem mais que equipamentos simples e pequenos investimentos. em 2010. de valor agregado intermediário. os bioplásticos e os biocombustíveis. tais como alguns solventes. aumentando a produtividade em aproximadamente 60%. os aminoácidos. No entanto. as enzimas. a eficiência desses sistemas produtivos é baixa. alguns aditivos alimentares. OS PRODUTOS BIOTECNOLÓGICOS Alguns processos biotecnológicos geram substâncias em quantidades pequenas (volume baixo) que serão vendidas a um preço elevado (alto valor agregado). de competir com os microrganismos do ambiente. Trata-se geralmente de metabólitos secundários cuja produção demanda grandes investimentos. o que lhes confere pouca visibilidade. biodiesel) ou gasosos (biogás). as vitaminas e as enzimas. ácidos orgânicos e polímeros. ao utilizar matérias-primas renováveis e desenvolver processos menos poluentes com menor gasto de energia. No caso de substâncias produzidas em grandes quantidades e com baixo valor agregado. esse valor poderá subir rapidamente a 20%. Entre estes produtos. encontramos metabólitos primários. Entre as moléculas de interesse comercial se destacam. Em parte porque os produtos são utilizados como insumos para outras indústrias. Estima-se que a imobilização de microrganismos daria um novo impulso à síntese de solventes. como os biocombustíveis líquidos (etanol. as biotecnologias ajudam a atenuar a imagem poluidora da indústria química. E também porque. cabe lembrar que as características metabólicas das linhagens industriais estão alteradas de modo a que elas cresçam em condições artificiais muito estritas. um nível tecnológico avançado e uma mão de obra altamente qualificada. a biotecnologia branca responderá por 9% das vendas do setor químico e que. A percepção pública nutre uma atitude neutra ou favorável em relação à biotecnologia industrial. Álcoois e solventes Vimos previamente alguns aspectos históricos relacionados com a produção de acetona e butanol por fermentação. eventualmente. 95% do qual é produzido por via biotecnológica. vários metabólitos primários e secundários (Tabela 10. ácido L-aspártico. solventes etc. ácido málico. L-fenilalanina. sendo um importante insumo para as indústrias de alimentos e de fármacos e a cosmética. O ácido láctico é obtido por fermentação bacteriana (Lactobacillus) ou fúngica (Rhizopus oryzae).2. Gluconacetobacter e Gluconobacter). antitumorais. TABELA 10. estatinas etc. antivirais. manitol. fármacos. um polímero biodegradável. ácido pirúvico. resinas de ABS (acrilo-nitrilo-butadieno). Também é utilizado como monômero na síntese de ácido poliláctico (PLA). Também se usa como solvente na produção de plásticos. Metabólitos primários e secundários obtidos por fermentação e/ou bioconversão enzimática. Corantes β-caroteno. o ácido acético é um precursor de várias moléculas intermediárias como o anidrido acético e os acetatos éster. Polissacarídeos Xantana. resinas e óleos voláteis. imunossupressores. ácido itacônico. antifúngicos. Moléculas para a indústria de Condimentantes e aromatizantes para a indústria alimentícia. os processos industriais modernos também dependem da ação bacteriana (gêneros Acetobacter. pululana. e/ou animal soros. cosmética). METABÓLITOS SECUNDÁRIOS EXEMPLOS Moléculas para a saúde humana Antibacterianos. acetona. como anticoagulante e ingrediente de tabletes efervescentes. ácido succínico. glicerol. agar. monascina. na cosmética como regulador do pH e. alginatos. ácido acético. dextrana. vitamina C (ácido L-ascórbico). na indústria farmacêutica. L-carnitina. fatores de crescimento vegetal. borracha. assim como na produção de plásticos e de materiais para a indústria automotora. L-lisina. carrageninas. Com numerosas aplicações. A indústria farmacêutica o utiliza como acidificante. ácido tartárico. meio líquido e cultura submersa). alimentos 112 . O ácido succínico também encontra aplicações em várias indústrias (alimentos. ficocianina. Em relação ao ácido acético. vacinas. gomas. em processos fermentativos de diversos tipos (meio sólido e cultura em superfície. butanol. imunoglobulinas. Trata- se de outro bloco fundamental na síntese de polímeros. METABÓLITOS PRIMÁRIOS EXEMPLOS Álcoois e solventes Etanol.Maria Antonia Malajovich Ácidos orgânicos A produção de ácido cítrico (4. Moléculas para a agricultura Inseticidas e pesticidas. o acetato raiom etc. astaxantina. ácido cítrico. e de produtos como o acetato de celulose. vitamina B12 (cianocobalamina). Nucleotídeos e nucleosídeos Ácido guanílico (5’GMP) e ácido inosínico (5’IMP). gelana. anti-helmínticos. Aminoácidos Ácido L-glutâmico (monoglutamato de sódio).6. Nylon 6. O ácido cítrico é utilizado na indústria de alimentos como aditivo (acidulante e antioxidante). Vitaminas Vitamina B2 (riboflavina). ácido glucônico.0 x 105 toneladas/ano) depende quase exclusivamente do cultivo do fungo filamentoso Aspergillus niger. Ácidos orgânicos Ácido láctico. o celofane. 000 toneladas/ano). 113 . As dextranas (200 toneladas/ano) são obtidas por via fermentativa a partir de diversos microrganismos.000 toneladas/ano). já que os seres vivos convertem a forma D em L. de L-valina e de L-leucina. é sintetizado pela alga Dunaliella bardawil.000 toneladas/ano). que não apresenta ambas as formas. reduzindo os custos de maneira significativa. Polissacarídeos Os polissacarídeos de origem microbiana substituem parcialmente os espessantes e gelificantes extraídos das algas marinhas. na preparação de filmes protetores de sementes (indústria agrícola) e na composição das emulsões fotográficas. ou por uma bactéria geneticamente modificada (Escherichia coli).000 toneladas/ano. L-lisina 550. para realçar o sabor dos alimentos. 50. um produto de fermentação da bactéria Xanthomonas campestris. a via fermentativa é vantajosa nos casos da riboflavina (vitamina B 2) e do ácido ascórbico (vitamina C). estes devem ser separados por biocatálise das misturas racêmicas.1 milhão de toneladas/ano). As de baixo peso molecular se usam como plasma sanguíneo artificial. não é sintetizada por animais ou por vegetais. 3. A goma xantana (20. para melhorar o fluxo sanguíneo em casos de traumatismos e cirurgias. às indústrias farmacêuticas e cosméticas (1%). As de alto peso molecular se empregam como espessantes na indústria de alimentos. Um precursor da vitamina A.000 toneladas/ano). O ácido L-aspártico e a L-fenilalanina são obtidos por imobilização conjunta de Escherichia coli e Pseudomonas dacunhae em uma coluna de fermentação. dentifrícios etc.000 toneladas/ano de L-arginina e 500 toneladas/ano de L-triptófano. e da DL-metionina. naturalmente. em uma região desértica perto da costa do Mar Vermelho (Israel). representadas habitualmente como tipo “mão direita" e tipo "mão esquerda". cabelos). sorvetes. Como os organismos vivos só assimilam L-aminoácidos. o - caroteno. Vitaminas Apesar da maior parte das vitaminas serem obtidas industrialmente por via sintética ou extrativa. Suas propriedades espessantes são também utilizadas na recuperação do petróleo. que consegue se desenvolver na água salobra em grandes tanques ao ar livre. entra na composição de molhos prontos. O método produtivo mais antigo é a extração por hidrólise de proteínas (soja. Ambos são os componentes do adoçante não calórico Aspartame® (15. Por outro lado. que é usado na cozinha oriental como flavorizante (glutamato monossódico). a indústria farmacêutica absorve 1. ou de complemento nutricional em rações animais (L-treonina. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 10: Biotecnologia e indústria Aminoácidos A produção industrial de aminoácidos se destina à nutrição humana (66%) e ao enriquecimento de rações animais (33%) e. O agente biológico Corynebacterium glutamicum produz ácido glutâmico (1. Os outros métodos incluem a síntese. Observe-se que a separação é desnecessária no caso da glicina. Outros aminoácidos cumprem a função de aditivo em alimentos (L-cisteína. A imobilização de enzimas estereoespecíficas nos biorreatores facilita a produção industrial. a fermentação e a biocatálise. pudins. em grau bem menor. que tem como limitação principal a disponibilidade da matéria-prima. A via fermentativa é conveniente para a produção de vários aminoácidos. uma molécula complexa que. A síntese química apresenta o inconveniente de gerar misturas das duas formas isoméricas (acil- D e acil-L). Ainda é a única possível para a cianocobalamina (vitamina B12). geleias. em 2013. do fígado ou do sangue de bovinos. por exemplo. Do estômago de suínos se separa a pepsina e do pâncreas dos mesmos se obtém a pancreatina. o maior produtor é Novozyme. por serem obtidas mediante processos fermentativos em grande escala. Saccharomyces cerevisiae ou Kluyveromyces). 7. ou seja. proveniente de uma fonte renovável. uma empresa pertencente ao grupo Novo (Dinamarca).000 l. requerem um grau de pureza maior. Por exemplo. analíticas e farmacêuticas. O custo de uma enzima também depende das dificuldades técnicas encontradas nas etapas posteriores à fermentação (separação.000 patentes e dedica a quase totalidade de seu orçamento de pesquisa e desenvolvimento à otimização de microrganismos. Streptomyces ou Bacillus subtilis. o tipo de fermentação (submersa ou em meio semissólido) e os controles necessários para o bom desenvolvimento do processo. duas enzimas produzidas por microrganismos diferentes podem apresentar propriedades dessemelhantes. A escolha de uma enzima proveniente de um microrganismo ou de outro dependerá das condições que o bioprocesso demande. garantem uma produção regular de qualidade constante. já que. que responde por 47% do mercado. o pH e a temperatura. No entanto. 114 . As mais caras são as enzimas intracelulares. e a catalase. As enzimas são insumos para outras indústrias. Atualmente. A empresa mantém em funcionamento vários fermentadores de 80. Em geral. A extração de enzimas de origem vegetal ou animal está sujeita à disponibilidade de terra e às flutuações das colheitas ou do abate. 3-4. como. rações. existem grandes chances de se encontrar enzimas com propriedades diferentes que possibilitem o desenho de processos industriais inovadores. Mesmo cumprindo uma função idêntica. contabiliza mais de 4. está presente em bactérias. por serem utilizadas como fármacos ou reagentes em testes de diagnóstico. O primeiro inclui os que são sintetizados pelos seres vivos. produtos enzimáticos e tecnologia. as hidrolases (amilases. leveduras e fungos. BIOPOLÍMEROS E BIOPLÁSTICOS A denominação de biopolímeros abrange dois tipos de polímeros. como a celulose. a bromelina do látex do abacaxi. sendo mais proveitosa a transferência da sequência codificadora dessa enzima a um dos microrganismos industriais já bem conhecidos (bactérias Escherichia coli. purificação). o amido e os óleos vegetais. uma enzima que hidrolisa a lactose.2 e 6. Do ponto de vista econômico. as que são secretadas para fora da célula como. especialmente as de alimentos e bebidas. que é uma mistura de amilases. o segundo. 370C e 55-600C (temperatura). a papaína da papaia. um valor aproximado de US$ 7 bilhões/ano. Considerando que a biodiversidade microbiana ainda começa a ser desvendada. proteases e lipases. não vale a pena elaborar ou redimensionar esses parâmetros para cada microrganismo que produza uma enzima interessante.Maria Antonia Malajovich ENZIMAS Algumas enzimas podem ser extraídas facilmente dos tecidos ou dos órgãos de seres vivos: as amilases do malte da cevada. a lactase (- galactosidase). a tendência é substituí-las por outras de origem microbiana que.6 (pH). por exemplo. fungos Aspergillus oryzae. os que resultam da polimerização de uma molécula básica. como o ácido láctico. a ficina do figo. as enzimas mais baratas são as extracelulares. assim como a arte de alterar suas vias metabólicas. as condições ótimas de funcionamento diferem uma da outra: 400C. Por isso. A otimização de um processo industrial contempla o custo da matéria-prima. Estima-se que o mercado global de enzimas poderá alcançar. Mais de 60% da produção industrial atual de enzimas provém da biotecnologia moderna. proteases e celulases). Já a renina é extraída do quarto estômago de bezerros. detergentes. tais como os ácidos carboxílicos. no entanto e apesar de representar atualmente apenas 1% do negócio de polímeros. Tetrapak). futuramente. Além desses dois tipos de biopolímeros. Existem outras possibilidades. McDonald’s). seja esta madeira. possibilitam tanto a obtenção de plásticos inovadores biodegradáveis como a de bioplásticos convencionais. Considerando que as reservas são limitadas e que a queima de combustíveis fósseis é a causa de vários problemas ambientais. o furfural. que é um polímero do etileno obtido a partir do etanol de cana. resíduos vegetais ou excrementos secos de ruminantes. Também está sendo aproveitado na indústria automotora (Hyundai) e eletrônica (Samsung). parece acertado buscar outras formas de extrair energia. o sorbitol. de origem biológica. constituído por polímeros biodegradáveis sintetizados a partir de uma molécula de origem petroquímica. A transferência dos genes codificadores de PHA (Ralstonia eutropha) e de PHB (Alcaligenes eutropus) a microrganismos e plantas (canola) representa um avanço das pesquisas. um poliéster obtido por polimerização do ácido láctico resultante da fermentação de milho. o glicerol etc. o poliéster de origem bacteriano Sorona 3GT (DuPont. Trata-se de um procedimento rural. os bioplásticos compreendem um terceiro. do PVC ou “polietileno verde” (Braskem. Entre estes: as resinas de poliuretano sintetizadas a partir de óleo de soja. um recurso que. Os biocombustíveis contribuem para reduzir alguns dos problemas ambientais que nos afligem. e material de embalagens descartáveis (Ingeo) por diversas empresas (Coca-Cola. A combustão é a forma mais simples de liberar a energia da biomassa. A indústria dispõe atualmente de aproximadamente trinta moléculas essenciais para a construção de polímeros. não comercial. Genencor) de amplo uso na indústria têxtil. Utiliza-se como recheio de almofadas e edredons (NatureWorks). a produção de hidrogênio a partir de água. por ser biocompatível. por ser renovável. Polímeros sintetizados diretamente por microrganismos. como o etanol ou o biogás. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 10: Biotecnologia e indústria Um dos bioplásticos mais versáteis é o polilactato (PLA). Balbo) já está produzindo PHB por fermentação bacteriana do açúcar de cana (Biocycle). não biodegradáveis e semelhantes aos de origem petroquímica. utilizando a capacidade fotossintética das microalgas. uma usina piloto relacionada com empresas do setor sucroalcooleiro (Biagi. Essas moléculas. os aminoácidos. pode nos fornecer energia de modo sustentável. revestimento de filmes e de papel (BASF). Qualquer um dos dois critérios. tais como a acumulação de CO2 e outros gases de efeito estufa. encontrou importantes aplicações na área médica (Biopol). A produção de bioplásticos ainda está limitada pelos custos. A grande vantagem da biomassa sobre os combustíveis fósseis é que libera uma quantidade de CO2 igual à que absorveu durante o seu crescimento em um período recente. Este último. Uma fonte alternativa é a biomassa. tais como a obtenção de biodiesel por transformação química de óleos vegetais e. como os poli-hidroxialcanoatos (PHAs) e o poli-hidroxibutirato (PHB). enquanto a quantidade de CO2 liberada pelos combustíveis fósseis foi removida do ambiente há milhões de anos. se espera que esse valor aumente rapidamente se os custos diminuírem. os triglicerídeos. petróleo e gás natural). basta para definir um bioplástico. A tecnologia atual nos oferece combustíveis eficientes por fermentação da biomassa. o etanol. OS BIOCOMBUSTÍVEIS Aproximadamente 75% da energia consumida no mundo é retirada dos combustíveis fósseis (carvão. a origem “fonte renovável” como a propriedade “biodegradabilidade”. 115 . começam lentamente a entrar no mercado de embalagens da indústria de alimentos. No interior de São Paulo. como alguns poliésteres sintéticos. do processo produtivo e do preço do petróleo. a China. parcial ou totalmente. Estima-se que.1. Também preocupa a expansão dos cultivos agroindustriais. Embora um litro de etanol forneça bem menos energia que um litro de gasolina (66%). mas o aumento dos preços na década de 1970 mostrou a conveniência de substituir os derivados do petróleo por etanol e biodiesel. sua maior octanagem melhora o desempenho das misturas etanol-gasolina. como o milho ou o óleo de soja. favorecendo o desmatamento e afetando a biodiversidade. funcionavam com etanol de milho. passou-se a utilizar gasolina e óleo diesel para os automotores. com motores de ignição por centelha. A solução parece estar na obtenção de etanol a partir de resíduos lignocelulósicos. Atualmente. As etapas necessárias para a produção de etanol a partir de diferentes matérias- primas. uma tecnologia complexa que ainda está em desenvolvimento (Figura 10. Por outro lado. BIOMASSA AMILÁCEA BIOMASSA SACARINA BIOMASSA CELULÓSICA Hidrólise enzimática Hidrólise ácida ou enzimática CALDO AÇUCARADO FERMENTESCÍVEL Fermentação Destilação ETANOL 116 . nos Estados Unidos. e os primeiros motores de Rudolf Diesel. A maior parte da produção (90%) está concentrada no Brasil (fermentação da cana-de-açúcar) e nos Estados Unidos (fermentação do milho). Curiosamente. a União Europeia (França e Alemanha) e a Índia. para a produção de biocombustíveis levanta forte controvérsia porque redunda no aumento do preço dos alimentos. os biocombustíveis substituem a gasolina. o bioetanol de cana-de-açúcar seria competitivo com o barril de petróleo a US$ 30-35. modificando a realidade do setor de transportes. de ignição por compressão. onde o etanol se produz a partir de milho. Os outros países produtores são o Canadá. no Brasil. Até que ponto o etanol será capaz de substituir a gasolina? A resposta dependerá da tecnologia disponível.1).Maria Antonia Malajovich Nos países que os adotam. FIGURA 10. isso ocorreria com o barril de petróleo a US$ 55-80. os primeiros automóveis de Henry Ford. o faziam com óleo de amendoim. Com o petróleo barato. o principal biocombustível líquido para transporte é o etanol. o desvio de matérias-primas alimentícias. penalizando os setores mais pobres da população. LAVOURA Transporte CANA-DE-AÇÚCAR Trituração e extração CALDO.2). FIGURA 10. milho. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 10: Biotecnologia e indústria O ETANOL A produção por via fermentativa A produção de etanol pela via biotecnológica envolve a ação fermentativa de leveduras sobre um substrato adequado: cana-de-açúcar. a matéria-prima é a cana-de-açúcar (Figura 10. beterraba açucareira. A produção de etanol a partir da cana-de-açúcar. No Brasil. sorgo açucareiro. GARAPA BAGAÇO Combustível OU MOSTO LEVEDURAS Reaproveitamento Fermentação MELAÇO AÇÚCAR CO2 VINHO LEVEDURAS Ração animal Destilação FLEGMA VINHAÇA Fertilizante Retificação ETANOL HIDRATADO Deshidratação ETANOL ANIDRO 117 .2. abalando seriamente o programa. contínua ou descontínua. a queda do preço do petróleo e os problemas inerentes ao próprio Pró-Álcool (subsídios.000 de carros funcionavam com etanol (94% de etanol. A retificação. a cana é transportada até a usina onde é triturada. Em outros países se utilizam matérias-primas diferentes. O caldo se reserva à produção de açúcar ou de etanol. ajustando-se também outros parâmetros. tais como a beterraba açucareira (União Europeia) ou o milho (Estados Unidos).000 com uma mistura de álcool e gasolina (78% de gasolina. Hoje. madeira (10%). Antes de dar início à fermentação. a eliminação das impurezas da flegma. se acrescentam no caldo os nutrientes e antissépticos necessários. A desvantagem das matérias-primas amiláceas é que demandam um tratamento enzimático (sacarificação) antes da fermentação (Figura 10. dependendo da relação oferta/procura. A introdução.000. da tecnologia flexfuel. com participação de várias multinacionais em um mercado consolidado através de ciclos de aquisições e fusões. As pequenas usinas foram suplantadas por outras. A contribuição da cana-de-açúcar está diretamente relacionada com o uso do etanol como combustível. 63% da energia provém de fontes renováveis: grandes hidroelétricas (42%). Em 1989. depende do estabelecimento assim como da complexidade e automação dos equipamentos disponíveis. que deve ser tratado antes de despejado no ambiente. o melaço. Calcula-se que 60% da cana-de-açúcar plantada no Brasil se destina à produção de etanol por fermentação. 118 .1). como a temperatura e o pH. Em 1975. naturais ou selecionadas. gerando calor e eletricidade para o próprio estabelecimento. Este é utilizado como combustível. e um resíduo denominado vinhaça ou vinhoto. na década de 1980. Da destilação do vinho se obtém a flegma. um líquido com álcool em maior concentração. 22% de álcool). O aumento do preço do petróleo durante a crise da década de 1970 mostrou a necessidade de ter outras fontes para substituir a gasolina. baixa produtividade) provocaram uma crise de desabastecimento. enquanto o álcool anidro se aditiva à gasolina em uma proporção que varia entre 20 e 24%. em 2003. com vistas a uma posterior reutilização e/ou à produção de ração animal. desta vez obedecendo a critérios de produtividade tanto na lavoura como na indústria. isto é. o Brasil instituiu o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool) visando a produção de etanol como combustível alternativo para os carros de passeio. recuperam-se as leveduras por centrifugação. 5. estimando-se que será de 36 bilhões de litros em 2012. é reincorporado ao processo produtivo de sacarose ou misturado ao caldo de cana para a obtenção de etanol. outras (2%). A condução do procedimento. gera o álcool hidratado. A produção de etanol no Brasil chegou a 24 bilhões de litros em 2009. separando o caldo do bagaço. cana-de-açúcar (9%). O setor sucroalcooleiro de hoje é um enorme complexo industrial com mais de 400 indústrias. O processo fermentativo ocorre nas dornas (biorreatores) por obra das leveduras. que é convertido em álcool anidro por desidratação. tecnologicamente aprimoradas.Maria Antonia Malajovich Após a colheita. Concluída a fermentação. 6% de água) e outros 9. o programa deixou de receber subsídios. Pouco tempo depois. A substituição da gasolina – o caso do Brasil No Brasil. que permite abastecer os carros tanto com gasolina como com álcool hidratado. deixa ao consumidor a possibilidade de escolher o combustível em função de considerações econômicas e ambientais. Um subproduto da produção de açúcar.000. Reativado na década de 1990. mais de três milhões de carros são movidos com álcool hidratado. que desenvolvem sistemas de produção integrados. O BIOGÁS A biodigestão anaeróbia Em condições aeróbias. respectivamente. restam dois resíduos. agroindustriais (vinhaça. A matéria-prima se coloca no biodigestor. Como o processo de decomposição anaeróbia envolve a sucessão biológica de várias populações naturais de microrganismos. irá facilitar a curto prazo o melhoramento da planta (teor de açúcar. uma vez compostado e prensado.3). a geração de energia elétrica e o acionamento de motores de veículos. adubo. a ação de vários grupos de microrganismos forma como produtos finais: metano (CH4). dióxido de carbono (CO2) e água (Figura 10. O processo fermentativo (biodigestão) se desenvolve sobre resíduos rurais (esterco). porque as bactérias termófilas não suportam bem as variações de temperatura. as instalações industriais fabricam aglomerado.4). lampiões ou aquecedores). A obtenção de variedades de cana-de-açúcar com diferentes períodos de desenvolvimento (rápido. em anaerobiose e a um pH neutro (6. o gás acumulado poderá ser utilizado como combustível (biogás). Um deles é um material sólido fibroso que. resistência a pragas. sobre plantas (aguapé). Em condições anaeróbias. Da biodigestão.7). também. a digestão microbiana da matéria orgânica produz água (H 2O) e dióxido de carbono (CO2). as melhoras tecnológicas visam exclusivamente a engenharia do processo. O aproveitamento do bagaço é fundamental porque permite gerar a energia necessária para o funcionamento das usinas e inclusive exportá-la. aumentando a matriz energética renovável do país. médio e tardio) assim como o plantio sequencial diminuem as flutuações na oferta de matéria-prima. domésticos ou comunitários (lama de esgotos) e. se usa como “solo artificial” para o cultivo de plantas ou para melhorar a qualidade do solo. O outro é um efluente líquido. O projeto Genoma-cana. Mas. O biogás pode ser usado diretamente ou armazenado. Existe um número grande de modelos de fermentadores. Segundo a temperatura do biodigestor. Este pode ser conduzido tanto de maneira descontínua como contínua. haverá uma multiplicação de bactérias mesófilas (35 0C) ou termófilas (550C) que. 119 . o gás formado gera alguns fenômenos assustadores de combustão espontânea (“luzes dos cemitérios”). Além de etanol. Encontra-se em andamento o melhoramento das leveduras. desde os muito simples (modelos tailandês. celulose etc. a mecanização da colheita elimina a necessidade das queimadas e modifica as condições de trabalho nos canaviais. ou com características (floculação) que facilitem sua recuperação uma vez concluída a fermentação. mas requer maior consumo de energia e um monitoramento cuidadoso. indiano) até os automatizados.7-7. ração animal. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 10: Biotecnologia e indústria Lentamente. resistência à seca). nas condições mais controladas de um aterro sanitário ou de um biorreator (= biodigestor). chinês. Nos ambientes confinados de pântanos e sepulcros. A segunda opção libera mais biogás. evitando-se a presença de substâncias solventes ou de inseticidas porque prejudicam o desenvolvimento do processo. (Figura 10. várias universidades e o setor sucroalcooleiro. Entre as aplicações possíveis está o abastecimento do consumo doméstico (fogões. que processam um volume grande de matéria- prima. em biodigestores especialmente construídos para permitir o abastecimento diário de matéria-prima e a retirada de biogás. processarão a matéria-prima em 15-30 dias ou em 12-14 dias. uma parceria entre a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). procurando desenvolver microrganismos mais produtivos e tolerantes ao etanol. efluentes das indústrias de laticínios e dos matadouros). que se aproveita como adubo. 3. As complexas etapas da produção de biogás dentro do biodigestor. RESÍDUOS ORGÂNICOS VEGETAIS E ANIMAIS O2 MOLÉCULAS ORGÂNICAS SIMPLES ACETATO Aerobiose Anaerobiose H2O CO2 H2O CH4 CO2 BIOGÁS FIGURA 10.Maria Antonia Malajovich FIGURA 10. A biodigestão em condições aeróbias e anaeróbias.4. MATÉRIA-PRIMA MOLÉCULAS COMPLEXAS Microrganismos fermentativos MOLÉCULAS SIMPLES Bactérias acidogênicas BIODIGESTOR ÁCIDOS E ÁLCOOIS Bactérias acetogênicas ACETATO Bactérias metanogênicas MATERIAL SÓLIDO FIBROSO + EFLUENTE LÍQUIDO BIOGÁS 120 . a produção de biogás pode alcançar outra dimensão se for encarada como uma tecnologia moderna que visa a produção de calor e de eletricidade (Figura 10. Em 1995.600 Propano 22. O poder calorífico é menor que o do gás natural. oxigênio e hidrogênio. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 10: Biotecnologia e indústria A utilização do biogás O biogás está formado por 50-65% de metano e 35-50% de dióxido de carbono.000 FIGURA 10. GÁS PODER CALORÍFICO (Kcal/m3) GÁS PODER CALORÍFICO (Kcal/m3) Butano 28. estando bem desenvolvida a tecnologia em outros países como os Estados Unidos. A Dinamarca é o líder mundial na produção de biogás. Talvez seja esta uma das razões pelas quais se considere a digestão anaeróbia como um processo biotecnológico adequado a pequenas cidades e comunidades rurais. propano e butano (Tabela 10. um combustível fóssil cuja composição inclui metano. As utilizações do biogás. Maldonado. Bandeirantes. em 1980. especialmente da indústria açucareira e da suinocultura.3).5.500 Metano 8. No entanto. O poder calorífico de vários combustíveis. a Alemanha. A iniciativa alcançou bastante sucesso de modo que. Brasil. BIOGÁS PLANTAS PURIFICADORAS E DE ARMAZENAMENTO ENERGIA TÉRMICA ENERGIA ELÉTRICA COMBUSTÍVEL TRANSPORTE AUTOMOTOR 121 . quando contabilizava mais de cinco milhões de pequenos biodigestores rurais.000 Biogás 5. Chile.000 biodigestores. TABELA 10. com traços de gás sulfídrico (corrosivo). o Japão e a Suécia. também é uma fonte considerável de biogás.5). a China teve o empenho de construir reatores tecnologicamente avançados. Uruguai). Nova Iguaçu e Petrópolis. Contudo. nos últimos anos surgiram vários projetos ambiciosos de exploração do potencial existente nos aterros sanitários urbanos (Olavarría.3. Monterrey. para o tratamento de rejeitos urbanos e a geração de eletricidade. a Índia contava com 150. algumas pequenas comunidades contam com geradores de biogás que as abastecem com energia suficiente para cozer os alimentos ou alimentar um motor. etano.500 Gás de cidade 4. Santiago. México. Na América Latina. O tratamento dos rejeitos agroindustriais. a França. nitrogênio.000 Gás natural 7. Argentina. Cuba conta com mais de 100 fábricas produtoras de biogás. A primeira fábrica de biogás começou a funcionar em 1859 em Bumbai (Índia). A matéria-prima é variada: soja nos Estados Unidos. o armazenamento e transporte da matéria-prima e dos produtos etc. babaçu. A implementação do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) estimula a produção sustentável. soja e girassol na Argentina. quando se leva em conta a energia necessária para adubação e irrigação da terra. H2C – O – CO – R CH2OH HC – O – CO – R + 3R’ – OH HCOH + 3R – O – CO – R’ H2C – O – CO – R CH2OH Triglicerídeos Álcool Glicerol Ésteres A reação deixa como subproduto o glicerol (5 a 10% do produto bruto). pinhão-manso etc. enfatizando a inclusão social e o desenvolvimento regional. nos Estados Unidos. em menor parte. o glicerol gera uma substância tóxica (acroleína) quando é queimado. na Indonésia e na Malásia. dendê. 122 . No Brasil. Em princípio. diminuindo a emissão de partículas poluentes e gases tóxicos na atmosfera. A produção de biodiesel A produção de biodiesel está localizada principalmente na União Europeia (60%) e. na China. girassol. em presença de um catalisador inorgânico ou enzimático (lípases) (Figura 10. diferente do etanol de cana.Maria Antonia Malajovich O BIODIESEL A transesterificação O biodiesel é um combustível composto por ésteres (etílicos ou metílicos) produzidos na reação química de transesterificação entre óleos vegetais e álcool (etanol ou metanol). Restam alguns pontos a considerar. tem-se experimentado soja. especialmente em relação à utilização de matérias-primas como a mamona. No entanto. os sistemas produtivos mais eficientes seriam os associados aos complexos agroindustriais (soja. amendoim. o biodiesel é carbono-neutro. estimando-se que a proporção aumente a 20% até 2020. a movimentação da maquinaria agrícola. Desde janeiro 2010. milho. o sistema produtivo seria carbono- negativo. Aumentar a produção de biodiesel significa ampliar o leque de aplicações porque. milho. cosmética. A reação de transesterificação.6). O biodiesel fornece entre 88 e 95% da energia do diesel. Do ponto de vista energético. adiciona-se no Brasil 5% de biodiesel ao diesel convencional. mamona. que é aproveitado por algumas indústrias (alimentos. canola na União Europeia e no Canadá. diferente do bagaço de cana. FIGURA 10.6. girassol). mas quando misturado com o diesel convencional (B1 com 1% de biodiesel a B20 com 20% de biodiesel) aumenta a qualidade do combustível. com o intuito de estimular o pequeno agricultor. dendê na Ásia. embora apresentem o grave defeito de desviar para a produção de energia as matérias-primas de alimentos e rações. medicamentos). 123 . Estima-se que o Brasil poderá contar com uma instalação piloto em 2012. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 10: Biotecnologia e indústria PERSPECTIVAS Cunhado recentemente. se espera que a partir de 2011 sejam fabricadas 2 milhões de toneladas do biocombustível. químico. na Espanha. A maior dificuldade reside na própria estrutura da matéria-prima lignocelulósica. 50 milhões de toneladas de óleo a partir de algas. serraduras e aparas de madeira etc. transformando-a em numerosos intermediários químicos e bioquímicos que alimentarão um conjunto de linhas de produção muito diversificado. Santelisa. Recentemente instalada no interior paulista. Em relação ao biodiesel. Equipamentos com o design apropriado e enzimas celulolíticas (celulases e hemicelulases) para uso industrial já estão a caminho. amido de milho) e o biodiesel (óleos vegetais). Algumas indústrias funcionam experimentalmente na Suécia. Com a liberação comercial no Brasil de uma levedura transgênica que sintetiza farneseno. A segunda geração de bioetanol utilizará biomassa lignocelulósica proveniente dos resíduos agroindustriais. porque permitiriam dedicar terras férteis e água doce para a produção de alimentos. um precursor do biodiesel. há bastante expectativa no uso de algas para a produção de hidrocarbonetos e triacilglicerídeos. Vale. A adição de bioquerosene ao querosene diminuiria os custos do combustível de avião. Boa Vista). Também se investe em processos termoquímicos em que o gás de síntese obtido por combustão da biomassa é convertido em etanol. possibilitando a hidrólise enzimática e a liberação de açúcares fermentescíveis (hexoses e pentoses). palha e sabugo de milho. tais como bagaço e folhas de cana. Em outra linha de trabalho (biologia sintética). no Canadá e nos Estados Unidos. se modifica o metabolismo da levedura de modo a direcioná-lo para a produção de moléculas interessantes para a área de energia (biodiesel) e de química fina (Amyris do Brasil. sendo necessário um pré- tratamento que as separe. Crystalsev. na Dinamarca. A primeira geração de biocombustíveis abrange o etanol (açúcar de cana-de-açúcar ou beterraba. uma substância de suporte das plantas. a empresa norteamericana Solazyme espera obter. por catálise ou ação microbiana. físico e térmico da matéria-prima renovável. o conceito abrangente de biorrefinaria se refere a um complexo industrial com instalações para o processamento biotecnológico. e com bastantes possibilidades de sucesso. A celulose (polímero de hexoses) e a hemicelulose (polímero de hexoses e de pentoses) se encontram circundadas por lignina. a partir de cana de açúcar. até o fim de 2013. Maria Antonia Malajovich 124 . definido como “a capacidade de atender às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras em atender suas próprias necessidades” (Informe Brütland.bio. 2002. várias tecnologias limpas podem substituir outras mais poluentes. Durban. couros etc. a sociedade começa a aceitar que é preferível não contaminar a ter que desenvolver métodos para limpar o ambiente. 2011). ao tempo que produz couro de melhor qualidade. papel e celulose. O desenvolvimento sustentável depende das ações realizadas nas áreas econômica. E na área ambiental. Como agentes biológicos. A introdução de até oito enzimas nos detergentes evita a fervura das roupas. Nos curtumes. mostrando que não podemos seguir protelando ações concretas de proteção do meio ambiente. 1987). porque comporta a substituição de alguns processos e produtos industriais por outros menos agressivos ao meio ambiente. Kyoto. poderá futuramente expandir suas aplicações. se espera que o desenvolvimento de novas plataformas tecnológicas possibilite a conservação ou a criação de empregos. Cancún. Johanesburgo. agrícolas e industriais.11. o uso de enzimas reduz em 40% o consumo de derivados do enxofre. por exemplo. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. as enzimas tornam os processos produtivos mais limpos e seguros. as biotecnologias diminuem os custos não só da matéria-prima como da produção industrial. tais como as indústrias de alimentos. ajudando também a reduzir o volume de resíduos domésticos. 2009. No contexto das chamadas "biotecnologias brancas". social e ambiental. e Agenda 21. Diferentemente dos catalisadores não biológicos. têxteis. com processos e produtos novos e/ou de maior valor agregado. em solventes não aquosos e em sólidos. alguns dos quais reconhecidamente poluentes. A SUBSTITUIÇÃO DE PROCESSOS INDUSTRIAIS A primeira opção para diminuir a poluição é a tecnologia enzimática.br) . os relatórios publicados em 2007 pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC. AS TECNOLOGIAS LIMPAS Lentamente. 2010. diminuindo o consumo de energia e a quantidade de resíduos. da sigla em inglês) das Nações Unidas apontaram a responsabilidade do homem no futuro do planeta. Contudo. 1992. Aplica-se a tecnologia enzimática em setores muito diversos. detergentes. 1997. remediação e monitoramento da contaminação. Na área social.bteduc. O desenvolvimento de enzimas ativas a altas temperaturas. não tóxicas e biodegradáveis. Este é o consenso alcançado ao longo de quase duas décadas e de várias conferências internacionais (Rio de Janeiro. Qual a contribuição das biotecnologias para o desenvolvimento sustentável? Em relação à economia. as biotecnologias cumprem um importante papel na prevenção. rações. BIOTECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Qual o impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente? Que legado deixaremos para as próximas gerações? É a partir destas perguntas que emerge o conceito de desenvolvimento sustentável. Copenhague. diminuindo o consumo de energia e facilitando a retirada das manchas. as enzimas são específicas. MADEIRA Lignina + celulose + hemicelulose Extração alcalina a alta temperatura Lignina (90%) PASTA KRAFT Lignina (10%) + celulose + hemicelulose Branqueamento com cloro Branqueamento com xilanase Eliminação da lignina Derivados clorados da lignina POLPA BRANCA EFLUENTE EFLUENTE 126 . FIGURA 11.Maria Antonia Malajovich Os plásticos representam uma fração significativa (20% v/v) do lixo dos países industrializados. O sequenciamento do genoma do eucalipto facilitará o melhoramento da qualidade da madeira. A indústria de papel e celulose é outro caso a considerar. sua fabricação envolve uma matéria-prima não renovável (petróleo) e um processo muito poluente que gasta uma quantidade grande de energia. estes últimos diminuem a carga poluidora do efluente. Este fungo é o mais eficiente na degradação da madeira. Um procedimento alternativo é o biopulping.1). Uma das vantagens das embalagens bioplásticas de alimentos é que degradam junto com os restos de comida. O Brasil conta com 1. O sequenciamento do genoma do fungo Phanerochaete chrysosporium ("podridão branca") revelou a existência de mais de 240 genes codificadores de enzimas extracelulares que estão envolvidas na degradação de carboidratos. A madeira está composta por celulose. dispensando as etapas de triagem e limpeza. realizado em meio alcalino.8 bilhões. assim como no branqueamento da polpa de papel e de têxteis. sendo a maior parte proveniente das embalagens convencionais da indústria de alimentos. sendo utilizado também na eliminação de numerosos poluentes de origem orgânica. hemicelulose e lignina. em que uma enzima (xilanase) degrada o xilano da hemicelulose. formando-se derivados clorados tóxicos.1. O branqueamento da pasta Kraft admite tratamentos químicos (cloro) e biológicos (xilanase). ou pasta Kraft. Além de permanecerem por longo tempo na natureza. especialmente visando aumentar a proporção celulose/lignina em árvores de crescimento rápido. com eucaliptos (60%) e pinos (30%). que é utilizada na fabricação de cartão e papel pardo.000 empregos diretos em 450 municípios. e as exportações alcançam o valor de US$ 2. facilitando a eliminação da lignina que lhe está associada (Figura 11. esses plásticos convencionais poderão ser substituídos por polímeros de origem bacteriana ou vegetal. A indústria de papel e de celulose.5 milhão de hectares de florestas plantadas. compostáveis em poucos meses. A atividade industrial gera 100. Aproximadamente 90% desta última é eliminado mediante um tratamento a altas temperaturas. basicamente. Em curto ou médio prazo. O branqueamento requer um tratamento específico com oxigênio e cloro. A lignina restante (10%) confere uma cor escura característica ao produto resultante. sendo estas últimas as que apresentam interesse industrial. antes do plantio. facilitada pela produção industrial de microrganismos selecionados para aplicação antes do plantio. Alguns microrganismos livres (Azotobacter. A inoculação é feita misturando o produto com as sementes umedecidas em tambores ou betoneiras. feijão). Nitral Urbana. transferindo-os para a planta hospedeira. a maior parte dos fosfatos (95-99%) forma compostos minerais ou orgânicos insolúveis que não são acessíveis diretamente às plantas. podem fixar diretamente o nitrogênio atmosférico em uma forma utilizável pelas plantas. A maioria destas empresas está localizada no Paraná e Rio Grande do Sul. Trata-se de uma prática muito simples. Rizobacter etc. Turfal. várias empresas nacionais e estrangeiras produzem inoculantes para leguminosas: BioAgro. 127 . Tricholoma. se aproveita o amido de mandioca porque contém menos amilose que o de milho ou de batata. Stoller. os primeiros absorvem os nutrientes minerais e a água do solo. Muitas espécies de fungos micorrízicos são comestíveis e vários gêneros são comercializados a nível mundial: Tuber. ou simbiontes (Rhizobium ou Bradirhizobium) que vivem nos nódulos das raízes das leguminosas (soja. No Brasil. A extensão das pesquisas sobre fixação de nitrogênio às gramíneas forrageiras. com 100% de amilopectina. Microrganismos vs fertilizantes químicos O nitrogênio é um nutriente indispensável para os cultivos vegetais porque faz parte da composição das proteínas e dos ácidos nucleicos. tem consequências negativas porque uma parte do nitrogênio (N) e do fósforo (P) não é absorvida pelas plantas e acaba sendo arrastada pelas chuvas até os rios e as reservas de água. iniciadas por Johanna Döbereiner (Embrapa) na segunda metade do século XX. derivados do petróleo. Total Biotecnologia. cereais e cana- de-açúcar. o fósforo se torna um nutriente limitante para o crescimento das plantas. Morchella. A intensa aplicação de fertilizantes agrícolas. permite dispensar parcialmente a aplicação de nutrientes químicos. com a correspondente economia de recursos. Microquímica. Azospirillum). por exemplo. Cantharellus. Os micorrizos são associações simbióticas entre fungos e raízes vegetais. diminuir-se-á a quantidade de nitrogênio a ser acrescentada no solo. Recentemente aprovada pela Comissão Europeia. a batata geneticamente modificada Amflora (BASF Plant Science) produz amido de alta qualidade. O amido está composto por cadeias de amilose e de amilopectina. No Brasil. eliminando ou diminuindo a necessidade de se acrescentar fósforo. Nos solos ácidos característicos das regiões tropicais. o amido é utilizado para conferir rigidez à massa e melhorar o acabamento. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 11: Biotecnologia e meio ambiente Na fabricação do papel. O fósforo se origina a partir das rochas do solo e da decomposição dos seres vivos. sendo desnecessário eliminar a amilose. consumindo o oxigênio dos cursos de água e produzindo toxinas que afetam os peixes e o gado. Separada fisicamente da batata destinada ao consumo humano ou animal. A SUBSTITUIÇÃO DE INSUMOS AGRÍCOLAS Um segundo conjunto de tecnologias limpas visa a substituição parcial de alguns insumos utilizados na agricultura. Encontra-se na atmosfera como N2 e no solo como nitrato. este tubérculo se destina ao uso industrial de tecidos e papel. A inoculação dos solos ou micorrização é uma tecnologia agrícola associada ao reflorestamento de pinos e eucaliptos. O excesso de nutrientes estimula a proliferação de algas. Inoculando as sementes com rizóbios. Lactarius e Suillus. resultante da decomposição da matéria orgânica ou proveniente dos fertilizantes agrícolas. Por isso. tais como os fertilizantes e praguicidas. Boletu. Bio Soja. Com o desenvolvimento da engenharia genética. O controle biológico dá um passo além. algodão etc. porque ao reduzir em mais de 30% a quantidade de fósforo excretado. transmissor da dengue e da var israelensis febre amarela) e dos borrachudos (Simulium spp. visando a preservação das plantações e a salvaguarda da produção de alimentos mediante a substituição dos praguicidas químicos por alternativas biológicas. Esta é utilizada como pesticida agrícola há mais de trinta anos. à vida silvestre ou à maioria dos insetos benéficos. Vespa Cotesia flavipes Broca-da-cana-de-açúcar (Diatraea saccharalis). A fitase é produzida industrialmente por um microrganismo geneticamente modificado.1. 128 . var kurstaki Bactéria Bacillus thuringiensis Larvas do mosquito da dengue (Aedes aegypti. Bactéria Bacillus sphaericus Larvas do mosquito prego (Anopheles spp. florestais. transmissor da encefalite e da filariose). Contudo. recomendando a procura de soluções de cunho biológico. um organismo que normalmente infecta e mata as lagartas (Anticarsia gemmatalis) que parasitam essa planta.. fungos e vírus entomopatogênicos. Alguns exemplos de utilização de agentes biológicos como pesticidas. AGENTE BIOLÓGICO PRAGA COMBATIDA Fungo Metarhizium Cigarrinha-da-folha-da-cana-de-açúcar (Mahanarva posticata). de 1972. Fungo Beauveria bassiana Diversas.1). o exemplo mais conhecido dessa tecnologia verde envolve a bactéria do solo Bacillus thuringiensis ou Bt. tais como bactérias. A genômica poderá vir a dar um novo impulso a esta área de vital importância. outra das causas de liberação excessiva de fósforo no ambiente é a criação intensiva de animais. nas lavouras de soja. a pesquisadora Rachel Carson já alertava para os danos causados pelo uso do DDT. de partículas de baculovirus. mas a complementação destas com uma enzima (fitase) tem um efeito importante no ambiente. Bactéria Bacillus thuringiensis Lagartas desfolhadoras de grandes culturas e reflorestamentos. contamos com numerosos exemplos de substituição de pesticidas por agentes biológicos específicos (Tabela 11. Vírus Baculovírus spodoptera Lagarta-do-cartucho-do-milho (Spodoptera frugiperda). Anos mais tarde.Maria Antonia Malajovich Além dos fertilizantes agrícolas. os genes correspondentes foram transferidos a várias plantas (milho. Os porcos e as aves não conseguem metabolizar o fitato.. Observe-se que em seu clássico livro A Primavera Silenciosa. Um deles é a aplicação. cigarrinha-da- anisopliae raiz-da-cana-de-açúcar (Mahanarva fimbriolata). Manejo integrado de pragas vs agrotóxicos Práticas agrícolas como a utilização de variedades selecionadas e a rotação dos cultivos reduzem substancialmente a necessidade de aplicar pesticidas sintéticos.) que agora produzem diretamente a toxina inseticida. Vírus Baculovírus anticarsia Lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis).). transmissor da malária) e do mosquito urbano ou pernilongo (Culex spp. sem que suas toxinas tenham causado danos às pessoas. Outro é a pulverização de esporos do fungo Metarhizium anisopliae para lutar contra a cigarrinha-da-folha-da-cana-de-açúcar ou a broca-dos-citros. cigarrinha-das-pastagens (Deois flavopicta). TABELA 11. um derivado presente nas rações. diminui a contaminação dos lençóis de água. vidro etc. os machos se aproximam da lata e são contaminados mortalmente pelo fungo. os animais e as plantas. Sumitomo. Iharabras etc.) por várias empresas nacionais e estrangeiras (Vectorcontrol. uma etapa intermediária da mineralização. A DEGRADAÇÃO DO LIXO Em condições adequadas. Além de biopesticidas. para combater a erosão etc. para colmatar terrenos. As populações microbianas mistas do ambiente degradam as substâncias orgânicas através de numerosas reações. Milenia. A utilização do controle biológico. Alguns procedimentos são econômicos e muito engenhosos. os produtos finais da mineralização da matéria orgânica são dióxido de carbono (CO2) e água. para assegurar a aeração durante o processo de biodigestão. postos equipados com laboratórios de diagnósticos e mais de 200 centros de reprodução de entomófagos e entomopatógenos. remover manual ou mecanicamente o material. O processo pode ser conduzido em sistemas simples (pilhas ao ar livre). no controle biológico também se utilizam feromônios. sem que sejam necessários cuidados assépticos ou culturas puras. Atraídos pelo feromônio. A REDUÇÃO DOS RESÍDUOS A degradação do lixo (resíduos sólidos) e o tratamento de esgoto (resíduos líquidos) são dois exemplos tradicionais de prestação de serviços da biotecnologia tradicional nem sempre valorizados. sendo necessário. os próprios microrganismos do lixo degradam a matéria orgânica previamente fragmentada e misturada (Figura 11. Para Cuba. a umidade e a temperatura. o programa cubano de controle biológico de pragas envolve laboratórios regionais. armadilhas e atrativos alimentares. que é inócuo para os seres humanos. Bayer. 129 . Dipel. À medida que a atividade microbiana decresce. Ao começar a biodigestão. estações de defesa vegetal. existem numerosos produtos a base de Bacillus thuringiensis comercializados com diferentes nomes (Bac-control. No Brasil. como o desenvolvido em Cuba para combater o tetuán del camote. Nesses estabelecimentos. apesar do imenso volume de matéria que transformam e de sua relevância para o meio ambiente. a liberação de energia causa um aumento de temperatura que elimina a maioria dos microrganismos indesejáveis (sanitização). Atualmente. em ambos os casos. em condições anaeróbias. um gorgulho (Cylas formicarius) que ataca a batata-doce. Thuricide etc. forma-se biogás. todos os compostos naturais podem ser biodegradados. baseado no conhecimento da ecologia dos agroecossistemas.).). a experiência de várias décadas de trabalho com controle biológico resultou crucial quando.2). biorreatores). em atividades de reflorestamento. Na compostagem. A biodegradação aeróbia ou mineralização dos restos orgânicos os transforma em um "composto" utilizado no melhoramento de solos. o sistema se estabiliza e amadurece até perder todo o seu potencial de biodegradação. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 11: Biotecnologia e meio ambiente Atualmente. Pendura-se na plantação uma lata com uma pequena quantidade de feromônio. devido ao embargo propiciado por Estados Unidos. pulverizando em redor esporos do fungo Beauveria bassian. As condições do processo são otimizadas mediante o controle de alguns parâmetros tais como a relação carbono/nitrogênio. Em condições aeróbias. O tratamento dos resíduos sólidos urbanos (RSU) em usinas de compostagem é um procedimento alternativo à incineração e ao depósito em lixões e aterros sanitários. Ecotech Pro. deve-se destacar o trabalho da Embrapa e de várias universidades no desenvolvimento desta área. a separação prévia dos componentes permite a reciclagem de alguns materiais (metais. o país teve que substituir o uso de agrotóxicos nas lavouras. ou complexos (silos. o oxigênio. Bactur. constitui o que se denomina Manejo Integrado de Pragas (MIP). 2. a decomposição in natura do lixo nos aterros sanitários cria uma zona de anaerobiose onde se produz biogás. alguns dejetos de origem industrial. O tratamento das águas residuais. eventualmente. FIGURA 11. águas de uso doméstico (banho. que se multiplicam rapidamente consumindo o oxigênio dissolvido e ocasionando a morte de peixes e crustáceos.Maria Antonia Malajovich Por outro lado. Ao ser liberado diretamente nos cursos de água. Este é liberado na atmosfera. O TRATAMENTO DAS ÁGUAS RESIDUAIS O esgoto está constituído por excrementos (fezes e urina).) e. A compostagem. o esgoto desestabiliza as populações microbianas. lavagem de roupas etc. ESGOTO Fossas sépticas Gradeamento Lagoas de oxidação EFLUENTE Tanque de areia Filtros de gotejamento (1) Tanque de EFLUENTE sedimentação Tanque de Lodo sedimentação Lodo ativado (2 ) Lodo EFLUENTE Biodigestor anaeróbico RESÍDUO SÓLIDO Lodo 130 . LIXO ORGÂNICO AR ÁGUA FONTE DE NITROGÊNIO Fragmentação e mistura das partículas Aumento da temperatura (sanitização) BIODIGESTÃO AERÓBIA Diminuição e estabilização da temperatura Maturação CALOR CO2 ÁGUA OUTRAS SUBSTÂNCIAS COMPOSTO FIGURA 11. onde contribui para o efeito estufa e o aumento da temperatura.3. afetando o clima. o Tratamento terciário.  Em filtros de gotejamento (1). o licor sulfítico dos efluentes da indústria de papel e celulose pode ser eliminado produzindo biomassa. colonizados pelos próprios microrganismos do esgoto que se desenvolvem digerindo a matéria orgânica do meio. Só alguns métodos adicionais como a cloração. Este é realizado para eliminar substâncias inorgânicas e orgânicas. lixo e areia. As soluções contemplam o uso de tecnologias mais eficientes que permitam reduzir o volume de vinhaça. as de alimentos. permitindo a obtenção de biogás e a remoção de alguns nutrientes (N e P principalmente) que poderiam criar desequilíbrios ecológicos. envolvendo procedimentos como a filtração. mas não a elimina totalmente. Para avaliar a dimensão do problema. a volatilização da amônia. a irradiação UV e o tratamento com ozônio eliminam microrganismos patogênicos recalcitrantes.  Um segundo tanque de sedimentação separa o efluente do lodo. a gordura sobrenadante é separada do lodo sedimentado. O líquido efluente do tanque de sedimentação pode ser tratado de vários modos:  Em lagoas de baixa profundidade. o Tratamento secundário. O esgoto passa por um processo de filtração que remove objetos grandes. com o fungo Paecilomyces. basta lembrar que por cada litro de álcool a indústria produz até 12 litros de vinhaça. com consequências nefastas para os seres vivos. A produção de etanol libera diretamente nos rios e cursos de água um efluente (vinhaça) que provoca a eutrofização. O tratamento do esgoto envolve métodos físicos. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 11: Biotecnologia e meio ambiente Na biodegradação das águas do esgoto participam várias populações naturais. A degradação microbiana dos resíduos orgânicos diminui consideravelmente a carga de microrganismos patogênicos liberada no ambiente. além de biogás e de eletricidade. As bactérias anaeróbicas procedem à biodigestão dos lodos. o tratamento dos efluentes industriais é estratégico para o melhoramento da imagem das indústrias mais poluentes. as têxteis. onde o meio é agitado e oxigenado mediante a injeção de ar comprimido. O TRATAMENTO DOS EFLUENTES INDUSTRIAIS Além de fundamental para a população e o ambiente. químicos e biológicos (Figura 11. entre as quais figuram as químicas. O processo ocorre em pelo menos três etapas: o Tratamento primário. as de extração de metais e minerais e as de produção de energia. 131 . De forma análoga. as de couro. e também sua biodigestão anaeróbia para a geração de fertilizante. Os microrganismos aeróbios (bactérias e protozoários ciliados) mineralizam parte da matéria orgânica do efluente. as papeleiras. No tanque de sedimentação. a precipitação de fosfato etc.3).  