Aula 2 - Feudalismo

March 31, 2018 | Author: Pollyanna Machado | Category: Feudalism, High Middle Ages, Historiography, Economics, Europe


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FEUDALISMO: O Conceito e o Seu QuestionamentoProf. Dr. Vinicius Cesar Dreger de Araujo FEUDALISMO: Entendimentos Tradicionais do Conceito Popularmente se diz sobre o “Feudalismo” que se trata de um sistema que abarcaria simultaneamente a estruturação sociopolítica (através das relações entre Suseranos e Vassalos com a troca de feudos por serviços) e socioeconômica (através das relações entre Senhores e Servos, com a concessão de uso das terras em troca de serviços e rendas) da Europa Cristã Medieval. Este sistema teria se originado do choque de pressões internas (o fim da autoridade central do Império Carolíngio) e externas (as invasões sarracenas, húngaras e vikings) que levaram ao processo de “ENCASTELAMENTO” na Europa centro-ocidental: a quebra do poder político em nível local, fazendo com que pequenos e grandes nobres construíssem fortificações para defender recursos e populações próximas dos ataques inimigos e ter um ponto para organizar suas forças militares diante da ineficiência e distância dos enfraquecidos reis. “No ano da Encarnação do Senhor de 888, o imperador Carlos, o terceiro no nome e na dignidade, morreu na véspera dos Idos de Janeiro e foi sepultado no Mosteiro de Augea. Depois de sua morte os reinos que lhe estavam submetidos, como se tivessem sido destituídos de um herdeiro legítimo, desagregaram-se. Não esperando já um senhor natural, cada um procurou criar para si um rei saído de suas entranhas. Esta causa motivou grandes guerras; não porque faltassem príncipes francos que, pela sua nobreza, coragem e sabedoria, pudessem governar os reinos, mas porque a própria igualdade que entre eles havia na generosidade, dignidade e poder provocava a discórdia, visto não existir nenhum tão superior aos outros que estes se dignassem submeterse ao seu domínio. Na verdade a França teria produzido muitos príncipes idôneos para dirigir o leme do reino se a fortuna não os arrastasse à desgraça, armando-os uns contra os outros na emulação do Poder”. Chronicon de Regino, abade de Prüm. acrescentaram DIMENSÃO HISTÓRICA ao conceito ao traçar as origens deste “Direito Feudal” aos costumes das tribos bárbaras germânicas. “descreve um TIPO IDEAL ao invés de uma sociedade em particular” (ABELS. ARQUEOLOGIA DO CONCEITO • “Feudalismo” NÃO é um termo Medieval. nenhum reino deixou de ser atingido pelos ataques desta “Segunda onda de invasões bárbaras”. • KARL MARX: Continuidade da ideia de Smith. Medieval Technology and Social Change).. aliado à divisão da soberania nacional para indivíduos privados. • Entre os séculos XVI e XVII ocorreu a expansão dos estudos sobre o “Direito Feudal” da França para a Inglaterra e para as terras alemãs. armadura de malha e carga com a lança): a concessão de feudos estaria ligada com a necessidade de se obter recursos para financiar os altos custos desta nova forma de guerra (tese de Lynn White Jr. teria ocorrido também a associação da Nobreza com a Cavalaria pesada (baseada no trinômio cavalo pesado. . • Pensamento consolidado por historiadores franceses do século XIX. a partir do estudo da compilação Lombarda do século XII conhecida como LIBRI FEUDORUM (Livros dos Feudos).. É um CONSTRUTO HISTÓRICO (BROWN. 2009:1010). brutalidade e grandes desigualdades entre ricos e pobres. como François Hotman (1524-1590). como François Guizot e Fustel de Coulanges. ampliando-a como MODO DE PRODUÇÃO intermediário entre a Escravidão Antiga e o Capitalismo Moderno. • ADAM SMITH (A Riqueza das Nações. assim. • Consolidação DO CONSTRUTO I • MONTESQUIEU (O Espírito das Leis. Associado a isso. • Antiquários franceses do século XVI. • Surgimento do termo “feudal”: juristas italianos do Renascimento o empregaram para descrever o que ACREDITAVAM SER um Direito Consuetudinário COMUM de Propriedade. a solução sociopolítica e econômica conhecida como Feudalismo teria sido adotada por todas as regiões em questão. 1748): sistema de exploração dos camponeses. 1776): cunhou o termo “SISTEMA FEUDAL” para descrever a forma de exploração econômica dos camponeses por seus senhores que levou a uma economia e sociedade caracterizadas pela pobreza. especialmente dos FRANCOS. 