Aula 12 - Marcelo Magalhães e Rebeca Gontijo

March 27, 2018 | Author: Davison Alves | Category: Republic, Monarchy, Brazil, Slavery, Abolitionism


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O PRESENTE COMO QUESTÃO: A REPÚBLICA NAS HISTÓRIAS DO BRASIL DEJOÃO RIBEIRO (1860-1934) E A PROPOSIÇÃO DE UMA "ÉTICA DA ATUALIDADE" Marcelo de Souza Magalhães Rebeca Gontijo Não passei além da proclamação da república (1889); os sucessos são ainda do dia de hoje e seria prematuro julgálos em livro destinado ao esquecimento das paixões do presente e à glorificação da nossa história (João Ribeiro, 1900). A epígrafe consiste no último parágrafo da Introdução do livro História do Brasil, Curso Superior, escrito por João Ribeiro, publicado pela primeira vez em 1900 e destinado ao uso no ginásio e nas escolas normais. No mesmo ano, foram lançadas outras duas versões da obra, para os dois segmentos das escolas primárias: História do Brasil para os cursos primário e médio. A recepção da versão para o Curso Superior foi um sucesso, ultrapassando o público escolar. Nas palavras de Patrícia Hansen, A recepção entusiasmada do livro entre a elite intelectual acabaria por promover a inclusão de João Ribeiro, por vários autores, no rol de nossos grandes historiadores, e sua consagração se daria pelas várias apropriações de seu texto, citado nas obras de alguns dos maiores intérpretes da sociedade brasileira como Euclides da Cunha e Gilberto Freyre.1 Professor, jornalista, historiador, crítico e filólogo, à época da publicação de seus livros, João Ribeiro pertencia aos quadros do Ginásio Nacional, novo nome do antigo Colégio Pedro II2 – ocupando a cadeira de História da Civilização e História do Brasil e, posteriormente, de  Agradecemos a leitura atenta deste texto e as valiosas sugestões de Luis Reznik e Helenice Rocha. Professor do Departamento de Ciências Humanas da Uerj e do Departamento de História da PUC-Rio; doutor em História pela UFF; integrante do grupo de pesquisa Oficinas de História (UERJ) e do Núcleo de Pesquisas em História Cultural / NUPEHC (UFF).  Bolsista PRODOC da CAPES no Departamento de História da UFF; doutora (2006) em História pela mesma instituição; membro do grupo de pesquisa Oficinas de História (UERJ) e do Núcleo de Pesquisa em História Cultural / NUPEHC (UFF). 1 HANSEN, Patrícia Santos. Feições & Fisionomia: a História do Brasil de João Ribeiro. Rio de Janeiro: Access, 2000, p. 9. 2 O Colégio Pedro II foi fundado em 1837, renomeado na República, em 1891. Sobre o Colégio Pedro II, ver: ANDRADE, Vera Cabana de Queiroz. Colégio Pedro II: um lugar de memória. Rio de Janeiro: UFRJ, Tese de Doutorado, 1999.  escreveu diversos livros escolares: História Antiga (1892).7 Na introdução intitulada Do Auctor. cit. explicitando o lugar do livro 3 João Ribeiro ainda retornaria a Europa em duas ocasiões: em 1901 e 1913. João Ribeiro também freqüentou outros ambientes. pode-se dizer que são dois livros em um. que diferenciavam o texto destinado aos alunos daquele endereçado aos professores. LEÃO. A edição era composta por tipos diferentes (maior ou menor. pois suas pretensões eram maiores.História Universal – e da Academia Brasileira de Letras (ABL). ocupava lugar de destaque no mercado editorial de livros escolares. de 1932. editor que. em grande parte. Curso Superior não era mais um livro sobre o tema. De acordo com seu biógrafo.3 Sua atividade jornalística foi iniciada por volta da década de 1880. O manual escolar é apresentado por meio de uma discussão historiográfica. Curso Médio (1900). Rio de Janeiro: Livraria São José. ao significativo sucesso de seu manual escolar. Os seus escritos. Na parte destinada aos professores “estavam as explicações. São Paulo: T. A. sua preocupação principal era fazer um curso de pintura e aprender a olhar a paisagem. João Ribeiro. Passou o tempo entre a Alemanha e a Itália. 7 HALLEWEL. Ribeiro deixa claro que História do Brasil. Em 1895 realizou sua primeira viagem à Europa. com ou sem recuo). Curso Primário (1900). p. Múcio Leão. História Universal (1918) e História da Civilização (1932).6 A parte destinada aos alunos possuía a descrição dos “fatos”. Curso Superior (1900). O livro no Brasil: sua história. apresentados de forma indissociável. Laurence. op. Múcio. como crítico de artes. publicado em 1895. Além desses livros. de 1931. História do Brasil. ao longo de sua carreira no Ginásio Nacional. foram publicados por Francisco Alves. História do Brasil. 1962. entrou para o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). publicou gramáticas da língua portuguesa. ao longo do tempo. História do Brasil. O autor. 6 HANSEN. Para além desses lugares de produção de saber e de consagração intelectual. mas. Na verdade. Os estudos sobre Goethe compõem o livro Obras filológicas. que lamentou a sua presença tardia nos quadros da instituição. publicou uma série de estudos sobre Goethe. Em 1915. 5 As traduções foram reunidas no volume Versos. em grande parte.4 Notório admirador da cultura alemã. na primeira década republicana. e também questões relacionadas à crítica histórica”. 58. 1985. as ‘causas’ ou ‘princípios gerais’ de fenômenos históricos. na versão destinada ao Curso Superior.5 Ribeiro tornou-se sócio do IHGB devido. tendo sido recebido por Ramiz Galvão. notabilizou-se como ensaísta. 4 . Também traduziu contos alemães reunidos no livro Crepúsculo dos deuses. Queiroz / EdUSP. além de ter traduzido um conjunto de poesias e contos alemães.. supostamente ocorreu um trabalho de consagração do livro e de seu autor. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. n. publicada em 1920. Histórias do ensino de História do Brasil. 965. 1920. entender a história do Brasil exigia uma virada para o 8 RIBEIRO. 9ª edição. Historia do Brasil.10 A introdução. Ninguém. p. Do auctor. 9 O trecho citado estava presente desde a terceira edição. von Martius deu apenas indicações vagas e inexatas. KODAMA. mas caracterizou a multiplicidade de origens e de pontos de iniciação no vasto território. Rio de Janeiro: Access. Kaori. Rio de Janeiro. o autor frisa o grau de inovação contido na obra. Rio de Janeiro / São Paulo / Belo Horizonte: Livraria Francisco Alves. Ilmar Rohloff de (org. em grande parte. . ver: GUIMARÃES. Ao lembrar Karl Friedrich Philipp von Martius.dentre os demais produzidos sobre a história do Brasil. In: MATTOS. Estudos Históricos. com destaque para as batalhas travadas contra estrangeiros. 10 Sobre Martius. caminho seguro mas falso em um país cuja história se fazia ao mesmo tempo por múltiplos estímulos em diferentes pontos. o trecho acima não estava presente na primeira edição. In: _____. Grifos nossos. fui o primeiro a escrever integralmente a nossa história segundo nova síntese. 1998. 5-27. Curso Superior. delineou os focos de irradiação da cultura e civilizamento do país. Desde 1900. ambos. Prevalecia a história administrativa. de 1900. João Ribeiro sinaliza para o fato de que os livros de história não se preocupavam com o Brasil interno. tal qual o trecho citado. Como contraponto. antes de mim.9 Entre o seu lançamento e a nona edição. Manoel Salgado. manteve-se a mesma da primeira edição. 1988. que a partir de algum momento difícil de identificar passou a apresentar-se como “o primeiro a escrever integralmente a nossa história segundo nova síntese”. João. sem embargo da contestação de alguma crítica menos bem informada.8 Extraído da nona edição do livro. a exemplo da invasão holandesa e do domínio espanhol. de formas diferenciadas. o trecho permite traçar um paralelo entre dois iniciadores de tradição historiográfica. acerca de como se deve escrever a história do Brasil. p. 23. Vejamos como Ribeiro atribuiu a sua própria obra um lugar de destaque na historiografia brasileira: Do sentido em que se deve tratar a história interna. excetuando inserções em que. p.). nenhum dos nossos historiadores ou cronistas seguiu outro caminho que o da cronologia e da sucessão dos governadores. de 1908. preocupados com a escrita de uma história interna. 1. construindo narrativas focadas nos “movimentos da administração e [nos movimentos] da represália e da ambição estrangeira”. vencedor do concurso promovido pelo IHGB em 1844. Uma missão para letrados e naturalistas: Como se deve escrever a história do Brasil. Livros e letras. adquirindo hábitos.12 Voltar-se para a história interna permitiu criticar o fato da excessiva presença da ação dos governos e da administração na historiografia e nos livros didáticos. Daniel Mesquita. para João Ribeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1977. ao entrar para a instituição em 1883. Um banquete nos trópicos.11 É interessante observar que. Historia do Brasil. para “suas feições e fisionomia própria”. declarou ser preciso “quebrar os quadros de ferro” que aprisionavam a história do Brasil. Brasília: MEC. ver. 17/04/1890. ela parece manifestar um interdito. A primeira deveria "mostrar como aos poucos se foi formando a população. p. Em suas palavras. Ronaldo.interno. In: _____. In: _____. 19/10/1880. PEREIRA. adaptando-se ao meio e constituindo por fim a nação". 9ª edição. Ensaios e estudos: crítica e história. em que o seu autor atuava como professor. da ocupação territorial e das batalhas. 12 Ver ABREU. 2000. 1976. “o Brasil.). escrita por Francisco Adolfo de Varnhagen. no início do século XX. 4a. Estado. São Paulo: SENAC. Retornando à epígrafe. intitulado Lições de História do Brasil (1861). 212-219. Correspondência. Selma Rinaldi. obra que também apresenta uma releitura da história do Brasil. 14 Ver MATTOS. no ensino de história. Capistrano de Abreu (1853-1927) publicaria Capítulos de História Colonial (1907). Varnhagen e a construção da identidade nacional. Rio de Janeiro: Access. visconde de Porto Seguro. Presença que. Algum tempo antes. 130. adotado durante anos no Imperial Colégio de Pedro II. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. em 1880. Carta ao Barão do Rio Branco. João. 1920. 15 ABREU. 21. 1999. 1. WEHLING. p. Curso Superior afirmando que não poderia tratar de assunto 11 RIBEIRO. do jesuíta e do mameluco. Capítulos de história colonial. Capistrano chegou a escrever sobre a necessidade de produzir duas histórias do Brasil: uma íntima (interna) e outra externa. Rio de Janeiro: PUC-Rio. com destaque para o povoamento do interior (do sertão).14 A presença de Varnhagen na história ensinada no colégio era tão forte que Capistrano de Abreu. O Brasil em lições. Segundo Arno Wehling. vol. 157-161.13 A obra de Varnhagen serviu de base para a escrita do manual escolar de Joaquim Manuel de Macedo. 1999. História. Curso Superior. 171-189. Rio de Janeiro / São Paulo / Belo Horizonte: Livraria Francisco Alves. 2002. Capistrano. In: MOTTA. Arno. p. essa influência pode ser notada até a década de 1960. da ação dos índios e dos escravos negros”. Ao criticar a história da administração. Originalmente publicado na Gazeta de Notícias. Capistrano de.15 Talvez. Ribeiro termina a introdução do livro História do Brasil. o livro de João Ribeiro tenha desempenhado o papel proposto por Capistrano. devassando o interior. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Memória. de Francisco Adolfo de Varnhagen. p. fundando indústrias. 13 Cabe chamar atenção para a influência da obra História Geral do Brasil (1854/1856). Sobre Capistrano de Abreu e Capítulos de história colonial. Lourenço Dantas (org. o que ele é. A história como disciplina escolar em Joaquim Manuel de Macedo. p. série. deriva do colono. o autor certamente estava contrapondo-se a história produzida sob a inspiração da obra História Geral do Brasil (1854-1856). Tese de Doutorado. tornava difícil entender os elementos que “entraram na composição do Brasil”. Descobrimentos do Brasil: A História do Brasil a “grandes traços e largas malhas”. em parte. A segunda deve se ocupar de tratar o Brasil como colônia portuguesa. por exemplo: VAINFAS. ligando entre si as diferentes partes do território. . 216-239. p. Gérard. apoiavam a República. Além disso. 18 Sobre o hístor. prevalece a autoridade daquele que é capaz de "fazer ver" o que acontece no momento da disputa. Na segunda situação. Belo Horizonte: Ed. assume a função de árbitro capaz de resolver questões e disputas. sendo que boa parte dos historiadores que. Na historiografia oitocentista. O espelho de Heródoto: ensaio sobre a representação do outro. 7-29.). Rio de Janeiro / São Paulo / Belo Horizonte: Livraria Francisco Alves. alguns consideravam que a gigantesca massa documental disponível à história do presente tornava impossível a operação de crítica documental. cujo dever é assumir uma atitude de imparcialidade. ao passo que os historiadores do contemporâneo tornaram-se conhecidos por seu conservadorismo. pondo fim a querelas. 9ª edição. Proximidade que impediria “julgá-los em livro destinado ao esquecimento das paixões do presente e à glorificação da nossa história”.17 A autoridade do historiador como juiz decorre do uso de recursos retóricos (da palavra) e de sua capacidade investigativa. Maria da Glória. 2006. que justificam seu ofício com base em competências eruditas e no uso de um método científico aplicado. o par imparcialidade/objetividade aponta para a necessidade de um certo distanciamento temporal entre o objeto a ser estudado e o investigador. Rio de Janeiro: 7Letras. na medida em que assume a função de elaborar o julgamento "mais reto". interditando a história do presente devido a essa proximidade. Do testemunho à prova documentária: o momento do arquivo em Capistrano de Abreu. o historiador conserva algo daquilo que na Grécia antiga era definido como hístor. 17 OLIVEIRA. De acordo com Hartog. 1999. este objetivo é visto por João Ribeiro como impossível devido à proximidade em relação aos acontecimentos que marcaram o início do novo regime. a função do hístor na Grécia antiga está ligada a duas situações. Historia do Brasil. Esses historiadores afirmam sua especialidade distinguindo-se dos amadores. Essa autoridade é possível mediante a prática da investigação e o uso de recursos retóricos. eram estudiosos da história Antiga e Medieval. Como observou Maria da Glória Oliveira. Nesse caso. ver HARTOG. 1920. Qu'est-ce que l'histoire contemporaine? Paris: Hachette. . Estudos sobre a escrita da história. Diante deles parece predominar uma recusa – o autor não quer ser testemunho – e uma crença: a de que não é possível ser historiador do presente. cujas obras. p. às fontes do passado antigo e medieval. dedicavam-se à história contemporânea (notadamente política. o hístor. Manoel Salgado (org. João. 19 A esse respeito. no caso da França. événementielle) e à vulgarização. a história contemporânea só se constituiria como domínio autônomo de pesquisa ao longo da primeira metade do século XX.submetido à ordem do presente: “não passei além da proclamação da república”.19 16 RIBEIRO. François. em grande parte. p. não sendo testemunha ocular. 1998. ver síntese em: NOIRIEL. é notável a existência de disputa política entre eles. A maior parte dos historiadores recrutados pelas universidades européias no século XIX era especialista em história Antiga e Medieval. articuladas de modo a "fazer ver" as razões de uma disputa. prevalecendo a autoridade daquele que sabe por ter visto. Além disso. UFMG. Noiriel também chama atenção para a relação entre o desprezo pela história contemporânea no XIX e a crescente profissionalização dos historiadores. Curso Superior. 24. No século XIX. De acordo com o autor. In: GUIMARÃES. os historiadores ditos "positivistas" confundiam a história com o passado.18 Contudo.16 O objetivo traçado e considerado impossível é julgar os sucessos "do dia de hoje" sem paixão. O historiador é apresentado como um juiz. O motivo alegado para não ir além foi o da proximidade temporal em relação aos acontecimentos: “os sucessos são ainda do dia de hoje”. A primeira delas é aquela em que o hístor assume a função de "testemunha". sobretudo. um dos membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. iluminado pela história. como observou Cezar: Dominar um tempo próximo. p. nem sempre foi bem recebida. publicada em 1916. no Brasil oitocentista as experiências de escrita da história do Império. Contudo. apresentou um plano de escrita da história do presente que deveria conter os "fatos políticos. Magalhães propôs submeter o tempo que decorria a uma ordem. a História da Independência. ou seja. analisado por Cezar. não foram muitas. o que lhe permitiu concluir que: 20 CEZAR. esse historiador escreve um pouco da própria história. .22 Sendo ator da história de que procura dar conta. Consciente dessa diferença entre o passado e um presente que se move rapidamente. Focalizando a conjuntura na qual vivia e reconhecendo seu caráter transitório e instável. esse "filósofo-historiador" fez a história do presente almejando esclarecer o futuro. embora a preocupação presentista tenha tido lugar no IHGB. Além disso. objetos: leituras de história cultural.). 72. bem sucedida. Mas. obra póstuma. do presente. op. 2004. é uma tarefa pesada. em 1848. morais e religiosos importantes do governo à época". é possível detectar a existência de uma "história do tempo presente malograda" e outra. p. Outro caso é o da escrita por Varnhagen. A Comissão de História do Instituto avaliou que aquele que assume a tarefa de escrever sobre os fatos da história contemporânea é um "juiz mais ou menos suspeito. linguagem. distinguindo um passado que não pertencia inteiramente aos homens do presente (as instituições são uma herança estrangeira) e um presente que era a própria transição. Bauru: EDUSC.21 Mas. In: _____. lembramos o caso da Memória historica e documentada da revolução da província do Maranhão.Como observou Temístocles Cezar. na Revista do IHGB. mostrar que a característica elementar da transição é exatamente o fato que se passa de um momento a outro.. 21 Ibidem. estabelecer suas dimensões verticais. Presentismo. cit. PESAVENTO. O trabalho recebeu medalha de ouro no IHGB. Considerado inconveniente. Sandra Jatahy (org. 62. 62. de uma concepção política a um mundo aberto. Noções da escrita da História no Brasil oitocentista. Joaquim Manuel [1863] de apud CEZAR. Temístocles.20 Começando por essa última. Em 1863. o plano foi recusado. Escrita. em 1847 e foi publicado antes que o imperador Pedro II apelasse aos membros do Instituto para que escrevessem uma história de seu próprio tempo. 22 MACEDO. Cezar localizou vários trabalhos sobre o período contemporâneo. p. e portanto incompetente para desempenhar cabalmente a empresa difícil a que se arroja". Felizardo Pinheiro de Campos. o que seria um obstáculo à imparcialidade. de Gonçalves de Magalhães. memória e poesía. Os autores de ambos os livros rejeitam a presença dela na escrita da história. pode-se tentar descobrir-lhe as tendências. História do Brasil. Sobre Manoel Bomfim e sua crítica a historiografia brasileira. editado em 1953. vol. n. autor de A América Latina: males de origem (1903). “pensador da história”. objeto de sucinta apreciação. 45. dada a proximidade de sua ocorrência. É possível encontrar o mesmo esforço de distanciamento das paixões políticas no livro de Alfredo D’Escragnole Taunay e Dicamôr Moraes. Nessas condições. 199. 2003.. Dicamôr. posta em xeque diante de testemunhas vivas. ver: GONTIJO. 129-154. quando ele adquire legitimidade que lhe permita ser reconhecido no lugar de onde ele emerge. que começou a ser formulado no século XIX. que exige maior trabalho de seleção. 25 TAUNAY.. quer dizer. cit. que recusa a existência de paixões e interesses na escrita da história. de vez que esta exige o decurso de 30 ou pelo menos 20 anos para que um acontecimento possa ser desapaixonadamente analisado. p. Terceiro ano colegial. intitulado História do Brasil. ele o faz em nome de certo "dever de memória" ou a partir do pressuposto de "responsabilidade do historiador". instaurado há pouco mais de uma década quando da primeira edição da História do Brasil (1900). só poderão sê-lo em seus aspectos gerais. ao menos na escrita da história escolar. quando o historiador do contemporâneo narra um episódio muito próximo.) quando um problema de história imediata se coloca. Rebeca. Ainda de acordo com o autor. prevalecendo a busca do "esquecimento das paixões do presente". era entendido por João Ribeiro como tema interditado. 26 Ibidem. 27 Um dos poucos autores a criticar essa postura objetivista. op.23 A especificidade da história do presente refere-se à abundância de fontes.24 De certo modo. segundo esse critério. 23. Revista Brasileira de História. 24 . sempre prontas a contestar as interpretações do historiador. 68. explicitar as paixões e interesses que o orientam. 69. Ibidem. p.25 Os autores introduzem o último capítulo da seguinte forma: Alguns dos fatos a seguir. cabe ao cientista assim como o historiador.(. p. os fatos atuais devem ser apenas registrados e. São Paulo: Companhia Editora Nacional. Alfredo D'Escragnolle e MORAES.. o período republicano. percebe-se que Taunay e 23 CEZAR. e. Pare este autor. foi Manoel Bomfim. Terceiro ano colegial.27 Após cinquenta anos da primeira edição do livro de João Ribeiro. quando muito. 1953. Manoel Bomfim. Ao apreciá-los. cumpre-se um preceito estipulado pela ciência histórica. a questão da objetividade. pesquisas feitas a partir de fontes rigorosas e de um narrador objetivo. p. São Paulo. as regras de produção dessa história são as mesmas que aquelas utilizadas para representar o passado: em princípio.26 Paixão é a palavra forte tanto no livro de 1900 quanto no de 1953. Alfredo Balthazar da Silveira. João. 2005. também. Introdução. do Instituto Histórico do Ceará. Belo Horizonte: Livraria Francisco Alves. Noções de Historia do Brasil. Sobre os autores. Em família: a correspondência de Oliveira Lima e Gilberto Freyre. 1924. com estampas. 29 RIBEIRO. Campinas: Unicamp. 1930. Alfredo Balthazar da. Historia do Brasil. Rio de Janeiro / São Paulo / Belo Horizonte: Livraria Francisco Alves. considerando a importância pedagógica da mesma para o ensino da história? Livros didáticos: efemeridade e permanência Antes de analisar a história do presente localizada nos livros didáticos de João Riberiro. São Paulo. essa preocupação presentista manifesta-se. cabe recuperar alguns aspectos formais dessas obras no período em questão. Pequena Historia do Brazil por perguntas e respostas para uso da infancia brazileira. quando muitos daqueles que escreviam a história eram. “Da Academia Brasileira. Joaquim Maria de. Edição das Escolas Primárias. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos Editor. sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Pernambuco. Angela de Castro. é interessante observar a existência de uma preocupação presentista no autor analisado. professor da Escola Normal. Contudo. “Membro da Arcádia Romana”32. quase sempre havia uma pequena nota biográfica que os qualificava. Supostamente. Por exemplo. como passar de testemunha a historiador no início da república. “Do Colégio Pedro II”31. Rio de Janeiro / São Paulo / Belo Horizonte: Livraria Francisco Alves. Registrar a experiência docente e o pertencimento a academias literárias ou científicas era algo necessário para referendar a obra e 28 Angela de Castro Gomes analisou alguns desses escritos efêmeros. como: João Ribeiro. etc. Osório DuqueEstrada. Rio de Janeiro / São Paulo / Belo Horizonte: Livraria Francisco Alves. 33 DUQUE-ESTRADA. o que implica em reafirmar a permanência do interdito sobre o estudo do presente. as capas dos livros didáticos de História do Brasil. Osorio.). “Da Academia Brasileira”29. Joaquim Maria de Lacerda. Pedro do Coutto. In: _____ (org. membro honorário da Sociedade Acadêmica de História Internacional. Pedro do. 32 LACERDA. ao menos no caso desses autores. do final do século XIX e início do XX. Rio de Janeiro. 30 SILVEIRA. correspondências e manuais escolares. de Paris. em meio ao consenso geral que associa a história ao passado. 1900. Ver: GOMES. 1919. Lições de Historia do Brasil. intelectuais engajados no processo da abolição e da proclamação? Como recusar a história do presente. .”33.Moraes ainda nutrem forte convicção sobre a necessidade do distanciamento para se construir conhecimento histórico. 2ª edição. sobretudo. 28 Mas. 31 COUTTO. 1923. Pontos de Historia do Brasil. inspetor federal do Liceu de Humanidades de Campos. em escritos que podem ser definidos como efêmeros: artigos publicados em jornais. eram ricas em informações sobre os autores e as obras. 7ª edição. “Professor da Escola Normal”30. “Escrito de acordo com o programa oficial”. 3ª edição. havia o indicativo de que as mesmas seguiam os programas oficiais de ensino e. precisavam seguir os conteúdos estabelecidos nos programas. Nas palavras do autor. de Alfredo Moreira Pinto. 36 RIBEIRO. capaz de contribuir para a difusão da obra por todo o território nacional. Joaquim Manoel de.34 Sobre a organização das obras – escolha dos conteúdos e forma de abordá-los –. 1920. op. como a do Distrito Federal. se organizam". 35 PINTO. 38 RIBEIRO. 9ª edição.d. de 1892. João. informa ser a “Edição revista e atualizada de 1914 até 1922 pelo professor Rocha Pombo”. Historia do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Classica de Alves & C. A operação historiográfica. Ver CERTEAU. Os programas nada mais eram do que uma listagem dos conteúdos a serem ensinados nas escolas. porém. como o Colégio Pedro II. de João Ribeiro. Os livros. como: História do Brasil – Curso Superior. outras vezes. era reconhecido como um indicativo de que a obra era de boa qualidade. João. 39 MACEDO. indica na capa da nona edição. “Adotado no Colégio Pedro II”. o que parece ser um indício do reconhecimento do Estado como instância de legitimação. Epítome da Historia do Brasil. de 1920. os livros traziam estampado nas capas o número da edição e. Lições de Historia do Brazil. 1920. 1982. que se delineia uma topografia de interesses. também. Rio de Janeiro / Paris: Livraria Garnier. de que eram adotadas por alguma instituição de ensino e/ou municipalidade. 1892. que permite ou torna possível um determinado discurso sobre o passado. Rio de Janeiro / São Paulo / Belo Horizonte: Livraria Francisco Alves. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária. Alfredo Moreira. "é em função do lugar que se instauram os métodos. Curso Superior. s. Curso Superior. trazer na capa a informação de que o volume era adotado por uma instituição de ensino de renome. p. 37 DUQUE-ESTRADA. informa que a nona edição foi “revista e melhorada”. Historia do Brasil. . In: _____. que os documentos e as questões. a informação de ter sido revisado ou atualizado. Noções de História do Brasil. de João Ribeiro. de 1920. ou por uma municipalidade. O livro Epítome da História do Brasil. Rio de Janeiro / São Paulo / Belo Horizonte: Livraria Francisco Alves. que lhes serão propostas. de Joaquim Manoel de Macedo. é importante destacar que várias obras indicavam seu vínculo com tais programas em suas capas e folhas de rosto.38 Lições de História do Brasil. indica na capa da terceira edição.37 A relação entre o livro didático e os programas oficiais de ensino é difícil de ser medida. de Osório Duque-Estrada. Curso Superior. Além disso.39 34 Remetemos aqui à reflexão de Michel de Certeau sobre a operação historiográfica e seu vínculo com um lugar social de produção.36 por fim. para serem adotados e obterem sucesso como literatura didática. cit. 9ª edição. 67. Para uso das escolas de instrucção primaria. “Obra oficialmente adotada nas escolas primárias do Distrito Federal”. por vezes. indica na capa da sétima edição.35 História do Brasil. Sobre as edições.. Michel de. de 1930. conferindo-lhes autoridade por meio do vínculo com determinados lugares de produção e instâncias de consagração.o autor. ). 1999. João. por meio dessa história. 1901. a perspectiva que os orienta pode permanecer por longo tempo.Antonio Augusto Gomes Batista chamou atenção para a efemeridade da literatura didática. de 1920. intitulado “João Ribeiro. Um objeto variável e instável: textos. passar por uma atualização constante dos conteúdos. . A primeira edição foi publicada em 1900. p. observamos uma outra faceta dos livros didáticos e programas oficiais: embora estejam sempre abertos à revisão de conteúdo. 40 BATISTA. 1920. Curso Superior. 41 RIBEIRO. de 12 cm de largura por 17 cm de altura. a impressão de que os livros didáticos são obras abertas. Composta por 399 páginas. uma sinopse cronológica e uma bibliografia. próximo às experiências vividas pelos alunos.41 e a nona edição. São Paulo: FAPESP. considerando o constante processo de revisão e atualização da mesma. relativas ao modo de lidar com o tempo presente. João. Apesar dessa contradição inerente aos materiais didáticos. 42 RIBEIRO. Rio de Janeiro / São Paulo / Belo Horizonte: Livraria Francisco Alves. Além dos capítulos. A república em História do Brasil. são elas: a segunda edição. Historia do Brasil. de 1901. a mudança nos programas oficiais de ensino. Historia do Brasil. no ano em que se comemorou o Quarto Centenário do Descobrimento do Brasil. aquele que a escreve deixa de lado o papel de testemunha do presente e constrói sua identidade como historiador. Curso Superior. Leitura. pois estão sujeitas a constantes ampliações e modificações de conteúdo. é possível pensar que o livro didático pode ser. Antonio Augusto Gomes. e permanente. pois os pressupostos do programa que o orienta têm ligação direta com uma cultura escolar que se mantém por longo tempo. incorporando o tempo presente. entre outras coisas. intitulada “Do Auctor”. devido. Rio de Janeiro / São Paulo: Livraria Francisco Alves.42 O objetivo é perceber as transformações ocorridas no texto ao longo do tempo. vejamos como o presente tem lugar em uma história destinada ao público escolar e como. 529-575. Márcia (org. efêmero. impressos e livros didáticos. 9ª edição. talvez. Curso Superior. o tratamento que João Ribeiro dispensou ao tema da república será perseguido em duas edições do livro História do Brasil. para além das mudanças historiográficas.40 Por isso. Filólogo e historiador”. Curso Superior Inicialmente. história e história da leitura. de alguma forma. a edição de 1901 apresenta um pequeno formato. ao mesmo tempo. 2ª edição. o livro inclui: um prólogo de Tristão de Alencar Araripe Júnior. por ter que. In: ABREU. Dito isso. A segunda edição foi publicada no ano seguinte. Ao mesmo tempo. a introdução escrita para a primeira edição. ordenados linearmente. Na verdade. mas sim em divisões e subdivisões – que identificamos como partes e capítulos –. Ao optar pelo título de História do Brasil. de Joaquim Manoel de Macedo (1861) e de Luiz de Queiroz Mattoso Maia (c. “A abdicação”. o conteúdo desses manuais era distribuído em "lições".. Progressos da democracia (8 capítulos). O índice geral é composto por: I. Como o próprio título indica. no conjunto. IV. “O segundo reinado”. No caso.Diferentemente da edição dedicada às escolas primárias. sete capítulos: “A Independência”. quase um terço do total. intitulada. A formação do Brasil. “O Império. Curso Superior não apresenta qualquer imagem. sendo o capítulo intitulado “A abolição e a república”. Luta pelo comércio livre contra o monopólio (11 capítulos). afirmado por Ribeiro em sua própria introdução. VI. VIII. Definição territorial do país (2 capítulos). A) A história comum (14 capítulos). B) A história local (2 capítulos). 1880). p. tais partes possuíam um sentido próprio. A formação do Brasil. ambos intitulados Lições de História do Brasil. por fim. percebe-se o grau de inovação presente no livro. A instauração do novo regime é tratada junto com o tema da emancipação dos escravos. “A Constituinte”. 68. op. para quem. O Império. e. IX. o autor procurou diferenciar-se dos dois manuais didáticos adotados no Colégio Pedro II que o antecederam. 43 HANSEN. Tais partes ocupam 128 das 399 páginas do livro. III. Numa breve análise do índice. cuja extensão variava de acordo com a importância atribuída ao assunto por seus autores. Tanto pelo título geral. respectivamente. O descobrimento (11 capítulos). cit. “A regência”. sendo estas divididas em vários capítulos. “Sete de abril. a edição História do Brasil. A república aparece no oitavo capítulo da última parte. O Absolutismo e a revolução – República e constituição (4 capítulos). Tentativa de unidade e organização da defesa (6 capítulos). logo chamam atenção as partes IV e V.43 O fato do livro de Ribeiro não se organizar em “lições”. Ribeiro organiza o livro em nove partes. Ao todo. como pelos das partes que o compõe. o capítulo trata quase que exclusivamente do processo que terminou na abolição da escravidão no Brasil. ambas intituladas “A formação do Brasil”. VII. já aponta para uma diferenciação em relação aos anteriores. O Espírito de autonomia (4 capítulos). com subtítulos diferentes: “A história comum” e “A história local”. Antes dela. . é possível concordar com a observação de Hansen. II. V. mais uma vez. “A guerra do Paraguai”. são 62 capítulos. Apesar de alguns capítulos se aproximarem das antigas lições. Evaristo da Veiga”. ambos privilegiavam os temas políticos e administrativos. Progressos da democracia”. por meio da criação de partidos abolicionistas. Porém. membros do exército e a imprensa republicana aprofundaram a crise política e derrubaram o regime. Senhores descontentes. A monarquia havia feito baquear o regime colonial e contribuíra assim para dissipar o velho e estreito antagonismo. Pedro II sempre pregou para seus ministros a necessidade de tomar medidas que visassem emancipar os escravos. determinou o fim do cativeiro. os seus primórdios. Rio de Janeiro: Livraria Cruz Coutinho. Ao passo que a monarquia era uma transação e o triunfo moral da conciliação entre portugueses e brasileiros. Para o autor. Adaptada ao ensino primario e secundario por João Ribeiro. já no segundo reinado podia ser uma aspiração política universal.44 Como recurso de diagramação. defende que a entrada em cena dos escravos "por êxodos consideráveis das fazendas".Só como um exemplo do peso do processo de emancipação no interior do último capítulo do livro. uma ou outra vez se avigoraram aos primeiros passos do novo regime. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Historia do Brasil. Tal campanha surtiu efeito em 1888. 44 RIBEIRO. em tempos passados. acabaria com a escravidão. que seria o triunfo exclusivo dos nativistas. Lei que. tal ação colaborou para a queda do regime monárquico. exemplificada pela Lei do Ventre Livre. Professor de Historia da Civilização e Historia do Brasil do Gymnasio Nacional.] uma aspiração antiga do povo genuinamente nacional. 1977. João. era já [. Artigo que chama atenção por ser um raro escrito sobre a história do presente elaborado por um historiador que se destacava por estudar os séculos XVI e XVII. Originalmente publicado com o título de O Brasil no século. cujo teor do texto era idêntico ao da segunda edição do Curso Superior. consideramos importante lembrar uma característica da diagramação presente na edição Historia do Brasil. Entretanto ainda os eixos amortecidos da mesquinha tradição. 45 É interessante contrastar a interpretação de João Ribeiro sobre o processo da abolição com aquela apresentada por Capistrano de Abreu. no jornal A Notícia. Brasília: MEC. menos partidarista e sem a eiva que caracterizava.. Com o foco na abolição. muitos passaram para o partido republicano e outros ficaram indiferentes aos ataques das instituições monárquicas. Sobre a questão da abolição. “exaltados” continuaram com a campanha pela abolição. Ribeiro lembra que. após rever as mudanças na legislação sobre a escravidão. 1900. Ver ABREU. Capistrano de. o capítulo inicia afirmando que D. mas baldou-os o desprezo da opinião. com o tempo. . publicado em 1900. No caso do oitavo capítulo. Adaptada ao ensino primario e secundario por João Ribeiro. o cabeçalho se referia apenas à abolição e não à república. Capistrano. A política adotada pelo imperador foi a de emancipação gradual. de 1871. apesar da lei de 1871. quando a princesa Isabel aboliu a escravidão no Brasil. no artigo O Brasil no século. Ou seja. a eficácia da ação dos escravos aboliu a escravidão "sem resistência" e "ano e meio depois caía a monarquia". p. a república. 96. publicada em 1900. In: _____. as páginas do livro traziam no cabeçalho referência aos títulos dos capítulos. Com isso.. pois os senhores de terra que apoiavam o regime ficaram descontentes. Ensaios e estudos: crítica e história.45 O autor dedica apenas quatro parágrafos ao regime que se instaurava: A República. pela Livraria Cruz Coutinho. 01/01/1900. O Brasil no século XIX. foram dedicados ao novo regime. Rio de Janeiro / São Paulo: Livraria Francisco Alves. A abolição (1888) é o último golpe. a aspiração democrática renasce com a fundação do Clube Republicano e a criação do órgão A República (1871). porém. 1920. Não fossem. A República é a forma política definitiva”. Curso Superior. Curso Superior. intitulada “O Império. as origens militares da república.48 A trajetória da república no Brasil foi a de deixar de ser uma bandeira apenas nativista para passar a ser compartilhada por todos. o mesmo não aconteceu em seu livro dedicado ao ensino primário. Curso Superior. mas seria incomparavelmente maior e mais sólida a simpatia imediata da opinião. João. “uma aspiração política universal”. Edição das escolas primárias Se em História do Brasil. não é por acaso que os parágrafos finais da última parte do livro. História do Brasil. Progressos da democracia”. dentre estes as escolas secundária e normal. “a América era republicana e a exceção que era a monarquia não se justificava por nenhuma excelência”.47 O tema da república aparece inserido no processo que levou ao fim o império. p. a paz do primeiro momento seria talvez perturbada. O presente passou a ser enfrentado de forma mais direta. 1901. . p. 456. Vejamos como o livro didático voltado para as escolas primárias. p. “a abolição (1888) deu-lhe extraordinário vigor e foi o último golpe. uma breve Advertência. João Ribeiro apresentou algumas restrições à abordagem da república. por vezes.49 A república em História do Brasil. Além disso. em que João Ribeiro explica o fato de separar em duas edições seu livro original. possui.46 Na nona edição do Curso Superior. Edição das escolas primárias. a monarquia era vista. publicado pela Livraria Francisco Alves em 1900. onde se reúnem vários elementos liberais da política monárquica. Na sua história mais recente. Nas palavras de Ribeiro. como um interregno. Historia do Brasil. 49 Ibidem. Rio de Janeiro / São Paulo / Belo Horizonte: Livraria Francisco Alves. o trecho acima grifado foi substituído por uma assertiva mais vigorosa acerca do advento da república. Ribeiro claramente associou a república à democracia. 48 Ibidem. O 46 RIBEIRO. tratou do tema. João. Historia do Brasil. 456. Logo. 9ª edição. 456. em suas primeiras páginas. Como fez questão de lembrar o autor. 47 RIBEIRO. em segunda edição. 386. p.Toda a América era republicana e a exceção que era a monarquia não se justificava por nenhuma excelência. 2ª edição. de 1920. uma voltada para a infância e outra para os cursos superiores. Grifos nossos. o texto apresentado em letra de tipo maior na primeira edição. Coube ao livro voltado para as escolas primárias. Além do texto. o único que recebeu o status de aparecer em imagem foi o seu “fundador”. do Rio Branco)”. O autor. 1890 – “Congresso constituinte”. 1871 – “Lei de 28 de setembro (V.autor atribui ao “conselho de vários professores” a decisão pela separação das edições. José Bonifácio e D. 1865 – “Guerra do Paraguai (1865-1870)”. restando duas páginas para o capítulo anterior e duas para o dedicado à república. Marechal Deodoro da Fonseca (gravura nº 15). 1898 – “15 de novembro. sendo quatro dedicadas ao período do Segundo Reinado: D. além da . 1889 – “É proclamada a República (15 de novembro)”. sem “afetação pedagógica”. o livro possui o total de 16 gravuras. 1888 – “13 de maio. “XXII. Apesar de ser dedicado à infância. afirma não ter feito uso de uma linguagem infantil. coube àquele dedicado à guerra do Paraguai o maior número de páginas: nove. Tempos do segundo Imperador (D. Na Cronologia. mas ter procurado ser claro. A abolição”. Padre Antonio Vieira. A república”. Destes capítulos. sem grandes modificações. no caso do livro de Ribeiro. Pedro I. Eleição do general Deodoro da Fonseca. 1894 – “15 de novembro. apesar de vários personagens envolvidos nesse processo. foi o da instauração da república. O livro é composto por 23 capítulos. 1895 – “ 6 de setembro. a revoltas e a governos. nos interessa ressaltar as últimas treze. 1891 – “Constituição republicana (24 de fevereiro). dentre eles: Pedro Álvares Cabral. Pedro II)”. Pedro II (gravura nº 12). uma introdução e uma cronologia. No caso da república. Campos Salles”. A guerra do Paraguai” e “XXIII. aparecem outros estampados no livro. o que sinaliza para o fato de que o limite para lidar com o tempo presente. 1894 – “Rendição dos revoltosos no Rio (13 de março)”. Duque de Caxias (gravura nº 13). Pedro II”. Também diz que apenas corrigiu erros de impressão e acrescentou algumas pequenas informações. primeiro presidente civil (1894-98)”. General Osório (gravura nº 14). revolta da armada e renuncia do Marechal Deodoro (23 de novembro). Prudente de Moraes. É digno de nota que o Marechal Deodoro foi o único personagem do período republicano estampado no livro. Maurício de Nassau. Mesmo assim. Revolta da armada”. Governo do Dr. Henrique Dias. Os últimos três capítulos são dedicados ao período do Segundo Reinado: “XXI. a golpes. Dissolução do Congresso (golpe de estado. 1851 – “Guerra de Rosas”. 1892 – “Atos de 11 de abril (deportação de generais)”. atribui-lhe o epíteto de “fundador da República”. Governo do presidente Dr. Junto com tais personagens. Os acontecimentos lembrados na cronologia são todos relacionados a guerras. todas relacionadas ao Segundo Reinado em diante: 1840 – “Maioridade de D. 3 de novembro). que possui 53 referências a acontecimentos. na legenda da gravura de Deodoro da Fonseca. Governo do Vice-presidente Floriano Peixoto”. o regime monárquico. de “revolução”. presidente da república em 1900.50 Pelo quadro sinóptico e o capítulo sobre a república é possível perceber a linha de interpretação apresentada por Ribeiro. os governos. é possível perceber o elenco de fatores que futuramente a historiografia terminou por consolidar como meio de explicação para o surgimento do regime republicano. Ribeiro inicia o capítulo afirmando que o fim da Guerra do Paraguai promoveu a “expansão da riqueza pública” e “avivou o sentimento democrático”. Em seguida cita a lei do ventre livre. com estampas. o capítulo sobre a república trata do fim do império.A questão militar.Desenvolvimento das idéias democráticas (a abolição. com tal desenvolvimento. Além das gravuras e da cronologia. e nenhum apoio do 3º reinado nas classes conservadoras). ou seja. pelo autor. João. marechal Floriano. e as batalhas. os atritos entre governo e militares – do Exército e da Armada – terminaram promovendo a derrubada da monarquia e a instauração da república. o fundo de emancipação do cativo e a propaganda abolicionista como peças fundamentais para o fim da escravidão. que auxiliam na sistematização do conteúdo. o partido e imprensa republicana. Logo. . 2ª edição. estava fadado a acabar. Edição das Escolas Primárias. Além disso. No capítulo. p. lembrando as eleições e os mandatos presidenciais. a rejeição a um 3º reinado. Os presidentes da república: Marechal Deodoro. Historia do Brasil. A monarquia se enfraqueceu devido a múltiplos fatores: a abolição. 116. 1900. Na verdade. . Prudente de Moraes e Dr. como aconteceu. via constituinte e constituição. de alguma forma. Dr. Rio de Janeiro / São Paulo / Belo Horizonte: Livraria Francisco Alves. termina no momento da proclamação. O que é acrescentado a mais fica circunscrito à citação dos governos presidenciais até o de Campos Salles. quando da publicação do livro. existe sua institucionalização. não tinha alternativa. . movimento intitulado de proclamação. Revolução de 15 de Novembro de 1889. fazendo referência a Revolta da Armada. A república aparece como terceiro item da sinopse geral do Segundo Reinado. intitulada. Campos Salles. Fora isso. A república é entendida como fruto do desenvolvimento das idéias democráticas. o fim da escravidão é tratado dentro do capítulo da república. o livro possui também quadros sinópticos. o movimento republicano – o partido e a imprensa –. já que é visto como um dos fatores que possibilitaram o desenvolvimento das idéias democráticas.instauração do regime. Afirma que apesar da monarquia ter ganhado a glória 50 RIBEIRO. de fundar a Ética da atualidade. membros da aristocracia. ou seja. corrente hoje. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.52 Esse interdito. cit. A verdade. [. a história se confunde com o passado. é possível perceber três formas de abordar o presente. A imparcialidade pode ser imoral: nós temos a obrigação de justificar o presente. Isso por duas razões: porque a opção pelo passado protegia os vivos (os políticos / historiadores do IHGB) do confronto com aquilo que uma pesquisa sobre a atualidade poderia tornar público. A fuga de d. Presente: três abordagens O presente é quem governa o passado e é quem fabrica e compõe nos arquivos a genealogia que lhe convém. Para Temístocles Cezar. em 10 de abril de 1915. o trecho acima citado apresenta um novo significado para a palavra presente e fecha o movimento desenvolvido ao longo do texto. o presente modela e esculpi o seu passado.] E assim. João VI traduzia-se há pouco pelo eufemismo da transmigração. perdeu suas bases de apoio institucional. porque a história do presente põe em risco a objetividade do historiador.. Edição das escolas primárias – e o seu discurso de entrada no IHGB. 1916. porque o nosso ideal de agora determinou esse culto. Curso Superior e História do Brasil. os senhores de escravos. 52 Sobre a questão do presente na historiografia brasileira oitocentista. e. sem resistência. para a maior parte dos historiadores do século XIX. op.617. a propaganda republicana. os seus fantasmas prediletos de antanho. proferido em 10 de abril de 1915. Hoje elevamos estátuas a Tiradentes. Tomo LXXVIII – (1915). Discurso de posse de João Ribeiro no IHGB. a opção de "fazer história quase que exclusivamente colonial e. . João. p.com a abolição da escravidão. o medo de um 3º reinado e o conflito entre governo e militares promoveram a proclamação do novo regime. como pudemos averiguar.51 Como parte do discurso de posse de João Ribeiro no IHGB. levanta dos túmulos os seus heróis e constrói com as suas vaidades ou a filosofia a hipótese do mundo antigo. fez-se presente 51 RIBEIRO. não fazer a história contemporânea é uma escolha certamente política mas também epistemológica". Isso considerando que. ver CEZAR. A primeira diz respeito ao interdito sobre a escrita da história do presente. Somada à abolição. como se lia nos compêndios. sabe buscar. Ao analisar os livros sobre história do Brasil escritos por Ribeiro – História do Brasil. inversamente. parte II.. onde os há verossímeis. principalmente. A relação entre república e espírito democrático permitiu a Ribeiro construir uma História do Brasil em que a instauração do novo regime foi entendida como revolucionária. o tema da república não poderia ser tratado pelo fato de estar próximo do autor. cabendo ao filho de João Ribeiro.54 Isso permite pensar que o esforço para constituir um passado para a república além de ser político é. no caso dos livros analisados. completei a História até o presente. Um autor que defende ardorosamente essa idéia é Manoel Bomfim. mesmo com a recusa em tratar do presente. até o momento em que o presente tornou-se. Ribeiro defende que a escrita da história precisa estar dissociada das paixões e o historiador deve afastar-se temporalmente do objeto pesquisado. a solução encontrada. sendo o Segundo Reinado um mero interregno num processo histórico anteriormente iniciado. São Paulo: Brasiliense. no início da república. acrescentando o tempo presente a obra do pai. Mas João Ribeiro recusou o papel de testemunho direto da história e viu obstáculos para atuar como historiador do presente. publicada pela Livraria São José. Ou seja. a abolição e a república foram. Supostamente. com diferença temporal de apenas um ano entre eles. Logo. indiscutivelmente. Isso. Além disso. completar. podem ser vistos como 53 Para dar um exemplo do caráter de obra aberta. o presente (identificado com a república) encontra uma "origem".53 Cabe observar que. que busca as origens republicanas no período colonial. O Brasil na história: deturpação das tradições. degradação política. observando a sobriedade com que João Ribeiro trata os sucessos da história republicana”. que apontavam novos rumos para a história do Brasil: a abolição da escravidão (1888) e a proclamação da república (1889). de certo modo. que vivenciou os acontecimentos. porque a abolição como fato social gere mais consenso que o tema da república. passado. Ver OLIVEIRA. 1990. por isso. observa-se que dos acontecimentos situados em uma mesma conjuntura. talvez. em 1954. cito a 15ª edição do livro. Sendo assim. Recusando a condição de testemunho. o mesmo não parece ocorrer com a abolição. A questão nacional na Primeira República. “revista e completada por Joaquim Ribeiro”. Abordagens ampliadas ao longo das edições. capaz de afetar a objetividade do historiador. embora a república seja vista como um tema do presente. foi transformar o presente em passado por meio de procedimentos como o estabelecimento de uma cronologia capaz de indicar o lugar da república em uma história que antecede a proclamação. o que dificulta a abordagem deste último. o interdito a República foi superado. epistemológico. o que permite justificar sua presença na obra didática. conforme as palavras do filho: “A pedido da casa editora. apesar do interdito observado na introdução. também. chama atenção o fato de que. vários autores compartilharam essa perspectiva. Lucia Lippi de. Embora tal feito tenha sido realizado de forma sóbria. na medida em que permite incorporar o presente na escrita da história. sujeito a disputas e. Rio de Janeiro: Francisco Alves. . Ver BOMFIM. que relaciona a república e a própria nacionalidade ao período das revoltas nativistas. Nesta edição. 54 No início do século XX. ocorrida um ano antes da proclamação. terreno das paixões políticas. Curso Superior. Manoel. A segunda abordagem parece decorrer do reconhecimento da importância pedagógica do presente no ensino escolar da história. Nesse sentido. abordadas. 1930. no sentido de estar sujeita a incorporação de novos conteúdos. aqueles que escreviam e ensinavam a história testemunharam acontecimentos importantes.na introdução escrita do livro História do Brasil. Supostamente. por conta disso. ainda hoje são a base de nosso ensino”.. a abolição pode ser lida como passado porque se trata de um fato consumado. De alguma forma. antes de tudo. NOIRIEL. introduzidos por Macedo no Colégio Pedro II. a história contemporânea era considerada. chegar próximo à vivência dos alunos era necessário. Adquiriram posição hegemônica no campo. que a história é escrita sob a coação do tempo. Defendendo a "obrigação de justificar o presente". algo que estava presente nos programas oficiais. enquanto a república é vista como algo em construção. é preciso posicionar-se. a história événementielle é o "melhor suporte pedagógico que o professor pode utilizar para inculcar nos alunos dados abstratos relativos ao passado". o tratamento dado ao presente justifica-se pela razão oposta ao que antes era tido como negativo: a parcialidade. o que permite tornar relativo o interdito do presente. assumem uma importância pedagógica e moral. 15-17. no caso da literatura didática. por meio da qual a história do presente torna-se possível e mesmo necessária. o autor propõe fundar uma "ética da atualidade". apresentando o processo que terminou por colapsar o regime monárquico e fazendo. Por fim. mesmo que de forma muito breve. João Ribeiro foi mais longe ao abordar o tema da república. conclui-se que. cit. como lembrou Reinhart Koselleck. que se confunde com a história do presente. referência aos governos presidenciais até Campos Salles.passado (abolição) e presente (república). por exemplo. que não pode ou não deve ser dito [e investigado] num 55 Cabe lembrar que. quase telegráfica. p. As três formas de lidar com o presente aqui focalizadas demonstram. Para Charles Seignobos. op.55 Com os seus livros sobre História do Brasil – em especial. Se Lições de História do Brasil pode ser entendido como um livro construtor de uma história escolar tendo como eixo o Império do Brasil. . A escrita e o ensino da história contemporânea. talvez possamos entender os livros de Ribeiro como construtores de uma história escolar em que a república adquire o lugar de “forma política definitiva”. Em se tratando da Edição das escolas primárias. como uma matéria de ensino. Ribeiro defendeu o ponto de que o conhecimento da história se constrói a partir das questões do presente. o dedicado ao Curso Superior – Ribeiro talvez tenha mesmo feito algo que Capistrano tanto queria: “quebrar os quadros de ferro de Varnhagen que. Gérard Noiriel lembra que os historiadores da Sorbonne (notadamente Langlois e Seignobos) tiveram papel essencial na elaboração de programas de ensino no fim do século XIX. na França do século XIX. a abordagem do presente que o discurso de posse no IHGB (1915) permite entrever. o historiador interroga e compreende o passado a partir dos problemas da contemporaneidade. devido aos textos de vulgarização da matéria. em parte. João Ribeiro então defende que a imparcialidade pode ser imoral e. Isto é. a fronteira entre aquilo que é secreto. Para controlar essa coação. por exemplo. Num contexto marcado pela crítica ao positivismo e à idéia de objetividade científica. Entre ditos e interditos. precisa ser redefinida continuamente. e aquilo que pode e precisa ser publicizado [e transformado em história escrita]. Paris: Gallimard / Seuil. 189. .determinado momento. p. L'experiénce de l'histoire.56 E isso não ocorre sem disputas. 56 KOSELLECK. 1997. Reinhart. construiu-se uma das primeiras histórias da república a ser ensinada.
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