Em tanques de lodo ativado (2). que pode ser transferido a um biodigestor. o Tratamento avançado. Os efluentes das indústrias de laticínios são utilizados como matéria-prima para o crescimento de microrganismos que são adicionados às rações animais. 132 . Embora sua utilização como combustível elimine uma fonte de contaminação atmosférica. Em compensação. a liberação de efluentes agroindustriais sem tratamento e a queima de combustíveis fósseis (petróleo. óxidos de enxofre (SOx). estima-se que. Os principais contaminantes do meio ambiente. A América Latina. fosfatos. Ratificado por numerosos países. o homem é o principal responsável pela emissão dos gases que causam o efeito estufa. ferro). etilbenzeno. cianetos.2. As iniciativas dependem de empresas privadas e/ou de organismos governamentais. devido à atividade da flora intestinal simbionte que lhes permite digerir celulose. O Protocolo de Kyoto (1997) previa a redução da emissão de gases contaminantes (dióxido de carbono. o tratamento de compostos orgânicos voláteis (VOCs. óxidos de nitrogênio (NOx). para que essa economia fosse de 530 milhões de toneladas de CO2. resíduos agroindustriais) na Argentina. nitritos. prata. cobre. compostos orgânicos voláteis (VOCs). asbestos. Várias iniciativas tendem a recuperar o metano dos aterros sanitários e utilizá-lo como combustível alternativo. CATEGORIA EXEMPLO Inorgânicos Metais (cádmio. que emite 6% dos gases contaminantes. óxidos nitrosos e clorofluorocarbonetos). isótopos radiativos. o uso de biocombustíveis na frota flexfuel brasileira teria deixado de liberar na atmosfera 35 milhões de toneladas de CO2. Apesar disso. no Chile. TABELA 11. Compostos voláteis: clorofluorocarbonetos (CFCs). xileno). no México. No entanto. liberam 40 milhões de toneladas de metano por ano. chumbo. através de atividades como o depósito do lixo em aterros sanitários. nitratos. bastaria misturar com álcool apenas 10% da gasolina disponível no planeta.Maria Antonia Malajovich Em relação aos resíduos gasosos de processos industriais. da sigla em inglês) é feito mediante filtros biológicos de diferentes tipos e complexidade tecnológica. liberam-se aldeídos cancerígenos e. tolueno. alguns estudos preliminares contaram com financiamento do Banco Mundial. entre 2004 e 2008. cobalto. compostos aromáticos (benzeno. metano. gasóleo. que são responsáveis respectivamente por 36% e 17% das emissões. no Brasil. Produtos sintéticos: pesticidas organoalogenados como os bifeniles policlorados (PCBs) ou os hidrocarbonetos poliaromáticos. metano (CH4). como os vulcões e os cupins. cromo. em Cuba. Gasosos Gases: dióxido de enxofre (SO2). Em relação à gasolina. a combustão dos biocombustíveis (mistura gasolina-etanol ou etanol puro) emite quantidades menores de monóxido de carbono (CO). no Uruguai. Os níveis de metano atmosférico são hoje duas vezes maiores que na era pré-industrial. hidrocarbonetos e outros compostos poluentes. gás natural e carvão). já está entrando neste mercado com vários projetos de reaproveitamento do metano (aterros sanitários. AS EMISSÕES DE GASES E O EFEITO ESTUFA Existem fontes naturais de gases. Calcula-se também que. um dado preocupante se pensarmos que a contribuição do metano para o efeito estufa é 20 vezes superior à do dióxido de carbono. o protocolo de Kyoto não teve os resultados esperados. mercúrio. dependendo do motor. Estes. a rentabilidade do processo nem sempre justifica o seu aproveitamento. mas não por Estados Unidos nem Rússia. o cultivo do arroz. a criação de gado. dióxido de carbono (CO2). óxidos nitrosos (NOx). Orgânicos Resíduos petroquímicos: petróleo. hoje presentes no ambiente. a lavagem ou ventilação do solo contaminado. em outros. resistente a altas temperaturas. zinco. À diferença dos resíduos agrícolas e urbanos. Bacillus infernus. e sua destruição por incineração ou por biorremediação. os metais procedentes das atividades extrativas e industriais (cádmio. modificando. Esta última apela para o uso de agentes biológicos. operando com menos custo e mais rapidamente. tendo superado a cota de gases a emitir. OS CONTAMINANTES Como resultado das atividades humanas. Para que a biorremediação seja eficiente é necessário que o poluente seja transformado metabolicamente por algum microrganismo. resistente a pressões de até 230 atmosferas e a altas temperaturas etc. três semanas mais tarde. Dinamarca).) em uma forma volátil muito menos tóxica. outras persistem na natureza por um longo tempo. estas moléculas alheias ao mundo dos seres vivos (xenobióticas) não são biodegradadas ou. do inglês Certificate of Emission’s Reduction). em concentrações tóxicas.2). selênio) permanecem no ambiente. portadoras de genes microbianos. que nada mais é que um bônus sobre a quantidade de contaminação deixada de emitir. chumbo. que são biodegradados. OS TRATAMENTOS Existem vários métodos para retirar substâncias recalcitrantes do meio ambiente (Figura 11.4). Sua absorção e concentração (bioacumulação) por plantas tolerantes aos metais reduz a toxicidade do solo e facilita sua remoção em faixas de terreno pouco profundas. Estas plantas. Consideradas recalcitrantes. 133 . Alguns já conhecidos: Deinococcus radiodurans. o Protocolo de Kyoto permite que. A procura por microrganismos com características especiais é o primeiro passo para resolver problemas ambientais. Uma possível saída parece ser a utilização de plantas de Arabidopsis transgênicas (Aresa. que é absorvido pela planta. Em alguns casos. criou-se um mercado paralelo da descontaminação através da compra e venda do Certificado de Redução de Emissões (CER. As opções contemplam a construção de barreiras físicas. quando o são. A BIORREMEDIAÇÃO Numerosas substâncias. degradam a trinitroglicerina (TNT) liberando NO2. O processo deve ter uma relação custo/beneficio interessante. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 11: Biotecnologia e meio ambiente Contudo. os produtos finais sejam seguros e as condições ambientais favoreçam a atividade microbiana. Existem já plantas geneticamente modificadas para transformar os compostos organomercuriais formados em diversas atividades (extração de carvão e de ouro etc. têm sido geradas pelo homem através da síntese química. aproximadamente 2. resistente à radiação. trata-se de emissões deliberadas e regulamentadas (resíduos industriais). Embora muitas possam ser degradadas em poucos meses por algum organismo. a cor das folhas. Methanococcus jannaschi. Deste modo.5 milhões de toneladas de substâncias químicas perigosas são liberadas anualmente no meio ambiente (Tabela 11. de escapamentos acidentais (manchas de óleo ou de petróleo). um país continue contaminando a atmosfera se comprar bônus de um país que não a contamina ou que reduz sua própria contaminação. Um problema de difícil solução é a detecção e eliminação das 60 a 70 milhões de minas antipessoais espalhadas no mundo. o processo é muito lento. A modificação genética dos microrganismos pode fornecer linhagens com um potencial de degradação dos contaminantes maior que o dos organismos naturais. por ter sistemas enzimáticos capazes de digerir os poluentes- alvo. causando um problema ambiental de grandes proporções. Uma vez consumido o material tóxico. até que o bombeamento de metano se torna novamente necessário. As estratégias de biorremediação. MEIO DESCONTAMINADO 134 . em que o solo escavado é transferido a um biodigestor. a degradação de PCBs e a sobrevivência em uma ampla margem de temperaturas. pH. aceptores de elétrons). essa contaminação poderia ser tratada de maneira específica. Outra forma de biorremediação dos solos contaminados admite o tratamento ex situ. os microrganismos morrem ou voltam ao seu nível populacional normal no ambiente. FIGURA 11. utilizou-se uma bactéria que metaboliza metano. por exemplo. Microrganismos Microrganismos Microrganismos geneticamente do ambiente selecionados modificados (em sistema fechado) MEIO CONTAMINADO Otimização dos fatores que estimulam a ação bacteriana Suplemento de nutrientes (estrutura do solo. mas é capaz de degradar o TCE. duas estratégias são possíveis: o Colocar microrganismos especializados no solo. A repetição cíclica do processo reduziu a contaminação a um nível aceitável. possibilitou a descontaminação do Rio Savannah (Estados Unidos) de tricloroetileno (TCE). Como a liberação de microrganismos geneticamente modificados no ambiente é vista com desconfiança.Maria Antonia Malajovich Uma forma de biorremediação é a produção de biomassa específica no local contaminado (in situ). Entre as formas de biorremediação cabe destacar a utilização de microrganismos que sobrevivem no ambiente contaminado. utilizado como desengordurante na fabricação de componentes de armas. Introduzindo os dois genes correspondentes em uma bactéria inócua e de fácil cultivo. a bactéria se multiplica. Despejado no solo. Esta tecnologia é considerada viável do ponto de vista comercial. as bactérias ou os fungos digerem o lixo perigoso transformando-o em produtos inofensivos. ligeiramente diferentes de seus substratos normais. Também permite o design de microrganismos que combinem várias características de diferentes linhagens como. Para eliminar o contaminante. ao suspender o bombeamento. Ao bombear metano no solo. sua utilização se restringe a estes sistemas fechados. Esta propriedade. Em ambos os casos. ela passa a degradar o TCE por um tempo.4. denominada metabolismo gratuito. o Acrescentar nutrientes para estimular a ação dos microrganismos presentes no sítio contaminado. Do ponto de vista prático. o TCE contaminara as águas subterrâneas. afetando todas as formas de vida aquática e constituindo um risco para a saúde do consumidor. a tecnologia está em mãos de organizações governamentais ou de pequenas firmas que agem localmente. especialmente os de baixo peso molecular. ouro. técnicas especiais (EOR. completado recentemente. mas um serviço a prestar. Estima-se que. tenha sido tratado por biorremediação. tanto a lignina como os hidrocarbonetos são compostos químicos estáveis. onde os componentes voláteis evaporam rapidamente. de modo que cada um deles demanda um tratamento particular. proveniente de vazamentos de tanques de armazenamento. o solo de mais de 30. do inglês enhanced oil recovery) envolvem o uso de polímeros de origem microbiana (xantana). Braer and Sea Empress. permanecendo em alto-mar ou sendo levado até a costa. o uso deste tipo de bactérias não teve sucesso na remoção do petróleo derramado em alguns acidentes. dará novas informações sobre suas rotas metabólicas e seus requerimentos de fósforo e de nitrogênio. uma bactéria capaz de metabolizar 70% dos compostos do petróleo. até o momento. em condições anaeróbias. Amoco Cadiz. O que não é recuperado pelo homem. As pesquisas atuais visam preferentemente os microrganismos ambientais. devido a acidentes notórios (Prestige. Por isso. A formação de carvão e petróleo nas profundezas da terra é possível porque. Porém. urânio). ambos são degradados pelos microrganismos do ambiente. O petróleo derramado no mar flutua na superfície. A introdução direta dos microrganismos no poço (MEOR. O petróleo derramado será degradado pelos microrganismos naturalmente presentes no ambiente marinho. Porém. As manchas de óleo despejadas no mar contêm compostos tóxicos que representam uma ameaça para a ecologia marinha e costeira. A RECUPERAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS Os processos biológicos também são utilizados para a extração de petróleo e de metais (cobre. O PETRÓLEO Na extração de petróleo. UM EXEMPLO: OS VAZAMENTOS DE PETRÓLEO Um dos mais sérios problemas de contaminação ambiental é o derramamento de petróleo nos mares. Exxon Valdez. se dispersará com o movimento das ondas. Uma das primeiras patentes de um ser vivo corresponde a uma bactéria engenherada projetada para degradar alguns componentes do petróleo (Chakrabarty. geralmente pobre em nitratos e fosfatos.000 sítios contaminados com petróleo. mas isso pode mudar se o petróleo começar a se esgotar. como o do navio Exxon Valdez no Alaska (1989). British Petroleum) e a situações bélicas (Guerra do Golfo). 1971).755 genes. Torrey Canyon. em condições aeróbias. especialmente Alcanivorax borkumensis. O sequenciamento de seus 2. para aumentar a viscosidade e facilitar o seu bombeamento. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 11: Biotecnologia e meio ambiente Os problemas que exigem biorremediação são muito pontuais. do inglês microrganism enhanced oil recovery) parece menos interessante do ponto de vista econômico. devem-se acrescentar nutrientes aos dispersantes químicos (detergentes) ou às espumas de limpeza das rocas da costa. Como não há um produto a patentear. 135 . A biolixiviação se aplica especialmente à extração de cobre.. ouro. Do desenvolvimento da biomineração participaram universidades e institutos de pesquisa. Quebrada Blanca). zinco. Durante o período colonial. os consórcios internacionais que dominavam a tecnologia necessária para a extração do cobre em baixas concentrações assumiram o controle da indústria do cobre (Braden Copper Co. Ainda hoje. com apoio do governo e do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). 136 . Codelco) com tecnologia nacional de biolixiviação começou na metade da década de 1980. se usa a biolixiviação para a extração de cobre (Chile. recuperando-se entre 75% e 90% do cobre em períodos que oscilam de 6 a 12 meses e a um custo muito baixo. A tecnologia é relativamente simples e requer pouca inversão. A oxidação biológica ocorre geralmente em amontoados e pilhas. Na América Latina. Chile Exploration Company). Em 1947.000 pessoas. No século XX. a produção de cobre se manteve baixa. Segue-se um processo de “chilenização” que culmina em 1971 com a nacionalização das principais minas de cobre. Ao finalizar o século XIX. o Chile é o maior produtor de cobre do mundo. as culturas Tiahuanaco e Inca o utilizaram na produção de bronze. mediante uma reação de oxidação que libera a energia necessária para sua reprodução e crescimento. Atualmente. uma empresa estatal criada em 1976 e que emprega 16. 5% da produção de cobre chilena depende de biolixiviação. com 5.Maria Antonia Malajovich OS METAIS A extração de metais solubilizados nas ácidas e escuras águas do Rio Tinto (Andaluzia. Espanha) data do domínio romano. A BIOMINERAÇÃO Os Andes chilenos guardam as maiores reservas de cobre do planeta. As bactérias transformam os sulfetos metálicos insolúveis em sulfatos solúveis. A exploração da mina de Pudahuel (Chile. Corporación Nacional del Cobre). hoje australiana. As operações são especialmente apropriadas para as minas de baixa qualidade ou semiesgotadas. A fixação de dióxido de carbono fornece o carbono necessário para a síntese dos componentes celulares e os requerimentos se limitam ao oxigênio e a pequenas quantidades de nitrogênio e fósforo. A bio- hidrometalurgia se estendeu rapidamente e já se encontram em funcionamento no Chile os primeiros estabelecimentos que extraem o cobre exclusivamente por biolixiviação (Cerro Colorado.700 toneladas métricas que representam 42% da produção de cobre mundial (2008). Na época pré-colombiana. assim como para a recuperação do cobre nos refugos existentes. as minas foram exploradas a partir do século XIX por uma empresa inglesa. As pesquisas atuais contemplam o uso de microrganismos termofílicos (Sulfobolus) e a otimização do processo de bio-oxidação. abandonadas durante séculos. As primeiras experiências de biolixiviação foram realizadas entre 1950 e 1980 em Rio Tinto (Espanha). Atualmente. as jazidas com alta concentração de cobre começaram a dar indícios de esgotamento. 36% da produção de cobre do país está em mãos da Codelco (do espanhol. México e Peru) e de ouro (Brasil. O resto é produzido pelo setor privado. mas entre 1820 e 1900 extraíram-se dois milhões de toneladas. com o isolamento de bactérias quimiotróficas do gênero Thiobacillus mostrou-se que a acidificação das águas e a consequente solubilização dos metais eram o resultado não só de uma ação química. mas também de uma ação bacteriana. níquel e cobalto. uma liga de cobre e estanho. Kenecott Corporation. Cananea (México) e Toromocho (Peru). além do setor produtivo. Chile e Peru). sendo adaptada aos países em desenvolvimento. outros são sensíveis a um amplo espectro de substâncias. assim como tecnologias para a produção de biomassa. Microarrays adequados avaliam a expressão dos genes em uma linhagem ou uma comunidade microbiana em relação a um agente ambiental (genossensores). Uma avaliação indireta pode ser obtida a partir de outras variáveis. a empresa registrou nos Estados Unidos uma patente descrevendo um método para modificar geneticamente bactérias extremófilas do gênero Acidithiobacillus. O DIAGNÓSTICO DE CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL O diagnóstico de contaminação ambiental exige o monitoramento da água. como os testes de coliformes na água. Alguns são muito seletivos. A tecnologia do DNA facilita a identificação dessas espécies em função das sequências gênicas correspondentes ao RNA ribossômico (rRNA de 16S) e também ajuda a monitorar as mudanças nas comunidades microbianas utilizadas na remoção de poluentes. As técnicas imunoenzimáticas. o parathion e os PCBs. Imunoensaios de diversos tipos permitem o monitoramento contínuo. BIOSSENSORES Estes combinam diferentes componentes biológicos e eletrônicos imobilizados em um substrato. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 11: Biotecnologia e meio ambiente Fundada em 2002 por Codelco e Nippon Mining & Metals Co. Pouco a pouco estão substituindo os testes tradicionais que.. INDICADORES BIOLÓGICOS Estes são plantas e animais capazes de acumular metais pesados e poluentes orgânicos persistentes. tais como o número de plantas e de espécies microbianas. 137 . exigem um equipamento complexo. Como ainda não sabemos cultivar em laboratório a maior parte dos microrganismos do ambiente. resultam especialmente apropriadas para os testes de campo. uma boa parte da biodiversidade microbiana permanece desconhecida. cujos resultados podem ser apreciados simplesmente por uma mudança de cor. TÉCNICAS GENÉTICAS Estas se aplicam na identificação das populações microbianas. o número de indivíduos nessas espécies etc. geralmente sob a forma de um chip. além de serem lentos. do ar e do solo. a empresa BioSigma desenvolve estudos microbiológicos e genômicos. Ltd. As tecnologias abrangem o uso de indicadores biológicos. de maneira a detectar qualquer variação ambiental e restaurar rapidamente as condições ótimas do sistema. automatizado e barato de pesticidas como o dieldrin. Determinando diretamente a concentração do contaminante em um organismo específico. encontradas no minério de cobre. marcados ou associados a enzimas. TÉCNICAS IMUNOLÓGICAS Estas utilizam anticorpos específicos. Recentemente. podemos avaliar a contaminação ambiental. de técnicas imunológicas e genéticas e de biossensores. O sinal aumenta ou diminui em função da concentração do substrato contaminante. seja porque esta inibe o próprio metabolismo microbiano. que estimula ou inibe a ação do agente biológico. Substrato Membrana Biodetector imobilizado O substrato reage com o biodetector. mudança que é detectada óptica ou eletronicamente fornecendo uma medida quantitativa do contaminante (Figura 11. . um anticorpo ou um microrganismo.5. Especialmente interessante é a utilização de organismos geneticamente modificados. Respondendo a um estímulo ambiental se verifica uma mudança em suas propriedades. Bactérias ou leveduras imobilizadas assinalam a presença de uma determinada substância. por exemplo) com genes indicadores (luminescência. seja porque a metabolizam. o transdutor gera um sinal elétrico Amplificador Circuito 138 . originando um produto específico Ao detectar um produto específico. O funcionamento de um biossensor. fluorescência ou produção de uma substância colorida). FIGURA 11. associando o promotor do gene de uma enzima que reage com a substância procurada (arsênico.Maria Antonia Malajovich O componente biológico pode ser uma enzima.5). só foram cultivadas umas poucas espécies locais. e o milho e a abóbora (América Central. mandioca. durante a Antiguidade. Os primeiros cultivos foram a cevada e o trigo (vales do Eufrates e do Nilo. pimenta. 3: Café. entre 9. entre 13.1. e 10.000 a. sendo lentamente adicionadas plantas provenientes de outros lugares. 6: Abacaxi. 5: Cítricos. amendoim. Às técnicas agrícolas primitivas. 4: Abacaxi. inhame. videira. tomate. algodão. Aplica-se em todos os níveis de organização biológica. cacau.C. O transporte de plantas de um continente a outro. mandioca.12. milho. o arroz.C. abacate. a banana. se acrescenta na Idade Média a rotação trienal de culturas.bio. feijão. tomate. tomate. batata. banana.br) . 1: Trigo. arroz. uma prática de conservação do solo e aumento da produção. muda o perfil das plantas cultivadas nos diferentes continentes. grão-de-bico. que basicamente envolviam a tração animal do arado e o armazenamento de alimentos. o café e a cana-de-açúcar se aclimataram na América (Figura 12. amendoim. 2: Abóbora. cacau. caucho.).C. BIOTECNOLOGIA E BIODIVERSIDADE O conceito de biodiversidade abrange a totalidade da variação hereditária existente nos seres vivos. O milho. o arroz (regiões fluviais da China e da Índia.). tabaco. soja. o girassol e o tabaco foram introduzidos na Europa.000 a. o tomate. milho.1). Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. cana-de-açúcar. a batata. cinchona. pimenta.bteduc. A DESAPARIÇÃO DOS ECOSSISTEMAS NATURAIS O cultivo de plantas e a domesticação de animais acompanharam o homem na passagem de uma vida nômade para uma vida sedentária. os cítricos.000 a. No continente europeu. desde os genes e cromossomos de uma espécie até as diversas espécies ou comunidades presentes em ecossistemas como as florestas ou os rios. o grão-de-bico.000 e 7000 a. FIGURA 12. um acontecimento que ocorreu várias vezes em lugares diferentes. o feijão. milho. 10. Com as grandes navegações e a descoberta do Novo Mundo.C. muitas vezes obtidas como troféus de guerra (romanos e cruzados). o trigo.). aveia. Procedentes de diferentes lugares. caucho. Em relação aos animais a história segue um curso parecido. palma). TABELA 12. algodão.Maria Antonia Malajovich No Novo Mundo e ligado ao tráfico de escravos. os europeus levaram para o continente seus animais domésticos: cavalos. o boi e o zebu (Mesopotâmia. coco. como também de insumos industriais. causando grande devastação na flora local.000 a. de frutos (banana). lentilha. aveia. couve-flor. vicunhas. milho. cará. que visa satisfazer as necessidades dos consumidores não só em relação à produção de alimentos. perus e preás. arroz. Os principais tipos de vegetais que entram em nossa alimentação. amendoim. o porco (China. cevada. girassol etc. Plantas proteaginosas Diversos tipos de feijão. couve.000 e 7. vacas. beterraba etc. Nesse marco histórico se definem claramente algumas das características da agricultura moderna. cenoura. grão-de-bico.1. colza. Plantas produtoras de açúcar Cana-de-açúcar. quiabo. uva. A domesticação do cavalo ocorreria bem mais tarde (Ucrânia. azeitona. juta) e de borracha (caucho). foram domesticadas a cabra e a ovelha (Mesopotâmia).. Egito). de substâncias estimulantes (chá. 4. Após a conquista do Novo Mundo. amendoim. pimenta. tâmara. As grandes planícies se tornaram um lugar ideal para a criação de gado. Europa) e o gato (Mediterrâneo). deu-se início ao ciclo da agricultura das plantações. cacau) etc. beterraba sacarina. de óleo (amendoim.C. abacate. batata-doce. mandioca. Plantas oleaginosas Soja. 140 . No continente americano. cultivos diversos) na área habitável do planeta. centeio. canola. pepino.C. com o cultivo de plantas produtoras de fibras (algodão. começando na Ásia com a domesticação do cachorro. tomate. alpacas. Distribuição da produção agrícola (grãos e cereais. Estes se multiplicaram rapidamente. no final do paleolítico. berinjela. FIGURA 12. fruta-pão. Entre 8. TIPOS DE VEGETAIS EXEMPLOS Cereais Trigo. Raízes e tubérculos Batata. café. ervilha etc. porcos e cachorros.2. bem antes da chegada dos europeus. sorgo etc. manga. Frutas e hortaliças Banana. abóbora etc. pradarias e pastagens. as populações do continente americano mantinham criações de lhamas.). de açúcar (cana-de-açúcar).000 a. Hortaliças e frutas não fornecem mais que uma pequena quantidade de calorias.3 bilhões em 2050 (Tabela 12. a soja e o trigo (Figura 12. o milheto.3).2 bilhão de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia. Os ecossistemas agrícolas acompanharam a expansão do homem sobre a superfície habitável da Terra (Figura 12.000 pessoas morrem diariamente de fome e outras 800. mariscos). a batata-doce. Expansão limitada por oceanos. e a falta de ferro.2). a mandioca. 141 . Mesmo havendo suficientes alimentos para todos. o desenvolvimento tecnológico alcançado graças à Revolução Verde gerou uma produção de alimentos suficiente para suprir a humanidade. desertos. precisa-se de uma agricultura e pecuária sustentáveis. A dependência de um limitado número de espécies Apesar de existir uma grande diversidade de plantas comestíveis. o arroz. o amendoim. Entre 1980 e 2000. ainda hoje. plantas oleaginosas e sacarinas complementam 20%. A produção de alimentos No início do século. o progresso da agricultura teve um impacto negativo na biodiversidade. O HOMEM E AS PLANTAS AS PLANTAS ALIMENTÍCIAS Os vegetais ocupam um lugar preponderante na dieta humana. nem a outros dois bilhões que vivem com menos de dois dólares por dia. A duplicação da produção de cereais causou também uma redução significativa dos preços. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 12: Biotecnologia e biodiversidade Os séculos seguintes assistiriam a um aumento significativo da produtividade agrícola em função da introdução de novas práticas agronômicas. que possibilitem a conservação e a manutenção dos solos. embora a população aumentasse em quase dois bilhões de pessoas. algumas leguminosas. o milho. a batata. raízes. Tubérculos. Contudo. eles não chegam a 1. a produção de alimentos teve um aumento de 35% como resultado da seleção de variedades mais produtivas. Nos últimos trinta anos.1 bilhões de pessoas. um bilhão de pessoas. sendo importantes por outros valores nutritivos (Tabela 12. estimando-se que chegará a 9. cabe nos perguntarmos se a produção de alimentos será suficiente para as necessidades da população. Para evitar o desaparecimento dos ecossistemas naturais. a maior parte dos alimentos (90%) consumidos pela humanidade se restringe a um pequeno grupo de 20 a 25 espécies que inclui a banana. Frente a esses números. montanhas e regiões polares.5 bilhões de pessoas vivem na pobreza. o sorgo.1). sendo que aproximadamente 24. ovos. leite. Os cereais respondem por 75% de nossas necessidades calóricas. Apesar de nossa alimentação incluir também produtos animais (carne. dos processos ecológicos e dos recursos genéticos. da mecanização do trabalho no campo e do melhoramento genético.000. mares. ao limitar o número de espécies cultivadas. sofrem de desnutrição. a maioria das proteínas que ingerimos é de origem vegetal. peixes. No entanto. cultivadas em condições apropriadas. da água. A carência de vitamina A afeta 14 milhões de crianças.2). que tornam inabitável para o homem os dois terços da superfície do planeta. 4. a população humana era de 6. principalmente crianças e mulheres. Fibras têxteis Algodão. Especiarias Pimenta-do-reino. Resinas Bálsamos e gomas. babaçu. chicle (sapoti). sisal. Látex Borracha. PRODUTO PLANTAS INDUSTRIAIS Biocombustíveis Cana-de-açúcar. canola. quebracho.Maria Antonia Malajovich FIGURA 12.4 6.1 7 8. As plantas e a indústria. rami. ANO 1980 2000 2011 2030 2050 Número de pessoas (em bilhões) 4.3. oliveira. noz moscada. capim-limão. linho. sésamo. Os vegetais na alimentação humana. Óleos e gorduras Soja. Ceras Carnaúba. piaçava. beterraba sacarina. urucum. colza. jojoba. coco. girassol. amendoim. canela. algodão. 142 . eucaliptos. eugenol. mamona etc.3 9. gengibre. citronela. pau-campeche. juta.3.3 TABELA 12. menta. linhaça. cereais. cânhamo.2. Essências e fragrâncias Sassafrás. O tamanho da população humana. dendezeiro. TABELA 12. mamona. cravo-da-índia. geraniol. Taninos Acácia. soja. Tinturas Pau-brasil. reagentes analíticos. café. corantes e tintas. A torta de soja também é incluída nas rações animais. também. essa fração proteica entra na composição de adesivos. bebidas. o seu cultivo alcançou um enorme sucesso comercial que pode ser atribuído à extraordinária versatilidade de seus produtos. Nos últimos anos. 80-90% do óleo de soja produzido provém de culturas transgênicas. a falta de alimentos poderá se agravar. o petróleo e o gás natural. bebidas etc. entrando na composição de molhos. bebidas. cacau. maioneses. massas. cosméticos. massas. Boa parte da terra não utilizada se encontra em regiões pouco férteis. patês e margarinas. isto é. O grão e os brotos podem ser consumidos diretamente ou entrar como farinha na composição de pães. Utiliza-se também como anticorrosivo e antiestático. Mas. E. Considerando que 90% das pessoas viverão na faixa intertropical. substitutos de couro e plásticos. a carne. onde está situada a maioria dos países em desenvolvimento. sucrilhos. salvo algumas exceções significativas (chá. selantes. outras plantas apresentam um espectro de aplicações de amplidão equivalente na alimentação e na indústria. nos próximos 30 anos. doces. sem mudanças sociais e políticas. banana etc. Embora já tenham aparecido sinais de erosão e de esgotamento do solo em vários lugares. a produção de alimentos deverá aumentar em 60%. tempeh). os alimentos se consomem no lugar mesmo onde são produzidos. De todas as plantas industriais. O óleo extraído do grão é usado para cozinhar e como condimento para saladas. Se. por um lado. emulsão asfáltica. madeirite. os grãos são considerados commodities. Atualmente.3). distantes. cosméticos. biscoitos etc. carentes de infraestrutura ou cobertas por florestas. entrando na composição de agentes dispersantes e antiespumantes. o algodão e a canola. pastas e cremes. Em parte porque. Assim como o ouro. como matéria-prima para diversas indústrias (Tabela 12. a história dos últimos anos mostra que. AS PLANTAS COMERCIAIS A produção de insumos Várias plantas são cultivadas e comercializadas. coberturas de bolo. por outro lado. Sua ocupação aceleraria a degradação de ecossistemas com perda de biodiversidade e risco de aparição de doenças. em função da tendência migratória para as grandes cidades. a soja merece uma atenção especial. para responder às necessidades da população. produtos de limpeza. A fração proteica do grão substitui a proteína de origem animal (carne de soja) e é usada na elaboração de produtos dietéticos. Os grãos fermentados se utilizam na culinária oriental (misó. Dois grandes desafios aguardam a humanidade: aumentar a produtividade dos sistemas agrícolas e reduzir a desigualdade de acesso aos alimentos. Assim como a soja. a expansão da fronteira agrícola parece improvável. 143 . Os preços são fixados em mercados futuros que estabelecem a quantidade e a qualidade da commodity a ser comercializada. Não causa surpresa o fato de que os primeiros cultivos transgênicos a serem comercializados correspondam a quatro das plantas industriais: a soja. produtos equivalentes independentemente do produtor. o milho. às vezes internacionalmente. o desenvolvimento tecnológico é indispensável. não haverá solução para o problema da fome. porque irá aumentar o número de pessoas que em vez de produzir alimentos deverá comprá-los.). BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 12: Biotecnologia e biodiversidade Segundo a Food and Agriculture Organization (FAO). comida de bebês. colas de madeira. A produção comercial de orquídeas. As principais linhas de pesquisa atuais visam o desenvolvimento de fragrâncias e a transferência a várias espécies ornamentais de genes que prolonguem a conservação das flores nos vasos.) de cor malva (Moondust) ou violeta (Moonshadow). As florestas também são uma fonte de matéria-prima para a indústria de papel e celulose. O mapeamento de genomas (Pinus.A.. e a exploração de madeiras representa um mercado global de mais de US $ 400 bilhões. gladíolos. As biotecnologias facilitam o reflorestamento através da micropropagação e do plantio clonal de árvores mais produtivas e de crescimento rápido. sementes e bulbos) tende a se concentrar em grandes empresas internacionais. inclusive dentro da União Europeia. Picea. de onde são distribuídas internacionalmente.) em diferentes modalidades (flores de corte. gérberas etc. no qual se utilizam corriqueiramente as técnicas de cultivo de tecidos (micropropagação e embriogênese somática).) e plantas tropicais (helicônias. Eucalyptus. Técnicas de engenharia genética visam reduzir a lignina em 45-50% de maneira de modo a diminuir a necessidade de tratamentos altamente poluentes no processamento da polpa. por exemplo. A Argentina exporta rosas. orquídeas. Na China. espécies nas quais faltam os pigmentos responsáveis pela coloração azul (antocianinas). o Brasil exporta flores e plantas tradicionais (crisântemos.Maria Antonia Malajovich A exploração das florestas As florestas naturais têm um valor intrínseco importantíssimo na conservação da biodiversidade. cravos. por Flores Colombianas S. assim como da produção hortifrutícola. por enquanto 300-500 hectares têm sido plantados com Populus resistente a insetos (portador de um transgene codificador da toxina do Bacillus thuringiensis). Na Colômbia os cravos azuis são cultivados desde 2000. No entanto. depende hoje das técnicas de cultura in vitro. Boa parte do desenvolvimento das plantas ocorre em condições de laboratório bem controladas. no qual a produção de material de propagação (mudas. bromélias. Também exporta bulbos de tulipa e uma variedade de rosa preta sem espinhos. que permitem ao sistema produtivo a obtenção de mudas sadias e de variedades novas. Estas plantas são comercializadas em diversos países. A maior parte (75%) do mercado mundial de flores corresponde a cravos. em genes que controlam a variação fenotípica. O Instituto Nacional de Tecnologia (INTA) e a Japan International Cooperation Agency (JICA) participam de um programa de cooperação para o desenvolvimento da floricultura. Com a transferência de um gene de petúnia ao cravo. rosas. Populus. tais como os cravos (Dianthus caryophyllus L. Quercus e Acácia. Vários países já realizaram experiências de transformação genética em árvores. para exportação. a maioria dos estudos sobre essências está sendo realizada em relação aos gêneros Pinus. De um modo geral. plantas verdes e plantas para paisagismo). A floricultura Outro setor importante do ponto de vista comercial é a floricultura. uma empresa australiana (Florigene) e uma japonesa (Suntori) conseguiram colocar no mercado flores inovadoras. 144 . Eucalyptus) e a utilização de marcadores genéticos permitem selecionar alelos. que abrange o cultivo de plantas ornamentais e de flores. As duas tecnologias se aplicam também para a obtenção de árvores que possam crescer em solos áridos (salinidade. acidez). antúrios etc. flores em vaso. a haploidização e a fusão de protoplastos. aprovou-se o cultivo de rosas e crisântemos azuis. rosas. uma filial da empresa holandesa Floriyin. a tecnologia será fundamental para o reflorestamento. Em um mercado em expansão. cravos e palmas a cidades como Miami e Milão. crisântemos e gérberas. a lenha ainda é utilizada como combustível. Em 2009. Em alguns casos. das quais provavelmente não restam hoje mais de cinquenta. especialmente as florestas. Muitas delas representam ainda o único recurso possível para 80% da população rural. É o caso bem conhecido do ácido acetilsalicílico da fórmula da aspirina. enquanto as restantes ficam no terreno. é preciso recorrer aos genes das variedades silvestres. muitas delas silvestres.000 produtos testados. Os dados são estarrecedores: 11 milhões de Ha/ano de florestas destruídas. há identificadas cerca de 20. A BIODIVERSIDADE AMEAÇADA A EROSÃO GENÉTICA A perda de biodiversidade acarreta a perda de variação genética (erosão genética). porque as melhores plantas são as primeiras a serem colhidas. que não tem acesso aos medicamentos comercializados.000 plantas vasculares. A EXPANSÃO DO AGRONEGÓCIO Por enquanto. a vincristina e a vinblastina (medicamentos anticancerosos). uniformizados em função das práticas agrícolas modernas. Entre os fitoquímicos bem-sucedidos estão: a diosinina (produção de anticoncepcionais). A procura por novos medicamentos começa pela coleta das plantas e a extração de substâncias químicas que se submetem a testes de atividade biológica. A metade das drogas medicamentosas consumidas atualmente é extraída de plantas silvestres (não cultivadas). as variedades transgênicas diminuiriam a pressão sobre as áreas não cultivadas. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 12: Biotecnologia e biodiversidade AS PLANTAS MEDICINAIS Até o momento. a expansão do agronegócio afetaria os espaços dedicados a outras culturas. desde a Antiguidade. para o melhoramento genético de uma linhagem cultivada. como analgésico e antitérmico. se administra em chás e poções. a diminuição do número de espécies existentes e a perda de variabilidade genética são danos irreparáveis. No início do século XX existiam.000 variedades nativas de arroz. para avaliar sua gravidade basta considerar que. No segundo. principalmente tolerância a herbicidas e resistência a insetos. cujo efeito é comparável ao do ácido salicílico extraído da casca do salgueiro que. um número restrito de cultivos. avanço da desertificação em 27 milhões de Ha/ano. Vários cenários são possíveis. o princípio ativo das plantas tem sido identificado e sintetizado quimicamente. Também é preocupante o futuro das plantas medicinais. com diferentes consequências para os ecossistemas e sua biodiversidade. ao aumentar a produção agrícola. mais de 30. a morfina (anestésico) e o curare (relaxante em cirurgias). embora só chegue ao mercado um em cada 10. na Índia. pastagens e florestas. desaparição de 30 a 300 espécies por dia. que representam 0. Encontrar um princípio ativo pode significar altos lucros. 145 . A globalização dos cultivos de plantas geneticamente modificadas traz alguns questionamentos relativos ao seu impacto sobre a biodiversidade. A ameaça da erosão genética aparece claramente em relação às plantas alimentícias. No primeiro.000 espécies de plantas medicinais. Esses medicamentos derivam de 250 espécies de plantas.1% das 250. as plantas geneticamente modificadas se limitam a um número reduzido de espécies e poucos traços. Este tipo de seleção negativa contribui para a erosão genética das espécies. produzindo as sementes que darão origem às próximas gerações. A destruição dos ecossistemas. animal e planta se encontram magistralmente representadas pelo pintor flamengo Hieronymus Bosch (El jardín de las delicias. algodão. cânfora etc. amaranto. entre as quais alguns ativistas de movimentos contrários ao uso dessa tecnologia. amendoim. batata-doce. cânhamo. açafrão. baunilha. REGIÃO CULTIVOS América Central e do Norte Milho. arroz. algodão. melão. aveia. mate. cevada. tabaco etc. abacate. China Soja. como o de bebidas gasosas.4. herdadas geneticamente. América do Sul Amaranto. fruta-de-conde. cebola. A expansão de um pequeno número de espécies em monocultura representa sem dúvida uma perda da biodiversidade existente no ambiente natural. berinjela etc. e que na Idade Média simbolizava o mal. A TRANSGÊNESE A relação entre a transgênese e a natureza das espécies é perturbadora para algumas pessoas. rabanete. repolho. Mas não da transgênese em si.Maria Antonia Malajovich A materialização de um ou outro. fruta-pão. arroz. se entre 1998 e 2003 foram registradas no Serviço de Proteção de Cultivares do Brasil cerca de 400 cultivares de soja (Glycine max (L. pimenta. coca. morango. abóbora. TABELA 12. dependerá das pressões socioeconômicas e das políticas públicas relativas à produção de alimentos. abacate. manga. lichia. mandioca. sisal. sorgo etc. pêssego. plátano. caju. feijão. 1510). Existe o temor que a transferência de genes modifique o padrão das espécies. tangerina. inhame. quebrando a ordem estabelecida na Criação e estabelecendo algo como o caos genético. algodão. papoula. ginseng. ervilha. colza. fisiológicas. borracha etc. o de eletrônica ou o de informática. Os centros de diversificação e os cultivos originários. noz-moscada. Estas variedades ou cultivares distinguem-se entre si por suas características morfológicas. centeio. O mercado de sementes difere de outros mercados globalizados. Por exemplo. 146 . chá. amendoim. batata. cabe destacar que a comercialização de um único tipo de semente não significa necessariamente a total uniformização do material genético. lupino. feijão. lentilha. laranja. figo. havendo já no país uma oferta de mais de 40 variedades de soja tolerante a herbicida. alho. trigo. assim como a de qualquer outro cenário intermediário. morango. Entretanto. gengibre. pimentão. vinha. porque os cenários seriam os mesmos se em vez de plantas geneticamente modificadas dispuséssemos de plantas melhoradas por métodos tradicionais. melão. papaia. azeitona. cenoura. noz pecã. amêndoa. coco. exportações e proteção do meio ambiente. um misto de leão. papaia. pepino. cacau. África (Etiópia) Café. tomate. que geram produtos standard. Ásia menor Alfafa. cabra e dragão que vomitava fogo. Figuras mistas de homem. girassol. melancia. beterraba. abóbora. mandioca.) Merrill). esse medo se encontra na quimera. Na mitologia. Índia e Sudeste Asiático Limão. criando-se variedades adaptadas a contextos específicos. grão-de-bico. alcaçuz etc. Nenhuma semente está presente ou é comercializada em todo o globo. bioquímicas ou moleculares. goiaba. a estratégia é a mesma em relação às plantas transgênicas. cana-de-açúcar. abacaxi. banana. pera. maçã. porque as migrações humanas permitiram a aparição de centros de diversidade secundária.000 variedades de batata na Cordilheira dos Andes. coletando sementes. O que preocupa não é tanto a aparição e desaparição das espécies. consequentemente. obtido em laboratório em fins do mesmo século. para a conservação da biodiversidade. Vavilov percorreu 64 países. Essas áreas geográficas corresponderiam aos centros de diversificação. ocorrido no século XIX em um Jardim Botânico da França. resultante de um cruzamento acidental entre duas variedades que não coexistem na natureza: a norte-americana Fragaria virginiana e a sul- americana Fragaria chiloense. ou de origem. este cereal teve suas propriedades agronômicas desenvolvidas recentemente. onde foi encarcerado por se opor a uma interpretação ideológica da hereditariedade e defender o conceito mendeliano da herança. tubérculos etc. mostraria que esse é seu centro de diversificação. Na antiga União de Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) a genética foi considerada uma teoria reacionária e burguesa. o criacionismo ignora os inúmeros estudos sobre a evolução dos seres vivos e. as descobertas sobre os genomas. A CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE Uma das consequências do processo evolutivo é a extinção de espécies. A teoria de Vavilov foi extremamente fecunda para os estudos evolutivos das plantas cultivadas e. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 12: Biotecnologia e biodiversidade Por ser de cunho religioso e essencialmente subjetivo. sendo utilizado hoje na composição de pães e biscoitos e de rações animais. Admite-se hoje que a diversidade das plantas cultivadas e silvestres é bem maior em alguns pontos geográficos. cada uma delas identificada com um nome pela população local. como evidenciado pelo número de espécies vivas. Por outro lado.4). que não chega a 1% das que alguma vez povoaram a Terra. também é vendido em algumas lojas de produtos naturais. o geógrafo e geneticista russo Nikolai I. Um exemplo é o morango. Nessas viagens. Outro exemplo é o tritical. Tratado inicialmente como uma curiosidade científica. esta visão não corresponde ao nosso conhecimento atual sobre as espécies. grãos. em mais de 100 expedições. como a velocidade a que isso está acontecendo. entre 1929 e 1964. teria se originado a agricultura (Tabela 12. as espécies foram selecionadas em função das práticas agrícolas e da pressão ambiental. Sem fundamentação científica. ele observou que em alguns lugares o número de variedades cultivadas e distintas é muito maior que em outros. presumivelmente. falecendo em 1943 na prisão de Saratov. tornando-se tolerantes as condições ambientais e resistentes às doenças locais. porque configura uma extinção em massa. das plantas cultivadas. também. 147 . Nem sempre os centros de diversidade coincidem com os centros de origem. A PROTEÇÃO DA BIODIVERSIDADE OS CENTROS DE DIVERSIFICAÇÃO No início do século XX. Vavilov não chegou a completar sua obra. A partir de observações análogas. que são unidades morfológicas e reprodutivas essencialmente dinâmicas. causada pelo homem. não deve se esquecer que muitas das plantas consideradas naturais são um invento recente do homem. Vavilov localizou seis a oito centros geográficos onde. a existência de mais de 1. e que alguns biomas foram mais propícios que outros para o nascimento de práticas agrícolas. mostrando que as espécies compartilham um número grande de genes. Assim. um híbrido de trigo e centeio. Nestes. Na Costa Rica. Uma nova tendência é o retorno da vida selvagem mediante a reintrodução de animais como o urso. há de se contemplar as necessidades da população local criando reservas de desenvolvimento sustentável (Mamirauá. Conservar a biodiversidade e os recursos genéticos significa muito mais que salvá-los da extinção.Maria Antonia Malajovich Consideremos por exemplo o caso da Mata Atlântica brasileira. o auroque é substituído pelo auroque de Heck. criado em 1920 por cruzamentos entre as mais antigas raças de bovinos europeus. uma lei de 1996 compensa aqueles que conservem ou aumentem a área de floresta dentro de suas propriedades. nos Pirineus. em todas as variedades cultivadas atualmente tem-se incorporado genes provenientes de variedades selvagens ou dos estoques genéticos conservados por povos que praticam uma agricultura tradicional. Graças aos trigos selvagens. nas florestas europeias. De um modo geral. seria impossível sem a contribuição de genes silvestres de América Latina. México). A produção comercial do tomate. Negociada sob os auspícios do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP). Além de manter a dinâmica evolutiva das espécies. os animais extintos são substituídos por outros que lhes sejam aparentados. O pônei Konik da Polônia ocupa o lugar do tarpan. cuja biodiversidade é maior ainda que a da Amazônia. Extinto em 1627. Como a viabilidade das sementes decai com o tempo. plantas inteiras etc. Brasil. Estas podem ser conservadas no frio durante longos períodos de tempo (a 50C durante 20 a 30 anos. Slan K’an. por exemplo. 148 . enfrenta hoje grandes dificuldades econômicas. dispomos de variedades resistentes aos fungos. que sobreviveu à Segunda Guerra Mundial. à seca. Um projeto análogo procura recriar as estepes da tundra anteriores à última era glacial (parque pleistocênico. a Convenção sobre a Diversidade Biológica entrou em vigor em 1993. A conservação in situ A biodiversidade pode ser conservada in situ mediante a proteção ambiental de uma região determinada (unidades de conservação ambiental). ou o lobo. periodicamente devem ser germinadas. Mas. A conservação ex situ e os bancos de germoplasma A estratégia envolve a coleta de amostras representativas de uma população e sua manutenção em bancos de germoplasma e/ou jardins botânicos. a conservação dos recursos fitogenéticos pode ser insuficiente. um cavalo selvagem extinto. a criopreservação tem a vantagem de conservar o material em um espaço reduzido e com cuidados intensivos. Rússia). Em Oostvaarderplassen (Países Baixos). trata-se de conservar suficiente diversidade dentro de cada espécie de forma a garantir que seu potencial genético seja usado no futuro. desenvolvendo novas plantas e podendo colher sementes frescas. na forma de sementes. Rússia). A resistência a quatro doenças do arroz que é cultivado atualmente se deve a uma variedade encontrada na Índia central. ao calor ou ao frio. de -180C a -200C durante um século). devido às limitações do tamanho das amostras. Promove a cooperação internacional para a conservação da diversidade biológica. Os custos são muito altos e inclusive a coleção da Estação Experimental Vavilov (São Petersburgo. Além de facilitar o acesso à informação dos melhoristas. o uso sustentável dos recursos biológicos e a distribuição justa e equitativa dos benefícios resultantes do uso dos recursos genéticos. Projetos mais arrojados contemplam a criação de comunidades de grandes mamíferos. A conservação ex situ se aplica especialmente às plantas cultivadas que se reproduzem por sementes. estacas. A devastação é tal que só restam pedaços da floresta original e sua conservação depende da manutenção de corredores entre os diversos fragmentos. Os principais se encontram nos Estados Unidos. Iraque) que afetam não só a população local como comprometem o seu futuro ao devastar a Ásia Menor. O CGIAR E O CENTRO INTERNACIONAL DA BATATA Uma das organizações dedicadas à conservação da biodiversidade e ao desenvolvimento agrícola dos países em desenvolvimento é a Future Harvest.000 pessoas e a migração forçada de dois milhões de pessoas. Durante esse período. a 1. uma região de grande biodiversidade e riqueza genética. cítricos. transformou-se em um dos poucos alimentos consumidos pela população mais pobre. borracha e 70% das árvores das florestas tropicais). em 1994. a batata é o quarto cultivo mais importante do mundo. com uma produção anual de 300 milhões de toneladas. a batata-doce (Ipomoea batatas) e nove tubérculos ou raízes andinas (Oca.400 bancos de genes e de germoplasma com mais de 6. por serem relativamente ricos em energia e nutrientes. o Centro Internacional de la Papa (CIP) no Peru e o Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT) na Colômbia. um país em que 90% das pessoas dependiam da agricultura e onde eram conhecidas 600 variedades de feijão. tubérculos como a batata. dendê. resulta preocupante a recente multiplicação dos conflitos bélicos (Afeganistão. fundações privadas e organizações internacionais e regionais que integram o Consultative Group on International Agricultural Research (CGIAR). a população depende de batata e de outros tubérculos (batata-doce) para sua alimentação. Devido à localização geográfica dos centros de origem e de diversificação. Maca. 149 . Em muitos países. a morte de 800. na Alemanha e no Brasil (Embrapa). Em Ruanda. abrem-se novas perspectivas na conservação dos recursos genéticos.5 milhões de amostras. apoiado pela Food and Agriculture Organization (FAO). cacau. Com o mapeamento do genoma das plantas básicas para a produção agrícola e a disponibilidade dos dados no domínio público. Quando em meados do século XIX o fungo Phytophtora infestans infectou as batatas. Os centros do CGIAR na América Latina são: o Centro Internacional para el Mejoramiento del Maíz y el Trigo (CIMMYT) no México. que causou a morte de um milhão de pessoas e a emigração de boa parte da população. Mauka). Hoje. foi criado recentemente o banco de sementes de Svalbard com capacidade para armazenar 4. como a mandioca. No século XVI chegou à Europa onde. Existem hoje mais de 1. desencadeou-se na Irlanda um terrível período de fome. Mashua. além das variedades cultivadas tradicionalmente pela população andina. O banco de germoplasma de batata inclui amostras de uma centena de espécies selvagens coletadas em 8 países de América Latina. Achira.000 de amostras. cada uma delas com 500 sementes. A batata é originária da região andina. Ulluco. Arracacha. uma iniciativa com 16 centros localizados em diversos lugares. banana. porém mantendo uma estrutura descentralizada que favorece a difusão das informações. o conflito bélico entre etnias rivais causou. cana-de-açúcar). Na Noruega. depois de vencer a resistência da população. O Centro Internacional da Papa (CIP) preserva a batata (Solanum tuberosum).000 km do Polo Norte. Ahipa. desastres naturais e guerras. na China. A criopreservação preserva os tecidos por tempo indeterminado. em bancos de germoplasma. Yacon.000. As técnicas de análise de DNA têm sido incorporadas tanto nos estudos de diversidade genética como no controle da duplicação de amostras. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 12: Biotecnologia e biodiversidade Muitas plantas não resistem à dessecação (coco. mas podem ser conservadas graças às técnicas de cultura de tecidos que também permitem a conservação de plantas de multiplicação vegetativa (raízes. as sementes essenciais para a reconstrução do país. Os centros são mantidos pelos governos de 165 países. um lugar considerado a salvo de mudanças climáticas. café. organizações internacionais conservaram. Os bancos de germoplasma podem ajudar a restaurar uma agricultura devastada por conflitos bélicos. tubérculos ou vitroplantas. papel produzido a partir de árvores transgênicas) nem os transgênicos produtores de fármacos. o Protocolo de Cartagena de Biossegurança suplementa a Convenção sobre a Diversidade Biológica. os países membros determinaram que a expressão pode conter OGMs identifique toda carga proveniente de lavouras transgênicas destinada à alimentação. O PROTOCOLO DE CARTAGENA DE BIOSSEGURANÇA Vigorando desde setembro de 2003. distribuindo as variedades tradicionais e melhoradas sob a forma de sementes. 