As Cidades Rebeldes de David Harvey

April 2, 2018 | Author: Diego Mauro | Category: City, State (Polity), Capitalism, Geography, Communism


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As Cidades Rebeldes de David Harveyhttp://www.outraspalavras.net/2012/07/13/as-cidades-rebeldes-de-davidharvey/ Um grande teórico das metrópoles contemporâneas contesta hipóteses conformistas e vê nestes centros, colonizados pelo capital, laboratórios de outra sociedade Entrevista a John Brissenden e Ed Lewis, do New Left Project Tradução:Daniela Frabasile e Laís Bellini Acaba de sair (por enquanto, em inglês), um livro indispensável para quem quer debater crise do capitalismo, degradação social e ambiental das cidades e busca de alternativas. Numa obra curta (206 páginas), intitulada “Cidades Rebeldes”, o geógrafo, urbanista e antropólogo David Harvey sustenta pelo menos três ideias polêmicas e indispensáveis, num tempo de crise financeira, ataque aos direitos sociais, risco de desastre ambiental e… rebeliões contra o sistema. Elas estão expostas em detalhes em entrevista que Harvey concedeu a John Brissenden e Ed Lewis, do excelente site britânico New Left Project. A primeira provocação do geógrafo – que é também um dos grandes estudiosos contemporâneos de “O Capital”, de Karl Marx (veja a área especialmente dedicada ao tema, em seu site) – diz respeito ao papel das grandes metrópoles. Harvey discorda de dois tipos de pessimismo. Estes grandes centros para onde fluem as multidões de todo o mundo no século 21, diz ele, são bem mais que templos da desigualdade, da vida automatizada e cinzenta, da devastação da natureza. É a elas que afluem – e lá que se articulam — as multidões às quais o capital já não oferece alternativas. Esta gente estabelece novas formas de sociabilidade, identidade e valores. É nas metrópoles que aparecem a coesão reivindicante das periferias; novos movimentos como Occupy; as fábricas recuperadas por trabalhadores em países como a Argentina; as famílias que fogem ao padrão nuclear-heterossexual-monogâmico. Nestas cidades, portanto, concentram-se tanto as energias do capital quanto as melhores possibilidades de superá-lo. Elas não são túmulos, mas arenas. Aí se dá o choque principal entre dois projetos para a humanidade. A segunda hipótese de Harvey diz respeito à própria (re)construção de um projeto pós-capitalista. O autor de Cidades Rebeldes está empenhado em identificar e compreender formas de organização social distintas das previstas por um marxismo mais tradicional. Ele reconhece: ao menos no Ocidente, enxergar na a classe operária fabril o grande sujeito da transformação social equivale quase a um delírio. É preciso buscar sentidos rebeldes nas lutas por direitos sociais empreendidas por um leque muito mais amplo de grupos e movimentos. Não cabe nostalgia em relação às batalhas dos séculos passados: é hora de tecer redes entres os que buscam de muitas maneiras, nas cidades, construir formas de vida além dos limites do capital. O capítulo 2 é essencialmente sobre as relações entre capital e urbanização. “Rebel Cities: from the right to the city to urban revolution”. É por isso temos o swoosh do Nike [a seta estilizada que caracteriza a marca]. único. o fato de dar nome e marcas produtos é uma tentativa de colocar neles um selo do monopólio. A entrevista completa vem a seguir (A. nas lutas sociais. O conflito de classes está basicamente nos capítulos 2 e 5. Há. Eles adoram o “marketing da arte”. autêntico. algo muito repetido e valorizado. ele está nos capítulos 2 (“As raízes urbanas das crises capitalistas”) e 5 (“Reivindicando a cidade para a luta anticapitalista”). a noção de que tudo deve vir das bases e ser debatido em assembleias – acabe se transformando num fetiche. eu quis chamar atenção sobre como os capitalistas gostam de chamar algo de original. John: Mas uma vez que esse processo começa… . Se há um argumento central. Harvey teme que o horizontalismo – grosso modo. O autor saúda o surgimento de uma cultura da horizontalidade e da desierarquização. por parte do capital. John: Você fala sobre as rendas do monopólio e as contradições intrínsecas a esse processo. é uma incessante tentativa de evitar situações competitivas por meio de algum truque monopolista. o 5.). refazer pelo avesso a obsessão dos antigos Partidos Comunistas pela autoridade e centralização. portanto.Mas esta abertura ao novo não significa. Mas basta falar com um capitalista para descobrir que ele prefere o monopólio.95 John: Você diria que há um argumento central em “As Cidades Rebeldes: Do direito à cidade à Revolução Urbana”. ou o livro reúne diversos temas? David Harvey: Um pouco dos dois. Londres. se houver essa possibilidade. 