A metafísica e os fundamentos da objetualidadeAssinado de forma digital por Paulo Henrique Rodrigues Silva DN: cn=Paulo Henrique Rodrigues Silva, c=BR, o=Infohome, ou=Infohome, email=phrs14@yahoo. com.br Dados: 2007.04.16 11:58:40 -03'00' Paulo Henrique Rodrigues Silva Apostila do Seminário de Filosofia A metafísica e os fundamentos da objetualidade Rascunho para comentário em classe. Olavo de Carvalho Se Kant afirma que a ciência metafísica é impossível por lhe faltar um objeto representável na intuição, é porque não meditou com suficiente profundidade a noção mesma de “objeto”. A intuição de qualquer objeto é intuição de uma forma finita, cujas fronteiras com os outros objetos nos revelam imediatamente os limites do seu conjunto de possibilidades de ação e paixão. Olhando um gato, sabemos por intuição que ele não pode voar. Se à intuição faltasse por completo essa informação, seria uma falsa intuição ou a intuição de uma aparência genérica de gato que não é realmente um gato. Olhando um quadrado, sabemos instantaneamente que não pode ser dividido em dois quadrados por um único segmento de reta e que cortado na diagonal exata produzirá dois triângulos isósceles. Saber isso de imediato é ter a intuição do quadrado. A simples notação passiva da forma quadrada, esvaziada de qualquer http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant3.htm (1 de 6)16/4/2007 09:07:48 A metafísica e os fundamentos da objetualidade das propriedades inerentes a essa forma, não é ainda uma intuição: é pura sensação, matéria de uma intuição possível que se realizará no preciso momento em que o quadrado comece a mostrar algo de sua constituição interna. A intuição não é portanto apenas a apreensão de uma forma estática, mas a intelecção de um sistema finito de possibilidades, a apreensão, por mais geral e vaga que seja de início, da fórmula algorítmica de um conjunto unitário e organizado de potências, cuja forma integral perfaz exatamente a identidade e a unidade do objeto de intuição. Ora, esse conjunto é intuído simultaneamente em duas claves: positiva e negativa. Positiva, pela afirmação das potências -- ou pelo menos de algumas delas -- que se revelam na forma do objeto. Negativa, pelos limites que distinguem essas potências de outras potências circundantes ou possíveis, ausentes no objeto, precisamente como no caso do gato que é percebido instantaneamente como bicho caminhante e não voador. Dito de outro modo: a forma é percebida de maneira instantânea e inseparável como conjunto articulado de possibilidades e de impossibilidades. Essa instantaneidade mesma, inerente à natureza do ato intuitivo, torna impossível, no caso, a distinção kantiana entre o que é dado no objeto e o que é (segundo Kant) projetado nele pelas estruturas a priori do nosso modo de percepção ou da nossa razão. Estas estruturas, sendo gerais e universais, idênticas em todos os homens, não poderiam magicamente adaptar-se às formas dadas individualizadamente no objeto se este mesmo não as amoldasse a si por força da sua constituição intrínseca. Supor o contrário seria admitir que o objeto é pura matéria sem limites formais próprios, sendo seus únicos limites projetados nele pelo http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant3.htm (2 de 6)16/4/2007 09:07:48 A metafísica e os fundamentos da objetualidade observador. Não haveria portanto outra maneira de distinguir entre os vários objetos senão pelas projeções que o sujeito do conhecimento, no uso da sua liberdade, houvesse por bem lançar sobre este ou sobre aquele, nada o impedindo, em princípio, de projetar sobre o gato a forma de um triângulo ou sobre o triângulo a de uma galinha. Isso tornaria impossível não só a percepção como, mais ainda, qualquer adaptação prática do observador às circunstâncias do meio material. É pois forçoso admitir que os limites do objeto -- sua forma, enfim -- vêm manifestados de maneira evidente na sua simples presença. Ora, esses limites, como vimos, são um sistema organizado de possibilidades e impossibilidades. Possibilidade e impossibilidade (assim como a articulação entre ambas) não são portanto formas a priori projetadas sobre um objeto, mas são dados constitutivos da sua presença mesma. Intuir um objeto é inteligir instantaneamente na sua forma uma articulação determinada de possibilidades e impossibilidades. Mas, ao mesmo tempo, nem a possibilidade, nem a impossibilidade, nem a sua articulação são, em si, objetos de percepção sensível. Se não são puras formas projetadas, também não nos são dadas como objetos. São dadas “no” objeto, mas não como objetos. A solução deste aparente enigma é que elas são a forma mesma da objetualidade. Ser objeto -real ou imaginário -- é ter o poder de apresentar-se como sistema articulado de possibilidades e impossibilidades condensadas numa forma instantaneamente apreensível por intuição. Nesse sentido, Kant tinha razão ao dizer que os objetos “tradicionais” da metafísica -- daquilo que ele entendia como metafísica a partir do que http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant3.htm (3 de 6)16/4/2007 09:07:48 A metafísica e os fundamentos da objetualidade aprendera dela em Descartes, Spinoza, Leibniz e Wolff --, isto é, Deus, a liberdade, a imortalidade, etc., não são objetos de experiência. Mas a metafísica, antes de ser o estudo de qualquer desses objetos em particular, é o estudo da possibilidade e da impossibilidade tomadas em seu sentido mais amplo e universal. Os termos mesmos com que se discorre a respeito dos temas metafísicos convencionais -- onipotência, infinitude, absolutidade, etc. -- não têm sentido nenhum exceto quando definidos em termos de possibilidade e impossibilidade. Ora, a possibilidade e a impossibilidade, não sendo em si mesmas dados de experiência, são dadas na experiência e nenhuma experiência se dá sem elas. Não sendo objetos, são constituintes essenciais da objetualidade, no plano ontológico, assim como da objetividade, no plano do conhecimento. Não sendo em si mesmas objetos de intuição, não podem ser separadas materialmente da intuição porque intuição nada mais é que apreensão instantânea de uma determinada articulação de possibilidade e impossibilidade na forma de uma determinada presença objetiva. Logo, nenhum impedimento há de que se constituam como objetos de conhecimento científico pelos mesmíssimos métodos com que se constituem os objetos de qualquer ciência, isto é, por separação abstrativa a partir dos dados da experiência. A metafísica é a ciência da objetualidade enquanto tal, isto é, o fundamento da possibilidade mesma da constituição de qualquer conhecimento objetivo. Há evidentemente um saber metafísico espontâneo embutido na delimitação do objeto de qualquer ciência, e sem esse saber nenhuma http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant3.htm (4 de 6)16/4/2007 09:07:48 A metafísica e os fundamentos da objetualidade ciência seria possível. Não seria possível delimitar objetos -- seja os da ciência, seja os de qualquer outra atividade cognitiva ou prática -- sem a aptidão de captar as formas-limites nos dados da experiência, e essa aptidão é precisamente o talento metafísico inerente à inteligência humana em geral. O homem é o único animal que faz ciência porque é o único animal metafísico: o único animal capaz de objetividade, isto é, de apreensão da objetualidade nos objetos. Não vale nada contra essas constatações o argumento possível de que a possibilidade e a impossibilidade são apenas formas lógicas gerais, sem substantividade concreta. Ao contrário, é só na substantividade concreta que elas aparecem, e o seu aparecimento, como vimos, é ele próprio a substantividade concreta, a única substantividade concreta dos objetos de experiência, que sem ela não poderiam ser intuídos, isto é, apreendidos como presenças substantivas, e sim somente como formas vazias. A noção mesma de possibilidade e impossibilidade compreendida como pura forma lógica, fora da realidade da experiência, é apenas uma das possibilidades que apreendemos instantaneamente na articulação concreta de possibilidade e impossibilidade que se apresenta na experiência. Dessa articulação, separamos abstrativamente as notas que a tornam real e, conservando em nossa mente o puro conceito abstrato de possibilidade e impossibilidade, passamos a tratá-lo em separado, como puro ente de razão. Essa separação abstrativa seria obviamente impossível sem a prévia apreensão de qualquer articulação concreta de possibilidade e impossibilidade num caso determinado e, portanto, depende dela não só logicamente como ontologicamente, de nada valendo o artifício de jogar contra a experiência algo que só se http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant3.htm (5 de 6)16/4/2007 09:07:48 A metafísica e os fundamentos da objetualidade pode obter, por abstração, dessa experiência mesma. O próprio Kant, ao pretender reduzir a possibilidade e a impossibilidade a categorias lógicas independentes da experiência, não pôde conceber uma experiência que fosse independente delas, o que marca todo o abismo de diferença que há entre uma distinção mental e uma distinção real-real, no sentido dos escolásticos. Possibilidade e impossibilidade podem ser concebidas “independentemente” da experiência precisamente porque, como condições fundantes da objetualidade, transcendem toda experiência em particular e todo objeto em particular. Mas, por isso mesmo, o objeto considerado “fora” ou “independentemente” delas não é nem sequer pura matéria informe e genérica. É apenas uma suposição quimérica: o objeto sem objetualidade. Não há pois como escapar. A metafísica é não apenas possível mas absolutamente necessária, no mínimo como fundamento -- implícito ou explícito -- da possibilidade das ciências. 14 de julho de 2002 Home - Informações - Textos - Links - E-mail http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant3.htm (6 de 6)16/4/2007 09:07:48 Kant e o primado do problema crítico Apostilas do Seminário de Filosofia - 1 Kant e o primado do problema crítico1 Se o primado da dúvida metódica é apenas o primado de um equívoco verbal, então fica sob suspeita, igualmente, o primado kantiano do problema crítico. Pois, se o conhecimento humano deve prestar reverência preliminar ante a consciência de seus limites, por que não deveria também submeter-se à exigência de uma justificação preliminar a pretensão de conhecer esses limites? A motivação imediata que levou Kant a investigar os limites do conhecimento humano foi o estado de profunda irritação em que o deixaram os relatos de Emmanuel Swedenborg sobre visões do céu e do inferno. Os únicos trechos da obra kantiana onde sentimos que a habitual frieza analítica do autor cede lugar a um tom de sarcasmo e de polêmica apaixonada, são aqueles em que Kant procura rebaixar os depoimentos do místico sueco a alucinações de uma mentalidade doente. O escrito Sonhos de um visionário marca justamente a http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm (1 de 11)16/4/2007 09:10:17 Kant e o primado do problema crítico passagem da fase pré-crítica à maturidade do pensamento kantiano. É manifesto que a filosofia crítica tem menos o objetivo de dar um fundamento ao conhecimento científico do que simplesmente de explicitar os fundamentos dados por pressupostos, ao mesmo tempo que nega qualquer fundamento científico aos conhecimentos de ordem mística e metafísica, reduzindo portanto a religião a um conjunto de mandamentos morais sem qualquer respaldo cognitivo. Mas o curioso é que o filósofo crítico, tão cioso de não se deixar enganar por pressupostos dogmáticos, dá por pressuposta não somente a validade da ciência física, como também a aptidão da razão para conhecer seus próprios limites. Para além do campo dos juízos a priori e da experiência sensível, estende-se apenas, segundo ele, o domínio do incognoscível: pensável, admite Kant, mas incognoscível. No entanto, como se poderia determinar os limites do cognoscível sem algo conhecer do suposto incognoscível cuja borda externa coincide precisamente com esses limites? Se a razão conhece os limites do sensível e, ao mesmo tempo, estatui os seus próprios limites, como poderia ela determinar, igualmente, os limites do terceiro campo, especificamente diferente, que é o da experiência racionalizada, ou ciência, se, conforme diz o próprio Kant, é só a imaginação que conecta o racional e o sensível? Para ser coerente, Kant deveria ter dito que não há limites para a ciência, exceto os da imaginação. Pois, na medida em que opere balizada pela razão e pela experiência sensível, a imaginação, na perspectiva kantiana, não nos dará somente pensamento, mas conhecimento, de pleno direito. E, se é assim, por que rejeitar dogmaticamente a possibilidade de, partindo do sensível, escalar imaginariamente os graus do supra-sensível? Nada, no kantismo, prova que isto seja impossível ou sequer difícil. http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm (2 de 11)16/4/2007 09:10:17 Kant e o primado do problema crítico Os limites de uma determinada capacidade só podem ser de duas ordens: intrínsecos e extrínsecos. Os limites intrínsecos são aqueles que podem ser conhecidos a priori e analiticamente, por dedução a partir do seu conceito. Ora, segundo Kant, nenhuma dedução a priori pode emigrar, sem mais, para o domínio dos fatos, de vez que o conhecimento deste domínio só tem validade quando é indutivo e fundado na experiência. Logo, os limites intrínsecos do conhecimento humano, caso conhecidos, seriam puramente formais e não se aplicariam ao conhecimento de nenhum objeto real e determinado. Seriam, por assim dizer, limites vazios, hipotéticos, que na prática não limitariam nada. Quanto aos limites extrínsecos, só podem ser determinados indutivamente, a partir dos vários conhecimentos efetivos concernentes às várias espécies de objetos; e pelo fato mesmo de serem extrínsecos não poderiam jamais ser necessários e incondicionais, mas somente acidentais e contingentes. Procurando determinar a priori os limites reais do conhecimento humano, o que é impossível segundo o próprio kantismo, ou provar por indução de fatos contingentes que esses limites são necessários e incondicionais, a proposta da filosofia crítica é, para dizer o mínimo, uma falácia em toda a linha. O primeiro e o mais básico dos limites assinalados por Kant é que o campo da experiência está circunscrito pelas duas formas a priori da sensibilidade, o espaço e o tempo. Mas aquilo que está num lugar determinado está também, a fortiori, no infinito supra-espacial; e aquilo que ocorre num instante determinado acontece também, a fortiori, dentro da eternidade — duas necessidades a priori das mais óbvias que, por si, dariam por terra com os famosos limites que a http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm (3 de 11)16/4/2007 09:10:17 Kant e o primado do problema crítico filosofia crítica procurava estabelecer . Mais falaciosa ainda é a refutação kantiana do argumento de Sto. Anselmo. Sto. Anselmo diz que a existência de Deus é auto-evidente por mera análise, de vez que o Ser infinito e necessário não poderia ser privado da existência, sendo toda privação uma limitação, contraditória portanto com a infinitude, e a possibilidade mesma de uma limitação sendo uma contingência, contraditória com a necessidade. Kant objeta que os juízos analíticos têm validade puramente racional e não se aplicam aos seres do domínio real, que só podem ser conhecidos por experiência: existir é existir "fora" do pensamento, e portanto a existência nunca pode ser deduzida do mero conceito. Kant dá por pressuposto, nessa objeção, que nossa mente pode criar como mera hipótese o conceito de um ser absolutamente necessário, ou seja, que este conceito pode ser um mero "conteúdo" do pensamento. Ou seja: o conceito do ser necessário seria apenas hipoteticamente necessário. Só que, para esse conceito ser apenas e exclusivamente uma criação da nossa mente, sem qualquer realidade objetiva, ele teria de ser necessariamente hipotético, ou seja, teria de excluir totalmente a possibilidade de ser mais que mera hipótese. Ora, esta exclusão é autocontraditória. Nenhuma lógica do mundo pode determinar que uma necessidade hipotética seja necessariamente hipotética, pois isto seria o mesmo que negar-lhe, de antemão, todo caráter necessário, afirmado ao mesmo tempo no seu mero conceito. Podemos, é claro, imaginar uma necessidade falsa, mas ao dizermos que é falsa dizemos que não é necessidade de maneira alguma. Uma necessidade hipotética ou é uma necessidade ainda não provada, mas que, se provada, se mostrará necessária, ou é uma necessidade falsa: o que é logicamente 2 http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant.htm (4 de 11)16/4/2007 09:10:17 positivamente. dando conteúdo lógico positivo a um conceito autocontraditório. se a necessidade exclui a contingência (e portanto a possibilidade de inexistir) e se o real fenomênico está forçosamente submetido às categorias lógicas. esta característica dos juízos auto-evidentes não tinha sido ressaltada até agora . pois isto seria negar sua condição de hipótese e colocar. a priori. a título de propriedade. é muito mais difícil do que conhecer algo. Por outro lado. se a existência real do ser necessário não pode ser deduzida analiticamente do conceito da sua necessidade. o argumento ontológico é autoevidente. que não possa ser verdadeira de maneira alguma. A 3 http://www. No caso. em seu lugar. portanto. ou seja. então é claro que. o juízo categórico que afirma sua falsidade. exatamente como acontece nos juízos geométricos mencionados por Kant. O Ser infinito e necessário não pode.olavodecarvalho. ser concebido como um mero "conteúdo da nossa mente". para falar na terminologia kantiana. sobre o Ser absoluto. concebê-lo assim. Mais que logicamente certo. e não um juízo puramente analítico: a existência real do ser necessário não está contida em sua mera definição. Que eu saiba. o argumento ontológico é um juízo sintético a priori. Na verdade. sabemos que é exigida por ela. Denomino auto-evidente o juízo que não pode ter uma contraditória unívoca. qual a contraditória do juízo "O ser necessário existe necessariamente"? É "O ser necessário inexiste necessariamente" ou "A existência do ser necessário não é necessária"? Impossível decidir.Kant e o primado do problema crítico impossível é conceber que uma necessidade hipotética seja hipotética necessariamente. mas. É mais fácil conhecer Deus do que o "necessário necessariamente hipotético".htm (5 de 11)16/4/2007 09:10:17 .org/apostilas/kant. cuja contraditória não é sequer formulável sem o vício redibitório da ambigüidade. Daí a necessidade de ter um ponto de apoio no absoluto para formular a dúvida. limites estes que. duvidar de nossa possibilidade de conhecer o absoluto? Se nada. passam eles mesmos a ser o próprio absoluto! Pois.org/apostilas/kant. Assim. Anselmo é informulável. exceto que ele está "para lá" dos limites do nosso conhecimento. se o pensamento nada pode deduzir a respeito do que está fora dele. a prova de que não podemos conhecer o absoluto sustenta-se no conhecimento que temos http://www. radicalmente nada sabemos do absoluto. nada podemos saber do absoluto. de fato. não sendo determinados pelo absoluto (do qual nada sabemos) nem sendo realidades contingentes e revogáveis (de vez que são provados por mera análise. por um giro lógico dos mais singulares. elevados assim a absolutos e incondicionados. Rejeitar portanto esse argumento é abdicar do senso mesmo da unidade do discurso. Logo. Porém a raiz de todas essas absurdidades está precisamente na fé dogmática que Kant. é cair na linguagem dupla que terminará por nos levar aonde chegou Kant. imitando Descartes.olavodecarvalho. não podemos sequer formular nossa dúvida quanto à possibilidade de conhecê-lo. mas como. Kant já tomou essa dúvida como um ponto de partida infalível e não pode abdicar dela de maneira alguma. como pode então conhecer os seus "limites". Pois como podemos. mas são também totais. são incondicionais. a não ser que estes sejam necessários a priori? Sendo necessários a priori. coloca no poder humano de duvidar. sendo por isto válidos a priori). ao mesmo tempo.htm (6 de 11)16/4/2007 09:10:17 . só lhe resta procurar esse ponto de apoio nos limites mesmos do conhecimento. abarcando o conhecimento humano como um todo e não somente em algumas partes e aspectos: e o todo incondicional é evidentemente absoluto.Kant e o primado do problema crítico contraditória do argumento de Sto. de outro. com o nome mudado para "limites do conhecimento".olavodecarvalho. reduzindo-se portanto a filosofia crítica a uma pretensão insensata. ao "sonho de um visionário".Kant e o primado do problema crítico do absoluto. Na verdade. não pode haver limites necessários ao conhecimento humano. Ou seja: a exclusão do humano do reino divino torna-se ela mesma um absoluto. Todos os limites ao conhecimento humano têm de ser contingentes. A tentativa de fundamentar a priori os limites do conhecimento humano é autocontraditória e absurda na base. se a exclusão do homem do reino divino é uma necessidade absoluta. Pois. Que Kant pretenda em seguida resgatar à força de razão prática e fé pietista a ligação entre homem e Deus. só mostra que ele não tinha muita consciência do que fazia. eu diria que o único comentário que merece essa tese da filosofia kantiana é que se trata de coisa pueril. sendo a condição humana definida precisamente pela contingência e pela liberdade. de um lado. após ter demonstrado que ela é absolutamente impossível. a entronização dos limites do conhecimento como o novo absoluto em lugar do velho Deus tem uma conseqüência das mais nítidas: o absoluto passa a ser definido como o não-humano. o progresso do conhecimento. o humano como não-absoluto. Se isto não fosse atentar iconoclasticamente contra um ídolo da modernidade. as diferenças de capacidade cognitiva entre indivíduos e.org/apostilas/kant. absoluto: Deus é tudo quanto está fora dos limites do humano. que imagina poder puxar-se pelos cabelos para fora da água como o Barão de Münchausen http://www. nem mesmo a graça de um Deus onipotente poderia revogá-la. e é precisamente isto o que possibilita. Este abismo é. humano é tudo o que está fora e aquém do reino divino. Do ponto de vista teológico. por sua vez.htm (7 de 11)16/4/2007 09:10:17 . é a confiança no poder humano de por em dúvida aqueles princípios que fundam a possibilidade mesma da dúvida. Mais ingênua. que acreditamos em Descartes e em Kant. supondo que a negatividade do seu ponto de partida seja prova de modéstia metodológica. Mais ingênuo que qualquer dogmatismo é o princípio mesmo da filosofia crítica. Mais ingênuos do que nossos antepassados. portanto. que acreditavam na revelação e na razão. Kant procura subjugar a filosofia à fé cristã. a mais sobre-humana das pretensões: a pretensão de estabelecer limites absolutos ao conhecimento humano.olavodecarvalho. na verdade. os quais. obtendo como resultado descristianizar a filosofia e tirar o vigor filosófico do cristianismo. mas o deixou ao alcance da curiosidade de Eva. do que a confiança dogmática do racionalismo clássico no poder cognoscitivo da razão. tal como Descartes. somos nós. que pretende estatuir dedutivamente limites contingentes e indutivamente limites necessários.Kant e o primado do problema crítico e contemplar de dentro os seus próprios limites externos.org/apostilas/kant. Apêndice Certas filosofias ignoram suas implicações práticas mais óbvias e por isto desencadeiam efeitos históricos inversos aos pretendidos pelo seus autores. que não cercou de grades o fruto proibido. mais visionária que a pretensão dos místicos a um conhecimento experimental de Deus. não poderiam senão tentar jogar sobre a incompreensão de devotos discípulos a culpa que legitimamente deve ser imputada à sua própria e indesculpável imprevidência.htm (8 de 11)16/4/2007 09:10:17 . quando ela oculta. se os vissem. um carola que fortalece o ateísmo http://www. como aquelas escadas de Escher cujo topo emenda com o primeiro degrau. Pretensão superior à do próprio Deus. É. Ora. toda tentativa de fundamentar racionalmente a fé não passará jamais de um jogo de palavras. para se tornar mera uniformidade das estruturas cognitivas da espécie humana. mas.org/apostilas/kant. mas modos de cognição nossos. Paralelamente. que gerou o materialismo generalizado. subjetividade coletiva ou. toda universalidade deixa de ser universalidade objetiva.olavodecarvalho. isto é. Restaria explicar enfim por que esse Deus.htm (9 de 11)16/4/2007 09:10:17 .Kant e o primado do problema crítico imaginando defender a religião. A filosofia de Kant é uma cisão esquizofrênica: reúne lado a lado. Só um ingênuo não preveria esta http://www. no qual temos de crer e do qual temos de julgar que é bom por imperativo categórico. Estas passam a ser não somente o único território seguro. como veio a ser chamada. As categorias já não sendo modos de existência do ser. como temos de crer n’Ele sem podermos jamais saber se Ele existe. desviando-o do objeto dado para as estruturas cognitivas do sujeito. nos impõe categoricamente uma determinada fé e o uso da razão. mas o único objeto digno de interesse. e foi precisamente o que aconteceu: Kant gerou o positivismo. entre uma religião irracional e autoritária e a negação de todo conhecimento supra-sensível. sem intercomunicação possível. qualquer discurso que façamos já não versa senão sobre nós mesmos. qualquer pessoa sensata optaria por esta última. Ele realiza uma torção do olhar filosófico. e o objeto permanece eternamente separado de nós na redoma da incognoscível "coisa-em-si". um fideísmo obediencialista e um cientificismo pré-positivista. Não há saída para fora da prisão do mental senão pelo imperativo categórico que nos ordena crer em Deus. intersubjetividade. ao mesmo tempo que nos proíbe usar a razão para provar a veracidade da fé. mas. ao mesmo tempo. mas que está implicada logicamente. se é que Deus pensa e conhece humanamente. que a Crítica descreve. Não há como excluir disto o próprio Deus. Para piorar ainda mais as coisas. Algo me diz que. que resultaria em cavar dentro do próprio Cristo o abismo entre homem e Deus que Kant já cavou na alma de todos nós.org/apostilas/kant. já sabemos tudo a respeito de como Ele pensa — uma conclusão que Kant não afirma. Em verdade vos digo: parece brincadeira. quando Jesus advertiu "Quem não junta comigo. que por meio dele recai em dilacerantes contradições já superadas pela escolástica — uma escolástica que Kant desconhecia quase por completo. abrangem todo e qualquer sujeito cognoscente possível. as formas a priori da subjetividade. já que sua única fonte sobre o assunto eram os manuais de Wolff. ignoramos se Ele pensa. separa". Um kantiano roxo pode objetar que conhecer o pensamento humano de Jesus não é conhecer absolutamente nada de Seu pensamento divino — objeção desastrosa.olavodecarvalho. são universais e necessárias. o que a Igreja diz ser justamente o negócio da Segunda Pessoa da Trindade. http://www. isto é. porque nem sequer a percebe. Kant representa um retrocesso da consciência cristã. em vez de justapô-las mecanicamente e sem ligação interna como faz Kant.htm (10 de 11)16/4/2007 09:10:17 . em tudo quanto ele afirma. o piedoso sábio trapalhão de Koenigsberg talvez não estivesse de todo ausente de Suas cogitações. abismo sobre o qual o Cristo é precisamente a ponte.Kant e o primado do problema crítico conseqüência. E aí temos a suprema extravagância do kantismo: nada podendo saber de Deus. e foi precisamente por prevê-la que os filósofos escolásticos insistiram em conciliar razão e fé. e sem escapatória. Explico mais detalhadamente esse conceito no meu Breve Tratado de Metafísica Dogmática.org/apostilas/kant. impossível que o ser necessário estivesse forçosamente excluído de qualquer possibilidade de manifestação fenomênica. portanto. mas também pela quantidade. Ademais. Voltar Home . Mas.htm (11 de 11)16/4/2007 09:10:17 .E-mail http://www. como demonstrou Benedetto Croce (Estetica come Szienza dell’Espressione e Linguistica Generale. 1996 (apostila). não há motivo para que o ser necessário não possa ser percebido com os sentidos. Assim. Voltar 3. 1965. sendo. 11ª ed. por definição. na sua inespacialidade e intemporalidade.Links . Voltar 2. I:I) podemos perceber espaço independentemente de tempo. Laterza.olavodecarvalho. como bem viu Croce. Seminário de Filosofia. a experiência sensível não é só delimitada pelo espaço e pelo tempo. não poderíamos perceber quantidade sem que tivéssemos também. Aulas do Seminário de Filosofia. tempo independentemente de espaço e quantidade independentemente de uma e outra coisa.Textos . Bari. Para completar. fevereiro de 1996. a percepção da individualidade singular. Rio.Informações ..Kant e o primado do problema crítico NOTAS 1. 4). Mer de Baal. (Saint-John Perse. Mais la chose même qu’ils figurent et la chose même qu’ils paraient. entre as quais a da Defense of Poetry de Shelley.Da Contemplação Amorosa Apostilas do Seminário de Filosofia . 1. n’étant plus signes ni parures.htm (1 de 23)16/4/2007 09:10:37 . a da Introduction à la Métaphysique de Bergson.org/apostilas/amorosa. Et voici que l’amour nous confond à l’objet même de ces mots.olavodecarvalho. Da Contemplação Amorosa 1 A mais remota inspiração intelectual de meu trabalho sobre Aristóteles vem talvez de minha reação a algumas leituras. a do Nouvel Esprit Scientifique de Bachelard e a da Estetica come Scienza dell’Espressione e Linguistica Generale de Benedetto http://www. Et mots pour nous ils ne sont plus. Amers.2 Da contemplação amorosa Transcrição de três aulas gravadas. corrigida pelo autor. pertenço à raça daqueles que buscam em tudo a unidade e a conciliação. porque está acima de todas as divisões. Considero Aristóteles. Sto. Shânkara e Ibn ‘Arabi. acima de todas as culpas. não é outra coisa senão proporcionalidade e harmonia (ratio = proportio). ou mesmo uma característica estrutural e imutável da essência humana sempre me pareceu um abuso. Ora. De outro lado. O universal está.org/apostilas/amorosa. racionalidade.olavodecarvalho.Da Contemplação Amorosa Croce — tudo isto mais de vinte anos atrás. o esforço de justificar o universal tomou com freqüência o sentido de um racionalismo. ou. por diferentes que fossem entre si. Esses autores. uma projeção universalizante de experiências contingentes. Por uma inclinação pessoal. pelo menos. É verdade que a existência humana sobre a Terra é luta. Leibniz e Schelling os mais eminentes representantes dessa raça na cultura do Ocidente. tinham em comum a crença num dualismo insuperável que cindiria a inteligência humana em funções opostas e estanques. No Oriente. incompletude. é a depressão que leva um homem a culpar o universal. Quem cede a essa tentação torna-se em breve incapaz de conceber a idéia mesma de universalidade. fundando sua derrota num princípio metafísico que é apenas a ampliação paranóica da sua própria divisão interior. que casa inseparavelmente a unidade e a infinitude. e um todo não pode ser dito harmônico e proporcional http://www. Mas fazer da mutilação um princípio metafísico absoluto. Tomás. é fazer do estado humano médio a régua máxima da perfeição concebível. carência. por definição.htm (2 de 23)16/4/2007 09:10:37 . buscando demonstrar a racionalidade do real tomado como um todo. divisão. precariedade. É a covardia. se bem compreendida. e. caso contrário me http://www. sujeito de meus estados interiores. ela não cabe nos nossos conceitos correntes de razão e irrazão. ou na conformação de suas partes constituintes. Deste modo. quer a irracionalidade. objeto das ações alheias. mas não pode ser pensado. atribuir ao universal quer a racionalidade.olavodecarvalho. mas não conhecidas: o universal pode ser conhecido. se desenvolveu em mim a convicção de que a unidade do universal é metafisicamente necessária e de que. portanto. Mesmo para sentir-me dividido tenho de me apreender como unidade.) Aqueles a quem essa conclusão pareça heterodoxa e paradoxal esquecem que poder ser conhecido sem poder ser pensado é a característica mais primária e evidente de todas as coisas reais.htm (3 de 23)16/4/2007 09:10:37 . por um lado. Sempre que me apreendo intuitivamente. me apreendo como unidade. Desde muito cedo. que se impõe como evidência. não pode no entanto ser conceituado. A contínua meditação do problema tomou logo em mim a seguinte forma: o universal. Invertia-se assim a fórmula de Kant. me parecia um abuso tão grande quanto o de negar o universal mediante um dualismo irrecorrível. sua unidade transcendia a de uma mera relação entre partes. por outro lado. Conheço-me a mim mesmo por direta evidência que me faz autor de meus atos. na medida em que. etc. de outro lado. O universal caía fora da possibilidade de ser captado por uma ou outra dessas categorias. era único e sem segundo.Da Contemplação Amorosa senão de uma destas duas maneiras: ou em relação a um outro todo. segundo o qual as realidades metafísicas só podem ser pensadas. (Por esta e outras razões. a começar por nós mesmos.org/apostilas/amorosa. Kant sempre me pareceu apenas um genial trapalhão. Nenhuma delas pode abarcar aquele todo que. imaginá-los. Conheço-me como todo. o sentimento. perfis. penso-me por partes. toda tentativa de me pensar como tal. e isto é tudo. conheço perfeitamente bem e que sou eu mesmo. já não tenho diante de mim senão um sinal ou símbolo. como unidade. uma fatia ou fragmento que só pode significar o todo na medida em que de antemão eu conheça esse todo e tenha portanto a aptidão de reconhecê-lo por um indício. não obstante. se procuro pensá-los como conceitos. Mas. nessa distinção. No entanto. recordá-los ou senti-los. os filhos que gerei. sem me abarcar efetivamente.htm (4 de 23)16/4/2007 09:10:37 . a queda dos cabelos.olavodecarvalho. a mulher a quem amo.org/apostilas/amorosa. de produzir um conceito. indica intencionalmente a minha unidade (como por exemplo a sucessão de episódios de uma narrativa indica intencionalmente a unidade de um personagem.Da Contemplação Amorosa identificaria com um dos lados e esqueceria o outro. o emagrecimento. portanto. Do mesmo modo. Cada ser humano pode ser conhecido como um todo. a velhice. não sentindo a divisão (é o caso das personalidades múltiplas). sem realizá-la de fato). Conheço-os e reconheço-os imediatamente como totalidades insubstituíveis sempre que se apresentam. as mudanças de aparência. "pensar" não designa só o raciocínio discursivo. a memória. A passagem do tempo. conheço perfeitamente bem minha mãe. os meus amigos. a doença. em nada afetam esse reconhecimento: cada um desses seres é sempre o mesmo e não será jamais um outro. No entanto. crio um símbolo que. mas todas as demais funções cognitivas: a imaginação. sinais. Conheço-me. Na melhor das hipóteses. uma noção ou um símbolo que me abarque e me apresente a mim mesmo como unidade fracassa rotundamente: produzo aspectos. mas só pode ser pensado http://www. um signo. é respeitar sua integridade. Esta plena aceitação respeitosa. radicalmente. voluntária ou involuntariamente. O universal. impensável exceto em partes e signos. portanto. não desejar que seja outra coisa. Implica. exista de per si e persista http://www. não pode ser somente passiva. que transcende a representação subjetiva e jamais nela se esgota é algo que. capaz de reconhecer no todo o objeto que ele indica por partes. não depende de nós. nada menos que o seguinte: desejar que ele seja o que é. recebido. recebê-lo.olavodecarvalho. portanto. Ora.org/apostilas/amorosa. não está à nossa mercê. não é invenção nossa e só pode portanto ser aceito. não é mais nem menos misterioso do que a substância singular a que chamamos "pessoa humana": cognoscível como todo. nada acrescentar nem tirar. permaneça o que é. ou sentir) é produzir em nós. sentido) por partes sucessivas. uma aceitação desejosa: ela é um desejo ativo de que o objeto seja o que é. uma "figura" para representar algo que ela indica e que a transcende. Aceitá-lo. ao contrário. ou recordar. de fazê-lo desaparecer do nosso círculo de consciência. sob pena de deixar amortecer o interesse que temos no objeto e. O pensar (sempre no sentido abrangente do termo) é necessariamente precário e subentende uma faculdade cognitiva superior. Tem de ser.Da Contemplação Amorosa (imaginado. porém. cuja soma jamais o completa. nesse sentido. recordado. Qual a natureza dessa faculdade superior? O objeto que não pode ser pensado. pensar (ou imaginar. nada projetar nele.htm (5 de 23)16/4/2007 09:10:37 2 . olavodecarvalho. aí é que está: uma vez chegado ao nosso conhecimento um objeto — por intermédio da nossa representação —. A contemplação é o esplendor do objeto ante o olhar da humildade que o deseja como tal e que se recusa a alterá-lo no que quer que seja. ou. Qualquer de nossas faculdades representativas pode. pois resulta em dizer que só ouvimos o que nosso ouvido ouve. isto é. temos duas alternativas: ou pensá-lo. etc. ao contrário. eternamente independente de tudo quanto eu faça ou pense ou sinta.org/apostilas/amorosa. porém. objeto de representação — mesmo os sentidos só nos dão esquemas representativos. a http://www. não objetos "em si". O objeto se oferece a mim como todo no instante e na medida em que o aceito como objeto de contemplação amorosa e. de fato..Da Contemplação Amorosa existindo. Ela não se constitui portanto somente de respeito (de re spicere = olhar e voltar a olhar). Porém. isto é. Mas é preciso passar por ela. expelindo de mim toda tentativa de pensá-lo. fazer dele um signo ou conceito que entrará no rio dos nossos pensamentos para aí ser comparado. Ela é. de abarcá-lo conceptualmente. plenamente. eternamente transcendente à minha subjetividade. só vemos o que nossos olhos vêem. Todo objeto é. etc. transformado. e não em si mesmos.htm (6 de 23)16/4/2007 09:10:37 . refutado. esperar para conhecê-lo mais e mais. deixo e quero que ele exista por si diante de mim. Aí. Esta objeção sempre me pareceu tautológica. esperar e desejar que ele nos entregue mais e mais de si mesmo. entra a objeção kantiana: só conhecemos os objetos como objetos de nossa representação. imaginativamente ou sentimentalmente. contemplação amorosa. onde. com o objeto como tal. que termina pelo reconhecimento evidente e apodíctico. – coisa que de fato não admito.Da Contemplação Amorosa cada instante. e atino. À segunda denomino contemplação.org/apostilas/amorosa. da objetividade como tal. A diferença decisiva é a que existe em projetar um desejo subjetivo. Quando persistimos na atitude contemplativa. portanto. (Há evidentemente algum parentesco entre o que 3 http://www. Trata-se evidentemente de um exercício de autoconsciência.). sentimental. passiva em relação ao objeto.htm (7 de 23)16/4/2007 09:10:37 . com a contemplação amorosa. projeto nele. ou projetar amorosamente o desejo do objeto como tal. alheio ao conteúdo oferecido pelo objeto. À primeira alternativa denomino reflexão (subentendendo que há também uma reflexão imaginativa. até que. capto ao menos a distinção entre o que ele me dá por si mesmo e o que eu. mais transparente. É dominar-se para não interferir. O erro de Kant foi aí o de confundir a percepção vulgar. pode recuar para contemplar-se a si mesma ou continuar a fitar o objeto. para não macular o objeto. A contemplação amorosa é. a faculdade. que é ferozmente projetiva. de minha parte. o canal representativo se torna cada vez mais dócil. autoconsciente. se manifesta com perfeita clareza a diferença entre o que é projeção e o que é pura recepção: mesmo admitindo-se que não atinjo. mas que não cabe discutir aqui –. chegado um determinado limite. e já não como simples representação (e muito menos projeção) minha. na medida mesma em que conscientizo minha própria ação projetiva. etc. consigo distinguir o projetado e o recebido. submeter-se à sua própria mecânica interna ou ao objeto que se lhe oferece. o "objeto em si mesmo". como diz Kant.olavodecarvalho. ativa e crítica em relação ao sujeito. enfim. A diferença aparecerá com plena clareza mais adiante. mas apenas o conceito de Deus.Da Contemplação Amorosa denomino contemplação amorosa e a redução fenomenológica husserliana.org/apostilas/amorosa. não seria Deus. Os sentidos nos dão. mutilado. nos modela. entre as substâncias corporais e o universal é a do canal pelo qual tomamos notícia inicial da sua presença: os sentidos. neste sentido. Esta contradição.olavodecarvalho. para chegar ao ponto em que o objeto fala por si. nos estatui e nos conserva na existência e no próprio ato de meditá-la.htm (8 de 23)16/4/2007 09:10:37 . fé. que reflete a necessidade metafísica do universal. no segundo. O pensamento não "capta" o universal.) A contemplação amorosa sempre parte de um objeto da representação (ou mesmo de um objeto de pensamento). O Deus dos filósofos. isto é. o pensamento abstrato. desejada. em seguida. entre o conhecimento filosófico de Deus. nesse sentido. por exemplo. mas nos dá notícia dele através da contradição lógica a que chegamos na tentativa de negá-lo. ser simplesmente pensada ou então contemplada. Ora. até que se nos apresente como algo que nos abarca. esquecido e negado. notícia de uma presença humana (a qual em seguida podemos pensar ou contemplar). mas a perfeita continuidade de uma intensificação contemplativa. amada. a experiência mística de Deus e o puro e simples amor a Deus. captado e logo em seguida imediatamente pensado. se fosse apenas dos filósofos. O Deus dos filósofos ou é objeto de contemplação amorosa — aceitação. pode. Neste último caso. desejo — e é portanto o mesmo http://www. a única diferença que existe. Não existe hiato. no primeiro caso. transcendendo o canal representativo (ou conceptual) que não funcionou senão como o comutador que aciona um mecanismo que em seguida escapa ao seu controle. a necessidade do universal passa a ser aceita. 2. movido pela soberba dos humildes e por aquela trágica divisão interior do pensador matemático que.org/apostilas/amorosa. constitui-se apenas do universal intensivo (não http://www. O pensamento refere-se à realidade de uma maneira exclusivamente intencional. e portanto não é o Deus dos filósofos.Da Contemplação Amorosa Deus de todo o mundo. busca um refúgio no sentimento. Eis o que Sto.olavodecarvalho.htm (9 de 23)16/4/2007 09:10:37 . O real como tal é conhecido única e exclusivamente pela contemplação amorosa. sem perceber que transita apenas entre o mental e o mental e que o verdadeiro objeto de sua busca está para além dessa vulgar disputa entre faculdades humanas . tendo abusado da razão. mas o possível. nem é essa a sua função. o pensamento (sempre em sentido lato) conhece-o somente enquanto objeto de significação intencional. cujas combinações não expressam o real. 4 12 de janeiro de 1995. Tomás percebeu com perfeita clareza e o que Pascal não quis perceber. ou então é apenas um Deus pensado. e que pode ser conhecido pela contemplação amorosa. um simulacro de Deus. mediante signos. Mas o real que nos chega. mas apenas o Diabo puro e simples. Conhecimento e realidade Foi por meio dessas considerações que cheguei à conclusão da total inanidade das disputas em torno da pergunta: o pensamento capta ou não a realidade? O pensamento jamais capta realidade nenhuma. htm (10 de 23)16/4/2007 09:10:37 . Mesmo supondo-se que estendêssemos a contemplação amorosa a todos eles. enfim. ordens. O objeto próprio do mental é o "irreal" possível — em todas as gradações da possibilidade. em si. após ter reconhecido o seu parentesco. por definição. ainda haveria lacunas infindáveis.). é apenas um esforço de saltar ou preencher o hiato entre o mundo conhecido (universal intensivo + seres singulares) e o universal extensivo. quer em grupos. está muito longe de igualar-se ao universal extensivo. O mental dá-nos a estrutura das relações possíveis dentro da qual podemos conceber aquilo que não conhecemos. conjuntos. etc. A contemplação amorosa. mas que preenche o intervalo entre o conhecido e o universal extensivo. o que é obviamente um contra-senso. que absorveria em si o real. O conhecimento que temos desse intervalo é necessariamente potencial.. hierarquias etc. Pensar. sentimento etc. pois. e que chegássemos assim a conhecer uma fatia imensa do real. ou melhor. imaginar. não é nem limitada nem ilimitada. Esta 5 http://www. os limites do mental. ingressam no círculo da nossa experiência. pelo mental em geral (que inclui imaginação.). todo somado. É necessário distinguir agora radicalmente a contemplação amorosa da redução fenomenológica. em quantidade finita (e quer isoladamente.org/apostilas/amorosa. Os famosos "limites do conhecimento humano" são apenas. Por que não pode atualizar-se? Porque isto seria substituir o todo universal real por um todo universal mental.Da Contemplação Amorosa extensivo) e dos seres singulares que. O conhecimento que temos sobre o universal intensivo e sobre os seres singulares. incluindo a necessidade ou certeza lógica — e não o real.olavodecarvalho. só conhecendo os seres (o universal inclusive) na totalidade singular de cada um. ele jamais se atualiza por completo. não soma nem diminui. Esse hiato é que é preenchido pelo pensamento. a meu modo. sua essência. captamos imediatamente gênero. aquela capta a unidade indissolúvel de essência e existência. e sim a essências separadas. Zu den Sachen selbst — não pode ser atendido plenamente pela fenomenologia mesma porque ela não visa a coisas reais. e sim como identidade de uma presença que revela imediatamente o que é . espécie e singularidade num todo indissolúvel: apreender "este lápis" não é apreender "lápis" em geral nem "este objeto" de essência indeterminada. à existência de uma essência num ser determinado e presente. isto é. O apelo de Husserl — "Rumo às coisas mesmas!". procuro realizar.htm (11 de 23)16/4/2007 09:10:37 . sendo fiel ao mestre na medida mesma em que me afasto de seu método sem me afastar de seus 6 http://www.Da Contemplação Amorosa visa a captar "essências". A teoria da contemplação amorosa está para a fenomenologia de Husserl assim como o aristotelismo está para o platonismo.olavodecarvalho. portanto a um "irreal". Contemplação amorosa e redução fenomenológica se parecem entre si por serem modos de conhecimento contemplativos. ao passo que a contemplação amorosa dirige-se ao real como tal. É esse programa que. no mesmo ato. Se captamos a singularidade de um ente. Dito de outro modo. mutatis mutandis: os "entes" da minha teoria estão para as "essências" de Husserl exatamente como a "substância" aristotélica está para as "Idéias" platônicas. nem é captar um número indeterminado de membros da espécie "lápis". descritivos e não analíticos. a que chamamos "ente singular".org/apostilas/amorosa. captamos. Mas a redução fenomenológica dirige-se à essência como coisa distinta da existência. é captar um determinado membro de uma determinada espécie e é captá-lo como existente aqui e agora. mas não como unidade lógica separada. A tentativa posterior de Husserl de reintegrar na sua visão filosófica as coisas reais — pela teoria do Lebenswelt — foi tardia e ficou só no programa. Da Contemplação Amorosa ideais. de seus valores.htm (12 de 23)16/4/2007 09:10:37 7 . à qual chamo contemplação amorosa. como resumiu o poeta Bruno Tolentino. não crendo em conhecimento teorético puro. de seus conceitos básicos e de seus critérios de aferição. Meu esforço é no sentido de dar um passo além. para transformar o mundo. a filosofia não terá como escapar à falsa disputa entre os que querem abarcar o mundo com o pensamento e os que negam ao pensamento todo alcance exceto o de uma ficção convencional. tudo explicando.olavodecarvalho. acabam criando uma ideologia totalitária que. Mas a teoria da contemplação amorosa requeria. Os segundos. os filósofos — com raras exceções — têm substituído o mundo pensado ao mundo dado. Os primeiros caem nas decepções periódicas do racionalismo e acabam no ceticismo. A teoria do Lebenswelt é a mais meritória tentativa de reintegrar na filosofia o conhecimento pré-filosófico. discernindo a metodologia implícita do conhecimento pré-filosófico. o "mundo como idéia" ao "mundo como tal" . uma teoria do discurso. Esses erros são complementares e giram em círculo. termina num neoracionalismo absoluto. Enquanto continuar nesse rumo. Por desconhecê-la. um produzindo o outro. das formas indiretas da unidade. o mental nos dá o conhecimento das várias formas de proporcionalidade e harmonia. da unidade como tal. ou. isto é. formas estas indefinidamente variadas e http://www. isto é. como complemento. apelam à dialética da ação e. pelas razões seguintes: Se a contemplação amorosa ou conhecimento pré-filosófico (intensificado ou não pela reflexão filosófica) nos dá o conhecimento da totalidade.org/apostilas/amorosa. como raiz filosoficamente válida (ou validada pela reflexão) do conhecimento filosófico mesmo. a Teoria dos Quatro Discursos é apenas o reconhecimento de que os princípios gerais do conhecimento discursivo. quer inalterada quer submetida a adaptações. ou discursivo. http://www. como em tudo o mais. ative-me fielmente à minha regra pessoal de nunca inventar uma teoria nova quando houvesse alguma teoria antiga que. julguei que. proporcionalidade e harmonia. Ora.olavodecarvalho. Neste sentido é que digo que todas as faculdades cognitivas — raciocínio.htm (13 de 23)16/4/2007 09:10:37 . pudesse dar conta do recado. — são racionais : todas fundamse em princípios de equivalência.org/apostilas/amorosa.Da Contemplação Amorosa complexas. imaginação. Nisto. que eu buscava. que traduzem em modalidade por assim dizer "quantitativa" a identidade e a unidade. para dar maior consistência ao conjunto. Colocadas as bases metafísicas na teoria da unidade metafísica (que adaptei de Ibn ‘Arabi). sobre os quais já esboçara alguma coisa no capítulo "A dialética simbólica" do livro Astros e Símbolos 13 12 11 10 9 8 e nos meus trabalhos de teoria e crítica literária . devia investigar em seguida os princípios do conhecimento indireto. etc. extraídos daí os princípios de uma psicologia do conhecimento (na Tripla Intuição e em O Caráter como Forma Pura da Personalidade ). estabelecido o fundamento absoluto da objetividade do conhecimento (na Teoria da Tripla Intuição ). já estavam em Aristóteles. aplicada em seguida para fins polêmicos na minha defesa incondicional da substancialidade da alma-consciência individual (no meu trabalho em preparação A Alienação da Consciência e no final de A Nova Era e a Revolução Cultural ). estabelecido o método cognitivo (na minha teoria da contemplação amorosa). sentimento. tanto quanto o número das espécies e dos entes possíveis. uma nova apresentação e revestimento de uma idéia de Aristóteles. simplesmente inventei a calota. em vez de reinventar a roda.htm (14 de 23)16/4/2007 09:10:37 . mas sim no meu intuito de responder ao dualismo de Shelley. Como o público até agora só conhece a parte polêmica do meu trabalho (pois a parte teórica. o que não deixa de ser divertido . contra o pensamento coletivista que prostitui a consciência individual à pretensa autoridade do número (O Imbecil Coletivo ). Bergson.org/apostilas/amorosa. mas também de esforços críticos e polêmicos complementares: contra a dissolução da teoria na prática (O Jardim das Aflições14). contra a dissolução da filosofia na ideologia (A Nova Era e a Revolução Cultural). o resultado é que este pacífico servidor da unidade e da conciliação está se tornando conhecido como um hidrófobo terrorista intelectual. isto é. e cuja motivação inicial não estava em nada de aristotélico. apostilas e edições privadas. reintegrando em seguida quase intacta essa parte do aristotelismo na filosofia que eu mesmo estava desenvolvendo. de modo que. Bachelard e Croce e de desenvolver a teoria do Lebenswelt husserliano para revalorizar o conhecimento pré-filosófico. quase confidenciais.olavodecarvalho. Todo esse trabalho de construção teórica positiva foi entremeado não só de aplicações pedagógicas (no curso do Instituto de Artes Liberais). em forma de rascunhos.Da Contemplação Amorosa pelo menos de maneira implícita. http://www. 16 15 14 de janeiro de 1995. etc. não está pronta para publicação decente). sociológico e histórico pode conciliar-se com o dogmatismo dos princípios.htm (15 de 23)16/4/2007 09:10:37 . Distinguir entre os códigos morais historicamente vigentes em diversas épocas e sociedades e a moral essencial. Têm de ser identicamente os mesmos em todas as morais historicamente vigentes. A discussão filosófica da moral deve ater-se ao campo dos princípios. extraí umas quantas aplicações de ordem moral. Aqueles compõem-se de normas. deve para mim tomar o seguinte rumo: I. no sentido de Kelsen. ou ética. o sentido efetivo por trás das normas historicamente vigentes. Assim. que se obtém por simples redução fenomenológica. http://www. são abstratas em relação a eles. Aplicações em Filosofia Moral Das duas teorias que criei no campo da gnoseologia — a tripla intuição e a contemplação amorosa —. e esta compõe-se de princípios. todo gravado em fita e depois transcrito em apostilas. universal. Estes tornam-se conhecidos do investigador por abstração. II. expressando de maneira indireta e às vezes simbólica o conteúdo dos princípios.org/apostilas/amorosa. o relativismo antropológico. A filosofia moral.Da Contemplação Amorosa 3. Os princípios universais assim encontrados devem obedecer aos seguintes quesitos: a. que foram expostas ao público no meu curso de Ética proferido em 1994 na Casa de Cultura Laura Alvim. Estas é que.olavodecarvalho. mas em si não são abstratos: são o conteúdo concreto. 3º. esses autores são sempre seres particulares e concretos. Uma vez demonstrado esse ponto. em todos os casos historicamente considerados. Algumas sociedades incluem entre os seres moral e juridicamente imputáveis os demônios. Tem de estar subentendidos. substâncias no sentido aristotélico. por trás de suas regras. não tenha um de seus fundamentos na idéia de que: 1º. na aplicação prática dessas normas. a tarefa seguinte da filosofia moral é fundamentar racionalmente os princípios assim encontrados. na substancialidade do ente responsável e na continuidade substancial desse ente no trânsito entre ato e imputação. 2º. As morais históricas divergem enormemente quanto às categorias de seres a que se devem aplicar esses princípios.org/apostilas/amorosa. as forças da natureza. Dentre os princípios assim encontrados. ou seja. e jamais. Não há nenhum sistema moral no mundo que. coletivos abstratos ou meros "universais". fundar a sua universalidade extensiva numa universalidade http://www.olavodecarvalho.htm (16 de 23)16/4/2007 09:10:37 . III. XVIII persistiu no Ocidente o hábito de punir com a excomunhão os porcos que invadissem plantações). em caso algum. a responsabilidade por determinados fatos tem de ser imputada necessariamente a seus autores. destaca-se o da responsabilidade. até mesmo os animais (até o séc. como pressupostos lógicos. existe continuidade substancial entre o ser que foi autor do ato e aquele a que posteriormente se atribui a responsabilidade por esse ato.Da Contemplação Amorosa b. O que é comum a todas é a crença no princípio da responsabilidade. e não sabemos por exemplo fixar adequadamente as fronteiras da responsabilidade no caso das chamadas personalidades psicopáticas ou da indução hipnótica —. e o "apoio sensível" sobre o qual se erige toda a lógica humana. Tendo demonstrado. onde a luz é a um tempo objeto e condição da percepção. em modo inseparável. demonstro que o fundamento da objetividade cognitiva reside num nexo indissolúvel entre sujeito. Daí que a luz. seja algo mais do que mero símbolo: ela é o fundamento corporal. Aí verifica-se que determinadas sociedades antigas ou primitivas podem ter "errado" na aplicação do princípio de responsabilidade a determinados entes não providos de autoconsciência. Na tripla intuição. não podendo estes aspectos ser separados senão por mera distinção mental (no sentido escolástico) posterior. e que essa relação se dá de maneira exemplar.olavodecarvalho. objeto e ato cognitivo. mas que a aplicação errônea não desmente a veracidade intrínseca do princípio. — como aliás erramos nisto com freqüência ainda hoje. tradicional símbolo do ato cognitivo. fundo-me em ambas para demonstrar a relação entre conhecimento e responsabilidade.org/apostilas/amorosa. pelo lado do sujeito.Da Contemplação Amorosa lógica. Do mesmo modo. a sensibilidade à luz é objeto e condição da percepção. existencial. o fundamento absoluto da objetividade cognitiva. e simultaneamente. pela Tripla Intuição. Dessa teoria decorre que o indivíduo humano só se conscientiza como http://www. na percepção da luz. Aí é que entra a contribuição gnoseológica. ou necessidade metafísica. e pela Contemplação Amorosa a natureza do conhecimento objetivo. do nexo sujeito-predicado. arquetípica mesmo.htm (17 de 23)16/4/2007 09:10:37 . é a morada mesma do Espírito.org/apostilas/amorosa. Dito de outro modo. O mundo físico. que passa ao ato no instante em que o ser humano admite o princípio da responsabilidade. Conforme demonstrei em O Jardim das Aflições. ao "materialismo espiritual" que critico asperamente em O Jardim das Aflições. nem é um atributo substancialmente associado de uma vez para sempre à condição biológica humana: é uma possibilidade lógica. Recorro em seguida a um outro fundamento gnoseológico: a teoria da autoconsciência. Ele é o fundamento da autoconsciência individual. assim. se quiserem.Da Contemplação Amorosa sujeito cognitivo no ato mesmo em que se conscientiza como objeto que sofre a ação de uma fonte de luz. mas estão neste.olavodecarvalho. a autoconsciência nem é mera introjeção de papéis sociais. como pretendem certas correntes antropológicas. assim como de todo dualismo sujeito-objeto. há outros mundos. Em oposição. o princípio de responsabilidade é ao mesmo tempo cognitivo e moral.htm (18 de 23)16/4/2007 09:10:37 . assim como é o fundamento das morais históricas: nele se reencontram a descrição fenomenológica da consciência individual e a unidade http://www. com sua luz "corpórea". ou autoria de seus atos. Os dois aspectos são inseparáveis. ou. como disse Paul Éluard. transparência. o que prova a falácia de todo idealismo subjetivo. uma potência no sentido aristotélico. inteligibilidade. no sentido de admitir que este seu corpo de agora é "o mesmo" que instantes atrás fez tal ou qual coisa. estabeleço um "espiritualismo material": o "materialismo" de um mundo feito de Espírito. Ou. Eis aí. Dessas constatações extraio uma série de sugestões metodológicas para o estudo de questões morais concretas. Pode-se. e sim no filosofema.Da Contemplação Amorosa subjacente das morais históricas. Mas não há filósofo sem filosofema — e aquele que publique dezenas ou centenas de livros eruditíssimos. faça seu esse modo de ver. (Esta distinção é impossível em literatura: em que consiste a poesia de Shakespeare senão nos textos de Shakespeare?) Há filósofos sem obra — a começar do pai de todos nós: Sócrates —.olavodecarvalho. ser aristotélico ou http://www. mas num certo modo de ver as coisas. Meu amigo Bruno Tolentino censura-me por deixar todas essas idéias em estado de rascunho — ou.org/apostilas/amorosa. Mas a filosofia. há filósofos cujo pensamento nos chega por obras escritas por testemunhas ou por ajudantes (não conheceríamos o pensamento de Husserl sem a redação de Fink). pior ainda. saltando sobre os textos. com opiniões de estilo filosófico sobre assuntos filosóficos. sociológico. barbaramente reduzido. intuições e outros atos cognitivos que forma o mundo e o estilo próprios de um determinado filósofo. É isto o que nos permite distinguir entre "as obras de Aristóteles" e "a filosofia de Aristóteles". não se torna por isto um filósofo . integrando-o no seu próprio. de gravação em fita — em vez de lhes dar uma divulgação decente em forma de livro.htm (19 de 23)16/4/2007 09:10:37 17 . A filosofia de um filósofo não está em seus textos. o que expliquei no meu curso de Ética. seja do ponto de vista éticonormativo. nas "obras" filosóficas. assim. quando o é de verdade. seja do ponto de vista histórico. no conteúdo essencial de uma conexão de pensamentos. que é transportável para fora deles e participável por quem quer que. etc. não reside nos textos. e que não é no fundo senão a figura jovem e incompleta daquela que no seu esplendor maduro será a Sabedoria mesma. por assim dizer. Como é assombroso o mistério das vocações. e não expressiva como a beleza artística. http://www. Não é coincidência que a mais impressionante das obras filosóficas. pois a perfeição que a filosofia busca é por excelência interior e muda. que os antigos denominaram Afeição à Sabedoria. não nos tenha chegado senão nesse estado de incompletude e provisoriedade . 18 Quando decidi devotar minha vida ao serviço desta dama. formosa entre todas. a Filosofia move-se incessantemente em direção à Sabedoria.htm (20 de 23)16/4/2007 09:10:37 . de vez que a filosofia inclui como componente essencial a vocação pedagógica). por muitos e longos anos.. a de Aristóteles. impressiva. digo. O texto filosófico jamais terá a perfeição formal e diamantina do poema. mas não se pode ser shakespeareano ou cervantino senão por imitação inferior.org/apostilas/amorosa.Da Contemplação Amorosa hegeliano de pleno direito sem sacrifício da originalidade e independentemente da grandeza ou pequenez do talento próprio. 20 19 25 de janeiro de 1995. refrear e sacrificar meu fortíssimo impetus scribendi em favor do impetus cognoscendi (e mesmo do impetus agendi. Mais ainda: dialética e dialógica por essência e não por acidente. tomei consciência de que deveria.olavodecarvalho.. e por isto só pode viver bem em estado de rascunho . nesse instante. que uma pseudociência animalesca reduz a uma questão de pontos num teste de QI. Voltar 2. é a súmula da experiência interior dessas pessoas. mas que não sabem que Deus não faz distinção de talentos individuais e que a contemplação amorosa está acima da razão e da irrazão. Cada um desses sentimentos é apenas um signo. Conhecer pelo pensamento é conhecer (no sentido daquela teoria) a possibilidade. Esta distinção aplica-se a todo o mental — imaginação. Homens e Engrenagens. e não esse algo como tal. Voltar 7. a mesma mulher que neste momento me desperta atração e deleite sensual pode.Da Contemplação Amorosa NOTAS 1. Sobre o conhecimento imediato da essência na presença. etc. Proibida a reprodução por quaisquer meios. buscadoras sinceras. O "sentimento" é também representação. dentro de mim. Speculum. melancolia. Portanto. V. etc. da totalidade vivente que ela é fora e independente de mim. etc. Voltar 6. a expressão "possível" tem aqui um sentido mais amplo do que na Teoria dos Quatro Discursos. em conjunto. mas não nos dá esse algo como objeto de experiência. Voltar 5. por "conhecível como todo. Engana-se redondamente quem imagine que o sentimento. mesmo absoluta e imediatamente fundada no princípio de identidade.olavodecarvalho. Voltar 3. a verossimilhança. e não apresentação. O livro de Ernesto Sábato. só nos dá a conhecer a necessidade — teórica — de algo. Voltar 4. nos dá o objeto mesmo na sua imediatidade. sem erro.org/apostilas/amorosa. ou com a de Husserl. despertar-me saudade. por exemplo. Rascunho para uso em classe no Seminário Permanente de Filosofia e Humanidades (Instituto de Artes Liberais). insensível como todo" (ou "somente sensível por partes e aspectos"). os quatro graus ali considerados. v. ciúme. Universalidade e Abstração (São Paulo. no século XX. creio eu. Quem não capte este ponto arriscará confundir minha concepção com a de Bergson. impensável como todo" pode portanto ser substituída. raiva. e designa. conjetura. O sentimento é apenas a reação parcial e momentânea do nosso ser a um aspecto determinado do objeto que a nós se apresenta no momento. Todas estas funções são "discursivas" exatamente como o raciocínio. meu trabalho horrivelmente escrito mas. correto nas idéias. O tipo do "matemático arrependido" que cai no irracionalismo acreditando aproximar-se de Deus quando se aproxima apenas de um outro lado de si mesmo se tornaria dominante. "Kant e o primado do problema crítico". sentimento. Distinção importantíssima: a certeza lógica. e que reconheço instantaneamente como tal para além e por cima dos sentimentos transitórios que me desperte. num outro momento. do pensar e do sentir. quando digo que o pensar só conhece o possível. ao contrário das faculdades representativas. entre os cientistas com preocupações filosóficas. 1983). A expressão "conhecível como todo. A poesia de Tolentino — quer ele tenha premeditado isto ou não — é um esforço heróico e vitorioso para descer do pseudo-céu das essências "rumo às coisas http://www.htm (21 de 23)16/4/2007 09:10:37 . a probabilidade ou a necessidade de algo. Por exemplo. sem dúvida. na medida em que contempla amorosamente objetos e seres do ambiente em torno. Voltar 14. é a essência mesma do diabolismo. Voltar 9. e do simbolismo astrológico e alquímico (Astrologia e Religião. Voltar 12. Nova Stella. mais se eleva em direção ao eterno. ainda que inspirada em motivos supostamente edificantes. Os Gêneros Literários. o relativismo absoluto de Richard Rorty. uma folha. Estudos sobre a Interpretação Simbólica da Vida do Profeta Mohammed/Maomé. um relógio. São Paulo. O Jardim das Aflições. no Brasil. um lagarto. na Tribuna da Imprensa e na revista Imprensa. Voltar http://www. a defesa da eutanásia. Stella Caymmi. a campanha pela liberalização da cocaína e concomitante repressão ao fumo. Ela atende. Stella Caymmi. etc. 2ª ed. Voltar 18. no simbolismo das Artes Liberais e na psicologia espiritual de Ibn 'Arabi — está no livro Da Tripla Intuição (apostila do IAL).org/apostilas/amorosa. a sair proximamente por Stella Caymmi Editora. Meu trabalho incluiu também algumas investigações no campo da Religião Comparada (O Profeta da Paz. obra inédita. com pleno direito. O Imbecil Coletivo.olavodecarvalho. ao apelo do último Husserl. Voltar 13. entre as quais e só entre as quais se encontra o caminho do verdadeiro céu. O Crime da Madre Agnes ou A Confusão entre Espiritualidade e Psiquismo (São Paulo. apostila). etc. bem como no da psicologia (O Conceito de Psique. habitantes do Lebenswelt. do mundo da Encarnação. Voltar 8. Epicuro e a Revolução Gnóstica. São Paulo. o anti-anti-semitismo paranóico. a negritude anti-semita. 1985. o valor do mundo real. 1993). Voltar 11. que julgo da máxima urgência uma ruptura de relações culturais com os EUA até que o grande irmão do Norte recupere o juízo. O abuso do termo tornou-se. cuja recusa tenaz. Alquimia Natural e Espiritual. A sair ainda em 1995 por Stella Caymmi Editora. 1994) e A Vingança de Liberty Valance. Esses trabalhos não são marginais em relação ao meu esforço filosófico. mas. Meu conceito dessas faculdades — inspirado em Dante Alighieri. Símbolos e Mitos no Filme "O Silêncio dos Inocentes" (Rio. Voltar 19. Atualidades Inculturais Brasileiras. Astroscientia Editora. aliás. IAL & Stella Caymmi. Os norte-americanos têm-nos enviado lixo mental em tais quantidades — o feminismo. Rio. 1983). A vida presente como rascunho do ser é. Voltar 15. 1993. —. Voltar 17. um dos temas constantes da obra do próprio Tolentino. Nova Stella. Reúne artigos publicados no Jornal do Brasil. numa cultura fatigada de platonismos. premiada na Arábia Saudita). regra geral. mas representam uma etapa de preparação e treino. e restaura. bem como alguns inéditos. Sua Katharina aceita o Cristo na mesma medida em que vai admitindo a realidade patente de impulsos e desejos banais. tanto quanto meu trabalho. 1994..Da Contemplação Amorosa mesmas". apostila). Rio.htm (22 de 23)16/4/2007 09:10:37 . criaturas desconhecidas no reino das essências. John Ford e a "Morte do Western" (em preparação). Speculum. Seus Fundamentos Metafísicos (Rio. e quanto mais se detém na contemplação e aceitação deste mundo. Apostila do Instituto de Artes Liberais. a Curva de Bell. Voltar 16. Voltar 10. a filosofia da História de Paul Kennedy. Trabalho inédito em livro. 1986. dizendo que seu pensamento estava expresso de maneira acabada e definitiva nas suas obras publicadas. sempre me pareceu uma singular inconsistência que o filósofo do fluxo vital.E-mail http://www. Voltar Home .org/apostilas/amorosa. poucos anos antes de sua morte declarasse oficialmente encerrado o seu labor filosófico. Em contrapartida.Textos .Informações .htm (23 de 23)16/4/2007 09:10:37 .Da Contemplação Amorosa 20. Henri Bergson.olavodecarvalho. que o inimigo declarado de toda clausura racional.Links . inominada e inominável. tanto mais temível quanto mais envolta nas pompas tenebrosas do nada. de setembro de 1987.olavodecarvalho. as coisas que elas designam ficam boiando no abismo dos mistérios sem nome. tanto mais ativa quanto mais secreta. é natural que a atenção acabe por se desviar desses tópicos nebulosos e constrangedores. Só que a coisa desprovida do direito à existência continua a existir numa espécie de extramundo.O Abandono dos Ideais Apostilas do Seminário de Filosofia . Desprovido da capacidade de nomear. e como tudo o que é misterioso e inexprimível oprime e atemoriza o coração humano com uma sensação de cerceamento e impotência. Reproduzida sem alterações. eis o homem devolvido a todos os http://www. A restrição do vocabulário povoa o mundo de temores e presságios.htm (1 de 21)16/4/2007 09:11:00 . Quando as palavras saem da moda. o que não é pensável não existe — tal é a metafísica dos avestruzes.3 O abandono dos ideais Aula do curso Introdução à Vida Intelectual. Pois o que desaparece do vocabulário logo acaba por desaparecer da consciência: o que não tem nome não é pensável.org/apostilas/ideais. do informe.org/apostilas/ideais. Pela unidade de sua forma. Complexo de impulso e de esquema. O ideal é.htm (2 de 21)16/4/2007 09:11:00 . Denomina-se "ideal" a síntese em que se fundem.olavodecarvalho. é natural que sua reencarnação obscura assuma. ergue-se como um tribunal soberano e neutro para a arbitragem de todos os conflitos do presente. o ideal atrai como um imã e coordena como um eixo. mas não da existência —. por isto.O Abandono dos Ideais terrores que ele imaginava primitivos. Pelo seu caráter de síntese projetada para o futuro. um valor excelso ou aspiração suprema da alma — uma dessas coisas essenciais que se pode expulsar da consciência. condição indispensável para a coesão da http://www. numa só forma e numa só energia. Se a coisa desprovida de nome é. as feições do terrível. mais ainda. e quando está firmemente decidido a ir nessa direção. por acaso. mas que são uma pura criação da mais avançada e requintada decadência: o barbarismo artificial. a idéia do sentido da vida e a do preço de sua realização: diz-se que um homem tem um ideal quando ele sabe em qual direção tem de ir para tornar-se aquilo que almeja. cujo significado perde realidade com a rapidez com que perde sangue um decapitado. que ali se resolvem e superam de modo que mesmo as tendências mais antagônicas da alma possam convergir num só ímpeto ascensional. alguma realidade espiritual elevada. É algo assim que acontece com aquela coisa designada pela palavra "ideal" — uma palavra obviamente fora de moda. do monstruoso. convoca o sinergismo da vontade: a concorrência de todas as forças para a consecução da meta. Sem a síntese. não haveria meio de fazer um homem sacrificar-se.htm (3 de 21)16/4/2007 09:11:00 . exceto no homem grosseiro. das falsas idéias e aspirações que não são senão a secreção passiva da fisiologia. e é sempre a lembrança do seu apelo que nos reergue após cada erro e cada desengano. ele necessita de imagens plásticas. não pode ser despertado por uma simples idéia abstrata. da cultura. Mas o desejo. que lhe dêem como que uma presença antecipada do seu objetivo. que o ideal opera. é assim que a alma se liberta do poço escuro da individualidade estanque. impor-se restrições. para alcançar sua plena estatura humana e tornar-se. nos eleva e enobrece. talvez. para despertar a um mundo de realidades objetivas que a inteligência discerne e que a consciência moral obriga a reconhecer. entre o impulso de universalidade e os interesses do organismo psicofísico. em prol de algum valor moral.olavodecarvalho. contrariar desejos e reprimir temores. Tem um poder coordenante voltado para o futuro. É ainda pela força do ideal que o homem transcende o sono entorpecido da subjetividade intra-orgânica.org/apostilas/ideais. Também não se move. para elevar-se ao mundo maior da sociedade. O ideal é semente de juventude e revivescência. por verdadeira que seja. um poder curativo voltado sobre o passado. da vida moral. ao simples apelo de uma imagem atrativa. ao sentimento do universo e ao desejo de Deus. Mas não basta que http://www. social ou religioso. é preciso que seja bela.O Abandono dos Ideais personalidade. Miragem e emblema. mas aguarda que a inteligência examine e aprove o objeto como desejável e bom. maior do que ele mesmo. Não basta que a meta seja verdadeira. que sem ele se dispersa em aspirações fortuitas e esforços estéreis. sensíveis. sua visão nos dinamiza. que move a alma. o egoísmo em altruísmo.O Abandono dos Ideais seja bela. intelectual. a reformar e elevar seu padrão de valores. e põe estas a serviço daquela. no forno alquímico da alma. capaz de absorver e neutralizar os conflitos entre o id e o superego. o desejo de auto-afirmação. A escola junguiana tinha razão ao ver no ideal do eu uma instância superior. o homem http://www. uma satisfação dada a si mesmo é. de doação e de superação de si. no entanto. Destituído do ideal. Mas não é só por isto que o ideal dá força. é preciso que seja verdadeira e justa. Ele concilia.olavodecarvalho. o ideal o capacita a contrariar. automatizado depois numa constelação de rotinas impeditivas. intenso e querido é um ideal. se impor sacrifícios inteligentemente. ocasião de benefício para os outros. intermediários entre o egoísmo e o altruísmo. porém. quanto mais elevado. É a síntese desta tripla exigência. De fato. O ideal é como o fogo em que se transfunde. equilíbrio e consistência à personalidade. a superar a obediência servil a exigências repressivas irracionais. se preciso. Ele dá uma significação universal às tendências individuais.htm (4 de 21)16/4/2007 09:11:00 1 . entre as pulsões primárias do organismo psicofísico e o esquema de proibições e deveres introjetado inconscientemente pelo hábito imposto. indireta porém voluntariamente. a paixão reflexa em ação refletida. nítido. as imposições de uma moralidade meramente exterior e convencional. estética e moral. Spencer falava dos sentimentos "ego-altruístas". neles. em favor dele ele. que se denomina "ideal". O ideal extrai grande parte do seu dinamismo dessa pulsação ego-altruísta. contornando as exigências do id. de permanência.org/apostilas/ideais. de autodefesa. mais o homem é capaz de. na mesma medida. no homem. com o impulso de crescimento. em que a felicidade de um homem se identifica com o bem dos demais . htm (5 de 21)16/4/2007 09:11:00 2 . O ideal é a bússola que assinala para a alma uma direção firme e constante por entre as incertezas.O Abandono dos Ideais abandona-se à luta cega entre a paixão egoísta e o temor da represália do superego . todas as melhores aspirações não passam de sonhos. momentâneos e sem proveito. Não tendo uma medida do que as coisas deveriam ser. o esforço gasta-se em gestos reativos. sem ideal. Por isto.org/apostilas/ideais.olavodecarvalho. as qualidades latentes do homem tendem a orientar-se para fora e transformar-se em atos e obras no mundo. é necessário um esforço constante numa direção definida. que se limitem em extensão para realizar-se em intensidade. a imagem de perfeição expressa no ideal aponta para uma qualidade objetiva: pelo ideal. Sem um ideal definido. Ademais. Embora nascida na nossa consciência subjetiva. saem da redoma do sonho e ganham um corpo no cenário maior dos fatos e das coisas. Só o homem idealista é realista. porque não há um dever moral imanente a exigir que se amoldem à realidade. Se o sentido é aquilo a que se orienta a nossa vida e a que ela tende com todas as suas forças. vêem-nas melhores ou piores do que são. O ideal é o caminho pelo qual as aspirações individuais de felicidade distribuem-se nos sulcos já abertos da realidade exterior. deve estar colocado num outro tempo ou num outro espaço que não os do presente e do imediato num futuro ou num plano mais abrangente de realidade. o sentimento de insatisfação. para que as qualidades latentes possam se manifestar. de vazio e de tédio que experimentamos quando traímos ou esquecemos o ideal é o sinal de alarma que nos permite corrigir o rumo e reencontrar o sentido da vida. os demais são sonhadores ou cínicos. O ideal é a presença http://www. então. como demonstrou Igor Caruso . deste outro espaço no aqui e no agora.olavodecarvalho. é coesão — com + scientia = reunião da ciência —. dinâmica e tensional. a traição é demasiado grave. é obstaculizado pelo esforço de não enxergar uma http://www. medimos nossa aproximação ou afastamento do sentido da vida. necessário à vida social e prática.org/apostilas/ideais. por definição. os instantes e os lugares se homogeneizam na massa do indiferente. por isto.htm (6 de 21)16/4/2007 09:11:00 3 4 . ou encontra um bode expiatório sobre o qual despejar seu rancor de si mesma. logo o escotoma defensivo se alastra para outros campos e acaba por obliterar toda a visão. Uma presença incompleta e. ao mesmo tempo em que procura inventar toda sorte de razões. Sem ideal. Traí-lo ou esquecê-lo é entregar-se. como uma bússola viciada. Por ela.O Abandono dos Ideais deste futuro no presente. mesmo em áreas que nada têm a ver diretamente com o conflito que lhe deu origem. e uma lei constitutiva impede que suas partes funcionem separadas. extensa. lacrando-o sob a tampa do subconsciente. o padrão de intensidade e profundidade da significação dos momentos. para justificar o mal-estar e o tédio. Quando. de ossos quebrados. após a breve excitação casual que os torna interessantes. E. profunda. de pretextos factícios e ocasionais. O ideal é a medida efetiva do tempo existencial. O ideal é a coluna mestra e a força da personalidade. porém. O empenho de conservar então um mínimo indispensável de realismo. está na base de muitos distúrbios neuróticos. A repressão da consciência moral. o sinal de alarma já não soa mais: o clamor da consciência moral imanente tornou-se tão penoso que a alma o reprime. já que a consciência. A neurose apóiase num complexo jogo de racionalizações e compensações que falseia completamente a posição existencial do indivíduo. nas mãos da contingência e do absurdo. basicamente. o símbolo por excelência da exaltação imaginativa é http://www. para o indivíduo. a divindade é a imagem ideal que orienta todos os esforços para a auto-realização das qualidades superiores do homem. teologicamente.O Abandono dos Ideais determinada área. Para Diel. e é justamente esta é a base da qual tem de partir todo ensino religioso que não seja mera lavagem cerebral. 5 Na psicologia e psicoterapia de Paul Diel . A vítima torna-se cada vez mais inepta para o ato de humildade que lhe devolveria o ideal perdido e o sentido da vida ( ser humilde não é outra coisa senão aceitar a realidade. A exaltação imaginativa é um estado em que a mente. Diel chama-as exaltação imaginativa e banalização. se identifica mais ou menos inconscientemente com ele e atribui a si as perfeições que a ele pertencem. enfraquecendo a capacidade intelectual e decisória. o curto-circuito daí resultante produz considerável perda de energias. circunscrita como tabu. a divindade real e objetiva só é acessível através da sua imagem pessoal de Deus. porém na sua ação catalizadora sobre a massa das forças psíquicas. de duas maneiras. sucessivos e complementares. o ideal de perfeição humana sugerida pela imagem do divino é a meta obrigatória e universal da existência humana sobre a terra.org/apostilas/ideais. ela seja muito mais do que isto. São processos opostos. e a perda deste ideal é.htm (7 de 21)16/4/2007 09:11:00 . como se já as tivesse realizado. segundo Diel. "ser objetivo é morrer um pouco" ). Encarado psicologicamente ou teologicamente. a causa das neuroses. Pouco importa que. Psicologicamente. pois. embevecida com o seu ideal. porém.olavodecarvalho. O ideal da perfeição pode ser corrompido ou desviado. como diz Schuon. o interesse maior não reside na veracidade teológica da imagem. imaginando possuir as perfeições a que aspira. um sentimento de estranheza e de impotência perante o mundo. Acuado pelas exigências da realidade. etc . por vezes ao menos. em busca de apoio e confirmação de suas queixas contra o mundo. Não raro o doente alia-se a outros jovens imbuídos do mesmo sentimento. Por isto mesmo. mesquinho e incompreensivo. que. aos seus encantos ou poderes. que só pode elevar aos ares um corpo imaginário. do emprego. limitado ou coagido pela mesquinhez real ou aparente dos pais.htm (8 de 21)16/4/2007 09:11:00 6 7 . A comunidade de sentimentos e a repetição das queixas. objetivamente verdadeiro. ele exacerba ainda mais sua adoração de si mesmo diante de um mundo que ele julga vil. da sociedade. sua alma experimenta. atenuações e racionalizações muito difícil de deslindar. uma vaga intuição do caráter doentio do seu estado pode envolver este sentimento numa complexa rede de disfarces. Também é certo que seu diagnóstico depreciativo sobre o mundo em torno pode ser. quando na verdade é ele mesmo quem não compreende o mundo e. em si mesmo. que não cede. pela simples razão de ter aspirações elevadas — ou que lhe pareçam elevadas — já se sente ipso facto superior ao seu ambiente e. Nem sempre ele declara seu sentimento em voz alta. sendo falso apenas o lugar e a função que ocupa na sua alma. O exaltado toma o potencial por atual. As asas de cera representam a força da imaginação.org/apostilas/ideais. já que a degradação do mundo lhe aparece. por não compreendê-lo. está impotente para agir nele. da escola.O Abandono dos Ideais o vôo de Ícaro. como num choque de retorno. como ele esperava. http://www. É a síndrome do "jovem incompreendido". como uma espécie de contraprova de suas próprias qualidades excelsas . portanto.olavodecarvalho. Como. desidentificar-se do ideal para poder abandoná-lo sem perder o sentimento de sua própria superioridade. contra o qual provavelmente terá sido advertido pelos pais.olavodecarvalho. porém.htm (9 de 21)16/4/2007 09:11:00 8 9 . como tábua de salvação. ou por uma infinidade de sinais diretos e indiretos. parece dar consistência real ao diagnóstico distorcido e subjetivista que cada um dos membros do grupo faz quanto ao estado do mundo. e o pressentimento de abandono. por sua vez. Conserva. pode exacerbar a exaltação imaginativa ao ponto de provocar uma verdadeira ruptura com a realidade ambiente. por amigos. sua autoexaltação. aguçam a sensação de estar afundando no completo isolamento e na impotência. que o doente é então tentado a buscar às pressas. profundo. assim. incapacitando o indivíduo para o cumprimento dos deveres sociais mais elementares . especial. algum tipo de reintegração forçada no mundo que desprezava . legitimando seu discurso contra a mediocridade e grosseria das pessoas "de fora". mas sob uma forma destituída de conteúdo pretensamente http://www. "Estar dentro" do grupo é então sinal de uma espécie de eleição. a mente só consegue a reintegração forçada mediante o artifício de operar uma inversão de valores: ao invés de abandonar somente a atitude de auto-exaltação. Estes sinais. passando a uma postura de humildade perante o ideal. a prova de uma qualidade excelsa e incomunicável. é que o doente já se encontrava à beira de um colapso intelectual e social. ela vai. isto implicaria a humilhação de voltar atrás nas críticas e a renúncia à independência afetada. Quando a exaltação imaginativa chega a efeitos tão profundos.O Abandono dos Ideais criando uma atmosfera de comprovação intersubjetiva. ao contrário. às vezes mesmo de loucura e morte. O sentimento de ter acesso a algo misterioso.org/apostilas/ideais. contrasta tão dolorosamente com os primeiros vôos de exaltação imaginativa. Porém. agora. segundo demonstrou Pavlov.O Abandono dos Ideais idealístico.olavodecarvalho. atenuado ou disfarçado. produz então uma inibição protetora que "desorganiza os reflexos adquiridos. inúmeras cadeias de reflexos condicionados que constituíam a base subconsciente do comportamento. de quem gostava" . e revestida. A inversão súbita de valores pode então sobrevir. se apegará ao funcionário do laboratório. longamente preparada no subconsciente. O acúmulo de contradições necessário para sustentar uma posição existencial artificiosa e falsa leva à proliferação de tensões contraditórias e produz situações novas. porque. As tensões provenientes de vários lados. por exemplo. http://www. destrói as suas camadas mais recentes e determina. no que toca às suas bases neurofisiológicas. materialismo. e não raro de maquiavelismo. etc. É a esta atitude que Diel denomina banalização. Quebram-se. O processo é bem conhecido e foi descrito por Pavlov. muito antes de Diel. impondo ao cérebro "provas intoleráveis". carreirismo profissional. que ultrapassam a capacidade de resposta racional e as habilidades de adaptação do organismo. o abandono de suas crenças" . assim. o mesmo fenômeno. e tentará atacar o dono. e o homem se vê num estado de indeslindável confusão. nos campos de prisioneiros da China e da União Soviética . Um cão. de uma pose de "realismo" terra-a-terra. que detestava.htm (10 de 21)16/4/2007 09:11:00 10 11 12 . O conhecimento técnico deste mecanismo permitiu a sua utilização sistemática nos processos de lavagem cerebral e "reforma da opinião". no sujeito. da qual o sujeito se livra mediante reações opostas às suas condutas habituais. a "inibição prolongada dos reflexos adquiridos suscita angústia intolerável. cinismo. A inversão banalizante só pode ocorrer mediante uma mutação súbita. incompreensíveis.org/apostilas/ideais. movido doravante por estímulos insignificantes e ocasionais.htm (11 de 21)16/4/2007 09:11:00 . nos Estados Unidos. a fase de inibição cerebral pode ser sucedida por uma fase paradoxal. Sabe-se hoje que esta mutação pode afetar não somente este ou aquele grupo de crenças e atitudes. "quando o cérebro é submetido a tensões ainda mais fortes. graças ao abuso das pressões psíquicas da propaganda. e as justificativas aparentemente lógicas que o doente oferece a si mesmo e aos outros.olavodecarvalho. pode ser explicada pelo fato de que. Então. e os negativos em positivos" . o crescimento assombroso da incidência destes fenômenos. levou alguns psicoterapeutas a falar de uma "epidemia de mutações súbitas de personalidade". dos exercícios psíquicos.O Abandono dos Ideais observa-se disseminado na vida social contemporânea. não são senão o disfarce exterior de um processo que tem suas raízes numa sobrecarga de estimulação neuronal. Nesta. a fase ultraparadoxal. "no terceiro estágio da inibição protetora. mesmo fora do cenário das seitas pseudomísticas e de toda experimentação de "poderes" psíquicos. das experiências psudomísticas. que constitui talvez o mais grave capítulo de psicopatologia social conhecido na história do Ocidente . a se transformar em negativos. A facilidade com que este processo se desencadeia. são um "vestido de idéias" em torno de motivos reflexos. mas a personalidade total. estímulos fracos e antes ineficientes podem causar respostas mais acentuadas do que estímulos mais fortes" . As mudanças de opinião nesta fase. as respostas e o comportamento positivos começam. que permanecem 15 14 13 http://www. da persuasão subliminar.org/apostilas/ideais. de repente. ISto significa que basta uma fase de acúmulo tensional para que o processo de inversão possa seguir atuando no subconsciente. frustrados ou coisa assim. a amoralidade. no seu tempo de idealismo exaltado. descreve um caso em que. porém. para sustentar com alguma coerência o seu novo padrão de comportamento. acusando-os de rancorosos. lhe pareciam revoltantes e intoleráveis. É que antes ele via as feiúras somente no mundo exterior e. passando por este gênero de mutação. a boas doses de autopiedade. atitudes e opiniões que antes lhe pareciam imorais e desprezíveis. George Orwell.olavodecarvalho. com a perda da integridade psíquica. o indivíduo amortece então sua sensibilidade para todas as deficiências. às vezes. Agora. ele as admite dentro de si. aliados. como não as enxergava em si mesmo. de modo que o indivíduo.org/apostilas/ideais. ele se compraz no seu novo estado de "homem ajustado" e — no seu entender — adulto.htm (12 de 21)16/4/2007 09:11:00 .O Abandono dos Ideais subconscientes. ele as defende como sinais de superioridade. A mutação pode resultar então em total atomização do comportamento e acarretar. Não raro a mutação apaga blocos inteiros da memória. e. A banalização consiste neste nivelamento-por-baixo do sentimento moral e estético. no seu romance 1984. Ela permite que o indivíduo adote. produzindo o cinismo. não raro afeta uma atitude de soberano desprezo por aqueles nos quais se mantém viva a antiga sensibilidade moral. injustiças e feiúras que. 16 http://www. as testemunhas mesmas da inocência de um acusado depõem pela sua condenação. Na banalização. como são suas e se identifica com elas. como normais e indiferentes. as condenava "desde cima". chega a negar os fatos mais óbvios e patentes que presenciou. o descaramento. a dissolução dos padrões morais mais elementares. org/apostilas/ideais. É uma forma de autolatria. quando o doente vai da exaltação à banalização. atual e efetivamente. atribui a si mesmo. destinada a reforçá-lo no novo papel. Agostinho diz que "todos os vícios se apegam ao mal. pois o ego. os valores reais ainda são afirmados. apenas como uma localização falseada. não de um acréscimo de equilíbrio e força. A passagem da exaltação à banalização perfaz então a mudança. é isto o que eles têm em vista: o idealista exaltado corrompe o bem na sua própria raiz. corrompe-o na medida em que tem por ele um amor egoísta. ao identificar-se com a imagem do ideal. para que pereça". a negação dos valores é afirmada ela mesma como valor.htm (13 de 21)16/4/2007 09:11:00 . 17 É interessante observar que. Quando os teólogos dizem que a soberba é a raiz de todos os pecados. só a soberba se apega ao bem. qualidades que só lhe pertencem de modo virtual e por espelhismo. mas se enreda numa trama de racionalizações e sofismas. destinada a erguer ante seus próprios olhos um simulacro verossímil de inocência. acarretando uma inversão total de valores.olavodecarvalho. traindo a vocação humana. Daí que ele seja o último a perceber que a sua aparente superação da revolta juvenil vem acompanhada. A banalização é o momento mais grave do processo corruptivo. ele passa a representar perante si mesmo o papel de homem realista e "maduro". na banalização. porém de um http://www. É claro que a alma doente só consegue operar esta transformação na medida em que não conscientiza todos os passos do processo e todas as implicações de seus atos e decisões.O Abandono dos Ideais Analisando os conceitos de Diel com os critérios de Caruso . Sto. para que se realize. revestida de pose de segurança afetada. trai o sentido da vida . vemos que a neurose do idealista exaltado tem sua origem na soberba. instalando o mal no lugar do bem. no instante mesmo em que. Na exaltação. . à cólera e ao medo. nos quais esta degenerescência sentimental pode não se produzir ). etc. uma das conquistas que assinalam uma evolução objetiva do homem na entrada da adolescência é a passagem dos sentimentos puramente egoístas e orgânicos às tendências ideais ou suprapessoais: nesta fase. trata de sair de si. o ancião pode já não ter nada mais que necessidades . torna-se menos generoso.. as emoções que persistem maior tempo estão ligadas à conservação pessoal.htm (14 de 21)16/4/2007 09:11:00 . Logo em seguida. O ancião começa a preocupar-se menos com a ciência e a arte. Escreve Ribot : "A lei de dissolução consiste numa regressão contínua que desce do superior ao inferior. inclinações ideais" . ) são as que subsistem por mais tempo. "o indivíduo experimenta um sentimento de imperfeição. Isto é comprovado sobretudo na maioria dos anciãos ( fora do caso.O Abandono dos Ideais decréscimo das capacidades intelectuais e de uma degenerescência nervosa similar à que se vê na involução senil.. Enfim. de insuficiência. Os sentimentos impessoais são os primeiros que desaparecem. orgânicas. dos seres superiores. como a paralisia geral dos sifilíticos e também da degenerescência senil.olavodecarvalho. inclinações egoístas.org/apostilas/ideais. em certas enfermidades da evolução lenta. é claro. A evolução da vida afetiva "segue a ordem que vai do simples ao complexo: necessidades. inclinações ego-altruístas. do complexo ao simples" . altruístas. inclinações altruístas. Porém. observa-se um movimento inverso. e mesmo egoaltruístas. Sua vida afetiva se restringe cada vez mais. as diversas formas da simpatia. "Em alguns enfermos — assinala Challaye — pode-se comprovar a desaparição momentânea das tendências ideais. de dar-se" .. e as necessidades ( econômicas. ele recai no estado do menino 20 19 18 http://www. De fato. traumas de infância. fora de toda dúvida. essencialmente. eles são bem conhecidos na literatura psicológica. entram em jogo.O Abandono dos Ideais pequeno" . etc. Uma sociedade voltada para a busca de um ideal religioso.htm (15 de 21)16/4/2007 09:11:00 21 . No homem banalizado. que em nada pesa se não é valorizado pela interferência dos fatores exógenos. contribuem para o progresso e o brilho da sociedade. por sua vez. que aquilo que lhe parece ou que ele tenta fazer parecer uma superação é na verdade uma queda. estes fatores não exercem senão um papel predisponente. moral ou cultural universal. como por exemplo. uma esplêndida floração de individualidades vigorosas e ricas que. a nova sensibilidade que ele desenvolve pelo seu interesse material imediato. Do ponto de vista causal.olavodecarvalho. A história atesta períodos assim brilhantes. no processo de banalização. defeitos constitucionais. a renascença http://www. de outro lado. nos estímulos com que a sociedade em torno favorece ou desfavorece a manutenção dos ideais e a realização humana. falhas da educação. Os endógenos — aqueles que já estão dados na alma do indivíduo no instante em que o processo se instala — são os fatores clássicos levados em conta pela análise psicológica corrente: tendências hereditárias. certamente. produz. atestam. fatores endógenos e exógenos. aliada ao temor da perda e ao crescente desinteresse pelos ideais. uma degenerescência que se estende. Os fatores exógenos consistem.org/apostilas/ideais. até mesmo. ao domínio corporal. De um lado. a Grécia de Péricles. e dotada dos instrumentos educacionais capazes de viabilizar a realização humana de seus membros. org/apostilas/ideais. estes parecem não somente multiplicar-se no campo dos fatos. mas invadir as almas dos indivíduos. Automaticamente. É nessa horda que os falsos ideais. ocupando todo o espaço que poderia ser dedicado aos valores ideais. criados http://www. o Califado do Ocidente sob Harum-alRaschid.olavodecarvalho. o que os caracteriza não é a riqueza. a Idade de Ouro espanhola. com o que justamente as pessoas de maior sensibilidade ética. passam a constituir uma horda de fracassados e desajustados. O que quer que pensemos do conteúdo das idéias dominantes nestes períodos. mas o fato de que neles as tarefas econômicas são inseridas e transfiguradas no quadro maior dos fins e valores éticos ou religiosos que orientam a vida social como um todo. pode haver curtos períodos de vigor moral e cultural mesmo em países pobres e isolados. os instrumentos para a realização da vocação humana simplesmente desaparecem do cenário social. não encontrando vias de realização. É evidente que. Quando. a sociedade perde de vista os valores e princípios universais e se emaranha na busca obsessiva de soluções para problemas econômicos imediatos.htm (16 de 21)16/4/2007 09:11:00 . Nem sempre esses períodos coincidem com épocas de riqueza e progresso material. a era elisabetana na Inglaterra. o que importa é que neles o desenvolvimento da personalidade é realmente favorecido. a guerra de todos contra todos. a deslealdade generalizada. neste caso. e muitos outros. ao contrário. Em escala menor. os indivíduos refluem as suas energias para a busca de interesses que são conflitantes com os de outros indivíduos e grupos — com os quais somente os valores ideais poderiam estabelecer uma base de colaboração — e a sociedade se dispersa numa atomização que pode beirar a anarquia.O Abandono dos Ideais escolástica dos séculos XII e XIII. entre certas seitas pseudomísticas e organizações multinacionais mostra que a sociedade moderna tem um de seus principais esteios numa complexa máquina de "reciclagem" do idealismo juvenil.O Abandono dos Ideais de improviso para atender a interesses de grupos ou organizações. mas também em todo o mundo Ocidental. O caso mais eloquente é o do jovem filho de banqueiro que abandona a mediocridade do materialismo familiar para ingressar no "ensinamento espiritual" de http://www. encontram seus mais fervorosos recrutas.org/apostilas/ideais. em proveito dos fins do Estado ou das forças políticas que o disputam. ao mesmo tempo que as promessas de sucesso na vida social e profissional postas em circulação pelos planejadores da operação garantem um eficaz retorno das tendências de banalização em proveito dos mesmos objetivos. seja pseudomístico ou pseudocultural —. como a URSS e a Alemanha nazista. políticas e espirituais mais descabidas ) e depois reverte no sentido de um enquadramento social banalizado. A situação torna-se ainda mais grave em Estados totalitários ou prétotalitários.htm (17 de 21)16/4/2007 09:11:00 . Isto se observou não somente nos Estados descaradamente totalitários. As tendências idealísticas são canalizadas em movimentos de massa — seja de caráter abertamente político. oferecendo-lhes uma miragem de valores e uma falsa promessa de ajustamento social e de participação. As ligações. quando a mobilização de massas inteiras da população para colaborar na "solução" de problemas econômicos recorre ao expediente de tentar sintetizar. hoje em dia patentes.olavodecarvalho. as duas correntes de força tendentes à exaltação imaginativa e à banalização. que esta máquina primeiro perverte pelo incentivo à exaltação ( mediante lisonjas às aspirações artísticas. e depois é reenquadrado "por baixo" ao ser mobilizado para trabalhar na gigantesca empresa de limpeza de sedes de bancos. de propriedade do mesmo Rajneesh. Eles operam de maneira ubíqua e sorrateira.olavodecarvalho. É evidente que.org/apostilas/ideais. fortemente empenhada em reduzir à proletarização a totalidade dos seus membros e na qual. todos os instrumentos de defesa espiritual e religiosa foram substituídos pelas multinacionais da pseudomística e todos os instrumentos de defesa cultural pelo vozerio onipresente e obsedante das comunicações de massa.htm (18 de 21)16/4/2007 09:11:00 . ademais. primeiro excitando. http://www. um simulacro de auto-realização tende a oferecer uma falsa alternativa de solução para o conflito entre as tendências de exaltação e banalização. pelas promessas ou ameaças. com toda a fúria e o desespero de um náufrago. depois desviando. ocultamente orquestrado e dirigido.O Abandono dos Ideais Rajneesh. pode agarrar-se a este simulacro. lisonjeando. reciclando e reaproveitando para seus próprios fins todos os ideais juvenis. nesta sociedade. O número destes mecanismos circulares em operação na nossa sociedade é muito elevado. a comprimem e a dilatam. nestas circunstâncias. por um sinistro grupo de planejadores sociais. colocada sob a pressão esmagadora e multilateral das forças que. ora para o ajustamento banalizado. ora para a exaltação imaginativa. pervertendo. A alma. com a desumanização brutal da população e a redução da vida social a um jogo cego de interesses mesquinhos em disputa. Numa sociedade empobrecida. desde o topo. mesmo os que lhes são mais hostis em aparência. o drama acima descrito atinge um máximo de intensidade que deixa entrever nada menos que um desenlace trágico. pela lisonja ou pela acusação. O Abandono dos Ideais Por todos os meios, esta sociedade espremerá como entre os dois dentes de um alicate todos os talentos e ideais nascentes, até esmagá-los e subjugá-los à bestialidade dominante. No entanto, apesar das pressões maciças e de todos os atrativos corruptores, a inteligência humana, por sua natureza mesma, continua essencialmente livre e capaz de objetividade e universalidade. E se é fato que "chegará o momento em que cada um, sozinho, privado de todo contato material que possa ajudá-lo em sua resistência interior, terá de encontrar em si mesmo, e só nele mesmo, o meio de aderir firmemente, pelo centro de sua existência, ao Senhor de toda Verdade" , não é menos verdade que está somente nas mãos de cada qual dizer a este mundo sedutor e ameaçador: Latrare potest, mordere non potest, nisi volentem: "Podes latir, mas não podes morder, a não ser que eu o deseje". Mesmo as pressões mais formidáveis que o universo concentracionário impõe à alma humana, na mais temível das tiranias já conhecidas, não eximem o homem de sua responsabilidade individual. Todos aqueles em quem ainda reste um grão de consciência das metas reais e superiores da existência humana têm o dever imediato e indeclinável de estudar, conhecer e desmascarar os mecanismos do processo corruptor aqui descrito, para escapar aos falsos conflitos em que ele nos joga e às falsas alternativas que ele nos oferece. 