Aula 15 Março Seg Ter Populaçao

March 29, 2018 | Author: Sebastiao Marinho | Category: Michel Foucault, State (Polity), Niccolò Machiavelli, Knowledge, Truth


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AULA DE 15 DE MARÇO DE 1978Na aula do dia 15/03/1978, o assunto escolhido por Foucault foi o que se denomina “razões de Estado”. Para explicar o que significa essa expressão, Foucault usará o tratado “Discurso do governo e verdadeira razão de Estado”, do italiano Palazzo, publicado entre o fim do século XVI e o início do século XVII. Num primeiro momento, o objetivo do autor italiano é definir o que é razão. Para ele, a razão é empregada em dois sentidos: como essência inteira de uma coisa e, subjetivamente, como certo poder da alma que permite conhecer a verdade das coisas. Em seguida, Palazzo parte para a definição da palavra “estado”, que compreende, na visão do autor, quatro sentidos: em primeiro lugar, um estado é um domínio. Em segundo lugar, o estado é um conjunto de leis, regras e costumes (o estado é uma jurisdição). Além disso, o estado é uma condição de vida, em estatuto individual (estado civil, estado religioso, etc.). Finalmente, um estado é o que se torna alguma coisa, se não totalmente imóvel. Para Foucault, a república é um estado, já que é um domínio (território) e um meio de jurisdição, envolvido num conjunto de leis, regras e costumes. Ademais, a república é um conjunto de estado, ou seja, de indivíduos que se definem por seu estatuto. Mudando de assunto, Foucault questiona: o que vai ser chamado de razão de Estado, nos sentidos objetivo e subjetivo da palavra razão? Na explicação do autor, objetivamente, vai se chamar de razão de Estado o que é necessário e suficiente para que a repúbllica, nos quatro sentidos da palavra estado conserve exatamente sua integridade. Foucault exemplifica em relação ao aspecto territorial, afirmando que se determinada região da república é indispensável à manutenção da integridade do Estado, diz-se que esse território faz parte da razão de Estado. Já a razão de Estado no sentido subjetivo da palavra razão, citando o texto de Palazzo, Foucault define como uma regra ou uma arte que permite conhecer os meios para obter a integridade, a tranquilidade ou a paz da república. As características dessa definição são apresentadas por Foucault: em primeiro lugar, o autor afirma contundentemente que essa definição se refere unicamente ao próprio Estado, sem qualquer relação com ordens de outra natureza. Em segundo lugar, percebe-se que a razão de Estado está fortemente articulada em torno da relação essência-saber. Finalmente, observa o autor francês que a razão de Estado existe e se mantém em sua integridade. Para Foucault, a razão de Estado é conservadora, sendo este seu traço característico, ou seja, na razão de Estado será possível perceber que não há nada que diga respeito a algo com uma finalidade anterior, exterior ou até ulterior ao próprio Estado, diferentemente do A respeito desse assunto. exterior ao Estado? Não basta que a razão de Estado intervenha somente quando a existência do Estado se veja comprometida? O próprio autor italiano responde que a república não poderia subsistir em momento algum se não fosse mantida uma arte de governar comandada pela razão de Estado. representava a fusão de todas as particularidades e de todos os reinos numa só forma de soberania. em todo lugar. Para estudar o tema da salvação. A justificativa. quais sejam: a salvação. uma interrupção da legalidade. Palazzo apresenta algumas objeções: por que os homens deveriam obedecer a um governo que não lhes propõe nenhuma finalidade pessoal. extra-estatal). Estamos na historicidade aberta. ao contrário. mas sim uma forma de agir que se coaduna com a teoria exposta. Foucault cita Chemnitz. de fundamento. a expressão golpe de Estado não significava o confisco do Estado por uns em detrimento dos outros. não devendo o Estado se preocupar com a salvação dos indivíduos. o golpe de Estado correspondia a uma suspensão das leis. Este. não faz do golpe de Estado estranho à razão de Estado. Nesse sentido. Nessa época. uma ação específica da razão de Estado garantindo de maneira concertada e meditada o governo”. Conclui Foucault: “Agora. Dando sequencia. Isso. de legitimidade e de dinastia dos governos. já que esta não é absolutamente homogênea a um sistema de legalidade. o problema da obediência e o problema da verdade. não