1974) ou seja.Como se pode perceber. . utilização e distribuição de bens e serviços. as centralizações anglonormanda. social e militar que organizava a aristocracia guerreira na Europa Ocidental entre os anos 1000 e 1300. • Embora Anderson reconheça que “a definição de Servidão surgiu muito mais tarde do que o fenômeno factual que designava”. Embora tenha acertado ao destacar o papel do exercício da justiça como principal instância de poder e sua maior amplitude conceitual do que a contemporânea. SE TRATA DE UM ANACRONISMO! E o autor continua atribuindo o mesmo valor ao construto. por exemplo. seguida do estabelecimento do assim chamado “Feudalismo Bastardo” na Inglaterra Normanda. exceto na escola alemã. a virtual ausência desta fragmentação na Germânia Imperial (até o século XII). .Consolidação DO CONSTRUTO II • Escola Anglófona: Feudalismo como sistema político. com o monarca no ápice da rede de relações feudais de lealdade e terra tenência. sículo-normanda e portuguesa. o Patrimonialismo Português. em luta contra as cidades independentes lombardas (as comunas). Posição defendida por autores tão diversos quanto François Ganshof (belga). Perry Anderson em Passagens da Antiguidade ao Feudalismo consolidou a posição da Historiografia Marxista sobre a questão. Frank Stenton (inglês) e Joseph Strayer (estadunidense).. concluindo que o Feudalismo constituía um MODO DE PRODUÇÃO (em última instância a forma como a sociedade organiza a produção. • Outro problema da maior parte das formulações do Feudalismo. • Sua definição de modo de produção também inclui a estruturação política. partiu do pressuposto de Marc Bloch e aplicou a ela a metodologia de análise materialista. vassalagem. diferindo regionalmente mas contendo as seguintes instituições-chave: senhorio. por juristas ligados. • A síntese entre as duas posições (econômica e feudo-vassálica) ocorreu a partir de MARC BLOCH (A Sociedade Feudal. 1940) com o surgimento da expressão combinada SENHORIO E FEUDALIDADE. postula que as estruturas permanecem). apesar disso. por meio da exploração do trabalho de classes subalternas e do controle dos meios de produção). Ex: a ausência de evidências feudais na Inglaterra Anglo-Saxônica (embora fosse vítima preferencial dos ataques vikings). a predominância das cidades na Itália Setentrional. ignorando. está na sua contextualização espaço-temporal vaga e generalizante (embora admita que pudesse comportar alguma variação regional. tendo subsequentemente se tornado consenso entre os historiadores. embasando o que Marx havia deixado pouco delineado no século XIX. 143). a ausência da servidão camponesa na Boêmia. não levou em consideração que esta origem (os LIBRI FEUDALES) foi uma composição italiana (região MENOS FEUDALIZADA do ocidente). feudo e serviços feudais. Anderson peca pelo excesso de generalizações em relação ao esvaziamento do poder régio à fragmentação extrema do poder. em última instância. aos interesses dos imperadores germânicos. • Consolidação do Construto III • Em 1974. Isso enfraquece o valor de sua definição ao se defrontar com realidades diversas. que ainda tende a separar Feudalismus (sistema socioeconômico) de Lehnswesen (governança baseada nos direitos e obrigações advindos da posse de feudos). sendo “uma definição INVENTADA pelos juristas da Lei Romana nos séculos XI e XII e popularizada no século XIV” (p. incluindo a de Anderson. alemãs (ocidental e oriental). posteriormente. Alain Guerreau estabelece críticas arrasadoras ao pensamento historiográfico. de Marc Bloch a Jacques Le Goff. Kommunikation in Frieden und Fehde e Die Macht der Rituale. Colapso da justiça pública • 2. • Guerreau prossegue sua jornada iconoclasta ao analisar impiedosamente a historiografia do século XX. Xe – XIIe siècles (1980): Transformação ao invés de Revolução devido a uma amplitude maior. com cuidadosa atenção às mudanças de significado das palavraschave. mas constituída por: • 1. um dos principais nomes da tendência de estudos dos RITUAIS sociopolíticos (Spielregeln der Politik im Mittelalter.R. filosófico e econômico do século XIX acerca do Feudalismo. Symbolik und Herrschaft im Mittelalter). . 1953): Bloch formula vagamente quando se estabelece a sua “Primeira Idade Feudal” (advinda da dissolução da autoridade régia Carolíngia tardia e Capetíngia inicial). Elizabeth A. Nova ideologia das Três Ordens Críticas ao construto I • BROWN. assim como às cerimônias nas quais as relações políticas e sociais eram implementadas: “As regras escritas e não escritas que governavam estes laços e relações precisam ser considerados. particularmente Gerd Althoff. demonstrando. incluindo as escolas anglo-americana. “The Tyranny of a Construct: Feudalism and Historians of Medieval Europe” (1974) se configura como o primeiro grande ataque contra o construto de Feudalismo e seu emprego pelos historiadores. • Segundo Brown.1087). Duby propõe o entorno do ano Mil e.Consolidação DO CONSTRUTO IV • Georges DUBY e a “REVOLUÇÃO FEUDAL” (La société aux Xie et XIIe siècles dans la région mâconnaise. as falhas advindas de raciocínios teleológicos ou mesmo anacronismos nacionalistas que nada tinham a ver com o período medieval propriamente dito. Novos regimes de exploração