22 NOTAS 1. F. Challaye, La Evolución, la Espiritualización y la Socialización de las Tendencias, em G. Dumas, Nuevo Tratado de Psicología, trad. Alfredo D. http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/ideais.htm (19 de 21)16/4/2007 09:11:00 O Abandono dos Ideais Calcagno, Buenos Aires, Kapelusz, 1956, tomo VI. Cap. III, p. 76. — Voltar 2. Sobre a importância psicopedagógica do ideal, v. L. Riboulet, Rumo à Cultura, trad. Maurice Teisseire e Antonio Fraga, Porto Alegre, Globo, 2a. ed., 1960, Cap. I. Voltar 3. Igor A. Caruso, Análisis Psíquico y Sintesis Existencial, trad. Pedro Meseguer, S. J., Barcelona, Herder, 1954, Cap. II. Voltar 4. Cf. Maurice Pradines, Traité de Psychologie Générale, 3e. éd., Paris, P.U.F., 1948, t.I, I-1. Voltar 5. Paul Diel, La Divinité. Étude Psychanalytique, Paris, P.U.F., 1950, e sobretudo Le Symbolisme dans la Mythologie Grecque, Paris, Payot, 1966. Voltar 6. Não é preciso dizer que esse sentimento é fartamente explorado pelos aproveitadores de toda sorte: o desejo de aprovação torna o jovem particularmente vulnerável à lisonja, e a adulação hipócrita da revolta juvenil é hoje um dos pilares da política e do comércio. Voltar 7. É interessante comparar isto com o tema da "revolta degradada contra um mundo degradado", assinalado por Lukács e Goldmann no romance do século XIX, onde aparece toda uma galeria de jovens exaltados, como Raskolnikoff ( Crime e Castigo ), Julien Sorel ( O Vermelho e o Negro ), Lucien de Rubembré ( Ilusões Perdidas ). V., a respeito, Lucien Goldmann, Pour une Sociologie du Roman, Paris, Gallimard, 1964. Voltar 8. Muito do atrativo da escola Gurdjieff, neste sentido, reside no ambiente de "secretude quase beatífica" em que se envolvem os ensinamentos do mestre, como bem assinalou Whitall N. Perry ( Gurdjieff in the Light of Tradition, Bedfont, Perennial Books, 1978 ). As escolas gurdjieffianas e afins têm toda uma requintada tecnologia para esta finalidade. Voltar 9. Do mesmo modo, várias seitas pseudomísticas, como veremos adiante, têm meios de canalizar em proveito próprio estes impulsos de rejeição do idealismo. Voltar 10. V. Olivier Reboul, A Doutrinação, trad. rev. Heitor Ferreira da Costa, São Paulo, Nacional, 1980, p.88. Voltar 11. William Sargant, apud Reboul, loc. cit.. Voltar 12. Id. ibid. Voltar 13. V. Flo Conway and Jim Siegelman, Snapping — America's Epidemic of Sudden Personality Changes, New York, Delta Book, 1979, principalmente caps. 1, 9, 10, 11 e 12. Voltar 14. William Sargant, A Possessão da Mente. Uma Fisiologia da Possessão, do Misticismo e da Cura pela Fé, trad. Klaus Scheel, Rio, Imago, 1975, p. 25. Voltar 15. Id. ibid. Voltar 16. Caruso, loc. cit. Voltar 17. Uso a expressão "sentido da vida" não num sentido vago e poético, mas na acepção rigorosa que lhe dá Viktor Frankl em The Will to Meaning, New York, New American Library, 1970. Voltar 18. Challaye, op. cit., p. 77. Voltar http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/ideais.htm (20 de 21)16/4/2007 09:11:00 O Abandono dos Ideais 19. Théodule Ribot, Psychologie des Sentiments, cit. em Challaye, op. cit., p. 78. Voltar 20. Ribot, loc. cit. Voltar 21. Challaye, loc. cit. Voltar 22. J.c., "Quelques remarques sur l'oeuvre de René Guénon", em Études Traditionnelles, 52e. Année, 1951, ns. 293-294-295, p. 307. Voltar Home - Informações - Textos - Links - E-mail http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/ideais.htm (21 de 21)16/4/2007 09:11:00 Pensamento e atualidade de Aristóteles - primeira aula Apostilas do Seminário de Filosofia - 4 Pensamento e atualidade de Aristóteles PRIMEIRA AULA Casa de Cultura Laura Alvim, Rio de Janeiro, 15 de março de 1994. Transcrição de: Heloísa Madeira João Augusto Madeira e Kátia Torres Ribeiro 1 parte a Nesta primeira aula, serão colocadas as premissas e métodos que vamos desenvolver em seguida. Tudo o que vamos expor aqui é baseado não só nos textos de Aristóteles como nos dos autores de estudos aristotélicos http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/pensaris1_1.htm (1 de 30)16/4/2007 09:11:33 Pensamento e atualidade de Aristóteles - primeira aula já relacionados no Documento Auxiliar II. O esquema-padrão das introduções a Aristóteles. Existem muitas maneiras de fazer uma exposição introdutória da obra de um filósofo. Mas, com relação a Aristóteles, existe uma certa fórmula que é adotada em quase todos os livros: colocar uma introdução biográfica, uma segunda introdução de ordem filológica que dá a composição da bibliografia do autor, e depois a exposição de sua filosofia de acordo com uma ordem que está consagrada há mais de dois mil anos: 1) Obras e doutrinas lógicas. 2) Obras de Física — de um lado a filosofia da natureza de um modo geral, na qual o que hoje chamamos de Física seria apenas uma parte, abrangendo também Geografia, Geologia, Astronomia, Meteorologia etc.; de outro a Biologia, com a Psicologia como uma sua parte ou extensão. 3) Tratado de Metafísica — por ele chamada de Teologia, e também de Ontologia e Filosofia Primeira. 4) Ética e Política. 5) Poética e Retórica. http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/pensaris1_1.htm (2 de 30)16/4/2007 09:11:33 Pensamento e atualidade de Aristóteles - primeira aula Muitos livros sobre Aristóteles seguem na sua exposição rigorosamente esta ordem. É a que foi adotada no século I a.C. para a ordenação dos escritos aristotélicos por Andrônico de Rodes. Desde o momento em que essa ordem se consagrou, foi adotada não só para todas as reedições dos escritos mas também para a maioria das exposições da filosofia aristotélica. Sempre que um esquema desses se consolida, vira uma espécie de cacoete e nos induz a ver as coisas sempre pelos mesmos lados. Aristóteles estaria completando, se vivo, 2400 anos de idade, tempo mais que suficiente para se consagrarem a seu respeito erros e confusões de toda espécie que, sacramentados pela antiguidade, podem se tornar verdades inabaláveis. A filosofia, atividade da consciência individual. À medida que passa o tempo e que as várias tradições vão cristalizando a nossa maneira de ver o filósofo, se torna mais difícil sair de dentro delas para encarar esse filósofo com uma visão pessoal. Ora, em filosofia tudo o que não é visão pessoal não tem valor nenhum. Se há alguma coisa que distingue a filosofia das demais formas de saber, é o caráter radicalmente pessoal, individual das suas especulações. Nisto, ela difere totalmente de todas as demais formas de conhecimento, nas quais o consenso coletivo tem uma importância decisiva. Não concebemos uma ciência, no sentido em que hoje se emprega esta palavra, exceto como http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/pensaris1_1.htm (3 de 30)16/4/2007 09:11:33 Pensamento e atualidade de Aristóteles - primeira aula um sistema que vai sendo construído aos poucos, com contribuições de várias proveniências, e que vai se fechando numa espécie de edifício, num sistema das verdades científicas admitidas ou consagradas. De modo que, se num determinado momento um indivíduo enuncia uma tese, uma teoria que contrarie flagrantemente o sistema admitido, ele terá de argumentar muito bem, pois estará desafiando o consenso, compartilhado por toda a comunidade científica. É claro que nem todas as teorias científicas admitidas gozam de um consenso assim unânime, mas em geral é assim que as coisa se dão nesse setor. Se formos para outro setor do conhecimento — a religião —, esta também é uma elaboração coletiva, e toda e qualquer prática religiosa subentende que um certo corpo de crenças é aceito como verdade uniformemente por toda a comunidade dos crentes. Subentende-se que o dogma — católico, judeu, mussulmano etc. — é entendido e admitido de maneira mais ou menos uniforme. O dogma é uma interpretação consensual do sentido das Escrituras. Sócrates e o protesto da consciência individual ante o consenso social Comparada ao que hoje chamamos de ciência, ou de religião, a filosofia se destaca por não haver nela a necessidade desse tipo de consenso e por requerer uma participação individual muito mais profunda. Desde o início, vemos que a filosofia nasce como o protesto de um indivíduo contra um consenso estabelecido. Este indivíduo chama-se Sócrates. Ele defronta-se com um conjunto de crenças e hábitos mentais e http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/pensaris1_1.htm (4 de 30)16/4/2007 09:11:33 Pensamento e atualidade de Aristóteles - primeira aula intelectuais, admitidos como válidos no seu meio e cultivados pelos indivíduos que eram a máxima expressão da cultura do tempo — aqueles que hoje chamamos sofistas. Eram professores de Retórica que iam de cidade em cidade procurando os jovens membros da classe dominante para lhes ensinar a arte da Retórica, com a qual poderiam ingressar na carreira política. A educação grega consistia fundamentalmente de três coisas: ginástica, música e retórica. O ensino da retórica, prosseguindo durante séculos, tinha consagrado na classe dominante grega uma série de convicções e hábitos mentais. Um indivíduo isolado, que não dispõe de qualquer projeção pública peculiar, não exerce cargo público, não participa da política, que era apenas um soldado aposentado e se dedicava à arte da construção civil, um pequeno empreiteiro — este é Sócrates. Na juventude tinha sido mais ou menos famoso como soldado, algo como um herói de guerra. Mas, na maturidade, era um mero cidadão privado, que não era professor de nada, que não era político e estava rigorosamente fora da vida intelectual da época. É este indivíduo que, falando exclusivamente em seu próprio nome e sem poder alegar nenhuma autoridade, começa a questionar certas convicções estabelecidas, e não só questiona, mas desenvolve um método para interrogar as crenças estabelecidas e mostrar, ou que são contraditórias, ou que não têm base suficiente. O sentido da frase famosa "Só sei que nada sei" é irônico — significa que, se ele nada sabe, os outros sabem menos ainda. Duas maneiras de dar coerência http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/pensaris1_1.htm (5 de 30)16/4/2007 09:11:33 Pensamento e atualidade de Aristóteles - primeira aula às nossas crenças. A filosofia surge desse esforço de um indivíduo em particular para dar coerência às suas crenças. Podemos estabelecer a coerência de um corpo de crenças por duas maneiras contrárias. Uma delas é quando, pela prática repetida e pelo hábito, vamos harmonizando estas crenças com os nossos atos, com nossos hábitos e expectativas, também com as expectativas e hábitos dos outros e sobretudo com a nossa autoimagem. De modo que, estando habituados a viver dentro dessas crenças, elas se tornam coerentes com o tom geral da nossa vida e por isto nos parecem coerentes em si mesmas e coerentes umas com as outras. Isto é, da unidade da nossa auto-imagem costumeira deduzimos erroneamente a unidade das nossas crenças. A outra maneira de coerenciar as crenças é a filosófica. Significa confrontá-las teoricamente umas com as outras. Quando começamos a fazer isto, vamos ver que a nossa prática se assenta numa série de pressupostos contraditórios, que se desmentem uns aos outros. Isto, evidentemente, pode nos causar um certo espanto e nos deixar inseguros, derrubando uma auto-imagem tão laboriosamente construída.. De fato, Sócrates deixava as pessoas tão inseguras, que o compararam a uma enguia, um peixe-elétrico. Quem encostava nele levava um choque, pois ele demonstrava que as crenças mais comuns, tidas como coerentes e admitidas por todos, eram contraditórias umas com as outras e frequentemente autocontraditórias, quer dizer, intrinsecamente absurdas. Ele mostrava, por trás de uma ordem prática, uma desordem teorética. http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/pensaris1_1.htm (6 de 30)16/4/2007 09:11:33 Pensamento e atualidade de Aristóteles - primeira aula Como a contradição se introduz nas crenças que sustentam a nossa prática? Através da nossa própria vontade. Quando queremos acreditar em determinadas coisas, porque nos interessam ou nos fazem bem psicologicamente, tratamos de forçar as idéias para que convivam umas com as outras, ainda que, pelos seus conteúdos respectivos, sejam de fato incoerentes entre si. Fazemos isto constantemente. Quem já se submeteu a algum tipo de psicanálise tem um idéia de até que ponto podemos mentir a nós mesmos, para sustentar um falso sentimento de coerência e integridade da nossa auto-imagem, justamente nos momentos em que nossa personalidade está mais dividida. Quanto mais incoerentes são nossas crenças, maior é o esforço de nossa vontade no sentido de dar um simulacro de coerência àquilo que não tem. Ora, se um indivíduo consegue fazer isto, quanto não conseguirá a coletividade? Nesta, você recebe o reforço de seus semelhantes e é protegido pela idéia de que, se erra, não erra sozinho, e de que tantos juntos não poderiam errar de maneira alguma. O auto-engano coletivo é mais eficiente do que o individual. Quando vemos, no decurso do tempo, as mudanças de orientação da mentalidade coletiva, surpreendemo-nos com a sua volubilidade, com a sua leviandade. Como as pessoas mudam rapidamente de crenças sem sequer examinar as anteriores! Quantos ex-comunistas não gerou a queda do muro de Berlim, que, sem se sentirem abalados, giraram o botão da sua máquina de opinar e saíram com um novo discurso, falado com o mesmo tom de certeza do anterior discurso comunista? O sujeito abandona uma crença por outra sem um exame pessoal, mas apoiandose em um novo consenso público. O consenso também tem suas http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/pensaris1_1.htm (7 de 30)16/4/2007 09:11:33 ideológico.a ideologia reinante —. — que se levanta a exigência filosófica. velho ou novo. recorremos a uma espécie de reforço psicológico que ajuda a dar uma impressão de coerência àquilo que não tem nenhuma. mas apenas a intelectualidade. mas na verdade consenso é consenso.org/apostilas/pensaris1_1.primeira aula mudanças. e ele também junto com todos. Este movimento inicial do qual nasce a filosofia é repetido de tempos em tempos. Ele vivencia esta insegurança de perceber que talvez todos estejam enganados.Pensamento e atualidade de Aristóteles . de um impulso de honestidade fundamental no sentido de dar às idéias uma coerência efetiva e uma fundamentação mais sólida. É justamente face a esse consenso coletivo — que pode ser político. Entende-se aqui que este consenso não abrange literalmente todos os membros da coletividade. onde quer que surja uma nova filosofia vigorosa e digna de atenção. e quando simplesmente nos acomodamos às novas modas temos a impressão de estar nos renovando ou tornando mais autênticos. isto é. Sempre que nos apoiamos no consenso público. religioso. É essa exigência de uma fidelidade mais profunda à nossa consciência de veracidade que é representada por Sócrates. Novamente faz a experiência de saber que não sabe. é sempre coletivo e fundado na imitação. face a um consenso social que finge que sabe. moral etc. oscila entre a força do hábito e a força da moda. Ela parte de uma necessidade interior. aqueles que representam publicamente o papel de porta-vozes do consenso.htm (8 de 30)16/4/2007 09:11:33 .e a vida http://www. Isto quer dizer que nem sempre há um acordo explícito entre o consenso —. Cada novo filósofo que seja digno do nome se defronta inicialmente com uma perplexidade que nasce da constatação da incoerência do consenso.olavodecarvalho. as formas de organização da economia. que chegou a propor formalmente a redução de toda vida intelectual à moda intelectual. o pessoal das ciências. Nossa época é tão canalha que não apenas confunde maliciosamente a busca da verdade com o esforço de renovação social. O consenso. não devem ser confundidos com o movimento da consciência individual que reage ao consenso para buscar a verdade. tal como ela aparece na ocasião. inversamente.org/apostilas/pensaris1_1. essa classe é constituída fundamentalmente de clérigos. Antonio Gramsci. é menos limitante e escravizador para a consciência individual nas épocas de tradicionalismo do que nas de renovação. fazendo da adesão a certas modas políticas a conditio sine qua non da vida intelectual. somado à http://www. de tradicionalismo. A renovação do consenso . Hoje em dia. Cada época da história tem um corpo de crenças que é admitido pela classe letrada. um sucedâneo do autêntico pensamento filosófico.Pensamento e atualidade de Aristóteles . de fato. em lugar da vida intelectual. as leis e instituições. as épocas de conflito entre o consenso ideológico e a esfera da vida prática são épocas de renovação. porque o consenso tradicional se apresenta declaradamente como uma força conservadora.htm (9 de 30)16/4/2007 09:11:33 . é a chamada comunidade acadêmica. Na Idade Média. à produção coletiva da ideologia revolucionária. fazem parte da história ideológica da sociedade. e a luta para mudar a sociedade em nome do novo consenso. e. As épocas em que existe esse acordo são épocas de conservadorismo. fácil de identificar e criticar. etc.olavodecarvalho. ou de revolução. oferecendo aos homens. ao passo que o consenso renovador ou revolucionário funciona como um Ersatz. as modas intelectuais que os desviam de todo esforço pessoal. mas houve até mesmo um sujeito tido como filósofo.primeira aula social. não pára nunca.olavodecarvalho. Isto quer dizer que o movimento filosófico é inicialmente um movimento crítico. TV. A filosofia só parará quando chegarmos a um corpo de crenças absolutamente certo a respeito de tudo o que existe. A filosofia aparece e desaparece de tempos em tempos. continuaremos sempre formando novos corpos de crenças. veremos que o número de filosofias http://www.primeira aula turma das comunicações: imprensa. ela não é ininterrupta. A filosofia aparece no instante em que algum indivíduo percebe. Esta é uma atividade perene do espírito humano. só Deus podendo realizar algo assim. mas perdendo o seu teor crítico e tendendo a cristalizar-se em pensamento rotineiro. com o crescimento da humanidade. nesse corpo de crenças. o movimento de uma crítica que deverá servir de base a uma reconstrução de novas crenças. Como isto é evidentemente utópico. uma incoerência profunda e se sente inseguro e na necessidade de reconstruir aquilo em novas bases. e surge a necessidade de uma nova filosofia. Isto quer dizer que. a ampliação do círculo de informações. os novos parâmetros que ele estabelece duram algum tempo. Raridade das filosofias autênticas Se procurarmos na História. em mera ideologia. embora a filosofia seja uma atividade interminável. Até que.org/apostilas/pensaris1_1. que terão novos pontos de incoerência que necessitarão de um exame filosófico. mas intermitente. Quando um filósofo faz isto com sucesso. movimento editorial. as crenças começam a entrar novamente em contradição. A comunidade tem sempre um corpo de crenças que não é discutido e que serve como padrão de julgamento das novas idéias que surjam.Pensamento e atualidade de Aristóteles .htm (10 de 30)16/4/2007 09:11:33 . Podemos considerar que este movimento que vai de Sócrates até Aristóteles. o Cristianismo. depois de Aristóteles.htm (11 de 30)16/4/2007 09:11:33 . Schelling tem Hegel e Husserl tem Heidegger. Tomás tem Duns Scott. Isto quer dizer. Colocaremos. que a filosofia não surge a qualquer momento. Leibniz. etc. — nestas horas a filosofia decai. eu destacaria estes. por assim dizer. quando o surgimento de um novo tipo de crença. e isto é rigorosamente tudo: o repertório essencial das idéias. torna-se. Leibniz tem Kant. Descartes. onde todos os problemas discutidos por todos os demais estão embutidos. Sto. É o que acontece. ou complementar oposto. o desenvolvimento de uma filosofia única. Wronski. Se fosse necessário resumir toda a história da filosofia em poucos nomes. Cada um desses teve uma sombra. fundador da fenomenologia. Tomás de Aquino. Locke. desnecessária.Pensamento e atualidade de Aristóteles . por exemplo da tradição religiosa. O resto é comentário ( descontando. Nos intervalos entre eles entram os estóicos. passando por Platão. bastou para http://www. da ciência.olavodecarvalho. que se fecha. Nas horas em que as crenças coletivas estão funcionando perfeitamente bem e onde as contradições internas que possam existir nelas estão ainda latentes e não chegam a causar perplexidade. ). é como se fosse uma curva única. nos primeiros séculos da era cristã. Eu colocaria como outros marcos na história do pensamento. as idéias que vêm desde fora da filosofia.primeira aula verdadeiramente criadoras é relativamente pequeno. o aristotelismo entre elas. do pensamento político.org/apostilas/pensaris1_1. evidentemente. Schelling e Edmund Husserl. por assim dizer em Aristóteles e consegue durar um certo tempo. também. cujo contraste ajuda a compreendê-los: o trio Sócrates-Platão-Aristóteles tem Agostinho. é claro. por exemplo. a unidade de um organismo vivente. que nasce da perplexidade. Porque a filosofia parte da tentativa de unificar a totalidade da experiência humana. ao passo http://www. e sendo um movimento que parte de uma consciência individual. etc. de critério de verificação e de correção. é unificação.htm (12 de 30)16/4/2007 09:11:33 .e começa a tentar completá-las. Não haveria tempo de fazer isto coletivamente. Um dos motivos disto é que a filosofia é coerenciação. Daí surge um movimento filosófico dentro do Cristianismo. a troca de idéias. Sendo então a filosofia um movimento essencialmente crítico. e só o indivíduo tem em si uma unidade real. por exemplo.sobretudo lacunas e contradições na interpretação das Escrituras —. suas idéias com sua conduta — sua conduta com suas crenças estabelecidas — estas com seus sentimentos — estes com suas sensações corporais etc. a possibilidade de unificar perante uma consciência o conjunto das informações acessíveis naquele momento a um ser humano.olavodecarvalho. o movimento decisivo se dá sempre no âmbito de um só indivíduo. todas as dimensões da vida humana e que é capaz de imediatamente confrontar. o movimento de que parte a filosofia supõe que exista. possam ser importantes na filosofia. Embora o diálogo. A filosofia e o pensamento coletivo.org/apostilas/pensaris1_1.primeira aula atender às necessidades intelectuais das pessoas durante alguns séculos.Pensamento e atualidade de Aristóteles . o próprio Cristianismo começa a perceber suas deficiências internas —. Com o tempo. dentro de você. Ou seja. e isto só pode ser feito dentro do indivíduo que tem em si. a título de estímulo. juntas e coesas. poderíamos perguntar: Seria possível uma filosofia coletiva? A resposta é decididamente não. que por sua vez vai necessitando de uma tradição de interpretação e de um conjuntto de esquemas de transmissão daquilo às novas gerações. com o tempo. etc.. você vai ver a elaboração de uma espécie de pensamento coletivo. Isto faz com que a filosofia também se torne. e algumas delas incomunicáveis. Penetrar no universo desta filosofia universitária é mais ou menos como penetrar em qualquer outro meio social: partido político. uma atividade coletiva. nos torna cegos para a importância decisiva da consciência individual. Logo se vê que as pessoas que estão ali dentro têm certos hábitos mentais. Assim também o meio filosófico universitário. formando uma vasta bibliografia. fazendo delas entes quase que fisicamente reais. As formas socialmente consolidadas dessa atividade influem.org/apostilas/pensaris1_1. numa faculdade de filosofia hoje.htm (13 de 30)16/4/2007 09:11:33 . certas reações reflexas. mas é também o nome de uma disciplina escolar. "Consciência coletiva" é uma força de expressão. igreja. cacoetes que marcam aquela comunidade. a classe. então. a nação. grupo de psicoterapia. A filosofia como instituição e meio social. modos de falar. acadêmica. http://www. distinguindo os de dentro e os de fora. Aí temos um outro problema. que se registra em textos que vão sendo acumulados. e não o nome de um ente real. Por exemplo.primeira aula que toda coletividade é um aglomerado de parcelas bastante separáveis.olavodecarvalho. A filosofia não é só o nome de uma prática intelectual como esta que estou descrevendo. e acabamos esperando passivamente que a "consciência coletiva" faça o serviço em nosso lugar. sobre o próprio conteúdo do pensamento filosófico.Pensamento e atualidade de Aristóteles . A tendência a hipostasiar a sociedade. o dinamismo da filosofia independe da sua forma social de organizar-se. e que. a reflexão pessoal.primeira aula O leigo que vem de fora vai gastar bons anos de sua vida somente para adquirir este conjunto de reações que fará com que ele se sinta um membro da comunidade. que aprisionarão as mentes individuais dentro de certos esquemas de que não poderão livrar-se nunca. sobre o Departamento de Filosofia da USP. a história prova que ela não depende de nenhum deles. então a reflexão pessoal fica impossibilitada. E o que isto tudo tem a ver com filosofia? Rigorosamente nada. que tanto se faz boa e má filosofia numa hierarquia de clérigos como num grupo informal de amigos. enfim. Por exemplo: saiu recentemente um livro cujo autor é Paulo Arantes. É por influência dessa base social de atuação que se formarão estilos coletivos de pensamento.olavodecarvalho.org/apostilas/pensaris1_1.htm (14 de 30)16/4/2007 09:11:33 . porque embora a filosofia sempre necessite de algum veículo social para existir. porque o que deveria livrá-los disto é exatamente a filosofia. numa organização acadêmica como numa sociedade esotérica. a que o império dos meios sobre os fins os impede de chegar. quando está apenas assimilando a casca sociológica necessária a que a filosofia como prática social continue existindo. Ele mostra que cinco décadas de reflexão filosófica na USP na verdade foram um eco de um conjunto de cacoetes mentais aprendidos com os primeiros professores que por ali passaram. http://www. O livro chama-se Um Departamento Francês de Ultramar — título de assombrosa exatidão. e ao fazer isto estará crente de estar aprendendo filosofia. ou seja. Se a reflexão pessoal é desde o início canalizada por um conjunto de reações mentais quase inconscientes. que equalizam o indivíduo com os demais membros da comunidade.Pensamento e atualidade de Aristóteles . por sua vez. E Sócrates. e a aquisição disto é muito mais trabalhosa para a psique humana do que a cópia direta do que é visto. Isto não o tornava um indivíduo mais aceitável em determinado meio. Mas evidentemente tudo isto não tem rigorosamente nada a ver com filosofia. corre-se o grande risco de fazer com que o ingresso nesse meio requeira um investimento psicológico demasiado grande. Alguns.. Interessa é que na hora em que o ensino se organiza coletivamente. aliás. Quando este meio é. excelentes filósofos. a absorção dos cacoetes é mais difícil. abstratos. e é por isto mesmo que ele podia filosofar livremente. a quem podia copiar? Em que meio ele estava procurando integrar-se? Que hábitos mentais ou cacoetes verbais ele estava procurando aprender para parecer filósofo? Ele simplesmente fazia o melhor que podia. mais ou menos internacional e a convivência não é direta. A partir do momento em que se forma um ensino mais ou menos regular de filosofia — o que acontece nessa época. assim como a embalagem de pizza não tem nada a ver com pizza. homem de primeira grandeza. na Academia Platônica e depois no chamado Liceu de Aristóteles (que na realidade http://www. que escreveu um livro que é lido pelo primeiro —-.de artigos de um que são lidos por outro. porque se trata de cacoetes.primeira aula todos de origem francesa. quando filosofava. como Etienne Souriau. Não é fácil você se integrar num novo meio. Mas não interessa que o mestre seja grande. por assim dizer.olavodecarvalho. tão grande ou maior do que o necessário para chegar à filosofia mesma.Pensamento e atualidade de Aristóteles . usando a sua cabeça para refletir sobre certos assuntos. é feita mais através de papéis que se trocam —. faculdades etc.org/apostilas/pensaris1_1.htm (15 de 30)16/4/2007 09:11:33 . se institucionaliza através de institutos. org/apostilas/pensaris1_1. a imprensa cultural. pois o decisivo nela não são as qualidades que fazem um filósofo.olavodecarvalho. etc. às vezes a sufoca. a filosofia começa a constituir um meio social. as fofocas. que no seu tempo só havia dois legítimos espíritos superiores entre os universitários franceses: Alexandre Kojève e Éric Weil. É o sujeito que tem poder ou influência sobre o meio acadêmico. a indústria editorial. Mas o prestígio deles não se compara ao de um Sartre. estreitamente ligada ao meio editorial. e sim as que fazem um hábil manejador social. que às vezes promove a filosofia. Toda uma gordura mental que cerca a carne e o sangue da filosofia. mas isto não é necessário para o exercício da função. Em todo caso. a competição mesquinha. e que funciona como um guarda de trânsito. por exemplo. eficácia e poder.htm (16 de 30)16/4/2007 09:11:33 . Raymond Aron diz. Estes aspectos geralmente são desdenhados. e que passa por filosofia. Nesse meio.primeira aula veremos que não existiu efetivamente como entidade autônoma. mas eles nos dão o tom do pensamento do nosso tempo.Pensamento e atualidade de Aristóteles . que é de natureza política sobretudo. Dois jornalistas que fizeram um estudo a respeito do meio acadêmico e editorial parisiense disseram que a organização moderna da vida intelectual criou um novo tipo de intelectual. O intelocrata pode ser também um intelectual de valor. os melhores saem quase sempre perdendo. de um Merleau-Ponty. o intelocrata. pois dedicam suas energias à filosofia em detrimento da carreira. a competição no meio profissional não é propícia ao desenvolvimento da filosofia. Essa organização constitui uma máquina. ou mesmo ao de cabeças-dehttp://www. sendo apenas um novo setor da Academia. dirigido por Aristóteles após a morte de Platão) —-. onde a organização acadêmica da atividade filosófica chegou a um máximo de abrangência. abrindo ou fechando o caminho às novas ambições. e surgem as invejas. Aristóteles domina-a prontamente e começa a especular teoricamente. e alguns levavam a vida inteira para dominar esta arte.htm (17 de 30)16/4/2007 09:11:33 . Veremos que no destino do aristotelismo pesaram muito esses fatores que mencionei. Mais ainda. com dezoito anos de idade. A Retórica de Aristóteles no ambiente mental grego.org/apostilas/pensaris1_1. que era a chave das ambições políticas. Se isto se passa assim num país de tradição filosófica como a França. logo se destacou como um dos melhores alunos e foi incumbido de dar uma parte das aulas. Porque a Retórica até então era apenas transmitida como técnica. Sócrates via que os oradores. sendo a Retórica — curso que ele dava — a ciência teorética que investiga a arte da persuasão. políticos. como prática. o curso de Retórica. imagine então no Brasil. Isto consiste em perguntar: "Por que o argumento persuasivo é persuasivo?" e mesmo: "Por que um argumento logicamente fraco ou absurdo convence as pessoas. muito disseminada na época. Quando Aristóteles entrou para a Academia Platônica.primeira aula toucinho como Althusser ou Bernard-Henry Lévy.Pensamento e atualidade de Aristóteles . Este sucesso inicial foi recebido como um insulto pessoal por muitos dos seus colegas. http://www. e outro que é razoável não as convence?" Aristóteles começa sua carreira examinando a Retórica. A influência do meio social imediato no destino das filosofias é importante para compreendermos o lugar de Aristóteles no ambiente grego.olavodecarvalho. ele logo dominou esta ciência. e foi um dos primeiros a fazer dela uma especulação teórica. exatamente como Sócrates havia feito. os dois papéis que mais tarde seriam denominados retor e retórico: o praticante da arte. literários e retóricos na maior parte segundo parece. que desmontava todos os argumentos deles com a maior facilidade. na juventude. mas o maior retor e retórico do mundo romano. Marco T. conhecendo por um lado a técnica. e já tendo. e não consigo conceber que esta hostilidade não tenha pesado em alguma coisa entre as causas da dissolução do aristotelismo logo após a morte de Aristóteles. Personalidades http://www.primeira aula conseguiam persuadir as pessoas às vezes de coisas perfeitamente absurdas. um primeiro passo além. Cícero. por mais persuasivas que parecessem. o homem que escreve ou fala bem. por outro. Começa a investigar as causas dessa persuasividade. Isto significa que. algumas idéias científicas sobre o fenômeno da persuasividade. Aristóteles já dá.htm (18 de 30)16/4/2007 09:11:33 .Pensamento e atualidade de Aristóteles . Ora. ele tinha-se tornado uma espécie de terror dos retóricos. mas também conhecia os princípios teóricos em que se baseava a persuasividade dos adversários. ajuda a explicar o ambiente de hostilidade que se formou em torno dele desde muito cedo. os cita como exemplos de elegância e persuasividade. com vinte e poucos anos. não chegaram até nós. Seus escritos de juventude. muito jovem.org/apostilas/pensaris1_1. e formula a ciência da Retórica como uma verdadeira Psicologia da Comunicação. O livro de Retórica de Aristóteles é um dos grandes livros livros de Psicologia que a humanidade conheceu.olavodecarvalho. Aristóteles sintetizou na sua pessoa. Sócrates limitou-se a demonstrar que essas idéias eram absurdas. e o cientista que estuda e formula a teoria da Retórica. Tudo isso. Aristóteles não apenas sabia produzir argumentos persuasivos. aliado à mordacidade de certas réplicas de Aristóteles. era a única atividade do próprio Deus. e na sua famosa Carta Sétima declara que a obra de sua vida seria uma reforma política da Grécia. Para Aristóteles. vemos que Aristóteles difere de Platão e se aproxima muito de Sócrates.org/apostilas/pensaris1_1. O Deus aristotélico é um Deus cuja atividade é inteiramente de ordem teorética. Aliás.primeira aula de Platão e Aristóteles. buscar compreender. vê. contempla. Sendo assim. Ele colocava esta atividade teorética —. e pela sua total dedicação ao saber enquanto tal.Pensamento e atualidade de Aristóteles .olavodecarvalho. Arthur Lovejoy. Nesta confrontação. pela sua total falta de ambição de interferir na ordem das coisas deste mundo. Aristóteles não tinha ambições políticas.a palavra "teorético" vem do verbo theorein. Porque. como disse um grande historiador da Filosofia. O Deus de Aristóteles. que quer dizer olhar. confrontá-los é uma das principais ocupações da mente ocidental há dois mil anos. esta confrontação de temperamentos é uma das coisas mais esclarecedoras quanto a todo o rumo posterior do pensamento ocidental. tentou reformar o mundo. contemplar — tão acima das outras que. Mas Aristóteles era um temperamento completamente diferente. desde que o nosso pensamento é sustentado por estas duas grandes colunas. "toda a história do pensamento ocidental não é nada mais que um conjunto de notas de rodapé a Platão e Aristóteles". não havia ocupação mais digna do homem do que buscar conhecer. no entender dele. ao contrário de Platão. compreende. e nós vivemos dentro http://www.htm (19 de 30)16/4/2007 09:11:33 . Nesta confrontação. inspirou revoluções e golpes de Estado. Por outro lado. Duas personalidades de imensa envergadura que marcarão não apenas dois estilos de pensar. Deus olha. Este sempre tentou interferir na política. os traços de personalidade são muitíssimo importantes. mas dois estilos de ser. ver. rico. Deus age. Este. a força do preconceito grego contra o estrangeiro. A cidade de Estagira. Ele chega a Atenas. aquela instantaneidade própria da inteligência — o ato de intelecção é instantâneo. num meio aristocrático o dinheiro.Pensamento e atualidade de Aristóteles . atlético. vamos ver que Platão era um filho da nobreza grega. era de origem estrangeira.primeira aula desta atmosfera intelectual divina. pois não supõem a mediação de um instrumento. Mas em primeiro lugar. onde nasceu.org/apostilas/pensaris1_1. Prosseguindo na confrontação. em Atenas não tinha direito a nada. Tinha dinheiro para se sustentar sem precisar trabalhar.olavodecarvalho. 24 já é um sucesso lá dentro. de algum modo. e portanto. era uma colônia macedônica. depois da morte dos pais. um homem que desde a juventude foi cercado de admiração. Estava pior do que um turco em http://www. Herdou certa quantidade de dinheiro que lhe permitiu ser independente. por volta dos dezoito anos. mas na forma da pura contemplação.htm (20 de 30)16/4/2007 09:11:33 . num país como o Brasil onde o estrangeiro é tratado como príncipe e o compatriota como um cachorro. e assim também os atos divinos. ao contrário. Fica difícil imaginar. Entra na Academia ainda aos dezoito anos e por volta dos 23. Aristóteles. Posição social de Aristóteles. não só por sua origem — família riquíssima — mas também pela beleza pessoal. Hostilidade do meio ateniense. Aristóteles era um estrangeiro. somos pensamentos divinos. cheio de ambições. a intensidade. Para piorar. não dá ingresso nas classes superiores. Era um homem grande. por si. bonito. podendo se dedicar totalmente ao estudo. a ação de Deus tem aquela rapidez. sem chegar a ser um milionário. Nesse tempo o ensino já tinha começado grosso modo a se organizar segundo uma fórmula que duraria mais de mil anos. Também não tinha a beleza física —. e de quatro que lidam com números —.era de baixa estatura. mas não se comparavam à classe dominante. mas todas as famílias de médicos alegavam a mesma coisa.olavodecarvalho. Lugar da Retórica. Os médicos tinham posição de certo prestígio. As Artes Liberais na Academia platônica. não tinha direito a nada. Aristóteles não era membro da nobreza. Eram apenas servidores de luxo.gramática. Aristóteles. então. do ponto de vista do meio ateniense.org/apostilas/pensaris1_1. lógica ou dialética e retórica —-.primeira aula Berlim.aritmética. onde as matérias introdutórias consistiam no Trivium e no Quadrivium (conjunto de três disciplinas que lidam com a linguagem —. Além disso. e embora andasse muito elegantemente vestido jamais seria confundido com um membro da jeunesse dorée ateniense. magro. mas o estrangeiro não votava. ou Asclépio — o deus grego fundador da medicina — pelo fato de terem tido muitos médicos no correr de gerações. estrangeira. sarcástico. O simples fato de poder estar ali já era considerado um grandissíssimo favor. mas apenas descendente de uma família de médicos. http://www. era um homem de origem plebéia.htm (21 de 30)16/4/2007 09:11:33 . Seu pai tinha sido médico do rei Felipe da Macedônia e se dizia que sua família descendia do próprio deus Esculápio. muito jovem se torna o dominador da ciência da retórica e é nomeado para dar os cursos na Academia. Este estrangeiro incômodo. não participava da política.Pensamento e atualidade de Aristóteles . e que tinha entre suas características pessoais um senso de humor particularmente ácido. a importância deste fato não deve ser hipertrofiada. expressavam o fundo comum da cosmovisão mais claramente do que as formas superiores de atividade intelectual. que. depois o sujeito entrava numa das três faculdades — Direito. não conheça a fundo o simbolismo astrológico.olavodecarvalho. nesse panorama. que duravam mais ou menos dez anos de aprendizado.Trivium e Quadrivium —-. As matérias elementares eram estas. já que a retórica é apenas uma das ciências elementares.Pensamento e atualidade de Aristóteles . por exemplo. Nesta.org/apostilas/pensaris1_1.o tempo que um professor universitário brasileiro leva para chegar à aposentadoria. Por isto é que simplesmente não posso levar a sério um historiador de filosofia antiga ou medieval que. pelo Trivium e Quadrivium. as sete disciplinas não tinham individualmente os significados que têm hoje. por quase dois mil anos.htm (22 de 30)16/4/2007 09:11:33 . constituindo a base do ensino. Também não se pode esquecer que.primeira aula geometria. Na Idade Média européia. que constituía então como que uma chave da cosmovisão. o sistema adquirirá uma grande estabilidade. o tempo de aprendizado até o aluno chegar a um estado comparável ao que hoje se chama professor pleno era de aproximadamente vinte e cinco anos —. mas eram carregadas de nexos simbólicos e mitológicos que dão o seu verdadeiro sentido na cultura antiga. música e astrologia ou astronomia). O domínio destas sete disciplinas foi considerado desde a fundação da Academia de Platão até quase o ano de 1500. como condição básica para o ingresso nos estudos filosóficos. e não vejo a menor chance de um sujeito entender a filosofia antiga e medieval se não partir de um estudo das Artes Liberais —. Quando Aristóteles é nomeado professor de retórica. Medicina ou Filosofia. isto é. Os estudos começavam na adolescência. Esse sistema começa a se formalizar no tempo de Platão. porque o http://www. E não se trata só de conhecê-lo desde fora. Dentro da Academia. Com isto você fica sabendo também quais são os limites da técnica. não se rende a um estudo meramente exterior. mas é ele encontrar uma ressonância no público. considerando-se que a filosofia nasce de um movimento de oposição aos sofistas —. Isto estabelece uma distinção que será mais tarde consagrada.Pensamento e atualidade de Aristóteles . A persuasão retórica nada tem a ver com a veracidade. que facilitam a penetração naquele universo. um escritor elegante e persuasivo. o torna também um grande retor. A ressonância ou persuasividade do argumento depende exclusivamente de fatores psicológicos e sociológicos que predispõem o público a aceitálo. pois cedia lugar às disciplinas filosóficas propriamente ditas. de por que funciona. A especulação científica sobre uma técnica é ao mesmo tempo uma defesa contra esta técnica.primeira aula autêntico simbolismo. por isto. não a de encontrar a verdade. e depende também de que o retórico conheça minuciosamente esta predisposição e saiba usá-la. Mas Aristóteles não se limita a dominar a retórica. a retórica não estava entre as disciplinas mais nobres. como a autêntica poesia.olavodecarvalho. que sabe http://www. Ela é a arte de persuadir. mas requer uma compreensão personalizada. Uma coisa é dominar uma técnica. um pouco desprezada. Esta especulação que Aristóteles começa muito cedo e que o leva depois a constituir o primeiro tratado científico de retórica. Os melhores historiadores da filosofia antiga e medieval costumam ser. esta tendia a ser.professores de retórica —-. o que torna o argumento persuasivo não é ele ser verídico. aqueles que também têm interesses religiosos e estéticos. dentro da Academia. Outra é ter a noção teorética de como ela funciona. Retor é aquele que domina a técnica da retórica.htm (23 de 30)16/4/2007 09:11:33 . Aliás.org/apostilas/pensaris1_1. e faz as primeiras especulações científicas a respeito. Mas em Atenas ele sempre gozou de http://www. Platão também enfrentou dificuldades. o próprio Platão tenha determinado a Aristóteles o estudo científico dos procedimentos retóricos. hoje em dia. dando uma forma acabada ao que Sócrates tinha feito informalmente.Pensamento e atualidade de Aristóteles . em parte por esta orientação que está imprimindo a seus estudos. vendido como escravo e resgatado por seus discípulos. Platão e Aristóteles ante a opinião pública ateniense. então. sendo preso. Seria mais ou menos como dominar. em parte por ser um estrangeiro metido onde não devia. e. Mas é evidente que o estudo teorético desta técnica e a sua aplicação têm resultados completamente diferentes. De modo que há. portanto. Evidentemente o estudo teorético levaria a ver esta técnica "pelas costas" e a compreendê-la melhor do que o mero praticante.olavodecarvalho. e ainda por motivo de intrigas e invejas entre os discípulos de Platão. na Academia. a ir da persuasão à certeza apodíctica. neste movimento.htm (24 de 30)16/4/2007 09:11:33 . Aristóteles representará o ponto culminante. Suponho que. em parte por seu sucesso. e a saber também. podendo ele próprio ser um retor ou não.org/apostilas/pensaris1_1. mas no Exterior. Retórico é aquele que estuda cientificamente a técnica do retor. Como resultado. um esforço de dar mais rigor à demonstração. onde se meteu em conspirações.primeira aula fazer um discurso e ser persuasivo. neutralizá-la. a arte da propaganda e fazer um estudo científico de por quê a propaganda penetra e é aceita nas consciências. Aristóteles viverá maus bocados em Atenas. na linha de uma investigação iniciada por Sócrates. de modo a completar a superação da retórica na dialética. No entanto. e que praticamente não tinha inimigos. podendo prosseguir seus estudos sem ter que se defrontar com a política do dia. Claro que ele não dava importância. já que muitas vezes protestou contra perseguições sofridas por amigos seus. as talvez ele fosse muito discreto para lamentar em público suas desventuras pessoais. jamais chega a formar um círculo de discípulos capaz de prosseguir sua obra num sentido fiel ao seu intuito e digno do seu nível. uma celebridade cercada de honras. ao contrário. embora já não tivesse nenhuma ligação com a Macedônia há algum tempo. quando se instala mais tarde uma guerra entre Atenas e a Macedônia. os conflitos políticos o perseguem ao longo de toda a sua vida. ao morrer.primeira aula grande prestígio e. O ideal dele seria viver relativamente isolado. imperador macedônico. originário de uma colônia macedônica. oposição. alheio à atividade política. Aristóteles.org/apostilas/pensaris1_1. é perseguido e tem de fugir para o exílio. e contra a qual ele não deixa uma única palavra de lamentação ou de recriminação. que é Teofrasto. Não porque fosse insensível às injustiças.Pensamento e atualidade de Aristóteles .olavodecarvalho. enfrenta inimizades. Principalmente porquê. sendo filho do médico do rei da Macedônia e tendo-se tornado preceptor de Alexandre. Nunca encontra em Atenas senão um ambiente de relativa hostilidade. fica evidentemente numa posição suspeita. morre no exílio e nunca encontra uma repercussão pública muito grande. Aristóteles. filho de Felipe.htm (25 de 30)16/4/2007 09:11:33 . desde o início de sua vida. era como que um herói nacional. exceto um único. e um elemento constante desta vida é o contraste entre o interesse puramente intelectual deste homem e a hostilidade política e social que o cerca durante mais ou menos toda a vida. a isto pelo seu próprio temperamento. De modo que não foi uma vida fácil. http://www. envelhece e morre. dia a dia.primeira aula A intuição básica de Aristóteles: totalidade e organicidade. como a de Sócrates e dos pitagóricos. muda. geologia. Nesse sentido. etc. Após ter sido preceptor de Alexandre.Pensamento e atualidade de Aristóteles . infinitamente mais rigoroso do que o que tinha sido exigido por Platão. é a do contraste entre dois tipos de objeto do conhecimento: 1) os objetos dos sentidos que estão em permanente mutação e se fazem e desfazem diante de nós. um sentido de pesquisa que torna o seu Liceu um depósito de conhecimentos sobre todas as disciplinas possíveis e imagináveis e o torna o primeiro centro organizado de pesquisa que conhecemos na história do ocidente. Busca. vemos que tudo que ele escreveu vem de inspirações que teve na juventude e que lhe foram. das matemáticas. estabilidade. política e leis dos demais países. 2) os objetos da geometria. inoculadas por Sócrates bem pela herança pitagórica.. A intuição básica de Platão. desde o princípio. http://www.olavodecarvalho. nós mesmos mudamos. que tinham a característica da perenidade. desde o início. O espírito mais reflexivo e científico de Aristóteles faz com que ele imprima ao seu ensinamento. vida dos animais. como de resto. assim. por assim dizer. um padrão de coerência na organização dos conhecimentos. Aristóteles recebe dele um dinheiro considerável.htm (26 de 30)16/4/2007 09:11:33 . etc. constância.org/apostilas/pensaris1_1. nosso corpo cresce. que lhe permite contratar um exército de pessoas para que viajem e tragam para ele as informações de que necessita: sobre geografia. Quando estudamos a obra de Platão. nos fazemos e desfazemos. Aristóteles pôde materializar o intuito que é central em toda a sua obra — o de organizar o conhecimento e fazer com que o conjunto das ciências se torne um sistema das ciências. As relações matemáticas constituem a parte superior do que ele chama de mundo das idéias. Galileu. no fundo. uma da primeiras noções transmitidas por Sócrates.org/apostilas/pensaris1_1. Esta idéia platônica penetrará tão fundo na consciência humana que dois mil anos depois.olavodecarvalho. Descartes. Esta é a intuição básica em Platão. Por mais rico que seja o universo platônico. mas rígida. ela se reproduzia infinitamente sem que nada pudesse alterá-la ou abalá-la.Pensamento e atualidade de Aristóteles . formando um tecido enormemente complexo mas dotado.primeira aula obediência à regularidade de leis que determinam implacavelmente. De que o mundo. A obra de Aristóteles obedece desde o início a outro intuito. a estrutura invisível. vemos que todo ele não passa de uma vasta especulação em torno desta idéia que é. Toda a obra de Platão é uma construção feita em torno desta idéia básica. é de certo modo ilusório ou falso — não totalmente.htm (27 de 30)16/4/2007 09:11:33 . de origem pitagórica: de que os números e relações matemáticas são a verdadeira essência da realidade. é matemático. tal como se apresenta a nós. e imutavelmente. desperta em Platão a noção de que o mundo físico estaria envolvido numa rede de leis e proporções matemáticas que constituiriam o verdadeiro segredo da realidade. mas apenas uma expressão parcial de um segredo que. Este contraste. Uma vez estabelecida uma relação matemática. as duas relações. na sua essência. e outro um pouco mais real — mas que existem muitas faixas de realidade. constataram esses filósofos. Kepler — é novamente a mesma idéia de encontrar o fundo matemático no qual se apóia a realidade sensível que inspirará os cientistas. do inconstante mundo visível. Ele percebe que não é possível existirem apenas dois mundos — um mais ou menos ilusório. quando surgia a física moderna — Newton. http://www. na Estética e mais tarde no que hoje chamamos de ciências humanas ou ciências sociais. ou até. ao mesmo tempo múltiplo nos seus nos seus planos.org/apostilas/pensaris1_1. e constituindo um todo coeso. na História. que é o mundo.htm (28 de 30)16/4/2007 09:11:33 . Mas a idéia aristotélica da totalidade orgânica. Um organismo é um conjunto de órgãos diferentes entre si mas que são todos coordenados para uma certa função. como um organismo vivente. Tão fundo como a idéia platônica penetrou no setor da astronomia e da física. Separados desta função do organismo total. de modo que o conhecimento formasse uma unidade que. mais propriamente um organismo.Pensamento e atualidade de Aristóteles . O conhecimento tem de ser um sistema. desde que existem. E será esta complexidade do real. alcança o seu pleno rendimento na física clássica e na nova astronomia de Kepler. aspectos. na biologia. Praticamente todos os esforços das ciências humanas. é no sentido de conseguirem se organizar como totalidade orgânica. níveis etc. não fazem sentido algum. E com isto. deveria por outro lado ser refletida no sistema das ciências. http://www. Newton representam o auge da matematização da realidade. A idéia platônica dos padrões matemáticos rende o seu máximo. de unidade e coesão.primeira aula sempre.olavodecarvalho. inventa outra idéia que penetrará muito fundo na mente humana — talvez mais que a idéia dos padrões matemáticos de Platão — que é o que podemos chamar de evolução orgânica. Daí sua idéia de um sistema do conhecimento. Galileu. até hoje ainda não rendeu todos os seus frutos. pode crescer e transformarse sem perder sua unidade. será esta idéia da unidade na variedade que orientará todos os esforços de Aristóteles desde o início. a idéia de Aristóteles penetrará fundo nas ciências da natureza terrestre. se bem que exerça grande influência. Kepler. mais ou menos no sentido em que Aristóteles organizou o conjunto das ciências no seu tempo. complementar à de totalidade orgânica. Também Aristóteles concebe a idéia de que esta totalidade orgânica. e que para nós se perdeu de crise em crise. como se vê. vemos que a obra de Aristóteles ainda está rendendo frutos e este é o motivo principal por que temos de estudá-la. que representa totalidade. de http://www. todo o esforço dele e de toda a corrente que representa não é nada mais que a tentativa de devolver ao sistema das ciências aquela organicidade sistêmica que Aristóteles tinha lhes imprimido no começo. e paidos = educação. por exemplo. Sendo assim.htm (29 de 30)16/4/2007 09:11:33 . todas concorrendo para um mesmo fim. As tentativas de destruir Aristóteles. Mas nem todas as discussões foram construtivas. Esse legado parece que não pode ser adquirido senão através do conflito —. Quando vemos hoje um esforço gigantesco no sentido de emendar as ciências humanas com as naturais. formação da mente humana ). muitas vezes amarga e cheia de recriminações tem acompanhado a história do pensamento ocidental há dois mil anos. na obra deste grande antropólogo Edgar Morin.dialeticamente. no sentido hegeliano do termo. vamos ver que uma discussão com Aristóteles. o holismo é uma nova tentativa de organizar o sistema das ciências segundo a idéia da totalidade orgânica. Mas tudo isso não quer dizer que o legado aristotélico seja por toda parte bem recebido com afetuosa gratidão.Pensamento e atualidade de Aristóteles . de dar às ciências uma organicidade enciclopédica ( kyklos = círculo. Praticamente tudo o que está acontecendo no mundo das ciências hoje só pode ser compreendido como eco distante desta inspiração aristotélica do sistema das ciências.olavodecarvalho. Por isto este curso se chama "Pensamento e Atualidade de Aristóteles". Do mesmo modo que Aristóteles foi muito combatido em vida. Esta idéia não está realizada ainda.primeira aula Hoje em dia.org/apostilas/pensaris1_1. cultura. como ocorre com os órgãos do nosso corpo. Segunda parte Home .Links . mas também no Oriente.Pensamento e atualidade de Aristóteles . inclusive em seus defeitos mais óbvios. a questão está resolvida: considero-o o melhor dos mestres. A Igreja ortodoxa russa chegou a proibir a sua leitura. mais dia menos dia. Tomás o considerava o príncipe dos filósofos. Aí já não se trata da legítima contestação científica.Textos .htm (30 de 30)16/4/2007 09:11:33 . um enviado de Deus. isso não acontece só no Ocidente. e outras que o consideram um tentador diabólico. Após dois mil anos.org/apostilas/pensaris1_1. o mais honesto. o mais humano. No mundo islâmico há escolas de espiritualidade que vêem Aristóteles como um profeta. o mais sincero. para ajudá-lo mas também para testá-lo. e sim de manifestações de ódio irracional à inteligência mesma. de amor-ódio. Mas quando crêem tê-lo matado de um lado. De certo modo. do qual ninguém se livra completamente e que.primeira aula suprimir o seu legado da memória humana também foram muitas. o mais sensato. Aristóteles tem constituído para a civilização ocidental um fantasma. ao longo da história.E-mail http://www. que ele inspira a muitos. como o de Merlin.Informações .olavodecarvalho. que Aristóteles apreciava tanto que fez dela uma técnica ( a dialética ). é melhor tentar achar com ele um modus vivendi. Daí o sentimento ambíguo. "um sonho para alguns e um pesadelo para outros" . cruzará o caminho de quem busca a verdade. enquanto Sto. ele ressurge de outro. Na verdade. Para mim. Transcrição de: Heloísa Madeira João Carlos Madeira e Kátia Torres Ribeiro 1 parte a NB .org/apostilas/pensaris2_1. Como o intuito destas apostilas é http://www. Rio de Janeiro. 22 de março de 1994. acabaram tomando toda a primeira metade de aula em razão de perguntas dos alunos.Pensamento e atualidade de Aristóteles .5 Pensamento e atualidade de Aristóteles SEGUNDA AULA Casa de Cultura Laura Alvim. um tanto repetitivas.htm (1 de 28)16/4/2007 09:19:49 .olavodecarvalho.As explicações introdutórias sobre o historicismo.segunda aula Apostilas do Seminário de Filosofia . podemos partir de dois pólos extremos. Não precisamos optar entre elas e http://www. A multiplicidade de visões a respeito de Aristóteles é causada pelo fato de que cada estudioso toma como centro da sua reexposição ou reconstrução do pensamento de Aristóteles os pontos que lhe parecem mais importantes. do outro. Às vezes duas interpretações opostas são coincidentes no sentido de que.segunda aula documentar o mais fielmente possível a exposição oral. entre um pensamento que se surge como um sistema perfeito e acabado e um pensamento que evolui no tempo. que reconstruiu através dos textos o que teria sido a evolução biográfica do pensamento de Aristóteles. da metade do século passado. ambas fazem dele o ponto de partida para suas respectivas reconstruções. das duas interpretações mais antagônicas. sem prejuízo da compreensão do argumento central. opondo-se sobre um mesmo tópico. Brentano é o protótipo dos que procuram tomar a filosofia aristotélica como um sistema perfeito e acabado. O leitor que preferir saltá-la poderá ir direto para o parágrafo "Danos que o historicismo trouxe à nossa compreensão de Aristóteles". C. o trabalho de Franz Brentano.Pensamento e atualidade de Aristóteles . de um lado.org/apostilas/pensaris2_1. através da luta do filósofo consigo mesmo. sem perguntar se o próprio Aristóteles concordaria. quase numa visão estruturalista. julguei melhor conservar toda a transcrição dessa parte.htm (2 de 28)16/4/2007 09:19:49 . A mim me parece que as duas interpretações antagônicas são igualmente possíveis e úteis. dificilmente podemos ter uma conciliação perfeita. Para exemplificar isto. que numa versão em livro seria drasticamente abreviada. o trabalho de Werner Jaeger. Estas são.olavodecarvalho. como um todo fechado. Vai ter de haver uma arbitragem entre as duas visões. – O. Jaeger é um filólogo do século XX. Ora. Não somente as opiniões são relativizadas. Em seguida. O que vem a ser isto? É o seguinte: no momento em que estamos vivendo. se você tomar um conflito histórico entre católicos e protestantes tal como aparecia quatro séculos atrás. em vez de tentar http://www. e referidas a um momento que já passou. Certamente ela é as duas coisas. A questão. A questão tornou-se para nós. teríamos de compensar a relativização historicista. O primeiro aspecto deste seria tentar conciliar todas as perspectivas opostas possíveis a respeito de Aristóteles.htm (3 de 28)16/4/2007 09:19:49 . as posições que tomamos. as opiniões que temos. Em segundo lugar. nos parecem decisivas para os fins da vida real. por assim dizer.Pensamento e atualidade de Aristóteles . verá que hoje pode nos parecer que as tomadas de posição que para aquelas pessoas eram fundamentais e absolutas para nós são meramente secundárias e relativas.org/apostilas/pensaris2_1. para nós. Pegá-las todas como exemplos de visões possíveis e tentar chegar a uma síntese em que nada de substancial se perca. agora são tomadas em termos relativos à situação de dentro da qual surgiram. mas compreender por que aquelas pessoas tinham de fazer essa opção. já não é optar entre catolicismo e protestantismo. mas as próprias questões a que elas respondem também. Quando passa muito tempo e aquelas questões já não são mais atuais. as tomadas de posição começam a ser relativizadas: eram tomadas em termos absolutos. e vice-versa. Então usaremos uma dessas interpretações como antídoto da outra. esbocei os princípios do método que aqui será usado. Por exemplo. metalinguística: questionamos a questão. para saber se a filosofia de Aristóteles é um sistema ou algo que evoluiu no tempo.olavodecarvalho.segunda aula também me parece que é um pouco nonsense este debate que por quase cem anos ocupou os estudos aristotélicos. tão vital a milhões de pessoas.olavodecarvalho. a questão já não parece essencial. o historicismo tem graves inconvenientes. torna irrelevantes todas as questões fundamentais. É verdade que o interesse pelas questões e a forma de http://www.htm (4 de 28)16/4/2007 09:19:49 . se adotamos só e exclusivamente esse enfoque para as questões da filosofia. Pois. e já nos parece distante e inverossímil que ela tenha parecido tão urgente. Relativizado quer dizer referido ou condicionado a uma situação. e. quantas posições não foram tomadas em milhares de setores derivados. É por isto que. Para que nós entendamos que as pessoas tenham podido discutir.org/apostilas/pensaris2_1. pretendendo tudo explicar pela história. Para o historicismo. ao menos em história da filosofia.Pensamento e atualidade de Aristóteles . todas as questões e todos os conhecimentos são gêneros perecíveis. prática. para nós só existem relativamente a uma situação que não existe mais. e não são mais questões vivas para nós. estética. Ora. em função deste conflito básico que determinava o enfoque principal? Não só era preciso optar entre capitalismo e comunismo. Outro exemplo: durante cem anos assistimos a um conflito entre capitalismo e comunismo. parece que a questão também se dissolve. Num transcurso de dez anos. etc. temos de referi-la à situação da qual nasceu. No confronto com o comunismo. O historicismo é uma filosofia que. Com isto. na hora em que um deles praticamente se dissolve. então as atuais também não terão importância daqui a algum tempo. como esta opção determinava as soluções que dávamos a questões de ordem ética. matar e morrer por essa questão. estas se tornam também meros dilemas vividos por homens do passado. emocionar-se. quanta tinta não rolou.segunda aula resolvê-la. Estas tomadas de posição que para aqueles indivíduos eram tão importantes. quantas palavras não foram proferidas. tudo fica relativizado. se todas as questões só têm importância quando referidas a uma determinada situação no tempo. A abolição da esfera teorética e sua absorção na esfera do fato consumado são os erros do historicismo. outra colocada por nós hoje. segundo uma teoria vigente na época. V a. duas questões. faziam-no em função do problema dos microorganismos. e só nos resta compreender a época histórica de Pasteur. O que era importante para os personagens não é mais importante para nós. É em razão destes erros que o historicismo desvia o eixo das questões. e isto produz às vezes confusões temíveis. C. Ora. mas não se pode elevar a critério teorético esse simples fato consumado.htm (5 de 28)16/4/2007 09:19:49 . podem ser rigorosamente a mesma. pouco importando a passagem do tempo e as diferentes maneiras de "sentir" a questão nas duas épocas: a demonstração do teorema de Pitágoras é a mesma para Pitágoras e para nós.. etc. Como para nós o problema dos microorganismos está resolvido. para nós. que tinha de haver determinadas condições prévias para que eles pudessem surgir. verá que.olavodecarvalho. que levaram os homens a se interessar por elas. Pasteur dizia que não. de certa forma invertemos a questão e a colocamos de cabeça para baixo. dos objetos sobre que elas versam para as motivações psicológicas. se as essências designadas por seus conceitos forem as mesmas. quando Pasteur e seus adversários tomavam posição.org/apostilas/pensaris2_1.Pensamento e atualidade de Aristóteles . por exemplo.segunda aula concebê-las muda com o tempo. brotavam do nada... só têm importância como expressões de um determinado momento histórico. As idéias em jogo.como surgiam os microorganismos? -. e http://www. Se você pegar duas teorias científicas opostas. Esta questão hoje para nós está resolvida. apareciam sozinhos. ideológicas. De um ponto de vista teorético. no famoso debate em que se envolveu Pasteur a propósito da geração espontânea -. uma colocada por um pensador do séc. e não em função do problema de como interpretar sua época histórica. são todas relativizadas. Mas acontece que doutrinas matemáticas não dizem respeito à história. Por exemplo. as encararmos apenas como expressões do momento histórico. as doutrinas filosóficas. Ora. do ponto de vista historicista não interessa saber se ela está certa ou errada. mas ao mundo físico.htm (6 de 28)16/4/2007 09:19:49 . O resultado é que o historicismo acaba por abolir todas as ciências.Pensamento e atualidade de Aristóteles . todas as doutrinas científicas.de uma demonstração a passagem do tempo não exerce a mais mínima influência. e sobre a veracidade teorética -. como se uma conta de 2 + 2 = 4 devesse ter diferentes resultados em distintas épocas históricas. É esta intemporalidade das verdades teoréticas que o historicismo faz perder de vista. mas só a correspondência entre aquela geometria e as demais idéias vigentes naquele tempo. Se nós.org/apostilas/pensaris2_1. Se você pegar a geometria de Euclides. sobre as ciências da natureza. e sim a entidades matemáticas. Para um físico do século http://www. doutrinas sobre a física. sobre as fórmulas matemáticas . nunca podemos esquecer que aqueles que as emitiram não tinham esta perspectiva. não as olharam por aí. ou pelo menos por submeter todos os critérios científicos de veracidade à veracidade histórica. estudando doutrinas físicas do passado. referidas a momentos no tempo. e serão apenas expressões das idéias que as pessoas tiveram num certo momento. inclusive matemáticas.segunda aula não em si mesmas. No entanto. menos a história. se levarmos esta posição às últimas consequências. está claro que a demonstração que Pasteur fez da inexistência da geração espontânea continua teoreticamente válida hoje exatamente como no momento em que ele a apresentou pela primeira vez.olavodecarvalho.ou falsidade teorética -. nunca mais dirão respeito à realidade objetiva que elas estão discutindo. Doutrinas físicas também não dizem respeito à história. Se a moça vai casar com um sujeito. são sobre a natureza. estelionatário.Pensamento e atualidade de Aristóteles .htm (7 de 28)16/4/2007 09:19:49 . O historicismo levado às últimas consequências esvazia as questões de modo que não faça mais sentido discutir se suas respostas estão certas ou erradas. Naquele momento. Ou aceita a denúncia. objetivamente falando. ou nenhum tem. tudo que lhe interessa é saber se aquela denúncia é verdadeira ou falsa. e que noutra época as condições inclinaram o homem a pensar outra coisa. ou ambos têm. etc. um Anão do Orçamento. Conhecer essas condições em ambos os casos não nos dirá se a Terra é plana ou esférica. examine com os olhos de hoje as questões que foram problema para você dez ou quinze anos atrás. objetivamente falando. menos interessará saber se o sujeito era estelionatário ou não. e veja como essas questões se tornaram indiretas e metalinguísticas.". e certamente um deles tem. Aí aquela questão não interessa mais. casa com ele e esquece o primeiro. No entanto. as idéias dele não são sobre a história do século XVI. Para você entender isto mais concretamente. Se um diz que a Terra é plana e outro que a Terra é esférica. ou a rejeita.org/apostilas/pensaris2_1. e tem de tomar uma posição. se sente muito mal. http://www. ambas as respostas provêm de um determinado quadro histórico.segunda aula XVI. e chega alguém e diz: "Não case com este sujeito. naturalmente os dois pretendem ter razão. Quanto mais tempo passe. Mas vamos supor que na semana seguinte ela conhece outro sujeito mais interessante. ela chora. ele é um vigarista. o que prova que o ponto de vista histórico não pode arbitrar esta questão.olavodecarvalho. Do ponto de vista historicista interessa apenas que numa certa época havia um ambiente propício a que se pensasse que a Terra era plana. Isto equivale a uma espécie de negação implícita de todas as formas de conhecimento que não sejam históricas. psicológicas etc. Uma tribo de índios pensa que fazendo determinada dança vai cair chuva. Historicamente. não interessa saber quem tem razão. é esvaziada e absorvida numa outra questão que já não diz respeito ao seu conteúdo objetivo. interessa saber por que. O advento da ciência histórica e o historicismo O historicismo é uma maneira de ver que foi inoculada na mente ocidental no século passado. do ponto de vista do historicismo. Isto é que se chama relativizar historicamente. levaram as pessoas a pensar que era plana. de ordem eletromagnética.Pensamento e atualidade de Aristóteles .olavodecarvalho. desde que se formou a ciência da história. http://www. Se conhecermos extensivamente essas condições para ambos os casos. Numa outra época e noutro lugar. não interessa saber se a Terra é esférica ou plana. ainda assim não saberemos por que cai a chuva. mas aos motivos subjetivos do seu surgimento. e em outra época que era esférica.segunda aula mas a moça pode ainda parar e pensar: "Por que naquela época eu sofri tanto com aquela questão?" Ela vai ter de explicar o interesse que teve por este problema em função do seu estado psicológico na época. Interessa só saber qual o elo de coerência entre estes dois pensamentos e os seus respectivos ambientes culturais. acha-se que a chuva cai por motivos completamente diferentes. Ora.org/apostilas/pensaris2_1. A questão perde a sua importância objetiva. a dança da chuva tem raízes histórico-culturais tanto quanto as têm a explicação eletromagnética. numa certa época.htm (8 de 28)16/4/2007 09:19:49 . Então. as condições culturais. segunda aula A formação da ciência histórica a partir dos séculos XVIII e XIX. A partir daí. que é filhote dela. Quando uma ciência faz sucesso. Começa-se a ter preocupação com a exatidão da reconstituição dos fatos. quase uma ciência exata. Savigny e outros gênios imensos.org/apostilas/pensaris2_1. levando os modelos da física para todos os setores do conhecimento. Os modos de pensar que são característicos da ciência histórica acabam então contaminando todas as outras ciências e também a filosofia. com Giambattista Vico. Mas como ciência. começa a ser formulada nos fins do século XVIIII e começo do XIX. em http://www. em neurologia. Como acontecera antes com a física. tal como a conhecemos hoje. numismática etc. – uma quantidade de técnicas de investigação histórica que se aprimoram muito neste começo do século passado e montam este monumento que é a ciência histórica de hoje . o sucesso de Newton.uma ciência de enorme precisão. No século XX. e. O sucesso. Edward Gibbon. dos testemunhos. Galileu etc. contaminava todo mundo. da lógica matemática. epigrafia. da informática. em economia. depois. É um progresso imenso do conhecimento humano. faz os modelos lógico-matemáticos e informáticos serem adotados para todos os fins e em todas as ciências: há modelos informáticos em biologia. Na Renascença. Mas deixou um efeito colateral: o historicismo. é uma das grandes conquistas da humanidade. Mas junto com a formação dessa ciência vem o efeito colateral. primeiro. já era conhecida desde a antiguidade. todos começaram a pensar em termos físicos. todos pensam informaticamente.htm (9 de 28)16/4/2007 09:19:49 .olavodecarvalho.Pensamento e atualidade de Aristóteles . através de uma quantidade de técnicas de pesquisa histórica: crítica dos textos. Ranke. como técnica prática. A história como empirismo. você vai adquirindo uma perspectiva temporal mais ou menos correta do que se passou antes. os outros ramos do saber querem imitá-la. e funciona. O homem inventa um modelo imitado a partir de alguma função dele mesmo. mas criam o perigo do que chamo ilusão retroativa.olavodecarvalho.org/apostilas/pensaris2_1. Na Renascença. E como disse o Cristo: "O homem não foi feito para o sábado. que o rabo é capaz de abanar o cachorro. começa-se a explicar o cérebro humano como se ele fosse uma imitação do computador. e sim o sábado para o homem". começa-se a explicar o funcionamento do corpo humano como se ele fosse um mecanismo de relógio. e a função pelo modelo que a imita. parecem nos dar a visão da realidade mesma. e não o computador uma imitação de cérebro. Fica fascinado pelo que ele mesmo inventou e acha que aquilo tem um poder explicativo. e em seguida ele se explica a si mesmo por esta função. O processo é este: Um indivíduo inventa uma máquina destinada a imitar alguns processos do cérebro humano. Os modelos sempre ajudam em alguma coisa.htm (10 de 28)16/4/2007 09:19:49 . não existe a ciência que possa ser modelo universalmente http://www. Isto aconteceu na Renascença com o aperfeiçoamento da arte da relojoaria. Retroativamente. Não podemos esquecer que todos os equipamentos e todas as ciências são invenções do homem.segunda aula antropologia. A ciência também foi feita pelo homem para o homem e ele tem o direito de usar dela como bem entenda. começaram a vender relógio de bolso para todo mundo.Pensamento e atualidade de Aristóteles . Logo em seguida. Esta máquina chama-se computador. Portanto. Um caso de aprendiz de feiticeiro. e nunca pode esquecer que uma ciência é um conjunto de procedimentos que ele mesmo inventou para conhecer algo. O relógio de bolso foi inventado pelos beneditinos na Idade Média. No momento eles parecem ter uma força explicativa muito grande. e que poderão ser substituídos por outros amanhã ou depois se houver uma maneira melhor de conhecer aquilo. mas no futuro eles também serão relativizados. nem modelo que possa explicar a coisa pela qual se modela. se aplicados para estudar outro assunto.org/apostilas/pensaris2_1. Se você tomar por exemplo o teorema de Pitágoras. é comido pelo aspecto subjetivo ou histórico. que inventou o "historicismo absoluto".segunda aula válido para as outras.olavodecarvalho. Ora. O historicismo surge primeiro discretamente e depois vai penetrando e solapando todos os setores do conhecimento até chegar a um doidão chamado Antonio Gramsci. podem render alguma coisa. No historicismo. Métodos que foram inventados para estudar História. Ela só estuda os atos e pensamentos humanos no decorrer do tempo. todos os conhecimentos são apenas expressões de momentos históricos e a única http://www. Ao historiador pouco lhe interessa saber se a soma dos quadrados dos catetos dá o quadrado da hipotenusa ou o triplo do quadrado da hipotenusa. a relação entre os vários aspectos do objeto ao qual ele se refere (a relação entre os catetos e a hipotenusa). teórico do Partido Comunista.Pensamento e atualidade de Aristóteles . O historicismo é um filhote da ciência histórica.htm (11 de 28)16/4/2007 09:19:49 . a ciência histórica não estuda a natureza ou os objetos matemáticos. que chamamos objetivo. verá que.o triângulo retângulo --. Mas ao longo dos tempos o que vemos é que toda ciência que faz sucesso imprime o seu modelo a todo o universo cultural. o primeiro aspecto. mas por outro lado. Isto significa que todas as ciências. O que interessa é que num certo ambiente mental surgiu certo pensamento na cabeça de um tal Pitágoras ou de um grupo de pessoas em torno dele. mas nunca tão bem como para estudar a própria História. por um lado ele expressa um conjunto de relações que se dão dentro de uma determinada figura geométrica . é um pensamento que um certo sujeito teve num certo momento da história. ou melhor. ou há contradições não resolvidas. Gramsci é tido em alta conta por muitos. Ele chega a abolir a noção de verdade objetiva. se possível. ele sim.Pensamento e atualidade de Aristóteles .org/apostilas/pensaris2_1. etc. acaba não entendendo mais coisa nenhuma. maior lhe parece o guru.segunda aula coisa que realmente vale é a história. para prosseguir ou reformar o trabalho de alguém. cada membro se dispensa de buscar a compreensão pessoal e as provas.htm (12 de 28)16/4/2007 09:19:49 . Ora. completá-lo de algum modo. para que possa aperfeiçoá-lo. Tudo que o homem faz é incompleto.olavodecarvalho. e quanto mais burro o discípulo fica. resolva as contradições. e sim que em tal época. Então é preciso que a geração seguinte prossiga o trabalho. seguro de que nos escalões superiores há sempre alguém que sabe o que ele não sabe. ideológicas que não se destinam propriamente a ser compreendidas. A educação verdadeira deve impelir os alunos a que eles cheguem a compreender o pensamento do mestre às vezes melhor do que ele mesmo tinha compreendido. Mas hoje em dia há certas doutrinas filosóficas. Mas quando você entra num esquema de pensamento como o de Gramsci. em tal sociedade se pensou que era 4 porque isto era bom para a sociedade naquele momento. Não se pode dizer que 2+2=4. reforme tudo. o sujeito coletivo encarregado de ter as intelecções. ou mesmo. é preciso compreendê-lo a fundo. Destinam-se a obscurecer as inteligências e a substituir a intelecção pessoal e direta por um sentimento de pertinência a um grupo ou partido ou igreja que é. Antonio Gramsci é um protótipo do http://www. se for o caso. Assim. Os homens morrem e por isto em suas obras fica faltando um pedaço. e quanto menos você entende. e compreender para além dele. mais misterioso e profundo ele parece. É uma espécie de antieducação. mas para ser obedecido por quem não compreende.tudo. uma coisa digna de todo respeito. Mas o gramscismo já é o historicismo febril. fisiologia. Porém tem seus limites. Mas.Pensamento e atualidade de Aristóteles . o historicismo absoluto é a absolutização do relativo. em si e por si. como muitos outros marxistas. como a verdadeira realidade. do ponto de vista teorético. É claro que o historicismo não é todo loucura. A "História" é assim divinizada como única realidade. Ela passa a ser física. enfim: uma única superciência que abole todas as demais. ou a relatividade absoluta. porque em seu pensamento não há propriamente o que entender. Aliás ele próprio também não se entendia. Senão. se a história tem a http://www. mas não para entender os objetos a respeito de que eles pensaram. mas somente o que obedecer. Dissolve as substâncias individuais numa rede de relações que é tomada. saber por que os homens pensaram isto ou aquilo em determinado momento. O historicismo absoluto é a absolutização do tempo. como se toda história não fosse história de alguém. o tempo é uma relação entre momentos. matemática . É um dos grandes movimentos de idéias do Ocidente moderno. seria admitir que a história comeu todas as demais ciências. confunde relação e totalidade. como se uma relação considerada independentemente de seus elementos não fosse apenas uma abstração lógica. então é a relação que os constitui. Então. E o que quer dizer isto? É uma proposta que não pode ser compreendida. como se uma história pudesse ser sujeito de si mesma. ou a relativa absolutidade. Só serve para você entender história.olavodecarvalho. Ora.htm (13 de 28)16/4/2007 09:19:49 . Se os elementos da relação nada são em si mesmos e considerados fora da relação.segunda aula sujeito que não escreve para ser compreendido.org/apostilas/pensaris2_1. mas como poderia uma relação entre nada e nada produzir alguma coisa? Gramsci. o matematicismo etc etc. Aí pega as leis da gramática e mostra que todas as proposições da física e da história não passam de arranjos gramaticais e semânticos . Você pega tudo que o sujeito falou. Imaginem então o que o historicismo não faz com alguém que morreu há mais de dois mil anos. temos o fisicismo.Pensamento e atualidade de Aristóteles .e é uma verdade. quais hierarquizados . quais estão contíguos.segunda aula pretensão de ser a ciência universal e come todas as outras. num outro tempo. o físico tem o mesmo direito de achar que o fundamento de tudo está na física. o linguisticismo. por si. Porque para falar de física e de história vocês usam signos". imagine o que se passou tanto tempo atrás. com outros interesses. ou pseudometafísica. refere tudo ao meio histórico-social. psicológico etc.org/apostilas/pensaris2_1. Se o historiador acha que a ciência dele é suprema. fundamentar uma metafísica. É claro. Assim como há o historicismo. Cada uma destas hipóteses faz sucesso porque obtém alguns resultados bons . e que afinal de contas não é verdadeiro http://www. cada um querendo comer o outro. Estes são os vários imperialismos das várias ciências. Que campos na realidade estão dentro de quais.htm (14 de 28)16/4/2007 09:19:49 .mas depois começa a ampliar desmesuradamente seu campo de aplicação até virar uma metafísica. Chega um terceiro e diz: "Não é nada disto. no entanto. tanto quanto é verdade que as leis da física são acontecimentos históricos e que os acontecimentos históricos se desenrolam num mundo regido pelas leis da física. coloca numa distância formidável. cada ciência vizinha pode ter a mesma pretensão. que nenhuma ciência em particular pode. e que a história não é senão uma pseudociência. Se ele relativiza até o que está acontecendo hoje. é tudo um problema de linguística. não pode ser resolvido na base de uma ciência comer outras. e reduz todo o pensamento dele a um acontecimento histórico que se deu numa outra cultura..olavodecarvalho.isto é problema grave. É claro que você pode explicar o surgimento da geometria na Grécia em função das condições culturais ambientes. não históricos. a biologia. Ele inventou quase todas as ciências que conhecemos . achatando a ambas como "fatos históricos". Como faço para saber se o teorema de Pitágoras está certo? Estudo a origem histórica do teorema de Pitágoras ou a demonstração geométrica desse teorema? Saber quais as condições em que foi gerada a idéia nada me diz sobre se ela é verdadeira ou falsa. já que foi o mesmo Aristóteles que produziu ambas as coisas. uma peça de museu tornada inútil e incompreensível.Pensamento e atualidade de Aristóteles . por essa via. toda a nossa nomenclatura de ciência é uma criação de Aristóteles. por exemplo. chegar a nivelar descobertas valiosas e bobagens puras. Este só pode ser avaliado por meios geométricos. no mesmo ambiente histórico e sob a ação das mesmas causas históricas.segunda aula nem falso porque naquele tempo os padrões de veracidade e falsidade eram outros que não os de hoje. a anatomia. é apenas uma curiosidade histórica. Porém um pensamento que já não podemos julgar verdadeiro ou falso não tem mais importância efetiva. não seu valor cognitivo. http://www. Mas isto explica a origem da geometria. vale a mesma coisa a contagem aristotélica dos dentes e o conjunto da ciência aristotélica. foi quem inventou a lógica tal como a concebemos. Um sujeito desta envergadura falando uma asneira destas! Pois.olavodecarvalho.htm (15 de 28)16/4/2007 09:19:49 . do ponto de vista historicista absoluto. O historicismo pode. num dado momento declara que a mulher tem mais dentes que o homem.a história da filosofia. a fisiologia. isto torna impossível discutir se afinal de contas Aristóteles ou Platão ou outro qualquer tinha razão naquilo que afirmava. Aristóteles. Este mesmo sujeito que fez tudo isto.org/apostilas/pensaris2_1. devia haver alguma condição externa. O ponto de vista histórico só diz o que as pessoas fizeram. burguesia etc. se estão certas ou erradas. http://www.Pensamento e atualidade de Aristóteles . também. Há um grande repertório destas asneiras. Dá para você pegar todo o conjunto do saber de um determinado momento e referi-lo à estrutura de classes. também surge um imperialismo destas.segunda aula As idéias falsas têm uma origem histórica.htm (16 de 28)16/4/2007 09:19:49 . tal como a têm as verdadeiras. No dia em que Aristóteles atinou com a estrutura do silogismo . e fala uma coisa destas! Há para isto alguma causa histórica e biográfica. em que dadas duas premissas. E no dia em que contou errado os dentes da sua mulher. Anselmo diz que. tira-se uma conclusão . Você refere tudo ao quadro social.org/apostilas/pensaris2_1. Não diz se as ações e as idéias são sensatas ou insensatas. às famosas classes sociais. Assim. porque fizeram e com que fins.o raciocínio em três etapas. como as há para os sutis argumentos metafísicos que o mesmo Anselmo produziu num momento de mais lucidez.olavodecarvalho. Santo Anselmo é um dos grandes gênios da filosofia. Sto. tomando meras analogias estruturais como se fossem nexos de causa e efeito. plantando-se um escorpião. mais tarde. você pode "provar" que existe uma biologia burguesa. psicológica que o predispunha a isto. Teve causa a primeira como a teve a segunda coisa. Historicamente dá na mesma explicar a asneira ou a grande descoberta. Outros preconceitos: sociologismo e antropologismo Do mesmo modo. nasce uma vaca. encontrar as analogias entre ele e a ideologia da classe dominante. quando se desenvolvem as ciências sociais. sociologia e antropologia. proletariado. org/apostilas/pensaris2_1. As classes sociais não são o único fator que conta.segunda aula uma física burguesa. Mais tarde. aristocrática. Este sociologismo chegou a produzir alguns fenômenos grotescos no século XX. Só um cego não percebe que. Desde que usado com modéstia e articulado com outros critérios. por exemplo. e isto produz um tipo de ciência. a universidade era uma casta letrada separada do restante da sociedade). Na União Soviética a genética de Mendel até a década de 40 era proibida por ser http://www.Pensamento e atualidade de Aristóteles . Há. o fator nacional. começa a surgir um outro tipo de intelectual que já não está na universidade. até certo ponto. como existe uma biologia proletária. Portanto a hipótese das classes sociais não é um absurdo. Julgar a veracidade dos conhecimentos em função de sua origem social é cúmulo do sociologismo. uma fisiologia proletária e assim por diante. assim como uma diferença de estrutura global e de perspectiva. se há um saber burguês ou proletário ou clerical. da aristocracia. Certas maneiras típicas de montar o universo da ciência de fato parecem estar associadas a determinadas classes sociais. Existe uma diferença de conteúdo entre a ciência de uns e outros. burguesa ou proletária não me diz se essa descoberta é verdadeira ou falsa. Saber se determinada descoberta científica é fruto da ciência clerical. não mais do clero. feita praticamente por membros do clero (os universitários faziam parte do clero.htm (17 de 28)16/4/2007 09:19:49 . ou francês ou anglo-saxônico. o intelectual palaciano. Mas ela está evidentemente limitada por duas coisas: 1. o critério das classes sociais pode ser esclarecedor. 