206 páginas. Mas sugere: para enfrentar um sistema altamente articulado. que tornam certos produtos diferentes de qualquer outra coisa. O que existe na verdade. Verso. Por exemplo. diz Harvey (e aqui está sua terceira provocação fundamental). um fluxo enorme de capital em direção a qualquer coisa que se possa facilmente monopolizar. aderir a modismos. Ao escrever A Arte da Renda. visões de mundo e projetos de transformação que não podem ser formulados no chão de uma assembleia local de indignados. sobre a oposição entre o capital e a urbanização. Esta tendência ao monopólio é permanente. Poderia explicar essas contradições e o significado delas para sua análise? David Harvey: Argumenta-se que capitalismo tem a ver com competição. ou ícones parecidos. será preciso construir. ele adverte.M. Seria. U$ 13. também. sabe que tem responsabilidade e que pode acabar preso. Eles criaram um ambiente único. as pessoas tomaram as ruas. “Ah. Tentei entender por que. Se isso ocorrer. sua forma de vida. o capital depende da inventividade de uma população para fazer algo. Pauli. Esse tipo de coisa você vê nas cidades a toda hora: as pessoas criam um bairro único. Para que isso se torne único. comprando casas e alugando-as por um preço diferenciado. porque “não é interessante viver nesse bairro vibrante?”. Londres. e agora estão tentando apropriar-se dele. se tornou apenas um tipo de taxa urbana comum. John: Você pode apontar exemplos de onde isso está acontecendo? David Harvey: Sim. Basta você tentar participar de uma marcha. Esta tensão sempre existe. faça com . Em Hamburgo. classes. eles estão apenas comemorando”. a modernização dos portos urbanos. para fazer algo diferente. num certo aquilo que não era uma mercadoria de marca transforma-se em algo menos exclusivo. Agora. Múltiplas etnias. existe um tipo de relação aí. por exemplo. Como podemos reverter sua lógica? David Harvey: Um exemplo: o movimento Occupy desencadeou. você responde: “Vi um. acho. muito presente em Hamburgo. John: Sabemos que. E o pessoal de Wall Street sabe o que fez. há forças de compensação muito poderosas. Veja. em geral feitas por jovens e imigrantes]. ou manifestação semelhante. porque seu porto [modernizado] se parece com qualquer outro. haverá uma clara demanda para responsabilizar pessoas por muito do que aconteceu à economia. Isso significa que os movimentos populares podem ter espaço para florescer. Isole-o. uma resposta policial muito feroz e realmente exagerada. vi todos”. sinto que Wall Street enerva-se muito com a possibilidade de esse movimento virar moda. Penso que dizem ao prefeito e a todas as demais autoridades: “acabe com esse movimento antes que vá longe demais”. Rotterdam. Mas o Occupy cria. interromperam a atividade normal de maneira ainda mais clara e a polícia não fez nada. em Nova York. existe uma área. uma commodity. no interior do capitalismo urbanista. seu modo de ser. para tentar definir alguma coisa que é radicalmente diferente. De repente. quando você a muitas cidades do mundo e lhe perguntam: “viu o porto?”. produzem atrações únicas. por seu significado político. O setor imobiliário. têm um. muito diverso. ele se torna burguês e entediante. que a qualidade de vida em uma cidade frequentemente é algo definido por seus habitantes. nessa tensão… David Harvey: Sim. John: Você argumenta um espaço se abre. todos diziam “que interessante”. As pessoas frequentemente fazem o diferencial. claro. O capital tende a ser homogenizante. Cardiff e. O primeiro processo foi muito bom. E se você pergunta por quê.David Harvey: Bem. que era cheio de squats [ocupações de prédios abandonados. uma resposta violenta. havia transformado a cidade em algo muito homogêneo. Quando os Giants venceram o Superbowl [campeonato nacional de futebol americano]. o bairro St. perceberam que existe esse bairro incrível. E Barcelona não parece mais tão única quanto antes. para que haja 5 mil policiais em seu redor – e são bem agressivos. por exemplo. uma vida urbana muito intensa. Não é mais uma coisa única. Estes conceitos estão se espalhando. faço uma pergunta: quem está produzindo e reproduzindo a vida urbana? Se você olhar para o tipo de produção que prevalece hoje. Por exemplo. em outros. particularmente quando são. em que os acionistas estão assumindo parte da retórica e Obama. John: Que outras qualidades do movimento Occupy lhe parecem particularmente significativas? David Harvey: Eu estive fora ano passado inteiro. não se encaixa mais no Ocidente. estamos interessados em suas discussões sobre estratégia. Os acionistas das grandes empresas estão começando a votar contra os grandes pacotes de bônus. outra parte Ed: Sobre isso. da classe operária industrial como sujeito revolucionário e agente de mudança. Acho que tudo isso foi consequência da agenda criada pelo movimento. ilegais.que pareça muito violento. quem pode constituí-lo hoje e como está relacionado às cidades e à identidade urbana? David Harvey: Para tratar deste tema. Você pode contar como reconcebeu o sujeito revolucionário. e até Obama. Por isso. precisamente porque não estão em fábricas. entre as novas populações urbanas. pode ser muito vigorosa. para os bônus enormes pagos aos altos executivos. em Nova York e Los Angeles. Este é o passo necessário. definirá o proletariado de maneira totalmente distinta da que se contentava em associá-lo ao trabalhador fabril. mas assume frequentemente formas muito distintas das tradicionais. é preciso criar organizações diferentes. Como ponto de partida.nada disso era discutido. Em alguns casos. É extremamente difícil organizá-los. Ou tomemos o caso dos empregados domésticos. deveríamos nos preocupar em organizar politicamente estes trabalhadores. Mas. são uma força de trabalho bastante significativa. a organização é muito difícil. Parte do que estou dizendo é que todas estas formas de trabalho desenvolvem-se nas cidades e são vitais para a reprodução da vida urbana. a imensa quantidade de trabalhadores que atuam no transporte de produtos e pessoas. Então você acaba com esse tipo de resposta política. os poderes políticos cooptam parte do discurso contra o sistema e tentam diluí-lo. realmente não acompanhei o Occupy em seu período mais ativo nos Estados Unidos. em muitas cidades. . Elas são mais difíceis de organizar. estão dispostos a tratar a desigualdade social como um problema. Como organizá-los? Há algumas experiências interessantes a respeito. não é possível falar num sindicato nos termos tradicionais. Vivemos agora uma fase de certa cooptação. de caminhoneiros a taxistas. A partir daí. para influir na qualidade e natureza da vida nas cidades. como sempre acontece. é possível pensar em quais formas de organização são possíveis hoje. como em muitos países do Norte. Mas algo que fizeram foi chamar muita atenção para a questão da desigualdade social. é claro que a concepção tradicional que a esquerda tinha. Antes do Occupy. Agora o Partido Democrata nos Estados Unidos. Politicamente. Porém. há pouco. uma forma de organização diferente pode abranger uma cidade inteira. na cidade. ou baseadas em classes. e unir pessoas envolvidas em sindicatos diferentes. a esquerda sempre estabeleceu algum tipo de separação entre o que você poderia chamar de organizações de trabalhadores. Sou muito a favor de uma forma diferente de organização sindical. ou uma organização política da cidade. em momentos diferentes. Ed: Em relação às dificuldades na organização dos grupos de que estamos falando. Agora. Começa a surgir um tipo de coalizão. Veja que esta relutância diminuiu. em 1969. historicamente.Ed: Você acha que a esquerda está mergulhada neste tema. mas era mais comum considerarem essas formas de organização como uma ameaça a si próprios. Uma de minhas batalhas nos últimos 30 ou 40 anos tem sido dizer que é preciso enxergar estes movimentos como movimentos de classe. e não por setor. Acredito que os sindicatos convencionais devem prestar mais atenção aos conselhos de comércio locais e aos conselhos municipais. você investigou uma grande variedade de movimentos. Hoje. em muitos setores da esquerda. penso que a esquerda passou a compreender e valorizar melhor os movimentos sociais. e uma organização geográfica precisa pensar no proletariado em geral. como organizar os trabalhadores? Diante desta questão. Os sindicatos tendem se preocupar apenas com o bem estar de seus membros. você relaciona algumas de suas hipóteses sobre organização urbana às dificuldades enfrentadas pelas formas tradicionais de organização da esquerda. Penso que hoje. Ed: No capítulo 5 do novo livro. apenas 2 mil. Se você quisesse organizar algo politicamente em 1970. em um tipo de sindicato da cidade. O movimento sindical convencional dividia-se: algumas vezes eles apoiavam. eram 10 mil e na virada do século. uma das coisas que vi em Baltimore foi que um movimento de sindicatos convencionais pode ser hostil a essas novas organizações. Existem lições particulares que devam ser generalizadas? David Harvey: A maioria dos grupos desse tipo aparece como de organizações por direitos sociais. havia algo como 35 mil operários na fábrica de aço. são irrelevantes. porque eles tinham musculatura. Não apenas no que diz respeito a diferente composição do proletariado. eles podem criar formas organizativas menos restritas que as dos sindicatos convencionais. Quinze anos depois. mas . Penso que houve uma relutância a aceitar isso. Desse ponto de vista. pessoas tradicionalmente ligadas ao movimento sindical juntaram-se aos movimentos sociais. Quando cheguei em Baltimore. Sob esse guarda-chuva. em compreender os desafios e oportunidades com que nos deparamos? David Harvey: Penso que. Mas se o sindicato já não conta. Na marcha do Primeiro de Maio realizada em Nova York. de preferência local. você abria um diálogo com o sindicato dos metalúrgicos. e movimentos sociais. inclusive em razão da rapidez com que o trabalho fabril desapareceu. o movimento sindical convencional está preparado para enxergar essas organizações como cruciais para apoiar suas lutas. com todas as suas diferenças. uns cinco anos depois. Esse movimento tornou-se significativo.também nas relações com organizações autônomas. tinham programas educacionais e culturais. em consequência. Assim. Você pode imaginar que podem surgir. e se fosse possível organizar uma cidade inteira. ou na dificuldade para atuar na esfera estatal. você começa a criar uma rede. tomadas pelos trabalhadores em 2001-2002. em uma cidade como Homs onde há um movimento de oposição muito forte. Outro fato interessante sobre as fábricas na Argentina é que quando foram tomadas. então possivelmente estaríamos muito empoderados. apenas uma medida transformadora que aprofunda a democracia urbana. Marx tem uma série de passagens interessantes. como estão imersas num sistema capitalista. onde diz que o primeiro passo em direção a uma transformação revolucionária é a tomada dos meios de produção pelos trabalhadores. com pessoas mortas e outras submetidas. o que nos levaria além das possibilidades de tomar apenas uma fábrica específica. como cooperativas. a população saiu de suas casas para impedi-los. Mas de onde vem o pano? Bem. Quão longe uma cidade pode ir. não será suficiente. em certo ponto. é uma cidade rebelde. é muito mais fácil de defender as fábricas tomadas. Você parece sugerir que as cidades são locais de organização especialmente poderosos. em uma área metropolitana. Penso que há perigo real em ir muito longe e muito rápido. Se você começar a pensar em organizar uma cidade inteira (e isso está começando a acontecer um pouco na Argentina). que . não permaneceram simplesmente como fábricas. De certa forma. Claro que se você tentar criar uma cidade totalmente comunista no meio do capitalismo. mas se ficarmos apenas nesse nível. precisa de tecido. Quando os donos voltaram. e agora há orçamento participativo em muitas cidades do mundo. provavelmente irá sofrer uma repressão real e violenta. Outra cidade brasileira muito interessante é Curitiba. Por que você acha que as cidades são tão importantes? As cidades radicalmente isoladas não sofreriam da mesma vulnerabilidade das cooperativas? David Harvey: Gosto de pensar nas cidades porque são uma escala maior que uma simples fábrica. Tornaram-se centros comunitários. em práticas de auto-exploração. Se você observar as fábricas recuperadas na Argentina. integraram realmente os bairros próximos. vêem-se envolvidas na competição e. verá que uma das dificuldades que surgiriam desse movimento e das associações de trabalhadores envolvidas é que. economias interligadas dessa forma. em relação a sua organização? Há exemplos disso: Porto Alegre construiu sua forma orçamento participativo. Algumas inovações ocorrem no campo ambiental. cercada pelo exército e esmagada. interligadas. e disseram “queremos nossa fábrica de volta ou levaremos as máquinas”. as fábricas precisarão de matérias primas — se você está produzindo camisas. monta uma rede de cooperativas produzindo coisas diferentes. Estará numa situação como a da Síria. Não é uma medida revolucionária. rápido demais”? David Harvey: Bem. onde Bo Xilai. Ed: Quero voltar para o que você afirmou sobre abraçar uma pluralidade de estratégias. John: Você fala no livro sobre a cidade chinesa de Chongqing. Eles observaram um processo local bem-sucedido e talvez tenham decidido enfrentar estes problemas por meio de aumento salários ou construção de habitações. Era maoísta na retórica. ou se o retratam dessa maneira porque não gostam do modelo que estava desenvolvendo. líder do Partido Comunista. mas por outro lado temos que considerar as limitações da realidade. todas as que forem possíveis. Em que momento você passa de uma “estratégia dos cupins”para outra? Uma das coisas em que realmente me empenhei. como Bo estava fazendo. portanto. você também é crítico da teoria dos cupins… David Harvey: É preciso sempre ter cuidado. nas mesmas linhas que o dirigente afastado estabeleceu. e . como políticas nacionais. e me pergunto se ele era tão brutal e tão corrupto está sendo pintado. e você começa a ver tais mudanças como algo que se espalha pela rede urbana. Pode ser o modelo chinês de urbanização. Quando sou crítico. sem alarde. não há outra opção além de se envolver em estratégia de cupins. Ed: No entanto. Você tem participado de um debate permanente. eu não sou especialista em China. e uma diversidade de formas organizacionais. para uma variedade de situações e propósitos. Shenzhen e lugares assim. Nesse aspecto. no capítulo 5. há na China uma necessidade de incentivar o mercado interno e alguma preocupação sobre redistribuição da riqueza. fazer um bom trabalho. bastante desastroso — ambiental e mesmo economicamente — mude nos próximos anos. Em alguns casos. e é possível. estava muito preocupado com a redistribuição da riqueza. Você pode imaginar uma situação como essa nos termos do que chamo de “teoria dos cupins”[Harvey refere-se aos casos em que é possível corroer por dentro uma estrutura capitalista. Sustento que algumas estratégias são boas. o Comitê Central tem adotado. Mas ressalto que são apenas especulações. Não devemos. não estou desprezando. Estava muito claro que sua tentativa de se tornar poderoso no Comitê Central baseava-se no desenvolvimento deste modelo urbano particular. Agora. que as pessoas poderiam adotá-las. Seria um exemplo dos riscos de ir “longe demais. eu o achava muito interessante. para transformação social. radicalmente distinto do que se vê em Xangai.trabalhou questões ambientais e tornou-se conhecida por organizar seu sistema de transporte coletivo de uma forma ecológica e sofisticada. tanto quanto sei. Podemos adotar diversas. até ser afastado. na minha opinião. As inovações que vieram de lá também estão sendo implantadas em outras cidades. Esta cidade agora tem uma estrutura institucional diferente. liderou processos muito interessantes. ainda assim. nos restringir dizendo: “esta é a única estratégia que vai funcionar”. foi tentar mostrar que há uma variedade de estratégias. até que ela entre em colapso]. algumas das práticas que Bo lançou em Chongqing. que tem sido. Isso é típico: como sabemos. não são horizontais. A universidade não é um sistema fortemente hierarquizado. O problema importantíssimo que se coloca é: como você controla uma autoridade? Quais são os mecanismos de revisão de mandatos e de controle? Porque uma estrutura hierárquica pode. tornar-se autoritária. como essa. de uma profunda suspeita diante de qualquer forma de autoridade. Acho ótimos que as pessoas estejam debatendo horizontalidade. O exemplo ilustre de que muitas pessoas lembrariam são os zapatistas. se alguém não aparecer para uma palestra. Por exemplo. isso importa pouco: a instituição sobrevive perfeitamente bem. identificar que tipo de organização será capaz de enfrentar e resolver cada tipo de problema. mas não funciona em outras situações. mas também gosto de ficar de pé de vez em quando e andar por aí! Porque acho que esta oposição não é útil. e eles vão nos informar amanhã o que decidiram”? Há muitas atividades que precisam. Você está dizendo. ainda é necessário reconhecer que às vezes a autoridade tem o seu papel? David Harvey: Sim. Mas há uma grande diferença entre autoritarismo e autoridade. Se algo der errado nela. de fato. Ed: Estas ideias vêm de um semi-anarquismo. Mas eles. Repito: a questão é para mim. mas é ruim que digam algo como: “ou é horizontal. e de repente dissessem: “bem. Pode falar mais sobre isso. caso contrário tudo acontece muito rápido e explode. Mas em sistemas fortemente hierarquizados. os controladores de tráfego aéreo estão em assembleia. na torre de controle de tráfego aéreo? Será que funciona? Como você se sentiria se estivesse no meio de um voo cruzando o Atlântico. e como se relaciona a sua análise sobre capitalismo e cidade? David Harvey: Acho que há hoje um grande apego pela horizontalidade. Por isso. militarmente. Sobrevivem até hoje precisamente . Sou a favor de ser tão horizontal quanto você puder. você precisa reagir imediatamente. pergunto aos horizontalistas radicais: você quer organizar o controle de tráfego aéreo por meio de princípios horizontalistsa? Quer ter assembleias o tempo todo. Vivemos num mundo onde há um sistemas muito estruturados. Quando algo dá errado. ou “verticalistas”. em certas escalas. Acho que a horizontalidade pode ajudar a resolver alguns problemas. Mas há o que chamo no livro de uma espécie de fetichismo da forma de organização — o que foi terrível nas concepções de centralismo democrático dos partidos leninistas e comunistas.às vezes ácido. uma estação de energia nuclear é um sistema fortemente estruturado. um anti-capitalista. basicamente. a de maneira que você também precisa de estruturas de comando e controle para lidar com eles. você precisa de alguém para exercer autoridade. ou não é nada”. por exemplo. Eu acho que em certas situações. Tento dizer a meus alunos que gosto de passar grande parte da minha vida no horizontal. claro: acho que a autoridade tem seu papel. de formas bem diferentes de organização. que ser um radical. opondo “horizontalistas” a “centralistas”. você precisa tomar decisões com rapidez. num pequeno livro. você também tem que pensar sobre certas questões como o aquecimento global. Precisam ser . Uma das críticas que sempre foram feitas à Comuna de Paris é que. não de pessoas. Recorre a um pequeno truque teórico de Saint-Simon: diz que pode haver gerenciamento das coisas. é visto como um Estado. muita influência sobre as práticas de planejamento. Participei. Sua filha estava na platéia. em seguida. mas não toda a cidade. Mas há. Foca sobre as necessidades das bio-religiões. será necessário um Estado. Os anarquistas têm uma longa tradição de estar muito mais interessados em questões ambientais e urbanas que os marxistas. e o pensamento anticapitalista na Geografia sempre foi predominantemente anarquista. E Bookchin é seu herdeiro. e sua abordagem sobre uma saída para este problema de escala. há duas semanas. mas não pode admitir. Eles exerceram. e nós conversamos sobre reunir. mas a ideia. Você sabe: o que se parece com um Estado. sobre Murray Bookchin. Por isso as forças da reação puderam atacar: não havia nenhuma estrutura de comando e controle para resistir militarmente à invasão. e o pensamento de Bookchin em geral — me parece muito interessante. tenta falar sobre como os poderes foram atribuídos e como devem ser. uma seleção de escritos de Murray sobre o tema. exerceram muita influência — inclusive sobre mim. ele está disposto a pensar em uma estrutura hierárquica de algum tipo. Parece que você acha que Bookchin talvez aceite isso. como você realiza tantas assembleias municipais e não coloca em questão o fato de algumas pessoas. o abastecimento de água ou o saneamento uma região — mas não o que as pessoas fazem. será muito vulnerável. de uma reunião em Nova York. também. sem recursos. que vêm dessa tradição. E no plano mundial. converterem-se em ultra-ricos — enquanto muitos. ao longo do tempo. no novo livro. As pessoas defendiam seu distrito. Ou seja. se você tentar mexer com os militares. não havia nenhuma autoridade central para defender a cidade inteira. Se você não tiver isso. por exemplo. David Harvey: Sim. Acho que é um momento muito bom para reintroduzir a tradição anarquista. David Harvey: Sou um geógrafo. com muitos recursos. John: Você fala. Estou interessado em seus ensaios sobre municipalismo libertário: fala sobre formas horizontais de organização descentralizada mas.porque. reduzem-se a ultra-pobres? Ed: Sua visão parece que. Murray Bookchin compareceu ao debate. fala também sobre a confederação das assembleias regionais. Por exemplo. Figuras como Lewis Mumford. eles têm um comando muito bom e estruturas de controle com os quais podem resistir. que pode contribuir para o debate sobra algumas questões mais amplas. e se expressa como um Estado… é um Estado! Há algo que se pode chamar de Estado capitalista. que poderíamos querer esmagar. devido a uma espécie de anarquismo filosófico. Que deve-se gerir. É muito diferente da política real. uma forma de organização diz respeito às relações entre diferentes assembleias e grupos. no fim das contas. obviamente. em vez de se limitar a comunidades particulares. com David Graeber. O movimento dos trabalhadores sem-terra no Brasil tem conexões urbanas muito amplas e as leva muito em conta. e o subúrbio e as zonas não-urbanas. em alguns lugares. Há tantas diferenciações no interior do próprio processo de urbanização. por exemplo. Significa que certas ideias sobre o que fazer têm de ser resultado de uma preocupação mundial. Há. É como quero ver este processo. Em El Alto [subúrbio popular de La Paz. mais dramática que a que existe entre o que acontece na cidade e fora dela. sobre as organizações com base geográfica. Na América Latina. Isso é o que chamo de desenvolvimento geográfico desigual no interior do processo de urbanização. em um sentido estrito. Você está falando sobre o direito a algo que não existe na mais?” Ou: “você está falando sobre a cidade. você está invocando o imaginário de uma cidade linda. A única razão pela qual me atenho à palavra “cidade” é que ela tem um significado icônico e é foco de sonhos e utopias. de fato. Continuo com o termo “cidade”. muito forte.abordadas e compreendidas em plano global. Bolívia]. . O que você vê é um contínuo entre o campo e a cidade. e o que pode ter sido verdade há algum tempo — a existência de uma vida urbana e uma vida camponesa auto-sustentável. tentativas de organizar uma cadeia de produção de alimentos para as cidades. Vendendo a produção diretamente aos supermercados. Ed: Então um urbanismo revolucionário uma forma universal de revolução política? David Harvey: Eu diria que sim. por causa do agro-negócio e a forma com que o campo tem se transformado em uma paisagem capitalista. por que não sobre o campo. um dos meus exemplos preferidos. dirigem os mesmos carros. ela essencialmente desapareceu. E desse ponto de vista. as pessoas assistem aos mesmos canais na televisão. Ao mencioná-la. Por que você não fala sobre as áreas rurais?”. que a diferença entre áreas ricas e favela é dramática — na realidade. nós nos tornamos um mundo totalmente urbano. Elas dizem “a cidade não existe realmente hoje. mas entendo perfeitamente que. Existe uma oposição entre o urbano e o não-urbano? David Harvey: Muitas pessoas me fazem essa pergunta. por exemplo — o que me parece uma ideia muito interessante. John: Isso nos leva de volta a um ponto que abordamos antes. Minha resposta é que. independente — desapareceu em grande parte. se você está na área rural. nos últimos dez ou quinze anos. a conectividade entre as pessoas que vivem na cidade e as que estão fora dela é muito. Foi ampliada. etc. Há formas de organização que refletem isso. diferenciado de todo o resto. que começa nos campos e passa por várias etapas. mas como parte de um processo geral de urbanização. você diz que as diferenças no interior das cidades são tão significativas quanto as diferenças entre a cidade e subúrbio. nos últimos cinquenta anos. Ele não se vê fora do mundo autônomo. uma cidade na colina.
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