arbitrária sobre os camponeses • 3. assim como os diferentes graus de eficácia destes princípios”. • A autora ressalta que a super-simplificação trazida pelo construto fez com que os historiadores desconsiderassem ou empregassem atenção insuficiente às evidências contrárias aos requisitos de seus modelos analíticos. o estudo da Política e Sociedade medievais deve enfatizar os termos coetâneos e o emprego dos mesmos no período. Multiplicação de Castelos e Cavaleiros • 4. • Essa linha de investigações muito influenciou a historiografia alemã. Críticas ao construto II • Em O Feudalismo: Um horizonte teórico (1979). (p. conectou esta ideia à popularização do paradigma das TRÊS ORDENS por volta de 1020. principalmente. assim como à lacuna entre a prática e os registros formais e estilizados que sobreviveram. • Jean-Pierre POLY e Eric BOURNAZEL sumarizam e suavizam o postulado de DUBY em seu La Mutation Féodale. espanhola. sem cair num “Juridismo” ou num “Economismo” (sic. • A crítica metodológica de Guerreau também continua atual: a necessidade de real interdisciplinaridade nas análises sobre o medievo. Alemanha e Itália. • O autor propõe quatro eixos para a análise da Europa “Feudal”. Contudo. polonesa e soviética. buscando estabelecer os padrões específicos daquela sociedade para então estabelecer suas semelhanças e diferenças em relação às regiões vizinhas. nunca existiu. respeitando suas particularidades regionais (por exemplo. 176) que limitam as reflexões. na Alta Idade Média imperavam os costumes ao invés das leis e estes costumes eram profundamente regionalizados e mutáveis. desmontando comparações com outras sociedades e/ou períodos: • 1. Reynolds conclui que termos como “feudo”. senhores. Relação senhores x camponeses . ao invés de explicar as relações entre estes elementos de modo mecânico sob uma chancela onipotente. os feudos por serviço militar eram menos importantes do que os alódios e os laços sociais horizontais (de cooperação e competição). não existem evidências de precisas instituições ou obrigações “feudais” nos séculos X e XI. • Segundo sua análise. funcionalidades e eficiência em seus domínios anglo-normandos e aquitanos?). p. para a autora. • Continuamos sem alcançar um consenso acerca dos mecanismos de funcionamento das sociedades europeias medievais. deve-se retomar a documentação coetânea. existiram e eram elementos críticos para o governo dos reinos medievais.dominium (complexa e pouco conhecida) • 2. ainda permanece. Relações de parentesco artificial – exogamia e apadrinhamento • 3. Se tanto. Análise Global do Sistema Feudal (“Ecossistema”): estudos socioeconômicos e agrários • 4. • De fato. Reflexões finais • O “Feudalismo” conforme estabelecido pelo Construto histórico. “benefício” e “vassalo” não possuíam qualquer significado técnico até a segunda metade do século XII quando receberam definição legal com a elaboração dos Libri Feudorum. Assim. dependentes e propriedades dependentes de serviços. Susan Reynolds analisou a evidência documental disponível acerca dos feudos como propriedades dependentes de serviço militar na Inglaterra. . apontando a necessidade da retomada de análises interdisciplinares DE FATO para a análise de sociedades complexas. mais importantes que a relação vertical (senhorio) do que os historiadores costumam considerar. os atos régios de Henrique II da Inglaterra possuíam as mesmas características. França. • Em resumo. A atuação material da Igreja Críticas ao construto III • Em Fiefs and Vassals – The Medieval Evidence Reinterpreted (1994). condessa de Troyes e do seu filho. Mas se o conde de Grandpré fizer guerra à condessa e ao conde de Champagne a favor de seus amigos e não por agravos pessoais. faço saber que sou homem lígio de Dona Beatriz. Antologia de textos históricos medievais. contra todas as pessoas. o meu muito amado senhor.189) . Fernanda. vivas ou mortas. Se acontecer que o conde de Grandpré entre em guerra com a condessa e o conde de Champagne por agravos pessoais. os cavaleiros que devo pelo feudo que deles detenho. exceto no que respeita à homenagem lígia que fiz ao senhor Enguerrand de Coucy. servirei em pessoa à condessa e o conde de Champagne e enviarei um cavaleiro ao conde de Grandpré para lhe prestar os serviços devidos pelo feudo que detenho dele. se me intimarem a isso. conde Thibaud de Champagne. Lisboa: Sá da Costa. (in: ESPINOSA.• É possível estabelecer uma definição operacional minimamente satisfatória e bem embasada? DEBATE “Eu. João de Toul. ao senhor João de Arcis e ao conde de Grandpré. irei pessoalmente prestar assistência ao conde de Grandpré e enviarei à condessa e ao conde de Champagne. 1972. Mas não invadirei eu próprio o território do conde de Grandpré”. p.
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