Artigo - A NEUROPSICOLOGIA E AS DOENÇAS DA MENTE SINDROME DO MEMBRO FANTASMA.doc

May 10, 2018 | Author: Thiago Michels | Category: Human Brain, Pain, Antidepressant, Cerebrum, Ghosts


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-1- A NEUROPSICOLOGIA E AS DOENÇAS DA MENTE: SINDROME DO MEMBRO FANTASMA  Debora Amador *Jessica Tejada *Leticia Stropper *Thiago Michels  Luciana S. Azambuja Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar os fenômenos do membro fantasma a partir do enfoque da Neuropsicologia. O mesmo abordará um breve histórico de todo o processo do membro fantasma, sua relação com o homúnculo de Penfield e a plasticidade neural recorrente, juntamente com os sintomas e tratamento. Trata-se de um estudo bibliográfico, com a utilização de livros e artigos científicos. A sensação do membro fantasma é um fenômeno que acomete pacientes submetidos à amputação de qualquer um dos membros. Através deste trabalho, conclui-se que o índice das pessoas que vivenciam o membro fantasma após perderem alguma parte do corpo é elevado: entre 90 e 98%. Trata-se, pois, de uma patologia perturbadora e de difícil tratamento, as técnicas utilizadas não removem totalmente os sintomas, apenas os diminuem, bastando ao doente apenas esperar que o seu fantasma o abandone. Palavras-chave: Membro fantasma; homúnculo de Penfield; plasticidade neural. INTRODUÇÃO “Pode-se definir como membro fantasma a experiência de possuir um membro ausente que se comporta similarmente ao membro real, assim como sensações de membro fantasma a vários tipos de sensações referidas ao membro ausente”, segundo Rohkfs e Zazá (apud DEMIDOFF, PACHECO E SHOLLFRANCO, 2007). A sensação da presença do membro ou do órgão após a sua extirpação é descrita por quase todos os doentes que sofreram amputação e muitas vezes vêm associadas à dor que varia em intensidade e duração de caso para caso. A dor fantasma é uma sensação dolorosa referente ao membro (ou parte dele) perdido que pode se apresentar de diversas formas tais como ardor, aperto, compressão ou até mesmo uma dor intensa e frequente. O fenômeno dos membros fantasmas, como sabemos, surge após a secção de um membro do corpo: pernas, pés, mãos, braços, dedos, ou de ainda órgãos internos, e persistirá na mente de um sujeito mesmo depois de removido, possivelmente porque ele não aceita a perda.  Embora mais comumente relatados depois da amputação de um braço ou perna, também tem havido relatos de casos de fantasmas após extração de uma mama, de partes do rosto ou de vísceras. Por exemplo, alguém pode ter sensação de movimento do intestino, de flatulência depois de uma completa remoção do cólon sigmoide e do reto, e ainda dores de úlcera fantasma após gastrectomia parcial (RAMACHANDRAN; HIRSTEIN, 1998 apud SILVA, 2013). Acadêmico da disciplina Neuropsicologia do Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil. Docente do Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil e orientadora deste trabalho.   b) o segundo é a sensação do membro fantasma propriamente dito. como se o cérebro “pregasse uma peça” na consciência do paciente. espasmos da mão e descargas elétricas na mão e cotovelo (GIRAUX e SIRIGU. ganha vida própria. PACHECO E SHOLL-FRANCO. câimbra e dor fantasma –. dormência. permanecendo apenas. de maneira que este pode tentar pegar um objeto com a mão fantasma ou tentar apoiar-se sobre uma perna fantasma. queimação. etc. (SIMMEL. diminuindo com o tempo. 2013) Tanto a incidência da dor como da sensação fantasma é maior logo após a amputação. ilusão vívida do movimento do membro fantasma. Outra sensação de membro fantasma já observada consiste no desaparecimento de partes do membro. as pessoas têm consciência de que o membro fantasma não existe e estão experimentando uma “alucinação”. 2013) A síndrome do membro fantasma pode ser percebida instantes após a perda do membro real. 61% naquelas entre quatro e seis anos. os fenômenos decorrentes do membro fantasma – coceira. apenas a sensação de sua existência.. (SILVA. c) por fim. O membro fantasma é extremamente real para o paciente. Os fantasmas são percebidos com menos incidência em crianças muito novas. Observemos a progressão das ocorrências: (. 2007). pode segurar um objeto com as mãos ou os dedos.-2- Dentre os sintomas descritos por pacientes com sensação de membro fantasma. ou seja. pontadas. câimbra. Sendo assim.) os membros fantasmas foram encontrados na ordem de 20% em crianças amputadas com dois anos de idade. Também o surgimento é mais frequente . as extremidades corporais que mantêm um contato mais estreito e variado com a realidade tendem a ser mais presente que as demais (Schilder. 2003 apud DEMIDOFF. 1989 apud DEMIDOFF. a extremidade distal do membro. Em casos de lesão do plexo braquial. talvez porque elas ainda não tenham construído totalmente uma imagem concreta do corpo. constrição do pulso. são relatados também: estiramento da mão inteira que irradia para o cotovelo. o que pode ser explicado com base no fato de que o modelo postural do corpo se desenvolve especialmente em contato com o mundo externo. 1962 apud SILVA. Para se estudar pessoas que dizem ter essa experiência são necessárias distinguir três tipos diferentes de “fantasmas” ou “fenômenos fantasmas”: a) o primeiro é a falsa experiência do “fantasma” – nesse caso. ou até mesmo. 2007). PACHECO E SHOLLFRANCO. os que se apresentam com maior frequência são: a dor fantasma. 75% em crianças entre seis e oito anos. além da dor pode sentir calor. fazer gestos ou afagar um animal ou um ente querido. principalmente se houver dor local antes da cirurgia ou se a perda se der de modo traumático. que tornam a experiência quase insuportável para quem os sente. as pessoas vivenciam o membro fantasma. e em 100% das crianças acima dos oito anos. Relatos médicos demonstram que em mais de 90% dos casos em que ocorre a amputação. 25% de crianças de dois a quatro anos.. frio. mas sobre o qual os sujeitos não possuem domínio – o cérebro não reconhece que a imagem corporal mudou e o membro tem autonomia sobre o corpo do sujeito. se um braço pode resistir fisicamente à sua aniquilação. o indivíduo sofre um grande impacto psicológico e vários distúrbios emocionais surgem na adaptação física e social. inconscientemente. PACHECO E SHOLL-FRANCO. ideias e emoções sobre o corpo e suas experiências. 2000 apud SILVA. experienciou dor no membro fantasma. pois. O termo também é usado para designar uma associação entre a posição perdida do membro e sua atual posição. 2007). incluindo uma estranha sensação de dedos tateando a palma da sua mão. ROGERS-RAMACHANDRAN. mas pode surgir até um ano após. na literatura médica. o fantasma de uma pessoa amputada seria a reativação de um padrão perceptivo dado pelas forças emocionais. HISTÓRICO DO MEMBRO FANTASMA O fenômeno do membro fantasma é conhecido desde a Antiguidade. Depois da amputação. o que lhe faz enfrentar uma nova situação. mas sua primeira percepção. foi observada no século XVI pelo cirurgião francês Ambroise Pare. Em alguns casos. 2004. Pare foi levado a crer que a sensação do “fantasma” seria a prova mais do que definitiva da existência da “alma humana” no nosso corpo.-3- imediatamente após a amputação. A sensação mais intensa corresponde a regiões do corpo com maior representação cortical. Em menos de 10%. mas como reluta em aceitá-la. A expressão “membro fantasma” foi introduzida por Weir Mitchell ao verificar a experiência de sensação do membro perdido em alguns pacientes que tiveram uma extremidade amputada. por que não toda a pessoa? A primeira descrição clínica do membro fantasma foi feita por Silas Weir Mitchell no artigo “Injuries of Nerve sand Their Consequences”. Geralmente a sensação fantasma desaparece em 2-3 anos. Outra prova pôde ser encontrada nos relatos de Lord Nelson. A partir da perda do braço direito de um combatente em guerra. acaba tentando. manter a integridade de seu corpo (SCHILDER. pois. 1989 apud DEMIDOFF. Está claro que o quadro final de um fantasma depende grandemente de fatores emocionais e da situação de vida do indivíduo. que. podendo ser. a dor fantasma inicia após um ano. também podia ser experimentada dor ou câimbra. se um braço pode existir mesmo após ter sido retirado. mudada. por que a pessoa inteira não poderia sobreviver à aniquilação física do corpo? Não seria essa a prova definitiva de que o “espírito” continuava existindo muito tempo após de ter-se livrado de sua carcaça? (RAMACHANDRAN. após ter perdido um braço durante um ataque a Santa Cruz de Tenerife. RAMACHANDRAN. constantemente. tal como ocorre durante uma obstrução . A emergência dessas sensações o levou a proclamar que tinha a prova direta da existência da alma. 2013). Sendo assim. publicado em 1872. A imagem corporal é construída de acordo com as percepções. Entretanto. p. 2013). e em raríssimos casos o desejo de mudar pareceria cada vez mais impossível. William James (1887) também publicava um artigo científico intitulado “The Consciousness of Lost Limbs” no periódico Proceeding of the American Society for Psychical Research. a consciência do membro perdido varia de acordo com a dor. 2013) é importante notar que em todos esses casos os pacientes reconhecem que as sensações não são verídicas: eles experimentam uma ilusão. sentidos que são duramente perceptíveis. reforçados nos últimos anos pelos estudos das neurociências e pelas técnicas de imageamento do cérebro. no calcanhar ou em outro lugar. picada. por meio dos quais foi . e ‘cotos saudáveis’ e ‘dolorosos’ podem estar presentes ou ausentes (JAMES. Quinze anos depois. 2013). nenhum esforço ou vontade causa essa mudança. Ela avançou após os estudos desses “fantasmas” e pôde corroborar (ou não) alguns pressupostos entre os dualismos mente-corpo/mente-cérebro. 2003). em outros casos.. através de achados científicos que comprovam mudanças nos mapas somatotópicos do cérebro (RAMACHANDRAN. outros não. 250 apud SILVA. p. e não um engano. BLAKESLEE. coceira. mas. o ponto básico estava na investigação da relação entre a anatomia do cérebro e as várias partes do corpo distribuídas e mapeadas no córtex cerebral pelo grande revestimento convoluto da superfície externa do cérebro (RAMACHANDRAN. Para Ramachandran (1998 apud SILVA. sobretudo na União Soviética. Os estudos sobre os “fantasmas no corpo” ou “membros fantasmas” só vieram a tomar forma a partir dos experimentos laboratoriais. Porém. R. ROGERSRAMACHANDRAN. 51 apud SILVA. 2000 apud SILVA. torpor. e com a criação da “neuropsicológica” (SACKS. ou que se tornaram perceptíveis apenas depois de se pensar sobre eles. 2004. O sentimento não está presente na condição do ‘coto’. as principais questões que se precisavam pontuar eram as de que (1) alguns pacientes preservam a consciência do membro depois de tê-lo perdido. (2) em alguns casos. com os estudos de A. os estudos contemporâneos dos membros fantasmas têm se dado sistematicamente a partir dos primeiros anos da década de 90.-4- espinhal ou do “plexo braquial”. etc. sua aparente posição muda. preocupação. (3) a posição pode mudar de acordo com algum esforço ou a própria vontade do sujeito. Lúria. câimbra. reafirmando a demanda da existência de membros fantasmas e fazendo algumas observações e críticas ao trabalho de Weir Mitchell. a neurologia clínica tem sido uma ciência mais descritiva do que experimental. 2013). queimação. 1997. Ora. 1887. Para tanto. A neurologia só veio dar mais alguns passos adiante após a década de 1930. em outros. a sensação sempre aparece em uma posição fixa. do mesmo modo que o pé encontra-se próximo aos órgãos genitais. e determinadas regiões eram estimuladas pelo cirurgião com um eletrodo. Nessas cirurgias. 2004 apud SILVA. ao passo que os lábios e a face encontram-se próximas às áreas dos dedos da mão no hemisfério direito do cérebro. O mapa somatossensorial. os sujeitos respondiam a perguntas sobre o que sentiam enquanto seus cérebros ficavam expostos. Posteriormente. representado pelo “homúnculo”. língua. 1998. sendo o homúnculo. por meio de traços deformados para indicar que tais partes do corpo têm localização específica em alguma das regiões. uma parte do cérebro que controla os movimentos “não sabe” que o membro se foi. bem como a importância motriz referente a cada uma das partes de nosso corpo. O resultado era a produção de imagens. sensações corpóreas ou lembranças e memórias. algumas vezes. embora correspondam a superfícies diametralmente opostas do corpo humano. De acordo com Ramachandran (1994. um mapa neural. Muito provavelmente esses comandos . HOMÚNCULO E A RELAÇÃO COM O MEMBRO FANTASMA O “homúnculo de Penfield” é uma representação artística de como diferentes pontos da superfície do corpo estão “mapeados” nos dois hemisférios do cérebro. A partir disso. É interessante notar que diferentes áreas do corpo representadas no homúnculo de Penfield estão muito próximas uma das outras. 2013). o tronco encontra-se próximo à mão e ao polegar. visto que ele está distribuído ao longo de todo o córtex cerebral nos dois hemisférios. portanto. o “mapa” foi construído a partir de experimentos feitos com seres humanos durante cirurgias realizadas por Penfield. faringe e do abdômen. A ideia é a de que o cérebro corresponde a um mapa genérico de várias partes do nosso corpo. as mensagens do córtex motor na parte frontal do cérebro continuam a enviar sinais para os músculos do membro ausente. Assim. uma mão ou um braço. seguido da área dos dentes.-5- possível mostrar como os mapas sensório-motores poderiam mudar no córtex cerebral. sob anestesia local. várias áreas do cérebro puderam ser relacionadas a partes do corpo. reflete a capacidade que o cérebro tem de discriminação sensorial. que por sua vez encontra-se próximo à área da face. Quando alguém perde uma perna. mas a monitoração dos comandos motores pode continuar a ocorrer no lobo parietal. RAMACHANDRAN. aprendizado. passando a organizar. denominadas mapas corticais (homúnculo de Penfield) podem ser modificadas através da plasticidade neural a partir de alterações estruturais (adaptativas) por estímulos sensoriais. o fantasma acaba sendo a expressão de uma dificuldade de adaptação a um defeito súbito de uma parte periférica importante do corpo.. É importante que se diga que o cérebro demora a reconhecer a perda de uma parte do corpo. de modo que o cérebro aprende a lidar com a nova imagem do corpo devido a uma reorganização da rede neuronal. XERRI. 2007).-6- do movimento são simultaneamente monitorados pelos lobos parietais que afetam a imagem do corpo. Como o ser humano está acostumado a ter um corpo por completo. o córtex cerebral. RAMACHANDRAN. 2004 apud DEMIDOFF. que possui um mapa sensorial das partes do corpo. Em pessoas normais. Desse modo. e assim o paciente tem a vívida sensação de movimento do membro fantasma (RAMACHANDRAN. Ramachandran afirma haver uma espécie de “plasticidade neuronal”. corticais ou neuronais se dão logo em seguida à amputação do membro. et al. que agem. não há “feedback” do membro fantasma. e após lesões cerebrais (LUNDY-EKMAN. 1996. sendo assim. RAMACHANDRAN et al. p. conjuntamente para expressar tal fator. A organização cortical é alterada após alguma perda sensorial. 1996. Alguns rearranjos cerebrais. 2001. As áreas de representação cortical. PACHECO E SHOLLFRANCO. 1994.. 30 apud SILVA. 1998. trazendo como consequência uma readaptação do cérebro à nova imagem do corpo. 2013). Assim. sendo criada então. os quais afirmam que a representação cortical do membro sofre alteração após a amputação. que monitora os comandos e recebe o “feedback” do membro sobre a sua posição e velocidade do movimento. uma nova imagem corporal (RAMACHANDRAN. na tentativa de se readaptar. áreas que antes eram ativadas pelo membro amputado passam a ser invadidas por . 2013). ROGERSRAMACHANDRAN. 1996 apud SILVA. “plasticidade cortical” ou ainda “plasticidade neural” no cérebro. Para essas e outras questões. No caso do membro ausente. é claro. 2003 apud SILVA. 2000. mensagens do lobo frontal são enviadas em conjunto ou pelo cerebelo para o lobo parietal. a aparência final do corpo no sistema nervoso. de modo que este possa se readaptar as mudanças sofridas pela imagem do próprio corpo. HIRSTEIN. as sensações de membro fantasma são caracterizadas por fatores psíquicos e fisiológicos. o membro-fantasma pode ser entendido como a interação entre o que se detecta ao nível periférico (corpo) e o que se integra ao nível central (mente). ainda possui uma área de representação da região amputada. Além desse fator. NORTHOFF. 2013). Essa tese é defendida também por outros autores. o que dificulta o cessar das sensações corporais. experiência. dada sua maleabilidade de se reorganizar (RAMACHANDRAN. A probabilidade de existir DFa pós-amputação de um membro é maior. PACHECO E SHOLLFRANCO. A suposição de que a DFa é de origem psicogênica não tem sido suportada pela literatura recente. 2007). o tipo de amputação (cirúrgica ou traumática). FATORES DESENCADEANTES Os fatores que predispõem ao surgimento da dor fantasma são a idade avançada e a existência da dor antes da amputação. A dor que ocorre no coto surge. É aceite que na amputação podem coexistir diversos tipos de dor que vão desde uma dor somática correlacionada com as alterações do coto de amputação e/ou do ato cirúrgico à verdadeira dor fantasma. Curiosamente. Isto leva a uma massiva destruição de tecido neuronal. Assim. portanto uma capacidade substancial de plasticidade (FARNÈ et al. em geral. De seguida dá-se um processo de desaferenciação e a porção proximal dos nervos seccionados pode formar neuromas. O sistema motor mostra. de diabetes ou doenças vasculares oclusivas e também ao tipo de escalas utilizadas para avaliar as características da dor. que resulta em hiperexcitabilidade e descargas espontâneas. Há um aumento da acumulação de moléculas que reforçam a expressão de canais de sódio nestes neuromas. a primeira pode desencadear a segunda. consistente com os relatos de estimulação tátil da face induzindo sensações de mão fantasma em amputados. 2002 apud DEMIDOFF. em decorrência da formação de neuroma no local de secção do nervo. os nervos periféricos são seccionados. a presença preexistente de condições dolorosas. ansiedade. há um aumento na atividade ectópica e uma perda de controlo inibitório no corno dorsal. Durante a amputação. embora se pense que o stress. cansaço. Na amputação de mãos a área da face “invade” a área da mão. A grande diversidade de dados relativamente à DFa também pode ser atribuída a vários fatores como o tempo decorrido após a amputação. causando rotura do padrão normal de aferência do nervo para a medula espinhal.-7- neurônios de áreas não alteradas cujas representações tenham localizações próximas no córtex. . É um fator para aumentar a incidência de dor fantasma. quando o membro era cronicamente doloroso e muitas vezes é também semelhante à dor no membro pré-amputação. mas pode ser provocada por isquemia ou infecção do local.. geralmente. contudo terem se mostrado eficazes para a cura da dor fantasma e de suas sensações. Dada a atual lacuna existente entre a pesquisa e a prática clínica. sabe-se que esta é baseada tanto em fatores psíquicos como em fatores fisiológicos. a tendência é partir para um tratamento multi-farmacológico. Tratamento Farmacológico No que concerne o tratamento farmacológico. O uso preventivo de analgésicos e anestésicos durante o período préoperatório tem como objetivo evitar que o estímulo nocivo do local amputado. os resultados dos estudos nesta área não são definitivos. bem como a baixa evidência dos diversos tratamentos monoterápicos. No entanto. Um estudo transversal demonstrou que pessoas com comportamento catastrófico e personalidade influenciável têm um maior desenvolvimento de DFa independente da ansiedade e da depressão. cetamina e capsaicina. bloqueadores neuromusculares. . são utilizados analgésicos não opióides. diminui a incidência de dor fantasma.-8- depressão possam exacerbar a DFa. Sabe-se também que ainda não existe um tratamento específico para tal fenômeno. ainda. A colocação precoce de prótese também pode ter efeito benéfico. desencadeie alterações hiperplásicas e sensibilização neural central que possam impedir a amplificação de impulsos futuros a partir do local da amputação. TRATAMENTOS Apesar de não se saber ao certo a origem da sensação do membro fantasma. neurolépticos. Desse modo. antes da amputação. na área da dor do membro fantasma. existem terapias e medicamentos que são utilizados para a redução da dor. O tratamento dessa síndrome dolorosa é baseado no manuseio farmacológico e no tratamento dos aspectos físico. antidepressivos tricíclicos (ou inibidores duais). psicológico e comportamental do paciente. Entretanto. uma cura para o fascinante fenômeno das sensações fantasmas. muitos indivíduos precisam se adaptar com essa situação. Qualquer método de analgesia adequada é importante para que não ocorra sensibilização central. Parece que a analgesia com anestésico local e/ou opióide por via peridural. anticonvulsivantes. opióides. sem. como não existe. com apenas 65% dos doentes a referir uma melhoria da dor superior a 25%. Os aparelhos de TENS possuem a vantagem de serem pequenos. Antidepressivos. sono. opióides e cetamina demonstraram eficácia analgésica de curto prazo. Tratamento não farmacológico Tendo em conta que o tratamento farmacológico está associado. na tentativa de controlar a dor pós-amputação. esta é realizada por estimulação elétrica dos cordões posteriores da medula. Os princípios da sua aplicação baseiam-se na estimulação elétrica das fibras nervosas sensitivas de grande calibre (A-beta). que a nível medular. por um lado. de fácil aplicação e com poucos efeitos secundários ou contraindicações. satisfação e efeitos adversos) permanece obscuro. . Estudos realizados nas décadas de 70 e 80 revelaram resultados pouco promissores no tratamento da dor fantasma. bloqueiam a transmissão do impulso nociceptivo através do mecanismo de gatecontrol. promovendo uma analgesia por períodos de tempo maiores. São necessários estudos randomizados e controlados mais rigorosos para se fazerem recomendações sobre os fármacos mais úteis na prática clínica. A memantina parece ser ineficaz na DFa.-9- A eficácia de curto e longo prazo dos antagonistas dos receptores NMDA. A gabapentina. anticonvulsivantes. e por outro promovem a libertação de substâncias opioides endógenas. anestésicos locais (para parâmetros clinicamente relevantes. Este último mecanismo é habitualmente conseguido com frequências de estimulação baixas (<20Hz) e altas intensidades. Estimulação medular e cerebral A neuromodulação medular pode ser elétrica ou farmacológica. Tens (estimulação eléctrica nervosa transcutânea) A TENS tem sido usada com algum sucesso no tratamento da DFa. amitriptilina. portáteis. qualidade de vida. A calcitonina e anti-factor de necrose tumoral alfa necessitam de estudos adicionais. a resultados pouco satisfatórios e a uma relativa iatrogenia farmacológica. por vezes. função. a combinação destas medidas com tratamento não farmacológico é uma mais-valia. humor. incluindo a dor. No caso específico da DFa. com necessidade de serem realizadas por profissionais experientes. como tal os resultados deverão ser interpretados com alguma prudência. relata melhoria da dor superior a 50% em cerca de 53% dos doentes. envolvendo amostras pequenas (3 e 9 pacientes. que habitualmente é empregada em doentes com patologia psiquiátrica. respectivamente). Treino de discriminação sensorial Um dos poucos tratamentos não farmacológicos com evidência científica é o treino de discriminação sensorial. estas técnicas deverão estar reservadas para os casos refratários aos tratamentos conservadores/não invasivos. relatam redução da dor em 62% após realização de estimulação cerebral profunda. Tendo em conta tratar-se de técnicas invasivas. regulando as vias responsáveis pela dor. depressão major.. Este consiste em aprender a distinguir a localização e frequência dos estímulos sensitivos aplicados ao nível da extremidade amputada. Estudos revelaram o seu benefício na redução da dor. embora apresente resultados um pouco mais promissores que a estimulação medular. Os dois estudos mais divulgados apresentam pouca qualidade metodológica. Uma revisão de 2007.10 - A estimulação cerebral. no aumento da acuidade sensitiva e normalização da reorganização cortical. Bittar et al. como por exemplo. . O mecanismo de ação desta terapêutica não se encontra totalmente esclarecido. Acupuntura A acupuntura tem sido usada de forma empírica no tratamento da DFa. demonstrou eficácia no tratamento dum conjunto de pacientes com uma variedade de síndromes dolorosa com patologia depressiva associada. não é uma técnica muito difundida no tratamento da DFa. Alguns estudos relatam o benefício da terapia eletroconvulsiva no tratamento da DFa refratária ao tratamento “clássico”. e sistema límbico). Esta pode ser efetuada nível do córtex motor ou cerebral profundo (substância cinzenta periventricular ou tálamo). Especula-se que a sua ação se efetua a nível espinhal e/ou encefálico (córtex somatossensorial e motor. Terapia electroconvulsiva A terapia eletroconvulsiva. Comparativamente com a terapia em espelho apresenta a . 2007) Realidade virtual A realidade virtual é uma ferramenta terapêutica com bastante potencial e em crescimento em várias áreas da medicina. PACHECO E SHOLL-FRANCO. que são responsáveis pela modulação dos inputs somatossensoriais. Neste método. O mecanismo exato que justifique o alívio da DFa com a terapia em espelho permanece uma incógnita. Os princípios teóricos que justificam a sua utilização são semelhantes aos evocados na terapia em espelho. Estes neurônios são ativados quando uma pessoa executa uma atividade ou observa outra pessoa a efetuar essa atividade. o doente observa o reflexo do seu membro intacto num espelho colocado parassagitalmente entre os seus membros superiores ou inferiores. poderá manter ou aumentar a representação cortical destas áreas e assim diminuir a dor. A terapia em espelho. Giraux e Sirigu mostraram que em pacientes com lesão de plexo braquial onde eram aplicados testes com exposição a movimentos virtuais do membro verificou-se que há indução de mudanças plásticas na representação cortical do membro danificado e que esta plasticidade estava relacionada a mudanças na sensação de dor fantasma. provavelmente através da reestruturação do esquema corporal. Outro mecanismo proposto é a modulação do remapeamento cortical que habitualmente ocorre após a amputação. Nesta reorganização cortical existe uma expansão de áreas do homúnculo localizadas na periferia das áreas correspondentes aos segmentos corporais amputados e desta forma a representação cortical da região amputada diminui. Foi observada uma melhora significante na avaliação da atividade do córtex entre o pré e pós-treinamento assim com a diminuição da dor para esses pacientes sendo que dos 3 avaliados 2 reduziram sua medicações no final da pesquisa graças à diminuição da dor. Especula-se que possa ser atribuídos à ativação dos neurônios espelho (mirrorneurons) localizados no hemisfério contralateral à amputação.11 - Mirror box therapy A terapia em espelho foi primeiramente descrita por Ramachandran e RogersRamachandran em 1996 e demonstra alguma eficácia terapêutica no tratamento da DFa.. ao enviar imputs somatossensoriais. A gravação dos movimentos da mão normal que eram refletidos por um espelho dava ao paciente a ilusão de que quando ele realizava determinado tipo de movimento era o seu membro afetado que estava realizando. (2003 apud DEMIDOFF. de forma a que a imagem visualizada corresponda ao membro fantasma/amputado. sendo ele instruído a mexer com o membro fantasma ao olhar para o espelho. A sua aplicação no tratamento da DFa e fenômeno de telescopagem tem vindo a ser explorada com resultados promissores. técnicas de relaxamento com ou sem “biofeedback” (EMG ou térmico. 2012) Tratamento psicológico Várias modalidades psicoterapêuticas têm sido aplicadas na tentativa de controlar a dor pós-amputação. e assim modular o processo de reorganização cortical após amputação. Uma possível justificação para que o uso de prótese diminuísse a DFa seria a ativação de fibras sensitivas de grande diâmetro. conduzir à ativação do córtex motor e sensitivo. Foi demonstrado que aqueles que usam a prótese mais do que 9h por dia apresentam menos DFa. Mental imagery A imaginação mental do movimento ou sensação da região amputada poderá se praticado regularmente. hipnose. No entanto ainda faltam estudos que concluam se o uso de prótese diminui a intensidade de DFa. “Eye Movement Desensitization and Reprocessing” têm se mostrado ser bem sucedidas nalgumas circunstâncias). pode ser benéfica na medida em que limita a reorganização cortical. mas pode também ser relevante no controlo do stress e na criação de estratégias de coping que possibilitem ao doente gerir o quadro doloroso. com maior liberdade de movimentos e uma grande variedade de ambientes interativos. combinada com os exercícios de imaginação no domicilio podem ser mais eficazes. que permite a realização de múltiplos movimentos e atividades. terapia cognitivo-comportamental. (MACLVERET et al apud GRILO. demonstraram a reversibilidade das alterações neuroplasticas após amputação. com recurso a fRMN. Algumas das terapias mais utilizadas são: psicoterapia.12 - vantagem de oferecer uma dimensão espacial mais alargada. e . A observação da ação por um período de tempo com o terapeuta. promovendo um alívio a dor. A capacidade imaginativa de cada individuo pode contribuir para justificar as diferenças individuais encontradas nos estudos. Este método imaginativo não só desempenha um papel na reorganização cortical. que modulariam a transmissão do impulsos nociceptivos a nível medular (gatecontrol) e enviariam estímulos exteroceptivos e proprioceptivos para a neuromatrix que iriam repor o silêncio sensitivo gerado pelo membro amputado. Verificaram num grupo de 13 amputados do membro superior. Uma prótese funcional. Uso de prótese A presença de DFa parece ser um dos fatores limitantes da utilização da próteses.. que o treino de imaginação diminuía significativamente a intensidade da dor e que esta diminuição se encontrava relacionada com a redução da reorganização cortical. mas nenhum consegue eliminar completamente os sintomas nem mesmo explicar a mecânica de funcionamento do cérebro humano. quase nunca há indicação para extensão proximal da amputação por causa da dor. Tratamentos são sugeridos e geram bons resultados. Atualmente estes tratamentos têm sido mais abandonados. podem proporcionar alívio em curto prazo da dor. por exemplo.13 - desta forma diminui a dor e sensação fantasma. Foi demonstrado através de RMN que uso de prótese mioelectrica do membro superior reduz a reorganização cortical e diminui a DFa. que acomete quase a totalidade dos recémamputados. Conclusão Percebemos que apesar do longo histórico e esforço de diferentes áreas do conhecimento (psicologia.. Durante décadas tentou-se usar tratamento cirúrgico da DFa. fisiologia. Tratamento cirúrgico A intervenção cirúrgica pode ser utilizada. sendo geralmente direcionada para o tratamento do neuroma do coto de amputação. psiquiatria. cordotomia. A revisão do coto ou neurectomia pode ser eficaz se houver uma patologia específica local no coto.). ainda não se sabe ao certo como funciona está síndrome. simpatectomia. Outras técnicas neurocirúrgicas como. em cotos adequadamente curados. podendo persistir por muitos anos em grande parte dos enfermos. talamotomia. etc. As próteses cosméticas não parecem exibir qualquer efeito a nível cortical e no fenômeno do membro fantasma. mas. mas a dor muitas vezes reaparece. mas os resultados têm sido geralmente desfavorável. . 167-195. Carlos Maurício. DEMIDOFF. SHOLLFRANCO. Portugal. 2013. 2012. Rio de Janeiro. 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