preservando qualquer ordem ou forma de justiça. Foucault demonstra que a partir da definição de razão de Estado desaparecem os problemas de origem. Foucault continua seu discurso observando que a idéia de paz perpétua vai substituir a idéia de Império terminal. por causa do caráter indefinido da arte política”. independentemente de uma unificação temporal ou espiritual. que afirma que a razão de Estado permite que todas as leis sejam infringidas. nós nos encontramos numa perspectiva em que o tempo da história é indefinido. que consiste na teoria do golpe de Estado. No início do século XVII. nas palavras de Foucault: “a fraqueza da natureza humana e a ruindade dos homens fazem que nada na república poderia se manter se não houvesse. na Idade Média. não seria o golpe de Estado uma ruptura em relação à razão de Estado. pois a razão de Estado deve comandar segundo a necessidade. muito comum na Idade Média. . em todo ponto. Foucault parte para uma interessante relação entre a razão de Estado e alguns temas importantes que foram identificados na análise do pastorado. o filósofo acredita que não é mais necessário preocupar-se com o ponto terminal do governo. para tanto. É o indefinido de uma governamentalidade para a qual não se prevê termo ou fim. Foucault utilizará um exemplo. Além disso. Já a paz universal seria a maneira como diferentes Estados poderiam coexistir uns com os outros de acordo com um equilíbrio que impediria justamente a dominação de um sobre os outros. Tomás cujo objetivo era alcançar a felicidade eterna e o gozo de Deus (fim extraterreno.governo real de S. porém. em todo momento. mas sim tem relação direta com a necessidade. na opinião do autor. analisada pelo texto “Ensaio sobre sedições e distúrbios” do chanceler Bacon. existe uma necessidade do Estado que é superior à lei. geralmente em períodos de equilíbrio. Surge nesse momento um questionamento: como se pode identificar a possibilidade de que uma sedição está se formando? A resposta é dada através dos indícios trazidos por Bacon em sua obra: a) circulação de rumores contra o Estado e contra aqueles que governam. exaltando a necessidade que o justifica. afirma o autor que a violência do Estado nada mais é do que a manifestação irruptiva da sua própria razão. ordinariamente. o golpe de Estado tem de ser imediatamente reconhecido. partindo. já que ele acredita ser esta da natureza do golpe de Estado. começa a ser seguida agora pela dureza teatral e trágica do Estado que pede que. Complementa afirmando que as sedições se produzem no momento em que menos se espera. agindo imediatamente. Foucault conclui que como o golpe de Estado é a manifestação da razão de Estado. Foucault conclui que o golpe de Estado é a automanifestação do próprio Estado. Assim. Essa necessidade fará com que o Estado exclua a aplicação das leis. a política não é uma coisa que tem de se inscrever no interior de uma legalidade ou de um sistema de leis. mas porque considera a sua aplicação útil e necessária. sendo o isso o golpe de Estado. que deve ser salvo de qualquer maneira. Neste caso específico. Assim. destacando a noção de Estado. Para ele. já que. c) as ordens circulam mal. cumpre observar que a razão de Estado não se inclina diante das leis por serem estas mais fortes que aquela.Foucault busca demonstrar o que há de específico no golpe de Estado que o diferencie de uma simples manifestação desse instituto. surge outro . Essa obra descreve as precauções a serem tomadas contras as sedições. Nesse caso. Em primeiro lugar. Foucault apresenta como característica a teatralidade do golpe de Estado. nesse momento. sem regra. é violenta. Foucault observa que devemos tomar as sedições com um fenômeno imanente à vida da república. e a salvação de todos é a salvação de cada um. é a da violência. na urgência e na necessidade. o exercício da razão de Estado não é violento. Foucault analisará o problema através de uma questão específica: as revoltas e as sedições que foram até o fim do século XVII um problema político maior. para o autor. da ideia de necessidade. O autor passa agora ao estudo do problema da obediência. O autor aprofunda na questão. a razão de Estado se torna golpe de Estado e. Finalmente. em nome da sua salvação. nunca certa. a salvação do Estado deve prevalecer sobre toda e qualquer outra coisa. logo não existiria nenhuma antinomia entre violência e razão. Entretanto. mesmo as misérias voluntárias do ascetismo. em alguns momentos o Estado não se utilizará dessas leis por algum motivo premente e urgente. que fazia suportar todas as misérias. b) as atitudes louváveis do governo que são mal recebidas pelas pessoas. em primeiro lugar. Porém. A segunda noção importante. se aceitem as violências como a forma mais pura da razão e da razão de Estado”. em oposição à temática pastoral de que a salvação de cada um é a salvação de todos. A partir do raciocínio apresentado. excedendo qualquer expressão do Direito. Nesse sentido. Foucault oberva que: “A grande promessa do pastorado. uma salvação sempre ameaçada. em nome da salvação do próprio Estado. Para Foucault. Da mesma forma como ocorreu no tema anterior. Ele nos lembra que. quando a necessidade exige. Para ele. já que ou eram comprados ou decapitados. Porém. já que o povo era demasiadamente ingênuo para oferecer algum risco. Já Bacon acreditava que os grãosenhores não representavamm qualquer problema. Para Maquiavel. pois o a nobreza é pouco numerosa e o povo lento demais e nunca entraria em revolta se não houvesse instigação da nobreza. Além disso. ele acredita que não há. Em relação aos “sinais que vêm de cima”. os descontentamentos de ambos também nunca andam juntos. entre outras. Já em relação às causas ocasionais. Para Foucault. Foucault afirma que o assunto abordado por Maquiavel era a aquisição ou a perda do principado. a solução para controle do descontentamento é sempre lhes deixar um pouco de esperança. por ser numericamente superior. estas vão ser como elementos inflamados que caem sobre uma matéria combustível. enumeradas por Bacon. As primeiras consistem na indigência (um certo nível de pobreza que deixa de ser suportável) e no descontentamento. tem-se que Maquiavel distinguia bem o que vem do povo e o que vem dos grão-senhores. o perigo vem dos grão-senhores. Para o autor há dois tipos de causas: as causas materiais e as causas ocasionais. Em seguida. e espontaneamente toma partido e sustenta os interesses de um partido em detrimento dos outros. a última diferença apontada por Foucault diz respeito aos cálculos de governo. em vez de recebê-la e executá-la. os remédios que existem para a sedição não devem ser aplicados nas causas ocasionais. Na opinião do autor. Isso ocorre quando aquele que recebe uma ordem. na realidade um problema. Foucault passa a comparar o que foi analisado com a obra de Maquiavel. cabe destacar quando os poderosos que rodeiam o soberano mostram que não obedecem mais as suas ordens e agem de acordo com o próprio interesse. é importante para o controle da sedição. A partir dessas ideias expostas por Bacon. Nesse sentido. na opinião de Bacon. os cálculos têm essencialmente a ver com os . Do primeiro. O autor chama esse indícios de “sinais de que vêm debaixo”. o que se deve fazer para controlar esse descontentamento é gerar uma rivalidade de interesses entre o povo e a nobreza. Por fim. Bacon traz. começa a interpretá-la e a inseri-la de certo modo em seu próprio discurso. são absolutamente indispensáveis para que haja sedição. que esse mesmo povo nunca encontre um líder entre os nobres. dentro da razão de Estado. suas causas. em relação ao povo. já que muito numerosas. Por outro lado. Em primeiro lugar. Com isso. mas sim nas causas materiais. já que os nobres ou são subornados ou são executados. Bacon percebe também que há uma diferença entre o descontentamento da nobreza e o descontentamento do povo. o príncipe dá a si mesmo quando não quer mais adotar um ponto de vista que seja exterior ou superior aos diferentes partidos que se opõem e lutam entre si no interior da república. Outro sinal. nesse momento. que é o problema da interpretação.problema identificado pelo autor. como mudança de religião ou uma modificação na distribuição dos privilégios. que. para Maquiavel. pois esse era difícil de governar. Bacon afirma que há duas categorias de indivíduos no interior do Estado: o povo e os grão-senhores. o assunto é uma espécie de possibilidade de sedição e sublevação. só haverá sedição verdadeira quando essas duas categorias se unirem. o povo era o problema. Em outra comparação. Já no texto trazido por Bacon. Ainda a respeito das sedições. a arte de governar implica certa produção de verdade. Foucault traz o problema do público. Foucault passa ao estudo do problema da razão de Estado e da verdade. Foucault destaca ainda o problema do segredo em relação à estatística. Foucault divide a resposta em dois períodos: até o início do século XVII e após o início do século XVII. nas últimas páginas do texto. a manutenção do Estado em sua força ou o desenvolvimento necessário da força do Estado. surge a necessidade de um aparelho administrativo que possibilitasse o conhecimento de exatamente tudo o que acontece no reino. Nesse momento. além de ter conhecimento dos exemplos históricos e dos modelos de virtude. afirma que não tinha a intenção de fazer a genealogia do Estado ou a história do Estado. A partir do século XVII. Para finalizar. o que é necessário saber para governar? A partir dessa pergunta. o conhecimento das forças e dos recursos que caracterizam um Estado num momento dado. Na opinião do autor. para que ele não seja dominado pelos outros e não perca a sua existência perdendo sua força ou sua força relativa. como dimensão essencial ao exercício do poder. de maneira que a opinião delas seja modificada. porém diferente em seus circuitos e em seus tipos. Para finalizar a respeito da verdade. Por outro lado. O objetivo do autor era demonstrar que o problema do Estado. o soberano deveria ser sábio e prudente. mas também que fosse. que surge no fim do século XVI. aparece do prisma reflexivo das práticas discutidas nos textos.qualificativos reais ou aparentes do príncipe. assim como no pastorado. cabe ao soberano conhecer além das leis e dos modelos históricos. Esse conhecimento demandado ao soberano era conhecido na época como estatística. não podendo ser dissociado do conjunto das práticas que fizeram efetivamente que ele se tornasse uma maneira de agir. que etimologicamente significa o conhecimento do Estado. Na realidade. Para Foucault. Foucault. Sendo assim. desenvolvendo-se precisamente somente nos Estados menores. O filósofo nos lembra que no pastorado havia uma verdade ensinada. o autor buscou isolar o prisma reflexivo dessas práticas. a maneira delas agirem. que deveria conhecer tudo o que acontece na sua comunidade. Foucault observa que esse conhecimento suscitava muitas dificuldades. seu comportamento como sujeitos econômicos e seu comportamento como sujeitos políticos. o Estado é uma prática. a caracterização do saber necessário é alterada. a sabedoria correspondia ao conhecimento das leis positivas e naturais que se impunham a todos os homens. para Bacon o cálculo visa aos elementos da economia e igualmente à opinião das pessoas que são governadas. No caso da razão de Estado. Buscava-se uma aparelho que não fosse apenas um agente de execução das ordens. uma maneira também de se relacionar com o governo. ao mesmo tempo. . os elementos que vão possibilitar a manutenção do Estado. Aqui. um aparelho de saber. já que na época os denominados “segredos de poder” não deveriam ser divulgados. Foucault questiona a respeito da verdade: quanto ao conteúdo. controlada pelo pastor. teremos uma concepção diferente. afirmando que a razão de Estado deve intervir sobre a consciência das pessoas. com a opinião. e. Anteriormente. Em relação à obediência. quando se conclui que a população é objeto da felicidade que deve ser proporcionada pelo Estado. por intermédio de um aparelho instalado para fazer a razão de Estado funcionar denominado “polícia”. que é a população. Foucault destaca que a noção de população não está presente na primeira análise da razão de Estado. já que é este que pode entrar em sedição. precisamente. em que o elemento população está presente. ainda não havia entrado no prisma reflexivo. Por outro lado. . Foucault conclui a respeito da razão de Estado. A noção de população como elemento da vida política passa a ser elaborada a partir do século XVIII. O autor observa que. na verdade. mas não refletido. o povo se torna fundamental. Foucault faz uma observação ressaltando a presença de um elemento. afirmando que a razão de Estado é uma relação do Estado consigo mesmo. mas sim na prosperidade do próprio Estado. apesar de estar presente. à população nunca é considerado um comportamento autônomo. que na análise da razão de Estado se encontra em todos os seus institutos. mas. não se está interessado na felicidade da população. Continua.Na conclusão. afirmando que esta definiu de fato uma arte de governar em que a referência à população estava implícita. Foucault relata que. O elemento população é ligeiramente esboçado em relação à finalidade do Estado.
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