150 . por exemplo. Os governos membros se propõem a promover o fluxo de informações e a transferência de tecnologia. da resistência a doenças e a condições climáticas adversas como a seca e a geada. levando em consideração os riscos para a saúde humana. elaboração de chips ou hojuelas a partir de rodelas com um visual variado. ração ou processamento. conhecimentos e recursos. e a regulá-la eficientemente. O centro utiliza a biotecnologia para criar formas adaptadas às condições locais e para acelerar a produção. Frente à apreensão suscitada pelo trânsito e movimento dos organismos transgênicos através de fronteiras. O Protocolo não cobre os produtos derivados dos transgênicos (como. mediante o treinamento científico e técnico correspondente. a fim de ajudar os países em desenvolvimento a utilizar a biotecnologia com segurança. O acordo contempla o risco potencial decorrente do transporte e do manuseio de todos os organismos vivos modificados (OVMs) que possam ter um efeito adverso na conservação e no uso sustentável da diversidade.Maria Antonia Malajovich Entre os objetivos do CIP se encontra o melhoramento da qualidade nutricional. Atualmente também estimula as utilizações comerciais das variedades autóctones: distribuição em pacotes (t’ikapapa). Mediante o Protocolo de Cartagena se estabelece a cooperação internacional. que são regulados por outras organizações. A partir de 1920. Com o redescobrimento das leis de Mendel e a teoria cromossômica da herança. Com a invenção da máquina a vapor e as primeiras utilizações da eletricidade. No início do século XX.org/courses/essential/life/session5/closer1. promoveu a rotação entre os cultivos de gramíneas. cólera das aves. Esta propriedade. permite a produção de plantas mais produtivas e suficientemente homogêneas. No século XVIII. pode-se afirmar que as plantas atuais guardam muito pouca semelhança com suas ancestrais selvagens (Figura 13. Originadas por cruzamentos seletivos. A primeira deste tipo foi a Hi-Bred Corn Company. iniciou-se a mecanização do campo. A substituição da tração animal pela maquinaria agrícola diminuiu a necessidade de produzir rações. as práticas agrícolas se tornaram mais eficientes. Embora as práticas agrícolas e as plantas cultivadas tenham-se desenvolvido em um período curto da história evolutiva dos vegetais. uma erva que ainda existe na natureza. procediam aos cruzamentos correspondentes e vendiam as sementes híbridas ao agricultor. FIGURA 13.13. doenças do bicho-da-seda etc. O milho.bio. liberando para outros cultivos a superfície anteriormente dedicada à produção de feno e aveia.html Na Europa. o uso de ferramentas rudimentares prevaleceu até a Idade Média. O cruzamento acidental com o teosinto. A incidência do progresso científico e tecnológico caracteriza a agricultura do século XIX. teria dado origem ao milho moderno. Diversas variedades de milho persistem até hoje no continente http://www.1. denominada heterose ou vigor híbrido. além de envolver a utilização de esterco como fertilizante. iniciou-se uma nova era no melhoramento de vegetais e animais. O milho de 5. que passou por várias modificações até se estender pela América pré-colombiana.2). O cruzamento entre duas linhagens puras de milho origina um híbrido semelhante às linhagens parentais. leguminosas e plantas forrageiras.000 anos atrás era bem menor do que o que conhecemos atualmente.learner. Estas selecionavam as linhagens parentais de milho.000 a 7.bteduc. a integração das atividades agrícolas e a criação de animais originou uma “nova agricultura” que. as novas variedades e raças foram comercializadas internacionalmente a partir de 1850. em função de várias inovações. o que facilita a colheita mecânica (Figura 13. transformada mais tarde em Pioneer Hi-Bred. surgiram as primeiras empresas comerciais a explorar a heterose do milho (Estados Unidos. Datam deste período o aproveitamento da força de tração animal.1).). BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA A EVOLUÇÃO DAS PRÁTICAS AGRÍCOLAS A agricultura visa a cultura do solo para a produção de plantas ou a criação animais úteis ao homem. a invenção dos moinhos. a prática de descanso dos solos e a construção de sistemas de irrigação. o uso do trator se espalhou rapidamente. destacando-se a preocupação com os requerimentos nutricionais das plantas e com as doenças que afetavam os cultivos e as criações (antraz das ovelhas. quando. Canadá).br) . mas com qualidades superiores. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. Maria Antonia Malajovich FIGURA 13. 152 . Em função do custo de fertilizantes e agrotóxicos e de sua aplicação em quantidades excessivas. Graças ao desenvolvimento e ao cultivo de variedades melhoradas geneticamente houve uma duplicação da produtividade dos cereais. a revolução verde trouxe também problemas ambientais. e híbridos duplos a partir de quatro linhagens. sociais e de saúde. Em 1970. o agricultor passou a comprar anualmente as sementes.2. Existem híbridos múltiplos construídos a partir de pelo menos cinco linhagens. Em 1960. mecanização. com raras exceções. A década de 1960 está marcada pela “revolução verde”. O trabalho de Borlaug. devido à necessidade de grandes investimentos de capital para a mecanização e a aplicação de produtos químicos. aplicação de fertilizantes e pesticidas). o milho híbrido era cultivado. resistente a doenças causadas por fungos. o engenheiro agrônomo Norman Borlaug recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo desenvolvimento de uma variedade de trigo de alto rendimento. em todas as plantações dos Estados Unidos e do Canadá. que salvou da fome mais de 1 bilhão de pessoas. A produção de milho híbrido. A hibridização permite obter híbridos simples a partir de duas linhagens. mas daqueles que produziam as sementes. Contudo. que permitiu aumentar a quantidade de alimentos. mas eram necessárias práticas agrícolas complexas (irrigação. O melhoramento das plantas já não dependia daqueles diretamente envolvidos em seu cultivo. em muitos países os pequenos agricultores não chegaram a usufruir a “revolução verde”. representa uma contribuição fundamental para a paz mundial. Como a perda do efeito da heterose diminui a produtividade da descendência das plantas híbridas. Índia. como a identificação de 40 genes de resistência a patógenos no tomate. dos quais cinco respondem por 43% da superfície cultivada mundialmente (Brasil. com tolerância a herbicidas e/ou resistência a insetos. o milho. Comercializadas a partir de 1996. diferente de ambas as linhagens parentais (alopoliploidia). a aveia. o café etc. seguida de uma duplicação cromossômica. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo13: Biotecnologia e agricultura Com a crise do petróleo da década de 1980. quando finalizado. as principais plantas transgênicas cultivadas atualmente são a soja. A hibridização do trigo e do centeio. Como a variação intraespecífica é limitada. que foram reunidos em um genótipo único. tiveram que ser retiradas do mercado devido ao alto conteúdo de alcaloides. Hoje. desejáveis ou não. duplicações dos lotes cromossômicos originais (autopoliploidia) ocorreram em várias das espécies que são cultivadas atualmente. Essa tecnologia permite identificar mutantes recessivos e obter rapidamente variedades diferentes por hibridização ou duplicação cromossômica. a nova tecnologia facilita a obtenção de plantas mais produtivas ou com propriedades novas. A inversão extraordinária de recursos do setor privado em pesquisa e desenvolvimento permite a introdução das novas técnicas de engenharia genética na agricultura. obtidas por este método. trata-se de genes pertencentes à mesma espécie. o tabaco. O mutante obtido é cruzado por várias gerações com um dos tipos parentais (retrocruzamentos). A multiplicação dos lotes cromossômicos pode ocorrer em híbridos interespecíficos. o setor de sementes agrícolas é invadido pelas grandes empresas transnacionais. A descoberta da colchicina (1935). 1960. Duas variedades comerciais de batata (Lenape. seja por não disjunção dos cromossomos ou por uma falha da citocinese durante a divisão celular. Este mecanismo deu origem a plantas como o trigo. o algodão. Esse processo demora de cinco a 15 anos e. o método clássico envolve a indução aleatória de mutações por agentes físicos ou químicos. Traspassando as barreiras interespecíficas. 1990). A área semeada com estes cultivos se estende por 25 países. originou o triticale. Contudo. restaurando a fertilidade e gerando uma nova espécie. Outra forma de alteração do número de cromossomos é a cultura de anteras. uma substância que interfere com a formação dos fusos mitóticos. uma planta que reúne a qualidade do grão do primeiro e a rusticidade do segundo. Magnum bonum. O progresso alcançado na indução de mutações (TILLING. em ambos os casos. a canola e o algodão. 153 . A OBTENÇÃO DE NOVAS VARIEDADES MUTAÇÃO GÊNICA E SELEÇÃO O melhoramento está baseado na reprodução seletiva entre indivíduos pertencentes a uma mesma espécie. característico das plantas selvagens. a colza. pouco férteis ou estéreis. ALTERAÇÃO DO NÚMERO DE CROMOSSOMOS A multiplicação do número de cromossomos (poliploidia) é um fenômeno que acontece espontaneamente nos vegetais. o gene selecionado estará acompanhado por outros. tais como a batata ou a cana-de-açúcar. Argentina. até que este incorpore as características desejadas (introgressão gênica). Ao longo do processo evolutivo. produtoras de agrotóxicos e fertilizantes. para a obtenção de plantas haploides. permitiu a criação de novas espécies poliploides. A genômica também trouxe avanços notáveis. como a batata Amflora. China e África do Sul). do inglês Targeting induced local lesions in genomes) e na seleção assistida por marcadores moleculares facilita a obtenção de novas variedades. a tecnologia está inserida na semente. se incorpora diretamente um transgene. Trata-se de uma tecnologia poderosa demais para ser negligenciada. isto é uma construção gênica que pode provir de uma espécie distante. Na segunda. sua transferência demanda a utilização da engenharia genética ou tecnologia do DNA-recombinante. os cruzamentos se tornam cada vez mais difíceis. mas que geralmente resultam pouco vantajosas do ponto de vista agronômico. FIGURA 13.3). O segundo permite selecionar as células transformadas. biolística ou uso de vetores. A construção genética é transferida às células receptoras por algum dos métodos possíveis (eletroporação. genes da mesma espécie ou de uma espécie muito próxima se introduzem aleatoriamente. como o plasmídeo Ti de Agrobacterium tumefaciens). O trabalho laboratorial é realizado com plantas cujo genótipo favoreça a transformação e a regeneração da planta transformada. a transferência dos genes pode exigir o uso de técnicas complexas. 154 . Qual a diferença entre uma planta obtida por cruzamento seletivo e outra por engenharia genética? Na primeira. O primeiro possibilita a transcrição do transgene e determina se este irá se expressar em todas as células ou somente em alguns tecidos. A construção de uma planta transgênica começa com o isolamento e caracterização do gene de interesse (transgene) e a construção de uma estrutura genética complexa. incluindo também um gene promotor e um gene marcador.Maria Antonia Malajovich ENGENHARIA GENÉTICA À medida que a distância entre as espécies aumenta. As células transformadas são recuperadas procedendo-se à regeneração das plantas mediante as técnicas de cultura in vitro (Figura 13.3. microrganismos ou animais). As etapas da construção de uma planta transgênica. como a fusão de protoplastos (hibridização somática) e o cultivo de embriões. Quando os recursos genéticos provêm de outros organismos distantes na escala evolutiva (plantas. assim como o número de cópias e o lugar em que estas se integraram no genoma. realizados em diferente escala. Levando o raciocínio ao extremo. A liberação do cultivo dependerá da autorização da legislação local. 155 . de maneira simplista. enquanto não se demonstrar a ausência de riscos. Acabada a etapa de laboratório. estes testes são semelhantes aos efetuados no processo de melhoramento tradicional. No Brasil. facilitam sua identificação na progênie e aceleram o processo seletivo. Não existe risco zero.105/2005. O PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO Poucas tecnologias suscitaram tanta polêmica como a introdução de organismos geneticamente modificados (OGMs) na agricultura. Boa parte dessa hostilidade às plantas transgênicas se apoia no princípio de precaução. Em relação aos métodos tradicionais. geralmente bastante restrita a esse respeito. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo13: Biotecnologia e agricultura Mediante técnicas bioquímicas e/ou acompanhamento de marcadores moleculares (polimorfismos na molécula de DNA. Política de desenvolvimento da Biotecnologia. Decreto 6. Note-se que a decisão de “não sair de casa” também envolve riscos. queimar-se ao acender o fogão ou receber um vírus via Internet. Além de conhecimentos e anos de trabalho. Ainda hoje. sendo o resultado de milhares de anos de seleção artificial pela mão do homem. toda ação tem riscos que devem ser analisados e gerenciados. Considera-se alcançado o sucesso quando o transgene se expressa no lugar correspondente e com um adequado nível de atividade. O objetivo é o mesmo. restando por verificar a estabilidade da expressão gênica e o seu valor agronômico. também. enquanto existir a mínima suspeita de risco. a utilização de técnicas de cultura in vitro e de marcadores moleculares na caracterização da progênie permitem que sejam completados bem mais rapidamente. Podemos dizer. a construção de uma planta transgênica exige o consenso das numerosas pessoas que participam no processo e a aprovação da autoridade correspondente. um princípio que pode ser entendido de diversas maneiras. uma questão que não pode ser tratada levianamente. ao sair de casa é melhor ter cuidado e prestar atenção no sinal.041/2007). nem utilizadas para o consumo humano. que “havendo a possibilidade de me acontecer alguma coisa ruim na rua. iniciam-se os testes controlados em casa de vegetação. adaptada a um contexto específico. no bandido”. esta autorização é dada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). O resultado é uma variedade ou cultivar que expressa o traço codificado pelo gene exógeno (transgene) e apresenta um potencial de produtividade parecido ao da linhagem elite. para selecionar as plantas-mãe das quais procederão várias gerações de retrocruzamentos seletivos com alguma das linhagens elite. Um cultivo biotecnológico demora anos até ser comercializado. com métodos mais apurados. Conceitualmente. visando a obtenção de uma linhagem transgênica de alto rendimento. ou que “havendo a possibilidade de me acontecer alguma coisa ruim na rua. as biotecnologias modernas permitem a transferência de genes entre espécies. parte da opinião pública considera que as plantas transgênicas não deveriam ter sido introduzidas no ambiente. melhor ficar em casa”. sendo analisado cuidadosamente em cada etapa de sua construção. A história mostra que as plantas cultivadas pouco têm a ver com as que lhes deram origem e se encontram na natureza. Dá-se início então à liberação planejada no meio ambiente. nos carros. definida pela Lei de Biossegurança como o órgão multidisciplinar responsável pelo controle dessa tecnologia no país (Lei 11. nas bicicletas que circulam na contramão e. dois aspectos que podem influir na expressão gênica. abrangendo o cultivo das plantas transgênicas em experimentos protegidos e testes de campo. repetição de sequências) constata-se a transferência gênica. tais como escorregar e levar um tombo no banheiro. até a nova variedade estar pronta para o seu cultivo comercial. Contudo. de acordo com as suas capacidades. que visam modificar suas propriedades agronômicas e/ou melhorar suas qualidades nutricionais. assim como o estabelecimento de normas.Maria Antonia Malajovich No Brasil. a precaução contempla riscos potenciais. à jardinagem ou à agricultura. o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados. originário da península ibérica. colocando a informação à disposição de todos. no nível apropriado. minimizando os riscos correspondentes. políticos ou comunicadores. Poderiam escapar dos limites do plantio e suplantar as plantas silvestres. empresários. o Princípio 10 da mesma declaração nos diz que: “A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação. no nível apropriado. florescimento e produção contínua de sementes etc. de todos os cidadãos interessados. o princípio de precaução também é visto por outros como um obstáculo ao progresso e uma tentativa de protecionismo. tornando-se invasoras? Existe o precedente de plantas ornamentais se transformarem em pragas quando introduzidas. aos lobbies e à pressão dos grupos políticos. mesmo tendo que abrir as portas ao marketing. crescimento indeterminado. Considerado por alguns grupos de opinião como um dos alicerces do desenvolvimento sustentável e uma proteção contra o controle da tecnologia pelas grandes empresas. o kudzu. Vários pontos merecem ser destacados: admite-se a incerteza e a falta de unanimidade entre os expertos. procedente do Japão. administradores. industriais ou ambientais. e o rododendro. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis. A formalização do princípio mediante uma estrutura jurídica. AS PLANTAS BIOTECNOLÓGICAS ATUAIS As plantas biotecnológicas apresentam traços. Por outro lado. afirma-se o direito de todos à informação e pede-se a participação. ambientalistas ou não. 156 . o cultivo de plantas transgênicas é regido pela lei de Biossegurança que estabelece a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente. como a lei de biossegurança. para que o cenário se repetisse seriam necessárias várias características hereditárias. cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham autoridades públicas. O Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (1992) diz o seguinte: “De modo a proteger o meio ambiente. Diferente da prevenção. que são sistematicamente eliminadas como fatores indesejáveis nas plantas cultivadas (dormência da semente. Mesmo havendo incertezas ou falta de unanimidade entre os expertos. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública. regras e procedimentos claros é a melhor maneira de gerenciar o desenvolvimento tecnológico. bem como a oportunidade de participar em processos de tomada de decisões. inadvertidamente. inclusive no que diz respeito à compensação e reparação de danos”. inseridos como transgenes. Terá que ser democraticamente assumida por um grupo heterogêneo que represente os interesses da sociedade. que trata de riscos conhecidos. A responsabilidade pela tomada de decisões não será exclusivamente de um grupo de indivíduos. Além da degradação ambiental devida ao desmatamento. a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. em um ambiente novo: a lantana prolifera descontroladamente na Austrália. de todos os cidadãos interessados. se espalha no sul dos Estados Unidos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos. se multiplica na Inglaterra. o princípio de precaução demanda ações concretas para a proteção do meio ambiente. No nível nacional. plasticidade fenotípica. sejam estes cientistas. inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades.). a tolerância à seca e à salinidade etc. um sistema no qual as sementes e os fertilizantes são depositados em sulcos. os cultivos biotecnológicos favorecem a conservação dos recursos ambientais. Ao diminuir a aplicação dos agroquímicos tradicionais. a canola. um empreendimento da Embrapa e da Basf que será comercializado a partir de 2011. O herbicida não seletivo mais utilizado é o glifosato. Em vários países. Existem outras substâncias. que se aplicam também a insetos. Sem o herbicida. do grupo das imidazolinonas. MODIFICAÇÃO DAS PROPRIEDADES AGRONÔMICAS Os principais cultivos comercializados atualmente são a soja. também. Ignite® etc. um herbicida presente em outro grupo de produtos (Basta®. que está presente em vários produtos comerciais. da patente do Roundup® e o aparecimento no mercado de outras variações do produto. porque se trata de plantas de uso industrial que podem ser exportadas. uma prática que demanda o revolvimento prévio do solo. Accord® etc. de milho. acelerando a erosão. O agricultor pode eliminá-las aplicando herbicida antes do plantio.). a resistência a insetos. Buccaneer®. sem preparação do solo. bastará semeá-la e aplicar o herbicida depois da germinação. A aprovação de plantas transgênicas é considerada caso a caso. Com o vencimento. de algodão e de canola tolerantes a herbicida. o conteúdo e a qualidade do óleo. com o nome Liberty Link. cumpridas em 130 países. Esta característica é compatível com a adoção do plantio direto na palha e outros restos vegetais. Considerado pouco tóxico em caso de exposição oral ou de inalação. Liberty®. Por outro lado. 157 . o glifosato é degradado rapidamente no ambiente. Rodeo®. a BayerCropScience comercializa. mais accessíveis para o agricultor. Sua ação inibitória sobre sistemas enzimáticos exclusivamente vegetais permite eliminar as ervas daninhas. cuja tolerância tem sido transferida recentemente à soja Cultivance®. o amadurecimento tardio. Contudo. a FAO (Food and Agriculture Organization) estabeleceu uma série de diretrizes. As propriedades agronômicas transformadas são a tolerância a herbicidas. anuais e perenes. Tolerância a herbicidas O crescimento das ervas daninhas no campo é prejudicial por dois motivos: competem pelos mesmos nutrientes e contaminam a colheita. o milho e o algodão. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo13: Biotecnologia e agricultura Com o objetivo de reduzir o risco futuro de introduzir um gene que transforme uma planta normal em praga. em função de uma análise de riscos. Nenhum dos cultivos biotecnológicos disponíveis no mercado se mostrou persistente ou invasor nos testes prévios a sua comercialização ou no monitoramento posterior. no ano 2000. como um herbicida ao qual elas sejam tolerantes. as vendas geminadas das sementes e o herbicida tendem a se desfazer. se uma planta for tolerante a um herbicida de amplo espectro. as plantas geneticamente modificadas não têm nenhuma vantagem sobre as plantas silvestres nem conseguem competir com estas em ambientes naturais. Sementes de plantas tolerantes ao glifosato são comercializadas com o nome de RoundupReady® (RR) pela empresa Monsanto. O aumento da produtividade dos cultivos é fundamental porque significa um aumento da produção de alimentos e. sementes tolerantes ao glufosinato. comercializam-se sementes transgênicas de soja. tais como Roundup®. gerando divisas. bactérias e fungos. ou fora de seu alcance. a resistência a vírus. Sua vantagem sobre as plantas silvestres depende da presença de um agente seletivo. Glifosato e glufosinato não são os únicos herbicidas no mercado. algodão Bollgard® e milho Yieldgard®. sendo inevitável a aparição de insetos resistentes. seja inevitável o aparecimento de plantas silvestres tolerantes. milho Agrisure®. Estima-se que. que é uma toxina produzida pelo Bacillus thuringiensis. o que caracteriza diferentes eventos e permite a comercialização com nomes diferentes. Admite-se. Agrisure®) diferem pela posição do transgene. como a trapoeraba (Commelina benghalensis) são naturalmente resistentes ao glifosato. efetivas em diferentes ordens de insetos.Maria Antonia Malajovich Contudo. evitar o uso repetido do mesmo herbicida. tornando-se ervas daninhas. a toxina age no sistema digestório matando-os em poucos dias. Uma vez transferido o gene codificador da toxina do Bacillus thuringiensis às plantas. que é o herbicida mais utilizado no mundo. Uma vez ingerida pelos insetos ou lagartas. Algumas plantas. que serão refúgios onde os insetos não entrem em contato com a toxina. Todo inseticida age como agente seletivo. Thuricida® ou Vectobac®. Denominadas plantas Bt. Em vez de tentar eliminar o inseto. em função da diminuição da contaminação por fungos dos ferimentos causados por insetos. A aparição de plantas resistentes ao glifosato. da Syngenta. Muitos agricultores. inclusive entre os orgânicos. porque plantas silvestres tolerantes a herbicida poderiam competir no terreno com as plantas cultivadas. ela não tem efeito algum. A outra segue um caminho indireto. estas são comercializadas com diferentes nomes como. da Monsanto. O produto comercial é vendido com os nomes de Dipel®. Hoje. canadiensis). diminui-se a infestação mediante uma pressão seletiva mais frouxa que mantém a sensibilidade ao inseticida em uma proporção considerável da população. há relatos sobre resistência ao glifosato no azevém (Lolium multiflorum) e na buva (Conyza bonariensis e C. acrescentar outras modalidades de controle etc. depois de 10 a 20 anos de uso intenso. Contudo. Algumas variedades (YieldGard®. sendo portanto necessário encontrar métodos alternativos de combate. estas passam a produzi-la diretamente. o controle mediante o uso de agrotóxicos tem causado problemas no ambiente e na saúde humana. mas o que ocorreria em se tratando de um gene que conferisse algum valor adaptativo. Existem diversas versões do gene Cry. protegem há mais de 40 anos suas colheitas com um inseticida biológico. semeando variedades convencionais (não Bt) em espaços predeterminados. milho) é uma prática bem estabelecida para o controle de insetos. Para o ser humano. Duas estratégias são possíveis a fim de evitar ou retardar a aparição de larvas resistentes à toxina do Bacillus thuringiensis. Uma delas visa eliminar diretamente o inseto. tal como a produção de um inseticida? 158 . por exemplo. mediante algumas ações preventivas: rotar as culturas. que a aparição de resistência em pelo menos 15 espécies poderia ter sido causada pela transferência do gene correspondente. Uma das vantagens das variedades Bt sobre as variedades convencionais está na menor quantidade de micotoxinas (aflatoxina e fumonisina) perigosas para a saúde humana. codificando toxinas muito específicas. a manutenção de refúgios nas lavouras de plantas Bt (algodão. no entanto. No Brasil. o fluxo gênico em sentido contrário é preocupante. está sendo acompanhada com atenção. O gerenciamento dos riscos envolve algumas medidas complementares que visam amortecer o impacto eventual do fluxo gênico a outros cultivos. Resistência a insetos Os insetos causam quebras de safra estimadas em 20-40% das colheitas. das plantas cultivadas às plantas silvestres. Vimos anteriormente que um gene que confere tolerância a um herbicida não é vantajoso em ausência do mesmo. o agricultor pode retardar a aparição dessa tolerância. um microrganismo do solo. mediante variedades Bt que produzam uma quantidade de toxina maior que a dose aplicada habitualmente como inseticida. Contudo. aplicar as doses adequadas em condições meteorológicas propícias. tolerância a herbicida e resistência a insetos. como o vento. que reúne oito genes para o controle de pragas acima e abaixo do solo. Aguarda-se a liberação do mamão resistente ao vírus da mancha anelar. a resistência a vírus está baseada na transferência de uma parte do genoma viral a fim de inibir sua reprodução. Em relação à vida silvestre. o milho no México. por exemplo. 159 . trata-se de uma experiência laboratorial desenvolvida em condições diferentes das de um ambiente natural. o arroz na Índia. comercializadas nos Estados Unidos. também. as plantas “piramidadas” apresentam vários eventos combinados. do que na soja ou no trigo. as variedades de papaia resistente a vírus (UH Rainbow. em que há autofecundação. na proximidade. um que ataca a raiz e outro a parte superior da planta. salvaram o Estado do Havaí de um desastre econômico. No Brasil. e a tolerância a herbicidas para o controle de plantas daninhas. da couve-flor e do melão. tais como a batata no Peru. a CTNBio autorizou recentemente o cultivo do feijão tolerante ao vírus do mosaico dourado. Os produtos hortícolas têm recebido menos atenção que os cereais e as leguminosas em função da resistência do consumidor à tecnologia e. onde existem variedades silvestres do algodão. Contudo. O mais recente lançamento é o milho Genuity SmartStaxTM (Monsanto. evitando prejuízos significativos para o agricultor que os comercializa. O tamanho dos espaços ou corredores de isolamento depende das características reprodutivas da espécie em questão e de fatores ambientais.000 pés. se estima que o risco de polinização cruzada entre os cultivos passa de 1% a zero quando a distância entre ambos aumenta de 100 a 1. para as convencionais. Novidade no mercado. também. ou resistência a dois tipos de insetos. sendo mais fácil de acontecer no milho. Resistência a vírus Assim como a vacinação. da beterraba. a CTNBio delimitou zonas de exclusão para o cultivo de algodão biotecnológico. Esta tecnologia foi utilizada para erradicar viroses da batata. A produção em excesso da proteína de revestimento viral inibe a síntese de seu material genético. A presença de espaços ou corredores de isolamento evita a disseminação de pólen transgênico não só para as variedades silvestres como. A probabilidade de ocorrer o fluxo gênico aumenta se houver. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo13: Biotecnologia e agricultura O risco de polinização cruzada depende da espécie. apesar do estardalhaço causado oportunamente pela notícia de que as borboletas monarcas seriam afetadas pelo contato com pólen de plantas de milho Bt. espécies silvestres compatíveis. Ambos foram desenvolvidos pela Embrapa. do pepino. segundo os próprios autores do estudo. Por isso devem-se extremar os cuidados em relação ao cultivo de plantas geneticamente modificadas nos lugares onde existam variedades silvestres aparentadas. do alto custo da construção de uma planta transgênica para cultivos com pequena produção. em que o pólen se dispersa levado pelo vento. DowAgroSciences). No Brasil. a soja na Coreia e na China. do tomate. Eventos combinados A inserção de um traço é considerada um evento que demanda a aprovação das autoridades correspondentes. UH SunUp). No caso do milho. tais como tolerância a dois herbicidas. uma planta oleaginosa que a modificação genética tornou comestível. Em 2005. que provavelmente chegará ao mercado em 2014. melhorando a produtividade do rebanho e diminuindo a poluição ambiental. PLANTAS COM PROPRIEDADES NOVAS Existe uma terceira leva de plantas biotecnológicas desenvolvidas especialmente para desempenhar o papel de fábricas biológicas. No entanto. os seus direitos sobre as patentes envolvidas na construção do arroz dourado. Espera-se que sejam produzidas plantas com outras alterações no teor de nutrientes: arroz contendo ferro. do inglês. a variedade Tower de Brassica napus recebeu o nome de canola (do inglês “canadian oil. A China desenvolveu e liberou recentemente o milho com fitase para integrar as rações animais. Em 1974. Este óleo de soja é utilizado como ingrediente de biscoitos (Cargill e Kellogg’s). arroz. nos países em desenvolvimento. o principal marco no desenvolvimento deste tipo de transgênicos é o arroz com vitamina A (Golden Rice).Maria Antonia Malajovich PLANTAS COM QUALIDADES NUTRICIONAIS MELHORADAS Uma segunda leva de plantas transgênicas contempla a modificação das qualidades das plantas. banana e batata. genetic use restriction technologies). a adequação ao processamento industrial dos óleos e amidos etc. As proteínas extraídas e purificadas serão utilizadas pela indústria farmacêutica. isto é. tais como sua inserção no DNA dos cloroplastos. Para evitar a contaminação acidental dos alimentos. Modificações posteriores originaram numerosas variedades que diferem na composição dos ácidos graxos. é possível que voltem a ser considerados em relação a este tipo de plantas biotecnológicas. ao diminuir o teor de ácidos graxos saturados e a quantidade de glucosinolato. Uma regulação estrita deverá controlar o cultivo. do inglês technology protection systems. Este milho permitirá a assimilação de fosfatos pelos suínos. milho. a redução de alérgenos. sendo algumas delas também tolerantes a herbicidas. que é um dos precursores da vitamina A. várias empresas cederam. Formas alternativas de evitar a disseminação do transgene no pólen estão sendo desenvolvidas. o que torna o óleo mais estável e dispensa a hidrogenação. A inserção de dois genes de narciso e um gene bacteriano em uma variedade de arroz indica deu origem a um grão amarelado contendo -caroteno. Estão em andamento os testes de campo com alfafa. por exemplo. a Monsanto anunciou ter obtido a variedade de soja Vistive® com baixo teor de ácido linolênico. o transporte e a distribuição destas plantas. Considerado um empreendimento humanitário. modificações do tempo de conservação e das características organolépticas. tabaco. tecnologias de uso genético restrito ou GURTs. produzindo fármacos. uma fonte de gordura trans. low acid”). Os sistemas que poderiam tornar as plantas estéreis despertaram uma forte reação contrária na opinião pública (sistemas de proteção tecnológicos ou TPSs. A carência de vitamina A decorrente de uma dieta baseada exclusivamente no arroz causa a cegueira irreversível e a morte de milhões de crianças na Ásia. milho enriquecido com os aminoácidos lisina e triptófano e batata com alto teor de proteínas com metionina e lisina. Entretanto. Trata-se da colza. vacinas e plásticos. essas plantas terão que ser cultivadas em confinamento e processadas separadamente das plantas comuns. o melhoramento da qualidade nutricional. 160 . das propriedades que interessam ao consumidor como. Argentina). A agricultura de subsistência cede lugar a um enorme complexo agroindustrial. o milho resistente à seca nos Estados Unidos e na África sub-sahariana.4 milhões de fazendeiros que plantaram sementes biotecnológicas são pequenos produtores rurais. como os Estados Unidos e o Canadá. Calcula-se que o número de países produtores de cultivos biotecnológicos passe de 29 em 2010 a 40 em 2015. em que a agricultura é a principal fonte de alimentos. uma organização internacional que divulga anualmente os dados correspondentes à adoção dos cultivos biotecnológicos no mundo. Com a liberação da comercialização do arroz Bt na China e do feijão resistente à vírus no Brasil. produtos químicos. devido à mecanização do campo. Os problemas de saúde causados pela contaminação ambiental com agrotóxicos diminuíram em função de uma redução de 14% na aplicação de inseticidas. O mercado global de sementes biotecnológicas alcançou US$ 11.2 bilhões e o dos principais cultivos (soja. que integra outras atividades. Paquistan. a berinjela na Índia. Nos países desenvolvidos. ao permitir que elas dedicassem mais tempo ao cuidado das crianças ou a outras atividades. nas Filipinas e na África do Sul. 161 . algodão) se aproximou de US$ 150 bilhões. em 2010 foram dez os países que semearam mais de um milhão de hectares: Estados Unidos. sementes etc. Segundo o International Service for the Aquisition of Agri-Biotech Applications (ISAAA). especialmente na China. China. Argentina. como a venda de insumos (maquinarias. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo13: Biotecnologia e agricultura O AGRONEGÓCIO A ADOÇÃO DOS CULTIVOS BIOTECNOLÓGICOS NO MUNDO As primeiras plantas transgênicas datam de 1995 (resistência a insetos) e 1996 (tolerância a herbicidas). em 2010. Encontram-se em andamento vários estudos. ano após ano. Mais de 90% dos 15. Os outros são grandes produtores de países industrializados. África do Sul e Uruguai. Canadá. Índia. e de países emergentes como Argentina e Brasil. Nos países onde a mão de obra agrícola está constituída principalmente por mulheres. Brasil.) e a transformação e distribuição de produtos. os cultivos biotecnológicos melhoraram suas condições de vida. é o milho híbrido que inicia a dependência do agricultor das empresas produtoras de sementes. a comprar novas sementes. os pequenos agricultores dependem das sementes. a proporção da população dedicada às tarefas agrícolas é bem menor. na época da colheita eles separam uma parte que será conservada para o plantio do próximo ano. sobre o grão de bico na África. um compromisso da sociedade em reduzir à metade a fome e a pobreza. na Índia. Embora sua utilização tenha suscitado polêmicas acirradas. Embora a produção de sementes como atividade lucrativa remonte ao século XIX. Os cultivos biotecnológicos possibilitaram o aumento da produção agrícola e melhoraram as condições económicas dos agricultores. As construções genéticas que conferem vigor (heterose) às plantas forçam o agricultor. em quinze anos a área semeada com cultivos biotecnológicos aumentou progressivamente até chegar a 148 milhões de hectares. milho. inicia-se uma nova etapa que contempla as principais fontes de alimento locais. O MERCADO DE SEMENTES Os gigantes gênicos Nos países do continente africano e de parte da Ásia. Paraguai. sendo que em alguns casos esa diminuição teria chegado a 50% (China. ano dos Objetivos do Milênio. Uma das razões é que o mercado de sementes tem uma margem de lucro maior. estimado em US$ 47 bilhões em 2015. as novas tecnologias inseridas no grão devem ser pagas mediante complexos sistemas de royalties às empresas detentoras das patentes correspondentes. Na linha de frente em relação às novas tecnologias. Denominadas Gigantes Gênicos (do inglês. esses cultivares poderão ser disponibilizados para os agricultores. O processo de amplificação do número de sementes. universidades) Inventores / Obtentores Empresas nacionais (Sociedades. produtores de agroquímicos e de sementes. Uma vez aprovados e registrados.4. Syngenta. DuPont e Groupe Limagrain. FIGURA 14. estritamente regulamentado. Logo depois da crise do petróleo da década de 1980. cooperativas e empresas familiares) Empresas internacionais Multiplicadores Diversa estrutura empresarial Produtores e comerciantes Diversa estrutura empresarial Agricultores 162 . As sementes biotecnológicas representam 30% do mercado mundial de sementes. No entanto. com ramificações na indústria farmacêutica. as grandes empresas transnacionais produtoras de agrotóxicos e fertilizantes químicos entraram na área agrícola. contempla várias etapas de que participam diferentes entidades do setor público ou privado (Figura 14. Gene Giants). Quem irá pagar? Quanto e quando e como pagar? A resposta tem suscitado vários conflitos entre as grandes corporações e países como Argentina e Brasil. Vários ciclos de fusões caracterizaram um processo de concentração e consolidação em que centenas de pequenas empresas foram absorvidas por enormes conglomerados.4). as principais empresas produtoras de sementes são Monsanto. Dow AgroSciences.Maria Antonia Malajovich A transgênese não inviabiliza a utilização de sementes para o ano seguinte. A cadeia produtiva da semente Cada país desenvolve variedades adaptadas a seus solos e condições climáticas. estas empresas concentram um enorme poder que desperta uma forte resistência na opinião pública. Os elos que integram a cadeia produtiva da semente. Outra é que leva menos tempo desenvolver uma planta geneticamente modificada que um produto químico novo. Estado (Institutos de pesquisa. A existência de convênios e programas de intercâmbio científico tende a elevar o nível das atividades científicas e tecnológicas. Embrapa) e com condições econômicas limitadas pelas sucessivas crises políticas. os cultivos biotecnológicos são a soja. Em ambos os países. certificação e registro. importação ou utilização na produção de alimentos ou de rações. porém sem atingir algumas variedades autorizadas anteriormente para cultivo. numerosas empresas privadas ocupam lugares de destaque em diferentes setores do mercado biotecnológico. República Tcheca. A aprovação da importação. para poder chegar até o agricultor e este iniciar o plantio. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo13: Biotecnologia e agricultura No caso da característica transgênica. Na União Europeia. de um milho transgênico enlatado para o consumo humano (milho Bt resistente a insectos da empresa Syngenta) representa um segundo passo. A cadeia produtiva da semente envolve inventores e obtentores. antes de ser transferida para os cultivares locais e passar por todo o processo de multiplicação. Polônia. de maneira a minimizar a contaminação dos campos de cultivos orgânicos e convencionais. Honduras e Costa Rica). esta precisa da aprovação das instâncias legais competentes. multiplicadores. 163 . A resistência aos cultivos transgênicos é inexistente ou muito baixa. em 2004. com o estabelecimento de normas de rotulagem e de rastreamento de traços transgênicos e com a implantação de diretrizes para o cultivo de plantas transgênicas. Uma moratória suspendeu em 1999 o cultivo de novas variedades transgênicas assim como a comercialização de seus produtos. O primeiro passo para o levantamento da moratória foi dado em 2003. Na realidade. Mas abriu uma brecha para novos pedidos de autorização de produtos alimentícios e de milho e colza resistentes a herbicidas. a resistência aos cultivos transgênicos é muito alta. Argentina e Brasil contam com uma comunidade acadêmica com um alto nível científico e tecnológico ativo nas universidades e nos centros de pesquisa. com empresas de tradição histórica na difusão da tecnologia agropecuária (Inta. Eslovaquia e Rumanía) produziram milho biotecnológico e outros três (Alemanha. esse milho já estava autorizado para entrar sob a forma de óleo ou de outros derivados. Uruguai. A UNIÃO EUROPEIA E A MORATÓRIA Nos Estados Unidos. Suécia e República Tcheca) cultivaram a batata Amflora. Ao longo dos primeiros quinze anos de implantação das novas tecnologias agrícolas. Colômbia. Portugal. o milho e o algodão. em vários países (Argentina. Argentina. sendo plenamente adotados desde 1996. EPA (Environmental Protection Agency) e FDA (Food and Drug Administration). que garantem ao comprador sementes dentro dos padrões. três agências controlam e regulamentam o uso das novas tecnologias genéticas: USDA (United States Department of Agriculture). Bolivia. OS PAÍSES DE AMÉRICA LATINA Em América Latina (Brasil. México) o setor público começou a generar suas própias variedades. respondendo à demanda local. Brasil. Chile. cada país seguiu sua própria trajetória até estabelecer as normas legais que garantem o progresso em condições seguras. Paraguai. Em 2010. A qualidade das sementes é estabelecida pela legislação e pelas agências de certificação de sementes. produtores e comerciantes de sementes e agricultores. Se bem o desenvolvimento das sementes depende geralmente do setor privado. seis países da União Europeia (Espanha. autopolinização ou polinização cruzada. baseado em normas de coexistência. industrial ou de precisão). incluindo a rotação de culturas. A contaminação de um cultivo convencional por um cultivo biotecnológico acarreta perdas consideráveis para o agricultor. Medidas de proteção são tomadas. uma agricultura sustentável pode minimizar os efeitos negativos da produção agrícola. Um modelo de regulação. Algumas práticas agrícolas já são compartilhadas pelas diversas modalidades agrícolas (orgânica.9%). restaurando a fertilidade e limitando a erosão da terra. O objetivo de ambas as medidas é reduzir a presença de sementes adventícias a um limite comercialmente aceitável (0. A proporção de variedades convencionais e biotecnológicas varia nos principais cultivos industriais. uma vez satisfeitas as normas legais. tem sido desenvolvido na Espanha (2005). a adubação verde. o milho e a canola. porque esta é analisada no momento da aprovação da variedade biotecnológica. por exemplo. a proibição para os produtores orgânicos de utilizar sementes geneticamente modificadas ou de cultivar terrenos onde previamente tenham sido plantadas culturas biotecnológicas. o algodão.Maria Antonia Malajovich A COEXISTÊNCIA É POSSÍVEL? Todos os sistemas agrícolas exercem algum impacto sobre o meio ambiente. envolvendo o distanciamento dos cultivos e a manutenção de faixas de exclusão de diferente tamanho. Os modelos de regulação dos cultivos tradicionais. Outras são específicas. porque dão ao agricultor a possibilidade de escolher a modalidade que melhor lhe convier. Testes genéticos e imunológicos permitem identificar a presença de organismos geneticamente modificados em uma carga de cultivos convencionais. segundo as características da fecundação. o plantio direto com uma cobertura na superfície do solo etc. como. que são a soja. o manejo de pragas e de nutrientes. No entanto. orgânicos e biotecnológicos são considerados de índole econômica. 164 . Não envolvem biossegurança. Cultivos convencionais e biotecnológicos ocupam diferentes faixas de mercado e crescem em função das oportunidades econômicas. estabelecendo como objetivo primordial o aumento da produtividade (gado leiteiro. tais como a Argentina. A NUTRIÇÃO DOS ANIMAIS A NECESSIDADE DE RAÇÕES A criação e engorda de gado de corte nas pastagens é uma opção possível para países com grandes extensões territoriais. nos períodos em que falta capim deve-se suplementar a dieta do rebanho com feno (forragem dessecada). carne e lã) e. no gerenciamento das empresas e nos cuidados com a alimentação e a saúde dos animais. orientadas a satisfazer o mercado urbano. simultaneamente. a Austrália. o consumo de carne nos países em desenvolvimento será duplicado. Nos países desenvolvidos. acrescentam-se às rações alguns complementos nutritivos. o Brasil.br) . suínos e peixes) que degradam o ambiente. Os grandes estabelecimentos agrícolas praticam a tradicional cultura extensiva de gado (bovino. pássaros. para a produção de fármacos. ovos. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. ruminantes (bovinos. Perspectivas novas surgem com a utilização dos animais como biorreatores. Estima-se que entre 1993 e 2020. o objetivo primordial é aumentar ou equilibrar a quantidade de produtos (leite. peixes). cachorros. a pecuária recorre aos regimes de semiconfinamento ou confinamento. caprino) em pradarias e pastagens. coelhos e aves). Essas mudanças exigirão maior eficiência na seleção. sua idade etc. silagem (forragem e grãos fermentados). consequentemente. aves. Em relação aos métodos produtivos. Por outro lado. caprinos) e monogástricos (suínos. Parte dos cultivos de cereais (milho) e de leguminosas (tortas de soja. de peixes. colza e girassol) é utilizada como ração. que cresce de maneira desigual ao longo das quatro estações do ano. ou a Nova Zelândia. A produção agrícola depende também de fatores econômicos e sociais. As biotecnologias se inserem na alimentação e na conservação da saúde dos animais. ovino. de crustáceos e de mariscos. A criação de ruminantes diminuirá em relação à criação de aves e suínos.bio. enquanto os menores tendem a investir em culturas intensivas de altos rendimentos (gado leiteiro. Pequenas empresas familiares serão substituídas por outras de produção intensiva. aves e suínos).bteduc. algodão. mudam os padrões de consumo e. Também se criam animais para a prática de esportes (cavalos) e como companhia (gatos. a necessidade de trabalho e o impacto causado pelas doenças. sendo necessários de 3 a 10 kg de grãos para obter 1 kg de carne. BIOTECNOLOGIA E PECUÁRIA A CRIAÇÃO DE ANIMAIS A criação de animais domésticos para a alimentação se limita a um pequeno número de espécies de mamíferos. isso significa reduzir o número de animais. grãos. O alimento básico do gado é o capim. a atividade agropecuária. em função de sua espécie. Como o número de cabeças depende do alimento. diminuir os custos. ovinos.14. Como o valor nutricional dos grãos é variável. À medida que melhora o nível de vida da população. à medida que a agricultura invade as áreas de pastagem. para suprir as necessidades proteicas e energéticas dos animais. Vários produtos industrializados fornecem um conteúdo de nutrientes equilibrado para as necessidades dos animais. possibilitando também o controle da reprodução e a aceleração da seleção genética. concentrados e/ou resíduos agroindustriais. e farinha de carne. No caso dos ruminantes. As leveduras como Saccharomyces cerevisiae constituem um subproduto nas destilarias de álcool. Finalizada a guerra e até 1973. A biomassa microbiana seca tem dado bons resultados como fonte alternativa de proteínas. no Reino Unido. Esta variante se manifesta mais rapidamente e ataca as pessoas jovens. a farinha de carne foi proibida na alimentação do gado bovino e ovino. Em 1865. celulases. a flora microbiana do sistema digestório consegue disponibilizar parte do fósforo. 166 . A bactéria Methylophilus methylotropus cresce sobre metanol obtido a partir do gás do Mar do Norte. Denominada SCP (do inglês. single cell protein). Na tentativa de baratear ao máximo os custos das rações.Maria Antonia Malajovich DE LIEBIG À VACA LOUCA Os suplementos nutritivos proteicos foram introduzidos a fins do século XIX. inclusive. as rações dos ruminantes dos países desenvolvidos já incluíam de 2 a 5% de farinha de carne. causando-lhe danos neurológicos graves. inicialmente ovelhas com scrapie. o homem. A inclusão de restos de animais doentes. a única opção que restou aos europeus foi a farinha de carne. a Europa importou grãos para as rações. utilizada para fortificar as rações animais. Liebig inventou um procedimento industrial para transformar os restos dos animais em extrato de carne. Quando condições climáticas adversas causaram uma grande quebra da safra de soja nos Estados Unidos. vendido como complemento para a alimentação humana. uma variante da doença de Creutzfeldt-Jakob que afeta o homem. A adição de antibióticos visa proteger as rações da ação bacteriana. amilases etc. Os fitatos impedem a assimilação do fósforo. as aves e. deixou-se de extrair a gordura com solvente e modificaram-se as condições de esterilização. entre eles o leite desnatado em pó e a farinha de pescado. mas a adição da enzima fitase na ração melhora a assimilação dos nutrientes e diminui a quantidade de fósforo excretado no ambiente. colocando em discussão a composição das rações animais e mostrando a necessidade de aumentar a quantidade e a qualidade dos suprimentos de grãos e de plantas forrageiras. que hoje está sendo abandonada devido ao aumento do preço resultante da pesca excessiva.) tende a aumentar a digestibilidade das rações. Uma dieta baseada em grãos tem como inconveniente a introdução de fósforo e outros nutrientes complexados ao ácido fítico. pode ter contaminado as vacas e provocado o surto da doença da vaca louca. a proteína unicelular pode ser obtida de diversas fontes. mas isso não ocorre nos animais monogástricos como os suínos. que é uma das causas da eutrofização dos cursos de água. Sem grãos como fonte proteica das rações. estimulando a multiplicação de certos tipos bacterianos em detrimento de outros. outros produtos já foram utilizados como suplemento proteico. O acréscimo de enzimas (proteases. Já a adição de probióticos procura modificar o ambiente gastrintestinal. Em 1988. sob o nome de Pruteen. sendo a SCP correspondente comercializada. uma doença esporádica conhecida no Reino Unido desde 1732. estes embargaram o grão disponível. A epidemia exigiu o sacrifício de boa parte dos rebanhos no Reino Unido e de outros países da Europa. Bem antes da Segunda Guerra Mundial. VARIAÇÕES SOBRE A COMPOSIÇÃO DAS RAÇÕES Além da farinha de carne. para garantir as necessidades internas. outras como Candida utilis ou Torula se multiplicam sobre os efluentes da indústria de papel ou das queijarias. como uma alfafa transgênica com menos lignina. dos tecidos e das carnes não mudaram em animais que receberam alimentos transgênicos. há menos lesões que possibilitem a infecção e o crescimento dos fungos. Pusztai. que a ingestão de DNA é segura. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo14: Biotecnologia e pecuária A fitase é produzida por fermentação microbiana e sua adição nas rações é obrigatória na Europa. manifestaram-se no mesmo sentido. Estão sendo estudadas plantas com maior digestibilidade. especialmente dos monogástricos. de maneira a sintetizar uma proteína de girassol com alto conteúdo de metionina. o milho resistente a insetos (milho-bt). Uma auditoria realizada por cientistas independentes considerou essas conclusões errôneas. diarreias e câncer. Este era um resultado esperado. tanto as proteínas como o DNA são degradados durante o processo digestivo. As características das carcaças. Isto porque. o melhoramento das plantas forrageiras também abre perspectivas interessantes. a introdução de plantas geneticamente modificadas foi analisada cuidadosamente em diversos tipos de animais. do lupino. sendo um dos gargalos da produção agrícola. 40% do qual sito na China. independentemente de ser sua fonte transgênica ou não. em 1998. ao diminuir os ataques de insetos.) representa um marco importantíssimo para a China. AS RAÇÕES TRANSGÊNICAS O escândalo da “vaca louca”. porque causam hemorragias. Origin Agritech Ltda. 167 . não foi surpresa o estardalhaço causado por A. O milho transgênico melhora a qualidade do alimento e a saúde animal. as rações são digeridas normalmente pelos animais estudados. e não se evidenciaram sinais de toxicidade da soja. em 2000. o que foi confirmado mais tarde pela Royal Society do Reino Unido. no leite ou nos ovos. Organizações internacionais como FAO/WHO (Food and Agriculture Organization e World Health Organization) consideram. um renomado cientista do Reino Unido. Em alguns casos em que as plantas têm as propriedades agronômicas modificadas como. mais sensíveis as micotoxinas que os ruminantes. Observou-se. Por outro lado. Por isso. Numerosos estudos desenvolvidos em instituições de pesquisa e universidades mostraram que. e EPA (Environmental Protection Agency). Segundo a FASS (Federation of Animal Science Societies). porque em função dos conhecimentos sobre digestão e absorção. do algodão e da batata em ratos. sem que sejam detectados ácidos nucleicos ou proteínas de origem transgênica na carne. As micotoxinas são muito perigosas para os animais que ingerem os grãos contaminados. As organizações norte-americanas FDA (Food and Drug Agency). seguido pelo caso dos frangos contaminados com dioxina mostrou o descaso existente pelos produtores europeus em relação às rações animais. Toda tentativa de baratear as rações é assimilada rapidamente. nem da colza em coelhos. transgênicas para uma lectina inseticida natural de campânula. Porém. Trata-se de um mercado mundial de aproximadamente US$ 500 milhões. A aprovação do milho com fitase (Academia de Ciências Agrícolas da China. por exemplo. A União Europeia não considera necessário rotular os alimentos provenientes de animais alimentados com rações geneticamente modificadas. aumento de peso e bom crescimento da lã em ovelhas alimentadas com lupino transformado geneticamente. danos no fígado e nos rins. devido aos precedentes desastrosos e a desconfiança da população. tanto em relação à composição química como à digestibilidade e ao valor nutritivo. em 1992. As rações representam até 70% dos custos da criação de animais. da ervilha. desde 1991. verifica-se uma redução substancial do teor em micotoxinas. ao declarar na televisão ter encontrado alterações do sistema imune em ratos alimentados com batatas cruas. por exemplo. as plantas biotecnológicas disponíveis são substancialmente equivalentes às não transgênicas. galinhas selecionadas como poedeiras desenvolveram osteoporose. no gado bovino. isso significa a recuperação rápida dos investimentos. complementa-se a inseminação artificial com a sexagem prévia do sêmen. para as grandes empresas. Se estiverem situados em cromossomos diferentes. Neste caso.000 crias por reprodutor ao ano. modificar a composição da carcaça aumentando a quantidade de proteína (carne e leite) em detrimento da gordura. a exceção da produção de frangos. Devido ao custo. no caminho. ovos) e o último. a fertilidade baixa e a presença de anormalidades esqueléticas. O primeiro é aumentar a eficiência da conversão do alimento. a técnica é mais utilizada com o gado de leite. o setor resulta menos atrativo para as grandes empresas privadas. responsáveis por mais de 80% da pesquisa e desenvolvimento na área agropecuária dos países desenvolvidos. porque.1). esses frangos crescem quatro ou cinco vezes mais rápido que seus antepassados.000 doses por ano e que a eficiência da inseminação chega a 50%. que um animal chega a produzir 4. ao desviar o cálcio do esqueleto para a construção da casca dos ovos. sendo necessário proceder à inseminação artificial. têm-se transformado em um alimento comum e barato. o método permite obter aproximadamente 2. que tem um preço por cabeça mais alto que o gado de corte. Os empreendimentos bem-sucedidos na área de melhoramento vegetal visam à seleção de caracteres devidos a um único gene. tais como o aumento do teor de gorduras. por exemplo. resulta da contribuição de vários genes (herança poligênica ou quantitativa). o segundo é acrescer a produtividade (leite. A seleção assistida por marcadores moleculares obteve um grande sucesso na área. resultantes de muitos anos de adaptação a diferentes condições ambientais.Maria Antonia Malajovich O MELHORAMENTO GENÉTICO DO GADO Existem hoje mais de 5. Por outro lado. através da venda anual de sementes. Selecionados por 50 gerações. mais recente. ovino. que em vez de responder a um gene único. existe um período de quatro anos entre uma geração e outra. Mas.000 raças de gado. E os perus desenvolveram um tamanho tal que não conseguem acasalar sem riscos. Em bovinos. de maneira a incrementar a taxa de crescimento corporal. 168 . O processo começa com a seleção dos pais (reprodutores e matrizes). caprino. reduzindo os custos de transporte de animais. frangos). que podem ser desfavoráveis. Ciclos de vida mais longos tornam mais lenta a recuperação dos investimentos de modo que. O CONTROLE DA REPRODUÇÃO O controle da reprodução dos animais permite a expansão rápida dos estoques. em contraste com anos atrás. escolhidos pelas suas características genéticas relativas à produtividade e à saúde (Figura 15. apareceram alguns efeitos deletérios. Considerando que uma única ejaculação de um touro produz aproximadamente 100 doses de sêmen. Os frangos do tipo broiler. por exemplo. precisa-se de muito mais tempo. a seleção acarretará inevitavelmente a de genes vizinhos. justamente por amenizar a dificuldade de se lidar com traços multigênicos. A distribuição do material genético se encontra nas mãos dos pecuaristas e de pequenos empreendimentos privados. A inseminação artificial se pratica desde meados do século XX. a fim de escolher os espermatozoides que poderão dar origem a fêmeas. O melhoramento genético visa três objetivos fundamentais. porcino e em aves (perus. O sêmen colhido de um reprodutor é introduzido no útero das matrizes. Em relação ao melhoramento animal. Muitas das características selecionadas em animais mostram uma variação contínua. transplante de embriões). essa vaca poderá gerar simultaneamente cinco embriões. apesar das limitações técnicas existentes. uma vaca produz uma cria por ano. O controle da reprodução dos animais domésticos depende de diversas técnicas (superovulação. Matador e Carrancudo que participam em festas de rodeio por todo o Brasil. Outra variante consiste em extrair os ovócitos das vacas superovuladas. 20 reais. coleta de ovócitos ou de embriões. por micromanipulação do blastócito com 64 a 128 células. O touro Bandido. ou dos ovários de animais sacrificados. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo14: Biotecnologia e pecuária Com o desenvolvimento das técnicas de criopreservação pode-se utilizar tanto o sêmen fresco como o congelado. que teve uma exitosa participação em uma novela de televisão e morreu prematuramente. A aplicação de testes genéticos nos pais e nos embriões. 169 . A criopreservação garante que 25 a 50% dos embriões congelados possam originar animais vivos. Normalmente. O Controle da reprodução em bovinos. que serão colhidos mediante a lavagem do útero e transferidos a uma vaca receptora. Dele descendem os touros Zangão. Tratada com hormônios para induzir uma superovulação e inseminada artificialmente. O número de embriões também pode ser aumentado por bipartição. deixou sêmen congelado. Uma dose de sêmen custa a partir de 14 reais e. FIGURA 15. procedendo a uma fecundação artificial antes de reimplantar os embriões nas vacas receptoras. inseminação artificial. antes de ser reimplantados. criopreservação. Como o processo todo (superovulação + inseminação + transferência dos embriões) pode ser repetido quatro vezes por ano.1. uma vaca terá 10 crias por ano. o que possibilita também a conservação da biodiversidade de raças em perigo de extinção. permite uma seleção apurada da descendência. se for de qualidade comprovada. Na década seguinte. a clonagem não é usada no melhoramento direto dos rebanhos. Já foram sequenciados alguns genomas de animais domésticos. os resultados se obtêm rapidamente. um clone de um animal resistente à brucelose.Maria Antonia Malajovich AS NOVAS TECNOLOGIAS O mapeamento do genoma dos animais domésticos O estudo do genoma dos animais domésticos fornece informações precisas e eficientes para a seleção de alguns caracteres. na estimulação do citoplasma receptor e na coordenação entre a atividade citoplasmática e nuclear.9). Second Chance. uma proteína fundamental para a coagulação sanguínea. no salmão. Alguns exemplos são ilustrativos: Bull 86 Squared. isto é. a cromatina e a inativação do cromossomo X. principalmente. na cabra. no porco. uma vaca da raça Holstein recordista da produção de manteiga. Annabell Zeta. mas com caracteres poligênicos devem-se procurar os genes que contribuem substancialmente na variação. Dolly (1977-2003) foi o primeiro animal obtido mediante esta técnica. um touro que participou em rodeios e filmes. À medida que outros sejam completados e se conheçam melhor as sequências expressas nas moléculas de mRNA. que consiste em transferir o núcleo de uma célula doadora a um ovócito receptor. de outro animal. As taxas de mortandade perinatal aumentam assim como o número de malformações congênitas. A análise de marcadores também é utilizada na determinação do parentesco (pedigree) e na identificação dos animais. As dificuldades técnicas estão. distribuídas ao longo do genoma. os problemas de saúde são mais frequentes em clones porque a gestação é mais demorada e o tamanho do recém-nascido é maior. 170 . as técnicas eletroforéticas poderão ser substituídas por chips de DNA (microarrays). sendo aplicada aos animais fundadores. Quando a reprogramação celular é incompleta. Por enquanto. nascido depois de 189 tentativas de clonagem de Chance. Centenas destas sequências já foram identificadas na vaca. observam-se fenômenos epigenéticos que abrangem o DNA. previamente anucleado. Fenômeno mediático. A clonagem A clonagem de animais domésticos por partição embrionária é utilizada desde a década de 1980. tanto no campo como nos produtos derivados. irão cumprir o rol de marcadores moleculares. na ovelha. no frango. outras perspectivas se abriram com a técnica de transferência nuclear. Polly e suas irmãs levam o gene codificador do fator IX. Quando o gene responsável por uma característica de interesse está associado a um determinado marcador. depois de 277 tentativas fracassadas (Figura 9. clonada com sucesso por apresentar problemas de fertilidade. no camarão etc. O objetivo básico é estabelecer uma correlação entre os genes e as sequências não funcionais que. ambos serão selecionados juntos. sequências curtas de DNA repetidas um número variável de vezes que são transmitidas de uma geração a outra e podem ser identificadas por eletroforese. Nascidas pouco tempo depois. Por outro lado. sendo sacrificada depois de desenvolver artrite em uma pata e de mostrar sinais de envelhecimento precoce. salmonelose e tuberculose. Dolly teve um tumor no pulmão. porque são os únicos em que os benefícios justificam o custo do procedimento. principalmente bovinos e suínos. Trata-se de micro e minissatélites. Com caracteres monogênicos. No Brasil. dado o custo de um animal transgênico. grande campeão da raça Brangus. a mula Joy of Idaho foi o primeiro clone de um híbrido de uma égua e um jumento. uma proteína fundamental para a coagulação sanguínea e que falta nos hemofílicos. coelhos. De um modo geral. Esta última aplicação justifica a importância dada a Dolly. cabras. Em ambos os países existem empresas privadas especializadas na clonagem comercial de bovinos (BioSidus. nasceu na Itália a égua Prometea. o mesmo grupo do Instituto Roslin e PPL Therapeutics anunciou o nascimento de Polly. a fecundidade da fêmea. Diferente dos bovinos. Em 2005 obtiveram-se os primeiros clones de um cavalo de corrida (Pieraz Cryozootech). A partir de 1988 começaram a ser produzidos vacas. via bipartição embrionária. os equinos nasceriam mais saudáveis. Observe-se que. as possibilidades da clonagem vão além do aumento da taxa de fertilidade de animais elite e da conservação de animais com características interessantes. Em 2003. Vitrogen. Outros fatores adicionais que devem ser considerados em uma simulação de risco são a viabilidade juvenil. A transgênese O primeiro camundongo transgênico nasceu em 1981. não só pelos altos custos como pelo tempo demandado para responder ao processo regulatório e a resistência eventual dos consumidores. nasceu na Argentina BS Ñandubay. doentes ou acidentados. o que a torna ao mesmo tempo filha e irmã gêmea de sua mãe. uma ovelha transgênica para o gene codificador do fator IX. de uma vaca da raça bovina Junqueira. Recentemente. a viabilidade do adulto etc. estimando-se em redor de US$ 20. para a criação de rebanhos homogêneos que facilitem trabalhos de pesquisa e para a propagação rápida de alguns organismos transgênicos. gerada a partir de uma célula somática materna. A clonagem pode ser utilizada para a conservação de espécies raras e em risco de extinção. Porã e Potira descendem. Uma das preocupações existentes se relaciona com o risco de escapamento de um animal transgênico e a possibilidade de difundir o transgene nas populações naturais. um cavalo crioulo (Halitus. puros-sangues. 171 . BioSidus). a capacidade de escapar do cativeiro e a de voltar ao estado selvagem (Tabela 14. especialmente a mobilidade. as potras Branca e Neve foram obtidas por bipartição embrionária. O risco depende de algumas características do animal. porcos e peixes transgênicos. Poucos meses depois do nascimento de Dolly. e de um cavalo de salto (Paris-Texas). em alto risco de extinção. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo14: Biotecnologia e pecuária A tecnologia está sendo desenvolvida também na Argentina e no Brasil. Ainda pode demorar vários anos até que o preço se torne interessante para o melhoramento direto na pecuária. ovelhas. No mesmo ano e depois de 847 tentativas. Observe-se que a inseminação artificial e os tratamentos de fertilidade estão proibidos em cavalos de corrida. a clonagem é utilizada para animais de elite. nascida por transferência nuclear. Contudo. Ciruelito é um clone de Ciruelo. A comercialização de animais transgênicos ou seus produtos avança muito lentamente. a idade de amadurecimento sexual. Lenda e Glória da Embrapa descendem de Vitória. uma vaca da raça Simental. Geneal) em empreendimentos ligados a universidades ou institutos de pesquisa agronômica. frangos. é mais econômico fazer um clone que construir outro.1). clone de Ñandubay. ARG Natural Beef. nos Estados Unidos. também zebuínos foram clonados.000 o preço de um bezerro clonado. a fertilidade do macho. A utilização de modificadores metabólicos permite não só incrementar a produção como modificar a relação entre carne e gordura. O fracasso suscitou vários questionamentos éticos em relação ao tratamento infringido aos animais. A partir de uma proteína de aranha. um produto muito resistente que pode ter diversos usos. salvo em peixes. inclusive militares. entre os quais a Argentina. artrite. sintetizada por uma cabra transgênica. alteração das propriedades da seda. de maneira a diminuir o desperdício. 172 . letargia etc. A inserção de um gene bacteriano codificador de fitase deu a origem ao EnviropigTM. De um modo geral. obteve-se o Beltsville pig. Ainda sem a aprovação das autoridades pertinentes.Maria Antonia Malajovich TABELA 14. no Canadá. produzidos a partir de microrganismos transformados por engenharia genética. Na Nova Zelândia e nos Estados Unidos vêm sendo obtidas vacas que produzem mais caseína no leite. um porco que produz a enzima na saliva. mas permitidos em 19 países. Algumas tentativas foram feitas em relação à produção de fibras animais: ovelhas transgênicas que não precisassem de determinados suplementos de aminoácidos na dieta. Entre os modificadores metabólicos mais utilizados estão os hormônios bST (somatropina bovina) e pST (somatropina porcina). sendo proibidos em alguns países da Europa. OVOS E LÃ A produção de alimentos é um dos objetivos fundamentais da atividade agropecuária.1. Os hormônios estimulam o crescimento em bezerros e porcos e a produção de leite em vacas. se desenvolveu e patenteou o BiosteelTM. Sua utilização gerou polêmicas. modificação da estrutura das fibras de lã e de caxemira para facilitar o tingimento e diminuir o encolhimento. Na década de 1980. o México e o Brasil. do inglês growth hormone e GHFR. ESPÉCIE MOBILIDADE CAPACIDADE DE VOLTAR CAPACIDADE DE ESCAPAR AO ESTADO SELVAGEM DO CONFINAMENTO Camundongos Alta Alta Alta Peixes Alta Alta Alta Insetos Alta Alta Alta Porcos Baixa Alta Moderada Aves Baixa Baixa Baixa Vacas Baixa Baixa Baixa O MELHORAMENTO DA PRODUÇÃO CARNE. a transgênese do hormônio de crescimento (GH. Experiências de transgênese visam melhorar a qualidade do leite de vaca modificando as proteínas (leite humanizado para lactantes) ou reduzindo a lactose (para as pessoas com intolerância). do inglês growth hormone factor releasing) nos animais domésticos tem sido problemática. um animal que apresentou problemas variados: dificuldades respiratórias. de maneira que a concentração de fósforo no esterco é 60% menor que no dos porcos convencionais. O risco de escapamento de um animal transgênico. Quando repetida a experiência com porcos. a transferência de um gene codificador de hormônio de crescimento humano originou ratos duas vezes maiores. LEITE. uma propriedade interessante para a indústria de queijos. o EnviropigTM está sendo criado em confinamento. o Chile o Canadá e os Estados Unidos. Alguns peixes não exigem nenhuma complementação da ração. No entanto. ainda subsistem dúvidas em relação à aquicultura. Por isso.9% dos peixes e das condições ambientais desfavoráveis em Prince Edwards Island (Canadá). a empresa AquaBounty transferiu para o salmão do Atlântico um cassete de expressão. o Reino Unido. como as águas e os invernos canadenses são muito mais frios que os chilenos. O gerenciamento destas variáveis nas fazendas de salmão dá um retorno econômico importante para a Noruega. do ponto de vista ecológico. demanda poucos insumos e gera um produto de alto valor agregado. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo14: Biotecnologia e pecuária A AQUICULTURA Os principais países produtores de peixes. favorecendo o florescimento das algas. denominado AquAdvantageTM. levando a espécie à extinção (genes troianos). de maneira a diminuir os riscos de escapamento. respectivamente. os produtores canadenses e norte-americanos se interessaram por um salmão resistente ao frio e de crescimento rápido. Dentro deste contexto. em função da condição triploide dos salmões GM AquAdvantage que garante a esterilidade de 98. Quais seriam as vantagens da aquicultura se for necessário extrair peixe para a preparação das rações? A criação de peixes e mariscos é uma atividade empresarial que cria empregos. onde serão produzidos os ovos. que dificulta a criação de mariscos filtradores de plâncton. a Nova Zelândia e os países asiáticos. Já o camarão e o salmão são criados com rações que incluem farinha de peixe. A empresa AquaBounty considera esses riscos sob controle. No entanto. a exploração comercial de salmões transgênicos não poderá ser feita como até agora. consumindo 250% mais comida e alcançando o tamanho equivalente ao de um salmão convencional em menos tempo (18 meses em vez de 24 ou 30). 173 . Também estão sendo desenvolvidos camarões e mariscos desprovidos da proteína responsável por 80% das alergias e uma truta com mais ácidos graxos Ômega 3. onde o salmão pode ser criado o ano inteiro. como as carpas e tilápias. em jaulas marinhas. O peixe cresce rapidamente em condições comerciais. Para alguns especialistas. com dois genes codificadores de uma proteína anticongelamento e um hormônio de crescimento do salmão do Pacífico. Tilápias e carpas transgênicas se encontram em vias de aprovação em Cuba e na China. como a distância dos mercados de destino e a contaminação das águas costeiras. Contudo. em regiões de altitude com a temperatura adequada e rios desfavoráveis para a sobrevivência do salmão. Aguarda-se para 2011 a aprovação do FDA (Food and Drug Administration) para sua liberação comercial. em função da pesca desmedida. mariscos e crustáceos por aquicultura são a Noruega. os estoques de peixes nos mares e oceanos têm diminuído assustadoramente. existiriam alguns riscos como a invasão e substituição dos salmões naturais pelos transgênicos ou a introdução de genes de valor adaptativo inicialmente maior que os das populações selvagens. mas cujo valor diminuiria a médio prazo. o Chile. eles terão que crescer confinados em fazendas dentro do território. o Canadá. AquaBounty planeja desenvolver o processo no Panamá. Estima-se que atualmente existam umas 30 variedades de peixes transgênicos em laboratórios de diferentes lugares. alguns problemas subsistem. os Estados Unidos. os peixes transgênicos devem ser criados exclusivamente em contenção. O desenvolvimento da aquicultura parece uma alternativa razoável para a produção de alimentos porque. Segundo o Protocolo de Cartagena. Listeria). Brasil. Alguns animais domésticos constituem um reservatório de doenças e as transmitem ao homem. antiparasitários) e suplementos (hormônios).Maria Antonia Malajovich A SAÚDE DOS ANIMAIS RESISTÊNCIA A DOENÇAS A seleção genética de animais resistentes é uma forma de reduzir o prejuízo devido às doenças. As indústrias de saúde investem aproximadamente US$ 400 milhões por ano em pesquisa e desenvolvimento. Salvo em relação aos animais de estimação. Em relação à febre aftosa. Vallée (Brasil). mas. Cuba se destaca pela vacina contra o carrapato. Paraguai e Uruguai. tratamentos (antibióticos. México. PREVENÇÃO E TRATAMENTO Os principais produtos desenvolvidos para a saúde animal são vacinas. Existem numerosas vacinas contra as doenças que afetam os animais. As análises de DNA possibilitam a tipificação dos agentes patogênicos e os estudos epidemiológicos. pesquisa-se a introdução de genes que confiram resistência a doenças que afetam o gado. novas vacinas mais eficientes e fáceis de aplicar são indispensáveis nas regiões em que a doença não foi totalmente erradicada e em que aparecem surtos eventuais: Argentina. sendo esta uma alternativa para a castração de touros e porcos. estimado em 10 a 20% da produção. IASA (México). responsável pela perda de um quarto da produção. Na França. numerosas empresas do setor privado elaboram medicamentos. a transgênese está sendo utilizada para a obtenção de trutas resistentes ao SHV (vírus da septicemia hemorrágica). Entre as principais: Biogénesis e Bagó (Argentina). uma endemia que afeta a produção de carne e de leite. Estes produtos são necessários porque as práticas intensivas ou semi-intensivas favorecem a transmissão de doenças entre os animais. visa a cortar a corrente de transmissão da doença do cachorro ao homem. o mercado de saúde animal cresce lentamente. a saúde animal movimenta muito menos dinheiro que a saúde humana. Laverlam (Colômbia). deste modo. Laboratórios Santa Elena (Uruguai). como a tripanossomíase ou a aftosa. Os ensaios imunoenzimáticos são utilizados para o diagnóstico de várias patologias e também para o reconhecimento de diversos tipos de contaminação nos produtos (Salmonella. tais como frangos resistentes à doença de Marek e à salmonelose. à mastite e à brucelose. vacinas e testes diagnósticos dirigidos à saúde animal. uma vacina contra a leishmaniose canina desenvolvida recentemente no Brasil. 174 . de um modo geral. Colômbia. se tornou uma condição indispensável para a entrada de qualquer ovino em um programa de melhoramento. Escherichia coli. kits de diagnóstico. muitas pesquisas se direcionam atualmente para a elaboração de vacinas de subunidades de antígeno em plantas modificadas geneticamente. que possam ser administradas na ração. BiosChile (Chile). a resistência ao scrapie. por exemplo. No Reino Unido. O mapeamento do genoma dos animais domésticos facilita a tarefa de selecionar animais resistentes a doenças. Na América Latina. A produção de medicamentos visa umas 200 doenças animais diferentes. Preservar a saúde dos animais diminui o risco de contágio. Em outros países. Também está sendo desenvolvida uma vacina para imunizar os animais contra um hormônio reprodutivo (GnRH ou gonadotrophin-release hormone). Outras possibilidades são bovinos resistentes à vaca louca. que é vendida em vários países da América Latina. e as chilenas Recalcine e AquaGestión. algumas proteínas só podem ser sintetizadas em células animais. A aquicultura abre um espaço para as empresas que desenvolvem testes de diagnóstico e vacinas para os patógenos que afetam as fazendas. anticorpos. restaria um dos maiores riscos dos xenotransplantes. NOVAS UTILIZAÇÕES DOS ANIMAIS DOMÉSTICOS MODELOS DE ESTUDO PARA DOENÇAS HUMANAS A transgênese é utilizada em vários animais (ratos. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo14: Biotecnologia e pecuária Do ponto de vista comercial. Estuda-se também a substituição da vacina atual de vírus inativado por alfafa transgênica que expresse algumas proteínas do vírus da aftosa (plant-pharming).3 GalT) na superfície celular permitiria evitar a rejeição de um órgão transplantado. as vacinas DIVA (do inglês. XENOTRANSPLANTES Os porcos são considerados o fornecedor ideal de órgãos para transplante porque o tamanho e a função destes são equivalentes aos dos humanos. fatores de crescimento e fatores de coagulação. OS ANIMAIS COMO BIORREATORES As proteínas terapêuticas incluem hormônios. para transferir características que permitem sua utilização como modelo de doenças humanas. que é a transmissão de vírus de uma espécie a outra. a quantidade de proteína produzida é muito pequena e os custos operacionais muito altos. Os genes codificadores de várias delas têm sido transferidos a microrganismos. cultivadas em biorreatores. coelhos com diferentes genes para lipoproteínas humanas constituem linhagens sensíveis ou resistentes a regimes ricos em colesterol. Até o início de 2011. 12 vacinas geneticamente modificadas foram liberadas no Brasil pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança). ao se transplantar tecidos do sistema imune extraídos de um feto humano a camundongos geneticamente imunodeficientes. O primeiro modelo foi obtido em 1988. differentiating infected from vaccinated animals) são especialmente interessantes porque permitem distinguir animais infectados de animais vacinados. camundongos. depois de eliminar todas as células de porco.A. os animais adquiriram um sistema imune humano. que desenvolveram uma vacina contra o vírus da anemia infecciosa do salmão. como a argentina Tecnovax S. camundongos modificados geneticamente possibilitam os estudos sobre epilepsia. A partir desse momento vários animais foram redesenhados para servir como modelo. a Universidade de Harvard recebeu a primeira patente para um animal transgênico. 175 . mapeamento genético de doenças neuropsiquiátricas em cachorros etc. Com este camundongo. Contudo. Porém.3- galactosiltransferase (α1. obesidade. Contudo. coelhos e macacos). Tecnologias avançadas são habitualmente aplicadas na produção de vacinas veterinárias. Válvulas de porco substituem as válvulas cardíacas humanas. um camundongo com um gene para câncer de mama que permite testar tanto o efeito carcinogênico de algumas substâncias como a ação terapêutica de outras. devido à necessidade de modificações pós-traducionais. No mesmo ano. A eliminação por knock out do gene da α 1. obtivera-se o oncomouse. Anticorpos humanos (Origen Therapeutics) e interferon (AviGenics) também são produzidos em ovos de aves transgênicas. Pharming BV obteve vacas produtoras de lactoferrina humana. anticorpos humanos contra antraz. A aprovação de um produto demanda os testes clínicos correspondentes.5%).15%). ou antídotos contra as armas químicas como o gás Sarin em cabras (Nexia). uma substância que se encontra em testes clínicos para o tratamento de enfisema hereditário e fibrose cística. Outros produtos estão sendo preparados para fazer frente a um eventual surto de bioterrorismo como. Nos Paises Baixos. Obviamente. e Patagonia. assistir a pessoas com o sistema imune comprometido ou tratar doenças autoimunes (artrite reumatoide). primatas (0. Uma vez imunizados. porcos) e nos ovos (aves). Todas estas aplicações exigem o respeito de normas de segurança estritas. ou a síntese de um antibiótico de amplo espectro por vacas leiteiras. no sangue. cabras. em função do sofrimento que se lhes infringe e da dificuldade em se transpor ao ser humano a informação obtida nessas pesquisas. Estima-se em 115 milhões o número de animais utilizados por ano em pesquisas científicas entre roedores (83. uma antitrombina com propriedades anti-inflamatórias e anticoagulantes. No Brasil. O MARCO CONCEITUAL DOS TRÊS Rs O uso de animais em experimentos tem suscitado numerosos debates.000 vezes maior do que se consegue em biorreatores microbianos. e o custo da proteína recombinante cai entre cinco e dez vezes. no leite (vacas. mantém um rebanho em que os genes bovinos foram removidos (knock out) e substituídos (knock in) por genes humanos. gatos (0. assim como a entrada acidental de seus produtos na cadeia dos alimentos. precisa-se de 2 a 3 vezes menos capital inicial. PPL Therapeutics Ltd. Vários produtos se encontram em fase de testes clínicos. BioSidus mantém um tambo farmacéutico com duas dinastias de vacas: Pampa. Hematech Inc. por exemplo.Maria Antonia Malajovich Uma alternativa é a transformação genética de um animal para convertê-lo em um biorreator que expresse a proteína de interesse no leite. GTC Biotherapeutics. Muitos produtos estão sendo desenvolvidos atualmente. 176 . e normas regulatórias são estritas e demoradas. na urina ou nos ovos. produz mais de 60 proteínas terapêuticas diferentes no leite de cabras e vacas. ovelhas. Bastam algumas centenas de animais para suprir as necessidades de toda a população. produtora de hormônio de crescimento. produtora de insulina. a eleição de uma ou outra tecnologia dependerá da demanda do mercado e da dosagem requerida. De fato. Em relação ao fator IX humano. Na Escócia. a Universidade do Ceará mantém um rebanho de cabras transgênicas de raça Canindé que secreta no leite o fator de estimulação de colônias de granulócitos humanos (hG-CSF). Algumas experiências adicionais interessantes que se encontram em andamento são a produção de anticorpos monoclonais para a artrite reumatoide no leite de ruminantes. a fim de diminuir a incidência de mastite por Staphylococus aureus. porcos transgênicos excretam a proteína no leite em quantidade 250 a 1. Parece fundamental extremar os cuidados com a eliminação das carcaças e evitar o escapamento de animais transgênicos para produtos medicinais. por exemplo. Na Argentina. cria 200 ovelhas produtoras de AAT (-1-antitripsina). na Europa (2006) e nos Estados Unidos (2009) modificará rapidamente o amplo mercado de fatores de coagulação recombinantes. A empresa responsável.24%). uma proteína com propriedades antimicrobianas.06%) e cães (0. varíola e botulismo em vacas transgênicas (TransOva). os animais produzem anticorpos policlonais humanos que podem ser utilizados para combater infecções. A liberação de ATryn. ). cabendo aos Comitês de Ética das instituições de pesquisa discutir este aspecto em relação aos projetos que envolvem seres vivos. Russell e Burch estabeleceram um marco conceitual conhecido hoje como “os três Rs” (do inglês. Um exemplo significativo é o da raça bovina Belgian Blue. reduction and refinement). Inicialmente desenhado para monitorar a qualidade da água. no lançamento em Taiwan (2003). a ciência não tem como prescindir dos testes em animais em algum momento do desenvolvimento de novos medicamentos e de outras pesquisas. Nem sempre os maus-tratos decorrem dos procedimentos experimentais. hepatite. Entre estes. Devido à largura reduzida do canal pélvico e ao grande tamanho dos bezerros.) e medicamentos (artrite. Como só 3% a 5% dos animais carregam o transgene. aliás. ansiedade de separação. alergias. Algumas empresas já estão envolvidas com a tecnologia. síndrome de disfunção cognitiva etc. doenças cardíacas. OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO O bem-estar dos animais domésticos é uma responsabilidade do homem. parasitas. eles experimentam algumas consequências negativas como a surdez. estimam-se em US$ 11 bilhões os gastos em produtos de saúde para os pets norte- americanos. pedem a extinção desta raça. como a Dinamarca.40. que apresenta um crescimento muscular extraordinário devido a uma mutação no gene codificador da miosina. R SIGNIFICADO EXEMPLOS 1 Substituir Substituição de animais vertebrados conscientes por seres inscientes. Contudo. Em 2010. a um preço de US$ 17. que deve lhes dar qualidade de vida e minimizar o sofrimento e a dor. Em relação aos transgênicos. a fim de evitar o conflito entre o bem dos seres humanos e o dos animais. A carne é macia e com muito pouca gordura. um peixe transgênico que brilha no escuro. leucemia felina etc.2). a principal crítica se refere à ineficiência dos métodos de microinjeção. No momento atual. TABELA 14. problemas dentários. Significado e alcance dos três Rs. Admite-se hoje que nem tudo o que é tecnicamente possível deve ser permitido. Alguns países. Os cachorros. 2 Reduzir Redução do número de animais necessário para a pesquisa mediante desenhos experimentais mais apurados estatisticamente. O mercado também é propício para a clonagem dos animais de estimação. 3 Refinar Minimizar ao máximo o desconforto ou o sofrimento dos animais. que até agora parece ser mais fácil em relação aos gatos que aos cachorros. ou por métodos in vitro. Existem variedades com fluorescência verde. Submetidos a processos seletivos diversos. os Rs deram início a uma reflexão ética em relação aos animais (Tabela 14. os bichinhos de estimação constituem um grupo a parte. o nascimento só é possível por cesárea.2. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo14: Biotecnologia e pecuária Em 1959.9 milhões. também podem ser genéticos. custou US$ 2. este peixe se transformou em mascote. que atinge quase 10% dos dálmatas. vermelha e com uma combinação das duas cores. replacement. O desenvolvimento de Night pearls. falência renal. 177 . Trata-se de vacinas (raiva. carregam 300 condições genéticas recessivas das quais 250 foram descritas também no homem. o número de animais descartado é muito alto. Maria Antonia Malajovich 178 . as bebidas alcoólicas e os laticínios. que requer refrigeração durante o armazenamento e dura entre três e cinco semanas. 5 mil anos atrás. kimchi etc. e em etanol pelas leveduras. Além de acelerar o levado. kokonte ou lafun. Os alimentos fermentados constituem hoje a terceira parte da dieta humana. BIOTECNOLOGIA E ALIMENTOS OS ALIMENTOS FERMENTADOS A descoberta dos processos fermentativos é um acontecimento que ocorreu várias vezes em momentos diferentes da história da humanidade. Os primeiros pães eram umas bolachas planas de cereais moídos e água. tempeh. mas a maioria é de origem vegetal. embutidos e presuntos). e o fermento ativo instantâneo que. tanto no Ocidente (chucrute. de modo que cada padeiro tinha que preparar seu “pé de massa”. Seja por facilitar a assimilação dos nutrientes. chã) como no Oriente (shoyu. Durante muitos séculos a preparação do pão envolvia.15. Devido à liberação de CO2 formam-se bolhas que conferem porosidade e leveza à massa. entre 7000 e 5000 a. Afora os produtos de panificação. o processo natural de fermentação. necessariamente. provavelmente. e a outra. nos Estados Unidos. O passo seguinte ocorreu. no “pé de massa”. deixando a massa em repouso por um tempo. pode ser adicionado diretamente aos ingredientes secos. isto é.bio. mas deve ser hidratado antes de usar.). misó. uma era a eliminação das substâncias tóxicas de alguns grãos. Alguns são de origem animal (pescado. As enzimas presentes no grão catalisam a transformação do amido em açúcares que são transformados em ácido láctico. café. togwa. Os estudos microbiológicos atuais indicam a coexistência. com 68-72% de umidade. A passagem do procedimento artesanal à panificação industrial ocorreu em 1876. esses alimentos entram na categoria dos denominados alimentos funcionais. o desenvolvimento da indústria de alimentos. a partir da segunda metade do século XIX. Mais tarde.bteduc. existem muitos outros tipos de alimentos fermentados. por não requerer hidratação. automação etc. O PÃO A arte da panificação surgiu em diferentes lugares. de bactérias lácticas e leveduras. Atualmente. cacau. deve ter sido observado que.). seja por apresentar menos substâncias tóxicas. alimentos que proveem benefícios extras além dos que seriam esperados em função dos componentes. picles. a preservação dos alimentos. cozidas sobre pedras quentes. O fermento seco não ativo que se conserva mais tempo e não exige refrigeração. a preparação de um “pé de massa” permite a seleção e o enriquecimento dos microrganismos dos cereais. A fermentação trazia duas vantagens fundamentais. ao acrescentar uma pequena parte da massa crua (“massa ácida” ou “pé de massa”) da preparação anterior. com a produção e venda de cubos de levedura prensada.C. comercializam-se três tipos de fermento biológico (leveduras) para a panificação: o fermento prensado ativo.br) . bioquímica. engenharia química. kenkey etc. Este procedimento já era conhecido por egípcios e hebreus.) e na África (gari. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. A aquisição de conhecimentos sobre os microrganismos e as enzimas possibilita. melhorava-se a textura e a digestibilidade dos pães. mediante um processo patenteado pelos imigrantes austro-húngaros Charles e Max Fleischmann. pelas bactérias. agbelima. azeitonas. Esta soube se apropriar de todas as ciências relacionadas (microbiologia. aumentam seu volume. frutas. A panificação. substituídos pela tecnologia da panificação industrial. xaropes. hemicelulases. Durante a cocção. Apesar de alguns padeiros conservarem a prática da fermentação natural. A massa também pode levar outros ingredientes. retidas na massa.1. comercializaram-se no Reino Unido linhagens obtidas por engenharia genética. leveduras e diversos aditivos: emulsificadores. Na década de 1990. especiarias etc. o seu uso foi logo descontinuado. Entre uma e outra etapa. açúcar. os processos artesanais estão desaparecendo. Apesar de ser muito rápida. tais como gordura. O processo envolve três etapas de fermentação durante as quais o CO2 liberado forma bolhas que. mel. A seguir. leite em pó.1). enzimas ( e -amilases. a massa é dividida e boleada. Farinhas Água Leveduras Enzimas Outros Aditivos Mistura dos ingredientes Fermentação principal Divisão da massa Boleamento Fermentação secundária Moldagem Fermentação final Cozimento Resfriamento Corte em fatias Embalagem Distribuição 180 . a mistura etanol-água se transforma em vapor e a crosta adquire uma cor dourada. A moldagem visa o alinhamento das fibras proteicas do glúten. principalmente devido à pouca aceitação dos consumidores. Prepara-se a massa misturando farinhas de um ou mais tipos. água. FIGURA 15. facilitando a redistribuição dos ingredientes e o desenvolvimento das características organolépticas. ovos.Maria Antonia Malajovich Neste campo. lipases etc. agentes oxidantes e redutores. os pães são cortados e embalados (Figura 15.) e aceleradores da fermentação. as inovações não são bem aceitas. Retira-se o sumo espremendo ou prensando a polpa. o vinho é clarificado e colocado para envelhecer em tonéis ou garrafas. Os estudos genômicos abrem numerosas perspectivas para os viticultores. A obtenção de um vinho tinto ou branco depende basicamente do tipo de uva e do procedimento seguido (Figura 15.2). como Oenococcus oeni. O agente biológico da fermentação alcoólica é a levedura Saccharomyces cerevisiae. denominada fermentação malolática. A indústria vitivinícola conta com um leque amplo de linhagens selecionadas para favorecer o processo fermentativo. entre as quais ocorre uma segunda fermentação. originada no norte da África e na Europa por volta de 3000 a. mediante arrays de marcadores moleculares. celulases e hemicelulases) para melhorar o rendimento. a arte da vinificação representa um ganho tecnológico considerável. a fermentação não depende das leveduras naturais da uva. Chardonnay e Pinot Blanc (vinhos de Borgonha). primeiro transformando os açúcares em etanol e. denominada terroir. 181 . posteriormente. a acidez do vinho diminui e aparecem as primeiras modificações aromáticas. Salvo na produção artesanal. Procede-se então a duas trafegas. se deve à ação de bactérias lácticas. um grupo franco-italiano completou o mapa do genoma da Vitis vinifera. A Vitis vinifera fornece os vinhos mais finos. a Vitis ripari e outras variedades mais rústicas da própria Vitis vinifera são utilizadas para a elaboração de vinhos comuns. sem a qual dificilmente se obterão os melhores resultados. Posteriormente. que é uma das mais complexas na elaboração dos tintos. possibilitando a escolha do momento adequado para a vindima. Uma aplicação importante é o monitoramento da maduração da fruta.000 genes. sendo frequente o agregado de enzimas de maceração (pectinases. utilizaremos uvas brancas ou tintas sem a pele ou casca que as recobre. Outros são elaborados a partir de uma única variedade. enquanto a Vitis labrusca. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 15: Biotecnologia e alimentos O VINHO A vinificação O vinho é uma bebida proveniente da fermentação alcoólica da uva. Cabernet- Sauvignon (vinhos de Bordeaux). uma molécula que diminui os níveis de colesterol. Durante o amadurecimento da uva. Na vinificação. As uvas tintas com pele originam vinhos tintos. porque esta libera compostos fenólicos (antocianinas. sendo denominados vinhos genéricos ou de corte. Em consequência da fermentação malolática. sendo denominados varietais. A uva é composta por água (86%). Alguns vinhos resultam da mistura de uvas diferentes.C. Considerando que o destino natural da uva é o vinagre. a partir de uma variedade de uva como a Pinot Noir poderão ser obtidos vinhos tão diferentes como um Borgonha ou um Champanhe. que se encontra na pele da uva. Observe-se que. Esta etapa. taninos). A informação abrange mais de 30. muitos dos quais respondem pelos aromas e sabores dos vinhos e outros regulam a quantidade de resveratrol. até o total desenvolvimento do buquê. monitora-se cuidadosamente a fermentação alcoólica até a conclusão do processo. variedade Pinot Noir. açúcares fermentescíveis (12%) e moléculas diversas (2%). Sangiovese (vinhos de Chianti) e Zinfendel (vinhos da Califórnia). que transformam o ácido málico (diácido) em ácido láctico (monoácido). várias espécies microbianas se sucedem. Se quisermos obter vinho branco. flavonas. Em 2007. Esta categoria inclui nomes como Pinot Noir. dependendo do processo utilizado para a elaboração do vinho. O cultivo da videira Existem diferentes espécies de videiras. o etanol em ácido acético. Existe uma combinação de solo e clima ideal para cada cultivo. 2. o mosto da vinhos espumantes (Champagne. Também é possível consegui-los misturando vinhos brancos e tintos. clarificado. o vinho deve aguardar dois anos até estabilizar e ser engarrafado. maceração.Maria Antonia Malajovich FIGURA 15. por trasfega. Prosecco) borra. Depois de na garrafa. Inicia-se a segunda fermentação passam por uma segunda fermentação alcoólica (fermentação malolática). Cava. evita-se a fermentação malolática. Os vinhos rosados ou rosés são obtidos seguindo um procedimento semelhante. mas deixando macerar durante menos tempo o mosto com as cascas de uva. uma vez branca ou de uva tinta sem casca. A vinificação Uva tinta Uva branca Desengaçamento e esmagamento Desengaçamento e esmagamento Maceração Inoculação Inoculação Fermentação alcoólica Fermentação alcoólica Fermentação malolática Clarificação Clarificação Envelhecimento Engarrafamento Engarrafamento Vinho tinto Vinho branco Vinificação em tinto Vinificação em branco O mosto obtido por esmagamento da uva tinta O mosto é obtido por esmagamento de uva passa para a cuba de fermentação. separa-se. 182 . Os alcoólica). sem permitir a corrigidas a acidez e a quantidade de açúcar. Salvo em alguns vinhos brancos de Depois da primeira fermentação (fermentação Borgonha. O rol da levedura na vinificação As propriedades organolépticas dos vinhos dependem basicamente da cultivar escolhida. No século XIV.C. duas linhagens de leveduras geneticamente modificadas fizeram sua entrada na indústria de vinhos dos Estados Unidos e Canadá.000 milhões de hectolitros por ano. A transformação do mosto em vinho envolve inúmeras reações químicas desenvolvidas por leveduras e bactérias lácticas. cuja produção mundial supera os 1. Os viticultores praticam a multiplicação vegetativa das videiras. e da levedura ECMo01 que degrada a ureia. sejam estes grãos. um processo em que os grãos de cevada germinados são secados e moídos. África do Sul. a descoberta da técnica de fermentação baixa deu maior estabilidade à bebida. capazes de catalisar a transformação do amido em açúcares fermentescíveis (Figura 183 . Brasil. uma prática que no século XI culminou com a adição de lúpulo. preferindo utilizar as leveduras nativas e obter assim um produto original qualitativamente diferente dos outros. Trata-se da levedura ML01. A CERVEJA As bebidas fermentadas representam uma opção saudável na falta de água ou no caso de estar contaminada. Em 4000 a. Chile. pode ser que as novas tecnologias genômicas se apliquem na produção de plantas resistentes a doenças e pragas. mas as enzimas da uva e as atividades metabólicas microbianas também cumprem um papel importante. estas reações poderão vir a ser bem conhecidas e controladas. o que garante uma qualidade constante. O malte assim obtido contém as enzimas desenvolvidas durante a germinação. Os trabalhos de Pasteur e o progresso da Microbiologia no século XIX permitiram o desenvolvimento de uma poderosa indústria. Recentemente. Bancos de leveduras nativas facilitam a preservação da biodiversidade. Com a entrada no mercado internacional de países menos apegados às tradições (Estados Unidos. alguns produtores consideram aceitável a transferência de genes de videiras rústicas para plantas de elite. Esmigalhava-se o pão de cevada em um recipiente com água açucarada e. evitando a produção de histaminas. de substituir as leveduras selvagens por leveduras enológicas selecionadas. Existe a tendência. raízes. a bebida era filtrada e transvasada a outro recipiente. A transferência de genes de resistência de uma variedade a outra é vista com muita desconfiança pelos produtores. Austrália etc. Contudo. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 15: Biotecnologia e alimentos O cultivo da videira é uma tarefa complexa que exige tratamentos. quando os frades introduziram algumas inovações como incluir diferentes tipos de ervas. Contudo. A fabricação da cerveja começa com a maltagem. os habitantes das margens dos rios Tigre e Eufrates (Mesopotâmia) preparavam 20 variedades de cerveja a partir de um procedimento bem simples. porque o rótulo de varietal é parte da estratégia de vendas dos vinhos de qualidade. na indústria moderna. Com o mapeamento do genoma de ambos os microrganismos e a construção de microarrays adequados. Argentina. Os procedimentos melhoraram a partir do século VII. caules ou folhas. impedindo a formação de uma substância carcinogênica. com o objetivo de melhorar a produção.). frutas. mas aumenta a susceptibilidade da plantação aos patógenos. enxertos e podas. Espera-se que os estudos genômicos permitam identificar e selecionar genes de resistência a algumas enfermidades. alguns produtores consideram que estas últimas massificam a qualidade do vinho. que realiza ambas as fermentações (alcoólica e malolática). Todos os povos elaboraram alguma a partir dos elementos de seu entorno. uma vez concluída a fermentação. Mosto Fermentação alcoólica Cerveja Acabamento: Amadurecimento. gerando as cervejas de tipo lager. No momento. sendo então acrescentadas as flores de lúpulo (Humulus lupulus. além de ter uma ação antisséptica. Comercialização 184 . Contudo. Este processo é indispensável. a tecnologia do DNA-recombinante se limita a transformações com genes do mesmo gênero (Saccharomyces). A maltagem e a brasagem são atividades prévias à fermentação alcoólica. visando conseguir linhagens mais eficientes em relação ao processo fermentativo. Os processos mais tradicionais utilizam leveduras que se acumulam no topo da cuba. adequadas à cevada e ao lúpulo de diferentes regiões do mundo. Até o momento. clarificação. conferem à bebida seu sabor amargo característico. que será conduzida por leveduras (Saccharomyces cerevisiae). Malte Brasagem: Mistura. da família das Canabináceas) que. com mais de 6% de álcool. Uma vez concluída a fermentação do mosto. com menos de 4% de álcool. Mais tarde o mosto é filtrado e fervido. germinação secagem e moagem do malte. pasteurização e engarrafamento. possibilitando a digestão do amido por ação enzimática. As etapas da produção de cerveja.3). existem outras leveduras que sedimentam no fundo. Na brasagem o malte é misturado com água. carbonatação. pasteurização e engarrafamento. essas linhagens não são utilizadas comercialmente. originando as cervejas do tipo ale. este recebe os tratamentos finais que consistem em maturação.3. as leveduras não fermentam o amido. FIGURA 15.Maria Antonia Malajovich 15. Cevada Maltagem: Maceração. porque não tendo amilases. filtração e fervura do mosto. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 15: Biotecnologia e alimentos OS QUEIJOS E IOGURTES A produção de laticínios As raízes da produção de laticínios remontam ao ano 3000 a.C. (Oriente Médio), quando o homem comprovara que, ao azedar, o leite mudava de consistência e de sabor. O soro podia ser consumido fresco, e a adição de sal ao coágulo o conservava por mais tempo. Em torno de 2.000 a.C., a utilização de estômagos de cabras e de ovelhas como recipientes para o leite permitiu obter queijos mais sólidos e robustos. Mais tarde, os romanos introduziram extratos de plantas como o figo para coagular o leite. A explicação destes fenômenos é simples. As bactérias que normalmente se encontram no úbere dos animais contaminam o leite, proliferando e formando ácido láctico. Nesse meio ácido, as proteínas precipitam, separando-se do soro. A coagulação também ocorre em presença das enzimas renina e pepsina da mucosa estomacal e da ficina do figo. Hoje, a produção mundial de leite fermentado (iogurte, coalhada, quefir etc.) é de três milhões de toneladas por ano enquanto a de queijos chega a 15 milhões de toneladas por ano (Figura 15.4 A). Várias espécies bacterianas podem fermentar o leite: Streptococcus thermofilus, Lactobacillus bulgaricus, Lactobacillus acidophilus, Streptococcus lactis, Bifidobacterium bifidum etc. A maioria dos produtos vendidos como “leite fermentado” contém um número alto de microrganismos vivos; sendo consumidos como probióticos, para prevenir o desenvolvimento de outros microrganismos indesejáveis ou patogênicos no tubo digestivo. Todos os queijos passam por três etapas: a coagulação, o dessoramento e a maturação (Figura 15.4 B). No entanto, a tecnologia de produção de queijos permite uma série de variações que se traduz em mais de 400 tipos diferentes. Algumas dessas variações são a origem do leite (vaca, cabra, ovelha, búfalo), o agente da coagulação (calor, enzimas, bactérias lácticas ou ambas), a umidade e consistência (mole, semiduro, duro e muito duro) e a maturação. Muitos países aceitam 35 variedades definidas por regras internacionais. O rol de microrganismos e enzimas A produção de queijos envolve a acidificação do meio pelas bactérias lácticas, geralmente Lactococcus lactis e Streptococcus thermophilus. O coalho, uma substância extraída do estômago de bezerros, foi utilizado como agente da coagulação enzimática durante séculos, mas sua obtenção ficou cada vez mais cara e difícil. Para estabilizar a produção e satisfazer a maior demanda pelos produtos lácteos, usou-se transferir o gene da renina a uma bactéria (Escherichia coli) e, mais tarde, a uma levedura (Kluyveromyces) e um mofo (Aspergillus). Além da enzima produzida (quimosina) ser mais pura que a renina, os suplementos são constantes, aumentando a eficiência da produção de laticínios e diminuindo os custos. O melhoramento de bactérias lácticas visa a obtenção de linhagens mais estáveis, resistentes aos vírus bacteriófagos e produtoras de bacteriocinas, que são substâncias com atividade antimicrobiana. Também linhagens capazes de liberar mais rapidamente suas enzimas poderiam acelerar o processo de formação de aromas. Com o mapeamento do genoma, espera-se uma intensificação das pesquisas nessa direção. O desenvolvimento de bactérias e fungos durante a maturação confere suas características típicas a alguns queijos como, por exemplo, a presença de olhaduras produzidas por Propionabacterium no Gruyère, ou de um manto branco de Penicillium no Camembert e no Brie ou, ainda, as estrias azuis de Penicillium no Gorgonzola ou no Roquefort. 185 Maria Antonia Malajovich FIGURA 15.4. A produção de laticínios. A. Iogurte tradicional e iogurte batido. As variações dependem de acréscimos (açúcar, frutas etc.) e de modificações de consistência (cremoso, firme, batido). Leite + leite em pó (+ açúcar) Pasteurização Inoculação com lactobacilos Preenchimento das embalagens Fermentação láctica Fermentação láctica Resfriamento Agitação (+ adição de frutas) Preenchimento das embalagens Iogurte tradicional Iogurte batido Comercialização Comercialização B. Queijo. Os agentes biológicos intervêm nas etapas de coagulação e na maturação de alguns produtos. Leite Pasteurização Inoculação com lactobacilos, coalho ou enzimas e adição de CaCl 2 Fermentação láctica Coagulação Dessoramento Enformagem, prensagem, viragem e salga Inoculação com fungos e/ou bactérias Maturação Embalagem e comercialização 186 BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 15: Biotecnologia e alimentos A PROTEÍNA DE CÉLULA ÚNICA Em um sentido amplo, o termo SCP (do inglês single cell protein) se refere à proteína bruta ou refinada originada pelo crescimento de bactérias, algas, fungos ou mofos. De fato, os microrganismos são muito mais produtivos que os animais de criação. Enquanto uma vaca produz 200 g de proteína por dia, os microrganismos, teoricamente, podem produzir 25 toneladas, no mesmo tempo e em condições ideais. Nas décadas de 1960 e 1970, especulava-se com a utilização de derivados do petróleo como matéria-prima para o crescimento microbiano, mas com a crise dos anos 1980, a ideia de um “bife de petróleo” foi abandonada. Atualmente utilizam-se como substrato os excedentes e os restos agrícolas ou industriais, e a maioria dos processos visa o enriquecimento de rações animais. A introdução de proteína microbiana na alimentação humana demanda um processo extra de purificação por ter um conteúdo de ácido úrico muito alto. Contudo, a empresa Ranks Hovis McDougall (RHM) conseguiu um produto, denominado Quorn, adaptado para a nutrição humana, utilizando o fungo Fusarium graminearum. Esse alimento apresenta um alto teor proteico (45%), uma composição em aminoácidos parecida com a da carne de vaca, um alto conteúdo de fibras e uma quantidade aceitável de ácidos nucleicos (1%). Por não ter cheiro ou sabor, o produto pode ser utilizado como substituto de peixe, frango ou carne. A semelhança dependeria do comprimento das fibras. OS ADITIVOS OS DIVERSOS TIPOS A adição de algumas substâncias nos alimentos tem diversos objetivos como, por exemplo, conservá- los por mais tempo (antibióticos, ácido acético, ácido láctico, etanol), complementar seu valor nutritivo (vitaminas, aminoácidos) ou mudar a consistência (gomas e enzimas). Os aditivos também são usados para melhorar a cor e o flavor, um termo que abarca o aroma, o sabor e a textura. Apesar da má fama que os acompanha, só uma em 6.000 pessoas apresenta alergia e intolerância aos aditivos, um número baixo, considerando que uma pessoa em 50 é alérgica ou intolerante a algum alimento. Os principais aditivos utilizados pela indústria de alimentos são os ácidos cítrico e láctico, alguns corantes naturais (-caroteno, riboflavina), flavorizantes (monoglutamato de sódio, extrato de levedura, aromas), gomas espessantes (xantana, gelana, dextrana), antioxidantes (-caroteno), vitaminas (B2, B12, Biotina), enzimas e antibióticos. Alguns desses aditivos são obtidos em culturas de células vegetais. Outros têm uma origem microbiana, sendo utilizadas linhagens de microrganismos geneticamente modificados para sua produção industrial. Vimos anteriormente o importante rol desempenhado por algumas enzimas na produção de alimentos e bebidas por fermentação. Falta destacar o uso da lactase na elaboração do leite deslactosado, um produto dirigido às pessoas com intolerância à lactose. E da pectinase que, junto com celulases e amilases, facilita a extração do suco de frutas retido na pectina, sendo também utilizada na clarificação do suco. Finalmente, entre os antibióticos usados para conservar alimentos, citaremos a Nisina (INS234), que inibe o crescimento de bactérias Gram-positivas em queijos, salsichas e produtos cozidos de origem avícola, e também a Natamicina ou Pimaricina (INS235), utilizada como conservante na superfície de produtos cárneos embutidos. 187 Maria Antonia Malajovich OS ADOÇANTES Outro caso interessante é o dos adoçantes. O aspartame (ácido aspártico e fenilalanina) é consumido para limitar a ingestão de calorias, e o xilitol, para diminuir a incidência de cáries dentárias. Outros, como o xarope de glicose ou de frutose, substituem o açúcar na indústria de alimentos. A hidrólise ácida ou enzimática (-amilase e glicoamilase) do amido do milho produz xaropes de maltose e de glicose. Já a ação enzimática da lactase sobre o soro das indústrias de laticínios origina um xarope de dextrose (glicose, galactose). Uma vez refinados e concentrados, esses xaropes podem ser usados como ingredientes na elaboração de produtos alimentícios (biscoitos, sorvetes etc.). O poder adoçante da glicose é menor que o da frutose, mas a transformação enzimática (invertase ou glicose isomerase) transforma uma em outra (Figura 15.5). O resultado é um xarope (42% de frutose, 52% de glicose) que pode ser concentrado por métodos cromatográficos até alcançar um teor de 90% de frutose. A indústria de refrigerantes substitui a sacarose pelo xarope de frutose com uma concentração de 55%, obtido mediante a mistura dos dois tipos. O processo começou a ser estudado na década de 1960, sendo o custo da glicose-isomerase o principal fator limitante da tecnologia. Com o desenvolvimento das técnicas de imobilização enzimática, o processo tornou-se econômico, possibilitando o uso do amido proveniente de cereais excedentes. Mas por outro lado prejudicou os países produtores de açúcar, que viram diminuir a demanda por este produto. O descobrimento de um gene microbiano capaz de transformar a sacarose em cadeias curtas de frutose (fructanos), com o mesmo gosto e desprovidas de calorias, indica que novos produtos poderão entrar em breve no mercado de adoçantes. FIGURA 15.5. A produção de xarope de frutose. A hidrólise e a sacarificação do amido produzem glicose; esta é transformada em frutose pela enzima glicose- isomerase, imobilizada em um biorreator. Amido de milho, batata ou trigo Amilases e glicoamilases Hidrólise e sacarificação Glicose Isomerização (invertase imobilizada) Frutose 188 BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 15: Biotecnologia e alimentos OS ALIMENTOS BIOFORTIFICADOS O homem não se alimenta exclusivamente por motivos fisiológicos. A seleção dos alimentos ocorre dentro de uma tradição sociocultural que inclui a noção do que é saudável. O homem tenta escolher os alimentos em função da satisfação sensorial, emocional e afetiva que espera obter, mas o peso das considerações econômicas é decisivo. Combate-se a fome de uma população dando-lhe acesso aos alimentos. Contudo, a falta total de alimentos é hoje um fenômeno menos frequente que a desnutrição devida à carência de determinados nutrientes na dieta. Descrita magistralmente por Josué de Castro, na década de 1950, essa fome parcial ou fome oculta ainda afeta mais da metade da população mundial, fundamentalmente mulheres e crianças, sendo a causa de diversas doenças. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o ferro, o zinco e a vitamina A são as principais deficiências nutricionais dos países em desenvolvimento. A estratégia tradicional consiste em suplementar os alimentos industrializados com os nutrientes correspondentes. Existem outras possibilidades, tais como a fertilização dos solos e, consequentemente, o enriquecimento das culturas de base. Contudo, o melhoramento genético parece ser a estratégia mais promissora para aumentar as concentrações de nutrientes nas culturas de base (arroz, milho, trigo, feijão, mandioca e batata- doce). A engenharia genética pareceria, a priori, a via mais rápida para fortificar os alimentos. Porém, os empecilhos legais encontrados pelo arroz com pró-vitamina A (Golden Rice), que conta com mais de 10 anos pronto sem ter sido comercializado, desestimulam a escolha dessa tecnologia. Na biofortificação dos cultivos são utilizadas outras tecnologias com base biológica. Nos Bancos de Germoplasma do CGIAR já foram encontradas variedades de feijão com maior conteúdo de ferro, de arroz e trigo com altos níveis de zinco, de mandioca, milho e batata-doce ricos em vitamina A etc. As novas técnicas de análise genética de traços quantitativos e, especialmente, a seleção assistida por marcadores moleculares facilitam o melhoramento genético das culturas de base. As novas variedades deverão ser altamente produtivas e contar com os nutrientes desejados. Espera-se que contem com a aceitação das populações necessitadas e, também, que os nutrientes sejam assimilados de maneira a melhorar sua condição nutricional. A biofortificação de alimentos é um programa internacional desenvolvido por HarvestPlus (CGIAR), um consórcio de instituições de pesquisa e agências de desenvolvimento que age especialmente na América Latina e na África. No Brasil, a Embrapa Agroindústria de alimentos participa do programa HarvestPlus, tendo já desenvolvido variedades biofortificadas de feijão e milho. Os primeiros testes estão sendo realizados em Sergipe. SEGURANÇA ALIMENTAR Em relação aos alimentos, a noção de segurança está baseada na tradição. Com o desenvolvimento de uma moderna indústria de alimentos, surgem alguns questionamentos. Atualmente, linhagens microbianas selecionadas são utilizadas para iniciar as fermentações, como starters. Ao acabar o processo fermentativo, essas linhagens podem permanecer no meio, como os lactobacilos dos iogurtes. Também podem ser eliminadas por calor ou filtração, como as leveduras do pão e da cerveja. Apesar de ter passado por uma série de processos seletivos que as torna muito diferentes geneticamente das linhagens selvagens, as linhagens starters são bem conhecidas e não representam risco algum para a saúde. Classificadas pelas agências internacionais como GRAS (do inglês, generally recognized as safe) essas linhagens são as únicas permitidas na produção de alimentos. 189 Maria Antonia Malajovich Não existem normas explícitas sobre o que seria um OGM food-grade, isto é, um microrganismo transgênico que possa ser utilizado na indústria de alimentos. Alguns aspetos de biossegurança teriam que ser considerados. Um deles seria evitar ou eliminar qualquer gene de resistência a antibióticos que tivesse sido introduzido como marcador seletivo na transferência gênica. O outro diz respeito aos organismos doadores de genes, esboçando-se diferentes critérios. Segundo um critério estrito, para poder ser considerado food grade, um OGM deveria conter exclusivamente DNA da mesma espécie, aceitando-se na construção gênica a presença de pequenos fragmentos sintéticos de DNA, sempre que não codifiquem DNA ou RNA. Em outros termos, a tecnologia do DNA-recombinante se aplicaria a microrganismos de diferentes linhagens da mesma espécie. Atualmente, tem obtido aceitação um critério mais amplo, permitindo a inclusão de DNA de outros microrganismos alimentares, a condição de estes pertencerem ao mesmo grupo de microrganismos que participam no processo. Como, por exemplo, a transferência de genes das bactérias maloláticas para as leveduras da vinificação. A aceitação de OGMs nos alimentos depende das regulamentações de cada país, bem menos flexíveis na Europa que nos Estados Unidos e no Canadá, onde recentemente fora colocada no mercado uma linhagem de Lactococcus geneticamente modificada e considerada GRAS. As enzimas cumprem um importante papel em várias das indústrias de alimentos (produção de pães, biscoitos, laticínios, sucos de frutas, bebidas alcoólicas, derivados do amido e de proteínas). Atualmente, mais de 30 enzimas diferentes são utilizadas no processamento de alimentos. A primeira enzima sintetizada por um microrganismo transgênico foi a quimosina, que é utilizada há anos como substituto da renina de origem animal, na produção de queijos. Hoje, aproximadamente 80% dos queijos são elaborados com quimosina, sendo aceitos pelos consumidores lactovegetarianos. Os microrganismos utilizados para a síntese de enzimas food-grade são organismos pertencentes à categoria GRAS, bem conhecidos e altamente produtivos, aos quais foram transferidos os genes de interesse mediante engenharia genética. Esses OGMs não estão presentes na preparação final que, depois de purificada, contém exclusivamente a enzima. Essa modalidade produtiva garante à indústria de alimentos várias enzimas seguras e de baixo custo entre proteases, amilases, lipases, lactases, pectinases, glicose-oxidase, invertases etc. A esse respeito, pareceria haver um consenso amplo, incluindo a Comissão Europeia, que considera que os aditivos (corantes, aromas e flavorizantes) só devem ser rotulados como sendo de origem transgênica se o produto final tiver DNA ou proteína de origem recombinante. A mais alta autoridade internacional sobre os alimentos é o Codex Alimentarius, uma comissão de FAO/WHO, reconhecida por 169 países. Esta Comissão se encarrega de estabelecer uma metodologia que permite analisar a segurança alimentar em relação aos produtos derivados de microrganismos geneticamente modificados . 190 principalmente. milho) assim como substâncias produzidas por microrganismos geneticamente modificados (enzimas. A tecnologia anti-sense não foi abandonada. outro tomate de maturação lenta ocupou esse nicho de mercado. sendo aplicada no melhoramento de outros vegetais (brócolis. melão e framboesa). trigo com características especiais para a panificação ou batata com mais amido. Diferentemente do exemplo anterior. às quais foram transferidos traços como a tolerância a herbicidas e/ou a resistência a insetos e infecções virais. a Calgene Inc. tendo que ser colhido ainda verde e transportado rapidamente até o lugar de comercialização. aditivos etc. ganhando cor e sabor. soja. cenoura. O fruto poderia permanecer mais tempo na planta. Um caso interessante foi o do tomate com mais pectina. se a enzima responsável pelo amolecimento do fruto fosse inativada. MELHORANDO A CONSERVAÇÃO Para despertar o interesse do consumidor são necessários produtos com qualidades que o beneficiem diretamente. melhorando a qualidade da matéria-prima. com uma composição adequada às frituras. Poucos são os alimentos transgênicos que são consumidos diretamente: o milho e. o primeiro alimento resultante da nova biotecnologia. tais como óleo de canola e de girassol. BIOTECNOLOGIA E ALIMENTOS NOVOS A ENTRADA DOS TRANSGÊNICOS NA CADEIA ALIMENTAR Os alimentos industrializados podem conter alguns componentes de origem transgênica (soja.br) . onde é comercializado com nomes distintos. nos Estados Unidos.16. produziu o tomate FlavSavr.bteduc. tais como o aumento no tempo de conservação dos frutos. este tomate teve uma expansão muito rápida em numerosos países. liberado nos Estados Unidos em 1994 e descontinuado pouco tempo depois devido ao seu custo. Mais tarde. a papaia resistente a vírus e algumas variedades de abóbora. Aguarda-se a entrada no mercado do arroz com provitamina A e do salmão de crescimento rápido. principalmente milho. com menos consumo de energia e menor necessidade de aditivos (espessantes) que o fruto tradicional. aipo. onde a maturação é induzida com etileno.). A primeira onda de produtos comercializados internacionalmente esteve limitada a poucas plantas. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. Esse tomate era utilizado na preparação de massa ou purê de tomate. os consumidores não perceberam nenhuma vantagem direta. Utilizando a tecnologia anti-sense. Apesar das novas tecnologias terem diminuído as contaminações por fungos. Essas plantas foram aceitas rapidamente pelos produtores agrícolas porque permitiam.bio. que absorve menos gordura ao fritar. MELHORANDO AS PROPRIEDADES INDUSTRIAIS Uma forma de despertar o interesse do consumidor é melhorando algumas das propriedades dos alimentos industriais. desenvolvido por Zeneca Plant Science a partir de variações genéticas detectadas em cultura de tecidos. algodão e canola. Isso explicaria em parte a resistência aos transgênicos por parte do grande público. maior produtividade e menores custos. O tomate amolece com o tempo. Se o Golden Rice tivesse sido obtido por vias convencionais. os novos alimentos serão vistos como produtos interessantes e promissores ou como uma ameaça. que reúne um traço transferido mediante técnicas de melhoramento convencionais (baixo teor de ácido linolênico) e um traço de origem transgênica (tolerância ao herbicida Roundup). assistido por técnicas de biologia molecular? Um primeiro caso a analisar é o do arroz dourado (Golden Rice). com mais Ômega 3). No auge da campanha contra os transgênicos. O projeto contou com subvenções privadas. na Suíça. Por se tratar de um nicho promissor. entre 1996 e 1999. 192 .Maria Antonia Malajovich O produto resultava mais econômico tanto para a indústria como para o consumidor. econômicas e sociais. toda modificação que venha da mão do homem será considerada perigosa ou vantajosa. Apesar de estar pronto desde 1999. o produto teve que ser retirado do mercado. que poderão pospor sua distribuição até 2014. Seja qual for a resposta. um arroz com a capacidade de sintetizar o ß-caroteno. Um grupo de pesquisadores. tais os empecilhos legais encontrados em função de sua origem transgênica. soja e batata com mais proteína. engenharia genética ou melhoramento convencional. mediante a transferência de genes do narciso. o óleo de soja Vistive representou um passo adiante na prevenção de doenças cardiovasculares e de altos níveis de colesterol. Também seriam bem-vindos alimentos com melhores propriedades organolépticas. e várias das grandes corporações cederam as suas patentes. Lançado no mercado norte-americano em 2005. a deficiência vitamínica mata 6 mil crianças por dia e cega 500 mil por ano. que é um precursor da vitamina A. liderado por Ingo Potrykus. Quais as tecnologias com chances de ser aceitas pelo público. A FAVOR OU CONTRA? A favor ou contra? Responder essa pergunta é simplificar excessivamente uma questão complexa. ela estará atrelada ao momento histórico que vivemos e às nossas concepções políticas. O arroz é uma planta que não produz vitamina A. mandioca e batata sem toxinas. o arroz dourado ainda não chegou ao mercado. outras variedades com alterações no teor de ácidos graxos estão a caminho (Soymega™. O consumidor também poderia ser atraído por alimentos com componentes biologicamente ativos. sendo vendido com bastante aceitação pela rede Sainsbury (Reino Unido). tais como pimentões e melões com mais aroma ou cebolas que não façam chorar. Um segundo caso é o da soja Vistive® (Monsanto). em grande parte. milho com metionina. estaria no mercado desde 2003. como os antioxidantes do chá verde ou as substâncias capazes de diminuir o colesterol que se encontram no alho e na cebola. camarão e amendoim sem substâncias alergênicas etc. obteve. Na Ásia. Nossa atitude em relação aos transgênicos depende. canola com vitamina A. Dependendo da confiança depositada no conhecimento científico e no progresso tecnológico. da visão que cada um de nós tem da natureza. Empresas como Kellog e Cargill o utilizaram logo na preparação de alimentos com melhor qualidade nutricional. onde este constitui a base da alimentação. MELHORANDO AS CARACTERÍSTICAS NUTRICIONAIS Outra forma de chegar ao consumidor seria mediante produtos com melhores características nutricionais: carne e leite com menos gordura. frutas mais doces. Conforme ela for considerada “fundamentalmente boa” ou “fundamentalmente ruim”. canadenses. argumentando que era transgênico. Friends of Earth) e aos produtores agrícolas (Confédération Paysanne). sul-africanos. os governos respectivos rejeitaram o milho enviado como ajuda humanitária para alimentar a população. as redes de distribuição teriam aproveitado a oportunidade para impulsionar seus próprios produtos e lançar suas próprias marcas. queimaram-se laboratórios de pesquisa e campos com cultivos experimentais. possibilitando a formação de uma oposição feroz. e a escolha de uma tecnologia pode depender de considerações econômicas ou ideológicas. Todos os alimentos de origem transgênica comercializados atualmente foram devidamente analisados e aprovados no país de origem. brasileiros. entre norte-americanos. a banalização da discussão acirrou o enfrentamento entre partidários e oponentes dos alimentos transgênicos. porque alteraria a qualidade de um alimento saudável. introduzido recentemente no Ocidente. alguns dados podem ajudar a compreender a origem da polêmica. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 16: Biotecnologia e alimentos novos Apesar da subjetividade da questão. A batata foi vista como um alimento perigoso. O dissenso e a discussão fazem parte das sociedades democráticas. Na Zâmbia (2002) e em Angola (2004). é aprovado na União Europeia o milho resistente à broca de Novartis. culmina na Europa a crise da “vaca louca”. Com uma bem sucedida campanha de marketing (“não queremos frankenfood”). Do outro. quando introduzida na Europa. mas pode não sê- lo se estiver contaminado com fungos. as redes de distribuição de alimentos (Carrefour. Enfrentando uma intensa propaganda e recebendo opiniões contraditórias. Moçambique e Zimbábue). nessa campanha. Em 1999. associadas aos ambientalistas (Greenpeace. Outros países africanos também proibiram a importação de alimentos de origem transgênica (Malaui. Academias de Ciências e organizações internacionais concluíram que os alimentos geneticamente modificados disponíveis são tão seguros quanto os alimentos tradicionais. Os fatos são preocupantes. Europa) não faltam alimentos. argentinos e chineses. Infelizmente. O QUE O CONSUMIDOR PRECISA SABER A NOÇÃO DE SEGURANÇA A noção de segurança alimentar costuma ser bastante flexível. Prêmios Nobel. Em 1996. O amendoim é considerado seguro. condenando-a inclusive à fome. cujo marcador era um gene de resistência a ampicilina. estoura na Bélgica o escândalo dos frangos contaminados por dioxinas. a adoção ou rejeição de uma tecnologia é uma decisão que pode ter gravíssimas consequências para sua população. Muitas pessoas são alérgicas ao kiwi. Os termos progressista e reacionário foram usados indiscriminadamente por ambos os grupos. Mark and Spencer). A pasteurização do leite teve opositores ferrenhos. Fora de qualquer argumentação baseada na ciência. porque nos países ricos (Estados Unidos. Algumas pessoas continuam ingerindo gorduras em quantidade. ligadas a poderosos conglomerados multinacionais e com interesses econômicos muito bem definidos. Em 1997. nos países mais pobres. E vários Comitês Científicos. De um lado. A percepção pública foi de insegurança alimentar. mas. mesmo sabendo que são perigosas. o consumidor sente- se inseguro: Será perigoso? Será a mesma coisa? E se causar alergia? E se simplesmente der errado e acontecer alguma coisa que ninguém previu? 193 . encontraram-se as empresas de biotecnologia. Milhões de consumidores os consomem há vários anos. OS MARCADORES DE RESISTÊNCIA A ANTIBIÓTICOS Não há evidências de transferência in vivo do DNA ingerido ao homem ou a microrganismos no intestino. por ser prejudicial para os insetos e inócua para o homem.Maria Antonia Malajovich FIGURA 16. A estrutura de um transgene. per se. A PRODUÇÃO DE TOXINAS Outra preocupação diz respeito à produção eventual de toxinas.1). ingeriria 600 mg de DNA por dia. mesmo em uma frequência extremamente baixa. o alimento geneticamente modificado e o alimento convencional têm a mesma composição química e o mesmo valor nutritivo. calcula-se que uma vaca de 600 kg consumindo uma ração composta por milho geneticamente modificado. os estudos in vitro indicam que. além de um promotor e uma sequência terminal. Para garantir a seleção e a expressão da sequência codificadora que será transferida. não é perigosa. está sendo utilizada sem problemas nas lavouras orgânicas.00024% do DNA ingerido diariamente na ração. a utilização de marcadores de resistência a antibióticos no transgene é um motivo de preocupação (Figura 16. No caso de um alimento geneticamente modificado para sintetizar uma vitamina extra. Uma delas é a toxina do Bacillus thuringiensis que. Gene marcador Transgene Sequência terminal Promotor A INGESTÃO DE DNA A ingestão de DNA. sua implantação no tubo digestivo só poderia ocorrer na presença do antibiótico como agente seletivo. se uma bactéria tivesse se tornado resistente. Porém. há mais de 40 anos. para sua defesa. 194 . 60 mg. Estudos adicionais são necessários. dos quais 1. por exemplo. Apesar de sabermos que. Sabe-se que as plantas sintetizam. Este é um componente de nossos alimentos: um tomate tem 7mg de DNA. O DNA é digerido normalmente. o que corresponde a 0. uma proporção muito baixa. Geralmente. utilizam-se como marcadores antibióticos sem uso clínico e para os quais já se encontrou resistência nas bactérias intestinais. essa transferência poderia ocorrer. A COMPOSIÇÃO QUÍMICA Em relação aos produtos que já estão comercializados. deve-se construir em redor uma estrutura complexa que. inclui um gene marcador. substâncias químicas que podem ser tóxicas para o homem ou os animais. de maneira que a transferência do marcador não mudaria a situação. 50 mg e um sanduíche.1. Considerando que já existe a tecnologia apropriada.5 mg seria DNA recombinante. a recomendação das agências internacionais é de substituir ou eliminar esse tipo de marcadores. junto com os outros componentes dos alimentos. a situação é diferente e este não pode ser considerado igual ao alimento convencional. Em relação ao alimento transgênico. uma banana. No entanto. Alguns autores manifestaram sua preocupação com a utilização do promotor do vírus do mosaico da couve-flor (CaMV). Observe-se que esses alimentos passaram por testes que nunca foram aplicados no arroz. Complementa-se a informação mediante análises laboratoriais com os anticorpos de pessoas sensibilizadas e. na batata ou no kiwi. a presença de uma toxina é investigada mediante ensaios biológicos em diversas espécies de animais. mediante testes em animais capazes de desenvolver alergias aos mesmos tipos de alimentos que os seres humanos. poderia ativar outros genes não virais (oncogenes). havendo diretrizes internacionalmente aceitas para a avaliação de alergenicidade. no milho. A UTILIZAÇÃO DE UM PROMOTOR VIRAL (CaMV) Na construção de um transgene. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 16: Biotecnologia e alimentos novos Normalmente. Os ensaios são complementados com estudos de anatomia patológica. 195 . O risco de alergenicidade dos alimentos transgênicos comercializados até agora não é maior que o dos alimentos convencionais. apesar de sua repercussão na mídia. E. uma fruta introduzida recentemente no Ocidente e que se asseverou ser altamente alergênica. deve-se ter cuidado em relação à origem do transgene. Mas o temor do consumidor é que o transgene acabe sintetizando alguma proteína capaz de desencadear uma crise alérgica. É sabido que o risco de uma proteína ser alergênica aumenta se esta apresentar determinadas sequências de aminoácidos. Estas características são passíveis de estudos. as sequências promotoras são colocadas para determinar quando. Uma mesma proteína pode ser inócua para uma pessoa e alergênica para outra. peixe. sabendo que alguns alimentos são mais alergênicos que outros. considerando que sua transferência horizontal de uma planta transgênica ao homem. Vale a pena assinalar que. com o objetivo de melhorar suas qualidades nutritivas. as declarações de Pusztai em 1999 sobre a toxicidade de batatas transgênicas (não comerciais) em ratos não puderam ser confirmadas. no aparelho digestório. também. A avaliação toxicológica realizada nos alimentos geneticamente modificados já comercializados não detectou efeitos adversos. que fora liberado nos Estados Unidos para compor rações animais e contaminara tortillas e tacos destinados ao consumo humano. frente à possibilidade de induzir reações alérgicas em pessoas sensíveis à castanha-do-pará. As alergias se caracterizam pela hipersensibilidade a uma ou mais proteínas que desencadeiam reações diversas. Entretanto. se ela se degradar lentamente no tubo digestivo ou se permanecer estável durante o processamento industrial. leite de vaca. vômito ou diarreia. A transgênese poderá vir a melhorar a qualidade dos alimentos se ela for utilizada como ferramenta para eliminar substâncias sabidamente alergênicas dos alimentos. alimentados durante um tempo com o produto transgênico. nenhuma das denúncias de alergia à proteína correspondente fora confirmada. ovos. tais como urticária. Em relação ao escândalo do milho Star Link. sendo impossível prever o efeito que ela terá em uma terceira. Um exemplo clássico citado frequentemente é o da transferência à soja de um gene da castanha-do-pará. restou uma lição bem clara em relação à biossegurança: não se pode liberar um cultivo para ração se este for inadequado para seres humanos. onde e como irá se expressar a proteína codificada. o projeto foi descontinuado sem que essa soja saísse do laboratório. sendo provocadas principalmente por trigo. A PRODUÇÃO DE ALÉRGENOS A incidência de alergias alimentares é de 1-2% em adultos e 5% em crianças. amendoim e soja. Já no caso da torta de soja ou da espiga de milho. Até agora. O princípio dá toda a importância ao produto final e não à tecnologia aplicada para sua obtenção. há cidades mais seguras que outras. 196 . os animais e o ambiente. e a tecnologia de microarrays permite excluir essa possibilidade. os aditivos. por conseguinte. O conceito de segurança se estabelece sempre em relação a algum marco de referência. de couve-flor e de repolho. Só podemos afirmar que “os alimentos transgênicos podem ser seguros ou não” e que “determinado alimento transgênico é tão seguro quanto o seu equivalente”. o referencial é o alimento já conhecido e consumido habitualmente. admitido por numerosas organizações internacionais como FAO (Food and Agriculture Organization). Assim como não há cidade segura. E como em dois organismos pode-se inserir o mesmo gene em diferentes lugares e de diferentes modos. gerando no organismo geneticamente modificado algum tipo de alteração que não fora previsto.Maria Antonia Malajovich Essa preocupação não teria maiores fundamentos. A AVALIAÇÃO DE RISCOS Não é possível dizer que “todos os alimentos transgênicos são seguros” nem sequer “este alimento transgênico é seguro”. Todos os parâmetros anteriormente citados terão que ser avaliados: a construção do transgene. sendo ingerido pelo homem em quantidades consideráveis faz décadas e sem nenhum efeito reconhecido. o amido de uma batata resistente a vírus é idêntico ao amido de uma batata qualquer. substâncias tóxicas ou alergênicas). os efeitos não previstos devidos à presença do transgene. antes de chegar ao mercado. os conservantes e os corantes convencionais novos estão sujeitos à aprovação. OECD (Organization for Economic Cooperation and Development). O mesmo raciocínio pode ser feito em relação ao óleo de canola ou de soja. WHO (World Health Organization). Por exemplo. Por isso. sem DNA nem proteína da planta da qual foi extraído. Porque o amido é um carboidrato purificado. ILSI (International Life Science Institute). A análise terá que ser feita caso a caso. Quando se trata de segurança alimentar. deve-se analisar se estes podem ter algum efeito no organismo que os ingere. as mesmas características nutritivas e um histórico de uso seguro. o valor nutritivo e. Assim como qualquer novo ingrediente de origem biotecnológica. os genes inseridos sintetizam proteínas e ambos se encontram no produto final. dado que o promotor CaMV é detectado em 14 a 25% da produção de canola. os efeitos devidos à presença do transgene (eventualmente. não fora registrado nenhum efeito deste tipo nos produtos comercializados. avaliam-se os riscos que este apresenta para os seres humanos. também. COMO GARANTIR A SEGURANÇA ALIMENTAR? O PRINCÍPIO DE EQUIVALÊNCIA SUBSTANCIAL Antes de comercializar um alimento transgênico. cada evento deverá ser analisado separadamente. Um alimento originado por biotecnologia moderna é tão seguro para o consumo quanto um alimento que tenha a mesma composição. Esse é o denominado princípio de equivalência substancial. OUTROS EFEITOS A inserção de várias cópias gênicas em diferentes lugares do genoma poderia gerar a ativação ou desativação de outros genes. frutos de mar e aditivos) e à USDA (US Department of Agriculture) a regulação dos produtos cárneos e avícolas além dos testes de campo de todas as plantas geneticamente modificadas. aproximadamente 20 das variedades transgênicas cultivadas estão autorizadas para o consumo humano. o sistema está baseado na responsabilidade da indústria e na avaliação de várias agências federais. não há necessidade de rotular alimentos e bebidas preparados com substâncias produzidas por OGM. o Decreto 4. Nos Estados Unidos. A regulamentação é extensiva a cantinas e restaurantes. No Brasil. todos os produtos com mais de 1% de ingredientes transgênicos sejam rotulados. óleos vegetais. ovos) nem o mel de abelhas alimentadas com néctar de flores de plantas transgênicas.680 (24/4/2003) determina que. sendo auxiliares de transformação. ou se tiver sido incorporada alguma substância capaz de produzir alergias. a legislação de 2004 manda rotular todos os produtos de origem transgênica destinados à alimentação humana ou animal. peixes. 197 . Tendo a responsabilidade pelo uso de pesticidas químicos. Na Argentina e no México. rege o princípio de precaução. laticínios. Nos Estados Unidos. a legislação europeia considera que. cabendo a FDA (US Food and Drug Administration) a avaliação da segurança alimentar das novas variedades (vegetais. Não são rotuladas. leite. O símbolo de transgênico. sementes etc. Na União Europeia. FIGURA 16.2. se estes ou seus resíduos não estiverem presentes no produto final. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 16: Biotecnologia e alimentos novos Essa metodologia. Apesar de alguns grupos ativistas terem manifestado sua oposição aos alimentos transgênicos. A ROTULAGEM DOS ALIMENTOS Não há no momento um consenso em relação aos rótulos: em alguns países não há nenhuma regulamentação. a partir de abril 2004. corresponde à EPA (Environmental Protection Agency) a aprovação das plantas geneticamente resistentes a pragas. adotado no Brasil. O objetivo destas medidas é garantir a escolha do consumidor e a rastreabilidade dos transgenes ao longo da cadeia alimentar. seja tão seguro quanto seu análogo convencional.2). O rótulo indica "este alimento contém organismos geneticamente modificados" ou "produzido a partir de (nome do organismo) geneticamente modificado". em outros se adota o rotulado voluntário ou se estabelecem normas rígidas. a menos que o valor nutricional do alimento tenha sido alterado. como no caso do óleo Vistive. a rotulagem não é obrigatória. incluindo rações. denominada análise de risco de alimentos geneticamente modificados para a saúde humana. um triângulo com uma letra T inserida dentro (Figura 16. isto não tem afetado a estabilidade do sistema de avaliação. com um símbolo específico de tamanho maior a 1 cm2. Também é obrigatório o rótulo nos alimentos que contenham mais de 0. Como o que importa é o processo seguido na produção do alimento. Por outro lado. Tampouco são rotulados os produtos provenientes de animais alimentados com rações transgênicas (carne. garante que o alimento e quaisquer substâncias que resultem da modificação genética.9% de material geneticamente modificado. A experiência de mais de uma década de consumo de alimentos transgênicos confirma que estes são equivalentes aos alimentos convencionais. Maria Antonia Malajovich ROTULO E INFORMAÇÃO Quando se trata de escolher entre dois alimentos. para reconhecer a presença ou ausência do transgene. O RASTREAMENTO DE UM TRANSGENE Em um mundo globalizado. Contudo. também. o DNA pode estar quase totalmente degradado. o custo de todos esses testes é alto e será pago pelo consumidor. à nossa experiência pessoal. em que a presença ou ausência do transgene é determinada em função de um limite como 1%. Em outras palavras.001% do transgene. Observe-se que. Testes quantitativos. entre diversos grupos de consumidores. cabe refletir sobre o significado de um rótulo para a maioria dos consumidores. 198 . Por isso é importante contar com formas de rastreamento como a técnica da PCR (reação em cadeia da polimerase). a variedade de regulamentos e de modalidades de rotulagem é um fator de complicação das transações comerciais. o limite de 1% redefine o nível de pureza de um ingrediente de origem vegetal. basta recorrer à nossa percepção sensorial ou. A aceitação dos transgênicos varia de um país para outro e. o consumidor pode comprar um produto com mais de 1% de ingredientes transgênicos ou um produto convencional cuja composição conta mais de 99% de ingredientes não transgênicos. A técnica permite identificar DNA exógeno em uma quantidade de 0. admitindo-se que todo valor inferior a esse limite pode ser o resultado de uma contaminação acidental. Uma forma de simplificá-los seria a inclusão em todas as construções genéticas de uma sequência conhecida. facilitando a identificação de qualquer transgene. para aplicar estes testes. ou de origem transgênica. nem sempre a PCR é informativa. Por outro lado. Somente o processo educativo pode dar à população os elementos básicos para formar uma opinião informada e responsável e fazer suas escolhas. Nenhuma das duas permite reconhecer a presença de ingredientes transgênicos. ELISA) que permitem detectar a proteína sintetizada pelo transgene e eventualmente estimar a quantidade presente. que fornecem informação sobre a quantidade do transgene por comparação com amostras de referência com concentrações conhecidas. Finalmente. Nesse caso. Testes semiquantitativos. nos alimentos.1% (1 grama em 1 quilograma). Sendo assim. mas algumas variantes extremamente sensíveis reconhecem a presença de 0. a rotulagem pareceria a saída mais lógica para informar de maneira honesta. ainda. Essa contaminação também é inevitável quando coexistem plantações transgênicas e convencionais. é necessário saber quais as transformações que o produto sofreu e estabelecer protocolos adequados. por exemplo. Existem métodos imunológicos (Western Blot. em que a qualidade de um produto pode ter que ser definida em relação à presença ou ausência de um transgene. exata e completa sobre os produtos das prateleiras. o rótulo não garante ao consumidor a ausência de transgênicos. e se a escolha entre um produto e outro não dependerá essencialmente do preço e do marketing. se precisa de informação sobre as sequências do transgene. Em função da resistência de alguns grupos de consumidores. Em amostras de grãos ou alimentos processados. Por conseguinte. que pode ser aplicada em diferentes modalidades: Testes qualitativos. Esta funcionaria como uma etiqueta molecular. Vimos no Capítulo 13 que os produtores de sementes comerciais admitem como aceitável uma contaminação de 1% entre as variedades convencionais. a vacinação dos animais resulta duplamente eficiente. acompanhada de alguns sintomas como febre. Hoje. inversamente. como consequência. o descobridor da primeira vacina antivariólica. E ainda não temos vacinas para doenças como o dengue.bio. A melhora das condições econômicas de uma população repercute na saúde da mesma e. Por outro lado. mais de 80% das crianças morriam de doença antes dos 10 anos de idade.bteduc. poliomielite.1). Pode-se dizer que nos duzentos anos que nos separam de Jenner.br) . Também podem se comportar como antígenos as células de um organismo transplantadas a outro e materiais como o pólen. A vacinação chega às crianças e aos grupos de pessoas sujeitos a maiores riscos.17. na maioria dos países. do inglês. os maiores de 60 anos (gripe. porque a proteção atinge não só a pessoa que as recebe como os que entram em contato com ela. rubéola. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. meningite. Em uma variante do velho ditado “prevenir é melhor que curar”. Uma vacina é um produto destinado a estimular o sistema imune de maneira a prevenir ou controlar uma infecção. como as mulheres (sarampo e rubéola). Lamentavelmente. originando doenças como a varíola. tétano. suas moléculas e substâncias químicas são antígenos. difteria. erupção cutânea. antraz). sarampo. Também resguarda os residentes em determinadas áreas e os viajantes (febre amarela). intensa e duradoura (Figura 17. devido aos conflitos armados e à dificuldade de acesso aos centros de saúde. a malária ou para o HIV/AIDS. quebra o elo de transmissão ao homem. segundo a WHO (Organização Mundial da Saúde. hepatite B. Essas condições possibilitaram a passagem de germes dos animais domesticados ao homem. A AQUISIÇÃO DE IMUNIDADE Microrganismos infecciosos. caxumba e infecções por rotavírus e pneumococos. temos alcançado o sucesso na prevenção de um bom número de doenças infecciosas. pelos de animais e alguns alimentos nas pessoas sensibilizadas. Essa primeira resposta está acompanhada da aquisição de uma memória imunológica que facilitará a eliminação do antígeno estranho. No primeiro contato com um antígeno estranho. a densidade das populações humanas e sua sedentarização. World Health Organization). o organismo reage com uma resposta imunológica primária de intensidade baixa e curta duração. coqueluche. diminuindo a doença e suas sequelas de invalidez ou morte prematura. o maior impacto na área de saúde se consegue com água limpa e vacinas. elas estão protegidas por programas de vacinação sistemática que as imunizam contra tuberculose. A resposta secundária envolve numerosas células e moléculas e se caracteriza por ser rápida. O custo de implantação de um sistema de vacinações é baixo. o sarampo e a gripe. dor de cabeça. pneumonias) e os profissionais de saúde (hepatite B. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE / AS VACINAS AS DOENÇAS INFECCIOSAS O cultivo de plantas e a domesticação de animais aumentaram a disponibilidade de alimentos e. porque além de protegê- los da doença. ainda morrem anualmente dois milhões de crianças de doenças para as quais temos vacinas que não chegam até elas. No século XIX. dá-se às pessoas a possibilidade de melhorar suas condições de vida. A memória imunológica. Intensidade da resposta imune 1 2 3 4 5 6 7 8 Semanas Primeiro contato Segundo contato com o patógeno com o patógeno (antígeno) (antígeno) FIGURA 17. Antígeno Detectado por células que ativam os diferentes tipos de linfócitos Linfócitos T citotóxicos Linfócitos T auxiliadores Linfócitos B Síntese de anticorpos Células de memória Eliminam as células infectadas Neutralizam ou marcam o antígeno dando início a sua eliminação 200 .1.Maria Antonia Malajovich FIGURA 17. A resposta primária e secundária do organismo.2. Estas vacinas induzem uma resposta imune intensa e duradoura que envolve ambas as vias. Uma vez finalizada a resposta primária. T) permanecerão no sistema. Tanto a ação humoral como a ação mediada por células dependem da participação dos linfócitos auxiliadores Ta. a imunidade mediada por células ou. Outra desvantagem é a necessidade de manter uma cadeia de frio para conservá-las refrigeradas. T helpers). Ativam-se assim os mecanismos de defesa. basta uma única dose para obter a imunidade desejada. dando início a sua destruição. 201 . o bacilo de Koch e todos os vírus parasitam as células. a célula infectada será reconhecida e destruída pelos linfócitos T matadores (também chamados Tc. Deve-se à memória imunológica a aceleração dos mecanismos de defesa em ocasião de um segundo contato com o antígeno (Figura 17. patógenos mortos ou antígenos acelulares. as vacinas de patógenos vivos atenuados apresentam alguns inconvenientes. ambas ao mesmo tempo. do inglês T citotoxic).Vacinas OS DIFERENTES TIPOS DE VACINAS Todo patógeno ou antígeno estranho que penetre no organismo é detectado pelo sistema imune. Além de serem inadequadas para as pessoas imunodeprimidas. A PRIMEIRA GERAÇÃO As primeiras vacinas. existe o risco de uma forma atenuada reverter para uma forma ativa. A resposta ao antígeno envolve uma ação humoral e uma ação mediada por células. em previsão de um segundo contato. O procedimento permite selecionar mutantes que conservem a capacidade de induzir uma resposta imune. algumas células de memória (B. No caso de uma bactéria ou de uma toxina. Os vírus e algumas bactérias demandam outro tipo de ação. capazes de reconhecer o antígeno e produzir moléculas que estimulem a proliferação das células B e T. também chamados Th (do inglês. pressão e pH. ao invadir as células. porque. Uma vacina é um produto destinado a treinar o sistema imune no reconhecimento de determinado patógeno. também denominadas vacinas de primeira geração.2). os microrganismos são atenuados mediante passagens sucessivas em diversos meios de cultivo e/ou por tratamentos físicos em diferentes condições de temperatura. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 17: Biotecnologia e saúde . desta vez com o patógeno original. os anticorpos específicos produzidos pelos linfócitos B reconhecem os microrganismos ou toxinas circulantes. Essas duas formas de ação estão relacionadas com o tipo de ataque do patógeno: o pneumococo se multiplica nos pulmões. As vacinas de patógenos vivos atenuados Nas vacinas de patógenos vivos. As vacinas estimulam a imunidade humoral. A vacinação estabelece o primeiro contato do organismo com um patógeno que está incapacitado para causar a doença. ambas coordenadas por diversos componentes do sistema imunológico. conservando sua identidade molecular e a capacidade de induzir uma resposta imune. apesar de ter perdido a patogenicidade. de maneira tal que este não possa desencadear uma infecção ou uma doença. são vacinas que incluem patógenos vivos atenuados. preferentemente. ficam protegidos dos anticorpos. a humoral e a celular. Ao expor na superfície celular uma combinação de suas proteínas com algumas proteínas do invasor. Apesar de mais eficientes. Salvo em caso de imunização por via oral. o bacilo do tétano produz uma toxina letal. a doença de Lyme. Requerem. estas vacinas devem ser modificadas frequentemente para se adaptar aos sorotipos microbianos patogênicos que são muito variáveis. como a febre amarela. Conferem uma resposta imune de tipo humoral pouco intensa ou duradoura. a peste. FIGURA 17. A utilização da tecnologia do DNA-recombinante na vacina contra a hepatite B. Apesar de ser estáveis e não depender da cadeia do frio. substituindo muitas delas por outras que envolvem modificações do genoma. manter a imunidade com doses de reforço. Demandam um longo trabalho de pesquisa prévia para determinar quais os melhores antígenos (subunidades) que deverão ser incluídos na vacina e precisam de substâncias coadjuvantes para estimular a imunidade. a gripe. a introdução de substâncias coadjuvantes para estimular a resposta imune.3. o bacilo de Calmette-Guérin ou BCG. a poliomielite (vacina Salk) e a raiva. também. por exemplo. em vez do microrganismo todo. é uma forma mais segura de impedir a reversão a uma forma ativa. Além de vacinas de toxoides contra a difteria e o tétano. pelo que se devem administrar várias doses e. a caxumba e a poliomielite (Sabin ou OPV. Por não levar mais que fragmentos do microrganismo. a hepatite B. As vacinas de subunidades de antígenos Nestas vacinas se colocam. As vacinas de patógenos mortos e toxoides Estas vacinas incluem microrganismos mortos ou toxinas inativadas (toxoides) por procedimentos físicos ou químicos. A SEGUNDA GERAÇÃO A engenharia genética revolucionou o campo das vacinas de primeira geração. existem vacinas de microrganismos mortos contra a cólera. a coqueluche e a pneumonia. o sarampo. do inglês oral polyomyelitevaccine). Gene codificador Vírus HBV do antígeno de superfície HBsAg Síntese do antígeno Vacina Levedura Levedura transformada 202 . estas vacinas não apresentam os riscos das vacinas de microrganismos vivos e independem da cadeia do frio. A inativação dos microrganismos por deleção de genes relacionados com determinados processos metabólicos básicos. mais tarde. A vacina contra a tuberculose é a única preparada com uma bactéria viva.Maria Antonia Malajovich Utilizam-se na prevenção de doenças de origem viral. a hepatite A. a rubéola. Existem vacinas de subunidades contra a influenza ou gripe. só as frações da superfície celular capazes de induzir a resposta imune. As vacinas contra este último são modificadas frequentemente. onde sintetizarão o antígeno. ativando oncogenes ou desativando genes supressores de tumor. também denominadas vacinas de DNA nu. atualmente um dos principais elos na transmissão de raiva na Europa. Saccharomyces cerevisiae. de maneira a estimular a resposta imune e o reconhecimento dos antígenos capsulares. A TERCEIRA GERAÇÃO A tecnologia mais promissora parece ser a das vacinas genéticas. As novas tecnologias possibilitaram a associação de um toxoide às subunidades de polissacarídeo. meningococos) se protegem com uma cápsula de polissacarídeos que dificulta sua identificação pelo sistema imune ainda imaturo de uma criança. o vetor se multiplica e começa a produzir o antígeno. Picchia pastoris). por biolística ou eletroporação? Como limitar a expressão do gene transfectado às células apresentadoras do antígeno dos tecidos? Persistem ainda algumas dúvidas em relação ao risco do DNA se integrar no genoma da célula transfectada. exclusivamente. O primeiro êxito alcançado foi com a vacina contra a hepatite B (Figura 17. para que não seja degradado ao ser fagocitado pela célula apresentadora do antígeno? Como aplicar a vacina. agindo como seringa molecular para introduzir. Estas vacinas de antígenos conjugados são utilizadas na imunização contra o Haemophilus influenzae B (meningite) e o Streptococcus pneumoniae ou pneumococo. Injetado diretamente no músculo. adicionando outros antígenos capsulares das mais de 80 linhagens que causam pneumonia em seres humanos. não havendo ainda nenhuma aprovada para uso humano. As vacinas vetorizadas se encontram em fase experimental. que se multiplica em aves. o DNA irá penetrar nas células apresentadoras de antígeno (células dendríticas). Em um segundo tipo de vacinas vetorizadas.Vacinas As vacinas recombinantes A tecnologia do DNA-recombinante deu também um grande impulso à produção de vacinas de subunidades ao possibilitar a produção do antígeno por um microrganismo transformado que possa ser cultivado sem riscos em um fermentador (Escherichia coli. Esta tecnologia deve resolver vários problemas adicionais. Como proteger o DNA. o vetor não se multiplica no hospedeiro. Estas migrarão até os órgãos linfoides. estimulando uma resposta imune de tipo celular que permitirá imunizar o organismo hospedeiro. as vacinas de subunidades recombinantes estão limitadas à produção de antígenos de tipo proteico. 203 . As vacinas vetorizadas Outro tipo interessante de vacinas são as vectorizadas. na célula. Com uma vacina deste tipo imunizam-se as raposas. Contudo. Um vetor deste tipo. induzindo a resposta imune contra o patógeno. Estas consistem de um vetor de expressão com uma construção gênica que inclui o gene codificador do antígeno. Encontra-se em fase experimental uma vacina contra o HIV/AIDS. em que o gene codificador do antígeno é transferido a um microrganismo inócuo (bactéria ou vírus). BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 17: Biotecnologia e saúde . Ao infetar o hospedeiro.3). por exemplo. é o canarypox. assim como outra contra a malária. o gene codificador do antígeno. As vacinas conjugadas Alguns microrganismos (pneumococos. patogénico V. causante da necrose hematopoiética em trutas e salmões. Também se poderia conseguir uma supervacina com vários genes codificadores de antígenos. e outra contra o vírus do oeste do Nilo. herpes. Na área veterinária. relacionado V. morto Subunidades Recombinante Transfecção Linfócitos B e T Doença e recuperação Imunidade Imunidade adquirida adquirida (espontânea) (artificial) 204 . Os diferentes tipos de vacinas virais.Maria Antonia Malajovich Esta tecnologia terá uma vantagem fundamental por ser um método genérico que facilita o desenvolvimento e produção de novas vacinas (Figura 17. as vacinas de DNA estimulam ambas as respostas. atenuado V. humoral e mediada por células. influenza. ainda em fase experimental ou em testes clínicos. Tipos de vacinas V. já foram aprovadas nos Estados Unidos uma vacina de DNA contra o vírus IHNV. o que diminuiria os custos e o tempo necessário para responder a uma emergência sanitária. tuberculose. Por outro lado. que ataca os equinos. Na área humana.4).4. malária. Estas poderão ser elaboradas substituindo um gene por outro no cassete de expressão gênica. FIGURA 17. se encontram em andamento várias vacinas deste tipo contra HIV/AIDS. hepatite B. rotavírus etc. capaz de imunizar o organismo contra várias doenças simultaneamente. os experimentos em seres humanos devem visar o bem da sociedade e serem levados a cabo por pessoas cientificamente qualificadas. malária. chegando. a fim de verificar a ausência de toxicidade do candidato vacinal e sua capacidade de imunizar um ser humano. exploratória e pré-clínica. compara-se a redução da incidência da doença em uma população vacinada em relação a uma população não vacinada. Sua capacidade de imunizar um ser vivo é comprovada em diversos testes com animais de laboratório (camundongos. cólera etc. todos os testes clínicos. há algumas dúvidas sobre a validação do consentimento informado quando os testes são realizados em populações de escassos recursos. tem uma duração de 3 a 6 anos e se inicia nas bancadas de laboratório com experimentos que utilizam cultivos de células ou de tecidos. uma primeira vacina contra o rotavírus teve que ser retirada do mercado em consequência de alguns casos de intususcepção relacionados com sua aplicação e identificados nesta etapa. a indústria farmacêutica poderá solicitar aos órgãos competentes a licença para comercializar o produto. As vacinas veterinárias passam pelas mesmas etapas. Nesta fase. existem certas etapas que devem ser cumpridas. Se os resultados dos estudos clínicos não forem satisfatórios. Contudo. um monitoramento amplo e rigoroso que coleta toda informação sobre algum efeito adverso que possa ocorrer. A liberação da vacina marca o início do processo de manufatura e da fase de vigilância farmacológica. monitorados bem de perto. e as pessoas receberão proteção em caso de ocorrer algum efeito adverso. que envolve de 3. cobaias ou macacos). Na segunda fase. vários testes clínicos em seres humanos estão sendo realizados com vacinas contra diferentes doenças. Contudo. O número de indivíduos necessários para os testes clínicos também é menor. Segundo o Código de Nuremberg (1949). As pesquisas com seres humanos e. As experiências serão a continuação de outras que. É possível simplificar os testes com animais de laboratório e testar o candidato vacinal no animal para o qual é destinado o produto. tais como HIV/AIDS. A primeira. 205 .000 a 40. os testes focalizam as dosagens necessárias para a imunização. Também são identificados os efeitos adversos. eventualmente. A duração total dos estudos clínicos é de 6 a 8 anos para as vacinas humanas. A terceira fase. dengue. devem ser desenvolvidos dentro do marco ético elaborado pelo tribunal de Nuremberg. por ocasião do julgamento de vinte médicos condenados como criminosos de guerra. devido aos brutais experimentos realizados com prisioneiros durante a Segunda Guerra Mundial. Os participantes receberão todas as explicações necessárias antes de dar livremente o seu consentimento. com baixos níveis de instrução. por conseguinte. permitam prever um resultado tal que justifique a inclusão de testes em seres humanos. será necessária a realização de estudos adicionais. uma vez comprovado que a vacina é segura e eficiente. mas as exigências são menores. Esta etapa dura de 12 a 18 meses.000 pessoas. Os estudos clínicos se iniciam em um grupo de 10 a 100 voluntários adultos. visa comprovar a eficiência do candidato vacinal em proteger os indivíduos vacinados contra a doença. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 17: Biotecnologia e saúde . O sofrimento mental e físico será evitado. Em 1999. Nos testes clínicos de avaliação de uma nova vacina participam voluntariamente pessoas que são informadas sobre os riscos e benefícios de sua participação.000 pessoas da população alvo. a quarta dos estudos clínicos.Vacinas A PRODUÇÃO DE VACINAS PESQUISA E DESENVOLVIMENTO Antes de comercializar uma vacina. que inclui de 100 a 3. a interromper os estudos clínicos e proceder à escolha de outro candidato vacinal. Estes estudos permitem selecionar o melhor candidato vacinal. realizadas em modelos animais. Atualmente. o candidato vacinal poderá passar a uma etapa clínica e ser testado em seres humanos. por exemplo. Se os resultados forem satisfatórios. As vacinas orais têm importantes aplicações na área veterinária. antígenos ou toxinas). NasVax. cujo volume dependerá da produtividade do próprio processo fermentativo e das concentrações obtidas (bactérias. devido à inativação incompleta de algumas partículas virais. por exemplo. sendo considerada hoje uma das vacinas mais seguras. utilizam-se a pele de bezerro e os ovos de galinha. os preservantes conservam os frascos com múltiplas doses. assim como do tratamento posterior para a obtenção de antígenos ou de toxoides.). principalmente eficiência. enquanto as virais precisam de aparelhos sofisticados e. o controle de qualidade ocupa 70% do tempo dedicado à produção de uma vacina. Estes últimos começaram a ser utilizados na aplicação de vacinas contra a gripe (FluMist. as mais complicadas são as vacinas combinadas. com equipamento relativamente simples. O acidente. e responde a critérios estritos de qualidade (BPL ou Boas Práticas de Laboratório. é aplicada correntemente em vários países. Atualmente. parasitas obrigatórios. pureza. inaladores e sprays nasais. doença de Mareck e de Newcastle etc. Também se dá preferência a sistemas que diminuam a necessidade de refrigeração. Tradicionalmente. As proteínas recombinantes de vírus ou bactérias são produzidas em biorreatores (leveduras) ou em cultivos celulares. géis. influenza. duas semanas depois de liberada. caxumba. Do ponto de vista tecnológico. em muitos casos. esta induziu 260 casos de pólio. adesivos cutâneos. os estabilizantes impedem as alterações devidas ao calor. tabletes. os antígenos serão extraídos e administrados em tabletes ou cápsulas. Vacinas antibacterianas podem ser preparadas em grandes quantidades. cápsulas. inclusive 10 mortes. cromatografia em coluna). e todos os cuidados devem ser extremados. de um laboratório de cultura de tecidos. nos Estados Unidos. Cada lote da vacina deve passar por controles estritos a fim de garantir a qualidade e manter a credibilidade não só da indústria. em Israel). Além do antígeno. rubéola.Maria Antonia Malajovich ASPECTOS TECNOLÓGICOS A produção de vacinas é uma tarefa delicada. A ideia de ter vacinas “comestíveis” e de poder vacinar as crianças com uma banana em vez de uma injeção é muito sedutora. Contudo. Provavelmente. As bactérias se multiplicam em biorreatores. contaminando os alimentos ou dificultando o reconhecimento de um medicamento como tal. raiva. A vacina Salk contra a poliomielite. O processo industrial varia em função do microrganismo utilizado para a produção de uma vacina. segurança e baixo custo. mas da própria vacinação. Ao processo de extração seguem-se várias operações de purificação por técnicas complexas (ultrafiltração. à luz ou à umidade. em 1954. preparada com vírus inativados. encefalite equina. como. Porém. tais como pistolas. resultou de um problema na fabricação da vacina no Laboratório Cutter (Estados Unidos). Uma vacina deve reunir várias qualidades. raiva) e veterinário (febre aftosa. BPF ou Boas Práticas de Fabricação). na formulação de uma vacina incluem-se outras substâncias: os adjuvantes permitem dosagens menores por serem capazes de estimular a resposta imune. sarampo. o risco de se misturar bananas-vacina e bananas-alimento. já que esta contribui com 15% dos custos dos programas de vacinação. Outras novidades virão da procura de novas formas de aplicação que substituam o uso de seringas. Plantas e animais transgênicos produtores de antígenos poderão revolucionar alguns aspectos da produção de vacinas. Os vírus. mas a tendência é serem substituídos por culturas celulares. Uma das tendências atuais na administração de vacinas é reduzir o número de doses mediante a imunização simultânea para várias doenças em uma mesma injeção (tríplice viral ou tríplice bacteriana). possibilitando o desenvolvimento de vacinas virais para uso humano (poliomielite. 206 . alguns problemas de segurança exigem atenção. precisam de células para se multiplicar. Para os países em desenvolvimento. em termos de saúde pública. hemoderivados e reativos para diagnóstico). Alguns produtos. Dow AgroSciences registrou nos Estados Unidos uma vacina para a doença de Newcastle em aves. estimado em US$ 25 bilhões em 2015. soros. como as vacinas terapêuticas para alguns tipos de câncer ou a doença de Alzheimer. como a Bill & Melinda Gates Foundation. Fundações privadas. UM SETOR ESTRATÉGICO PARA A SOCIEDADE No Brasil. pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com instituições dos Estados Unidos.Vacinas Em 2005. e por diferentes motivos. as vendas chegam a US$ 600 milhões por ano. haverá progressos na preparação das vacinas preventivas e no desenvolvimento de produtos novos. O resto está ocupado por 200 a 250 empresas que desenvolvem mais de 600 produtos. No entanto. dengue e tuberculose. Estima-se que o mercado aumentará significativamente nos próximos anos. Contudo. que serão analisadas no Capítulo 20. contam com instituições de pesquisa e desenvolvimento para a produção de imunobiológicos. China e Índia. Atualmente. para manter sua independência nesta área. Nos próximos anos. Também aquecerão o mercado produtos novos. como a vacina antimeningococo Prevnar. onde existe uma tradição de um século na produção de imunobiológicos (vacinas. em função do crescimento do setor adulto e especialmente das vacinas terapêuticas. 207 . a vacina é a mais simples das medidas preventivas possíveis na área de saúde. a chegada das novas tecnologias com base biológica despertou novamente o interesse do setor farmacêutico. GlaxoSmithKline. produzida na planta aquática Lemna. a um custo que pode variar entre US$ 300 milhões e US$ 1 bilhão. Wyeth e Novartis) concentram de 80% a 90% do mercado global de vacinas humanas. Merck. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 17: Biotecnologia e saúde . ASPECTOS ECONÔMICOS A produção de vacinas é uma atividade menos rentável que a produção de medicamentos. tais como HIV/AIDS. sendo frequentes as parcerias com as grandes empresas farmacêuticas. atingiram níveis de vendas que superam o bilhão de dólares. Entretanto. Trata-se de um setor que não pode ser negligenciado. Chile. O processo de desenvolvimento de uma nova vacina leva de 14 a 25 anos. Encontra-se em andamento uma nova vacina contra a febre amarela em plantas de tabaco hidropônicas. Em meio a numerosas crises econômicas. como Brasil. fornecem fundos em prol de melhores e novas vacinas que protejam as crianças das doenças. depois de várias décadas de retração na área de produção de vacinas. tais como as vacinas para a gripe (influenza) e as vacinas que protejam o turista (febre amarela) ou diminuam o abuso de drogas (nicotina). malária. esta começa a ser considerada novamente uma área estratégica. Alguns países. Para organizações internacionais como a WHO (World Health Organization). esperam-se vacinas novas ou melhores contra as doenças que afetam um número altíssimo de pessoas. o estímulo à produção nacional de vacinas é fundamental como parte das obrigações frente a sua população e. vários países latino-americanos (Argentina. por exemplo) descuidaram de suas estruturas científicas e tecnológicas e passaram a importar as vacinas necessárias para a população. observando-se indícios sólidos de mobilização para recompor as estruturas produtivas. cinco grandes empresas (Sanofi-Pasteur. o que representa 3% do mercado da indústria farmacêutica. Infantil (difteria e tétano) Dupla.).RJ) e Instituto de Pesquisas Biológicas (IPB. poliomielite. Várias vacinas estão sendo desenvolvidas nas próprias instituições citadas anteriormente. Instituto Vital Brazil (IVB. os governos e as entidades não lucrativas poderia salvar 10 milhões de vidas entre 2010 e 2020. As principais instituições produtoras de vacinas no Brasil. rotavírus. uma multinacional retirou-se do mercado. raiva (cultivo do vírus em células Vero) etc. Estima-se que a cooperação entre a indústria. e também em parcerias entre elas ou com laboratórios estrangeiros (Sanofi Pasteur. O calendário de imunizações depende das autoridades nacionais e. Atualmente. deixando a população em risco de ficar sem vacina tríplice. 208 .1). o Instituto Butantan (SP) e BioManguinhos (RJ) produzem 11 tipos de vacinas e respondem por 70% das vacinas distribuídas pelo serviço público (Tabela 17. tétano. O Programa de Autossuficiência Nacional de Imunobiológicos (PASNI) de 1985 reverteu essa situação mediante uma estratégia de substituição das importações que estimulou a modernização das instalações e a incorporação de novas tecnologias nos sete laboratórios oficiais: Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Biomanguinhos. Instituto Finlay etc. influenza. INSTITUIÇÃO VACINAS Instituto Butantan Dupla. O impacto das vacinas na morbidade infantil relega ao passado algumas das temíveis doenças que assolaram o século XX (difteria. em vários países. O ROL DAS VACINAS NA ERRADICAÇÃO DA DOENÇA De um modo geral. coqueluche ou pertussis. por Haemophilus influenzae. PR). caxumba e rubéola (tríplice viral). MG). muitas vacinas humanas e veterinárias eram fabricadas no país. soros antitóxicos e antiofídicos. a vacinação não é obrigatória. Evidenciou-se nessa ocasião que a produção de vacinas é um setor estratégico. em inícios da década de 1980. caxumba e rubéola) Meningites meningocócicas (A/C. meningite. Fundação Ataulfo de Paiva (FAP. ao qual a sociedade deve ter o acesso garantido.Maria Antonia Malajovich TABELA 17. caxumba. Algumas das vacinas resultantes desses convênios protegem a população de sarampo. RJ). HIB e HIB/DTP) Febre amarela Tecpar Antirrábica de uso veterinário e humano (PV-BHK) Fundação Ataulfo de Paiva Antituberculose (BCG) Até a década de 1960. Os diferentes acordos de cooperação internacional entre os países latino-americanos também terão uma importância fundamental para o desenvolvimento de políticas de saúde pública que garantam à população o acesso às vacinas. e os efeitos adversos que elas podem apresentar ocorrem em frequências muito baixas.1. GlaxoSmithKline. sarampo e rubéola). tétano e coqueluche ou pertussis) Hepatite B recombinante Influenza Laboratório BioManguinhos Poliomielite Tríplice viral (sarampo. A perda da autossuficiência criou uma situação crítica quando. Adulto (difteria e tétano) Tríplice (difteria. as vacinas protegem de 80% a 95% das pessoas imunizadas. Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar.RJ). Fundação Ezequiel Dias (Funed. Fiocruz. RS). No Brasil. as pessoas inoculadas permaneciam protegidas pelo resto de suas vidas. as pessoas eram inoculadas com pus das vesículas de doentes com uma forma benigna da doença. degradação dos costumes ou interferência no desenvolvimento nacional são alguns dos argumentos utilizados. a varíola entrou no continente americano. por ocasião de um surto havido 209 . os sintomas principais são febre alta. com a chegada ao México de um escravo contaminado. Em 1796. Intromissão na liberdade individual. A incubação dura de 7 a 17 dias. a vacinação foi introduzida em 1840 pelo Barão de Barbacena. para as populações ameríndias. não adoece uma segunda vez. pelo menos em vários países. Quem adoece uma vez e se recupera. A prática da variolização foi introduzida na Inglaterra no início do século XVIII. Em 1520. um inoculador. desafio à vontade divina. As vacinas têm se mostrado eficientes na erradicação mundial da varíola e na eliminação da poliomielite. calcula-se que. ainda não existe uma vacina capaz de estimular a imunidade para as diversas linhagens. mas. o contato com um germe novo levou ao extermínio de 95% de sua população em menos de duzentos anos. Apesar dos surtos terem se espaçado. A varíola não fazia distinção entre camponeses. Contudo. burgueses ou nobres. fadiga e uma erupção de vesículas em todo o corpo. estourando uma revolta que obrigou o governo a rever a medida. o médico Edward Jenner. Na década de 1970. onde vitimara o faraó Ramsés V. religiosos ou políticos. O CASO DA VARÍOLA A varíola é uma doença eruptiva contagiosa transmitida por um vírus. Segundo uma crença popular. No Oriente (Índia e China. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 17: Biotecnologia e saúde . quando Jenner inoculou a varíola vacum em uma criança e. Por ter convivido com a doença durante vários séculos. Contudo. essa resistência era consequência da contaminação com uma doença inofensiva que se manifesta por pústulas no úbere das vacas. os europeus tinham desenvolvido alguma forma de resistência. observou que as ordenhadeiras nunca desenvolviam a varíola. em algumas comunidades subsiste ainda a resistência às vacinas. A partir desta experiência. A estratégia consiste em isolar os pacientes cada vez que um caso novo é detectado e vacinar rapidamente todas as pessoas que tiveram algum contato com o doente. a resistência se manifestou no Rio de Janeiro sob a forma de motins. em 1904. sendo Oswaldo Cruz o Diretor Geral de Saúde Pública. os resultados foram extraordinários. a criança não adoeceu. século XI). quando. dispomos hoje de vacinas para numerosas doenças que afetaram a humanidade durante séculos. o governo decretou a vacinação obrigatória. e os sobreviventes conservam lesões características. seja por motivos culturais. a população terminou aceitando a vacinação. A varíola teria sido levada até a Índia por mercadores do Egito. Em relação à gripe. poucos dias mais tarde. 300 milhões de pessoas morreram de varíola. depois de uma violenta epidemia de varíola (10. Esta observação deu lugar à primeira tecnologia para combater a varíola. A doença se alastrou até a China (século I) e o Japão (século VI). retornando mais tarde ao Oriente Médio e alcançando a Europa com os Cruzados (século XI-XII). Apesar de 1% a 2% de essas pessoas terem morrido ao desenvolver a doença em sua forma mais grave. surge o método de vacinação que se estendeu rapidamente por toda Europa. Como a vacina tem um efeito muito rápido. Anos mais tarde. como o rei da França Luis XV. Porém. Em 1908.Vacinas Lamentavelmente. A mortandade é de 30%. no século XX. Ao desenvolver também uma doença benigna. a Organização Mundial da Saúde substituiu a vacinação em massa por uma campanha de erradicação em anel. cobrando vidas de humildes e poderosos.000 casos diagnosticados). a varíola regrediu entre os povos que praticavam a variolização. a varíola humana. do inglês. as escolas fechavam e as crianças eram privadas do contato entre elas. Em 1963. Nos anos posteriores. o vírus da poliomielite passa do intestino para a corrente sanguínea e invade o sistema nervoso central. e 10% das pessoas infectadas desenvolvem os seguintes sintomas: febre. Suspeita-se que as melhores condições higiênicas do século XX diminuíram o contato prematuro da população com o vírus. Existem contraindicações para a aplicação da vacina em pessoas com eczemas ou imunodeprimidas. Rússia). Não se pode afirmar que não existe algum estoque de vírus em outro lugar. onde se multiplica destruindo os neurônios motores e causando a paralisia das extremidades. esta não ocorreu. as epidemias de poliomielite deixaram numerosas vítimas. um deles no CDC (Center for Disease Control and Prevention. A população deixou de ser vacinada em fins da década de 1970. rigidez na nuca e dor nas extremidades. Em 1978. por exemplo. 210 . Sem doses de reforço. nos casos em que o vírus se aloja no bulbo. que era elaborada com três tipos de poliovírus em rim de macaco. a vacina de vírus atenuados de Albert Sabin (OPV. do inglês oral polio vaccine). Em 1908. Estados Unidos) e no VECTRO (Instituto para Preparações Virais. A doença pode deixar sequelas motoras permanentes (SPP ou síndrome post-pólio). de modo que uma boa parte da população nunca foi imunizada. O último caso de varíola ocorreu na Somália em 1977. houve uma segunda opção. dor de cabeça. injetable polio vaccine). precisamos de vacinas antivariólicas eficientes e seguras. os primeiros surtos epidêmicos ocorreram a fins do século XIX. Em 1954 começou a ser aplicada a vacina de vírus inativados de Jonas Salk (IPV. o vírus da varíola começou a ser eliminado dos laboratórios. Franklin Delano Roosevelt. Apesar de estar prevista sua destruição no ano 2000. permanecendo isoladas até o perigo passar. Apesar de haver evidências da doença no Antigo Egito. os pacientes precisam de ajuda mecânica para respirar. Mesmo tendo erradicado a varíola. a exposição na idade escolar de um grupo vulnerável ao vírus teria favorecido a aparição de surtos. mas também entre os adultos como. devido a modificações nos processos produtivos. Na década de 1950. a doença era aterradora. fadiga. constipação ou diarreia. Em aproximadamente 1% dos casos. Atlanta. presidente dos Estados Unidos. Moscou. o escapamento do vírus de um laboratório da Universidade de Birmingham (Reino Unido) causou a morte de duas pessoas. e. inativando-o posteriormente com formalina. Havendo um surto. Dois estoques virais foram conservados preventivamente. os médicos teriam dificuldades em diagnosticar uma doença restrita aos livros. formuladas mediante as novas tecnologias. K. Na primeira metade do século XX. vômitos. A validade de um pequeno estoque de vacinas que sobrou de décadas atrás está comprometida. Com a confirmação da erradicação da varíola em 1979. O CASO DA POLIOMIELITE A poliomielite ou paralisia infantil é uma doença causada por um enterovírus que se transmite pela água. Em caso de um surto. A mera possibilidade de um ato de terrorismo é assustadora. Porém. depois de inocular macacos com o tecido nervoso de um paciente morto.Maria Antonia Malajovich na Iugoslávia (1972) foi necessário complementar as medidas com uma vacinação em massa. A notícia de uma vacina teve uma repercussão extraordinária. Estas pessoas desenvolvem a forma paralítica da doença. o restante pode ter perdido a imunidade. principalmente entre as crianças. que hoje são muito mais frequentes que no início do século XX. Landsteiner confirmou que a poliomielite é uma doença infecciosa. Algumas já se encontram na fase dos estudos clínicos. a eficiência de ambas as vacinas aumentou significativamente. O período de incubação é de 4 a 35 dias. o subtipo H3N2 apareceu em Hong Kong e alastrou-se pelo mundo. a IPV demanda agulhas e seringas estéreis. que coloniza normalmente o intestino. mostrando que o vírus selvagem continua presente no ambiente (Países Baixos. a OPV acaba por atingir outras pessoas. Ao pular de uma espécie a outra. uma de tipo recombinante que leva o gene codificador de uma proteína do capsídeo viral. garganta inflamada. Em 2004. As variantes de duas proteínas do envelope. embora tenha perdido parte de sua patogenicidade a partir de 1920. revelou-se que o vírus atenuado pode reverter a sua forma patogênica. A pólio subsiste ainda em algumas regiões da África. Em função das proteínas do capsídeo. Ao longo do século XX. Do ponto de vista da eficiência. 1992-1993). suínos. Um surto da doença atingiu um grupo que se opõe à vacinação por motivos religiosos. A síntese dessa proteína por uma bactéria. O CASO DA INFLUENZA A influenza ou gripe é uma doença causada pelo vírus da influenza e apresenta os seguintes sintomas: febre. diferente do DNA. A gripe asiática. Para desencadear uma pandemia é necessário que esse vírus infecte o homem e sofra uma mutação que possibilite a transmissão pessoa a pessoa. impedindo a entrada do vírus selvagem no organismo e a infecção das células nervosas. do subcontinente indiano e do extremo Oriente. dores musculares. a vacinação terá que ser mantida. causou a morte de 2 milhões de pessoas. confirmou-se que o objetivo ainda se encontra distante. Novas vacinas estão sendo pesquisadas como. a OPV exige a manutenção da cadeia de frio. afetando os não vacinados e os imunodeprimidos presentes no entorno. um surto de gripe sobreveio na Espanha. deixando 47. devida ao subtipo H2N2. cavalos). que está rodeado por um capsídeo proteico e um envelope derivado da membrana celular do hospedeiro. a hemaglutinina (HA) e a neuraminidase (NA) determinam os diferentes subtipos como. Os vírus da influenza da categoria A são os mais perigosos porque se multiplicam tanto no homem como em outras espécies (aves. a erradicação da doença parece ser bem mais difícil do que o esperado. o material genético de diferente origem recombina formando vírus com características novas. os vírus da influenza são classificados em três categorias (A. Na ocasião. e que. O material genético do vírus é RNA. H5N1 etc. cachorros. a OPV confere uma imunidade mais ampla porque abrange a mucosa digestiva. por ser uma vacina de vírus atenuados. Em 1957. em 1968. com a aparição de um novo surto de pólio em países do oeste africano.Vacinas Ambas apresentam vantagens e desvantagens. inserido em Escherichia coli. possibilitaria a imunização do hospedeiro. O vírus H1N1 da gripe espanhola circulou durante várias décadas. a pólio reapareceu no Haiti e na República Dominicana. fadiga e dor de cabeça. Poucos anos mais tarde. Por isso. onde as campanhas de vacinação são complexas e muitas vezes interrompidas por conflitos bélicos. O RNA confere a seu portador uma enorme variabilidade porque. Porém. por exemplo. Em 2000. várias pandemias de gripe assolaram a terra. H1N1. alguns países preferem a IPV e outros a OPV. uma segunda pandemia originou-se na China. de onde se espalhou pelo mundo todo causando a morte de 40 a 70 milhões de pessoas. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 17: Biotecnologia e saúde . B e C). por exemplo. como o vírus atenuado é eliminado nas fezes e permanece no ambiente. mesmo tendo desaparecido a doença.000 mortos. Em 1918. um procedimento mais caro e complicado que a ingestão por gotas da OPV. 211 . Em contrapartida. os erros de replicação não são reparados por nenhum mecanismo celular. o que a IPV dispensa. Para ser aplicada. Apesar do sucesso alcançado pela vacinação. foi decisiva para a obtenção de uma vacina adequada. Este reúne a informação para estimular a resposta imune ao H5N1 e pode crescer em embriões de frango. A resistência dos mais velhos pode ser explicada por um contato prévio com vírus de tipo H1N1 que circularam por um tempo na população. porque se estima que sejam necessários 900 milhões para obter 300 milhões de doses da vacina.Maria Antonia Malajovich A gripe aviária (subtipo H5N1) surgiu na Ásia. Aproximadamente 90% das novas contaminações ocorrem nos países em desenvolvimento. especialmente o sul da África e a Ásia. 212 . algumas fraquezas foram expostas. A gripe espanhola. as febres hemorrágicas (Junin. chegando ao total de 42 milhões de pessoas atingidas. No rasto da HIV/AIDS (e da adição a drogas injetáveis). e. Lassa. o vírus do Nilo ocidental. O H5N1 traz uma limitação em relação aos métodos tradicionais de produção de vacinas. Várias dessas doenças contam com testes diagnósticos. outras novas emergem e algumas das antigas reaparecem. Uma delas é a dificuldade de produzir rapidamente uma vacina em ovos embrionados. assim como as mudanças comportamentais. Por isso. porque destrói a capacidade do sistema imune de responder a infecções oportunistas. A existência de medicamentos antivirais contribuiu para o controle da pandemia. passa um tempo considerável. a BSE (encefalopatia espongiforme bovina) e a dengue são alguns dos exemplos de doenças emergentes. Em caso de urgência. Selecionando a informação genética relevante do vírus e transferindo-a para um vírus de laboratório obtém-se um protótipo viral para a produção da vacina. Os primeiros casos apareceram em 1981 e se estenderam rapidamente pela população. as mudanças climáticas. esta causou mais vítimas entre os jovens e as mulheres grávidas. agude immunodeficiency sindrome). Mutação do RNA e recombinação de RNAs de diferente origem são as duas estratégias que explicam a enorme variabilidade do vírus da influenza e justificam a necessidade de mudar continuamente os antígenos da vacina. a mais insidiosa talvez seja a HIV/AIDS. já temos vacinas (hepatite B. escolhendo as linhagens que se supõe causarão a próxima epidemia. o incremento das viagens internacionais e do comércio. a Escherichia coli 0157:H7 contaminante dos alimentos. sendo difícil prever contra quais antígenos do vírus dirigir a vacina. Ebola etc. a doença de Lyme. a produção em cultivos celulares resultaria mais rápida. a rápida mobilização das autoridades nacionais e internacionais. já que estes utilizam embriões de frango. a doença dos Legionários. para algumas.1 milhões de pessoas morreram e que 5 milhões foram contaminadas em 2002. Estima-se que 3. Diferentemente das variantes anteriores. as vacinas contra a gripe são preparadas anualmente. Mas. O candidato vacinal de hoje pode ser inócuo amanhã. Embora a transmissão tenha sempre ocorrido no sentido ave-ave e ave-homem. Os microrganismos adquirem resistência aos medicamentos e a destruição de habitats naturais deixa o homem a mercê de agentes infecciosos com os quais não teve contato prévio. assim como das empresas farmacêuticas. a AIDS (do inglês. desde a descrição ou a identificação do patógeno correspondente até a produção de uma vacina. A gripe A (subtipo H1N1) ou gripe suína apareceu no México em 2009. a hepatite B. são outros fatores determinantes para a dispersão de agentes infecciosos. Contudo. Por enquanto. a tuberculose reaparece com germes resistentes aos medicamentos. Marburg. em 1997. milhares de aves foram sacrificadas durante os surtos de 2003 e 2004 devido ao temor de uma mutação que possibilitasse a transmissão do homem ao homem. A AMEAÇA DAS DOENÇAS EMERGENTES À medida que eliminamos ou controlamos doenças. O crescimento da população.). doença de Lyme). Durante esta última pandemia. O BIOTERRORISMO Esporos disseminados pelos correios causaram um surto de antraz. este pareceria ser o resultado de uma recombinação ocorrida naturalmente entre um vírus de ave e outro de camundongo. boa parte do esforço antiterrorista está sendo orientado atualmente para o melhoramento de diagnósticos e a procura de novos medicamentos antivirais e antibacterianos. 213 . A primeira epidemia emergente do século XXI é a SARS (do inglês. envolvendo aproximadamente 70 agentes infecciosos. alertando o mundo sobre a ameaça de bioterrorismo. Outro motivo de preocupação está na quantidade de informação referente ao genoma de patógenos disponível nos bancos de dados públicos. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 17: Biotecnologia e saúde . o exército tártaro de Janibeg catapultou para dentro das muralhas os mortos de peste. 1346). Completado rapidamente o sequenciamento genético. Esses pesquisadores sintetizaram alguns fragmentos de DNA e encomendaram outros a empresas especializadas. o exército do Japão disseminou a peste bubônica no norte da China. Na luta contra o HIV/AIDS. varíola e hantavírus). para ativar a resposta imune. em cinco ocasiões. Atualmente. Talvez nos encontremos um pouco mais perto de controlar a doença. eles construíram uma molécula de DNA de 7. a outra. estão sendo realizados os estudos clínicos correspondentes a vacinas de subunidades. Em 2002. o ideal seria encontrar uma vacina. uma delas seria impedir a invasão do organismo pelo vírus. e são justamente estas as que o vírus destrói. porque se teme que esse conhecimento possa ser utilizado para elaborar armas biológicas. um grupo de pesquisadores americanos mostrou que partículas infecciosas sintéticas de poliovírus podem ser obtidas a partir da sequência genômica disponível na Internet. Espera-se que o progresso tecnológico permita obter uma vacina rapidamente. na África e na Ásia.500 pares de bases. e se estender às mucosas. uma doença de origem viral que apareceu na China (2003). a SARS disseminou-se rapidamente por 30 países. diversas estratégias são possíveis. iniciando uma terrível epidemia que se difundiu na Europa e dizimou a população. devem-se ativar as células T auxiliadoras que a coordenam. Em 1941. sanitário ou financeiro. Entretanto. a peste mata 2. de vetores virais recombinantes e de DNA. Os romanos usavam animais mortos para infectar os poços de seus inimigos. Embora os resultados obtidos até agora tenham sido decepcionantes. Por isso. Transmitida pelo ar. As dificuldades são enormes porque. Ainda hoje. Não foi a primeira vez que as armas biológicas foram utilizadas. Antes de levantar o sítio à cidadela de Kaffa (Crimeia. Depois de transcrever a informação e colocar o RNA em um meio com componentes celulares. Na América (do Sul e do Norte) os colonizadores exterminaram tribos indígenas com cobertores contaminados deixados como presente. o agente infeccioso da SARS é uma linhagem patogênica de coronavírus. Estima-se que uma dúzia de países teria armas biológicas de destruição em massa. a vacina deveria estimular ambas as vias. ajudar o organismo a impedir a progressão e/ou a transmissão da doença. permanecendo um tempo na corrente sanguínea antes de invadir as células. Francisella tulariensis. ou em curto prazo. logo depois do atentado às torres do World Trade Center (Estados Unidos. Como geralmente o vírus penetra no organismo por via anal ou vaginal. A falta de um modelo animal adequado e as frequentes mutações do vírus complicam a tarefa. severe acute respiratory sindrome). matando 10% a 15% das pessoas afetadas. a vacinação poderia não ser o método de combate mais eficiente. setembro de 2001). durante o conflito sino-japonês. a humoral e a celular.Vacinas Apesar das medidas preventivas e dos grandes progressos alcançados no tratamento da HIV/AIDS. de um ponto de vista científico. Clostridium botulinicum. existem vacinas para alguns deles (Bacillus anthracis. Yersinia pestis. Diferente dos vírus da pneumonia ou da influenza. Juntando os pedaços.000 pessoas por ano. Maria Antonia Malajovich eles obtiveram partículas virais. normalmente. No fim do ano 2011. que poderia servir tanto para elaborar uma vacina como para criar uma arma letal. O perigo do bioterrorismo não deve ser subestimado. pesquisadores holandeses e norteamericanos noticiaram ter conseguido manipular o vírus H5N1 em laboratório. O trabalho. são compartilhados por pesquisadores de todos os países. 214 . Recentemente. Denomina-se biosseguridade a nova disciplina que lida com a utilização inadequada do conhecimento biológico e. particularmente com as pesquisas consideradas de uso duplo. levanta o problema da liberação dos dados da pesquisa que. outro grupo de pesquisadores utilizou o mesmo método para sintetizar o vírus da gripe espanhola. tornando-o facilmente transmissível em seres humanos. Geralmente realizados em amostras de sangue e de urina.br) . anticorpos ou ácidos nucleicos estimulou o desenvolvimento de várias plataformas comerciais (Affymetrix. em 1985 a França postergou o rastreio das doações de sangue. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. Em poucos meses. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE / OS TESTES DIAGNÓSTICOS OS TESTES DIAGNÓSTICOS O reconhecimento dos sintomas de uma doença exige do médico conhecimento e experiência. Em outra vertente mercadológica. Illumina. em função do crescimento dos mercados da América Latina. a anamnese. O setor que cresce mais rapidamente é o de diagnósticos moleculares (doenças infecciosas e cardiovasculares. do Meio Oriente e do Leste Asiático. o lipidograma e. Applied Biosystems. microbianos ou genéticos que possam causar uma doença ou estar-lhe associados. em uma medida protecionista visando favorecer o lançamento de um teste francês. estima-se que a indústria de diagnósticos in vitro terá um volume de vendas global de US$ 60 bilhões em 2014. Incyte / Stanford etc. Os resultados serão avaliados em relação a um conjunto de valores que é considerado o normal. AS TENDÊNCIAS ATUAIS Uma das tendências atuais é centralizar os testes diagnósticos em um ambiente automatizado. o objetivo desses testes é detectar qualquer disfunção de maneira a induzir mudanças no estilo de vida do paciente e/ou iniciar rapidamente um tratamento. e remetidos ao médico como uma fonte objetiva de informação. 297 pessoas receberam transfusões de sangue contaminado e três ministros de Estado tiveram que comparecer na Justiça para responder pelo escândalo. os testes de rastreio identificam fatores químicos. os exames físicos e uma bateria de análises e/ou testes laboratoriais. do Leste Europeu. Em consequência. kits comerciais relativamente simples permitem o diagnóstico de gravidez e o monitoramento de algumas condições crônicas como a diabete. Qualquer negligência em relação à adoção dos testes adequados pode ter consequências graves para a saúde pública. O diagnóstico é estabelecido a partir de vários elementos. de alta tecnologia. Solicitados pelo médico para monitorar o estado de saúde do paciente. o hemograma. e são vendidos nas farmácias ou via Internet. a identificação do antígeno prostático para diagnóstico de câncer etc. também. tais como a história clínica do paciente.bteduc.bio. Embora existisse no mercado um teste da empresa Abbott para o diagnóstico de HIV. A construção de dispositivos miniaturizados de arrays moleculares de proteínas. Como exemplos.). a análise de urina. A chegada de materiais e dispositivos construídos em escala nanométrica deverá revolucionar os testes in vitro. Agilent. Constituem uma rotina que varia em função do sexo e da idade do paciente. oncologia e farmacogenética).18. Inserida nos setores médico e veterinário. onde se integrem os reagentes. os instrumentos analíticos e os produtos acessórios de controle de qualidade. as análises clínicas estão se concentrando em umas poucas empresas. com suficiente poder econômico para desenvolver a tecnologia e adquirir um volume de amostras que justifique a utilização desses sistemas robotizados. jp/rdc/rd/fields/06_t29_e. Imagens comerciais de alguns dispositivos miniaturizados utilizados em testes diagnósticos.co.3. Lab-on-a-chip de Agilent (lab-on-a-chip-loc-243049.com) B.toshiba.2.biomerieux. Gene chip de Affymetrix (http://www. TABELA 18. Uma microplaca de poliestireno.com) A B C FIGURA 18. As qualidades de um bom teste de diagnóstico.htm) C. QUALIDADE DEFINIÇÃO Sensibilidade Probabilidade de dar um resultado positivo quando a condição está presente Especificidade Probabilidade de dar um resultado negativo quando a condição não está presente Exatidão Dar o mesmo valor que o obtido com outro método Reprodutibilidade Em se tratando de um teste quantitativo.1.directindustry. (http://www.1.com. dar sempre o mesmo valor na mesma amostra.Maria Antonia Malajovich FIGURA 18.pgbeautygroomingscience.jpg (http://www. Imagem comercial dos sistemas API de Biomérieux. A.br/servlet/srt/bio/brazil/dynPage?doc=BRZ_CLN_PRD_G_PRD_CLN_12) FIGURA 18. Chip de DNA para diagnóstico de Toshiba (http://www. 216 . Apesar de complexa. do trabalho laboratorial e dos custos. Estima-se que. drogas como a cocaína e os opiáceos etc. resultados precisos são obtidos rapidamente no consultório médico. AS TÉCNICAS COM BASE IMUNOLÓGICA Baseadas nas reações de aglutinação e precipitação entre um antígeno e o anticorpo correspondente. imunológicas e genéticas ocupam um lugar preponderante no setor de diagnósticos. a tecnologia de hibridomas abastece os laboratórios com reagentes standard. sem precisar recorrer ao laboratório (Figura 18. Apesar ser aplicadas também na área ambiental (análise de solos. as técnicas imunológicas receberam um grande impulso a partir de 1975. com o desenvolvimento da tecnologia de hibridomas. Além de ser mais seguros. antígenos cancerosos.Testes diagnósticos O desenvolvimento da tecnologia microfluídica permitiu a miniaturização de testes diagnósticos em dispositivos que realizam automaticamente as diversas etapas do procedimento. AS TÉCNICAS COM BASE BIOQUÍMICA Desde a década de 1970. no hospital (emergência. demorada e cara.1 bilhões. em 2014. outras em anaerobiose. Em outro tipo de testes. alérgenos nos alimentos e na poeira caseira. Com os biochips microfluídicos ou lab-on-a-chip (LOC). esteroides usados ilicitamente por atletas. doenças autoimunes) e de antígenos (hormônios. neste capítulo nos limitaremos a analisar sua utilização na área de saúde. 217 .1).1). obtidos por fusão do gene de uma proteína viral com o gene correspondente à região variável de um anticorpo isolado em linfócitos B humanos. tecidos.2). O QUE É UM BOM TESTE As técnicas bioquímicas. uma alíquota de uma suspensão microbiana é adicionada em minitubos contendo os reagentes necessários para determinar as características fisiológicas do microrganismo em questão (Figura 18. porque reúnem várias qualidades (Tabela 18. Desde então. por exemplo. do inglês Enzyme Linked Immunosorbent Assay). o principal avanço está na construção de bibliotecas de bacteriófagos produtores de fragmentos de anticorpos humanos. Diversos tipos de galerias conseguem identificar quase todas as bactérias (Gram positivas e Gram negativas) e as leveduras de interesse clínico. Western Blot etc.). os anticorpos se encontram acoplados a enzimas que formam um produto colorido em presença do substrato (ELISA. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 18: Biotecnologia e saúde . Associados a moléculas radiativas ou fluorescentes. o sucesso desses dispositivos se deve à redução da quantidade de reagentes. específicos e sensíveis. São utilizados também para separar diferentes populações celulares (CellSorter) e localizar tumores. radioimunoensaio. as técnicas clássicas de identificação microbiana também estão sendo substituídas por sistemas miniaturizados. Nos sistemas API da empresa Biomérieux. os anticorpos monoclonais detectam os antígenos específicos em células. qualidade da água) e na indústria de alimentos (detecção de contaminantes nos alimentos ou nas matérias-primas). Algumas das reações ocorrem em aerobiose. soros e corridas eletroforéticas (imunofluorescência. o mercado global dos produtos lab-on-a-chip chegará a US$ 2. unidade de terapia intensiva) ou em algum lugar isolado.). toxinas alimentares. Estes testes não só detectam como quantificam a concentração de anticorpos (infecções. Acrescentam-se anticorpos ligados a uma enzima E. Acrescentam-se anticorpos específicos para a que se fixam no antígeno. fixados previamente no antígeno. produto colorido P. soro.com).4. formando-se um Adiciona-se o substrato da enzima. 218 .genome. O antígeno é fixado na placa de microtitulação. Este se fixa nos anticorpos. MÉTODO DIRETO MÉTODO INDIRETO O anticorpo é fixado na placa de microtitulação. Retira-se o anticorpos. Coloca-se uma amostra de sangue como fonte de Coloca-se uma amostra de soro como fonte de antígeno.Retira-se o excesso por imunoglobulina humana. formando-se um produto colorido P. excesso por lavado.6: Imagem comercial de um termociclador para a reação em cadeia da polimerase. A cor é proporcional à quantidade de antígeno no A cor é proporcional à quantidade de anticorpos no sangue.Retira-se o excesso por lavado.Retira-se o excesso por lavado. que lavado.gov). Os métodos direto e indireto de um teste positivo de ELISA. Estes se fixam no antígeno.Maria Antonia Malajovich FIGURA 18. Adiciona-se o substrato da enzima. FIGURA 18. de Applied Biosystems (http://appliedbiosystems. segundo o National Human Genome Research Institute (http://www. ligados a uma enzima E.5: Imagem mostrando a identificação dos 46 pares de cromossomos humanos mediante a técnica de SKY. FIGURA 18. se fixam nos anticorpos do soro. A hibridização dessas sondas com as moléculas de ácidos nucleicos (cDNA) marcados será visualizada por varredura (scanner) como pontos fluorescentes. a grande estrela é a reação em cadeia da polimerase ou PCR (do inglês. do inglês Allele-specific oligonucleotide) e nos fragmentos de ácidos nucleicos. o mercado global de microarrays proteicos chegará a US$ 848 milhões. por amplificar quantidades ínfimas de DNA.Testes diagnósticos Os testes podem ser processados em microplacas de poliestireno com um número variável de pequenas cavidades que cumprem a função de um tubo de ensaio (Figura 18. os biochips microfluídicos (lab-on-a-chip) e os microarrays e biochips de DNA. Sondas específicas também possibilitam a localização de sequências gênicas nas células (FISH. 219 . Contudo. em um único dispositivo. Assim. separação eletroforética. ASO. em 2014. O lab-on-a-chip demanda uma intervenção humana mínima e dá rapidamente um resultado preciso que pode ser arquivado facilmente. utilizando uma quantidade mínima de reagentes e automatizando a leitura dos resultados.000 sondas de DNA por centímetro quadrado. Fingerprint). fixadas a uma lâmina. Estas placas permitem realizar simultaneamente numerosos testes. A versatilidade da técnica tem dado origem a numerosos procedimentos bem diversificados. previamente separados por eletroforese em gel (Southern e Northern Blot. O computador transforma a imagem microscópica em outra de cores brilhantes bem definidas. verificar a desaparição de um clone celular maligno ou determinar se um tratamento oncológico deve ser prolongado. as diferentes etapas de um procedimento de diagnóstico complexo: extração da amostra. Estes dispositivos são de grande importância nos estudos relativos ao proteoma. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 18: Biotecnologia e saúde . dependem da molécula fixada nos poços da microplaca (Figuras 18. obtêm-se os resultados rapidamente “em tempo real”. do inglês fluorescence in situ hibridization. O monitoramento da reação mediante anticorpos fluorescentes consegue eliminar os estudos complementares de eletroforese. proteínas ou anticorpos em um centímetro quadrado. Diferente dos chips microfluídicos. Os estudos cromossômicos evoluíram notavelmente com a utilização de sondas acopladas a moléculas fluorescentes (SKY. os microarrays proteicos extraem as moléculas- alvo do meio e as fixam. a PCR é aplicada na identificação de patógenos e na pesquisa de variações genéticas dos pacientes. Existem também microarrays proteicos em pequenas lâminas. contendo pouco mais de 100 diferentes moléculas. possibilitando sua identificação.3 e 18.6). uma tecnologia que. Um biochip microfluídico reúne. AS TÉCNICAS COM BASE GENÉTICA A utilização das tecnologias genéticas para o diagnóstico clínico se vê favorecida pelo acúmulo de conhecimento sobre o genoma humano. por exemplo.3). Um segundo tipo de dispositivo é o microarray. facilita as análises posteriores (Figura 18. que consta de até 100. facilitando a identificação dos pares cromossômicos e de pequenas translocações (Figura 18. polymerase chain reaction).4). Estima-se que. direto e indireto. do inglês spectral karyotyping). posteriores à amplificação. que separam e processam proteínas. Os métodos.5). Diversas variantes combinadas permitem detectar marcadores específicos e. Os microarrays são utilizados nos estudos de expressão gênica e para o sequenciamento rápido de oligonucleotídeos. O estudo simultâneo de centenas de genes é um caminho para desvendar as interrelações existentes entre eles e vários aspectos do funcionamento do genoma. Na área clínica. Contudo. os maiores avanços vêm da construção de sistemas miniaturizados. coloração/descoloração e identificação. 220 . FIGURA 18. Também possibilitarão a escolha de tratamentos farmacológicos adequados ao perfil do paciente. detectada por varredura (scanner).Maria Antonia Malajovich Esperam-se destes dispositivos grandes avanços no diagnóstico do câncer e das doenças cardíacas e neuropsiquiátricas (Figura 18. Compara-se o padrão obtido na hibridização dos fragmentos de DNA marcados de uma paciente e os de um controle normal. do DNA da paciente ou do DNA do controle com as sondas. respectivamente. Os pontos amarelos identificam os sítios de hibridização de ambas as amostras. A hibridização de ambos DNAs.7. os sítios de hibridização de cada um dos DNAs testados.7). Estima-se que. e os pontos pretos os de nenhuma das duas amostras. em 2014.7 bilhões. o mercado global de microarrays de DNA chegará a US$ 2. é sinalizada com cores diferentes em uma imagem computadorizada. Tecido da paciente Tecido controle Extração de mRNA Extração de mRNA Preparação de cDNA Preparação de cDNA (transcriptase reversa) (transcriptase reversa) Amplificação do DNA e marcação com Amplificação do DNA e marcação com substâncias com diferente fluorescência substâncias com diferente fluorescência Mistura de ambos os cDNAs marcados Hibridização com as sondas fixadas na placa do microarray e rinsagem Varredura e leitura Diagnóstico Os pontos verdes e vermelhos identificam. O uso de arrays no diagnóstico de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2. Para chegar a todos. que não requeiram uma infraestrutura laboratorial. que exige material e equipamentos especializados. a difusão desses testes ainda se encontra limitada pelo custo. Testes mais recentes identificam rapidamente os anticorpos no sangue (ELISA) e o Mycobacterium tuberculosis diretamente no esputo (sondas genéticas). Cuba. B. por exemplo. as infecções por rotavírus etc. a necessidade de apoio psicológico para enfrentar o diagnóstico e a dificuldade para o leigo de lidar com os resultados “falso positivo” ou “falso negativo” limitam muito sua utilização individual. uma técnica que. a doença de Chagas. medida por PCR quantitativa. resistente a cloroquina. Nas mãos de pessoal treinado. a dengue. os testes de diagnóstico rápido são uma ferramenta preciosa não só para o diagnóstico de HIV/AIDS como para o de outras doenças de importância epidemiológica. Essa não é a realidade dos países mais pobres. O diagnóstico da tuberculose envolve várias etapas. dentre as espécies que podem causar a doença. Brasil. Venezuela e Uruguai). A um custo menor. posterior ao diagnóstico. a malária. Nesses países. entre as quais devemos incluir as emergentes (HIV/AIDS).Testes diagnósticos O DIAGNÓSTICO DAS DOENÇAS INFECCIOSAS A disseminação de uma doença é detida com o tratamento. Western Blot). observações microscópicas e cultivos microbianos. de doença celíaca e da doença de Chagas de três empresas argentinas. A TIPIFICAÇÃO DE TECIDOS SANGUE A tipificação das hemácias classifica as pessoas em quatro grupos para os marcadores ABO (A. e a contagem de células CD4. A caracterização rotineira deste último durante a gravidez permite tomar medidas em caso de incompatibilidade sanguínea mãe-feto. assim como em alguns setores dos países em desenvolvimento. facilitando a escolha do tratamento. a grande inovação seria a complementação ou substituição dos testes atuais por outros rápidos. dois testes acompanham sua evolução: a carga viral. Apesar da existência de testes genéticos. Colômbia. O diagnóstico de HIV está baseado no reconhecimento de uma proteína (p24) do vírus e na presença de anticorpos (ELISA. a Leischmaniose. apesar de ser relativamente econômica. Várias empresas latino-americanas desenvolvem tecnologias avançadas e comercializam kits de diagnóstico em vários países (Argentina. Dependendo dos resultados. dois testes que atualmente podem ser combinados em um só.). Diagnosticada a infecção por HIV. dá-se início ao tratamento. Os países emergentes precisam também de testes de diagnóstico adaptados às doenças que os afetam como. Nos países desenvolvidos. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 18: Biotecnologia e saúde . por exemplo. AB e O) e dois para o sistema Rh (Rh+ e Rh-). A resistência da linhagem viral aos medicamentos é avaliada mediante testes genéticos. como hepatite. Chile. Em alguns países encontram-se à venda kits para HIV/AIDS. sífilis e malária. sem acesso a esta tecnologia. onde não há laboratórios nem equipamentos apropriados. Descobre-se a infecção latente pela reação à tuberculina e diagnostica-se a doença a partir de radiografias. as re-emergentes (tuberculose) e as pertencentes ao vasto grupo das doenças negligenciadas (malária etc. 221 . exige pessoal treinado. lentas e trabalhosas. os novos testes de diagnóstico se encontram ao alcance da população. estes reconhecem o Plasmodium falciparum. Contudo. O diagnóstico de malária depende de observações clínicas confirmadas por microscopia. os kits para diagnóstico de hidatidose. Contudo. Alguns produtos são inovadores como. os testes imunológicos rápidos resultam mais convenientes nas regiões remotas. uma das principais causas de mortalidade continua sendo a alta incidência de doenças infecciosas. a leptospirose. HLB e HLC determinam os antígenos de classe I. tecnologia para pesquisa de anticorpos em placas de microtitulação. DQ e DP). denominados de Classe II. Em pacientes que tenham passado por uma gravidez ou uma transfusão prévia. localizados no cromossomo 6. que são encontrados em algumas células (macrófagos. Esta intervenção salva vidas em pacientes que sofreram uma hemorragia (acidente. estes testes personalizados são realizados por pessoal médico ou técnico. monócitos. doenças digestivas etc. Já o locus HLD determina outros três antígenos (DR.Maria Antonia Malajovich Também é necessária a tipificação dos sistemas ABO e Rh antes de uma transfusão sanguínea. OUTROS TECIDOS E ÓRGÃOS A rejeição de um órgão transplantado de uma pessoa a outra se deve à incompatibilidade entre os respectivos tecidos. O sistema imune os utiliza para diferenciar as células que fazem parte do organismo (“eu”) das que não pertencem a ele (“não eu”). Indispensáveis na rotina de um banco de sangue. Esses antígenos de identidade são codificados por um conjunto de genes estreitamente ligados. em que se coloca o soro do receptor em presença das hemácias do doador. Nos centros hospitalares que processam um número alto de amostras de sangue. O sistema HLA. os anticorpos a esses sistemas são pesquisados mediante kits de hemácias específicas. os testes sorológicos clássicos em tubos de vidro estão sendo substituídos por novas tecnologias. ACT (do inglês affinity column technology) para identificar subclasses de imunoglobulinas em hemácias sensibilizadas. Além dos antígenos do grupo sanguíneo (ABO). Os genes HLA. células dendríticas e células endoteliais). Os de maior importância clínica são os antígenos de classe I codificados pelos alelos de HLA e HLB e os de classe II. A palavra final corresponde aos testes de compatibilidade. câncer. presentes em todas as células.) ou que apresentam um quadro de anemia séria (quimioterapia. Nem sempre basta a tipificação dos antígenos ABO e RH da superfície das hemácias. doenças hematológicas).8. porque existem vários outros sistemas de grupos sanguíneos que podem desencadear uma reação grave. outros marcadores de identidade também se expressam nas células de um organismo. A herança dos haplótipos 222 . em estações de trabalho automatizadas: Gel Tests para tipificação de hemácias. relativos a DR. cirurgia. FIGURA 18. excetuando as hemácias. 5). foram identificados como pertencentes ao comandante do campo de extermínio de Auschwitz. Essas sequências polimórficas repetem-se um número de vezes que pode variar de um cromossomo ao seu homólogo. quando A. No Brasil. no outro. esses genes se transmitem em blocos. parecido com os códigos de barras usados no comércio. A incompatibilidade entre os linfócitos ou tecidos do doador e os linfócitos do receptor é evidenciada pela proliferação celular in vitro (reação mista). herdados do outro. uma mancha no vestido azul de uma 223 . os estudos de grupos sanguíneos e de proteínas do soro têm sido complementados ou substituídos pelos testes de DNA. ao risco da participação de pessoal treinado inadequadamente e às dificuldades de interpretar estatisticamente os dados. como sendo os do tzar Nicolau II. No gel de eletroforese aparecerá um padrão de bandas individual. anos mais tarde. leva os alelos A1 B8 DR2 herdados de um dos pais. Durante quase um século.8). Utiliza-se também a PCR para caracterizar os genes HLA-DP do doador e do receptor (testes de DNA). estabelecendo uma relação única entre um indivíduo e sua sequência gênica.Testes diagnósticos A herança do sistema HLA segue um padrão de codominância. E muitos crimes foram resolvidos graças a estudos bioquímicos e imunológicos. Por estarem estreitamente ligados. denominadas VNTRs ou vinters (do inglês. em uma tumba no Brasil. Os VNTRs também podem ser amplificados por PCR. os cadáveres enterrados em uma fossa comum perto de Jekaterinburg foram reconhecidos. A análise do DNA para a identificação das pessoas é utilizada a partir da década de 1980. Como esses genes contam com mais de 450 alelos. apesar das enormes dificuldades em encontrar uma quantidade suficiente de material em estado de conservação adequado. alguns haplótipos são mais frequentes que outros. em poucos anos a análise de DNA se transformou em uma ferramenta indispensável na prática forense. Sondas genéticas específicas identificam até 20 tipos diferentes de sequências VNTRs. A identificação recorre a pequenas sequências não codificadoras dispersas no DNA. isto significa que. sua família e servidores. Em 1992. A3 B14 DR10. em 1994. transplantes anteriores ou transfusões. reencontrar sua verdadeira família. Depois de anos de mistérios e rumores. que se transformaram no eixo de varias investigações muito comentadas na mídia. a identificação das pessoas dependeu das impressões digitais. e o menino Pedrinho. em um cromossomo. anos antes. nenhuma pessoa é geneticamente idêntica à outra. e. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 18: Biotecnologia e saúde . Na determinação da paternidade. Quando uma pessoa é caracterizada como HLA . Para tipificar os tecidos. os ossos encontrados. Antes de um transplante.A1 A3 B8 B14 DR2 DR10. Mais recentemente. assassinados durante a Revolução Russa (1918). A PRÁTICA FORENSE Com exceção dos gêmeos idênticos. sequestrado na maternidade logo após seu nascimento pôde. de modo que os fragmentos de restrição terão tamanhos diferentes (Figura 8. Joseph Mengele. para verificar a ausência de anticorpos contra o órgão a transplantar (crossmatch). ambos os alelos se expressam nas células. o resultado é praticamente único para cada indivíduo. variable-number tandem repeats). milhões de combinações seriam possíveis e cada pessoa teria uma identidade única. o jogador de futebol Pelé teve que reconhecer a paternidade de Sandra Regina. um dos homens mais procurados após a Segunda Guerra Mundial. denominados haplótipos (Figura 18. nos Estados Unidos. Jeffreys idealizou a técnica do Fingerprint. Contudo. ou seja. que podem aparecer devido a gravidezes. também é estudada a compatibilidade entre o soro do receptor e os tecidos do doador. especialmente em diferentes grupos raciais. Apesar das críticas levantadas em relação às possibilidades de erros laboratoriais devidos à contaminação de amostras. Como a probabilidade de duas pessoas escolhidas ao acaso terem o mesmo perfil de DNA é menor a um em um trilhão. os antígenos celulares devem ser identificados mediante baterias de anticorpos e instrumentação laboratorial. Um estudo desenvolvido por 50 grupos de pesquisa (Wellcome Trust Case Control Consortium) identificou recentemente 24 regiões do genoma humano fortemente relacionadas com 7 doenças diferentes (Doença de Crohn. ação de um gene determinando a síntese de uma proteína ou sua ausência. diabete tipo 1 e 2. A análise de DNA é a única forma de reconhecer as vítimas de catástrofes.000 pessoas. 2001) ou da estação de Atocha (Madrid. que funcionará como um marcador. hipertensão. doença cardiovascular. o Mutações diferentes dentro de um mesmo gene podem causar a mesma doença. a não ser que se encontre uma ligação com outro gene próximo e bem conhecido. o Mutações diferentes dentro do mesmo gene podem causar doenças parecidas. Contudo. analisa-se o DNA mitocondrial. DNA). Transmitido por via materna. o Mutações em genes diferentes podem causar a mesma doença. de modo que não é possível sua identificação. conflitos bélicos e atentados como o do World Trade Center (Nova York. mas com prognóstico diferente (benigno ou grave). Por outro lado. Osama Bin Laden. cromossomos. esse DNA conta com uma região muito variável. O caso não pode ser resolvido. A transmissão do gene marcador permite inferir como é transmitido o gene desconhecido. Um teste genético pode não detectar todas as mutações capazes de causar uma doença. Também é difícil determinar qual a contribuição dos genes para doenças que apresentam um padrão de herança complexo. A localização e o sequenciamento dos genes responsáveis pelas principais doenças monogênicas possibilitaram o desenvolvimento de testes genéticos. A comparação entre o seu DNA e o de suas avós maternas possibilitou a muitos filhos de desaparecidos recuperarem sua identidade. sua sensibilidade depende da inclusão da informação mais recente resultante da pesquisa genética. o estresse etc. a dieta. os testes genéticos são de difícil elaboração.2). 2004). artrite reumatoide e doença bipolar). E. (Tabela 18. O DIAGNÓSTICO DE DOENÇAS DE ORIGEM GENÉTICA AS LIMITAÇÕES DOS TESTES As doenças de origem genética representam um grupo heterogêneo de patologias que obedecem a causas diversas: alterações no número e na estrutura dos cromossomos. Durante o regime militar que governou o país entre 1976 e 1985. 224 . Quando as amostras estão muito degradadas.000 a 30. tais como o fumo. Existem doenças genéticas que aparecem em uma família devido a mutações em algum gene desconhecido. anos mais tarde. devido à própria heterogeneidade do determinismo genético. A não ser que haja um gene com um efeito muito maior que os restantes. esses testes apresentam algumas limitações: o Algumas mutações são inócuas para a saúde do portador (polimorfismos). O diagnóstico das doenças genéticas está baseado em observações clínicas e testes laboratoriais (metabolismo.Maria Antonia Malajovich estagiária se transformou em uma peça essencial para solicitar o impeachment do Presidente Clinton. sob uma nova identidade. Muitas crianças foram então separadas de suas famílias e entregues para adoção. ação de vários genes interagindo com fatores ambientais. apta para identificar pessoas. Esta metodologia tem sido aplicada na Argentina. com vários genes interagindo com fatores ambientais. de seu instigador. foram exterminadas (desaparecidas) de 9. derivada da espectrometria de massa. a doença de Tay-Sachs entre os judeus ashkenazim. evitando danos e lesões irreparáveis. que mede a quantidade de fenilalanina no sangue. Neste caso. nem todas as doenças de origem genética são familiares. A partir da década de 1960. é solicitado quando há casos de doença na família ou quando o casal pertence a uma população em que a frequência da doença é alta. alguns dos quais podem ser previstos mediante testes genéticos de rastreio. esses alelos não são detectados na maioria dos outros casos da mesma doença. Geralmente.Testes diagnósticos A presença de determinados alelos. O procedimento não causa dano ao embrião. os testes genéticos identificam os indivíduos portadores de um gene ou de uma alteração cromossômica que possa trazer problemas para eles ou para sua descendência. 225 . A mãe poderá optar também por uma biopsia de vilosidades coriônicas. No adulto. Realizam-se também para prever se uma pessoa que não apresenta sintomas irá desenvolver uma doença da qual já existem casos na família (doença de Huntington. Em uma fecundação in vitro. Em outros termos. uma delas é removida para a determinação do sexo e das características genéticas. é capaz de detectar 20 transtornos metabólicos em um único teste. em que se retiram algumas células da placenta (córion) para análise. uma concentração elevada de -fetoproteína no sangue materno. AS ESTRATÉGIAS SEGUIDAS Apesar de suas limitações. Uma técnica nova. indica a possibilidade de o feto apresentar anomalias. Após três divisões celulares. doença de Alzheimer) ou para detectar a presença de algumas mutações gênicas associadas à predisposição a alguma doença. Contudo. para confirmar ou descartar um diagnóstico. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 18: Biotecnologia e saúde . o diagnóstico pré-natal pode preceder a implantação do embrião. graças à implantação do Teste de Guthrie ou “do pezinho”. os testes genéticos são feitos a partir de alguma evidência clínica. Nas famílias afetadas. os testes genéticos representam um avanço significativo do ponto de vista médico e individual. está associada a uma predisposição familiar ao câncer de mama. a fibrose cística entre os irlandeses. O rastreio de erros inatos do metabolismo no recém-nascido possibilita o tratamento de algumas condições hereditárias. O rastreio de portadores é realizado quando um casal planeja ter filhos e deseja saber se tem ou não um determinado alelo. Aproximadamente 5% das crianças nascem com problemas congênitos ou hereditários. diminuíram as deficiências mentais causadas pela fenilcetonúria. quando o embrião se encontra num estado de oito células. respondem a diferentes objetivos. Por exemplo. a mãe poderá ser aconselhada a fazer uma amniocentese. como BRCA1 e BRCA2. como a síndrome de Down. Aplicados em qualquer momento da vida de uma pessoa. Rastreio de portadores e aconselhamento genético são duas medidas que conseguiram diminuir a incidência de várias doenças em algumas comunidades: a anemia falciforme entre os afro- americanos. entre a 15a e a 20a semana de gravidez. O diagnóstico pré-natal é realizado quando há algum risco ou indício de doença genética no feto. extraindo-se uma pequena quantidade de líquido amniótico e estudando as células do feto para confirmar ou excluir vários diagnósticos. podendo aparecer devido a mutações ou alterações cromossômicas ocorridas ao longo da vida. Idade adulta genética ataques cardíacos variável 226 .Maria Antonia Malajovich TABELA 18. Os exemplos que figuram na tabela correspondem a mutações no genoma nuclear. 40-60 anos no baço e no rim Hemofilias Alterações da coagulação A partir de 1 sanguínea. infecções. TIPO DE HERANÇA EXEMPLO CARACTERÍSTICAS APARIÇÃO DOENÇA DOS SINTOMAS Síndrome de Down Grau variável de atraso mental Nascimento etc. Algumas das mais de 8.000 doenças genéticas descritas. sangramento ano excessivo dos ferimentos Ligada ao X Distrofia muscular de Degeneração muscular 1-3 anos Duchenne Síndrome de Lesch-Nyan Atraso mental. deformações A partir dos 6 esqueléticas. a transmissão mostra um padrão claro de herança que não é sempre fácil de evidenciar nas doenças esporádicas ou multifatoriais. automutilação Nascimento Asma Dificuldade em respirar Nascimento Multifatorial Contribuição Doença cardiovascular Entupimento das artérias. A partir dos 6 recessiva crises dolorosas ou meses hemolíticas Doença de Tay-Sachs Surdez. 35-45 anos demência Rim policístico Cistos no fígado.2. meses Hipercolesterolemia Nível de colesterol alto 20-30 anos familiar causando doença coronária juvenil Autossômica dominante Doença de Huntington Movimentos involuntários. Nas doenças monogênicas. Cromossômica Esporádica Síndrome de Turner Alterações da diferenciação Nascimento sexual (mulheres) Síndrome de Klinefelter Alterações da diferenciação Nascimento sexual (homens) Fibrose cística Diversas complicações devidas 1-2 anos à secreção de muco excessivamente espesso Fenilcetonúria Deficiência mental Nascimento Autossômica Anemia falciforme Anemia crônica. no pâncreas. cegueira. Fonte: Issues in Human genetics (EIBE). contraturas. 3-6 meses espasticidade Monogênica Talassemias Anemia severa. distrofia muscular de Becker- Duchenne. a existência de um teste de diagnóstico pode exigir escolhas muito complexas. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 18: Biotecnologia e saúde . a expansão do mercado dos testes genéticos e dos medicamentos relacionados possibilitará os tratamentos de saúde pré-sintomáticos. que se manifesta tardiamente e se transmite de modo autossômico dominante. um risco que é considerado alto. mas de calcular qual a probabilidade de vir a desenvolvê-la. em que algumas pessoas querem saber se vão a desenvolver os sintomas e outras não. A função de um diagnóstico preditivo é de dar ao paciente a possibilidade de fazer escolhas saudáveis. de cólon e de endométrio. Já não se trata de prever uma doença. Por exemplo. Outro exemplo é o da transmissão familiar da doença de Alzheimer. E estão sendo desenvolvidos testes preditivos de resposta a medicamentos. não se pode ignorar que a predisposição familiar responde só por 5 a 10% dos casos de câncer. nos países desenvolvidos. as mulheres com o gene BRCA1 têm 80% de chances de desenvolver câncer de mama aos 65 anos de idade. fibrose cística etc. Quantos destes serão necessários? Quantas pessoas se sentirão erroneamente seguras em relação ao estilo de vida que adotarem? A implementação da medicina preditiva deve ser analisada criteriosamente por todos os setores da sociedade. eventualmente modificando seu modo de vida e aumentando a vigilância frente a determinados sintomas. de ovário. elas poderão aumentar as medidas preventivas. que trata os sintomas ou retarda sua aparição (hemofilia. doença periodontal. Mas do ponto de vista preventivo. A decisão de fazer o teste depende da própria pessoa. mamografias. Neste caso. a Coreia de Huntington. sendo os 90 a 95% restantes devidos a mutações adquiridas ao longo da vida. Quem controlará a aplicação dos testes genéticos? Como garantir que a decisão de se submeter a um teste obedeça exclusivamente a uma escolha pessoal? Quem teria acesso à informação resultante? Seria possível formar uma subclasse de indivíduos sem seguros de saúde nem empregos. Os avanços tecnológicos recentes abrem caminho para o estudo das doenças que resultam da interação de fatores genéticos e ambientais. Mas nem sempre resultam claras quais as vantagens do diagnóstico de uma alteração gênica para a qual não existe nem cura nem alívio. por exemplo. mas atinge seus familiares. Calcula-se que em 20 anos.). discriminados em função de seus genes? 227 . os testes genéticos marcam o início de um tratamento apropriado. Consideremos. etc.Testes diagnósticos DIAGNÓSTICO PREVENTIVO E PREDITIVO Ao associar um gene a uma doença. Hoje existem testes para a predisposição a doenças cardiovasculares. uma doença de difícil tratamento. A predição tem suas limitações. Graças ao diagnóstico preditivo. porque um diagnóstico pode ser informativo sobre a constituição genética dos outros integrantes da família. mas sem que exista uma certeza absoluta. isto é. controles médicos. predisposição ao câncer de mama. Maria Antonia Malajovich 228 . elaborara numerosas preparações medicinais. Novartis. genéricos e de venda liberada). consolidação e expansão. No século XVI. O setor compreende os fabricantes de diversas categorias de medicamentos (de marca. Na primeira metade do século XIX.bteduc. Devemos a ele outros importantes conceitos: existe um remédio específico para cada doença e qualquer remédio pode ser tóxico. De 5. possibilitou a evolução das técnicas farmacológicas. A indústria sustenta numerosas atividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos.19. Eli Lilly e Abbott. conservou-se seu legado. só um chegará ao mercado. o mercado global de medicamentos movimentou US$ 850 bilhões. Sanofi-Aventis. fundaram-se os primeiros laboratórios farmacêuticos. Roche.1). o número de compostos em testes pré-clínicos ou clínicos aumentou. O retorno do investimento é garantido pelos lucros e por um sistema de patentes válido por 20 anos (Figura 19. ao postular que os agentes curativos do mundo interior (microcosmo) devem ser procurados nas substâncias químicas do mundo exterior (macrocosmo). a denominada “farmácia galênica”. cada uma dessas empresas. os medicamentos mais vendidos foram os oncológicos. GlaxoSmithKline. vendas em valores superiores aos US$ 19 bilhões. no século XVIII. Johnson & Johnson. Em 2010. em conventos e monastérios. destacam-se como empresas líderes: Pfizer. A estrutura do setor poderá ser reorganizada nos próximos anos em função da chegada de novas tecnologias robóticas. Merck. um médico romano que.000 a 10. combinando elementos dos três reinos do mundo natural. o volume global de vendas de medicamentos será de US$ 1 trilhão. o setor é capaz de absorver rapidamente os avanços científicos e tecnológicos. os reguladores de lipídios. Estima-se que. No mesmo ano. além das empresas que elaboram produtos novos e das que desenvolvem pesquisas. em um processo que leva de 10 a 15 anos. Rapidamente. Na disputa por um mercado em crescimento. O desenvolvimento da química. informáticas e biológicas. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www.000 compostos que passam pelo crivo de uma primeira triagem. os antidiabéticos e os antipsicóticos. em 2014. a um custo aproximado de US$ 800 milhões. os agentes respiratórios. AstraZeneca. O controle da produção de medicamentos depende das grandes corporações multinacionais em contínuos ciclos de fusão.br) . BIOTECNOLOGIA E SAÚDE / OS MEDICAMENTOS A INDÚSTRIA DE MEDICAMENTOS A origem da farmácia é atribuída a Galeno (século II). Apesar do número de medicamentos novos colocados no mercado ter diminuído nos últimos anos. contabilizando. Extremamente competitivo e dinâmico. geralmente terceirizadas. Durante a Idade Média. A indústria farmacêutica cresceu solidamente ao longo do século XX.bio. os métodos artesanais foram substituídos por sistemas de produção industrial. dependendo da dose. o médico e alquimista suíço Paracelso estabeleceu as bases da farmacologia. um grupo de substâncias produzidas naturalmente. que era o princípio ativo. mas com o inconveniente de causar problemas estomacais e ter um gosto muito amargo.5 a 4. em 1969. Dos cristais de salicilina. 12 Fase III: Monitoramento das reações ao uso prolongado do medicamento em 1.5 anos). (Figura 19. um produto com menos efeitos colaterais que começou a ser comercializado em 1900 pela Bayer.1. Embora a aspirina alcançasse uma popularização extraordinária. Estudos laboratoriais e testes em animais para avaliar a atividade biológica e a segurança. Por acetilação do ácido salicílico. durante o primeiro voo à lua. durante as infecções ou na ocasião de ferimentos. extraía-se o ácido salicílico. Felix Hoffman obteve o ácido acetilsalicílico. Em 1874.000 compostos 0 Início das pesquisas. que tornam os nervos mais sensíveis à dor. As etapas do desenvolvimento de um medicamento. 5. Por impedir a agregação das plaquetas.Maria Antonia Malajovich FIGURA 19.2). uma substância capaz de aliviar eficazmente a dor. 6 Fase I: Acompanhamento farmacocinético e primeiros estudos 8 sobre segurança e dosagem em 20 a 100 voluntários sadios (1 ano). fundou-se a primeira empresa para sintetizar ácido salicílico. sob o nome de aspirina. 1 composto 14 Processo de aprovação do novo medicamento (2.000 a 5. esclarecendo-se rapidamente sua fórmula química. Isso não impediu que fosse utilizada pelos astronautas da Apolo I.5 anos) 16 Fase IV: Vigilância farmacológica 18 Procedimentos 20 administrativos Vencimento da patente 22 24 Genéricos Anos OS PRINCÍPIOS ATIVOS DAS PLANTAS O CASO DA ASPIRINA Devido a seu poder de curar febres e acalmar dores. 10 bilhões de comprimidos por ano. o seu modo de ação permaneceu desconhecido por muito tempo. 230 . Testes clínicos Fase II: Eficiência e efeitos colaterais em 100 a 500 pacientes 10 voluntários (2 anos). Vendem-se hoje. a casca do salgueiro (Salix Alba) era utilizada na preparação de poções medicamentosas. Descoberta 2 Fase pré-clínica Pedido de patente (3. Dois anos mais tarde descobriu-se que a ligação entre o ácido acetilsalicílico e algumas enzimas dificulta a síntese de prostaglandinas.000 pacientes voluntários (3 anos). já no século XVIII. 4 5 compostos Pedido de aprovação para dar início aos testes em seres humanos. aproximadamente. a aspirina também ajuda a prevenir problemas de coagulação sanguínea e ataques cardíacos. AS NOVAS TECNOLOGIAS Em uma linha totalmente diferente perfilam-se as grandes empresas de produtos farmacêuticos. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 19: Biotecnologia e saúde .000 espécies de plantas medicinais. já que a síntese das substâncias ativas depende do solo. considerados mais suaves e com menos efeitos colaterais. e preferem passar ao desenho de medicamentos por química combinatória e modelos computacionais. A descoberta recente de algumas substâncias antitumorais (taxol. muitas delas representam a única fonte de tratamento acessível. especialmente em regiões de grande biodiversidade. estimando-se que o mercado global seja de US$ 62 bilhões por ano. A partir de 1990. Contudo.Medicamentos OS FITOTERÁPICOS Até o momento. da estação e até do momento do dia. Também são utilizadas por outra parcela da população. animais e microrganismos. COOH COOH OH O-CO-CH3 Ácido salicílico Ácido acetilsalicílico 231 . enunciada na declaração de Alma-Ata (1978) sobre a atenção primária a saúde. adepta das medicinas alternativas e do consumo de medicamentos fitoterápicos tradicionais. 1998) e o estabelecimento de diretrizes gerais sobre metodologias de pesquisa e avaliação das medicinas tradicionais (WHO. já teriam sido descobertos praticamente todos os princípios ativos de interesse.) de origem vegetal estimulou a procura por princípios ativos em plantas. marca uma mudança de atitude em relação aos fitoterápicos. Algumas empresas farmacêuticas consideram que. vincristina etc. as opiniões não são unânimes em relação a possíveis e eventuais descobertas de moléculas com aplicações terapêuticas. a ausência de estudos clínicos em grande escala e a carência de controles de qualidade estritos. em quase duzentos anos de prospecção. sua eficácia varia com as condições de cultivo das plantas. foram identificadas mais de 50. de venda livre e com poucas oportunidades de patentes. admitindo-se que o extrato vegetal seja mais eficiente que alguma de suas partes (princípio biologicamente ativo).2: A fórmula da aspirina. Outras limitações importantes são a falta de conhecimento sobre os efeitos secundários. Outras ponderam que é na diversidade dos microrganismos e das plantas que devem ser procuradas novas moléculas. Para a população mais pobre. Nessa corrente de pensamento. A promoção da medicina tradicional pela WHO (World Health Organization). porque ainda existiriam numerosas fontes de princípios ativos desconhecidos na flora tão diversa como mal estudada de muitas regiões. FIGURA 19. vinblastina. Com a publicação de um manual relativo ao controle de qualidade dos materiais extraídos das plantas medicinais (WHO. o mercado dos fitoterápicos entra em uma nova etapa. Contudo. 2000). o “natural” é percebido como bom. Os fitoterápicos são produtos relativamente baratos. o uso dos fitoterápicos aumentou significativamente. através de métodos estatísticos. desativam as penicilinas naturais. o InBio (Instituto Nacional de Biodiversidade) negociou. chegando-se a substituir uma molécula natural por outra sintética equivalente ou ligeiramente modificada.3. a partir de 1991. Aproximadamente na mesma época teve início um programa de prospecção de agentes bioativos em terras áridas da América Latina. 232 . As numerosas críticas levantadas por estas e outras iniciativas como o convênio Novartis- Fundação Bio-Amazônia (2000) mostram as dificuldades em estabelecer normas de trabalho dentro do marco legal para a proteção da biodiversidade. resistentes a essas enzimas. high throughput systems).Maria Antonia Malajovich Na última década. suas características farmacológicas poderão ser melhoradas mediante transformações químicas. esteroides. verificaram-se mudanças enormes no campo da pesquisa de produtos naturais. terpenos. do inglês. Estes acordos contribuíram para aumentar a capacitação do país desde vários pontos de vista: científico. Os resultados das pesquisas desenvolvidas durante oito anos estão armazenadas em um banco de dados. respeitando a Convenção da Diversidade Biológica (1992). No século XIX plantas de seringueira foram levadas de modo sub-reptício da Amazônia à Malásia. os estudos quimioinformáticos estabelecem correlações entre estrutura e atividade. até o momento nenhuma delas originara um medicamento novo. Universidad de la Patagonia). ao destruir o anel correspondente. United States Department of Agriculture [USDA]). Algumas bactérias sintetizam -lactamases. Na fórmula da penicilina pode-se observar um anel - lactâmico e uma cadeia lateral (R). glicosídeos etc. enzimas que. um medicamento derivado do veneno da cobra Bothrops. Na Costa Rica. graças à disponibilidade de tecnologias baseadas na robótica e na automação dos ensaios biológicos. National Institute of Health [NIH]. No entanto. A fórmula da penicilina. acordos de bioprospecção no valor de US$ 1 milhão com a Merck. é hoje importado pelo Brasil em uma versão sintética. Modificando a cadeia lateral. A análise das substâncias químicas (alcaloides. O programa envolveu instituições norte-americanas (Universidade do Arizona. apesar de ter encontrado várias moléculas promissoras. Por outro lado. nacionais e estrangeiras. O captopril. e pelas empresas farmacêuticas. FIGURA 19. chilenas (Pontificia Universidad Católica de Chile) e mexicanas (Universidad Nacional Autónoma de México).000 produtos por dia (HTS. O risco de biopirataria é real.) presentes em uma planta ou em seu extrato depende de técnicas analíticas automatizadas e de bancos de dados nos quais armazenar os dados (Chemical Fingerprint). obtiveram-se as penicilinas semissintéticas. e mais tarde com outras empresas farmacêuticas. A robotização permite realizar ensaios de atividade biológica de até 200. Uma vez identificado um princípio ativo. tecnológico e institucional. A IMPORTÂNCIA DE UM MARCO LEGAL Nos países que contam com uma biodiversidade importante discute-se como desenvolver os estudos de bioprospecção e qual o papel que deveria ser desempenhado pelas instituições. argentinas (Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária [INTA]. as bactérias não cresciam ao redor do contaminante. O segundo foi o aumento da produtividade. esta o primeiro antibiótico eficiente para o tratamento da tuberculose. OS LIMITES AO USO DE ANTIBIÓTICOS Após o sucesso da penicilina. Assim. não sendo tóxico nem causador de irritação. capaz de produzir 200 vezes mais penicilina que a linhagem original. Estados Unidos). as forças aliadas dispuseram de suficiente penicilina para o tratamento dos soldados feridos na invasão da Europa. assim como da pesquisa de formas moleculares alternativas que facilitassem sua utilização na atividade clínica. no laboratório de Paul Ehrlich. em uma época em que não existiam seringas. meio século atrás. Merck) foi decisiva para o sucesso da tarefa. Os primeiros inibidores bem sucedidos do crescimento microbiano foram as “sulfas”. e testá-la em animais. Comercializado em 1910 pela empresa Hoechst. em um cultivo de estafilococos semeado em uma placa de Petri e contaminado por um fungo. ampicilina. Florey e Chain transferiram-se em 1941 para Peoria (Illinois. mas a quantidade disponível resultou pequena para o seu uso terapêutico. vancomicina. Fleming conseguiu extrair uma substância. começou a triagem de outros antibióticos nos microrganismos do solo. Durante quase 10 anos. Com o objetivo de iniciar sua produção em grande escala. a penicilina. a neomicina e a estreptomicina. Paralelamente. descobriram-se a actinomicina. nos laboratórios da Universidade de Oxford.Medicamentos AS SUBSTÂNCIAS ANTIBIÓTICAS O CASO DA PENICILINA Até a Segunda Guerra Mundial. Este produto teve um efeito extraordinário nos primeiros ensaios clínicos. a indústria procedeu ao aprimoramento dos métodos de extração e de purificação. Chain obtiveram um sal sódico de penicilina com baixo grau de pureza (Figura 19. Florey e E.000 litros. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 19: Biotecnologia e saúde . em 1944. extraído de Streptomyces venezuelae. a medicina não tinha tratamento. Dois fatores possibilitaram a produção industrial de penicilina. com capacidade entre 40. podia ser aplicado ou injetado em doses maciças. a descoberta em um melão podre de uma linhagem de Penicillium chrysogenum. Um pouco mais tarde os antibióticos de amplo espectro. Em 1940.3). que passou de 50 mg/l a 50-100g/l. sem sucesso. H. Fleming tentou. no final da década de 1930. mediante a substituição do cultivo em garrafas pelo cultivo submerso em biorreatores. cefalosporina) possibilitou a cura de doentes e feridos para os quais. Além de produtos de origem natural (antibióticos). No início do século XX fora descoberto. meticilina. entraram no mercado.000 e 200. O primeiro. hoje contamos com outros de origem sintética (antibacterianos). O cloranfenicol. Em 1928. cultivar e identificar esse fungo como sendo o Penicillium notatum. um ambiente muito competitivo onde essas substâncias conferem uma vantagem seletiva. também é produzido por síntese química. onde a participação da indústria farmacêutica (Pfizer. a aureomicina e a terramicina. Este resultado não teve repercussão alguma na comunidade científica. como o cloranfenicol. o Salvarsan resultou em um terrível fracasso por duas razões: era tóxico e devia ser injetado. A penicilina revelou-se um antisséptico eficaz que. as únicas armas disponíveis na luta anti-infecciosa eram umas poucas vacinas e antitoxinas. derivados da sulfonamida. obter penicilina em estado puro. Graças a essas mudanças. A descoberta de novos produtos (eritromicina. um derivado do arsênico para o tratamento da sífilis. o bacteriologista Alexander Fleming observou que. Além de isolar. 233 . cinco das maiores ainda continuam produzindo antibióticos: Abbott. Outras firmas novas ocuparam o espaço vacante. De fato. Nos últimos anos. mas poucas são interessantes do ponto de vista clínico. A NECESSIDADE DE INOVAÇÃO As principais classes de antibióticos foram descobertas entre 1940 e 1962. Existem muitas substâncias com propriedades antibióticas. ANTIBIÓTICOS E ANTIBACTERIANOS DATA Sulfonamidas (Sulfas) 1936 Β-lactâmicos 1940 Cloranfenicol. que são moléculas bloqueadoras da síntese de proteínas bacterianas (Tabela 19. passaram-se várias décadas sem grandes inovações neste campo. tetraciclinas 1949 Aminoglicosídeos 1950 Macrolídeos 1952 Quinolonas. A tetraciclina é bombeada para fora das células se houver uma alteração da permeabilidade celular. tais como a síntese da parede celular. Posteriormente. O uso clínico indiscriminado de antibióticos favoreceu a aparição de linhagens resistentes que se espalharam rapidamente. o tempo mostrou o outro lado da moeda.1. até a chegada das oxazolidinonas. Merck. e para contornar a aparição de resistência. muitas empresas abandonaram o mercado para atender o setor bem mais lucrativo das doenças crônicas. a transferência horizontal de plasmídeos pode disseminar a resistência múltipla às drogas. o vencimento de muitas das patentes possibilitou o aparecimento das formas genéricas de alguns dos antibióticos mais difundidos. Para cada alvo atingido.Maria Antonia Malajovich Contudo.. como Basilea Pharmaceutica LTd. A linha do tempo de entrada dos antibióticos e antibacterianos no mercado. dos ácidos nucleicos. que lançou o Ceftobiprole. como o Augmentin (amoxacilina/clavulanato) ou o Cipro (ciproflaxin). Novartis. se quisermos manter alguma vantagem sobre as bactérias. substâncias iguais com pequenas modificações químicas. mas sempre alvejando algumas poucas funções vitais da célula. a indústria investiu nas chamadas Me-too-Drugs. estreptograminas 1962 Oxazolidinonas 2000 Lipopeptídeos 2003 Glicilciclinas 2005 Mutilinas 2007 234 . novos medicamentos deverão ser descobertos. isto é. O anel -lactâmico das penicilinas e cefalosporinas é desativado mediante a síntese de -lactamases. A inibição da síntese proteica pela estreptomicina desaparece com uma modificação do sítio-alvo no ribossomo. AstraZeneca. nessa corrida sem fim entre a utilização de antibióticos e a aparição de microrganismos resistentes. das proteínas ou do ácido fólico. eficaz contra os MRSA (do inglês. Devido às dificuldades encontradas em descobrir moléculas novas.1). Não obstante. TABELA 19. Por outro lado. Os antibióticos agem de diversos modos. Pfizer e Johnson & Johnson. Por outro lado. meticillin-resistent Staphylococcus aureus) e outros supermicróbios. uma cefalosporina de quinta geração. aparece uma forma específica de resistência. Ou pesquisar os peptídeos naturais. isto é.Medicamentos Os antibióticos representam 65% do mercado de medicamentos anti-infecciosos. Atualmente. uma disciplina capaz de esclarecer a função dos genes e de mostrar quais os alvos que poderiam ser atacados. o volume global de vendas de anti- infecciosos alcance os US$ 40 bilhões. Esta estratégia pareceria ser mais interessante com bactérias que com vírus. eventualmente. As complicações resultantes incluem nefropatias. O tratamento envolve dieta e exercícios moderados. além de medicamentos. 235 . as pessoas precisam de mais insulina da que produzem (diabete de tipo 2). Em outra linha de ação está a procura.4). Quando a insulina secretada pelo pâncreas baixa. inativas e com uma história familiar. assim como a utilização dos dados genômicos para identificar um alvo medicamentoso. Esta forma costuma se manifestar em pessoas mais velhas. Trata-se de uma forma da doença que ataca crianças e adolescentes (diabete de tipo 1). é provável que o sucesso no desenho de produtos novos dependa da genômica comparativa e funcional dos microrganismos. AS PRIMEIRAS MOLÉCULAS TERAPÊUTICAS O CASO DA INSULINA A insulina é um hormônio. uma doença conhecida há séculos e que hoje pode ser tratada. apesar de ser muito difícil enfrentar a etapa dos testes clínicos. em 2015. valores altíssimos que só podem ser cobertos pelas grandes empresas farmacêuticas. high-throughput screening). produzidos por seres vivos terrestres e marinhos. neuropatias e doenças cardiovasculares. No entanto. com sobrepeso. Os novos métodos in silico possibilitam a triagem de estruturas moleculares relacionadas com uma atividade biológica determinada. arrastando muita água e causando sede excessiva. O quadro descreve o diabetes mellitus. que inclui também os antivirais e os antifúngicos. a falta de insulina é consequência da destruição das células  do pâncreas pelo sistema imune. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 19: Biotecnologia e saúde . a insulina. retinopatias. A construção de peptídeos sintéticos por química combinatória também é uma alternativa interessante. no metabolismo do hospedeiro. Em 5 a 10% dos casos. Estima-se que. em sistemas robotizados para triagens de alto desempenho (HTS. entre os quais. Estima-se que os antibióticos baseados na genômica estejam disponíveis na próxima década. e incrementar sua ação antibiótica mediante alterações na estrutura molecular. que é produzido no pâncreas e regula o metabolismo do açúcar (glicose) no corpo (Figura 19. Podem-se procurar compostos ou extratos naturais com atividade inibitória do crescimento de microrganismos. que demanda inversões estimadas em US$ 150-200 milhões. um mensageiro químico. Centenas de genomas bacterianos já têm sido sequenciadas. o nível de glicose no sangue aumenta e passa a ser excretada na urina. existem várias estratégias para o desenvolvimento de novos antibióticos. de algum alvo que impeça a infecção. Nos casos restantes. O caminho está sendo trilhado por algumas pequenas empresas biotecnológicas. A síntese da insulina. como ilustrado no esquema. Um organismo procarionte é incapaz de realizar modificações pós-traducionais. Cadeia B Cadeia A FIGURA 19. A) A síntese in vivo da insulina.5.coli União química das Síntese da cadeia B cadeias A e B Inserção no plasmídeo Extração da cadeia proteica B Insulina e clonagem em E.Maria Antonia Malajovich FIGURA 19. Peptídeo sinal Tradução Remoção do sinal e Remoção união das cadeias A e B da cadeia C mRNA de insulina Molécula precursora Pró-insulina Insulina B) A síntese em Escherichia coli (1982). A estrutura da molécula de insulina humana. ou sintetizar cada uma das cadeias em separado e associá-las mais tarde.coli 236 . Síntese da cadeia A Inserção no plasmídeo Extração da cadeia proteica A e clonagem em E.4. nas células pancreáticas. É possível sintetizar pró- insulina para transformá-la enzimaticamente em insulina. As insulinas humanas. acabavam causando reações alérgicas. o mercado passará por reformulações. Algumas inovações. administradas oralmente ou por inalação. deu-se início à comercialização de insulina extraída de pâncreas bovinos e porcinos.Medicamentos Em 1920. nas populações urbanas de migrantes. Logo depois. a Novo Nordisk absorveu recentemente a área de produção da Biobrás. 1987). Esta insulina semissintética representou um enorme progresso em relação às insulinas animais. a insulina recombinante representa um dos primeiros e indiscutíveis sucessos da biotecnologia (Figura 19. Nos próximos anos. as diferenças são pequenas. 237 . mais tarde em leveduras (Novo. A insulina bovina difere da humana nas posições 8 e 10 da cadeia A e na posição 30 da cadeia B. Encontram-se em andamento vários projetos visando reiniciar a produção nacional de insulina (Biomm e União Química. No Brasil. ambientais ou culturais. Contudo. apesar de permanecerem alguns problemas relacionados com a obtenção da matéria-prima e o tratamento de resíduos. a insulina humana recombinante está sendo produzida por Laboratórios Denver Farma.4 A). F. substituíram as insulinas mistas (boi. O tamanho da molécula de insulina torna a síntese química economicamente inviável (Figura 19. ou também pela existência de melhores métodos de diagnóstico. desenvolvida anteriormente pela Biobrás. também. ao expirar algumas patentes e serem disponibilizadas insulinas não injetáveis. Banting comprovou o efeito hipoglicemiante de extratos de pâncreas de cachorro. A tecnologia do DNA recombinante revolucionou a produção de insulina humana porque possibilitou sua síntese em microrganismos geneticamente modificados: primeiro em Escherichia coli (Eli Lilly. milhões de pessoas no mundo inteiro dependem hoje de injeções regulares de insulina. recombinante e semissintética. Uma nova firma (Biomm) conservou a patente para a insulina humana. em 2025 o número de diabéticos poderia chegar a 300 milhões. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 19: Biotecnologia e saúde . basta substituir um aminoácido (alanina) por outro (treonina) na extremidade de uma das cadeias da insulina suína para que a sequência molecular passe a ser a mesma da insulina humana. Novo Nordisk e Aventis (uma fusão de Hoechst e Rhône Poulenc). A SUBSTITUIÇÃO DO PRODUTO NATURAL Seja por influência de fatores genéticos. Por ser um produto mais estável e de melhor qualidade que os existentes no mercado. mas. mas a insulina porcina só difere na posição 30 da cadeia B. porco) que. Essas insulinas animais salvaram numerosas vidas.5 B). permanecem no mercado a um preço inferior. como o grau de pureza e o tempo de reação são de grande importância para a eficácia do tratamento. segundo as estimativas. uma empresa brasileira que durante mais de 20 anos abasteceu de insulina grande parte do mercado latino- americano. Na Argentina. E. Atualmente. 1982). A molécula de insulina humana consta de 51 aminoácidos distribuídos em duas cadeias unidas entre si por pontes bissulfeto.5 A e 19.A incidência da diabete de tipo 2 está aumentando em crianças e adolescentes. no entanto. Farmanguinhos). a produção de insulina humana recombinante se concentra em três grandes conglomerados farmacêuticos: Eli Lilly. em alguns grupos étnicos que adotaram modos de vida e de alimentação diferente e. Do ponto de vista da estrutura química. por diferir da insulina humana em alguns aminoácidos. medula CSF) Interferon e interleucinas Interferon alfa (IFN alfa) Escherichia coli Hepatite B e C. 2003. diferentes tipos de câncer Interferon beta (IFN beta) Cultivo de células de mamífero Esclerose múltipla Interferon gamma (IFN gamma Escherichia coli Granulomatose crônica 1b) Interleucina 2 (IL-2) Escherichia coli Câncer de rim VACINAS Hepatite B Leveduras Imunização contra a hepatite B Hepatite A Leveduras Imunização contra a hepatite A Doença de Lyme Escherichia coli Imunização contra a doença de Lyme ANTICORPOS MONOCLONAIS RECOMBINANTES Anti-IgE (recombinante) Cultivo de células de mamífero Asma Anti-TNF (recombinante) Cultivo de células de mamífero Artrite reumatoide Anti-IL2 Cultivo de células de mamífero Prevenção da rejeição aguda do transplante de rim OUTROS PRODUTOS RECOMBINANTES Proteína morfogênica do osso-2 Cultivo de células de mamífero Fratura de tíbia Galactosidase Cultivo de células de mamífero Doença de Fabry (deficiência de α- galactosidase) Iaronidase Cultivo de células de mamífero Mucopolissacaridose Proteína C Cultivo de células de mamífero Sepse severa β-glucocerebrosidase Escherichia coli Doença de Gaucher DNAse Cultivo de células de mamífero Fibrose cística 238 .Maria Antonia Malajovich TABELA 19. 21. 0 Fonte: Nature Biotechnology. Alguns biofármacos de interesse médico. síndrome de Turner Hormônio folículo-estimulante Cultivo de células de mamífero Infertilidade. acromegalia. vol. nº8. em Porque Biotecnologia. Cuaderno n 49 PRODUTO SISTEMA DE PRODUÇÃO INDICACÃO TERAPÊUTICA FATORES DE COAGULAÇÃO Fator VIII Cultivo de células de mamífero Hemofilia A Fator IX Cultivo de células de mamífero Hemofilia B Fator VIIa Cultivo de células de mamífero Certas formas de hemofilia ANTICOAGULANTES Fator ativador de plasminogênio Cultivo de células de mamífero Infarto de miocárdio Fator ativador de plasminogênio Escherichia coli Infarto de miocárdio Hirudina Leveduras Trombocitopenia e prevenção de trombose HORMÔNIOS Insulina Leveduras Diabetes mellitus Escherichia coli Hormônio de crescimento Escherichia coli Deficiência do hormônio em crianças. transplante autólogo de granulócitos/macrófagos (GM. anovulação e superovulação Hormônio paratiróideo Escherichia coli Osteoporose Gonadotrofina coriônica Cultivo de células de mamífero Reprodução assistida Tirotrofina Cultivo de células de mamífero Detecção /tratamento de câncer de tireóide Hormônio luteinizante Cultivo de células de mamífero Algumas formas de infertilidade Calcitonina Escherichia coli Doença de Paget Glucagon Leveduras Hipoglicemia FATORES HEMATOPOIÉTICOS Eritropoietina (EPO) Cultivo de células de mamífero Anemia Fator estimulante de colônias de Escherichia coli Neutropenia.2. foram construídos plantas e animais transgênicos (vacas. Uma atitude contraditória que nos incita à reflexão. anticorpos monoclonais e antígenos bacterianos para vacinas. doenças imunes e doenças genéticas lisossômicas (Gaucher. Em alguns casos. muitos outros biofármacos serão descobertos e patenteados nos próximos anos. a obtenção de insulina e de interferon mediante bactérias e leveduras modificadas geneticamente. oncologia. é totalmente aceito em relação aos novos medicamentos. Mais de 300 proteínas aprovadas e muitas outras em testes clínicos indicam um mercado em crescimento. Pompe). interferons. já na década de 1980. de modo que a produção dessas proteínas seria inviável sem a tecnologia do DNA-recombinante. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 19: Biotecnologia e saúde . Os imensos bancos de dados e as técnicas de triagem assistidas por computador permitirão diminuir o tempo necessário para os estudos experimentais. GTC Biotherapeutics). Em função dos avanços nos estudos genômicos. A rápida incorporação das novas tecnologias nos métodos de produção facilitou. os microrganismos foram substituídos por células animais que. diabetes e endocrinologia. do qual o setor mais dinâmico é o dos anticorpos monoclonais. cultivadas em biorreatores. Outras são produtos especialmente desenhados para cumprir uma função medicamentosa: trombolíticos (tPA ou fator ativador de plasminogênio. Os métodos extrativos fornecem quantidades mínimas que não chegariam nunca a satisfazer a demanda do mercado. artrite. 239 . com uma previsão de mais de US$ 79 bilhões em 2015. O primeiro anticoagulante extraído do leite de uma cabra transgênica entrou no mercado em 2009 (Atryn.2). O princípio de equivalência. inflamação. muitas das quais se encontram já na fase de testes clínicos. A hostilidade da sociedade com as plantas e alimentos transgênicos não existe em relação aos animais transgênicos e os medicamentos. ovelhas etc. Algumas substituem ou complementam moléculas naturais: hormônios. fatores de coagulação sanguínea. estreptoquinase. cabras. OS PRODUTOS E SUAS UTILIZAÇÕES As proteínas terapêuticas cumprem diversas funções (Tabela 19.Medicamentos AS PROTEÍNAS RECOMBINANTES AS BASES TECNOLÓGICAS O tamanho das proteínas de uso terapêutico é 100 vezes maior que o das moléculas presentes nos medicamentos convencionais.) para uma centena de proteínas de tipo recombinante. enzimas. Hurler. fatores estimuladores do crescimento celular. Fabry. A INDÚSTRIA BIOTECNOLÓGICA Estima-se que o mercado global de produtos biotecnológicos será de US$ 103 bilhões em 2014. são capazes de levar a cabo as modificações pós-traducionais indispensáveis. interleucinas. apesar de mais difíceis de cultivar. Utilizam-se fundamentalmente nas áreas médicas de hematologia. uroquinase). contencioso no setor de agroalimentos. Com o objetivo de aumentar a produtividade e diminuir os custos. o que representa pouco mais da décima parte do mercado farmacêutico mundial. Rebif. Lilly Granulócitos .Maria Antonia Malajovich Vários dos biofármacos líderes de vendas são anticorpos terapêuticos (Tabela 19. Lilly Palivizumab Synagis MedImmune Hormônio folículo estimulante FSH Gonal F. Saizen. Eprex. Schering AG. Bio Sidus obteve sucesso com seu tambo farmacéutico. NeoRecormon. Biogen Betaseron. existe pelo menos um que permite a obtenção de imagens. Kirin. As principais proteínas terapêuticas comercializadas atualmente. Várias proteínas recombinantes são produzidas localmente. Os principais produtos biotecnológicos são os anticoagulantes (eritropoietina). Na América Latina existe uma indústria farmacêutica que fabrica medicamentos para consumo interno e para exportação. A Argentina conta com um setor farmacêutico sólido e competitivo. Chiron Insulina Humana Novulin. Protopin. Roche 240 . Serono. Sanofi.3). os hormônios. Idec. Roche. A maioria se destina principalmente à oncologia e ao tratamento de artrite e outras doenças imunes e inflamatórias. de insulina ou de leite maternizado. Ceradase Genzyme Adalimumab Humira Abbott Fator VII Novo Seven Novo Nordisk Toxina botulínica Botox Allergan Bevacizumab Avastin Genentech. Cuba e México. Sankyo α e β Interferon PEG Íntron. AkzoNobel Glucocerebrosidase Cerezyme. Procrit. NOME GENÉRICO NOME COMERCIAL EMPRESAS α e β Eritropoietina Epogen. e outro em que a molécula se encontra acoplada a uma toxina que destrói a célula cancerosa. destacando-se Argentina. Humalog Novo Nordisk. produz vacinas contra a hepatite B. por três empresas biotecnológicas nacionais (Bio Sidus. Zelltek) que vendem seus produtos através de suas empresas farmacêuticas correspondentes (Sidus. Quase uma centena se encontra na fase final do processo de aprovação. Humalin. Folistim Serono. Biogen Idec. Pablo Cassará) e as exportam para diversos países de Ásia. Serono. Schering Plough. Brasil. Neulasta Amgen. Pegasys Avonex. Uma empresa estrangeira. Schering do crescimento de colônias G-CSF Rituximab Rituxan Roche Etarnecept Enbrel Amgen.3. Amgen. Neutropin Novo Nordisk. Roche.Fator estimulante Neupogen. Contudo. Roche. Epogin. Johnson & Johnson. Akzo Nobel. Humatrope. Wyeth Infliximab Remicade Johnson & Johnson Trastuzumab Herceptin Roche Hormônio de crescimento Serostim. pequenos rebanhos de vacas transgênicas produtoras de hormônio de crescimento. os interferons (α e β) e os fatores estimuladores do crescimento celular. um empreendimento que irá sem dúvida lhe garantir uma posição de destaque no setor produtivo. Oriente e América Latina. TABELA 19. PC-gen. Aranesp Roche. Outros laboratórios (Silanes. Antes de se completar o sequenciamento. destacando-se respectivamente na produção de retrovirais e de eritropoietina. 241 . mas sabendo que dois pontos que se encontram muito próximos no cromossomo tenderão a ser transmitidos juntos. Diferente da Argentina. a biotecnologia é um dos principais produtos de exportação da ilha. Esses produtos renderam aproximadamente 900 patentes no exterior e são exportados para 40 países. imunoglucerase. quer dizer. CIMAB etc. As mais interessantes são as que ocorrem dentro de um gene ou em uma região reguladora. uma disciplina nova que visa identificar as diferenças genéticas associadas a diversas doenças. a empresa ProBioMed tem desenvolvido com o setor universitário uma dezena de proteínas recombinantes (anticoagulantes. depende-se ainda da importação de biofármacos. as variações entre eles devem ser procuradas no 0. Hoje Cuba produz 11 vacinas.9% do genoma. A importância do mapeamento do genoma foi claramente percebida pelas empresas farmacêuticas. o tabaco e o açúcar.). obteve uma enzima recombinante capaz de reparar as lesões causadas pela exposição aos raios X. fatores estimuladores do crescimento celular) para uso interno e exportação para outros países de América Central e América do Sul. OS MEDICAMENTOS PERSONALIZADOS A FARMACOGENÔMICA O mapeamento do genoma foi o primeiro passo para o desenvolvimento de novos produtos e ações terapêuticas. Ambas as empresas distribuem seus produtos no Brasil. Novartis) começaram a compilar informações sobre os genes que podiam ser associados a doenças e a localizar SNPs dentro de alguns genes previamente selecionados. Trata-se de variações de uma base a cada 1. algumas das grandes empresas farmacêuticas (Glaxo Wellcome. Bioclón) têm se destacado na produção de antitoxinas. envolvendo laboratórios nacionais (públicos e privados) e estrangeiros. Assim como o níquel. interferons. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 19: Biotecnologia e saúde . Centro de Ingeniería Genética y Biotecnología.1% restante.000 bases (haplótipos) e caracterizá-los por alguns dos SNPs de cada bloco (Figura 19. O estudo de cada um desses SNPs está além das capacidades tecnológicas atuais. distribuídas ao longo do genoma. somatotropina recombinante humana). Contudo. infliximab. um terreno onde se afirma a farmacogenômica. Acordos de transferência de tecnologia para 25 produtos. interferon. recentemente.Medicamentos O Laboratório Pablo Cassará é outra empresa tradicional que proximamente irá colocar no mercado uma nova vacina em duas doses contra a hepatite B e. desenvolvidos por Centros de Pesquisa (Centro de Inmunología Molecular. single nucleotide polymorphisms). entre os 30 milhões de polimorfismos de um único nucleotídeo ou SNPs (do inglês.000 nucleotídeos. Dado que os seres humanos compartilham 99. pode-se dividir o cromossomo em blocos de aproximadamente 10. No México. visam reverter essa dependência. asiática e africana. recentemente concluído e baseado no genoma de pessoas de origem europeia.6). no Brasil as empresas públicas como Farmanguinhos e Instituto Butantã tem um papel determinante na produção de medicamentos. Centro Nacional de Biopreparados e Instituto Finlay) e comercializados por empresas farmacêuticas associadas (Heber Biotec. alguns dos quais são inclusive distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (eritropoietina. Este é o objetivo do International HapMap. mais de 40 moléculas terapêuticas e vários sistemas de imunodiagnóstico. Cuba tem registrados numerosos produtos biotecnológicos. Hoje.C... por cinco anos. as reações adversas causam 100. Apesar de ter descoberto uma dezena de alvos medicamentosos. A.. os habitantes de Islândia teriam direito. por US$ 200 milhões. diabetes 1 e 2. Um acordo da deCode com a Hoffmann-La Roche visava identificar os genes responsáveis por várias doenças.. Em função dos problemas éticos e legais levantados oportunamente. a empresa não obteve resultados suficientemente rápidos para satisfazer os seus investidores. a exclusividade para elaborar um gigantesco banco de dados incluindo os registros de saúde. doença cardiovascular.. em 1999 a empresa americana deCode obteve da Islândia.G..C... Devido a impedimentos legais.. Rockefeller University (Micronésia).T.C.... Galileo Genomics (Canadá)..000 islandeses. O projeto suscitou controvérsia.A Considerando que as doenças devem ser estudadas no contexto evolutivo e histórico de uma população. a empresa acabou sendo vendida.000 habitantes) conta com uma população homogênea especialmente apta para este tipo de estudos..Maria Antonia Malajovich FIGURA 19..G.A.... G. chamada deCODEme.A Indivíduo 3. as diferenças genéticas que permitem prever diferentes respostas a um medicamento. Wellcome Trust Case Control Consortium encontrou 24 associações a 7 doenças (Crohn.... que investiga... para a Saga Investments LLC e Illumina.T. as genealogias e os perfis de DNA de seus habitantes. à gratuidade nos medicamentos desenvolvidos.000 mortes e 2 milhões de hospitalizações por ano.A Indivíduo 2. Indivíduo 1..000 anos pelos viquingues e com poucos contatos com outras populações.T C.... As reações adversas são temidas tanto pelos consumidores como pelos médicos e a indústria farmacêutica. A..G.. Os fundamentos do projeto internacional HapMap. No caso de serem obtidos resultados positivos. tais como Estonian Genome (Estonia)... entre os quais proteínas envolvidas em doença cardíaca.A. a nova deCode..T ...A.. A FARMACOGENÉTICA Outra disciplina nova é a farmacogenética..G.T T.... a Islândia (270.G. Basta a presença de dois SNPs em um segmento de DNA para conseguir diferenciar três indivíduos. em 2009. 242 . a empresa enfrentou algumas dificuldades na construção de seu banco de dados de 140.. Os SNPs são variações de uma base na sequência do DNA. que se protege mediante bulas cuidadosamente redigidas..T T.C...Bank (Inglaterra).A. Povoada há 1. osteoporose e esquizofrenia.G. dentro da população. Em bancarrota..A.6. comercializa testes diagnósticos e estudos genômicos.. Existem outros projetos na mesma linha de investigação.C.C.T.. artrite reumatoide e transtorno bipolar).C. Oxagen (Inglaterra).......... os dados e as amostras biológicas não puderam ser vendidos e permanecem na Islândia.T. Só nos Estados Unidos. hipertensão.. UK....G... O CUSTO DOS NOVOS MEDICAMENTOS Estima-se que só 3% dos medicamentos desenvolvidos entre 1975 e 1999 foram dedicados ao tratamento de doenças tropicais.000 e 5. Quando ocorrem em uma frequência baixa. aproximadamente 60% dos medicamentos são metabolizados por uma família de enzimas (citocromo P450). A maioria das grandes corporações está instalada nos Estados Unidos. evitando que um produto novo seja descartado por falta de resposta adequada. Sabendo a qual dos dois grupos pertence um paciente. ou não. Heber Biotec). Na América Latina. Por exemplo. ainda faltam medicamentos adequados. biochips e microarrays). e houve casos em que tiveram que ser retirados do mercado. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 19: Biotecnologia e saúde . artrite. O desenvolvimento da farmacogenética dará aos pacientes mais chances de receber a medicação adequada. além de seu principal mercado. nem todas as pessoas reagem igualmente a um medicamento. Atualmente. dependendo de suas características enzimáticas individuais. que envolvem entre 1. e a metade fora incentivada pela Organização Mundial da Saúde.000 voluntários. ao seu caso. procura-se determinar a presença do alelo HLA-B*5701 antes de iniciar o tratamento com abacavir. química combinatória. encontram uma legislação favorável. onde. Do consumo mundial de medicamentos. O custo dos medicamentos depende em grande parte dos investimentos da indústria farmacêutica na pesquisa e desenvolvimento de novos produtos (US$ 800 milhões em 2002). na dose certa. as empresas farmacêuticas poderão oferecer medicamentos diferentes. as alterações respiratórias assim como outras doenças que afetam a qualidade de vida (osteoporose. É o caso do Vioxx (Merck).Medicamentos Os medicamentos passam por várias fases de estudos clínicos antes de chegar ao mercado. No futuro. pode-se determinar qual a dose do anticoagulante que lhe deverá ser administrada. 243 . Contudo. ProBioMed. os principais alvos para o desenvolvimento de medicamentos novos são as doenças cardiovasculares. bioinformática. Algumas pessoas os degradam rapidamente. o setor está dominado pelas empresas internacionais e. um medicamento sumamente eficaz para a artrite e a dor. as empresas farmacêuticas poderão escolher seus voluntários para os testes clínicos no subgrupo apropriado. mas que aumentava o risco de ataques cardíacos e derrames. Europa (28%) e Japão (11%). O tempo e o custo de desenvolvimento de um medicamento dependem da duração dos testes clínicos e do uso da tecnologia (robótica. deve-se realizar um teste genético na paciente para saber se o medicamento se ajusta. mesmo após serem comercializados. as reações adversas a um medicamento podem ser detectadas unicamente a partir da terceira fase dos estudos clínicos. triagem de compostos biológicos em alta velocidade. e outras não. minimizando os efeitos adversos. Apesar das empresas farmacêuticas dedicarem algumas pesquisas às doenças negligenciadas dos países em desenvolvimento. em vez de um único produto campeão de vendas. cada um dos quais respondendo às expectativas de um tipo de consumidor. tendo que ser descontinuado em 2004. Muitos medicamentos não conseguem superá-la. antes de iniciar um tratamento de câncer de mama com a herceptina. Como a população destes países está envelhecendo. o câncer. porque os portadores desse alelo podem ser hipersensitivos ao medicamento. Associando marcadores genéticos a respostas diferenciais a medicamentos. salvo algumas exceções analisadas previamente (Bio Sidus. doenças de Parkinson e de Alzheimer). de modo que este pode resultar eficiente para uns e tóxico para outros. Por outro lado. há poucos investimentos na pesquisa e no desenvolvimento de novos produtos. 88% correspondem a um bloco de regiões formado por América do Norte (49%). pode-se dividir a população em subgrupos e oferecer um tratamento “personalizado”. Em pacientes HIV positivos. envolvendo alterações de receptores celulares. Nos Estados Unidos. com igualdade de preço. Dado o custo que os novos medicamentos representam para os sistemas de saúde. PATENTES E GENÉRICOS A patente sobre um medicamento confere à empresa que o desenvolveu o direito de exclusividade sobre sua comercialização durante vinte anos. a produção de genéricos é possível para qualquer empresa que domine as dificuldades tecnológicas do processo produtivo. Também garante que. ou genéricos (com o mesmo princípio ativo e bioequivalente ao inovador). Cingapura. o Brasil é o único com a exigência legal de aprovação dos testes de bioequivalência para que um medicamento possa ser rotulado como genérico. isto é. Abre-se assim um campo no qual as empresas de biotecnologia se inserem com sucesso. A produção de sete antivirais genéricos para o tratamento de HIV/AIDS por Farmanguinhos. vacina contra a hepatite B etc. essa denominação é usada para os similares. e a preferência destes sobre os medicamentos de marca para sua compra e distribuição na rede pública de saúde representam para o Brasil uma economia de mais de US$ 400 milhões por ano. A partir do vencimento da patente. União Europeia. que chega a US$ 169 bilhões. como situações de emergências nacionais. além de sustentar os custos de pesquisa e desenvolvimento de um medicamento. Além de medicamentos de marca (inovadores). a não ser que se trate de outro que lhe seja superior. este se torna de domínio público. Em relação aos produtos biotecnológicos.000 pessoas é desinteressante para a indústria. 244 . não se descarta que proximamente a União Europeia entre no mercado de biomoléculas genéricas. durante sete anos. 1998. Estes são produtos que contêm o mesmo princípio ativo e a mesma dose que o medicamento de referência. o uso de uma patente sem a autorização do detentor do direito seja justificado. circunstâncias de extrema urgência e práticas anticompetitivas. Os genéricos são identificados mediante uma denominação comum internacional. nenhum medicamento equivalente será aprovado. na América Latina se comercializam medicamentos similares. Austrália. uma boa parte do orçamento das empresas farmacêuticas se dedica à propaganda e marketing de seus produtos. Por enquanto. podendo ser copiado e comercializado a um preço 30 a 50% menor.Maria Antonia Malajovich Para as grandes empresas farmacêuticas. 2000). enzimas e proteínas estruturais. já que os seus produtos visam doenças de origem genética. Legislações equivalentes foram promulgadas em outros países (Japão. o Orphan Drug Act (1983) garante incentivos financeiros às empresas farmacêuticas que desenvolvam produtos para essas doenças. com o mesmo princípio ativo que o inovador. em alguns casos. Estas cópias geralmente foram lançadas no mercado na falta de uma lei de patentes ou anteriormente a sua promulgação. cogita-se a produção de genéricos de várias proteínas terapêuticas. No entanto. mas sem nenhuma garantia de bioequivalência. As grandes empresas farmacêuticas não descuidam do mercado global de medicamentos genéricos. Ao vencer a patente de um medicamento. qualquer doença que afete menos de 200. confundindo o consumidor. os medicamentos genéricos podem entrar no mercado. 1993. em alguns países. assim como os mesmos efeitos terapêuticos. 1999. Em termos de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos. Admite-se que. Isto porque. proximamente estarão vencendo as patentes de várias moléculas: -interferon. uma medida do sucesso significa conseguir um medicamento que alcance um valor de vendas de US$ 1 bilhão (blockbusters). Ainda que os Estados Unidos se mostrem relutantes ao respeito. se esta não receber algumas compensações. mas. hormônio de crescimento. o que não é fácil. insulina humana. o acesso aos medicamentos é considerado um direito fundamental dos pacientes de HIV/AIDS. Nos países em desenvolvimento. os Estados Unidos cogitaram quebrar a patente do antibiótico Cipro. Quando da ameaça terrorista de antraz. vigente desde 1995. O artigo 31 assinala que o uso da patente sem autorização estaria justificado se tivessem sido feitos os esforços para sua utilização em condições comerciais razoáveis. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 19: Biotecnologia e saúde . apesar das longas discussões no marco da Organização Mundial de Comércio. 245 . da Organização Mundial do Comércio. milhões de pessoas morrem anualmente por falta desses medicamentos.Medicamentos Esta salvaguarda se encontra no Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS Agreement). porém. Maria Antonia Malajovich 246 . no qual reconheçam estarem cientes das opções de tratamento e dos riscos. Uma vez autorizado. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www. esta constitui ainda hoje a principal arma de defesa disponível contra os venenos de cobras e outros animais peçonhentos. por meio de um processo formal. para monitorar efeitos negativos que só possam ser detectados em uma população de maior tamanho. pareça razoável estender o procedimento ao ser humano. Os resultados desses estudos são revisados. Estabelecidos os princípios da soroterapia.br) . até que. Alimentos y Tecnología Médica. EMA. inoculado previamente com toxina diftérica. é incrementada com fatores estimulantes do crescimento celular (CSF. tais como o -interferon e a interleuquina IL-2. será solicitada a aprovação da agência reguladora correspondente (FDA. o tratamento experimental pode se revelar melhor ou pior que os já existentes. o tratamento experimental passa a ser uma prática médica de uso geral. em função da quantidade de informação reunida. a eficácia e os efeitos colaterais desse tratamento experimental. No paciente de câncer. A produção de elementos sanguíneos. Solicita-se então. US Food and Drug Administration. Estes extraíram soro com antitoxina diftérica de um animal infectado e o administraram em outro animal. Kitasato. Mesmo assim. o tratamento continuará a ser objeto de vigilância. a atividade imunológica é reforçada com citoquinas.20. ANMAT. Durante os testes clínicos. European Medical Agency. Os ensaios ou testes clínicos seguem desenhos experimentais rigorosos e controles severos. na União Europeia. que garantem a confiabilidade dos estudos. no Brasil. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE / OS TRATAMENTOS NOVOS A APROVAÇÃO DE UM TRATAMENTO EXPERIMENTAL Assim como um medicamento novo. eritropoietina). Abrangem um número pequeno de participantes que deverão assinar previamente um termo de consentimento informado. AS TERAPIAS BIOLÓGICAS Os termos “terapia biológica” e “imunoterapia” se referem aos tratamentos que utilizam elementos do sistema imune no combate às doenças. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. nos Estados Unidos. ANVISA.bio. Os estudos pré-clínicos de um tratamento experimental compreendem as pesquisas laboratoriais e a experimentação em animais. O progresso da engenharia genética permitiu a produção de proteínas recombinantes e.bteduc. desenvolvidas em universidades ou empresas e financiadas com dinheiro público e/ou privado. autorização para dar início aos testes clínicos. Administración Nacional de medicamentos. As bases da imunoterapia foram estabelecidas na segunda metade do século XIX. apesar de passiva e de curta duração. Se os resultados forem satisfatórios. de novas terapêuticas. assim como de seus direitos e responsabilidades. Obtiveram assim uma imunidade imediata. publicados e repetidos numerosas vezes pela comunidade científica. na Argentina). Von Behring e S. moléculas moduladoras da comunicação celular. que fornecerão informações sobre a segurança. por exemplo. um tratamento passa por várias etapas antes de se constituir em uma prática médica. afetada pelos tratamentos quimioterápicos e/ou radioterápicos. consequentemente. com os experimentos de E. no reconhecimento do alvo. evitando a rejeição aos transplantes. passaram-se vários anos antes que algum outro produto recebesse a aprovação das agências reguladoras. A modificação e.1 Novartis Palivizumab (Synagis®) Astra Zeneca Vírus respiratório sincicial 1. Os 10 anticorpos monoclonais de uso terapêutico.1 Roche Natalizumab (Tysabri®) Biogen Idec Esclerose múltipla 1.0 248 . TABELA 20. Contudo.Maria Antonia Malajovich OS ANTICORPOS MONOCLONAIS A chegada da tecnologia de hibridomas despertou grandes esperanças. o sucesso chegou antes no campo das análises clínicas que no âmbito terapêutico. a substituição de partes da molécula murina gerou moléculas “quiméricas”.8 Rituximab (Rituxan®) Roche Linfoma não Hodgkins 6. A razão para o impasse era técnica.5 Psoríase Artrite idiopática juvenil Artrite psoriática Espondilose anquilosante Doença de Crohn Trastuzumab (Herceptin®) Roche Câncer de mama 5. porque se tencionava que os anticorpos monoclonais cumprissem a função da mítica “bala mágica”. em linhagens microbianas ou em animais transgênicos. Produzidos com células de roedores. os anticorpos monoclonais eram reconhecidos como non-self pelos seres humanos.5 Cetuximab (Erbitux®) BMS Câncer de cólon.7 Artrite reumatoide Adalimumab (Humira®) Abbott Artrite reumatoide 6.com/k/krishan-maggon/top-ten-monoclonal-antibodies- 2010/3fy5eowy8suq3/143# NOME GENÉRICO (MARCA) EMPRESAS INDICAÇÕES VENDAS (2010) Em US$ BILHÕES Infliximab (Remicade®) Johnson & Johnson Artrite reumatoide 8. Adaptado de http://knol. “humanas”. mais tarde.google. Depois do muromonab CD3 (Orthoclone OK3). “humanizadas” e.75 Elan Omalizumab (Xolair®) Roche Asma alérgica 1.2 Merck Serono pescoço Ranibizumab (Lucentis®) Novartis Degeneração macular 3. os anticorpos monoclonais entraram no mercado.1. líderes de venda em 2010. eventualmente.0 Merck Colite ulcerativa Mitsubishi Tanabe Doença de Crohn Psoríase Artrite psoriática Espondilose anquilosante Bevacizumab (Avastin®) Roche Câncer de cólon 6. cabeça e 3. o que desencadeava a resposta imune. um anticorpo monoclonal que reduz a resposta imune. Uma vez solucionado esse problema. As mutações geram “antígenos específicos do tumor”. de Spectrum Pharmaceuticals. outras envolvem rearranjos cromossômicos. induzindo as células a se multiplicar indefinidamente. Alguns estão associados a uma substância citotóxica (gemtuzumab ozogamicin – Mylotarg®. O anticorpo específico para o reconhecimento de um antígeno determinado seria selecionado rapidamente. participam dois tipos de genes: os proto- oncogenes e os genes supressores de tumor. doença de Crohn. Várias são necessárias para que a célula adquira as características cancerosas. 249 . bloqueio de IgE (asma alérgico). que reconhece e inativa o receptor de um fator de crescimento. Trata-se do único anticorpo monoclonal eficiente no combate aos tumores sólidos. As células cancerosas são células que. Com a perda de alguns receptores da membrana celular.000. por sistemas robotizados de alta eficiência.1). de Wyeth).Tratamentos novos Existem atualmente no mercado diversos produtos imunoterápicos para a prevenção de infecções virais. Outras aplicações poderão ser encontradas. tratamento de esclerose múltipla e outras doenças autoimunes (lúpus). psoríase). Em genes não associados diretamente à formação tumoral. se dividem indefinidamente sem se diferenciar. O mercado global dos novos anticorpos monoclonais de uso terapêutico está em crescimento. Aproximadamente 1% do genoma humano está relacionado com o desenvolvimento do câncer. Os proto-oncogenes codificam proteínas que estimulam a divisão celular. Algumas são pontuais. em 2010 (Tabela 20.). inibindo a diferenciação e detendo a apoptose ou “suicídio” celular. presente em algumas células tumorais. As terapias biológicas são terapêuticas complementares aos tratamentos clássicos do câncer. Os genes supressores de tumores. radiação. diversos tipos de câncer etc. O principal entrave à popularização das terapias biológicas é o preço dos produtos. que são utilizados como biomarcadores. em livrarias de anticorpos monoclonais preexistentes. as mutações herdadas (predisposição) possibilitarão um desenvolvimento prematuro do câncer (Figura 20. vírus) ou genéticos (hereditários ou adquiridos ao longo da vida). calculando-se que atinja US$ 79 bilhões em 2015. O CÂNCER COMO DOENÇA GENÉTICA A palavra câncer designa um conjunto de mais de 100 doenças que podem se desenvolver em qualquer órgão do corpo e que afetam a uma pessoa em oito da população. Dez anticorpos monoclonais são blockbusters. A mutação que os transforma em oncogenes aumenta a síntese dessas proteínas. que estimulam a autodestruição das células que sofreram mutação. encontram-se alterados ou ausentes nas células cancerosas. Embora o processo possa levar mais de 50 anos. especialmente na luta contra as doenças emergentes e o bioterrorismo. inibição de inflamações (artrite reumatoide. Consideremos o caso do trastuzumab (Herceptin®). As mutações são ocasionadas por fatores ambientais (agentes químicos. as mutações podem originar “antígenos associados ao tumor”. essas células se separam das células vizinhas e se espalham pelo corpo. Alguns dos “antígenos específicos do tumor” se expressam exclusivamente no tumor de um único indivíduo. O custo anual do tratamento de um paciente com Herceptin® está estimado entre US$ 70. mas também acontecem nas células germinais. outros aparecem nas células tumorais dos indivíduos afetados por determinado tipo de tumor. que continuam sendo a cirurgia. alcançando níveis de venda superiores a US$ 1 bilhão. Na transformação de uma célula normal em cancerosa. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 20: Biotecnologia e saúde . como as proteínas anormais dos genes ras e p53.1). ou a um radioisótopo (Y-ibritumomab tiuxetan – Zevalin®. Quase sempre ocorrem nas células somáticas.000 e US$ 100. a elevação significativa da quantidade da enzima tirosinase ou a reaparição das proteínas oncofetais (alfafetoproteína e antígeno carcinoembriogênico). evadindo os sinais de controle da divisão celular. Inc. a quimioterapia e a radioterapia. Extração das células dendríticas Leucoferese (3 horas) Células dendríticas B. Reinfusão das células modificadas no paciente (3 vezes com 2 semanas de intervalo) Estímulo da resposta das células-T contra o antígeno tumoral PAP-GM-CSF e. Célula normal 1a mutação (gene APC) 2a mutação (gene ras) 3a mutação (gene DCC) 4a mutação (gene p53) Célula cancerosa FIGURA 20. consequentemente. contra as células cancerosas 250 .2.Maria Antonia Malajovich FIGURA 20. O tratamento com sipuleucel-T (Provenge®).1. Incubação das células com Provenge® Células dendríticas 2 a 3 dias que incorporaram o antígeno tumoral Células dendríticas PAP-GM-CSF + Provenge® (PAP-GM-CSF) C. A transformação de uma célula normal em cancerosa por mutação (câncer de cólon). A. Outra estratégia seria a elaboração de vacinas de tumores. é a inoculação com a vacina BCG (bacilo de Calmette e Guérin). Trata-se das vacinas contra o vírus da hepatite B (VHB). O sipuleucel-T é uma proteína de fusão entre uma enzima específica das células prostáticas cancerosas (PAP. contra o câncer de próstata hormonorefratário. sabidamente. Vetores virais modificados poderiam infectar exclusivamente as células cancerosas. A vacina ideal teria que ser eficaz em qualquer paciente com um determinado tipo de câncer. No momento do lançamento. Provenientes do mesmo paciente ou de algum outro. estimulando a resposta imune. estão relacionados com o desenvolvimento do câncer. O empreendimento demandou à empresa Dendreon um investimento de US $ 1 bilhão. que se estende às células cancerosas. As vacinas de vetores (vírus. Dendreon estimava o preço de cada tratamento em US$ 93. de Dendreon). Essa estratégia deu origem à primeira vacina terapêutica (sipuleucel-T ou Provenge®. responsável por 70% dos cânceres de útero (Gardasil®. do inglês prostatic alcaline phosphatase) e um modulador da resposta imune (GM- CSF. Cevarix®. do inglês granulocytes and macrophages colony stimulating factor). nos Estados Unidos. As vacinas terapêuticas visam o tratamento dos indivíduos que já estão doentes. associado ao câncer de fígado. Essas vacinas cumprem uma ação preventiva. Apesar da enorme quantidade de procedimentos possíveis. Um dos principais problemas reside na escolha dos antígenos que deveriam entrar na composição da vacina.Tratamentos novos AS VACINAS TERAPÊUTICAS As vacinas profiláticas são aplicadas em indivíduos saudáveis para prevenir doenças. devido à complexidade tecnológica e aos custos de um tratamento personalizado.2). O tratamento deve ser adaptado a cada paciente. outros só aparecem em cânceres específicos. para que este possa eliminar as células cancerosas. 251 . BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 20: Biotecnologia e saúde . ainda usada atualmente.000. dificilmente as vacinas terapêuticas poderão beneficiar um setor amplo da população. carregando moléculas moduladoras da resposta imune. para estimular no paciente uma reação imunológica de tipo celular. Uma variante de vacina tumoral envolve o estímulo ex vivo das células imunes de modo a que estas expressem o antígeno (Figura 20. de Merck. autorizada pelo FDA. essas células expressariam antígenos associados a um tumor. Uma das primeiras terapias complementares do câncer. DNA nu) conseguem uma resposta imunológica mais forte que as vacinas de antígenos. em 2010. específicos ou associados ao tumor. pois se alguns são comuns a vários tipos de células cancerosas. de GlaxoSmithKline). ou enzimas capazes de transformar uma droga inativa em ativa. com células cancerosas enfraquecidas ou mortas. e contra o papilomavírus (VPH). existem vacinas contra alguns dos agentes virais que. O objetivo é estimular diretamente a resposta imune do organismo. Dentro dessa linha. segue com a incorporação in vitro dos antígenos tumorais e encerra-se com a reinfusão das células modificadas no paciente. Uma possibilidade é a aplicação de vacinas de antígenos sintéticos. Embora representem uma tecnologia promissora. todos são experimentais. Começa com a extração das células apresentadoras do antígeno do doente. nos Estados Unidos. na terapia somática é transferido um gene e o efeito está limitado ao indivíduo que o recebe. Cynthia. Para essas crianças. éticos e religiosos. 252 . sem pretender que essa alteração seja transmitida à geração seguinte (Figura 20. além de envolver aspectos científicos. persecuções na Alemanha nazista etc. O tratamento habitual contempla a administração de enzimas. mais tarde. causando o acúmulo de uma substância que destrói os linfócitos. O episódio motivou o estabelecimento de regras estritas para este tipo de tratamento. Se o gene se expressar. com sua sequência de horrores (esterilização de deficientes e doentes mentais nos Estados Unidos.Maria Antonia Malajovich AS TERAPIAS GÊNICAS TERAPIAS SOMÁTICAS E GERMINAIS A terapia gênica visa alterar o funcionamento de um gene. nos Estados Unidos (1990). Aplicou-se esse procedimento na menina Ashanty DeSilva e. que experimentaram uma melhora significativa. sua modificação genética por transferência de um gene normal de ADA e a reinfusão dos linfócitos modificados na circulação sanguínea do paciente. Diferente da terapia somática. Se o gene não se expressar. uma doença em que a falta da enzima ADA (desaminase de adenosina) bloqueia um caminho metabólico. Além de fracassar. As crianças com SCID. Esta última pode ser uma enzima normal. em outra menina.3). A terapia gênica da linhagem germinativa não está permitida em nenhum país. por Martin Cline. a única perspectiva restante é um transplante de medula óssea. com a condição de encontrar um doador compatível. A terapia aprovada pelo FDA consistia na extração de linfócitos do sangue. Dentro desta ótica. passaram por altos e baixos ao longo dos últimos 40 anos As primeiras experiências de terapia gênica para o tratamento ou a cura de uma doença. do inglês severe combined immunodeficiency). sofrem continuamente de infecções e têm uma expectativa de vida curta. uma molécula que torne a célula vulnerável ao ataque pelo sistema imune ou uma substância tóxica que desencadeie a apoptose de uma célula cancerosa. para o tratamento de dois casos de Imunodeficiência Severa Combinada (SCID. essas tentativas despertaram uma reação contrária unânime. a finalidade da terapia gênica será sua substituição por uma cópia funcional que sintetize a proteína faltante. mostra que devem ser tomados todos os cuidados para impedir a discriminação genética e a implantação de uma sociedade arbitrária. OS ALTOS E BAIXOS DE UMA TECNOLOGIA De todas as novas biotecnologias. A terapia gênica de células germinais permitiria a eugenia através da seleção do “genótipo ideal”. quais seriam os caracteres considerados saudáveis? E por quem? A história do século XX. a terapia de células germinais visa a transmissão do gene à descendência. porque os estudos experimentais prévios eram insuficientes e sua realização não tinha sido devidamente autorizada pelo comitê de ética correspondente. mas os pacientes acabam desenvolvendo alergias aos componentes do produto injetado. A primeira terapia gênica foi autorizada. Assim como em um transplante é transferido um órgão ou um tecido. mediante a introdução de DNA nas células de um paciente.). chamadas “crianças-bolha”. foram realizadas em 1980. o objetivo da terapia será o seu desligamento ou a inativação do produto. As terapias gênicas visam modificar as células somáticas de um indivíduo. as terapias gênicas são as mais difíceis de avaliar porque. a terapia gênica de uma variante de imunodeficiência (SCID-X1) pareceu alcançar sucesso em nove de dez crianças tratadas. Por outro lado. como os linfócitos têm um período de vida curto.3: O princípio da terapia gênica. o procedimento foi repetido periodicamente. Em 1999. que favorece o desenvolvimento de células-tronco modificadas geneticamente. Uma tragédia esfriou o interesse pelas pesquisas nesta área. Cópias de um gene normal. durante dois anos. que era um adenovírus. morreu de uma reação imunológica adversa ao vetor utilizado. Quatro das crianças desenvolveram leucemia e uma delas morreu. Algumas das células modificadas sobreviveram e produziram ADA. Em 2000. na França. renovaram-se as esperanças dos pacientes de SCID e seus familiares devido ao descobrimento de uma nova técnica de remoção parcial da medula óssea. novamente uma tragédia aconteceu quando o vetor viral se inseriu em um lugar não esperado. limitou-se a participação nos estudos experimentais de SCID a crianças que nunca tivessem recebido o tratamento enzimático com ADA. previamente clonado em bactérias Inserção em um vetor Vírus Lipossomo Introdução do gene normal nas células de um indivíduo com uma doença genética Pulmão Músculo Fígado Cultivo de células (medula óssea) Reimplantação 253 . mas a quantidade era insuficiente e nenhuma das meninas pôde prescindir totalmente do tratamento enzimático. Dois anos mais tarde. O problema persistiu em estudos posteriores e nenhum dos pacientes pôde abandonar o tratamento alternativo com a enzima. A primeira criança tratada é Salsabil. uma menina palestina de dois anos de idade. Jesse Gelsinger. inativando um gene supressor de tumor. O fracasso mostrou que a terapia gênica ainda era uma tecnologia imperfeita. Contudo. FIGURA 20. um jovem de 18 anos afetado por uma deficiência de OTC (ornitina transcarbamilase). BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 20: Biotecnologia e saúde . mesmo quando a modificação genética passou a ser realizada em células-tronco da medula ou de cordão umbilical. que se apresentara como voluntário para um tratamento de terapia gênica na Universidade da Pensilvânia. que hoje cresce saudável. de difícil aplicação.Tratamentos novos Porém. as três demandam a modificação genética ex vivo de células-tronco. Nenhum desses estudos superou ainda a fase correspondente aos testes clínicos. No momento. Huntington. o que significa um tratamento personalizado complexo. As dificuldades são enormes. Contudo. Em 2008. utilizado no tratamento do carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço. baseados nos diversos tipos de RNA e suas propriedades (Figura 20. que aumenta o número de hemácias. tanto em relação ao SCID como a outras duas doenças genéticas (amaurose congênita de Leber ou ALC. algumas das dificuldades encontradas poderão ser superadas. As ribozimas são moléculas de RNA. Do mesmo modo que em relação a qualquer tipo de terapia experimental. O futuro das terapias gênicas é controverso. em diferentes etapas de realização. talassemia. que cortam outras moléculas de RNA que apresentem em sua sequência alguns nucleotídeos complementares. um confuso caso de doping de atletas envolveu um treinador e um produto de terapia gênica em fase pré-clínica (Repoxygen. é um adenovírus com o gene supressor de tumores p53. em 2004. Estes empreendimentos para doenças de baixa frequência entram na categoria de tratamentos/medicamentos órfãos. adrenoleucodistrofia ou ALD). que foi desenvolvido e autorizado na China. Duchenne. Em 1998.4). O sucesso poderia estar muito próximo. Uma delas visa bloquear a replicação do vírus e a outra os receptores que o HIV usa para entrar no linfócito T. porque deu origem a uma teoria sobre os primórdios da vida. em um mundo de RNA. Muitas pesquisas fracassam na última etapa dos testes clínicos. AS PROMESSAS DO SILENCIAMENTO GÊNICO Ao longo dos últimos trinta anos descobriram-se vários mecanismos de silenciamento gênico. as objeções se centram na utilização de uma tecnologia ainda imperfeita. Dos numerosos estudos em vias de realização. Os dois grandes gargalos ainda são a necessidade de vetores seguros e de procedimentos mais eficientes. porque se trata de transferir um gene a uma determinada célula em certo tecido e conseguir que esse gene funcione adequadamente e de maneira duradoura. além de avanços nos estudos sobre doenças cardiovasculares.Maria Antonia Malajovich O ESTADO DA ARTE O campo das terapias gênicas conta hoje com numerosos estudos. que induz a liberação de eritropoietina em baixa concentração de oxigênio. com propriedades catalíticas. No combate às doenças infecciosas como o HIV/AIDS. na Alemanha. que envolve riscos e da qual se desconhecem os efeitos a longo prazo. Contudo. oneurológicas e oncológicas. o grande número de pesquisas em andamento e de testes em fases I e II indicam que. de Oxford Biomedica). Contudo. fraudes deste tipo não poderiam ser detectadas se o atleta fosse modificado geneticamente para aumentar naturalmente sua produção de eritropoietina. 254 . Sua descoberta teve uma importância extraordinária. aguardam-se resultados positivos em relação a síndromes genéticas (hemofilia. A Gendicina® (Shenzhen SiBiono GeneTech). só existe um único produto comercial disponível no mercado. garantindo incentivos financeiros às empresas farmacêuticas. SCID) e infecções virais (HIV/AIDS). em um futuro próximo. existem diversas linhas de pesquisa. O progresso das terapias gênicas levanta também algumas inquietudes em relação ao esporte. fibrose cística. uma equipe inteira de ciclistas foi eliminada do Tour de France devido ao uso indevido da eritropoietina. A. O RNA interferente Pequeno RNA interferente (siRNA) mRNA dsRNA (RNA de dois filamentos) Complexo enzimático Clivagem do mRNA Exterior Membrana Citoplasma celular Fragmentos de RNA 255 .4: As tecnologias de silenciamento gênico.Tratamentos novos FIGURA 20. O RNA anti-sense Síntese de proteínas Inibição da síntese proteica por RNA anti-sense Transcrição DNA Transcrição Transcrição RNA anti-sense mRNA mRNA Tradução Não há tradução C. As ribozimas Ribozima RNA RNA clivado B. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 20: Biotecnologia e saúde . o RNA transcrito é complementar a um dos filamentos de DNA. de modo a restringir a interferência à molécula-alvo.Maria Antonia Malajovich Numerosas pesquisas foram desenvolvidas em relação ao uso de ribozimas como agentes biológicos. Casos semelhantes de cossupressão gênica também foram descritos no verme Caenorhabditis elegans e na mosca Drosophila melanogaster. as membranas mucosas e os tumores locais. a tecnologia do IRNA ainda precisa melhorar a eficiência. Apesar de laboratorialmente bem sucedidas. como uma forma de defesa contra os vírus de RNA duplo. seja para inativar um gene ou como inibidores da replicação do HIV em células infectadas. nenhum produto entrou até agora no mercado. que amadurece na planta sem amolecer. Normalmente. Também deu bons resultados na supressão da síntese de etileno e na modificação da cor das flores. Sendo complementares. Considera-se que os tecidos que poderiam ser mais facilmente tratados seriam o olho. em pacientes com HIV/AIDS. a segurança e a confiabilidade. Outra tecnologia recente é a do RNA interferente (iRNA). introduzindo um gene extra em petúnias. nenhum deles disponível antes de 2015. O formivirsen (Vitravene®. Muitos estudos serão necessários antes que a tecnologia possa ser utilizada clinicamente. esses filamentos de RNA destroem qualquer mRNA transcrito com uma sequência parcialmente complementar. A tecnologia anti-sense deu origem ao tomate FlavSavr. do inglês small interfering RNA) e associados a um complexo enzimático. Se bem que ainda em fase clínica. diversos problemas terão que ser resolvidos. Os mais importantes são a introdução do ácido nucleico na célula e o controle de seu raio de ação. nos Estados Unidos. Em relação ao câncer permitiram a inativação in vitro de moléculas associadas à patologia e à progressão da doença humana. de Isis Pharmaceuticals) foi autorizado em 1998 pelo FDA. originada também em descobrimentos de fisiologia vegetal. evolutivamente. A tecnologia de RNA interferente (IRNA) constitui uma ferramenta de laboratório poderosa para se entender a função dos genes e a regulação da expressão gênica. As pesquisas laboratoriais têm dado informações valiosíssimas sobre genômica funcional. a transcrição ocorrerá em sentido contrário e se formará um asRNA (anti-sense RNA). Também abriram novas perspectivas no tratamento de infecções virais e esclareceram diversos aspectos de várias doenças genéticas e neurológicas. Colocando um promotor no outro filamento. Também trouxe grande expectativa a tecnologia anti-sense. Verificou-se mais tarde que bastam filamentos duplos de RNA com mais de 200 nucleotídeos para inativar a expressão gênica. que utiliza o mecanismo de transcrição para inativar um gene. a tecnologia anti-sense tornou possível o desenvolvimento de um medicamento para o tratamento de infecções oculares por citomegalovírus. estariam sendo realizados testes clínicos de pelo menos uma dúzia de medicamentos. Em 1990. hoje essa maquinaria é um elemento importante na regulação da expressão dos genes. 256 . formando uma molécula de dois filamentos que não conseguirá se unir ao ribossomo ou será destruída por ribonucleases celulares. Antes de a tecnologia superar a fase experimental e chegar a ter uso clínico. os testes mais avançados correspondem ao tratamento da degeneração macular e da infecção pelo vírus respiratório sincicial. devido à inativação do gene da pectinase. Contudo. a pele. O IRNA traz uma possibilidade nova de terapia para várias doenças. Apesar do sucesso alcançado nos estudos in vitro. Fragmentados em pedaços menores (siRNA. em vez de flores mais pigmentadas obtinham-se flores brancas. Acredita-se que a maquinaria celular envolvida no processo de interferência tenha surgido. os dois RNAs sintetizados (sense e anti-sense) irão se associar. descobrira-se que. Atualmente. uma vez realizada a transcrição. Em relação às terapias gênicas. BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 20: Biotecnologia e saúde - Tratamentos novos A MEDICINA REGENERATIVA OS TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS A primeira tentativa data de 1899, com o transplante de rim de um cachorro a outro. Desde então ficou óbvio que o fenômeno de rejeição era principal obstáculo aos transplantes de órgãos. Uma exceção é a córnea, cujo primeiro transplante bem sucedido se realizara em 1905. O primeiro transplante de coração, realizado pelo cirurgião Christian Barnard (África do Sul, 1967) teve uma repercussão enorme nos meios de comunicação. O mundo inteiro acompanhou os comunicados médicos emitidos em Cidade do Cabo, até a morte do paciente, 18 dias mais tarde. Durante vários anos os problemas de rejeição pareceram intransponíveis. Na década de 1980, além da melhoria das técnicas cirúrgicas e da caracterização dos antígenos dos tecidos, aparecem os primeiros medicamentos imunossupressores (ciclosporinas), e os transplantes se tornam rotineiros. Em centros médicos de todos os países são substituídos, com sucesso, diversos órgãos e tecidos: coração, rim, fígado, pulmão, intestino, timo, córneas, medula óssea, pele, pâncreas, válvulas cardíacas, veias etc. Alguns procedimentos são relativamente simples. No isotransplante, a transferência de um ovário ou de um rim é feita de um indivíduo a seu gêmeo idêntico. No autotransplante, substitui-se uma artéria coronária por uma safena do mesmo indivíduo, ou um fragmento de pele danificado por outro. Contudo, no alotransplante, em que um órgão é transferido a outro indivíduo, requer-se a supressão do sistema imune, para que o organismo possa aceitar uma parte “non-self”. Caso contrário o órgão será rejeitado e, também, o órgão poderá rejeitar o hospedeiro. À dificuldade em encontrar um doador compatível se soma a de encontrar doadores, já que o número de doações é muito menor do que seria necessário. Por isso uma alternativa seria o xenotransplante, isto é, a transferência de um órgão de um animal ao homem. Devido ao tamanho e a estrutura de seus órgãos, o porco parece o animal mais indicado. Já em 1902, ligou-se o rim de uma paciente a um porco, uma experiência que resultou fatal. Hoje é sabido que, devido à presença nas células suínas de -1-3 galactose, um tipo de molécula que não se encontra em primatas, ocorrerá um fenômeno de rejeição violento. a menos que se apliquem doses maciças de medicamentos imunossupressores. O encapsulado das células animais em uma matriz inerte que as isole e, ao mesmo tempo, deixe passar os nutrientes e produtos celulares, poderia evitar a rejeição. Este procedimento foi utilizado recentemente em pacientes diabéticos que receberam células suínas encapsuladas e passaram a secretar insulina. Também foi utilizado em uma centena de pacientes de câncer, para a secreção de moléculas que aliviassem a dor. Em 2002, duas empresas (PPL Therapeutics e Immerge Bio Therapeutics) anunciaram a clonagem de porcos em que o gene para a -1-3 galactose fora desativado por “knock out” duplo. Esses porcos poderiam vir a ser uma fonte de órgãos para um transplante temporário em seres humanos. No entanto, mesmo eliminando o perigo da rejeição aguda, ainda falta resolver como evitar o processo de rejeição que seria desencadeado, um pouco mais lentamente, pelas proteínas suínas. Existe, porém, uma objeção maior aos xenotransplantes, que é o risco de introduzir retrovírus de outras espécies em seres humanos, com resultados imprevisíveis. 257 Maria Antonia Malajovich A ENGENHARIA DE TECIDOS Na interface da biologia celular, da medicina, da bioquímica e da bioengenharia, a engenharia de tecidos visa a substituição de órgãos e tecidos. Faz anos que o cultivo de pele in vitro é utilizado para reparar as lesões causadas por queimaduras. Um pequeno fragmento de pele, isolado do próprio paciente, é o bastante para formar em três semanas uma superfície 50 vezes maior. Amolda-se a nova pele a uma superfície biodegradável para evitar que rasgue quando aplicada no paciente. O procedimento se adapta ao tratamento de queimaduras e de lesões de difícil cicatrização. A “biomimética” consegue reparar in vivo o tecido ósseo, utilizando como molde um polímero, onde migram e se expandem as células regenerativas internas. A tecnologia se aplica na reparação de fraturas e de lesões causadas por doença periodontal, assim como a reconstrução da cartilagem das articulações. Recentemente, transplantou-se com sucesso uma traqueia, que fora construída com células-tronco do próprio paciente, cultivadas sobre um molde poroso. Este é o primeiro passo na construção in vitro de estruturas tridimensionais análogas aos órgãos. No momento, as estruturas mecânicas parecem mais fáceis de construir que órgãos complexos, como um rim ou um pulmão. TABELA 20.2. As características comparadas das células-tronco adultas e embrionárias CÉLULAS-TRONCO ADULTAS CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS Pouquíssimas, difíceis de encontrar nos tecidos. Trinta células, fáceis de encontrar em um embrião de 3 a 5 dias. Diferenciam-se em um número limitado de tipos Diferenciam-se em qualquer um dos 220 tipos celulares. celulares do organismo (pluripotentes). Difíceis de cultivar no laboratório. Fáceis de cultivar no laboratório. Induzem rejeição se forem transplantadas em Induzem rejeição. outra pessoa. Quando reintroduzidas na mesma pessoa, não induzem rejeição. FIGURA 20.4. A clonagem terapêutica, uma forma de gerar células-tronco embrionárias com a informação genética do doador do núcleo. Paciente Célula Transferência nuclear saudável Ovócito Fusão celular Embrião Ovócito anucleado Infusão Células-tronco Células-tronco diferenciadas recuperadas 258 BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 20: Biotecnologia e saúde - Tratamentos novos AS TERAPIAS CELULARES As células-tronco multipotentes Células-tronco multipotentes são encontradas em tecidos adultos, onde proliferam por longos períodos de tempo, conservando a capacidade de se diferenciar em diferentes tipos celulares, em resposta a estímulos adequados (Tabela 20.2). São responsáveis pelo crescimento e a reparação dos tecidos. Sua presença em tecidos e órgãos explica o sucesso alcançado pelos transplantes de pele, de córnea e de medula óssea. Este último possibilita a regeneração dos elementos sanguíneos no tratamento de leucemias e de linfomas, de doenças hereditárias hematológicas e na recuperação dos pacientes que receberam quimioterapia. As células-tronco hematopoiéticas são encontradas em frequências baixíssimas na medula óssea e no sangue periférico. Embora não apresentem características morfológicas que as distingam das outras células, a presença de marcadores moleculares específicos na membrana permite separá-las e infundi-las mais tarde na mesma pessoa ou em outra que for compatível. Numerosos bancos de sangue, públicos e privados, oferecem um serviço de armazenamento de sangue de cordão umbilical que asseguraria a recuperação de células-tronco hematopoiéticas, em caso de necessidade. Como a probabilidade de uma pessoa vir a precisar de suas próprias células é baixíssima (1/100.000), a existência de grandes bancos públicos representa a garantia de encontrar doadores compatíveis. Pesquisas em andamento investigam a capacidade regenerativa das células-tronco adultas na cicatrização de queimaduras, na substituição de células da córnea, na regeneração de osso e cartilagem, no tratamento da artrite e na reparação de fraturas. Embora alguns aspectos relativos ao seu modo de ação não estejam totalmente esclarecidos, os primeiros ensaios clínicos são promissores. As células-tronco pluripotentes Devido às limitações na capacidade de diferenciação das células-tronco presentes nos tecidos adultos, muitos pesquisadores se interessaram pelas células-tronco embrionárias, capazes de se diferenciar em qualquer tipo de célula e muito mais fáceis de cultivar no laboratório (Tabela 20.2). Entender os mecanismos que controlam o crescimento e a diferenciação celular é um dos maiores desafios atuais, porque as células-tronco embrionárias representam a possibilidade de novos tratamentos de regeneração celular para doenças cardíacas, diabetes, lesões da medula espinhal, distrofia de Duchenne, cegueira, surdez e doença de Parkinson. Nenhum procedimento terapêutico com células-tronco embrionárias saiu do laboratório. Recentemente, foram iniciados, nos Estados Unidos, os primeiros testes clínicos para o tratamento de duas formas de cegueira por Advanced Cell Technology e para a regeneração da medula espinhal e de células danificadas por derrame cerebral, por Geron e ReNeuron respectivamente. Explica-se o grande entusiasmo despertado, em seu momento, pelas células-tronco embrionárias porque se esperava que permitissem criar linhagens celulares personalizadas, por transferência nuclear. Células-tronco embrionárias com a informação genética de um paciente regenerariam os órgãos lesionados, sem causar problemas de rejeição (Figura 20.4). As células também poderiam ser objeto de uma terapia gênica. O procedimento, denominado clonagem terapêutica, abriria possibilidades para o tratamento de doenças para as quais os recursos terapêuticos são escassos (Parkinson, Alzheimer, Duchenne etc.). Contudo, até serem estabelecidas as regulamentações pertinentes, a clonagem terapêutica ainda permanece no terreno experimental do laboratório. 259 Maria Antonia Malajovich Em 2007, a controversa filosófica e moral sobre a clonagem terapêutica e o uso de embriões pareceu definitivamente superada. A inserção de alguns genes em células diferenciadas gerou as células-tronco iPSC (do inglês, induced pluripotent stem cells), com propriedades equivalentes às das células-tronco embrionárias. Com elas, desenvolve-se rapidamente a tecnologia de reprogramação celular, aumentando nosso conhecimento sobre o controle genético da diferenciação e abrindo uma nova senda para a implementação de testes, medicamentos e tratamentos novos. Aspectos polêmicos das células-tronco Na perspectiva de contar com células capazes de reconstruir qualquer tipo celular, nos últimos anos do século XX, vários núcleos de investigação tentaram obter linhagens de células-tronco embrionárias. As poucas existentes foram obtidas a partir de fetos abortados e de embriões supranumerários resultantes das fertilizações in vitro. Do ponto de vista técnico, essas linhagens eram cultivadas com soro bovino ou com fibroblastos de camundongo, portanto, não poderiam ter nenhuma aplicação clínica. Entre 2001 e 2009, nos Estados Unidos, não se outorgaram fundos públicos para pesquisas com novas linhagens de células-tronco embrionárias. Contudo, a iniciativa privada não sofreu nenhuma restrição, e cada estado pôde fixar suas regras. Paralelamente, vários países estabeleceram sua legislação, em função de considerações científicas, éticas e religiosas. Em 2005, pesquisadores sul-coreanos declararam ter construído, por transferência nuclear, 11 linhagens de células-tronco embrionárias de pacientes de diversas doenças. Apesar do notável entusiasmo levantado por estes trabalhos, pouco depois começaram a surgir dúvidas sobre a veracidade dos resultados divulgados, confirmando posteriormente os mesmos pesquisadores que essas linhagens nunca existiram. Por outro lado, nessas pesquisas teriam sido utilizados ovócitos de mulheres que trabalhavam no laboratório. O escândalo chamou a atenção sobre a fragilidade ética de algumas pesquisas científicas. Outro aspecto controverso é o uso dos embriões supranumerários das clínicas de fertilidade assistida, para a obtenção das linhagens de células-tronco embrionárias. Um setor da sociedade argumenta que a extração de células-tronco de embriões se realiza estritamente de 4 a 14 dias após a fecundação e que, depois de certo tempo de congelamento, os embriões não podem ser reimplantados com segurança. Em vez de eliminar esses embriões, seria melhor utilizá-los na pesquisa de novos tratamentos para doenças que, hoje, não têm cura. Em contraposição, outro setor considera que a vida começa com a fecundação e que as pesquisas desrespeitam o status legal e moral do embrião, considerando inadmissível que embriões sejam criados in vitro, com fins de pesquisa. Em uma terceira posição, encontram-se os que consideram as terapias celulares uma tecnologia promissora, mas que ainda precisa de muita pesquisa pré-clínica. Este grupo tende a postergar qualquer decisão até existirem mais evidências concretas sobre a tecnologia em si e os seus benefícios, pedindo mais tempo para reflexão. Em princípio, a descoberta das iPSC pareceria ter lhes dado razão. Finalmente, outro motivo de preocupação é a proliferação do turismo médico atrás das promessas de curas milagrosas. Recentemente, um garoto israelense com ataxia-telangiectasia desenvolveu um tumor cerebral depois de um tratamento com células-tronco fetais realizado na Rússia. Os estudos com marcadores celulares mostraram que, na origem do tumor, estavam as células implantadas. O desenvolvimento de um tratamento novo é um processo lento que se desenvolve em etapas bem definidas, com histórias de fracasso e de sucesso. Do laboratório até a prática médica, muitos pequenos passos são necessários. 260 21. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos capítulos anteriores revisamos os fundamentos das biotecnologias e seu impacto na sociedade, destacando alguns exemplos de empreendimentos latino-americanos bem sucedidos: o desenvolvimento do setor agropecuário e da indústria de medicamentos da Argentina, a plataforma genômica e a produção de vacinas no Brasil, o alcance da biomineração no Chile, o sucesso da experiência de Cuba etc. Apesar das dificuldades econômicas e políticas, essas experiências foram possíveis porque se cumpriu a condição fundamental de contar com instituições competentes, uma massa crítica de pesquisadores e pessoal técnico treinado. Em alguns casos, estas existiam previamente, em outros, elas foram criadas. A biotecnologia é uma disciplina baseada no conhecimento. Em todos os seus níveis, a educação tem um rol fundamental na formação dos quadros profissionais e na difusão dos conhecimentos básicos indispensáveis, para avaliar adequadamente os benefícios dessa tecnologia e estabelecer as normas para sua utilização. No início do século XXI, em um momento histórico mundial de conflitos e mudanças sociais, várias são as incógnitas que nos cercam: o Como estimular o interesse das novas gerações pelo conhecimento científico e tecnológico? o Como impedir o aumento do distanciamento científico e tecnológico entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento? o Como serão afetados os rumos da pesquisa científica e tecnológica com a crise económica mundial? o Como a privatização da pesquisa científica e tecnológica irá alterar, através de um sistema de patentes, a transparência do processo de aquisição e divulgação do conhecimento? o Como passar da pesquisa científica ao desenvolvimento tecnológico de um produto ou de um serviço? o Como incubar e agrupar as empresas que estão dando os seus primeiros passos? o Como manter a comunicação e a transferência de conhecimentos entre os países em desenvolvimento? o Como evitar a manipulação da opinião pública? o Como assegurar que os benefícios das biotecnologias cheguem aos povos mais desfavorecidos? o Como conciliar a cultura de segurança e o desenvolvimento de novas tecnologias? o Como lidar com as pesquisas de uso duplo, que podem ser usadas tanto para o bem como para o mal? o Como inserir as novas tecnologias em um contexto que garanta o respeito aos princípios éticos fundamentais de nossa sociedade? Para estas perguntas não há uma única resposta. Discussão e consenso são fundamentais. Rio de Janeiro, dezembro de 2011. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www.bteduc.bio.br) Maria Antonia Malajovich 262 BIBLIOGRAFIA CAPÍTULO 1 1. ACCESS EXCELLENCE (THE NATIONAL HEALTH MUSEUM). Biotechnology Timelines. http://www.accessexcellence.com 2. AGÊNCIA DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO (FAPESP) http://www.agencia.fapesp.br/ 3. ALCAMO I.E. DNA Technology: The awesome skill. Dubuque, Wm.C.Brown Publishers, 1996. 4. ANCIÃES W. , CASSIOLATO J.E. Biotecnologia: seus impactos no setor industrial, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), 1985. 5. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE BIOTECNOLOGIA (ABRABI). http://www.abrabi.org.br 6. BIOPLANET. http://www.bioplanet.net 7. BIOTEACH http://bioteach.ubc.ca 8. BIOTECHNOLOGY INDUSTRY ORGANIZATION (BIO). http://www.bio.org 9. 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Kenecott Corporation. 232. 242. 236-240. 199.Instituto de Biotecnologia de las Plantas. 79. 78. 85. 215.. Laverlam. 6. Instituto Pasteur. Israel. Interferon. 213. Infliximab. 161. 176. 174. Iugoslávia. 192. 97.International Life Science Institute. 5. 270. Humalog. 237. Protocolo de. InBio . 23. 238. 31. 121. 1. 148. 240. 116. 78. Ver também insulina. Laboratório Bagó. 176. 107. 31. 109. Immerge Bio Therapeutics. 288. Conferência de. 274. 196. 78. IPB . 244. Instituto Craig Venter. 174. 273. 208. 209. Instituto Butantan. 156. 240.. ver insulina. 149. 244. 109. 241.Instituto Nacional de Tecnologia agropecuária. IASA.Instituto Nacional de Biodiversidad. 174. 5. 174. Instituto Finlay. 4. IVB . 6. 241. Humulina®. 207. 133. Ver também Reino Unido. 176. Illumina. ver insulina. 278. 206. 132. 229. IBP . 92. 208.Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. 257. Lacks H. Jeffreys A. 5. 274. Humalin. ver adalimumab. 276. 280. Kirin. 248. 223. 115. Jenner E. 31. BIOTECNOLOGIA 2011 / Índice remissivo Houwink E. 79. 76. 6. 125. Johnson & Johnson. 209. 105. 238. 234. 248. ISAAA -International Service for the Aquisition of Agri-Biotech Applications. F. 183 Liberty Link®. 240. 192. OECD -Organization for Economic Cooperation and Development. 6. 248. 2. Mendel G. 18. Ltd. 74. 243. ver insulin. 136. 112. Lucentis®. 240. ver Granulócitos . Orphan Drug Act. 88. 251. Oxford Biomedica. Natalizumab. 6. 234. 171. ver hormônio de crescimento. ver Granulócitos . 232. 270. 272. 244. Mamirauá. 207. Mitsui Petrochemical Ind. Novulin.Manejo Integrado de Pragas. 163. Milho Agrisure. 284. 114.J. 171. Neupogen. Novo Nordisk. Milstein C. 286. 237. 177. 149. 2. 148. Mark and Spencer. Nippon Mining & Metals. Yieldgard®. 245. 176. 254. Malaui. 158.. Noruega. Mercosul. ver Ranibizumab. NIH -National Institute of Health. Nitto Denko Corp.Fator estimulante do crescimento de colônias G-CSF. OTA – Office of Technology Assessment. 233. Neutropin. 275. México. Neulasta. 298 .. 240. 137.Maria Antonia Malajovich Lenda e Glória da Embrapa. Organização Mundial de Comércio. 6. 248. 167. 193. Omalizumab. 268. 248. 196. 149. 148. Novozyme. 209. 148. Oostvaarderplassen. Monsanto. 266. Mitsubishi Tanabe. 68. 229. Kohler. 241. 193. 207. 160. 264. 151. 4. 129.. 128. 132. NeoRecormon. 286. 74. Ñandubay. Moçambique. MIP . 173. 265. 158. 68. 232. Mullis K. 157. 212. 229. Merck. 159.. 232. 7. 95. 273. 234. Novartis. 193. 165. 241. 287. 207. ver eritropoietina. 173.Fator estimulante do crescimento de colônias G-CSF. 172. 287. 197. 159. & G. 3. 174. 158. 274. 248. 240. 15. 159. McDonald’s. Monoglutamato de sódio. 232. 57. Origen Therapeutics. 157. 6. 6. 290. 115. MedImmune. 279. Nova Zelândia. 283. TM Genuity SmartStax . Night pearls. 121. 44. 193. 172. 187. Leveduras ECMo01 e ML01. 5. Polly. 210... 6. Repoxygen. 119. 115. ver hormônio de crescimento. 161. humano. 171. Procrit. 180. 119. Rituximab. Recalcine. 166. 4. 157. RHM . Paquistan.. PHA . Paraguai. Roosevelt F. 171. 248. 284. 64. RAC . 151. Panamá.D. 167. 68. Peru. Pioneer Hi-Bred. 132. PHB . 105. Pharming BV. ver interferón. ver rituximab. 171. BIOTECNOLOGIA 2011 / Índice remissivo Palivizumab. 233. 7. ReNeuron. 273. Protopin. Prometea. 163. 259. 287. 176. 240. 248. 240. Polônia. 136. Rituxan®. República Tcheca. 242. 163. Ranibizumab. 240. 57. República Dominicana. da cana. 118. 140. 192. 6.Ranks Hovis McDougall.poli-hidroxialcanoatos (PHAs). Portugal. Proteção de Cultivares do Brasil. 115. 288. 173. 210. PEG Íntron. 95. ver Infliximab. Rebif. 149. 7. 175. Serviço de. 171. 161. Papaias UH Rainbow e UH SunUp. 151. Paris-Texas. 163. 4.Programa Nacional do Álcool. ProBioMed. 107.240. 195. ver eritropoietina. 174. 257. 187. Quorn. 159. 115. 55. 105.Recombinant DNA Advisory Committee. ver sipuleucel-T.poli-hidroxibutirato (PHB). 183. 243. 149. Pró-alcool . 240. 174. 88. 148. PPL Therapeutics. 167. Reino Unido. 107. 234. 254. Remicade®. 191. 187. Pasteur L. Ruanda. Pusztai. Pampa Mansa. 173. 229. 192. 171. 211. 146. A. 7.polilactato. Roche. Pfizer. Pegasys Avonex. Provenge®. 240. Roundup®. Projeto Genoma. 299 . 248. 176. PLA . 241. 90. 13. Porã e Potira. 163. 170. 248. 161. 127. Tysabri®. Sanofi. 122. TRIPS Agreement.. Tomate FlavSavr®. UNEP . 163. 144. 251. 244. 4.US Department of Agriculture. 208. TransOva. 191. União Europeia.Maria Antonia Malajovich Rumanía. 207. Thuricida®. 187. 132. 31. Synagis®. 160. 176. Sumitomo. USDA . 95. 229. Soja Cultivance®. 175. 116. Sorona 3GT. 8.M.Instituto de Tecnologia do Paraná. 157. 163. Sipuleucel-T. Syntex Corporation. 193. 118. 248.A. 163. Salk J. RoundupReady®. 115. 176. Suntori. 57. 256. 192. Vistive®. Salmão AquAdvantageTM. 144. 129. 254. 240. 210. 231. 197.Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. 245 Turfal.. 208. 115. 173. 247. 197. Somália. SCP . 74. 221. ver natalizumab. 158. Serostim. Taxol. 270. 192. Tecnovax. 166. ver Palivizumab. Southern E. Toxina botulínica. 250. 300 . 240. 6. Saizen. 270.. Soymega™. Svalbard. 121. 210.. Syngenta. 157. 240. 148. 240. 210. 68. 240. Tour de France. Sabin A. 7. 290. 272. 284. ver hormônio de crescimento. 175. Tecpar . Tecnovax S. 240. Sankyo. 158.single cell protein. 163. Shenzhen SiBiono GeneTech. 254. 197. Tambo farmacéutico. Serono. 85. 163. 107. 240. 149. 232. ver hormônio de crescimento. 162. Trastuzumab. Schering Plough. Samsung. 167. 249. Uruguai. 174. 221. & S. 4. Vavilov N. Vectobac®. Zimbábue. Vitamina A . Weizmann Ch. 160.Instituto para Preparações Virais. ver Omalizumab. 1. 171. 5. 113. 210. 206. Vitória.differentiating infected from vaccinated animals. 191. 210. Xolair®. Watson J. 210. 171. 109. 25. 167. 208. Von Behring E. 147. 301 .cianocobalamina. 196. BIOTECNOLOGIA 2011 / Índice remissivo Vacina BCG – bacilo de Calmette e Guérin. 112. 283. 158. Sabin (OPV). Kitasato. Zâmbia. 193. 211. 202. 199. Vallée. Wyeth. 247. 202. 192. 189. 291. 47. 113. Vectorcontrol. 190. 193. 129. & Crick F. DIVA .. Vitamina B2 – riboflavina. VECTRO . 70. 175. 233. 213. Vitamina B12 . 174. 148. 5. Salk (IPV). 280. 224..141. 112.World Health Organization.I. 231. 110.. Vitrogen. 251. 202. 207. Venezuela. 1. 240. 207. 113. World Trade Center. WHO . 249.-caroteno. Maria Antonia Malajovich 302 . . FAX: (5521)2286-91 http://www. Peru. desde 1992. Desde sua fundação em 1880. Em 2008 recebeu o prêmio Beatrice Wand-Polak. Venezuela). mestrado e doutorado em Genética pela UFRJ (Brasil). Em 2011. outorgado por World ORT aos Professores que se destacam no desenvolvimento de novos programas. do Ministério das Relações Exteriores da França. Fundou o site Biotecnologia: ensino e divulgação (www.ORGANIZAÇÃO.br . concentra seus esforços em permitir o acesso a uma educação de elevado nível ao maior contingente possível de alunos. o ORT desenvolve pesquisas educacionais e coloca seu conhecimento técnico à disposição de governos.bteduc.ort. em reconhecimento à sua dedicação em defesa da Biodiversidade e do Meio Ambiente.MARIA ANTONIA MALAJOVICH Edições BIBLIOTECA MAX FEFFER do INSTITUTO DE TECNOLOGIA ORT do Rio de Janeiro Rua Dona Mariana 213 – Rio de Janeiro. Foi bolsista da CAPES e CNPq (Brasil).ORT .br). levando à independência e à autossuficiência.Brasil Tel. E alcançou-o oferecendo educação e treinamento às pessoas para ajudar- lhes a ganhar seu sustento com dignidade. um dos principais objetivos do ORT foi ajudar a ajudar-se. como Professora e Coordenadora de Ciências e de Biotecnologia no Instituto de Tecnologia ORT do Rio de Janeiro. Ao longo de mais de vinte anos dedicados ao ensino científico e tecnológico. de World ORT e da Universidade das Nações Unidas (UNU- BIOLAC). Uruguai. Atua hoje em mais de 50 países e suas escolas são frequentadas anualmente por cerca de 300. na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. materiais e tecnologias educacionais. Brasil. Maria Antonia Malajovich é bióloga. Maior organização não governamental de ensino e treinamento tecnológico do mundo. BIOTECNOLOGIA 2011 . RECONSTRUÇÃO E TRABALHO . Conta com vários artigos sobre o tema. foi homenageada pelo Dia do Biólogo. 22280-020 – RJ . Integra a direção científica da Associação Nacional de Biossegurança.é uma instituição educacional de origem judaica que se dedica ao ensino e treinamento tecnológico.org. ministrou cursos de Biotecnologia em vários países latino-americanos (Argentina. com Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade de Buenos Aires. indústrias e outras instituições de ensino. sem restrições de qualquer espécie.000 alunos.bio.: (5521)2539-1842. Desempenha- se. Sem fins lucrativos. e livros publicados no Brasil e na Argentina.
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