2. Vemos por exemplo que existe uma filosofia medieval. há também um saber germânico.olavodecarvalho. Pensamento e atualidade de Aristóteles . O historicismo se torna tanto mais poderoso quanto mais distante no tempo está seu objeto. É mais fácil você ver uma idéia emitida 2. E hoje em dia ninguém mais fala em Lissenko. Depois que você explicou tudo aquilo antropologicamente. que aconteceria se se comprovasse que o raio da dança funciona mesmo? Então você já não precisaria explicar a dança em função do corpo de crenças daquela tribo. como aliás em tantos outros. Lamentavelmente. Os inquisidores mandavam matar as bruxas porque http://www.olavodecarvalho. neste caso. Tudo isto vem de que novas ciências que surgem e alcançam algum sucesso moldam a cabeça de todo mundo. Vamos supor que uma tribo pratica a dança da chuva.htm (18 de 28)16/4/2007 09:19:49 .segunda aula genética burguesa. porque o que é verdadeiro o é para qualquer um. Havia um geneticista marxista chamado Lissenko. há a história das bruxas que eram queimadas. e evidentemente a eficácia da dança sobre a natureza deveria ser explicada por fatores físicos (ainda que de física mágica) e não por fatores sociológicos.400 anos atrás como expressão de uma sociedade longínqua do que você se situar dentro dessa idéia para saber se é verdadeira ou falsa. Quando se estuda a Inquisição.org/apostilas/pensaris2_1. a não ser como exemplo do mal que o pensamento ideológico pode fazer à ciência. e reduziu tudo a uma projeção das instituições sociais sobre a visão da natureza. cujas teorias foram endossadas pelo Estado soviético a título de genética proletária. a burguesia é que tinha razão. É mais fácil explicar a dança da chuva em função dos costumes e outras instituições dessa tribo que aprender a fazer a dança da chuva para ver se funciona. segunda aula estavam persuadidos de que a bruxaria funcionava. mais fácil é relativizá-la ou historicizá-a. B. justamente porque o sentido objetivo dessa idéia nos escapa. e. como mero fenômeno humano e subjetivo. historicizar ou sociologizar essa idéia é apenas uma forma científica de ignorância. pois há nesse fenômeno uma objetividade física que é a mesma para todas as sociedades ou épocas.Pensamento e atualidade de Aristóteles . é reabsolutizado. mas nunca tudo. na Dor e na Raiva. Então vemos que a prática da bruxaria não pode ser explicada somente pelas crenças ou ideologias de uma sociedade ou época. Quanto mais distante no tempo e quanto mais estranha é a cultura de onde vem uma idéia. ou antropológico. Mas depois chega outro sujeito e estuda o problema da bruxaria por um outro ponto de vista. o da fisiologia. Aquilo que a história ou a antropologia relativizou. Cannon ganhou o prêmio Nobel de Fisiologia com o estudo Mudanças Corporais no Medo.org/apostilas/pensaris2_1. podia matar pessoas ou destruir colheiras. Estudando o fenômeno da bruxaria com base nas descobertas fisiológicas de Cannon.htm (19 de 28)16/4/2007 09:19:49 . Quem praticava bruxaria contra alguém era portanto homicida tanto quanto quem lhe desse facadas no estômago.olavodecarvalho. A vacina contra tudo isto é entender que todas as ciências são legítimas no seu próprio campo e alguma coisa delas se pode aproveitar no campo vizinho. W. o antropólogo ou historiador e explica: são "crenças da época". http://www. Acreditamos portanto que todo o fenômeno da bruxaria e da sua perseguição pode ser compreendido dentro do campo sociológico. desencadeava efeitos físicos. revalidado pela fisiologia. neste sentido. Então chega o sociólogo. Claude Lévi-Strauss mostrou como é realmente possível matar uma pessoa por meio de bruxaria. porque isto é afinal absolutizar o historicismo e esquecer que ele também é um produto histórico." Podemos http://www. Só se discute a "interpretação histórica" de Aristóteles. Jean Jacques Rousseau fez a teoria do bom selvagem: "O homem no estado de natureza era bom.htm (20 de 28)16/4/2007 09:19:49 . o pensamento de Aristóteles evoluiu no tempo. imaginem a desgraça historicista que fizeram com ele! Tanto que há quase duzentos anos no Ocidente moderno ninguém mais discute se esta ou aquela tese aristotélica é verdadeira ou falsa. E particularmente se discute se o sistema aristotélico é um todo fechado ou se. em qualquer faculdade de filosofia deste país.olavodecarvalho. ao conrário.Pensamento e atualidade de Aristóteles . Mas vale a pena você estudar os pensamentos que outros tiveram durante séculos para depois não saber se tais pensamentos são verdadeiros ou falsos? É claro que o estudo histórico tem sentido mas não tem sentido abolir todas as outras perspectivas em nome da perspectiva histórica. é feito quase que exclusivamente pelo lado historicista. sensata ou absurda.segunda aula Danos que o historicismo trouxe à nossa compreensão de Aristóteles O pobre Aristóteles. Enquanto isto. Estão trocando o estudo da filosofia de Aristóteles pelo da história da filosofia de Aristóteles.org/apostilas/pensaris2_1. Todos os pensamentos perderam a atualidade e você só os estuda como expressões da sua época. Todo estudo de filosofia do século XVIII para trás. não se discute se o próprio conteúdo do pensamento de Aristóteles é verdadeiro ou falso.400 anos atrás. relativo portanto. veio a sociedade e o corrompeu. colocado 2. As http://www. uma técnica retórica. Então. nem mesmo nas esferas mais relativas da vida. e surgiu uma atmosfera simpática em relação aos índios. nas condições da França de então ocorreu esta idéia na cabeça de Rousseau? Resposta: porque as pessoas viviam levando índios. fica sabendo por que fulano pensou isto ou por que surgiu tal ou qual idéia. Este é um dos principais motivos da fraqueza do ensino de filosofia neste país. A esfera mais relativa é a esfera moral. ou podemos estudá-la historicamente. Há idéias que não mudam nunca. A filosofia aí tende a tornar-se um deleite mental. preferindo umas.org/apostilas/pensaris2_1.Pensamento e atualidade de Aristóteles . mas sem colocá-las jamais seriamente em exame quanto à sua veracidade. mas desenvolve uma atitude leviana em que não se interessa mais por saber se as idéias são verdadeiras ou falsas. Por que. para mostrar na França.htm (21 de 28)16/4/2007 09:19:49 . você explica o surgimento da idéia em função do ambiente. ouviu o falatório e naturalmente lhe ocorreu a idéia. Fazia um ou dois séculos que havia um crescente afluxo de índios para a Europa e Rousseau naturalmente viu um destes índios numa feira.olavodecarvalho. inclusive do Brasil. Agora digam: a teoria de Rousseau é verdadeira ou falsa? Saber que Rousseau teve essa idéia quando viu um índio na exposição ajuda a julgar a veracidade da idéia? Se você se acostuma a estudar tudo do ponto de vista histórico. deixando de ser um saber propriamente dito a respeito do real. ou um depósito de argumentos para uso das ideologias. A crença de que as idéias mesmas mudam de época para época é totalmente falsa. As pessoas "curtem" as filosofias do passado esteticamente.segunda aula estudar isto do ponto de vista interno para saber se esta doutrina é verdadeira ou falsa. rejeitando outras. comércio.org/apostilas/pensaris2_1. Portanto. Mas há alguma cultura onde não exista casamento de espécie alguma? Casamento. Mas mostrem-me uma comunidade que tivesse entre seus valores e princípios a sua própria extinção ou a prática sistemática do assassinato.Pensamento e atualidade de Aristóteles . deixando tudo bem esclarecido. há mil e uma.segunda aula idéias morais variam. sim. cósmicos. Não sei se esses princípios invariantes são leis naturais ou leis metafísicas . digo que nem tudo dá para entender historicamente. preservação da vida são princípios universais que nunca foram mudados em parte alguma e que.isto não existe. conforme as culturas. mas não a idéia mesma.não caberia especular isto agora. Tem história a descoberta desta idéia. como queiram. ou biológicos. ou metafísicos. Como parte deste método. Por enquanto tudo isto está dentro da discussão do método da história da filosofia.htm (22 de 28)16/4/2007 09:19:49 .olavodecarvalho. estas coisas correspondem a princípios imutáveis. não podem mudar com as mudanças de cultura. Vamos fazer o estudo histórico da filosofia de Aristóteles e para isto temos o o dever de fazer uma série de discussões metodológicas preliminares. que há pensamentos de Aristóteles que não podemos http://www. Assim como as relações entre o quadrado dos catetos e o quadrado da hipotenusa também não têm história. ou em que fosse proibida a procriação . se você investiga as formas de casamento. Não sendo culturais. Esses são princípios imutáveis. enquanto gêneros. Agora. Mostrem uma comunidade onde fosse proibida toda e qualquer forma de comércio. embora haja história das suas espécies. Ou toda e qualquer forma de propriedade. não têm história. mas não são culturais. Não existe. como se todo mundo http://www. Historicamente. se é natural. Importante é que ele é vigente ainda. O historicismo é um dos pais do relativismo generalizado que hoje impera. As pessoas estão seguras de que todas as idéias sempre mudaram e de que nunca houve idéia permanente ao longo de toda a história. BPV ou F. mas da ciência à qual essa idéia pertence. Todas as línguas têm uma história mas nem tudo nas línguas tem história.segunda aula entender em função de sua época e nem da personalidade de Aristóteles e que só entenderemos se olharmos firmemente para seus objetos. de degenerescência da espécie. se é ontológico.Pensamento e atualidade de Aristóteles . Se tudo é produto da história.htm (23 de 28)16/4/2007 09:19:49 . pior.olavodecarvalho.mas que eles existem. que são variantes do mesmo som. Não interessa agora a discussão sobre o fundamento destes princípios imutáveis. A letra M em mãe é universal. Konrad Lorenz diz que a perda da capacidade de perceber princípios universais é um sinal de decadência biológica. como se explica essa universalidade? Mostre uma língua que não tenha as categorias de verbo e substantivo.org/apostilas/pensaris2_1. é impossível. o que tem duzentos anos é recente. . Existem muitas outras leis e outros fenômenos cuja universalidade às vezes nos espanta. Ou que não tenha sujeito e objeto. Mas hoje passa como se fosse um verdadeiro dogma. As pessoas acreditam naquilo como se fosse a realidade mesma e. situando-nos desde dentro dessas idéias e perguntando: isto é verdadeiro ou falso? Temos de nos colocar dentro do ponto de vista não somente da história. e determina a maneira de as pessoas pensarem. da mudança cultural. Em pai. Por exemplo: em quase todas as línguas do mundo a palavra pai e a palavra mãe têm as mesmas raízes. e isto é completamente falso. isto é óbvio. O historicismo é um movimento recente. só tinham sobrado os tratados. não podemos esquecer que. Sua origem. Destes três tipos. a evolução que o pensamento de Aristóteles vai sofrendo ao longo do tempo se manifestaria sobretudo na diferença entre os rascunhos da maturidade e os escritos publicados. Isto quer dizer que aproximadamente uns cinquenta anos depois da morte de Aristóteles os livros publicados dele já estavam começando a desaparecer. Destas só sobraram fragmentos e citações.segunda aula sempre tivesse pensado assim. Ora.o exagero sistematista. o historicismo surge em reação a uma espécie de exagero contrário . e alguns escritos que eram para seu próprio uso. os escritos que eram apostilas e anotações de aulas. só aparece o produto final. Por outro lado. obras da juventude. os textos científicos que eram usados em aula. séculos I. No começo da era cristã. Os outros dois tipos. tem-se a impressão de que Aristóteles nasceu com sua filosofia http://www.as anotações de aula. dos quais se tiravam várias cópias. Então. Ora. se desapareceram os escritos da juventude. destinados aos alunos.Pensamento e atualidade de Aristóteles . pessoais e publicados. Aconteceu o seguinte: Aristóteles escreveu basicamente três tipos de escritos. nos estudos sobre Aristóteles.olavodecarvalho. II. O valor dogmático do historicismo provém de que ele esquece que ele mesmo é uma moda histórica. os que se destinavam à publicação. O exagero historicista nos estudos aristotélicos.htm (24 de 28)16/4/2007 09:19:49 . você não tem mais traços de uma evolução. só o segundo sobreviveu .org/apostilas/pensaris2_1. desapareceram. Tudo o que a gente não sabe de onde surgiu nos parece a realidade mesma. mais tarde não sobrou nada. a melhor exposição da organicidade. mas de partes simultâneas como num organismo. compõe-se não de partes sucessivas. O sistema está pronto e não se compõe de partes que se vão dialeticamente formando ao longo do tempo.olavodecarvalho.segunda aula pronta e acabada. ou seja o historicismo. Com as primeiras conquistas da ciência histórica nascente. E daí surge a idéia historicista. que se torna o texto clássico desta interpretação. da unidade do pensamento de Aristóteles no livro Da Significação do Ser em Aristóteles.org/apostilas/pensaris2_1. Foi só depois.Pensamento e atualidade de Aristóteles . Estamos cercando Aristóteles por fora . subdividindo-o em "fases" que são como que várias filosofias diferentes. aparece a obra de Werner Jaeger que representa a outra corrente.htm (25 de 28)16/4/2007 09:19:49 . vê o pensamento de Aristóteles como se fosse um organismo completo. Estamos falando primeiro do que os outros pensaram que ele era. naturalmente aparece uma interpretação historicista de Aristóteles contra a qual reage Franz Brentano. Toda a interpretação medieval de Aristóteles é feita exclusivamente em cima dos tratados e é uma interpretação organicista. que por sua vez tende a se absolutizar e a negar qualquer caráter orgânico e sistêmico ao pensamento de Aristóteles. http://www. na década de 20.caso de precocidade raríssimo em filosofia . O confronto das duas maneiras de pensar se dá sobretudo nos dois últimos séculos. No nosso século. Este produz aos 24 anos de idade . como numa história. Por isso digo que é um personagem múltiplo e ao longo da história foram sendo criados novos Aristóteles.até agora nada falei do conteúdo do pensamento de Aristóteles. com a redescoberta de fragmentos de escritos de juventude e com a reconstituição a partir destas citações que foi possível ver que Aristóteles nem sempre tinha pensado assim. o do "nosso" tempo. como todo ser humano. Ou seja. relativizando todos os outros tempos . recuem e fiquem distantes de nós. obteremos o julgamento que Aristóteles faria de nós. assim como podemos nos julgar partindo das expectativas que tínhamos quando crianças ou adolescentes. Portanto. Aristóteles. temos de fazer um recuo em sentido contrário ao que faz o historicismo. olhando-as não como idéias surgidas num determinado momento no tempo.org/apostilas/pensaris2_1.o que http://www. mas também o que Aristóteles pensaria de nós hoje. Este faz com que as idéias. Aristóteles é gente como nós . Se prolongarmos. não basta perguntar o que nós hoje pensamos do que Aristóteles pensou há 2400 anos atrás. não podia ser tão radicalmente diferente de nós e não tem sentido fazer que o distanciamento temporal de dois seres se sobreponha à sua identidade de espécie. Aristóteles era gente. ser mais cuidado. vivia no tempo e sabia que ia morrer e que depois disto ia continuar a existir gente neste planeta. Um pode ter mais proteínas. referidas aos seus momentos no tempo. revigorar sua atualidade.segunda aula de acordo com interesses de época. Se absolutizamos um ponto de vista. Em segundo lugar. como qualquer ser humano.Pensamento e atualidade de Aristóteles . Teríamos de fazer o contrário. percam a atualidade.esta é a primeira exigência do nosso método. mas como idéias que fossem válidas para nós agora.olavodecarvalho. E esta opção não é impossível. Este método de fazer com que o julgamento seja de dupla via é o único que pode pode dar equilíbrio e senso de justiça às nossas conclusões. entre um boi antigo e um boi moderno pode haver muitas diferenças. pertencia à mesma espécie biológica que nós. ampliarmos esta expectativa por 2400 anos. de uma raça que se formou depois .htm (26 de 28)16/4/2007 09:19:49 .mas no fundo é tudo boi. Ou seja. Para corrigir este desvio historicista. ele deveria ter alguma expectativa sobre o que deveria acontecer depois. Fala-se muito em etnocentrismo. senão ficamos cegos. Como viemos parar longe de Brentano! Afinal.Pensamento e atualidade de Aristóteles . a impressão que fica é que é impossível entender http://www. o que pareceu importante e desimportante. mas podemos levantar ainda um outro contraste.htm (27 de 28)16/4/2007 09:19:49 . essencial ou acidental na sua obra em cada época.segunda aula estamos fazendo? Criamos uma espécie de cronocentrismo. Durante muito tempo o pensamento de Aristóteles pareceu o sistema mais completo que existia. o pensamento de Aristóteles é um organismo que se formou e evoluiu no tempo ou é uma estrutura firme e acabada desde o princípio? É um sistema completo e fechado ou é o esboço de um plano que não chegou a se realizar? É um sistema completo ou um projeto incompletável? No confronto entre sistematistas e historicistas. mas pior é o cronocentrismo .achar que o nosso tempo é soberano. antes de entrar no conteúdo do pensamento de Aristóteles. que questões se levantaram. Não basta ver as outra épocas com o olho da nossa. perdemos o fio da continuidade da existência humana. a evolução do que pensaram sobre ele ao longo do tempo. Vamos estudar brevemente. completistas e incompletistas.org/apostilas/pensaris2_1. examinar por onde o olharam. como se antes dele não houvesse existido outros e como se ele não estivesse destinado a passar também. A variação aí é tão grande que podemos ir não só da escola sistematista para a historicista.olavodecarvalho. Como o remontaram ou dsmontaram e que soluções deram aos pontos obscuros da sua doutrina. Hoje em dia a tese dominante é a de Pierre Aubenque. temos de ver a nossa com os olhos das outras. que diz: "O pensamento de Aristóteles é incompleto e incompletável". Para fazer estas duas operações é que fiz a lista dos estudos aristotélicos. E outro: "Ele assegura que é redondo.htm (28 de 28)16/4/2007 09:19:49 .segunda aula Aristóteles. Um lê: "Aristóteles diz que isto é quadrado".Links .olavodecarvalho." Isto é para dar uma idéia de como achar a verdade pode ser difícil.E-mail http://www.Informações .org/apostilas/pensaris2_1. As pessoas o entendem das maneiras mais diversas.Textos . Segunda parte Home .Pensamento e atualidade de Aristóteles ." E um terceiro: "Ele diz que é um triângulo. org/apostilas/pensaris3_1. Transcrição de: Heloísa Madeira João Augusto Madeira e Kátia Torres Ribeiro 1 parte a O pensamento de Aristóteles surge dentro de certo desenvolvimento em três etapas do que chamamos a Filosofia do Conceito . algo que possa ser objeto de conhecimento.terceira aula Apostilas do Seminário de Filosofia .olavodecarvalho. e o http://www.aquela que busca um objeto estável.htm (1 de 14)16/4/2007 09:20:09 .6 Pensamento e atualidade de Aristóteles TERCEIRA AULA Casa de Cultura Laura Alvim. 29 de março de 1994.Pensamento e atualidade de Aristóteles . Rio de Janeiro. existência.htm (2 de 14)16/4/2007 09:20:09 . Em seguida. por um lado tem este aspecto essencial que faz com que possamos designá-lo sempre pelo mesmo nome referindo-nos à mesma espécie. Em Sócrates. por outro lado. a divisão entre o aspecto existencial e o conceptual era apenas técnica. era um artifício através do qual Sócrates tentava apreender um aspecto mais valioso da realidade. o método de Sócrates propunha que a mente humana se preocupasse principalmente do elemento conceptual. Distinguindo entre o que seria o aspecto essencial e o aspecto acidental ou transitório das coisas. digno de ser investigado. já recortado. Por exemplo. vemos que este elemento conceptual. com Platão. Elemento conceptual é a parte ou aspecto dos entes que. sendo que o outro aspecto não seria propriamente matéria de conhecimento. corrupção e morte não afeta a essência ou elemento conceptual destes entes. independentemente das variações ou transformações que possam sofrer no curso de sua existência. um animal qualquer.Pensamento e atualidade de Aristóteles . encaixado dentro de uma forma mental fixa.org/apostilas/pensaris3_1. essencialmente o mesmo. acidental e transitório é visto como uma espécie de tecido de aparências http://www.terceira aula encontra. separado por Sócrates. com Sócrates. adquire uma espécie de autonomia no sentido ontológico. esse aspecto separado por Sócrates é enfatizado como sendo ele mesmo a realidade. podendo ser resumido. revela o que estes entes são em essência. Em Platão.é um leão.olavodecarvalho. porém privado de existência. no elemento conceptual da realidade. leão. burro. E que todo o processo de geração. O leão morto não passa a ser outra coisa. Também é evidente que o cavalo não permanece o mesmo desde que nasce até que morre. dois leões iguais. cavalo. é evidente que não há dois cavalos iguais. ao passo que o aspecto existencial. mas apenas de sensação e opinião. e em Platão passa a ter um alcance ontológico. Uma coisa é dizer que vale mais a pena olhar a realidade por determinado aspecto por ser ele mais revelador. Ele diz apenas que em última instância o fator econômico é decisivo.htm (3 de 14)16/4/2007 09:20:09 . política.org/apostilas/pensaris3_1. em função dela.leis.. descrever os outros estratos da sociedade . outra coisa é dizer que este aspecto é que é real e que o outro é. Porém. a tradição marxista começou a tratar esta http://www. Podemos resumir tudo dizendo que em Sócrates a divisão dos dois mundos ou aspectos tinha um sentido metodológico. Em primeiro lugar. Um preceito metodológico ensina como você deve investigar as coisas.olavodecarvalho. tem isto também um alcance ontológico? Será a sociedade objetivamente constituída assim? Uma base econômica sobre a qual e e função da qual se vão criando outros estratos? Marx não deixa isto muito claro.Pensamento e atualidade de Aristóteles . artes etc. na história do pensamento e na história das ciências. ou gnoseológico. o mais prudente é interpretar o seu preceito em sentido apenas metodológico. isto é um preceito metodológico e como tal obviamente funciona. aconteceu que preceitos metodológicos se transformaram em leis ontológicas. Como ele não diz em parte alguma o que entende por última instância e onde termina a instância penúltima. valores. dando a entender que outros fatores podem ser decisivos em instâncias não últimas. Muitas vezes. Porém. um princípio ontológico estabelece como as coisas realmente são. Marx diz que devemos olhar a constituição da sociedade em primeiro lugar por sua infra-estrutura econômica e depois. pelo menos parcialmente ilusório.terceira aula que nos oculta a verdadeira realidade. A passagem de Sócrates para Platão é bastante nítida. é uma diferença quase abissal. se não totalmente falso. costumes. O caso mais recente é o do marxismo. E hoje esta idéia. Um costume como a antropofagia. deve ser considerado tão bom . Dizer que um método é mais conveniente do que o outro nada pressupõe a respeito da realidade. Na passagem do socratismo para o platonismo parece ter havido isto e não sei nem se o próprio Platão e os que o cercavam se deram conta desta escorregadela. O fato de que convenha examinar algo por certo lado não quer dizer que este lado seja objetivamente o mais importante.htm (4 de 14)16/4/2007 09:20:09 . Como se a sociedade fosse construída realmente de baixo para cima. por exemplo.como o da adoção dos órfãos. mesmo quem não gosta do marxismo.. a idéia de que o antropólogo.olavodecarvalho. Depois. O que seria um mero preceito metodológico ou no máximo uma hipótese ontológica acaba virando uma convicção das massas que acreditam que isto tenha um fundamento científico. pela qual foram do metodológico ao ontológico. como se uma cultura fosse melhor do que a outra.org/apostilas/pensaris3_1. entrou tão fundo na cabeça das pessoas que praticamente todo mundo pensa assim. Também na antropologia.terceira aula hierarquia metodológica como se fosse um preceito ontológico. tornou-se uma regra ontológica que diz que "não existem diferenças de valor entre as culturas ou os costumes". deve evitar fazer uma hierarquia valorativa. a partir de um embasamento econômico que determinaria todo o resto.Pensamento e atualidade de Aristóteles . é um preceito metodológico.ou tão ruim . quase que implicitamente.. Sempre que passamos do preceito metodológico para o ontológico existe no mínimo uma imprudência muito grande. quando examina diferentes culturas. E preciso cuidado para saber quando alguém está falando sobre a constituição da realidade ou sobre a melhor maneira de examiná-la. http://www. como preceito ontológico. Um preceito metodológico refere-se à ordem do conhecer. A partir de uma descrição da Via Dutra você nada fica sabendo sobre a cidade do Rio. que nem sempre reflete a hierarquia real do ser. mas na ora de construir tem de seguir a ordem exatamente inversa. novamente o que vê é o todo. não sabe tudo o que aconteceu antes.htm (5 de 14)16/4/2007 09:20:09 . Quando você vê a casa. http://www. Ora. mas é claro que este aspecto é o último na sequência de constituição desses seres. Quando você conhece uma pessoa. descrever o caminho pelo qual você chega de São Paulo ao Rio de Janeiro não é falar nada sobre o Rio. se ela é própria apenas daquele momento? Você conhece alguém de quarenta anos. a primeira coisa que vê é a aparência física. está vendo a aparência desta idade. Há uma série de inversões da hierarquia. Mas como esta pode ser reveladora.Pensamento e atualidade de Aristóteles . ele concebe o todo. tijolo por tijolo. mas quando vai percorrê-la tem de ir parte por parte. A ordem do conhecer nem sempre vem na hierarquia certa do ser.terceira aula Distinção entre a ordem do ser e a ordem do conhecer Aristóteles esclareceu isto perfeitamente com a distinção da ordem do ser e da ordem do conhecer. o esquema geral.olavodecarvalho. o primeiro que conhecemos nos seres é o seu aspecto exterior e manifesto. Um método é apenas um caminho para chegar a alguma coisa. Quando o arquiteto concebe uma casa. Do mesmo modo.org/apostilas/pensaris3_1. org/apostilas/pensaris3_1.Pensamento e atualidade de Aristóteles . dois mil e tantos anos depois de Platão. chamado Wilhelm Worringer. aí podemos dizer que quem está falando é Platão. que certo platonismo já aparecia na arte do homem das cavernas. materializada numa divisão real do mundo em dois estratos. não o encontramos de maneira nenhuma.terceira aula Evolução da filosofia do conceito: de Sócrates a Platão. Hoje vemos. Ele transformou uma sugestão metodológica numa doutrina formal sobre a constituição do real.as falas a ele atribuídas . Como se o mundo único da nossa experiência.algo de uma ontologia. Ele observou que o homem primitivo.é hipostasiada. você cria dois mundos.htm (6 de 14)16/4/2007 09:20:09 . é aparência. sentindo-se perfeitamente http://www. longe de ser um cidadão perfeitamente integrado na natureza. Com isto. personificada. Só encontramos preceitos de lógica. é um véu.a separação entre o ser e o seu conceito . de ética e de metodologia. A doutrina dos dois mundos é quase um tendência natural do espírito humano. aquele sobre o qual investigamos. Quando o Sócrates que aparece nos Diálogos de Platão começa a dar a preceitos de Sócrates valor ontológico. Em vez de dizer que é mais fácil examinar os seres pelo seu aspeto conceptual ou lógico do que pelo simples aspecto sensível. ou existencial. já não fosse bastante complicado. e que o aspecto sensível.olavodecarvalho. uma separação meramente mental que nós fazemos . Isto foi destacado por um grande historiador da arte. Se procurarmos em tudo aquilo que está documentado como dito por Sócrates . ele diz que o aspecto conceptual ou lógico é a verdadeira realidade. na polis. tendemos a nos refugiar num domínio intelectual puro. e afinal sente-se mais seguro e face desta natureza. uma arte que retrate a natureza com toda a sua variedade de formas e cores e seres. e uma arte naturalista. é uma arte simplificadora. que expressa um impulso abstrativo muito intenso. uma arte de ornamentação puramente geométrica é o que se observa em praticamente todas as sociedades tribais. é. para podermos encontrar dentro dele os princípios de organização simplificadora. e em consequência. monta as cidades. porque ele não tem poder sobre ela. ao contrário. Por isso mesmo. na qual o artista se deleita em copiar as formas da natureza. O naturalismo.terceira aula bem ali. Como você não está entendendo o que se passa fora. uma arte geométrica. recua para organizar os próprios pensamentos. com os quais mais tarde voltaremos a tentar nos instalar no mundo externo. e não do primitivo. a curtição da natureza. A beleza da natureza só é visível depois que você está a uma boa distância dela. a sociedade. Para este a natureza é um caos.olavodecarvalho. de modo http://www. ritual. cheia de imprevistos e ameaças incompreensíveis. longe de ser uma arte naturalista. Esta arte primitiva tem também um sentido religioso. coloca todo mundo para trabalhar.org/apostilas/pensaris3_1. Worringer explica assim este estilo de arte: quando o mundo real nos parece demasiadamente complicado ou ameaçador. Ora.Pensamento e atualidade de Aristóteles . A partir da hora em que consegue organizar o pensamento humano. um ente aterrorizado pela natureza imensa que o cerca. então sim os aspectos terrificantes dela são atenuados e começam a aparecer os aspectos estéticos. volta à ação exterior. cria sistemas de produção e defesa. são próprios do homem civilizado. Depois de os ter organizado.htm (7 de 14)16/4/2007 09:20:09 . coloca uma hierarquia. a arte dos povos primitivos. só aparece nas sociedades organizadas. não sendo visível neste mundo. No tempo de Platão. Carl-Gustav Jung. notou que sonhar com objetos geométricos acontece na hora em que a anima está dialogando com o superego ( anima é a parte da psique que congrega desejos. São símbolos. O geometrismo expressa um princípio de reorganização da mente.olavodecarvalho. procura em primeiro lugar reordenar o seu mundo interior. As matemáticas começam a se desenvolver primeiro pela geometria e só depois chegam à aritmética pura.terceira aula que as formas puramente geométricas expressam um realidade que. Por isto dizia Alain que Platão é o filósofo bom para os que estão em dificuldades interiores. superego é senso imanente de autoridade. Na hora e que se estabelece este diálogo que visa reordenar a relação entre as leis e os desejos. e que reaparece sempre que a situação fica caótica e o homem. é no entanto superior a ele.Pensamento e atualidade de Aristóteles . no sentido de obter autorização para fazer alguma coisa que ela deseja. e aí entenderíamos o platonismo não apenas a filosofia de um certo cidadão. não conseguindo entender o que se passa. Expressa um mundo de relações puramente espirituais. e na qual o homem se sente protegido contra o caos exterior. mas como uma tendência constante do espírito humano. angélicas. aspirações de felicidade. signos mágicos ou religiosos. é que o sujeito começa a sonhar com figurar geométricas. não estando na natureza. ao passo que Aristóteles é para os cientistas e pesquisadores do mundo.org/apostilas/pensaris3_1. Num outro contexto completamente diferente. que não levo muito a sério como teórico mas cujas observações clínicas são primorosas. a geometria já estava bastante desenvolvida e http://www. Podemos ver nestes fenômenos descritos por Worringer uma espécie de platonismo primitivo. Por um motivo muito simples: o geométrico forma uma espécie de ponte entre o puramente matemático e o sensível. legalidade interna ).htm (8 de 14)16/4/2007 09:20:09 . entre a anima e o superego. Lévi-Strauss. moral.htm (9 de 14)16/4/2007 09:20:09 . de dissolução da unidade da civilização cristã. como Kepler. sempre que o homem sente a necessidade de refluir desde um situação exterior caótica até um princípio espiritual. e onde indivíduos mais sensíveis. haveria entre as distintas esferas planetárias as mesmas relações que existem na sequência dos sólidos geométricos platônicos.olavodecarvalho. hierarquia lógica. mas um tendência que reaparece a todo momento. sentem a necessidade de restaurar a doutrina platônica sob as formas geométricas do cosmos. É mais fácil raciocinar matematicamente com figuras geométricas do que com números abstratos. Segundo Kepler. Do mesmo modo. ou seja. E se é assim. um rearranjo entre as exigências da alma humana e o senso de ordem. dando mais atenção ao estrato superior interno. O geometrismo é um recuo para uma reorganização interior.terceira aula a aritmética só começa a caminhar uns quatro séculos depois. intelectual. sempre que houver uma situação de caos social. representado em geral por figuras e relações de tipo geométrico. ressurgirá algum platonismo. o platonismo não é a filosofia de Platão. época de muito caos. O desejo de encontrar na realidade externa um princípio geométrico é um desejo de ordenação.Pensamento e atualidade de Aristóteles . a queda do marxismo após a revelação dos crimes de Stalin por Kruschev precipitou a intelectualidade européia numa crise de consciência para a qual encontrou alívio aderindo ao estruturalismo de Cl.org/apostilas/pensaris3_1. etc. invisível ou transcendente de organização. uma intermediação entre a parte sensível e a parte inteligível. realidade firme. ou como diria Jung. Veremos isto às portas da Renascença. interno. O geometrismo aparece como um diálogo. uma espécie de http://www. uma divisão do mundo em dois estratos. Visto assim. sendo recomprado por seus discípulos. num dos quais ele tenta dar seu apoio a um golpe de Estado que teria sido dado por um discípulo seu numa cidade vizinha. Quando você está se sentindo perfeitamente bem na confusão e na variedade do mundo externo. Platão é preso e vendido como escravo na feira.mas não dá certo. inspirado no rigorismo linguístico de Saussure. para reformála nos moldes da primeira. O golpe de Estado é reprimido. Ora. como fez depois Mohammed ( Maomé ) .terceira aula geometrismo antropológico que. reordenar a Grécia. tinha ele a idéia de. era um homem público. Mas este sente-se bem porque está um pouco fora dele.LéviStrauss dizia "almofada" --que é a própria civilização. A época de Platão era uma época de caos moral muito grande. Na famosa Carta VII ele explica que o grande objetivo de sua vida tinha sido reformar politicamente a Grécia. não quer organizá-lo de maneira alguma.Pensamento e atualidade de Aristóteles . só procuramos ordenar o que está desordenado. reordenar o mundo todo.org/apostilas/pensaris3_1. Platão faz uma espécie de Hégira . a partir desta cidade. voltando vitorioso para Atenas.saiu. reflui do devir histórico para a busca das estruturas permanentes. reformou a cidade vizinha e voltou à sua. A distinção que faz o Worringer entre a arte primitiva ou geometrizante e a arte clássica de tendências mais naturalísticas é a distinção que existe entre o homem que teme o cosmos e o que se sente bem nele. Vemos na biografia de Platão que este impulso reformador e reordenador se defronta com uma série impressionante de fracassos. tinha um projeto político para o mundo inteiro. protegido por uma camada -. principalmente para Atenas.htm (10 de 14)16/4/2007 09:20:09 . Platão tinha o impulso de reformar. Platão não era só um filósofo. um homem de ação.olavodecarvalho. http://www. esta idéia de uma preparação interior até que o sujeito esteja pronto para atuar no mundo. O empreendimento não foi totalmente fracassado porque toda a proposta pedagógica que Platão oferece para a reforma do mundo acaba sendo adotada.terceira aula Sócrates não teve nenhum intuito de agir politicamente. moralista. uma geometrização e uma absolutização da divisão do mundo em dois estratos. Aí ele sente que antes de reformar o mundo é preciso fazer uma espécie de interiorização. que não se curva tão facilmente aos nossos impulsos reformadores. todos pensam igual. Se observarem o que é a educação de um padre na igreja e perguntarem de onde a Igreja tirou isto.Pensamento e atualidade de Aristóteles . nada encontrarão nos Evangelhos ou no Antigo Testamento. a sua é um tipo de filosofia muito mais pura que a de Platão.htm (11 de 14)16/4/2007 09:20:09 . político.olavodecarvalho. mas o foi na organização da Igreja.reformador. pelo clero católico. uma reordenação conceptual para mais tarde tentar com base nela reorganizar o mundo. Na famosa República Platônica. profeta. a filosofia deles é uniforme. a proposta platônica perdeu a batalha na Grécia mas venceu em uma outra parte do mundo. Esta proposta não foi adotada na política mundial. Saindo desta e de outras experiências do mesmo teor. justamente a parte que continha em si as mais promissoras sementes de http://www. uma reforma do mundo interior. letra por letra. Neste sentido. na maturidade. ele inicia. Em parte. Não há fontes cristãs deste modelo: sua fonte é o velho Platão. quando começa a se tornar independente do mundo socrático para criar seu próprio mundo filosófico. numa espécie de clero filosófico.org/apostilas/pensaris3_1. uma transição marcada por um abstratismo. mistura de filósofo e estadista -. essa mudança na orientação da filosofia de Platão acontece por força destas experiências que mostram ao filósofo o caráter rebelde do caos do mundo. a chefia é conferida aos filósofos mais profundos. Organicismo versus geometrismo Em contraste com isto. e ao contrário.org/apostilas/pensaris3_1. A primeira coisa que se observa num organismo é a inseparabilidade que existe entre a unidade e a variedade que o compõe. o ser vivente não é encontrado num outro mundo. Aristóteles é o inventor da biologia e podemos tomar a sua filosofia como protótipo do pensamento biológico . manifestando certa birra com elas.por http://www. de uma diversificação muito grande de órgãos . muito provavelmente estudado anatomia desde pequeno. seja do ser humano ou do animal. e especialmente com o matematismo. na sua plenitude. já não existe mais. declínio e morte. não tendo nenhum talento especial para matemáticas. examinálo.htm (12 de 14)16/4/2007 09:20:09 .o que toma o ser vivente como modelo do real. através de um pensamento conceptual. no deu desenvolvimento.terceira aula futuro. mas sim neste mesmo e com os dois olhos da cara. observá-lo no seu surgimento. É possível vê-lo. sem sombra de dúvida. se mostra um homem muito mais inclinado a conceber a idéia de forma não segundo um modelo geométrico. Daí parte uma série de tendências características do pensamento aristotélico. é obra da Igreja. cheirá-lo. vemos que Aristóteles. tocá-lo. Se perder a unidade. as sementes da civilização européia que. pertencente a uma família de médicos e tendo. é uma unidade composta de uma diversidade.olavodecarvalho. Ora. O organismo tem a característica de morrer se for cortado pelo meio. mas segundo o modelo do corpo vivente.Pensamento e atualidade de Aristóteles . Por outro lado. senão em vista dos fins a que este organismo visa. Os vários órgãos são tão diferentes entre si que somente funcionam de maneira coordenada se o organismo todo tender a um determinado fim. Naquele tempo não se sabia.olavodecarvalho. mais harmoniosamente funcionam os seus vários órgãos. vai ver que não há nenhuma maneira de explicar a coordenação entre eles. a ginástica ou qualquer disciplina funcionam. Outras que são substituídas: hoje sabemos que todas as células são trocadas de tempos em tempos. muito antes de que ele as formulasse filosoficamente.terceira aula isso mesmo se chama organismo (conjunto harmônico de órgãos que funcionam para um mesmo fim). unhas. Por isto. porque acostumam todos os órgãos a agirem de uma maneira sincrônica e harmônica. Perde a coesão. em vez de se dispersarem.htm (13 de 14)16/4/2007 09:20:09 . s subordinação e coordenação entre as partes. pelo menos no todo. sem um grave http://www. Quando o organismo morre. mas era fácil ter uma certa antevisão disto. Outras que expelimos constantemente. ele se decompõe. Quando os órgãos se rebelam uns contra os outros é a doença. nem todos os órgãos têm a mesma importância vital. No organismo. a harmonia.Pensamento e atualidade de Aristóteles . Se você observar os vários órgãos que compõem qualquer corpo vivente. suas partes mínimas separam-se e adquirem vida autônoma. O corpo humano tem ainda a característica de ser marcadamente hierárquico. Quanto mais dirigido a um fim claro e definido está o organismo. Temos órgãos que não podem ser eliminados. e em seguida a morte.org/apostilas/pensaris3_1. Temos partes do corpo humano que nós mesmos incessantemente cortamos e jogamos fora: cabelos. Esta harmonia é a própria integridade do corpo humano. Tudo isto são observações que devem ter ocorrido a Aristóteles muito precocemente. Links .se você for acertado ali está morto.org/apostilas/pensaris3_1. E outros que não podem ser cortados.Pensamento e atualidade de Aristóteles . 2º) Identidade entre a coesão e a existência real (a coesão é a própria possibilidade de existência). Mas não podemos viver sem metade do coração. coordenação e subordinação são as carecterísticas mais evidentes do ser biológico. continuamos vivendo. ou sem ossos. embora de maneira deficiente.olavodecarvalho. Segunda parte Home . temos: 1º) Unidade na variedade. mas não sem cérebro nenhum. Se nos cortam uma perna.Textos . Esta gradação hierárquica de importância vital é outra característica do organismo.Informações . Então. Sabemos que podemos viver sem uma parte do cérebro.E-mail http://www.htm (14 de 14)16/4/2007 09:20:09 . Unidade diversificada.terceira aula prejuízo para o corpo. nem mesmo tocados . 3º) Caráter hierárquico. aprofundando mais e reconstruindo tudo a http://www.Pensamento e Atualidade de Aristóteles .htm (1 de 22)16/4/2007 09:20:23 . João Carlos Madeira e Kátia Torres Ribeiro.quarta aula Apostilas do Seminário de Filosofia .org/apostilas/pensaris4_1. 1 parte a A intuição básica de Aristóteles é a idéia de totalidade .olavodecarvalho.a esta idéia voltaremos muitas vezes.7 Pensamento e Atualidade de Aristóteles QUARTA AULA 5 de abril de 1994 Transcrição de: Heloísa Madeira. org/apostilas/pensaris4_1. como esta estrutura é tomada como ponto de referência desde o começo da era cristã.a estrutura da obra de Aristóteles segundo a tradição .Pensamento e Atualidade de Aristóteles . que me parece a chave da obra. Quando você estrutura o sistema das ciências.nos dá a divisão que vamos usar como ponto de partida hipotético. Vamos aprofundá-la ao longo das aulas. a da estrutura da obra é outro. e assim iremos estruturando este tema em torno de alguns pólos de atração aos quais retornaremos de tempos em tempos. primeiro: daí não decorre que o sujeito deva escrever um livro sobre cada ciência http://www. uma vez definido o sistema das ciências. embora muito criticada ao longo dos tempos. Porque.quarta aula partir dela. quais os setores da realidade que estas ciências deveriam idealmente abordar e quais os critérios da divisão ideal.htm (2 de 22)16/4/2007 09:20:23 . Enquanto isto. que foi Andrônico de Rodes. A questão da intuição básica é um deles. fez um divisão de suas obras partindo da idéia de que ela deveria acompanhar rigorosamente as divisões que Aristóteles estabelecia no sistema das ciências. de modo que a divisão em volumes seria um reflexo da divisão ideal ou da divisão lógica das ciências. ou seja. está definindo como esta divisão deveria ser. A crítica principal que se pode fazer a ela é que a divisão do sistema das ciências é sempre do tipo ideal. Não quer dizer que eu aceite esta divisão e que ache que a organização a ser compreendida na obra de Aristóteles seja exatamente esta. O primeiro editor da obra de Aristóteles. vamos usá-la como ponto de partida de nossas investigações. Esta divisão feita por Andrônico. a divisão dos textos em volumes é uma divisão real e acidental. jamais foi alterada. O item que se segue . Apenas. Esta divisão foi mencionada também de passagem na primeira aula.olavodecarvalho. Ou seja. Ele divide os assuntos e escreve um volume para cada um. mas acho que esse paralelismo só pode se realizar perfeitamente em obras que expõem uma filosofia velha e consagrada. verá que eles fazem um volume de lógica.htm (3 de 22)16/4/2007 09:20:23 . se só havia sobrado. sobretudo os mais recentes. divisão de textos é uma divisão de objetos. No conjunto da história da filosofia é raro que um filósofo escreva um volume para cada ciência de acordo com a divisão exata que ele fez dos vários assuntos. com http://www. por exemplo. não fica muito claro se ele está falando de idealidades ou de realidades. de conceitos ou de textos efetivamente existentes. segundo: mesmo que idealmente o indivíduo queira escrever um volume para cada ciência. firmou-se com ela uma divisão ideal das ciências que por sua vez se projetou numa divisão em volumes. Depois que a Escolástica foi-se consolidando . A filosofia em estado nascente tem geralmente uma exposição improvisada e assimétrica. um de metafísica. Se você tomar os escolásticos menores. Na obra do cardeal Mercier. um de psicologia. Nem sempre uma coisa terá de acompanhar a outra. por exemplo. não naquelas que expõem a doutrina que o filósofo está criando naquele mesmo momento. Maritain ou André Marc. por exemplo. Um exemplo disto seria Kant. do que o tomismo.org/apostilas/pensaris4_1. Pode. editorialmente.não ainda em Santo Tomás de Aquino -. acompanhando a divisão das ciências. O pior de tudo é que.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . não está dito que ele vá conseguir fazê-lo.olavodecarvalho. morrer antes. os escolásticos. enquanto divisão do sistema das ciências é uma divisão de conceitos. O neotomismo é por isto mais organizado. Nesta divisão feita por Andrônico. Outro exemplo.quarta aula que ele tenha citado na divisão. há um rigoroso paralelismo entre as divisões do sistema e a repartição dos volumes. ou então é uma qualidade quando você percebe que está com calor. como este terço poderia acompanhar a divisão global do sistema das ciências? Mesmo que Aristóteles tivesse escrito os volumes rigorosamente de acordo com as divisões do sistema. Para se orientar no mundo de Aristóteles. Você percebe alguma coisa e esta coisa que você percebe é ou um ente real . Aí estão os modos de esquematizar o pensamento que são comuns a todas as ciências. As Categorias: o primeiro livro da série "Lógica" A primeira obra do Organon chama-se "As Categorias". haveria um setor consagrado ao método de todas as ciências. Categorias são as formas básicas sob as quais a realidade chega até nós.org/apostilas/pensaris4_1. em suma. que quer dizer "instrumento". sem deixar nenhuma em branco. os tratados de lógica. assim como nomes de ruas. para você saber aonde está entrando.olavodecarvalho. os tratados que se referem aos discursos de modo geral.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . A divisão de Andrônico é a seguinte: primeiro. é isto que Aristóteles chama de Organon. um terço da obra aristotélica.como por exemplo percebo vocês neste momento -.quarta aula as perdas. a todos os setores do conhecimento. há uma série de nomes que é preciso decorar. ou é uma relação entre as duas http://www.htm (4 de 22)16/4/2007 09:20:23 . se dois terços da sua obra foram perdidos seria muito pouco provável que sobrasse exatamente um pouco de texto para cada divisão. htm (5 de 22)16/4/2007 09:20:23 . Do ponto de vista lógico. Não basta que o cachorro exista para que ele morda. Isto do ponto de vista ontológico. teremos outros tantos tipos de conceitos.quarta aula coisas .org/apostilas/pensaris4_1.quando digo que a caneta está em cima da mesa.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . No entanto.o cachorro mordeu o menino. Para que ele mordesse o menino seria preciso que ele já fosse real antes disto e que o menino também o fosse. Ou seja. As Categorias são o primeiro livro da lógica. Entendemos assim que a realidade da ação não é do mesmo tipo que a realidade do ente. ela é real e não poderíamos reduzir a realidade da ação à do sujeito.pergunto: mas isso é real? Sim. dizemos que elas são as espécies de conceitos que existem. conforme as várias espécies de realidade. Voltando à frase "o cachorro mordeu o menino". embora não exista sem ela. No entanto o sujeito não pressupunha esta ação. Estas várias modalidades de realidade é que são as categorias. E seriam. O cachorro poderia ser perfeitamente real sem morder menino algum. Todas as coisas que posso perceber no mundo estão colocadas numa destas categorias. Elas são a divisão máxima da realidade. ou é uma ação que está sendo praticada por algum ente . daquilo que Aristóteles denomina substância. os vários tipos de conceitos possíveis.olavodecarvalho. equivalentemente. A ação do cachorro morder o menino é real. mas uma ação pressupõe um sujeito que a pratique. Os predicáveis: http://www. Entendemos que a ação tem um tipo de realidade própria que não se reduz à realidade do sujeito. olavodecarvalho.org/apostilas/pensaris4_1. Isto continua sendo rigorosamente assim. e pode referir-se a algo que não é nem parte de sua essência.estou dando uma definição do homem.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . Agora. Digo apenas o gênero. Por exemplo: "o cachorro é um animal" não é uma definição de cachorro. porque não é necessário que ele aprenda aritmética de fato. gênero. que não faz parte da definição dele. A definição se faz indicando o gênero a que um ente pertence e qual a diferença que ele tem em relação aos outros do mesmo gênero. Porém se digo: "O homem é capaz de aprender aritmética" isto não faz parte da definição.htm (6 de 22)16/4/2007 09:20:23 . mas decorre dela logicamente. a algo que ele fez acidentalmente. Se digo: "O homem é um animal racional" . Toda e qualquer sentença que você diga a respeito de qualquer coisa vai cair numa destas modalidades. nem acidente. http://www. A isto chamamos propriedade. ou ainda pode estar dizendo o gênero a que ele pertence. Quando faço uma afirmação qualquer a respeito de um ente. nem um acidente nem uma propriedade.quarta aula definição. Vocês podem testar isto com quaisquer pensamentos e quaisquer frases. Ou vai estar dando a definição do ser. ela pode referir-se àquilo que o ente é essencialmente. se digo: "Fulano aprendeu aritmética" isto é um acidente. propriedade e acidente O livro trata também de uma outra distinção. ou seja. aquilo que é próprio do ente. ou vai estar dizendo um acidente ou uma propriedade dele. porque ele as repete sempre.htm (7 de 22)16/4/2007 09:20:23 . Isto significa que esta parte da teoria não está pronta. hindu etc. 2. 4. Quando existe uma coincidência muito grande entre indivíduos de muitas civilizações sem contato entre si e com milênios de distância.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . Nem todo mundo se encontra. O segundo livro da série da lógica chama-se "Da Interpretação" ( Peri Hermeneias ). em determinada etapa da vida. entre os acidentes.quantidade. teoricamente. num outro sentido. e perdemos http://www. e outra dá oito. Além disso verifiquei que este número é o mesmo em todos os sistemas de categorias conhecidas nas outras lógicas do mundo (chinesa. Por que este nome? Predicar quer dizer atribuir alguma coisa a algum ente. 5.espaço/tempo.relação.). se puder: de que Dante está falando? De um acidente.ação.org/apostilas/pensaris4_1. 6. segundo Dante. muito provavelmente estes indivíduos estão captando estruturas básicas do pensamento humano ou da realidade mesma. Numa lista dá sete. Então podemos fechar negócio em torno das seguintes categorias: 1.qualidade.substância. Porém.podemos dizer: isto é uma imagem de um processo essencial à vida humana. porque vivemos no tempo. A vida humana é perder-se do caminho reto. 3. é atribuir um predicado a um sujeito. eu me encontrei por um selva escura. Tudo o que se afirma é uma predicação. Quanto às categorias o próprio Aristóteles mostra dúvida quanto ao seu número. perdido em uma selva escura.paixão. Quando Dante fala: "No meio do caminho desta vida. 7.olavodecarvalho. Quanto às sete categorias básicas não parece haver dúvida. classifique isto nas categorias.quarta aula Esta divisão em quatro é a dos predicáveis. em outra dez. onde a correta via era perdida". Tudo o que se fala pode ser colocado ou na tábua das categorias ou na tábua dos quatro predicáveis. olavodecarvalho. se se trata de uma obra poética. Não podemos identificar a sentença gramaticalmente considerada. as http://www. dando-lhes um sentido lógico.que dizem que as categorias de Aristóteles são apenas uma extrapolação das categorias gramaticais. cinco. A interpretação correta da frase e de seu desdobramento nas proposições ou juízos lógicos formais é uma operação preliminar. estes conceitos lógicos das categorias não correspondem rigorosamente aos conceitos gramaticais que depois foram forjados com base neles. a uma propriedade.C. a começar por um dos fundadores da lógica matemática . Houve alguns espertinhos.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . como pode ser um acidente? Vemos que antes de classificar pelos predicáveis e pelas categorias é necessário interpretar a sentença. é substantivo. Conforme o sentido. e baseadas em Aristóteles. dez proposições lógicas.Rudolph Carnap . Na gramática.. É por isso que a gramática não funciona nem funcionaria jamais. Por exemplo. materialmente falada. o cachorro. Ele as teria tomado. Ou seja. mas o azul também é substantivo. Carnap pertence à escola neopositivista. a mesma sentença poderá equivaler a uma definição. por exemplo. não existia nenhuma gramática da língua grega e as primeiras especulações gramaticais dos gregos são do século I a. Se é essencial. E isto é um processo essencial à vida humana. com a proposição lógica correspondente. embora às vezes também seja adjetivo.org/apostilas/pensaris4_1.quarta aula o sentido da nossa caminhada. um acontecimento etc. pois ninguém havia pensado em categorias gramaticais até então.htm (8 de 22)16/4/2007 09:20:23 . Para os neopositivistas. Isto é pura ignorância. a mesma sentença equivale a quatro. E é evidente que uma coisa nada tem a ver com a outra. E esperar que ela tenha uma estrutura lógica é como esperar que os http://www. e ainda em outro sentido. e já faz uma confusão medonha. o Ministério da Educação. os processos que estruturam a gramática não são processos lógicos. Você pode ser representado pelo seu nome. Existe um hiato de pelo menos sete anos entre aprender a pensar e aprender a escrever. Entre o conceito e a palavra a relação é esta.htm (9 de 22)16/4/2007 09:20:23 . Assim como a um mesmo ser correspondem incontáveis maneiras de representá-lo. acham que o ensino do pensamento. ao fim de umas duas ou três gerações o gato fica abóbora definitivamente. É evidente que se temos sete tipos de conceitos.olavodecarvalho. porque evidentemente os tipos de palavras não correspondem a estes tipos de conceitos.incumbe aos professores de português. ). isto é. A uma mesma palavra podem corresponder três. quatro. Surge. A gramática se faz empiricamente.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . ou por um objeto de sua propriedade ( marcando um lugar etc. Nossos educadores. dez conceitos diferentes. ou por uma fotografia ( num outro sentido da palavra representar ). São representações indiretas de conceitos. quando o que se deu foi o contrário: a gramática é que surge com base na lógica de Aristóteles. Uma gramática se forma por usos e acidentes. o ensinar a raciocinar . por um procurador. não vamos poder ter sete tipos de palavras. Se as pessoas decidem chamar gato de abóbora.quarta aula categorias aristotélicas seriam apenas tipos de palavras. Porque as palavras são apenas signos que indicam sons que por sua vez indica idéias. estariam ensinando a pensar. ao sabor de fatos reais. E segundo lugar. Isto é admitir que ninguém pensa nada antes da escrever a primeira palavra. Ao ensinar a redigir.org/apostilas/pensaris4_1. quarta aula resultados da loteria esportiva funcionem com um rigoroso padrão lógico repetitivo. similar ao valor semântico de palavras vagamente parecidas da língua inglesa.org/apostilas/pensaris4_1. Os brasileiros também começam a dar um valor semântico diferente às suas próprias palavras. É o que acontece hoje com a língua inglesa que está comendo a nossa língua. É uma trama estabelecida pelo desenrolar dos fatos.htm (10 de 22)16/4/2007 09:20:23 . televisão etc. Isto é a estrutura mental de um povo sendo implantada sobre outro. Quando uma província é mais adiantada do que as outras. ou política. mais ou menos como ela se encontra. O serviço da gramática consiste e descrever o estado da língua e cada momento. exercerá sobre o outro uma influência terrível. sua linguagem não será a mesma. estabelecer certos usos como preferenciais.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . mas no exportar estruturas de frases: estamos falando português com estrutura de frase inglesa. E por uma decisão de ordem estética. Isto é muito comum em jornais. antes e depois do sujeito comprar televisão. a linguagem dela se torna http://www. Por exemplo. O resultado disto será maior ou menor conforme o apego maior ou menor que cada população tenha aos seus costumes linguísticos anteriores. mas ao puro empirismo. ela é errada em função de determinado padrão que num certo momento foi adotado. às vezes por uma conveniência sociológica. e então não obedece a uma regra lógica. Se dois povos entram em contato mais estreito. Quando dizemos que tal frase ou tal outra é errada. processo normal.são estruturas de sons e grafismos que são sedimentadas pelo uso. não no sentido de exportar palavras.olavodecarvalho. uso este que está submetido a milhões de influências casuais. mais antigo. As estruturas da gramática não são lógicas . mais civilizado. o povo mais forte. Mas é uma decisão estética. Os processos de uniformização da língua obedece a fatores casuais. e a gramática não é feita pela autoridade. O sujeito gramatical é Pedro. Isto é para verem o abismo que existe entre lógica e gramática. Se digo: "João matou Pedro". como aconteceu na Itália. ela é feita pelo poder. Quem fala mais alto acaba sendo imitado. mas não podemos questionar o seu poder. Além de levar em conta as categorias e os predicáveis.olavodecarvalho. mas poderá ter um ou mais sentidos que constituirão as suas proposições http://www.quarta aula padrão para que as pessoas possa entender-se. É um processo de unificação da língua. Hoje em dia no Brasil. Então o italiano aprende em casa o seu próprio dialeto e na escola o toscano. mas o sujeito lógico continua sendo João. Podemos questionar a autoridade da Rede Globo em matéria gramatical. a linguagem-padrão é a da Rede Globo. quando o dialeto da província toscana foi adotado como língua italiana. Isto não quer dizer que a língua toscana seja em si melhor do que as outras. Um exemplo comum é a diferença que existe entre sujeito lógico e sujeito gramatical. A tentativa de estruturar a gramática segundo conceitos rigorosamente lógicos leva a perversões.htm (11 de 22)16/4/2007 09:20:23 . que se tornou dominante. para poder aplicar estes conceitos à classificação dos demais conceitos. é necessário que a frase seja interpretada e que da sentença gramatical considerada nós retiremos os juízos ou proposições formais. Agora digo: "Pedro foi morto por João".org/apostilas/pensaris4_1. Se pegamos esta primeira sentença da Divina Comédia.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . ela é uma sentença só. O que chamamos língua italiana hoje é na verdade um dos dialetos. o sujeito é João. E também deve dar para entender a que desastre deve levar a idéia de quem tem de ensinar a pensar é o professor de português. htm (12 de 22)16/4/2007 09:20:23 . que estão materialmente todas na mesma frase. É disto que trata o livro da interpretação. Ora. O máximo de sentidos no mínimo de palavras . ou seja.mas há ambiguidade nos dois casos. A sentença pode ser ambígua. Segundo Aristóteles. A frase de Dante. Aí não temos base para raciocinar http://www. nem a língua literária. que leva este nome por tratar da confrontação de dois discursos simultâneos (dois ou mais). ter dois sentidos. É próprio da linguagem poética corresponder a várias proposições formais possíveis e é por isso mesmo que ela é sintética. conforme seja interpretada como acidental ou própria do destino humano. que tratam da ciência da dialética.quarta aula formais. O poeta é ambíguo porque quer. nem a de comunicação social ou jornalística ou da televisão . já tem duas proposições formais que teriam de ser analisadas separadamente. ela não consegue ser outra coisa.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . e nós por deficiência . Tudo isto é linguagem ambígua. A linguagem do dia-a-dia não é ambígua por escolha. Se desmembrássemos. onde não conhecemos os princípios do assunto. para cada sentença. A terceira obra de lógica seria os "Tópicos".org/apostilas/pensaris4_1. uma proposição formal. O poeta é ambíguo por suficiência. nem a língua corrente do dia-a-dia.olavodecarvalho. Jamais confundir a sentença real com as proposições formais.nada disto é linguagem logicalizada.isto é a poesia. a dialética é a arte de raciocinar onde não temos premissas firmes. teríamos uma linguagem logicalizada. duas proposições formais. porque quer fazer sentenças que contenham o máximo de proposições formais possíveis. A diferença da linguagem poética é que ela é um tratamento técnico dado a esta linguagem ambígua. viu que se tratava de espécies contíguas ou parentes. Para cada um destes casos. Você encontra o esqueleto de um determinado bicho e quer referi-lo a uma evolução. como raciocinar? Tinha de fazer várias hipóteses. não seria mais lógico procurar um parentesco com o rinoceronte. e argumentos em favor daquela. mas na hora de compreendê-los. não pode situar o bicho. É evidente que Charles Darwin não encontrou a doutrina da evolução pronta. Há argumentos a favor desta.encontra um determinado bicho e diz: "Isto aqui parece ser parente da lagartixa. lhe faltavam os princípios explicativos e mesmo os princípios classificatórios pelos quais pudesse situar cada fato. Talvez. mas suponhamos que você tivesse estas duas hipóteses.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . mas o da conformação dos ossos.olavodecarvalho. Esta comparação é que http://www. Por exemplo. que formam outra linha de raciocínio. Para isto você precisa ter a noção pronta da escala. você faz duas hipóteses a respeito do mesmo fato . Pela estrutura dos ossos. se tivesse encontrado outro critério. depois da espécie que o antecedeu e antes da que o sucedeu. com alguma coisa mais parecida fisicamente? Por que ele achou o parentesco com o cavalo? Porque não usou o critério de aparência macroscópica. Imagine que você é Charles Darwin estudando a evolução animal. teria feito outras associações. Se você não tem a escala pronta ao menos como hipótese. ele tinha várias hipóteses possíveis.quarta aula sobre os casos particulares. Você vai ter primeiro de situa-lo num certo momento. Quando Darwin associou o elefante ao cavalo. duas hipóteses contrárias se sustentam em duas séries contrárias de razões. que formam uma linha de raciocínio. Ele encontrava fatos biológicos. como o fez? À luz das aparências.org/apostilas/pensaris4_1.htm (13 de 22)16/4/2007 09:20:23 . É difícil ter acontecido isto a qualquer esqueleto real. Ora. mas por outro lado parece ser parente do hipopótamo". Então. Quando você não tem princípios para explicar o caso determinado que você está averiguando. Sustentam-se exclusivamente em argumentos retóricos. E como encontrá-los? Seguindo as várias linhas de hipóteses contrárias. Porque cada hipótese é validada pelo confronto com a sua contrária.quarta aula se chama dialética. ao mesmo tempo.olavodecarvalho. porque não suportam o mais leve exame dialético.org/apostilas/pensaris4_1. A argumentação retórica é baseada na verossimilhança.htm (14 de 22)16/4/2007 09:20:23 . A arte da dialética serve. Porque é pela dialética que aprendemos a confrontar as diversas possibilidades e deixar que elas se desenvolvam até que uma delas saia vencendo. temos uma crença e produzimos verossimilhança para sustentar esta crença. para três coisas: 1) Para investigações nas quais não existam ainda princípios científicos assentados. Produzimos exemplos em profusão. Por isso se chama dialética. segundo Aristóteles. Se houvesse um treino dialético hoje em dia.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . Não pode ser uma depois da outra. Entre duas hipóteses. Então a que sobrou você compara com uma terceira e assim por diante. na impressão de veracidade. Quando discutimos retoricamente. A dialética servirá ao longo de mais de mil anos como a prática escolar central do aprendizado de filosofia. uma parece mais válida. a maior parte das idéias que estão em curso público desapareceriam. porque é sempre uma operação dupla. O exemplo é o tipo mais característico de http://www. 2) Para o treinamento da mente. só lhe resta procurar estes princípios. A importância escolar disto é incalculável. Se houvesse este treinamento nas escolas de filosofia. Então é evidente que esta questão não http://www. o sujeito acaba vendo as coisas como queremos. Ou seja. dando igual chance a todos os argumentos. faz parecer verídico.htm (15 de 22)16/4/2007 09:20:23 . O argumento retórico é um advogado defendendo uma causa.mas a discussão retórica compara os ideais de um com a realidade de outro. em vez de comparar ideais com ideais. refere-se ao capitalismo como existe historicamente. política. na dialética você faz uma arbitragem. para ver qual deles fica de pé no fim. Exemplo não prova nada. a dialética serve para fazer uma triagem dos argumentos retóricos. o capitalismo também tem ideais . entendemos também que não é possível uma decisão correta do assunto e que esta irá para o lado volitivo ou irracional. O homem que defende o capitalismo. Se isto fosse levado em consideração não teríamos discussões como o confronto entre o capitalismo e o socialismo. realidades com realidades. Se isto não é possível. Quando argumentamos mediante exemplos. Se soubermos produzir exemplos vívidos. mas dá verossimilhança. tentando fazê-lo ver as coisas como as vemos. não serve para testar a veracidade do argumento. mas a um vago ideal futuro. Nele devemos conferir igual chance aos dois argumentos. porque elas não suportam o exame dialético. ciências sociais etc.quarta aula argumento retórico. interessantes. O dialético é um juiz julgando a causa.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . Você confronta os vários "prós" e "contras" e desenvolve cada um de acordo com a melhor argumentação lógica possível. Então. dá vida ao assunto. O que defende o socialismo não se refere a nenhum socialismo histórico.org/apostilas/pensaris4_1. não toma partido. estamos tentando tornar nosso raciocínio verossímil para quem nos ouve. Ora. 99% das crenças iriam embora. Mas isto só serve para persuadi-lo. que tenha acontecido em algum lugar.olavodecarvalho. como já foi explicado. org/apostilas/pensaris4_1. a alienação do trabalho.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . Mas dizem que não é representativo. porque não corresponde ao seu ideal. Seyed Hossein Nasr. a discussão está viciada.. esta sujeira toda. tenho de apagar a realidade da sua bebedeira.olavodecarvalho. O que é representativo do ocidente? A crise ecológica. Isto é uma regra dialética elementar. escrito por um homem por quem tenho o máximo respeito. particularmente a islâmica. Teria de comparar bens com bens e males com males. Toda esta revisão de ideais socialistas que existe hoje começou com a queda do muro de http://www. os defensores do socialismo . sem exceção .hoje em dia já não podem fazer assim. Só que ele faz isto: compara os ideais islâmicos com as realidades do Ocidente.quarta aula pode ser resolvida. ms como tem o ideal de deixar de beber.. você sai ganhando automaticamente. Isto é o mesmo que julgar um indivíduo levando em conta somente os atos que correspondem aos seus ideais. Esta comparação não é possível. Tenho um belíssimo livro que se chama Ideals and Realities of Islam. O que é característico do Islã? Os ideais maravilhosos que estão no Corão. e encará-lo como se ele não bebesse. Se você compara as suas qualidades com os meus defeitos. e considerando como falsos todos aqueles que estão abaixo do ideal. Por outro lado. onde ele confronta civilizações tradicionais. ideais com ideais e realidades com realidades. Isto é o tipo da discussão viciada. com a moderna sociedade industrial. e nunca o contrário. está viciada.todos. porque temos uma experiência socialista de cem anos no mundo. Se você compara os ideais de um com as realidades do outro.htm (16 de 22)16/4/2007 09:20:23 . é obrigado a engolir muitas coisas que retoricamente não desejaria. Vejo que um sujeito é um bêbado. Quando você faz isto. e chega à conclusão que a sociedade industrial é um horror e que as civilizações tradicionais é que são bonitas. htm (17 de 22)16/4/2007 09:20:23 . Se não tem premissa você tem de fazer uma espécie de raciocínio lógico ao contrário. tem de remontar das questões até os princípios. então.quarta aula Berlim . esta utilidade de formar a mente para o exame objetivo das questões. Este é um material pelo qual a maior parte dos filósofos modernos não tem o menor interesse. Vai partir do que? Todo raciocínio lógico parte de uma premissa. Isto indica que não querem chegar a uma conclusão real. Também fui socialista aos 20 anos.sem esquecer que as mesmas consequências podem derivar de vinte premissas diferentes e até contrárias. mas mudei sozinho muito antes que caísse o muro . confrontando. Como se faz isto? Pela discussão dialética. A dialética tem. 3) A terceira utilidade assinalada por Aristóteles é a utilidade científica. E as pessoas hoje mudam do dia para a noite.por exame. http://www. entre outros usos. Quando você está discutindo um assunto cujos princípios você desconhece. Porém é claro que onde você não conhece os princípios.olavodecarvalho. Pode ser uma falsa intuição.org/apostilas/pensaris4_1. Então os processos de exame dialético podem ser infinitamente complicados e estão todos descritos com bastante sutileza não só no livro dos Tópicos mas também em todos os tratados de dialética que depois foram escritos.ex post facto. você não pode fazer um raciocínio inteiramente lógico. Levou quinze anos este processo. O confronto crítico das várias possibilidades acaba fechando as alternativas até que num certo momento você tem uma espécie de intelecção ou intuição dos princípios que governam aquele assunto. das consequências para as premissas possíveis . com a maior facilidade.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . não tem as premissas. desde então até a Idade Média e depois. eu sei o trabalho que me deu. do tipo pró ou contra. A solução não é fácil. org/apostilas/pensaris4_1. de que "a dialética é o meio de encontrar os princípios" que vamos recorrer para propor uma remontagem da nossa visão do sistema aristotélico. Guardem isto porque mais tarde é a esta sentença de Aristóteles. segundo ele se dividem em dois tipos: universais ou gerais e particulares. vêm dois livros que se chamam as Analíticas e tratam do raciocínio lógico . Universais são as que se http://www.quarta aula Vimos então os três usos da dialética: 1º) Para discussões onde você pretende alcançar um resultado meramente provável (uma retórica aperfeiçoada). 2º) Para utilização escolar . 3º) Uso científico .olavodecarvalho. algumas válidas. Aristóteles distingue 64 caminhos pelos quais o raciocínio silogístico pode chegar a uma conclusão. outras não. Silogismo é uma sequência de três proposições.treinamento da mente. onde se coloca a dialética como a ciência principal.o sistema dos silogismos. onde das duas primeiras decorre necessariamente a terceira. Existem várias maneiras de montar um silogismo.htm (18 de 22)16/4/2007 09:20:23 . As premissas.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . por sua vez.princípio de investigação científica. As Analíticas e a teoria do silogismo Depois do livro dos Tópicos. http://www.a primeira premissa é universal ( Todo homem.. logo Sócrates é mortal . terá 64 etapas. pode tomar como nova premissa uma conclusão para um segundo raciocínio. Tem uma estrutura silogística. Mas posso fazer o silogismo. as outras não.exatamente a estrutura do I Ching.org/apostilas/pensaris4_1. respectivamente. Se você pegar os silogismos válidos e os inválidos e fizer um raciocínio completo. Por exemplo: Algum homem é careca..quarta aula referem a toda uma espécie de seres. particulares. porém não é válido. das quais somente dezoito são efetivas. desde que a some com uma outra premissa. temos um ciclo de 64 etapas possíveis . Sócrates é um homem. No exemplo citado a conclusão se refere especificamente a Sócrates .Pensamento e Atualidade de Aristóteles . Se você pegar cada etapa do raciocínio.Todo homem é mortal. Conforme o jogo de premissas universais e particulares. Seguindo o jogo de premissas universais e particulares. você terá conclusões que serão válidas para um indivíduo em particular ou para vários. No famoso exemplo . ) e a segunda particular. probantes.a um indivíduo em particular e não a todos. Sócrates é homem.htm (19 de 22)16/4/2007 09:20:23 . O conceito de universal-particular em grande parte coincide com o conceito de Yang-Yin.olavodecarvalho. as que se referem a um em particular. Posso concluir que Sócrates é careca? Não. quarta aula A = Premissa universal B = Premissa particular C = Conclusão particular. porque o yang evidentemente se refere sempre ao universal e o yin ao particular. de segmentação. você verá que algumas são válidas. outras não. O yin é um princípio de particularização. A combinação é entre as palavras todos e algum.org/apostilas/pensaris4_1. E a totalidade destes arranjos dá 64.htm (20 de 22)16/4/2007 09:20:23 . conforme todos ou algum estejam na 1ª. ou na 2ª premissa ou na conclusão. Existe uma clara analogia aí.o grande e o pequeno. -. Rodando com todas as combinações possíveis.olavodecarvalho. Isto é bastante claro.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . a http://www. A divisão. você terá 64 combinações. a distinção entre os seres é um princípio yin. premissa ( particular ) do novo silogismo D = Nova sentença ( premissa universal ou particular ) E = Conclusão. por isso mesmo é representado por um traço dividido ( — — ). chegar à conclusão certa é mera questão de ajeitar formalmente o raciocínio correto.org/apostilas/pensaris4_1. que é possível ensinar a um computador mediante um circuito em que você tem um jogo de 2 e 3 igualzinho. São três sentenças e duas possibilidades ( todos e algum . e o yin representa a intuição que unifica. chegará a um resultado que terá de ser admitido como certo. Se você tem a premissa certa. é claro http://www.. partindo de uma premissa admitida como certa. Se você tiver paciência. vai combinando e vai chegar nos 64.universal e particular).olavodecarvalho. já estava tudo resolvido há muito tempo. o yang representa a razão que é analítica e divide.htm (21 de 22)16/4/2007 09:20:23 . Como se divide o I Ching? Não é um jogo de 3 e 2? Aqui também temos um jogo de 3 e 2. ele corrige. A silogística é um jogo exclusivamente matemático. Um computador faz isto. exatamente como na aritmética elementar. Este é o raciocínio mais certo que existe. é algo totalmente mecanizado. É algo que qualquer pessoa aprende com a maior facilidade.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . Aristóteles nunca usou a palavra "lógica". O problema é este: onde encontrar as premissas? Se tudo fosse uma questão de raciocinar logicamente. Para ele.quarta aula unidade do universo é um princípio yang. Na verdade. que será mais tarde inventada pelos estóicos. Ele chama-a Analítica ou ciência demonstrativa. porque é mero ajuste formal. queiram ou não queiram. uma vez que você tenha a premissa certa. É o contrário do que diz o Fithjof Capra. um joguinho para crianças. Porém.. se você der a conclusão errada. Esta é a ciência que. Mas se é assim. por que o chinês representou o yang com um traço contínuo ( —— ) e o yin com um traço dividido ( — — )? É porque o chinês não tinha lido o Capra. Dada a premissa. Isto seria a Analítica. olavodecarvalho. Para encontrar a premissa certa. Portanto.htm (22 de 22)16/4/2007 09:20:23 . e sem premissas nada se pode fazer.Pensamento e Atualidade de Aristóteles . premissas hipotéticas.quarta aula que a lógica não pode encontrar premissas.Textos . Segunda parte Home .Informações . é preciso partir de um grande número delas . a coisa decisiva passa a ser a dialética.org/apostilas/pensaris4_1.E-mail http://www.meramente prováveis.Links . org/apostilas/simone. ainda que quase nunca reconhecido. 9 de janeiro de 1994 A linguagem da mística recorre com freqüência aos paradoxos. que não podem expressar verdade alguma exceto metaforicamente. é também um fato. eis aí o que soará como um escândalo. numa rejeição das verdades mais patentes. o amor a Deus não tem se pervertido num amor à ambigüidade. ao longo da História. Que. mas que a história do pensamento Ocidental confirma em toda a linha. porém. ninguém nega.olavodecarvalho. o que vale dizer: ambiguamente. num rebuscamento de contradições artificiais e desnecessárias! Que esta sofística piedosa tenha o alto propósito de indispor o descrente contra sua própria razão para atraí-lo aos braços da fé. e que aliás http://www. enfim. Que.8 Comentários a Simone Weil Seminário de Filosofia.Comentários a Simone Weil Apostilas do Seminário de Filosofia . E quantas vezes. entre os quais o de confundir o pregador mesmo. ela possa servir ao demônio tanto quanto pretende servir a Deus.htm (1 de 17)16/4/2007 09:20:35 . ela arrisque ter os resultados mais decepcionantes. Nas páginas que seguem. sim. para cada caso particular que não nos esmague. vou citando e comentando. não — o mais é conversa do maligno.htm (2 de 17)16/4/2007 09:20:35 . afirma a Bíblia. Mas será lícito que os sábios se ponham a confundir-se a si mesmos. contém sementes de mistificação — os de Simone Weil como qualquer outro. se não tivessem solução nem mesmo para Deus? Os mistérios valem pelo Sentido. sem um plano prévio. para deslumbrar-nos. não pela misteriosidade.Comentários a Simone Weil já fora anunciado por Jesus. não. Começo pelo trecho que diz: O bem é impossível. — Mas o homem tem sempre a imaginação à sua disposição para ocultar de si essa impossibilidade do bem em cada caso particular (basta.org/apostilas/simone. ao advertir: "Seja o vosso discurso: sim. Eis aí o véu sutilíssimo que separa a mística da mistificação. velar uma parte do mal e acrescentar um bem fictício — e http://www.olavodecarvalho." Todos os desvarios da dialética hegeliana. E todo escrito místico. a pretexto de arrebatamento religioso? Não bastam. confunde a sabedoria dos sábios. os mistérios supremos cuja solução Deus guarda para si? Será preciso semear de paradoxos artificiosos o caminho dos homens sobre a Terra? E que valeriam os mistérios supremos. por natureza. Deus. Cabe ao comentário filosófico separar o joio do trigo. as passagens de escritos místicos de Simone Weil onde essa separação é necessária. marxista e nietzscheana foram assim prefigurados pela teologia apofática1. Nem os amantes podem ser um. Don Juan. e acaba por se confundir a si mesma. que não é outra coisa senão o bem mesmo. Dizer que os amantes buscam a unidade é mera figura de linguagem. ou Deus é uma Idéia platônica. Porque desejar alguma coisa é impossível. Ou existe algum bem neste mundo. se não se encarna em nenhum bem particular.olavodecarvalho. ele destrói seu objeto. para ocultar de si "quanto a essência do necessário difere da do bem" e impedir-se de verdadeiramente encontrar Deus. isto é. é preciso desejar o nada3. Simone confunde o parcial com o ilusório. ainda que parcial e provisório. então todos os bens particulares são ilusórios e o único bem autêntico é o universal. mesmo se eles mesmos são esmagados) e. http://www.org/apostilas/simone. O desejo é impossível. o qual não se encontra em parte alguma neste mundo2. o temporal com o nada. o bem essencial. Narciso. no mesmo ato. é mera forma conceptual vazia. e se de outro lado Deus é "o bem mesmo". que só pode ser levada ao pé da letra por alguém totalmente alheio à experiência do amor carnal. Ou faz que confunde. para confundir o descrente. o impermanente com o irreal. nem Narciso ser dois. Se não existe um bem em nenhum caso particular.Comentários a Simone Weil alguns podem fazê-lo. não desaparecer nela enquanto ela desaparece nele. O amante deseja dar-se à amada ao mesmo tempo que a recebe. Mas este universal.htm (3 de 17)16/4/2007 09:20:35 . naturalmente: sim e não.Comentários a Simone Weil O amor carnal não é extinção. É que somos contradição. sendo criaturas. a conclusão de que por isso mesmo nossa vida é possibilidade. Nossa vida é impossibilidade. Cada coisa que queremos é contraditória com as condições ou as conseqüências que lhe estão ligadas. A realidade é que passamos constantemente do sentimento de absurdidade ao sentimento de propósito e sentido. segue-se. Nem Simone. A resposta é.org/apostilas/simone. sob pena de não podermos mais conceber a idéia de sentido nem mesmo na acepção platônica de uma aspiração extramundana. absurdidade. revigoramento: conservação da espécie. isento da mínima parcela de generosidade e sentimento de proteção4. absurdidade. sendo Deus e infinitamente outros que Deus5. sentido. Se nossa vida é impossibilidade. http://www. A desaparição mútua é precisamente a definição do desejo perverso. cada afirmação que colocamos implica a afirmação contrária. mas conservação.htm (4 de 17)16/4/2007 09:20:35 .olavodecarvalho. pelo princípio de que cada afirmação implica a afirmação contrária. revigoramento do indivíduo e dos laços conjugais. Nem Don Juan nem Narciso têm a menor idéia do que seja o amor carnal. e esta oscilação mesma não pode ser compreendida como absurdidade. todos os nossos sentimentos estão mesclados a seus contrários. Mas. os conceitos voltam a ser contraditórios e. porém. enfim.htm (5 de 17)16/4/2007 09:20:35 . é uma necessidade absoluta. O Sentido. Apenas. mas estaremos apenas universalizando arbitrariamente uma impressão que será fatalmente passageira e será seguida por sua contrária. pretendemos permanecer no plano da expressão de sentimentos pessoais. e que a olhamos por um ou por outro conforme uma inclinação passageira nossa. são termos contraditórios. Pois nossa miséria. um sensato. quando aplicados a qualquer conteúdo concreto — mesmo à expressão da totalidade da nossa experiência vivida —.Comentários a Simone Weil "Sentido" e "absurdo". proclamar que tudo é absurdo. então somos levados à seguinte alternativa: se procuramos resolver a questão pelo lado ontológico e universal. neste caso. A contradição é nossa miséria. tomados como expressões de conceitos abstratos universais. o que permite dialetizá-los como o faz Simone. não a fabricamos. Todo o resto é imaginário6. se.olavodecarvalho. conforme a inclinação do momento. outro absurdo. Não havendo um conceito-síntese entre sensato e absurdo. http://www. e a existência mesma do sentimento de absurdidade é a sua maior prova.org/apostilas/simone. Eis por que é preciso adorá-la. a conclusão desta dialética — conclusão que Simone rejeita. e o sentimento de nossa miséria é o sentimento da realidade. tornam-se apenas contrários. Ela é verdadeira. Só a contradição fornece a prova de que não somos tudo. podemos. somos obrigados a resolver o absurdo no sensato ou a proclamar a absurdidade da questão mesma. com plena inconseqüência — é que toda coisa tem dois lados. ou relativa. que tenta mover-se). É um outro quem abre7. só há duas maneiras de atingir o limite da impossibilidade: ou nos chocamos realmente contra uma impossibilidade particular e contingente (o paralítico. Não se pode senão bater. só é tornada possível pela sua alternância com a impressão contrária. não podemos experimentá-la extensivamente e só a vivenciamos em pura imaginação. a segunda põe tudo a perder novamente ao absolutizar a impressão passageira de absurdidade. e impossibilidade física.htm (6 de 17)16/4/2007 09:20:35 . e que.org/apostilas/simone. Só há dois tipos de impossibilidade: impossibilidade lógica. pois é ele mesmo a Identidade. A impossibilidade é a porta para o sobrenatural. a absoluta possibilidade (é neste sentido que Sto. isto é. ou concebemos imaginativamente uma impossibilidade geral e universal. e se tudo o mais é imaginário. só a conhecemos de maneiras parciais e transitórias. Tomás diz que Deus não pode revogar a lógica de Aristóteles). O sobrenatural não viola os limites da impossibilidade absoluta. na verdade. então o http://www. simbólicas. Logo. ou absoluta. Quanto à impossibilidade física. como vimos. somente nesta se resolve. Se é naquela. impressão que.olavodecarvalho. então também Deus é imaginário. então Deus é a solução imaginária a um problema imaginário. os limites da identidade. enfim. Se o sentimento de nossa miséria é o sentimento da realidade. Em qual dessas duas portas é preciso bater? Se é nesta. por exemplo. de toda a realidade.Comentários a Simone Weil Se a primeira dessas sentenças parecia resolver a questão colocada no parágrafo anterior. para.Comentários a Simone Weil fato de alguém abrir a porta é realmente um milagre. e que a admissão da impossibilidade pode libertá-las do sonho. Novamente. se assim é. Não se trata aí de mera http://www. a dissolução sobrenatural de uma impossibilidade física determinada. pois é a superação subjetiva de um obstáculo imaginário e não há milagre real em mudar simplesmente de idéia. Se é assim. Cristo condena com veemência aquele que exige milagres. o chamado "milagre da fé" é apenas uma metáfora.htm (7 de 17)16/4/2007 09:20:35 . na segunda.org/apostilas/simone. De outro lado. um modo de dizer. e. Não há impossibilidade em sonho8. É verdade que o senso da impossibilidade falta em certas pessoas que vivem em sonho. ou pelo menos é fundamentalmente anticristão. Logo. não é possível. a primeira sentença enuncia uma verdade psicológica de experiência corrente. saltarmos para uma generalização falsa.olavodecarvalho. Mas há sonhos que expressam diretamente nosso sentimento de impossibilidade. como por exemplo quando uma distância se multiplica à medida que corremos para alcançá-la. É preciso tocar a impossibilidade para sair do sonho. somente um milagre no sentido físico do termo — uma superação de limites físicos naturalmente intransponíveis — pode nos abrir a porta que leva a Deus. que o confronto com a impossibilidade seja a única porta para o sobrenatural. que está nos céus. um sonho mau do qual procuramos sair mediante o apelo a um sonho bom chamado Deus. e nem por isto são mais realistas do que os maníacos e os visionários. quando vivido em vigília. mas tentai um pouco ir buscá-lo lá em cima! Somos tão http://www. ou plausibilidade. Os depressivos vivem num perpétuo sonho de impossibilidade. O que falta no sonho não é o sentimento de impossibilidade. ou razoabilidade. como se a verdade assim encontrada não estivesse viciada pela origem espúria. é apenas um sonho. afinal de contas. mas a avaliação das gradações e transições entre o possível e o impossível. prefiro o mandamento corânico: Chegarás à verdade através da verdade.htm (8 de 17)16/4/2007 09:20:35 . "Nosso Pai. mas filosoficamente é inadmissível. Extinguir o senso da plausibilidade para levar o homem ao desespero e em seguida oferecer-lhe a saída de emergência denominada "fé" pode ser um expediente retórico piedoso. ademais.org/apostilas/simone. é o senso da probabilidade. Os pregadores católicos abusam desse expediente." Há nisto uma espécie de humor. Bilinguis maledictus. Da minha parte. o sentimento de impossibilidade geral. Inversa e complementarmente. mas de uma viva experiência de impossibilidade física. sem notar que corrompem a fé.olavodecarvalho. a solução imaginária de um problema imaginário. É vosso pai. como se isto fosse possível. Novamente. é um artifício gurdjieffiano: chegar à verdade através da mentira.Comentários a Simone Weil impotência ocasional. Ela é a maneira mais concreta de pensar esse descenso impossível. passamos à de um Deus anticósmico. possível. ao mesmo tempo que nos proíbe de aceitá-la como possibilidade. e não sua perfeição. no ato. ela é exigida pelo conceito mesmo de Onipotência. e isto por duas razões esmagadoras: primeiro. destruímos. A Encarnação faz esplender essa ininteligibilidade. da Sua parte. como é possível eminenter: ela é http://www. mesmo que não tivesse acontecido. E como. Há uma semente de diabolismo num supracosmismo levado às últimas conseqüências — e a Encarnação é ela mesma a resposta cabal de Deus a toda revolta anticósmica10.9 É uma ofensa à dignidade da inteligência humana que um pensador cristão nos peça para acreditar na Encarnação como fato. ela é anunciada pelo Antigo Testamento.htm (9 de 17)16/4/2007 09:20:35 . Mas. toda semente de uma cosmologia cristã. por definição. não teria cabimento negar sua possibilidade teórica. de quebra. O real é. toda metafísica cristã e. segundo. uma vez que aconteceu.Comentários a Simone Weil exatamente incapazes de decolar quanto um verme da terra. A Encarnação é possível. Se jogamos o fato da Encarnação contra o senso da possibilidade lógica. um monstro absurdo a espumar de ódio contra a obra de suas mãos e a proclamar-se tanto mais infalível quanto mais peca contra si mesmo.olavodecarvalho. viria Ele até nós sem descer? Não há maneira nenhuma de representar uma relação entre Deus e o homem que não seja tão ininteligível quanto a Encarnação. Da noção verdadeira de um Deus supracósmico. A Encarnação não somente é possível.org/apostilas/simone. A Encarnação compreendida — ou mal compreendida — como fato impossível é a negação do mundo criado. simplesmente não pode haver homens.Comentários a Simone Weil a condição de possibilidade mesma da existência cósmica. numa ampliação universalizante de impressões passageiras.org/apostilas/simone. a não ser a título de figura de linguagem. Bruno vio venir a Sabato. de pie en el umbral del café de Guido e Junín. Imagens do sublime que para o ateu representam impossibilidades são. tão típica aliás do modus eloquendi francês em geral.olavodecarvalho. no mundo islâmico.. E de um simples modo oblíquo de falar tiram-se. Mas. http://www. Não é menos implausível para o ateu no meio cristão a idéia de Encarnação — no seu duplo aspecto de parto virginal e de nascimento do homem-deus — do que.. nem tem de ser absurda para ser verdadeira. muito francesamente.. para quem tem um pingo de senso metafísico.htm (10 de 17)16/4/2007 09:20:35 . as mais portentosas conseqüências filosóficas. A analogia com a mais vulgar experiência humana basta para ilustrá-lo: que é que impede um autor de fazer-se personagem entre os personagens que cria? "En la tarde del 5 de enero.. nenhuma dessas coisas tem de ser impossível para ser sublime. freqüentes na simbólica religiosa em geral. Não vejo o menor sentido em confundir o sublime com o impossível. aliás."11 O sentimento de implausibilidade que o ateu experimenta ante a idéia de Encarnação é tomado por Simone como expressão plena e final da concepção humana do cosmos. Se Deus não pode ser homem. a possibilidade de um analfabeto escrever o mais belo dos livros e de este livro ter-lhe sido ditado por Deus. Israel. fatos com fatos.Comentários a Simone Weil Roma. Cito meu próprio Diário: "Princípios auto-evidentes para o estudo comparativo das religiões: "1. mas joga seus próprios males na conta dos resíduos pré-cristãos ou anticristãos da civilização do Ocidente. É sempre assim no pensamento coletivista. O sectário. A Inquisição é um desvio acidental. é o grande animal ateu.olavodecarvalho. é porque sua religião é bárbara e cruel.org/apostilas/simone. Nem um nem o outro são amáveis. e os erros cometidos em seu nome são acidentes humanos que não a comprometem. mas a queima da biblioteca de Alexandria manifesta a essência do Islam. sempre falso ainda quando fundado em verdades reveladas. compara os ideais de sua religião com os fatos históricos da outra. o que vale dizer: a essência de minha religião está nas suas intenções elevadas. é porque não é suficientemente cristão ainda que seja o braço armado da Igreja. Se Afonso de Albuquerque corta orelhas e narizes de persas inofensivos. em vez disto. que não adora senão a si. é o grande animal religioso. O grande animal é sempre repugnante. materialista.htm (11 de 17)16/4/2007 09:20:35 .12 O Ocidente cristão é o grande animal que se faz de crucificado e tomba com todo o peso da sua cruz salvadora sobre os ombros de povos que não pediram para ser salvos de nada exceto do invasor cristão. a essência da outra religião está nos erros http://www. Se os muçulmanos cortam as mãos dos ladrões. Comparar ideais com ideais. O cristianismo sempre culpa as demais religiões pelos males das civilizações não-cristãs. pelo menos."13 http://www. H. representam essa religião em cada fase. S. Do mesmo modo. mas não o seria sem demonstrar. fidelidade à monarquia e ódio à Revolução.Comentários a Simone Weil cometidos em seu nome. ao menos em palavras. "É assim que as violências cometidas pela Igreja são absolvidas como acidentes irrelevantes.olavodecarvalho. e seus elevados ideais são apenas um disfarce ideológico. Do mesmo modo. importa menos o dogma explicito e genérico do que sua interpretação prática pelos grupos que. mas os sublimes ideais do primeiro à deprimente realidade histórica da segunda.htm (12 de 17)16/4/2007 09:20:35 . não compara o mundo tradicional islâmico à civilização moderna. em Ideals and Realities of Islam. O catolicismo dessa fase consiste em reacionarismo principalmente. "2. pode-se ser um bom "irmão muçulmano" sem aceitar — a exemplo do Profeta — os cristãos como irmãos de crença. Sociologicamente. um homem podia ser aceito como bom católico sem que demonstrasse qualquer amor ao próximo. na História.org/apostilas/simone. mas não se pode sê-lo sem ódio ao "grande Satã" norte-americano. no início do século XIX. Pelos frutos os conhecereis. Por exemplo. Nasr. e as praticadas pelos muçulmanos tornaram-se expressão direta da natureza sanguinária da fé islâmica. e muito menos daquele que toma a forma específica da fé cristã — pois Deus deu o entendimento intuitivo do Sentido a todos os homens. Mas "aquilo que fizerdes ao menor destes. o sentimento de absurdidade é meramente hipotético. suas pompas. com seus ritos.htm (13 de 17)16/4/2007 09:20:35 . Em nome do amor a Deus.olavodecarvalho. sem licença eclesiástica. e não só aos cristãos.org/apostilas/simone. todos.Comentários a Simone Weil Para respeitar por exemplo as pátrias estrangeiras. é porque faço da minha um ídolo em vez de uma escala em direção a Deus15. e não do que nós temos por ele. a Mim o fizestes". Tudo o que é apreendido pelas faculdades naturais é hipotético. mas uma escala em direção a Deus. A religião torna-se um fim em si. menos os cristãos. ou simplesmente pela porta das outras religiões. e já não aceita Deus quando entra pela porta da inteligência metafísica.14 O mesmo princípio vale para as religiões e civilizações: se não respeito as religiões estrangeiras tanto quanto a minha. Do contrário. é preciso fazer da própria pátria. Mas trata-se aí do amor sobrenatural que Deus tem por nós. pela ação do Espírito Santo. não um ídolo. naufragariam na absurdidade até a chegada do primeiro pregador cristão. O amor aos paradoxos é uma forma de idolatria bem querida dos místicos. eles se persuadem de não entender http://www. sua retórica mística adornada de paradoxos rutilantes.16 Logo. e o amor sobrenatural o resolve pela restauração do Sentido. Só o amor sobrenatural põe. mas o grau de luz que está na alma quando o erro. em caso de não poder sem grave dilaceração interior vencer uma tentação vulgar. é cometido.17 Sim. para o mesmo fim. por exemplo. corromper e obscurecer a própria consciência até o ponto de persuadir-se de que diz a verdade? A neurose resultante — a atmosfera http://www.Comentários a Simone Weil aquilo que entendem perfeitamente bem. por dois milênios. o falso testemunho. de ruptura com o Espírito). e arrepender-me conscientemente.olavodecarvalho.org/apostilas/simone. ouviu graves advertências contra o pecado mortal. porém mais perigosa que o pecado mortal não será a tentação de livrar-nos da luz para evitar que o pecado se torne mortal? Da minha parte. não será quase inevitável que a rejeição da luz acabe prevalecendo? Tome-se. Não será melhor perante Deus uma pessoa mentir conscientemente. para poderem deleitar-se no sentimento de absurdo e desfrutarem de um alívio factício adornado do prestígio de um milagre da fé. prefiro pecar conscientemente. perfidamente. E se a humanidade. como bem viu Igor Caruso. do que reprimir a consciência moral para poder pecar com inocência — aquele tipo de inocência perversa que. está na origem das neuroses e psicoses (índices. maquiavelicamente para prejudicar a um inimigo do que. qualquer que seja. prefiro um milhão de pecados mortais ao pecado contra o Espírito.htm (14 de 17)16/4/2007 09:20:35 . sem receber uma quota nem de longe equivalente de ensinamentos quanto ao pecado contra o Espírito. neste sentido. Não é o erro que constitui o pecado mortal. org/apostilas/simone. Desarrollo y Disolución. La Pésanteur et la Grâce. — Todas as citações remetidas apenas a um número de página. 111. então não se trata de extinção mútua. Tomás. Plon. ibid. onde o ato sexual aparece como um sacramento e não como o mero exercício de um direito outorgado por um sacramento prévio (tanto que no Islam não existe noção de "casamento religioso"). onde os http://www.olavodecarvalho.htm (15 de 17)16/4/2007 09:20:35 . Id.Comentários a Simone Weil de fraude e auto-engano que pervade então toda a personalidade — é apenas o índice superficial de um profundo ódio ao Espírito. adultério — ainda fossem mais generalizados do que a rejeição do Espírito. 98 NOTAS 1. Voltar 4. são extraídas deste livro. p. Las Principales Corrientes del Marxismo. 9 jan. Talvez Simone vivesse numa época em que os pecados mortais vulgares — roubo. trad. sem indicação de título. Madrid.. Cf. Todas as citações em itálico e em parágrafo estreito são de Simone Weil. Jorge Vigil. Leszek Kolakowski. deste livro ou de outro. 1948. hoje o mandamento número um da vida em sociedade. 19-87. I. Voltar 2. 1976-78. como diz Sto. e sim de mútua salvação. Alianza. "o amor é o desejo de eternidade do ser amado". Paris. O irracionalismo arrebatado de alguns místicos cristãos (mas também muçulmanos. Talvez seja mais fácil compreender isto desde o ponto de vista islâmico. Se. Esta concepção não é aliás estranha de todo ao cristianismo. segundo observei) acaba por nos abrir a via abissal de uma mística sem sabedoria. Su Nacimiento. 3. avec une introduction par Gustave Thibon. pp. vol. que se indicará na ocasião. Rio. Voltar 13. Id. Zahar. que parece ter-se entronizado na mentalidade católica após o concílio de Trento e os abusos da Inquisição. 1976. mas vale a pena destruir toda a civilização cristã para depois buscar em figuras de retórica um abrigo contra o avanço da civilização anticristã? Voltar 11. Voltar 14. se entregue ao ato do amor deve ser considerado casado. Voltar http://www. por sua vez. A Igreja tem no seu passivo o pecado de haver colocado entre o homem e Deus. fazendo com que a idéia de matrimônio se associasse cada vez mais a um ritual público e cada vez menos à efetiva união carnal — com o que se perdeu todo senso primordial da relação homem-mulher e o casamento se tornou uma espécie de salvo-conduto para a prática do mal menor. ibid. 168. Seminarium. Sudamericana. a respeito. segundo a interpretação mais profunda do dogma. o esplêndido livro de Seyyed Hossein Nasr.. o da impossibilidade. Páginas de um Diário Filosófico (inédito). O desaparecimento das ciências cosmológicas — alquimia.. É verdade que o pressuposto contrário. 11. Id.. Id. Voltar 10. em vez do cosmos. P. a contingência histórica desviou o foco da questão. Voltar 12. Voltar 6. Esse desaparecimento. brasileira de Raul Bezerra Pedreira Filho. Man and Nature. 112-113... 1977). London. Voltar 7. Abbadon el Exterminador. Voltar 5.. Entrada de 10 de dezembro de 1991. p. 7ª ed. um nada devorador.. The Spiritual Crisis of Modern Man. 1977. Ernesto Sabato. Allen & Unwin. no intuito de união indissolúvel. tem um efeito retórico mais contundente. Voltar 8.Comentários a Simone Weil nubentes. Voltar 9. pp. 112. P. e ainda agrava essa culpa ao buscar um "diálogo" com as doutrinas materialistas. p.org/apostilas/simone. A rigor. em vez de restaurar simplesmente a cosmologia cristã. são os oficiantes do sacramento do matrimônio. O Homem e a Natureza. qualquer par de homem e mulher que. Id. E é evidente que esta cosmologia tem de tomar como fundamento absoluto e apodíctico a possibilidade da Encarnação. trad. Buenos Aires. ibid.htm (16 de 17)16/4/2007 09:20:35 . ibid. 185. Id. um abismo. e não o sacerdote. astrologia — do panorama da civilização cristã foi um dos efeitos mais devastadores do supracosmismo.olavodecarvalho. Apenas. ocasionou a proliferação de doutrinas cosmológicas materialistas que vêm preencher a seu modo o hiato aberto pela omissão católica e terminam por expulsar da alma humana toda concepção de Deus (v. a ponto de sobrepor a letra do dogma às evidências mais óbvias. P.E-mail http://www. P.Comentários a Simone Weil 15.Links . E poucos povos caíram na adoração da religião como fim em si como caíram os cristãos.org/apostilas/simone.Informações .olavodecarvalho. 38.Textos . como por exemplo faz Simone ao pedir que aceitemos a Encarnação como fato ao mesmo tempo que a negamos como possibilidade. Voltar Home . 142.htm (17 de 17)16/4/2007 09:20:35 . Voltar 17. Voltar 16. 9 Quem come quem Texto original. não esgasgue a cada linha. A luta pela "identidade nacional" na cultura brasileira tem sido uma longa comédia de erros. lutávamos obsessivamente para cortar toda nossa raiz lusitana. há perfeita continuidade de Perez Galdós a Jorge Luís Borges. está na hora de admitir que apostamos no cavalo errado. Enquanto nossos vizinhos buscavam sabiamente fortalecer os laços que os uniam à cultura hispânica de origem. de Unamuno a Octavio Paz. Distribuído aos alunos do Seminário de Filosofia em 12 jun.Quem come quem Apostilas do Seminário de Filosofia . intimidado por um vocabulário que com apenas um século de idade se tornou impenetrável mistério antediluviano. De um lado.olavodecarvalho.org/apostilas/quem. enquanto entre nossos literatos (para não falar de estudantes de letras) não se encontrará um só que. De outro lado. lendo Camilo Castelo Branco. Se é verdade que "pelos frutos os conhecereis". o idioma espanhol se afirma poderosamente como língua de http://www. 1999.htm (1 de 10)16/4/2007 09:21:02 . em literatura como em tudo o http://www. quanto mais nos afastamos da nossa raiz autêntica lusitana. a sujeição da matéria.htm (2 de 10)16/4/2007 09:21:02 . são leis inescapáveis. Um efeito cíclico da nossa obsessão identitária é que.Quem come quem cultura mundial. inglesa ou lusa. ainda que temperados de gíria baiana ou mineira. não nos resta alternativa senão rebaixar-nos a fornecedores de matéria-prima. cenários e documentarismo lingüístico contribuem menos para definir a nacionalidade de uma obra do que o faz a forma interna. acossado pelo barbarismo midiático. seja francesa ou americana. em literatura. Já no Romantismo. O primado da forma. Ora. pela força da matriz lingüistica onde foi gerada como solução americana para problemas expressivos americanos. em malaio ou em urdu. esta sim. A narrativa ágil e quase jornalística dos romances de Hemingway é sempre americana. a forma é tudo: cor local. enquanto o português vai perdendo terreno aqui dentro mesmo. permanece americana. ter desenvolvido a novela camiliana. nós entrávamos com os papagaios e os coqueiros. inconfundivelmente americana ou russa. E o motivo disto é bem evidente: recusando-nos a desenvolver formas e estilos a partir de uma tradição lingüística própria. manietado pelos fiscais politicamente corretos.org/apostilas/quem. do que adaptar os temas nacionais ao modelo proustiano ou ao realismo socialista. pois. Imitada em francês.olavodecarvalho. mesmo que fosse em histórias passadas na África ou no planeta Marte. mais temos de tomar emprestada a seiva alheia. quer a história se passe em Paris ou se adorne de acento espanhol. açoitado pelos feitores da incorreção obrigatória. Mais nos valeria. Chateaubriand com a fórmula literária. e mais a nossa sonhada autenticidade se torna uma caricatura do estrangeiro. temas. é a alface que vira coelho. pouco importa — numa chave intelectual e estética criada por nós segundo as nossas necessidades.Quem come quem mais: "Quando o coelho come alface. É uma simples questão de quem come quem. Cobras e índios no molde literário de Apollinare não são cultura brasileira: são o delírio de um turista francês. mas continua exagero. para um romancista. obrigação dogmática que se tornou cacoete: está em que a fórmula estrutural de suas peças não se inspirou em Sartre ou Brecht. Uma nova fórmula vale mil assuntos. A forma é tudo. intoxicado de cauim. não o coelho que vira alface".htm (3 de 10)16/4/2007 09:21:02 . mas porque digere a fruta local no estômago da tradição lusa. E um candomblé na Sorbonne não é sincretismo brasileiro: é a antropologia francesa engolindo o Brasil. pode ser aceito como um exagero corretivo. Mais fez pela brasilidade do romance um Machado de Assis. e sim nos autos medievais lusitanos. resume Jean Piaget. O segredo da brasilidade autêntica do teatro de Ariano Suassuna não está nos temas. comuns a tantas obras epidermicamente nacionalistas. Suassuna não é brasileiro porque come coco. nem na imitação da linguagem popular. é integrar a experiência — local ou mundial. Ser brasileiro. e não integrar materiais locais e trejeitos lingüísticos regionais numa tradição narrativa francesa ou inglesa. de que só povos complexados se preocupam com a própria identidade. O protesto de Evaldo Cabral de Melo.olavodecarvalho. A obsessão germanizante de um povo em luta com o complexo de inferioridade gerou Hermann e Dorothea e http://www. do que dezenas de imitadores de Zola narrando histórias de escravos com sintaxe de cangaceiro.org/apostilas/quem. criando com assunto urbano e em português castiço a fórmula inédita das Memórias Póstumas (não há por que exgerar a influência de Sterne). E a afirmação xenófoba do russismo contra a hegemonia franco-germânica produziu Dostoiévski. A segunda coisa: acreditamos demais na mágica besta do popular. quando a força da criação nacional não está na sua matéria.htm (4 de 10)16/4/2007 09:21:02 . Schelling e Hegel. Primeira: revoltamo-nos sempre contra o dominador errado. Está em três fontes de engano. nossa incoercível devoção ao poder mais forte.olavodecarvalho. jogando bombas ideológicas contra a "língua dos dominadores". se transformam em soluções e modelos para outros escritores de outras nações. Soloviev e Lossky.Quem come quem a filosofia de Fichte. nas quais bebemos compulsivamente há mais de um século. Achamos que falando de coisinhas do nosso dia a dia e imitando a fala do povo seremos nacionais. encenamos ainda um ridículo Ersatz de rebeldia. nossa renitente hipnose de botocudos ante os prestígios internacionais do momento. esforçávamo-nos por expelir de nosso ventre os últimos resíduos da herança portuguesa. paralisados sob as patas do império mundial anglófono.org/apostilas/quem. nossa pretensa busca de independência não é senão afetação e disfarce para encobrir nosso compulsivo puxa-saquismo. do costumeiro e corriqueiro. Escravos da Inglaterra. como se o FMI fosse presidido por Cândido de Figueiredo e a Gramática Metódica de Napoleão Mendes de Almeida fosse a Carta da ONU. do local. continuávamos a nos bater contra o extinto domínio português. Abençoada neurose! Nosso erro não está em buscar uma identidade. e sim na originalidade das soluções estéticas e intelectuais que. uma vez bem sucedidas. não anti-anglo-saxônica e sim antilusitana. Intoxicados de francesismo. Vista sob esse prisma. E hoje. Dostoiévski não http://www. muito menos no populismo do seu estilo. não há documentarismo. A terceira fonte de engano é a perpétua confusão que fazemos entre o universal e o atual. tantas vezes. para integrar-nos na cultura mundial.olavodecarvalho. seja de nós mesmos.org/apostilas/quem. no curso desse debate. não seremos capazes de descobrir aí certos tesouros que foram esquecidos pelo establishment cultural euro-ianque ou que mesmo escaparam completamente ao seu horizonte de visão? Quem. confessam já não compreender mais. Quem nos garante que. mas porque inventou. a remota herança dos povos orientais. a cristandade medieval. a qual por sua vez não é senão a capacidade de dar respostas sérias a ansiedades autênticas.Quem come quem representa o gênio russo porque fala da Rússia ou porque imita a fala dos russos. e nos recusamos a lançar um olhar direto e sem fiscais sobre um passado que eles mesmos. Tomamos sempre os povos importantes de hoje como se fossem os únicos intérpretes autorizados da tradição ocidental (para não dizer mundial). um sistema de enfoques narrativos que desde então se tornou necessário para todos nós. quando isto falta. desde a Rússia. E.htm (5 de 10)16/4/2007 09:21:02 . seja para falarmos da Rússia. temos de acompanhar o debate que se desenrola entre os povos mais ricos e supostamente mais cultos. populismo ou automacaquice lingüística que o substitua. http://www. Nunca nos ocorre a hipótese de que. esses povos possam ter perdido o fio da sua própria tradição cultural. de que possam estar mergulhados numa inconsciência que só um maluco suicida desejaria imitar. A originalidade de uma literatura nacional é enfim uma só e mesma coisa que a originalidade criativa de seus escritores. de que possam estar reduzidos à mais profunda incompreensão de si mesmos. Achamos que. examinando por nossa conta a antigüidade greco-romana. o comunismo. aviltaram e perderam? Quem nos assegura que a linha de evolução intelectual da Europa moderna foi a única ou a melhor possível que poderia ter-se desenvolvido a partir do legado medieval e antigo? Por que embarcar na paralisante suposição apriorística de que não podemos descobrir aí novos e inéditos desenvolvimentos? Por que fazer da história intelectual européia o modelo paradigmático e inescapável da sucessão dos tempos? Por que repetir. Parmênides com os de Heidegger ou Aristóteles com os de Jaeger? Quem nos arrebata o privilégio de desfrutar diretamente de uma herança que não pertence só aos povos ricos e que os povos ricos tantas vezes desprezaram. em vez de medir o passado com a régua dos senhores do dia. lendo Heidegger através de Parmênides. que as coisas não poderiam ter sido de outro modo e recusar-nos a experimentar outros modos possíveis? Por que não podemos escandalizar e chacoalhar a empáfia dos usurpadores. traíram. Nietzsche através de Sócrates. asseguram representar? Por que não nos atravemos a provar que as antigas sementes. podem dar melhores e mais doces frutos do que as ideologias européias. plantadas em terra nova. a modernidade através da Idade Média? Por que não podemos.olavodecarvalho. inferiorizados por não acompanhar http://www. Os portugueses. julgar os senhores do dia à luz das sementes cujo máximo e perfeito desenvolvimento eles. duas guerras mundiais e a presente degradação intelectual do mundo? Não fomos só nós que caímos na esparrela de abdicar de uma herança que nos pertence.htm (6 de 10)16/4/2007 09:21:02 . sem a mínima prova. que dogma inabalável nos reduz à condição de herdeiros indiretos que só podem ler Marco Aurélio com os olhos de Renan.org/apostilas/quem. o fascismo. como um disco rachado.Quem come quem que autoridade. olavodecarvalho. Por ironia. O Que É. como um príncipe bêbado que se imaginasse mendigo. ora ressurgida sob o disfarce do elitismo e do populismo. só fez atrasar o desenvolvimento das ciências e inspirar. na política. Barramos assim nosso acesso a uma verdadeira universalidade e continuamos nos agitando em vão na falsa alternativa cíclica do estrangeirismo e do localismo.Quem come quem pari passu o pensamento moderno. Como Se Faz (1). os frutos mais letais do estatismo centralizador. mestres de Leibniz. Iludidos pelo dogma de que o presente abrange todo o passado — quando por definição nenhum conjunto de fatos esgota o possível —. atribui suas desventuras ao fato de não ter tido seu Voltaire ou seu Rousseau. tão invejado pelos ìluministas lusos. o de não conseguir olhar seu próprio passado senão no espelho enganoso da modernidade alheia. Até hoje Portugal. quando seu único erro foi o de esquecer-se de si. acabaram se esquecendo daqueles fantásticos filósofos de Coimbra. que em pleno século XVI já pensavam em economia de mercado e física probabilística.org/apostilas/quem. justamente nisso continuamos imitando servilmente Portugal. Preconceito Lingüístico. Reincide no engano —só para dar um exemplo recente — o livro de Marcos Bagno. abominada como mecanismo de exclusão social e opressão dos pobrezinhos. saltando três séculos sobre a ilusão mecanicista cujo prestígio. Adornando de terminologia técnica uma argumentação que no fundo não passa do http://www. ao assumir a defesa do mais entrópico laissez-faire gramatical contra toda tentativa de conservar a unidade da norma culta. recusamo-nos a receber o legado das grandes épocas e continuamos mendigando às portas da mediocridade européia (e americana) atual.htm (7 de 10)16/4/2007 09:21:02 . ora em formato puro. e isto acontece com a língua tanto quanto com as idéias. Se. afrouxada a norma portuguesa. esse movimento não encontra um critério de unidade que lhe seja próprio. não sabem a quem servem em última instância e aliás não querem nem saber: falam o que lhes dá na telha e. o que já não é mais a corriqueira assimilação de vocábulos estrangeiros e sim precisamente o contrário de uma assimilação: é uma adaptação do material nacional à forma dominante estrangeira. mais revoltados ainda. de tempos em tempos. mista de maquiavelismo. Toda cultura nacional é um vasto sistema de incorporações. ansiosos para expressar sua miúda revolta imediatista e cega. pretendendo dissolver a nossa unidade lingüistica para lhe sobrepor a americana. o que haverá de predominar não será o democratismo igualitarista das falas populares. Mas não: ele é apenas mais um esquerdista doido. no qual manifestações isoladas e locais vão se integrando numa unidade superior.org/apostilas/quem. autoneutralizantes por sua multiplicidade mesma. desses que. preferindo antes ser assimilado do que voltar à dispersão de onde partiu. como se vê pela alarmante disseminação do uso de palavras portuguesas montadas segundo uma sintaxe inglesa — "amanhã estarei indo viajar" —. seu livro seria obra de inteligência. ocupando substitutivamente — e usurpatoriamente — o lugar da regra vernácula. é ser assimilado. Isso aliás já vem acontecendo. constatam. Bagno fosse um agente consciente do imperialismo.olavodecarvalho. supostamente também senhores do capital — ai.htm (8 de 10)16/4/2007 09:21:02 .Quem come quem habitual apelo ao ressentimento populista contra os adeptos do purismo vernáculo. Se o prof. ele logo se amolda a um de fora. meu Sacconi! —. no topo. é fazer o papel da alface na fisiologia do coelho. o autor nem de longe dá sinal de perceber que. e sim a influência ordenadora da norma anglo-americana. que tudo deu errado e seu mundo http://www. isto é. para não passar por preconceituosas ante o olhar malicioso dos ressentidos. Subjetivamente. quando a política para o Estagirita é o cuidado do bem comum. Bagno. Para os meninos da Febem ou para o lavrador de Ponta Grossa. assim. Tudo depende de saber se preferimos enfraquecê-los pela lisonja ou fortalecê-los pela disciplina.olavodecarvalho. que os deixem escrever como falam. de novo. as próprias classes cultas desistirem da norma unitária e. direi. sem subjugá-los à uniformidade da norma. aí sim é que estarão excluídos. citando indevidamente Aristóteles. se me perguntarem se o que é bom para os Estados Unidos não é bom para o Brasil. E. eles talvez se sintam. proclama que sua obra é política. e ela certamente virá da rede das telecomunicações. a curto prazo. levando as opiniões do prof. Para cúmulo de inconsciência. E se. mas para os Estados Unidos. Qualquer das duas coisas será indiscutivelmente boa. menos excluídos.htm (9 de 10)16/4/2007 09:21:02 . cujo idioma e padrão é o inglês. aprisionados na sua particularidade e sem acesso à conversação das classes cultas. defendidas como se valessem por si e sem o mínimo exame das conseqüências que seu atendimento possa produzir sobre o corpo da sociedade integral. e nunca a adesão parcialista a exigências de grupos ou classes. pode ser bom ou pelo menos cômodo. Bagno às últimas conseqüências. Mas. a vigilância sobre os rumos da sociedade como um todo. então das duas uma: ou a entropia arrastará na sua voragem o pouco de possibilidade de diálogo racional que ainda resta neste país.Quem come quem caiu. ou então uma norma substitutiva acabará por se impor. que é uma http://www. adotarem como obrigatória a entropia populista. o prof. objetivamente. Há nisso uma escolha moral que os amigos do povo preferem não enxergar.org/apostilas/quem. htm (10 de 10)16/4/2007 09:21:02 .olavodecarvalho.Informações . em Por Que (Não) Ensinar Gramática na Escola. (2) NOTAS (1) São Paulo. com um ano de antecedência.Quem come quem simples questão de quem come quem.E-mail http://www. de Sírio Possenti.Textos . Home .Links . Mercado de Letras. Loyola. (2) Erros idênticos aos do Prof. As idéias de Bagnos e Possentis vêm fazendo as cabeças — isto é desfazendo os cérebros — da maioria dos estudantes de Letras neste país. professor da Unicamp (Campinas.org/apostilas/quem. 2ª impressão. 1998. 1999. Bagno já podiam ser encontrados. Mas terá sido boa a sua auto-observação? Podemos dar por suposta a fidedignidade do seu relato? Mais ainda. uma articulação hipotética de pensamentos pensáveis.org/apostilas/descartes.htm (1 de 12)16/4/2007 09:21:24 . podemos dar por suposta a universalidade paradigmática dessa seqüência de http://www.olavodecarvalho.10 Descartes e a psicologia da dúvida1 Colóquio Descartes da Academia Brasileira de Filosofia Faculdade da Cidade.Descartes e a psicologia da dúvida Apostilas do Seminário de Filosofia . Rio de Janeiro. 9 de maio de 1996 La verdad es lo que es y sigue siendo verdad aunque se piense al revés. mas uma experiência vivida. ANTONIO MACHADO Descartes assegura-nos que a seqüência das Meditações que o leva do questionamento do mundo exterior à descoberta do cogito não é apenas um modelo lógico. uma narrativa de pensamentos pensados. A autoconfiança na solidez metafísica do ego pensante surge como poderosa compensação psicológica para a perda da confiança na realidade do "mundo". ou.Descartes e a psicologia da dúvida pensamentos. Que é possível. Tentemos refrear o automatismo do impulso conseqüencialista. colocar todo o orbe das nossas representações entre parênteses. Só que. com semelhantes ou iguais resultados. não posso duvidar de que a penso. no fundo. Mas. ao contrário. após ter feito essas operações. a rigor.org/apostilas/descartes. e. Descartes é estranhamente evasivo quanto ao estado de dúvida mesmo. é coisa que qualquer um de nós pode testemunhar. apenas. saltando imediatamente da descrição para a dedução. e. tão minucioso em descrever os pensamentos que antecedem o estado de dúvida. Descartes assegura-nos ter encontrado. deixandose enganar e tomando por descrição o que é pura invenção? Que é possível duvidar das nossas sensações. passa a tirar as conseqüências lógicas que a constatação desse estado lhe impõe. admitindo que se dará de modo igual ou semelhante. reduzindo o "mundo" a uma hipótese evanescente. em todo homem que se disponha a reexaminar desde os fundamentos o edifício de suas crenças? Será possível a um homem realizar experiência similar. Na verdade. foi Descartes quem experimentou de fato coisa totalmente outra. no instante em que a penso. a certeza da dúvida: a dúvida é um pensamento. ele não o descreve: afirma-o.olavodecarvalho. é também certo. das nossas imaginações e dos nossos pensamentos. e detenhamo-nos por um momento na http://www. Façamos nós o que não fez Descartes.htm (2 de 12)16/4/2007 09:21:24 . eliminariam imediatamente a dúvida. como permanece triste ou absorto. afirmando uma coisa e negando a outra. por um instante. suspendendo a alternância. se imponha como "estado" e permaneça.htm (3 de 12)16/4/2007 09:21:24 . no instante em que nega ou afirma. negar o outro: e. ainda que não consiga perseverar na afirmação ou na negação sem que lhe ocorram mil e uma razões para abandoná-la. uma dúvida que. sem encontrar um ponto de apoio onde possa repousar e "estar". e luta para se estabelecer como afirmação ou negação. uma impossibilidade de deter-se num dos termos da alternativa sem que o outro venha disputar-lhe a primazia. que é feita de sua coexistência antagônica e de nada mais. a dúvida. Descartes a coisifica e a toma como uma certeza: "Não posso duvidar de que duvido no instante em que duvido". como cada um dos termos é a negação do outro. Segue-se a conclusão fatal: é impossível uma dúvida que não se ponha em dúvida a si mesma. precisamente nesse instante. a mente não poderia deter-se nele sem. Pois o sim ou o não. não é um estado — uma posição estática em que um homem possa permanecer inalteradamente. omitindo que se trata de uma alternância entre dois momentos antagônicos. Mas esse antagonismo não é estático: é móvel. E.Descartes e a psicologia da dúvida descrição do estado de dúvida. frase que Descartes toma como expressão da mais patente obviedade. É uma alternância entre um sim e um não.org/apostilas/descartes. imóvel ou deitado. Só que. Ao tomar a dúvida como um "estado". manifesta http://www. tão logo aceitos como definitivos. a dúvida suprime-se a si mesma como dúvida. não está em dúvida — está afirmando ou negando. e é só neste fracasso que consiste precisamente.olavodecarvalho. A mente em dúvida passa incessantemente de um dos termos ao outro. Em que consiste esse estado? Em primeiro lugar. mas fracassa. para o mundo do saber. E este é o ponto decisivo. ela não fez senão demonstrar novamente. A descoberta de Descartes é uma não-descoberta. é claro — até que abranja a totalidade do que julgo saber. de que não se pode negar sem afirmar a negação. e a estas as afirmações. Posso mesmo ampliá-la — hipoteticamente. no mesmo ato. o cogito cartesiano se reduz apenas a uma nova e aliás bastante nebulosa enunciação do antigo argumento de Sócrates contra o céptico. a negação da dúvida como ato fundante.olavodecarvalho. possibilitam a dúvida. o primado lógico da afirmação sobre a negação. a bem pouco se reduz a descoberta cartesiana: longe de ter instaurado um novo fundamento. não expus ainda os fundamentos que. Posso efetivamente produzir uma negação hipotética e repeti-la indefinidamente. é um não poder estar2. http://www. como tal. não pode servir de fundamento crítico. crítico ou negativo. ponho tudo em dúvida. com isto. é este algo. demonstrei apenas que a dúvida. Mais certo é: ao duvidar. Mas não posso "duvidar" do meu saber sem ao mesmo tempo afirmá-lo reiteradamente.htm (4 de 12)16/4/2007 09:21:24 . vistas as coisas assim. Descartes diz que a dúvida é uma certeza no instante em que é pensada.Descartes e a psicologia da dúvida no entanto um contra-senso lógico e uma impossibilidade psicológica. O que leva Descartes ao erro é o fato de que confunde a dúvida com a negação. que constitui o ponto de apoio firme que Descartes buscava. Mas. inclusive a dúvida mesma. sem afirmar portanto alguma coisa. e que acreditou ingenuamente ter encontrado na constatação da dúvida. A dúvida não é um estado: é uma sucessão e coexistência de estados antagônicos. se há um algo "por trás" da dúvida. Mas. por sua vez. é a descoberta da impossibilidade de descobrir o que quer que seja por uma via em cuja definição mesma está contida uma autocontradição intolerável3. mais propriamente com a negação hipotética. na medida em que só assim poderei intercalar às suas afirmações sucessivas as sucessivas negações. Só que o reconhecimento deste primado é. Colocado nesses termos. e não a dúvida. cujo círculo vicioso constitui a dúvida. pois.org/apostilas/descartes. pelas vias tortuosas de uma falsa autodescrição psicológica. Descartes e a psicologia da dúvida Mas isto é falso: o que é certeza é a reflexão posterior que afirma a realidade da experiência da dúvida. No instante mesmo da dúvida, o que há é, como vimos, uma alternância entre afirmação e negação, e portanto a impossibilidade mesma de afirmar um estado qualquer, se por estado entendemos, como se deve entender, a coincidência entre um juízo de fato e o sentimento que o valoriza negativa ou positivamente, como ocorre na tristeza, na raiva, na pressa, na esperança etc. A dúvida não é um estado, pela simples razão de que nela o sentimento, que pode ser de ansiedade, de esperança, de curiosidade, etc., não coincide com um juízo determinado, mas provém justamente da impossibilidade de afirmar ou negar um juízo. Ela é antes um momento de suspensão entre estados, um vazio agitado que contém em germe vários estados possíveis — pelo menos dois — e não se resolve em nenhum deles sem suprimir-se a si mesma. O homem portanto nunca "está" em dúvida: apenas passa por ela, precisamente como transição entre estados. É só quando a dúvida deixa de ser vivência presente para passar a ser objeto de reflexão que surge esta certeza puramente retrospectiva e narrativa: "Não consegui, até agora, estabilizar-me na negação ou na afirmação." Existe, portanto, não só distinção lógica como também separação de fato entre a dúvida enquanto vivência presente e a dúvida enquanto objeto de recordação e reflexão — e é esta que é certa e indubitável,4 não aquela, embora Descartes tome uma pela outra e nos repasse como evidência intuitiva direta o que é fruto de reflexão posterior. É somente esta reflexão que, dando um nome à alternância vivenciada, confere artificialmente a unidade de um "estado" ao que é na verdade uma sucessão de estados que se suprimem mutuamente ou uma coexistência de estados puramente potenciais, dos quais cada um http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/descartes.htm (5 de 12)16/4/2007 09:21:24 Descartes e a psicologia da dúvida só se pode atualizar à custa da exclusão dos outros. Conferindo ao vazio da alternância a consistência positiva de um estado, no mesmo instante Descartes transforma a dúvida em mera negação hipotética, tomando então como estado psicológico efetivo o que é apenas o conceito lógico de um estado possível. Para piorar ainda mais as coisas, na afirmação reflexiva da realidade da dúvida estão pressupostas duas crenças: a crença na continuidade da consciência entre a dúvida e a reflexão, e o conhecimento da distinção entre verdade e falsidade. 1º Aquele que reflete sobre a dúvida sabe que ainda é "o mesmo" que teve a dúvida; e se o ato de duvidar é formalmente distinto do ato da reflexão, o eu consciente, ao refletir, sabe que é sujeito de dois atos distintos — distintos logicamente e distintos no tempo —, donde se conclui que é esse eu é logicamente e temporalmente anterior aos dois atos e independente deles: não é o ato da dúvida que funda a certeza do eu, mas, ao contrário, a certeza da continuidade do eu é a garantia única de que a dúvida foi realmente vivenciada. Pois a dúvida, se não recebesse da reflexão posterior o nome que lhe confere a aparente unidade de um estado, acabaria por se reduzir a mera sucessão de negações e afirmações irrelacionadas, sucessivas alucinações de um sujeito esquizofrenicamente plural, destituído do império de si e dissolvido no fluxo atomístico dos seus estados. Para poder ser objeto de reflexão, a dúvida recebe a artificial unidade de um nome; e se logo em seguida a mente se esquece de que essa unidade é um mero ente de razão e a toma como unidade substancial, então se trata de um desses casos de auto-hipnose reflexiva em que o nome produz magicamente, a http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/descartes.htm (6 de 12)16/4/2007 09:21:24 Descartes e a psicologia da dúvida posteriori, a realidade do seu objeto. 2º Sendo formalmente distintos, os dois atos são distintos também empiricamente, isto é, no tempo: primeiro duvido (isto é, vou e venho entre sucessivas afirmações e negações), depois reflito que duvidei (isto é, unifico sob o nome "dúvida" essa multiplicidade de vivências antagônicas). Mas a unidade do eu, que está subentendida nessa reflexão mesma, e portanto na certeza da dúvida, é aquela continuidade no tempo, que se denomina memória e recordação: a memória, estando pressuposta na reflexão, é lógica e temporalmente anterior a ela: longe de poder fundar a nossa confiança na memória, é a dúvida que depende dela para ter um fundamento lógico e para tornar-se possível no campo dos fatos psicológicos. Mas, se a dúvida depende da garantia que lhe é dada pelo eu e pela memória, então ela não tem nenhum poder fundante. É coisa fundada, é certeza secundária e derivada, é obra de um agente mais profundo e mais inquestionável. 3º Porém, a dúvida subentende algo mais. Como é possível duvidar? A possibilidade da dúvida repousa inteiramente no nosso poder de conceber que as coisas sejam de um outro modo que não aquele com que se nos apresentam num dado momento. A dúvida assenta-se numa suposição; ela requer e subentende o poder de supor. Ora, tendo as coisas se apresentado ao sujeito de um certo modo, e não de outro, este outro e suposto modo só pode apresentar-se à consciência como obra do sujeito mesmo, como produto de imaginação ou conjetura. Para saber que duvida, é necessário então que o sujeito saiba que supôs; que se http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/descartes.htm (7 de 12)16/4/2007 09:21:24 Descartes e a psicologia da dúvida reconheça portanto como sujeito não apenas de dois atos, como acabamos de ver, mas de três: o ato de duvidar, o ato de refletir a dúvida e, antes de ambos, o ato de supor ou imaginar. A imaginação é, somando-se à continuidade do eu e à memória, um terceiro requisito e um terceiro fundamento da possibilidade da dúvida. 4º Mas, se o sujeito não percebesse nenhuma diferença entre as coisas tal como se lhe apresentam e as coisas tal como as supõe, não poderia tomar consciência de que supôs, pois não haveria para ele diferença entre supor e perceber. Eis, portanto, que a consciência dessa diferença é, ela também, um requisito e um fundamento da possibilidade da dúvida. Para duvidar, necessito distinguir, na representação, o dado e o construído, o recebido e o inventado, aquilo que me vem pronto e aquilo que faço e proponho. Logo, está aí pressuposta a consciência da diferença entre o objetivo e o subjetivo e, portanto, a crença na objetividade do objetivo e na subjetividade do subjetivo. 5º Mais ainda: se o sujeito confundisse esses dois domínios, acreditando que supôs o percebido e percebeu o suposto, teria perdido a continuidade da consciência e da memória, que é, como vimos, condição de possibilidade da dúvida. Logo, a dúvida sobre a realidade do mundo não pode se apresentar como simples escolha entre duas possibilidades de valor igual e idêntica origem, mas sempre como escolha entre um dado e um suposto, entre o recebido e o inventado. 5º Não é possível portanto duvidar da realidade do mundo sem saber de antemão que esta dúvida, e a suposição que a fundamenta, são puras invenções do próprio sujeito, e que esta invenção é formal e http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/descartes.htm (8 de 12)16/4/2007 09:21:24 Descartes e a psicologia da dúvida temporalmente distinta do ato de perceber, bem como do conteúdo percebido. A dúvida é uma suposição de que um mundo inventado é mais válido que o mundo recebido, suposição que se funda por sua vez na consciência de inventar, de supor e de fingir. A dúvida quanto à realidade do mundo é sempre e necessariamente um fingimento, e quanto mais o fingidor se esforce para levar esta dúvida a sério, para torná-la cada vez mais verossímil, tanto mais o brilho mesmo da performance atestará a diferença entre o verossímil e o verdadeiro, assim como, no teatro, concedemos nossos aplausos ao ator precisamente porque sabemos que ele não é o personagem. 6º Mas esta consciência de fingir seria impossível se não se fundasse, a seu turno, na consciência da diferença entre pensar e ser, imaginar e agir. Pois, subentendida a consciência da diferença entre supor e perceber, paralelamente à consciência que o eu tem de suas próprias ações, não haveria como negar que o eu pensante tem consciência da diferença entre ação suposta e ação realizada, de vez que a ação realizada não é somente pensada, mas percebida fisicamente, exatamente como os seres do mundo sensível. Não posso portanto colocar em dúvida os seres do mundo sensível sem no mesmo ato colocar também em dúvida os atos físicos que me vejo realizando, como por exemplo os movimentos de minhas mãos e pernas. Mas, ao mesmo tempo, não os posso colocar em dúvida sem questionar, no mesmo instante, a continuidade e unidade do eu, a qual no entanto está pressuposta, como vimos, no ato mesmo de duvidar do que quer que seja. Eis aí outro motivo pelo qual a dúvida, sendo dúbia por sua natureza mesma, não poderia instalar-se senão pondo-se também a si http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/descartes.htm (9 de 12)16/4/2007 09:21:24 Descartes e a psicologia da dúvida mesma em dúvida, isto é, sabendo-se fundada numa suposição e num fingimento voluntário. Eis também por que a dúvida é tão rara e dificultosa: ela implica um movimento que se desmente a si mesmo, que coloca em questão as condições mesmas que o possibilitam5. 7º Finalmente, a dúvida só é possível quando se sabe que algo, seja no percebido, seja no suposto, é insatisfatório, que não atende a um requisito fundamental de veracidade. Mas como poderia o sujeito dubitante exigir veracidade de suas suposições ou percepções se não tivesse nenhuma idéia a respeito da veracidade? Esta exigência seria inconcebível sem uma idéia da verdade, ainda que como mero objeto imaginário de desejo. O desejo de fundamento pressupõe no sujeito ao menos a possibilidade de imaginar que seus conhecimentos possam ser mais seguros do que realmente ele sente que o são num dado momento, ou seja, a verdade como ideal e a opção pela verdade. Mas, ao mesmo tempo, vimos que o sujeito não conhecia esta verdade somente como ideal abstrato, mas já tinha idéia de pelo menos uma diferença efetiva entre verdade e falsidade: a diferença entre o dado e o suposto, acompanhada da consciência verdadeira de que o suposto não foi dado, nem dado o suposto. A dúvida ergue-se, assim, sobre todo um edifício de dados e pressupostos: longe de ser logicamente primeira, ela é um produto requintado e elaboradíssimo de uma máquina de saber. Longe de ter um poder fundante, ela não é senão uma manifestação mais ou menos acidental e secundária de um sistema de certezas. Só que, se assim é, se o primado da dúvida metódica é apenas o primado de um equívoco, então ficam sob suspeita, igualmente, o primado http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/descartes.htm (10 de 12)16/4/2007 09:21:24 Descartes e a psicologia da dúvida kantiano do problema crítico, o dogma positivista da impossibilidade de obter certezas metafísicas válidas, e muitas outras crenças que o homem de hoje toma, mesmo a contragosto, como verdades óbvias e patentes. Mas isto já é matéria para outras comunicações, que serão apresentadas em outras oportunidades. Muito obrigado. NOTAS 1. Primeira parte — resumida — do texto "Duvidar da Dúvida e Criticar o Criticismo: Preliminares de um Retorno à Metafísica Dogmática", distribuído aos alunos do Seminário Permanente de Filosofia e Humanidades em março de 1996. Voltar 2. Ao dizer "sucessão e coexistência", pareço estar pronunciando um monumental contra-senso. Mas o sim e o não que compõem a dúvida são coexistentes sob um aspecto, sucessivos por outro. Coexistentes logicamente como termos de uma contradição, são sucessivos psicologicamente, isto é, entram no palco da consciência de modo cíclico, rotativo: um entra, o outro sai, como o dia e a noite, que coexistem no céu e se sucedem num ponto da terra. Voltar 3. Uma primeira versão desta análise da dúvida cartesiana encontra-se em meu livreto Universalidade e Abstração e Outros Estudos (São Paulo, Speculum, 1983), sob o título "O cogito cartesiano à luz da psicologia espiritual". Voltar 4. "Certo e indubitável" ou "incerto e duvidoso" são predicados que não se aplicam ao fato como tal, mas aos juízos que fazemos a respeito dele. Voltar 5. Ela é uma torção do aparato mental humano, um gesto doloroso que se autosuprime, e que raros homens têm condição de suportar por muito tempo sem grave risco para sua integridade psicológica. A possibilidade de assumir esse risco e vencê-lo repousa na existência de um corpo de crenças tão arraigado, tão sólido, que o homem possa se dar o luxo de sair dele numa viagem mental, seguro de reencontrá-lo na volta. Essa possibilidade, por sua vez, só se cumpre nas sociedades e nas culturas urbanas altamente diferenciadas e estáveis, que dão ao indivíduo pensante o espaço para inocentes vôos de imaginação que em nada afetarão sua conduta de cidadão ou de súdito honrado e cumpridor de seus deveres; que lhe dão, mais ainda, espaço livre para pensar uma coisa e fazer outra, para cultivar aquela hipocrisia defensiva que é notoriamente ausente entre os primitivos, e que, para o mal e para o bem, é uma sólida proteção da consciência individual contra a tirania do discurso coletivo. Daí a coexistência pacífica entre a audácia revolucionária da dúvida cartesiana e o conservadorismo da "moral provisória" que a possibilita. Voltar http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/descartes.htm (11 de 12)16/4/2007 09:21:24 Descartes e a psicologia da dúvida Home - Informações - Textos - Links - E-mail http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/descartes.htm (12 de 12)16/4/2007 09:21:24 Ser e conhecer Apostilas do Seminário de Filosofia - 11 Ser e conhecer Seminário de Filosofia, Rio de Janeiro, 11 de junho de 1997 Gravação transcrita por Fernando Manso; editada por Alessandra Bonrruquer. § 1. A fenomenologia em geral O ceticismo nasce da fragmentação da mente. É a postura do covarde ou do preguiçoso que, por não querer fazer o esforço de saber, tenta provar que é impossível saber. Com esse objetivo, a mente cética produz impasses de difícil refutação, não tanto pelos esquemas argumentativos que os suportam, mas principalmente pelo estado de ânimo de desconfiança que os produz. A desconfiança suscita objeções e mais objeções, e quando todas foram respondidas, sua insegurança não se aplaca e ela continua a apresentar novas objeções, sem se dar conta de que são apenas variações das já respondidas. A discussão com o cético não tem fim — não por causa da força de seus argumentos, que em si http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/serconhecer.htm (1 de 21)16/4/2007 09:21:47 Ser e conhecer são fracos, mas por causa do medo abissal que os produz, e que não pode ser curado mediante argumentos. No entanto, enfrentar as objeções céticas é o começo do aprendizado filosófico. A capacidade humana de formular dúvidas é inesgotável, assim como a capacidade de aprofundar, enriquecer e tirar conseqüências do que sabe. O caminho da dúvida, entretanto, é mais fácil, porque mecânico e automático: basta deixar a mente pensar sozinha que a dúvida se autopropaga como se fosse um vírus - daí o prestígio barato do ceticismo e do relativismo. Já a certeza e a evidência não se autopropagam, não podem ser obtidas a contragosto. Exigem atenção. Exigem a convergência de várias faculdades intelectuais em torno de um objeto, o que requer esforço. A fenomenologia de Husserl é uma tentativa de dar fundamentos apodíticos ao conhecimento. A fenomenologia não se interessa por argumentos, mas sim pela descrição precisa de fenômenos, do que aparece, do que acontece ante a consciência cognoscitiva. Por exemplo, como descrever este gato? Como é que você, ao vê-lo, sabe que é um gato? O que se passa precisamente neste ato de conhecimento? O que é que está subentendido nesse reconhecimento, pelo qual podemos dar a um fenômeno particular o nome de uma essência geral? O que se passa precisamente quando se formula um juízo, quando se diz que isto é aquilo, que a "é" b? A fenomenologia só se ocupa das essências, entendidas como o objeto do ato de conhecimento. A fenomenologia trata da descrição de fenômenos, entendidos como atos de conhecimento, no sentido puramente cognitivo e não http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/serconhecer.htm (2 de 21)16/4/2007 09:21:47 Essa pergunta é decisiva em todo o processo filosófico. isto é. probabilidade ou conjetura. independentemente de saber se o objeto que se investiga "existe" ou "não existe". Na verdade. mas "em quê" está pensando? Qual o conteúdo intencional a que se refere o pensamento? Onde está a "redondidade" do redondo? Que é círculo? Há uma definição geométrica de círculo. A explicação psicológica é. e não aquilo que faz com que a dúvida seja dúvida em vez de certeza. Que é um juízo de identidade? Que é quantidade? ou melhor. A experiência da fenomenologia mostra que muitas vezes se http://www. "em quê" está pensando? Não "como" está pensando. pressupõe o conhecimento das essências do que se fala. Qual é o conteúdo deste conceito intuitivo de circularidade no qual se baseia a definição geométrica? Dito de outra forma.olavodecarvalho. mas esta definição é apenas uma convenção que nomeia um conceito intuitivo prévio. As descrições que se utilizam de recursos psicológicos deixam de fora o objeto do conhecimento.Ser e conhecer psicológico. A imensa complicação das exposições fenomenológicas vem da dificuldade de se descrever os fenômenos em si mesmos. tais como aparecem. quando você pensa quantidade. segunda ou derivada. a fenomenologia se ocupa da pergunta: "o que é?". o que é uma dúvida? A resposta provavelmente descreverá o estado psicológico de dúvida. quid est?. independentemente de explicações psicológicas do ato de conhecimento.htm (3 de 21)16/4/2007 09:21:47 . neste sentido. qualquer explicação de um estado psicológico pressupõe saber do que está se falando. Por exemplo. e não primeira e fundamental como a descrição fenomenológica.org/apostilas/serconhecer. ou o admitem como pressuposto. olavodecarvalho. no sentido http://www.Ser e conhecer discute por séculos um assunto sem se perguntar "o que é". etc.delimita uma intuição prévia. antes que se possa formalizar o esquema verbal que o define. Platão e Aristóteles aperfeiçoam a definição. Cabe assinalar que a filosofia começou com essa pergunta. etc. mais simplesmente: de que estamos falando? Sob certo aspecto. marcando seus limites no quadro geral da classificação dos gêneros e espécies. Qual é o conteúdo intuitivo no qual se baseou a definição.gênero próximo e diferença específica . Passados no entanto 2500 anos. a conceituação. do rancor. a fenomenologia dá um passo "para trás". Aristóteles transforma a conceituação na demonstração. Max Scheler trata da inveja.htm (4 de 21)16/4/2007 09:21:47 . A crítica que se pode fazer da fenomenologia é que ela se apresenta como uma coleção de monografias de conceitos isolados. No entanto. pois se baseia num conteúdo intuitivo prévio. a divisão. esses métodos não resolvem a questão do conteúdo intuitivo prévio.? Ou. Mas não chega a constituir uma filosofia. que precisa ser descrito tal como se apresenta. na prova. ao exigir muito mais rigor e riqueza nos conteúdos. Era a pergunta de Sócrates.org/apostilas/serconhecer. mas não descreve plenamente o conteúdo da intuição pelo qual o conhecemos. A definição no sentido socrático . mas apenas no sentido técnico. o que é a justiça? Sócrates criou o que entendemos hoje por definição. Platão introduz o método da divisão. Por exemplo. a fenomenologia verifica que a definição no sentido socrático-lógico não é suficiente. no sentido de preencher os conceitos com conteúdos intuitivos. Por exemplo. não em si mesmo. como pode se depreender. alude.htm (5 de 21)16/4/2007 09:21:47 . Bernardo. sem deixar de ser "o mesmo". ao do Paulo Honório em S. científicas. na prática é captado de maneira intuitiva e imediata. exatamente o mesmo.org/apostilas/serconhecer. Mas é um uso que pretende desdobrar as implicações lógicoracionais de um conteúdo que. pois a arte só produz análogos. Por outro lado. Qual é. da Fenomenologia da Consciência de Tempo Imanente de Husserl. por exemplo. a fenomenologia usa a linguagem de forma diferente das formas quotidianas.olavodecarvalho. Por exemplo. A arte apenas refere. mas tal como foi vivenciado por tal ou qual personagem em particular. em toda a literatura universal não há nenhuma descrição de um estado psicológico humano. é a tomada de consciência do que http://www. Para tanto. ou. o esquema invariante que permite reconhecermos. então. artisticamente. acostumando-se a descrever meticulosamente o que está implícito nos atos cognitivos. a fenomenologia se ocupa em abrir o ato intuitivo e mostrar o que há dentro dele. de outra forma ainda. mas apenas referências analógicas a tal ou qual estado. O ciúme de Otelo não é igual. no entanto.Ser e conhecer sistemático. de Graciliano Ramos. A maior parte das pessoas ignora isso e não imagina a importância dessa riqueza descritiva. Ou seja. a discussão filosófica tem um aprofundamento extraordinário. Imaginam que descrição é assunto da arte e se enganam. sem levar em conta que o mesmo estado. literárias ou filosóficas. poderia se apresentar num outro personagem sob vestes analógicas diferentes. em descrever o conteúdo da intuição e não apenas se referir simbolicamente a ele. o mesmo estado? Colocado de outra forma. por trás das diferenças entre suas respectivas simbolizações literárias. Uma coisa é realizá-los. Que isso tem um tremendo poder curativo é algo que os psiquiatras e terapeutas perceberam há tempos. Por exemplo. a fenomenologia é uma autoreflexão e um autoconhecimento. estou vendo um isqueiro. Esse retorno à consciência marca a atitude fenomenológica. É saber o que é saber. saber o que se passa. Mas no mesmo ato há também o reconhecimento da forma de uma essência. Husserl diz que a fenomenologia descreve o modo de apresentação dos objetos.org/apostilas/serconhecer.olavodecarvalho.htm (6 de 21)16/4/2007 09:21:47 . sem ser necessário pensar para isso? Em que consiste este re-conhecimento. a qual acumula atos cognitivos sem se ocupar com os mesmos nem com a consciência. e portanto não se trata de um ato puramente visual. Por exemplo. Neste sentido. o que se passa precisamente na percepção sensível? O que significa "ver"? Agora. Como é que no mesmo ato se vê e se reconhece. outra conhecê-los. efetivamente. É o autoconhecimento da consciência. daí a quantidade de terapias baseadas na fenomenologia.Ser e conhecer se passa no ato cognitivo. o que se passa no reconhecimento do sentido de uma palavra? E quando são palavras de outro idioma? E quando são apenas aglomerados de sons que não são palavras? Como é que as reconhecemos de forma imediata? Raramente paramos para examinar estes atos e descrever "o que" nos apresentam. mas apenas com os conceitos dos objetos intuídos. um hipopótamo e uma crise econômica se http://www. que está mais ou menos subentendido em todo ato de conhecimento? Husserl diz que a atitude do fenomenólogo é diferente da atitude natural. no ato de intuição. Por exemplo. O tema tem outros desdobramentos. enquanto capacidade cognitiva. que é a coisa "independente do conhecimento que temos dela". http://www. E como pode ser que essa parte que não afeta nem age seja mais real que a parte que afeta e age? Está aí uma forte objeção à coisa-em-si kantiana.org/apostilas/serconhecer. Imagine alguém falar do hipopótamo como se fosse uma realidade do mesmo tipo de uma crise econômica.olavodecarvalho. A ontologia tem de ser bem ampla e bem amarrada em todos os seus pontos para poder abarcar todas as chaves que se intercalam entre um hipopótamo e uma crise econômica. se ela jamais pode se apresentar ela não existe para ninguém.htm (7 de 21)16/4/2007 09:21:47 . Colecionando todos os modos de apresentação que existem para o ser humano. Para a fenomenologia isto é uma bobagem: supor que a verdade de uma coisa apresentada é uma outra coisa que jamais pode se apresentar. os modos podem ser trocados acidentalmente. A coisa-em-si kantiana Quando não se têm os modos de apresentação bem classificados. Ora. chegaremos aos vários tipos de seres ( ou essências ) que podem se apresentar. logo. também há uma diferença entre os modos de apresentação destes dois objetos. É de uma confusão dessa ordem que vai surgir a famosa coisa-em-si kantiana.Ser e conhecer apresentam a mim de formas diferentes. É a coisa "fora" do sujeito. de todo sujeito cognoscente possível. mas não do tipo de um dragão alado. não afeta ninguém e não age. Em que consiste precisamente esta diferença? Mais ainda. a crise econômica é um mero ente de razão ( com fundamentum in re ). e temos então uma ontologia geral subdividida em ontologias regionais. § 2. baseada na consciência do modo de apresentação. portanto. Agora. nada. Quantos seres poderiam atender a esse requisito? Só o nada. é a coisa na sua pura objetividade. porque sendo ela o totalmente irrelacionado. É uma coisa absolutamente irrelacionada e irrelacionável. Tão logo se lhe atribua alguma característica real. Cabe observar que quando Kant enuncia o conceito da coisa-em-si. ele parece fazer algum sentido porque expressa uma impressão subjetiva que temos. ou existir como conceito vazio. Virar o gato pelo avesso esclareceria alguma coisa sobre ele? http://www. Nenhum ser atende ao requisito da coisa-em-si. supor que o gato por dentro seja mais gato que o gato por fora não faz sentido. independentemente do nosso conhecimento. de que conhecer efetivamente as coisas seria conhecê-las "por dentro". essa noção é inconsistente e autocontraditória.Ser e conhecer Segundo Kant.olavodecarvalho. só pode existir como suposição negativa. que é a coisa na sua consistência interna. e não pode. dizer que a coisa-em-si é mais real do que o fenômeno.htm (8 de 21)16/4/2007 09:21:47 . Logo. se não a tem. ou seja. Ora. O que existe é aquilo que tem alguma relação com outras coisas que existem e o totalmente irrelacionado só pode não existir. a noção de coisa-em-si corresponde exatamente ao nada. Coisa é aquilo que tem a capacidade de ser fenômeno. transmitir nenhuma informação de si a qualquer outro ser. desligada de qualquer subjetividade. não pode se mostrar de maneira alguma para ninguém.org/apostilas/serconhecer. a coisa-em-si é o segredo que está dentro da coisa. a coisa deixa de ser a coisaem-si e passa a ser algo para algum outro. Ou seja. Não faz sentido. portanto. Mas esta capacidade de existir para o outro é a existência mesma. Não sei se Husserl. é o seu aspecto mais evidente. que consiste em aparecer como gato para quem seja capaz de percebê-lo como gato.org/apostilas/serconhecer. Esta é a essência do gato. em vez de ser um misterioso x oculto no fundo dela. Mas e o objeto. O que interessa não é o "gato-em-si". Mas faz parte da essência do gato não ter a capacidade de notificar a pedra de que é um gato. fenomenologista. Kant pára por aí.htm (9 de 21)16/4/2007 09:21:47 . que são independentes e prévias à experiência. Em vez de suposições. Ou seja. Então o tempo e o lugar em que eu vejo esta http://www. porque é a forma manifestada.olavodecarvalho. tinha idéia de que fazia eco a Plotino. porque o modo de apresentação é a própria essência. os modos da apresentação coincidem com os modos de ser das coisas. por exemplo. as coisas são tomadas como estão. para se mostrar? Não precisa deste ou de algum outro quadro? Hartmann. ou que seja apenas uma aparência com relação à essência. Ou seja. Imagine se não fosse assim. Uma pedra. Kant diz que só percebemos através das formas a priori. tudo o que se percebe se dá dentro do quadro das formas a priori do sujeito. aquilo que aparece e que se faz reconhecer como gato. ao dizer isso. mas a presença do gato. Assim como faz parte da essência da pedra não ter a capacidade de reconhecer um gato.Ser e conhecer A fenomenologia se pauta pelo respeito ao modo de apresentação das coisas. Esse é o em-si do gato. como por exemplo as formas a priori da sensibilidade: espaço e tempo. mas Plotino diz taxativamente que a essência de um ente. diz que existem também as formas a priori da apresentação do objeto. não reconheceria o gato. O que significa que não existe nada cujo modo de apresentação seja falso. Depende do sujeito a capacidade de percebê-la. sem as formas de apresentação. mas a visibilidade da pedra está nela.Ser e conhecer pedra seriam formas subjetivas minhas.htm (10 de 21)16/4/2007 09:21:47 . Mas Kant diz que do mundo exterior só recebemos informações caóticas. então. A "pedra-em-si". e que necessita do espaço e do tempo apenas para se mostrar a mim.org/apostilas/serconhecer. na verdade. a essência da pedra. é inconcebível como pedra.olavodecarvalho. Logo. A pedra tem um em-si que independe do sujeito. Fora isso existiria uma "pedraem-si" que não está em tempo algum e em lugar algum. que inclui sua própria ordenação no tempo e no espaço. a coisa aparentemente mais superficial é a mais profunda. Bella roba! Uma pedra intemporal e inespacial que se temporaliza e espacializa só para mim. Não fosse assim. A capacidade máxima da pedra é de apresentar-se como pedra a quem seja capaz de apreendê-la como pedra. Ora. e não no sujeito. Não é o sujeito que ordena. Ele está supondo. Um sujeito cego não anula esta http://www. então não é pedra! Porque a verdadeira pedra é aquela que está no tempo e no espaço. ele é que seria pedra. que é exatamente a sua capacidade de apresentar-se como pedra. e não para existir. Pode ser uma idéia pura platônica. mas não uma pedra. ou seja. que podemos receber dados de uma pedra caótica para depois lhe dar uma unidade projetiva no espaço e no tempo. um pensamento de Deus. enganou-se. não seria uma pedra. para que eu a perceba no tempo e no espaço. com visibilidade de pedra. A pedra se apresenta na forma de pedra. Mais uma vez. Se estivesse no sujeito. que ordenamos nas formas do espaço e tempo. capacidade que o sujeito não poderia dar a ela. Portanto o em-si da pedra é exatamente essa capacidade de se apresentar a mim desta maneira. o que chamei de fenômeno é. e que sintetizamos os dois mediante a idéia de causa. Além disso. É obtida por separação. como Kant. por exemplo. ao ver uma bola de bilhar bater em outra e causar seu movimento. é uma bobagem dizer que os dados se apresentam soltos. uma vez colocadas. coeso. nós é que os separamos — exatamente ao contrário do que diz Hume. eu acrescento a seguinte perspectiva. que é um dos pontos essenciais da doutrina metafísica que defendo: não faz sentido http://www. e em seguida o decompomos em duas fases. Os dados vêm juntos. Vemos um fenômeno único. § 3. A fenomenologia.Ser e conhecer visibilidade: é importante que não se confundam as formas a priori do sujeito com as formas do objeto. por análise daquilo que se apresentou junto e coeso. endossado por Kant. o que é o ato de conhecer. Bobagem.htm (11 de 21)16/4/2007 09:21:47 . As formas do sujeito não determinam as formas do objeto. e que nós é que os sintetizamos. por abstração. Entre o movimento da primeira bola e o da segunda não há um intervalo: somos nós que. Hume. A noção de causa não é "projetada" pela mente sobre os objetos para colar partes separadas. se o conhecimento é possível. Estas perguntas. já resolvem muitos dos problemas levantados pelos filósofos críticos e céticos. pretendia que. pergunta antes o que é o conhecimento. isolados. A identidade de ser e conhecer Ao lado e sobre isso. o que se passa precisamente quando se conhece alguma coisa.olavodecarvalho. separamos dois movimentos que na verdade se apresentaram unidos. por abstração mental. em vez de perguntar.org/apostilas/serconhecer. vemos apenas o movimento da primeira seguido do movimento da segunda. Deus. nem subjetiva. por outro lado. Se não houvesse a possibilidade de distinguir entre esses dois aspectos — ser e conhecer —. Estes atos são formalmente distintos. e só pode ser real aquilo que pode ser conhecido. Portanto. Deus conhece a si mesmo. Mas. outra coisa é Ele conhecer-se. Ser realidade é ter a capacidade de se apresentar a alguém. e portanto é real. é exatamente esta potência de conhecer e de ser conhecido que define sujeito e objeto. Uma coisa é Ele ser. ainda que esta distinção seja só relacional.olavodecarvalho. essa dicotomia sujeito-objeto faz parte da estrutura da realidade.org/apostilas/serconhecer. uma vez que isto pressuponha a existência do sujeito e do objeto fora e independentemente da potência do conhecer. como potência. logo esse algo não existe. porque ser realidade é ter a capacidade de se desdobrar nesses dois aspectos.Ser e conhecer definir o conhecimento como uma relação entre o sujeito e o objeto. é prévio ao sujeito e ao objeto. essencialmente. sob algum aspecto. http://www. Ora. obviamente. o qual também tem de ser real. Mas há. O conhecer. Portanto. embora não sejam distintos no tempo nem no conteúdo. Só pode ser conhecido o que é real. se não pode ser conhecido de maneira alguma então este algo não se relaciona com nenhum outro ser. Suponhamos algo que não pode ser conhecido de maneira alguma. esta distinção também é conhecida.htm (12 de 21)16/4/2007 09:21:47 . Não transmite informação a nenhum outro ser. Só é real aquilo que admite esta distinção. não haveria sentido em dizer que Deus se conhece. por exemplo. uma distinção entre o que é conhecido e o que conhece. Existir é transmitir informação. a realidade em si não é nem objetiva. Ora. e faz portanto parte do ser. Ser e conhecer Esta informação pode ser transmitida do ser para ele mesmo. O conhecer é receber informação. Ora. o ser conhecido é emitir informação. verdadeiro. O tempo todo se verifica esta identidade do ser e do conhecer. Ela apenas não as recebe conscientemente. Já a distinção sujeito-objeto é meramente funcional. o que significa que essas informações estão na pedra http://www. e se é conhecido é porque é verdadeiro. Se não sou real. Emitir informação é relacionar-se de algum modo com outro ser. descritiva. consiste em conhecer-se. E se a coisa da qual estou falando também não é real. Mas o que é receptor é emissor também. não posso conhecer. Uma pedra. consiste em conhecer-se. da mesma forma que receber informação também é relacionar-se de algum modo com outro ser. O ser.htm (13 de 21)16/4/2007 09:21:47 . logo não há distinção entre o ser e o conhecer.olavodecarvalho. como por exemplo aquilo que cada um sabe a seu próprio respeito. por exemplo. Não pode existir uma sem a outra. Só o que emite informação pode receber informação.org/apostilas/serconhecer. A capacidade de emitir e e a de receber informação não se separam. então. A essência do ser. e vice-versa. Logo. apenas se distinguem. E essa distinção só existe do ponto de vista subjetivo humano. recebe várias informações: lei da gravidade. e as informações químicas e cristalográficas que a compõem. o conhecer é prévio a tudo isto. um dos entes atua como receptor de informação e o outro com emissor. ela não pode ser conhecida. Num determinado ato de conhecimento. pressão atmosférica. real. de onde tirei essas distinções? Do próprio conceito de conhecer. mas apenas uma distinção relacional: são dois aspectos do ser. Esta capacidade de receber e emitir informação é simultânea. Mas se é verdadeiro é porque é conhecido. Isto se aplica tanto a mim quanto à coisa da qual estou falando. uma diferença para o caso humano. são mais reais. http://www. ela está imune a si mesma. não apenas recebemos a informação como também sabemos que a recebemos. no entanto. a existência do ser humano se mostra mais rica. Logo. Ela é inerme com relação a si. ou seja. Este segundo momento. Do mesmo modo. Há conhecimento nela. porque conhecem mais. mais verdadeira na exata medida em que mais conhece. Já os que conhecem muito. Nós humanos podemos refletir sobre a informação recebida. há uma limitação em seu modo de ser. Há. mais plena. recebemos também um conhecimento a nosso respeito. Platão. por exemplo. constitui a diferença humana. que corresponde a uma limitação em seu modo de conhecer. mas não de si própria. Lao-Tse. que é o conhecimento de que recebemos o conhecimento da pedra. recebe informação de fora. afeta pouco o mundo circundante e age pouco sobre si mesmo.Ser e conhecer como elementos constitutivos do seu modo de apresentar-se. e em conseqüência atuam sobre uma esfera maior durante mais tempo. mas ela não emite informação para si própria. além do conhecimento que recebemos da pedra. Uma pedra. não do seu modo de conhecer. não pode fazer nada para si.olavodecarvalho. A pedra existe deficientemente porque conhece deficientemente.htm (14 de 21)16/4/2007 09:21:47 . o conhecer é uma relação de troca de informações. Logo. ou seja. como por exemplo Aristóteles. Ou seja.org/apostilas/serconhecer. Ela não pode ser afetada por ela mesma. que existe apenas para os humanos. O ser humano de pouca consciência existe de maneira tênue e fantasmal. Não sei por que. São obtidos por negação das condições que permitem que a realidade seja realidade. O conhecer não é algo que se passa no sujeito. que tem a capacidade de ser sujeito e objeto ao mesmo tempo. e de objeto puro. fundados no conhecer.htm (15 de 21)16/4/2007 09:21:47 . e esta forma é coextensiva ao ser. que são meras suposições e conceitos funcionais. que só conheceria e nunca seria conhecido.Ser e conhecer Os fenomenologistas estavam nesta pista. após passar a vida desenvolvendo o método. O conhecer não é somente uma relação entre um sujeito dado e pronto e um objeto dado e pronto. Eu próprio teria preferido dar esse passo: existe uma forma de realidade que abrange sujeito e objeto. esta não é a única direção possível a partir da filosofia. a distinção entre o sujeito e o objeto é superada no ato de conhecer. se dirige a uma filosofia da consciência que é uma espécie de idealismo filosófico.olavodecarvalho. nunca um puro sujeito ou um puro objeto. Isto é afirmado taxativamente por Roman Ingarden. os conceitos de sujeito puro. O próprio Husserl. A verdadeira realidade é o conhecer. porém não há o sujeito puro nem o objeto puro.org/apostilas/serconhecer. são negações da realidade. se a realidade consiste fundamentalmente no ato de conhecer. o objeto não é fisicamente http://www. o grande discípulo polonês de Husserl. apenas. Sujeito e objeto são decorrentes do conhecer. A potência de conhecer está na natureza do sujeito assim como a potência de ser conhecido está na natureza do objeto. ou seja. Então o conhecer é o próprio ser. precisamos cortar do verbo conhecer todo seu aspecto subjetivo. No entanto. não chegaram a estas conclusões metafísicas. que se chama conhecer. Mas. O conhecer se passa no sujeito e no objeto ao mesmo tempo. Dito de outra forma. que só seria conhecido e nunca conheceria. http://www.Ser e conhecer alterado pelo ato. Quem quer que já tenha ficado sozinho e quieto por muito tempo entre objetos inertes compreende o que estou dizendo. entendido como relação. respondo a uma informação que ela me transmite. ou fica com uma certa impressão de irrealidade. Na verdade. ela é menos real do que eu.htm (16 de 21)16/4/2007 09:21:47 . a pedra conhece algo de mim. Neste sentido. como unidade dual de sujeito e objeto. é a própria natureza do ser. então essa mesma dualidade una tem de existir no próprio ser. Elas são deficientes. passo a ela um recibo da sua visibilidade. A verdadeira natureza da realidade é de ordem espiritual. Usualmente. Se o conhecer.org/apostilas/serconhecer. E pelo fato de ser menos real. O espírito é o próprio conhecer. Ela faz mais parte do meu mundo do que eu faço parte do mundo dela. Se assim é. No momento em que a vejo.olavodecarvalho. Elas não existem com a intensidade das coisas verdadeiramente reais. Essa impressão pode facilmente ser apreendida quando se está sozinho no meio de objetos inertes. Podemos concluir daí que o que chamamos de alma ou de espírito é a verdadeira substância da realidade. quem se encontra nesta situação tende a criar um diálogo interno. cognitiva. Eu passo alguma informação a ela. porque as coisas em sua presença são passivas. ela tem algo de fantasmagórico. Só que ela não pode repetir essa informação para si e aprofundá-la. embora eu a afete. assim como tem pouca informação a respeito dela mesma. Ser mais ou menos é conhecer mais ou menos. e de fato existe. atualizo sua potência de ser vista. como aspectos de relações que ele pode ter consigo mesmo. então a gradação do ser é a mesma gradação do conhecer. mas ele participa do processo. então ela tem pouca informação a meu respeito. A distinção de idealismo e materialismo é posterior e derivada logicamente em relação a esta minha doutrina.olavodecarvalho. duplamente reais: para os outros e para nós mesmos. mas para nós mesmos. portanto. só é real para os outros. Só que para ela.htm (17 de 21)16/4/2007 09:21:47 . pois ela não tem reflexão sobre este passado. Embora traga nela a informação. só que não apenas para mostrar a outros seres. para ser vista por outros seres. para ela subjetivamente esta informação não existe. Somos. Ora. por exemplo. que tanto pode ser usada para fundamentar um quanto o outro. não obstante exista em seu "corpo". ela é menos real. dependendo de julgarmos que o ato espiritual. Ela acumula informação que circula do mundo para ela e dela para o mundo.org/apostilas/serconhecer. seja idealismo subjetivo. A pedra não. aliás nem têm muito sentido. Uma pedra. nós trazemos todas essas marcas. é tudo o que ela já sofreu. mas não dela para ela. cognitivo. subjetivamente. digamos. Não uma história projetada. não têm a menor importância. Neste sentido. compreende-se também que isto nada tem a ver com idealismo filosófico. é material ou imaterial . a informação de si para si. como marcas. sendo que esta última.Ser e conhecer Se se compreende o que estou dizendo. é a que dá a dimensão de interioridade ou consciência. é a sua história. esta história só existe como resíduo físico. que circulam e que vão infinitamente além da própria presença espacial dos objetos. seja idealismo objetivo.duas hipóteses que. Todo o universo é um imenso intercâmbio de informações. para mim. Basta essa constatação para verificar o quanto é estúpida qualquer http://www. mas a história que está nela. apenas restando saber se elas são recolhidas num centro. transmissão que se realiza da periferia para o centro. este desenvolvimento a partir da herança fenomenológica seria. toda consciência humana é consciência que o universo tem de si mesmo .o universo que me inclui e dentro do qual eu exerço minha consciência. se fosse preciso nomeá-lo com nomes de categorias tradicionais que a ele não se aplicam bem. Tem uma dose maior de realidade porque tem uma dose maior de circulação de informações. as próprias noções de matéria e mente ficam subordinadas a essa noção de emitir e receber informação. das partes para o todo. que é a base de infinitas confusões das quais um Richard Rorty. se somos nós mesmos o centro ou se o universo é apenas coisa. das quais o universo toma consciência em si mesmo. recebida e processada de si para si é mais real. do inferior para o superior. por exemplo. Qual seria o maximamente real? Aquele que emitisse e recebesse toda informação. não apenas como um objeto . Ou seja.Ser e conhecer tentativa de negar a consciência. um verdadeiro "idealismo materialista". mais contato entre as partes e o todo.olavodecarvalho. esta minha consciência é um atributo deste mesmo universo. Consciência é a simples transmissão interna de informações. se a verdadeira presença dos objetos consiste em emitir e receber informação. entre centro e periferia. Na verdade. Neste sentido. Este seria o universo considerado como um em-si. com um para-si tênue ou http://www. então aquele que acumula mais informação emitida. a minha e todas as outras consciências particulares. se aproveita para negá-la. Logo. Minha definição de consciência não tem nada a ver com a distinção entre mente e corpo.org/apostilas/serconhecer. através dessas mesmas consciências particulares que.htm (18 de 21)16/4/2007 09:21:47 . estando nele. Ora. são dele. htm (19 de 21)16/4/2007 09:21:47 . nós http://www.um caso que não precisamos resolver aqui de imediato. seres humanos. é a máxima realidade. ou seria um aspecto transcendente do próprio Universo? Ora. o universo considerado. sem contar que podem existir outras. ainda que apenas em nós.org/apostilas/serconhecer. Mas se só nós a conhecemos ela é conhecida. havendo dentro dele quem a conhecesse sem ter a possibilidade de realizá-la. entendemos também que essa hipótese materialista é absurda. E Deus? Se imaginarmos um Deus transcendente ao universo. e ela tem de se autoconhecer. Logo.olavodecarvalho. mas que estivesse fora dele. sem a possibilidade de realizá-la. não como presença física atual. Logo. conhecemos. Teríamos então o conhecimento desta possibilidade. desde que esse universo tenha um centro capaz de tornar essa massa um para-si — ainda que esse centro sejamos nós mesmos. é claro que o Universo se conhece. Imagine se assim não fosse: a possibilidade transcendente que desconhece a si mesma e que só nós. O Universo teria a possibilidade e não poderia conhecê-la. Se entendemos que essa omnipossibilidade inclui as possibilidades de consciência. mas como toda a massa de informação.Ser e conhecer inexistente . A parte dele que se conhece mas que não está realizada ainda. um Deus que não fosse o próprio Universo. porque inclui toda a possibilidade ainda não realizada no universo físico. é claro que Ele é um aspecto do Universo que não pode se reduzir a nenhuma de suas partes e que é de certa forma transcendente a si mesmo. Nossa consciência seria a dose de consciência que existe nesta parte do universo. estaria Ele fora necessariamente e sempre. Essa possibilidade existe. Um materialista compreenderia assim. e que talvez não se realize nunca. cada sentença de qualquer ciência exige isto. e não obstante elas estão conectadas realmente. Cada frase que se pronuncia.org/apostilas/serconhecer. esta consciência transcende todas as consciências particulares que estão lá dentro. Assim sendo. Daí se conclui a necessidade absoluta de uma consciência não apenas cósmica. As pessoas não percebem essa necessidade porque não relacionam uma coisa com outra. etc. não podemos admitir que exista alguma conexão central real dentro do universo que não seja autoconhecida também. Para ser transcendente. mas supracósmica. etc. ou porque têm a ingênua pretensão de que sua ciência vai encontrar o mistério do universo que seja desconhecido pelo próprio http://www. porque se fosse apenas cósmica estaria limitada àquilo que o universo já é e não teria nenhuma possibilidade acima de si.Ser e conhecer chamamos de aspectos transcendentes de Deus. não é preciso ser transcendente a tudo. Se existe consciência dentro do Universo.htm (20 de 21)16/4/2007 09:21:47 . Fatalmente. a necessidade de uma consciência supracósmica e de um poder supracósmico de realizá-la é absoluta. coisa que sabemos que ele tem: geração de novas estrelas. ter a mesma história. galáxias.olavodecarvalho. é absolutamente necessária e é absolutamente inconcebível que seja de outra maneira. A existência de Deus é uma evidência para quem encara a coisa da maneira certa. embora não por esta ou aquela consciência particular. Ou seja. O universo não teria a capacidade de superarse. porque senão haveria apenas consciências particulares e não sua conexão. existe consciência no Universo. pelo fato de estarem no mesmo lugar. htm (21 de 21)16/4/2007 09:21:47 .Informações . para conhecer o rei ou Ofélia.Textos . Estando de fora. e esta relação.org/apostilas/serconhecer. e não em sair de todas as posições e observar como se estivesse de fora.olavodecarvalho. A objetividade consiste na descrição exata das posições recíprocas. Do contrário. Eis os princípios da metafísica que defendo. seria como se Hamlet. você já está dando por subentendido que a explicação do universo está no universo.Links . Ninguém sai do Universo para fazer ciência ou o que quer que seja. precisasse sair da peça. é a estrutura mesma do ser. A própria possibilidade de fazermos ciência está dentro do universo. porque sem relação não há conhecimento. sem nenhuma relação com o objeto observado. Ora. mas como reciprocidade necessária de termos coexistentes. que consiste em autoconsciência e nada mais. independentemente de questões inócuas como a de saber se é material ou mental. que a entende como se colocar fora do problema. dentro do problema. A idéia do "puro observador" é uma autocontradição. O conhecimento é a relação.Ser e conhecer universo. Home . magicamente isolado do universo. quando você começou a formar sua ciência. e não apenas dentro do departamento onde o cientista trabalha. Essas idéias confusas vêm de uma noção equivocada de objetividade. quando a verdadeira objetividade consiste em saber onde precisamente se está.E-mail http://www. não há sequer como observá-lo. entendida não como junção posterior de termos já dados. onde receberam extensos desenvolvimentos orais. que os refere às estruturas mais ou menos http://www.Notas sobre Simbolismo e Realidade Apostilas do Seminário de Filosofia . 1.12 Notas sobre Simbolismo e Realidade Estas notas serviram de base para as aulas do Seminário de Filosofia de janeiro de 1998. 2º O método psicológico. que o refere às intenções e valores de uma cultura em particular ou de várias delas comparativamente. de C.htm (1 de 11)16/4/2007 09:22:06 . O simbolismo natural Há três métodos de uso corrente para a explicação do símbolo: 1º O método etnológico. — O.org/apostilas/simboreal.olavodecarvalho. que tudo o que essas teorias tenham a dizer sobre as causas do símbolo seja despropositado ou falso.htm (2 de 11)16/4/2007 09:22:06 . que refere o símbolo a uma intencionalidade supra-humana. respondesse indicando as coisas que elas nomeiam. que é a investigação do quid — a primeira de todas as investigações. Reduzem o símbolo a um véu. nos responde à pergunta: Que é o símbolo? Fingindo respondê-la. no segundo. o terceiro. evidentemente. Esses três métodos são redutivistas: os dois primeiros. no terceiro. ostensivamente. tendo-nos dito o simbolizado. Nenhum dos três. interrogado sobre o que são as palavras. no sentido estrito que René Guénon confere ao termo). de realidades metafísicas. pretendem que aceitemos isso como conceito de símbolo — como um homem que. se não na ordem do tempo. de anseios ou temores inconscientes. veladamente. no primeiro. escorregando do quê para o porquê — o expediente clássico de quem não sabe de quê está falando. portanto. quer dizer apenas que é destituído de fundamento suficiente e que este fundamento só poderia ser encontrado justamente na investigação que essas teorias eludem e pretendem substituir. ao menos na ordem da http://www. Isto não quer dizer. Esses três métodos desviam a nossa atenção do fenômeno "símbolo" enquanto tal e a dirigem às causas reais ou supostas da produção do símbolo.Notas sobre Simbolismo e Realidade permanentes da psique humana. a um disfarce: de normas culturais implícitas.org/apostilas/simboreal. 3º O método esotérico (às vezes chamado também tradicional. substituem-na pela pergunta: De quê o símbolo é símbolo? E.olavodecarvalho. Notas sobre Simbolismo e Realidade prioridade lógica. por sua vez. Dito de outro modo. desde que se feche num sistema mais ou menos completo. e por mais amparadas que estejam em conhecimentos científicos. revelando nelas algo assim como uma paralaxe. http://www.htm (3 de 11)16/4/2007 09:22:06 . associados ou circunvizinhos. pode ocorrer. completo ou prestigioso que seja. uma elucidação suficiente quanto à natureza do símbolo — confusão idêntica à de quem tomasse a interpretação exaustiva de uma obra poética — ou mesmo de várias — como resposta suficiente à questão: Que é a poesia? Ora.org/apostilas/simboreal.olavodecarvalho. Esta elucidação. uma concentração das questões em objetos parecidos. por desgraça. A estratégia que proponho para a abordagem do símbolo adotará como ponto de partida metodológico a seguinte regra: todo empenho sistemático de interpretação de símbolos deve ser posto entre parênteses como meramente hipotético. coerente e fundamentado. uma metabasis eis allo genos como tão freqüentemente sucede nas investigações científicas não suficientemente ancoradas numa consciência crítico-filosófica das complexidades e peculiaridades do objeto que se pretende investigar. justamente o contrário: que a elucidação da natureza da poesia acabe por impugnar todas essas interpretações. até que se alcance uma elucidação suficiente da natureza do símbolo. deve ser independente de qualquer chave ou sistema interpretativo ou explicativo-causal previamente dado. por elegante. já é. esses três métodos tomam por implícito que uma interpretação de símbolos. por exaustivas e coerentes que sejam. por si. um desvio do eixo de atenção em relação ao centro de interesse do objeto. uma dúvida. ou então a enumeração não vem tão completa quanto esperávamos. Bühler ) prevalecem amplamente sobre a função denominativa. Este é um fato de ordem histórica e cultural. Não as atualizamos senão quando temos algum motivo especial para fazê-lo. essas intenções permanecem latentes e em germe. como com uma reserva http://www. A crença nele subentendida refere-se a uma dualidade de modos de significação. No curso habitual do pensamento. Esse caráter meramente potencial da intenção significante revela-nos que. Cada termo significa uma constelação de intenções atualizáveis. 2. diferente de uma outra que denominam "não simbólica". foram-se. apenas. entes enfim. não admitirei nada mais senão o fato bruto de que existem palavras. Nossa primeira tarefa será simplesmente verificar se essa dualidade é possível e.Notas sobre Simbolismo e Realidade Como objeto inicial da investigação.htm (4 de 11)16/4/2007 09:22:06 . podem convidar-nos ou obrigar-nos a desdobrar as significações que supomos carregar em algum canto obscuro do nosso "interior". as funções expressiva e comunicativa da linguagem ( K.olavodecarvalho. com a qual contamos. objetos. Uma pergunta. grafismos. em que pode ela consistir. como que comprimidas no invólucro do termo. se possível.org/apostilas/simboreal. 2. Então às vezes verificamos que elas não estão lá. na comunicação habitual. aos quais os homens atribuem um tipo especial de significação que denominam "simbólica". A perspectiva rotatória 1. 5. mais conhecível de instantâneo e no todo do que uma casa ou uma paisagem.olavodecarvalho. desaparecem como conteúdos atuais da consciência para se tornarem esquemas compactos de conteúdos meramente atualizáveis. a consciência que temos desse sistema terá ela mesma a estrutura de perspectivas rotatórias que observamos na vida psíquica corrente e na comunicação habitual: um conceito vem para a frente. A filosofia analítica pretende suplantar as "imprecisões" da linguagem corrente. da percepção e do próprio ser das coisas? Uma explicitação plena de todos os significados só é realizável sob a forma de um sistema ideal de conceitos e juízos. enquanto os outros vão para o fundo. Mas uma certa latência e imprecisão não são inerentes à natureza mesma do pensamento.htm (5 de 11)16/4/2007 09:22:06 . assim. Temos de percorrê-la. 3. enquanto as demais partes permanecem latentes no fundo. Forçosamente. uma potência de reatualizar no tempo a cadeia percorrida. mas parte por parte. que por sua vez não se atualizará na consciência todo de uma vez. ou seja. "Conhecer" um raciocínio é poder reproduzi-lo na seqüência. o que sobrou em nossas mãos não é mais que um esquema simplificado.Notas sobre Simbolismo e Realidade bancária sobre a qual passamos cheque após cheque sem verificar o saldo. cada passo que é atualizado na consciência implica a virtualização dos outros. Ou seja. seu recuo para o depósito do meramente http://www. Uma cadeia lógica não é.org/apostilas/simboreal. não é reproduzi-lo no todo e com todos os detalhes num instante sem duração. explicitando até o extremo limite as intenções e significados latentes e submetendo-os à crítica filosófica. e quando no fim cremos conhecê-la "no todo". 4. org/apostilas/simboreal. e não no desdobramento completo das propriedades que inclui. É ilusão pensar que o objeto meramente ideal pode fazê-lo. O conceito mesmo de "quadrado" só se apresenta a mim no resumo compacto de um termo. Dado. de sua própria conexão espiritual. pode se apresentar a um determinado sujeito cognoscente na totalidade instantânea dos seus aspectos. antes e depois. nenhum ser. a estrutura mesma da fenomenalidade como tal: nenhum objeto. seja do conhecimento pelos sentidos. seja do mero pensamento.olavodecarvalho. consciência e ação. por outro lado. Tanto o pensamento abstrato quanto a percepção sensível têm a estrutura de uma perspectiva rotatória: o sujeito cognoscente circunda o objeto tanto quanto circunda o conceito. sentido e unidade (I) A percepção do mundo como amontoado ou coleção de "coisas" ou meros "dados" sem uma conexão espiritual última pressupõe um observador destituído.Notas sobre Simbolismo e Realidade atualizável. um observador estúpido. e o faz precisamente porque seu foco de atenção é circundado pelas latências de inumeráveis objetos. É a estrutura do ato mesmo de conhecimento. É. É isto o que quero dizer com "perspectiva rotatória". do elo interior entre sensação e significado. 6.htm (6 de 11)16/4/2007 09:22:06 . 3. conceitos e signos. em estado de divisão hipnótica e quase http://www. por seu lado. 7. http://www. em vez de construída. porque toda ordenação pressupõe a unidade consciente do sujeito e esta unidade só se realiza.Notas sobre Simbolismo e Realidade paralisia catatônica. O kantismo e outras escolas que tomam como "realidade" os puros dados sensíveis e reduzem toda síntese a uma contribuição subjetiva que a mente faz ao mundo ignoram que um mundo sem unidade não poderia ser "dado" a nenhum sujeito. no primeiro caso. que nos revelam.olavodecarvalho. seja como resíduos de uma sonolência alucinatória. fingidamente. hipoteticamente e. Os famosos "dados" são em suma construídos. até os mais mínimos. ao contrário. não como um amontoado fragmentário de sensações. seja como meras formas fantasiosas de um mundo construído pela imaginação. A fragmentação do mundo em "dados" supostamente pré-categoriais só se obtém por dois meios: pelos estados patológicos de divisão do eu ou por esforço pessoal de abstração imaginativa. e a unidade espiritual última do mundo. o sujeito está separado de si funcionalmente. nos instantes de coesão ótima em que o mundo lhe aparece como uno. a unidade de um "sentido" do mundo para o qual convergem todos os atos conscientes de um homem no mundo. na mais alta medida.org/apostilas/simboreal. por divisão abstrativa desta última. Os "dados" não são prévios à síntese significativa. precisamente. obtêmse. Por isto fracassam todas as tentativas de construí-la (ou mesmo de reconstruí-la) por meio de criações mentais. que o "mundo" fragmentário captado por essa percepção deficiente seja tomado como norma da "realidade" e medida de aferição da validade da conexão interior que apreendemos no universo. ou mais propriamente absurdo. as supremas faculdades de síntese. para lá mesmo da própria unidade física do mundo. É curioso. no segundo. para que o ordenasse segundo suas categorias a priori. seja na arte. é dada. A percepção efetiva do real exige. em suma.htm (7 de 11)16/4/2007 09:22:06 . ele acaba por parecer.. à reflexão filosófica de primeira instância (reflexão sobre a cultura. O objetivo é tornar patrimônio comum essa certeza inicial e fundamental que o homem só possui enquanto individualidade vivente. pois ele é o pressuposto da própria percepção e. plural na variedade de seus papéis e idiomas. só expressamos o que nossa mente constrói. enquanto todos os demais apreensíveis só são apreensíveis nele e por ele. da inexpressabilidade do sentido. da caminhada reflexiva. sendo por isto expressáveis. No curso dessa recuperação. sobre o mundo construído pelo homem). A verdadeira metafísica não constrói um mundo. ao sentido não se chega. não é metafísica construtiva. a certeza inicial e intuitiva do sentido. jamais construído.org/apostilas/simboreal. É uma ilusão deduzir. mas recuperar. como um "x" remoto e distante. muitos desastres acontecem. nem do mundo imaginativo que construímos com nossa arte. Por não fazer parte nem do mundo pragmático que construímos com nossas ações. e. etc. ao qual só poderíamos chegar no termo de uma caminhada que começa no "dado" sensível.olavodecarvalho. seja na metafísica. por ser "o" aprensível como tal. que separam o homem da recordação do sentido e o levam a imaginar. Mas é uma ilusão de ótica. nossa ciência. é fundamentação discursiva da unidade do mundo espontaneamente percebida. Ele é inepressável justamente por ser apreensível eminenter. seja que pode construir um sentido a partir dos http://www. Daí também o fracasso de toda tentativa de "expressar" o sentido último.htm (8 de 11)16/4/2007 09:22:06 .Notas sobre Simbolismo e Realidade seja na ciência. mais ainda. sua inapreensibilidade. O objetivo desta não é atingir o sentido. é o supremamente percebido. fatalmente. no nível discursivo (portanto intersubjetivo). que inverte a ordem do real. não enquanto ser social falante. ele é o pressuposto de toda expressão. org/apostilas/simboreal. e que também o são. seja que pode encontrar um sentido partindo de dados sem sentido. subentendendo que a intuição pressupõe um sujeito cognoscente dotado de unidade autoconsciente ótima no momento do ato intuitivo. da dissolução. dupla pela duplicidade de suas funções (pensar e comunicar). Tal é o panorama da história da filosofia.olavodecarvalho. seja que não necessita de um sentido e pode viver entre puros dados. dupla pela duplicidade de suas operações (significatio e suplentia). seja pelo filósofo. é simplesmente o saber imediato que temos acerca do que http://www.e da cultura . seja pela cultura. por isto. Realidade. inseparavelmente dela. a unidade espiritual e o sentido do mundo. mediante a faculdade discursiva. Elas afirmam que a realidade do mundo é um dado.dialética. As presentes considerações vão um pouco além do que habitualmente se chama "realismo".é registrar o mundo intuído e defendê-lo. Todo o trabalho da filosofia . mundo e sentido não podem ser construídos. Dado.. E quem o ameaça de dissolução é a própria faculdade discursiva. constitutivamente dupla e auto-antagônica . seja que pode provar a inexistência do sentido ou a separação abissal entre o dado e o sentido. ser percebidos intuitivamente. em suma . a que me refiro. O realismo afirma somente a realidade do mundo.htm (9 de 11)16/4/2007 09:22:06 . só podem.Notas sobre Simbolismo e Realidade dados. sentido e unidade (II) A percepção imediata do sentido e da unidade do mundo. 4. Essa experiência pode ser vivenciada de maneira consciente. e está subentendida mesmo nas nossas ações mais mínimas e corriqueiras. que vai para alguma direção e nos leva. Sem esse pressentimento. que a dama de seus desejos o espera no quarto ao lado. Seria tolice imaginar que um homem dá seu próximo passo independentemente de qualquer consideração do que vem depois .htm (10 de 11)16/4/2007 09:22:06 . a qual inclui. atomístico. A expectativa de uma continuidade que se prolonga para além da morte. com mais probabilidade.um próximo passo isolado. Tanto que. seríamos incapazes de dar o próximo passo. seja sob qualquer outra forma que se imagine.org/apostilas/simboreal. ao contrário. todas as nossas ações. no fim. mas em geral ela se torna inconsciente pelo fato mesmo de ser a mais constante e ininterrupta experiência humana. uma expectativa de continuidade. seja sob a forma da simples permanência temporal do mundo após nossa saída dele. Mas essa diversidade de imaginações e suposições traduz apenas a variedade de reações individuais a uma experiência que é única e a mesma em todos os seres humanos: a experiência do movimento geral do cosmos. seu momento seguinte seria bem diferente daquele que experimentaria se lhe dissessem. na infância. Aquele que diz "viver o momento" o faz sobre o pano de fundo de toda uma concepção do universo. se fosse informado de sua morte iminente. seja na forma de uma vida celeste. é uma conditio sine qua non do agir humano. e de aonde pretendemos chegar em seguida. forçosamente.olavodecarvalho. fundamento e condição de toda e http://www. e de aonde pretendemos que vão dar. O "viver cada momento" é apenas uma figura literária.Notas sobre Simbolismo e Realidade estamos fazendo nele naquele preciso momento. Textos . uma conclusão se segue imediatamente: cada ente conhecido só é uno e só é ente a título de imago mundi.Links . Unidade e unidades Mas.Informações .htm (11 de 11)16/4/2007 09:22:06 .org/apostilas/simboreal. 25/12/97 Home .E-mail http://www.olavodecarvalho. se a unidade do mundo é dada e a unidade de cada ente conhecido é apenas potencial. Da unidade total extraem sua unidade as unidades parciais. atualizada parcialmente e passo a passo pela perspectiva rotatória.Notas sobre Simbolismo e Realidade qualquer experiência em particular. 5. htm (1 de 27)16/4/2007 09:23:02 .Meu filme predileto Apostilas do Seminário de Filosofia .olavodecarvalho. de F. http://www. Gravação transcrita por Marcelo Tomasco Albuquerque e editada por Alessandra Bonrruquer. W. 1997).org/apostilas/aurora.13 Meu filme predileto Aurora. Murnau (1927): cinema e metafísica Aula do Seminário de Filosofia (30 jan. Meu filme predileto F.olavodecarvalho.) aviador na I Guerra http://www.org/apostilas/aurora. Murnau Murnau filmando Murnau (esq.htm (2 de 27)16/4/2007 09:23:02 . W. org/apostilas/aurora.Meu filme predileto http://www.olavodecarvalho.htm (3 de 27)16/4/2007 09:23:02 . embora haja ali grandes doses de hermetismo no sentido de alquimia espiritual. as forças da natureza e a misteriosa providência que tudo ordena sem alterar a ordem aparente das coisas.olavodecarvalho. no sentido de obscura. aí é que a arte de Murnau nos surpreende por sua capacidade de conduzir. a natureza e o sobrenatural. sem produzir http://www. baseado no romance de Herrman Suderman. 1927).Meu filme predileto Cenas de Aurora Aurora. Quando se vê que o grande Eisenstein nada mais fazia senão juntar imagens com tanto esforço para produzir. de F. A trama se desenvolve em três níveis: o personagem (o ser humano). Viagem a Tilsit. alguma patriotada a serviço da propaganda comunista.htm (4 de 27)16/4/2007 09:23:02 . O tema de Aurora é o jogo entre as decisões humanas. Murnau (Sunrise. W. tudo perfeitamente encaixado e sem nenhum apelo a uma linguagem indireta ou "hermética". através do jogo de imagens. por associação. é para mim o melhor filme do mundo. a algo que está acima de toda imagem e mesmo acima de nossa capacidade de expressão em palavras.org/apostilas/aurora. Mas ele a aceita. Essa decisão brota de uma paixão momentânea. O resumo do filme é o progressivo retorno desse mundo mítico à realidade que o personagem havia abandonado. nem do fazendeiro e não está encaixada logicamente no quadro normal de possibilidades de suas vidas.o que realmente a coisa era no fundo. por todo o http://www. a cena em que eles se encontram para tramar o homicídio se dá num lamaçal e entre névoas. uma extravagância fundada num mero desejo. onde vai encontrar sua espectadora. Após aquele breve instante em que ele prefere o imaginário ao real.Meu filme predileto acontecimentos de ordem ostensivamente sobrenatural.htm (5 de 27)16/4/2007 09:23:02 . uma decisão que não é fundada em coisa nenhuma: fugir. Na hora em que eles decidem transformar este namoro de férias numa união duradoura sacramentada pelo homicídio. Não por coincidência. como quem vai sair do plano real para ingressar no plano imaginário. matar a mulher do fazendeiro. E se deixa sair da lógica de sua vida para entrar nas névoas do imaginário. Ele atravessa uma bruma.org/apostilas/aurora. algo como um namoro de férias . e jogando apenas com os elementos naturais. O filme começa com dois amantes — um fazendeiro de Tilsit e uma turista — tomando a decisão mais arbitrária que se possa imaginar. A possibilidade normal seria tudo não passar de um episódio fortuito.olavodecarvalho. ou então teria rejeitado taxativamente a proposta da amante. então Murnau começa a colocar um outro enredo em cima do enredo inicial. sendo preciso. para isso. Se a vida do personagem antes do caso amoroso tinha uma certa solidez. ele mesmo não estava consciente disso. que não corresponde ao sentido de vida nem da mulher (a moça que quer fugir com o fazendeiro). Era remorso.olavodecarvalho. Ele precisa adquirir certeza absoluta de sua identidade recuperada. De certo modo. Ele tenta retomar a condição de marido. e evidentemente isso não é tão fácil. os convidados estão à porta. No primeiro instante. que vieram andando na frente dos noivos e nem percebem o que se passa em volta. No instante em que aceitou matar. ou seja. ele tinha se tornado um estranho. Temos então duas cenas decisivas: aquela em que na casa de chá ele oferece um bolinho a ela. pois ele se dá de maneira passiva e na esfera do imediato.org/apostilas/aurora. esperando a saída dos noivos.Meu filme predileto resto do tempo o que vemos são as operações do destino para devolvê-lo à vida real. eu não sou um estranho". e ela acaba não aceitando. ele acompanha a esposa até a cidade. de esperança de poder resgatar de algum modo o que foi perdido. Ele terá de reencontrar sua velha identidade. o sentimento de pena pela esposa que ele não amava. e quem sai são eles. após a tentativa de homicídio falhada. ele toma novamente consciência do sentido do casamento. e a cena do casamento a que eles assistem na igreja. Na igreja. ele já havia se arrependido por dentro. a reação do fazendeiro é simplesmente de ordem sentimental. novamente não por coincidência. O homem só passa por isso na igreja: neste momento. do que ele tinha ido fazer ali. No instante em que ele desiste de matar a esposa. como quem diz: "Eu não sou um assassino. ela ainda está muito triste e ele tenta recomeçar o diálogo com ela – afinal. de fato. ele tem aí uma recapitulação de toda a sua existência. Quando. O retorno à realidade terá de passar pela reconstrução de todos os elementos que foram compondo a sua vida. mas ele. Mas esse retorno não é fácil. mas isso não era exatamente um arrependimento. O arrependimento é um sentimento de culpa acompanhado de alívio. no sentido cristão. Que é remorso? Um sentimento de culpa desesperador. ele jogou fora http://www. e arrependimento.htm (6 de 27)16/4/2007 09:23:02 . não é mais o mesmo. Nesse casamento. de por que é que ele estava ao lado daquela mulher que até poucas horas atrás já nada significava para ele. Mas aí a trama ainda não complicou. É preciso que ele confirme esta intenção. Mas esse arrependimento não é ainda uma conquista sua. ele troca o remorso pelo arrependimento. pelo desenrolar dos acontecimentos. com outra mulher. e por isto esta vida lhe parece vazia e tediosa — é a vaidade psicológica. tira então uma fotografia. já não é mais ele que está executando. E como se dará isso? Ele será obrigado. tem um segundo arrependimento e faz como que um voto.Meu filme predileto toda a sua vida. no valor de tudo aquilo que tinha desprezado. Ele começa por pedir perdão. E a aposta será uma segunda tentação. terceiro. que é como uma fotografia de casamento. nem com o ambiente material. mas não recuperou ainda o sentido da sua vida. e por fim vai para um parque de diversões. a apostar de novo. O apelo dessa vida imaginária o entorpece de tal maneira que ele perde sua identidade: ele não está mais conectado nem com a esposa.htm (7 de 27)16/4/2007 09:23:02 . Ele reconquista por um esforço de vontade consciente tudo o que havia abandonado por vaidade. primeiro. repetidamente.olavodecarvalho. num outro lugar. Com tudo isso. para de certo modo devolvê-lo ao sentido da vida que ele tinha abandonado momentaneamente por um sonho maluco. que começaria miraculosamente do nada. ele repentinamente se vê em outra cena. e terá de apostar cada vez mais alto. afogam realmente a mulher que ele antes tinha tentado afogar. Veja. segundo. no lugar onde ele construiu a sua vida. Na cena em que a amante fala da vida na cidade e ele se vê dançando nas boates. em seguida. que projeta na vida em torno a miséria interior do homem incapaz de assumir seu dever vital. na igreja. Após ter construído toda uma vida como homem do campo. Ele está desligado do sentido da vida. quase que propositadamente mobilizados para esse fim. ele pediu e o céu executou. precisaria trabalhar em outra coisa. Nesta hora. Para isto ele precisará ainda apostar mais um pouco. nem com a profissão. isto é. que executam a intenção dele. em seu casamento. ter nascido em outro lugar. com nada. aquilo que ele sonhou. O restante do filme vai encaixá-lo de volta. ele imagina para si uma outra biografia. ele recuperou sua identidade de casado. ele tem de fazer a aposta decisiva para salvar http://www. em sua vida. ou seja. depois oferece o bolinho. é um poder imensamente maior que o dele. que já não vem por meio humano. ele agiu como se fosse um outro. e para vivê-la realmente ele precisaria ter tido toda uma outra vida.org/apostilas/aurora. que seria o equivalente da viagem durante uma lua-de-mel. Um outro que teria uma outra vida. mas por meio dos elementos da natureza. não se realiza. A mudança do fazendeiro para a cidade. que executou o pedido do qual ele já tinha desistido. na verdade. arriscar de certo modo a própria salvação de sua alma. Mas quem se opõe a esse sim. enquanto Deus age através dos acontecimentos reais. O filme tem algo de "romance de formação" (Bildungsroman).htm (8 de 27)16/4/2007 09:23:02 . São romances cuja única conclusão é o crescimento humano em direção à maturidade. do reino da natureza transformado em mensageiro do sobrenatural. dá-se a tempestade. através de seus erros. Ele vai dizendo uma série de "sins" a tudo aquilo a que antes tinha dito "não". Um exemplo é Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister. a fantasia e os desejos. A idéia. É uma apologia caracteristicamente germânica do "pão-pão. quem é o tentador que lhe oferece novamente o não? Agora já não é o demônio: é o próprio Deus.Meu filme predileto aquela mulher que ele quisera matar. queijo-queijo" como valor supremo da existência. gênero tipicamente alemão. e não num outro mundo colocado acima deste. e tudo o que é importante acontece no retorno da cidade para o campo. desta vez lutando contra todas as probabilidades aparentes.org/apostilas/aurora. como o http://www. onde o indivíduo. pois não pode evitar o sentimento de revolta contra os céus quando pensa que a mulher morreu. Herman Hesse também fez isso em O Lobo da Estepe e em Demian. E terá agora de arriscar a sua própria vida para defendê-los e. planejada no começo. e nesse retorno é que se dá também o retorno dele à plena posse do sentido da sua vida.olavodecarvalho. Mas esse crescimento é sempre uma diminuição. para saber se ele quer mesmo. transcorre para trás. portanto. que tem como conclusão a formação da personalidade humana. onde ele vai novamente botar os pés no chão. é sempre o indivíduo voltando à terra. é de que o sentido da existência está colocado na própria existência: ela tem sentido em si mesma. Enquanto vai retornando para casa. O personagem será então obrigado a reafirmar com muito mais força sua adesão a todos os valores que havia desprezado. se transforma num homem de verdade. Ele tem de reafirmar e apostar tudo de novo. depois de haver sonhado alguma maluquice e viajado por um céu de mentira. e ele se sente preso numa armadilha terrível montada pelo diabo. O filme é teologicamente exato ao mostrar que o diabo age dominando a imaginação. Aurora. mais ainda. tem uma tridimensionalidade que a fantasia não tem.olavodecarvalho. onde as coisas não acontecem verdadeiramente. Não foi um anjo quem fez cair a tempestade. apenas parece que vão acontecer. o sentido da vida. Então. e pelo simples fato de ser real. ele é um burguês no fim das contas. pelo simples fato de que foi você mesmo que o imaginou. porque não é constituída de imagens. Esse "mundo da lua" é o mundo dos reflexos na água. como o cão e o lobo. É no retorno à terra que o homem encontra o verdadeiro céu.htm (9 de 27)16/4/2007 09:23:02 . que é A Lua: o homem de um lado. ao passo que. tem em si uma força mágica superior a toda imaginação. Não há no filme a menor insinuação mágica a respeito disso. a água em baixo e a lua no meio. mas ela não tem a tridimensionalidade. Meister tem o sonho de ser ator. formando um losango. e sua descoberta de que é um burguês de classe média alta. a coisa mais espantosa desta vida real é justamente que nela as coisas não chegam a ter uma explicação final. tudo para ele faz sentido. A cena em que o fazendeiro e a amante conversam no pântano remete à carta 18 do Tarô. a mulher de outro. no retorno à vida real. A vida cotidiana do burguês. porque é ele mesmo quem quer que as coisas sejam assim ou assado. um mundo só de imagens. a profundidade da vida real. ao passo que o mundo imaginário é facilmente compreensível e explicável. mas. mais sutil. Aí a relação causa e efeito é perfeitamente nítida. se ela não acontecesse.org/apostilas/aurora. ele não é um ator. Ora. há sempre um tecido. http://www. e que é mais ou menos como o mundo da falsa vocação teatral de Wilhelm Meister. é a verdadeira educação dele. e nunca se consegue assinalar uma linha causal única. Na hora em que o personagem imagina uma outra vida na cidade. na medida em que é real. um emaranhado de causas. O imaginário como alternativa oferecida pelo tentador diabólico é um mundo bidimensional. A imagem pode ser encantadora. o jogo de causa e efeito é infinitamente mais complicado.Meu filme predileto mundo imaginário que a amante oferece ao personagem. mas ele não serve para ser ator. imagens no meio da névoa. e nunca se pode dizer que isto aconteceu por causa disto ou daquilo exclusivamente. por que a tempestade acontece justamente no momento em que ele estava voltando? Ela poderia acontecer em qualquer outro momento. um sólido burguês. e por momentos o personagem se sente vítima desta ironia. Quando cai a tempestade e a mulher se afoga.e esta é uma das coisas mais bonitas do filme . Os seus pensamentos viram ações no exato instante em que ele não os aceita mais. porque Deus não aparece no filme. mas em qualquer dos casos esse acontecimento se encaixa não na ordem das causas. Não se pode dizer propriamente: "Deus fez cair a tempestade para tal ou qual finalidade ". Qualquer que seja a causa. vemos o que aconteceu. e este sentido.Meu filme predileto certamente a resolução do sentido da vida desse indivíduo tomaria uma outra direção.org/apostilas/aurora. mas objetivamente. e e força causal divina não aparece como causa eficiente e sim só como causa final.olavodecarvalho. não subjetivamente. nada no filme nos permite interpretar que foi Deus que a fez cair propositadamente para ensinar algo ao personagem.htm (10 de 27)16/4/2007 09:23:02 . ou se a natureza inocentemente e quase que mecanicamente produziu a chuva. vai na direção indicada pela intencionalidade divina. e que é realizada justamente no instante em que ele a tinha renegado e em que ele a temia. só a tempestade. mas nos dois casos este fato entra como elemento componente de um sentido geral. que age através da combinação natural das causas eficientes. para o personagem. E que sentido é esse? O da intenção maligna da qual ele já havia desistido. não é o personagem quem interpreta as coisas assim: elas simplesmente são assim. Sem precisar recorrer à idéia de uma providência que propositadamente está "fazendo acontecer" isto ou aquilo . dentro da vida real dele. isso não a torna menos irônica. pouco interessa se foi o diabo que fez chover. É uma espécie de ironia da natureza. naquela hora. http://www. por meios puramente naturais. Cada um está livre para interpretar isso como uma intencionalidade divina ou como uma casualidade. Nós simplesmente vemos a tempestade. Este sentido não é subjetivo. Para ele. Ela pode ser premeditada ou fortuita. As causas naturais interferem e não se sabe nunca se existe nelas um propósito ou não. e em ambos os casos faz sentido.o evento tem um sentido objetivo. A tempestade é irônica nos dois casos. Deus não aparece. mas na ordem do sentido. para prejudicá-lo. não há a menor insinuação de um sentido religioso evidente envolvido no caso. que é a reconquista do sentido da vida. em si mesmas e objetivamente. ou uma causa natural fortuita. Não podemos dizer que foi uma causa divina. aquele acontecimento tem um sentido muito nítido. é um elemento natural demasiado isolado e fraco para por si determinar o rumo dos acontecimentos. Mas como quer que se interprete a causa que fez o cachorro se mover. dentro do contexto dos acontecimentos. a ação do cachorro naquele momento poderia ter impedido a desgraça. ele cai totalmente dentro do absurdo que ele mesmo havia premeditado. é um sentido real. pouco importando se foi intencional ou não. Por que o cachorro. Se houve intencionalidade por trás dos fatos. pura sanidade natural. o sentido é nítido. Poderia. não é apenas humano. Só que esse sentido não é subjetivo. se não foi intencional é até mais cruel. você deseja que ele não faça isto. a tempestade tem uma significação nítida. na hora que eles vão sair de barco. E na hora em que o cachorro http://www. nunca acontecendo o que você deseja. Na hora em que você sabe que o sujeito vai tomar o barco para matar aquela inocente mulherzinha. foi uma intencionalidade pedagógica. para isso será preciso a mobilização de todos os elementos da natureza — a tempestade. foi uma coincidência irônica. Essa ironia já aparece no episódio do cachorro. O cachorro não teve força suficiente. Mas em todos os instantes o que se vê é que. E esse sentido não é subjetivo. é uma ironia cruel da natureza. e essa previsão toma o aspecto de um voto de fé: você deseja que as coisas tomem um certo rumo. mas o sentido que esse episódio acaba tendo no conjunto. porque então o destino do personagem parece mais absurdo ainda. O cachorro aparece ou como uma casualidade ou como uma intencionalidade. ao retornar para deixar o cachorro em casa. e se não houve. exatamente aquele que você desejava.htm (11 de 27)16/4/2007 09:23:02 . O cachorro. o homem poderia ter desistido da viagem e do plano assassino. que poderia ter salvado a mulher antecipadamente e bloqueado o curso posterior dos acontecimentos.olavodecarvalho. Você está livre para interpretar como quiser. mas falhou. E esta é outra característica desse filme: o tempo todo você tenta prever o que vai acontecer em seguida. não importando a causa. Na verdade. sai latindo atrás da dona? É porque ele anteviu que ia acontecer uma desgraça? Ou é simplesmente porque ele quer ir atrás da dona? O filme nada diz a esse respeito. no fim o resultado é. De fato. Por quê? Porque. é impotente para deter o mal. o que importa não é a causa. Quase impediu. você torce pára que isso aconteça — e. De repente. pelos meios mais impremeditados e surpreendentes.org/apostilas/aurora.Meu filme predileto Há aí uma distinção muito nítida entre o a ordem das causas e a ordem do sentido. tenho a obrigação de fazer isto assim e assado. A chuva pode ser uma mera coincidência. afinal de contas. Ela também está numa interrogação. Deus certamente sabia disso. A simples somatória de causas naturais e humanas é suficiente para http://www. que a precede de certo modo. Faz parte da realidade da vida você não saber quais são os elementos que determinaram seu destino. A interpretação metafísica fica condicionada a uma interpretação ética. a mulher – ela também não sabe direito o que vai acontecer. cria-se esta história profundamente enigmática na qual todos os elementos concorrem. A partir de elementos psicológicos simples. porque é a única que faz sentido. Em nenhum momento você depende da interpretação subjetiva que os personagens fazem. Todos esses elementos.htm (12 de 27)16/4/2007 09:23:02 . Viktor Frankl daria pulos de entusiasmo se visse este filme. o personagem. sempre referido ao antecedente e ao conseqüente. Pouco importando se existe uma providência por trás de tudo ou não.org/apostilas/aurora. Veja-se isto do ponto de vista de Deus. O problema da providência está colocado não na esfera causal.Meu filme predileto começa a latir e vai atrás. Está subentendido no filme inteiro que tudo está concorrendo para um sentido final. todo mundo vacila: você. esta é uma questão deixada em suspenso. Mas também faz parte da vida você poder compreender o sentido do que está acontecendo. mas ele falha. Eu não sei quem foi que fez chover. que por sua vez faça sentido dentro do caminhar da minha vida e dentro de minha própria identidade. nem com qual intenção fez chover. eu sei que para a ordem constitutiva da minha vida. o sentido dos fatos se impõe na medida em que impõe a obrigação de agir de uma determinada maneira.olavodecarvalho. pouco importando se essa providência age através de causas naturais ou sobrenaturais. E o sentido. e não precisaria mandar uma chuva especialmente para que as coisas se resolvessem desta ou daquela maneira. pois só assim minha vida fará sentido. o que é? É a obrigatoriedade moral de uma ação. Nesta cena. o cachorro está realizando de certa maneira o seu desejo. neste momento. Mas se isto ocorre conforme uma premeditação ou não. mas na esfera do sentido. Se já estivesse predeterminado por leis naturais que iria chover naquele determinado instante. vivendo do jeito que vivo. o cachorro. Sendo eu quem sou. todos esses fatos têm sempre um sentido muito nítido. para uma tomada de consciência e para que o personagem retome posse da sua vida. a chuva tem um sentido muito nítido. não precisa no entanto recorrer a meios sobrenaturais. Podemos tomar as causas naturais que aparecem neste filme. para realizar esse sentido. Não haveria http://www. Não era necessário uma premeditação para aquele caso específico: estava já tudo ordenado. que é um ser pensante e que tende sempre a criar uma unidade de sentido em sua vida. mas não quanto à sua causa final. Isso também pode acontecer. As duas coisas de certo modo se exigem mutuamente. como o comportamento do cachorro e a tempestade. então? Para criar e manter o sentido. de tal modo que o homem.org/apostilas/aurora. e com isso escapamos da famosa polêmica entre determinismo e livrearbítrio. sendo sobrenatural. Existe determinismo na medida em que certas causas desencadeadas vão fatalmente produzir certos resultados. haverá um resultado x. mas para ser leibniziano não é preciso ter lido Leibniz: é uma questão de personalidade e de afinidade espiritual espontânea. São fortuitos quanto à sua causalidade eficiente. Pode estar tudo predeterminado na ordem das causas eficientes. os acontecimentos quaisquer que fossem. Não sei se Murnau pensou em Leibniz nessa hora. mas na ordem da causa final.htm (13 de 27)16/4/2007 09:23:02 . àquilo que os desencadeou. o próprio caráter fortuito dos acontecimentos é de certo modo superado. Em todo caso. como simples resultados de leis naturais. Tabu. isto é. A providência está aí para quê. Desta maneira. não é inútil lembrar que. mas nada pode estar predeterminado com relação ao fim. Há processos naturais que explicam esses fatos. A providência. há uma mensagem de sentido aparentemente contrário: a causalidade humana e natural concorrendo para um desenlace trágico. Este é um elemento da filosofia de Leibniz (Princípio do Bem Maior). De qualquer modo. não há como conceber uma sem a outra. à finalidade. antes de se dedicar ao cinema. Ou seja: um monte de causas eficientes dispersas de modo fortuito podem concorrer a uma causa final de natureza fundamentalmente boa. por mais que a gente sofra) ou em tragédia é coisa que não é decidida na ordem das causas eficientes. Murnau estudou filosofia e teologia. se tudo termina em comédia (quando tudo termina bem é comédia. Do simples jogo das causas naturais e humanas em número indefinido.Meu filme predileto criar um sentido. aproveitaria.olavodecarvalho. Num outro filme dele. porque o indivíduo mesmo é um elo de muitas cadeias causais cruzadas. etc. de maneira linear. É a lógica do plano criminoso proposto pela visitante: nós matamos a sua mulher e vamos para a cidade. faz uma intervenção) vão se sucedendo e vêm do ambiente em torno. e você vai morar lá comigo e vamos dançar naquela boate onde sempre vou. as causalidades não são mais lineares. do ponto de vista físico. ou seja.. e a chuva também não teria outra alternativa senão cair naquele preciso momento.olavodecarvalho. O indivíduo mesmo é que entende ou não entende. porque esse é seu instinto. mas sua realização pelo homem é eminentemente falível. capaz de ter culpa inclusive. e compreender em quê essas coisas o influenciam. existe uma certa margem de manobra dentro mesmo do determinismo da natureza. etc. A conexão entre elas pode ser percebida ou não.org/apostilas/aurora. Mas. que é o mundo imaginário. O sentido da vida existe. um mundo inteiramente lógico e nítido. não seria preciso um ser tão inteligente quanto o homem para desempenhar esse papel. que não existia na vida do personagem e que chega de férias a um determinado local num determinado momento. Isso seria um nonsense: não é necessário um ator consciente para desempenhar um papel mecânico. não é a mesma coisa chover sobre um terreno onde não há nenhum ser vivo.Meu filme predileto nenhum sentido em criar um ser capaz de escolher. Mesmo do ponto de vista puramente natural. Portanto. no retorno à vida real. mas concomitantes e em número inabarcável. etc. onde ele inventa as causas e os efeitos se seguem da maneira mais lógica possível. capaz de agir. ele precisa compreender o que se passa em torno. Uma coisa é acontecer uma chuva e outra coisa é acontecer a chuva na hora em que você está ali. basta ele se desligar por um momento deste tecido denso da causalidade e entrar num outro mundo onde ele próprio é a única causa. Podemos dizer que o cachorro "não teria" outra alternativa senão ir atrás da dona. E para não entender. Tudo isso é muito lógico. se a finalidade de vida dele já estivesse dada infalivelmente de antemão. Para realizar o sentido de sua vida. O homem é que tem a alternativa de entender ou não entender o que está se passando e de dirigir a vida dele num sentido que esteja harmonizado com quadro natural.htm (14 de 27)16/4/2007 09:23:02 . http://www. com o seu dever e o sentido da sua vida. Os fatos (como por exemplo a amante.. chove na hora em que está ali exatamente aquele cidadão. http://www. No sentido de jogar com um monte de causas para provocar um efeito final. enquanto que aqui. Perguntar se isso foi premeditado ou não. Ora.olavodecarvalho. No caso aqui presente. É justamente esse drama que dá ao filme todo seu valor e seu impacto. O momento em que isso acontece não é indiferente. existe uma analogia entre Aurora e A Tempestade de Shakespeare. neste caso. As conseqüências da chuva fatalmente serão diferentes nesses vários casos. porque a pergunta não é essa. não tirasse a lição moral nela implícita. Aqui não aparece mago nenhum. Ele consente em tirar esta lição porque continua dialogando moralmente com a natureza.org/apostilas/aurora. Poderia ficar tão idiotizado pela morte da mulher que não sentisse sequer a ironia da situação. Ou então fantasiando em cima. você sequer sabe quem está dirigindo a cena ou mesmo se ela está sendo dirigida. não. o mundo da fantasia subjetiva. A pergunta não é quem está dirigindo e com que propósito. que é o mago Próspero. E na medida em que responde. ela tem significados diferentes.htm (15 de 27)16/4/2007 09:23:02 . perguntando: "O que você quer de mim?". a pergunta é: O que precisamente está acontecendo? É uma chuva como qualquer outra? Não. portanto essa chuva já não é igual para todos. plano e sem gravidade. fugindo do dever e do sentido da vida. ou seja: confiando no sentido da vida mesmo quando este sentido se tornou invisível por efeito dos erros que ele próprio cometeu. a natureza nunca responde totalmente. O que você sabe é que ela faz um sentido tremendo. É a chuva que acontece neste momento e mata a mulher que o sujeito queria matar meia hora atrás. sobre um terreno onde há bichos e sobre um terreno onde há gente. é inteiramente ocioso. Quando vemos que tudo isso foi dito só com imagens mudas. e a única coisa que está realmente em jogo é se você vai aceitar essa densidade ou se vai fugir para um outro mundo. responde assumindo o sentido e as implicações todas. as implicações reais que aquilo tem. A vida real é justamente essa densidade na qual todos os fatores são absolutamente inseparáveis. Ele poderia não ter compreendido a situação. inventando. mas a diferença é que nesta há um agente regendo as causas. mas é o ser humano que completa as suas respostas. notamos que este filme é realmente uma obra-prima assombrosa.Meu filme predileto sobre um terreno onde há plantas. temos aí uma indicação preciosa sobre a natureza mesma da realidade: a realidade só é real quando.Meu filme predileto A história que o personagem havia inventado ele próprio entendia perfeitamente. enlouquecem e não querem pensar mais. longe de compreender isso no sentido vulgar das "limitações do conhecimento humano". e esta outra história que de fato lhe acontece? São tantos os fatores em jogo.htm (16 de 27)16/4/2007 09:23:02 . incognoscível em si mesmo. ele poderia não sentir. que ele não poderia ter uma explicação completa. ele teve esta vida e não outra. E sempre que o finito se dissolve num infinito sem sentido. Para entender tudo o que aconteceu. É na articulação sensata do finito no infinito que se encontra o conhecimento da realidade. pretendendo ser auto-explicativo. mas. esperando retornar à sua paz doméstica depois de tudo aquilo que viveu. Imagine o número de causas que teriam de ser investigadas para se saber por que houve toda essa convergência de acontecimentos. Ele vai sentir de acordo com o que aconteceu antes e de acordo com o que ele pretende que aconteça depois. estamos no reino da fantasia macabra. estamos no reino da fantasia lógica otimista e prometéica. na hora em que a vida realiza sua fantasia macabra. No entanto. Muitas pessoas. um sentido histórico. diante de um sofrimento desse tipo. Em nenhum momento haverá uma explicação completa de tudo que aconteceu. é abarcado por um infinito que.olavodecarvalho. observe o que se passa. de fora. O personagem é este homem e não outro. e que em si mesmos podem não fazer sentido. O sentido da vida do personagem não apenas não é subjetivo: ele é. dá a unidade e o sentido do quadro finito. http://www. Na verdade. nesse instante incide a chuva e ela tem esse sentido porque se encaixa na seqüência desse antes e desse depois. depois da tentação e do remorso. ele precisaria ser Deus. por assim dizer. Justamente na hora em que o indivíduo voltava para casa. ele poderia ficar idiotizado. Sempre que o finito se fecha em si mesmo. e não porque o indivíduo "sentiu" isto ou aquilo. enfim ele não está livre para sentir o que quiser na hora em que quiser. Aí elas perdem a percepção do sentido do que está acontecendo. o conjunto finito dos elementos conhecidos.org/apostilas/aurora. Isso nunca ninguém terá. mas esse sentido continua presente e pode ser reconhecido por quem. nela. Meu filme predileto O preço do sentido da vida é entender o que está acontecendo. por mais que doa. de que Ele conhece seus pensamentos e de que Ele pode. evidentemente. Construa a hipótese de que exista um Deus. Por isso mesmo é que a investigação metafísica nunca pode ser uma mera investigação abstrata no sentido científico e impessoal. Você deseja conhecer esse Deus? A maioria das pessoas. tratando desses temas de uma maneira genérica e abstrata.olavodecarvalho. da intencionalidade divina. Surge aqui a famosa emoção da "máquina do mundo" do Carlos Drummond de Andrade. se metam a opinar sobre questões filosóficas simplesmente porque leram Kant ou Heidegger. como é que você vai entender as intenções do Escritor que produziu a obra? Se você não entende nem a história. aí. http://www. porque há certas coisas que são terríveis de entender. ela sempre vai implicar uma responsabilidade pessoal. Mas entender sempre apenas do ponto de vista humano e sem ter a explicação global. como é que você vai entender a psicologia do Autor? É ridículo que pessoas de alma tosca. o único intermediário pelo qual se poderia chegar à compreensão da intencionalidade divina. Primum vivere deinde philosophari tem precisamente este sentido: o verdadeiro filósoso é filósofo na vida real e não apenas um estudioso que fala sobre filosofia. incapazes de apreender e assumir responsavelmente o sentido de suas próprias vidas.org/apostilas/aurora. E a pergunta que se coloca é a seguinte: você aceita compreender o que está se passando na sua vida? E em que medida você vai agüentar? Oitenta por cento dos filósofos a quem você fizesse essa pergunta correriam de medo. tornar realidade os seus piores pensamentos.htm (17 de 27)16/4/2007 09:23:02 . ele diz: — "Não quero mais saber". o qual é. É melhor não saber. após ter investigado e perguntado a vida inteira. Ora. Se você não compreende sequer o que os acontecimentos representam dentro do enredo da sua vida. isso é muito importante para o estudante de filosofia. quando o indivíduo. já não vai querer mais. a tendência humana é sempre voar direto para o problema da providência. na hora em que o Universo vai finalmente se abrir e mostrar tudo. sem ter este arraigamento prévio do sentido da vida pessoal. sobretudo as conseqüências do que cada um fez na vida. como neste caso. do determinismo. pelo seguinte: em qualquer investigação do tipo metafísico que se faça. pedregosa.olavodecarvalho.Meu filme predileto "como defuntas crenças convocadas presto e fremente não se produzissem a de novo tingir a neutra face que vou pelos caminhos demostrando. enquanto eu. como se um dom tardio já não fora apetecível. já de si volúvel. passasse a comandar minha vontade que. incurioso. desdenhando colher a coisa oferta que se abria gratuita a meu engenho. e como se outro ser. em Claro Enigma) http://www.Carlos Drummond de Andrade. A treva mais estrita já pousara sobre a estrada de Minas. se cerrava semelhante a essas flores reticentes em si mesmas abertas e fechadas. e a máquina do mundo. antes despiciendo. de mãos pensas.htm (18 de 27)16/4/2007 09:23:02 .org/apostilas/aurora. lasso. se foi miudamente recompondo. repelida. não mais aquele habitante de mim há tantos anos. avaliando o que perdera seguia vagaroso. baixei os olhos." (Trechos de "A máquina do mundo" . Mas onde está o elo? Em você. o sobrenatural é Deus. você não pode mexer. outras vezes parece que não. em de fato desejar compreender a própria vida e realizar o seu sentido. você conhece o seu próprio corpo. na hora em que você começa a pensar em Deus. você é objeto de conhecimento seu. Você está colocado. E tudo aquilo que vemos. é onipotente. você vê que tudo faz um sentido tremendo. precisamos interrogar o que está além da natureza. onde você está? Exatamente entre um e outro. precisamos conversar com o Autor da história. pelo menos no plano macroscópico. mas não conhece. Você desejaria subir para este sentido. está diante de nós. Se você conhecesse o Autor da história. Deus é perfeitamente compreensível. mas um pouquinho acima dela. mas nós não O vemos. mas você não O conhece. Aquilo que você conhece. Entre um conjunto que você enxerga mas não entende e outro que. porque não parece ter intencionalidade. na verdade. Pois bem. você não pode mexer lá. assumindo o dever com todas as forças. neste mundo histórico e humano onde vivemos? A natureza já está dada.olavodecarvalho.htm (19 de 27)16/4/2007 09:23:02 . a http://www. aquilo que está acima dela e que a determina. por assim dizer. embora haja um coeficiente de indeterminismo na natureza. ou seja. é um fato que está diante nós. A interferência do homem nos processos naturais é mínima. no plano da natureza visível. as coisas funcionam segundo uma certa regularidade na qual você não interfere. se não fosse no real.org/apostilas/aurora. Você tem o fato em baixo e o sentido em cima. então você não sabe.Meu filme predileto O acesso ao conhecimento de ordem metafísica tem de passar primeiro por um conhecimento de ordem moral e ética que não consiste em "seguir" uma moral ou uma ética já dada e pronta. porque você também existe materialmente. Então. se não de maneira eterna. mas nós não a entendemos. Ela já está resolvida. não O escutamos e não O conhecemos. Então. Em suma. escutamos e conhecemos nem sempre faz sentido. mas aonde você não pode chegar. E onde mais poderia agir o tal sobrenatural. Como é que vamos saber? Bom. ao contrário. você não entende e aquilo que você entende. mas. na medida em que pode enxergar a natureza como um todo e perguntar sobre alguma coisa que está para além dela. se conhecer. A natureza é visível e cognoscível. Às vezes parece que. tudo estaria explicado. não conhece. na natureza. onde mais você vai interferir? No sobrenatural? Não. pelo menos de maneira habitual. nem na natureza e nem no sobrenatural. porque é na vida real que se vai encontrar o elo entre o natural e o sobrenatural. vai entender. sem que você opinasse a respeito.org/apostilas/aurora. Você sabe apenas que seu armazém afundou. mas não sabe se faz sentido. E a vida você conhece. Só na medida em que vai aceitando compreender esse sentido que está na sua própria vida. faz sentido. Nesse momento. cada um de nós pode também colocar a seguinte pergunta: Quais os fatos que foram determinantes do meu destino? E. porque a cada instante você pode ligar a esfera dos fatos com a esfera do sentido. Então.olavodecarvalho. Na vida dos outros a gente percebe isso muito bem. seu armazém afunda. cuja http://www. há algo que tem de se resolver na sua esfera e na sua escala antes de você poder fazer a sério qualquer indagação de ordem metafísica. Não quer ver.Meu filme predileto sua própria vida. você não precisa saber onde ela começou e você não precisa saber o tamanho dela. exatamente como você conhece a natureza. Agora. e não querendo. é claro.htm (20 de 27)16/4/2007 09:23:02 . Sendo você o único elo. ou não? Quer conhecer realmente o que determina sua vida? Note que não estamos falando de causas sobrenaturais. Ora. você é esse elo. mas qual é o sentido dela? Com relação a você mesmo. que muda o comércio internacional de um produto. Você conhece a realidade da sua existência. E qual é o sentido da sua vida? Você tem a realidade da sua vida. na nossa. Como é que você faz isso? Compreendendo o sentido que os fatos impõem. volta à condição de animalzinho — o bichinho vivente cuja vida não tem sentido. eu pergunto a você: você quer ver o tamanho do inimigo que liquidou seu armazém? Quer ver o tamanho do elefante que pisou em cima de você. A relação que existe entre a sua vida e o sentido da sua vida é a mesma que existe entre a natureza e Deus. você também está dividido. O sentido. Você não precisa conhecer essa crise econômica toda. mas você não o conhece. é preciso um esforço. se você começa a contar sua história direitinho. mas com relação à sua vida histórica. a maior parte das pessoas baixa os olhos como o personagem da "Máquina do Mundo". sem que fosse consultado e às vezes sem que sequer os percebesse. Depois de uma crise econômica no Zâmbia. Por exemplo. mas não o sentido dela. você monta um armazém. quando entendemos isso. não abstratamente e em si mesmos. você tem ao mesmo tempo a abertura para aquele laço maior que há entre o natural e o sobrenatural. verá que houve fatos que determinaram o seu destino real. estamos falando de causas sócio-econômicas. e daí para diante é igual a um http://www. por exemplo. Mas a aquisição do sentido da vida pressupõe a aquisição do sentido do cenário cósmico em que você está. e que só espera morrer o mais rápido possível. que lhe infunde coragem cada vez maior. A partir desse momento. por medo. o sujeito fecha os olhos ante a máquina do mundo. A expansão da consciência pressupõe uma retração das pretensões e uma perda do egocentrismo. de que ele próprio decide livremente sua vida. não em si mesmo. e sim no dever. E à medida que esta consciência se amplia.htm (21 de 27)16/4/2007 09:23:02 . Mas a apreensão desse sentido às vezes implica o conhecimento de forças terríveis. Portanto. a consciência pode ir se alargando em círculos concêntricos cada vez maiores. mas como cenário da peça que é a sua vida. Suponha que um planeta se deslocando em sua órbita planetária possa causar um efeito na sua vida. vê que é quase um milagre tomar alguma decisão em meio a todos esse fatores enormemente poderosos. Nessa hora. Conhecer o sentido da vida pressupõe conhecer o sentido das coisas que vão acontecendo enquanto ela se passa. forças de escala histórica. para compreender gradativamente o conjunto de fatores que determinam objetivamente a sua existência. mais nítido se torna o dever pessoal que dá sentido à sua vida. Suponha. planetária ou supra-planetária. quando alguém faz isso. estará atendendo apenas a um instinto de morte. e neste ponto a maior parte das pessoas volta atrás. por encantadora que ela ainda possa parecer. Partindo do ponto onde você está.olavodecarvalho. Acontece que. Para não perder aquele falso senso inicial de segurança. social. na hora em que você limita sua vida ao biológico. mesmo o esforço que o sujeito faça para atender aos seus impulsos vitais. o indivíduo é obrigado a enxergar a realidade mais brutal da vida humana: a fragilidade do poder individual. baixa a cabeça. É o único resultado a que a vida biológica pode levar.org/apostilas/aurora. como se faz ecologicamente. levantar os olhos para ver o que determina a sua vida. Qual é o resultado final da vida biológica? A morte. mas que com o tempo se torna inconsciência mesmo). aquela ilusão de que ele próprio é o centro do mundo.Meu filme predileto vida não precisa ter sentido. Como é que você vai dialogar com um monstro desse tamanho? A maior parte das pessoas não deseja. você sabe que está indo apenas na direção da morte e de mais nada. seus desejos. que os planetas exerçam alguma influência sobre a sua vida. E aí você não busca mais proteção na inconsciência covarde (fingida no começo. A renúncia ao sentido leva embora consigo a própria vida. o próprio Deus. mas eles nos atingem. Aurora. se ele não olha nem a realidade em torno.olavodecarvalho. forças que podem inclusive fazer com ele uma piada sinistra.Meu filme predileto carneiro. Aliás. O indivíduo não sabe exatamente o que pedir. mas um carneiro. o título do filme. Mas o pedir milagre é uma coisa amaldiçoada pelo próprio Cristo. o personagem do filme aceita o mais plenamente possível a condição humana. esse cenário assume de fato uma configuração sinistra. nascer do sol. a socieadde. ou um porco. E você agüenta enxergá-la? Você quer saber. ele está reduzido a uma criança que. Ele já não lhe dá mais valor. Em certo momento. "Maldita a geração humana que pede prodígios".org/apostilas/aurora. Ora. olhar para o mundo real onde esses prodígios se sucedem a todo instante? Aqui é preciso citar uma frase do velho Gurdjieff (não gosto dele. nós não sabemos deles. o renascido em Deus. um porco ou um ganso que continua com a ilusão de que é uma grande coisa. que é a pior perda por que um sujeito pode passar. Como um judeu na Alemanha nazista: ele podia ignorar o Führer. ou um ganso. O homem que desistiu de saber pelo quê são determinadas sua vida. Ele entende que sua vida é determinada por um diálogo. mas Stálin o conhece muito bem. no máximo. Deste ponto em diante. pede milagres ou amaldiçoa o destino. ignorando tudo em volta. o renascido no reino do Espírito. Agora. com forças infinitamente poderosas. mesmo. só um milagre. que diz que a maior parte das preces consiste em pedir que dois mais dois dêem cinco. desistiu dessa vida e dessa biografia. mas o Führer não o ignorava. ou históricos. um confronto. ele http://www. tem um motivo bastante óbvio. e que nenhuma reparação material pode compensar.htm (22 de 27)16/4/2007 09:23:02 . Nós podemos ignorar os fenômenos cósmicos. mas ele tem uns achados verbais incríveis). O personagem do filme é o verdadeiro twice born. Como um cristão na URSS: ele pode ignorar Stálin. mas que jamais o ignoram. sua biografia. Nesse sentido específico. ou não? Nesta passagem é que se decide se o homem vai ser digno da condição humana ou se ele vai se imputar aquela autocastração espiritual. É óbvio que há fatores que ele pode ignorar. Ele entende e assume o que se passa. jogou-a no lixo. mas eles sabem de nós. E como é que o sujeito vai obter prodígios se não quer sequer olhar para a natureza em torno. "Que é que eu sou?". É por isso que vejo uma blasfêmia profunda na apologia vulgar da "vida simples". Você precisa de uma certa quota de prazer sexual. portanto também não sabe o que quer. isto é o desprezo pelo Espírito. A falta de interrogação sobre o sentido da vida. quero permanecer no estado de inocência animal. terá de passar por essa interface.Meu filme predileto não sabe onde está. etc. em não precisar de muito. Para você saber o sentido de uma coisa. que também são para subsistência. que é o sentido da vida dele mesmo. Ao fazer isso.. a depreciação desta busca ou sua redução a uma curiosidade acadêmica. precisa de uma certa dose de esforço dolorido. simplesmente para sobreviver. Este ignorar é recusar o dom do Espírito. Vai pedir uma coisa qualquer. como se algo desligado do eixo da vida.htm (23 de 27)16/4/2007 09:23:02 . ele está perdendo tempo. eu quero ser um bichinho que não sabe de nada. está cometendo o pecado primeiro: "Eu não quero ser um ser individual consciente e responsável. Qual é este pecado? A ignorância voluntária — e ainda há quem chame isso de "simplicidade evangélica". vai rezar. menos esse.org/apostilas/aurora. não quer saber do sobrenatural. Tudo é perdoado menos o pecado contra o Espírito Santo. Se ele quiser saber do sobrenatural. para sobreviver. Se o sujeito faz isso e depois vai ler a Bíblia. está recusando o dom do Espírito. gastronômico. e este é o pecado que não é perdoado nem nesta vida nem na outra. das "pessoas simples". assim como. Essa desespiritualização é a total absorção do indivíduo nas tarefas de subsistência. ele optou pela vida natural. o pior dos pecados. "Onde é que eu estou?". "Que é que eu estou fazendo aqui?". Enquanto o indivíduo está limitado a essas duas coisas. "Que é que está me acontecendo?" e "Em que rumo está indo o curso da minha vida?" Por exemplo: Você deseja http://www. e não em levar a vida de um bichinho que ignora o mundo que o cerca. Esse é um aspecto que nunca foi muito bem estudado. primeiro precisa saber que coisa é esta." Ele quer pecar contra o Espírito e ainda quer que Deus faça um milagre? Todos os pecados são perdoados.olavodecarvalho. A autêntica simplicidade evangélica consiste justamente em pedir pouco. uma bobagem. É uma besteira: ele já informou a Deus que não quer nada com Ele. incluindo as tarefas de prazer. mas antes de perguntar pela desgraça. e. Então.Meu filme predileto realmente saber todos os impulsos hereditários malignos que herdou de seus antepassados? Assassinos.olavodecarvalho. estupradores. É o indivíduo que nunca tinha pensado em nada e repentinamente tem de entender tudo. dedos-duros — quer? Quer ver tudo isto? A isto Dante chama descida aos infernos: reconhecer as possibilidades inferiores que ainda estão em você.org/apostilas/aurora. você já está acima do seu próprio mal interior. contrabandistas. se o indivíduo passar a vida toda ignorando solenemente tudo o que se passa. há um idiota jogado de repente numa situação trágica. uma sucessão de analgésicos. ele entende porque é um filme. de olhar. Não. Só quando você quer ver esse conjunto é que. não adianta ir rezar. sua compreensão tem uma função catártica. Pelo olhar firme e inteligente é que você supera todo o mal que há em você: se você é capaz de saber. A situação do personagem do filme é uma situação evidentemente ideal. o indivíduo se pergunta "por que isso aconteceu a mim?". Ora. pelo simples fato de ser vistas. a desgraça pode ser complicada. No filme. agora. na hora em que entende. vai ficar ainda mais burro do que estava antes. Quando acontece uma grande desgraça. Ora. ele deixa para fazer perguntas só quando acontece a desgraça. é um esquema simplificado. traficantes. Não temos medo daquilo que nos é inferior. já devia ter perguntado uma série de outras coisas. você ainda está em baixo. a idéia que se tem hoje da preocupação "realista" com o cotidiano repetível é uma fuga do Espírito. quando ocorrer a desgraça ele também não vai entender. portanto artisticamente simplificada. proxenetas. se formos pensar a ferro e fogo. onde ele tem de entender tudo e realmente entende. Então. Você quer ver isto? Não. não quero. se não quer. E ele entende. passam a fazer parte do seu mundo cognitivo e você de certo modo já está colocado acima delas. Na hora em que toma consciência do que aconteceu. http://www. simbólico. e ele talvez não a entenda. se você não quer ver. Boa pergunta. diz a maioria. essas possibilidades então são queimadas. ele descarrega o mal que havia na situação e esse mal instantaneamente se converte em bem e sua esposa é resgatada. porque a função do Espírito Santo é revelar precisamente isso para você. da vida. Não acredito que deixar tudo para o último minuto possa adiantar. exceto no filme.htm (24 de 27)16/4/2007 09:23:02 . Na verdade. já não se admite isso e sempre há um sentido culposo. Se você não quer ver. Na tragédia antiga. entendendo. mas não trágico. o que não quis ver tem culpa. o homem não conseguiria entender. Se você percebe e absorve este impacto. é possível que a sua tomada de consciência tenha uma função catártica capaz de beneficiar muitos seres humanos em torno.htm (25 de 27)16/4/2007 09:23:02 . exatamente como dizia Thomas Mann. Foi uma escolha errada. você deixa tudo atuando na esfera da mecanicidade. neste sentido. sabia que não podia fazer nada por ele. De maneira aparentemente paradoxal.olavodecarvalho. então chorava. Pode haver um desenlace horrível. É um caso extremo. Sempre há uma margem de manobra: as coisas poderiam ser de outra maneira. muitos esperam para tomar consciência no último momento. Na esfera cristã. onde. esse não ver não envolve culpa.Meu filme predileto Eu não nego que possa haver. Não é preciso antever o sujeito no inferno. Mas. Podem antever certos resultados que os outros não antevêem e já sabem o que vai dar errado. mesmo agindo no melhor de suas capacidades. das causas que já estão atuando independentemente de você e que vão chegar fatalmente às suas finalidades. http://www. o expressa e sublima de alguma maneira. que algumas previsões a gente faz justamente para que não aconteçam. porque sabem o que está se passando. uma atuação mágica do ser humano sobre o cenário histórico e até mesmo o cósmico. No mundo cristão. nas situações em que esse mal se aproxima. É por isso que em geral profetas e grandes místicos são pessoas que tendem a ser mais tristes do que alegres. porque não fatal. Maomé olhava para um sujeito e sabia que o sujeito já estava no inferno. Mas esta é uma última instância. e por isso mesmo o gênero trágico não floresce muito aqui. então ele se torna uma vítima inocente do jogo cósmico. mas um sujeito na câmara de gás ou num pelotão de fuzilamento é impossível que não haja ninguém capaz de antever. Toda tragédia tem esse elemento: ver ou não querer ver. e se ninguém quer ver o mal? Aí vai acontecer mesmo. na medida em que entende o mal e. Entretanto. A tragédia antiga parte do princípio de que existe uma certa limitação da inteligência humana.org/apostilas/aurora. O que o islamismo professa no fundo é apenas que o pecado de Adão foi de ordem cognitiva. abruptamente.olavodecarvalho. precisamente porque nele as imagens condensavam diretamente e sem qualquer linguagem enigmática os problemas mais altos da metafísica do destino e da providência. FICHA Direção: F. Mas há maneiras distintas de entender. era um cume de realização artística que o cinema nunca havia ultrapassado. Mas lembro que encerrei dizendo que Aurora. até prova em contrário. e não propriamente moral.htm (26 de 27)16/4/2007 09:23:02 . está referida à espécie humana e não ao indivíduo. a história de Adão. com uma sutileza digna de Sto. porque ao assumir a culpa o sujeito vence. Mas é preciso compreender que a perspectiva islâmica. Epílogo em junho de 1997 A gravação desta aula termina assim. No plano das ações individuais existe culpa.W. de certo modo. Adão erra por fatalidade. por isso não aceitam o pecado original: ali onde Adão errou qualquer um erraria.org/apostilas/aurora. Murnau Roteiro: Carl Mayer http://www. Continuo dizendo isto e Friedrich Wilhelm Murnau continua sendo para mim o maior diretor de cinema de todos os tempos. Os inimigos do sentimento de culpa são inimigos da liberdade. da religião. por exemplo. o destino fatal. ou tinha margem de manobra? Ele podia enxergar o que estava acontecendo ou foi uma pobre vítima dos acontecimentos? A interpretação muçulmana diz que foi um simples lapso intelectual. sim. nesse caso. obra de um cineasta que foi um profundo estudioso da filosofia.Meu filme predileto a culpa restaura a liberdade. do simbolismo e do esoterismo. As pessoas que hoje falam levianamente contra o senso cristão da culpa não entendem ou fingem não entender que a única alternativa a isso é o retorno à fatalidade trágica grega onde o inocente é sempre condenado. Agostinho e Leibniz. A mulher da cidade LINKS Se você quer saber mais sobre a vida e a obra de F.Textos . dê uma espiada nestas esplêndidas páginas: http://home.htm http://gurukul.htm (27 de 27)16/4/2007 09:23:02 .edu/dshep/modern_students/nw0461a/home.A esposa Margaret Livingston .html http://www. Schuster Produção: William Fox Papéis principais: George O'Brien .american. W.earthlink.htm Home .olavodecarvalho.Informações .Meu filme predileto Baseado no romance Die Reise Nach Tilsit ("Viagem a Tilsit") de Hermann Sudermann Cinematografia: Charles Rosher and Karl Struss Música: Hugo Riesenfeld Montagem: Harold D.O marido Janet Gaynor .net/~jakre/murnau/index.ucc.E-mail http://www.org/apostilas/aurora.de/fb4/murnau/start1.Links . Murnau.fh-bielefeld. do cosmos e dele próprio. levando às últimas conseqüências o dedutivismo solitário e o desprezo pela experiência do mundo exterior. o sujeito. Daí por diante.olavodecarvalho.org/apostilas/sujobj. 15 de julho de 1999. e. garantido por esta. será tomado como o ponto arquimédico de toda meditação filosófica. O sujeito solitário está aí ligado diretamente à universalidade de Deus. pode extrair de si mesmo. http://www. desviando-o da certeza "ingênua" do mundo exterior para o terreno supostamente firme do cogito.14 A unidade de sujeito e objeto Resumo do argumento fundamental contra o subjetivismo moderno Seminário de Filosofia. É o que fará Spinoza. considerado enquanto alma solitária que dialoga consigo mesma num ambiente vazio de seres e coisas.A unidade de sujeito e objeto Apostilas do Seminário de Filosofia .htm (1 de 6)16/4/2007 09:23:24 . O ciclo filosófico moderno começa com o giro de atenção que Descartes imprime ao pensamento. por dedução. a ciência inteira de Deus. senão sempre pelo viés do sujeito. não admitirá outro ponto de apoio senão as sensações. o molde e razão da própria unidade do mundo. O subjetivismo é a marca de toda a filosofia dita moderna.olavodecarvalho. esta escola rejeita o primado do eu e nos coloca. definida. A prioridade do sujeito em relação ao objeto é. isto é. resulta em fazer do sujeito. pois. Na verdade. Mas isto é uma impressão falsa. Se quisermos portanto ir um http://www. racionalista e empirista. de cuja somatória indutiva (o único procedimento admitido) não se poderá obter a certeza de verdades universais ou mesmo a da unidade do próprio eu pensante. que. como aquilo que o objeto é independentemente do que o sujeito sabe dele. isso resulta em nunca encarar esses objetos diretamente. por intermédio das formas a priori. a constante inabalável do ciclo filosófico moderno. por sua vez. portanto. pela sua dependência (ainda que negativa) do sujeito. fora do domínio cartesiano. e como as sensações se dão no sujeito. O objeto enquanto tal recua para a distância inatingível da "coisa-em-si". de Locke a Hume. Tanto assim é que a confluência final dessas duas escolas. Aparentemente.org/apostilas/sujobj.htm (2 de 6)16/4/2007 09:23:24 . o empirismo não enfoca os objetos do mundo exterior senão como ocasião das sensações. definida.A unidade de sujeito e objeto É verdade que. consideradas atomísticamente. pouco diferindo nisto as duas escolas rivais. ainda uma vez. realizada na filosofia crítica de Kant. surge na Inglaterra a escola dita empirista. em reação a esse extremismo solipsístico. pois. puro sujeito.A unidade de sujeito e objeto passo além. Este é o caminho seguido pela psicanálise. De modo mais geral. Esse caminho consiste em negar desde logo a prioridade gnoseológica do sujeito mediante a simples constatação de que ele não poderia ser sujeito se não fosse também objeto. Para prosseguirmos nesta linha de considerações é necessário no entanto definir desde logo o que se entende por sujeito e por objeto. O caminho para a restauração do objeto deve. nenhum puro sujeito é concebível. tomar uma direção radicalmente diversa. pois não teria nem a si próprio como objeto do seu conhecimento. ainda prisioneiro do cartesianismo. no meu entender. na medida em que algo sabe de si e tem portanto a si próprio como objeto. ao menos no entender do sujeito. pelo desconstrucionismo.htm (3 de 6)16/4/2007 09:23:24 . pois este somente receberia informações sem emiti-las nunca. esfarelando até mesmo a unidade puramente subjetiva que nos foi legada por Kant. considerado apenas e estritamente enquanto sujeito. O ego cogitans cartesiano não pode ser. nada poderia saber. voltou a tomar como ponto de partida a consciência solipsística e nunca mais pôde se livrar das conseqüências inapelavelmente idealistas a que este enfoque conduz. O primeiro é negar o sujeito mesmo. distinto e separado de todo objeto. só nos restam dois caminhos.org/apostilas/sujobj. mas.olavodecarvalho. e portanto nada http://www. pela filosofia analítica. O segundo caminho é restaurar o estatuto ontológico do objeto. Assim definidos os termos. e as definições que proponho são as mais simples que se pode imaginar: sujeito (do conhecimento) é o que recebe informações. compreendemos de imediato que o sujeito. Husserl tentou este caminho. objeto é aquilo que as emite. todas as tentativas de reunir sujeito e objeto — como por exemplo no realismo escolástico ou na fenomenologia — tentaram fazê-lo na relação entre um sujeito dado e um objeto dado. a conclusão fatal é que a condição de sujeito e a de objeto se exigem reciprocamente e não se separam senão in verbis. e complementarmente. pois isto equivaleria a um puro agir sem qualquer feed back. possuindo cada um deles ambas as funções e só podendo ser sujeito e objeto um para o outro porque cada um deles é em si ambas as coisas. nem mesmo a respeito de si próprio. intrinsecamente absurda. e se de outro lado o objeto não pode ser um radical não-sujeito. sujeito e objeto são nomes de funções que. porém. Na melhor das hipóteses. se o sujeito cognoscente não pode ser o que é sem ser também objeto. Mas é evidente que esta união não se poderia realizar no plano da mera relação se já não estivesse dada na constituição mesma do sujeito (que é inseparavelmente objeto). Até o momento. é inconcebível o puro objeto.org/apostilas/sujobj. bem como na do objeto (que é http://www. se requerem mutuamente não só no sujeito como também no objeto. e. ser sujeito cognoscente. para ser exercidas.htm (4 de 6)16/4/2007 09:23:24 . pois. De outro lado. Ora. no instante mesmo em que se definisse como puro sujeito cognoscente estaria afirmando eo ipso que nada conhece.olavodecarvalho. de uma ação sem duração.A unidade de sujeito e objeto poderia saber a respeito do que quer que fosse. que apenas emitisse informações sem receber nenhuma. não podendo. o que é contraditório com a noção mesma de continuidade da ação no tempo e só poderia cumprir-se na hipótese. a união indissolúvel de sujeito e objeto. cada um por si. Eis aí. o puro objeto conhecido. toda dúvida céptica reduzida a mero jogo de palavras. nas constituições respectivas de dois entes que são.olavodecarvalho. no estudo dessa relação. e que. não cabendo operar sobre ela a disjunção céptica senão in verbis. ao contrário. o outro. se tome por ponto de partida o sujeito cognoscente em estado puro (solipsístico) e se tomem os termos da relação como se fossem.A unidade de sujeito e objeto inseparavelmente sujeito). o puro sujeito cognoscente. pela reciprocidade das informações emitidas e recebidas. não podendo ser provada. que estará sempre e fatalmente no sujeito. junto com elas. não pode também ser contestada a partir do momento em que. inseparavelmente sujeitos e objetos —. agora considerada não em cada um desses entes tomado separadamente. e ela é essencialmente união de sujeito e objeto. Esta relação é o que denominamos conhecimento. e o objeto representado que estará sempre e por hipótese fora dele. na constituição de cada um deles — ou seja. as colunas do palácio kantiano. de um relance.org/apostilas/sujobj. Não há aqui como saltar o abismo entre a representação. se compreendemos que a união de sujeito e objeto não deve ser buscada na relação e sim. um. http://www. mas na inter-relação do subjetivoobjetivo de um com o subjetivo-objetivo de outro. hipótese que. então compreendemos também que uma união que está na constituição mesma de um ente não pode ser desfeita pela simples relação que ele contraia com um outro ente. Mas. toda dúvida cética com relação ao conhecimento humano surge precisamente da hipótese de um hiato entre sujeito e objeto. antes dela. Ora. eis aí derrubadas para sempre as muralhas da prisão subjetivista e.htm (5 de 6)16/4/2007 09:23:24 . esta relação não pode fazer senão manifestar. De quebra. 16/07/99 Home .Links .org/apostilas/sujobj.E-mail http://www. e que compreendam residir aí o verdadeiro princípio de toda ciência.A unidade de sujeito e objeto Que aqueles que têm olhos para ver consigam perceber as tremendas conseqüências filosóficas dessas constações.Informações .olavodecarvalho.htm (6 de 6)16/4/2007 09:23:24 .Textos . org/apostilas/intver. Quer dizer.Inteligência e verdade Apostilas do Seminário de Filosofia . a imaginação visual. mas o nosso pensamento não capta propriamente o que é http://www. a capacidade de apreender a verdade.htm (1 de 36)16/4/2007 09:24:39 . Curitiba. Definição Inteligência. a habilidade matemática. Quando pensamos. no sentido em que aqui emprego a palavra. A inteligência não consiste nem mesmo em pensar.15 Inteligência e verdade Duas aulas do Seminário de Filosofia. não revista pelo autor. a aptidão musical ou qualquer outro tipo de habilidade em especial. no sentido que tem etimologicamente e no sentido em que se usava no tempo em que as palavras tinham sentido. agosto de 1994 Transcrição de Luciane Amato. não quer dizer a habilidade de resolver problemas. da maneira mais geral e abrangente.olavodecarvalho. 1. olavodecarvalho.org/apostilas/intver. da imaginação e da memória. e outras vezes intelige sem ter pensado. num ato intelectivo — ou intuitivo — instantâneo. pensa. A inteligência é um órgão — digamos assim: um órgão — que só serve para isto: captar a verdade. no qual você capta alguma coisa sem uma preparação e sem uma forma representativa em especial que sirva de canal à intelecção. podem ficar para outra ocasião. O conceito da verdade. a finalidade não se realiza. Às vezes ela entra em operação através do pensamento. a intelecção a que se dirigiam falha por completo. E se a finalidade dos meios de conhecimento é conhecer. e não na natureza dos meios empregados. dados os meios.htm (2 de 36)16/4/2007 09:24:39 . e tomando provisoriamente a palavra "verdade" em seu sentido vulgar de coincidência entre fato e idéia. e as discussões todas que suscita. então a definição de inteligência é: a potência de conhecer a verdade por qualquer meio que seja. A inteligência está na realização da finalidade. então o que está em ação nesse pensar não é propriamente a inteligência. O pensar e o inteligir são atividades completamente distintas. e no fim você não capta coisíssima nenhuma: cumpridos os atos representativos. e se o conhecimento só é conhecimento em sentido pleno se conhece a verdade. no rigor do termo. bastam estas distinções elementares para nos levarem a perceber o http://www. e não intelige nada.Inteligência e verdade verdade naquilo que pensa. Outras vezes há uma longa preparação através do pensamento. A prova disto é que muitas vezes você pensa. às vezes através da imaginação ou do sentimento. numa súbita fulguração intuitiva. e às vezes entra diretamente. mas apenas o desejo frustrado de inteligir ou mesmo o puro automatismo de um pensar ininteligente. Por enquanto. o veículo com o passageiro. De modo geral. Quanto maior não seria sua dificuldade de captar a diferença sutil entre os atos representativos e a inteligência! Vendo sempre a inteligência atuar através do pensamento. Sejam poucas ou muitas as habilidades com que se identifica a inteligência.htm (3 de 36)16/4/2007 09:24:39 . que dissolve a noção mesma de inteligência numa coleção de habilidades — que vão desde o raciocínio matemático até a destreza física e o traquejo social —. matemática e imaginativoespacial. a imaginação. confundem portanto o canal com aquilo que por ele passa. mesmo nas coisas práticas e nos aspectos mais óbvios da vida.olavodecarvalho. Mas é um caso típico de substituição de uma falsidade por outra. sem notar que todas estas capacidades e outras quantas similares são meios e que a inteligência não é um meio. A teoria das inteligências múltiplas surgiu como uma reação contra a teoria do QI. Esse equívoco acabou por ser oficializado e legitimado pela educação. que por sua vez identificava a inteligência. do sentimento. o raciocínio etc. o resultado a que tendem esses meios e para o qual nenhum deles é por si — nem a soma deles todos é por si — condição suficiente. como a memória. Essa confusão acontece porque a maior parte das pessoas se conhece muito mal. com a habilidade verbal.Inteligência e verdade quanto é errônea a direção tomada pela atual teoria das "inteligências múltiplas".org/apostilas/intver. e tomam por "inteligência" os meros atos mentais. e não dão a menor importância a http://www.. da imaginação. mas o ato mesmo. o erro é o mesmo: confundir a inteligência com os instrumentos de que se serve. todas as formas de ensino visam a incrementar as habilidades em que a inteligência se apóia. exclusivamente. da memória. nem http://www. Podemos desenvolver bastante o raciocínio verbal. raciocínio etc. digo que são exceções e raridades que antes confirmam a regra: o desenvolvimento dos meios não implica o da inteligência.org/apostilas/intver. ela desenvolve as "faculdades" de que necessita.. não implica portanto necessariamente o da inteligência. não é o pensamento. não é a razão. se é através do raciocínio que às vezes inteligimos. aquilo que o diferencia dos animais. sem que haja efetivamente uma inteligência dirigindo os seus passos — a prova é que várias dessas aptidões são mais desenvolvidas em certos retardados mentais do que no comum das pessoas.Inteligência e verdade inteligência enquanto tal.olavodecarvalho. Sem excluir portanto que haja casos de inteligências mesmo superiores mas carentes de meios ou canais específicos de atuação. também é verdade o viceversa: que a inteligência é independente desses outros processos. o da inteligência leva quase que necessariamente à conquista dos meios. ou a aptidão artística.htm (4 de 36)16/4/2007 09:24:39 . às vezes a imaginação nos leva à compreensão real de alguma coisa. Mas o viceversa não deve ser tomado em sentido rigoroso. ou seja. Aliás. também é através dele que nos enganamos. mas às vezes nos leva para longe da verdade. memória. também entendemos que o essencial do ser humano. Do mesmo modo. que lhe servem de canais. ou a memória. imaginação. ou a imaginação visual. O fato é que a entrada em cena dessas outras faculdades não acarreta necessariamente a da inteligência. pois uma inteligência resolutamente decidida a descobrir a verdade sobre alguma coisa acaba em geral encontrando os canais mentais pelos quais chegar ao seu objetivo. instrumentos e ocasiões e nada mais. O desenvolvimento destas faculdades. Se definimos a inteligência como a capacidade humana de captar o que é verdade. não atende perfeitamente a condição exigida na palavra quê — aquela consistência. A verdade da qual alegas nada saber. aquela coesão do estar. até um gato possui: os gatos sonham. também é importante saber distingui-lo de uma tartaruga ou de um molusco por alguma diferença que não seja meramente quantitativa e acidental. Por este caminho não encontraremos a diferença específica humana. se ignoro mesmo o que é alguma coisa. E. corrompido até a medula. embora tudo isto haja efetivamente no ser humano. somos capazes de vê-lo como um conjunto e. a verdade é o quid — esse mesmo quid que.htm (5 de 36)16/4/2007 09:24:39 . para não fazer dele um ser angélico sem pés no solo. recordamos.Inteligência e verdade uma imaginação ou memória excepcionalmente desenvolvidas. aquilo que nos torna homens em vez de bichos.olavodecarvalho. ou: "É falso". raciocinamos. Mas. a fazer de conta que não sabe aquilo que sabe perfeitamente bem. aquele não-ser-de-outrohttp://www. não poderias usar como medida de aferição para o termo "verdade". com relação a este conjunto. e isto não há animal que possa fazer. Se pergunto quê é alguma coisa. podemos dizer um sim ou um não. dirá o velho Pilatos em nós. podemos dizer: "É verdadeiro".org/apostilas/intver. do agir e do padecer. Somos capazes de julgar a veracidade ou falsidade de tudo aquilo que a nossa própria mente vai conhecendo ou produzindo. Imaginação. um macaco também pensa: ele completa um silogismo e até encadeia silogismos num raciocínio relativamente perfeito. O que nos torna humanos é o fato de que tudo aquilo que imaginamos. infausto Pôncio. Pois pensar. se é importante arraigar o homem no reino animal. é porque a coisa que se me oferece nesse instante não cumpre. se desconhecesses. aquela patência e sobretudo aquela fatalidade. quid est Veritas? Cada um de nós é um juiz romano. ou de imaginação artificial. 2. que por sua vez imitam formas. uma vez que implica um código de conversões e permutações. onde se concebe uma sequência de operações com muitas alternativas. Ecce veritas. e neste sentido um programa de computador não é muito diferente. repetido ou variado segundo um algoritmo básico. na escrita. O pensamento artificial é essencialmente uma imitação de atos de http://www. de uma regra de jogo: como no jogo de xadrez. A escrita é uma imitação gráfica de sons. por exemplo. É o que basta por enquanto. propriamente dita. Um conjunto é imitado.Inteligência e verdade modo. que por sua vez imitam idéias. quando se fala de "inteligência artificial". não tem como ser artificial. porque uma determinada sequência de pensamentos.org/apostilas/intver. sem prejuízo de posteriores discussões e aprofundamentos. Existem muitas formas de pensamento artificial. funções e relações de coisas. A escrita foi a primeira forma de pensamento artificial. Toda e qualquer forma de registro que o homem use já é um tipo de pensamento artificial. mais certo seria dizer pensamento artificial. por exemplo. cristalizadas num determinado esquema que pode ser imitado.olavodecarvalho. um conjunto de operações da mente. ou talvez imaginação artificial.htm (6 de 36)16/4/2007 09:24:39 . pode ser imitado de várias maneiras. Porém a inteligência. aquela impositiva ausência de perguntas — e da capacidade de fazer perguntas — que me sobrevém quando sei o quê. Não existe inteligência artificial Hoje em dia. e não do ato mesmo ). É legítimo dizer que um indivíduo inteligiu alguma coisa somente quando ele captou a verdade dessa coisa. é a seguinte: o computador não intelige que 2 + 2 = 4. a fórmula de uma sequência ou rede de combinações. segundo um programa ou algoritmo préestabelecido.htm (7 de 36)16/4/2007 09:24:39 . ela é o nome que damos a uma determinada qualidade do resultado dessas operações. Até mesmo o sentimento intelige. Aqui alguém poderia objetar que. uma vez que nos dá uma verdade. seja pelo raciocínio. como há uma burrice do sentimento. relação que denominamos "veracidade" do conteúdo desse ato mental ( notem bem: veracidade do conteúdo.Inteligência e verdade pensamento segundo a fórmula das suas sequências e combinações. por exemplo quando um computador nos assegura que 2 + 2 = 4. trata-se de imitar um algoritmo. A diferença. este é um ato de inteligência.org/apostilas/intver. quando um ato de pensamento artificial chega a um resultado verdadeiro. A inteligência não reside na mente.olavodecarvalho. se em vez de utilizar uma correspondência biunívoca entre signo e significado recorrermos a uma rede de correspondências analógicas. mas apenas realiza as operações que dão por resultado 4. seja pela imaginação ou seja lá pelo caminho que for. Acontece que a inteligência não é uma "operação da mente". aqui. Do mesmo modo podemos imitar a imaginação e a memória. http://www. Se ele for programado segundo a regra de que 2 + 2 = 5. mas num certo tipo de relação entre o ato mental e o seu objeto. pouco importando qual a faculdade que as realizou ou qual o código empregado. quando ama o que é verdadeiramente amável e odeia o que é verdadeiramente odioso: há uma inteligência do sentimento. Dá na mesma: em ambos os casos. que por sua vez imitam as operações reais da mente. e o primeiro ser livre e responsável que conhecemos na escala dos viventes é o homem: nenhum ser abaixo dele possui inteligência. A inteligência. isto é. A inteligência não consiste somente em atinar com um resultado verdadeiro. Significa. essa verdade está na tela como a verdadeira estrutura mineralógica de uma pedra está na pedra ou como a verdadeira fisiologia do animal está no animal: são verdades latentes. e se há seres superiores ao homem é um problema que não nos interessa no momento e cuja solução não interferiria no que estamos examinando aqui. assumir uma responsabilidade pessoal pela afirmação dele e pelas consequências que dele derivem. quando a esquece ou renega.Inteligência e verdade ele não somente dará sempre este resultado. Neste sentido.org/apostilas/intver. mas sempre segundo um padrão pré-estabelecido ). em segundo lugar. e que só tem no momento em que intelige e admite a verdade. mas em admitir esse resultado como verdadeiro. Do mesmo modo. mas ainda o generalizará para todos os casos similares. segundo a regra 2a + 2a = 5a. neste sentido.htm (8 de 36)16/4/2007 09:24:39 . o resultado da conta de 2 + 2 que aparece na tela do computador é uma verdade. primeiro. que jazem na obscuridade do mundo objetivo aguardando o instante em que se atualizarão na inteligência humana. mas uma verdade que está no objeto e não ainda na inteligência.olavodecarvalho. estar livre para preferir um resultado falso ( um computador pode ser programado para preferir os resultados falsos num certo número de ocasiões. já que ele pode tornar-se ininteligente no instante seguinte. A inteligência é a relação que se estabelece entre o homem e a verdade. uma relação que só o homem tem com a verdade. podemos pensar uma idéia verdadeira sem nos darmos conta de que é verdadeira. Que significa "admitir"? Significa. crer nesse resultado. http://www. só é admissível em seres livres e responsáveis. olavodecarvalho. de conteúdo diferente do primeiro. mais "interior" a nós do que o pensamento. de vez que só há inteligência no ato real pelo qual um ente humano real apreende realmente uma verdade no instante em que a apreende.Inteligência e verdade neste caso. pois consiste em http://www. Se definirmos o pensamento artificial como a imitação. pode ser objeto. neste sentido. numa nova afirmação de si mesmo. quase sempre com redobrada força de evidência. concreta: o inteligir é concentrar o foco da atenção numa evidência presente. Não posso recordar o conteúdo de um ato de intelecção sem inteligir novamente os mesmos conteúdos. pois pensar. é apenas usar sinais ou signos para representar certos dados internos ou externos. na imitação teríamos somente um sujeito hipotético apreendendo hipoteticamente uma hipotética verdade. O pensamento. Não se confunde com o meramente pensar uma verdade. A inteligência é. O ato de reflexão pelo qual retornamos a um pensamento para examiná-lo ou julgá-lo é um outro pensamento. A inteligência somente se exerce perante uma situação real. A inteligência. por sinais eletrônicos. não. Mas a imitação de inteligência não é inteligência. a verdade está no pensamento como a verdade da pedra está na pedra: o ato de inteligência só se cumpre no instante em que percebemos e admitimos essa verdade como verdade. Mas a recordação de um ato de inteligência é o mesmíssimo ato de inteligência. para nós. entenderemos que o pensamento artificial é pensamento. reforçado e revivificado. não inteligência. afinal.htm (9 de 36)16/4/2007 09:24:39 . que a imitação de pensamento é pensamento. de certos atos de pensamento.org/apostilas/intver. Tudo isto seria apenas pensamento. cuja veracidade ele não pode afirmar senão hipoteticamente. se verdadeiros em seu conteúdo. revivido em modo pleno.Inteligência e verdade captar a verdade desse pensamento. nada tem a ver com a veracidade. mas. pois consiste em apreender a veracidade dessa cor ou dessa forma. Isto é. se desacompanhado dessa captação.olavodecarvalho. e não a relação entre uma proposição e a experiência real.htm (10 de 36)16/4/2007 09:24:39 . sem poder por si mesmo estabelecer premissas ou princípios. ele não julga a veracidade. mas apenas a logicidade das conclusões. nem se confunde com o perceber uma cor. pois consiste em assumir a veracidade dessa recordação ou imaginação. mas ao campo total da experiência humana. Por isto não é possível imitar um ato de inteligência. e. e sim o ato mesmo. falsidade ou veracidade relativas a um código dado de antemão. pois sua imitação não poderia ser outra coisa senão a cópia do pensamento. nem com o recordar ou imaginar uma figura. aguardando ser iluminada pelo ato de inteligência que a transformaria em verdade atual. a logicidade. se esta cópia fosse acompanhada da captação de sua veracidade. Ora. a verdade latente de uma pedra ou de um cálculo exibido na tela do computador. Quando digo experiência real. ou seja. Um computador só pode julgar veracidade ou falsidade dentro de certos parâmetros que já estejam no programa dele. a rigor. uma forma. e não do ato de inteligência.org/apostilas/intver. efetiva. E esse pensamento ou essa imaginação. não me refiro apenas à experiência cotidiana dos cinco sentidos. seria cópia do pensamento ou da imaginação apenas. pois é apenas uma relação entre proposições. ou da recordação. teriam apenas a verdade de um objeto. código esse que pode ser inteiramente convencional. conhecida. não seria uma cópia. ou da imagem que lhe serviu de canal. onde a experiência científica feita através de aparelhos e submetida a medições http://www. você está admitindo como verdadeira uma determinada interpretação que você faz do conjunto das informações que você tem neste momento. o que só acontece na fantasia. que você não possa até mesmo. se você perder o senso da unidade do campo da experiência. ter o sentimento da certeza de estar em outro lugar.olavodecarvalho. Exemplo de um ato de inteligência intuitiva: o fato de você estar aqui neste momento é uma certeza absoluta e incondicional.htm (11 de 36)16/4/2007 09:24:39 . Evidência e certeza O termo "intuição" designa em filosofia um conhecimento direto. Quando sua inteligência admite que você está aqui. pode fazê-lo em termos absolutos e incondicionais. como por exemplo na delimitação das esferas das várias ciências. assim como legitimar filosoficamente as divisões de campos de experiência. por um jogo engenhoso de imaginação. quando julga veracidade ou falsidade. significa apenas que você só duvidará dela e só acreditará estar em outro lugar se você sentir o seu campo de experiência como dividido em blocos estanques. 3. no estado hipnótico ou na esquizofrenia.org/apostilas/intver.Inteligência e verdade rigorosas se encaixa apenas como uma modalidade entre uma infinidade de outras. A inteligência. independentemente dos parâmetros usados e da referência a um ou outro campo determinado da experiência. e é justamente este conhecimento incondicional da verdade incondicional que pode fundar em seguida os parâmetros da condicionalidade ou relatividade. uma intelecção maximamente evidente ( o que não significa que deva ser confundida com o sentimento subjetivo de certeza ). o que não quer dizer que você não possa duvidar dela. mas http://www. No entanto.Inteligência e verdade não só a respeito deste momento e sim a respeito do encaixe entre ele e os momentos que o antecederam e os que se seguirão. mas também porque você sabe que estas informações são coerentes com um passado ( você se lembra de ter vindo até aqui ). O motivo. depois o táctil. Tudo isto pode ser produzido.org/apostilas/intver. porém. não seria impensável que.. Você sabe que está aqui não só por causa das informações sensíveis que recebe a respeito do ambiente. etc. ao passo que as que você está produzindo para dizer que está em outro lugar vêm por partes.htm (12 de 36)16/4/2007 09:24:39 . tácteis. se o senso da unidade do campo da sua experiência ainda funciona. depois o auditivo. Examine. ou seja. eram-lhe tão claros quanto as sensações visuais ou auditivas? Não: mas as informações que você recebe aqui sobre sua presença vêm todas coladas umas às outras. embora você. você sabe e se recorda de que os aspectos http://www. e que até mesmo se persuadisse e. algo lhe dirá: isto é falso. ele lhe vem todo junto. "sentisse" que está num outro lugar. você não compõe este ambiente.olavodecarvalho. ou seja. que a respeito deste conjunto você pronuncia o julgamento de que isto é verdade: Você sabe que você está aqui. o antecedente temporal da sua presença ali. um tanto auto-hipnoticamente. e tudo isto forma um sistema tão coeso. com uma idéia que você tem a respeito do propósito com que veio aqui. possa momentaneamente prestar atenção mais a um aspecto que a outro. tão inseparável. informações auditivas. Você não pega primeiro o visual. são coerentes com um projeto de futuro. e. O quê imaginou você a respeito do outro lugar onde supõe estar? o som? o visual? Um ou outro? Certamente não foram os dois exatamente no mesmo tempo e em proporção coerente. estando aqui. por abstração. você imaginasse estar em outro lugar. Por que? Porque as informações que dizem que você está aqui vêm todas juntas. sem um trabalho interior de construção voluntária ( que você lhe seria obrigatório de modo a completar a imagem do outro lugar suposto. Inteligência e vontade A inteligência.org/apostilas/intver. É a esta faculdade — a que diz "sim" ou "não" aos pensamentos. mas não sabemos definir bem em quê ele consiste. a quem você o diria? A quem está lá. imaginações e sentimentos. em suma.Inteligência e verdade preteridos estão aí presentes e podem ser atualizados na percepção a qualquer momento. a aceitar a verdade e permanecer nela. Esta certeza que você tem de estar aqui é o que se chama evidência. se você dissesse que não está aqui. Uma evidência é um conhecimento inegável. porque. esse caráter de veracidade. Por exemplo. é o senso da verdade. hábil ou forte é uma inteligência que está acostumada a discernir a verdade e a falsidade em todas as circunstâncias da vida. ou a quem está aqui? O ato mesmo de você dizer que não está aqui subentende que está.olavodecarvalho. e uma inteligência apta.htm (13 de 36)16/4/2007 09:24:39 . aqui negamos veracidade ao pensamento de que não estamos aqui. Existe. que os julga como totalidade e diz "é verdadeiro" ou é "é falso" — que chamamos de inteligência. onde supostamente estaria ou se sentisse estar enquanto está de fato aqui ). 4. sabemos apenas que conferimos esta veracidade a alguns pensamentos e que a negamos a outros. em certos pensamentos que temos. e até de certo modo indestrutível. http://www. acostumar o aluno a desejar a verdade em todas as circunstâncias e não fugir dela. A astúcia não consiste em captar a verdade. esta semente só floresce por iniciativa da vontade. Vontade significa o exercício da liberdade. mas está condenado a falhar ante situações das quais não possa se safar mediante algum subterfúgio. pelos sinceros e pelos fingidos. significa que você aceitou que aquilo é verdadeiro. Platão dizia: "Verdade conhecida é verdade obedecida.Inteligência e verdade Com isto quero dizer que a inteligência não se esgota no mero aspecto cognitivo: se a potência de conhecer a verdade constitui a semente da inteligência. num ato de vontade livre." Se a inteligência fosse uma faculdade puramente cognitiva. Ora. que acaba sendo substituída por uma espécie de astúcia. significa que você o rejeitou. A conexão entre a inteligência e a bondade é http://www. moral. e a desonestidade interior produz necessariamente o enfraquecimento da inteligência. nada impediria que ela fosse exercida igualmente bem pelos bons e pelos maus. e quando você capta que é falso.htm (14 de 36)16/4/2007 09:24:39 .olavodecarvalho. que exijam um confronto com a verdade. Isto significa que a inteligência é indissoluvelmente a síntese de uma aptidão cognitiva e de uma vontade de conhecer. Na realidade as coisas não se passam assim. mas é você inteiro. mas em captar — sem dúvida com veracidade — qual a mentira mais eficiente em cada ocasião. Se houvesse um ensinamento voltado ao desenvolvimento da inteligência. pelos honestos e pelos safados. de maldade engenhosa. ele teria de.org/apostilas/intver. Portanto o exercício da inteligência possui necessariamente um lado ético. e também pela vontade ela enfraquece e morre. Quando você capta que algo é verdadeiro. O astucioso é eficaz. quem aceita ou rejeita não é uma faculdade em particular. antes de mais nada. pelo menos subconscientemente. mesmo interiormente.htm (15 de 36)16/4/2007 09:24:39 .org/apostilas/intver. Isso faz com que. e a mente humana funciona de uma forma que. do lado do objeto. e noutro afirma outra coisa. A verdade tem poucas oportunidades de surgir para nós com toda a clareza. Um mundo que nega essa conexão. do mesmo modo que a correspondente ligação. capaz de funcionar tão bem nos bons quanto nos maus como a respiração ou a digestão. A conexão a que me refiro surge com peculiar clareza quando examinamos os seguintes fatos. quando você nega uma determinada informação. que se orgulha da sua maldade como de uma conquista da ciência. mas procede. permanecendo inexpressas e mudas. ou seja. se furtam ao julgamento consciente. alimentemos um discurso duplo. pela qual ele se eleva acima das civilizações do passado. Mauriac notava. entre a verdade e o bem. é um mundo francamente mau. essa destreza para embelezar sua decadência. como se ela não o fosse. Com frequência nossas ações não são acompanhadas de palavras que as expliquem. por motivos práticos ou psicológicos. mesmo em segredo. ou para se preservar http://www. nem mesmo interiormente. A partir do momento em que você admite que uma coisa é verdadeira. explicando esses atos de maneiras exatamente inversas.Inteligência e verdade reconhecida por todos os grandes filósofos do passado. o subconsciente suprime todas as informações análogas. somos capazes de agir de determinadas maneiras. que faz da inteligência uma faculdade "neutra". "nos seres decaídos.olavodecarvalho. de modo que. está mantendo um discurso duplo: num plano afirma uma coisa. É a derradeira enfermidade a que o homem pode chegar: quando sua sujeira o deslumbra como um diamante". quando você diz para si mesmo uma determinada mentira que lhe é conveniente. precisamente porque as motivações verdadeiras. aos nossos sentimentos e atos.olavodecarvalho. quando desejarmos estudar um determinado assunto que nos interessa. no mesmo instante em que você suprime esta informação você suprime uma série de outras que lhe seriam úteis e que você não tencionava suprimir. uma defesa instintiva contra a verdade. Mais tarde. nisso. é que com frequência essa lesão é compensada por um desenvolvimento hipertrófico das faculdades auxiliares. a tal ponto que. tem de metê-la num invólucro de mentiras. mesmo quando desejam aceitá-la.Quando nos habituamos a suprimir a verdade com relação às nossas memórias. nos tornamos incapazes para inteligir muitas outras também. O pior. Pequenas e grandes verdades http://www. Por isto a mentira interior é sempre danosa à inteligência: é um escotoma que se alastra até escurecer todo o campo da visão e substituí-lo por um sistema completo de erros e mentiras.org/apostilas/intver.htm (16 de 36)16/4/2007 09:24:39 . 5. esta supressão nunca fica só naquele setor onde mexemos. à nossa imaginação. dificilmente perceberemos que fomos nós mesmos que causamos esta lesão da inteligência. tal como os seios que crescem em algumas mulheres após a menopausa. A defesa contra verdades incômodas se transforma também numa defesa contra a verdade em geral. Muitas dessas inteligências lesadas alcançam sucesso nas profissões intelectuais. numa inútil excrescência ornamental. contra todas as verdades. Noto em muitos intelectuais de hoje uma repugnância. e não conseguirmos. mas se alastra para outros territórios em volta e.Inteligência e verdade de sentimentos desagradáveis. tornando-nos incapazes de inteligir uma determinada coisa. ou entender o que está se passando na nossa vida. ele teria de começar por propor ao aluno.org/apostilas/intver. como ninguém satisfaz a esta exigência. motivações. com o ceticismo clássico. como se fossem a maior novidade.Inteligência e verdade Quando se fala em público a palavra "verdade". e. aceitando aquelas como caminho para estas. no ambiente cínico de hoje em dia. é dado por aquilo que você sabe — e que somente você sabe — a respeito da sua própria história. sem exigir desde logo. porém segura. uma espécie de revisão das suas memórias. cuja refutação é classicamente o primeiro grau do aprendizado filosófico. que toda verdade é incognoscível. empostada e romantizada. Muitas dessas pessoas têm da palavra "verdade" uma noção um tanto posada. Se houvesse um ensinamento voltado ao desenvolvimento da inteligência. despoticamente. Tudo o que é verdadeiro tem um caráter de coesão. as respostas finais a todas as perguntas. universal e completa a respeito das questões mais difíceis. desejos. da qual você pode partir como um modelo para avaliar outras possíveis verdades. principiante ou postulante. ou seja. Um exemplo de verdade humilde.htm (17 de 36)16/4/2007 09:24:39 . Mas esse tipo de exigência não expressa uma busca sincera da verdade. os velhos argumentos céticos. sobretudo da história interior de seus sentimentos. elas concluem. ao estudante. firme.olavodecarvalho. teatral. pois http://www. logo aparece algum espertinho repetindo a pergunta de Pôncio Pilatos e desfiando ante nós. A busca sincera vai das verdades humildes e corriqueiras às verdades supremas. contar sua história direito (analogamente ao que se faz em psicanálise). Só estão dispostas a admitir que o homem pode conhecer a verdade caso alguém lhes mostre a verdade total. etc. e dizer que um país tem uma cultura própria quando ele tem um número suficiente de pessoas capazes de perceber a verdade por http://www. as decisões se esvanecem em meros sonhos.Inteligência e verdade uma informação verdadeira não pode ser artificialmente isolada de uma outra informação que também seja verdadeira e que tenha com ela uma relação de causa e efeito. orgânico. razão pela qual sua captação pela inteligência pessoal requer uma abertura da personalidade. e assim por diante. ou onde todos estão procurando ajuda dos outros para se enganar mais facilmente a si mesmos.htm (18 de 36)16/4/2007 09:24:39 . etc. então isto quer dizer que se você admite um A e um B. de complementaridade. Agora. político. Isto acontece no campo religioso.. de contiguidade. uma predisposição a aceitar todas as verdades que como tal se revelem. numa determinada sociedade. E. econômico e até no campo científico. onde todos estão procurando se enganar. D. ou sobre os que são mais urgentes? Haveria mais sensatez. numa sociedade onde todos estão se persuadindo uns aos outros de coisas de que eles mesmos não estão persuadidos. 6. F.org/apostilas/intver. Demissão dos intelectuais O que aconteceria se. existisse um grande número de pessoas capazes de julgar por si mesmas e de perceber a verdade. todas as discussões versam sobre fantasmas.olavodecarvalho. sem nenhuma seleção prévia de verdades convenientes. moral. você vai ter de admitir um C. as frustrações levam o povo a um estado de exasperação do qual ele procura fugir mediante novas fantasias. A verdade tem sempre um caráter sistêmico. os debates levariam a conclusões mais justas. de semelhança e diferença. não sobre todos os pontos. as decisões teriam um sentido mais realista. mas sobre os pontos de maior interesse para a sociedade. etc. Podemos partir para uma outra definicão. escritores. Os cineastas. A intelectualidade autêntica não é constituída necessariamente pelas pessoas que exercem profissões ligadas à cultura ou à inteligência. exercendo ou não essas profissões. promover a moda. No Brasil temos um número assombroso de pessoas que trabalham em atividades culturais. mas que nem de longe pensam em cumprir as obrigações elementares da vida intelectual. As pessoas encarregadas de perceber a verdade por si mesmas devem ter uma inteligência treinada para isto. expressar desejos e preconceitos coletivos e pessoais. Mas. professores. nos momentos de dificuldade. dar esta contribuição modesta que é simplesmente dizer a verdade. Não é preciso ir muito longe para dizer que a sorte global de um país depende de que haja uma camada de pessoas assim. já recebem muito mais dinheiro do que merecem. e que não precisam ser persuadidas por ninguém. Em nosso país o número de pessoas assim é escandalosamente reduzido. mas sim pelas pessoas que.. reafirmar as mesmas crenças de origem puramente egoista e subjetivista. que é estipendiada pelo governo para exibir em público emoções baratas. realizam as ações correspondentes a elas. etc. artistas. tudo o que fazem é apoiar-se uns aos outros num discurso coletivo. devem ter uma inteligência dócil à verdade e ser as primeiras a perceber e compreender o que se passa.olavodecarvalho. Essas pessoas vivem reclamando de que neste país há poucas verbas para a cultura. Estas pessoas funcionam como uma espécie de fiscais da inteligência coletiva.htm (19 de 36)16/4/2007 09:24:39 . para poder. uma intelectualidade nacional.Inteligência e verdade si mesmas. afetar indignação e posar como "pessoas maravilhosas" em apartamentos da av. em geral subvencionados pelo governo. diretores de teatro.org/apostilas/intver. constituem uma casta privilegiada. Vieira Souto. Isto é que constitui uma inteligência nacional. para fazer isso que elas chamam de cultura. http://www. Inteligência e verdade É claro que os povos sempre têm a liberdade de escolher entre a verdade e a mentira, e mesmo sabendo da verdade eles podem novamente se enganar a si mesmos; porém a possibilidade de que se enganem é muito maior quando ninguém lhes diz a verdade jamais. O que acontece quando pessoas que exercem profissões intelectuais ou culturais somente as exercem no sentido de fazer delas um instrumento de apoio para sua própria mentira interior, ou seja, exercem esses trabalhos no sentido puramente oratório ou retórico de induzir o povo a erros e ilusões? Afirmo, peremptoriamente, que este é o caso da intelectualidade brasileira, que na sua quase totalidade se utiliza de profissões culturais para fazer com que povo e a opinião brasileira a sirvam, confirmando suas crenças, das quais ela não tem certeza pessoal alguma, e para as quais justamente por isso procura angariar um apoio coletivo. Existem setores onde é possível uma insegurança muito vasta e a livre troca de opiniões de valor simliar, mas em outros setores não. Porém o fato é que quando a intelectualidade como um todo se coloca perante o público numa atitude de persuasão lisonjeira, então a vida intelectual está sendo prostituída, e quando ela é prostituída, pergunto: como podemos desejar mais ética, mais honestidade, na política ou nos negócios, se amplas faixas de população atuante não têm a menor noção do que é verdadeiro ou falso? Como é que a intelectualidade pode ao mesmo tempo pregar um relativismo dissolvente, onde os critérios do verdadeiro e do falso se diluem a ponto de se tornarem indistinguíveis, e ao mesmo tempo exigir que os políticos sejam honestos e digam a verdade ao povo? As pessoas, nessa situação, não poderiam ser honestas nem mesmo que quisessem, porque não sabem o que é certo, não têm consciência moral, são grosseiras e insensíveis do ponto de vista moral. http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/intver.htm (20 de 36)16/4/2007 09:24:39 Inteligência e verdade Então não resta dúvida de que a corrupção da sociedade começa com a corrupção da camada intelectual, não com a corrupção dos negócios ou da política: ao contrário, existem países onde os homens ricos e poderosos são muito corruptos e ainda assim o país funciona direito; existem países onde os políticos são corruptos e no entanto o país não se engana grosseiramente na solução de seus próprios problemas. Mas num país onde a camada intelectual, que é a camada encarregada profissionalmente de examinar a verdade e de dizê-la, começa a se enganar a si mesma, então não vai adiantar absolutamente nada que todos os políticos sejam honestos. Se do ponto de vista de utilidade para o indivíduo o objetivo deste curso é o desenvolvimento da sua inteligência, do ponto de vista social, cultural, o objetivo do curso é fornecer gente para uma futura elite intelectual verdadeira.O que é uma elite intelectual? É gente tão treinada para perceber a verdade quanto um boxeador está treinado para lutar e um soldado para fazer a guerra. Neste sentido, todas as nações que obtiveram um lugar de grandeza na história tiveram uma elite assim, formada muito antes de que o país alcançasse qualquer projeção econômica, política, militar, etc. Pois não é possível resolver os problemas primeiro e se tornar inteligente depois.Em todo debate sobre problemas nacionais que atualmente está em curso só há uma coisa que todos estão esquecendo: Quem vai resolver estes problemas? Quem vai examiná-los? Quem tem a capacidade de examiná-los com efetiva inteligência?Se estas pessoas não existem, então o problema inicial é formá-las. O objetivo prioritário deste curso é exatamente isto, se não formar, pelo menos contribuir para formar, amanhã ou depois, ao longo http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/intver.htm (21 de 36)16/4/2007 09:24:39 Inteligência e verdade de talvez vinte ou trinta anos, uma verdadeira elite intelectual. 7. "Opinião própria" e "julgamento autônomo" Vistos os objetivos do curso, é preciso, com relação ao indivíduo, não somente desenvolver a inteligência, mas fazer com que ela se torne a espinha dorsal do comportamento desse indivíduo, ou seja, que ele leve uma vida dirigida pela inteligência. Com isto ele se tornará finalmente autônomo e confiável em seus julgamentos, dentro da medida possível ao ser humano.Uma distinção importante é a que existe entre julgamento próprio, ou seja, você ser capaz de pensar por si mesmo, e o que é apenas uma opinião própria. Hoje em dia todo mundo faz questão de ter uma opinião própria, mas isso não é o mesmo que pensar por si mesmo. Pensar por si mesmo não é apenas você ter uma expressão, uma opinião que expresse a sua preferência, o seu gosto ( aliás geralmente muito menos pessoal do que se proclama ) ou a sua individualidade, mas é você ser capaz de, sozinho e sem ajuda, examinar uma questão e chegar a uma conclusão verdadeira ou suficiente sobre ela, e que, longe de buscar ser diferente da opinião alheia, coincida mais ou menos com as opiniões de outras pessoas que por si mesmas examinaram o assunto, de modo que cada um, examinando por si e sem nenhuma coerção externa, chegue mais ou menos às mesmas conclusões. Pensar por si mesmo é ser capaz de alcançar a verdade sozinho, e não de inventar apenas uma mentira personalizada. Aliás uma das condições para o desenvolvimento da inteligência é você não fazer questão de ter uma opinião própria, ou seja, você não fazer questão de que sua opinião seja http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/intver.htm (22 de 36)16/4/2007 09:24:39 Inteligência e verdade diferente da das outras pessoas, ao contrário, apenas fazer questão de examinar as coisas por si mesmo, sem precisar de muletas, sem precisar da aprovação da maioria ou de quem quer que seja, para no final chegar a uma conclusão, de maneira que você expresse menos uma concordância ou discordância natural, mas que a concordância ou discordância seja produzida por um exame refletido do assunto. Ser capaz de examinar por si próprio é mais importante do que ter uma opinião diferente da dos outros. 8. O estado de dúvida O desenvolvimento da inteligência exige ainda uma outra coisa, que é a tolerância para com o estado de dúvida, que é um estado psicológico que se define por duas afirmações contraditórias e simultâneas de credibilidade aparentemente igual. Ou seja, ao examinar uma questão, dizer um sim e um não com igual convicção, isto é, acreditar tanto numa hipótese como na hipótese contrária, ter iguais razões a favor e contra. Na quase totalidade dos assuntos com os quais lidamos, não há tempo e não há condição prática de sair do estado de dúvida. O indivíduo que ou não tem vocação para a vida da inteligência ou se desviou dela por um motivo qualquer, sente como muito urgente sair do estado de dúvida; ele precisa ter uma opinião de qualquer jeito, precisa se pronunciar, precisa chegar a um sim ou um não, e esta necessidade é vivida como mais urgente do que a de conhecer a verdade. Neste caso a inteligência http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/intver.htm (23 de 36)16/4/2007 09:24:39 Inteligência e verdade não se desenvolve, pois ela é substituída pela simples busca de segurança, já que a dúvida é um estado de insegurança. Se queremos desenvolver a inteligência, temos de fazer uma escolha: a de preferir antes permanecer em dúvida do que ter uma pseudocerteza. É óbvio que a certeza é preferível à dúvida, mas ela só é preferível realmente quando é uma certeza autêntica, e não uma simples preferência individual. Então uma outra exigência para o desenvolvimento da vida intelectual é uma espécie de voto de pobreza em matéria de opiniões, um voto de ter opinião sobre muito pouca coisa e se reservar para opinar sobre coisas em que você teve efetivamente tempo de pensar, e no resto você consentir em permanecer em dúvida, até mesmo, se for preciso pelo resto de sua vida. Uma certeza firme é preferível a um milhão de dúvidas mas, lamentavelmente, se quisermos desenvolver a inteligência teremos de tolerar o estado de dúvida, o estado de incerteza, por mais tempo do que as pessoas geralmente toleram. Além de fazer este voto de pobreza em matéria de opinião, é necessário ainda um outro tipo de voto de pobreza que é a renúncia à busca de apoio, ou seja, você não acreditar que o número das pessoas que o apoiam representa um argumento efetivo em favor da veracidade do que você está dizendo. Em todas as questões mais difíceis a maioria geralmente está errada, ou seja, em geral o consenso mais imediato é feito em torno de algum erro. Por que? Já dizia Sto. Tomás de Aquino: A verdade é filha do tempo. A verdade geralmente demora para aparecer. Se for preciso, se for absolutamente preciso buscar apoio numa opinião majoritária, então é preferível escorar-se nas opiniões que a humanidade conservou intactas ao longo dos tempos, que resistiram incólumes às mudanças e aos desgastes do tempo, do que naquelas que simplesmente formam a voz http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/intver.htm (24 de 36)16/4/2007 09:24:39 Inteligência e verdade majoritária do nosso tempo, e que correm o grave risco de tornar-se minoritárias amanhã ou depois. Dito de outro modo: se algum valor tem a opinião da maioria, não é a da maioria momentânea, da maioria mercadológica, fugaz e inconstante, mas sim a da maioria humana, da maioria da espécie humana em todas as épocas e lugares: quod semper, quod ubique, quod ab omnibus credita est, "aquilo em que todos, em toda parte, sempre acreditaram". Ainda com relação à formação de uma elite intelectual, não é preciso dizer que não é absolutamente necessário que os membros de uma elite deste tipo tenham opinões concordantes, aliás se tiverem opiniões discordantes talvez até seja melhor em determinadas circunstâncias. Mas existem alguns pontos com os quais é preciso estar de acordo, no que se refere, em primeiro lugar, ao valor da inteligência, ao valor da verdade, e à possibilidade do ser humano descobrir a verdade. A fé no poder de alcançar a verdade é a condição inicial de qualquer investigação filosófica, dizia Hegel. Se não acreditarmos na possibilidade de alcançar a verdade não faremos esforços para buscá-la. É preciso se persuadir de que é possível descobrir a verdade, mas nem sempre a verdade final, nem sempre a verdade absoluta, e sobretudo nem sempre a verdade sobre todas as coisas. Em muitas coisas é possível alcançar uma verdade final absoluta, em muito mais coisas do que se costuma imaginar, porém em muito menos do que nós desejaríamos. Na maior parte dos casos teremos de nos contentar com uma certeza probabilística, e às vezes apenas com uma verossimilhança, e às vezes com muito menos do que isto, e talvez nos contentarmos com uma dúvida que nos acompanhará ao túmulo.Porém, na mesma medida http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/intver.htm (25 de 36)16/4/2007 09:24:39 Inteligência e verdade em que o indivíduo confia na inteligência humana em geral, ele deve desconfiar da sua própria opinião, o que é um pouco o contrário da atitude que se dissemina hoje em dia, onde as pessoas dizem não acreditar em verdades absolutas mas acreditam com fé absoluta naquelas verdades relativas que lhes agradam: há aí uma mistura repugnante de relativismo intelectual com um dogmatismo emocional fanático. Ainda que reconheçamos a dificuldade de alcançar a verdade com relação à quase totalidade dos assuntos, temos de admitir que, pelo menos com relação a algumas coisas modestas, podemos verificar a possibilidade humana de alcançar a verdade, desde o momento em que cultivamos a noção da evidência e, sobretudo, cultivamos a norma de jamais negar que sabemos aquilo que efetivamente sabemos. 9. A autoconsciência, terra natal da verdade É importante aprender a admitir aquilo que você sabe que é verdadeiro. Ainda que sejam verdades insignificantes, você meditar sobre o óbvio é talvez a melhor maneira de se habituar à verdade e perder o medo dela e a desconfiança injusta quanto ao poder da inteligência. Por exemplo, ainda que quase todos os conhecimentos que existam sejam relativos ou duvidosos, você sabe que não pode duvidar seriamente de que está aqui neste momento; você pode fazer de conta que não está, mas não pode duvidar efetivamente. Se existem tantos conhecimentos óbvios sobre coisas insignificantes, imaginem aonde poderíamos chegar se alcançássemos evidências deste tipo com relação a coisas verdadeiramente importantes! O senso da verdade se desenvolve a partir do próprio senso da evidência, e o senso da evidência tem a sua http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/intver.htm (26 de 36)16/4/2007 09:24:39 Inteligência e verdade raiz naquilo que você já sabe e sabe que sabe. Quando você sabe realmente uma coisa, automaticamente sabe que sabe, e se você sabe que sabe, você sabe que sabe que sabe. Isto quer dizer que qualquer conhecimento efetivo implica também a consciência deste conhecimento e a plena admissão da sua veracidade.A inteligência tem, portanto, também um aspecto volitivo, inseparavemente ligado ao aspecto cognitivo. Por onde começa o treinamento da consciência para admitir a verdade? O primeiro grau no aprendizado da verdade consiste em você aprender a reconhecer aquelas verdades que só você sabe e que ninguém, fora você, pode confirmar ou negar. Por exemplo, só você conhece suas intenções, só você conhece os atos que praticou em segredo, só você conhece os sentimentos que não confessou. Você, nesses casos, é a única testemunha, e é aí que você vai conhecer a diferença radical e intransponível entre verdade e falsidade. As pessoas que vivem negando a existência de verdades não conhecem essa experiência, nunca deram senão falso testemunho de si mesmas ante o tribunal da consciência, mentem para si mesmas e por isto sentem que tudo no mundo é mentira. Hegel dizia: a autoconsciência é a terra natal da verdade. E Giambattista Vico observava que só conhecemos perfeitamente bem aquilo que nós mesmos fizemos: conhecer perfeitamente bem a natureza só Deus conhece, pois Ele a fez. Porém nossos próprios atos somente nós mesmos podemos conhecer, assim como nossos pensamentos e nossos estados interiores. Não há ali ninguém que possa nos fiscalizar, não há ninguém que possa nos defender de nós mesmos. http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/intver.htm (27 de 36)16/4/2007 09:24:39 Inteligência e verdade 10. Os graus de certeza Se quisermos desenvolver o senso da certeza temos portanto de nos perguntar exatamente sobre aquelas coisas que só nós sabemos e que ninguém pode saber melhor do que nós mesmos. Estas vão dar o modelo para todas as outras certezas. O aprendizado de qualquer saber é perfeitamente inútil se não houver a consciência reflexiva, que consiste na frase: Eu sei que sei, ou então na sua oposta complementar, que é Eu sei que não sei. Mesmo em assuntos duvidosos, com um pouquinho de reflexão você pode demarcar o limite entre o conhecimento possível e o impossível. Bastaria que conseguíssemos captar o grau de certeza ou de dúvida que existe em cada conhecimento já possuído.Existem quatro graus de certeza possíveis: 1. certeza; 2. probabilidade; 3 verossimilhança; 4. conjeturação do possível. Certeza é por exemplo esta que diz "Eu estou aqui agora" ou "Eu sou eu mesmo e não outro". Que é uma opinião provável? É uma opinião onde você pode só ter uma http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/intver.htm (28 de 36)16/4/2007 09:24:39 Inteligência e verdade certeza evidente ( apodítica ) com relação a um grau de probabilidade determinado ou determinável. Em outros casos você não pode nem ter isso, você só pode ter uma probabilidade indeterminada, isto é, verossímil, não uma probabilidade rigorosa. E, finalmente, em alguns casos só podemos ter conjeturas, como por exemplo perguntar se há vida inteligente em outros planetas. Alguns dirão que sim, outros que não, e aqueles que dizem sim têm tanta razão quanto aqueles que dizem não. Aí conhecemos somente uma possibilidade genérica, impossível de graduar probabilisticamente. Eis aqui uma boa maneira de você fazer uma faxina no seu universo intelectual, para recomeçar em boa ordem. Trata-se de fazer a si mesmo as seguintes perguntas: Do conjunto de coisas que você já estudou, quais são aquelas que você conhece com certeza absoluta? Quais as que conhece como probabilidade razoável? Quais as que conhece como conjetura verossímil? Quais as que conhece como mera possibilidade? Em suma: quanto vale cada um dos conhecimentos que você tem? Eis uma verdade amarga: se, a respeito de um assunto, você crê possuir certo conhecimento mas não sabe se esse conhecimento é certo, verossímil, provável ou conjectural, você não sabe absolutamente nada sobre o assunto. A avaliação dos conhecimentos faz parte do próprio conhecimento. Se não existe uma avaliação clara dos conhecimentos já adquiridos, você não sabe a distinção entre o que sabe e o que não sabe, e isto é o mesmo que não saber nada. Seria o caso de http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/intver.htm (29 de 36)16/4/2007 09:24:39 se classificasse por ela todas as suas opiniões. mas que não o ensina a avaliar e julgar o que aprende? Não existe nenhuma diferença entre você saber alguma coisa e você conseguir separar nela o verdadeiro do falso. vai ver que no fim sobram algumas certezas inabaláveis. entre pensar seria bom que Deus existisse e pensar que Deus existe efetivamente há uma distância muito grande.olavodecarvalho.htm (30 de 36)16/4/2007 09:24:39 . e vai acabar duvidando até de que dois mais dois são http://www. entre pensar que seria bom que eu estivesse certo e estar absolutamente certo de fato. no fim vão estar todas misturadas. Então. Exemplo: Você sabe que Deus existe com a mesma certeza com que você sabe que você existe?Se Deus existe. se tenho uma discussão com uma pessoa e penso que eu estou certo e ela errada. imagine a montanha de conhecimentos verídicos que você teria no fim. sem escalaridade crítica. seria bom para mim. Formar convicção é formar graus de convicção. a distância também é enorme. Se você aplicasse esta grade de distinções a tudo o que já leu ou estudou. por exemplo. não podemos estar tão certos em tantas coisas como geralmente fingimos que estamos. lamentavelmente. Então. pois saber é saber distinguir o verdadeiro do falso. no mesmo plano.org/apostilas/intver. Mas se você desejar preservar todas as suas convicções igualmente. é isto e nada mais além disto. Agora.Inteligência e verdade perguntar: O que adianta uma educação que lhe ensina um monte de coisas. você não vai ter certeza legítima de nenhuma. ou melhor. Ele é bom: isto é óbvio. o que estou querendo dizer? Estou querendo dizer: Seria bom que eu estivesse certo e ela estivesse errada. Só que se você extirpar de seu universo de crenças um monte de falsas certezas. e estas valem muito. Seria bom que Deus existisse: isto também é óbvio. Agora. Isso inclusive pouparia um trabalho enorme. teremos feito da nossa mente um instrumento dócil aos graus de certeza oferecidos pela própria realidade. Pouparia o trabalho de você ter de argumentar em favor de coisas que são óbvias e que não precisam de argumento nenhum para sustentá-las. Você não gostaria de ter certeza.org/apostilas/intver. conforme o assunto mesmo admita maior ou menor certeza. porque não sabe equacionar as suas certezas e suas dúvidas conforme a segurança maior ou menor do conhecimento em si. por exemplo. e tendo dúvidas sobre coisa óbvias e inegáveis. da imortalidade da alma? Muitas vezes precisamos de um conhecimento. o aluno http://www. mas como uma prática para o resto da vida. Mas outras vezes há conhecimentos de que você crê não precisar e eles vêm acompanhados de certeza absoluta: então por que você não os aceita? Um conhecimento aparentemente inútil. do arbitrário. é menos prejudicial do que um conhecimento aparentemente útil. do nonsense. mas certo. e este conhecimento se furta. Muitas vezes o que acontece é que o indivíduo acaba tendo certeza absoluta de coisas inteiramente conjeturais. É claro que existem coisas sobre as quais gostaríamos de ter certeza. não apenas como uma lição de casa para se fazer de hoje para amanhã. de que você está aqui neste momento e até de que você existe. Se aprendermos a avaliar os graus de certeza não conforme simplesmente o nosso desejo. bem como pouparia o trabalho de argumentar em favor do indefensável.olavodecarvalho.Inteligência e verdade quatro. mas conforme à coisa mesma. Dado qualquer conhecimento.htm (31 de 36)16/4/2007 09:24:39 . A falsa certeza é a mãe da dúvida patológica. Este senso de docilidade à verdade apreendida pela própria consciência é transmitido aos alunos deste curso como uma prática. mas falso. se nega. Somente com esta revisão você já vai ver que a massa de conhecimentos. você adquire consciência reflexiva do que sabe e do que não sabe.. de informações adquiridas. Então pergunto eu: para onde você olha sempre. porém a algumas delas prestamos atenção e damos um valor. A topografia da ignorância O desenvolvimento da consciência reflexiva pode ser exemplificado na seguinte prática que dou aos alunos deste curso: O tempo todo estamos adquirindo informações que nos vêm através dos cinco sentidos. e a outras não. E a primeira coisa que deve ser revista com este critério é qualquer assunto que você já tenha estudado formalmente. começa a adquirir forma orgânica. etc. e você pela primeira vez tem uma idéia clara da cultura que possui e da que lhe falta: quando o universo dos seus conhecimentos adquire uma forma.Inteligência e verdade é convidado incessantemente a fazer as quatro perguntas decisivas: Isto é verídico? É provável? É verossímil? É possível?O critério dos graus de certeza é usado o tempo todo neste curso. do seu mundo.olavodecarvalho. Nenhum mundo pessoal coincide http://www. do ouvir-dizer. da leitura. é a primeira lição e também a última.htm (32 de 36)16/4/2007 09:24:39 . para onde olha de vez em quando e para onde não olha jamais? É justamente a consciência desta seleção que lhe dará a topografia do mundo. para onde olha com frequência.org/apostilas/intver. inteligível. 11. A partir da hora em que você sabe que sabe. com as fantasias de criação humana. é isto: saber que sabe o que sabe. mas a consciência do conhecimento. é um adequado mapa do mundo. um conhecimento efetivo e importantíssimo. Mas um mundo pessoal íntegro. quantitativamente. Uma consciência desperta não torna somente mais claros os http://www.org/apostilas/intver. você terá inaugurado as bases de uma vida intelectual brilhante. cum + scientia. E este perfil da ignorância se faz exatamente aplicando a grade dos graus de certeza. é um primeiro saber. ) e um ensino voltado à inteligência? O que interessa aqui não é tanto o conhecimento. a sua ignorância. mas o repertório organizado e crítico da nossa ignorância é um conhecimento. Consciência. já se parece com o mundo objetivo precisamente por essa unidade orgânica e.olavodecarvalho. e de outro. fragmentário e mecânico não se parece com nada senão com ele mesmo. É exatamente isto que a consciência reflexiva fará com seus conhecimentos. você efetivamente sabe.A proclamação genérica e vaga de ignorância é apenas uma vaidade intertida. mas justamente em sua topografia.Inteligência e verdade extensivamente. A topografia autoconsciente produz um sentido de perfil. dotado de unidade como um organismo vivente. Se você consegue mapear. imaginação. de clareza das coisas. com o mundo objetivo. A diferença não está na quantidade de informações. o valor possível de seus conhecimentos adquiridos. de um lado. essencialmente ao menos. Percebe agora qual a diferença entre um ensino voltado às faculdades cognitivas ( memória. O desenho da ignorância. E saber que sabe é também saber quando não sabe.htm (33 de 36)16/4/2007 09:24:39 . raciocínio etc. o perfil da ignorância. ao passo que o mundo interior quebradiço. Se o saber efetivo. porque ouviu falar. se você passar todo este saber na peneira das seguintes perguntas: 1. exercícios. às vezes não precisará nada mais do que ter ajuda para chegar aos primeiros princípios daquela área.olavodecarvalho. porque viu televisão. mas o deixa preparado e como que potencializado para a aquisição de novos conhecimentos com muito mais aproveitamento do que antes.Inteligência e verdade conhecimentos que você já tem. se a inteligência se identifica fundamentalmente com a autoconsciência. não se dá só na área dos estudos formais. mas se estende a toda a psique. que aos poucos irão revelando suas interconexões. e então. sabe porque tem memória. mas em todas as áreas da vida.htm (34 de 36)16/4/2007 09:24:39 . o saber que você possui só se tornará um saber inteligente se for um saber autoconsciente. porque assistiu a acontecimentos.org/apostilas/intver. porque leu jornal. com o consequente aumento da capacidade de aprendizado. da história. e enfim alguma coisa sempre se sabe —. O benefício que isto traz não é só de ordem intelectual. onde antes precisava de explicações detalhadas. da arte. e aprenderá muitas coisas de uma maneira mais ou menos sintética e simultânea. Até que ponto sei isto realmente? http://www. ou seja. para você poder dominar todo um novo setor da ciência. porque leu algum livro. porque terá conquistado o senso. a toda a personalidade. então resta transformar esse saber em autoconsciência. o resto você descobrirá sozinho. etc. o "faro" da unidade do conhecimento. repetições. É claro que essa maior integração da consciência. Partindo do princípio de que todo mundo já sabe alguma coisa — sabe por viver. de uma contingência. e não chega a desenvolver um interesse autêntico. O que faltaria para que ele fosse completo? Ou seja. de um desejo fortuito. você prejudica sua inteligência e se afasta quase que necessariamente da verdade.htm (35 de 36)16/4/2007 09:24:39 . Isto quer dizer também que o processo do desenvolvimento da inteligência não pode seguir um programa predeterminado como no estudo de uma disciplina em particular. experiências e pensamentos que sedimentaram em você determinadas convicções. mas trata do assunto com uma atenção periférica e como que ligada no piloto automático.Outro ponto importante a ressaltar é o fato de que quando você dedica. Vale ressaltar que estes conhecimentos não se referem apenas às coisas estudadas formalmente através de canais oficiais de educação.olavodecarvalho.org/apostilas/intver. se a inteligência é capacidade de captar a verdade e de captá-la numa situação verdadeira.Inteligência e verdade 2. e assim por diante. de uma casualidade. Quanto vale este conhecimento? 3. e infelizmente o interesse não depende inteiramente de nós. mais ou menos ao sabor do http://www. é um vício que não o ajuda em nada a desenvolver a inteligência. porque o interesse que temos por este ou aquele problema pode provir de uma situação externa. Ele tem de ir e vir. uma atenção maior a tópicos que não lhe interessam profundamente. mas sobretudo àqueles estudos. o simples fato de você dedicar ao assunto uma atenção falsa já é um impedimento ao conhecimento da verdade. começar fazendo uma revisão das coisas que você acredita que sabe. por obrigação profissional ou escolar não assumida interiormente mas somente imposta de fora. de um temor.Só podemos usar a inteligência com cem por cento da sua força onde houver cem por cento de interesse. Porque. Home .E-mail http://www.Informações .Links .Inteligência e verdade fluxo dos interesses reais do momento e da possibilidade de desenvolver novos interesses.Textos .olavodecarvalho.org/apostilas/intver.htm (36 de 36)16/4/2007 09:24:39 . não somente dos materiais onde se imprimem esses registros. Mas esse conjunto de registros. Por isto incluímos nessa noção o conjunto mais amplo das informações registradas e disseminadas no seu meio social. o conhecimento será não apenas drasticamente limitado.org/apostilas/presenca. isto é.htm (1 de 6)16/4/2007 09:25:12 . mas também do mundo de "objetos" a que eles se referem e com os quais se relacionam de algum modo.2) Se denominarmos "conhecimento" apenas o conjunto de dados e relações que um homem carrega consigo e tem à sua pronta disposição num dado momento da sua existência.16 Conhecimento e presença (Ser e conhecer .Conhecimento e presença Apostilas do Seminário de Filosofia . por sua vez. A noção de "conhecimento" como conteúdo da memória e da http://www.olavodecarvalho. mas informe e flutuante. sem as quais ele pouco poderia fazer por seus próprios recursos. subentende a existência do meio físico. Conhecimento e presença consciência humanas torna-se totalmente inviável se não admitirmos que o conhecimento. A pedra esculpida traz em si os dados de sua composição físico-química e mineralógica. seja pela natureza. na sua natureza e na sua forma intrínseca. Entre estes últimos. geralmente sem atentar para a composição íntima. aos quais se superpõem as marcas da erosão e os sinais do trabalho do escultor. o espectador presta atenção consciente apenas às qualidades estéticas da forma esculpida e à aparência visível imediata da pedra que lhes serve de suporte.htm (2 de 6)16/4/2007 09:25:12 . Mais ainda. já que todo material que possa servir de tábua onde se inscrevam esses registros só pode se prestar a esse papel precisamente porque. a qual. não podemos admitir que existam somente os registros feitos pelo homem. sob a forma de registro. no entanto. outros decorrentes de sua interação com o ambiente em torno — como por exemplo as marcas da erosão na pedra ou o estado de saúde do gato considerado num momento qualquer da sua existência individual. Todo ente traz em si uma multidão de registros. ele traz os seus registros próprios. adequados a esse fim: não se escreve na água nem se produz uma nota musical soprando sobre uma rocha compacta. alguns inerentes à forma da sua espécie. Ao contemplar a escultura. química e mineralógica. Registro é todo traço que especifica e singulariza um ente qualquer.olavodecarvalho. seja pelo escultor.org/apostilas/presenca. destacam-se os registros que nele foram impressos pelos seres humanos com a finalidade de torná-lo um suporte físico dos atos de reconhecimento e memória. existe também fora delas. como por exemplo a composição química e mineralógica de uma pedra ou a fisiologia de um gato. Até que ponto essas qualidades íntimas da pedra são "indiferentes" ao http://www. física. determina a aptidão da pedra para servir de suporte às qualidades que lhe são subseqüentemente superpostas. Quando digo portanto que o livro "é conhecimento" e o traço desconhecido do meu ser é "pura existência". que tanto pode ter desejado imprimir uma forma significativa a um material qualquer. onde começa o puro "conhecer" e onde termina o puro "ser"? Basta formularmos esta pergunta para nos darmos conta. de que essa fronteira não existe. Cada um de nós. pronto a fazer o mesmo sobre um outro material se este estivesse à sua disposição. e a amplitude maior ou menor do nosso horizonte de atenção só modifica a visão que temos de um determinado ente. pode sugerir determinadas qualidades esculturais e arquitetônicas. por exemplo. Nessa multidão. enquanto existente. traz em si uma multidão de registros. do que um livro que esteja na minha biblioteca há anos sem que eu o tenha lido. o qual a fortiori os conhecia. O puro "ser" só pode ser definido como o registro que está presente mas é desconhecido.Conhecimento e presença efeito estético obtido? A resposta depende unicamente da amplitude da concepção do escultor. Mas um traço meu qualquer que me seja desconhecido não o é mais.olavodecarvalho. de chofre. por si. ou a história dos nossos atos voluntários). é apenas porque os registros que constam do livro foram postos lá por um ser humano. http://www. nem menos. e não o conjunto objetivo dos registros que estão nele.htm (3 de 6)16/4/2007 09:25:12 . aos quais se acrescentam os resultantes da interação com o meio e os auto-adquiridos (hábitos. Quem leia o famoso parágrafo de Goethe sobre o granito terá uma idéia de quanto uma pedra. É só por uma comodidade prática que estabelecemos um limite entre as qualidades da forma intencional e as do próprio suporte. mas pode também ter desejado estabelecer uma ponte entre as qualidades da própria pedra e as da forma impressa. Tudo são registros.org/apostilas/presenca. fisicamente considerado. olavodecarvalho. portanto. que. uma passagem. do conhecer ao ser. assim como o livro que.org/apostilas/presenca.Conhecimento e presença ao passo que os registros desconhecidos do meu corpo nunca foram — ao menos assim me parece — conhecidos por ninguém. e realmente jamais conseguem fazê-lo. Elas serão então "conhecimento" ou "puro ser"? No primeiro caso. sendo portanto um complemento "inconsciente" das partes dele que operam "conscientemente". o livro é registro. No livro há decerto muitas qualidades objetivamente presentes que podem ter escapado a todos os seus leitores e mesmo ao próprio autor. um salto onde o ser se transmute em conhecer. no seu funcionamento. ao menos quando tomada ao pé da letra. têm de encontrar um momento. de algum modo. no segundo terei de negar que os registros escritos sejam conhecimento.htm (4 de 6)16/4/2007 09:25:12 . até que ponto posso declarar que o traço desconhecido presente no meu corpo não é de modo algum conhecimento? Qualquer que seja a informação contida nesse "x". ela não pode ser absolutamente contraditória com o meu corpo considerado enquanto sistema e organismo. Por outro lado. Esse "x". pela simples razão de que esse salto é apenas uma http://www. não sendo teorias do ser e sim do conhecer apenas. na estante. espera que eu o leia. O corpo é registro. além de estar bem integrado num sistema do qual amplas parcelas são conhecidas. está aí à minha disposição para ser conhecido de um momento para outro. de tal modo que a distinção destes dois momentos é antes ocasional e funcional do que outra coisa. pois é parte dele e se integra. os entes todos à minha volta são registros: transitam incessantemente do ser ao conhecer. Por isto mesmo a sensação tem sido o pons asinorum de todas as teorias do conhecimento. terei de admitir um "conhecimento desconhecido". Mas esta distinção é bem ilusória. Todas as práticas de concentração. Peço a fineza de não confundir o senso da presença com algum tipo de http://www.. de algum modo. O senso da presença é a plena assunção de um ente por si mesmo. recolhimento. uma forma de conhecer que consiste. A presença é o fundamento de todas as demais modalidades de conhecimento. Mas que esta potência passe ao ato num momento determinado. meditação. portanto. receptor deles (só não sendo receptor o ente impossível que em nada se relacionasse consigo mesmo e fosse constituído de pura auto-ausência1). não quer dizer que este seja o único ou o primeiro a efetivála: o registro que me é desconhecido e que agora se torna conhecido já pode ter sido transmitido a milhares de outros entes — humanos ou não — que entraram em contato com o portador desse registro ontem ou um milhão de anos atrás.olavodecarvalho. e nada pode conter registro sem ser. apenas visto pelo avesso: nada poderia ser objeto de conhecimento se não contivesse registros. o "puro ser" não existe: todo ser é conhecido. já. em ser. em si e por si. A essa forma de conhecer que consiste em ser. presença. conhecimento "em potência". simplesmente. Não.org/apostilas/presenca. pois algo de seus registros foi transmitido a outros seres.Conhecimento e presença mudança de ponto de vista e o ser não poderia transmutar-se em conhecer se já não fosse. Há.htm (5 de 6)16/4/2007 09:25:12 . É ser portador de registros e. desde o ponto de vista de um determinado sujeito cognoscente. o conhecer. na totalidade dos seus registros e na sua modalidade específica e particular de existência. etc. sumariamente. criadas pelos homens espirituais de todas as épocas têm como finalidade primeira alcançar e conservar o senso da presença. denomino. . dizível e indizível.Informações . "instinto".Links . portanto.olavodecarvalho. Ele não poderia. só se aplicam a formas derivadas e secundárias de conhecimento.org/apostilas/presenca.E-mail http://www. pois a expressão puro ser designa aí o desconhecido absolutamente incognoscível. etc. 27/09/99 NOTAS 1. O senso da presença é o ponto de interseção onde todos esses pares de opostos se reúnem e de onde partem para constituir as várias modalidades do conhecimento mental. Voltar Home . As distinções internas do mental não se aplicam ao senso da presença pela simples razão de que este abrange o mental como um conjunto de registros entre outros conjuntos de registros que compõem a nossa presença. já que as distinções entre consciente e inconsciente. que constituem o orbe daquilo que a rigor se denomina "a mente". caber nas categorias que estas determinam.Textos . instintivo e aprendido. incognoscível até para si mesmo.htm (6 de 6)16/4/2007 09:25:12 . Neste sentido — e não no de Hegel — o puro ser é idêntico ao puro nada.Conhecimento e presença "conhecimento inconsciente". "mistério indizível" e coisas tais. Humanismo e totalitarismo Apostilas do Seminário de Filosofia . referidos. todo vislumbre dela que tenha sido experimentado.htm (1 de 7)16/4/2007 09:25:26 .org/apostilas/humanismo. ainda que fugazmente. A História da sabedoria. ou não há. não passa do registro de uns quantos exemplos notáveis. Tal é o caso dos "santos anônimos". por todas as tradições religiosas e sapienciais.olavodecarvalho.17 Humanismo e totalitarismo Seminário de Filosofia. Na primeira hipótese. e mesmo que dela nada tenha se registrado para a "posteridade" e integrado no legado "cultural". tem uma importância universal objetiva como realização das supremas possibilidades humanas. ao lado dos homens espirituais famosos e em escala de valor não inferior ao deles. 23 de novembro de 1999 Ou há uma realidade absoluta e eterna acessível ainda que parcialmente ao indivíduo humano. mesmo que essa experiência tenha acontecido a um indivíduo solitário e desconhecido. escolhidos ao sabor da acidentalidade que os tornou http://www. como os wally'ullahi ("amigos de Deus") do islamismo. aí. htm (2 de 7)16/4/2007 09:25:26 . de vez que. exista a unidade identificável de um processo. nem vislumbres esparsos dessa suprema realidade. Na outra hipótese. Praticamente todas as civilizações conhecidas assentaram-se nessa hipótese. como Deus protege da notoriedade muitos dos que Lhe são próximos. para o gosto moderno .paradoxalmente. A fama e o conseqüente registro histórico não significa nem que esses casos sejam os mais elevados no que diz respeito à qualidade e quantidade dos conhecimentos obtidos. do que um personagem da relevância pública e histórica de Moisés. evanescente e perfeitamente a-histórica de Melquisedec. aí. Na Bíblia. não é menos decisiva. se é que ela existe.Humanismo e totalitarismo famosos. tomados em conjunto na sua sucessão histórica. não há unidade transcendente alguma. a figura misteriosa. espiritualmente. Só resta então duas alternativas: ou cada indivíduo isolado se perde e se anula na sua subjetividade empírica fatalmente cega.org/apostilas/humanismo. ou os homens se reúnem para construir. o único tipo de universalidade doravante possível. A história. não é senão o mostruário mais ou menos casual e fragmentário de uma unidade transcendente. nem metahistória.olavodecarvalho. por exemplo.a indivíduos sem importância histórica nenhuma. muitos elos decisivos dessa cadeia. a qual só se realiza numa meta-história que permanece acessível . a universalidade de http://www. da qual pouco se sabe além de que é o nome do fundador da ordem sacerdotal em que se insere o próprio Cristo. têm de permanecer desconhecidos da "cultura" humana e da história. pela redução de seus discursos individuais à unidade de uma doutrina ou ao menos de um diálogo racionalmente formulável. nem que entre eles. htm (3 de 7)16/4/2007 09:25:26 . No entanto é fato que em nenhuma outra civilização conhecida a pretensão de suprimir a meta-história e de construir uma universalidade ao nível da pura história foi tão destacada como no Ocidente moderno. que nem por discreta é menos decisiva. dentro dessa mesma civilização subsistem poderosos núcleos de resistência fortemente apegados à aposta na meta-história.olavodecarvalho. se fosse preciso demonstrá-lo. Seria um exagero dizer. como René Guénon. a mencionada aposta pode legitimamente ser encarada como o principal traço diferenciador dessa civilização. Pois. É que ela. por não deixar nada da conduta humana mesmo íntima e secreta http://www.Humanismo e totalitarismo uma linguagem válida para todos os membros da espécie. núcleos sem cuja presença a história moderna seria totalmente inconcebível (como o prova aliás a própria influência de René Guénon. seria exemplo bastante a prodigiosa expansão do esoterismo islâmico entre as elites dominantes européias). deve substituir ao mero dogmatismo autoritário das antigas tradições a nova forma de tirania muito mais abrangente e cerrada que. de um lado. ainda que parcial. Por isto. há uma que tem passado despercebida àqueles que a defendem. Entre as conseqüências que essa aposta atrai inevitavelmente. Por sua eliminação dos fatores sobre-humanos e sua ênfase no papel exclusivo da humanidade na criação do novo padrão de universalidade. para se manter.org/apostilas/humanismo. que "a civilização ocidental moderna" apostou maciçamente nesta segunda hipótese. sendo o único exemplo conhecido disso. problemática e rodeada de resistências que crescem em vez de diminuir. esse traço recebeu o nome de humanismo. do que. da aposta no universal histórico. o termo humanismo. todas elas nasceram da adesão professa ao humanismo.org/apostilas/humanismo. De um lado. veio a ser usado para designar. como sobre a conspiração para ocultar um crime originário. tardiamente. mas. quase mágico. totalitarismo. a parte mais pública e hegemônica da cultura moderna. ao contrário. com muita propriedade. ou os nazistas e os socialdemocratas).Humanismo e totalitarismo escapar ao seu controle. na retórica e na propaganda política. toda a história moderna se desenrola ao fio das lutas entre duas facções dos construtores do universal histórico: os adeptos da doutrina universalmente válida e os adeptos do diálogo em aberto (por exemplo. se denominou. a invenção http://www. Assim. o prestígio mesmo. Dois fatores contribuem para manter intocado esse tabu. De outro lado. Originariamente designando apenas a aposta na autonomia da humanidade em relação a todo sobre-humano.olavodecarvalho. Como cabe aos primeiros representar a opção totalitária ostensiva. os marxistas e os liberais. obscurecendo assim aos olhos da multidão o fato historicamente inegável de que nenhuma das grandes tiranias modernas se assentou na devoção ao supra-humano. As relações de implicação recíproca de humanismo e totalitarismo são o tabu em que se assenta. a defesa dos seres humanos contra as tiranias desumanas.htm (4 de 7)16/4/2007 09:25:26 . da palavra "humanismo". a periódica vantagem a favor dos segundos e a hegemonia que desfrutam ao longo do tempo dão a impressão de que o ciclo moderno vai na direção da vitória sobre o totalitarismo e de que portanto este não pertence à natureza mesma desse ciclo e só pode ser explicado como "resíduo" de eras passadas. e muito menos pelo mais bonito deles tomado isoladamente . bem como a ausência de ambos esses fenômenos em outras épocas. por si. ao mesmo tempo que o totalitarismo mais expansivo pode perpassar de cabo a rabo todo o ciclo moderno sem jamais ser percebido como fenômeno caracteristicamente dele e só dele.Humanismo e totalitarismo tipicamente moderna do totalitarismo vai sendo cada vez mais atribuída a épocas que o desconheceram por completo e que não poderiam sequer imaginá-lo. mais que a conveniência.htm (5 de 7)16/4/2007 09:25:26 . Porém.e da luta contra ele por parte dos adeptos do diálogo . pois o totalitarismo está presente nele com a mesma constância da ideologia dialogal e o singulariza tanto quanto ela. há mais quatro itens que devem ser levados em consideração nesse exame impiedoso da era moderna.e sim pela coexistência de ambos.na época moderna. a perpetuidade ao menos cíclica do totalitarismo . associar o tempo do humanismo apenas com a defesa da liberdade e do diálogo. No entanto. a imperiosa obrigatoriedade lógica e moral de não caracterizar a época moderna por um desses traços apenas .olavodecarvalho.org/apostilas/humanismo. Embora só a modernidade tenha conhecido regimes totalitários. se o totalitarismo está associado ao humanismo ao menos tanto quanto o está a ideologia http://www. a imagem dela permanece limpa de todo contágio com a horrenda figura do totalitarismo na medida mesma em que as épocas que não o conheceram são sacrificadas como bodes expiatórios no altar da autolisonja moderna. Primeiro. com que ela obscurece injustamente a nossa visão das épocas passadas. pois. que é o que de fato ele é. É errado. O totalitarismo não é a sombra de épocas passadas que obscurece as luzes da civilização humanista: é a sombra da própria civilização humanista. sugere. no sentido depreciativo de Ideenkleid. cabe perguntar se também esta projeção e esta mentira histórica não estão na própria natureza da era humanista e se esta poderia subsistir um só instante se tal mentira fosse universalmente revelada como tal. se dissiparia instantaneamente na hipótese de ausência dele. nas condições concretas em que se exerce e não no seu mero conceito abstrato idealizado.Humanismo e totalitarismo dialogal.olavodecarvalho. Em quarto e último lugar. Eis aí por que a queda do Muro de Berlim não inaugurou no mundo a anunciada era de liberdade. restaria examinar se o próprio diálogo. pronto a convertê-los em totalitarismo ostensivo ao menor sinal de perigo para os fundamentos da sua http://www. e se. é efetivamente algo mais do que pura ideologia. Em segundo lugar.htm (6 de 7)16/4/2007 09:25:26 . Em terceiro lugar. não consegue se instalar e manter apenas por meios discretamente totalitários. não podendo subsistir sem a sombra que por contraste a faz parecer luminosa. a revelação desse fato suprimiria no mesmo instante boa parte do prestígio dessa ideologia que. considerada na densa realidade concreta de sua cumplicidade congênita com o totalitarismo. com toda a firmeza requerida para isso. "vestido de idéias" com que o humanismo encobre sua face totalitária. mas um estado crônico de intervenção policial.org/apostilas/humanismo. se a ideologia dialogal. essa ideologia não se desfaria em miserável pó de palavras. com todos os seus encantos. é preciso perguntar-nos. se o totalitarismo não pode ser separado da época humanista e se esta só consegue afirmar sua superioridade sobre as épocas passadas projetando sobre elas a sua própria sombra de modo a fazê-las parecer totalitárias. htm (7 de 7)16/4/2007 09:25:26 . ao menor sinal de desmascaramento do pacto humanista entre totalitarismo e diálogo. (continua) Home .E-mail http://www. Se as doutrinas da liberdade política.olavodecarvalho. da democracia e do diálogo não puderem subsistir a esse exame. é porque não têm substância nenhuma fora desse pacto.org/apostilas/humanismo.Links .Informações .Textos . isto é.Humanismo e totalitarismo existência. prometi aos leitores fazer um comentário extensivo dos escritos de Antônio Gramsci. não há necessidade de esperar que saia o primeiro volume para iniciar a redação dos comentários. Como.1 Apostilas do Seminário de Filosofia .18 O Anti-Gramsci ~ 1 Introdução à Filosofia pelo Método Crítico-Dialético Nota Prévia No Jornal da Tarde de 8 de dezembro de 1999.O Anti-Gramsci . porém.olavodecarvalho.org/apostilas/gramsci1.htm (1 de 21)16/4/2007 09:25:38 . publicando-o à medida que fossem saindo os volumes da edição nova e completa anunciada pela Record. que posso muito bem ir fazendo com base na edição antiga. pronto a corrigir http://www. o organizador da coleção é o mesmo da velha (publicada pela Civilização Brasileira a partir de 1967) e no tocante aos livros que já saíram nesta última não é provável que se façam grandes alterações nos textos. e como este foi aliás o primeiro deles a ser publicado no Brasil (sob o título Concepção Dialética da História.O Anti-Gramsci . Rio.htm (2 de 21)16/4/2007 09:25:38 . várias reedições)1. vou-me permitir interromper quando necessário o curso da exposição central para fornecer as respostas cabíveis . é por aí mesmo que vou começar. recapitulado. prefiro. exatamente como aqui. sob a forma de sínteses parciais. à exposição tratadística e sistemática. trad. a abordagem dialética e crítica ao fio dos comentários a http://www. até o amargo fim. tão meticuloso quanto possível. o escrito mais decisivo de Antonio Gramsci é Il Materialismo Storico e la Filosofia di Benedetto Croce. de tempos em tempos. para a qual não tenho o menor talento. Carlos Nelson Coutinho. O método a seguir será o comentário linear.olavodecarvalho. Como estes comentários irão sendo divulgados pela internet à medida que se componham. Civilização Brasileira.1 algum detalhe se mais tarde se revelar que o texto da Record traz novidades.o que dará a este escrito o estilo movimentado de uma exposição em classe. 1967. Como ninguém duvida de que. eis aqui a oportunidade de atender à sua demanda. e como é provável que os leitores lhes interponham de tempos em tempos perguntas e objeções.org/apostilas/gramsci1. do ponto de vista das bases gnoseológicas do seu sistema. Já que muitos leitores vinham me pedindo algo como um curso de filosofia online. e de fazê-lo de uma forma que será praticamente idêntica à de meus cursos "ao vivo". nos quais. as exigências de praxe. quando não resulta de um preconceito e sim das conclusões de um longo exame. (Amado ou execrado.org/apostilas/gramsci1.1 algum texto amado ou execrado. a firme adesão ou repulsa moral. ~ Comentários a Il Materialismo Storico e la Filosofia di Benedetto Croce ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~ Lição 1.De como a filosofia parece fácil aos olhos de quem não sabe (ou finge não saber) o que ela é. porque. Olavo de Carvalho 10/12/99 ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~ Parte I.Introdução. um curso de introdução à filosofia com todas . a discussão de Gramsci nos dará. medida e senso das proporções. se por conhecimento se entende não a simples visão. no fim das contas.) Ademais.O Anti-Gramsci .olavodecarvalho.htm (3 de 21)16/4/2007 09:25:38 . longe de obscurecer a visão objetiva das coisas. de modo que estas lições perfarão. . a ocasião de tocar em todos ou quase todos os pontos essenciais da problemática filosófica.ou quase todas . . http://www. de passagem. sim. é a condição mesma da confiabilidade do conhecimento. mas a visão com forma. simbolicamente. fazendo dele.. da fraternidade e da igualdade. Minha atitude pessoal perante o objeto destas lições "Gramsci inspira respeito até mesmo aos seus mais encarniçados adversários". pelos intelectuais comunistas bem falantes. a primeira obra de Gramsci publicada no Brasil. e na sua loucura. afirmam Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder na nota introdutória à sua edição de Il Materialismo Storico e la Filosofia di Benedetto Croce (A Concepção Dialética da História.org/apostilas/gramsci1. Dostoiévski retratou definitivamente o tipo em Os Demônios no personagem de Verkhovenski Sênior. admitir por fim a verdade longamente escamoteada. como um novo Lear. 6ª ed.olavodecarvalho. Como à maioria dos idealistas falta completamente a lucidez que in extremis assume a responsabilidade pelas conseqüências imprevistas de http://www. Rio. 1986). Mas Verkhovenski.O Anti-Gramsci .htm (4 de 21)16/4/2007 09:25:38 . no final do romance. o pai carnal do cruel revolucionário que. não hesita em atear fogo a um bairro pobre da cidade. Há de fato um certo tipo de liberal progressista que tem. até mais que respeito: tem uma atração mórbida bastante masoquista.1 § 1. para fomentar a revolta popular. o devoto da liberdade. Civilização Brasileira. tem ao menos a dignidade de ficar louco. percebendo na desgraça do povo a conseqüência lógica da aplicação de seus lindos ideais abstratos. que vicia todo o conjunto do seu pensamento. no fim.e às vezes. Ela decorre de um desvio fatal do espírito. até mesmo hilaridade. digo o seguinte: se há algo que Gramsci não me inspira de maneira alguma. Se Gramsci fosse louco . Em psicopatologia. Era um espírito comprometido de maneira essencial e visceral com a paixão . como o pauvre Jean-Jacques.org/apostilas/gramsci1. digo que é -. nada se salva. Enquanto a maioria dos filósofos vislumbra alguma verdade essencial e depois tira dela algumas conseqüências inaceitáveis. de uma opção tenaz pelo engano. Gramsci se compromete desde o início com um erro essencial que contamina e deforma com uma perspectiva falsa até mesmo as inúmeras verdades de detalhe que ele apreende sobre mil e um assuntos. sua doença se deixaria facilmente identificar como delírio de interpretação.htm (5 de 21)16/4/2007 09:25:38 . esse fenômeno chama-se delírio de interpretação: por mais informações verdadeiras que entrem no quadro.O Anti-Gramsci . Mas Gramsci não era um doente da alma. Era simplesmente um homem hostil à verdade onde quer que ela aparecesse e sob qualquer forma que se apresentasse. a falsidade da perspectiva as deforma de tal modo que. repugnância.olavodecarvalho. Quanto a mim. embora seja pecado rir da desgraça alheia. piedade. Respeito. cum grano salis. Pode me inspirar espanto. não. mentiroso patológico que tinha o dom de se persuadir das próprias mentiras até torná-las verossímeis aos olhos do leitor. não é de estranhar que mesmo entre seus adversários Gramsci "inspire respeito". mais ou menos como no caso de Rousseau.1 suas palavras.talvez a mais violenta e arrebatadora de quantas http://www. é respeito. A falsidade da doutrina gramsciana não nasce de simples erros ou preconceitos parciais sobre um fundo de autêntico espírito filosófico e amor à verdade. " A doutrina de Antonio Gramsci advoga a universal e irrecorrível substituição da verdade por algo como a verdade. É algo como a "síndrome de Estocolmo" ou a atração ex post facto da estuprada pelo estuprador." "Respeito" vem de re-spicere. no Paraíso. exceto se por "respeito" se entende o impulso servil que leva as almas débeis. prometia: "Sereis como deuses. Ele dirá apenas: "Não vos conheço.o único pecado que a Graça não pode perdoar.org/apostilas/gramsci1. Essa conduta assinala precisamente aquilo que. talvez nem sequer a Josef Stálin. Tamanho delito não se pode imputar nem mesmo a Karl Marx ou a Lênin. no seu caso. Nada atesta com mais evidência a fragilidade da maior parte dos ideólogos democráticos do que o fato de que tantos deles. Mas àqueles que conscientemente desprezaram a verdade.de trocar o verdadeiro pelo verossímil. é o pecado contra o Espírito Santo.O Anti-Gramsci . Jesus dizia: "Vós sois deuses". de preferir ao autêntico o simulacro. É preciso subir às alturas da teologia para dar conta de fenômeno tão espantoso. que sugere a idéia de olhar o mesmo objeto duas vezes e reconhecê-lo. No Juízo Final. Jesus terá um olhar de misericórdia mesmo para os tiranos e genocidas. ser objeto de respeito. na teologia cristã como na islâmica. como a de Verkhovenski. mesmo abominando a doutrina de Gramsci. o obstinado e consciente desprezo da verdade .htm (6 de 21)16/4/2007 09:25:38 . cedam à tentação de "respeitar" o http://www. enquanto a serpente. irremediavelmente. Por isto as explicações psicopatológicas falham. Aquele a quem nem o próprio Deus reconhece não pode. por definição. a se prosternar ante os que mentem com força. até o ponto de fazer da simulação e da pantomima o princípio mesmo da História e do mundo.olavodecarvalho. nem neste mundo nem no outro.1 existem . olavodecarvalho. o primeiro parágrafo de Gramsci que apareceu em português. a um tempo. Analisando-o entramos portanto. Filósofos e filósofos Começo pelo começo.1 seu autor. a noção essencial de "senso comum" e a declaração de objetivos de todo o esforço intelectual de Antonio Gramsci. é tão significativo que a edição hagiográfica do suplemento Mais! da Folha de São Paulo dedicado a Antonio Gramsci (21 de novembro de 1999) o escolheu. a concepção gramsciana da filosofia. na toca do dragão: "É preciso destruir o preconceito. muito difundido. ao longo dos comentários que vou tecer sobre a doutrina de Gramsci. de que a filosofia é algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos.htm (7 de 21)16/4/2007 09:25:38 .O Anti-Gramsci . como amostra característica do pensamento do fundador do Partido Comunista Italiano.org/apostilas/gramsci1. melhor dizendo. muito bem. no centro do problema ou. É http://www. Deus me preserve desse pecado. Esse parágrafo contém. O começo. Que. § 2. desde logo. definindo os limites e as características desta "filosofia espontânea". Após demonstrar que todos são filósofos.já que. em todo o sistema de crenças. ainda que a seu modo. peculiar a "todo o mundo". portanto.org/apostilas/gramsci1. na mulher que herdou a sabedoria das bruxas ou no pequeno intelectual avinagrado pela própria estupidez e pela impotência para a http://www. está contida uma determinada concepção do mundo -. da filosofia que está contida: 1) na própria linguagem. modos de ver e de agir que se manifestam naquilo que geralmente se conhece por "folclore". "participar" de uma concepção do mundo "imposta" mecanicamente pelo ambiente exterior. na "linguagem". de palavras gramaticalmente vazias de conteúdo.1 preciso. opiniões. isto é. ao momento da crítica e da consciência. superstições. por um dos muitos grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente (e que pode ser a própria aldeia ou a província. ou seja.olavodecarvalho. pode se originar na paróquia e na "atividade intelectual" do vigário ou do velho patriarca. inconscientemente . cuja "sabedoria" dita leis. 2) no senso comum e no bom senso. de uma maneira desagregada e ocasional. que é um conjunto de noções e de conceitos determinados e não. passa-se ao segundo momento. demonstrar preliminarmente que todos os homens são "filósofos". simplesmente. ao seguinte problema: é preferível "pensar" sem disto ter consciência crítica. consequentemente. até mesmo na mais simples manifestação de uma atividade intelectual qualquer.htm (8 de 21)16/4/2007 09:25:38 . 3) na religião popular e. isto é.O Anti-Gramsci . ou seja. entre a filosofia espontânea do homem comum e a filosofia dos filósofos não há diferença essencial e qualitativa. mais homogeneidade.olavodecarvalho. passiva e servilmente.1 ação).htm (9 de 21)16/4/2007 09:25:38 .org/apostilas/gramsci1. como também aí não cabem Tales e Heráclito. Ele aí busca persuadir-nos de que a prática da filosofia é coisa fácil porque. Gramsci dá uma exibição de incultura filosófica. basta notar que o príncipe mesmo dos filósofos. mas apenas acidental e quantitativa: a filosofia dos filósofos é o mesmo sistema de crenças dos homens comuns. Não são profissionais especializados nem filosofantes inconscientes. Para perceber o quanto essa distinção é periférica e postiça. escolher a própria esfera de atividade. Epicteto e Agostinho e uma infinidade de outros.O Anti-Gramsci . http://www. ser o guia de si mesmo e não mais aceitar do exterior. portanto. incompreensão do assunto e solipsismo adolescente ansioso de fazer das suas próprias limitações pessoais a medida máxima do universo filosófico. Sócrates.aquele que filosofa ex officio e aquele que filosofa sem saber que o faz. apenas dotado de mais coerência. não se enquadra em nenhuma dessas categorias. Gramsci não concebe aí senão dois tipos de "filósofos": o profissional especializado e o "homem comum" . ou é preferível elaborar a própria concepção do mundo de uma maneira consciente e crítica e. mais lógica. em ligação com este trabalho do próprio cérebro. a marca da própria personalidade?" 2 Nesse trecho célebre. participar ativamente na produção da história do mundo. Leibniz diplomata.org/apostilas/gramsci1. Vico mestre-escola. porém. Ora.O Anti-Gramsci . como na escolástica. em suma. A filosofia parece ser compatível com todas as posições de classe. Espinosa técnico em fabricação de lentes. uma categoria identificável sociologicamente. entre a contestação da crença e a negação da distinção essencial. no idealismo alemão e.htm (10 de 21)16/4/2007 09:25:38 . Há um perfeito non sequitur. Descartes era militar.olavodecarvalho. Os filósofos ex professo não são. uma coisa que salta aos olhos é a absoluta impossibilidade de localizá-los numa categoria social determinada. essa distinção existia e era bem conhecida muito antes que a mencionada crença aparecesse e se tornasse "senso comum" no século XIX. Sócrates era um empreiteiro aposentado. Bacon juiz de direito. last not least. na Europa moderna depois da reforma do ensino por Victor Cousin. Gramsci operário e depois agitador profissional. eliminará toda distinção essencial entre filosofia e crença popular. com todas as condições profissionais e econômicas. que Gramsci nem de longe percebe. Filósofos profissionais universitários só predominam em curtos períodos. A idéia de que os filósofos sejam uma categoria profissional à parte é apenas uma crença popular moderna e bem artificial. Marx jornalista e.1 A quem quer que examine uma amostragem significativa dos filósofos de todas as épocas. em geral. Epicteto um escravo. Ele crê ingenuamente poder deduzir http://www. Gramsci acredita. Platão um aristocrata. Aristóteles um filho de funcionário público. contestando-a. que. após a reforma de Victor Cousin que fez da filosofia a profissão universitária que hoje conhecemos. isto é.htm (11 de 21)16/4/2007 09:25:38 . Chamar "filosofia" a essas duas atitudes é. significa que ele próprio reconhece que só são filósofos secundum quid. na linguagem. pouco importando que o façam no quadro de uma atividade profissional ou nos lazeres de uma vida de "cidadãos comuns". hábitos e reações embutido.1 uma coisa da outra (porque imagina que. se os filósofos não se distinguem dos não-filósofos sociologicamente. "participando de uma concepção do mundo 'imposta' pelo ambiente exterior". propositadamente. discutindo com o senso comum do seu tempo. ainda que implícita e inconsciente. a filosofia é precisamente a atividade que reage criticamente a essa concepção e.org/apostilas/gramsci1. A filosofia começa quando o homem reflete criticamente http://www. Eles só filosofam de maneira passiva. problematiza justamente aquilo que a concepção 'imposta' toma implicitamente. entre eloqüentes aspas.por mais anárquico e incoerente . como frisa o próprio Gramsci. está discutindo com toda a tradição filosófica3). todo mundo tem. precisamente.olavodecarvalho. Uma cosmovisão. por um esforço voluntário de giro da atenção. sob certo aspecto. Ora. e alguns conscientemente.de crenças. o fato de que filosofam de maneira consciente e voluntária. imitativa e mecânica. Cosmovisão é precisamente o sistema . e não filósofos em toda a extensão do termo. por líquido e certo. que é que os distingue então? É manifestamente uma diferença de atitude subjetiva: é. o fato de que ele designe os primeiros como "filósofos". confundir filosofia e cosmovisão. ou mesmo inconscientemente. Mas. no "senso comum"4 e na "religião popular". Se no entender de Gramsci todos os homens filosofam inconscientemente.O Anti-Gramsci . O Anti-Gramsci - 1 sobre sua própria cosmovisão, coisa que seria impossível fazer de maneira inconsciente. Que a passagem de crença passiva à de reflexão crítica seja coisa fácil, eis o que é desmentido, desde logo, pela escassez de filósofos na massa dos homens comuns, e, enfim, pela própria índole da atitude filosófica, que uma vez adotada isola um homem de seus semelhantes ao ponto de fazer dele um tipo estranho e muitas vezes socialmente inassimilável. A atitude filosófica e a do "senso comum" diferem sob vários aspectos, mesmo quando têm diante do foco da consciência os mesmíssimos assuntos. A tradição filosófica sempre enxergou a essência da filosofia precisamente na sua distinção da simples cosmovisão, distinção que corresponde, mutatis mutandis, à do individual e do coletivo5, à da contemplação e da ação6, à da atitude "natural" e da "reflexiva"7, etc. São tantas as diferenças que, ao longo dos tempos, os filósofos se exercitaram em destacar ora uma, ora outra, sem que entre essas várias abordagens exista contradição, senão complementaridade. O próprio Karl Marx, ao afirmar que "os filósofos, até agora, se limitaram a interpretar o mundo, mas o que interessa é transformá-lo", estabeleceu uma linha demarcatória que coincide com a da tradição, apenas fazendo um apelo a que seus leitores ultrapassassem o círculo da filosofia para entrar no território mais vasto da ação histórica. Gramsci, ao contrário, enfatiza a continuidade e identidade de filosofia e cosmovisão, dissolvendo nesta a especificidade da atitude filosófica. Ele chega mesmo a afirmar, mais adiante, que, "entre os filósofos profissionais ou http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/gramsci1.htm (12 de 21)16/4/2007 09:25:39 O Anti-Gramsci - 1 'técnicos' e os outros homens não existe diferença 'qualitativa', mas apenas 'quantitativa'". E, embora admita que "neste caso, 'quantidade' tem um significado bastante particular, que não pode ser confundido com soma aritmética, porque indica maior ou menor 'homogeneidade', 'coerência', 'logicidade', etc., isto é, quantidade de elementos qualitativos"8, de pouco vale esta ressalva, na medida em que os elementos qualitativos citados se reduzem às qualidades puramente formais - e até matematizáveis - do raciocínio filosófico: homogeneidade, coerência, logicidade, etc. A filosofia reduz-se, enfim, à mera formalização lógica da cosmovisão recebida. E também de nada adianta a ressalva de que o filósofo não exerce essa atividade formalizadora somente sobre a sua própria cosmovisão e sim sobre "toda a filosofia até hoje existente, na medida em que ela deixou estratificações consolidadas na filosofia popular"9. Pois, na medida mesma em que estas estratificações estão consolidadas, elas constituem parte integrante da cosmovisão pessoal e são formalizadas, portanto, junto com ela. Que a "filosofia" assim compreendida nada tenha de difícil, que possa ser praticada por qualquer um e mesmo por um computador, é coisa que se pode facilmente admitir. Mas essa concepção, se em si mesma é simplória e pueril, reduzindo o filósofo a um técnico em formalizar as opiniões recebidas, por outro lado não tem a mínima correspondência com os fatos conhecidos da história da filosofia, ao longo da qual nenhum, absolutamente nenhum filósofo - exceto o próprio Gramsci, que só é filósofo num sentido metafórico e elástico do termo - jamais se limitou a uma brincadeira http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/gramsci1.htm (13 de 21)16/4/2007 09:25:39 O Anti-Gramsci - 1 mecânica e estúpida de formalizar a vox populi. Bem ao contrário, a maioria deles se notabilizou por rejeitar criticamente a massa de opiniões recebidas e por especular em novas direções, não raro chegando a conclusões que, por inauditas e heterodoxas, mal chegavam a ser compreendidas pelos seus contemporâneos, e que, se acaso vieram a tornar-se depois voz corrente e integrar-se no "senso comum", só o fizeram num prazo bem longo e após enfrentar as mais prodigiosas resistências. O exemplo talvez mais característico é Aristóteles, cujo pensamento, notoriamente incompreendido até pelos seus discípulos mais próximos, sobreviveu apenas em forma fragmentária, até ser completamente obscurecido, só vindo a ressurgir, para então sim tornarse voz corrente (e isto somente na classe letrada), uma vez decorridos treze ou catorze séculos da morte de seu criador. Longe de "formalizar o senso comum do seu tempo", Aristóteles é expelido do discurso dominante da sua época e antecipa o senso comum de uma época futura, da qual não podia ter a menor idéia no instante em que criava a sua filosofia. Não por coincidência, no sistema aristotélico a formalização e coerenciação das crenças correntes10, longe de constituir a essência da atividade filosófica, é apenas a condição prévia da verdadeira investigação: uma vez bem arranjado o conjunto das opiniões vigentes, o exame crítico delas deverá operar o salto qualitativo que, da discussão de doutrinas, passará à intuição da essência do objeto mesmo. Este momento fundamental da passagem das palavras às coisas é totalmente ignorado por Gramsci, e é precisamente ela que assinala, em Aristóteles, a diferença entre a filosofia, investigação rigorosa, e o mero confronto http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/gramsci1.htm (14 de 21)16/4/2007 09:25:39 O Anti-Gramsci - 1 de opiniões.11 Outro exemplo de como a atividade do filósofo transcende infinitamente a coerenciação do senso comum nos é dado por Leibniz, que em plena época de mecanicismo hegemônico cria as bases de uma física indeterminista que passou totalmente despercebida aos seus contemporâneos e se tornou "senso comum" entre os cientistas dois séculos depois. Os exemplos poderiam multiplicar-se indefinidamente. Nada, absolutamente nada, nem um único fato ou exemplo na história da filosofia confirma a definição gramsciana de filosofia, a qual no entanto ele não apresenta como proposta pessoal e inédita mas como expressão da realidade histórica da ocupação dos filósofos - o que evidencia, de um lado, uma prodigiosa incultura filosófica e, de outro, como seqüela dessa deficiência, uma afoiteza provinciana ou adolescente de fazer de si próprio, projetivamente, o paradigma de toda interpretação global da história da filosofia. Com isto, já percebemos, desde a entrada, o tipo de terreno de pensamento em que nos movemos: estamos em pleno terreno da projeção ampliada e paranóica de uma idiossincrasia pessoal sobre o conjunto de uma história antes imaginada que conhecida. Qualquer leitor que, somente por essa constatação, já não perceba estar lidando com o pensamento canhestro e informe de um parvenu estranho a toda reflexão filosófica, dá sinal de estar, ele próprio, bem mal equipado para a filosofia. Que um pensamento desse nível chegue a ser levado a sério e mesmo glorificado por uma boa fatia do mundo universitário, eis um fenômeno que assinala um alarmante http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/gramsci1.htm (15 de 21)16/4/2007 09:25:39 O Anti-Gramsci - 1 obscurecimento coletivo da inteligência humana, um fenômeno que, se vier a se generalizar para além da quota de estupidez média admissível entre as massas de estudantes e bacharéis, não será excessivo qualificar de apocalíptico. § 3. A disputa filosófica entre o homem-massa e o homemmassa Mas Gramsci vai um pouco mais longe no seu empenho de fazer da sua própria estatura de anão a medida máxima de aferição das intenções filosóficas alheias. Ele proclama que: Pela própria concepção do mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que compartilham um mesmo modo de pensar e de agir. Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homensmassa ou homens-coletivos. O problema é o seguinte: qual é o tipo histórico de conformismo, de homem-massa do qual fazemos parte? Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria personalidade é compósita, de uma maneira bizarra: nela se encontram elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista, preconceitos de todas as http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/gramsci1.htm (16 de 21)16/4/2007 09:25:39 O Anti-Gramsci - 1 fases históricas passadas estreitamente localistas e intuições de uma futura filosofia que será própria do gênero humano mundialmente unificado. Criticar a própria concepção do mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais evoluído. Significa também, portanto, criticar toda a filosofia até hoje existente, na medida em que ela deixou estratificações consolidadas na filosofia popular. O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que é realmente, isto é, um "conhece-te a ti mesmo" como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços acolhidos sem análise crítica. Deve-se fazer, inicialmente, essa análise."12 Nada mais óbvio: se todos os homens são filósofos e os filósofos ex professo só se distinguem deles pelo grau maior de coerência e logicidade com que crêem exatamente nas mesmas coisas que eles, então entre o filósofo com aspas e o filósofo sem aspas não há outra diferença senão aquela que existe entre o conformista incoerente e o conformista coerente, entre o homem-massa espontâneo e confuso e o homem-massa assumido e formalizado. Novamente, a idéia em si é estúpida e sem o mínimo respaldo histórico que se poderia exigir de uma generalização tão ambiciosa. Se o homem não tem opção senão escolher entre um conformismo desagregado e ocasional e um conformismo consciente e sistemático, toda nova filosofia que apareça não pode ser senão a sistematização de http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/gramsci1.htm (17 de 21)16/4/2007 09:25:39 O Anti-Gramsci - 1 um conformismo já dado, latente, em sua pureza, no seio dos conformismos confusos que perfazem o "senso comum" do seu ambiente. Cada novo sistema filosófico, assim, em vez de se opor ao conformismo estabelecido, não faz senão aderir a um conformismo prévio, que ele apenas apresenta em forma mais depurada e límpida. Isto resulta em afirmar que Sócrates não declarou nada que fosse formalmente contrário às crenças coletivas daqueles que o condenaram à morte, mas apenas deu coerência e homogeneidade àquilo em que todos já acreditavam. Seria positivamente uma lástima que um tão fiel sacerdote da crença estabelecida fosse condenado à morte por mero engano, só porque os juizes não tiveram a esperteza de notar que concordavam com tudo quanto ele dizia. Mais lamentável ainda foi que, tão hábeis em reconhecer o sentido unânime de suas próprias crenças consensuais quando se expressavam na algaravia coletiva sob forma multívoca, "ocasional e desagregada", não soubessem reconhecê-las quando, pela boca de Sócrates, se apresentaram em linguagem mais lógica, mais coerente e mais homogênea. Nem Gramsci, nem o consenso mundial dos gramscistas reunidos poderá jamais nos explicar como um tal abismo de incompreensão pode se abrir entre um homem-massa que crê numa coisa e outro homem-massa que, além de acreditar piamente na mesmíssima coisa, ainda a explica ao primeiro em linguagem clara, didática e coerente. Porém o mais lindo nessa história toda é que o senso comum, ao mesmo tempo que oferece resistência às inovações introduzidas pelo filósofo http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/gramsci1.htm (18 de 21)16/4/2007 09:25:39 O Anti-Gramsci - 1 individual, desempenha também a função de sujeito ativo e criador que antecede as descobertas do filósofo. Mas se o senso comum é ao mesmo tempo o baluarte do conformismo e a mola-mestra da renovação filosófica, acumulando os dois papéis principais na trama do processo histórico, para que raios seria necessário um filósofo para depurá-lo se esta depuração será sempre subseqüente às mudanças fundamentais? Se o senso comum era um resíduo passivo precisamente por ser inconsciente, e se por isto necessitava do filósofo para trazê-lo à luz da consciência, como pode agora tornar-se por si próprio o fator ativo, quando só na consciência do filósofo ele adquire a forma e o sentido unitários necessários à passagem da passividade à atividade? A indistinção canhestra de inconsciente-passivo e consciente-ativo é aí manifesta, e ela basta para dar a este ponto da doutrina gramsciana aquela característico estofo de confusão impenetrável que só aos olhos do principiante ingênuo pode passar por sinal de pensamento profundo. Que toda a doutrina gramsciana é uma bobagem grosseira, indigna de atenção filosófica séria, eis algo que, se já não se tornou evidente a algum leitor mediante este breve exame de um parágrafo fundamental de Antonio Gramsci, arrisca não se tornar claro nunca mais, porque nenhum acúmulo de provas poderá jamais dar inteligência filosófica a uma mente inepta. Em todo caso, vale a pena prosseguir acumulando provas até o limite do intolerável, porque o culto gramsciano não nasce de uma privação de inteligência, e sim de uma perversidade da vontade - e, ao contrário da inteligência rombuda, à qual a própria força probante dos argumentos mais perturba que esclarece, impelindo-a cada vez mais para longe da http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/gramsci1.htm (19 de 21)16/4/2007 09:25:39 O Anti-Gramsci - 1 verdade e para dentro da sua própria confusão, a vontade doentia, esta sim, quando coexiste com uma inteligência sã, não tem forças para negála indefinidamente e mais dia menos dia acaba cedendo ao peso das evidências, ainda que a contragosto. 10/12/1999 Segunda parte NOTAS 1. Todas as citações de Gramsci nesta parte, exceto indicação expressa em contrário, são extraídas desta obra e edição. Voltar 2. A Concepção Dialética da História, pp. 11-12. A continuação imediata deste parágrafo, também reproduzida na Folha, será dada e comentada mais adiante. Voltar 3. Ele é levado a esse erro grosseiro justamente por um preceito da sua própria doutrina, segundo o qual o "senso comum" contém um depósito de todas as filosofias de eras passadas. Ora, a experiência moderna mostra que o "senso comum" - no sentido específico que Gramsci dá a este termo - é bem mais vulnerável à ação consciente de propagandistas e manipuladores do que à influência residual das tradições. A própria eficácia publicitária do gramscismo é uma prova disso. Além do mais, os elementos da tradição, mesmo quando não sejam totalmente esquecidos (o que necessariamente acontece quando se rompe a cadeia de transmissão) podem sobreviver no senso comum sob forma desfigurada e caricatural. Voltar 4. Discutirei este conceito mais adiante. Voltar 5. Por exemplo, Vladimir Soloviev: "A filosofia, em sua qualidade de conhecimento reflexivo, é sempre obra da razão pessoal. Ao contrário, nas outras esferas da atividade humana geral, a razão individual, a pessoa isolada desempenham um papel antes passivo: é a espécie que age; uma atividade impessoal aí se manifesta, similar à do formigueiro ou da colméia. É indubitável, com efeito, que os elementos essenciais da vida do homem (língua, mitologia, formas primitivas da sociedade) são, na sua formação, totalmente independentes da vontade consciente das pessoas isoladas. No ponto em que está a ciência atual, está fora de dúvida que a língua ou o Estado não foram inventados por pessoas isoladas, tanto http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/gramsci1.htm (20 de 21)16/4/2007 09:25:39 O Anti-Gramsci - 1 quando a organização da colméia, por exemplo, não foi inventada por abelhas isoladas. Quanto à religião, no sentido próprio (não a mitologia), ela também não pode ser inventada: nela também a pessoa isolada desempenha, como tal, um papel antes passivo, em primeiro lugar na medida em que uma revelação exterior, independente do homem, é reconhecida como fonte objetiva da religião, e em seguida na medida em que o fundamento subjetivo da religião é a crença das massas populares, determinada pela tradição comum e não pelas investigações da razão pessoal." (Crise de la Philosophie Occidentale [1874], trad. Maxime Herman, Paris, Aubier, 1947.) Voltar 6. Aristóteles. Voltar 7. Husserl. Voltar 8. P. 34. Voltar 9. P. 12. Voltar 10. E mesmo assim não de toda a vox populi, e sim somente das opiniões dos sábios, isto é, daqueles que dedicaram ao assunto uma atenção consciente e que por isto já não expressam simplesmente a voz corrente e sim uma depuração dela. Voltar 11. Veremos adiante que em Gramsci o objeto, a realidade investigada, desaparece completamente do horizonte de visão, transformando a filosofia num mero conflito de opiniões que se reduzem, por fim, a interesses de classes - não lhe interessando nem sequer demonstrar que esta redução, considerada enquanto conteúdo da sua doutrina, é por sua vez verdadeira e corresponde aos fatos; ao contrário, ele a toma por pressuposto e, em última análise, como decisão da vontade. Voltar 12. P. 12. Na sentença final a ed. citada traz "esse inventário", que o texto da Folha mudou, inexplicavalmente, para "essa análise". Voltar Home - Informações - Textos - Links - E-mail http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/gramsci1.htm (21 de 21)16/4/2007 09:25:39 e sobretudo. significa também.O Anti-Gramsci .2 Apostilas do Seminário de Filosofia . "socializá-las" por assim dizer. A resposta infalível a uma pergunta postiça Logo a seguir. Gramsci afirma: Nota IV. em base de ações vitais. O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira http://www.19 O Anti-Gramsci ~ 2 Introdução à Filosofia pelo Método Crítico-Dialético § 4. portanto.olavodecarvalho. difundir criticamente verdades já descobertas. em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral.org/apostilas/gramsci2. transformá-las. Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas "originais".htm (1 de 10)16/4/2007 09:25:54 . Tudo isto. sobrando somente a imagem hipnótica da pergunta isolada e da http://www. por mais que se pavoneie de sê-lo. etc. atenuando. de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos intelectuais1. relativizando ou eventualmente impugnando aquilo que ele deseja afirmar. sua relevância maior ou menor em comparação com outras abordagens possíveis do mesmo tema. Para evitá-lo. que. Por isto mesmo é evitado.olavodecarvalho. recorre-se à argumentação por topoi ou lugares-comuns. por parte de um "gênio filosófico".org/apostilas/gramsci2. o discurso ideológico não é nunca "dialético". ocultando ou minimizando os aspectos contrários. Nesse sentido. O confronto faria automaticamente vir à luz os pressupostos implícitos no discurso. como que por milagre. subtrai à atenção do ouvinte as bases da pergunta a que essa afirmação responde e portanto sonega-lhe a possibilidade de questionar a formulação mesma dessa pergunta. "Ideologia" é um tipo de discurso que.O Anti-Gramsci . Ideologia é seletividade deformante da realidade conhecida. por mais evidentes ou importantes que sejam e por mais improvável que seja escaparem à atenção de qualquer observador isento. pois foge ao confronto dos contrários. desaparece do horizonte de consciência do ouvinte ou leitor. enfatiza determinados aspectos da realidade que sirvam de suporte retórico para esses valores. em defesa de valores arbitrários e no mais das vezes implícitos e não declarados. dando uma aparência de obviedade imediata a um determinado juízo de valor. em vista de um interesse político.2 unitária a realidade presente é um fato "filosófico" bem mais importante e "original" do que a descoberta.htm (2 de 10)16/4/2007 09:25:54 . sua adequação ao problema de que se trata. e afirma. O remédio para uma doença grave. À primeira vista. é uma abordagem postiça. resolutamente. que esta é melhor e mais importante. poderia assumir a seguinte forma: Que sentido faz equacionar o problema sob a forma dessa oposição. o questionamento.3 No caso. marcado pela ênfase unilateral que escamoteia à atenção do leitor as mais óbvias comparações sugeridas pela apresentação mesma do assunto.org/apostilas/gramsci2. mas quase que necessariamente o impulso da descoberta vem junto com o impulso da difusão? A oposição colocada é natural. que na mente filosoficamente treinada emergiria de maneira quase espontânea à simples leitura desse parágrafo. a mente entorpecida opta automaticamente por esta última.olavodecarvalho.2 O parágrafo que acabo de citar é um exemplo perfeito de discurso ideológico. por exemplo.O Anti-Gramsci .2 resposta infalível. Esse parágrafo coloca-nos diante de uma oposição entre a verdade conhecida solitariamente por um pensador isolado e a verdade colocada a serviço da ação coletiva. É um topos ou lugar-comum: o bem de muitos é melhor que o bem de poucos ou de um só. arbitrária e puramente inventada com o propósito de impingir http://www. necessária. sugerida pela natureza mesma dos fatos ou. é uma afirmação óbvia de simples senso comum.a descoberta individual ou sua difusão entre muitos?".htm (3 de 10)16/4/2007 09:25:54 . se nunca ou quase nunca um descobridor tende a guardar sua descoberta para si. sem questionar se a pergunta mesma faz sentido. vale menos quando só um homem o conhece do que quando posto a serviço de muitos. colocada a pergunta: "Que é que vale mais . ao contrário. Assim. mas. para qualquer cérebro treinado em lógica. bem ao contrário. assim como ter nascido é condição de possibilidade para que um sujeito http://www. como o demonstra abundantemente a História. considerados enquanto meios de "conduzir uma multidão de homens a pensar coerentemente e de maneira unitária". a mentira ou o erro funcionam tão bem quanto a verdade? Basta fazer esse breve questionamento para perceber que a oposição entre a verdade solitária e a verdade que beneficia as massas não é de maneira alguma um problema sério sugerido pela experiência histórica. é apenas uma hipótese abstrata e arbitrária cuja discussão. não há nenhum sentido em fazer uma comparação de valor entre uma coisa e aquilo que é condição de possibilidade dessa coisa. e se em suma. Mas o questionamento pode ir um pouco mais fundo e perguntar: Que razões filosoficamente válidas haveria para montar uma oposição entre a verdade solitariamente conhecida e a ação coletiva.O Anti-Gramsci . se esta última não tem conexão lógica com a veracidade ou falsidade das idéias que a inspiram. de um remédio. de um equipamento .htm (4 de 10)16/4/2007 09:25:54 .de uma verdade.é condição de possibilidade prévia à difusão dessa descoberta.org/apostilas/gramsci2. em nada nos fará avançar no conhecimento da realidade. se pode servir para exercícios de retórica escolar. Em terceiro lugar.olavodecarvalho. A descoberta individual .2 um certo juízo de valor mediante o truque de apresentá-lo como resposta a uma pergunta postiça especialmente planejada para esse fim? A resposta a este questionamento indicará se estamos diante de um exame filosófico sério ou de um joguinho retórico. e é a capacidade de ser elaborada progressivamente nos amplos sistemas racionais da teologia dedutiva que diferencia.embora não seja somente isso -. que supõe o predomínio do pneuma sobre a psyche e a bios.sem o suporte ritual e simbólico das práticas religiosas. § 5. A pergunta subentendida na abordagem de Gramsci é pueril."5 Esta sentença já mostra o quanto Gramsci está disposto a falar da religião sem ter dela o menor conhecimento.org/apostilas/gramsci2.htm (5 de 10)16/4/2007 09:25:54 .exceto por milagre -.2 continue vivo aos trinta anos. coisa que nem a religião nem o senso comum podem ser. http://www. inalcançável . uma religião de uma pseudo-religião6. Ordem intelectual e religião "A filosofia é uma ordem intelectual.olavodecarvalho. Toda religião é necessariamente uma ordem intelectual .O Anti-Gramsci . artificial e fingida como o seria uma redação escolar com o tema: "O que é melhor: ter nascido ou chegar vivo aos trinta anos de idade?" Em nenhum momento de sua extensa obra4 Antonio Gramsci sobe acima desse nível ginasiano de abordagem dos problemas. precisamente. Mais ainda: somente dentro do corpo das religiões pode surgir e desenvolver-se a vida intelectual em sentido eminente. todas as experiências e conhecimentos possíveis em todas as direções. capaz de ampliarse num número ilimitado de desenvolvimentos lógicos que em nada desmintam os seus princípios ou dogmas fundamentais. política. Não que ele ignore. limitemo-nos a observar o seguinte. no mesmo plano. entre uma verdade teorética e sua aplicação prática --. mas também essa ordem tem de ser indefinidamente abrangente. isto é. que não o é. tem de ser não apenas uma ordem intelectual completa e racionalmente coerente em todos os seus pontos .ou pelo menos não contradizer . A religião.2 Pela própria incapacidade de perceber a independência eidética do plano espiritual em relação ao psíquico e mesmo ao biológico .org/apostilas/gramsci2. Gramsci não poderia jamais conceber o que é uma religião.olavodecarvalho.e a simples existência de um direito canônico já o demonstra desde logo --. sem notar que não está falando de uma religião e sim do resíduo sociológico de uma religião extinta que se tornou metafórica.htm (6 de 10)16/4/2007 09:25:54 . motivo http://www. Ele diz que a filosofia é uma ordem intelectual precisamente em contradistinção à religião. e esta ordem sistêmica deve abranger . como ele diz. Mas a verdade é precisamente o contrário. limita-se a considerá-la somente enquanto "elemento do senso comum desagregado"7. por completo. A religião é não apenas uma ordem intelectual. para existir. Por isto mesmo.O Anti-Gramsci . Por enquanto.pois só a um psychicos bem prisioneiro de seus estados subjetivos ocorreria a idéia de fazer uma comparação de valor.e a prova inequívoca de que radicalmente não sabe em que ela consiste. Mais adiante ele nos dará um sinal de que sabe que essa diferença existe . que há alguma diferença entre a religião e sua expressão sociológica ou. mas uma ordem sistêmica. E. em todas as religiões. A menor ruptura ou incoerência nesse sistema constituirá. Mais ainda.2 pelo qual o trabalho de tirar conseqüências lógicas do dogma e de coerenciar com ele as novas descobertas e experiências humanas é. com mais forte razão ainda.org/apostilas/gramsci2. Por isto mesmo. Na medida mesma em que o conhecimento filosófico é de natureza crítica. o que se chama um cisma.O Anti-Gramsci . um conjunto de princípios tão abrangentes e tão universalmente válidos que deles tudo se possa deduzir ou tudo se possa harmonizar logicamente com eles indefinidamente até o fim dos tempos. um trabalho contínuo e sem fim. os quais contêm a semente de todos os seus desenvolvimentos possíveis.olavodecarvalho. pois. na medida em que se expande logicamente em todas as direções sem contradição com os dogmas centrais. os filósofos têm dedicado os seus esforços mais a descobrir e equacionar problemas do que a encontrar soluções definitivas. sistêmico e unitário das filosofias não prova outra coisa senão a sua pouca prática nos estudos filosóficos. toda filosofia é apenas um esforço crítico em direção a uma ordem possível que não se atinge e não se completa nunca. A insistência obsessiva de Gramsci no caráter organizado. aí se impõe a conclusão de que. como a religião. ele não pode ter a pretensão de constituir um sistema ao mesmo tempo fechado e passível de desenvolvimentos infinitos. se a religião é necessariamente uma ordem intelectual e uma ordem completa ou ao menos idealmente completa.htm (7 de 10)16/4/2007 09:25:54 . pode-se dizer que já está dada sinteticamente nesses dogmas. essa ordem. Em contraposição com isso. na maior parte das filosofias a unidade sistêmica não passa de um vago ideal orientador jamais realizado (e às http://www. nenhuma filosofia pode se gabar de possuir a priori. precisamente. um rombo desse tamanho. por falta de informação histórica válida. à vista de todos. uma guerra de religiões. como no caso das filosofias ditas. Já uma religião. "problemáticas" por oposição a "sistêmicas").htm (8 de 10)16/4/2007 09:25:54 . Mais ainda. Uma filosofia não se torna menos valiosa por conter incoerências internas. como a de Nietzsche. ao dar sinal de que notava. sem poder resolvê-la. ou. 13/12/99 http://www. toma como certezas científicas os lugares-comuns do meio em que vive. como o fez por exemplo Aristóteles. melhor ainda.O Anti-Gramsci . uma incoerência básica do seu próprio sistema (no entanto um dos mais coerentes já surgidos) ao proclamar que só existe conhecimento científico do geral e que só o singular é real. quando as percebe. como o demonstrou Vladimir Soloviev. e é mesmo um dever do próprio filósofo. bem como a de que uma religião não é e não pode ser uma ordem intelectual reflete apenas a imaginação pueril de um palpiteiro inculto que.org/apostilas/gramsci2. A idéia de que a coerência unitária é uma característica essencial da filosofia. sem que elas deixem de ser filosofias por isto.2 vezes abandonado por completo. sem consentir em tirar disto a conclusão de que o conhecimento é falso ou inadequado. todas as filosofias contêm necessariamente em si alguns pontos de incoerência. já não seria uma religião e sim duas religiões. corrigidas ou modificadas pelas filosofias subseqüentes. assinalar sua presença. se lhe aparecesse no corpo. dos quais nasce precisamente a possibilidade de que sejam contestadas.olavodecarvalho. etc. 14. islâmica. 13-14. Voltar 5. Se a edição completa trouxer surpresa nesse sentido. Voltar 3.400 anos depois dele pela moderna lógica matemática. seus editores. que seu modo de abordar o assunto é melhor do que outros modos já tentados. Voltar 6. mas. Id. Literatura e Vida Nacional. budista. Voltar 7. taoista. As contribuições infinitamente ricas das lógicas hindu.2 NOTAS 1. fora os inventados por Aristóteles e os acrescentados 2. terão a obrigação de declarar que. Em comparação com isto. objeto de qualquer exame crítico. seja implícita e sintética. o importante e o desimportante. na massa dos seus textos. Na época em que li essas porcarias. elas mesmas. Refiro-me somente aos livros que li: a Concepção Dialética da História.olavodecarvalho. foram desenvolvidos por religiosos para fins de exposição e discussão doutrinal. seu conteúdo essencial poderá vir a ser desmentido. que dificilmente. Para a felicidade deles. qualquer que seja o caso.todos publicados pela Civilização Brasileira sob a orientação de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. Voltar 2. no que sobra por editar em português. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. de cara. o exame filosófico caracteriza-se precisamente por explicitar ou por deixar subentendidas ao alcance do bom entendedor outras abordagens possíveis. pp. sendo os mesmos da velha. a parte mais significativa do esforço filosófico é sempre a de equacionar corretamente as perguntas.O Anti-Gramsci . Voltar http://www. a Política e o Estado Moderno. Voltar 4.htm (9 de 10)16/4/2007 09:25:54 . as edições originais italianas eram muito caras e privei-me da sua leitura confiado na afirmação dos próprios editores de que esses cinco eram os livros principais .org/apostilas/gramsci2. P. a primeira preocupação do autêntico filósofo na exposição de suas idéias é a de provar que as perguntas que formula são fundamentais. não tinham sequer aprendido a discernir. ao posar pela primeira vez perante os leitores como especialistas em Gramsci. e Cartas do Cárcere . Maquiavel. nunca a de sair respondendo. a perguntas que não foram. A Concepção Dialética da História. pois tão extensos são os livros mencionados. Em contraposição a isto. seja de maneira explícita e analítica. não creio que isso possa acontecer. respondendo a todas elas ao mesmo tempo. judaica e escolástica ao desenvolvimento da teoria da prova e da argumentação seriam uma imensa gratuidade histórica absolutamente inexplicável se a religião não fosse uma "ordem intelectual". Não será demais observar que praticamente todos os instrumentos de análise lógica existentes. Ele pode fazer isto de maneira explícita ou implícita.não sendo portanto de prever que pudesse encontrar nos outros alguma revelação assombrosa capaz de mudar de alto a baixo a compreensão do pensamento de Gramsci que por eles se podia obter. E-mail http://www.htm (10 de 10)16/4/2007 09:25:54 .Informações .Links .Textos .O Anti-Gramsci .2 Home .olavodecarvalho.org/apostilas/gramsci2. Kant diz que o espaço não pode ser percebido empiricamente porque o simples ato de situarmos alguma coisa "fora" de nós já pressupõe a representação do espaço. Divulgo aqui este rascunho para que os alunos possam estudá-lo com antecedência.org/apostilas/kant2.O. Mas aí o espaço está identificado com o "fora". e http://www. de C. com a exterioridade. O espaço não é portanto uma propriedade das coisas.20 Kant e a mediação entre espaço e tempo Anotação para desenvolvimento oral em classe (Continuação do tema "Ser e Conhecer") Este assunto será tema da próxima aula do Seminário de Filosofia em São Paulo e no Rio (fevereiro de 2000).htm (1 de 7)16/4/2007 09:26:06 . -.Kant e a mediação entre espaço e tempo Apostilas do Seminário de Filosofia . mas uma forma sobreposta às coisas pela minha intuição delas.olavodecarvalho. enquanto do dentro tenho somente uma temporal. apenas dizer que não tem uma existência puramente temporal. não posso. porque isto resulta em excluí-la do tempo. é o puramente temporal e inespacial: o espaço é a forma a priori da exterioridade como o tempo é a da interioridade. mas que além de existir no tempo tem alguma outra determinação especificamente diferente. porque a existência espacial em geral já consiste em estar fora. Em que consiste essa determinação? Parece impossível defini-la exceto negativamente. porque resulta em excluí-la do espaço. Dizer que algo está fora é. inespacial. temos de nos contentar com excluir o espaço. rigorosamente.apresenta similar dificuldade. que segundo Kant consiste precisamente em estar no tempo e/ ou no espaço. Ora. Sem admitirmos um "espaço interior" e um "tempo exterior". e pressupõe portanto a representação de ambos.Kant e a mediação entre espaço e tempo não posso. isto é. http://www. A pura existência temporal. se só possuo uma representação espacial do fora. nem dentro. dizendo que na coisa percebida fora há um algo que não é tempo. dizer que algo está fora de mim: esta afirmação é claramente a de uma relação entre o fora e o dentro. não temos como dizer que alguma coisa está fora de nós.olavodecarvalho.htm (2 de 7)16/4/2007 09:26:06 . Essas dificuldades provêm da identificação entre "espaço" e "fora". Se tentamos dizer em que consiste. e aí se torna impossível distinguir entre a inespacialidade e a simples inexistência. -. suprimindo em ambos os casos sua existência empírica.org/apostilas/kant2. só com base na pura representação da exterioridade. então. para Kant. Só que o "dentro".que Kant identifica com a interioridade -. entre "tempo" e "dentro". dizer que nada em particular está fora de mim. porque a exclusão mútua do dentro e do fora constitui. Só se pode perceber como existente o http://www. mas tem de estar imbricada na estrutura mesma da percepção.Kant e a mediação entre espaço e tempo Sem a mediação entre espaço e tempo. perderam seu caráter absoluto de categorias e. que nos tira desse imbroglio. O terceiro fator. nenhuma percepção é possível. se contaminaram perigosamente de um componente empírico. a estrutura mesma do ato de percepção: se houvesse um território intermediário entre tempo e espaço. abrangendo e distinguindo espaço e tempo. é. para Kant. esse território seria ele próprio a suprema forma a priori da sensibilidade. Mais ainda. tornando-se relativos a um terceiro fator. porque caso contrário o ato de situar algo dentro ou fora seria a conclusão de um raciocínio e não um ato de percepção. essa mediação não pode ser puramente racional. e se chama existência (subentendendo-se: "existência versus inexistência").org/apostilas/kant2. e a partir do momento em que o admitimos já não podemos aceitar a doutrina de que espaço e tempo são formas projetadas. ou essa distinção tem algo de empírico e portanto espaço e tempo não são formas a priori.olavodecarvalho. pela simples razão de que o "dentro" e o "fora". este sim. Ora. No entanto. portanto o espaço e o tempo. que é precisamente o que Kant diz que ele é. esse fator mediador é absolutamente necessário. Ou é impossível distinguir dentro e fora. o conceito dessa mediação é incompatível com a redução kantiana do espaço e do tempo a formas a priori da sensibilidade projetadas sobre as coisas. Mas não há em Kant menção a esse terceiro fator: além do espaço e do tempo.htm (3 de 7)16/4/2007 09:26:06 . há só as categorias da razão. uma forma a priori da sensibilidade. e ter existência é estar inseparavelmente — embora sob aspectos distintos — no espaço e no tempo. Mas. para operar essas chaves da percepção. Mutatis mutandis. e esta ausência ajuda a compor o quadro onde estão presentes as coisas presentes. Do mesmo modo. o inexistente é percebido como ausente do espaço e do tempo. O que quero dizer com "sob aspectos distintos" é que aquilo que é inespacial em essência e no seu puro conceito tem de se tornar espacial existencialmente e secundum quid para poder ser percebido.htm (4 de 7)16/4/2007 09:26:06 . para que o tenha.olavodecarvalho.org/apostilas/kant2. temporal-espacial. A forma a priori que denomino existência tem portanto dentro de si o quadro inteiro das distinções: temporal-inespacial. o primeiro constituindo-se da dupla de polos temporal-espacial (isto é. que é a do real e do irreal. como por exemplo a tristeza ou a alegria que "em si" são pura temporalidade inespacial mas só podem ser vivenciadas em algum lugar do espaço (interno e externo). Mas o mediador. mas coisas e estados que existem no espaço e no tempo.Kant e a mediação entre espaço e tempo que tem existência. espacial-atemporal e espacialtemporal. ambos http://www. tem de ser supra-espacial e supratemporal. não poderia projetá-las sobre os dados da experiência. Se não o tivesse. pela simples razão de que não vivenciamos empiricamente conceitos e essências puras. e sim se estruture internamente segundo uma distinção muito mais abrangente. é preciso que ela própria não dependa dessas distinções. a essência temporal que se espacializa existencialmente) e espacialtemporal (a essência espacial que se temporaliza existencialmente) e o segundo da dupla espacial-atemporal e temporal-inespacial. o intemporal "em si" tem de se temporalizar existencialmente para existir ante a percepção. percebo algo que em si não é espacial. por exemplo.olavodecarvalho. através de sua manifestação espacial. a percepção de existência. Percebo. bem como — negativamente — da inexistência. na medida em que todo perceber tem uma natureza escalar e contrastante e consiste em notar não só as presenças. Os próprios juízos de existência seriam impossíveis se não houvesse. mas as ausências que lhes servem de pano-de-fundo.htm (5 de 7)16/4/2007 09:26:06 . o que estou percebendo é uma existência parcial e deficiente: a melodia não existe como substância no sentido físico do termo. Quando. (1) Neste sentido. no mesmo instante. Kant admitiu o par existência-inexistência apenas como categoria da razão. como por exemplo uma melodia. mas obviamente ele está embutido já na estrutura mesma da percepção. e que neste sentido tem uma http://www. com anterioridade lógica se não cronológica. Por isto defino a metafísica como ciência da possibilidade (e impossibilidade) universal. O ver alguma coisa não pode ser concebido senão como não ver alguma outra coisa — por exemplo.org/apostilas/kant2. isto é. ou os órgãos da fonação humana. como quadro delimitador não só do conhecimento mas do real mesmo.Kant e a mediação entre espaço e tempo constituídos de essências puras não existencializáveis. a qual por sua vez é independente do tempo e do espaço. a qual por sua vez não pode ser concebida senão como oposto complementar da percepção de inexistência. mas como efeito da ação de determinados corpos — os instrumentos de música. que essa melodia tem uma estrutura matemática. Tempo e espaço são formas da existência. a estrutura da percepção já tem uma estrutura dedicidamente metafísica. ou meras possibilidades. o oco da sua ausência — no lugar dela. olavodecarvalho. de vez que o mais simples ato de percepção depende de certas qualidades que têm de se apresentar nos objetos mesmos e sem as quais não poderíamos percebê-los. do espacial-intemporal.Kant e a mediação entre espaço e tempo existência ainda mais deficiente. etc. pois. como mera potência que é. Existência-inexistência é. Se eu não pudesse perceber essas formas deficientes. também não poderia perceber as eficientes ou plenas que lhes fazem contraste e que são perceptíveis justamente por esse contraste. Existênciainexistência é ao mesmo tempo categoria gnoseológica e ontológica: é a forma da percepção dos objetos no espaço e no tempo e inseparavelmente a forma da presença desses objetos no espaço e no tempo. Já o tempo e o espaço não podem ser formas a priori. donde resulta a percepção diferenciada do espacial-temporal. 17/02/00 Nota http://www.org/apostilas/kant2. existência-inexistência não poderia ser uma forma a priori da sensibilidade se não fosse também uma forma a priori dos dados sensíveis em si mesmos.htm (6 de 7)16/4/2007 09:26:06 . forma a priori da sensibilidade e não somente da razão. mas apenas o resultado da diversificação da experiência quando esta é enfocada sob a categoria existência-inexistência. De outro lado. org/apostilas/kant2. Home .Kant e a mediação entre espaço e tempo (1) V.htm (7 de 7)16/4/2007 09:26:06 .Links .Informações .Textos .olavodecarvalho. a apostila Breve Tratado de Metafísica Dogmática (aulas de 1991) logo mais nesta homepage.E-mail http://www. de C. a esta altura com seiscentas páginas e ainda bem longe de sua conclusão. ordeno e explico melhor (espero) as coisas que vim lecionando nos últimos anos sobre teoria do conhecimento.21 Poesia e filosofia Excerto do § 1 do Prólogo da obra em preparação.olavodecarvalho. -O.org/apostilas/poefilo. do qual a maioria dos alunos não possuia cópia. retomando-as e redesenhando-as desde ângulos diversos conforme as exigências dos tempos e das circunstâncias.Poesia e filosofia Apostilas do Seminário de Filosofia . O Olho do Sol é um calhamaço. dando-lhes assim a vida que os conceitos http://www. onde reúno. Habituado a expor minhas idéias oralmente. Como certas discussões havidas em classe na última rodada do Seminário de Filosofia mencionassem este texto. O Olho do Sol: Ensaio sobre a Inteligência. decidi colocá-lo aqui à disposição de todos os visitantes desta homepage.htm (1 de 27)16/4/2007 09:26:19 . Isso para mim é rematada bobagem. é embelezamento dela e sua musicalização.Poesia e filosofia só adquirem quando encarnados nas formas das situações concretas. como a imagem vista com os olhos está para o reflexo num espelho mental. onde já não poderão mover-se e terão de estar. companheiro que o ajuda a exprimir suas impressões numa linguagem que. e esta questão não é das mais cômodas. enquanto a filosofia opera sobre elas uma reflexão. imobilizadas e solenes como pássaros de bronze na forma acidental do instante em que as atinja. como a experiência viva está para a opinião posteriormente elaborada. que fala em código. inconseqüente verbalização de uma impossibilidade pura e simples. Sem poder justificar-se.htm (2 de 27)16/4/2007 09:26:19 . e como expressão da estranheza popular ante o filósofo. e que não pode abandonar completamente sua criptografia para tentar ser comunicativo sem fazerhttp://www. sinto-me inibido e atemorizado ante a perspectiva de fixá-las em livro. como manifestação da simpatia maior que o povo sente pelo poeta. compartilhei sempre da desconfiança do mestre ante a filosofia escrita. em parte. intransponíveis ao papel. se não é a sua própria. explica-se. em pleno vôo. É que o esforço de transpor ao escrito uma intuição filosófica repõe sempre em pauta a questão das relações entre poesia e filosofia. o disparo fatídico de um ponto final — o equivalente ortográfico de um buraco de bala no meio da testa.olavodecarvalho.org/apostilas/poefilo. rebeldes à fixação. Pouco platônico em temperamento e convicções. Não que me creia portador de verdades sublimes e voláteis. Uma opinião corrente diz que a poesia transmite as impressões na sua imediatez. tipo exótico e distante. uma estaria para a outra como o direto está para o indireto. não diretamente nos fatos. ninguém duvida. Que sem molde não há comunicação. na ciência e no hábito. pela simples razão de que o verso não é a experiência. como toda expressão. voltando as costas perigosamente às duras regras da sua confraria. intransmissível na nudez direta da sua carne. mas a expressão verbal dela. impenetrável a outro corpo. ou então inventar novos.org/apostilas/poefilo. Que os moldes esgotam sua possibilidade de conter novas experiências e têm de ser renovados de tempos em tempos. ou então. que é uma e a mesma que a carne do corpo. que a adaptação ao molde é a parte racional e reflexiva da criação literária.htm (3 de 27)16/4/2007 09:26:19 . http://www. Na verdade. a cada nova revolução. obediente. O que não se percebe com igual freqüência é que as coisas se passam de maneira exatamente igual em filosofia. a ampliação da faixa do dizível se faz ao preço de uma perda temporária da comunicabilidade até que o novo molde se consagre no uso comum. mas de rimas e métricas e regras de gramática e estilos epocais e usos semânticos consagrados e compromissos de escola e mil e uma outras exigências que se arraigam na convenção. a história das revoluções formais em literatura o confirma. a quota de atividade reflexiva que se requer não é menor em poesia do que em filosofia. Que. orador e homem político.Poesia e filosofia se um pouco — ou muito — poeta.olavodecarvalho. e o código não se compõe de fatos e dados — a carne da experiência —. Estas exigências são o molde em que se recorta a vestimenta que vai recobrir e tornar socialmente reconhecível e moeda corrente a experiência. onde as novas intuições devem se adaptar aos processos consagrados de formalização e demonstração. a um código de conversões. sem fazer-se retórico. é coisa que a prática demonstra. mais perigosamente ainda. infidelidade genial e enriquecedora — às convenções e tradições de ofício. a máxima fidelidade — ou. o que dá na mesma. o que faz é produzir. dá-la por inexistente ou extrafilosófica. que o leigo toma como se fosse a essência mesma da filosofia. que é de senso comum: a participação do povo nas impressões do poeta. pesadelo que. o pesadelo que seu relato verbal nos sugere. pelo cruzamento de uma dupla exigência: a máxima comunicabilidade no vocabulário geral. mas buscamos a leitura que os evoca e transfigura. Não nos apaixonamos por Beatriz. podem em certos momentos oprimir e sufocar a intuição filosófica e até mesmo. não é direta e física: é imaginativa. nem padecemos na carne os horrores da Casa dos Mortos. ou de qualquer outro artista.olavodecarvalho. com a arrogância do ignorante togado. mas apenas. com maior ou menor felicidade. exatamente como as convenções de escola em poesia. da experiência interna ou externa. na mente. que nunca vimos. hipótese doida que está implícita na opinião corrente mencionada acima. mas por seu análogo que o poeta imaginou em palavras. ou mais ou menos a mesma coisa. Digo isso com duas ressalvas. http://www. O poeta. e que o molde da vestimenta. não é senão a sua vestimenta decente e o preço de sua conservação como atividade socialmente viável. O ponto de partida para a resolução do problema das relações entre poesia e filosofia está na seguinte observação. um análogo moldado.Poesia e filosofia que esta parte raciocinante e reflexiva. Não faríamos isto se fossem ambos uma só e mesma coisa.htm (4 de 27)16/4/2007 09:26:19 .org/apostilas/poefilo. como tal. é mais tolerável que qualquer sofrimento físico — motivo pelo qual fugimos dos horrores do cárcere. que faz da poesia um dos pilares em que se assenta a possibilidade mesma da civilização: ela liberta os homens da noite animal. ele não apenas se comunica. em suma. o vocabulário de uso corrente. Daí a missão curativa.sempre in fieri -da comunidade de ofício visam justamente a exigir a máxima comunicabilidade no uso do vocabulário geral. vencendo no imaginário as barreiras que separam fisicamente suas respectivas vivências reais. ao menos no que tem de representativo e referido à transmissão de um conhecimento. do terror primitivo que isola e paralisa. Segunda. Feitas essas duas ressalvas.Poesia e filosofia Primeira. através da força analogante das imagens e dos símbolos. uma área de experiência imaginativa comum.org/apostilas/poefilo. necessariamente. mágica e apaziguadora. a comunicabilidade máxima da experiência imaginativa no vocabulário geral é. O poeta. onde os indivíduos e mesmo as épocas podem se encontrar. as regras -.htm (5 de 27)16/4/2007 09:26:19 . cria. quer dizer apenas um vocabulário não especializado e não fixado em acepções-padrão. Ela reúne os membros da tribo em torno do fogo aconchegante e os faz participar de um http://www.olavodecarvalho. e quando não se pervertem em modismos ou tradicionalismos idolátricos. a rigor. mesmo eruditíssimo. embora nem sempre o seja. um dos requisitos incontornáveis para a comunicação de certas imaginações. pois o poeta pode usar termos raros. a definição mesma da poesia. mas intercomunica os outros homens. Assim fazendo. Vocabulário geral não quer dizer. pois descobrir novas acepções pela combinação das palavras pode ser. Na maior parte dos casos. hierofantes. em contrapartida. se tudo der certo. de rebeldes que entravam em conflito aberto com as crenças populares. sacerdotes e guias de povos.olavodecarvalho. ou melhor. o filósofo? A primeira coisa que faz é voltar as costas à comunidade. Seu diálogo não é com a tribo. reanima e torna possível. mas sim apenas aquilo que ela deve acabar por dizer. As essências. para ir perguntar. de aristocratas que se isolavam numa solidão altaneira. pensar e agir. Não há reflexão que nos possa dizer o que é uma coisa. aos que eram animais assustados. Por isso mesmo. ou. como Heráclito. como Sócrates. ou qüididades. enquanto a História registra desde o início dos tempos a função de alto prestígio público que os poetas exerceram como magos. a presença do elemento reflexivo numa e noutra é igualmente acidental e instrumental. Que é o homem? Que é a morte? Que é o bem? Que é a felicidade? A "reflexão" não entra aí em dose maior ou menor que na poesia. Que faz. Ela apazigua.org/apostilas/poefilo. profetas. os primeiros filósofos já surgiram na condição de esquisitões mais ou menos incompreensíveis ao vulgo. cujo conteúdo noético o filósofo não faz senão http://www.Poesia e filosofia universo comum que transcende as barreiras dos corpos e do tempo. revelam-se no ato intuitivo que contempla a presença de um objeto. àqueles poucos que continuarem a contemplá-la detidamente até que ela se abra e mostre seu conteúdo inteligível. "Quê?". A pergunta filosófica por excelência é Quid?. à experiência.htm (6 de 27)16/4/2007 09:26:19 . É com o ser. não o que ela pode dizer ao mesmo tempo a todos os homens reunidos em torno da fogueira. portadores de um falso conhecimento. a reflexão — exceto na acepção de rememoração descritiva — não pode levar ao conhecimento dos princípios e axiomas. que a memória fixa e o discurso interior descreve. interior ou exterior. http://www. às convenções de vocabulário e às exigências técnicas da exposição lógica ou dialética. Todo juízo definitório. do verbum mentis. consagradas pelo uso na comunidade de ofício.htm (7 de 27)16/4/2007 09:26:19 . A dialética é um encaminhamento e aquecimento da inteligência para o despertar da intuição.org/apostilas/poefilo. que a filosofia se torna dialética e. tanto quanto a do poeta. atendendo. de outro. por cima da rede das ilusões do discurso corrente.olavodecarvalho. E tanto quanto não pode revelar essências. a intuição primeira das essências auto-evidentes. nada mais que estilização do discurso interior. quando se defronta na polis com os retóricos e sofistas. tal como as artes do poeta são a estilização da linguagem corrente. mas diálogo que visa a restaurar apenas. reflexão e diálogo. trata-se de descrever o mais precisamente possível essa intuição.Poesia e filosofia reproduzir com a máxima fidelidade e exatidão possíveis. um traslado da experiência. E a formalização lógica é. É só numa fase posterior. Aristóteles define a dialética precisamente como o confronto das hipóteses contraditórias que. Em seguida. quando seu objeto é um ente e não uma simples possibilidade lógica inventada — e às vezes mesmo neste caso — é sempre a pura formalização lógica de um conteúdo intuído. leva a uma súbita percepção intuitiva dos princípios subjacentes às várias opiniões em disputa. Sua atividade é. de um lado. por meio dela. remontando através de exclusões e negações. como bem viu Etienne Souriau. à realidade dos dados e. para ele.olavodecarvalho.org/apostilas/poefilo. Mas então qual a diferença? A diferença é que o poeta tem de transformar o intuído.htm (8 de 27)16/4/2007 09:26:19 . na água corrente do vocabulário comum. precisamente. em moeda corrente.Poesia e filosofia Essa atividade é. é o momento fraco e provisório de uma atividade cujo momento forte e definitivo é a forma concreta da obra pronta. Ele não pode deter-se indefinidamente na crítica e repetição de sua experiência. o mais imediatamente possível. similar à do poeta. tem de lançar desde logo o conteúdo noético de uma experiência que pode ser fortemente individual. para adquirir sobre ela a certeza de que ela não revelou só um aspecto passageiro e acidental mas a natureza mesma do seu ser — atos que são. para fazer dela uma posse de todos os homens na linguagem do seu tempo e do seu meio. Pois. se sobrar tempo. para distingui-la nas adjacentes e circunvizinhas. para integrá-la mais profundamente na estrutura do seu ser pessoal. parte de experiências cada vez mais amplas. progressivamente. em tudo e por tudo. para obter mais clareza. se ele se detiver para enriquecer a tal ponto sua experiência interior. para fazer dela. as ocupações precípuas do filósofo. em abreviaturas criptográficas que ou o aprisionarão na total incomunicabilidade. A experiência. será obrigado a registrá-la. já não poderá mais elaborá-la no vocabulário comum para torná-la imediatamente transmissível a todos os homens. ou então terão de conformarse aos modos de criptografia mais ou menos padronizados da confraria http://www. elíptico. Sendo registro e expressão de intuições profundas e valiosas. e só raramente para o povo inteiro — exceto quando à vocação do filósofo se soma a do artista. em princípio. abstruso e enigmático em seu modo de expressão. O primeiro pode ser pessoal e incomunicável. terá ganho em riqueza interior dos registros que porém só poderão ser transmitidos a quem refaça o mesmo itinerário interior que é o treinamento e faina essencial dos filósofos. uma falha intolerável. http://www. fundamentalmente. não é absolutamente nada. o que certamente é acidental e não exigível. happy few por fatalidade constitutiva e não por acidente. Por isso é que Aristóteles. a forma concreta da obra escrita. Por isso. já a filosofia é. ou do pedagogo. e terá se tornado um filósofo ele mesmo. ou comunicável só a quem possua a chave dos códigos e a recordação de similar experiência interior. isto é.Poesia e filosofia dos contempladores renitentes. dos filósofos. é em filosofia o momento acidental e menor de uma atividade que consiste. em conhecer e não em transmitir. Mas vai aí a diferença freqüentemente intransponível que medeia entre o registro exato e a comunicação eficiente. ou do orador e homem político. A comunicação. Perdendo em expressividade e comunicabilidade. tanto a poesia quanto a filosofia têm algo a ver com a sabedoria. coisa para filósofos.olavodecarvalho. uma comunicação que não comunica.htm (9 de 27)16/4/2007 09:26:19 . dizer de uma poesia que é obra só para poetas e técnicos em poesia é apontar um vício redibitório. continua a ser maior filósofo que o cristalino Descartes ou o elegantíssimo Bergson. Já uma expressão que não expressa.org/apostilas/poefilo. mas as almas não. passando por cima de suas mentes indiferentes e dialogando diretamente com o ouvido. A poesia é assim a sabedoria que bate à porta dos homens. em contrapartida.Poesia e filosofia A diferença. ocupação de amantes dispostos a pagar com a vida o preço da sua conquista. Se a filosofia é o amor à sabedoria. Mas cobra-o em troca de uma revelação que já não será mais alusiva e simbólica como na poesia. http://www. por essência. a sabedoria dirige-se aos homens. corporificada em símbolos. que exige. porque os corpos se entendem. A filosofia. Tão literal e direta que. Na poesia. dela. a poesia é.org/apostilas/poefilo. Ela é. aí. através da magia dos sons e das formas visíveis. marcam o compasso da música. mal dispostos a um esforço pessoal e que nem de longe pensariam em tornar-se eles mesmos poetas ou conhecedores profundos dos mistérios do ofício. mas literal e direta. e os obriga a assimilar até mesmo algo do que não desejariam compreender. não busca ninguém. Daí que ela possa agir mesmo sobre os homens que não a compreendem bem. É sabedoria que. é de direção. do que ao seu corpo. a busca de uma sabedoria que se furta. com os batimentos do coração. e que cobra do recémchegado um preço alto. se dirige menos à mente corrompida dos homens. involuntariamente. com o olho. Porque ela é corpo e obedece ao conselho do poeta: deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.htm (10 de 27)16/4/2007 09:26:19 .olavodecarvalho. o filósofo não poderá comunicar senão uma parte pequena. com os pés que. em contrapartida. e às vezes nada. dizendo-lhes o quanto é possível dizer a ouvintes mesmo passivos. Nem pode a filosofia deixar de ser uma poesia que se recolheu ao estado de experiência interior. o tratado.olavodecarvalho.org/apostilas/poefilo. Nós outros não podemos ser senão tomistas. não podem escapar de receber ao menos um pouco dela. forçados a isto pelo corpo. O livro. e não há mais diferença alguma. o Rigor e a Misericórdia — aquilo que a sabedoria exige. não está nunca totalmente na obra. Pela mesma razão a filosofia. Tomás residiu a sabedoria de Sto. nunca é senão a condensação do saber nuns quantos princípios gerais e sua exemplificação numas quantas amostras. surpreendentes ou mesmo paradoxais. http://www. Isto é tudo.htm (11 de 27)16/4/2007 09:26:19 . e o saber. Só em Sto. não o livro. a aula. Tomás. A filosofia é a busca da sabedoria. o verdadeiro saber. que não escapa ao fascínio da harmonia e do ritmo. aquilo que a sabedoria concede. conforme a variedade inabarcável das situações da existência. e sim metade no filósofo mesmo: o portador do saber é o homem. nem identificar-se por completo. e que saberá dar a esses princípios outras e ilimitadas encarnações e aplicações diversas. compactado por desidratação. nem pode a poesia deixar de ser uma filosofia in nuce. o que é um Sto. Por esta razão não podem nem se desentender de todo. São como as duas colunas do templo.Poesia e filosofia o amor que a sabedoria tem até mesmo pelos homens que não a amam. imprevisíveis. se abriga naquele núcleo vivo de inteligência que permanece no fundo da alma do autor após encerrado o livro. e que. ao contrário da poesia. a poesia é a sabedoria em busca dos homens. desatentos e dispersos. Tomás fixado e diminuído. sem cair nem no esquematismo impessoal da primeira. porque as teses são apenas o resíduo cristalizado de uma decantação interior que. Ora. constitui antes o exercício mesmo da filosofia. no entanto. guarnecidas ou não de demonstrações extensivas e exemplos. substituindo à força das demonstrações o encanto das imagens. O filósofo. por si. longe de constituir a mera preparação para o advento das teses. a nitidez e a demonstrabilidade da tese científica.ainda que possuindo por outro lado o alcance universal de um símbolo -. esse exercício. O livro filosófico.org/apostilas/poefilo. rodeia ou antecede.htm (12 de 27)16/4/2007 09:26:19 . declaração que tornaria um adorno supérfluo a narrativa ou poema que a acompanha. tem de possuir a um tempo. nem na névoa plurissensa da segunda. articuladas e distintas numa límpida harmonia. dramas ou poemas que traduzam alegoricamente nossas idéias — pois a arte literária. em suma. do drama e da poesia. Muito menos teria cabimento argumentar literariamente. deve portanto levar ao papel não somente o conteúdo explícito das teses a que chegou. Mas não se trata.. mas também algo da atmosfera interior em que nasceram e se desenvolveram. a possibilidade de colocar em livro o essencial do que um homem sabe e vê. Apenas julgo que não se pode despejar inteiramente o conteúdo dessa visão pessoal em teses explícitas. não é representável senão sob forma artística. Espremida entre estas exigências http://www. a sugestividade envolvente da obra poética. de escrever romances. não pode escapar a seu compromisso com a linguagem metafórica e declarar explicitamente as teses filosóficas a que adere. sugerindo em vez de afirmar.Poesia e filosofia Não nego totalmente. que se dá no tempo e que tem por sujeito um indivíduo humano real -.olavodecarvalho. atmosfera esta que não pode se reconstituir senão por meio da narração. seduzindo em vez de provar. se pretende ser compreendido. por outro lado. Intrinsecamente. que a produção escrita de um filósofo. é queda. no tanto que escrevem. aos romancistas. a patinar em falso. aliás. os limites dela. o resto de sua obra escrita é desnível. ou mesmo genial e excelsa. Em nenhum momento o gênio verbal de Platão alcança o http://www. acompanhe a rigor a evolução de sua doutrina e de seu ensinamento. a rebuscar o efeito numa ânsia estéril e vã.olavodecarvalho. e começarem a se repetir. embora o exercício da escrita não me seja nem um pouco repelente. Isto é assim porque a inspiração poética é essencialmente a de um acordo feliz entre a intenção projetada e a forma verbal concreta. Sublinha ainda mais esta preferência o fato de que o professor entre seus alunos tem ali a atmosfera presente e viva.Poesia e filosofia contrárias.htm (13 de 27)16/4/2007 09:26:19 . sem precisar imitá-la por artifício verbal.org/apostilas/poefilo. Já a inspiração filosófica é. em essência. não obra. Aos poetas. pode ocorrer que determinadas seções de sua filosofia ocorram a um filósofo já incorporadas numa expressão verbal feliz. a de uma forma eidética não associada intrinsecamente a nenhuma expressão verbal determinada. caso deseje atender aos requisitos do bom estilo. a redação de um livro de filosofia — pelo menos a quem esteja consciente delas — pode apresentar dificuldades temíveis. É praticamente impossível. e se este acordo só se realiza em certos momentos. o restante da obra escrita é esboço ou comentário. acontece mesmo ultrapassarem. motivo pelo qual tenho preferido antes falar do que escrever. digo eu: acidentalmente essa associação pode existir. acontece esgotarem na obra escrita o melhor de sua inspiração. porém estas não têm de ser necessariamente as partes melhores nem as mais importantes da sua filosofia. O essencial do artista vai em um ou dois livros. htm (14 de 27)16/4/2007 09:26:19 . as frases tortuosas. e é uma obra maravilhosamente escrita.olavodecarvalho. sem uma vacilação. que. sem uma falha. em toda a história do pensamento. em rebaixar o nível de abstração. em Bergson (não em Croce). por critérios estritamente literários. que declarou ter exaurido na obra escrita o quanto queria dizer foi Henri Bergson. o texto passaria por obscuro e mal feito. de Félix Ravaisson: trinta páginas que vão subindo da biologia à psicologia.org/apostilas/poefilo. no entanto dificilmente notáveis na expressão literária? E mesmo quando a forma verbal é perfeita e encarna a idéia sem excedê-la nem deixar nada faltando. é conseguida às vezes à custa de uma nebulosidade conceptual. que o autor teve a sabedoria de parar quando iam atingindo o ponto de saturação. em diminuir o valor da prova. No entanto. a limpidez literária. à altitude quase divina de certos trechos das Leis ou do Timeu. límpida e musical em tudo. quê valem as concepções filosóficas do Fedro comparadas à profundidade insondável. e sua perfeição consiste em que qualquer tentativa de retocá-lo literariamente resultaria em confundir as conexões de conceitos. que se denuncia quando o leitor. Mas a quase universal má interpretação de suas idéias deveu-se ao fato de que se tornaram conhecidas principalmente http://www. Ademais. em fluidez da leitura. Mas é que o universo filosófico de Bergson é reconhecidamente pobre. acossa o filósofo em demanda de suas provas derradeiras. Leibniz é. mesmo nos rascunhos. um prosador sóbrio e elegante. de modo geral.Poesia e filosofia esplendor do Fedro. unitemático — um tema com certo número de variações. isto não resulta necessariamente em beleza literária. A mais perfeita obra-prima de análise filosófica dos últimos três séculos é provavelmente De l’Habitude. Coisa semelhante diga-se de Croce. em clareza plástica da expressão. porém. da psicologia à teoria do conhecimento e à metafísica sem um salto. varando a cortina verbal. são tantas ali as inarmonias sonoras. O único filósofo. dirigindo-se a um círculo eleito de sábios. é preciso considerar que. um pedagogo nato para quem la claridad es la cortesía del filósofo — esse é no entanto o pensador que menos encontrou leitores compreensivos.Poesia e filosofia através de suas obras melhor escritas — a Teodicéia e os Novos Ensaios sobre o Conhecimento —. o primeiro não escreveu nada e. faltando as aulas e cursos. E quem foi mais confundido e mal interpretado que o maior prosador espanhol desde Cervantes? José Ortega y Gasset. sem os escritos publicados em vida do autor. dos três pais-fundadores da filosofia Ocidental. Esta dupla e inversa lacuna tem.htm (15 de 27)16/4/2007 09:26:19 . da Monadologia e dos inúmeros Opúsculos e Cartas. de um se conhecem somente os escritos literariamente acabados. tentando reduzir seus textos à expressão coerente de um sistema. Platão e Aristóteles. Resvalavam pelo declive lustroso de suas metáforas. Eugen Fink. mas cinco sistemas filosóficos mutuamente contraditórios. quanto aos outros dois. um homem a quem as palavras obedeciam como recrutas ao capitão. encontrou neles não um. se permitia aquela brevidade que Horácio dizia ser oposta à clareza. como a abstinência autoral de Sócrates. e do outro só as aulas e cursos. onde o filósofo. e só por uma exceção notável os http://www. e iam parar longe do seu pensamento. o valor de um símbolo: as relações entre filosofia e expressão literária serão eternamente ambíguas. Sócrates. Finalmente. um artista capaz de dar às idéias mais abstratas uma clareza plástica que quase as faz saltar da página para incorporarse em massas tridimensionais que agem e falam.org/apostilas/poefilo.olavodecarvalho. jamais a clareza da intuição filosófica coincidirá plena ou permanentemente com a nitidez da sua materialização verbal. sem exame das páginas menos artísticas do Discurso de Metafísica. queixava-se ele. Quem escreve mais forte e eloqüente que Nietzsche? No entanto o melhor de seus intérpretes. htm (16 de 27)16/4/2007 09:26:19 . e que só pode ser contemplado por quem o reconstitua. é irretocável. pronta para ser contemplada em sua forma que. na obra de um filósofo. dispensáveis no todo para o conhecimento de sua doutrina. http://www.org/apostilas/poefilo. o sistema ideal de intuições e pensamentos que se oculta por trás dos textos. bem lida.Poesia e filosofia melhores momentos do filósofo coincidirão em superposição perfeita com os melhores momentos do autor. e que brilhariam talvez mais se o restante da sua obra escrita se perdesse. para ser compreendida. A obra de um filósofo não são seus escritos. não se tornou no entanto o pensamento de Aristóteles quando se redescobriu em 1548 sua Poética desaparecida por quase dois milênios? E quanto não se mostrou mais consistente e firme o edifício do platonismo quando revisto à luz da reconstituição do ensinamento oral do mestre. principalmente seus poemas melhores. Uma obra poética. Ela posa inteira diante do leitor. Já uma obra filosófica tem de ser inteiramente reconstruída. merecidamente ditos tais. A obra está no que se chama o filosofema. por vezes com partes faltantes. a bem dizer. sinal. Eles são apenas testemunho. se é artística.olavodecarvalho. como na obra dos poetas. empreendido mediante cotejo de depoimentos pelo historiador Giovanni Reale? A obra de um poeta são seus poemas. Daí que. no conjunto. há sempre dois ou três cumes que brilham sozinhos sem qualquer amparo em textos secundários. ao contrário. executada. sistema que os textos refletem de maneira irregular e desigual. basta que seja lida. Pois algo não se perdeu de The Waste Land quando se publicaram seus rascunhos com os trechos cortados pela mão de Pound? Quanto mais claro e fulgurante. dificilmente haja textos menores. possa ter o valor de um http://www. O conjunto desses materiais permanecerá sempre incompleto. apenas preparação e ensaio da obra possível. Para servir de base a esta reconstrução. estará sempre aquém do filosofema. que é interior em sua origem e interior na sua reconstituição final. retoca. Em decorrência. quanto aqueles que tenham ficado no esboço. também não é importante que o filósofo deixe escritas de próprio punho suas idéias ou que elas venham num estilo literário pessoal e próprio.org/apostilas/poefilo. escrito por quem quer que seja. rascunhos.só então a obra aparece. valem tanto os trechos que o filósofo tenha deixado prontos e elaborados em seus últimos detalhes.olavodecarvalho.htm (17 de 27)16/4/2007 09:26:19 . ao executar. como no caso destes. Sócrates só é conhecido pelo que seus discípulos anotaram do que falou. mesmo sem essa aprovação explícita. no plano ou na mera manifestação de intenções. que um filósofo aprove como expressão adequada de seu pensamento — ou que. mostrem um interesse que vai muito além daquele estritamente biográfico que escritos semelhantes têm para o estudo dos poetas e romancistas. E como conheceríamos mal o pensamento de Husserl se não fosse por obras como Experiência e Juízo. transcrições de aulas. e não. Uma das conseqüências práticas disto é que no estudo dos filósofos os escritos menores. entrevistas. cartas. pois os escritos filosóficos não passam disto: partituras para executantes. sempre retocável. inteiramente redigida por seu discípulo Fink em linguagem pessoal e característica! Qualquer texto. É que são parte intrínseca da obra. e.Poesia e filosofia como se executa uma composição musical com base na partitura. A Estética e as Lições sobre a História da Filosofia de Hegel são quase que por inteiro anotações de alunos. altera e reconstrói -. o artista elabora. bem pode tomar tudo aquilo por uma alucinação.htm (18 de 27)16/4/2007 09:26:19 . Um poeta ou romancista. ou do filósofo que. mesmo sabendo que ele a renegou para tornar-se contrabandista de armas. e ir cuidar da "vida real" enquanto continua recebendo os aplausos e os proventos do momento que passou. não se perfaz somente num sistema ideal de teses abstratas. por definição. nos antípodas da história literária. caso seu autor houvesse mostrado fraqueza ante os carrascos. Findo o êxtase criador. Estamos aqui.org/apostilas/poefilo. dissipado o instante da intuição da verdade. passado o arrebatamento da visão de Deus. onde os detalhes biográficos devem ser abstraídos para dar lugar a uma interpretação direta dos textos. um minuto de prazer desligado da corrente da vida. exceto no instante em que escreve. É que é diverso o nível de responsabilidade que o artista e o filósofo ( ou o místico. não tratasse de lhe ser fiel em seus atos e palavras subseqüentes? Não seriam tais atitudes imediatamente alegadas pelos http://www. negasse a sua fé.Poesia e filosofia testemunho fidedigno — deve ser considerado parte integrante de sua Obra. Mas o filosofema. não tem de acreditar no que escreve. por sua vez. Mas o que seria do místico que. e sim também nas atitudes pessoais concretas com que o filósofo lhes deu interpretação vivente ante as situações da existência: a altivez de Sócrates ante a morte é a exemplificação concreta da moral socrática. novamente. atividade das mais úteis e práticas no reino deste mundo. que entenderíamos diversamente. ou o homem de ciência ) devem ter ante o que escrevem.olavodecarvalho. um jogo. Por isto é que damos ainda atenção à poesia de Rimbaud. na medida em que ajudam a perfazer o filosofema em que ela consiste essencialmente. de maneira mais figurada e menos estrita. carregar a sua cruz. Ele pode pecar. e. como há um Sartre anterior e um posterior a seus vexames de maio de 68. devidamente encaixado pelos pósteros na seqüência evolutiva da biografia interior do filósofo. é certamente porque essa unidade não http://www. Não.org/apostilas/poefilo. que o filósofo tenha de brilhar na perfeição de uma coerência moral em bloco e sem pecado.htm (19 de 27)16/4/2007 09:26:19 . Também não quer dizer que a biografia possa ou deva ser a chave principal que nos abra a compreensão do pensamento de um filósofo. Isso não quer dizer. procedendo como um poeta que pode escrever uma coisa num dia e no dia seguinte esquecê-la por completo como se tivesse amanhecido outro. traições. racionalizando a posteriori seus pecados para encaixá-los à força na coerência do sistema. é claro.Poesia e filosofia adversários da sua religião ou da sua filosofia como provas implícitas da falsidade destas? Seriam. mas a criação incessante de uma consciência. um ligeiro desvio em relação à sua moral explícita. Num filósofo ou num místico. Mais ainda: o fato do desvio. e saber que sabe que sabe.olavodecarvalho. A filosofia não é a elaboração de uma obra. será usado como base para reinterpretações inteiras de seu pensamento: há um Heidegger anterior e um posterior à revelação de seu namoro nazista. que. enfim. como o próprio nome diz – cum + scientia – consiste em saber que sabe. um Lukács anterior e um posterior às genuflexões ante Stalin. nem entorpecer-se no abandono do seu dever de integridade. Mas não deve mentir. Ao contrário: onde quer que as lições orais ou escritas que nos legou o filósofo não bastem para evidenciar por si a unidade do intuito central que move o seu pensamento. um momento de distração que o afaste da verdade proclamada. escandaliza-nos até mesmo um pequeno deslize de conduta. no mínimo. a unidade que as palavras não revelam.org/apostilas/poefilo. matéria sem forma filosófica. sendo certo e verdadeiro que a essência está na forma e que tudo -. poesia. E será vão empreendimento tentar encontrar. não é filosofia nenhuma. É sumamente grave. se não pôde se manifestar na forma do conceito. É.olavodecarvalho. como tudo o que é apenas germe e promessa. não possuindo ainda a forma que a convertesse em ato. porque estamos diante dos rastros informes de um pensamento que se busca e não se encontra. se http://www. pela simples razão de que a potência. conservaria em si. Porque. de gerar filosofias diversas e antagônicas. mas apenas talvez confusamente pressentido fragmentariamente em momentos esparsos.desde a experiência mística e as ciências até a simples experiência da vida -. entre as possíveis intelecções que gere. elevando-o ao nível do conceito explicitado e autoconsciente. no pleno sentido da palavra.Poesia e filosofia existe. Mais ainda. a triagem do verdadeiro e do falso. não faz parte do projeto filosófico originário. que. mas uma filosofia em potência não é uma filosofia. a possibilidade de desenvolver-se em direções múltiplas e contraditórias. portanto. o intuito não chegou a ser pensado em palavras. se não se explicitou em palavras. fará dele filosofia e não outra coisa. ou seja. que inclui por essência o intuito de explicitar o símbolo e operar. E a poesia. na biografia. por mais que possa influenciar e inspirar os filósofos.htm (20 de 27)16/4/2007 09:26:19 . a unidade vagamente pressentida.pode servir de matéria à forma que. sem tomar forma na autoconsciência. Essa unidade que permanecesse meramente potencial seria uma filosofia em potência. permaneceu condensada em símbolo. não se encontrando na obra de um Nietzsche outra unidade senão biográfica e psicológica. Matriz de filosofias possíveis. entrando portanto a poesia na história da filosofia apenas como fator externo e eventual matéria da obra filosófica. htm (21 de 27)16/4/2007 09:26:19 . perdendo toda http://www. aqui e ali. o que resulta em admitir o caráter simbólico. o que seria mergulhar toda compreensão filosófica num radical imanentismo psicológico. na medida em que a síntese superior em que consiste a filosofia expressa é elemento de biografia espiritual que não se poderia em hipótese alguma reduzir. necessitando sempre um pouco ser complementado pelos elementos biográficos. pela simples razão de que ele próprio não sabe.org/apostilas/poefilo. O que digo é que o texto filosófico é necessariamente incompleto. É verdade que o próprio Nietzsche. e não que a unidade e a chave de uma filosofia se encontrem sempre e só na psicologia de um indivíduo. como o propõe Nietzsche. omitindo o compromisso de universalidade que está na raiz mesma do filosofar e escondendo embaixo do tapete o fato de que quaisquer conceitos psicológicos. à biografia empírica e psicológica. homem que não pretende que se tome em sentido unívoco suas palavras.olavodecarvalho. e em quais falsas. alusivo e plurissenso de suas próprias palavras e sua incapacidade de explicitá-las para julgá-las filosoficamente. isto é. no sentido em que a entendo. Não é portanto em sentido nietzscheano que deve ser entendido meu apelo à unidade de filosofia e biografia.Poesia e filosofia continue a tomá-lo como filósofo em vez de admitir que é poeta e nada mais. participam desse compromisso e se comeriam a si mesmos pelo rabo. insiste na unidade de filosofia e biografia. a compreensão biográfica permanece elemento auxiliar e somente isto. e admite que não sabe. em qual dos múltiplos sentidos unívocos possíveis elas poderiam ser verdadeiras. inclusive aqueles de que se serve Nietzsche. mas o faz antevendo que ele próprio não poderá ser compreendido senão pela biografia. pois. a do filósofo. tratasse de ignorá-la e de não responder por ela na seqüência de seus trabalhos? Ou do filósofo que. O artista. é de responsabilidade e continuidade. publicada sua teoria do conhecimento.Poesia e filosofia validade e força explicativa. liberta-se delas. do cientista. seja para renegá-las. terá de tê-las sempre ante os olhos. apresentada sua descoberta. na medida em que às vezes podem dar até força à sugestividade e fecundidade do símbolo. para criá-la. pois não digo que essa coerência deva existir. do cientista que. o que digo para diferenciá-la da filosofia é que. em comparação. Daí que os sins e os nãos sucessivos numa obra poética ( e na vida do poeta ) não a invalidem.olavodecarvalho. nos desse em seguida uma metafísica totalmente desligada dela. A vida infame de um poeta é resgatada por seus escritos. para firmar no passado os atos do presente. Quanto à poesia. O homem de pensamento carrega-as como a cruz do seu destino: seja para defendê-las. e que por isto os atos de um filósofo devem ser incorporados à sua filosofia como interpretações operantes que o http://www. na hora em que se reduzissem a meras expressões das psiques individuais que os criaram. não a fidelidade a ela. de todas as atividades criadoras do espírito. os atos infames de um filósofo são a condenação de sua obra escrita. Que se diria. E bem longe do meu pensamento andará o leitor que compreenda tudo isto como um simples apelo moralístico à coerência entre atos e obras.org/apostilas/poefilo.htm (22 de 27)16/4/2007 09:26:19 . mas que ela existe necessariamente. a artística e literária é a que exige menos compromisso pessoal com o seu conteúdo: o que a arte exige do artista é a devoção à obra. ao publicar suas criações. do teólogo e do místico. para o bem ou para o mal. e esperasse com isto obter aplausos por sua fecundidade criadora? Não: a relação do artista com a obra pronta é de total independência. depois de pronta. ainda que auxiliar. a filosofia nada exclui.olavodecarvalho. una ideale composizione e deduzione della medesima.org/apostilas/poefilo. quindi. una sintesi espirituale dell’esperienza. como poderia a filosofia excluir de si os atos do filósofo. (1) Sendo o locus por antonomásia do reencontro entre experiência e autoconsciência. http://www. mas parte integrante. un ritorno dello spirito sulla sua interiorità produttiva". não podendo dizer tudo. una intuizione della natura intima delle cose e delle relazioni. da compreensão do filosofema. como ensinava o insigne Igino Petrone. ossia del loro nascimento ideale dalla virtù operosa dello spirito. legíveis a quem as saiba ler. È. A razão profunda disso encontra-se na natureza mesma da filosofia. a vida do filósofo está para sua filosofia como a jurisprudência está para os códigos. portanto. "è una visione del mondo in termini d’intelligibilità ed è fondazione della possibilità dell’esperienza. di sua natura.htm (23 de 27)16/4/2007 09:26:19 . una illuminazione impressa e derivata sui prodotti della consapevolezza dello spirito produttore. que. em filosofia os estudos biográficos não são externos e supervenientes como em literatura. e. muito deixa subentendido o filósofo em suas atitudes humanas. precisamente aqueles que emanam do espírito mesmo que os julga filosoficamente chamando-os de volta a si? Unificação interior da experiência.Poesia e filosofia pensador deu ao seu próprio pensamento ao traduzi-los da generalidade das idéias para a particularidade das situações. que. no modo de refleti-lo.olavodecarvalho. Temos a certeza de compreender Platão em certos trechos porque sabemos como os ouviu de viva voz um Aristóteles. na qual o esforço dialético do filósofo ( refletido por sua vez no diálogo em classe ) http://www. e se não fossem as Objeções e Respostas em que Descartes discute com seus correspondentes -. cujo pensamento permaneceria para sempre matéria de dúvida e reconstituição conjetural. em vez de irem direto para o público anônimo. tão mais próximos de nós historicamente. Ainda na mesma ordem de considerações. na sua estrutura profunda — estritamente homóloga. O filósofo in fieri é o verdadeiro portador da filosofia: os textos são apenas a prova de que uma filosofia aconteceu. se os mais claros e menos ambíguos dentre os escritos filosóficos são os dos escolásticos. que refletem na sua estrutura mesma o diaa-dia do professor em classe.substitutos ad hoc dos discípulos em classe --. São. vão muito além das virtudes do didatismo. seria um personagem misterioso. à das catedrais cuja arquitetura se cifrava nos seus mesmíssimos princípios organizadores — a imitação artística de uma imago mundi.Poesia e filosofia Por isso é que um verdadeiro ensino da filosofia só existe onde exista um filósofo vivo. descobrimos mil e uma ambigüidades que teriam certamente se dissipado se seus textos. Mas. Já num Descartes ou num Bacon. enigmático. surpreendido pelos discípulos no ato mesmo de criar sua filosofia. e conferimos nossa interpretação pela sua. digo que. da clareza e da ordenação lógica que esplendem à sua superfície. sem exercer um magistério direto. é porque são textos de ensino. como bem o viu Erwin Panofsky. provavelmente pouco entenderíamos do cartesianismo.org/apostilas/poefilo.htm (24 de 27)16/4/2007 09:26:19 . primeiro fossem lidos e discutidos num círculo de discípulos. O filósofo que apenas escrevesse. de um lado. avançando passo a passo na decifração analítica dos seus pormenores silogísticos. tornaram-se maldição obscurecedora. a transparência que apresentam aos olhos de quem se transporte e se identifique em espírito à vivência religiosa e metafísica que os inspirou. ao mesmo tempo. portanto.htm (25 de 27)16/4/2007 09:26:19 . o formalismo sufocante de um raciocínio inteiramente separado da experiência. Daí vêm.olavodecarvalho. na qual o pensar e o existir. http://www.org/apostilas/poefilo. o processo mesmo de ramificação da natureza desde os princípios supremos e simples até a complexidade sinfônica da manifestação física na sua inteireza. vindo de fora. não encontro outra resposta senão o tenebroso sentimento de exclusão eterna que a alma obscurecida do renegado experimenta ante tudo o que é do espírito e da luz. na intimidade microcósmica da consciência humana. imago mundi. e a opacidade de pedra com que resistem ao leitor que.Poesia e filosofia reproduzia. opacidade que se adensa mais ainda à medida que esse leitor. de outro. Prodígios de clarificação. seja como ancilla tecnologiæ. E quando me pergunto o porquê do ódio que voltaram contra esses textos tantos filósofos modernos que não os conheceram senão muito superficialmente ou de segunda mão. a consciência e o mundo. seja como artigo de consumo para as classes médias ascendentes ávidas de signos convencionais de beleza. ainda se encontravam unidos por um laço amoroso que a modernidade veio a romper. tornaram-se um muro de opacidades. a linguagem e a natureza. para lhe substituir. vai se perdendo mais e mais na complexidade de uma selva cujo contorno global por fim lhe escapa inexoravelmente. o ser e o devir. os tente julgar desde logo com olhos estranhos e imbuído de um falso sentimento de superioridade de sua própria época em relação àquela em que foram escritos. a imagem mortuária de uma natureza totalmente objetivada. dons da graça iluminante. como os que os antecederam. de refazer artificialmente o contexto. o sentimento e a e clarificação racional — unidade que se fundava por sua vez na coesão do edifício social da Europa medieval. cristalizações provisórias que simulam por algum tempo uma comunidade de signos e sentimentos numa classe social. num grupo profissional. quando a cultura se fragmenta a olhos vistos e novos contextos imaginários e semânticos se formam e desfazem a cada dia. Cada frase dos escritos escolásticos reflete esse contexto e apóia-se na complexa rede de pressupostos implícitos que ele contém.org/apostilas/poefilo. já que ele nem http://www. num oceano de ruidosa incomunicabilidade.olavodecarvalho. que para o leitor de hoje os torna obscuros e enigmáticos. Similar contexto falta totalmente nos dias de hoje. em que se encontra o homem que pretenda explicar-se a rigor. É isto o que explica o poder da sua concisão. se preferirem. o ambiente humano e lingüistico.htm (26 de 27)16/4/2007 09:26:19 . retrocesso ) intelectual e anímico do autor em que lhe surgiram tais ou quais perguntas. numa região determinada. para logo dissolver-se. nunca como curiosidades de acadêmico. aceitando o risco calculado de parecerem cair no confessionalismo mais direto. Daí as longas introduções de que faço preceder os meus livros. dão ao leitor uma idéia do preciso ponto do desenvolvimento ( ou.Poesia e filosofia Mas. se a luz que esplende nesses textos é da mesma natureza daquela que se filtra pelos vitrais das igrejas. o qual tivesse de ser reconstruído a cada novo período letivo. é graças à unidade que a síntese gótico-escolástica conseguiu criar entre a imaginação. como o professor de um imaginário liceu erguido sobre areia movediça. a começar pela fé cristã incorporada nos costumes de uma vida social amplamente ritualizada. ao mesmo tempo que constituía um dos fundamentos dele. introduções que. Daí a necessidade. ...Poesia e filosofia sequer faz parte desta profissão aliás distinta e nobre....... Libreria Editrice Milanese..[Continua] Nota (1) Igino Petrone... um retorno do espírito sobre a sua interioridade produtiva............ Sim. ..org/apostilas/poefilo.......Textos .. mas sim como perturbadoras dúvidas pessoais..... É.. portanto... uma intuição da natureza íntima das coisas e das relações......... do seu nascimento ideal desde a virtude operosa do espírito.. Saggio Filosofico............ na medida em que participamos delas com a inteireza de nossa alma...." Home .E-mail http://www. uma síntese espiritual da experiência. por sua natureza. uma ideal composição e dedução da mesma.olavodecarvalho.. Com a exceção das mensagens divinas......Links .htm (27 de 27)16/4/2007 09:26:19 ... 3: "A filosofia é visão do mundo em termos de inteligibilidade e é fundação da possibilidade da experiência....... Milano..... nem sobre o que doesse somente a mim. Il Diritto nel Mondo dello Spirito.....Informações . p.. que constituem a única matéria digna do ofício de escrever e falar em público. ou seja... de que não sou portador eleito. são as dores do mundo...... jamais escrevi sobre o que não me doesse... 1910.. uma iluminação impressa e derivada sobre os produtos do autoconsciência do espírito produtor. htm (1 de 6)16/4/2007 09:26:30 . De tal modo a redução dos pressupostos é atividade essencial e característica da filosofia. Enquanto numa discussão vulgar os contendores apelam de improviso a mil e um postulados colhidos do senso comum.22 Debates e provas Tema para uma das próximas aulas do Seminário de Filosofia Raciocinar sem pressupostos é impossível. para o filósofo. que o alto coeficiente de espírito filosófico presente numa discussão pode ser medido pela míngua de postulados admitidos em comum pelas partes em disputa. uma obrigação.org/apostilas/provas.olavodecarvalho. mas reduzi-los ao mínimo é. terá de se tornar objeto de exame. E mesmo esse mínimo. tendo uma vez servido de motor de arranque. podem ser desligadas quando o barco já está em movimento. e o baixo pela abundância deles. retroativamente. http://www.Debates e provas Apostilas do Seminário de Filosofia . em algum ponto da viagem. para que daí saiam glorificados como princípios ou rebaixados à condição de hipóteses provisórias que. não estão numa posição mais privilegiada que a de qualquer outra alegação possível. de nada servem em filosofia exceto se. à luz dos princípios admitidos. no confronto filosófico essa superioridade é de pouca valia. a não ser na hipótese de serem de antemão postulados como válidos por ambas as partes (o que supõe que ambas os dominem por igual). Do mesmo modo.htm (2 de 6)16/4/2007 09:26:30 . A redução significa. puderem se demonstrar válidos. só terão força probante se puderem ser dedutivamente legitimados desde os princípios admitidos em comum e. à luz dos quais tudo o mais que o debatedor vulgar poderia dar por pressuposto se torne passível de exame e arbitragem. onde as bases da prova se encontrem dispersas numa multiplicidade difusa de fontes e autoridades. aguardando que a destreza do orador ou um feliz acaso vão buscá-las no calor do debate para extrair delas algum efeito surpreendente para confundir o adversário. nem portanto argumentação racionalmente probante. as opiniões e sentimentos habituais do auditório. tão úteis para o debatedor cuja vitória dependa de aprovação do público.org/apostilas/provas. dois filósofos em confronto não admitirão discutir – se o fizerem filosoficamente – senão com base nuns poucos postulados admitidos explicitamente desde o início.olavodecarvalho. porque esses conhecimentos. pois. Enquanto no debate vulgar a superior dotação de conhecimentos especializados confere ao debatedor uma indiscutível vantagem sobre seu concorrente. Não pode haver clareza. em vista disso. Do voto de pobreza em matéria de pressupostos decorre outra característica essencial do debate filosófico: sua soberania ante os saberes particulares. esclarecimento. http://www.Debates e provas das opiniões do auditório ou de seus respectivos campos especializados de estudo. o qual. porém. no calor da hora.htm (3 de 6)16/4/2007 09:26:30 . em provas filosoficamente válidas. O que importa nessas horas para a preservação da integridade filosófica é que ele os apresente de modo a que permitam a qualquer momento sua conversão. para o filósofo. quase todos os debates intelectuais. e o tem justamente em razão da redução e explicitação dos pressupostos. http://www. cedendo o lugar. mediante simples descompactação analítica. Todos os demais debates não provam nada. só o debate filosófico em sentido estrito tem valor probante. mais ou menos improvisados e de menor validade filosófica. seja nas questões públicas. seja a admitir o caráter pessoal e até certo ponto arbitrário das opiniões que defenda. a outro tipo de argumentos. a não ser no caso de se curvarem a essas exigências e se tornarem autênticos debates filosóficos.org/apostilas/provas. estará obrigado. deverá ser conservado num discreto segundo plano ou reservado para exposição sistemática em outra ocasião. nas condições concretas do debate vulgar. seja a buscar para elas um fundamento filosóficamente válido. pois. Se deles participar. Um filósofo não deve. levar muito a sério esses debates. por mais honestos que pareçam desde o ponto de vista das platéias ou por mais científicos que os julgue a opinião especializada.Debates e provas O estreitamento da base de pressupostos é condição sine qua non da validade da prova obtida – donde se conclui que perante as exigências superiores da filosofia.olavodecarvalho. seja no campo das ciências especializadas. Dito de outro modo. não são senão exercicios de virtuosismo persuasório mais ou menos levianos e de resultados bastante duvidosos. Para o debatedor que possui o conhecimento da prova cabal. Verossímil é parecer verdade. é extremamente constrangedor ter de limitar-se a umas indicações gerais dela. tão logo o adversário. as quais podem não soar mais convincentes do que qualquer improviso retórico leviano que o adversário lhes oponha. deixam ao menos ao debatedor a boa consciência de que essas demonstrações podem ser oferecidas noutra ocasião. Mas essas indicações gerais. seja da pouca disposição do público para acompanhar até o fim alguma demonstração mais "técnica" do que quer que seja. Mas há um parecer que é um aparecer e um parecer que é simular: há uma verossimilhança que é face externa http://www. em geral não é possível ir além da argumentação retórica.htm (4 de 6)16/4/2007 09:26:30 . ou prova por verossimilhança. nos jornais e revistas. Nas discussões correntes. como aparência persuasiva para um auditório determinado. Essa limitação provém seja da falta de espaço. por não poder ser outra coisa e por não poder valer senão retoricamente. caso seja honesto.Debates e provas Digo "descompactação" por um motivo muito simples: é necessário que na conversão do discurso retórico para o dialético e deste para o analítico o conteúdo dos argumentos permaneça substancialmente o mesmo. e aquela que é retórica por essência e fatalidade.olavodecarvalho. isto é. mesmo entre intelectuais. se forem realmente um resumo de demonstrações rigorosas. É nessa passagem que se verifica a diferença crucial entre dois tipos de argumentação retórica: aquela que é retórica apenas em função das limitações externas do debate. A diferença vem da ambigüidade mesma do verossímil. consinta em passar do mero confronto momentâneo ao teste aprofundado da verdade e do erro.org/apostilas/provas. O outro desmembrou-se em fragmentos inconexos e já não pode ser remendado. Retoricamente. Um saiu ileso. Quando desdobramos analiticamente os entimemas. Muitas vezes a diferença aparece nitidamente já na simples exposição retórica. O argumento retórico por excelência é o entimema. O entimema abrevia o discurso e lhe confere a pungência das afirmações breves. que usurpa o lugar da verdade e recebe as honras devidas à verdade. Essa diferença aparece justamente na descompactação dos argumentos. descobrimos suas premissas e as premissas destas premissas. ao confronto interno de seus contrários. ao passo que outros se denunciam como puras maquiagens destinadas a disfarçar a falta de provas ou mesmo a completa falsidade das alegações.htm (5 de 6)16/4/2007 09:26:30 . Há. ambos valiam o mesmo. Aí alguns entimemas revelam ser apenas a compactação de longas cadeias de provas perfeitamente razoáveis ou mesmo absolutamente inatacáveis. o fulgor das frases de efeito. a argumentação obtém o máximo de força probante enxertado no máximo de compactação persuasória. pareciam igualmente persuasivos. um é alguma coisa. pois. submeteram-se à prova dialética. dois tipos de argumentação retórica: a retórica dialetizável e a não dialetizável. quando a compactação dos silogismos em entimemas é feita de tal modo que o leitor avisado apreenda instantaneamente a demonstração subentendida. isto é.olavodecarvalho. a segunda não.Debates e provas da verdade profunda e uma verossimilhança que se finge de verdade. Ao analisar-se. o outro não é coisa nenhuma. o silogismo com premissa não declarada. Descompactados. Quando essa operação é bem sucedida. http://www. A primeira resiste à exposição de seus mecanismos internos.org/apostilas/provas. reforçado mesmo. enquanto seu adversário. não terá remédio senão calar-se e desistir. Se assim ele não vencer a discussão logo na primeira oportunidade.Informações . as mais rigorosas provas analíticas. terá ao menos a certeza de poder levar a discussão mais adiante.E-mail http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/provas.htm (6 de 6)16/4/2007 09:26:30 . tão logo o combate saia do terreno do mero confronto de aparências. ocultas e compactadas. subindo a níveis mais complexos e exigentes de demonstração. resistentes a duros testes dialéticos.Debates e provas O filósofo que entre numa discussão corrente deve tomar o cuidado de não empregar argumentos retóricos pela sua pura força retórica.Links . mas de usar somente daqueles que levem dentro de si.Textos . Olavo de Carvalho 16/04/00 Home . O Olho do Sol.org/apostilas/identidade. na massa das 700 páginas redigidas até agora. de C.Identidade e Univocidade Apostilas do Seminário de Filosofia . Será usado brevemente como base para a exposição oral no Seminário de Filosofia e por isto é divulgado aqui para notificação dos alunos. a primeira seção do capítulo "Da metafísica dogmática à metafísica crítica – e viceversa".23 Identidade e Univocidade Rascunho para uma aula do Seminário de Filosofia Este rascunho faz parte da obra em preparo. 1.htm (1 de 23)16/4/2007 09:26:46 . onde compõe. Definições http://www.olavodecarvalho. – O. que encaradas quantitativamente se chamarão probabilidades. 3. não poder não ser. aquelas que expressam http://www. 4. As proposições metafísicas puras. Metafísica dogmática é a discriminação e afirmação das necessidades supremas. Necessidade é impossibilidade do contrário. 2. Incumbe à metafísica o estudo da possibilidade como tal e da impossibilidade como tal. Axiomas 1. Metafísica é a ciência das necessidades supremas que abarcam e subordinam todas as outras. Necessidade (de nec cedo = não ceder) é ter de ser.org/apostilas/identidade.Identidade e Univocidade 1. bem como das diversas gradações e modos da possibilidade. Metafísica crítica é a parte dessa ciência que aborda os problemas e as dificuldades que se apresentam ao investigador na busca das necessidades supremas. Proposição auto-evidente é aquela cuja contraditória não pode ser formulada numa proposição logicamente unívoca.olavodecarvalho. 2. isto é. 2. bem como o desdobramento de suas consequências imediatas para os diversos setores do conhecimento humano.htm (2 de 23)16/4/2007 09:26:46 . 5. htm (3 de 23)16/4/2007 09:26:46 . Dito de outro modo: não pode haver princípio hipoteticamente auto-evidente (embora possa. As condições psicológicas que permitem captar a evidência de um princípio podem variar de homem para homem. nem mesmo da "ação" de ser pensados. é um. devem ser todas auto-evidentes. não apenas de maneira lógica. isto é. na medida em que possa ser também sujeito de uma ação ou objeto de uma ação realizada por outro sujeito também capaz de ser objeto de ação. 4.Identidade e Univocidade necessidades supremas. Um princípio é auto-evidente ou não é. 3. 1. haver princípios hipoteticamente verdadeiros). naturalmente. Todo sujeito de uma proposição. Primeiro enunciado do princípio metafísico supremo. pois o que se pensa é o seu conceito apenas. Não se pode simplesmente "tomar como" auto-evidente um princípio que não o seja. mas auto-evidente. Os sujeitos ditos meramente lógico-formais. não são objetos de ação. Sujeito impossível é aquele cuja definição implica sua inexistência. ou o termo que o designa. portanto o sentimento de certeza nada tem a ver com a auto-evidência. 5. ou ideais. ou Princípio da Integridade. 3. um sujeito é http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/identidade. Toda prova funda-se em princípios auto-evidentes. e não o objeto como tal. ou redução sintética. ou redução analítica. a sua supressão. Dito de outro modo: é aquele cuja redução analítica ou sintética não possa ser enunciada numa proposição logicamente unívoca. todo sujeito é íntegro. A redução tem duas formas: 1ª redução a seus elementos. Sujeito absolutamente necessário é aquele cuja definição mesma exclua. Logo. Das proposições auto-evidentes 1. priva o ser de ser sujeito de algumas ações ou paixões (determinadas ou indeterminadas). A supressão tem duas formas: 1ª negação. 5. Negação condicional é aquela que. da possibilidade de ser sujeito de ação ou paixão. 4.Identidade e Univocidade impossível quando a afirmação de sua existência não pode ser logicamente unívoca. e tudo quanto se oponha real ou hipoteticamente à sua integridade exige. 2ª. real ou hipoteticamente. redução a outro sujeito. Negação terminante é aquela que priva o sujeito. 2ª.htm (4 de 23)16/4/2007 09:26:46 . 2. A negação pode ser terminante ou condicional. de maneira auto-evidente.org/apostilas/identidade. sua redução analítica ou sintética. não porque tal nos http://www.olavodecarvalho. redução. 4. real ou hipoteticamente. real ou hipoteticamente. O princípio de identidade A = A é auto-evidente. 3. 6. a sentença A ≠ A não é unívoca e não pode ser unívoca. tem duplo sentido: se A ≠ A. sim. A objeção tola de que essa demonstração por sua vez dá por pressuposto o princípio de identidade cai ante a verificação de que a objeção também o dá por pressuposto. talvez por não havêlo percebido claramente: Não há nada a objetar ao princípio de identidade. que são ambos sujeitos da mesma proposição: A1 ≠ A2. e o sujeito predicado —. Logo. Que o Princípio da Integridade é auto-evidente http://www. o sujeito da proposição não é igual ao seu predicado.olavodecarvalho. 5.org/apostilas/identidade. Se na antiga lógica se dizia que uma proposição auto-evidente nem requer nem admite provas. O propósito aliás não é aqui "demonstrar" o princípio de identidade mas sim demonstrar a impossibilidade de sua negação unívoca.Identidade e Univocidade pareça ou porque tenhamos um sentimento de certeza de que é autoevidente. A ≠ A. Portanto.htm (5 de 23)16/4/2007 09:26:46 . sem sentido. sem chegar a dizê-lo. mas. se não há demonstração lógica de um princípio autoevidente. sendo a proposição reversível — o predicado tornando-se sujeito. 2. da impossibilidade da sua contraditória. donde se patenteia que A = A é autoevidente. isto é. temos então dois sujeitos diferentes. mas porque sua contraditória. há. Isto aplica-se a todos os princípios lógicos e metafísicos. era isto o que no fundo se queria dizer. a não ser proposições de duplo sentido. 3. 6. a que voltarei mais adiante. 5. ou ainda em mudar ao outro mudando-se também a si mesmo. A redução sintética real subentende que aquele em que o sujeito foi absorvido não fosse ele. 4. Estado é etapa de mudança. sujeito de paixão) é um e o mesmo. As três hipóteses subentendem a unidade e mesmidade do sujeito. não muitos ou outro.Identidade e Univocidade 1. A redução sintética hipotética ou subentende a possibilidade da redução sintética real ou é impossível. Adoto provisoriamente a definição do tempo como forma das sucessões e do espaço como forma da simultaneidade. Logo. Ação é mudança de estado no tempo e/ou no espaço. Se o sujeito que muda o http://www. 10. A mudança de estado subentende a permanência do sujeito.htm (6 de 23)16/4/2007 09:26:46 . 3.org/apostilas/identidade. Só há três tipos de mudança: a mudança de estado ou as duas reduções. 9. 11. A ação consiste em mudar um outro ou mudar-se a si mesmo. 2.olavodecarvalho. 8. 7. conforme já demonstrado nos itens de 1 a 9. A redução analítica subentende que as partes pertencem a um mesmo sujeito. todo sujeito que é objeto de ação (isto é. Ou uma proposição é evidente. 12. o estado A2 não se refere ao mesmo sujeito A. Vejamos: A1 muda para o estado A2. se.org/apostilas/identidade. inversamente. então não foi A1 o sujeito de mudança. 3. 6. Logo. logo sua formulação não conteria somente a negação da evidência e sim também sua afirmação. então A2 não é predicado da proposição referente à mudança de A1. Mas a contraditória de uma evidência é ambígua. A negação é portanto ambígua. Se muda de estado. ou equívoca. Logo.htm (7 de 23)16/4/2007 09:26:46 . ou não é. O critério da impossibilidade da contraditória http://www. Se o sujeito no estado A2 não é o mesmo A do estado anterior. 2. Para que uma evidência fosse hipotética. é o mesmo em outro estado. Que não há auto-evidência hipotética 1. o sujeito de qualquer ação é um e o mesmo. a evidência não pode ser hipotética. fica o mesmo. a unidade do sujeito da mudança (sujeito da ação ou da paixão) é auto-evidente. É impossível decidir se a negação da continuidade de A de A1 para A2 diz que não houve a mudança ou que o sujeito foi outro. Estas proposições são não apenas logicamente certas mas autoevidentes: suas contraditórias não são unívocas. seria necessário que sua contraditória pudesse ser admitida como hipotética também.olavodecarvalho. Não tem sentido.Identidade e Univocidade outro não muda de estado. Logo. 7. 4.htm (8 de 23)16/4/2007 09:26:46 . o homem inteligiria tudo necessariamente. 5. http://www. nos esclarecerá em seu sentido metafísico mais profundo. Logo. é livre e não necessário.Identidade e Univocidade unívoca resolverá todas as dúvidas que se apresentarem. A mente. se fosse necessário. adiante. pode-se recusar a fazê-lo. 3. por experiência. Não podendo ser hipoteticamente verdadeiro.olavodecarvalho. já que. Por que o homem pode recusar a evidência? Porque ele pode se recusar a inteligir. o auto-evidente só pode ser taxativamente verdadeiro. coisa que se vê. Que o auto-evidente é necessariamente verdadeiro 1.org/apostilas/identidade. que não acontece. Porque o exercício da inteligência. mas que a definição mesma do homem. mas intelectualmente nada significa e cai fora da esfera de interesse da metafísica. no entanto. não há alternativa senão aceitar a verdade da evidência. no homem. 2. A recusa da evidência pode ter significado moral e psicológico. Não tem sentido formular uma sentença como "x é hipoteticamente taxativamente verdadeiro". que recairia nas objeções do item 2 do § 6. A objeção de Kant é que o ser assim definido é definido por nós. "Eu não estou aqui" significa "Não sou eu quem está aqui". Que a prova de Sto. "Eu estou aqui": Esta proposição é auto-evidente sempre que proferida por um sujeito a respeito de si mesmo. e portanto "Eu estou aqui" é auto-evidente.org/apostilas/identidade.Identidade e Univocidade 8. 2. portanto sua exitência é hipotética. a proposição é ambígua.htm (9 de 23)16/4/2007 09:26:46 .olavodecarvalho. não é tautológica e é unívoca. A contraditória é "Um ser absolutamente necessário não existe necessariamente" ou "Um ser absolutamente necessario necessariamente inexiste?" Sendo impossível decidir. 2. 9. fundando-se na suposição — feita por nós — de que o ser nela definido é absolutamente necessário. diz a prova de Sto. Sua contraditória. é proposição equívoca e não tem sentido. ou "Este lugar não é aqui"? Sendo impossível decidir. Um ser absolutamente necessário existe necessariamente. Anselmo é auto-evidente e necessariamente verdadeira 1. Outro exemplo de proposição auto-evidente 1. Anselmo. http://www. 2. uma proposição hipotética. 2. que não sejam também ontológicas 1. Anselmo é necessariamente verdadeira. podendo partir de qualquer premissa e não de http://www. Verdade puramente formal é aquela que se verifica necessariamente no campo das relações lógicas. a prova de Sto. isto é.htm (10 de 23)16/4/2007 09:26:46 . a prova de Sto. 10. Logo. nenhuma proposição autoevidente é puramente formal. portanto. 11.olavodecarvalho.org/apostilas/identidade. Anselmo é auto-evidente. Que não existem auto-evidências lógicas puramente formais. não porém necessariamente no campo da experiência. Não havendo auto-evidência hipotética (7:1-5).Identidade e Univocidade 3. É. O domínio da Lógica 1. 4. Não existindo auto-evidências hipotéticas. Por que então o domínio do lógico não coincide inteiramente com o do verdadeiro? É porque o conjunto das consequências logicamente necessárias. Toda proposição lógica funda-se em última análise em princípios autoevidentes. não é auto-evidente.olavodecarvalho. ao passo que aquela apenas afirma apenas a possibilidade necessária. portanto. ela própria só existe como hipótese impossível.Identidade e Univocidade premissas auto-evidentes. Identifica-se. Ou seja: é impossível que uma consequência lógica deduzida de princípios auto-evidentes seja impossível. Ora. apenas logicamente consistente. A possibilidade necessária funda-se no necessário enquanto tal e não é um domínio independente. A fragmentação das lógicas modernas deve-se precisamente à impossibilidade de reduzir as hipóteses impossíveis à unidade do necessário. 4. a lógica sem fundamento metafísico só poderia fundar-se no necessário hipotético e. portanto. de vez que o "necessário hipotético" só existe a título de hipótese impossível. A lógica distingue-se pois da metafísica na medida em que esta afirma positivamente o necessário. com a extensão do que necessariamente possível. 3. [Continua] Apêndice: uma discussão no Fórum Sapientia http://www. 2. não necessariamente verdadeiro.htm (11 de 23)16/4/2007 09:26:46 .org/apostilas/identidade. mas nem todo o possível é necessário. org/apostilas/identidade. no entanto. matemático e filósofo polonês Jan Lukasiewicz (1878-1956). ao lado de Kazimierz Twardowski (1866-1938) e Stanislaw Lesniewski (18861939). "O Zasadzie Sprecznosci u Arystotelesa: Studium Krytyczne". algumas questões relativas ao célebre 'princípio da não-contradição' formulado por Aristóteles. de C.O.olavodecarvalho. da renomada escola de lógica que se formou nas universidades de Lvov e Varsóvia.htm (12 de 23)16/4/2007 09:26:46 . para tanto. de lavra do notável lógico. no presente tópico. podendo. O estudo de Lukasiewicz. Tenciono discutir. pretendo expor à consideração dos senhores um artigo sobre o supracitado tema.Identidade e Univocidade Reproduzo a seguir uma mensagem enviada ao fórum desta homepage pelo participante que adotou o pseudônimo de Villiers de L’Isle-Adam e a resposta que lhe dei. foi publicado originalmente 1910. ser encontrado no número XXIV da Review of http://www. Essa mensagem foi que motivou a publicação do texto acima nesta homepage e a decisão de expor o assunto na próxima aula do Seminário de Filosofia. . Mensagem de Villiers Prezados amigos. um dos expoentes. todavia. Exigir uma demonstração. o Estagirita propõe uma série de argumentos que. seria incidir num retrocesso que não poderia deixar de ser infinito.org/apostilas/identidade. O esforço analítico do lógico polonês. Devemos ainda ressaltar que o princípio da não-contradição é. muito embora Aristóteles. traduzido por Michael V. As formulações ontológica e lógica seriam. verdadeiras pela circunstância de o mundo ser. jamais tenha pensado neste conjunto de deduções em termos de demonstrações 'positivas' do princípio. portanto. Aristóteles. apresenta o princípio da nãocontradição de três maneiras distintas. um princípio do qual é impossível duvidar ao pensarmos? Com o propósito.Identidade e Univocidade Metaphysics. deve estar conforme à realidade objetiva. 'lógica' e 'psicológica'. uma fundamentação última do 'princípio'.htm (13 de 23)16/4/2007 09:26:46 . não poderia ser satisfeita. se existe algo que pode ser conhecido sem provas. uma lei final. tendo-se em mente que uma proposição. metafisicamente. indemonstrável. irá se concentrar sobretudo nas formulações ontológica e lógica. E. Lukasiewicz denomina tais argumentos como "demonstrações elênticas e apagógicas". para ser verdadeira. tal como é. procuram justificar o princípio. na perspectiva de Aristóteles. de evidenciar a necessidade do princípio da não-contradição.olavodecarvalho. todavia. deve-se sublinhar. no Livro IV da Metafísica. Para o Estagirita. Parece http://www. que haveria de mais ajustado a essa espécie de conhecimento do que a lei da não-contradição. que serão denominadas por Lukasiewicz como formulações 'ontológica'. pela própria natureza da questão em pauta. Wedin sob o título "On the Principle of Contradiction in Aristotle: A Critical Study". refutando a possibilidade da contradição na ordem do Discurso. incidir numa exigência que. elas são equivalentes. uma vez que os símbolos deixam de atuar como símbolos. a 'evidência' em si mesma não constitui critério seguro de verdade. e este não nos autoriza sequer a formular a Lei da não-contradição como princípio válido em primeira aproximação. uma vez que leis psicológicas apenas são suscetíveis de comprovação através do método experimental. com efeito.Identidade e Univocidade evidente. rompe-se a possibilidade de comunicação racional. a tentativa de se derivar o Princípio a partir de nossa estrutura psíquica. as conseqüências absurdas a que somos levados quando negamos o princípio da nãocontradição. reproduzir aqui todos os passos da minuciosa análise de Lukasiewicz. Aristóteles procura evidenciar. Em primeiro lugar. Não sendo razoável. isto não ocorre na realidade: mesmo que aceitemos como correta a definição precedente de falsidade. por exemplo.org/apostilas/identidade. para natural concluir que essa definição acarreta o Princípio. que o objetivo da estratégia de Aristóteles é o de comprovar que. no entanto. Lukasiewicz constata que o princípio da nãocontradição não pode ser demonstrado com base em sua evidência.htm (14 de 23)16/4/2007 09:26:46 . Uma terceira possibilidade seria. Também resultaria inconseqüente. por outro lado. Se "A não é B" exprime. então. procurar deduzir o Princípio da definição de 'negação' ou de 'falsidade'. Além disso. admitindo-se a contradição. gostaria de examinar. especialmente nas demonstrações apagógicas.olavodecarvalho. simplesmente a falsidade de "A é B". Contudo. não mais podendo refletir a Realidade no Discurso. destrói-se o Discurso. e nem tampouco desejável. as considerações mais relevantes que o lógico polonês extraiu de seu percurso argumentativo. nada impede que as proposições "A é B" e "A http://www. a meu juízo. nos diz Lukasiewicz. Podemos hoje atestar a existência de teorias lógico-matemáticas onde aparecem objetos contraditórios e que. por conseguinte. "A não é B" é uma proposição verdadeira se representa vínculo objetivo. levar em conta o fato de que existem 'objetos contraditórios'. A Lei da não-contradição envolve a noção de conjunção. apenas se impõe. claro está que o Princípio não é válido. de uma certa maneira. o Círculo Quadrado de Meinong. Para tais objetos. isso não nos impede de salientar a relevância intrínseca da observação de Lukasiewicz: a existência de 'objetos contraditórios' foi confirmada pelos desdobramentos recentes da lógica. necessariamente. falsa. que fazem parte de um acervo de estudos que começou a se desenvolver apenas a partir de meados do século XIX. como. por exemplo. Lukasiewicz também observa que qualquer defesa do princípio da nãocontradição deve. particularmente pela Teoria dos sistemas formais inconsistentes. Entretanto. no esteio do florescimento da lógica simbólica. Levando-se em consideração tais critérios. parece ser mais fecunda que a tradicional: a proposição "A é B" é verdadeira se corresponde a algo objetivo.org/apostilas/identidade. em caso contrário. que a proposição "A é B" é simultaneamente falsa e verdadeira. O lógico polonês nos chama a atenção para outra definição de 'verdade' e 'falsidade' que. caso tal fato não se dê. falsa.Identidade e Univocidade não é B" sejam ambas verdadeiras.htm (15 de 23)16/4/2007 09:26:46 . desde que representem situações objetivas. e não decorre unicamente da definição de falsidade (ou negação). Obviamente o lógico polonês não pressupõe que Aristóteles pudesse ter trabalhado com base em tais considerações. derrogam o princípio da não- http://www.olavodecarvalho. Similarmente. como conseqüência. nada impede 'a priori' que as proposições "A é B" e "A não é B" sejam ambas verdadeiras. que é não-C. Aliás. se o lógico polonês estiver correto. embora a lei da nãocontradição seja violada. Meus parcos conhecimentos de silogística não me permitem verificar se. o silogismo proposto por Lukasiewicz é válido ou não no quadro da lógica aristotélica. de acordo com os postulados do Estagirita: B é A (e também não é não-A) C. 11.htm (16 de 23)16/4/2007 09:26:46 . portanto. Post. será imperativo aceitarmos a existência de leis válidas de raciocínio que independem do princípio da não-contradição. o Princípio não se mostra tão absoluto e intocável quanto poderia parecer à primeira vista. Lukasiewicz afirma que. válido. Lukasiewicz irá destinguir três tipos de objetos: 1) os objetos reais. de facto.olavodecarvalho. o lógico polonês assevera que o seguinte silogismo seria válido. o princípio da nãocontradição não poderia ser uma lei suprema. 2) as "abstrações http://www. ao menos na acepção de que constitui pressuposição necessária de todos os demais axiomas lógicos. A. mesmo para Aristóteles. A questão central a que agora chegamos pode ser apresentada da seguinte forma: existem 'objetos' em relação aos quais estamos certos da vigência do princípio da não-contradição? Em sua análise. 77a 10-22).Identidade e Univocidade contradição. é B e não-B _________________________ C é A (e não é também não-A) O silogismo anterior é. no entanto.org/apostilas/identidade. Tendo em vista tais perspectivas. Citando célebre passagem de Aristóteles nos Analíticos Posteriores (An. No tocante às abstrações construtivas. que são conceitos elaborados para representar coisas reais. No atual estágio de nosso conhecimento.org/apostilas/identidade.Identidade e Univocidade construtivas". é recorrente a tese de que o 'movimento' e a 'mudança' necessariamente envolvem contradições (a este respeito. Portanto. não existe. Muito embora essas dificuldades lógicas tenham sido sempre eludidas por meio de esquemas teóricos. parece haver certeza de que não existem contradições diretamente perceptíveis na Realidade. livres criações do intelecto. Contudo. No que concerne às abstrações reconstrutivas. qualquer prova positiva e inequívoca de que o princípio da não-contradição possui plena vigência em relação aos objetos reais e abstrações reconstrutivas. indicam que. Com efeito. paradoxos como o que Bertrand Russell (1872-1970) descobriu em 1901. pois as negações correlacionadas a juízos de percepção não são elas mesmas perceptíveis. ao considerar a questão do Conjunto de todos os conjuntos que não são membros de si mesmo. podem ser mencionadas as aporias de Zenão de Eléia). Por outro lado. 3) as "abstrações reconstrutivas". como.olavodecarvalho. não parece haver nenhum prova definitiva de que não existam contradições no 'mundo' objetivo.htm (17 de 23)16/4/2007 09:26:46 . na medida em que http://www. os objetos da matemática clássica. que bem espelham o realidade objetiva. jamais teremos certeza de que não irão violar o princípio da não-contradição. não podemos esquecer o fato de que. temos a tendência a admitir como correta a constatação de qualquer contradição 'real' só pode ser 'mediata'. desde os primórdios da filosofia. na maioria dos casos. e aos objetos reais. pelo menos em nossa experiência cotidiana. eles parecem estar protegidos da contradição. também. por exemplo. resultado de inferências. posto que decorrem de inferências. no entanto. org/apostilas/identidade.htm (18 de 23)16/4/2007 09:26:46 . observa o lógico polonês. abalando as então frágeis estruturas da investigação científica. É muito provável que o filósofo grego. estaríamos sujeitos a toda sorte de problemas. se não aceitássemos a validade do Princípio para as atividades 'práticas'. devemos encará-lo apenas como suposição ou hipótese que norteia e confere forma à indagação científica. para a vida ordinária (atividades comunicativas. pois. A negação do Princípio. encarasse todo esse esforço intelectual como um instrumento poderoso para a futura grandeza de sua nação. por conseguinte. Para Lukasiewicz. Aristóteles voltou-se contra os http://www. Assim sendo. Como enfatiza o lógico polonês.). um valor ético e 'prático' sumamente importante. como Aristóteles já havia assinalado. o Estagirita tornou-se o fundador e principal promotor de um trabalho filosófico-científico sistemático e de grande rigor. especula Lukasiewicz. etc. Por esse motivo. Todavia. possui. sociais.olavodecarvalho. O lógico polonês sustenta que Aristóteles percebeu a importância prático-ética do princípio da não-contradição. não obstante. A conclusão de Lukasiewicz a este respeito não deixa de ser assaz perturbadora: a necessidade de se reconhecer como 'válida' a lei da não-contradição é tão somente um sintoma da imperfeição ética e intelectual do Homem. é necessário sublinhar que imprescindibilidade prático-ética do Princípio é matéria totalmente distinta de sua validez lógico-teórica. mesmo que tal constatação não tenha sido claramente formulada em sua obra.Identidade e Univocidade podemos verificar que o Princípio é 'útil'. Numa época em que o declínio político da Grécia já era patente. regulamentando certas teorizações do Real. o princípio da não-contradição carece de qualquer dignidade lógica a priori. o princípio da não-contradição constitui pressuposto fundamental. deixaria livre o caminho para toda a sorte de falsidades e incertezas. no entanto.olavodecarvalho. acabou por estabelecer o princípio da não-contradição como fronteira última que não poderia ser ultrapassada por um discurso racional. gostaria de louvar. de saber como o professor Olavo de Carvalho. mas tendo plena consciência da importância 'prática' que ela envolvia. sobretudo. Villiers de L'Isle-Adam http://www. Lukasiewicz nos diz que o filósofo grego combatia pelo princípio da nãocontradição como se duelasse por bens pessoais.Identidade e Univocidade oponentes do Princípio de modo fervoroso. em primeiro lugar. na qualidade de mero principiante no estudo de Aristóteles.htm (19 de 23)16/4/2007 09:26:46 . a veracidade de suas críticas. talvez justamente por ter percebido a fraqueza e a inconsistência de seus postulados. Numa analogia singular. e gostaria. Gostaria de ter a oportunidade de discutir estas idéias com estudiosos abalizados de Aristóteles. com uma veemência de linguagem pouco habitual em sua obra. a invulgar sutileza conceitual da engenharia analítica desenvolvida pela lógico polonês. Concluindo seu artigo.org/apostilas/identidade. se não posso afiançar. devo dizer que. bem como a criatividade e ousadia de suas proposições. não possuo os predicados necessários para asseverar a pertinência das posições de Jan Lukasiewicz a respeito da lógica aristotélica. avaliaria o pensamento de Lukasiewicz. Lukasiewicz argumenta que Aristóteles. Cordialmente. sendo um profundo conhecedor da filosofia aristotélica. Encerrando está já demasiado longa mensagem. A http://www. nem posso dar a resposta extensiva que elas merecem. O que posso dizer por enquanto é que: O princípio de identidade é de ordem metafísica e sua contestação. Você e os demais participantes estão elevando este fórum ao nível do mais importante debate cultural brasileiro dos últimos anos. talvez o único importante. mas afirma resolutamente). Quanto às suas observações. se por esta palavra se entende aquilo que toca em problemas essenciais e não aquilo que é tocado pelas graças da mídia iletrada. Ela pretende apenas demonstrar que na lógica construtivista podemos lidar com objetos contraditórios (coisa que Aristóteles não apenas não contesta. para valer.Identidade e Univocidade Resposta de Olavo de Carvalho Prezado amigo.htm (20 de 23)16/4/2007 09:26:46 . e obviamente todos os objetos dessa lógica existem apenas como definições hipotéticas e não têm o mínimo alcance metafísico.org/apostilas/identidade. A de Lukasiewicz não é nem pretende ser. não tenho em mãos no momento o famoso estudo de Lukasiewicz. tem de ser metafisicamente válida.olavodecarvalho. como autocontradição que se automultiplica indefinidamente. ele não apenas não distingue entre coexistência "in re" e "in verbis" (distinção que está fora do alcance do puro construtivismo). porém pensável. Toda a argumentação de Lukasiewicz destinada a impugnar o princípio de identidade subentende a identidade das proposições e conceitos que a expressam. mas Aristóteles jamais cairia na esparrela de confundir a ratio arguendi com a ratio essendi. precisamente. http://www.olavodecarvalho. como também subententende como constantes e idênticas a si mesmas as definições de A e de B. e assim por diante indefinidamente. É um erro tão primário que não mereceria atenção. a teoria pode ser descartada como simples caso de confusão mental. Quando Lukasiewicz afirma que as proposições "A é B" e "A não é B" podem coexistir logicamente. se lhes aplicasse o mesmo princípio da coexistência dos contraditórios que acaba de afirmar. o que mostra que sua pretensa contestação do princípio de identidade dá por pressuposta a validade desse mesmo princípio. pois.htm (21 de 23)16/4/2007 09:26:46 . a palavra "existência" é aí usada para designar a mera possibilidade de uma coisa ser logicamente construída.org/apostilas/identidade. não teria duas e sim quatro definições. Este é o típico caso de uma regra geral que tenho adotado como critério para o exame crítico de teorias filosóficas: quando o fato mesmo de uma teoria ser enunciada desmente o conteúdo dessa teoria. Quando Lukasiewicz afirma que "existem" objetos contraditórios. apenas mostrando que sua negação é pensável.Identidade e Univocidade possibilidade de construir raciocínios contraditórios é a base mesma da dialética de Aristóteles. se não fosse pela elegante linguagem lógica que o encobre. à identidade do ser as qualidades formais da proposição que o designa é o mesmo que pentear. Os demais esclarecimentos que posso dar a respeito estão no texto sobre "Identidade e univocidade" – trecho do meu livro em preparo "O Olho do Sol" . Atribuir. em seguida conclusões que pretendem ser ontologicamente válidas. que a noção de identidade envolve a noção de conjunção.Identidade e Univocidade Toda essa confusão nasce do mau hábito de cortar as ligações da lógica com a ontologia. É verdade que Lukasiewicz admite a distinção entre validade lógica e ontológica. na medida em que ele admite também uma lógica nãoontológica que ao mesmo tempo possa servir de critério de veracidade nas ciências. em vez dos próprios cabelos.htm (22 de 23)16/4/2007 09:26:46 . Na identidade de um ser consigo mesmo não há conjunção nenhuma. A conjunção entra em jogo apenas na construção da proposição lógica que traduz essa identidade para o microcosmo verbal. de modo que ele pode continuar a tirar impunemente conclusões ontológicas de puros formalismos construtivos. http://www. é uma confusão dos diabos. mas não em metafísica. é coisa válida em pura lógica construtivista. mas. essa admissão fica sem efeito. Enfim. introduzindo subrepticiamente no discurso termos como "existência".org/apostilas/identidade. Dizer. obtendo uma lógica de pura invenção construtivista da qual se tiram. Tudo isso é de uma burrice sem par. retroativamente.olavodecarvalho. mas que esta discussão me sugere ser oportuno descarregar na minha homepage agora mesmo. a sua imagem no espelho. aliada a uma formidável malícia.que eu pretendia divulgar mais tarde. por exemplo. Identidade e Univocidade Um abração do Olavo de Carvalho Home .Informações .htm (23 de 23)16/4/2007 09:26:46 .E-mail http://www.org/apostilas/identidade.olavodecarvalho.Textos .Links . Para apreendê-la. Mas. as quais podem ser as mesmas num caso e no outro. Dessa diferença depende a eficácia ou ineficácia do discurso lógico em "apreender a realidade". oco e sem vida.olavodecarvalho. mas também daqueles pelos quais a unidade dos nexos lógicos entre esses conceitos se tornou visível como unidade entre os objetos e suas propriedades reveladas à intuição. mas http://www.Lógica e consciência Apostilas do Seminário de Filosofia . é necessário uma recapitulação não só dos atos intuitivos pelos quais a mente apreendeu os objetos dos conceitos correspondentes. para complicar as coisas.org/apostilas/logica. essa não é uma diferença que ressalte das simples qualidades formais do discurso.24 Lógica e consciência Nota para uma das próximas aulas do Seminário de Filosofia A coesão de raciocínio lógico ou é a suprema expressão da continuidade de consciência de uma personalidade bem integrada ou é um formalismo aprendido.htm (1 de 5)16/4/2007 09:27:03 . e é necessário que esta dupla recapitulação mesma não se esgote na pura análise. a função mediadora que permite ir e vir entre http://www. Nesse tipo de mentalidade. A abstração.um título que lhes parece credor de honras especiais --. A causa dessa dificuldade reside.htm (2 de 5)16/4/2007 09:27:03 . do objeto e da estrutura discursiva imanente ao objeto. num insuficiente domínio da imaginação. a construção desse formalismo já lhes é tão dificultosa que lhes parece inconcebível que alguém consiga efetuar análoga construção não com meros signos. o discurso lógico lhes parece mero formalismo precisamente porque o seu discurso lógico é mero formalismo. neles. mas com percepções e coisas. que pode se considerar dominante entre os autodenominados "homens comuns" -. Como a maior parte das pessoas não é capaz de fazer nada disso. Tal operação lhes parece tão impossível como alterar um objeto real mediante simples modificações no seu desenho rabiscado num papel. e. que essas pessoas contemplam sem compreender e sem mesmo chegar a admitir que exista. No entanto. a "impressão de realidade" se esfuma e se desfaz à medida que eles se afastam das percepções imediatas e dos sentimentos mais intensos e se aventuram nos domínios do pensamento abstrato. é nessa aparente "mágica" que reside o poder do pensamento eficaz.org/apostilas/logica. é efetiva separação. e para cujos efeitos visíveis têm de encontrar então algum tipo de explicação realmente mágica e irracional. segundo me parece.Lógica e consciência reconquiste a unidade do ato intuitivo único correspondente à apreensão da tripla unidade do discurso. de certo modo.olavodecarvalho. e não aquela simples duplicação dos níveis de atenção que para o filósofo experimentado é operação corriqueira. A diferença entre a mente apta e a inapta para a filosofia reside sobretudo em que a primeira possui um mundo imaginário mais organizado e integrado – mais estetizado. pois não é uma estetização de determinadas formas em particular. uma expécie de apreensão estética da vida mesma. de certa maneira. Aquilo a que estou me referindo nada tem a ver com a criação de produtos artísticos. encontra o seu próprio limite e requer a entrada em cena de uma superior estratégia cognitiva.org/apostilas/logica.Lógica e consciência as representações sensíveis e os conceitos abstratos. O uso do termo "estético" também não deve induzir ao erro de supor http://www. não confundam essa qualidade imaginativa com alguma espécie de talento artístico. ao defrontar-se com aquilo que na realidade é absolutamente inestetizável. com a finalidade de transformá-las em obras. e ela começa. Através dos graus sucessivos de formalização estética. precisamente. enquanto a imaginação desordenada bloqueia a passagem mediante a interposição de uma massa de imagens disformes e inconexas. "criatividade" ou coisa assim. A reflexão filosófica exige. Mas. a mente transita mais facilmente da experiência direta à reflexão verbal e vice-versa. em quadros. carregadas de apelos inconciliáveis. no ponto em que essa apreensão. mas sim uma estetização global do campo de experiência individual tomado como um todo e.htm (3 de 5)16/4/2007 09:27:03 . portanto.olavodecarvalho. assim. não objetivável artisticamente já que toda objetivação pressupõe o estreitamento do campo de atenção até o limite da singularidade de um só objeto. em poemas e em músicas. por caridade. seja no sentido etário do termo. uma certa limpidez psíquica – ao mesmo tempo uma consciência clara dos próprios sentimentos e desejos e um senso aguçado da responsabilidade pessoal de harmonizá-los numa totalidade pessoal capaz de projetar-se numa ação coerente sobre o exterior e compor ao longo do tempo uma "unidade biográfica" – é a condição moral sine qua non do aprendizado filosófico. Talvez coubesse falar em "sentimento do mundo". isto é. objetivante e "desinteressada". como a imaginação é diretamente condicionada pelos sentimentos e desejos.htm (4 de 5)16/4/2007 09:27:03 . A filosofia não é para as almas toscas. Enfim. pois ela inclui necessariamente a autoconsciência do sujeito enquanto inseparavelmente cognoscente.Lógica e consciência que se trate de uma apreensão meramente contemplativa. mas suficiente para o momento. nesse sentido. mal arranjadas. provisórias e meio submergidas no "inconsciente".olavodecarvalho. radicalmente. ela. sem uma certa integração estética da visão pessoal do mundo. A filosofia responde a perguntas que só o indivíduo amadurecido pode fazer a si mesmo e. não é nítido o bastante. não é coisa para crianças. seja no sentido daquele http://www. se a palavra sentimento não tivesse conotações tão mesquinhas hoje em dia. A filosofia pressupõe a maturidade. o acesso à filosofia está bloqueado.org/apostilas/logica. embora claro no seu conteúdo próprio e interno. Mas. e por isto ainda é preciso recorrer a imagens e símiles para sua exposição. provisória portanto. num sentido muito mais exigente do que a mera adaptação ao entorno imediato que esse termo usualmente designa. suficientemente distinto de outros conceitos em torno. agente e paciente no drama universal aí apreendido. Admito que o conceito que estou procurando expressar. olavodecarvalho.htm (5 de 5)16/4/2007 09:27:03 .org/apostilas/logica.Textos .Lógica e consciência resíduo de puerilismo que parece irremovível da alma da quase totalidade dos nossos contemporâneos.E-mail http://www.Links . Olavo de Carvalho 10/05/00 Home .Informações . c. -. Experiência pessoal.25 Ser e Conhecer – 3 Tema para uma das próximas aulas do Seminário de Filosofia § 1. O conhecimento. d. c. d. – I.Ser e Conhecer . Composição do saber. O saber divide-se em: a. -. isto é.O saber compõe-se de: a. Estruturas simbólicas produzidas. b. Definição da Filosofia.olavodecarvalho. estruturas simbólicas transmissíveis. estruturas inatas diretamente condicionadas pela forma do corpo humano. Divisões do saber. informações dos sentidos internos e externos: b.3 Apostilas do Seminário de Filosofia . registros organizados na memória. § 2.Filosofia é busca da unidade do saber na unidade da autconsciência e vice-versa.htm (1 de 7)16/4/2007 09:27:13 .org/apostilas/serconhecer3. § 3. memória assumida e personalizada. Estruturas simbólicas assimiladas. http://www. Memória pessoal. através de aprendizado e adaptações.I. É experiência pessoal sistêmica. que. o corpo encontra limites externos. Ego. -. A experiência da unidade.htm (2 de 7)16/4/2007 09:27:13 .olavodecarvalho. – Ego é a experiência pessoal condensada na forma de uma identidade corporal constante no tempo. Você tem consciência de algo quando tem em seu poder não somente (a) uma http://www. § 4. Ter um corpo capaz de realizar. A unidade do saber é um autodomínio estendido às estruturas simbólicas assimiladas e personalizadas. O corpo. mutilações. Elas absorvem as anteriores e as subentendem.3 II. dentro dos seus limites próprios. II. Ela assume a forma concreta de um sistema vivente de órgãos subordinados à vontade individual. doenças. § 6. Ferimentos.Ser e Conhecer . A unidade funcional do corpo humano é o primeiro modelo do tipo de unidade cujo análogo mais tarde se buscará na esfera do saber. é a primeira condição do autodomínio. Autoconsciência. Autodomínio e domínio. O domínio pode estreitar-se por efeito de fatores externos sem que por isto se estreite o autodomínio. -. § 5. enfraquecimento assinalam rupturas parciais dessa unidade. mas toda limitação do autodomínio produz o estreitamento do domínio.É o autodomínio no nível do ego. O autodomínio é a primeira condição da ação no mundo. O conjunto dos limites transcendidos forma o seu domínio. busca transcender. dores. Estas duas últimas constituem o campo do conhecimento propriamente dito.org/apostilas/serconhecer3. No curso da ação no mundo. a nossa vontade individual. Assim. é Sei que sei que sei. um poder. Ego e autoconsciência. Observa-se. a ruptura da consciência autoral (fragmentação do ego). ou.I.Ser e Conhecer . a identificação do sujeito objetivo com o sujeito subjetivo da experiência pessoal. A fórmula para a é: Sei. em certos estados patológicos e hipnóticos. mas que ninguém pode obrigá-lo a admitir isso. a que doravante chemarei consciência autoral. pois só pode se realizar na autoconsciência. exceto você mesmo. (A possibilidade da coerção sobrenatural será discutida bem mais adiante e pode ser deixada de lado neste ponto.htm (3 de 7)16/4/2007 09:27:13 . a experiência http://www. a fórmula da autoconsciência. sendo um autodomínio. a consciência autoral é contingente e não necessária. Para b é: Sei que sei. Esta identificação. a qual. isto é. em contrapartida. só existe mediante o exercício (embora possa se conservar por algum tempo enquanto mera potência).) II. dito de outro modo.olavodecarvalho. A fórmula para c.org/apostilas/serconhecer3. não é automática. O conhecimento pressupõe a experiência pessoal. Ego e poder do Ego. mas também (b) a informação de que tem essa informação e (c) a informação de que essa informação é sua.3 informação. o sujeito de sua experiência pessoal. § 7. Esta ruptura permanece como possibilidade mesmo quando não se realiza. absolutamente nada no mundo natural pode obrigar um indivíduo a ter consciência autoral. Nada. É o mesmo que dizer: você é você e não pode deixar de ser você. pois. Consciência autoral. -. e. isto é. nada no mundo natural pode abolir a conexão objetiva que faz de um indivíduo o autor dos seus atos (internos e externos). A existência do ego supõe a coincidência espaçotemporal da identidade corporal com o sujeito da experiência pessoal. de que ela agora faz parte integrante do sistema do seu ego. O Ego sem poder do Ego é o Ego vazio e inoperante que se observa naqueles estados que a psiquiatria denomina. porque ele já recebe seu fundamento da unidade corporal objetiva e do fato bruto da autoria objetiva. receptor deles. é evidente que a unidade da experiência pessoal está subentendida em toda aquisição. Atos imanentes e transitivos. Mas. se não a assumir. Consciência autoral e unidade da experiência pessoal. "perda da identidade". pois objetivamente ele continua autor de seus atos mesmo sem ela. Todo ato tem um feedback. que distingue o fazer e o padecer. Não se pode portanto dizer que o Ego se constitui a si mesmo. se assume a si mesmo como autoconsciência. o Ego. não deixará de ser objetivamente autor de seus atos.olavodecarvalho. A noção http://www. enquanto sujeito autoconsciente. hiperbolicamente. – A experiência pessoal só pode ter unidade quando tem como centro a consciência autoral. Por outro lado. conservação e transformação de conhecimentos. a consciência autoral é livremente assumida por um sujeito que. condição de seu registro memorativo e. sem ser. Estar consciente de si enquanto autor de atos é estar consciente de si enquanto receptor deles. Apenas. § 8. pode ser autor de atos (externos ou internos). não obstante. ipso facto. e é isto que o constitui como poder. de sua continuidade autoral no tempo. – Nenhum sujeito. pela anuência. isto é. o sujeito como autor de seus atos e como receptor de atos seus e alheios. esse fundamento objetivo não pode terminar de constituí-lo sem a anuência dele.Ser e Conhecer .org/apostilas/serconhecer3. já existente. portanto.3 pessoal pressupõe a consciência autoral. § 9.htm (4 de 7)16/4/2007 09:27:13 . Esta anuência é só subjetiva. O sujeito como objeto. objeto e sua reunião-distinção no ato. -. e sim apenas a informação de que chutei o gato. http://www. – Estar autoconsciente ao praticar um ato inclui a distinção exata e instantânea entre o que ele tem de imanente e de transitivo. A autoconsciência solipsística (cartesiana) só pode ser construída ex post facto como hipótese lógica (por abstração e supressão voluntária de dados da memória). Uma autoconsciência solipsística não é autoconsciência de maneira alguma. Inseparabilidade de autoconsciência. no sentido acima. já na sua constituição mesma. então não sei se agi de maneira alguma.A autoconsciência inclui portanto constitutivamente sujeito. aplico e recebo a massagem.3 aristotélica de atos imanentes e transitivos adquire aqui uma nova nuance: o ato é imanente quando o autor é autor e receptor sob o mesmo aspecto. Por exemplo. É mais ou menos como um homem normal imaginar-se autista – coisa que um autista não pode fazer.olavodecarvalho. jamais ser objeto de experiência. recebo a ação sob o mesmo aspecto em que a emiti. se massageio meus próprios músculos. Se não sei se agi só sobre mim mesmo. imanência e transitividade. Mas. Todos os atos transitivos são portanto imanentes (sob outro aspecto).org/apostilas/serconhecer3. § 11. a autoconsciência é. mas nem todos os atos imanentes são transitivos (sob qualquer aspecto). Transcendência da autoconsciência. é transitivo quando o autor é autor sob um aspecto e receptor sob um outro aspecto. e sob quais aspectos. § 10. isto é. se chuto um gato. exceto metonimicamente (tem algumas das propriedades ou partes da consciência sem chegar a ser autoconsciência).htm (5 de 7)16/4/2007 09:27:13 . sobre um outro ou sobre ambos. No sujeito. não recebo meu próprio chute.Ser e Conhecer . um transcender-se. só existe em mim e não nele. Não apenas não existe autoconsciência solipsística. nessa recepção.olavodecarvalho. mas ela. Transitividade.org/apostilas/serconhecer3. nenhum ser pode ser autoconscientemente receptor de nada. nela. aquilo que é puramente transitivo (isto é. de uma informação já completada. se ela não contém em si a exata distinção do que me veio como transitividade pura e do que entra nela como imanência minha. mas continuo sentindo a dor que ele provocou: esta dor. no tempo. aquilo que me vem de um não-eu) e aquilo que.3 § 12. Por exemplo. Não há portanto autoconsciência sem a consciência do não eu-como agente. que prolonga em meu corpo o ato alheio já terminado. A existência de sujeitos agentes fora do eu.htm (6 de 7)16/4/2007 09:27:13 . é parte dele na medida em que vem dele como efeito. portanto. agora. ela o é igualmente. quando nega os outros agentes ou os reduz a meros objetos. imanência e retenção. mutatis mutandis. acabo de receber um pontapé. consciência da dosagem de transitividade e imanência do ato praticado. -Se a autoconsciência é. Ego e "mundo". mas não existe a autoconsciência num mundo de puros objetos. O "mundo". retorna ao estado de pura potencialidade vazia. como um simples "dado". Sem esta retenção. num mundo de sujeitos. O Ego só existe como poder num mundo de agentes. num mundo sem outros sujeitos. é imanência minha. ipso facto. não vem ao Ego desde fora. assim como o pleno reconhecimento dela pelo eu. no ato padecido: estar autoconsciente enquanto receptor de um ato é distinguir. por exemplo sob a forma de retenção. Por isto o eu. mas já se impõe desde dentro. mas cessa de ser um poder. Mas também não o pode se a retenção é mera retenção de sensações ou imagens. não cessa de existir. O pontapé já terminou.Ser e Conhecer . são elementos constitutivos da autoconsciência mesma. no tempo. como condição da possibilidade http://www. na verdade. sua própria irrealidade. perfeitamente insensatos.htm (7 de 7)16/4/2007 09:27:13 .Textos .Informações . E não cabe em gnoseologia discutir o Egosem-poder.E-mail http://www. o dom de conhecer.3 mesma do Ego como poder. o Ego que foi objeto central de atenção durante todo o período que vai de Descartes á fenomenologia de Husserl foi o ego sem poder. daí resultando uma infinidade de problemas insolúveis e.Ser e Conhecer .olavodecarvalho.org/apostilas/serconhecer3. cuja simples formulação já prova. 10/07/00 Home . exatamente como no caso do "imaginar-se autista". ao qual se atribuiu. no ato.Links . como hipótese mágica. pois este não é sujeito de conhecimento e aliás só existe como possibilidade teórica e construção lógica hipotética. Por desgraça. IV Apostilas do Seminário de Filosofia . em vez de abordar as partes do assunto um tanto a esmo e ao sabor da ocasião.Ser e Conhecer . da origem do primado do sujeito. http://www. 14 de Setembro de 2000 Aula gravada. eu partiria do rastreamento histórico das origens da questão do conhecimento no mundo moderno. Se tivesse tido a oportunidade de expor isso ordenadamente nestas aulas. Mas essa é apenas uma das idéias. a uma ontologia.olavodecarvalho. como o fiz. Trata-se de eliminar o preliminar crítico.26 Ser e Conhecer – IV UniverCidade. com base nela. Transcrição de Alexandre Bastos A idéia que inspira esta série de aulas é da total redução da gnoseologia à ontologia. reduzindo tudo ao intuitivo.org/apostilas/serconhecer4. a crença de que primeiro é necessário criar uma teoria do conhecimento para depois. chegar. se possível. Rio de Janeiro.htm (1 de 16)16/4/2007 09:27:28 . a outra é eliminar a dualidade do racional e do intuitivo. Ora. diz inspirar-se em Descartes. mostraria como o subjetivismo de origem cartesiana está presente em todas as escolas. pois ela ainda está dentro da idéia do "preliminar kantiano". e ficar só com o sujeito. É claro que nesse empreendimento chega Husserl a várias conclusões que podemos aproveitar.IV Primeiro. e a minha idéia é eliminar completamente os preliminares. no marximo.org/apostilas/serconhecer4. também colocaríamos entre parênteses toda a questão da fenomenologia. é necessário voltar ao já exposto na aula "O problema da verdade e a verdade do problema": tantas vezes quantas seja formulada essa questão. Então. como o marxismo. inclusive as mais antagônicas a qualquer idealismo.Ser e Conhecer . e chega a ser espantoso que ninguém tenha mexido nesse problema antes. mas eu gostaria até de saltar essa preliminar fenomenológica.olavodecarvalho. uma http://www. tantas vezes sua investigação será bloqueada por contradições internas da formulação mesma. E. se possível também neutralizando-a. também é impossível: há um curto-circuito desde o início.htm (2 de 16)16/4/2007 09:27:28 . pois até escolas materialistas. para isso. propriamente. sujeito e objeto são um modelo. Mostaria que todos esses três séculos decorridos desde Descartes estão contaminados com o primado do sujeito. Tendo verificado em seguida a total inviabilidade do projeto cartesiano. que não é senão um meio de tentar realizar o projeto cartesiano com mais fundamento — o próprio Husserl. e aí entra. em seu livro Meditações Cartesianas. minha crítica do Descartes: a idéia mesma de colocar entre parenteses o objeto do conhecimento. aceitam implicitamente a prioridade do sujeito: a diferença. é que é um sujeito coletivo. mostrando que são projetos inviáveis. e declara que só quer aprofundar o cartesianismo até um nível a que o próprio Descartes não chegou. é preciso retomar o próprio Descartes. caso contrário teríamos o caso de uma espécie que coloca entre parenteses o próprio gênero ao qual pertence. simplesmente. de transmissão de informações (é claro que com suas características diferenciais específicas). já que não há nenhum motivo para dizer que o aspecto cognitivo predomina sobre o aspecto existêncial. ou seja. Assim. se existir é. Mas essa não é uma maneira qualquer entre outras. essa modalidade de relação chamada “conhecimento” é apenas uma modalidade. como algo que acontece àquilo que existe. ou. Se isso tivesse sido levado em conta.htm (3 de 16)16/4/2007 09:27:28 . Na verdade. as primeiras análises do fenômeno do conhecimento atacaram diretamente o ato de conhecimento sem perguntar se esse ato não seria espécie de algum gênero. Portanto. http://www. Historicamente. então não existe um estudo do conhecimento que possa colocar o existir entre parênteses. se o próprio existir é transmitir e receber informações. nenhum dos quais corresponde inteiramente à função respectiva: não é concebível nem o puro objeto nem o puro sujeito. estudá-lo como maneira de existir. entre milhares de outras. Assim. transmitir e receber informações. pois tanto podemos chamá-la de conhecer como de existir.org/apostilas/serconhecer4.Ser e Conhecer . segue-se que o que existem são situações onde um elemento desempenha tal papel. só é possível estudar o conhecimento como modalidade da relação.olavodecarvalho. dito de outro modo. o conhecimento é espécie do gênero relação — é uma relação entre dois entes. teria resolvido muitas questões relativas ao problema do conhecimento: todas e quaisquer relações que existem entre quaisquer seres são transmissões de informações. e o outro o outro papel — mas essa situação é que é o decisivo. e ambos não são senão funções desempenhadas por determinados elementos.IV distribuição de papéis. Agora. não há uma sequer que seja outra coisa. htm (4 de 16)16/4/2007 09:27:28 . não do real. Aí temos a idéia. só são acidentais do ponto de vista lógico: para a existência. Isso não quer dizer que uma figura geométrica não transmita informação. portanto.olavodecarvalho. mas ela transmite sempre a mesma. A estatura do homem é http://www. por exemplo. existe como possibilidade de relação matemática e só. ele possui mera existência ideal e lógica. e não nos passam outra informação senão o conteúdo de seu próprio conceito.IV e sim a maneira essencial — não é concebível nenhuma. Esses acidentes. mas.Ser e Conhecer . que diz que o ente é aquilo que ele é. a informação essencial. Podemos conceber. E por isso mesmo essa dimensão acidental passa a ser essencial para a existência. esses entes não poderiam existir. Quando lidamos com pura definições. ela só existe idealmente como conceito de espécie: Que é um quadrado senão o conceito de quadrado? Ele não é outra coisa senão seu próprio conceito. mas apenas o conceito abstrato de uma espécie. recepção e transmissão de informações. acidentes etc. Que é que o quadrado nos transmite senão o conceito de quadrado? É essa a definição do inexistir real: o que existe apenas como possibilidade lógica transmite uma única informação. O tempo todo algo é transmitido e algo é recebido: se bloquearmos toda a entrada ou saída de informações não teremos mais um ente existente.org/apostilas/serconhecer4. esboçada no meu livreto sobre Aristóteles. em essência. Algumas aspectos das coisas são acidentais. são essenciais. no reino puramente lógico. não existe de maneira alguma: ele faz parte do possível. Mas existir realmente é transmitir algo mais que seu próprio conceito: é transmitir propriedades. sem eles. uma figura geométrica: Qual a modalidade de existência de uma figura geométrica? Ora. os entes não têm senão existência puramente lógica. do acidente metafisicamente necessário. nenhuma forma de existência que não seja. Ou seja. não há possibilidade de acumulação de conhecimentos. se a filosofia não é conhecimento ela não é absolutamente nada.olavodecarvalho.org/apostilas/serconhecer4. pois não pode haver um homem sem uma precisa estatura. o projeto kantiano da crítica da razão tampouco: o que se cria é um curto-circuito que não permite fazer progredir o conhecimento. como a ciência. como se pode coordenar algum conhecimento se a própria regra coordenante não é conhecimento? É o mesmo que ter uma regra do jogo sem nenhum conhecimento do jogo. como não há progresso. como a filosofia. Como conseqüência. e outros que não progridem. É o caso de dizer que filosofia não é conhecimento de maneira alguma. como dizia Jean Piaget: filosofia. perfeitamente. que ele tenha estatura. todos os problemas metafísicos e gnoseológicos acabam por tomar outra face. mas atividade de quê? De conhecer. mediante essa simples observação de que as questões fundamentais levantadas sobre esses assuntos não são abordadas e de que. todos prometeram o que não podem fazer: o projeto cartesiano da fundamentação do conhecimento objetivo a partir do sujeito não vai dar em nada. sem elas. Ora.IV acidental. Isso tudo são subterfúgios: ou a filosofia é uma http://www. mas uma atividade. Wittgenstein dizia: filosofia não é conhecimento. mas não é acidental. todas as teorias do conhecimento são projetos simplesmente inviáveis.htm (5 de 16)16/4/2007 09:27:28 . naturalmente. Certo. essa impossibilidade passou a ser vista. Eu mesmo já vi introduções à filosofia que diziam o seguinte: existem conhecimentos que progridem. Mas. para a existência. é uma coordenação de valores. não é conhecimento. Todos são assim. como um dos traços essenciais da filosofia. por filósofos da tradição kantiana. Portanto. para ele. com esse enfoque.Ser e Conhecer . com o marxista. não dá em nada e então Wittgenstein passa para o segundo projeto. se assim o fosse. tudo começa com uma proposta muito arrojada e termina mal: é assim com o projeto cartesiano. você também é apenas fingimento e auto-engano. mas sem conteúdo algum. sem qualquer elo interior. seria totalmente coerente na medida em que não falasse de coisa nenhuma.htm (6 de 16)16/4/2007 09:27:28 . pois. Eu digo: pode parar. No fundo toda essa aparente modéstia metodológica da filosofia http://www. pois. dispensaria os fatos: ou seja. como os dados dos sentidos. e você passa a ser o valor. Mas desde Descartes e Kant todas as questões filosóficas não têm mais solução — todo o ciclo moderno é abortado pela sucessiva formulação de projetos impossíveis. investigá-las e chegar a alguma solução. você é um pobretão sofredor que se faz de Anticristo para se consolar da sua miséria. se você derrubar todos os valores. termina mal duas vezes: o primeiro projeto. Ora. só há uma forma de fazer a crítica da linguagem: a partir de algo que não é linguagem. por outro lado há um conteúdo anárquico.org/apostilas/serconhecer4. em todos os passos. atomístico. Então. com o kantiano. não é possível uma linguagem absolutamente coerente. com o de Nietzche. E se é uma ciência. no fim sobra você. Ora. por exemplo.IV ciência. o da crítica da linguagem comum. por exemplo. tem de ser possível colocar as questões. Mas você não tem mais fundamento do que os valores que derrubou. E de fato é aí onde chega Wittgenstein: por um lado temos uma linguagem totalmente coerente e formalizada. ou não é nada. desprovida de qualquer elemento intuitivo. Que é o projeto de Nietzche? É a transvaloração de todos os valores. É claro que isso é um projeto abortado. isso não é possível. que ele chama de “fatos”. O projeto de Wittgenstein.olavodecarvalho. o da linguagem absolutamente desprovida de ambiguidades.Ser e Conhecer . como produzir o objeto a partir do sujeito? Descartes vai buscar um mediador em Deus.IV moderna — todas começam com autocríticas da capa humana — termina numa pretensão desmedida: pois seus projetos ultrapassam a capacidade humana. Por exemplo.Ser e Conhecer . para realizá-la. O filósofo cai nessa pretensão ao tentar achar o fundamento absoluto de um objeto cuja presença ele suprime na mesma hora. a começar por Descartes. se é necessário apelar a Deus. mas. Por que fazer a crítica da razão pura? Por que fundamentar o conhecimento no sujeito? Por que transvalorar todos os valores? Por que transformar o mundo em vez de tentar conhecê-lo. fundamentar o conhecimento objetivo a partir do sujeito considerado isoladamente é uma impossibilidade: se alegam ter abstraído todas as coisas. ele http://www.. Esses projetos filosóficos são todos abortivos por sua excessiva pretensão. que não está lá. procurando um gato preto. e ter apenas sobrado o sujeito. é porque levantam perguntas sem sentido.htm (7 de 16)16/4/2007 09:27:28 . toda a filosofia moderna é louca. num quarto escuro.org/apostilas/serconhecer4. é preciso um milagre. Ela cai na famosa definição de Borges: metafísica é um cego.olavodecarvalho. Vejam que mesmo o projeto de Popper é inviável: ao dizer que as teorias ciêntificas válidas são aquelas que ainda não foram impugnadas. Mais ainda: todos esses projetos não se justificam. é porque é necessário um milagre: a filosofia de Descartes é tão inviável que. Quando digo que determinados projetos filosóficos são inviáveis. Não há razão suficiente para nada disso. Qual a possibilidade de conhecer um objeto que não está lá? Nesse sentido.. onde o único recurso que nos sobre é o apelo à autoridade científica — “tem de ser assim porque o consenso diz que é”. e entramos no reino da total insegurança. de antemão. certamente. onde conhecer e não-conhecer passam a ser a mesma coisa.org/apostilas/serconhecer4. Assim. Não existe “progresso” ao longo de uma linha infinita. que a filosofia é uma resposta a uma situação que já está dada. Também é evidente que. Se não temos um método positivo de afirmação da verdade. existe algo em comum entre todos esses projetos. em primeiro lugar. ainda que meramente ideal. Mas. ou então é impossível distinguir processo. retrocesso e estagnação.IV concede a toda teoria científica uma espécie de licença para o erro infinito. e que ela só responde às perguntas que foram colocadas http://www. é preciso aceitar o mundo. onde a idéia mesma de movimento é anulada por hipótese. Ou há um padrão de perfeição.olavodecarvalho. qualquer teoria está aberta a uma crítica infinita. no convencionalismo científico. é puro eufemismo dizer que na passagem de uma teoria impugnada a outra ainda não impugnada há um “progresso”. não havendo confirmação positiva da verdade. impugnar outras possibilidades de contestação que possam surgir. como será possível fundamentá-lo? É possível.Ser e Conhecer . e não ser apenas uma parte dele: no fundo o que todos querem é encontrar a fundamentação filosófica do mundo. mas para isso. então não há nenhuma possibilidade de.htm (8 de 16)16/4/2007 09:27:28 . fundamentar o mundo. Assim. caímos no total irracionalismo. pelo método popperiano. que os condene à inviabilidade desde o começo? Existe. sim: é a proposta de que o projeto filosófico tenha de engolir o mundo. É preciso reconhecer que a filosofia é apenas uma das muitas coisas que o homem faz no mundo. mas se a primeira coisa que fazem é suprimir o mundo. a escapar da consciência viva dos princípios. pois o sistema do mundo já existe e está no próprio mundo. Ou seja. mas lembrá-los. o trabalho dela é remeter a certos princípios que já são conhecidos por participação: podem ser difíceis de exprimir.htm (9 de 16)16/4/2007 09:27:28 . pois este já está dado: esse trajeto é o mundo. com a vantagem de ser viável. A filosofia é uma correção de trajeto: ela não vai traçar o trajeto. todos os códigos que compõem uma tartaruga estão na tartaruga. de certo modo. e o conhecemos na medida do papel que nesse todo desempenhamos: não mais que isso. e o código do sistema está no próprio mundo.olavodecarvalho. podem variar na expressão de tempos em tempos. e sair da realidade. tornar possível a sua reconquista na consciência de homens reais que em seguida terão todo o direito de os formular como desejem. A consciência de participação é uma forma de conhecimento tão exata quanto a utópica visão desde fora. Nós. que a filosofia tenha de se contentar com o parcial e fragmentário. Se não partirmos disso. mas a filosofia não tem de se preocupar com dar-lhes uma formulação uniforme e universalmente aceita precisamente porque o trabalho dela não é abarcá-los dentro de si.IV naquele momento e naquele lugar. Quando a mente humana começa a fantasias muito.org/apostilas/serconhecer4. mas nunca vai expressar aqueles princípios na totalidade — a função da filosofia não pode ser essa. como participantes dessa realidade. Isso não quer dizer. A filosofia não visa a dizer qual o sistema do mundo. Quer dizer apenas que ela tem de ter a consciência de participar do todo em vez da pretensão de “abarcã-lo”. nunca iremos encontrá-lo: o mundo é sistema. senão ela não poderia ser tartaruga. e isto é tudo. temos esse código em nós. a filosofia corrigem a rota. no entanto. ela pode remeter a uma ordem de conhecimentos e princípios universais.Ser e Conhecer . Se a função da filosofia é uma função reflexiva e crítica. Todos os códigos que compõem cada ente http://www. Assim. Portanto aquilo que você tem em você como ser. que tem de existir absolutamente. se abarcasse. E o que é filosofia? É o amor à sabedoria. todas as diferenças que os separam estão registradas nos dois -. mas refletidos de maneira inversa: por exemplo. em compensação. não abarcaria não só conceitualmente mas existencialmente: seria necessário produzir um novo homem que contivesse o primeiro. Essa lei imanente.IV estão refletidos em todos os demais entes. Mas. o que não é possível. Esse conhecimento. que está dado o tempo todo. quando rebate no plano do seu conhecer subjetivo. será indistinta de um gato. É a reconquista de um conhecimento desse sistema universal. rebate de maneira reduzida. Então. é o que chamamos sabedoria. que o fazem ser fulano ou ciclano individualmente e que o fazem existir. e que conhecemos reduzidamente mas suficientemente. É a sabedoria que está no próprio ser. na tartaruga estão refletidos todos os códigos que a diferenciam de um gato — se faltar um só. é um conhecer que é um ser. inclusive o todo universal. de maneira indireta na nossa diferença em relação a todos os demais homens e a todos os demais seres e coisas. Não é possível que ele abarque em toda sua mente subjetiva todos elementos dessa constituição. e que pode estar presente também no homem segundo uma modalidade especificamente humana. não http://www.Ser e Conhecer .htm (10 de 16)16/4/2007 09:27:28 . na realidade mesma.org/apostilas/serconhecer4. o sistema do mundo está refletido no mundo e em nós também: de maneira direita na nossa constituição enquanto homens. a tartaruga estará imperfeita. Se tomarmos dois entes. você conhece a constituição de muitos outros seres.olavodecarvalho. Então. pois. mas de maneiras diferentes e multiplamente complementares. O ser humano tem em si todas as determinações que o fazem humano. ser real num universo real.não podem estar registradas num só --. e. a maior parte da atividade filosófica é reflexiva e crítica. e essa realidade. mas a própria modalidade da nossa existência. é necessário fazer a transcrição do ser? Ora. e. e não o nosso cérebro. a função da filosofia não é fazer a doutrina universal. não pode ser uma doutrina. se o é. Há sabedoria nos provérbios de Salomão? Sim. Assim. estamos curados: terminou a missão da filosofia. e é inteligível infinitamente: no momento em que compreendemos isso. Nesse sentido é que não acredito em “progresso infinito do conhecimento”. Não é necessário saber tudo. por isso. E é feita apenas para responder apenas às perguntas determinadas que alguém fez. é translúcida: você pode sempre voltar à leitura dos mesmos registros.olavodecarvalho.htm (11 de 16)16/4/2007 09:27:28 . ela não é o próprio ser. caso contrário não há nenhuma: o que há. a nossa biblioteca. pois o universo sabe tudo e ele está permanentemente à nossa disposição. se é transcrição é parcial. O real é infinito. Agora. que já é a sua própria doutrina.Ser e Conhecer . mas apenas se a compreendermos. se http://www. então começa a sabedoria: Que é sabedoria? É o conhecimento. pois o que ele disse pode não ser compreensível para todos. a doutrina do ser que transluz no corpo do próprio ser.IV é necessário registrá-lo porque o próprio real é o registro deles. é o testemunho da sabedoria. O ser que se dá a conhecer é infinito e se dá a conhecer infinitamente. de certo modo. Ele. o nosso saber.org/apostilas/serconhecer4. mas sim em conhecimento infinito. E qual o papel da filosofia? É restaurar no ser humano a confiança e a capacidade da leitura dos registros no ser: no momento em que o ser deixa de ser opaco para alguém. Onde está a sabedoria? Está no homem sábio. não é opaca. não no que ele disse. A função da filosofia é corretiva e. é inteligível. Ele é a nossa memória. isso sim. está cumprida ali a função da filosofia. E onde está a sabedoria de Salomão? Está em Salomão. mas remeter-nos à própria realidade. e. com elas.htm (12 de 16)16/4/2007 09:27:28 . http://www. ela não poderia estar também nos livros de mineralogia. sem referência aos minerais enquanto coisas reais. ela já não será mais sabedoria de Salomão.IV a compreendermos. não há necessidade de filosofia. no real. Os livros são apenas registros que criam um intermediário humano entre nós e o mineral. criados pela própria atividade de busca do conhecimento. não como algo que está no ser. Por isso. Esses últimos obstáculos. acidentemente obscuridade. O real propriamente dito é registro infinito de conhecimento. Ora. Se ao estudarmos um tratado de mineralogia conhecermos apenas o que nele está escrito.org/apostilas/serconhecer4. pelo jogo dos reflexos devido a uma ocasional posição impropícia que assumimos para enfocá-lo – aí é necessário mudar de posição. Existem obstáculos para atingi-la: obstáculos de ordem moral.Ser e Conhecer . não o que pensamos ou dizemos a respeito dele. e sim nossa. que não é senão a inteligibilidade direta do real. então não sabemos nada. cultural. Caímos hoje numa série de ambiguidades por estarmos acostumados a entender sabedoria como conteúdo de consciência. Onde está a ciência da mineralogia? Está nos livros de mineralogia? Não: ela está nos minerais. fisiológica. essencialmente translucidez. Se assim não fosse.olavodecarvalho. e. mas se tomarmos todas as possíveis dificuldades de foco. se a sociedade não chegar ao ponto de criar confusão na esfera cultural. são os que a filosofia pode remover. Daí podemos entender que a finalidade da filosofia é fazer sábios: é despertar a possibilidade da sabedoria. Não se pode transmitir a sabedoria porque a sabedoria é o real. de modo que não é necessário recapitular todas as observações anteriores para chegarmos até o mineral. ou seja. Existe. de que adiantaria observá-los? Se o conhecimento existisse apenas na mente humana. E mesmo assim. é necessário eliminar essa idéia de que conhecimento só existe na mente humana. Ora.olavodecarvalho. o ato de conhecimento. esse objeto não é alterado pelo fato de nós o conhecermos. que apenas ocorre nos atos individuais concretos. É a isso que a filosofia acadêmica francesa tem se dedicado nos últimos trinta anos. ainda que sob a forma potencial. Conhecimento e ato de conhecer são certamente distintos. Mas isso não é http://www. não apenas no sujeito: os escolásticos dizem que ao conhecermos algo. Ora. o tigre que nos ataca é o mesmo que antes conhecíamos. o qual é conhecimento.htm (13 de 16)16/4/2007 09:27:28 . entretanto. mas estamos vendo a nós mesmos e chamando de tigres os nossos esquemas lógicos e formas de percepção.Ser e Conhecer . a nossos pensamentos -. e que é que havemos de dizer? Que foram as formas a priori que comeram? Ora. quando estes ocorrem.org/apostilas/serconhecer4.IV tentarmos formar um sistema. mas apenas a nós mesmos. formaremos o mundo das sombras. nós os observamos. se nenhum conhecimento sobre tigres transparecesse na conduta dos tigres. mas aí o tigre come o filósofo kantiano. Tome a própria idéia de observação: para entender a vida dos tigres. ao observarmos o tigre não conheceríamos o tigre. o sistema da ignorância. O real é registro infinto de conhecimentos. e entendermos que conhecimento é uma relação ativa existente entre o ente e o restante do real. portanto não estamos vendo um tigre. ocorre duplamente.e cairíamos no curto-circuito kantiano: estamos observando apenas fenômenos que não são senão projetados por nossa forma cognitiva. o objeto que conhecemos é o mesmo com que nos relacionamos fisicamente e praticamente. Muito bem. Foi porque os diamantes se tornaram conhecido que os homens começaram a escavar para procurar diamantes. o privilégio de poder conhecer teoricamente todas as relações entre todos os seres que estejam a seu alcance. não internamente. Isto é.Ser e Conhecer . daí por diante tudo foi diferente não só para os homens mas também para os diamantes. mas alterar sua relação com o mundo em torno. o lugar dele na ordem cósmica. dentre os seres do mundo físico. mas não podemos esquecer que http://www. No mínimo. cada coisa conhecida abre uma nova possibilidade de ação sobre ela: a partir daquele momento. ser conhecido ou não ser é o mesmo: ora. Imagine o primeiro homem que descobriu o diamante.olavodecarvalho. mas não me é possível comer um frango se nunca o conheci. Não é alterar-se internamente. mas relacionalmente. Ser conhecido abre. Tornar-se conhecido é ser alterado. Naquele mesmo instante não apenas o homem transformou-se. poderemos compreender o porquê do símbolismo do “grande livro da natureza”: o que é ele senão o símbolo da inteligibilidade do real? E o homem tem. o homem é o local onde esta inteligibilidade da natureza se realiza sob a forma de linguagem. É uma mudança objetiva.htm (14 de 16)16/4/2007 09:27:28 . mas também transformou a relação do diamante com o homem. sim. para o objeto. de sofre um novo tipo de ação –. a possibilidade de uma nova paixão. para o objeto. e ser conhecido por um outro é alterar-se. ela pode sofrer um tipo de ação que antes não podia. Dizer que o objeto não foi alterado em nada é o mesmo que dizer que.IV totalmente exato: aquilo que conhecemos está transmitindo informação a seu respeito naquele mesmo momento. ou seja.isso muda o destino dele.org/apostilas/serconhecer4. Se entendermos que o real é registro de conhecimento. é claro. htm (15 de 16)16/4/2007 09:27:28 . sistemático é aquilo que procura conscientemente abranger e conter nos seus próprios limites o todo. tentamos desenhá-la de todos os ângulos possíveis? Não. mas não pode ser “sistemática”. Quando desenhamos uma árvore. não perde de vista a sistematicidade do próprio real. Se for possível recuperar essa posição. Aí começa a sabedoria propriamente dita.olavodecarvalho. E quando ela se mostra? Quando ele quer: o universo responde quando perguntamos. Mas ela tem de ser sistêmica no sentido em que se refere ao sistema do universo. a finalidade da filosofia é devolver o indivíduo a esta posição de observador central.Informações .Links .org/apostilas/serconhecer4.Textos . o que tentamos fazer é um retrato parcial referido ao todo e ao sistema. Sistêmico é aquilo que tem um centro e se desenvolve de forma mais ou menos orgânica a partir desse centro. Home . um retrato parcial que esboce.Ser e Conhecer .E-mail http://www. tem de ter um centro e não pode ser arbitrária. está realizada a função da filosofia. melhor. mas tampouco se constitui da construção sistemática de um todo abrangente. na qual o conteúdo sapiencial da própria realidade se mostra para ele. É perda de tempo tentar uma filosofia sistemática: é o mesmo que tentar recriar o universo. Por isso a filosofia tem sempre de ser sistêmica.IV esta é apenas uma relação entre milhares de outras possíveis. Então. Ela não é um amontoado de observações anárquicas. signifique ou aponte para essa totalidade -.quanto mais simples for o desenho e quanto mais claramente apontar para o centro do sistema. htm (16 de 16)16/4/2007 09:27:28 .Ser e Conhecer .IV http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/serconhecer4. htm (1 de 5)16/4/2007 09:28:18 .§ 1.§ 1. não tendo aí nenhuma função orgânica. São Paulo. que não pode escapar de seus próprios limites senão pelo apelo a "Deus" . É verdade que ela começa com a tentativa cartesiana de romper esses limites pela afirmação da certeza absoluta que o eu pensante tem de si mesmo enquanto pensante.27 Ser e Conhecer .um Deus que. Mas também é verdade que essa afirmação permanece subordinada ao reconhecimento daqueles limites. não sendo nem mesmo o fundamento do eu http://www.Introdução geral . Formulação do problema Apostilas do Seminário de Filosofia . 10 de março de 2001 Toda a tradição moderna em filosofia toma como fundamento e ponto de partida o reconhecimento dos limites da consciência cognitiva individual. Formulação do problema Aula do Seminário de Filosofia.org/apostilas/serconhecer5. e isto sob três aspectos: (1) eles são o dado inicial do qual ela será apenas a conclusão parcial que não chega a impugnar a validade da dúvida baseada neles.Introdução geral .olavodecarvalho. (2) o cogito que se afirma tem a impotência congênita do eu solipsista.Ser e Conhecer . mas também nas tentativas de transferir para a alçada de algum outro sujeito . entra no sistema como puro agregado externo e expediente lógico in extremis. enquanto existente. o inconsciente coletivo.olavodecarvalho. o sentimento dos limites da consciência individual. "raciocinar sem pressupostos". o cogito cartesiano deixou menos marcas na origem da tradição moderna do que as deixou o método mesmo da dúvida.. (3) impotente para lançar uma ponte para o mundo exterior.. para salvar a construção vacilante. Certeza vazia. festeja Descartes como "ce chevalier qui partit d'un si bon pas". incapaz de fundar a ciência. que pervade todo o ciclo moderno em filosofia. no mínimo.Ser e Conhecer . Formulação do problema como o era no cogito agostiniano. ele expressa da maneira mais eloqüente o fato de que a tradição moderna valorizou em Descartes antes o seu ponto de partida (a dúvida) do que o seu ponto de chegada (a certeza do cogito).org/apostilas/serconhecer5. o Id. Essa idéia. a consciência de classe.seja ele o Espírito objetivo.Introdução geral . o Volkgeist. como se diria depois. A variedade de suas expressões não deve nos fazer perder de vista a unidade desse sentimento básico. sentimento que constitui assim o terreno psicológico sobre o qual floresce o pensamento moderno. como também nas indiretas e esquivas: não só no ceticismo de Hume ou na crítica kantiana. o cogito cartesiano não o é menos para lançá-la entre ele próprio enquanto pensante e. Quando Péguy. num texto célebre.htm (2 de 5)16/4/2007 09:28:18 . a volonté génerale. louvando apenas as intenções que o inspiraram e que ele terminou por frustrar. a idéia de repor tudo em questão e. expressa. É preciso enxergá-lo não só nas suas manifestações diretas e patentes. Mas isto é o mesmo que celebrar o fracasso do empreendimento cartesiano.§ 1. as estruturas da http://www. quando não é princípio claramente afirmado.a unidade negativa daquilo que. denominarei negação da consciência. o consenso da comunidade científica. e.htm (3 de 5)16/4/2007 09:28:18 . é: como foi possível que toda uma tradição filosófica de quatro séculos. delineia-se assim um fundo de unanimidade . De repente. o gênio da espécie . é pressuposto implícito. sua quase onipresença no panorama heterogêneo do pensamento moderno. E a pergunta. indigna de atrair qualquer curiosidade especial ou de suscitar ao menos a pergunta: Por que? Sim. a pergunta que não se fez pode se revelar como a mais relevante de todas. de portentoso. para simplificar (e por outros motivos que se tornarão claros mais adiante). Formulação do problema linguagem.olavodecarvalho. como se se tratasse de obviedade sem maior importância. de supremamente incomum e problemático. é que essa quase onipresença tenha sido apenas displicentemente reconhecida. circunscreve e delimita o seu horizonte. quando não ocupa o centro do sistema.org/apostilas/serconhecer5.Ser e Conhecer . O que é curioso nesse fenômeno não é apenas a sua generalidade.Introdução geral . digamos mesmo toda uma http://www. Por trás da variedade e discordância das escolas. tudo aquilo que embora reconhecido não se afirma de maneira clara e explícita continua oculto entre névoas.a responsabilidade pela garantia da veracidade e eficácia do conhecimento. protegido de todo olhar iluminante capaz de ressaltar o que nele há de estranho. A simples enumeração casual de algumas dessas tentativas já evidencia que a afirmação dos limites ou da impotência cognitiva da consciência individual. no caso.§ 1. nesse período. sem que houvesse defensores? Pois mesmo aqueles que. cujos limites e cuja fragilidade eram assim implicitamente afirmados na medida mesma e no momento mesmo em que. afirmam resolutamente o poder do conhecimento.Introdução geral . os únicos de que dispõem? Se o filósofo moderno não pudesse colocar-se. Formulação do problema civilização. se dava por pressuposto que era mediante sua absorção nela e sua conversão despersonalizante em faculdade abstrata que a consciência individual concreta poderia ter a esperança de conhecer o que quer que fosse. tomasse como fundamento óbvio e inquestionável do conhecimento as limitações e deficiências do poder cognitivo da consciência individual. numa posição superior à da sua mera individualidade empírica.olavodecarvalho. se cada um desses filósofos era apenas indivíduo humano concreto. considerada de maneira universal e abstrata. e não da consciência individual concreta. essas limitações mesmas viessem jamais a ser questionadas e sem que jamais à negação se opusesse qualquer tentativa de afirmação? Como foi possível que uma pretensão cognitiva tivesse tantos impugnadores. sem poder alegar-se a priori detentor de meios de conhecimento superiores aos da individualidade humana.Ser e Conhecer . celebram apenas a virtude cognitiva da razão. de algum modo. como Spinoza ou Hegel. sem que. a pergunta é: desde onde eles impugnam a eficácia desses meios.§ 1. enaltecendo "a razão". e raciocinasse sempre a partir delas.htm (4 de 5)16/4/2007 09:28:18 . Ora.org/apostilas/serconhecer5. sua negação do poder cognitivo desta última equivaleria apenas à autoparalisação de http://www. precisamente. Links . ipso facto. revigorar-se nela. À negação da consciência individual parece corresponder.Informações .Introdução geral .htm (5 de 5)16/4/2007 09:28:18 . Em vez disso.Textos . Que poder seria esse? Quais as suas possibilidades e limites? Que títulos justificam a pretensão filosófica de representá-lo? E. sobretudo: seria ele efetivamente uma instância superior à consciência individual ou apenas a parte superior da própria consciência individual.E-mail http://www.§ 1. Formulação do problema uma consciência individual e à imediata desmobilização de todo esforço filosófico. vemos o movimento filosófico alimentar-se dessa negação. separada das partes inferiores e hipostasiada como entidade independente? Home . progredir graças a ela.olavodecarvalho. a afirmação de um poder cognitivo supra-individual que o filósofo incorpora e personifica a partir do instante mesmo da negação e por mérito dela.org/apostilas/serconhecer5.Ser e Conhecer . .28 Notas para a Introdução à História Essencial da Filosofia – I Pretendendo retomar no Seminário de Filosofia alguns temas do curso História Essencial da Filosofia. mas reconhece nele a essência da sua autoconsciência e o manifesta na sua existência enquanto forma humana do essencial. essência. A noção de sabedoria abrange.htm (1 de 6)16/4/2007 09:29:31 . numa síntese inseparável. consciência e existência. que lecionei no Rio de Janeiro em 1993 e 1994.O. de C. ciência. Uma existência na qual se torna visível a http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/hef_notas. O sábio não apenas possui o conhecimento do essencial. parágrafo que será objeto de comentários na próxima aula do Seminário em São Paulo e no Rio.Notas para a Introdução à História Essencial da Filosofia .I Apostilas do Seminário de Filosofia . reproduzo aqui um parágrafo da Introdução que estou preparando para a edição desse curso em livro. Aquilo que você não pode sequer ver. Mas a apreciação é condição indispensável para a prática futura. você não pode possuir e muito menos incorporar em você como qualidade pessoal. entraram em antagonismo desde que Kant proclamou a impossibilidade de conhecer o que quer que seja para além dos fenômenos ou aparências. Ciência e consciência também já não parecem ter nada a ver uma com a outra desde que se admitiu a noção de ciência como um conjunto de registros padronizados que podem ser adquiridos mediante puro adestramento de aptidões cognitivas isoladas. se coloquem na perspectiva adequada para enxergar a sabedoria em vista de realizá-la no futuro. A ciência e a essência. Filosofia é visibilidade de uma sabedoria a realizar. mas sugere apenas que o nome filosofia foi sendo atribuído a coisas que ficam muito aquém das ambições dos primeiros filósofos. São estes os que se denominam “filósofos”. Isto produz como seqüela a ruptura de ciência e existência: a ciência torna-se o desempenho de um papel social nas horas de expediente. os elementos dessa síntese tenham se separado ao ponto de hoje ser difícil concebê-los juntos na identidade de um homem não modifica em nada a definição originária da filosofia. ao longo da história. uma imago Dei.olavodecarvalho. por exemplo. E assim http://www. Nem todo aquele que pode apreciar a prática de um esporte ou de uma arte está em condições de praticá-los pessoalmente. sob todos os títulos. sem relação com a vida íntima da autoconsciência. Mas isto só pode ser plenamente reconhecido por quem seja também sábio ou por aqueles que. sem qualquer comprometimento da personalidade total.Notas para a Introdução à História Essencial da Filosofia .I autoconsciência do essencial é. não o sendo.htm (2 de 6)16/4/2007 09:29:31 . Platão dizia-os “amantes de espetáculos”. O fato de que.org/apostilas/hef_notas. Admite-se como coisa líquida e certa. que essa mudança se explica e se justifica pelo progresso da inteligência crítica. onde os quatro elementos se afastam uns dos outros e se negam reciprocamente.htm (3 de 6)16/4/2007 09:29:31 .olavodecarvalho.org/apostilas/hef_notas. hoje em dia. Da filosofia antiga e medieval para a moderna e pós-moderna.I por diante. houve portanto uma troca da figura centrípeta.Notas para a Introdução à História Essencial da Filosofia . na passagem da filosofia como antevisão da sabedoria para o conceito atual da filosofia como profissão e disciplina acadêmica. isto é. http://www. onde os quatro elementos convergiam na direção da sabedoria: pela figura centrífuga. olavodecarvalho. Ademais.I que desmantelou as antigas pretensões do saber unificado e habituou as pessoas a buscar conhecimentos mais modestos e mais seguros em campos mais limitados do conhecimento. Mas.Notas para a Introdução à História Essencial da Filosofia . onde o esquema normativo sobre o qual se erguem os critérios de validade do conhecimento não é considerado ele próprio um conhecimento.htm (4 de 6)16/4/2007 09:29:31 . se bem que o ensino universitário. Da nossa parte. apenas reduzido a um esquema normativo “ideal” e “irreal” que. uma evolução histórica não é. vamos aqui ignorar solenemente esse preconceito. por si. superadas ou mesmo pecaminosas. pois o quadro unificado que lhes dá sentido permanece como plano de referência no fundo. se não pode ser dispensado de todo. muito menos um conhecimento válido. ao mesmo tempo que professa aceitar a irredutibilidade kantiana do valor ao fato. se um juízo qualquer não pode se alegar verdadeiro pelo simples fato de ser ambicioso. deduz dessa mera sucessão de fatos um juízo de valor segundo o qual as vias de conhecimento que foram abandonadas no curso do tempo devem ser condenadas como inferiores. prova da validade dos resultados a que conduziu. De outro lado.org/apostilas/hef_notas. Que as coisas tenham tomado determinado rumo não significa que esse fosse o único ou o melhor rumo possível. pois o que nos interessa não é aquilo em que a filosofia se tornou http://www. não se tornará mais verdadeiro pelo simples fato de ser modesto. nem por isto é reconhecido como conhecimento efetivo. os elementos separados que resultam do afastamento centrífugo nunca se tornam completamente independentes. Este não é o menor dos paradoxos da moderna ciência acadêmica. o primado da essência da filosofia sobre suas manifestações temporais é resolutamente afirmado.htm (5 de 6)16/4/2007 09:29:31 . e sim o que a filosofia tem de ser necessariamente. não se vê como meros fatos intelectuais inconexos poderiam se erguer como critérios de valor para julgar e impugnar a filosofia antiga. nada significando sem referência a este. Mas. cabendo inclusive dissolver este conceito numa multidão de coisas díspares. que. nessas condições.I historicamente. e cujo conhecimento pouco ou nada nos revelará sobre o que é a filosofia. Em qualquer dos dois casos. neste último caso. mesmo em nome de uma suposta noção de “progresso”. e neste caso há uma essência que transcende e abrange essas duas formas temporais. temos de partir da sua concepção http://www. ou as múltiplas coisas que hoje se denominam “filosofia” já nada têm a ver com a filosofia antiga e portanto a evolução que levou desta àquelas deve ser considerada uma simples sucessão empírica de fatos sem conhexão lógica íntima. ainda que inconscientemente ou a contragosto.org/apostilas/hef_notas. ou o estado atual da filosofia é apenas o resultado de uma evolução lógica (se bem que não necessariamente a melhor ou a única possível) do próprio conceito originário de filosofia. Pois. perderia todo conteúdo conceptual identificável.Notas para a Introdução à História Essencial da Filosofia . no curso de uma evolução a que só um injustificável pressuposto metafísico poderia dar o caráter de coisa necessária e insuperável. ou então ele não tem nada a ver exceto empiricamente com a filosofia antiga e não pode servir de base para julgá-la. Portanto. como essência supratemporal. Para esclarecer essa essência. das duas uma: ou aquilo em que a filosofia se tornou conserva algo do que ela era originariamente. para poder sofrer essa evolução ou qualquer outra evolução temporal concebível.olavodecarvalho. org/apostilas/hef_notas.Notas para a Introdução à História Essencial da Filosofia .htm (6 de 6)16/4/2007 09:29:31 .Informações .Textos .Links .E-mail http://www.I originária como visibilidade da sabedoria ou contemplação da imago Dei. Olavo de Carvalho 5/5/01 Home .olavodecarvalho. imagem que é precisamente a daquilo que eu sonhava ser quando crescesse e ainda. continuo sonhando.htm (1 de 11)16/4/2007 09:29:45 .Que é o direito? Apostilas do Seminário de Filosofia – 29 Que é o direito? Olavo de Carvalho Seminário de Filosofia. foi transcrita das fitas gravadas e está desde então sendo preparada para publicação em livro. Ser e Poder constitui-se de dois blocos de investigações complementares: o primeiro consagrado à elucidação da essência e das formas do poder – a meu ver o http://www. porca miséria!. 22 de setembro de 1998. que. lecionada entre 1997 e 1998 no Rio e em São Paulo. aos 54 anos. não se assemelha em nada à imagem do pacato estudioso entre seus livros. Esta aula faz parte da série Ser e Poder: Os Problemas Fundamentais da Filosofia Política. nos intervalos de uma carreira que.org/apostilas/direito. aos trancos e barrancos.olavodecarvalho. “Que é o crime?”. “Que é um banco?”. pois creio que ele seria de grande utilidade para trazer um pouco de ordem e racionalidade às discussões políticas correntes.htm (2 de 11)16/4/2007 09:29:45 . Alguns desses estudos serão estampados nesta homepage antes da publicação em livro. de maneira assimbrosamente confusa e enganosa. sem mencionar o filósofo John Rawls. até à publicação em livro. política ou social não pode ser concebida senão como a resultante acidental e aproximativa da atuação das várias forças que compõem o “sistema”.olavodecarvalho. se usam diariamente nas discussões políticas em toda parte.org/apostilas/direito. mostra por que é inviável sua concepção de que o sistema democrático pode ser construído inteirinho em cima do conceito de “igualdade”. “Que é a polícia?”. deverá sofrer acréscimos e correções. nas quais predominam cada vez mais o nonsense. o segundo à aplicação dos resultados do primeiro para a solução de várias questões derivadas. ao longo das quais vou elucidando cada um dos conceitos que. A presente lição. Eu gostaria de que esse livro estivesse pronto faz tempo. “Que é?” – “Que é o dinheiro?”. que se anuncia para data incerta e não sabida.Que é o direito? conceito nuclear da filosofia política –. a fantasia mórbida http://www. Nem é preciso dizer que a redação deste capítulo é provisória e que. o leitor concluirá facilmente que a igualdade jurídica. Das análises aqui apresentadas. que tomam sempre a forma da pergunta filosófica por excelência: Quid est?. que pode ser o direito senão a garantia que alguém.org/apostilas/direito. há momentos em que o escritor tem de escolher entre buscar a perfeição da vida ou a da obra: se escolha a da obra. que as condições políticas do momento impõem como deveres indeclináveis. Se o poder. oferece ao exercício de um poder? “Tenho o direito” de expressar minha opinião quando alguém me dá ou ao menos me promete as garantias necessárias a que eu possa expressá-la. Afinal. em estado de mixórdia. prenunciando aquele completo obscurecimento das inteligências que antecede as grandes crises revolucionárias. faz um pacto com o diabo. que o autor tenha tempo de os corrigir. Vivo na esperança de que uma dessas ocasiões se apresente logo. como se viu na Primeira Aula. de C. Mas o contrário seria um pecado contra a caridade. cujos rascunhos já alcançam 700 páginas e aguardam. como dizia Yeats. Felizmente. de fora. há também ocasiões em que essa oposição dilacerante se resolve no acordo feliz de vocação e circunstância (para usar os termos de Julián Marías).olavodecarvalho. Outro tanto aconteceu com Ser e Conhecer. é possibilidade concreta de ação. Alguns de meus amigos dizem que sacrificar assim a obra maior em favor de urgências do dia é um pecado contra a santidade da vocação. não abandonei este trabalho.Que é o direito? e a linguagem dupla dos manipuladores e demagogos. Suprimir essas garantias é cercear o direito à livre expressão. de ordem jornalística e pedagógica.htm (3 de 11)16/4/2007 09:29:45 . Chamado a outras tarefas mais urgentes. mas tive de passá-lo para a marcha lenta. – O. o que mostra que a distinção corrente http://www. org/apostilas/direito. é preciso destacar nele mais estes dois caracteres: a reciprocidade e a socialidade.Que é o direito? entre direitos e garantias é apenas um formalismo elegante destinado a ilustrar o fato de que nem todo direito que se proclama é direito efetivo. armado de gazua. O direito é. mas uma só espécie acompanhada de dois acidentes: quando a garantia é ainda uma promessa. Por isso. equipado de metralhadora. Direito e garantia não são espécies realmente distintas. me garantirá a possibilidade de fazê-lo. uma espécie de garantia – de garantia do exercício de um poder – e nada mais.htm (4 de 11)16/4/2007 09:29:45 . meu comparsa. ao menos em princípio. um compromisso. toda uma sociedade. mantendo os guardas à distância: isto não fará dele um guardião de meus direitos. Para distinguir o direito das demais espécies de garantias. Enquanto. ela se chama “direito”. Uma garantia é um direito quando é recíproca (no sentido jurídico) e quando compromete. um dever assumido. arrebento e esvazio o cofre. passa a assumir o nome de garantia propriamente dita quando essa promessa se invista dos meios concretos de ser cumprida. pois. No entanto. o legislador que baixe uma lei que não tem meios de ser cumprida já a revoga no ato mesmo de assiná-la: ad impossibilia nemo tenetur. a recíproca não é verdadeira: nem toda garantia é um direito. A noção de “direito” não tem nenhuma substancialidade exceto como promessa de garantia. Suponham que eu abandone estes afazeres filosóficos e me torne assaltante de bancos. a garantia nada significa se não é garantia de cumprir um compromisso anteriormente firmado. não apenas indivíduos ou grupos isolados.olavodecarvalho. http://www. por exemplo. e assim por diante. este deve ser por sua vez garantido por outro poder. Se este não existe ou é nebulosamente definido.htm (5 de 11)16/4/2007 09:29:45 . ao mesmo tempo. o titular de um direito seja também titular da obrigação de garantir por sua vez a alguém o exercício do poder necessário a lhe garantir esse direito. o que resultaria num recuo ad infinitum e tornaria impossível a vigência de qualquer direito se aí não interviesse. como já explicou Miguel Reale ([1]) consiste em que ao direito de um corresponde uma obrigação para outro. Um direito só existe quando existe e é claramente indicado o titular da obrigação correspondente.Que é o direito? A reciprocidade jurídica. Por enquanto tome-se essa palavra no sentido corrente e considere-se a seguinte obviedade: só cabe dizer que uma criança tem direito ao alimento se alguém. por si. Sendo o direito. precisamente. ao menos em certos casos. se não sempre. Assim. e não podendo um poder ser garantido senão por outro poder mais forte. tem a obrigação de alimentá-la. a massa dos cidadãos tem o direito à proteção policial somente na medida em que tenha também algumas obrigações que garantam à autoridade policial o http://www. que pode enunciar-se assim: para que exista direito é necessário que. enfim. Veremos adiante o que é propriamente obrigação. a garantia do exercício de um poder.olavodecarvalho. Mas como o exercício do poder necessário a garantir o exercício do direito alheio deve ser ele também um direito. independente dele e a ele preexistente. o titular da obrigação tem de possuir necessariamente algum poder que o titular do direito. o direito se torna uma garantia que ninguém garante e é mero flatus vocis. uma segunda e mais sutil acepção da reciprocidade jurídica.org/apostilas/direito. não possui. etc. solto no ar. nem mais nem menos. seja pelo equilíbrio ideal das qualidades. o problema do juiz – o problema da justiça – será encontrar a mais perfeita equivalência possível entre valores qualitativos. ou http://www. como por exemplo a obrigação de pagar os impostos com que será sustentada a corporação dos policiais. seja pelo cálculo exato das quantidades. sem sobras nem faltas: os filhos sob a guarda da mãe divorciada têm direito a uma pensão alimentícia de x reais na medida exata em que o pai divorciado tem a obrigação de lhes pagar a mesmíssima quantia. que é a sua socialidade: não há direito fora do sistema jurídico em que se expressa a totalidade das garantias e obrigações vigentes numa dada sociedade. Nos casos em que o direito em questão não possa ser expresso quantitativamente. à do segundo. pela sua própria natureza. A fórmula da reciprocidade direta é portanto a perfeita equivalência. A reciprocidade jurídica direta existe somente entre os titulares tomados dois a dois: dois indivíduos. A reciprocidade indireta.Que é o direito? exercício de suas funções. indireta. Mas.htm (6 de 11)16/4/2007 09:29:45 . quer dizer: a tem o direito b na exata medida em que x tenha a obrigação y. dois grupos. a reciprocidade direta se resume sempre e somente na equivalência.org/apostilas/direito. À reciprocidade do primeiro tipo chamarei direta. duas empresas. ou igualdade quantitativa. Isto constitui precisamente o segundo caráter específico do direito. fora da sustentação do sistema.olavodecarvalho. pai e filho. ([2]) A reciprocidade direta equivale estruturalmente a uma simples proporção matemática: a/b = x/y. Não há direito isolado. só se realiza através da complexa rede de obrigações e direitos que constitui a totalidade do sistema jurídico vigente numa dada sociedade. um comprador e um vendedor. de um direito e de uma obrigação. vão aumentando conforme as quantidades cada vez maiores de poder necessárias a dar garantias aos direitos de grupos cada vez maiores de pessoas. A reciprocidade direta é direito abstrato ou potencial.olavodecarvalho. digamos. Por outro lado. no nível do sistema total.Que é o direito? seja. não existe fora da indireta. dos impostos totais que o Estado recolhe de um cidadão.org/apostilas/direito. ou seja. somente a décima parte – cem reais – vai para a manutenção dos serviço público de assistência médica. de modo que só se pode reencontrar algum tipo de unidade. ao contrário. Nada disso ocorre ou pode ocorrer na reciprocidade indireta. abrangendo seus titulares dois a dois. onde só por uma raríssima exceção o direito garantido pode equivaler. também. que a reciprocidade direta. à obrigação que o titular desse direito tem para com a autoridade que o garante.htm (7 de 11)16/4/2007 09:29:45 . fora do sistema. quantitativamente. da vida jurídica de toda a sociedade. na idéia de igualdade quantitativa e de nivelamento das diferenças. isto é. isto não quer dizer que esse cidadão deva ter direito a somente cem reais de assistência médica por ano. É evidente. equivalência ou proporção no nível último. Só para dar um exemplo estridente: se. à medida que se sobe de plano a plano na ordem da complexidade e abrangência das relações sociais. mil reais num ano. a indireta. consiste precisamente em diferenças e desníveis que não podem ser compensados um a um e que. Se a reciprocidade direta consiste em equivalência e nivelamento. que só se adquire existência concreta na vida do sistema total. a rede das reciprocidades indiretas de nada valeria se não pudesse assegurar entre os membros da sociedade o predomínio do direito nas suas relações de http://www. e se cada direito garantido pela reciprocidade direta é regido pelo princípio de equivalência ou nivelamento. a contradição entre o direito como sistema total e o direito como norma das relações de reciprocidade direta só poderá ser eliminada numa sociedade que logre produzir a http://www.htm (8 de 11)16/4/2007 09:29:45 .olavodecarvalho.org/apostilas/direito. o reino da equivalência. surge um problema. a regra máxima do sistema é a sua própria soberania: não há direito acima do sistema total de direitos e garantias. umas subordinadas às outras conforme sua maior ou menor importância para o funcionamento do sistema como um todo. Enquanto realidade agente. Nesse sentido. em outras palavras. se a rede de reciprocidades indiretas que constitui o sistema total é governada pelo princípio de subordinação e unidade vertical. Hierarquia é subordinação do múltiplo ao uno. sendo portanto duplamente hierárquico. Aí. imbricada no sistema total de poderes. no sentido lógico de um sistema dedutivo que desce das normas fundamentais às normas derivadas (na acepção de Kelsen). porém. mas. nenhum direito isolado ou nenhum grupo de direitos isolados pode prevalecer sobre o sistema total que os garante a todos.Que é o direito? reciprocidade direta. não apenas o sistema jurídico total é hierárquico em si. Como garantia é exercício efetivo do poder do homem poderoso para assegurar a um menos poderoso a possibilidade de exercício do poder que lhe cabe. o sistema jurídico é unificação hierárquica de múltiplos estratos de obrigações e garantias. ou. Mas. isto é. como prática e realidade ele só existe enquanto aspecto e expressão do sistema total de poderes. onde cada indivíduo é ao mesmo tempo totalidade e parte em dois diferentes planos. nem lhe escapará qualquer sociedade que porventura venha a existir. de vez que. impossível não apenas na prática. o que implicaria a perfeita e impossível identidade da sua individualidade corporal com o seu lugar e função na sociedade.org/apostilas/direito. a perfeita igualdade de direitos exigiria uma distribuição igualitária das possibilidades de exercício do poder.Que é o direito? perfeita identidade entre a hierarquia vertical de poder e a igualdade entre os indivíduos. e não em buscar extirpála. A justiça como ideal social consiste portanto apenas em reduzir essa contradição ao mínimo tolerável. Donde se conclui que o princípio da igualdade perante a lei. Nenhuma sociedade existente escapou dessa contradição. plano e atomístico. Isso é. em outras palavras. no entanto. mas até mesmo em teoria. nem deve ter. contradiz a idéia mesma de lei como obrigatoriedade concreta de respeitar os direitos. A contradição entre o direito como sistema e o direito como norma das relações entre indivíduos não tem solução lógica. e a justiça humana tem a http://www. o que contradiz a idéia mesma da estrutura hierárquica necessária à manutenção do sistema e das garantias. a identidade final de natureza e sociedade. considerando apenas os indivíduos como entidades numericamente distintas e qualitativamente idênticas. porque ela é constitutiva da própria vida social. sem poder reduzi-los a um só.htm (9 de 11)16/4/2007 09:29:45 . ou.olavodecarvalho. o direito sendo a possibilidade do exercício de um poder. se tomado em sentido literal. pois não há imperfeição em uma coisa ser o que é. Não é totalmente exato dizer que a justiça humana é imperfeita. mas do equilíbrio dinâmico e tensional entre o ideal de justiça e as exigências concretas do sistema que torna possível buscar a justiça. Notas [1] Lições Preliminares de Direito. de algum modo imita e na qual se inspira. seja em suprimir as garantias em nome da preservação do sistema.olavodecarvalho. Entre outras conclusões práticas que se pode turar disso está a seguinte: a vida da democracia não depende da realização máxima da justiça em sentido abstrato.org/apostilas/direito. A questão direito positivo x direito natural nada tem a ver com o tópico em discussão aqui. seja numa alternância dessas desses dois males. como uma proclamação em prol da exclusiva existência do direito positivo. indefinidamente variável e jamais esgotada.htm (10 de 11)16/4/2007 09:29:45 . Toda tentativa de aproximar a justiça humana da perfeição ideal tem resultado e resultará necessariamente. seja em demolir o sistema de garantias em nome da igualdade abstrata. por favor.Que é o direito? perfeição do arranjo provisório e da arte. com exclusão portanto da hipótese do direito natural. [2] Que não se entenda isto. e não a da norma ideal eterna que ela. e na verdade a idéia de direito natural só é possível caso a natureza mesma seja enfocada como um sistema jurídico – o que basta para http://www. Textos .Informações .E-mail http://www.org/apostilas/direito.olavodecarvalho.htm (11 de 11)16/4/2007 09:29:45 . Home .Links .Que é o direito? mostrar que a prioridade do sistema sobre cada direito isolado vale mesmo na hipótese do direito natural. http://www. teoria do conhecimento e gnosticismo.O.org/apostilas/abellio. no Rio (dias 9 e 10).A transfiguração fenomenológica Seminário de Filosofia: texto para as aulas de janeiro de 2002 A transfiguração fenomenológica Raymond Abellio Este texto será usado nas aulas de janeiro de 2002.htm (1 de 5)16/4/2007 09:30:28 . de C. ficando portanto proibida sua reprodução para quaisquer outros fins. Fiz esta tradução e coloco-a aqui somente para facilitar a distribuição deste material entre os alunos do Seminário.olavodecarvalho. como material de análise e ponto de partida para investigações sobre três assuntos interligados: a natureza da especulação fenomenológica. em São Paulo (dia 12) e em Curitiba (dias 25 e 26). Peço aos alunos que o imprimam e o tragam consigo nas aulas. -. filosofia e mística. longe de ser perdida. paradoxalmente. O estado de experiência atual de alguma coisa. em http://www. da casa que era o meu "motivo" original. Todas as dificuldades que encontramos na fenomenologia corrente e. embora seja o mais notável em todo o campo da experimentação fenomenológica. é. e de que os elementos que compõem minha percepção não incluem somente aqueles pertencentes à casa "enquanto tal". considerada enquanto um fluxo atualmente vivenciado.htm (2 de 5)16/4/2007 09:30:28 . não um objeto. não complicado de início. e é essa casa que vejo -. Este fato é insuficientemente apreciado. deslocada ou nublada pela interposição dessa "minha" segunda percepção entre eu e a "sua" percepção original. a transfiguração da coisa quando conscientemente experienciada. mais "atual" e carregada de mais realidade objetiva do que antes.A transfiguração fenomenológica Quando. Confrontamo-nos aqui com um fato do qual não se pode dar conta por pura análise especulativa: isto é. se minha atitude é "transcendental". perde sua espontaneidade pelo fato mesmo de que a nova contemplação tem por objeto algo que originariamente era um estado. E um traço essencialmente importante dessa "alteração" é que a concomitante visão que tive.olavodecarvalho.org/apostilas/abellio. tornando-se mais clara. Por outro lado. intensificada. nesse estado bireflexivo. sua transformação numa "supercoisa". sua passagem de ser algo "sobre o qual se conhece" para ser algo que "é conhecido". de fato. Mas esta percepção de uma percepção altera completamente minha abordagem primitiva. então é minha percepção mesma que é percebida. minha percepção é espontânea.não a minha percepção dela. "vejo" uma casa. na atitude natural que é a de todos os seres "normais" existentes. mas aqueles pertencentes à percepção mesma. tive a mais extraordinária http://www. nada pode tornar essa transfiguração patente exceto a direta e pessoal experiência do próprio fenomenologista. ao passo que só a tríade conhecimento-conhecimento-ciência pode fornecer o genuíno fundamento para a fenomenologia.A transfiguração fenomenológica todas as teorias clássicas do conhecimento. Certamente "meu olho" não fazia perguntas a respeito delas: como poderia fazê-lo? A função dele é ver -. não pode participar ativamente de nenhuma experiência fenomenológica. quase sem pensar: isso é um belo vermelho -. Um dia. Mas ninguém pode pretender ter compreendido a verdadeira fenomenologia transcendental a não ser que tenha tido essa experiência e sido "iluminado" em resultado dela. Vejamos um exemplo mais preciso: Até onde posso recordar.ou um verde brilhante. pode fazer senão falar sobre a fenomenologia.org/apostilas/abellio. Meu olho as via. anos atrás.não ver-se a si mesmo no ato de ver. Ninguém. sempre fui capaz de reconhecer as cores azul.olavodecarvalho.htm (3 de 5)16/4/2007 09:30:28 . nem o mais sutil dos dialéticos ou o mais astuto lógico. mas meramente um prolongamento desse órgão. e eu tinha um conhecimento latente delas. nascem do fato de que consideram a dualidade consciência-conhecimento suficiente e apta para absorver a totalidade da experiência. Decerto. olhando o Lago de Genebra. quando caminhava entre os vinhedos do Cantão de Vaud.ou um azul apagado -. Mas meu cérebro mesmo estava como que adormecido: ele não era em nenhum sentido o "olho do olho". vermelha e amarela. E portanto eu dizia simplesmente. que não tenha feito essa experiëncia e não tenha portanto visto coisas-por-trás-de-coisas. Então eu soube que nunca tinha olhado para eles. Mas. no entanto. e que até então eu nunca tinha realmente visto um quadro ou penetrado o mundo da pintura. A http://www. e à distância as geleiras cintilantes do Grand Comblin -. É verdade que. de fato. A pungente sensação de beleza que experimentamos é apenas o "eu" medindo a infinita distância que nos separa da beleza. mais "vivas". o mundo foi re-criado. Isso não tem nada a ver com a atenção.A transfiguração fenomenológica experiência. essa paisagem tinha me afetado profundamente. vos crio.org/apostilas/abellio. eu detinha a chave daquele mundo de transfiguração que não é um misterioso submundo. eu vivera ali por três meses. Mas eu soube também que por esse despertar da consciência. o azul do lago. mais delicadamente nuançadas. mas a projeção de um mundo "novo". desde o começo. ao fazer isso. Eu soube que acabava de adquirir um sentido das cores -. mas o verdadeiro mundo do qual estamos banidos pela nossa ignorância. Elas eram milhares de vezes mais vívidas. Sem dúvida o "eu" do filósofo é mais forte do que qualquer paisagem. repentinamente. naquele instante. e daí obtendo forças. E. naquele dia. Eu nunca tinha visto cores tais. a percepção de minha percepção. O declive do outro lado.tudo isso eu tinha visto uma centena de vezes." Este grito do coração é o grito do Demiurgo ao criar o "seu" mundo. Não é apenas a suspensão do "velho" mundo. eu soube que era eu que estava criando aquela paisagem e que sem mim ela não existiria: "Sou eu que vos vejo e que me vejo a ver-vos e. E. Mas tinha apenas produzido em mim um vago sentimento de exaltação.olavodecarvalho.htm (4 de 5)16/4/2007 09:30:28 .que eu estava vendo a cor pela primeira vez. o violeta das montanhas da Savóia. no entanto. encontrei pessoas que estavam muito "atentas" a seu trabalho. que a atentividade é vazia. Não se pode dizer.E-mail http://www. ela anseia pela plenitude.A transfiguração fenomenológica transfiguração é completa. Mas este anseio não é realização. 1954.Textos .Links . A atenção almeja atingir algum dia essa suficiência. A transfiguração conhecese a si mesma em sua suficiência positiva.Informações .olavodecarvalho. Cahiers du Cercle d’Etudes Metaphysiques. Home .org/apostilas/abellio. é claro. A atenção nunca é. Ao contrário. pareciam estar caminhando adormecidas.htm (5 de 5)16/4/2007 09:30:28 . Quando voltei ao vilarejo. para mim. designando o crescimento concomitante e convergente desses vários fatores causais. pode se produzir sem que um número indefinido de acidentes faça convergir para o preciso momento e o preciso lugar em que ele se manifesta as inumeráveis linhas de causas e condições que sustentam sua manifestação. todo fato concreto pode ter.31 Fato concreto e depuração abstrativa Olavo de Carvalho 20 de fevereiro de 2002 Nenhum acontecimento. por mínimo que seja.Fato concreto e depuração abstrativa Apostilas do Seminário de Filosofia . para seus atores e espectadores. Graças à superposição dos fatores acidentais. uma multiplicidade de sentidos.olavodecarvalho. O acontecimento assim considerado denomina-se fato concreto.org/apostilas/fatoconcreto.htm (1 de 6)16/4/2007 09:30:43 . que se organizam em várias articulações hierárquicas conforme o ponto http://www. Concreto vem de cum+crescior. porém. O que tem valor para o personagem envolvido não é necessariamente o que tem valor para o cientista.org/apostilas/fatoconcreto. Nenhuma ciência estuda fatos concretos. maculando a pureza de linhas do objeto abstrato e invalidando as conclusões obtidas de seu estudo. Os vários interesses cognitivos. O ponto de vista dá busca do conhecimento verdadeiro e apodíctico é somente um desses critérios. sugestões mais ou menos implícitas na narrativa se filtrarão subrepticiamente para dentro enfoque científico adotado. Sem essa depuração.Fato concreto e depuração abstrativa de vista. devendo esta ser completa no que diz respeito aos detalhes sucessivos e simultâneos. defini do por sua vez por um determinado interesse cognitivo. segundo critérios de valor.htm (2 de 6)16/4/2007 09:30:43 . acidentes e pontos de vista. Toda ciência pressupõe um ponto de vista e um recorte abstrativo preliminar. etc. O fato concreto só pode ser objeto de narrativa. mas obviamente ele é o único que tem abrangência e fundamento bastante para poder julgar os outros. Uma das tarefas essenciais da filosofia é preparar o fato concreto para exame científico. no sentido de operar nele um primeiro recorte que não é definido por nenhum interesse cognitivo http://www. Toda narrativa de fato concreto é “poética”. mas plurissensa o bastante para evocar a multiplicidade das causas. podem ser por sua vez articulados hierarquicamente.olavodecarvalho. discernindo nele os vários pontos de vista possíveis e julgando-os segundo sua maior ou menor validade em função dos diversos interesses cognitivos. que só um posterior exame abstrativo tratará de isolar e estudar um a um. problemas “de segundo grau”. quando as diversas crenças se tornaram fatos e a acumulação desses fatos toma a forma de um conflito geral. As crenças. a http://www.olavodecarvalho. isto é. são também fatos concretos. Seja em torno das crenças. um problema para a existência humana concreta. derivadas do exame do fato desde interesses cognitivos diversos e não articulados uns com os outros. Nenhum fato concreto seria estudado se não representasse também um problema. e nenhum problema chegaria a ser estudado cientificamente se não fosse também. o fato cessa de ser problema para a comunidade envolvida.Fato concreto e depuração abstrativa posterior mas segundo o próprio impacto imediato do acontecimento. considerado enquanto massa de informações e reações vivenciada como experiência humana real. por sua vez. pode acumular-se uma massa de opiniões ao menos aparentemente incompatíveis. podendo por isto mesmo tornar-se problemas. já não diretamente comprometidos com a existência concreta. isto é. pois nela predomina o desejo de fazer prevalecer algum ponto de vista definido por interesses individuais das partes em disputa.org/apostilas/fatoconcreto. problemas para o filósofo. A discussão de um problema segundo o interesse cognitivo da existência humana concreta e imediata dos personagens mais ou menos diretamente envolvidos é discussão retórica. consolidandose em torno dele uma crença coletiva considerada suficientemente adequada para o posicionamento prático de todas as pessoas em torno do assunto. seja dos fatos mesmos. Quando a acumulação dessa massa atinge o ponto crítico. Quando algum interesse desse tipo logo prevalece sobre os demais.htm (3 de 6)16/4/2007 09:30:43 . de algum modo. *** A filosofia -. termina em conclusões científicas com pretensões de validade demonstrativa. portanto. Assim.o interesse do indivíduo humano considerado enquanto capaz de conhecimento universalmente http://www. mas não o faz com propósito puramente dialético (impugnar racionalmente esta ou aquela opinião).unidade do conhecimento na unidade da consciência e viceversa -. mas com o propósito de fazer dela. um objeto possível de demonstração científica. seja na mente de um só investigador que as percorra todas.org/apostilas/fatoconcreto.olavodecarvalho. Esta grande ascensão a um ponto de vista superior.não poderia. definido por um interesse cognitivo superior -. este é precisamente o momento da entrada em cena do filósofo. para transcendê-los num ponto de vista abrangente capaz de dar conta de todos e arbitrá-los. evidentemente. meduante sucessivas depurações dialéticas das crenças envolvidas. O filósofo procede ao exame dialético da massa de opiniões.Fato concreto e depuração abstrativa necessidade de articular racionalmente os diversos pontos de vista (e respectivos interesses cognitivos). o estudo científico de qualquer fato passa necessariamente pelas etapas dos quatro discursos de Aristóteles.htm (4 de 6)16/4/2007 09:30:43 . mediante sucessivas depurações e estreitamentos dos pontos de vista considerados. seja ao longo de uma “tradição” de discussões que começa com as narrativas e. surgir como ambição e projeto antes da “descoberta do espírito” assinalada por Bruno Snell (dependente por sua vez da dissolução de um universo mitopoético na proliferação dos discursos retóricos). htm (5 de 6)16/4/2007 09:30:43 . do “governo dos poucos”. As várias http://www. um dado empírico bruto. reconhecido ou não. abrindo à humanidade européia novas possibilidades não só de concepção e cognição. ou pré-social.Fato concreto e depuração abstrativa válido -. sem erro. é incontestável que pouquíssimos a realizam (e seu número não parece crescer proporcionalmente. que pode ser descrito mas não “explicado” causalmente. não sendo possível determinar de antemão quais realizarão ou não essa possibilidade. Muitos sofrimentos e perplexidades registrados na História ocidental desde então derivam de um só problema: todos os indivíduos humanos são virtualmente capazes de autonomia cognitiva. aparentemente insolúvel. mas de organização social e política fundada no reconhecimento da (potencial) autonomia cognitiva do indivíduo maduro em face da opinião socialmente vigente. com a expansão do acesso aos meios de ensino). As castas não são mais que a distinção de tipos humanos conforme sua participação maior ou menor na realização dessa possibilidade. de outro lado. tanto quanto se esperava. Por isto ela é a base extra-social. Intermináveis discussões de princípios e conflitos de facto em torno do “governo dos sábios”. A não ser na remotíssima e utópica possibilidade de saber de antemão quais indivíduos se tornarão sábios (hipótese que nem mesmo o rigidíssimo sistema hindu de legitimação oficial das castas ousou subscrever integralmente).org/apostilas/fatoconcreto. foi evidentemente um “salto civilizacional”. de toda ciência social. a distribuição de facto das castas numa dada sociedade pode ser considerada.olavodecarvalho.. Por baixo de qualquer sistema político ou estrutura social de classes. há sempre um sistema de castas. do “governo dos muitos” ou do “governo do povo pelo povo para o povo” derivam dessa contradição originária. Links . Home .org/apostilas/fatoconcreto. fundada em fatores últimos que transcendem a explicação sociológica.Fato concreto e depuração abstrativa possibilidades de articulação entre o sistema de castas existente de facto e o sistema de classes e poderes legitimamente constituído são a base de toda tipologia das estruturas sociais que se pretenda cientificamente válida.Informações .htm (6 de 6)16/4/2007 09:30:43 .Textos .E-mail http://www. isto é.olavodecarvalho. já deveria constar desta página faz muito tempo. .org/apostilas/descartes2. Continuação de Descartes e a psicologia da dúvida . http://www.olavodecarvalho. É claro que ainda pretendo dar-lhe uma redação final.). com correções. a conclusões surpreendentes. R. levando. ela passa da análise lógica da estrutura da dúvida metódica à análise existencial da dúvida metódica como experiência vivida. de C.O.Parte II Apostilas do Seminário de Filosofia Consciência e estranhamento (Descartes e a psicologia da dúvida – Parte II) Olavo de Carvalho Esta aula de 1998. transcrita por Fernando Manso e revista por Luciane Amato (responsável também pelas notas assinaladas N. pois a considero essencial para a compreensão do meu modo de enfocar a filosofia moderna.Descartes e a psicologia da dúvida-. mas a transcrição não pode mais ficar fora do alcance dos meus alunos e dos demais visitantes desta homepage. creio eu. passo a passo. Simplemente esqueci de enviá-la ao webmaster. exatas. mas.htm (1 de 61)16/4/2007 09:30:58 . como todo mundo sabe. É ele que inaugura realmente um estilo de enfoque filosófico que se tornou dominante do século XVII até hoje. uma atitude de suspeita perante quaisquer afirmativas que tenham pretensão à verdade. que não é nem preciso declará-lo: praticamente a filosofia moderna está identificada com o exercício preliminar da dúvida metódica. de que nenhuma verdade será aceita sem que haja razões suficientes para aceitá-la. Na seqüência de pensamentos que resume sob o título Meditationes de Prima Philosophia. http://www. Dessa proposta nasce toda uma linhagem de pensadores cujo último e mais ilustre representante será Edmund Husserl. O primado da dúvida é tido assim como uma coisa tão óbvia. ou com aquilo que Mário Ferreira dos Santos chamava a suspicácia preliminar. consideram também o passo inicial de toda a filosofia moderna. a dúvida metódica. por rejeitar todas aquelas verdades costumeiras que lhe tinham ensinado desde a infância. Revisão do itinerário Examinei na parte anterior o passo inicial da filosofia de René Descartes.Descartes e a psicologia da dúvida-.olavodecarvalho. afirmou explicitamente que a dúvida metódica é o começo obrigatório de toda e qualquer filosofia.org/apostilas/descartes2. que muitos. o qual. nas quais ele não visse um fundamento suficiente.htm (2 de 61)16/4/2007 09:30:58 .Parte II 1. (1) Esse estilo é marcado pela idéia da dúvida preliminar. entre os quais Husserl. René Descartes começa. numa série de conferências feitas no Collège de France. que depois receberam o título de Meditações Cartesianas. sempre em busca de qual seria o ponto arquimédico. nos quais geralmente acreditamos. quer dizer. Não importando agora quais tenham sido as conclusões a que ele chegou. Em seguida. não trazem consigo a prova das informações que nos dão. Se não temos a prova de que o sonho é sonho também não temos a prova de que a vigília seja vigília.Descartes e a psicologia da dúvida-.olavodecarvalho. uma série de argumentos que. com todos os seus pensamentos habituais e as com as crenças do senso comum. é esse movimento de negação inicial que é considerado por http://www. enfim. que são da escola pirrônica.htm (3 de 61)16/4/2007 09:30:58 . dizendo que esta também falha. na verdade. e que consistem em alegar os enganos costumeiros dos sentidos -. parece quebrado.a famosa história do pau que. então. não são dele. existe o fato de que durante o sonho também temos sensações e nem sempre temos a prova de que o sonho é apenas sonho. e o que ele faz com a memória faz também com a imaginação e. não são fundamentos de si mesmos. Descartes faz a crítica da memória. ou o efeito da perspectiva que dá a ilusão de que as coisas mais distantes são menores do que as que estão perto. que os cinco sentidos. por exemplo. posto na água. São esses erros ou enganos comuns dos sentidos que nos mostram. e assim por diante. que os sentidos podem ser uma fonte de conhecimento. mas não uma fonte segura.Parte II Ele notava. Descartes vai derrubando tudo isso. para impugnar a confiabilidade dos sentidos. que são bem antigos. Ele usa.org/apostilas/descartes2. o ponto seguro que poderia servir de fundamento à construção de um sistema válido de filosofia. Ademais. então. portanto. Que é estar em dúvida.Descartes e a psicologia da dúvida-. Então.htm (4 de 61)16/4/2007 09:30:58 .que. não o bastante para descrevê-la em sua estrutura interna. no momento em que uma das alternativas é pensada.org/apostilas/descartes2. Se no momento em que pensamos uma das alternativas. a estrutura real do ato de duvidar? Vimos em primeiro lugar que a própria conclusão que René Descartes vai extrair desta parte do exame -. mas a exige. quando estamos em dúvida. quer dizer: não podemos ter propriamente a “certeza” de que estamos em dúvida. então não estamos em dúvida.Parte II Husserl o paradigma do movimento filosófico como tal. se a dúvida é uma alternância entre duas convicções contrárias. porque Descartes descreve apenas as conclusões a que foi chegando no exercício da dúvida metódica. http://www. é esta pergunta que me faço: qual é a estrutura ontológica. Se é para fazermos um exame radical do assunto. concretamente falando? A definição de dúvida todo o mundo conhece.olavodecarvalho. não temos nem uma certeza aparente dela. Então. O que fiz no § 1 foi examinar o ato da dúvida metódica. mas não faz em nenhum momento a descrição do próprio estado de dúvida. não podemos saltar essa etapa: temos de nos perguntar o que acontece. enquanto estamos duvidando. ela não apenas admite a dúvida a respeito de si mesma. o próprio ato da dúvida seria a primeira certeza filosófica inabalável --. porque já negamos as duas. porque. efetivamente. também não é inabalável. mas só o suficiente para reconhecê-la quando aparece no exercício real do pensamento. não podemos duvidar de que duvidamos. e ao instalar-nos na outra também não temos essa certeza. e que. Por que? Porque estar em dúvida é oscilar entre duas certezas. mas http://www. se a certeza fosse excluída do horizonte. No fim das contas. então.org/apostilas/descartes2. mas um ato intuitivo. no seguinte sentido: Quais são as condições reais necessárias para que o indivíduo esteja em dúvida. diz ele que isto não é uma conclusão lógica. neste § 2. a dúvida é a impossibilidade de permanecer num estado e por isto mesmo ela tem um caráter proliferante que se alastra sobre si mesma.Descartes e a psicologia da dúvida-. é um exame da estrutura lógica da dúvida. com o exame da estrutura existencial da dúvida. no sentido cartesiano da coisa? Quais são as crenças que estão pressupostas no próprio ato de duvidar? Este exame. porque. que em seguida é destruída pelo confronto com a hipótese contrária. a dúvida não é um estado. René Descartes diz que o famoso “penso.olavodecarvalho.htm (5 de 61)16/4/2007 09:30:58 .Parte II ela não é pensada como dúvida. Portanto. Quando ele afirma: "Eu não posso duvidar de que duvido no momento em que estou duvidando". não existira mais dúvida. examinei os outros componentes da dúvida. não à dúvida vulgar). logo existo” não é um raciocínio. que vou completar. Um deles é a própria continuidade do eu entre a pergunta e a resposta. existiria simplesmente a negação. mas como uma certeza temporária. O exame da estrutura lógica da dúvida mostrava quais são os pressupostos lógicos sem os quais a própria dúvida não é possível (refiro-me à dúvida cartesiana. não é possível alguém duvidar sem duvidar de que duvida. (2) Em seguida. Um tempo considerável foi necessário para que eu saltasse do primeiro exame ao segundo. é claro. porque estas questões são realmente complicadas. à dúvida radical. uma percepção instantânea. Não que esta já não esteja contida potencialmente no primeiro estado. Outro pressuposto da dúvida é a identidade do objeto a respeito do qual tenho a dúvida. a continuidade do eu. se tenho uma dúvida a respeito é porque vejo aí uma contradição. se refere ao mesmo eu que estava duvidando antes. de modo mais geral. mas o fato é que ela só se atualiza na consciência após o recuo reflexivo. Porém. pelo que está escrito na Bíblia. Portanto.olavodecarvalho. existe aí uma continuidade do eu no tempo que transcorre entre essas duas vivências: o estado de dúvida e a certeza intuitiva da dúvida. no mesmo ato.org/apostilas/descartes2. Por exemplo. Deus criou o mundo do nada. toda dúvida. a continuidade do eu é um pressuposto da dúvida: não é possível ter uma dúvida sem afirmar. tomemos uma dúvida teológica elementar: nada se cria do nada. ainda que seja instantânea. Todo o mundo sabe que nada se cria do nada. e eu permaneci o mesmo enquanto via a primeira e enquanto via a segunda.htm (6 de 61)16/4/2007 09:30:58 . o giro da atenção que se desvia do objeto inicial da dúvida para a dúvida mesma enquanto estado. pressupõe a continuidade do eu entre a primeira alternativa alternativa pensada e a segunda alternativa que a desmente. os teólogos têm de se arranjar com esse problema e discutiram isso durante séculos. mas. no entanto Deus criou o mundo do nada. porque se digo uma coisa a respeito do objeto http://www. e se vejo a contradição é porque vi duas hipóteses contrárias. Mas. na sua própria estrutura lógica.Parte II um ato intuitivo. Portanto. essa percepção.Descartes e a psicologia da dúvida-. Ora. Então. mas http://www. Em suma. Também está pressuposta na dúvida a continuidade da língua na qual ela se transmite. sei que não a estou inventando no momento em que estou formulando a dúvida. Só dois predicados contrários do mesmo sujeito podem contradizer-se. também não poderia produzi-las na hora.Parte II A e a coisa contrária a respeito do objeto B. não tenho como formar a dúvida. sim.org/apostilas/descartes2. Não poderíamos arquitetar esse raciocínio todo sem o auxílio da língua. é apenas um fingimento de dúvida radical.htm (7 de 61)16/4/2007 09:30:58 . a própria estrutura do raciocínio lógico também está pressuposta na dúvida. portanto essa dúvida não é radical coisíssima nenhuma. mas Antônio é magro. evidentemente.olavodecarvalho. Além disso. a crítica do conhecimento pode acontecer. existe uma montanha de certezas. e essa língua. Nunca podemos começar com a crítica do conhecimento. se eu não as tivesse recebido. Se a dúvida metódica não é uma dúvida radical. então entro em dúvida. sei que estou usando regras de gramática que existem de antemão e que. Se não existe princípio de identidade. na ordem dos fundamentos da filosofia. mas já um produto ou uma dedução de uma série de certezas anteriores. porém. teoricamente uma dúvida radical que coloca tudo em dúvida. isso não é contradição. conclui-se que também está errada a regra de Kant de que o problema crítico do conhecimento é o primeiro problema. se dizem que José é gordo e magro. Se me dizem que José é gordo. elas não se contradizem necessariamente e o confronto das duas afirmações não tem por que suscitar dúvida. por baixo do ato da dúvida.Descartes e a psicologia da dúvida-. ou três. mas o estado de dúvida radical? Como é possível duvidar de tudo? De onde vem a possibilidade real da dúvida geral cartesiana? Vamos partir de uma observação banal: mesmo que não possamos duvidar de tudo num sentido cartesiano. ou. Passagem a um novo enfoque Partindo disso e aprofundando gradualmente a questão.htm (8 de 61)16/4/2007 09:30:58 . Então. na prática. ou dois. Como é que vem a existir esse estado de dúvida e como é possível que um homem. estar em dúvida radical. já não quais são as pré-condições lógicas do exercício da dúvida ou da crítica. mas uma série de certezas nas quais se apóia o próprio exercício da crítica. vamos nos perguntar.org/apostilas/descartes2. dito de outro modo. se ela nunca esteve fora do mundo? Não temos realmente a http://www.Parte II ela não pode ser o primeiro capítulo jamais. existenciais.Descartes e a psicologia da dúvida-. ou quatro tenham não apenas o estado de dúvida. e também que a dúvida metódica existe: estão aí três séculos de exercício dela para provar isso. mas quais são as pré-condições reais. o estado de dúvida é um fato. Temos de reconhecer que ele existe. porque para poder fazêla é preciso dar por subentendida não apenas a existência do conhecimento que será objeto de crítica (coisa que o próprio Kant reconhece). agora. a nossa pergunta é: Como pôde vir a existir? Como essa criatura chamada homem pôde colocar "todo" o mundo entre parênteses. como é possível.olavodecarvalho. Ainda que seja incompleto no seu conteúdo e ainda que não se realize plenamente. 2. podemos duvidar de muita coisa. de onde obtivemos a possibilidade de concebê-la e de tentar colocar-nos neste estado.htm (9 de 61)16/4/2007 09:30:58 .olavodecarvalho. mas sabendo que enquanto isso vai continuar vivendo.Parte II experiência de ficar “fora” dos nossos sentidos. é claro que nenhum outro animal. mesmo durante esse período de radical isolamento.Descartes e a psicologia da dúvida-. ao mesmo tempo. Você pode ver que.org/apostilas/descartes2. tomando decisões. Muito mais interessante do que o velho problema de como podemos ter a certeza do mundo exterior é o problema de como podemos chegar a duvidar dele. Descartes. das nossas memórias e imaginações. experimenta esse estado. enquanto isso. conversando com as pessoas.simplesmente não temos essa experiência. o senso comum e a certeza moral? Pois o mais estranho no solipsismo experimental de René Descartes é precisamente que o filósofo consiga entrar nele a despeito de saber que. mas você nunca verá um animal paralisar totalmente as suas decisões até resolver uma dúvida cartesiana. às vezes. necessitará de uma "moral provisória" para se arranjar de um modo ou de outro naquele mesmo mundo exterior que. mesmo que não consigamos? Neste sentido. além do homem. um animal pode ficar num estado de perplexidade entre duas alternativas. Se não temos essa experiência. se nunca tivemos a experiência de estar fora dele por um instante sequer. pagando http://www. o hábito. querendo colocar em dúvida todos os seus conhecimentos. De onde vem essa capacidade humana de negar. muito menos dos nossos próprios pensamentos -. a experiência. ele está negando. Parte II suas dívidas etc. no fundo. como é que conseguimos conceber a hipótese de estar fora dele? Esta. se sabemos disto. o simples fato de concebermos uma moral provisória nos informa que sabemos que estamos no mundo.org/apostilas/descartes2. O primeiro passo da investigação filosófica é colocar-nos num estado no qual possamos perceber a estranheza de alguma coisa. mesmo durante o período em que estamos duvidando de que estamos nele. a estranheza aparece. Normalmente não percebemos essa estranheza porque não prestamos atenção. é a pergunta: como? Porque o fato é que o conseguimos. para estranhar. pergunta-se: Como vou orientar-me no mundo enquanto estou em dúvida com relação a tudo? Então. pois está nos contando que conseguiu. durante o período em que estiver realizando esse experimento interior. E é verdade que eu também consigo. ele concebe os princípios do que ele chama uma "moral provisória".. Ora. mas. Quando estamos lendo René Descartes.olavodecarvalho.htm (10 de 61)16/4/2007 09:30:58 . Mas. ainda que imperfeitamente. O conhecimento começa com o estranhamento. Mas como isso é possível? Quase tudo o que os filósofos descobriram ao longo dos milênios foi estranhando coisas que o hábito nos faz esquecer que são estranhas. passamos direto por esta parte e não nos lembramos de nos perguntar: Mas como ele conseguiu fazer isto? O fato é que ele conseguiu. temos de nos colocar mentalmente "fora" daquilo e olhá-lo como se fôssemos um turista http://www. Então.Descartes e a psicologia da dúvida-. que é a moral que ele vai seguir sem questioná-la e sem afirmar que é verdadeira ou é falsa. quando prestamos atenção. portanto. vamo-nos colocar de novo naquela posição de estranheza e nos perguntar: Como é possível a dúvida cartesiana? Ora.Descartes e a psicologia da dúvida-. mas em filosofia ela não é legítima.htm (11 de 61)16/4/2007 09:30:58 . nos acostumamos com ela. ele coloca entre parênteses não o pensar. ele não assume o que sabe. após três séculos de dúvida metódica. Então perguntemos: Como foi possível Descartes pensar isso? Como é possível cavar tamanho abismo entre o que se sabe e o que se pensa? Notem bem que. o risco que corremos é o de que ela acabe parecendo mais esquisita ainda. se não. tentando explicá-la. ao contrário. ele assume apenas que está pensando. temos de buscar esse estranhamento porque. ele acredita. como é que podemos fazer isso? Notem bem que um bicho não pode fazer isso: tudo em que um bicho pensa. Descartes sabe que está realmente pensando. mas o saber. Normalmente. Esta é a atitude prática mais viável.Parte II de outro planeta. mas aquilo que ele sabe é duvidoso. Ora. a segunda é tentando explicá-la. existem duas maneiras de nos livrarmos de uma esquisitice: a primeira é habituando-nos com ela acabando por esquecê-la. Nós já esquecemos que é esquisito. primeiro nos assustamos e depois tratamos de nos habituar com elas e não fazer mais perguntas. Um http://www. ou pelo menos de outro país. durante todo o exercício da dúvida metódica. ele não pode pensar uma coisa no mesmo instante em que ele não acredita nela. Assim. Só que. as perguntas filosóficas desaparecem. mas lembrem-se de que os primeiros que leram as Meditationes devem ter achado tudo muito esquisito.org/apostilas/descartes2. então. Ele está pensando.olavodecarvalho. perante as coisas esquisitas. decerto. A condição de possibilidade da dúvida cartesiana: o dinamismo antivital. Essa capacidade de negar mentalmente sem negar existencialmente é uma das propriedades mais estranhas do bichohomem.Parte II computador também não pode fazer isso. Muitos constataram que acreditamos. do que a nossa certeza do mundo exterior. os anjos não podem e Deus também não pode. a cuja explicação e fundamentação se dedicaram.htm (12 de 61)16/4/2007 09:30:58 . que estamos no mundo. Os animais não podem. Talvez pudéssemos até dizer que o homem é o animal que pode tentar fazer a dúvida cartesiana.Descartes e a psicologia da dúvida-. toda a informação que o computador nos passa é porque ele "acredita" nela. Então. Então.olavodecarvalho. é por isso que a dúvida metódica é importante. creio que pela primeira vez: qual é o fundamento real da possibilidade da dúvida? 3. porque ela é um estado que é caracteristicamente humano. O fato de acreditarmos que o mundo existe já suscitou a atitude de estranhamento da parte de muitos filósofos. ou seja.org/apostilas/descartes2. muito mais horas e livros. no entanto. mas que não deixa de ser esquisito por isto. Já demonstrei que a dúvida cartesiana não pode se levantar senão http://www. e se perguntaram: Como é possível? O que eles não se perguntaram foi o contrário: Como é possível duvidar? Esta investigação é feita aqui. a dúvida cartesiana é um estado muito peculiar e podemos dizer que este estado é exclusivamente humano. Ela é mais enigmática. que esse mundo é real etc.. de fato. no ser humano. como por longo tempo se pretendeu. não é senão negação hipotética de algo que no mesmo instante se afirma categoricamente. sabemos que estamos vivos. que http://www.htm (13 de 61)16/4/2007 09:30:58 . Pouco importa que ela traga em si sua própria negação. da qual essa faculdade não é senão manifestação e função. que estamos no mundo. e pode acontecer a qualquer um de nós vivenciá-la ao menos por alguns instantes. se não pode haver certeza do estado de dúvida precisamente porque este não é senão oscilação entre duas certezas que se contradizem e é portanto negação de si mesma.Parte II sobre todo um edifício de certezas. afirmei. que estamos nos relacionando com pessoas. Não obstante. que ela não é. que comemos. mas uma simples etapa dialética no movimento de uma máquina de certezas.Descartes e a psicologia da dúvida-. Por um lado. podemos duvidar de tudo? Essa possibilidade supõe. Aconteceu a Descartes. tudo isso não impede que esse estado. efetivamente exista de algum modo como experiência.mas como. um começo. Se Descartes se enganou ao descrever seu estado como "certeza da dúvida". essa dúvida é um fato. portanto.org/apostilas/descartes2. A dúvida metódica. raios me partam. Podemos duvidar de tudo -.olavodecarvalho. É a possibilidade lógica e existencial dessa experiência que constitui um problema. ainda que tenhamos de lhe dar uma definição diversa daquela que recebeu de Descartes. uma capacidade de cortar ao menos por instantes os laços entre a faculdade pensante e a existência pessoal concreta. vivente. É isso o que eu chamo dinamismo. e ele se manifesta em muitos atos. sendo um exercício da faculdade vital. sendo uma espécie de manifestação da vida. existe um impulso. é claro – pela ação de um dinamismo contrário de poder equivalente. Isso quer dizer que o impulso vital pode ser detido http://www. podemos dizer que o pensamento é o exercício de uma faculdade vital. Como é que. que temos de admitir que ela não se realizaria sem que esse dinamismo pudesse ser "suspenso" -.Descartes e a psicologia da dúvida-. que ele supõe. não permanente (porque senão ficaríamos definitivamente paralisados) mas temporário. o ato de colocar tudo em dúvida contraria de tal modo este impulso vital. portanto. que trabalhamos etc. e então.org/apostilas/descartes2. existe uma força.na esfera mental. Se não estivéssemos vivos. rememoramos etc. negar a vida ainda que hipoteticamente? Não é estranho? Tão antinatural é essa operação. outros internos. certamente. Todos sabemos disso. pensamos. uma expressão do nosso impulso de viver. ou seja. Tudo o que fazemos. temos um impulso de viver.. é.olavodecarvalho. ao mesmo tempo. de tal modo ela se opõe a todo o potente dinamismo psicofísico que deseja viver e que ademais tem de estar vivo para realizá-la. que nos impele a fazer essas coisas. que não conseguiríamos realizá-lo a não ser que nos apoiássemos num impulso igual e contrário.htm (14 de 61)16/4/2007 09:30:58 . a vida. Ora. embora certamente de operação descontínua e não contínua como a dele.Parte II dormimos. quer dizer. ele pode. não pensaríamos. e é exatamente porque fazemos tudo isso que podemos pensar. alguns externos. mais detalhada e mais fácil de ser examinada. Essa mutação das perguntas é um dos elementos fundamentais do método e da técnica filosóficas: a conversão da pergunta numa outra pergunta mais explícita. sonhar. do nosso ser vivente. De onde tiramos. e essa motivação tem de ser muito forte.olavodecarvalho. é por uma força capaz de detê-lo. quer dizer que o pensamento dele nesse momento tem uma motivação que não é a mesma que o faz pensar.e em seguida a convertemos nesta outra pergunta que pertence mais à ordem psicológica. mas.pergunta que pode ser colocada em nível antropológico. a força para realizar a torção da nossa consciência da atitude de crença natural para a de http://www. Se ele pode ser detido. É uma "outra" motivação diferente e que se opõe a tudo isso. -. teremos pelo menos uma pista sobre por que outros indivíduos podem ter feito coisa semelhante.org/apostilas/descartes2.htm (15 de 61)16/4/2007 09:30:58 . se chegarmos a entender por que um indivíduo chegou a querer duvidar a esse ponto.. Para responder a esta pergunta não temos de examinar senão a mente de um só indivíduo. viver etc. Não que ele vá responder em nome de todos.Parte II por instantes. se converte numa outra pergunta.Descartes e a psicologia da dúvida-. Com isso a nossa pergunta inicial: Como é possível o ato da dúvida?. Que força é essa? Se alguém chamado René Descartes consegue colocar todo o saber e todas as funções vitais entre parênteses. A segunda forma que a nossa pergunta assume é a seguinte: Por que um sujeito chega a querer duvidar de tudo? Tínhamos uma pergunta mais genérica: Como é possível o ato da dúvida? -. em nível histórico etc. sentir. a atitude fenomenológica não afirma nem nega. Comparar a dúvida cartesiana com a suspensão. mas é radicalmente oposta à atitude natural. A atitude natural é crer no que se pensa. Também neste caso não é uma observação pessoal.a epokhé.Parte II negação cartesiana ou a suspensão husserliana? Notem bem que Husserl vai tornar a dúvida cartesiana um processo muito mais preciso. com a qual ele coloca tudo entre parênteses -. http://www. Crer ou descrer: ou afirmamos.é mais ou menos como comparar um relógio de areia com um relógio suíço a quartzo: a máquina se tornou muito mais precisa. Não se tratando sequer de “introspecção”. mas em ambos os casos cremos: cremos na afirmação ou na negação. não se trata de uma observação psicológica. crer no que se sente. mas a função continua exatamente a mesma. É claro que esta mesma atitude pode ser adotada para se estudar o próprio processo cognitivo.Descartes e a psicologia da dúvida-. o próprio conteúdo intencional do ato cognitivo é observado por nós. ela simplesmente descreve o que está se passando diante da nossa consciência. o que observamos aí é simplesmente o fenômeno enquanto dado presente à consciência. considerado enquanto fenômeno presente à consciência. real ou irreal. muito mais detalhado. Essa análise realizada aqui valeria tanto para Husserl quanto para Descartes. como a chama Husserl -. sem que o afirmemos ou neguemos. ou negamos.olavodecarvalho. Ora. porque o que observamos no processo cognitivo pela técnica fenomenológica não são os atos reais de pensamento. ou seja. sem afirmar que ele seja verdadeiro ou falso.htm (16 de 61)16/4/2007 09:30:58 .org/apostilas/descartes2. crer no que se imagina. Husserl chegava a dizer que o que ele chama de atitude fenomenológica é não só diferente. Começamos a pensar num outro estrato. 4.htm (17 de 61)16/4/2007 09:30:58 .Parte II mas transcendental.org/apostilas/descartes2. para explicá-las. Uma falsa explicação: o desejo de conhecimento Diante dessas aventuras do espírito.Descartes e a psicologia da dúvida-. Por quê? Porque o treinamento necessário para o discípulo colocarse na atitude fenomenológica é um autodomínio do espírito. e aí estamos instalados em pleno eu transcendental. tão antinatural e. Um dos discípulos de Husserl. Neste exercício de autodomínio no qual nos desidentificamos das sensações naturais. que é o nível de validade universal. uma escola iniciática. empreendidas por criaturas ousadas como René Descartes e Edmund Husserl. o problema é o mesmo: De onde nos vem a força para fazer isso? Esta força certamente não pode ser o simples impulso vital. seja difícil ou seja fácil. Ao colocarmos a pergunta: Como é possível que um sujeito queira colocar-se numa atitude tão difícil. recorremos. e adquirimos a posição de observador fenomenológico. num outro nível. Mas. ao desejo de conhecimento. seja toscamente como fez René Descartes ou mais elaboradamente como Husserl. com toda a razão. num outro andar. no final das contas. pois este nos impeliria a fazer exatamente o contrário do que faz o fenomenólogo. nos colocamos “acima” de nós mesmos. da memória etc. de certo modo. Abellio comparava isso a um processo iniciático..olavodecarvalho. Essa atitude é de fato muito esquisita e Husserl dizia que ela é tão antinatural que tem de ser treinada: o fenomenólogo precisa passar por um treinamento especial da consciência. dizia que a fenomenologia era uma escola ascética. tão dolorosa? Por que http://www. Raymundo Abéllio. mesmo quando eles não estão atendendo a interesses imediatos do nosso organismo. seria esta: René Descartes ou Edmund Husserl conseguem colocar-se no estado de dúvida radical por desejo de conhecimento. nada mais natural do que realizá-lo. por exemplo.htm (18 de 61)16/4/2007 09:30:58 . por natureza. não há pois nisso. É esta a primeira resposta que nos ocorre. aparentemente. que o desejo de conhecimento não é uma função do simples impulso vital genérico. desejam conhecer": é a primeira frase da Metafísica de Aristóteles. damos a questão http://www. mesmo quando eles não têm finalidade utilitária. então. se esse desejo de conhecer está na natureza humana. mesmo porque. mesmo que isso custe sacrifícios ou perda para o nosso organismo vital. Então.Parte II ele faz isso?. o puro desejo de viver. O que nos faz ter desejo de conhecimento não é.Descartes e a psicologia da dúvida-. nada de estranho. E damo-nos por satisfeitos. para obter conhecimento podemos sacrificar muito do nosso ser psicofísico. da nossa vida. então.org/apostilas/descartes2. é um desejo específico do ser humano. "Todos os homens.olavodecarvalho. dizemos que isto é um impulso de conhecimento. um asceta budista privando-se de comida e de sono para obter conhecimento. Se Husserl e Descartes agem segundo essa natureza. A primeira hipótese. como se tivéssemos encontrado um princípio explicativo terminal e autoevidente. Quando vemos. de fato. podemos apelar à resposta que está mais à mão: Ele faz isso por “desejo de conhecimento”. Assim. Diremos. mas não um impulso vital: é um impulso diferente do impulso vital. E ele dá como prova disto o prazer que temos no exercício dos sentidos. outro o estranhamento cartesiano. Por que isto acontece?. que dizia que o conhecer começa com o estranhamento. à dúvida geral e radical sobre todos os conhecimentos. o fato é que. se o desejo de conhecer é natural no homem tanto quanto o desejo de viver. por si.olavodecarvalho.Descartes e a psicologia da dúvida-. ao ponto de se atirar em ousados experimentos interiores para investigá-lo. Ao contrário. só que não resolvemos nada. Mas no caso de René Descartes existe algo mais que o desejo de conhecer. podem entrar em choque uns com os outros. por exemplo. atirar o homem a uma experiência antinatural. mas nunca estranhou. evidentemente. que a alma pudesse conhecer o mundo. o desejo de comer etc. por si. Notem bem que. investigou o mundo e a alma. entre continuar fazendo os exercícios ascéticos ou parar para comer. sendo eles desejos diferentes. O que é tal coisa? