BENDIX. Construção Nacional e Cidadania. Cidadania e Administração

March 22, 2018 | Author: Douglas Oliveira Custódio | Category: Economics, Democracy, Poverty & Homelessness, Poverty, Revolutions


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CONSTRUÇÃO NACIONAL E CIDADANIAESTUDOS DE NOSSA ORDEM SOCIAL EM MUDANÇA REINHARD BENDIX Tradução Mary Amazonas Leite de Barros |edusP *» lote W3ri i Sccs. kc. ip: Szudics cf otir ChaRzixt SOOSL. O^èer Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Bendix, Reinhard Construção Nacional e Cidadania / Reinhard Bendix ; tradução Mary Amazonas Leite de Barros. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996. — (Clássicos ; 5) ISBN: 85-314-0331-6 1. Cidadania 2. Estado Nacional 3. Mudança Social 4. Sociologia Histórica I. Título. II. Série. 96-0119 CDD-320.1 índices para catálogo sistemático: 1. Estado nacional : Construção : Ciência política 320.1 Direitos reservados à Edusp — Editora da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa J, 374 6a andar — Ed. da Antiga Reitoria — Cidade Universitária 05508-900 - São Paulo - SP - Brasil Fax (011) 211-6988 Tel.(011)813-8837 r. 216 Printed in Brazil 1996 Foi feito o depósito legal 3 TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII Tocqueville transporta sua análise para o início da "era da igualdade". Ele caracteriza o impacto das ideias igualitárias nas relações entre patrões e empregados e analisa a crise resultante nas relações humanas. Escrevendo nos anos de 1830, faz especulações sobre o futuro, especialmente na sua brilhante comparação entre as estáveis condições de igualdade na América e as inseguras condições na França. Hoje, podemos olhar para essas especulações, bem como para as de Karl Marx, a partir do ponto de vista vantajoso de uma época posterior. Sem o esforço desses homens em discernir os esboços do futuro, careceríamos de parâmetros para uma análise crítica. Vimos que a vida política medieval depende da ligação entre a posição hereditária ou espiritual na sociedade, o controle sobre a terra como o principal recurso económico, e o exercício da autoridade pública. Todos aqueles cuj a posição ou status os exclui do acesso ao controle sobre a terra são desse modo excluídos de qualquer participação direta nos negócios públicos. Os direitos e liberdades são estendidos mais a grupos, corporações e classes do que a sujeitos individuais; a representação nos corpos judiciários e legislativos é canalizada através de Estados tradicionalmente privilegiados. Nessa estrutura, nenhum direito imediato é concedido a súditos em posição de dependência económica, tais como arrendatários, artífices, trabalhadores e criados: na melhor das hipóteses, eles são classificados sob a casa de seu amo ou representados por ele e por sua propriedade. Esse sistema é rompido pelas revoluções gémeas do Ocidente - a política e a industrial -, que 91 REINHARD BENDIX levaram ao reconhecimento final dos direitos de cidadania de todos os adultos, incluindo aqueles em posições de dependência económica. A análise seguinte começa com a crise no "governo doméstico" analisada por Tocqueville. Emerge dessa crise um novo padrão de relações de classe, substituindo a antiga relação tradicional por uma relação de autoridade individualista. Novas formas de agitação emergem desse novo padrão de relações de classe, envolvendo a ideia de direitos iguais para todos os cidadãos. Faz-se uma tentativa de reinterpretar a radicalização das classes mais baixas no decorrer da industrialização inglesa. Contra esse pano de fundo, o processo de construção da nação é examinado em termos de uma análise comparativa dos direitos da cidadania. Nos Estados-nações emergentes da Europa ocidental, o problema político crítico era se, e em que extensão, o protesto social se ajustaria a toda a cidadania das classes mais baixas. Relações de Classe numa Era de Contrato Relações de autoridade individualistas A reciprocidade das relações sociais está dentro de padrões porque os homens se orientam pela expectativa dos outros, e toda ação do "outro" limita o âmbito das respostas possíveis. Autoridade significa que os poucos no comando têm uma ampla escolha de opções. Inversamente, subordinação significa que os muitos que cumprem as ordens têm seu âmbito de escolha reduzido. Mas as opções dos poucos são limitadas, mesmo quando o poder no comando é opressivo. Um desses limites é que, mesmo a mais drástica subordinação, deixa algumas escolhas àqueles que obedecem. A não-cooperação tácita pode ser variada, sutil, e mais importante do que o protesto manifesto. Os subordinados fazem julgamentos, conduzindo a graus de cooperação ou não-cooperação que são variáveis importantes em cada padrão de autoridade estabelecido. A ideologia tradicional que defende os privilégios da aristocracia em nome de suas responsabilidades deve ser vista por esse prisma. Tocqueville enfatiza os aspectos positivos das relações sociais que correspondem à sua visão do mundo. Por mais voluntariosos e evasivos que sejam os senhores individualmente, é razoável presumir que, por algum tempo, o senso e a prática da responsabilidade aristocrática por seus inferiores eram relativamente elevados, assim como eram genuínas a lealdade e obediência dos subordinados. De fato, sem alguma responsabilidade de um lado e alguma lealdade de outro, não teria sentido dizer que as relações de autoridade tradicionais foram rompidas. É melhor considerar o padrão 92 o observador contemporâneo é impedido de reconhecer essa distinção. Ideais são essenciais nessa conexão. bem como aquelas que o sustentam. Acredita-se que a qualidade humana e a responsabilidade social se harmonizam. o pobre aprendeu o dever ao trabalho e a virtude de se satisfazer com o lugar que Deus escolheu para ele. É. O contraste com o paternalismo torna essa rejeição da responsabilidade da classe superior um fenómeno evidentemente novo. a responsabilidade de proteger o pobre contra os riscos da vida seja explicitamente rejeitada. não se pode exigir muito deles. Em sua análise das relações de autoridade tradicionais. não solapam a reciprocidade de expectativas básica. 93 . Por outro lado. uma opinião profundamente arraigada não é destruída prontamente. Dizer que uma crise de transição se estabelece quando os homens questionam conscientemente os acordos e convenções previamente aceitos não nos ajuda a distinguir esse questionamento dos contínuos ajustes de direitos e obrigações que ocorrem enquanto as relações de autoridade tradicionais permanecem "intactas". Tocqueville observa que os senhores fogem cada vez mais de sua responsabilidade de "proteger e remunerar". que se transformam num questionamento de presunções básicas apenas quando elas se acumulam. Tais ajustes envolvem modificações de detalhe. contudo. Usualmente. em virtude dos violentos conflitos que também caracterizam a sociedade medieval. mas ele não consegue dizer se ela é a crise e aonde ela conduzirá. é fácil preservar o conveniente pretexto de que o rico e poderoso trata o pobre como os pais a seus filhos. Quando essa discrepância entre os direitos e responsabilidades dos senhores se torna manifesta? As ideias referentes à posição do pobre não fornecem a melhor chave a esse respeito. enquanto as ações e crenças que fogem desse padrão. mas mantêm seus privilégios de costume como um direito inalienável. a classe alta também significa grande responsabilidade. o paternalismo sustenta seu apelo. A baixa posição social e a condição inferior do pobre também os isentam de responsabilidade. As relações de autoridade tradicionais permanecem intactas. porque eles afetam a orientação mesmo daqueles que não conseguem viver de acordo com eles. muito mais impressionante que. Durante a maior parte do século XIX. Ao longo dos séculos. na fase inicial da industrialização inglesa. durante os quais a real rejeição de responsabilidade é completamente obscurecida pela ideologia tradicional. mas esses defeitos são considerados inextirpáveis — um símbolo da classe social inferior. Mesmo onde as práticas tradicionais são abandonadas. Ele pode ver uma crise (não existe época sem suas Cassandras).TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVI11 tradicional como parcialmente um padrão de comportamento e parcialmente um ideal. Esse processo se estende séculos a fio. A condenação de sua indolência e dissipação são um tema constante. para que os trabalhadores sejam compelidos a se empenhar. 2.. Na segunda abordagem. Embora intimamente ligadas uma à outra. eles reduzirão seus esforços e destruirão sua única salvaguarda contra a fome. seu salário sendo determinado pela demanda por essa comodidade mais do que pela necessidade do trabalhador ou sua habilidade para sobreviver. A indolência aumenta quando se tomam providências para socorrer o pobre. intensifica a pobreza. a caridade tradicional e a antiga legislação de assistência ao pobre como um meio de ajudar o indigente se tornaram questões controvertidas1. agora. 73 e ss. 74. cit. por conseguinte. sustenta a opinião de que a caridade apenas destrói o incentivo e. a longo prazo. Os detalhes não precisarão nos preocupar aqui. a horrível necessidade é o motivo mais natural do trabalho. Antes. 1956. O pobre não se inclina a se empenhar. Declaração do reverendo Townsend. e. nos anos finais do século XVIII. Isso significa. mas o homem livre deve ficar entregue a seu próprio julgamento e critério"2. Deve-se permitir à fome produzir seu efeito. a honra e a ambição de seus superiores. alguns padres. Uma abordagem vê a causa da pobreza no próprio esforço para minorar a miséria. e ainda de que as ordens inferiores devem depender de si mesmas. que os interesses do capital e do trabalho são idênticos. As deslocações da Revolução Industrial com seus efeitos cruéis sobre as massas conduziram ou exigiram novas interpretações da causa da pobreza. A teoria de mercado significa que o empregador não pode agir irresponsavelmente 1. A única questão relevante é qual mão-de-obra é preferida pelo empregador. p. Pois o patrão está sujeito às mesmas necessidades de oferta e procura que o trabalhador. A rejeição da responsabilidade da classe superior caminha de mãos dadas com a pretensão de que o pobre deve ser autodependente. John Wiley & Sons. escritores e economistas políticos começam a rejeitar a "responsabilidade do rico" como uma fraude piedosa. mesmo que o queira. elas representam mais ou menos temas separáveis do pensamento social inglês. que ele não pode pagar-lhe mais do que ele oferece sem pôr em risco sua empresa. Para uma discussão e citações mais amplas. os esforços perniciosos de caridade estão ligados à teoria de mercado de trabalho. pp. essa observação sustentava a opinião de que o pobre deve ser guiado. 94 . Caso contrário. quando. ver meu estudo Work and Aulhority in Industry.RE1NHARD BEND1X Durante a segunda metade do século XVIII. Aqui a mão-de-obra é encarada como uma comodidade como outra qualquer. "O escravo deve ser compelido a trabalhar. Três dessas interpretações são aqui citadas. falta-lhe o orgulho. pois exerce incessante pressão sobre o pobre. Aqui a ênfase recai na suposição de que o rico não pode ajudar o pobre. portanto. New York. op. uma lei da natureza que as classes superiores não têm poder para alterar. 95 . se se aproximarem de seus trabalhadores "com simpatia e confiança" e "ajudarem[-nos] ativamente na formação de hábitos prudentes"3. e a influência pessoal dos empregadores diminui. Conseqúentemente. Ele atribui esse fenómeno à tendência da população a aumentar mais rapidamente do que os meios de subsistência. as ideologias empresariais consistem em combinações temáticas dos três elementos seguintes: 1. relaciona essa teoria de mercado do trabalho com a teoria da população. como observa Tocqueville. Se é uma lei da natureza que os pobres aumentem seu número além do suprimento de alimento disponível. e no início do século XIX ouviam-se queixas em relação à crescente distância pessoal que tornava tal administração difícil. o elemento paternalista. A imprevidência pode ser uma tendência natural. Malthus reconhece a inevitabilidade de desgraças periódicas e agudas. que a caridade e a ajuda ao pobre apenas aumentam a indolência e a imprevidência. Com a divulgação das ideias igualitárias declina a ênfase no nível social. Em vez de afirmar a harmonia de interesse entre ricos e pobres. mas também resulta da ignorância e da falta de restrição moral. cit. e essas falhas podem ser combatidas pela educação. Mas. especialmente na velha base paternalista. em termos do presente contexto.. p. Daí em diante. 112. na qual a 3. A terceira abordagem. Mesmo assim.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII sem prejudicar seu próprio interesse e que o trabalhador não tem outra salvaguarda senão o empenho e nenhuma garantia contra a fome. Op. é a tónica da nova ideologia empresarial. é responsabilidade das classes mais altas entender essa lei e instruir as classes inferiores de acordo com ela. É nesse contexto que os propagandistas autónomos como Samuel Smiles formulam a nova ideologia empresarial. que as classes superiores não são e não podem ser responsáveis pelo destino do pobre. o abismo entre as classes se alarga. mas também na influência impessoal das ideias e da educação. modelado segundo a propriedade tradicional. com sua ênfase na "imensa quantidade de influência" que os empregadores possuem. Malthus afirma que a pobreza é inevitável e um estímulo necessário ao trabalho. os empregadores devem lidar com a administração de homens. Tem-se muita confiança em forças impessoais como a necessidade económica e a pressão da população sobre os recursos — muito mais confiança do que ocorria quando o senhor exercia um domínio inteiramente pessoal sobre sua propriedade. portanto. a confiança é depositada não apenas nas forças económicas impessoais. A educação. ele também contribui com uma importante ideia. uma vez que os empregadores já não possuem a abrangente autoridade pessoal do senhor aristocrático. especificamente identificada com a obra de Malthus. subsequentemente. Os antecedentes culturais diferentes. ou as persuasões motivacionais indiretas. os incentivos e as penalidades. e a dimensão educacional é compatível com uma abordagem impessoal e também pessoal. têm muito que ver com as diversas ênfases entre as ideologias empresariais. No decorrer da industrialização na Europa ocidental. ou a sessão de terapia. cap.RE1NHARD BENDIX dominação pessoal do senhor sobre sua família e serviçais é a tónica. A sequência aplica-se mais intimamente ao desenvolvimento inglês e americano. Princeton. essa abordagem produz certos paradoxos típicos. cit. força os trabalhadores a fazer o que seus empregadores mandam. o elemento impessoal. Authority and Organization m Gcrman Management. a uma confiança declinante nas forças de mercado e a uma crescente confiança no modelo educacional. que induzirá os trabalhadores a oferecer seus serviços e trabalhar diligentemente. Op. Como o paternalismo sempre inclui um elemento educacional. Abegglen. podemos postular uma sequência que conduz primeiramente a um declínio do paternalismo e ao surgimento do elemento impessoal e. da luta pela sobrevivência. 96 . em que a pressão anónima da oferta e da procura. 4. passim. Ao nível impessoal de apelos ideológicos. 2. 1959. qualidades que habilitam todos os homens a adquirirem propriedade e status. são usados para disciplinar os trabalhadores e impeli-los a intensificar seus esforços. e J. modelado segundo a sala de aula. o laboratório psicológico. Glencoe. A dimensão política dessas ideologias é. bem como a estrutura organizacional inconstante dos empreendimentos económicos. a confiança nas forças do mercado foi muitas vezes obscurecida numa maneira paternalista. nos quais a instrução. Além disso. de especial importância. demanda políticas que facilitem a operação desse mercado. As interpretações individualistas da relação de autoridade não permanecem limitadas à empresa.. de importância política. as agências do governo nacional permitem aos empregadores de mão-deobra proteção legal para seus direitos de propriedade. tais como as dos Estados Unidos. Alemanha e Japão4. Esses direitos fazem parte de uma ampla tendência igualitária. 5. Heinz Hartmann. Mas. modelado segundo a concepção de mercado dos economistas clássicos. contudo. Os empresários também procuram inculcar os hábitos e motivos desejados. A ideia de um mercado impessoal. que também se expressa no elogio a hábitos frugais e trabalho árduo. University Press. The Free Press. 1958. e James G. o elemento educacional. TheJapaneseFactory. embora mesmo nesse caso seja uma aproximação grosseira. Num Estado-nação emergente que destruiu a antiga fragmentação da autoridade pública. o recurso a apelos ideológicos e a métodos educacionais sugere que os incentivos impessoais são insuficientes. essas afirmações referem-se a fenómenos históricos mais do que a princípios gerais. mas também prejudica o auto-respeito daqueles que permanecem pobres apesar dos mais ativos esforços. Num contexto de agitação crescente. O mal-estar da classe baixa torna-se político: Inglaterra Quando as transformações políticas são atribuídas a determinantes económicos. Todavia. marcadas por uma mudança nos termos de comandos e obediência. mais do que em cooperação e submissão. A maneira pública pela qual esses "atributos coletivos" são discutidos transforma-os em questão política.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII encorajando a autodependência dos trabalhadores. Do mesmo modo que Tocqueville focaliza a atenção numa transição nas relações domésticas. assim também a discussão que se segue focalizará a atenção numa transição em relações de grupo no nível nacional. O trabalhador bom e honesto é um modelo a ser seguido como distinto do trabalhador preguiçoso e imprevidente. eles correm o risco de que tal individualismo termine em protesto político e social. tais julgamentos ajudam a transformar a posição cívica das classes mais baixas numa questão político-nacional. desse ponto de vista. Ainda que muito simplificadas. cujas deficiências são difundidas pelo rádio. Essa linha de interpretação desenvolve-se no fim do século XVIII. O auto-respeito é ainda mais prejudicado quando o sucesso económico é interpretado como sinónimo de virtude e o fracasso como um sinal de depravação moral. marcada por mudanças de ideias concernentes a direitos e obrigações das classes baixas. como um esforço para negar os direitos de cidadania àqueles que são malsucedidos economicamente. uma abordagem que pode despertar um novo sentido do direito por parte das classes inferiores e conduzir a esforços tateantes para definir a posição dessas classes na comunidade política nacional. Parece plausível no sentido de que as revoluções nos Estados Unidos e na França "refletem o crescimento da burguesia". A divisão moral das classes baixas em pobres diligentes e pobres imprevidentes não só desafia a complacência do indolente. é à luz desses fenómenos históricos que todos os eventos políticos foram 97 . em benefício de todos os que o ouvirem e como um aviso que provoca desprezo e condenação. Pois o elogio a bons hábitos e ao trabalho árduo conduz por si mesmo a julgamentos hostis de um teor muito provocativo. A interpretação individualista das relações de autoridade na indústria aparece. enquanto a Revolução Industrial na Inglaterra leva à mobilização política de uma força de trabalho industrial emergente. a mudança de posição das classes inferiores e a emergência da cidadania nacional aparecem como subprodutos da industrialização. talvez simplesmente porque a Inglaterra era o primeiro país a desenvolver uma indústria moderna. por exemplo. Esta questão foi decidida. vez por outra. por mais intimamente que. as revoluções políticas ocorreram na ausência de uma classe média economicamente forte e politicamente articulada. estivessem ligados. um distinto do outro. a mobilização política das classes baixas ocorreu como um prelúdio da industrialização. pode ser considerado certo que o sistema de governo patriarcal ou paternalista é algo a que não se submeterão de novo. mas um século e meio depois deve ser possível salvaguardar-se contra tais preconceitos. um fato que logo foi reconhecido: Sobre os homens trabalhadores. devemos reconhecer a democratização e a industrialização como dois processos. ou que podiam compensar sua exclusão do exercício de direitos públicos por fantasias milenaristas e banditismo. talvez seja conveniente mostrar que. depois que o despotismo esclarecido e os filósofos do Iluminismo formularam o princípio de direitos iguais para todos os homens. como na Rússia e no Japão. mas essas ideias espalharam-se por todo o mundo. sabemos que. 98 . Por um longo tempo. Vimos que. em oposição aos credos profes5. não teremos muita ajuda se tacitamente aceitarmos a Europa ocidental e especialmente a Inglaterra como nosso modelo. antes do século XVIII. nos Estados Unidos. A cidadania nacional e o industrialismo moderno combinaram-se com uma variedade de estruturas sociais. as teorias sociais e económicas modernas ainda refletem a situação histórica na qual elas se desenvolveram inicialmente. A disseminação dessa ideia era certamente facilitada pela industrialização. mais do que como um resultado dela. Atualmente.REINHARD BENDIX de início construídos como subprodutos mais ou menos diretos de processos sociais e económicos5. Apenas por essas razões. Portanto. ou talvez por causa dessa ausência. Até certo ponto. É verdade que ali as ideias democráticas se originaram em circunstâncias nas quais as mudanças socioeconômicas tinham um impacto maciço na estrutura política. mesmo na ausência de circunstâncias semelhantes. é possível distinguir o elemento político em meio à mudança económica. Formas diferentes de protesto da classe inferior tornaram-se possíveis. pelo menos nos países mais avançados da Europa. quando se permitiu que pregadores dissidentes a eles se misturassem. em outras partes. mesmo na Inglaterra. e apelassem para suas faculdades e sentimentos. Os dois processos estiveram estritamente ligados na Inglaterra. quando aprenderam a ler e tiveram acesso aos jornais e aos panfletos políticos. o desenvolvimento inglês serviu como modelo para a compreensão do crescimento económico em relação à modernização política. portanto. as classes baixas podiam tentar arrancar à força concessões dos poderes governantes por uma postura "legitimista" mesclada com violência. como. Novamente. contudo. Ver Karl Mannheim. pp. porque realça a emergência de uma comunidade política nacional. Hareourt. Mill descreve um país relativamente industrializado. Mas ele também nota vários fatos que foram quase sempre associados com o recrutamento de uma força de trabalho industrial: a alfabetização dos trabalhadores. "The Languageof'Class" inEarty Nineleenth Centniy England". Ver o levantamento esclarecedor da crescente consciência das relações de classe de Asa Briggs. 7. quando foram encorajados a buscar participação no governo. Para Marx. participantes. 1941. e mudar seus patrões e empregadores tão facilmente como de casacos.Man and Socicty in an Age of Rcconstruction. Essa consideração pode ser estendida inicialmente a alguns dos distúrbios populares no início do século XIX na Inglaterra.por mobilizar física e intelectualmente o povo . Esta é a definição de Karl Mannheim da "democratização fundamental". Escritores posteriores mostraram que essa violência era dirigida contra banqueiros ou prestamistas assim como contra máquinas. Brace. London. e suas referências a pregadores dissidentes e ao direito eleitoral assinalam condições que são mais ou menos próprias da Inglaterra daquela época."incita à ação as classes que antigamente só desempenhavam um papel passivo na vida política"7. Principies ofPoliiicalEconomy. H. 43-73. que é compatível com diferentes formas de governo. quando as estradas de ferro possibilitaram-lhes mudar de um lugar para outro. todavia. e que. New York. independentemente de classe. a maior mobilidade geográfica. sob a influência de ideias de igualdade. não só com a "democracia". esses distúrbios são similares às rebeliões esporádicas nas quais. Nessa declaração. 466-478. na qual todos os adultos.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII sados e apoiados por seus superiores. 8. apesar de sua óbvia agitação. II. pp. a concentração física do trabalho. A afirmação de Mill é aqui cilada como uma formulação excepcionalmente dará do que era aparentemente um tópico comum de conversação. A descrição de Mill pode ser considerada equivalente à afirmação de Mannheim de que a "sociedade industrial moderna" .). Macmillan. camponeses e artesãos destruíram máquinas como os instrumentos mais imediatos de sua opressão*. essa mobilização do protesto da classe baixa passou a orientar-se para a realização de uma participação completa na comunidade política existente ou para o estabelecimento de uma comunidade política nacional na qual essa participação fosse possível. Essays in Labour History in memory ofG. A definição é útil. mediante o direito de voto eleitoral r '. 322-323. 44. a divulgação de material impresso entre eles. pp. p. Ver Karl Marx. e a despersonalização do relacionamento no emprego. portanto. New York. 99 . 1960. D. Falando em termos gerais. por vários séculos. os trabalhadores do início do século XIX na Inglaterra mostram um surpreendente respeito pela propriedade não diretamente ligada à sua desgraça. 1936. John Stuart Mill. Capital. em AsaBriggse JohnSaville (eds. Cole. quando foram reunidos em grande número para trabalhar socialmente sob o mesmo teto. 6. Modern Library. são cidadãos e. a respeito de seu levantamento e interpretação dessas rebeliões. A frase foi cunhada por E. Para captar a relativa novidade dessa experiência. Um estudo das disputas industriais e agrárias no Japão sugere que quase o mesmo mecanismo opera num cenário cultural muito diferente. Staatskunst und Kricgshandwerk. 1943. 1934. Past and Prescnt. "The Machine Breakers". Totten. Hobsbawm. em George O. Os referidos debates sobre a alfabetização são analisados em detalhe com referência à experiência inglesa. pp. Cambridge University Press. a posição cívica do homem comum tornou-se um tema de debate nacional na Europa. 194. 100 . Observe-se a esse respeito a ênfase de Marx no modo pelo qual as reuniões de trabalhadores e empregadores estimulam um ao outro e a referência no texto abaixo à consciência dessa iniquidade entre os magistrados ingleses. como os famosos distúrbios dos ludditas. Thc Charity School Movcment. são proibidos de se reunirem para a negociação coletiva pacífica. Munich. Economic Development and Cultural Changc. a "negociação coletiva pelo distúrbio" acompanha facilmente a exigência de direitos civis que foram negados. foram contra eles". 160-183. 60-158 e passim. pt. Jones. Estão face a face com uma iniquidade legal manifesta. 1952. Oldenbourg. 57-70. O povo parece alternar entre a insistência nos direitos antigos e as violentas revoltas contra as causas mais 9. há naturalmente muita vacilação. 314-315 e passim. 87-107. out. II. apesar da aceitação da igualdade formal perante a lei1". pode-se considerar que os trabalhadores se engajaram numa "negociação coletiva pelo distúrbio" numa época em que as reuniões eram proibidas por leic). Darvall. A prova referente à distinção entre saque e tais agitações. 1960. 1938. temos de confiar na prova circunstancial do período. Durante décadas. 1954. Ver também a referida discussão em Katherine Chorley. R. Essa prova é compatível com a ideia de que os operários que se engajam na violência desejam ao mesmo tempo demonstrar sua respeitabilidade. Oxford University Press. IX. pp. London. o apelo contra as iniqiiidades legais envolve uma nova dimensão do distúrbio social. "Labor and Agrarian Disputes in Japan Following World War I". enquanto as reuniões dos empregadores são toleradas ou até encorajadas.RE1NHARD BENDIX Distinguindo na prática a destruição saqueadora de propriedade daquela "justificada". É difícil saber quais sentimentos esses debates suscitam entre as próprias pessoas. No fim do século XVIII e através do século XVIII. pp. Portanto. quando souberam com que frequência os veredictos dos tribunais. que se baseavam nas leis vigentes. 10. Questões semelhantes foram levantadas com respeito à conscrição universal. passim. p. é analisada em Frank O. Cambridge. 11. G. Faber & Faber. London. Armies and thc Art of Rcvolution. J. pp. Confrontadas com a iniquidade de sua posição legal e um debate público acima de sua confiança cívica. Ver o comentário de que "um número crescente de fazendeiros arrendatários convenceram-se da necessidade da ação política. em M. l. os debates sobre a educação básica e o direito ao voto questionam se uni aumento na alfabetização ou nos direitos de voto entre o povo funcionaria como um antídoto à propaganda revolucionária ou como um perigoso incentivo à insubordinação11. Embora muito desarticulado a princípio. Um estudo de caso da questão do alistamento e seu significado para o desenvolvimento das relações de classe na Alemanha é o de Gerhard Ritter. Popular Disturbances and Public Ordcr inRegencyEngland. uma vez que armas nas mãos do povo comum eram consideradas uma ameaça revolucionária. em virtude de sua contribuição à riqueza da nação.. e. mesmo que seja impossível prová-la. e talvez não tenham sido muito conhecidas. Uma das razões é que a iniquidade legal e o debate público acima da insegurança cívica do povo representam uma negação cumulativa de sua respeitabilidade.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII evidentes de opressão.] há quase sempre uma época em que as mentes dos homens flutuam entre a noção aristocrática de sujeição e a noção democrática de obediência. J. e é 12. Johnson. essa ambivalência é resolvida à medida que a ideia de que os direitos das pessoas como cidadãos foram negados injustamente ganha aceitação. Esta passagem foi modificada em edições posteriores ao Ensaio. ed. protestos de respeitabilidade e brados por revolução sangrenta. London. e se a sociedade não quer o seu trabalho. ele não mais a considera como uma espécie de obrigação divina. não há abrigo desocupado para ele. p. 13. ela não tem para ele nenhum caráter de santidade ou justiça. que se tornou objeto notório dos ataques socialistas: Um homem que nasceu num mundo que já tem donos. em relação aos quais ele tem uma justa exigência. Ocasionalmente. Dcmocracy in America. 2. porque como pessoas trabalhadoras elas têm direitos. A obediência perde então sua importância moral aos olhos daquele que obedece. e ele se submete a ela como a uma condição degradante mas proveitosa1-. II. como nesta passagem de Thomas Malthus.. 194-195. em nível político. 1803. e ainda não a vê sob seus aspectos puramente humanos. a arrogância e o medo eram muito difundidos nos círculos de classe média.. Ela lhe diz para ir embora. Contudo. não tem direito de estar onde está. Mas tal diversidade de manifestações pode ter um denominador comum na experiência transitória que Tocqueville caracteriza: [. No vigoroso festim da Natureza. se não puder obter subsistência de seus pais. 531. não tem direito de reclamar a mínima parcela de alimento. 101 . Thomas Malthus. propostas de reformas específicas e esquemas utópicos de variedade desconcertante. An Essay on the Principie of Population. Na Inglaterra. Tocqueville. de fato. essa negação de respeitabilidade é equivalente à negação do direito à existência. Declarações extremas como esta ou a referência de Burke à "multidão suína" foram feitas por intelectuais. que ocorre justamente quando a industrialização e a disseminação das ideias igualitárias incitam "à ação as classes que antigamente desempenhavam apenas um papel passivo na vida política" (Mannheim). e executará rapidamente suas próprias ordens13. pp. Há muitas razões para aceitar a plausibilidade dessa interpretação. Em retrospecto. e Barbara Hammond. cit. Belford.123-124. pp. Work andAuthority in Industry. ThcBritish WorkingClassRcader. 1944. Webb. 73. Penguin Books. K. e no conhecimento de que. Chicago. o movimento cartista como a expressão de ultraje da gente do povo à negação de seus direitos civis. essa preocupação parece justificada no sentido de que a posição do "povo" como cidadãos estava efetivamente em questão15. The TownLabourer. London. ais condições presentes da produção mecanizada. Esta passagem ocorre no romance de Benjamin Disraeli. 246-247. Hansard's Parliamentary Debates. Notar também a análise de Von Stein. embora inarticulada. Também é relevante aqui o famoso símile das "duas nações entre as quais não há nenhuma comunicação nem simpatia.. pp. 1954. Benjamin Disraeli e Harriett Martineau comentam o sentimento de injustiça entre os trabalhadores. é "oferecido menos [. Sybil. 86-87. epassim. 96. pp. 60-73. Na Inglaterra. Seus preconceitos são muitos. D. Esses observadores estão com frequência distantes da vida da classe trabalhadora. sobre as fontes dessas declarações. os salários do operário não serão proporcionais a 702 . Webb. G. passim. e o sentimento dos trabalhadores de serem uma "classe proscrita" em seu próprio país'4. Para uma visão geral dos esforços propagandísticos para contrabalançar essa "desafeição cívica" na Inglaterra. The Opinions of William Cobbett. L. A frase citada é de um folheto de Manchester de 1818. e divididos entre eles mesmos. cols. H. ordenados de maneiras diferentes. e são partidários no debate concernente às "classes inferiores". que é "a pedra angular sobre a qual a sociedade civilizada é construída". 1955. que são tão ignorantes dos hábitos. Clarke. reeditado em J. em Thomas Carlyle. alimentados por uma comida diferente. 1925. por um lado. observadores tão diferentes como Thomas Carlyle. em resposta a esse questionamento público de sua respeitabilidade. No paradigma de Tocqueville. e não fossem governados pelas mesmas leis". formados por uma raça diferente. pode-se dizer que essa ideia fica a meio caminho entre a crença nos "antigos direitos" que foram erroneamente abolidos e a pretensão de que os próprios servos devem ser os senhores. Longmans.. 16. e Reinhard Bendix. que afirma que o antagonismo entre os trabalhadores e os empregadores "origina-se na crença nos direitos e no valor dos trabalhadores individuais.). K. Chartism. ver R. London. Essa concepção 14. XLIX.. Allen& Unwin. London.207.] do que suportará a família de um homem ordeiro e sóbrio em decência e conforto"16. o abuso pessoal que os dirigentes da sociedade cumulam sobre eles. 1839. vol. mas o sectarismo pode não apenas sensibilizar como também distorcer o entendimento. e R. William Cobbett. Baltimore. 306-308. p. Tal desafeição cívica do povo era encarada com grave preocupação por eminentes oradores em muitas sociedades europeias.REINHARD BEND1X razoável esperar uma crescente sensibilidade entre o povo. pp. Ver o capítulo "Rights and Mights". Green. 30-39. A negação implícita ou explícita da respeitabilidade cívica do povo é contrariada com certa naturalidade por uma insistência nos direitos do povo que não deve ser anulada. p. pensamentos e sentimentos uma da outra como se morassem em regiões diferentes. ou como se fossem habitantes de planetas diferentes. Essa insistência fundamenta-se primeiro em um sentimento de justa indignação diante da ideia de que o trabalho. Os observadores contemporâneos frequentemente comentavam a reação popular. sua perda de auto-respeito. Cobbett. 1890. e Margaret Cole (eds. op. 15. 18. Sobre «ira exposição detalhada dessas concepções de direitos naturais no pensamento socialista e de sma •ampaubdidadc a» a lei de propriedade. apesar de todos os seus conflitos. os operários ingleses estão muito desiludidos com a Igreja aias pretensões como indivíduo". 1953. passim. 263. sua interpretação ignora as heranças históricas q»e incitam «ma "reciprocidade nacional de direitos e obrigações". 19. o debate nacional concernente ao status apropriado das classes baixas desenvolve-se na tradicional linguagem da religião. 1899. Loodon. ver Anton Menger. 1~. Augustus Kelley. Ver s*a cana a Marx. e Selig Perlman. 1846. que enfatiza o significado especial da questão do direito de voto. Henry Holt. Ausgewãhlic Briefc. Nesse contexto favorável. Henri de Man. A Theory of lhe Labor Movcment. Ver ]. L Hammond. Certamente. Dietz Verlag. MacauUa*. Na Inglaterra. de 7 de outubro de 1858. 1930. Zeitschrift fur dle facsmicSzzxs»issaucfiaft. pp. II. durante quase todo o século XIX. a Inglaterra era líder na industrialização e na expansão ultramarina. embora ocasionalmente violentas explosões também irrompam na sociedade inglesa. pp. isto talvez se deva a que. A coincidência entre a posição preferida pela Inglaterra e seus legados favoráveis à efetivação dessa "incorporação" política do "quito Estado" foi discutida até agora apenas em trechos e partes de obras. 131-132. essas demandas nunca alcançam a culminância revolucionária que se desenvolve mais frequentemente no continente europeu. a ideia do "direito do trabalho a toda a produção" e a crença de que cada trabalhador saudável tem "direito ao trabalho" são os três direitos inerentes ou naturais que se opõem aos direitos adquiridos contratualmente. e estão habilitados a uma posição que imponha respeito. Os operários ingleses podiam exigir seu justo lugar na comunidade política da principal nação do mundo1''. Todavia. é plausível presumir que o tema comum dessas teorias expressa os esforços do operário num Estado-nação18. 291. The Right Io lhe Wholc Producc ofLebonr. a modernização política da Inglaterra ocorreu de uma maneira relativamente contínua e pacífica. The Economic History Rcview. New York. os únicos que são reconhecidos pelo sistema legal prevalecente17. 1949. 39-41. os protestos das classes inferiores parecem objetivar o estabelecimento da cidadania dos trabalhadores. como em seu comentário a Marx de que o "aburguesamento do proletariado inglês" era em certo sentido "muito natural numa nação que explorava o inundo todo". Embora as elaborações teóricas desses conceitos na literatura socialista não revelem o pensamento do homem comum. The Industrial Revolution and Discontent". apesar da ameaça das ideias revolucionárias e dos esforços para uma mudança económica rápida. com seus tradicionais exageros. Na Inglaterra. o uso por Man da teoria do valor do trabalho teve seu grande impacto moral na base dessas concepções de "direitos •atarais*. Ver Lorenz von Stein. Se.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO X\'III de um "direito de subsistência". Bcrlin. 1927. Possjvelmenie. 227-228. III. como é analisado por Menger. Aqueles que contribuem para a riqueza e o bem-estar de seu país têm o direito de serem ouvidos em seus conselhos nacionais. New York. p. em Karl Marx e Friedricn Engels. Engels considerava os dois fcnôincBos caisalmente ligados. "Der Begriff der Arbeit und die Prinzipien áes Aibeitslotines in ihrem Verhàltnisse zum Sozialismus und Communismus". com respeito ao papel do auto-respeito ofendido no protesto radical inglês. pp. p. The Psychology of Socialism. 103 . The History ofTrade Unionism. The First New Nation. é de especial interesse a esse respeito. 1926. Hobsbawm questiona que os movimentos religiosos entre os operários diminuíram seu radicalismo. As ideias religiosas não são necessariamente menos importantes quando se associam às preocupações seculares. New York. uma publicação de documentos sobre os antigos sindicatos revelou que nem os empregadores nem os funcionários do governo recorriam a todos os remédios legais que lhes eram franqueados. apesar de sua inequívoca proibição21. Longmans. New York. Um parecer do promotor-geral. Contudo. 1963. Portanto. e da exacerbação das relações de classe na ausência de uma linguagem religiosa viável de Guenther Roth.RE1NHARD BEND1X estabelecida e com os apelos religiosos. Routledge & Kegan Paul. London. pp. Mais recentemente. Indícios da relação entre o renascimento religioso e o protesto da classe trabalhadora são discutidos em Work and Authority in Industry. Em Churches andthe Working Classes in Victorian England.passim. 329-332) que o ateísmo era raro entre os operários ingleses (embora pronunciado entre seus colegas do continente europeu). pp. Sidney e Beatrice Webb. 74. S. pp. 1963. M. The Social Dcmocrats in Imperial Germany. em seu exame do sindicalismo primitivo. Contudo. a proibição legal dos sindicatos no início do século XIX parece uma brutal repressão. Dizia-se que as "reuniões de trabalhadores" reduziam os direitos legais formais do empregador assim como os do trabalhador. 104 . mas se continuavam a usar ideias religiosas em sua "busca da respeitabilidade". Mas se o governo tivesse de 20. New York. a ausência de instauração de processo público efetivo e a inércia dos empregadores eram responsáveis pela ampla ocorrência de reuniões ilegais. de minha autoria. 126-149. Tal admissão pode muito bem ser perigosa. K. enviado à Secretaria de Negócios Internos. Basic Books. Um exemplo extraído do campo das relações industriais ilustra as sutilezas dessa transição inglesa para uma comunidade política moderna. a proeminência da Inglaterra como uma potência mundial e uma prática religiosa comum podem ter facilitado a incorporação cívica dos trabalhadores. 60-73. 1963. pp. 21. mesmo que o novo equilíbrio nacional de direitos e deveres não se realizasse facilmente. Inglis reúne grande quantidade de provas que sugerem que os operários ingleses eram marcadamente indiferentes em relação às observâncias religiosas durante todo o século XIX. contudo. uma vez que a questão não é se os operários ingleses eram realmente crentes. os Webbs concluem que a organização ineficiente da polícia. mas a questão é controvertida. 151-159. em 1804. Em sua obra Social Bandits and Primitive Rebels. Green & Co. Aparentemente. e os líderes da classe trabalhadora inglesa muitas vezes fundamentam suas demandas numa linguagem bíblica ou quase bíblica20. Mas mesmo Inglis admite (idem. À primeira vista. O parecer apresenta detalhes do grande mal das reuniões entre os trabalhadores por todo o país. e que um grande número de crianças da classe operária frequentavam as escolas dominicais.. o ateísmo doutrinário é raro. p. Ver a análise de secularidade e religião no contexto americano de S. que com muita frequência são apologias mal disfarçadas em favor da ordem estabelecida. The Bedminster Press. os empregadores desejavam que o governo instituísse medidas judiciais contra reuniões ilegais. Lipset. reuniões consideradas claramente ilegais e passíveis de processo. pp. por suas repetidas tentativas de induzir o governo a fazê-lo por eles. 192-103. Ele conduzirá à opinião de que não cabe aos patrões do sindicato que se sentem prejudicados instaurar processo. e seu próprio negócio provavelmente seria abandonado por seus funcionários. A. 705 .. 126. cit. que eles podem perfeitamente arcar com o pagamento de salários mais elevados. 116. 259-260. Batchworth Press. e é de se recear que essa inércia. aumentará.] a imparcialidade do governo ficaria numa situação complicada se. de modo que a futura detecção e instauração de processo contra essas ofensas provavelmente serão mais difíceis. Seja qual for sua parcialidade em relação aos empregadores. é preciso admitir que a ofensa aumentou num grau e numa extensão tais que se tornou muito desencorajador a todos os indivíduos instaurar um processo. na crença de que no final o governo manterá a lei e a ordem e protegerá seus interesses. Não é de surpreender que os magistrados sejam muitas vezes muito críticos em relação aos empregadores. nem o evidente oportunismo dos 22. pp. por sua tendência a serem coniventes com essas reuniões quando lhes é conveniente... os magistrados até agem como mediadores informais em disputas entre empregadores e seus operários. mesmo que suas reuniões sejam ilegais. 23.. Ademais. The Early English Tradc Unions.] Uma vez que julgaram que a punição de tais ofensas cabia ao governo. depois de instaurar um processo. no interesse da manutenção da paz23.). e não a eles. os artífices recorressem a eles para processar os mesmos patrões por uma conspiração contra seus homens22. por instância dos patrões. Algumas vezes. 234-235? 237-238.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII instaurar processo no caso examinado.216-219. op. em vez de diminuir. contra a conspiração dos artífices. Documents from thc Home Office Papcrs in thc Public Rccord Office. Portanto. London. uma vez que "as reuniões existem em quase todos os sindicatos no reino". e finalmente por sua tendência a rejeitar toda responsabilidade pelas consequências de suas próprias ações.. Essa tarefa é complicada frequentemente pela relutância dos empregadores em recorrer à lei de proibição das reuniões. com a interferência do governo.168-169. nem a parcialidade dos magistrados. 283. eles também pensarão caber ao governo o ónus da prova. pois as pessoas que ele processaria seriam sustentadas em seu julgamento e durante sua prisão pelas contribuições de seus confederados. poder-se-iam esperar requerimentos de ações semelhantes por parte do governo a partir de todos os outros sindicatos. Esta opinião é instrutiva. [. Para exemplos desses vários aspectos. [. Aspinall (ed. ainda que seu discernimento não possa ser considerado representativo. os magistrados são responsáveis pela manutenção da lei e da ordem. 242. Mas então ê claro que é devido à inércia e à timidez dos patrões que a conspiração chegou a esse ponto. 272. 1949. nem o princípio da política de não-interferência. mas sim ao governo.. e assim por diante..229.] Efetivamente. [. sustentando que estes agem com pouco critério. e que as queixas dos trabalhadores são justificadas. 90-92. Supplement 1948. Finer. Brebner. ver Marion Bowley. Finalmente. embora procurem transferir ao governo a responsabilidade por todas as. pouco se faça para atender às queixas dos trabalhadores. na prática. Dito isto. o princípio de não-interferência pelo governo é apoiado por uma atitude desprendida e crítica. a sociedade inglesa provou ser capaz de apaziguar a classe baixa como uma participante igual na comunidade política nacional. depois disso. Implicações teóricas A discussão precedente limita-se aos desenvolvimentos na Inglaterra. porque estavam profundamente preocupados com a agitação e a truculência. S. nenhum outro país que desde então embarcou no processo pode começar de onde a Inglaterra começou no século XVIII. o caso inglês se aproxima desse modelo. Methuen. B. Entre alguns magistrados. e todas as implicações de igualdade como as entendemos atualmente só tenham evoluído gradualmente. passim. mesmo porta-vozes fiéis à ideologia do laissez-faire. Com base nisso. empenhavam-se ativamente na extensão dos controles governamentais. A Inglaterra é a exceção mais do que o modelo. embora mesmo na Inglaterra esse desenvolvimento tenha envolvido uma luta prolongada. exceto em termos calculados para prejudicar sua posição de membros respeitáveis da comunidade. suas técnicas são tomadas de empréstimo. 59-73. a demanda de igualdade da classe trabalhadora emergente funde-se num molde mais ou menos conservador no sentido de que na balança é acrescentada uma busca de aceitação pública de cidadania igualitária. Tocqueville vê uma importante ameaça revolucionária. O patrão continua a esperar servilismo. Há alguns fabricantes que reconhecem as obrigações tradicionais da classe dirigente. 706 . A industrialização pode ser iniciada apenas uma vez. Nesse período de transição. London. Funcionários do governo apoiavam os empresários em muitos casos. Journal ofEconomicHistory. 1952. embora. 1937.REINHARD BEND1X empregadores é equivalente à repressão. mesmo nas primeiras décadas do século XIX. Sobre detalhes a esse respeito. a Inglaterra possuía quase o monopólio nas mais avançadas técnicas da produção industrial. London. recusam qualquer interferência governamental na administração. Nassau Sénior and Classical Economics. Em outras palavras. J. embora esperem que eles obedeçam. Allen & Unwin. No nível societário. pp. pp. "Laissez-faire and State Intervention in 19thCentury Britain". consequências públicas adversas de seus próprios atos24. Por algum tempo. VIII. E. Muitos empreendedores ingleses antigos certamente rejeitam qualquer responsabilidade sobre seus empregados. várias reservas devem ser acrescentadas. 237-281. mas rejeita a responsabilidade sobre seus serviçais. enquanto estes exigem direitos iguais e se tornam intratáveis. e outros países 24. The Life and Times of Edwin Chadwick. .. É instrutivo contrastar essa declaração com a do líder nacionalista italiano Mazzini: "Sem País. Beer. Essa conexão é obscurecida pela separação marxista desses movimentos e pelo fato de que a primazia da Inglaterra como potência mundial tornou desnecessária à classe inferior inglesa a pretensão de pertencer. Contudo. apenas um adulto masculino em sete deva ter um voto.] Não se deixem levar pela ideia de melhorar suas condições materiais sem primeiro resolver a questão nacional. Ver a seguinte declaração.] Hoje [. num país em que as artes e as ciências alcançaram tal nível. Na maior parte do século XIX. Mas uma compreensão de um caso tão singular como esse é importante no estudo comparativo da mudança social e política. combinando a primazia industrial com a política. não se tem nome. [.. que explica o primeiro enquanto ignora o segundo.] Não se iludam com a esperança de emancipação das condições sociais injustas se não conquistarem primeiro um País para vocês. a Inglaterra permaneceu na vanguarda. proferido em 1837: "Parece-me uma anomalia que.. em contraste com Marx. como resultado dessas e das condições a elas relacionadas. extraída de um discurso do líder cartista Hartwell.] vocês não 107 . habilidade e esforços do artesão. [. Mas. [. London. A History ofBritish Socialism. ou quando a comunidade que a possui está tão "atrasada" em comparação com países democrática e industrialmente adiantados que deve ser reconstituída antes que a demanda por "cidadania plena" se torne de algum modo significativa? Não é uma ideia nova sugerir que o protesto da classe baixa pode progredir de uma demanda por cidadania plena dentro da comunidade política prevalecente para uma demanda por uma mudança dessa comunidade. mais do que como consequência de guerra ou revolução. sabemos que. o excepcional desenvolvimento da 25. símbolo. pp. perguntamos: O que acontece quando um país não possui uma comunidade política viável. Allen & Unwin. 1948.. no sentido de que ambas visam de maneiras diferentes à integração política das massas anteriormente excluídas da participação. a uma comunidade política nacional25. 25-26. II. pois indiretamente ele pode apontar o que muitos dos outros "casos" têm em comum.. como faz Marx. embora essa ideia seja compatível com a teoria de Marx relativa a um avanço da parada da máquina para uma ação política.. por meio de uma redefinição gradual de direitos e obrigações.. especialmente pela diligência. Citado em M. na qual finalmente foi permitido ao crescente "quarto Estado" participar. que em tal país as classes trabalhadoras devam ser excluídas do seio da vida política". Há uma conexão muito estreita entre agitação nacionalista e socialista. em matéria de auto-respeito. a fim de tornar possível a plena cidadania. Quando comparamos os industriais retardatários com a Inglaterra e os democratas retardatários com a França. Essa mudança de ênfase nos ajuda a ver ao mesmo tempo dois movimentos de massa do século XIX — o socialismo e o nacionalismo —. voz..TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII emprestavam-nas dela. deve-se notar que eu enfatizo a alienação da comunidade política mais do que a alienação que resulta de "insatisfações criativas". nem direitos.. ela possuía uma comunidade política nacional. Retrospectivamente. e nesse sentido participantes na comunidade política. caps. Uma abordagem alternativa que enfatiza a autonomia parcial. The Dutics ofMan and Otlicr Essays. ele vê nas massas um anseio fundamental por satisfações criativas numa boa sociedade. E. Mas mantenho que a distribuição e redistribuição de direitos e deveres não são meros subprodutos de tais forças. enquanto outras foram incapazes de fazê-lo e. elas se tornaram cidadãos. 47-50. A "era da revolução democrática" estende-se dessa época ao presente. New York. Mane considera os movimentos sociais do século XIX como protestos contra privações psíquicas e materiais que se acumularam como resultado do processo capitalista. op. como é discutida acima. são apenas frações dessa classe. Na Europa. cit. pelas concepções sobre o que a distribuição adequada na comunidade nacional deveria ser. as massas populares eram inteiramente excluídas do exercício dos direitos públicos. a crescente consciência da classe trabalhadora expressa acima de tudo uma experiência de alienação política. Antes dessa época. que trata a política e o governo como variáveis dependentes da mudança da organização de produção. bem como a interdependência do governo e da sociedade está contida na obra de Max Weber. que elas são vitalmente afetadas pela posição internacional do país. sem enfrentar a relativa autonomia das ações governamentais nem a existência contínua das comunidades políticas nacionais. 26. Esta abordagem difere do marxismo. o século XVIII aparece como um importante hiato na história da Europa ocidental. A abordagem aqui proposta não é uma mera inversão da teoria marxista. 108 . pp. Quando se assume esta opinião. desde então.RE1NHARD BENDIX Inglaterra serviu aos teóricos sociais durante um século como modelo que os outros países presumivelmente seguiam. um senso de não ter uma posição reconhecida na são a classe trabalhadora da Itália. a reciprocidade de direitos e deveres é gradualmente estendida e redefinida. nas pp. Ver uma análise crítica desse reducionismo em Wolin..] Sua emancipação não pode ter nenhum começo prático até que o Governo Nacional [seja fundado]". É bem verdade que esse processo foi afetado a todo momento por forças que emanavam da estrutura da sociedade. isto é. 1912. Minha tese está de acordo com a ênfase dada por Tocqueville à reciprocidade dê direitos e obrigações como uma marca da comunidade política. Ela também difere da abordagem sociológica da política e das instituições formais. o problema das classes inferiores num Estado-nação moderno consiste nos processos políticos através dos quais. e defino seu caráter em termos do contraste entre uma comunidade política pré-moderna e uma comunidade política moderna. sofreram vários tipos de levantes revolucionários. [. 53-54. Dutton. que constrói a primeira como meros subprodutos de interações entre indivíduos e as segundas como uma "carapaça superficial". dentro da qual essas interações fornecem a chave para uma compreensão realista da vida social.. ao nível da comunidade nacional. consequentemente. Interpreto esses movimentos de protesto como políticos. algumas sociedades universalizaram pacificamente a cidadania. Ver Joseph Mazzini. e pelo "toma-lá-dá-cá" na luta política26. Durante esse período. 9 e 10. Assim concebido. P.. 29. temos então uma chave para o declínio do socialismo. 1962. que preenchessem certos requisitos residenciais 709 . The Status Evolution of Italian Workers. A seção seguinte deste capítulo analisa essa institucionalização numa base comparativa. no qual essa relação 27. e Samuel Surace. Adaptei o ensaio original mantendo-o de acordo com os propósitos deste volume. Noruega. O estudo de Guenther Roth do "Isolamento da Classe Trabalhadora e a Integração Nacional" na Alemanha imperial foi citado anteriormente. ou de não ter uma comunidade cívica na qual participar. abril 1960. Department of Sociology. Stein Rokkan. "Social Security. Ver nessa conexão a expressão de aborrecimento de Engels em relação à arraigada "respeitabilidade" dos trabalhadores ingleses e seus líderes. até certo ponto. A questão de quais setores das "classes inferiores" desenvolvem a capacidade para a ação conjunta e sob que circunstâncias isso ocorre permanece em aberto. Embora. do mesmo autor.R. exigindo o direito de participação em termos de igualdade na comunidade política do Estado-nação21*. 1860-1914. como todos os adultos acima de 21 anos.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII comunidade cívica. A seção subsequente foi escrita juntamente com o Dr. Ver também GastonRimlinger.S. Pois a posição cívica dessas classes não é mais uma questão preeminente em sociedades nas quais a igualdade de cidadania foi institucionalizada com êxito. A Extensão da Cidadania às Classes Inferiores2' Elementos de cidadania No Estado-nação cada cidadão encontra-se numa relação direta com a autoridade soberana do país. Berkeley. reflete uma mentalidade conservadora. 1961. em contraste com o Estado medieval. and the U. portanto. uma resposta ao protesto ou o resultado do protesto antecipado. Pelo fato de a participação política popular ter-se tornado possível pela primeira vez na história europeia. do Christian Michelsen Institute. Incentives and Controls in the U. nov. cit. 28. Mais do que comprometer-se com uma busca de uma nova ordem social. Comparative Studics in Socicty andHistory. de 7 de dezembro de 1889. tese de doutorado. 329-343. ou mulheres ou adultos que tivessem posses especificadas.. a extensão de cidadania ocorreu com referência a grupos ampla e abstratamente definidos. A perspectiva apresentada acima foi desenvolvida por alguns de meus antigos alunos. "The Legitímationof Protest: A Comparative Study in Labor History". p. loc. Bergen. II. as massas recentemente politizadas protestam contra sua cidadania de segunda classe. em sua carta a Sorge.S.". mesmo onde conduz à violência contra pessoas e propriedade27. o protesto da classe baixa contra a ordem social confia (pelo menos no início) em códigos de comportamento prevalecentes e. 104-124.S. pp. 495. Se esta é uma avaliação correta dos mal-articulados impulsos e anseios característicos de muitas agitações populares entre as classes baixas na Europa ocidental. em Ausgewáhltc Briefe. pp. IV. University of Califórnia. As formulações subsequentes enfatizarão o sentido classificatório no qual o termo "classes inferiores" é usado. renda baixa. L.\'HARD BESDIX direta é desfrutada apenas pelos grandes homens do reino. a Revolução Francesa também fez avançar o princípio plebiscitário. um elemento essencial da construção da nação é a codificação dos direitos e deveres de todos os adultos que são classificados como cidadãos. 1960. todos os adultos serem classificados como cidadãos. Tubingen. e que por causa dessas incapacidades são convencionalmente consideradas "pertencentes" às classes interiores. Praeger. Cadernos 219-220 de Rccht und Staat. autoridade nacional31. Frederick A. de modo que todos os cidadãos como indivíduos possuem direitos iguais perante o soberano. pp. Na sociedade medieval. Vandenhoeck & Ruprecht. contudo. em Staat und Vcrfassung. ele abrange ambas as coisas. C. O primeiro. Por outro lado. The Origins of Totalitarian Dcmocracy. New York. Ver "Weltgeschichtliche Vorbedingungen der Reprasentativverfassung". Aqui a função refere-se genericamente a todo tipo de atividade considerada apropriada ao Estado. Gõttingen. Cabe acrescentar uma palavra a respeito dos dois adjetivos "funcional" e "plebiscitário". Na Europa ocidental.). A referência aqui é ao grupo classificatório maior de todos aqueles (incluindo as "classes baixas") que foram excluídos de qualquer participação direta ou indireta nos processos de tomada de decisão política da comunidade. que os anciãos ou o grande mestre de uma guilda a representem numa assembleia municipal. por exemplo. a posição e as funções apropriadas dos grupos constituintes são fixadas etc. A integração gradual da comunidade nacional desde a Revolução Francesa reflete essas tradições sempre que a extensão da cidadania é discutida em termos do "quarto Estado". observações de comportamento e mandatos éticos daquilo que é considerado apropriado. Dic rcprâscntativc und dic plebiszitãrc Komponcntc im dcmokratischen Vcrfassungsstaat. Por conseguinte. Mohr.REI. na qual se considera apropriado. Talmon. pouco prestígio. 31. 1962. A ideologia do plebiscitarianismo é documentada em J. A questão é o quão exclusiva ou inclusivamente o cidadão é definido. 140-185. Usado de maneira mais ampla. Como tal. Esses dois modelos foram analisados em termos da distinção entre o princípio representativo e o plebiscitário por Ernst Fraenkel. finalmente. B. Tais grupos abrangem muitas pessoas além daquelas que têm poucas posses. De acordo com esse princípio. o termo "função" designa atividades ou direitos e deveres específicos de grupos. Durante o século XIX. a cidadania a princípio exclui todas as pessoas social e economicamente dependentes. 30. J. essa restrição maciça é gradualmente reduzida até. isto é. À parte algumas excecões notáveis. essa extensão da cidadania nacional é mantida isolada do resto do mundo pelas tradições comuns do Stãndestaat™. 1958. A expressão "representação funcional" deriva da estrutura política medieval. implica teorias muito diferentes de sociedade. todos os poderes que intervêm entre o indivíduo e o Estado devem ser destruídos (como Estados. A tal ponto que o historiador Otto Hintze nega o desenvolvimento nativo do constitucionalismo em qualquer outro lugar. corporações etc. 110 . em termos de extensão do princípio de representação funcional àqueles previamente excluídos da cidadania. para a salvaguarda dos direitos civis e. Nas sociedades ocidentais modernas. Inc. de acordo com os padrões prevalecentes na sociedade"32. A fim de examinar esse desenvolvimento comparativamente.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII numa ordem hierárquica. Garden City. a doença. Doubleday & Co. para possibilitar a todos os membros da comunidade receberem pelo menos os elementos básicos de uma educação. 1964. e o direito à justiça". T. pensamento e fé. • Direitos políticos tais como o direito de voto e o direito ao acesso a cargo público. O termo "plebiscito" refere-se ao voto direto numa questão pública importante por todos os eleitores qualificados de uma comunidade. os vários direitos de cidadania devem ser distinguidos e analisados. quanto maior o número de pessoas que se encontram numa relação direta com a autoridade pública. tanto menores as qualificações estipuladas para os eleitores e. para garantir um mínimo de proteção contra a pobreza. para a proteção de todos os direitos extensivos aos membros menos articulados da comunidade nacional.. • Os corpos representativos locais e nacionais como vias de acesso à participação na tomada de decisão e na legislação. pp. portanto. O ensaio referido foi reeditado em T. New York. Em seu estudo Citizenship and Social Class. 71-72. O sentido específico de ambos os princípios varia naturalmente com as definições de atividades específicas de grupo e a extensão e qualificações de membro da comunidade. o direito à propriedade e a concluir contratos válidos. 111 . exceto nos casos em que conotações medievais subsistem. tanto maior será o conflito entre o princípio plebiscitário e o funcional. Várias acomodações entre o princípio funcional e plebiscitário caracterizaram a sequência de decretos-leis e codificações por meio dos quais a cidadania se tornou nacional em muitos países da Europa ocidental. especificamente. liberdade de palavra. Marshall formula uma tipologia de direitos tripartite: • Direitos civis como "liberdade pessoal. Quatro grupos de instituições públicas correspondem a esses três tipos de direitos: r\ • • Os tribunais. e outros infortúnios. • Direitos sociais que vão do "direito ao bem-estar económico e à segurança mínimos ao direito de participar inteiramente na herança social e a viver a vida de um ser civilizado. Class. Citizenship and Social Dcvclopmcnt. Marshall. e as escolas. • Os serviços sociais. Quanto maior a comunidade. H. A discussão que se segue deve muito à análise do professor Marshall. 32. H.. essa visão antiga foi substituída por conceitos de função de grupo que pressupõem o ideal de igualdade. Ademais. em 1899: "Nossos códigos de lei privada não contêm uma única cláusula que atribua ao indivíduo mesmo aqueles benefícios e serviços que são indispensáveis à manutenção de sua existência"35. W. Hedemann. Tocqueville e outros apontam que na sociedade medieval muitas pessoas dependentes eram protegidas de alguma maneira contra as dificuldades da vida pelo costume e pela benevolência paternal. New York. pp. 1910 e 1935. 1953. Vintage Books. Vandenhoeck & Ruprecht. Cada homem possui agora o direito de agir como uma unidade independente. 197-216 e passim. 772 . Das Naturrccht und die europàischc Privatrechtsgeschichte. ver J. 33. Graveson. A igualdade legal avança à custa da protecão legal de privilégios herdados. no sentido de que os poderes legais estão garantidos. Halbing & Lichtenhahn. contudo. The Athlone Press. Alexis de Tocqueville. 1954. 34. facilita o divórcio e legaliza o casamento civil33. adquirir e dispor da propriedade. o preconceito de classe e as desigualdades económicas prontamente excluem a grande maioria da classe baixa do gozo de seus direitos legais. Nesse sentido. Consequentemente. Um breve apanhado do pano de fundo e da extensão desses desenvolvimentos na Europa encontra-se em Hans Thieme. 14-32. 35. Privatrechtsgeschichte der Nèuzeit. A nova liberdade do contrato salarial destruiu rapidamente toda e qualquer protecão desse tipo que existia anteriormente34. tais direitos de cidadania emergem com o estabelecimento de direitos iguais perante a lei. Ver R. esse ganho de igualdade legal subsiste ao lado da desigualdade social e económica. silenciando sobre sua habilidade de usá-la. embora às custas da subserviência pessoal. Suíça e França. II. Die Fortschrittc dês Zivilrcchts im 19.Anlon Menger. Pelo menos durante algum tempo. H. pp. Democracy in America. Jahrhundcrt. Um tratamento mais abrangente encontra-se em Franz Wieacker. na ausência de qualquer tentativa de assistir o indivíduo em seu uso desses poderes. circunscreve a extensão do direito dos pais. O indivíduo é livre para concluir contratos válidos. conseqiientemente. 1952. nenhuma nova protecão foi instituída no lugar das antigas. 187-190. London. a lei apenas define sua capacidade legal. pp. 3-4. pp. Entretanto. 1954. a igualdade da cidadania e as desigualdades de classe social desenvolvem-se juntas. Como observou Anton Menger. Macmillan and Co. O direito do indivíduo de afirmar e defender suas liberdades civis básicas em termos de igualdade com os outros e pelo devido processo legal é formal. 2 vols.REINHARD BENDIX Inicialmente. Basel.. Cari Heymanns Verlag. Sobre detalhes desses desenvolvimentos legais na Alemanha. dando um significado libertário positivo ao reconhecimento legal da individualidade. 1899. Berlin. Status in thc Common Law. estrangeiros e judeus. a extensão dos direitos civis beneficia os setores inarticulados da população. os direitos civis são estendidos aos filhos ilegítimos. London. Gõttingen. o princípio de igualdade legal ajuda a eliminar a servidão hereditária. Thc Right to thc Whole Producí of Labor. esp. Áustria. iguala a posição de marido e mulher. Cari Winter Universitãtsbuchhandlung. e conduz ao prolongado conflito entre o positivismo legal e a doutrina da lei natural. onde os recursos legislativos são usados tanto para proteger a liberdade do contrato individual como para negar às classes baixas os direitos de recorrer por sua vez à mesma liberdade (isto é. as primeiras leis de segurança dos operários procurem proteger mulheres e crianças. Desse modo. A respeito de uma análise crítica do Código Civil alemão de 1888 —. Essa perspectiva omite o interesse auto-sustentado na legalidade formal que é obra de profissionais legais. todos os adultos do sexo masculino são cidadãos porque têm o poder de engajar-se no esforço económico e cuidar de si mesmos. bem como um interesse em demolir restrições familiares na liberdade de ação económica. mas pelo estabelecimento dos direitos sociais e políticos igualmente. Darmstaedter. aqueles que são definidos legalmente como desiguais. Essa agitação é política desde o início. A igualdade não é mais procurada por meio da liberdade de contrato apenas. eles insistem que. uma base para a agitação. Esses debates giram em torno dos tipos e graus de desigualdade ou insegurança que podem ser considerados intoleráveis e os métodos que devem ser usados para aliviá-los. o direito de associação).TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII A justaposição da igualdade legal e das desigualdades sociais e económicas inspiraram os grandes debates políticos que acompanham a construção da nação da Europa no século XIX. para permanecer legítimo. que na época não são considerados cidadãos no sentido da igualdade legal36. mais esporadicamente. desse modo. os ataques sobre a desigualdade se ampliam necessariamente. Pelo mesmo critério. Os Estados-nacões da Europa ocidental podem recordar histórias mais longas ou mais curtas das acões legislativas e decisões administrativas que aumentaram a igualdade dos súditos dos diferentes estratos da população 36. muito em breve. H. 1930. Cambridge. Harvard University Press. 52-84. Ver também a esclarecedora discussão desse ponto em Fr. Tendo obtido reconhecimento legal para o exercício de direitos individuais. O livro foi publicado originalmente ern 1890. Tubingen. 1908. Os porta-vozes de uma posição de laissezfaire consistente procuram responder a essa questão dentro da estrutura dos direitos civis formais. fornecendo. foram presumivelmente a razão pela qual a proteção foi estendida primeiramente aos setores mais desarticulados da "classe baixa". O igualitarismo ideológico. Laupp'sche Buchhandlung. É coerente com essa posição que. enquanto toda uma carga de rápida mudança económica cai sobre o "pobre trabalhador". pp. pp. na maioria dos países europeus. são excluídos de qualquer pretensão legítima à proteção. o governo deve ser fiel à ordem jurídica. ver Anton Menger. Um dos primeiros resultados da proteção legislativa da liberdade de contrato é a proibição legislativa dos sindicatos. Ver a esse respeito a análise de Max Weber. 1954. exclusivamente em termos dos interesses económicos a qae serviriam suas disposições. direitos formalmente garantidos beneficiam o afortunado e. Dic Grenzen der Wirksamkeit dês Rcchtsstaates. 113 . Heidelberg. Conseqúentemente. 284-321. Law in Economy and Socicty. Das búrgcrliche Rccht und dic besitzlosen VolksiiasseiL. Porém. por trás de cada extensão de direitos além dos estratos dos privilegiados tradicionalmente. mas também obscureceria o processo global da construção da nação. As decisões sobre o direito de formar associações e sobre o direito de receber um mínimo de educação formal são básicas. pp. os desenvolvimentos dos vários países europeus também constituem a transformação desde as sociedades patrimoniais do século XVIII até o Estado de bem-estar do século XX. Um estudo comparativo dessa transformação do ponto de vista da cidadania nacional parecerá inevitavelmente abstrato se for justaposto à cronologia específica e à análise detalhada dos sucessivos decretos legislativos em cada país. o status legal dos cidadãos envolve direitos e deveres que não podem ser voluntariamente mudados sem a intervenção do Estado. A extensão de vários direitos às classes baixas constitui um desenvolvimento característico de cada país. pois esses direitos estabelecem a plata- 37. 114 .REINHARD BESDIX em termos de sua capacidade legal e de seu status legal5".. apenas uma consideração incidental é dada às fases inicial e final nesse processo de mudança: o colapso das sociedades patrimoniais através da extensão dos direitos civis e a codificação e implementação finais dos direitos ao bem-estar em nossas sociedades "de consumo de massa" modernas. e quais os passos sucessivos que conduziram finalmente à extensão dos direitos de cidadania. Ela sublinharia. quais alternativas políticas estavam em estudo. negociações e manobras. portanto. op. Por outro lado. A discussão que se segue limita-se a um aspecto da construção da nação europeia ocidental: a entrada das classes inferiores na arena da política nacional. Quando todos os cidadãos adultos são iguais perante a lei e livres para dar seu voto. o exercício desses direitos depende da habilidade e disposição de uma pesssoa para usar os poderes legais a que tem direito. São consideradas apenas as políticas que têm relevância imediata para os movimentos das classes baixas que procuram ingressar na política nacional38. representam um processo genuinamente comparável na Europa dos séculos XIX e XX. portanto. Conseqiientemente. Pelo fato de serem considerados em conjunto. Uma discussão da distinção conceituai entre a capacidade como "o poder legal de fazer" e o status como "o estado legal de ser" encontra-se em Graveson. os decretos legislativos estenderam os direitos de cidadania às classes baixas e. Uma análise completa poderia esclarecer cada passo ao longo do caminho. como a questão da posição cívica das classes baixas era enfrentada ou burlada em cada país. 55-57. Uma consideração detalhada de cada um desses desenvolvimentos notaria o considerável grau com que os decretos-leis são negados ou violados na prática. Contudo. 38. considerados cumulativamente e a longo prazo. esse estudo terá a vantagem de enfatizar a verdade que. Para cada Estado-nação e para cada conjunto de instituições podemos apontar com exatidão cronologias das medidas públicas tomadas e traçar as sequências de pressões e contrapressões. aí. London. p. que resolveram. Um direito civil básico: o direito de associação e de reunião Os direitos civis são essenciais a uma economia de mercado competitiva. a extensão desses direitos é indicativa do que se pode chamar de incorporação cívica das classes baixas. p. No presente contexto. tomando conhecimento apenas de pessoas que possuem os meios de proteger-se a si mesmas. King & Son. 11. 1928. Holanda). Em seguida. P. No conjunto. por causa da negociação com seus empregadores. ILO Studies and Reports. 28. a negação do direito de reunião deu origem a dificuldades conceituais e políticas desde o início. Marshall. Outras referências a essa obra de 5 volumes serão dadas no formulário ILO Rcport. op. a lei efetivamente concede direitos civis àquelas que possuem propriedade ou que asseguraram fontes de renda. que incluem a liberdade de juntar-se a outras pessoas na busca de legítimos objetivos privados. os direitos de participação reais são analisados em termos da extensão do direito de voto e das disposições para o voto secreto. pensamento. Mas. Frccdom of Associarions. que fundamenta o reconhecimento legal e ideológico do indivíduo independente. Com base nessa igualdade legal formal. Itálicos acrescentados por mim. o poder de se engajar como uma unidade independente no esforço económico"3''. uma vez que são formalmente autorizadas a participar na política. porque "dão a cada homem. Series A. mas também à liberdade de palavra. S. 115 . Contudo. de julho de 1791. Ver a declaração de Lê Chapelier. a ilustração mais relevante dessa consequência é a insistência da lei de que o contrato salarial é um contrato entre iguais. Tais liberdades baseiam-se no direito de associação — um princípio legal aceito em vários países europeus (França. é muitas vezes a causa direta das acentuadas desigualdades.. 40. no entanto. que o empregador e o trabalhador são igualmente capazes de salvaguardar seus interesses.. Bélgica. como é citada no International Labour Office. 87. cit.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII forma para a entrada das classes baixas e condicionam as estratégias e atividades dos movimentos das classes baixas. O princípio abstraio de igualdade. com o número e páginas citadas. em muitos países europeus negou-se aos trabalhadores o direito de reunião. e confissão. Todas as outras permanecem condenadas por seu fracasso no esforço económico. Os direitos civis referem-se não só aos direitos de propriedade e contrato. n. como parte de seu status individual. autor da lei francesa qoe proibia os sindicatos. Essas proibições legais distin30. proibir aos trabalhadores o direito de reunião. de acordo com as opiniões prevalecentes do início do século XIX. Inglaterra. Sustentava-se que as condições de trabalho devem ser fixadas por acordos alcançados livremente entre um indivíduo e outro4". Havia diferenças ali também nos vários esforços para enfrentar o crescente desgoverno dos artífices e trabalhadores agrícolas. que estavam florescendo em resposta às ideias e acontecimentos da Revolução Francesa (tal legislação era usada contra as reuniões de trabalhadores igualmente). que era semelhante em muitos países europeus. Consequentemente. entretanto. Uma proibição específica da última ocorreu na Prússia apenas nos anos de 1840. em todos os países. culturais. Essa proibição era dirigida principalmente contra os maçons livres e outras formas primitivas de organizações quase políticas. as políticas tradicionais tiveram mais êxito. com sua ideologia patrimonial. O governo podia tentar usar uma extensão dos dispositivos tradicionais. Essa abordagem funcionou temporariamente na Inglaterra. onde. que eram proibidas. os controles absolutistas tradicionais sobre as associações de artífices foram estendidas a uma proibição geral de todas as "assembleias secretas". Eles experimentaram uma notável proliferação de associações religiosas. mas diminuiu a distinção entre associações. que eram permitidas. Nos países escandinavos e na Suíça. como no Código Civil prussiano de 1794. e reuniões de trabalhadores. os decretos particularizavam trabalhadores de várias condições. tal proibição teria violado o amplamente aceito direito de associação. Esses países permaneceram predominantemente agrícolas até tarde no século XIX. Tais reservas não prevaleceram na Prússia e na Áustria. Decretos estatutários foram usados para regulamentar as relações entre amos e servos e para controlar a tendência dos amos e artífices a se reunirem. Para entender esse contraste. devemos recordar a abordagem tradicional do relacionamento amo-servo. Mas nenhum desses países foi tão longe quanto a Inglaterra na decretação de uma legislação proibitiva especial destinada a aniquilar mais do que a moderar as reuniões dos trabalhadores. mediante regulamentos especiais a fim de "preservar" o princípio de igualdade formal perante a lei. Excetuando-se alguns casos de conflitos violentos. económicas e políticas que acompanharam o declínio da sociedade de Estado. contudo. do direito de formar associações religiosas ou políticas na medida em que as associações não especificamente proibidas por lei eram legais. 776 . seus governos pouco ou nada fizeram para restringir nem para legalizar essas atividades. Tal regulamentação ganhou importância à medida que as organizações corporativas declinaram. Nesse cenário tradicional. embora as regulamentações governamentais tivessem se tornado muitas vezes ineficazes pelos novos problemas que se originaram no acelerado desenvolvimento económico. Os esforços para enfrentar esses novos problemas podiam tomar várias formas. no interesse dos preços ou salários crescentes.RE/NHARD BEND1X guiam-se. no final do século XVIII. A distinção entre associação e reunião não era feita. por meio da qual se podia resistir à proibição dos sindicatos. O direito de associação permitia a agitação política. depois de todas as assembleias secretas. um conceito que certamente contribui para um reforço estatutário dos arranjos existentes. embora essa destruição pudesse ser igualmente radical sob o patrocínio plebiscitário. os vários países da Europa ocidental responderam com três tipos de políticas muito distintas.mantendo a política do absolutismo esclarecido que procura regular todas as fases da vida social e económica. Quando o declínio do sistema de guilda e o crescente progresso do desenvolvimento económico sugeriram a necessidade de novas regulamentações das relações patrão-empregado e das associações de artífices. o absolutista. Na Itália e na Espanha. e finalmente das recém-formadas reuniões de trabalhadores . na medida em que o rei destrói todos os poderes que se interpõem entre ele mesmo e seus súditos. que tiveram em grande parte o mesmo efeito geral sobre as reuniões dos trabalhadores. a manutenção a longo prazo da distinção hostil entre associações e reuniões mostrou-se difícil. Finalmente. Numa forma modificada. Essa abordagem absolutista pode ser considerada junto com políticas análogas em outros lugares. Embora a Lei de 1824 que repelia as leis anti-reuniões não fosse efetiva. na Inglaterra. porque os empregadores não apresentavam queixas e os magistrados não agiam na ausência de uma queixa. O tipo escandinavo e suíço continuou a tradicional organização dos ofícios no período moderno. é exemplificado pela proibição prussiana primeiro das associações de trabalhadores. Vimos que essas medidas repressivas precisam ser comparadas com aquelas outras nas quais as violações ficaram impunes. preservando o direito de associação. e ao mesmo tempo estendendo o regulamento estatutário das relações entre patrão e empregado e das associações de artífices a fim de enfrentar os novos problemas. O segundo tipo. a política liberal exemplificada pela Inglaterra passou da antiga regulamentação das guildas e do relacionamento patrão-empregado para uma política que combinava a proibição específica das reuniões dos trabalhadores com a preservação 777 . Esse tipo representa uma importante ruptura com a tradição de liberdade como um privilégio jurídico. Havia ali ampla evidência de que o governo absolutista e o governo plebiscitário eram compatíveis entre si. Finalmente. essa variante representa o conceito medieval de liberdade como um privilégio. e dificilmente requeriam dispositivos legislativos específicos para assegurar sua implementação. Na França. sua antiga passagem é uma prova de oposição à desagradável continuação das reuniões de trabalhadores. por outro lado. as restrições da atividade associativa eram tradicionais e locais. e essa tendência a restringir todas as associações foi fortalecida ainda mais na época de Napoleão.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII embora na Áustria já tivesse ocorrido em 1803. a tradição plebiscitaria de relações diretas entre Estado e cidadão levaram à promulgação da famosaLoi Lê Chapelier em 1791. 76 anos. representa um limite na metade do caminho entre a preservação do direito de associação (como era compreendido na estrutura pré-moderna da Europa) e a negação completa do direito de associação. as associações privadas exemplificam o princípio funcional de representação com base nos interesses comuns. e a decisão final de aceitar os sindicatos. Não aprofundaremos a questão da continuidade ou descontinuidade entre corporações medievais e modernas. Os primeiros atos de repressão obscureceram inevitavelmente a distinção entre uma mera extensão de regulamentos tradicionais e uma nova e mais severa proibição que individualizava a classe trabalhadora recentemente emergente. 105 ou 124 anos. por exemplo. Sempre que todos os cidadãos possuem esse direito. Assim. O direito legal de formar associações combina o princípio plebiscitário com o funcional. que gozavam coletivamente do privilégio de exercer certos direitos públicos em troca de uma responsabilidade legal comum. um problema tratado extensamente nos escritos de Figgis. Gierke. o liberalismo. Maitland e outros. Países do primeiro tipo caracterizavam-se por histórias de repressão relativamente insignificantes. enquanto uma grande maioria permanece "desorganizada".REI. e na Prússia/Alemanha. temos um exemplo de plebiscitarianismo no sentido formal de que todos gozam da mesma capacidade legal para agir. esse intervalo compreendeu 49 anos. É também difícil datar precisamente a legislação final dos sindicatos. nos Estados-nações em desenvolvimento da Europa ocidental.VHARD BESD1X do direito de associação em outros aspectos. com sua hostil distinção entre associação e reunião. 118 . Contudo. Podemos comparar os países em termos desse intervalo entre as primeiras medidas decisivas. na Inglaterra. na maioria dos casos. Em seu argumento contra as 41. enquanto os países dos outros dois tipos suprimiram as reuniões dos trabalhadores por proibição expressa ou por severas regulamentações estatutárias por períodos que vão de 75 a 120 anos. Mas a datação desses intervalos é problemática. essas dificuldades de datação não invalidam a aproximada tipologia tripartite das políticas que guiaram a extensão do direito de associação às classes inferiores na Europa ocidental. tal legislação ocorreu gradualmente. pois. conforme consideremos 1899 ou 1918 como a data mais apropriada para o reconhecimento legal dos sindicatos. tomadas para reprimir tendências às reuniões dos trabalhadores. Na Dinamarca. que era uma excrescência do absolutismo e uma oposição plebiscitaria aos poderes independentes dos Estados e corporações. Todavia. na prática. Portanto. apenas alguns grupos de cidadãos usufruem essa vantagem. em contraste com os Estados medievais. Logo foi reconhecido que as organizações baseadas em interesses económicos comuns perpetuariam ou restabeleceriam princípios corporativos análogos àqueles do período medieval41. p. nem apartá-lo do bem-estar público por intermédio de interesses corporativos42. separando as esferas legais dos acionistas e funcionários da esfera legal da própria organização43. Os editores acrescentaram referências à extensa literatura nesse campo.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII sociedades de benefício mútuo. Mas quando conluios e associações parciais são formados às expensas da grande associação. Uma crescente economia de câmbio. são igualmente responsáveis pelos desenvolvimentos legais que a solapam. New York. portanto. Essa questão é parcialmente respondida atribuindo-sc "personalidade jurídica" a organizações como firmas comerciais e. suficientemente informadas. Mas que não haja erro nessa questão. 26-27.] Não se deve permitir que os cidadãos em certas ocupações se reunam na defesa de seus pretensos interesses comuns. a partir desse momento. 89. que são parcialmente responsáveis por essa posição. da maior importância. 1957. É. não tiverem mantido nenhuma comunicação entre elas. pp. Pois as tendências individualistas da esfera económica. mas um grande dissidente autoritário.]". A incorporação estabelece a responsabilidade legal separada da organização. as pessoas. The Social Conlract. portanto. Lê Chapelier expressa essa opinião em seu discurso de 1791 perante a Assembleia Constituinte. com sua rápida diversificação de transações. A declaração de Lê Chapelier reflete o princípio enunciado por Rousseau: "Se.. Embora a "responsabilidade limitada" tenha sido denunciada a certa altura como uma infracão da responsabilidade individual. dá origem à questão de como o significado legal de cada transação pode ser determinado inequivocamente. Ver Jean-Jacques Rousseau. interesses maci42. Finalmente. Não deve mais haver guildas no Estado. mas apenas o interesse individual de cada cidadão e o interesse geral. limitando assim a responsabilidade de seus membros ou agentes individuais. a panir do grande total de diferenças superficiais. n. Hafner Publishing Company. elas produzem um resultado menos geral. que nenhuma sociedade parcial seja formada no Estado. e que cada cidadão expresse sua opinião inteiramente por si mesmo [.. não se tem mais a soma de muitas opiniões que diferem até certo ponto umas das outras. para obter a expressão da vontade geral.. a vontade de cada uma dessas associações. 156-157 e ss. É do interesse da nação e dos funcionários públicos fornecer trabalho aos que dele necessitam para seu sustento e socorrer os doentes [. não há mais uma vontade geral.. é privada em relação ao Estado: não se pode mais dizer que há tantos eleitores quantos forem os homens. embora geral cm relação a seus membros. Law in Economy andSociety. o [total] geral sempre dará bom resultado. Desse modo. ao deliberar. ao qual se fez referência anteriormente: As corporações em questão têm o objetivo confesso de obter assistência para os trabalhadores na mesma ocupação onde adoecem ou ficam desempregados. sendo as diferenças menos numerosas. 43. quando uma dessas associações se torna tão grande que prevalece sobre todo o resto. 29. É difícil manter de modo coerente essa posição radicalmente plebiscitaria que não tolera a organização de nenhum "interesse intermediário". 119 . Webcr. Não se permitirá a ninguém despertar em nenhum cidadão nenhuma espécie de interesse intermediário. e suas resoluções serão sempre boas. mas apenas tantas quantas forem as associações. pp. Citado em ILO Rcport. e a opinião predominante é apenas individual. 93-94. p. a empresa desempenha uma função representativa. os sindicatos: [. cit.]45 Se tomarmos como ponto de partida a proibição ou a severa restrição de reuniões. exercer os direitos civis vitais coletivamente em nome de seus membros. que é frequentemente composta por outros grupos incorporados bem como por indivíduos. Como Marshall observa.. conceitos como "curadoria incorporada". Marshall. o desenvolvimento dos sindicatos também exemplifica o movimento dos direitos civis que vai da representação de indivíduos para a de comunidades. Ela representa uma primeira limitação daquele individualismo radical que apoia a igualdade estritamente formal perante a lei e se opõe à formação de "interesses intermediários". A incorporação é a mais importante brecha na posição estritamente plebiscitaria.. sem responsabilidade coletiva formal.. Por intermédio de seus funcionários. 94. Os sindicatos procuram levantar a posição económica de seus membros. no sentido de que toma decisões e assume responsabilidades para a coletividade de seus investidores. 120 . Podem. Marshall afirma que no campo dos direitos civis "o movimento foi [. Os trabalhadores organizam-se a fim de atingir o nível de recompensa económica ao qual sentem ter 44. Idcm.. essa função representativa da corporação limitava-se a objetivos económicos. 93. e as objeções baseadas no conceito de obrigação foram rapidamente superadas.. portanto.REINHARD BEND1X cos eram atendidos por esse novo artifício. 45. essa antiga restrição foi abandonada — um desenvolvimento cujo significado para a cidadania ainda precisa ser explorado.. op. nas últimas décadas. O dispositivo da incorporação e o princípio afim da responsabilidade limitada possibilitaram a uma empresa económica assumir riscos e maximizar ativos económicos em nome e em benefício de acionistas individuais. enquanto a responsabilidade individual dos trabalhadores em relação ao contrato é em larga medida inexequível [. o desenvolvimento das relações públicas e a participação política direta de muitas corporações grandes sugerem que. A discussão seguinte baseia-se na análise de Marshall nas pp. p. Durante a maior parte do século XIX. Contudo.] não procuraram nem obtiveram a incorporação. Essas considerações fornecem um fundamento útil para a compreensão da posição especial dos sindicatos. Essa representação coletiva dos interesses económicos dos membros surge da inabilidade dos trabalhadores de salvaguardar seus interesses individualmente.] não da representação de comunidades para a dos indivíduos [como na história do Parlamento].. mas sua tónica difere ligeiramente. mas da representação de indivíduos para a de comunidades"44. com efeito. Contudo. Desse modo. 94. obterem uma igualdade de poder de barganha que uma igualdade legal formal previamente imposta lhes negara. Tais privilégios são.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII direito — um nível que na prática depende da capacidade de organizar e de negociar "o que sustentará a negociação". por mais vantajosa e involuntariamente ela esteja muitas vezes relacionada com o fracasso de esforços para novos membros. o direito de reunião pode ser usado para reforçar as pretensões a uma participação na renda e nos benefícios às expensas do não-filiado e dos consumidores. Assim. a extensão da cidadania às classes baixas adquire o sentido especial de que. A própria eficácia de práticas exclusivas pelos sindicatos torna a filiação quase obrigatória. Desse modo. ou são impedidos de fazê-lo pelos expedientes exclusivistas ou neocorporativistas dos sindicatos estabelecidos. Ela permite aos membros das classes baixas se organizarem e. Em vez disso. para alcançar esse objetivo. o direito de reunião deu origem a um "enclave corporativista". Esses resultados práticos dos sindicatos têm um efeito de longo alcance na posição dos trabalhadores como cidadãos. arbitrar em favor de "reuniões". as oportunidades legais transformaram-se em privilégios disponíveis aos trabalhadores que querem ou têm capacidade para organizar-se a fim de aumentar seus interesses económicos. permitindo-lhes isenções legais sem as quais os grupos em desvantagem são incapazes de se organizar efetivamente. A legalização dos sindicatos é um exemplo da legislação habilitadora. os membros dessas classes têm "direito" a certo padrão de bem-estar. portanto. esta é uma medida da fraqueza das tendências corporativistas nas sociedades ocidentais modernas. como vimos. 121 . uma vez que o mesmo direito aplicado genericamente significaria que cada adulto pertence a uma organização representativa de sua ocupação. Num certo sentido. Por conseguinte. Pois. através dos sindicatos e da negociação coletiva. Idcm. em retribuição ao qual são obrigados apenas a cumprir os deveres comuns de cidadania. os direitos civis são aqui usados para habilitar as classes baixas a participar mais efetivamente do que de outro modo aconteceria na luta económica e política sobre a distribuição da renda nacional. Mas. fortalecidos por expedientes legais. p. por sua vez. torna-se necessário. Essa posição excepcional de alguns sindicatos não alterou o princípio de que os direitos 46. o direito de reunião é usado para afirmar "pretensões básicas aos elementos de justiça social"4'1. extralegais e ilegais para tornar a participação no sindicato obrigatória ou a não-participação muito custosa. o direito de reunião transforma-se num "privilégio daqueles organizados em sindicatos". como cidadãos. Em outras palavras. muitos membros das classes baixas ou não se valem das oportunidades que lhes são concedidas pela lei. há uma semelhança familiar entre o direito de todos os cidadãos de participar (através do direito do voto) nos processos decisórios do governo e o dever de todos os pais de providenciarem para que seus 47. 1960. Enquanto um grande contingente da população é desprovido de educação básica. É importante notar o elemento de acordo ou consenso que está na raiz da relação direta entre os órgãos centrais do Estado-nação e cada membro da comunidade. não permitirem ao indivíduo decidir se deve ou não tirar proveito de suas vantagens. Essa formulação deve-se à percepliva análise de Joseph Tussman.RE1NHARD BENDIX civis são facultativos mais do que obrigatórios. Os direitos sociais como um atributo da cidadania podem ser considerados benefícios que compensam o indivíduo por seu consentimento em ser governado pelas leis e pelos agentes de sua comunidade política nacional47. Em todas as sociedades ocidentais. descobrimos que esse princípio de igualdade plebiscitário antes do Estado-nação soberano envolve deveres. Como a regulamentação legislativa das condições de trabalho para mulheres e crianças. Todavia. II. Fornecer os rudimentos de educação aos analfabetos aparece como um ato de liberação. Um direito social básico: o direito à educação básica O direito à educação básica é semelhante ao "direito de reunião". Obligalion and thc Body Politic. aos quais nos voltaremos agora. o seguro compulsório contra acidentes na indústria. Dois atributos da educação básica transformaram-na num elemento da cidadania: o governo tem autoridade sobre ela. Essa facultatividade dos direitos civis precisa de uma ênfase especial no presente contexto. por causa do contraste com o segundo elemento da cidadania. talvez o mais antigo exemplo de um mínimo prescrito. o acesso às facilidades educacionais aparece como uma precondição sem a qual outros direitos legais permanecem inacessíveis ao analfabeto. 722 . os direitos sociais. o direito a uma educação básica não se distingue do dever de frequentar a escola. New York. os direitos sociais são distintivos pelo fato de. a educação básica tornou-se um dever de cidadania. embora se possa dizer que ela o violou. reforçado por todos os poderes do Estado moderno. Todavia. É um tanto inadequado igualmente usar o termo "plebiscitário" para esse aspecto obrigatório da cidadania. comumente. Mas voltando agora à consideração dos direitos sociais. Oxford University Press. e medidas de bem-estar semelhantes. bem como direitos. Cada indivíduo elegível é obrigado a participar nos serviços fornecidos pelo Estado. e os pais de todas as crianças de um certo grupo etário (geralmente dos 6 aos 10 ou 12 anos) são obrigados por lei a providenciar para que os filhos frequentem a escola. cap. por exemplo. os cidadãos como eleitores decidem fornecer os serviços nos quais os cidadãos como os pais das crianças em idade escolar são então obrigados a participar. onde o programa de um sistema de educação nacional também se desenvolveu cedo. necessariamente. uma lei prussiana de escola básica foi 123 . Há uma clara indicação de que no continente europeu o princípio de uma educação básica para as classes baixas emergiu como um subproduto do absolutismo esclarecido. Frederico VI agiu no sentido de estabelecer uma nova organização de escolas básicas que permaneceu como a base da educação nacional na Dinamarca desde 1814. sem encorajar. e essa relação direta é o sentido específico da cidadania nacional. Frederico IV estabeleceu escolas básicas em seus próprios domínios já no ano de 1721. enquanto os benefícios da frequência à escola são obrigatórios. impondo encargos como os salários do professor aos camponeses. Continuando as principais medidas para aliviar as obrigações impostas aos camponeses (1787-88). mesmo depois de o antigo princípio medieval de jurisdições privilegiadas ter sido substituído pela igualdade perante a lei. Voltando agora à relação direta entre o Estado-nação e o cidadão. Na Dinamarca. Em 1737. Discutimos a relação indireta no capítulo precedente em conexão com os direitos de associação e o direito de reunião. Embora esses direitos civis sejam em princípio acessíveis a todos. dotando-as com recursos suficientes e um corpo docente fixo. Tentativas de dar sequência a essa política falharam. Mas ambos são princípios de igualdade que estabelecem uma relação direta entre os órgãos centrais do Estado-nação e cada membro da comunidade. Pode ser útil reiterar as principais distinções nesse ponto. A extensão de direitos sociais com sua ênfase na obrigação pode deixar intacto o privilégio e ampliar os deveres e benefícios do povo. Portanto.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII filhos na faixa etária estabelecida frequentem a escola. na prática eles são exigidos por classes de pessoas que partilham certos atributos sociais e económicos. porque os proprietários de terras furtaram-se a suas obrigações de empregar e remunerar os professores. que dificilmente podiam arcar com eles. sua mobilização social. O direito a voto ó facultativo. Esse desenvolvimento dinamarquês pode ser comparado com o correspondente desenvolvimento na Prússia. consideremos os direitos sociais antes de voltarmos à discussão dos direitos políticos. considerando que a extensão do direito de voto destrói inequivocamente o privilégio e aumenta a participação ativa do povo nos negócios públicos. O propósito profundamente conservador desse programa é indubitável. Num Estado de bem-estar completamente desenvolvido. a representação de grupo (ou funcional) é de importância contínua. Há primeiramente a distinção entre uma relação indireta e uma relação direta entre o Estado-nação e o cidadão. vol. Em 1794. R. com o dero agindo como agente supervisor do Estado. Os dois parágrafos precedentes baseiam-se na obra de A. C. 50. Staatskunst und Kriegshandwcrk. uma vez passado o perigo imediato4'1.1. Petersilie. desse modo. o rei doou uma soma para facilitar o emprego de professores capacitados. Nos países católicos com menor unidade religiosa que 124 . 203-204. e. III de H and. L. por várias décadas após isso. a educação nacional levantaria o espírito moral. pelo menos uma administração regular das escolas. porque os pais relutavam em enviar os filhos à escola. a educação básica era organizada pelo governo já em 1805. sofrendo danos tanto temporalmente como em suas almas eternas. Leipzig. a educação nacional tornou-se aceitável para os governantes conservadores da Prússia porque ajudava a instilar a lealdade ao rei e ao país na população. Das óffcntliche Unterrichtswesen. de que o rei por sua livre vontade distribuísse benefícios entre ele. Na Áustria. 4 e 5. portanto. e. no campo do recrutamento militar. Essas medidas enfrentaram dificuldades. o absolutismo esclarecido pode ser considerado o pioneiro relutante ou equívoco na extensão dos direitos sociais ao povo. 158-166. Cabe lembrar. Sobre detalhes ver o excelente estudo de Gerhard Ritter. o mesmo esforço para mobilizar o povo nas guerras de libertação criou grandes controvérsias e provocou uma reação muito forte entre os ultraconservadores. religioso e patriótico do povo48. e. Declarações oficiais pediam que fosse dado a todos os súditos sem exceção conhecimento útil. 1897.und Lchrbuch der Staatswissenschaftcn. nos anos subsequentes. os reis prussianos e seus funcionários promoveram o esquema com base nessas verbas incidentais. Mas o absolutismo naturalmente insiste que o povo são os súditos do rei. Portanto.REINHARD BENDIX editada com o comentário de que o rei ficara preocupado ao ver jovens vivendo e crescendo nas trevas e. Oldenbourg. 48. Ao mesmo tempo. encarando. Em 1763. entretanto. Com toda probabilidade. I. caps. que. ele rejeita a ideia de direitos e deveres derivados da autoridade soberana do Estado-nação e devidos a ela5". O governo absolutista endossava o princípio de que nada devia intervir entre o rei e seu povo. e corporações locais não assumiam sua parte na responsabilidade financeira. Nessa ocasião. a derrota militar e o entusiasmo patriótico geralmente removiam tais dúvidas. 1959. foi publicado um decreto regulamentando os negócios escolares para toda a monarquia e incluindo disposições para medidas disciplinares contra professores que negligenciavam seus deveres. O significado dos regimes absolutistas para a educação básica varia com as crenças religiosas prevalecentes do país. por conseguinte. pp. e passim. as escolas (junto com as universidades) foram declaradas instituições do Estado. foram feitos esforços para aliviar a carência de professores destinando-se fundos especiais para esse propósito. 49. todo o sistema de educação nacional tornou-se parte de um movimento de libertação nacional contra Napoleão. Hirschfeld. Embora alguns oficiais expressassem publicamente suas dúvidas quanto à utilidade da alfabetização para o homem comum. Munich. Em seu Essai d'Éducation Nationale. 51.. New York. «em. nessa classe. Mas quando. Não sou injusto por excluí-los dela. O clero não pode levar a mal não incluirmos os eclesiásticos. devemos ter pessoas que façam delas uma profissão. de modo que os alunos.. 42. de uma relação direta entre cada cidadão e o governo torna-se incompatível com o sistema vigente. Conseqiientemente. a tradicional pretensão católica de supervisionar a educação foi desafiada no ano de 1760 pela supressão dos jesuítas e pelo endosso de um sistema de educação leiga organizado nacionalmente (ver pp. 115. são submetidos a essa jurisdição especial. o estabelecimento de um sistema nacional de educação e.. e que "padres desocupados" infestam as cidades enquanto o país está desprovido de clero. porque na Europa o ensino esteve nas mãos do clero durante séculos. Essa declaração assemelha-se ao princípio plebiscitário enunciado por Lê Chapelier acima citado52. Dinamarca. por exemplo. Reclamo o direito de exigir para a Nação uma educação que dependa apenas do Estado.).TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVlll As ideias de cidadania nacional e de uma autoridade nacional soberana são conceitos básicos do liberalismo. publicado em 1763. 52.. de um modo geral. p. McGraw-HilI Book Company. Ademais. pouco ou nenhum conflito foi verificado na medida em que a unidade de Igreja e Estado na pessoa do monarca concedia ao último autoridade de governo sobre a educação básica. baseado em que não se deve permitir que nenhum "interesse a Áustria. as escolas estavam mais sob a autoridade clerical do que política. Reconheço com prazer que há vários [. La Chalotais opõe-se ao controle do clero sobre a educação pleiteando que o ensino de letras e ciências devia ficar nas mãos de uma profissão secular. na Franca. Enquanto Lê Chapelier argumentava contra as sociedades de benefício mútuo. é fácil recrutar os ministros para a profissão docente. em F. 1932. n. com ministros da Igreja agindo nesse campo como agentes do monarca ou (depois) de um ministro da educação e negócios eclesiásticos. Esse controle clerical é destruído quando os dirigentes absolutistas ou o Estadonação adquire autoridade sobre as escolas. portanto. o clero católico está sob uma autoridade separada da do Estado.] Mas protesto contra a exclusão dos leigos. e finalmente porque as crianças do Estado devem ser educadas por membros do Estado51. Noruega e Suécia).] que são muito instruídos e muito capazes de ensinar [. Na Prússia luterana. bem como os professores. 121 e s. 52-53. esse controle secular sobre a educação podia ser imposto sem dificuldade. 125 . essa abordagem não se mostrou possível. porque ela pertence essencialmente a ele. de Ia Fontainerie (ed. mais do que clérigos. Após observar que eminentes homens de letras são leigos. são submetidos à autoridade soberana do rei. em países com Igrejas estatais protestantes (Prússia. como na França. Elas têm relevância especial para a educação. pp.). porque cada nação tem um inalienável e imprescritível direito de instruir seus membros. Frcnch Libcralism and Education in thc Eightccnth Ccntury. para receber educação. Quando os ministros da Igreja. La Chalotais continua: Para ensinar letras e ciências. Ver La Chalotais. "Essay on National Education". o princípio corporativo é soberano. esforços voluntários no campo da educação dos trabalhadores diminuíram (ainda que não tenham cessado inteiramente). nesse domínio. Se esse desejo levou a esforços voluntários para fornecer oportunidades educacionais aos trabalhadores. o princípio de um sistema nacional de educação básica também se tornou aceitável à emergente força de trabalho industrial.KEINHARD BENDIX intermediário" separe nenhum cidadão do "bem-estar público através de interesses corporativos". sendo o trabalho de instrução conduzido por ordens religiosas. que deve ser refreado pela instrução nos fundamentos de religião e. a Igreja católica encara o ensino como um de seus poderes inerentes. La Chalotais repete aqui a mesma ideia em seu argumento contra o clero. Isto é. como ocorreu especialmente na Inglaterra e na Alemanha. Tradicionalmente. Deve haver uma profissão de professores que esteja inteiramente à disposição do Estado. Os liberais afirmam que o Estado-nação requer cidadãos educados por órgãos do Estado. Posteriormente. tal ação foi em grande parte uma resposta ao fato de oportunidades de outro tipo não lhes serem acessíveis. e em parte para dar mais peso às reivindicações políticas feitas em nome da classe trabalhadora. em parte por ver que com ela os filhos tinham mais futuro que seus pais. o desejo de se educar era forte. Conflitos semelhantes também persistiram nos países protestantes. E os oradores populistas protestam que as massas populares que ajudam a criar a riqueza do país devem partilhar das amenidades da civilização. outra indicação da relativa fragilidade das tendências corporativistas. Ele é sustentado por conservadores que temem o inerente desgoverno do povo. que os sistemas de educação nacional tenham se desenvolvido tanto pelo fato de a demanda por educação básica ter interceptado o espectro das crenças políticas. que são membros e servidores do Estado. Entre os trabalhadores. na medida em que a Igreja administra o "estado espiritual" do homem c possui. o direito e o dever de representação exclusivos. Uma vez que tais oportunidades se tornaram acessíveis. e o conflito sobre o controle clerical ou laico da educação durou até presentemente. E provável. a educação básica compulsória torna-se uma importante c controvertida questão quando a autoridade governamental nesse campo entra em conflito com a religião organizada. Segundo essa opinião. um sistema de educação básica nacional se opôs onde quer que a Igreja ou várias congregações religiosas insisti726 . a fim de implementar um programa de instrução no qual nada interfira entre as "crianças do Estado" e os professores. instilar a lealdade ao rei e ao país. portanto. nos quais a população está acentuadamente dividida sobre as questões religiosas. Contudo. em parte para aumentar as chances na vida. Esse princípio foi desafiado durante o século XVIII na França. assim. Berlin. apesar do crescimento contínuo de um sistema de educação nacional (plebiscitário)53. até bem tarde no período moderno. Somente na Inglaterra o sistema original de representação territorial foi mantido: a Câmara dos Comuns 53. combinando portanto claramente o princípio plebiscitário nas finanças com o princípio representativo no controle organizacional e substantivo sobre o processo educacional. No fim da Idade Média. Ver o histórico esboço do desenvolvimento educacional inglês em Ernest Barker. I. e os três baseiam-se no princípio de frequência obrigatória. o direito de votar através de representantes. Talvez o exemplo mais importante do princípio corporativo ou representativo na educação seja o fornecido pela Holanda com seus três sistemas de escolas separadas: uma católica. Das dcuischc Gcnosscnschaftsrccht. Cambridge.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII ram em interpor suas próprias oportunidades educacionais entre seus adeptos e o Estado. e cada um possuía sua assembleia em separado54. Desse modo. Weidmann. o princípio de representação territorial foi gradualmente substituído no continente europeu por um sistema de representação por Estados: cada Estado enviava seus representantes em separado para deliberar no centro da autoridade territorial. mas como acréscimo a elas. O fato significativo aqui é que os três sistemas são financiados pelo governo. e em que condições. A principal autoridade em história dos Estados corporativos e sua representação é ainda Otto von Gierke. Harvard University Press. New York. por exemplo. em 1858. as contribuições voluntárias à educação perfaziam. ao governo nacional dar assistência ou exercer autoridade no campo da educação básica. e o direito de escolha independente entre alternativas. os esforços locais e voluntários preservam elementos da "representação funcional". 196l. 1868.passim. desenvolveu-se um novo sistema de escolas estatais. a Bélgica e a Holanda foram cenário de prolongados debates sobre a questão de permitir-se ou não. não como um substituto para as escolas baseadas nas contribuições voluntárias. o dobro da quantia do apoio fornecido pelo governo. países como a Inglaterra. Direitos políticos: o direito de voto e o voto secreto Essa tensão entre a orientação estatal e a orientação nacional na determinação da política é até mais evidente nos debates e decretos concernentes aos direitos de participação política: o direito de servir como um representante. 54. 1944. pp. 727 . pp. Assim. 85-93. e a avaliação comparativa de Robert Ulich. A condição básica para o desenvolvimento rumo aos direitos universais de participação era a unificação do sistema de representação nacional. The Dcvclopmcnt of thc Public Scniccs in Western Europc. uma calvinista e uma secular-humanista. 534-581.\ations. Desde 1870. Thc Education of . Na Inglaterra. Oxford University Press. mas através de uma assembleia nacional unificada de legisladores. apenas os chefes de famílias economicamente independentes podiam participar na vida pública. A grande abertura da sociedade inglesa possibilitou a manutenção dos canais de representação territorial. em Staatund Verfassung. Ver sua "Typologie der stãndischen Verfassungen dês Abendlandes". e os líderes das elites estabelecidas tornaram-se cada vez mais divididos entre seus medos das consequências das rápidas extensões do sufrágio às classes baixas e seu fascínio pelas possibilidades do fortalecimento dos poderes do Estado-nação pela mobilização da classe trabalhadora a seu servi55. Uma nova fase nesse desenvolvimento inaugurou-se com a Revolução de 1848 e a rápida difusão de movimentos pela democracia representativa através da maior parte da Europa. a Igreja. e a representação não era mais canalizada através de corpos funcionais separados. Apesar do princípio de representação nesses anciens regimes. 120-139. Napoleão III demonstrou as possibilidades do sistema plebiscitário. por sua vez. criou condições para uma transição mais suave para um regime unificado de democracia igualitária55. mas um corpo de legisladores que representavam as localidades constituintes do reino. e a Constituição de 1793 sequer excluía os indigentes. Essa participação era um direito que lhes advinha não de sua qualidade de membro de alguma comunidade nacional. quer na forma de proprietários de terra ou na forma de privilégios profissionais. mas de sua qualidade de proprietários de território ou capital ou de seu status no interior de corporações funcionais legalmente definidas como a nobreza. os condados e os burgos. A lei de 11 de agosto de 1792 chegou a conceder direito de voto a todos os franceses do sexo masculino com mais de 21 anos que não fossem servos. A Restauração não trouxe de volta a representação por Estados: em vez do regime censitaire introduziu um critério monetário abstraio que interceptava decisivamente o antigo critério do status atribuído. indigentes. ou as guildas de comerciantes ou artesãos. desde que tivessem residido mais de seis meses no canton. e isso. mas o cidadão individual. ou a corporação. 128 .RE1NHARD BENDIX não era uma assembleia dos Estados burgueses. pp. a propriedade. Não havia representação de indivíduos: os membros das assembleias representavam interesses no sistema. ou vagabonds. A Revolução Francesa realizou uma mudança fundamental na concepção de representação: a unidade básica não era mais a família. Essa questão de representação territorial vcrsus representação funcional é o cerne do debate sobre as razões da sobrevivência do Parlamento na época de absolutismo. Otto Hintze sublinhou as continuidades históricas entre as formas de representação medieval e moderna e argumentou que as formas de governo bicameral além do alcance do Império carolíngio ofereciam base mais adequada ao desenvolvimento do governo pluralista parlamentar. 129 . Em alguns países as pretensões ao sufrágio masculino universal tornaram-se intimamente ligadas à necessidade da conscrição universal. 2. mas. Berlin. O direito de voto era dado para quatro categorias de cidadãos: duas das quais. seja no território nacional por um mínimo determinado de meses ou anos. Das parlamentarischc Wahlrccht. o principal argumento para a dissolução do Riksdag de quatro Estados era a necessidade de um fortalecimento da defesa nacional. 57. por precaução política. Mas os passos dados e os caminhos escolhidos de um ponto ao outro variaram marcantemente de país a país e refletiram diferenças básicas nos valores e características dominantes de cada estrutura social57. critérios de residência: restrições a cidadãos registrados como residentes seja na comunidade local. 3. 152. Podemos distinguir convenientemente cinco principais séries de critérios usados para limitar o direito de voto durante esse período de transição: 1. Os detalhes desses desenvolvimentos foram expostos em compêndios como o de Georg Meyer. educação formal. 4. e os pontos finais eram as promulgações do sufrágio universal adulto. uma terceira. vol. regime censitaire: restrições baseadas no valor da terra ou capital ou das quantias de impostos anuais sobre a propriedade e/ou renda. o slogan "um homem. Os pontos de partida para esses desenvolvimentos eram as disposições do Stãndestaat e o regime censitaire pós-revolucionário. Hacring. 2. critérios de responsabilidade familiar: restrições aos chefes de famílias que ocupam residências próprias com um tamanho mínimo determinado ou alojados provisoriamente em propriedades por um aluguel mínimo determinado. os burghers de cidades incorporadas e os aldeões (proprietários de propriedade livre e alodial e arrendatários). o distrito eleitoral.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII ço56. 1932. Goilwitzer. Historischc Zcitschrift. aplicável apenas nas cidades e vilas. os interesses dos burgueses e funcionários eram protegidos através de desigualdade na distribuição de mandatos entre 56. Berlin. e 5. um voto. Ver H. era definida por posse de Estado real de um valor mínimo determinado. A Constituição norueguesa de 1814 fornece um bom exemplo de um antigo compromisso entre critérios de Estado. 1952. uma arma" reflete essa ligação entre o direito de voto e o recrutamento militar. correspondiam aos velhos Estados. Das parlamcntarischc Wahlrccht. "Der Cãsarismus Napoleons III im Widerhall der óffentlichen Meinung Deutschlands". 23-79. ou indicação para o serviço público. Esses conflitos de estratégia produziram uma grande variedade de compromissos transitórios nos diferentes países. critérios de Estado tradicionais: restrição do direito de voto aos chefes das famílias dentro de cada um dos grupos de status estabelecidos como definidos por lei. 1901. Esse sistema dava uma clara maioria numérica aos fazendeiros. de Gruyter. o regime censitaire e Q príncipe capacitaire. Na Suécia. e a quarta era simplesmente a reunião de todos os funcionários do governo nacional. e o de Karl Braunias. regime capacitaire: restrições por capacidade de ler e escrever. vol. Nos debates do sufrágio sueco. os políticos austríacos não admitiam esses novos cidadãos no mesmo nível dos já emancipados. É interessante comparar a mistura austríaca de orientação medieval de Estado e o corporativismo moderno com as providências russas para a Duma em 1906. Gcsammeltcpolitische Schriftcn. O Estado burguês não era mais representado exclusivamente por porta-vozes das cidades e mercados. mas também através das câmaras de comércio e das profissões: este era o primeiro reconhecimento de um princípio corporativista que viria a adquirir importância central nos debates ideológicos na Áustria no século XX. Tiibingen. os efetivos governantes da nação por várias décadas futuras. 130 . e os representantes de cidades e mercados. 66-126. M. o Landtag típico consistira em quatro curiae: os nobres. excluídas por tanto tempo da participação na política da nação. Wahlrccht in Õsterrcich. AFebruarpatent de 1861 manteve a divisão em quatro curiae. J. bem como as dioceses. B. Lipset e Stein Rokkan (eds. "Geography. em S. 59. die allgemeine Wãhlerklasse. New York. a representação aldeã direta do tipo tão conhecido nos países nórdicos só existiram no Tirol e em Voralberg. a quinta. Uma útil avaliação desses desenvolvimentos na Áustria encontra-se em Ludwig Boyer. Mohr. Region and Social Class: Cross-Cutting Cleavages in Norwegian Politics". Isso. 80-85. A ascensão do capitalismo comercial e industrial favoreceu a difusão do regime censitaire. 1961. ver a detalhada análise de Max Weber em "Russlands Úbergang zum Scheinkonstitutionalismus". Party Systems and VotcrAlignments. The Free Press of Glencoe. mas transformou o critério de Estado em critério de representação de interesse. contudo. pp. Nos velhos territórios dos Habsburgos. mas colocavam-nos numa nova cúria. C. A base ideológica era o argumento de Benjamin Constant de 58. Ver Stein Rokkan. Vienna. Compromissos muito mais complexos tinham de ser projetados em políticas multinacionais como a Áustria. os cavaleiros. mesmo a Abgeordnetenhaus austríaca conformou-se à tendência à democracia igualitária de massa e foi transformada numa assembleia nacional unificada baseada no sufrágio masculino universal59. A essas três acrescentou-se uma divisão aldeã: isso era novo no sistema nacional. O Estado eclesiástico era estendido numa cúria de Virilstimmen que representava as universidades.). A característica mais interessante da sequência de compromissos austríacos era o controle das classes baixas. A simplicidade da estrutura social deu ao compromisso norueguês um caráter direto: a velha divisão entre os Estados rurais e burgueses correspondia a uma divisão administrativa estabelecida em distritos rurais e vilas privilegiadas com cartas patentes.RE1SHARD BESD1X distritos eleitorais rurais e urbanos58. 1958. no prelo. Os nobres e os cavaleiros foram sucedidos pela cúria dos maiores proprietários de terras. e a única classe de eleitores explicitamente colocados acima dessa divisão território-funcional era a dos funcionários do rei. pp. Fiel à sua tradição de representação funcional. era apenas uma medida transitória: onze anos depois. os prelados. Chnstiania. A Comissão Constitucional recomendara que o direito de voto se restringisse a todos os cidadãos independentes. O príncipe capacitaire era essencialmente uma extensão desse critério: o direito de voto era concedido não apenas àqueles que possuíam terras ou tinham investido em negócios. e independência suficiente para apoiar sua convicção nessa questão"60. Norgcs nuvcrcndc Statsforfatning. Essa questão de critérios de independência intelectual era o cerne das disputas entre liberais e conservadores sobre a organização do sufrágio.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII que os negócios da comunidade nacional devem ser deixados àqueles com "interesses reais" neles. mas um sistema marcantemente desigual .o sistema prussiano de sufrágio de três classes 60.. 280. aqueles que estivessem em posições de dependência votariam naturalmente nos notáveis locais. Esse conflito alcançou o auge nas discussões na Assembleia Nacional alemã. Aschehoug. Os liberais defendiam o regime censitaire e temiam as possibilidades da manipulação eleitoral inerente à extensão do sufrágio ao cidadão economicamente dependente. Os conservadores. mas havia muita dissensão sobre os direitos dos servos e trabalhadores. ao menos nos Estados patriarcais na região rural. uma vez que reconheciam a importância do voto como base do poder local. a lei não pôde ser cumprida na época: passaram-se outros dezessete anos até que Bismarck conseguisse transformá-la na base da organização do Reichstag na Federação da Alemanha do Norte. I. Apesar disso. A esquerda exigia direitos totais para as classes baixas e enfrentava oposição apenas moderada dos conservadores. em Frankfurt em 1848-1849. H. vol. O resultado foi a promulgação do sufrágio masculino universal. O chanceler prussiano já tivera a experiência de um sistema de sufrágio universal. Aschehoug. tendiam a defender a emancipação das "ordens mais baixas": tinham bons motivos para esperar que. 131 . Uma autoridade norueguesa em lei constitucional relaciona esses dois elementos em sua afirmação: "O sufrágio [. mas àqueles que haviam adquirido um interesse direto na manutenção do Estado através de seus investimentos em capacitações profissionais e de seu compromisso com posições de crédito público. 1875. T.. mediante a posse de terra ou de investimentos em negócios. Havia um acordo geral de que todos os súditos que recebiam assistência pública ou estavam falidos não eram independentes e deviam ser excluídos do direito de voto. e esse termo foi a princípio interpretado como excludente de todos os servos e os que viviam de salários. A noção implícita é que apenas esses cidadãos podem fazer julgamentos racionais das políticas a serem seguidas pelo governo. Essa interpretação esbarrou em violentos protestos na Assembleia.] deve ser reservado aos cidadãos que possuem discernimento suficiente para julgar quais deverão ser os melhores representantes. p. Dic Organisalion der dcutschcn Parteien vor 1918. cap. pp. Sobre uma recente e detalhada avaliação. pp. 7-34 e G. mas não ficava claro se eles acompanhariam inevitavelmente seus empregadores no campo político. 14. ver o capítulo de Emilio Willems. Methuen. As batalhas cruciais no desenvolvimento para o sufrágio universal referiam-se ao status desses estratos emergentes dentro da comunidade política. Kitson Clark. Sob esse sistema. VII. n. ver Th. Ver D. Uma grande variedade de compromissos transitórios eram debatidos. especialmente no Leste do Elba: a lei simplesmente multiplicara por n o número de votos à sua disposição. em Arnold Rose (ed. 1958. especialmente se possuíssem casas próprias63. 1962.). The Making of Victorian England. as extensões do sufrágio tendiam a fortalecer as forças conservadoras62.REINHARD BEND1X introduzido pelo decreto real em 1849. 1961. C. set. V. Esse sistema servira evidentemente para amortecer o poder do Gutsbesitzer. p. pois eles confiavam que seriam capazes de controlar sem muita dificuldade o comportamento de seus dependentes e de seus trabalhadores nas eleições61. Ver Statistisk Centralbureau ser. Na terminologia socioeconômica estabelecida. por sua ênfase no critério monetário abstrato e suas inúmeras injustiças. o sufrágio acrescentava oportunidades para demonstrar e reforçar a lealdade feudal. University of Minnesota Press. Droste. 1877. Geralmente. na área rural. London. 1961. mas estava convencido de que uma mudança para o sufrágio igual para todos os homens não afetaria a estrutura de poder na área rural: ao contrário. e vários foram realmente postos à prova. Diisseldorf. ela fortaleceria ainda mais os interesses territoriais contra os financeiros. A emergência e crescimento de uma classe de assalariados fora da família imediata do empregador levantava novos problemas para a definição da cidadania política. Dentro do padrão tradicional. Um recenseamento de tributo especial feito na Noruega em 1876 indica que mais de 1/4 dos trabalhadores urbanos que estavam nos registros de imposto foram emancipados sob o sistema adotado em 1814: em contraste. 340-341. mas o peso de seus votos era infinitesimal em comparação com o das classes médias e dos proprietários de terras. 63. Moore. V. reforçava e legalizava o status político do proprietário de terra". Algumas variedades do regime censitaire admitiam de fato os trabalhadores mais bem pagos. O direito de voto do chefe de família e do inquilino na Grã-Bretanha servia igualmente para integrar a classe trabalhadora mais bem situada dentro do sistema c 61. 132 . 552: "As principais funções ao sufrágio eram as de preservar a estrutura de poder existente. Minneapolis. "The Other Face of Reform". especialmente o cap. Ao mesmo tempo. Victorian Studies. Havia muito mais incerteza sobre as consequências de um sufrágio extensivo à política nas áreas urbanas. Nipperdey. C. apenas 3% dos trabalhadores nas áreas rurais receberam direito de voto. Bismarck detestou o sistema de três classes. seu status era de dependência. Sobre um paralelo com as condições nas áreas rurais de estruturas semelhantes. The Institutions of AdvancedSocietics. 62. as "ordens mais baixas" receberam o direito de voto. A estratégia básica era sublinhar as diferenciações estruturais no interior do estrato de assalariados. mas os pesos dos votos dados às classes mais baixas são infinitesimais em comparação com aqueles da elite territorial ou financeira estabelecida. O motivo básico é sublinhar claramente as diferenciações estruturais dentro dos estratos mais baixos e excluir do sistema os elementos menos compromissados com a ordem social estabelecida. objeto de amargos debates. o Kurien austríaco e o sistema de três classes prussiano: o sufrágio universal é garantido. se emancipados. muito antes da extensão do sufrágio. mesmo em condições de sufrágio universal formalmente iguais. migrantes e trabalhadores marginais sem vínculos locais estabelecidos. mas ao mesmo tempo antecipa as dificuldades inerentes dessa padronização por meio de localidades de estrutura muito diferente. A entrada das classes baixas na arena política também levanta uma série de problemas para a administração das eleições. Intimamente relacionada a essas estratégias é a obstinada resistência a mudanças na delimitação dos distritos eleitorais. A solução extrema adotada na República de Weimar . corromperiam o sistema pela venda de votos e pela intimidação violenta. Os defensores das tradições estatais e do regime censitaire argumentam que os súditos economicamente dependentes não podem esperar formar julgamentos políticos independentes e.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO X\'lll deixar de fora apenas o "verdadeiro proletariado". mas a emancipação de 133 . Os exemplos mais crus são. As injustiças dos dispositivos distritais prussianos foram. a questão mais interessante é a salvaguarda da independência da decisão eleitoral individual.o estabelecimento de um sistema unitário de representação proporcional para todo o Reich . mas os votos extras são dados não só por critérios capacitaires. Práticas corruptas eram. mas também a pères de famille que atingiram a respeitável idade de 35 anos. Outra série de estratégias nessa luta para controlar a investida da democracia de massa compreende as instituições do sufrágio ponderado e dos votos plurais. durante décadas. muito difundidas em muitos países. sem dúvida. A rápida urbanização produz evidentes desigualdades. Sociologicamente. naturalmente. O sistema de voto plural mais inócuo é talvez a disposição inglesa para votos extras para graduados em universidade e para os donos de propriedades comerciais em distritos eleitorais diferentes. A manutenção dos requisitos de residência serviu a funções semelhantes. A continuada representação geral das áreas rurais nos Estados Unidos é outro exemplo. Sociologicamente.sem dúvida concede a cada eleitor a mesma oportunidade abstrata de influenciar na distribuição das cadeiras. o mais interessante é o sistema belga de voto plural transmitido em 1893: o sufrágio masculino universal é introduzido. mesmo depois do desaparecimento de todas as qualificações económicas para o sufrágio: essas restrições são apoiadas mais obstinadamente nas disposições para as eleições locais. A esse respeito. as reivindicações de sindicatos e partidos que buscam o reconhecimento para o quarto Estado são contrabalançadas pelas pretensões da comunidade nacional e seus porta-vozes. O segredo do voto é o problema central nesse debate64.REINHARD BEND1X grandes setores das classes baixas geralmente fornece um incentivo a reformas na administração e ao controle das eleições. Oxford. Notar a esse respeito a discussão da controvérsia sobre a 134 . 64. A noção tradicional era que o voto era um ato público c só podia ser confiado a homens que pudessem defender abertamente suas opiniões. descrita por Georg Simmel. Em termos sociológicos. que exemplificam o princípio de representação funcional. O voto secreto apela essencialmente à mentalidade urbana liberal: ele convém como outro elemento na cultura privatizada anónima da cidade. que o sistema eleitoral nacional abre canais para a expressão de lealdades secretas. é difícil determinar com alguma exatidão os efeitos do sigilo no comportamento real dos trabalhadores nas eleições. é a emergência do voto da classe baixa como um fator na política nacional e na necessidade de neutralizar as ameaçadoras organizações operárias: as disposições para o sigilo isolam o trabalhador dependente não só de seus superiores mas também de seus pares. Clarendon Press. Alguns partidos socialistas tentaram contrabalançar esses efeitos do voto secreto estabelecendo vínculos estreitos com os sindicatos. Isto é. em contraste com as organizações operárias. mas foi mantido por tanto tempo em grande parte porque provou ser uma maneira fácil de controlar os votos dos trabalhadores agrícolas. e ao mesmo tempo colocar o ónus da visibilidade política sobre os ativistas dentro do movimento da classe trabalhadora. Mas parece inerentemente provável. dada uma quantidade mínima de comunicações interclasses. Uma recente análise do desenvolvimento dos padrões para o controle das eleições em uma nação é a de Cornelius CTLeary. O sistema prussiano de voto oral era defendido nesses termos. enquanto a luta política torna necessário ao ativista do partido declarar suas opiniões e expor-se à censura quando ele se desvia do establishment'*. ele pode ser um cidadão nacional. O fator decisivo. 1962. que o sigilo ajude a reduzir a probabilidade de uma polarização da vida política na base da classe social. contudo. As disposições para a votação secreta possibilitaram à gente comum inarticulada escapar da pressão pela participação política. 65. portanto. A disposição para o voto secreto coloca o indivíduo diante de uma escolha pessoal e o torna pelo menos temporariamente independente de seu ambiente imediato: na cabina de votação. 1868-1911. The Elimination of CorrupíPractices in British Elections. podemos dizer. o voto secreto representa o princípio nacional e plebiscitado de integração cívica. Dado o estado das estatísticas eleitorais. 1960. mas embora o pagamento seja nominal e o procedimento simples. Em termos da comparação entre a estrutura política medieval e a moderna. Quando a extensão dos direitos legais. a associação diferenciada dos indivíduos com outros é tida como certa. A discussão precedente sublinhou a similaridade da experiência de toda a Europa ocidental. políticos e sociais se transforma num princípio de política estatal. o critério abstrato deve ser usado para implementar esses direitos. Portanto. de acordo com a ideia funcional. A igualdade formal perante a lei beneficia a princípio apenas aqueles cuja independência social e económica os habilita a tirar proveito de seus direitos legais. Tradc Unions and lhe LabourParty since 1945. cap. As duas ideias refletem o hiato entre o Estado e a sociedade numa era de igualdade. em parte porque a "renúncia" é um ato público que indiretamente ameaça o sigilo do voto. que teve origem nos legados comuns do feudalismo europeu. A própria política tornou-se de âmbito nacional. e esses direitos são um símbolo da igualdade de âmbito nacional. e tais associações refletem (ou até intensificam) as desigualdades da estrutura social. todos os indivíduos adultos devem ter direitos iguais sob um governo nacional. houve muita controvérsia. A discussão precedente mostrou que as relações entre as ideias plebiscitarias e funcionais são frequentemente paradoxais.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII Considerações Finais A extensão da cidadania às classes baixas da Europa ocidental pode ser vista de vários pontos de vista complementares. a sociedade continua a ser marcada por grandes desigualdades. mais ou menos diversos. De acordo com a ideia plebiscitaria. 1. Por conseguinte. Contudo. e alguma forma de representação de grupo é aceita. e as "classes baixas" têm agora a oportunidade de participação ativa. 135 . há tentativas recorrentes para definir em que aspectos todas as pessoas devem daí em diante ser consideradas iguais. todos os adultos que pretenderem usufruir de seus direitos legais. A constituição de um Estado-nação moderno é tipicamente a origem dos direitos de cidadania. a discussão exemplifica as tendências simultâneas à igualdade e a uma autoridade governamental de âmbito nacional. Essa extensão tem dois elementos. arrecadação paga por membros dos sindicatos ingleses em Martin Harrison. Os membros do sindicato que desejam ser isentos do pagamento assinam um formulário de "renúncia" ao secretário de sua seção. Allen & Unwín. London. políticos e sociais se associarão naturalmente com outros. a fim de apresentar suas reivindicações da forma mais efetiva possível. As assembleias e parlamentos de Estado do século XVIII forneceram o fundo imediato para o desenvolvimento dos parlamentos modernos e para a concepção de um direito de representação que foi gradualmente estendido a setores da população previamente não representados. as igualdades formalmente instituídas dão origem ou dão azo a novos tipos de desigualdades. Efelivamente. essas regras por sua vez não atingem aqueles indivíduos ou grupos que não tiram ou não podem tirar proveito do direito de associação. aqui também. os professores como um grupo enfrentam 66. O direito e o dever de receber uma educação básica podem ser considerados outros modos de igualar a capacidade de todos os cidadãos de se utilizarem dos direitos a que estão habilitados. mais do que um assunto concernente ao princípio de cidadania nacional. tendo todos os outros direitos um caráter mais facultativo ou mais seletivo. uma vez que a frequência à escola não só é obrigatória a todas as crianças de um certo grupo etário. mas também depende de uma contribuição financeira de todos os contribuintes66. Esses especialistas em educação desenvolvem muitas vezes organizações com sólidas opiniões referentes à educação. Conseqúentemente. Como tal. a instituição do defensor público quando o advogado de defesa não for capaz de usar seu direito de deliberação. No último caso. uma preparação de cidadãos potenciais. e assim por diante. entre as quais as regras que capacitam os membros das classes baixas a se valerem do direito de associação para a representação de seus interesses económicos. por exemplo. Embora a educação básica forneça apenas uma vantagem mínima nesse aspecto. uma vez que a frequência não permite isenções do mesmo modo que o sistema tributário. ou os esforços para proteger os direitos dos acionistas incapacitados de fazê-lo sob a legislação vigente. Outras disposições legais tentam lidar com as desigualdades remanescentes ou enfrentar as que surgiram recentemente. mesmo os filhos de estrangeiros residentes estão sujeitos a essa exigência. mas isso pode ser considerado uma conveniência administrativa. há apenas debates concernentes aos melhores modos de proteger os membros de sindicatos contra possíveis violações de seus direitos individuais pela organização que representa seus interesses económicos. ela é talvez a implementação universalmente mais aproximada da cidadania nacional. O princípio de igualdade formal legal pode ser chamada de "plebiscitaria" no sentido de que o Estado estabelece diretamente cada "capacidade legal" do indivíduo. Aqueles que se preocupam com o ensino e a organização das escolas reúnem-se por causa de seus interesses profissionais e económicos comuns. Além disso. disposições especiais procuram reduzir de vários modos as desigualdades das oportunidades concedidas aos indivíduos de usarem seus direitos perante a lei. as autoridades judiciais "representam" os interesses daqueles que não usam ou não podem usar seus poderes legais. Assim. a educação pública básica exemplifica o componente plebíscitário do Estado-nação. Ainda assim. Mas. O número de crianças que frequentam a escola elementar é maior do que o dos contribuintes. Contudo. uma medida de bem-estar.RE1NHARD BEND1X Os esforços para corrigir essa desigualdade assumem várias formas. a igualdade perante a lei involuntariamente divide uma população de uma nova maneira. 136 . O princípio plebiscitário encontra resistência desde que as agências da Igreja ou as congregações. embora inadvertidamente. o princípio plebiscitário do direito à participação direta por todos os adultos como eleitores qualificados é bastante compatível com uma aceitação de diferenças de grupo e várias formas indiretas de representação funcional. presume-se que aqueles que satisfazem os padrões mínimos nesses aspectos também compartilham opiniões sociais e políticas compatíveis com a ordem social estabelecida. procuram representar os interesses religiosos ou culturais específicos dos pais como membros de suas respectivas congregações. são exemplos do plebiscitarianismo dentro do sistema de educação pública. embora difiram grandemente em relação a confiar ou não financeiramente. Esse reconhecimento legal do princípio representativo é em larga medida abandonado quando o direito de voto se torna universal. o direito de associação para implementar suas preocupações especiais no campo da educação. pagamento de imposto. assim. na manutenção através de impostos ou nos lançamentos de impostos de suas congregações. e em que medida. Mais indiretamente. controlando o currículo. como nos Estados Unidos. uma vez que as crianças se fixarão em escolas mais próximas a sua área de residência e a população escolar refletirá as características sociais das áreas residenciais. do mesmo modo que enfrentam o Estado com a influência de sua organização em todos os assuntos que afetam seus interesses. há a prolongada resistência de grupos congregacionais contra a educação pública como tal. Com relação ao direito de voto. posse de propriedade.TRANSFORMAÇÕES DAS SOCIEDADES EUROPEIAS OCIDENTAIS DESDE O SÉCULO XVIII pais como indivíduos. capazes de pensar e agir em termos de toda a comunidade. Grupos religiosos usam. a educação pública básica ajuda a articular. Além disso. Também se presume que os representantes eleitos a partir desses estratos da população serão notáveis. Quando o direito de voto depende de um certo nível de renda. que podem por sua vez 137 . As restrições que revimos são geralmente critérios administrativos aos quais o significado funcional é imputado. muitas das quais dependentes de grupos de interesse especiais. os conflitos entre os princípios plebiscitário e representativo podem ser divididos nas duas fases de um direito de voto diversamente restrito ou universal. ou educação. as divisões residenciais existentes dentro da comunidade. aos quais nos referimos anteriormente. A diferenciação social e os grupos de interesse resultam em modificações do princípio plebiscitário e em novas desigualdades. e é suplementado em muitos pontos por outras influências sobre a formação política. Contudo. Esforços para contrabalançar essas consequências do princípio funcional como as associações de pais e mestres e a redistribuição das crianças entre as diferentes escolas distritais. O próprio processo eleitoral é grandemente influenciado pela diferenciação social do público votante. O sistema de instituições representativas. 138 . na medida em que a contradição entre critérios abstratos de igualdade e as velhas e as novas desigualdades da condição social é mitigada por compromissos sempre novos e sempre parciais. Conseqúentemente. característico da tradição da Europa ocidental. O sistema é destruído quando.RE1NHARD BESDIX provocar contramedidas a fim de proteger o princípio de igualdade plebiscitado de todos os adultos como eleitores qualificados. permanece intacto na medida em que perdura essa tensão entre a ideia plebiscitaria e a ideia de representação de grupo. essas resoluções parciais são abandonadas no interesse de implementar apenas o princípio plebiscitário sob a égide de um Estado de partido único. a extensão da cidadania às classes baixas envolve em muitos níveis uma institucionalização do critério de igualdade abstraio que dá origem tanto a novas desigualdades como a novas medidas para lidar com essas consequências subordinadas. como nos sistemas totalitários da história recente. As estruturas sociais e os padrões de comportamento aos quais elas se referem prevalecem por um tempo que excede o período de vida dos indivíduos envolvidos. Na teoria.AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇÃO A estrutura feudo-patrimonial da vida política medieval. o rei detém a máxima autoridade mesmo sobre as terras. são de duração limitada. Refere-se a atributos da autoridade pública que são em sua maioria inequívocos quando contrastados com os atributos da vida política medieval. e isso implica um período de emergência e declínio. dispõe delas como se fossem peças da propriedade. a "grande transformação" da autoridade pública no período pré-moderno imediato. A ficção da soberania real é mantida pelo governante através do restabelecimento formal de sucessivos herdeiros nos títulos e direitos de seus 139 . e direitos ao exercício da autoridade. Todavia. tampouco podem abranger o fluxo e refluxo desses atributos através do tempo. mas também possui as funções judiciárias e administrativas do governo e. O conceito de "Estado-nação" é outro caso em questão. portanto. que ele concedeu a um súdito eternamente.todos esses são conceitos de aplicabilidade limitada. os elementos da cidadania nacional e sua extensão gradual a setores previamente excluídos da população . individualista quando contrastado com as relações de autoridade tradicionais. o rei não apenas impera sobre um território como um domínio privado. o protesto social no período moderno quando contrastado com o protesto no período medieval. Os conceitos apropriados a essas estruturas podem apenas designar o conjunto de atributos pelos quais elas podem ser identificadas. Na concepção medieval. trad. mas entre os que estão vivos. Pois o critério decisivo do Estado-nação ocidental é a separação substancial entre a estrutura social e o exercício de funções judiciárias e administrativas. como a adjudicação de disputas legais. nem divididas entre jurisdições concorrentes. Gateway Editions. Thc Thcory of Social and Economic Organization. 2. o vassalo muitas vezes trata as terras e direitos que lhe são assegurados como se fossem uma propriedade sobre a qual sua família tem direito hereditário. A máxima de Edmund Burke referente à sociedade como parceria aplica-se a esse contexto: "Como os objetivos dessa sociedade não podem ser obtidos em muitas gerações. Na prática. A política deixa de ser uma luta acima da distribuição de poderes soberanos onde quer que o domínio pacífico sobre um território e seus habitantes é concebido como uma função de uma mesma comunidade — o Estadonação2. Shils. O governante e seus vassalos reivindicam um direito prescritivo ao exercício da autoridade. o "bloco de construção" da ordem social é a família com privilégio hereditário. Rcflcctions on thc Rcvolulion in Franco. O acesso a postos políticos e administrativos importantes nos governos dos Estados-nações pode ser facilitado pela riqueza e pela posição social elevada através de seu efeito sobre os contatos sociais e as oportunidades educacionais. As principais funções do governo. Na concepção medieval. no sentido de que não podem. a autoridade governamental está tão ligada à família quanto à propriedade. a construção de obras públicas e outras foram removidas da luta política.. a política torna-se uma luta acima da distribuição do produto 1. Henry Regnery Co. ela se torna uma sociedade não apenas entre os que estão vivos. a organização do sistema postal. Inc. New York. e entre elas e o governante supremo. Law in Economy andSocicty. e ed. 140. de Max Rheinstein & E. Edmund Burke. ser apropriadas por Estados privilegiados. p. Mas a facilidade de acesso não é como a prerrogativa que as famílias aristocráticas na política medieval reivindicam em virtude de sua "antiguidade de sangue". mas como membros de famílias às quais aquele título pertence em virtude de linhagem real ou aristocrática. 338 e passim. Oxford University Press. p. não para si mesmos como indivíduos. Ver também Max Weber. Cambridge. e os que estão por nascer"1. Harvard University Press. Assim. Chicago.. A. Ver Max Weber. p. o controle da moeda corrente. Em vez disso. 1954. para usar a frase de Maquiavel. enquanto a ordem de classificação da sociedade e sua transformação através da herança regula as relações entre tais famílias. 140 . o recrutamento militar.REI\HAKD BE\DIX antepassados. a arrecadação de renda. 1947. O Estado-nação moderno pressupõe que esse vínculo entre a autoridade governamental e o privilégio herdado nas mãos de famílias de notáveis está quebrado. os que estão mortos. com base na hereditariedade. 156. 1955. cuja estabilidade através do tempo é o fundamento do direito e da autoridade. 1944. "[. Uma vez que a questão básica da discussão precedente é a estrutura política medieval da Europa ocidental. O governante ou chefe patrimonial está relacionado com seus subordinados e funcionários pessoais da seguinte maneira: 1. "A questão de quem decidirá um assunto .. Se o recrutamento foi extrapatrimonial [i. cujo recrutamento e execução política foram gradualmente separados do envolvimento previamente existente de funcionários com lealdades por parentesco.qual de seus funcionários ou o próprio chefe — [.AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇÃO nacional e acima das políticas e da implementação administrativa que afetam essa distribuição..] é tratada [. em princípio." 3. 141 .] Funcionários e favoritos da família são com muita frequência recrutados numa base puramente patrimonial dentre os escravos ou servos de um chefe. 1660-1930. com base na autoridade de normas legais ou precedentes particulares recebidos. A discussão seguinte examina esse processo de burocratização e se transforma numa análise de aspectos selecionados da relação entre os administradores e o público no Estado-nação moderno. ele é livre para alterar esses poderes ou comissões segundo sua conveniência.. Oxford University Press. [ou] inteiramente com base em decisões arbitrárias do chefe. Um corolário inquestionável dessa emergência do Estado-nação é o desenvolvimento de um corpo de funcionários." 3. eles tendiam a ser portadores de benefícios que lhes foram concedidos como um ato de graça sem compromisso com nenhuma regra formal. ou os comissiona para realizar determinadas tarefas. 2.. encontra-se em Emest Barker. A nomeação de funcionários e sua maneira de implementar os comandos diferenciam um tipo de estrutura política de outro.] [ou] tradicionalmente. em que esse processo de separação é investigado desde meados do século XVII. fora do domínio familiar pessoal do governante].e. privilégios hereditários e interesses de propriedade3.. Burocratização Um atributo de todo governo é a implementação de comandos através de um quadro administrativo. The Dcvclopmcnt of Public Services in Western Europc. New York. podemos caracterizar melhor o processo de burocratização por meio de um contraste sistemático com o tipo de governo patrimonial. Um estudo comparativo da história administrativa... Através de decisões arbitrárias no momento em que o dirigente confere poderes a seus funcionários. II.]" e portanto um enfraquecimento do regime patrimonial como é aqui definido. 33-104. Wirtschaft und Gcsdlschaft. A caracterização do regime patrimonial de Weber presume uma grande diversidade de eventos históricos. pp.. sua exclusão da própria mesa do amo significa a criação de benefícios [. a regra pessoal arbitrária é considerada legitimada com base na tradição imemorial e santificada. 7. dentro dessa estrutura. As características da regra patrimonial remanescentes são extraídas de Max Weber. Mohr. Túbingen. o patrimonialismo dá margem à tirania. 1951. e os conceitos emparelhados de arbitrariedade santificada e de precedente santificado fornecem um dispositivo interpretativo para 4. o governante faz todos os esforços para evitar a identificação de qualquer funcionário ou favorito doméstico com o ofício que ele ocupa numa determinada época. a qualificação para o ofício. se direitos estabelecidos eliminam a vontade arbitrária do governante. e finalmente o grau com que o governante e funcionários tratam o negócio oficial como uni ato de indulgência pessoal ou o desempenho daquele dever que a tradição lhes dá como incumbência. cit. A qualificação para o ofício depende inteiramente do juízo de valor pessoal do governante entre seus funcionários domésticos. B. a obediência dos subordinados ao governante ou a independência relativa de sua posição. pp. a base do recrutamento e remuneração. mas é também verdade que. The Thcory of Social anclEconomic Organization. Nesses aspectos.. 679-723. Repetidamente. o governante patrimonial enfrenta a tarefa de equilibrar um princípio com outro. Geralmente. 142 . 5. J. Rcligion of China. o patrimonialismo dá margem ao feudalismo ou um grande domínio se desintegra em domínios patrimoniais menores. The Free Press. sob o patrimonialismo. partidários ou favoritos. As discussões relacionadas são encontradas em Max Weber. O governo é considerado uma mera extensão do domínio privado do governante. As passagens citadas são extraídas de Max Weber. Essa consideração aplica-se a todas as condições acima enumeradas: a delegação de autoridade. O próprio governante ou seus funcionários e favoritos que agem em seu nome conduzem os negócios do governo quando e se o consideram apropriado. 6. nem a arbitrariedade pessoal nem a adesão ao precedente santificado podem ser dispensados. ou por pagamento de uma comissão ou por um ato de graça unilateral 4 . Pois se a arbitrariedade passa a prevalecer. "Funcionários e favoritos domésticos são geralmente sustentados e equipados na casa do chefe e de seus armazéns pessoais. Vimos que. 343.RE1NHARD BEND1X 4. o regime arbitrário ou a adesão à tradição santificada pode se tornar dominante. O regime patrimonial perdurará enquanto essas eventualidades forem evitadas. pp. Através de mudanças abruptas na nomeação e de uma série de outros atos arbitrários. op. isto é. 1925. Glencoe. 344 e 345. C.. 244-248. O processo de burocratização pode ser interpretado como a multifacetada. A discussão que se segue baseia-se em meu IÍSTO Work and Authority in Industry. H. 4. pp. trabalho administrativo como uma ocupação de tempo integral5. 106-198. enfatizar os dilemas intrínsecos nos conceitos capitais como a administração patrimonial. nomeação e promoção que são regulamentadas e baseadas em acordo contratual. também reduzimos o desnível do lado da análise comportamental. W.). estrita separação entre cargo e encarregado no sentido de que o empregado não possui os "meios de administração" e não pode se apropriar da posição. Os problemas de gerenciamento que emergem desse processo podem ser caracterizados de uma maneira geral pela comparação de cada condição de emprego burocrático com sua contrapartida não-burocrática ou antiburocrática. Gerth e C. justamente por isso. John Wiley & Sons. que são prescritos em regulamentos escritos. 1956. treinamento técnico (ou experiência) como uma condição de emprego formal. 143 . Embora a conceitualização desse padrão capacite o analista a abordar todo caso específico com um conhecimento dos "princípios de ação" que estão em debate. H. Por outro lado. a fim de reduzir o desnível entre conceito e comportamento. Considerações paralelas aplicam-se ao sistema de administração sob o preceito da lei. relações de autoridade entre posições que são ordenadas sistematicamente. repito-a aqui de forma abreviada. direitos e deveres definidos. 2. assim como aprendemos a estimar o preço de cada linha de ação. 6. os prejuízos evitáveis e inevitáveis que ela provoca na consecução de seus próprios objetivos. cumulativa e mais ou menos bem-sucedida imposição dessas condições de emprego desde o século XIX. Oxford University Press. New York. pp. No moderno Estado-nação do tipo ocidental a administração governamental é caracterizada por uma orientação dirigida para regulamentações legais e administrativas. 3. e 7. From Meu Wcbcr: Essays in Sociolog). Uma burocracia tende a ser caracterizada por: 1. salários monetários fixados. Uma vez que a definição de burocracia de Weber traça o paralelo dos pontos apenas citados em relação à administração patrimonial. 5. uma instância numa série de eventos que revela um padrão apenas quando encarada em retrospecto e por um longo prazo. Mas todo exercício concreto de autoridade por um governante histórico é. New York. É necessário. Mills (eds.AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇAO uma análise da mudança social. portanto. 1046. Cada uma dessas características representa uma condição de emprego na administração do governo moderno. aquele conhecimento é inevitavelmente afastado das ambiguidades e compromissos pelos quais os homens de ação abrem caminho entre princípios opostos. permitem a manipulação que a escala procura eliminar. de modo que alguma medida de identificação do empregado com essa posição é inevitável. Embora as escalas de salário possam ser prontamente fixadas e administradas. Os encarregados dotam seu desempenho no trabalho com qualidades pessoais que vão desde as idiossincrasias dispensáveis até habilidades intransferíveis e muitas vezes indispensáveis. no governo inglês durante o século XVIII os cargos administrativos eram uma forma de propriedade privada que uma família podia passar de uma geração à seguinte. 144 . Nas modernas condições de emprego. Mas as salvaguardas contra a demissão estabelecidas no governo moderno sob o slogan de "estabilidade no emprego" dotaram o emprego de um caráter de quase propriedade que é mais ou menos incompatível com a estrita separação entre o emprego e o empregado. embora. como em todo o sistema de classificação de trabalho sem o qual a escala de salário não tem sentido. a nomeação e promoção estão sujeitas à negociação e à influência pessoal. há contínuos esforços para suplementar qualquer escala de salário determinada por vários benefícios marginais que não são tão prontamente sistematizados como a própria escala e. A sistemática disposição das relações de autoridade serão opostas. Além disso. entre o cargo e o empregado. digamos. mesmo neste caso. por tentativas de sujeitar essas relações a uma negociação informal usando favores de vários tipos. especialmente em relação a empregados assalariados e trabalhadores especializados. da situação profissional etc. portanto. O treinamento técnico como uma condição de emprego está talvez menos sujeito a tais práticas. Considerações semelhantes aplicam-se aos salários monetários fixos. Considerações pessoais semelhantes podem também afetar a nomeação e a promoção de empregados. bem como a competêricia técnica requerida. A estrita separação entre funcionário e encarregado. A avaliação subjetiva também entra na avaliação da experiência. é uma condição ideal que raramente é atingida na prática. as relações pessoais e as interpretações subjetivas possam modificar o que de outra forma seria uma adesão puramente formal a essa condição. embora muitas vezes involuntariamente. o indivíduo não pode se apropriar de sua posição no sentido de que. Penso em fatores como a preferência pela contratação de funcionários por candidatos que possuem certas caraterísticas pessoais. mesmo quando há uma evidente submissão às regras.REINHARD BEND1X O esforço para definir direitos e deveres de acordo com critérios formais (impessoais) encontrará persistentes tentativas para interpretá-las de uma maneira que o indivíduo interessado considera vantajosa para si mesmo. de um candidato. Mas tal aproximação é uma realização humana e. p. previsibilidade. com base em procedimentos sancionados por lei. 351. se foram decretadas pelas autoridades próprias. Law in Economy andSocicty. incentivos e apelos ideológicos. imparcialidade.. aversão. Na medida em que "amor. que os empregadores procuram regularizar pelo uso de incentivos e penalidades e que os trabalhadores interpretam a seu modo pela prática da restrição de produção. e na verdade dos próprios legisladores. essas estratégias conflitantes replicam o que Weber considera as características básicas da dominação legal. no qual aqueles que exercem autoridade sujeitam as condições de emprego a uma sistematização impessoal. enquanto os empregados procuram modificar a implementação das regras de uma maneira que consideram vantajosa a si mesmos. A expressão "tempo integral" é inambígua quando contrastada com o trabalho temporário ou secundário. e todos os sentimentos [. Mas a quantidade de trabalho realizado numa ocupação de tempo integral continua a ser uma condição de emprego muito controvertida. cit. o avanço na "racionalidade formal" foi e continua a ser circunscrito em muitos pontos pela preocupação das partes interessadas. portanto. Uma crença na legalidade significa sobretudo que certos 6.AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇÃO Embora a ideia de trabalho como uma ocupação de tempo integral seja geralmente aceita. 145 .. op. Dessa maneira. Dentro do contexto administrativo. a intensidade do trabalho está sujeita a disputas e interpretação. Conseqiientemente. Por outro lado. os que representam a autoridade esforçam-se por maximizar o desempenho previsível dos empregados pelo uso estratégico de penalidades. advogados. Podemos dizer que os empregados continuam a "negociar" silenciosamente sobre as regras que governam seu emprego. por considerações de equidade. portanto.] puramente pessoais [são excluídos] da execução de tarefas oficiais". a burocratização é um processo em andamento. muito depois de terem assinado o contrato que ostensivamente impede tal "negociação" posterior. mas esses ganhos estão inextricavelmente ligados a uma estudada desconsideração pela pessoa e pela circunstância e. como Weber mostra em sua sociologia da lei. com princípios de equidade. juizes. condicional. A administração impessoal fornece um suporte indispensável de regularidade.. Na sociedade moderna. As tendências para uma administração impessoal de regras emergem das crenças básicas de acordo com as quais as leis são consideradas legítimas. tribunais administrativos e outros estão preocupados em produzir leis e procedimentos que deverão governar as transações recorrentes entre indivíduos e grupos. os legisladores. e todos os outros atributos de ordem positivos. Ver essa formulação condicional em Weber. o governo moderno aproxima-se do tipo de burocracia ideal sob o domínio legal6. London. p. Sargant Florence. mas nunca resolvido. que por definição conhecem mais sobre a política da organização e sua execução "apropriada" do que aqueles que eles comandam. pois parece que a implementação de tais estatutos é assaltada por certas incompatibilidades inerentes à estrutura das organizações hierárquicas. Na terminologia da teoria da organização. 146 . isto é chamado o problema da comunicação de mão dupla. Todavia. Todos os subordinados recebem suas ordens dos superiores. 7. de modo que os subordinados não estão em condições de julgar quais os aspectos da operação do dia-a-dia são de interesse especial para seus superiores. Ud. P. no interesse do desenvolvimento de um corpo de leis coerente que seja o mesmo para todos. Portanto. envolve uma ordem de autoridade indiscutível. seu conhecimento superior é limitado ou circunscrito pelo fato de que seu alto posto dentro da organização afasta-o automaticamente da experiência do dia-a-dia com seus problemas operacionais. antes. que deve surgir da linha de autoridade a partir daqueles que estão em contato diário com problemas operacionais. por essas razões. Convém enfatizar que a razão para tal negligência não é necessariamente a má vontade dos superiores ou a inaptidão dos subordinados. A hierarquia de-postos. engendrar um interesse no ato de legislar em causa própria . como Florence observou. Mas enquanto a legislação legal tende a eliminar as idiossincrasias da lei pessoal. Os imperativos conflitantes da "racionalidade formal e substantiva" estendem-se mesmo ao interior dos estatutos relativamente simples que governam a administração pública. Routledge & Kegan Paul. 1953. ela também milita contra o exercício do julgamento no caso individual. Tampouco é possível aos superiores explicá-lo com muitos detalhes. pois a estrutura do domínio legal mantém suas características distintivas apenas na medida em que esse dilema é perpetuado. o Estado de direito perdura na medida em que as soluções parciais desses imperativos conflitantes são encontradas e que não se permite o predomínio da preocupação com a equidade nem com os atributos formais de legislar. Contudo. O básico e angustiante dilema de forma e substância na lei pode ser aliviado. indispensável em grandes organizações. Ela se deve. The Logic ofBritish and American Industry. a informação. "tende a ser negligenciada pela simples razão de que ela parte de um subordinado"7.REIKHARD BESDIX procedimentos formais devem ser obedecidos se a decretação ou execução de uma lei quiser ser considerada legal. 153.do mesmo modo que uma preocupação exagerada com a equidade no caso individual pode prejudicar a integridade do processo legiferante. Mas.. a atenção aos regulamentos pode. ao fato de que a hierarquia de postos envolve diferentes níveis de informação. O problema de comunicação é o caso em questão. A alegação de que laís dilemas são inevitáveis e de que. do frívolo e do auto-interesse. A discussão precedente da administração patrimonial e burocrática mostra que os conceitos — marcos das estruturas sociais podem abranger um espaço da experiência histórica. incompatível com a especialização. à luz de circunstâncias e com as habilidades organizacionais à disposição. parece-me. O estudo e a pesquisa podem melhorar tais soluções. 147 . os julgamentos são indispensáveis. as questões ou conflitos cujas repetidas resoluções definem e redefinem os atributos do tipo. mas esses critérios coincidem ou colidem com outros e.AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇÃO pois isso interferiria com a própria delegação de responsabilidade que as grandes organizações tornam necessária. pp. que é. De qualquer forma. é inteiramente compatível com o esforço para assentar a tomada de decisão gerencial numa base mais científica. cabe aos subordinados julgar em certa medida o que seus superiores querem ou devem saber. Macmillan Co. assim como a dificuldade de mante-los na família. a informação que ele fornece é passível de ser um amálgama do necessário. isto é. a especialização requer critérios claros para uma divisão do trabalho. Para evitar a reificação do tipo. a dependência de funcionários patrimoniais em relação à casa do governante contrasta com a fixação impessoal dos salários monetários dos funcionários burocráticos. o número de funcionários domésticos cresce. Por exemplo. 20-44. Simon mostrou de que maneira tais dilemas conduziram a teorias administrativas que são tão contraditórias quanto os provérbios. Por outro lado. eliminar os dilemas inerentes ao comportamento de aceitação do estatuto e das organizações hierárquicas8. a falácia de atribuir a uma estrutura social uma concretude que ela não possui. Uma vez que o desempenho dos subordinados é avaliado em parte por essa maneira de manter o superior informado. A substituição dos métodos mecânicos por operações manuais é obviamente um contínuo processo que em larga medida reduziu algumas áreas de arbítrio. exigem coordenação. muitas vezes. A tarefa analítica é identificar esses imperativos e. ainda que tais métodos também tenham criado novas oportunidades para o julgamento discricionário. os contraditórios provérbios administrativos de Simon deverão continuar. elas não podem. eliminar o exercício do julgamento. A discussão também exemplifica uma abordagem da mudança social que permite transformações de um tipo a outro. Portanto. na minha opinião. Os superiores e subordinados lidam diariamente com esse problema e com outros semelhantes. New York. A eficiência administrativa requer especialização. mas não podem. Conseqúentemente. os Em seu \\vtoAdmimstrativeBchavior. enquanto a operação das organizações hierárquicas requererem tais julgamentos. e os resolvem da melhor forma que podem. Quando o domínio do governante se toma mais amplo. 1948. embora as mudanças organizacionais (incluindo as baseadas em pesquisa anterior) reduzam e realoquem as áreas em que o arbítrio é possível ou desejado. portanto. devemos ver esses "atributos" como objetos de ação por grupos específicos. Mas. portanto. Um dado tipo de administração manterá seu caráter enquanto os governantes e funcionários conseguirem um certo equilíbrio entre os tipos de imperativos conflitantes. portanto.. Se os primeiros obtivessem êxito completo. Os funcionários do governante procurarão tornar seus benefícios hereditários. como o antigo. anulariam as condições formais da moderna administração e restabeleceriam a tomada de decisão pessoal em questões de remuneração e emprego. Embora as escalas de salário sejam fixadas e os funcionários não possuam direitos de propriedade em suas posições. Na Europa ocidental. Esse conflito será resolvido pela luta em termos das arbitrariedades pessoais e do respeito pela tradição que são característicos do governo patrimonial. a independência relativa em relação à família substituem cada vez mais seu antigo arranjo. dão o primeiro passo para se afastar da completa identificação do governante e do governo. porém. Note-se. Finalmente. essas condições do serviço administrativo estão sujeitas à negociação e à influência pessoal. como contra aqueles que usam a negociação e a influência para maximizar suas vantagens.REIXHARD BEfíDIX benefícios e. a ideia do cargo do governo como um tipo de propriedade pessoal herdada foi substituída pela completa separação entre o cargo e o encarregado. portanto. Mas a negociação e a influência continuam a afetar as condições do trabalho administrativo. e portanto preservam a identidade da burocracia. portanto. ou se tipos inteiramen148 . É verdade que esse novo princípio. com a remuneração tomando agora a forma de pagamentos de salários regulares em lugar da antiga dependência do encarregado em relação à família do governante e à renda proveniente do desempenho de funções oficiais. codificariam benefícios adicionais e condições de emprego de modo suficientemente detalhado para minimizar a negociação e a influência pessoal. Quando os funcionários conseguem tornar-se independentes. Fatores como benefícios extras e estabilidade pessoal podem muitas vezes modificar consideravelmente a escala salarial e a separação do cargo e do encarregado. que esse primeiro passo consiste na completa identificação do governo com muitos governantes. permanece bem no centro da estrutura do governo patrimonial. essa estrutura prevaleceu por muitos séculos. Se os negociadores obtivessem êxito total. enquanto o governante tentará recuperar o benefício como seu ao término do serviço ou pela morte do encarregado. Se essas alterações são mutuamente compensatórias. mas foi aos poucos internamente solapada. O saldo dependerá dos esforços conflitantes daqueles que administram a escala salarial e supervisionam as condições de emprego. quando o desempenho das funções governamentais perderam eficácia com a comercialização dos cargos. e até este ponto o padrão burocrático predominante está sujeito a uma alteração gradual. está sujeito a variáveis consideráveis. O grau em que essa alternativa patrimonial se tornou impossível é uma verdadeira medida do grau com que o tipo de administração burocrática se tornou o padrão predominante. se elas se acumulam em uma ou outra direção e dão origem a padrões "neopatrimoniais" ou "neofeudais". enquanto os privilégios dos Estados hereditários não mais existirem. O comandante-chefe nunca participa diretamente. pp. na medida em que relaciona o tipo ideal de organização burocrática de Weber a dois problemas críticos da administração pública no Estado-nação ocidental. New York. em sua especificação dos atributos que distinguem a administração burocrática da patrimonial. até o funcionário executivo "na linha 9. duas variáveis críticas. Ao nível da política pessoal-pública. 1128-1129 epassim. a outra com o condicionamento e isolamento organizacional desse quadro que afeta sua implementação de comandos. A discussão seguinte é relevante para essa investigação. mas em vez disso toma providências gerais para a ação combinada. Max Weber refere-se ao mesmo modelo ao enfatizar o tipo monocrático no qual um "chefe" exerce autoridade suprema sobre todo o quadro administrativo.AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇÃO te novos de administração emergem . ele concentra maior atenção nas relações de autoridade intra-organizacionais. Ordenando e facilitando a implementação fiel dos comandos. empírica. essas condições devem garantir que nenhuma influência extra-organizacional interfira na implementação de comandos à medida que esta percorre a hierarquia desde o nível de tomada de decisão. portanto. Para Tolstói um cone delineado com perfeição representa o modelo de todas as organizações hierarquizadas''. nas quais Weber vê as características distintivas de uma burocracia moderna. enquanto um número menor tem uma participação direta menor. mas devo concentrar-me aqui no segundo. Quando os homens se unem numa ação comum. As salvaguardas contra a apropriação completa e o envolvimento direto com os interesses da família e da propriedade são suplementadas pelas várias condições do emprego público. Temos. Administração Pública e Estrutura Social Na segunda parte do epílogo com o qual conclui seu romance Guerra e Paz.tudo isso está sujeito à investigação. d. 149 . War and Pcace.. s. Ambos os aspectos são igualmente importantes no exercício do poder público no Estado-nação ocidental. Contudo. Uma refere-se à natureza da autoridade exercida sobre o quadro administrativo. a maior parte deles participa diretamente na ação. a autoridade isola os funcionários das influências que interfeririam nessa implementação. os funcionários do governo são agora recrutados independentemente de suas lealdades de parentesco. The Modern Library. Reunidas. Em seu tipo ideal de um quadro administrativo sob autoridade legal. Leon Tolstói descreve a metáfora da raiz das organizações hierárquicas. no alto. Leon Tolstói. especialmente em sua análise do problema burocrático na Alemanha imperial no governo Bismarck. a hierarquia burocrática é uma estrutura independente: decisões políticas básicas foram alcançadas antes de sua implementação administrativa. Na ausência de privilégios hereditários. é frequentemente wão-monocrática). Studics in Sociology. n" l. Tipicamente ideal. J. as hipóteses do modelo weberiano (mais do que os atributos que formam o modelo) serão modificadas na discussão seguinte. B. essas hipóteses só podem ser aproximativas10. University of Colorado Series. 1958. surge uma pergunta: Devem os funcionários públicos manter todos os direitos do cidadão privado. Ver seus Gcsammeltc politische Schriften. 11. Paul Siebeck. I. com um quadro de funcionários que. Várias condições influem na hierarquia como um todo: a estrutura da autoridade suprema (que. três respostas foram dadas a essas perguntas. e com o declínio dos grupos de parentesco extensos. que pretende abordar uma compreensão mais completa da autoridade administrativa no Estado-nação moderno. ou devem eles sujeitar-se a algumas restrições especiais. tendo em vista suas responsabilidades e poderes como funcionários públicos? Geralmente. Higher Civil Scrvants in American Society. e o público concorda com os estatutos resultantes e não tenta influenciar em sua formulação ou execução. C. 299 e ss. 1949.REINHARD BENDIX de fogo". e certos problemas típicos na relação entre administradores e público. Num extremo. A autoridade e o padrão burocrático de cultura A emergência do Estado-nação é acompanhada pelo crescimento de uma estrutura governamental em larga escala. A discussão enfocará duas questões críticas: a posição legal e política dos servidores civis. os funcionários são assim condicionados de modo a se confinar voluntariamente e com competência técnica para essa implementação. Boulder. Mohr. Contudo. e os contatos entre administradores e o público". deve aceitar as condições de emprego estipuladas pela autoridade pública. 10. Tiibingen. Mas com a universalização da cidadania. ao ingressar no emprego público. ISO . como viu Weber. pp. University of Colorado Press. o exercício das funções administrativas deve ser efetivamente isolada da estrutura social circundante. Minha primeira tentativa de formular as precondições do comportamento burocrático encontra-se em Reinhard Bendix. da qual foram claramente diferenciadas. os funcionários públicos aceitam essas condições com suficiente boa vontade. Não sabemos como ele teria desenvolvido a relação entre o típico-ideal e o nível comportamental de análise. traçada no capítulo anterior. se tivesse vivido para completar sua sociologia do Estado. O próprio Weber oferece uma análise comportamental em seus escritos políticos. cap. Consequentemente. o padrão de cultura burocrática que forma a atitude dominante dos funcionários públicos. Desse modo. A discussão diretamente subsequente restringir-se-á à terceira abordagem apenas mencionada. e à Grã-Bretanha. os direitos da cidadania são anulados sempre que interfiram com essa obediência dominante. eles são solicitados a aceitar restrições especiais sobre sua expressão ou opiniões políticas e sua participação em atividades políticas. lustitia. Berlin. Informalmente ou através de uma legislação especial. No outro extremo está a opinião de que os servidores civis são acima de tudo servidores do Estado e. Entre esses extremos está a posição que recomenda a todos os funcionários públicos. Nas democracias ocidentais. ver Thomas I. Edição Comemorativa em Honra ao Bicentenário da Universidade de Colúmbia transmitida pela Universidade Livre de Berlim e pela Escola Superior de Política. A discussão que se segue deve muito a Ernst Fraenkel.1948. "Freiheit und politisches Betàtigungsrecht der Beamten in Deutschland und den USA". Esta visão pode ser chamada de plebiscitarianismo democrático. o princípio plebiscitário dos direitos universais de cidadania é rejeitado12. que o emprego público implica um suporte político positivo para o governo no poder. Nos termos da discussão precedente. pp. YaleLaw Journal. de modo que o funcionário público goza de plenos direitos do cidadão privado sempre que atue na qualidade deste. Libertas. a fim de salvaguardar a imparcialidade da administração governamental bem como a confiança pública nessa imparcialidade. 60-90. especialmente aos que ocupam posições de responsabilidade. com referência ao emprego público. Aqui. pp. Esta opinião pode ser chamada de autocrática ou plebiscitarianimo totalitário. à Alemanha nazista e à Itália fascista. 1953. é muito difundida a ideia de que os funcionários públicos devem renunciar a alguns de seus direitos de cidadãos porque o emprego governamental envolve uma confiança pública que poderia ser prejudicada por um uso imprudente desses direitos.AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇÃO está a opinião de que os dois papéis são inteiramente compatíveis. Portanto. Para um breve levantamento exemplificando essas três abordagens com referência à França na Terceira República. 58. vol. os funcionários públicos são deliberadamente separados dos cidadãos privados. no sentido de que trata todos os cidadãos da mesma maneira e não permite que o status especial do funcionário prejudique os direitos universais de cidadania. 120-133. Helfield. 12. em Vcritas. portanto. Colloquium Verlag. de modo que sob essas circunstâncias não há também nenhuma diferença entre o cidadão comum e o funcionário público. 757 . o ideal da neutralidade política. 13. "Loyalty among Government Employees". Seu propósito é mostrar o impacto da estrutura autoritária e do padrão de cultura burocrática no esforço para definir a posição legal e política dos funcionários públicos nos Estados Unidos e na Alemanha13. desde que a mesma exigência de completa fidelidade seja feita a todos os cidadãos. essa abordagem exemplifica Q princípio funcional no sentido de que os funcionários públicos são reconhecidos como uma ocupação que possui direitos e deveres particulares. Emerson e David M. Este sentimento antiburocrático manteve forte influência na administração pública americana. O Decreto de Direitos de 1776 da Virgínia. 1963. mesmo depois que a Reforma do Serviço Civil de 1883 aboliu o sistema de favorecimento de partidários políticos e introduziu algumas salvaguardas legais nos estatutos do emprego público do governo. Mas. coloca os altos funcionários do setor executivo do governo no mesmo pé que o legislativo com referência ao princípio de rodízio. devem retornar à vida privada em intervalos fixos. pp. The Dcclaration of Indcpcndcnce. The First New Nation. EUA. os reclamantes argumentam que sua nomeação para um cargo no governo baseava-se em contrato protegido pelo art. bem como os eleitos. Ver S. New York. Dentre as queixas das colónias contra as "repetidas injustiças e usurpações" do rei da Grã-Bretanha está a declaração de que "Ele instituiu uma multidão de cargos novos. Quando nenhum homem no serviço público é diferenciado da população em geral.. Funcionários nomeados. M. bem como a correspondente declaração de direitos para Massachusetts. que proíbe ao Estado sancionar leis "que prejudiquem as obrigações contratuais". Ernst Fraenkel cita duas decisões que exemplificam essa atitude generalizada. Vintage Books. parágrafo 10 da Constituição. No caso de Butler x Pensilvânia (51. 16. o governo é considerado um mal necessário. A importância dessas opiniões não diminui com a descoberta de que o favorecimento de partidários políticos não foi tão grande na administração de Andrew Jackson como se supunha. Com base em suas observações em 1831. New York. p. que emana de sua autoridade. na opinião do tribunal. Basic Books. nenhuma "semelhança ostensiva de autoridade" é desnecessariamente ofensiva. 101-102. porquanto os homens de todas as classes sociais são considerados igualmente qualificados para ocupar um cargo público16.. 1954. 1958. Vintage Books. Inc. Becker. II. o rodízio no cargo é visto como uma garantia de que distinções hostis não serão introduzidas no futuro. tanto como salvaguarda contra o abuso de poder quanto como um meio pelo qual eles podem voltar a participar das preocupações e privações do povo. pp. Chicago. Assim. 1891. e enviou para cá um enxame de funcionários para molestar nosso povo e arruinar sua propriedade"14. 127-128. eles só a desfrutam com a condição de colocar-se por sua conduta no nível de toda a comunidade"15. 1a. Pensilvânia. a suspeita em relação aos funcionários públicos data do início da independência. 752 . Sergel & Co. I. 1850). e que "os próprios funcionários públicos estão bem conscientes de que a superioridade sobre seus concidadãos. 214-215. e os funcionários do governo são literalmente servidores do público. Charles H. 14. e outros Estados. Tocqueville notou que. Lipset. a administração do governo deve refletir diretamente a vontade do povo. Ver James Bryce. pp. Citado em Cari L. Alexis de Tocqueville. 12. Dcmocracy in America. New York. The American Commonwealth.REINHARD BEND1X No ambiente americano. nos Estados Unidos. 15. . Em princípio.. Ver Fraenkel. o tribunal também comentava a natureza e o status legal do emprego público: A devida cláusula do processo não se aplica à propriedade de um cargo no governo [. e de livre desempenho do negócio público. a separação de poderes torna "impróprio que os funcionários dependentes do Executivo [. p.] O emprego no governo está sujeito a muitas restrições sobre direitos individuais. 18..AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇÃO a nomeação e o mandato de um cargo criado para uso público.. essa proibição circunscrevia as atividades políticas permitidas dos empregados do governo federal..] Essas rígidas regras. de interesse público.. pp. o tribunal suspendeu o direito do governo de demitir um empregado de cuja lealdade ele não estava totalmente convencido. cit. Klinger. pp.] Deste modo. com respeito a atividades.. o fato de que ela foi prejudicada no processo de demissão não invalida sua demissão nem dá a ela o direito de reparação.. Eles [a nomeação. ou. 84-85.. para fomentar e promover o bem geral: funções. no processo deBailey xRichardson (182 f. se Miss Bailey não tem direito constitucional a seu cargo. [. as atividades políticas de funcionários federais eram geralmente aceitas como parte 17. out. capítulo 6 da Constituição declara que ninguém poderá ser ao mesmo tempo funcionário nomeado e eleito. no presente caso. Mas não se deu atenção a essa interpretação.? . os direitos privados pessoais estabelecidos que se pretendem desse modo estar protegidos. em outras palavras. posse de propriedade etc.] Um século depois.] controlem ou influenciem o livre exercício do direito eleitoral". Citado em Joseph M. e a que estão obrigados. e os funcionários públicos do executivo têm poder de demiti-la. cargo público] são funções próprias daquela classe de poderes c obrigações aos quais os governos estão habilitados. O artigo l u .] não vão além do momento do prazo de contrato. Ver também minha discussão sobre os servidores públicos americanos como um "grupo desprivilegiado" em Highcr Civil Scrvants in American Socicty. 6. "The Halch Act: Regulation by Administrative Action of Political Aclivities of Government Employees". tendo em vista a importância predominante do negócio público17. Friedman e Tobias G. [. [. e o mandato.. de modo que a propaganda eleitoral por funcionários públicos é "considerada incompatível com o espírito da Constituição""1.d. Portanto. 1951).. 75. 100 e ss. 1945... [. VII. op. Esse tratamento à parte e discriminatório dos funcionários públicos não foi aplicado à esfera política. por conseguinte. 2. The Federal Bar Journal.. que não se pode presumir que os governos tenham abandonado. Como apontava Thomas Jefferson em 1801. Na opinião que apoiava esse julgamento. ao menos no início. uma vez que os cargos em função pública não dependem de direitos contratuais protegidos pela Constituição. sempre foram consideradas necessárias como um assunto de política oficial. de outro modo irrestritos. que contrariam todos os preceitos conhecidos de equidade ao indivíduo privado. o término de um emprego público não priva o encarregado de nenhum direito. essa mesma consideração se aplica ainda mais amplamente. independentemente de sua posição na comunidade. sobre a fonte das instruções dos presidentes Cleveland e Roosevelt. o mesmo princípio foi formalizado por Theodore Roosevelt e incorporado aos Estatutos do Serviço Público que permaneceram em vigor até 1939. 154 . quando a Lei Hatch estendeu os mesmos estatutos a todos os funcionários federais. Essa consideração baseia-se numa visão plebiscitaria que concede os mesmos direitos e deveres a todos os cidadãos. o juiz Douglas concorda com a maioria do tribunal quando expressa o receio de que os servidores públicos em posições administrativas possam prejudicar o funcionamento regular do setor executivo do governo. 20. Esmein. 60. se puderem engajar-se irrestritamente em atividades políticas. Numa instrução de 1886. Essa opinião é em parte esposada pelo juiz Douglas. 998. um funcionário federal havia sido demitido por sua participação ativa na campanha política. Os funcionários do governo são dessa forma transformados em cidadãos de segunda classe. o presidente Cleveland proibiu aos funcionários federais comprometer-se em "partidarismo importuno". o juiz Black sustenta que a Lei Hatch reduz a liberdade garantida constitucionalmente de milhões de funcionários públicos que eram impedidos de contribuir com seus argumentos e sugestões para a livre discussão de questões públicas. bem como aquelas que lhes são vedadas 2". jun. "The Hatch Act: A Reappraisal". o juiz Reed afirma que dois perigos surgiriam se os funcionários públicos 19. essa atitude clemente generalizada mudou após a Reforma do Serviço Público de 1883. Contudo. Subscrevendo a maioria. Ver idem. 990-991. apontando que "as propriedades do cargo público também os impedirão de assumir a condução ativa de campanhas políticas". que considera inconstitucional reduzir as atividades políticas dos funcionários públicos comuns. Em sua opinião minoritária. Ver Milton J. Na opinião da maioria do tribunal. de modo que o "princípio funcional" predomina.RE1NHARD BENDIX do sistema de favorecimento de partidários políticos. p. Contudo. As várias opiniões expressas no caso dos Trabalhadores Públicos Unidos x Mitchell [330. bem como a alguns funcionários do Estado e dos governos municipais19. EUA 75(1947)] revelam a lógica que fundamenta tais especificações. Desde então. e apenas a disposição constitucional era obedecida. Vinte anos depois. meros espectadores das discussões que resultam em ações políticas referentes ao bem-estar público. vol. 1951. Nesse caso. Aqui o "princípio funcional" é aduzido em apoio a regras especiais para a situação particular do servidor público numa posição de responsabilidade. Yalc Law Journal. pp. a Comissão do Serviço Público implementou essas restrições por uma detalhada especificação das atividades políticas nas quais os funcionários públicos podem participar. sobre uma lista das atividades políticas sob esses dois tópicos. AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇÃO pudessem desempenhar duas funções como funcionários de partido. Bureaucracy. Cambridge. Harvard University Press. Mas sob a influência do Iluminismo. as atividades partidárias poderiam fortalecer o domínio do partido no poder e dar origem desse modo a tendências que favoreceriam um Estado de partido único. Até a morte de Frederico II (1786). Na execução de suas ordens. O desenvolvimento do serviço público alemão não se caracterizou por esforços para alcançar essa separação. p. esses funcionários autocráticos eram ao mesmo tempo "servidores reais" no sentido literal do termo. Aristocracy and Autocracy. bem como contra a possibilidade de uma manipulação burocrática de partidos políticos — um grande esforço para garantir a separação entre política e administração. esses homens educados tornaram-se cada vez mais inquietos em sua posição subserviente. na grande maioria dos funcionários públicos comuns. inadvertida ou intencionalmente. Como tal. No caso americano. 155 . eles recebiam privilégios seminobres e um título nobiliárquico hereditário se alcançassem um alto posto. ajudou a fixar a identidade social e as lealdades da burocracia civil como um grupo de status distinto dentro da classe alta remodelada. O subsequente declínio da Prússia e sua derrota nas mãos de Napoleão em 1806 21. Conseqúentemente. 142. os comissários tendiam a agir como oficiais em comando por direito próprio e costumavam curvar as classes inferiores à sua vontade21. Hans Rosenberg. Recrutados em grande parte fora da Prússia. e com o enfraquecimento da ordem autocrática. esses funcionários eram leais ao monarca mais do que à nobreza prussiana. O principal perigo para os funcionários administrativos é que as atividades partidárias interfeririam no desempenho de seus deveres públicos. a Lei Hatch serve como salvaguarda contra a contaminação política do serviço público. após prolongadas lutas contra a regra pessoal arbitrária. 1958. No caso prussiano. a experiência inicial era a emergência de funcionários públicos muito instruídos a uma posição de grande influência e relativa independência política. Todavia. ela era destacada e alienada das pessoas comuns e inferiores. pois. Estava imbuída dos ideais hierárquicos e corporativos da classe superior do passado pré-absolutista que foram intimamente combinados com a atitude autoritária e os hábitos arrogantes dos Herrenmenschen militaristas. O contraste entre essa emergente nobreza burocrática e a posição subordinada dos funcionários públicos americanos anteriormente mencionada não poderia ser mais marcante: A política de nobilitação na Prússia. no serviço real. a experiência inicial e dominante foi a oposição colonial aos "enxames de funcionários" enviados da Inglaterra. antes de 1848. especialmente pp. 87-89. a proporção dos servidores públicos entre os representantes do Reichstag foi de 47% em 1871. Uma vez que os funcionários gozavam da proteção legal de sua posição. Assim. sob o risco de uma demissão instantânea. A mesma orientação liberal também deu origem à opinião de que os servidores públicos deviam ter permissão para servir como membros do Parlamento. as primeiras constituições alemãs continham dispositivos que garantiam a regulamentação legal do emprego público. estava associada na Prússia com o esforço para restringir o regime arbitrário de um autocrata real e com a promoção de reformas. Isto inclui professores universitários.. GcistundEpochcnderprcussischcn Gcschichte. Fraenkel. 1952. 22. 38% em 1887. Para maiores detalhes. houve ocasiões significativas antes de 1848 em que os servidores declaravam seu julgamento independente. Vicrtcljahrsschrift fur Sozial. "Die soziale Schichtung dês deutschen Parlaments seit 1848". a fim de compensar a antiga subserviência dos funcionários ao monarca. tecnicamente competente por ação de funcionários do governo de alto nível. ver Karl Demeter. 537 e ss. vol. Um servidor público pode ser demitido de seu cargo. op. 25% em 1912. 23. 39. Reunindo todos os deputados que eram considerados servidores públicos na Alemanha. 566 c ss. a ideia da ordem ilustrada. Desde então.RE1NHARD BENDIX criaram-lhes oportunidades para reformas administrativas e sociais. Lcipzig. 156 . inicialmente por causa da falta de candidatos adequados para o cargo público eletivo. Consequentemente. Esse breve resumo baseia-se em Otto Hintze. oficiais do exército. professores e superintendentes das escolas secundárias. Na primeira metade do século XIX. uma pesquisa mostra que de 1/5 a mais da metade dos representantes em assembleias legislativas sucessivas era de servidores públicos. 1943. 25-33. 13 epassim. Essa opinião fundamentava-se na experiência das assembleias legislativas do Sul da Alemanha (Landtage).und Wirtschaftsgeschichtc. E na ausência de instituições representativas. estavam aptos a proteger o público contra éditos arbitrários do monarca ou das ações ilegais de grupos privilegiados. os porta-vozes liberais advogavam aproteção constitucional dos direitos dos servidores públicos. pp. a proporção dos servidores públicos nos corpos parlamentares da República Federal cresceu novamente. cit. Koehler & Amelang. Este é o cenário no qual o antigo liberalismo alemão defendia a ideia de que os servidores públicos devem ser protegidos contra as medidas disciplinares arbitrárias e as demissões injustificadas. Mesmo na Prússia. bem como servidores públicos. Sua proporção baixou de 55% de todos os deputados na Paulskirche de 1848. apenas com base na adjudicação apropriada de seu caso. p. em contraste com a Constituição americana.. e 21% em 1930. Deputados cuja posição no serviço público era assegurada com base em garantias constitucionais demonstraram independência em relação ao governo vigente e determinados defensores da Constituição23. alguns altos funcionários interpretavam tal independência desempenhando o papel de uma oposição constitucional num Estado absolutista. Após a Segunda Guerra Mundial. ou seu salário pode ser reduzido. clérigos. em oposição aos privilégios estabelecidos da nobreza22. bem como uma salvaguarda da eficiência do governo24. sempre que os altos funcionários de opinião liberal tiveram de enfrentar subordinados firmemente conservadores que se opunham ao governo constitucional. Essas posições reverteram-se nos anos subsequentes à revolução de 1848. 157 . O resultado foi uma acomodação. No século XIX. de acordo com o qual os ministros tinham o poder de colocar funcionários numa posição de afastamento temporário (einstweiligen Ruhestand) com metade dos vencimentos. de toda maneira.AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇÃO São estas as circunstâncias sob as quais a orientação e as atividades políticas dos servidores públicos tornaram-se uma questão geral. Retrospectivamente. bem como os convocavam para uma defesa ativa das ações políticas no Parlamento e em outros lugares. Esse poder não é limitado por salvaguardas processuais e se estende a um grupo específico de altos funcionários públicos. 248-254. os governos alemães empregavam servidores públicos em campanhas eleitorais. uma vez que os mais altos servidores públicos — entre eles os chamados "funcionários políticos" . Embora os detalhes tenham sido modificados de tempos em tempos. Depois de 1914. Conseqúentemente. Ela parece sustentar a proteção legal ou constitucional do serviço público com sua liberdade de expressão e participação políticas. suscitaram apreensão entre os conservadores. em Staatsbildcnde Krãfte derNeuzeit. pp. Depois de 1918. suas disputas com um governo conservador eram conflitos entre homens com opiniões iguais. Berlin. naturalmente. na medida em que esses funcionários se opunham ao poder monárquico arbitrário e contribuíam para o crescimento das instituições parlamentares .tendências que. "Studien zur Geschichte der preussischen Verwaltung". essas tentativas eram. Em 1852. quando ministros da República de Weimar viram-se diante da oposição de funcionários públicos muito conservadores que resistiam a um regime constitucional. mas sem nenhuma redução de seus direitos garantidos legalmente. A completa liberdade política dos funcionários públicos parecia desejável aos porta-vozes liberais. Duncker & Humblot. que passaram a ser conhecidos como "funcionários políticos" nos anos de 1880.frequentemente defendiam o Estado de direito contra o que consideravam expediente político. sempre bem-sucedidas. A experiência com essa solução de compromisso foi muito confusa. 1961. podemos ver que essa independência era facilitada pela perspectiva conservadora dos funcionários. um novo regulamento disciplinar foi acrescentado. mais do que em campos ideológicos opostos. a situação mudou. Nas páginas que se seguem Hartung faz um detalhado balanço das políticas referentes aos "funcionários políticos" no período de 1848-1918. o expediente do 24. essa acomodação de 1852 permaneceu vigente daí cm diante. A legislação anterior havia legitimado a demissão de servidores públicos em casos de depravação moral. Ver Fritz Hartung. George Allen & Unwin. vol. mais especificamente. e habilitados a uma adequada subsistência de si mesmos e de suas famílias27. "Parlamentarische Unvereinbarkeiten". op. Alfred Metzner Verlag. 308-310. The Profession of Government. os funcionários públicos podem exercer dupla função como legisladores e porta-vozes de partidos. Der Beamtc in Fartei und Parlament. pois é um esteio do Estado de direito. o endosso político do regime transformou-se num requerimento positivo do emprego público25. Depois de 1933. pp. politicamente protegida. 158 .. Há indicações de que essa opinião é em larga medida compartilhada pelo povo alemão. 27. 2-3. Na opinião dos observadores alemães. e além disso a posição melhorada do servidor civil americano não incluía nada parecido ao prestígio. a perspectiva predominante. essas condições não foram nem de longe igualadas. em Archiv dês õffentlichen Rechts. que parece. embora muitos argumentos a favor da proibição dessa prática tenham sido propostos durante os debates alemães sobre essa questão26. sobre uma análise comparativa abrangente dos argumentos apresentados e a legislação pertinente. caps. contudo. no fim da Segunda Guerra Mundial. à segurança c à ideologia de apoio do cargo público alemão. Contudo.. Esse artigo contém nas pp. Essas vicissitudes não afetaram. 1963. pp. quando não bombástica. 26. reafirmação das opiniões caracterizadas acima. 1959. 273-275) o grau em que os funcionários públicos eram obrigados a "manter-se na linha" politicamente durante a República de Weimar. jun. 208 e ss. independentemente de seu status. cit. a manutenção do Estado de direito permanece identificada com o serviço público. 88. protegidos contra mudanças de posições que não representam a carreira exata equivalente ao cargo anterior. 1930. contudo. Para uma pesquisa deste último problema. "'Parteipolitische Meinungsàusserungen' der Beamten". o governo militar americano procurou aplicar os preceitos da Lei Hatch à reorganização do serviço público alemão. debilitando assim a independência do serviço público e favorecendo mais seu sectarismo do que sua neutralidade. Ver Werner Weber. vol. No cenário americano. Ver Klaus Kroeger. De forma semelhante. a política que permite aos funcionários servirem no Parlamento permanece associada não só à crença nas liberdades políticas de todos os cidadãos. 121-147 uma completa. A prova da independência política dos servidores públicos antes de 1914 é citada por Hartung. London. 58. p. As implicações dessa diferença tornaram-se evidentes quando. Até hoje. à ideia de que a independência dos servidores públicos.RE1NHARD BEND1X "afastamento temporário" era usado para substituir funcionários recalcitrantes por outros mais aceitáveis ao partido no poder. Ver Brian Chapman. subestimar (nas pp. 134 a respeito das citações jurídicas pertinentes. mas. ver Theodor Eschenburg. essa tentativa parecia motivada pela suspeita americana em 25. Frankfurt. 1952. não deve ser prejudicada. cujos membros são nomeados vitaliciamente. protegidos contra demissão ou transferência arbitrária do serviço (exceto em casos de "afastamento temporário"). em Archiv dês òffenllichen Rechts. op. p. "Berufsbeamtentum und Politik". Isso se aproxima muito do abuso quando os partidos políticos colocam seus altos funcionários em posições no funcionalismo público.AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇÃO relação ao serviço público alemão como sobrevivente de uma tradição absolutista. e que gozava de excessivos privilégios económicos e sociais devidos à confiança especial que caracteriza a relação entre o governo e seus funcionários28. conduzindo desse modo a uma burocratização do Parlamento. cit. Ernst Kern. Sigo aqui o argumento apresentado em Idem. os funcionários são limitados por normas legais. mas nenhuma referência é feita ao problema especial das atividades políticas por servidores públicos. eles ajudam a decretar leis e a supervisionar sua execução.ambas importantes salvaguardas do Estado de direito2''. porque lhes é concedido considerável arbítrio em seus deveres públicos e o "sectarismo obstrusivo" pode facilmente distorcer-lhes o exercício discricionário. os perigos aparecem quando funcionários se envolvem em atividades partidárias. no caso alemão. limita muito o critério do juiz ou do funcionário. pp. animada por atitudes políticas reacionárias. 59-77. que. Mas ao defender dessa forma a clara separação 28. Um escritor declara que a neutralização política do funcionalismo público apenas aumenta a integridade do Estado. pp. em contraste com a lei comum. O autor examina as implicações das atividades políticas pelos servidores públicos com inúmeros exemplos extraídos do contexto alemão. 109-110. 108. Mas. 759 . 30. Tanto o setor legislativo como o executivo do governo são prejudicados se um se transforma numa mera extensão do outro.. 1951/1952. embaraçosa e antiquada em seus procedimentos. as condições privilegiadas de emprego dos servidores públicos alemães são uma garantia de sua independência de pressões externas que surgem dos partidos políticos e grupos de interesse. Mas essas considerações não são vistas como aplicáveis a um sistema baseado na lei codificada. Segundo essa visão. o conhecimento especializado e a imparcialidade de suas ações públicas podem ser salvaguardados pelas condições de emprego que garantam sua segurança e independência. Quando os servidores públicos servem como deputados parlamentares. na qual o autor argumenta contra a posição jurídica especial dos servidores públicos como não mais justificável atualmente. vol. 364-366). nocap. emArchiv dês õffcntlichcn Rechts. 4 dessa obra. No caso americano. enquanto essa independência é assegurada. O mesmo volume doArchiv contém uma réplica de Otto Kuester (nas pp. 77. 29. O importante é proteger a habilitação do funcionário e evitar a intrusão da política no processo administrativo . não faz muita diferença que uns poucos juizes e servidores públicos sirvam por um tempo como representantes eleitos e participem nas deliberações parlamentares. A defesa convencional do serviço público alemão foi desafiada por aqueles que eram favoráveis a que se fizessem restrições especiais às atividades políticas dos funcionários públicos3". Uma pesquisa das opiniões e das várias propostas para uma legislação que corrija essas distorções encontra-se em Eschenburg. ou cargo de confiança. 32. op. portanto. cit. A neutralização política do funcionalismo conseguiu demonstrar que era um privilégio legítimo. 760 . que o servidor público alemão é instruído a demonstrar acentuada ênfase na neutralidade de sua posição e nas obrigações especiais resultantes de seus privilégios legais. Ver Fraenkel. os servidores públicos seriam politicamente ignorantes ou indecisos e poderiam ainda ser vítimas de "tendências equivocadas". outras opiniões. essa ideia foi transformada no dever especial do funcionário em relação ao Estado. 108-100. op. A seus olhos. Quando existe uma posição tradicional de privilégios especiais. ainda que a proibição do cargo eletivo para o servidor público constitua uma diminuição de seus direitos como cidadão. Conseqúentemente. "Beamte ais Abgeordnete". pp. Eschenburg. a proibição das atividades partidárias pode ser equivalente a uma depreciação autoritária da política como tal e. foi interpretado como significando que ele era o guardião especial do Staatsinteresse. os servidores públicos muitas vezes alegam uma confiança e autoridade especiais como funcionários do Estado. ele também acrescenta uma consideração que revela a diferença básica entre a estrutura institucional alemã e americana. Pois eles estão interessados em primeiro lugar em eliminar a "segregação com caráter de casta" do funcionalismo público privilegiado (Beamtenstand). 1949. por sua vez. Pois essa neutralização também impede a possibilidade de que o funcionalismo seja invadido por forças externas em sua própria província ("berufsfremde" Krãftef1. 75. Há. a neutralização política só aumenta a distância social e psicológica entre os funcionários e o público que as reformas deveriam supostamente reduzir. Isto contrasta com o caso americano. Sob a influência do romantismo político. em que medidas semelhantes reforçam a "cidadania de segunda classe" dos funcionários públicos. Mas então se pergunta se isso está realmente de acordo com as intenções do governo militar [americano]. Treuepflicht. no qual a neutralização é considerada um perigo potencial. como observa Ernst Fraenkel3-1. com efeito. p. Ver. Pois a proibição de ingressar nas atividades partidárias pode significar. cit. naturalmente. em Ar Mv dcs óffcntlichcn Rcchts.RE1NHARD BEND1X entre política e administração. caracteristicamente.. "justifica" a ideia da isenção executiva dos controles parlamentares que "apenas" refletem o partidarismo. 67. e isso. por exemplo. A palavra alemã para as obrigações dos funcionários públicos é.. a transformar o significado da neutralidade política. O contexto alemão tende. p. na ausência de participação política. 80. contudo. lembrando uma antiga condição na qual os servidores públicos eram servidores pessoais do monarca. A neutralização política fortalece presumivelmente a homogeneidade interna do funcionalismo público [alemão]. vol. portanto. o que podia significar qualquer 31. porque. A exclusão de servidores públicos da participação direta em "partidarismo importuno" é. Elas exemplificam a moderna dualidade entre governo e sociedade: uma jurisdição de âmbito nacional com autoridade administrativa nas mãos de um grupo de funcionários funcionalmente definidos de um lado. restringir as atividades políticas desses "guardiães públicos" pudesse parecer uma eliminação da política de um grupo que estava claramente identificado com o público e com o interesse nacional. 161 . As sociedades ocidentais modernas são caracterizadas pelas comunidades políticas nacionais. não podemos entender o significado para cada sociedade da burocracia como um tipo ideal de administração sob o Estado de direito33. e a participação formalmente igual nos negócios públicos por todos os cidadãos. não é de surpreender que. Mas. Mas cada Estado-nação é também afetado pelo momentum de acontecimentos passados que lhe são característicos.AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇAO coisa. A mesma ideia de reduzir as atividades políticas dos funcionários públicos pode ter repercussões contrastantes. Contra esse pano de fundo. Tais funcionários são impedidos de ter envolvimento com lealdades de parentesco. de outro34. uma vez que isto é alcançado. para alguns. Restrições impostas sobre as atividades políticas dos servidores públicos são um exemplo desse tipo de salvaguarda. 1964. a partir de uma perspectiva semelhante. Sem atentar para os padrões de cultura burocrática divergentes. 34. The Burcaucralic Phcnomcnon. Chicago. da política do poder ao bem-estar público. como nas estruturas sociais alemã e americana. A discussão precedente focalizou a atenção nas atividades políticas de funcionários públicos em relação a sua posição social e legal. enquanto as relações de autoridade entre eles são estipuladas em termos impessoais. Políticas organizadas segundo o princípio federativo apresentam problemas especiais. privilégios hereditários. Como foi afirmado anteriormente. University of Chicago Press. apenas um aspecto do problema delineado anteriormente. O isolamento de funcionários das influências da política partidária torna-se um atributo comum do Estado-nação. Mesmo quando a política e a administração são claramente distintas. a política nessas circuns33. onde a separação do governo em relação à sociedade é instituída sob condições de um moderno sistema de partidos plebiscitados. uma questão permanece em aberto: Até que ponto o processo administrativo pode ser isolado de influências ou pressões que afetam a implementação das políticas? Os administradores e o público O CENÁRIO PLEBISCITARIO. e interesses de propriedade pelas condições de seu recrutamento. Uma análise mais completa da burocracia. encontra-se na obra de Michel Crozier. torna-se necessário manter esses critérios impessoais do emprego público contra novas formas de influência. naturalmente. contudo. 35. Verlag C. Um breve sumário só pode apontar a complexa transformação de uma política de notáveis com sua ênfase na representação funcional numa política de partidos plebiscitários. Strukturproblcme der moderncn Dernokratic. Com a universalização da cidadania. c essas são relativamente raras. até recentemente. as demandas no governo e. alguns aspectos de uma política de notáveis ali perduram. que representam ou dizem representar o público em geral. como observa o autor americano. Comumente. 78 e ss. essa transformação ocorreu muito mais cedo do que no continente europeu ou na Inglaterra. e. com certas autoridades de âmbito nacional permanecendo com o centro. Karlsruhc. 1962. Esse legado anticorporativista ajuda a explicar o fato de as constituições ocidentais não terem. Os Parlamentos transformam-sc de um corpo de notáveis deliberativos. sob qualquer condição. No campo do emprego público. uma luta pela distribuição do produto nacional e por princípios norteadores da administração governamental. Com essas mudanças. num corpo de políticos profissionais que se identificam com um partido político e representam seu eleitorado. Ver também a brilhante análise de Jiirgen Habermas. as disposições constitucionais prevêem a divisão de poderes entre o centro federal e o Estado ou as autoridades provinciais e locais. Com respeito ao desenvolvimento americano. Mueller. as antigas restrições baseadas na experiência familiar e na posição social são gradualmente substituídas pela confiança nas qualificações de instrução e educação como o único critério de seleção. comparável àquela exercida pelos partidos europeus. nas atividades governamentais expandem-se muito. tornando-sc. previsto a existência de partidos políticos. 1959.os "interesses intermediários" de Lê Chapelier-foram destruídos. porque alguns políticos individuais conseguiram construir eleitorados seguros próprios que os habilitam a desafiar a liderança de seu próprio partido. os partidos políticos não exercem uma disciplina sobre os representantes eleitos que seja. Embora complexas disputas ocorram com referência a essa divisão. portanto. pp. dá-se uma importante transformação da vida pública que se origina no desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e a gradual mas profunda intromissão da publicidade em esferas previamente consideradas confidenciais e privilegiadas35. O mesmo mas eles não invalidam essa caracterização geral. que examina em especial as consequências culturais e psicossociais da "universalização" da vida política. os poderes corporativos . F. 762 . Esse crescimento do plebiscitarianismo refletc-se no desenvolvimento de partidos políticos em organizações de massa. Neuwied.RE1NHARD BEKD1X tâncias deixa de ser uma luta pela distribuição de poderes soberanos. Hermann Luchterhand. embora o político como notável tenha desaparecido mais cedo nos Estados Unidos do que na Europa. pois estes foram considerados novos poderes corporativos que intervinham entre os indivíduos e o Estado-nação. No contexto eleitoral. como no Sul. O uso do termo "plebiscitarianismo" com relação aos funcionários públicos é uma questão equivocada. passim. em vez disso. o termo significa que todos os cidadãos como indivíduos possuem o direito de votar e concorrer às eleições. Ver a análise dessa transformação n u m a base comparativa em Gerhard Leibholz. Strukturwandcl der Õffcntlichkcit. qualquer alteração importante requer emendas constitucionais. Portanto. Para estabelecer esses direitos. fenómeno que é familiar onde ele tem uma base regional mais geral. O acesso à influência sobre o processo administrativo é. é menos problemático que o cidadão não instruído seja barrado do emprego público por não estar qualificado do que por não possuir as aptidões e atitudes necessárias para obter razoável consideração de seu caso pelas autoridades públicas. como que de um marco da história. o nivelamento objetivou menos abolir a situação privilegiada dos funcionários do que eliminar o acesso privilegiado ao emprego público. quer seja modificar a implementação da política através do contato com uma secretaria administrativa. Grupos de interesse proliferaram com o aumento e a diversificação de atividades governamentais. Cabe resumir esses desenvolvimentos do "público" numa série de propostas. Com referência ao cidadão como um indivíduo que possui liberdade de concluir contratos e direito de votar. o argumento de Lênin de que toda pessoa instruída está qualificada para o emprego público em virtude da crescente simplicidade do governo. e assim por diante. um problema de crescente importância. muitas vezes combinam suas demandas com as de outros. de uma condição de sociedade na qual as relações das Pessoas são somadas nas relações de Família. Todavia. Os exemplos são o sistema americano de favorecimento de partidos. Tratando com o governo em larga escala. Não devemos coonestar as trágicas incongruências entre as preocupações humanas e o procedimento administrativo. como têm o direito de fazer. Começando. quer o objetivo seja fazer um partido ganhar uma eleição. ou a argumentação dos sindicatos do funcionalismo francês de que os servidores públicos devem possuir plena liberdade política quando não estiverem servindo formalmente ao governo. podemos adotar a famosa formulação de Sir Henry Maine: É o Contrato que substitui gradualmente essas formas de reciprocidade em direitos e deveres que tiveram origem na Família. 163 . Este é composto por indivíduos isolados apenas quando o cidadão requer assistência pública. Essa questão torna-se menos importante quando os privilégios diminuem e regras formais governam os procedimentos de recrutamento e os direitos e deveres dos servidores públicos. atua em sua capacidade como eleitor. interferir com representantes individuais. mas o confronto dircto entre indivíduos e funcionários caracteriza apenas uma fração das relações entre os administradores e o público. À medida que os direitos são universalizados c as atividades governamentais proliferam. a ação coletiva e plural é não só segura como vantajosa. Tais indivíduos são ajudados em suas negociações com o governo quando suas desvantagens são reconhecidas.AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇÃO legado ajuda a explicar alguns exemplos em que todas as distinções entre os servidores públicos e outros cidadãos são negadas. na prática. contudo. Quando os cidadãos desejam influenciar a política em algum nível. Henry Maine. A proliferação de interesses organizados deu origem a uma proliferação de termos "agarrados" a esse 36. portanto. Berlin. Podemos adotar a formulação de Maine segundo a qual: Começando como que de um marco da história. encorajam por sua vez a formação de grupos baseados nos princípios do interesse comum e na "capacidade de organização". p. Dutton. Nesse caso. 99.RE1NHARD BEND1X parece que avançamos firmemente para uma fase da ordem social em que todas essas relações derivam do livre consentimento de Indivíduos3'1. 1956. parece que avançamos firmemente para uma fase da ordem social na qual essa reciprocidade tem sua origem nas relações de pessoas que derivam de ações de governo. Podemos. parece que avançamos firmemente para uma fase da ordem social em que as desigualdades sociais. de uma condição de sociedade na qual a reciprocidade de direitos e deveres tem sua origem no livre consentimento de indivíduos. as atividades governamentais. a autoridade pública reconhece seu direito social a uma subsistência mínima. que se desenvolvem em resposta a demandas públicas. mesmo que esse não seja seu propósito explícito. 164 . 37. Grupos de interesse ou partidos políticos são formados e se tornam ativos como causas e como consequências dessa proliferação de governo. New York. os cidadãos se organizam a fim de modificar em proveito próprio os direitos e deveres que são afetados por açóes das autoridades públicas. Everyman's Library. Essa formulação deve ser alterada se nos referirmos ao cidadão como um indivíduo necessitado com direito à assistência pública. políticas e económicas que afetam a capacidade legal dos indivíduos se tornaram de preocupação pública suficiente de maneira a conduzir a uma redistribuição corretiva dos direitos e deveres da cidadania por intermédio da legislação e da administração. 1931. P. Ancient Law. esta é a mais ampla análise comparativa até a presente data. Em consequência. de uma condição de sociedade na qual todas as relações pessoais derivam do livre consentimento de indivíduos. reexprimir a proposição precedente da seguinte maneira: Partindo como que de um marco da história. Portanto. uma vez que elas afetam uma redistribuição de direitos e deveres. Duncker & Humblot. Essa "redistribuição corretiva" através do governo exemplifica o aumento das atividades governamentais de uma maneira geral. mais do que no "privilégio herdado". Dic Rcpràscntation organisicrtcr Interessai. Esta frase é extraída do título da obra de Joseph Kaiser. Apesar de uma interpretação um tanto corporativista. REPRESENTAÇÃO POR INTERESSES ORGANIZADOS37. E. esse problema era especialmente agudo por causa da força da burocracia e da grande fragilidade dos partidos políticos e do Parlamento. lobbies. infiltração do governo. grupos de pressão. University of Califórnia Press. governo invisível. com a proliferação de funções governamentais.tendência que complicou a já difícil tarefa de uma supervisão efetiva por corpos parlamentares. provavelmente mais do que anteriormente. o "segredo" do processo administrativo é com maior frequência mais um subproduto da complexidade do que o resultado de um funcionalismo enérgico e bem defendido. Weber também comentava a tendência dos altos funcionários alemães a tomar decisões políticas sob o disfarce de uma preocupação com problemas administrativos puramente técnicos . porque a "cadeia de comando" alongouse e os funcionários públicos responsáveis no bom sentido já não podem atender a suas responsabilidades sem essa preocupação e tais julgamentos3".AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇÃO fenómeno. Vimos anteriormente que o tipo ideal de burocracia de Weber presumia a existência da autoridade (monocrática) efetiva sobre o quadro de funcionários administrativos e uma clara separação entre decisões políticas no alto e a execução política abaixo. As políticas muitas vezes permitem que os administradores decidam entre cursos de ação alternativos. apenas desejo comentar brevemente dois aspectos desse complexo problema: o significado dominante dos interesses organizados para o "administrador neutro" e para a teoria sociopolítica de grupos no Estado-nação. Seu número elevado sugere tanto a preocupação como a incerteza intelectual com a qual esses interesses organizados são encarados. Sob tais circunstâncias. 165 . No presente contexto. se não em habilidade e vigor. "A cada ano a Administração de Veteranos [Americana] julga em seu âmbito processual (a Junta de Apelação dos Veteranos) quase a metade do número de casos julgados por todo o sistema judiciário federal. poderes compensatórios. O fato é que. p. Além disso. Em sua análise política. Administrativc Law. mesmo quando os partidos políticos e instituições parlamentares são fortes e largamente aceitos. 1%3. os administradores passaram a se preocupar com a política e a exercer julgamentos arbitrários. concentrações de poder. anarquia de interesses particularizados. e eles não desejam agir arbitrariamente. "A responsa- 38. a supervisão parlamentar dos atos administrativos decai em segurança. neofcudalismo. 7. Um indício incidental mas marcante desse ponto é a discrepância entre o montante de casos judiciais tratados pelo sistema judiciário comparado com a adjudicação administrativa. Mas o julgamento informal conduzido pela junta num ano soma mais que trinta vezes o número de casos julgados pelo sistema judiciário federal. A preocupação política de Weber com essas questões toldou sua própria preocupação com seu significado geral. Na Alemanha. Grupos de interesse. Berkeley. grupos de veto — estas são algumas das expressões que passaram a ser utilizadas." Ver Peter Woll. 766 . o Departamento pode obter a orientação de que precisa. Mort Grant. 41. Idcm. 94. somos informados que os comités consultivos raramente são estabelecidos com o propósito apenas de uma deliberação desinteressada. Wheare. Chicago.RE1NHARD BENDIX bilidade administrativa" pode tomar a forma de consulta aos interesses organizados mais diretamente envolvidos. e "essa extensão do relacionamento muito além do ponto do parecer real se encaixa nitidamente no propósito real mas não explícito do administrador de fortalecer e validar seu programa e o apoio para este"40. Oxford. Numa discussão paralela das condições americanas. Notar também essa mesma tónica nas análises de Norton Long. A essa altura há uma notável interação entre "Estado" e "sociedade". "The Technology of Advisory Committees". Isso pode significar tão-somente a percepção do administrador daquilo que o público quer ou necessita. Aqui. Wheare declara. 1960. K. C. Conscqúentemente. 40.. Government by Committee. é essencial obter a cooperação daqueles que são afetados pela política do Governo:'g. 1962. de que a negociação ou consulta com autoridades públicas tem efeitos importantes sobre os próprios interesses organizados. mas tais estimativas se obscurecem nas ideias de quais devem ser os desejos do público. Há indícios. que geralmente orientam as diretivas políticas e que a complexidade organizacional do governo os obriga a tomar. Public Policy. Harvard University Press. X. 53. com referência às práticas inglesas: Às vezes acontece que. 4. Cambridge. os administradores procuram o amparo dos julgamentos arbitrários. o autor reconhece a função conciliadora do administrador que "aceitou a tarefa de intermediário nas várias reivindicações das quais o legislador desistiu"41.). em Cari Friedrich e Seymour Harris (eds. cap. 1955. As pessoas que trabalham nesses comités geralmente esperam permanecer em contato com os processos de fazer política do programa sobre o qual foram consultadas. K. Enfatizando essa busca de apoio. p. Rand McNally & Co. Com os governos empenhados em planejar e o controle da vida económica. Harvard University. somente após ouvir as partes interessadas e reuni-las para ouvirem uma à outra e talvez negociar um pouco entre si. Yearbook of lhe Graduate School of Public Administration. Num amplo estudo do Government by Committee. Este é um campo traiçoeiro. que muitos administradores evitarão ou evitariam se soubessem estar pisando nele. vol. Eles encontram esse amparo nas opiniões e no conselho especializado que apenas os interesses organizados estão dispostos a oferecer. Numa 39. se a estimativa do funcionário estiver drasticamente errada. Há o risco das repercussões negativas por parte do público e da legislatura. The Polity. por outro lado. C. p. ibidem. Clarendon Press. a responsabilidade ganha o sentido de atendimento ao "público". Não é preciso invocar aqui algum propósito sinistro ou teoria conspiratória.. A consulta a interesses organizados torna-se em si mesma um artigo de política. 767 . o professor Arnold Brecht explicou que a obrigação expressa dos ministros alemães de consultar-se apenas com representantes das federações de grupos de interesse (as assim chamadas associações de ponta). 1961. 1960. Allen & Unwin. de que o curso da administração que eles adotam assegurará e manterá a confiança pública. é claro. p. Ver Wheare. Wheare. a consulta entre os funcionários públicos e os interesses organizados é considerada uma parte reconhecida da Constituição britânica. London. cit. 28. O propósito desse regulamento não era dar reconhecimento privilegiado às federações. Citado em Political and Economic Planning (PEP). É um exemplo especialmente claro no qual considerações inteiramente formais podem aumentar o poder dos grupos federados e de seus funcionários-chave. p. mas evitar a inundação do governo. encontra-se no Report of lhe Committee on Intermediaries. London. 7904. c/í. em nossa opinião. 16. Advisory Committccs in British Government.M. p. considerações inteiramente processuais e a preocupação com a eficiência tinham o efeito de encorajar as federações a articular várias reivindicações locais antes de contatar o governo. 43. A carta de Brecht é citada em Wilhelm Hennis. op. apenas um dos muitos contatos entre os funcionários públicos e os interesses organizados. Num país de 53 milhões de pessoas. o controle final permanece com o ministro. Os comités consultivos são. Um resumo do alcance e da variedade de contatos entre funcionários públicos e cidadãos individuais.S. Essa afirmação não é considerada incongruente porque. 44. E. teve início depois de 1918. II. bem como com grupos organizados. na Inglaterra.AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇAO carta reveladora. p. quando cada cidadão ou associação local dirigia suas reivindicações ou desejos pessoalmente ou por escrito aos ministérios e à Chancelaria do Reich. C. op. De acordo com K. Politischc Viertcljahrschrift. p. 32 e PEP Report. 8).O. Nas palavras do Comité Haldane sobre a Máquina do Governo: A preservação da total responsabilidade dos ministros pela ação executiva não é garantia. O recente relatório PEP (Planejamento Económico e Político) declara explicitamente que "o objetivo de ter comités com status consultivo mas grande autoridade independente é destacar o trabalho administrativo da máquina principal do Governo"44. teoricamente. e assim ter um efeito importante na estrutura dos interesses organizados42. Assim. 6. os funcionários públicos e os 42. as agências analisadas lidam com um excesso de 19 milhões de requerimentos anualmente (idcm. 1950.. H. "Verfassungsordnung und Verbandseinfluss". a menos que seja reconhecido como uma obrigação dos departamentos valer-se eles mesmos do conselho e assistência dos corpos consultivos assim constituídos para tornar disponível o conhecimento e experiência de todos os setores da comunidade afetados pelas atividades do Departamento 41 . Cmd.. Desse modo. Elcments of Public Administration. 1959. New York. a regulamentação legal de "conflitos de interesses" procura isolar os administradores de influências que possam interferir com sua implementação de diretivas políticas. "Government Consultation w i t h Induslry". Ver também as observações de Henry E h r m a n n e Norman Chester em Henry Ehrmann (ed. 6-7. 47. Inc. 34. cap. 1946. os tribunais insistiram cm que a responsabilidade final permanecesse nas mãos dos funcionários públicos.REINHARD BEND1X funcionários de interesses organizados têm uma experiência social semelhante e. S/rRaymond Street. pp. 1942. Além disso. Nesse contexto. 7. Mas os manuais de procedimento (Geschãftsordnungen) dos principais ministérios estabelecem formalmente a consulta às principais associações na preparação inicial das moções legislativas pelo governo federal. Quando os poderes legislativos foram delegados a grupos privados. University of Chicago Press. "Interest Groups in Administration" . que os ajuda a distinguir as questões de política das questões de administração45. pp. Comités consultivos são outro artifício reconhecido para canalizar as influências recíprocas entre funcionários e associações. Pittsburgh. 16S . e S. vol. e o funcionamento de comités consultivos podem. Finer.. 1958. violando desse modo os procedimentos formais do governo federal. 46. as designações executivas de funcionários administrativos. Universily of Pittsburgh Press. cit. As mesmas tendências aparecem em outras partes de formas diferentes. 377 e ss. de várias maneiras. 285. Assim.). pp. p. o procedimento dos tribunais administrativos. Public Aclminislration. 1956. Nos Estados Unidos. Esse tipo de "democracia-chanceler" não só milita contra a responsabilidade ministerial no executivo. o chanceler Adenauer recebeu pessoalmente altos funcionários dos principais interesses organizados. Prentice-Hall. op. 314-338. 9 epassim. epassim. 45. em Frilz Morstein-Marx (ed. por exemplo. Public Administration. embora na prática isso tenha significado que os atos administrativos resultantes se basearam no consenso entre os grupos de interesses e os funcionários públicos formalmente responsáveis47. pp. Ver. Chicago.). Ver Avery Leiserson. 23-35. Intcrcst Groups on Four Continenls. Administrativa Rcgiilation. Ver também a utilíssima pesquisa do mesmo autor. A Constituição da República Federal da Alemanha não reconhece a existência de interesses organizados. "The I n d i v i d u a l Responsahilily ol' Minislers". levar em conta as representações dos interesses organizados. um entendimento tácito das propriedades de seu relacionamento. questões de organização e procedimento no ramo executivo são reconhecidas pelos tribunais como pertencentes ao campo do arbítrio administrativo. 37. aparentemente. o contato frequente e íntimo entre os funcionários públicos e os interesses organizados é uma parte aceita do processo administrativo. Ver a excelente discussão desses pontos por Wilhelm Hennis. mas também prejudica as funções constitucionais do Parlamento46.. E. vol. devemos retroceder a discussão às mudanças estruturais das sociedades ocidentais consideradas nos 48.AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇÃO Vários princípios parecem ter guiado essa regulamentação4". o princípio é que os funcionários públicos não devem aceitar nenhuma transferência de valores económicos de uma fonte privada. portanto. "The New Federal Conflict-of-Interest Law". Finalmente. Perkins. Aqui. ilarvard Law Rcview. abr. A mesma proibição aplica-se também ao caso de ex-funcionários. 769 . através de pagamento a um funcionário. outros tantos esforços para preservar os critérios impessoais do emprego contra as novas formas de influências que surgiram da proliferação de interesses organizados. procuram influir num ato oficial. na medida em que. Os funcionários não devem aparecer num foro do governo em sua capacidade privada ou fazer transações em assuntos nos quais o governo é parte interessada. de um modo geral. tentou-se apenas uma regulamentação pontual. que é de competência do último. IMPLICAÇÕES TEÓRICAS. Os princípios precedentes na legislação de "conflitos de interesses" são. é inaceitável que fontes privadas transfiram valores económicos para funcionários públicos. pp. são consideradas inaceitáveis transações sempre que um funcionário participe em ações públicas que afetem significativamente seus interesses económicos pessoais. 1113-1169. É uma questão de princípio que os funcionários não se utilizem de suas posições oficiais para atender a interesses privados em suas transações com o governo. há o princípio de que os funcionários públicos não podem usar em proveito próprio informação confidencial adquirida em suas funções oficiais. A regra básica contra o suborno preocupa-se com casos nos quais pessoas privadas. Em outras palavras. Além disso. embora aqui ela tenda a limitar-se a um determinado período de tempo subsequente ao desligamento do emprego público. 76. vol. Tais transferências são aceitáveis apenas se forem correspondentes a um contrato válido ou direito de propriedade do funcionário. nessa área. Com referência à primeira. e nos quais por sua vez o oficial permite-se ser assim influenciado. 1963. é difícil distinguir entre o uso legítimo e ilegítimo da experiência adquirida. mesmo quando tais transferências não constituam suborno. Depois de ter analisado resumidamente o significado dos interesses organizados para o "administrador neutro". desenvolveram-se princípios adicionais que tratam da conduta do funcionário em sua capacidade pública e privada. Sob as leis de "conflito de interesses". a conduta do negócio público deve ficar imune ao perigo de que o funcionário público se torne subserviente a interesses particulares. Minha discussão bascia-se em Roswell B. bem como ao grau de conexão entre o assunto em questão e as responsabilidades passadas do ex-funcionário. RE1NHARD BEND1X capítulos anteriores. O desenvolvimento simultâneo de uma autoridade de âmbito nacional, um corpo de funcionários públicos formalmente isolados das influências "externas", e as tendências plebiscitarias no domínio político são acompanhados pelo desenvolvimento de interesses funcionalmente definidos e organizados. Os esforços dos funcionários públicos para obter apoio, informação e orientação dos "públicos" relevantes combinam-se ponto por ponto com os esforços de interesses organizados para influenciar as ações do governo, assim como para beneficiar seus membros ou clientes49. Pode ser considerado um corolário da autoridade de âmbito nacional, de um lado, e a proliferação de interesses organizados para influir sobre essa autoridade, do outro, que nos Estados-nações ocidentais o consenso c elevado em seu nível nacional. Nessas comunidades políticas, ninguém questiona seriamente o fato de que funções como tributação, conscrição, constrangimento legal, a conduta dos negócios estrangeiros e outras pertencem (ou devem ser delegadas) ao governo central, mesmo que a implementação específica de muitas dessas funções seja controvertida5". Embora esse alto grau de consenso nacional seja paradoxal, as comunidades políticas nacionais são caracterizadas pelo contínuo exercício da autoridade central. A continuidade é garantida pela despersonalização da administração governamental, de modo que ela se tornou uma matéria de pouca monta em quase todos os postos-chave, para os quais os indivíduos são nomeados. A continuidade é também assegurada pelo consenso nacional sobre as funções essenciais do governo. Conseqiientemente, um governo nacional do tipo moderno representa um princípio mais ou menos autónomo da tomada de decisão e da implementação administrati- 49. Que eu saiba, não temos nenhum estudo comparativo abrangente do grau em que esses "públicos" são organizados. A título de ilustração, cabe, contudo, citar as estimativas de S. E. Finer para a Inglaterra. De acordo com Fíner, 90% de todos os fazendeiros pertencem ao Sindicato Nacional dos Fazendeiros, 80% de todos os diretores ao Instituto de Diretores, 85% de todas as firmas manufatureiras à Federação de Indústrias Britânicas, 85% de todos os médicos à Associação Médica Britânica, 80% de todos os professores ao Sindicato Nacional de Professores, mas apenas 48% da força de trabalho aos vários sindicatos. Ver S. E. Finer, "Interest Groups and lhe Political Process in Great Britain", em Ehrmann, op. cit., pp. 118-124. 50. Admitidamente, essas matérias são instáveis, e existem diferenças significativas na civilização ocidental. Ademais, ninguém pode duvidar das circunstâncias em que essa hipótese fundamental é questionada, como na guerra civil americana, a ampla oposição ao governo constitucional na Alemanha durante a República de Weimar, ou mais recentemente, no conflito entre o governo nacional na França e o exército francês estacionado na Argélia. Pondo de parte esses casos extremos, o consenso sobre as funções nacionais do governo, ou o que E. A. Shils chama de "disposição civil", é compatível com uma separação altamente desenvolvida de poderes e a proliferação de competição e conflito. Ver a análise geral em termos culturais de E. A. Shils, "The Theory of Mass Society", Diogcncs, vol. 39, 1962, pp. 45-66, e a análise institucional do sistema político americano de Henry Ehrmann, "Funktionswandel der demokratischen Institutionen in den USA", em Richard Lòwenthal (ed.), Die Dcmokratie im Wandel der Gescllschaft, Berlin, Colloquium Verlag, 1963, pp. 29-55. 170 AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇÃO va51. Mesmo para um teórico do grupo como Emile Durkheim, somente o Estado, nas condições modernas, pode garantir a "existência moral" do indivíduo. O Estado pode ter esse efeito, porque ele é "um órgão distinto do resto da sociedade"52. Provavelmente, as pessoas aceitam a jurisdição total do Estado, porque acreditam na realização e revisão ordeira de uma total reciprocidade de direitos e deveres. Podemos dizer que essa crença é expressa nas reivindicações que os indivíduos e os interesses organizados fazem ao Estado. Mas se é verdade que o consenso com respeito às instituições que podem satisfazer essas reivindicações é elevado, é também verdade que a multidão e diversidade das reivindicações podem tornar impossível qualquer política coerente. Com efeito, mesmo o interesse em formular tais políticas pode declinar quando qualquer identificação do "bem-estar público" é obrigado a funcionar cm detrimento de alguns interesses. Um alto grau de consenso no nível nacional pode, portanto, ser totalmente compatível com uma decrescente habilidade para alcançar acordo em questões de políticas nacionais. Exceto em emergências, o consenso no nível nacional possui, portanto, uma qualidade impessoal que não satisfaz ao persistente anseio por fraternidade ou sentimento de solidariedade. Esse anseio tampouco é satisfeito em outros níveis de formação de grupo. De fato, o desenvolvimento de um consenso de âmbito nacional foi acompanhado por um declínio da solidariedade social. Classes, grupos de status, e associações formais derivam da junção de "interesses ideais e materiais". Contudo, nenhum deles envolve um consenso comparável à aceitação por todos os cidadãos da ideia de que o governo nacional possui autoridade soberana. Esta não é uma questão nova. Os teóricos sociais e políticos deploraram e criticaram a perda da solidariedade social desde o início da moderna comunidade política. Quando escritores como Tocqueville e Durkheim sublinham a importância de "grupos secundários", fazem-no na crença de que esses grupos podem contrabalançar tanto o isolamento de cada homem em relação a seus contemporâneos como a centralização do governo. Todavia, a maior parte dessa análise permanece num nível cm que considerações de política e um elemento de nostalgia se fundem com considerações de fato, especialmente nos contrastes hostis sempre recorrentes entre tradição e modernidade53. 51. Nem a vida política medieval, nem os regimes absolutistas do século XVIII, nem ainda muitas das "áreas cm desenvolvimento" do mundo moderno tiveram ou têm um governo desse tipo, porque a adjudicação e a administração eram e são descentralizadas, pessoais, intermitentes, e sujeitas a uma remuneração para cada serviço governamental. 52. Emile Durkheim, Professional Ethics and Civic Morais, Glencoe, The Free Press, 1958, pp. 64, 82. 53. Para um levantamento dessa linha de pensamento, ver Robert A. Nisbet, The Qucst for Community, New York, Oxford University Press, 1053. 171 RE1NHARD BEND1X Apesar dos eminentes nomes associados a ele, devemos descartar esse legado intelectual. A "grande transformação" que conduz à comunidade política moderna torna inevitável o declínio da solidariedade social. Nenhuma associação baseada numa reunião de interesses ou em filiação étnica e religiosa pode recapturar a intensa reciprocidade de direitos e deveres que foi própria das "jurisdições autónomas" de uma sociedade de Estado. A razão é que nessas "jurisdições", ou "comunidades de lei" (Rechtsgemeinschafteri) como as chamava Max Weber, cada indivíduo é envolvido numa sociedade de "ajuda mútua" que protege seus direitos apenas se ele cumpre seus deveres. Essa grande coesão dentro das ordens sociais cobra um alto preço em subordinação pessoal. Acima de tudo, ela foi uma contrapartida à falta de integração de uma multiplicidade de jurisdições no nível político "nacional". Nesse aspecto, os regimes absolutistas alcançaram uma integração maior através da administração real centralizada e da lealdade do povo ao rei, embora os privilégios apropriados pela Igreja e a aristocracia também sujeitassem o homem comum ao regime autocrático do senhor local. Onde esses privilégios substituíram as "comunidades legais" dos primeiros tempos, os grupos privilegiados conseguiram uma coesão social considerável, mas o povo foi privado da proteção legal c costumeira de que gozava e, por conseguinte, excluído de sua participação passiva anterior na reciprocidade de direitos e obrigações14. As comunidades políticas modernas conseguiram uma centralização do governo maior do que os sistemas medieval ou absolutista, e esse resultado foi precedido, acompanhado ou seguido pela participação de todos os cidadãos adultos na vida política (com base na igualdade formal do direito ao voto). Mas um preço desses resultados é a menor solidariedade de todos os "grupos secundários". Esse "preço" é um subproduto da separação entre sociedade e governo na comunidade política moderna. Considerando que a solidariedade baseara-se na participação do indivíduo numa "comunidade legal" ou em sua associação num grupo de status privilegiado que possuía certas prerrogativas governamentais, ela deve resultar agora da estratificação económica da sociedade, auxiliada pela igualdade de todos os cidadãos adultos perante a lei e no processo eleitoral. Nos sistemas legais do velho tipo, toda lei aparecia como um privilégio de indivíduos ou objetos particulares ou de constelações de indivíduos ou objetos particulares. Esse ponto de vista opunha-se, é claro, àquele em que o Estado aparece como uma instituição coercitiva de 54. Tocqueville tende a obscurecer essa distinção identificando essa reciprocidade nas antigas sociedades territoriais da Europa medieval com a posterior simbiose da ordem absolutista e do privilégio aristocrático, embora indique com presteza a tendência do absolutismo de solapar a posição aristocrática. 772 AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇÃO abrangência total. O período revolucionário do século XVIII produziu um tipo de legislação que procurava extirpar toda forma de autonomia associativa e particularismo legal. [...] Isso foi efetuado por dois arranjos: o primeiro é a autonomia de associação universalmente acessível, estreitamente limitada e legalmente regulamentada, que pode ser criada por todo aquele que desejar fazê-lo; o outro consiste na garantia a todos do poder de criar sua própria lei mediante o engajamento em certos tipos de transações legais privadas 53 . Nessa base, ações conjuntas e relações de troca podem excluir o controle governamental, sem com isso desrespeitar a soberana autoridade do governo. Embora o desempenho governamental das tarefas administrativas possa ser afetado no detalhe, as ações individuais c coletivas não prejudicam necessariamente o funcionamento contínuo da comunidade política nacional. Nas sociedades da civilização ocidental devemos aceitar, portanto, a existência de um hiato entre as forças que conduzem à solidariedade ou ao conflito social independentemente do governo e das forças que respondem pelo exercício contínuo da autoridade na comunidade política nacional. O que foi dito em relação à comunidade política do moderno Estado-nação ocidental é verdadeiro em termos de um contraste ocasional. Comparado com a multiplicidade de jurisdições em grande parte autónomas, ligadas mais ou menos estreitamente pela sacrossanta autoridade do rei e pela fidelidade a ele devida por seus vassalos, o Estado-nação moderno representa uma estrutura de autoridade com funções soberanas que já não podem ser apropriadas e herdadas como atributos do direito de propriedade. Comparações ocasionais entre a vida política medieval e moderna trarão ao primeiro plano os aspectos duradouros do Estado-nação, mas ao iluminar os contrastes também diminuirão a relevância dos conceitos resultantes para uma compreensão de comportamento. Embora as características do Estadonação tenham permanecido, elas foram combinadas com mudanças de estrutura e comportamento tais como as acima analisadas com referência aos padrões de cultura burocrática e as relações entre os administradores e o público. Resumo Este capítulo analisou as transformações das sociedades europeias ocidentais por parte da autoridade pública, suplementando a análise anterior das relações sociais no contexto das estruturas políticas em mudança. 55. Weber, Law in Economy andSocicty, pp. 145-146. 173 conduzindo a uma jurisdição de âmbito nacional. como na Alemanha e nos Estados Unidos. o acesso ao emprego público será irrestrito. Esse elemento de flexibilidade pode ser analisado. exceto por qualificações educacionais. Onde todos os adultos gozam de direitos de cidadania. chegam a acordos temporários. e a equidade. 174 . Os historiadores lidam com essas contendas e acordos como sequências de acontecimentos. é a tensão entre a equidade. O crescente acesso ao emprego público e à influência sobre a implementação administrativa de políticas são uma contrapartida para a extensão da cidadania. Contudo. A marca de ambas c a destruição do privilégio herdado. A administração dessa jurisdição está nas mãos de funcionários cujo trabalho é vedado às lealdades de parentesco c interesses de propriedade. o crescimento da política plebiscitaria dará origem à proliferação de tentativas de influenciar a administração e à regularização de contatos entre os administradores e o "público". mais do que como emergentes. procurada por dar atenção às particularidades do caso a ser decidido. Mas esse isolamento é inequívoco apenas se considerado em contraste com a administração patrimonial.como a neutralidade política — pode ter implicações totalmente diferentes. A ênfase nessa distinção é suplementada na segunda parte do capítulo por análises que consideram o Estado-nação e sua burocracia como dadas. Nos estudos de mudança. cada estrutura possui um grau de flexibilidade que uma mera listagem de seus atributos distintivos tende a obscurecer. enquanto os sociólogos analisam seu denominador ou padrão comum. Vimos que essas tensões características refletem-se nas condições de emprego que distinguem a administração burocrática da patrimonial. contudo. geralmente definimos as estruturas sociais por uma lista de atributos que se distinguem uns dos outros.REINHARD BENDIX A primeira parte do capítulo exemplifica o uso de conceitos de aplicabilidade limitada. se cada atributo for concebido como uma questão sobre a qual os homens disputam e sobre a qual. de modo que um dado atributo da burocracia . Esses desenvolvimentos revelam as condições sob as quais a submissão nacional aumenta à custa da solidariedade de grupo. Tais definições são pontos de referência indispensáveis que nos habilitam a afirmar de forma sumária a ocorrência de uma mudança como a da administração patrimonial para a burocrática. esse denominador comum é a tensão entre a arbitrariedade sancionada do dirigente supremo e a inviolabilidade da tradição. No caso da administração patrimonial. Essa análise contextuai da burocracia também revela mudanças nas relações entre Estado c sociedade. procurada por regulamentos aplicáveis universalmente. depois de um tempo. verifica-se que o passado de um país afeta a posição legal e política dos servidores públicos. No caso da burocracia. Então. É uma realização muito mais condicional se o contexto da burocracia em si é considerado. De modo semelhante. Como se verá. apesar do crescimento dos "interesses organizados". Conseqúentemente. pelo uso administrativo da representação de grupo. a atenção c focalizada no nível governamental e nacional. Eles foram encorajados pelo direito de formar associações. enquanto o sentimento de grupo ou fraternidade está em declínio.AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NO ESTADO-NAÇÃO Nas sociedades ocidentais. 775 . cada um deles trata do problema da autoridade pública em relação com as tendências de formação de grupo que surgem na estrutura social. um grande número de "interesses organizados" formaram-se numa base impessoal de interesses comuns. e pelo grau com que a política se tornou uma luta pela distribuição do produto nacional. pelos grandes recursos disponíveis ao nível nacional. Esses desenvolvimentos das sociedades ocidentais fornecem um ponto privilegiado para os estudos comparativos subsequentes.
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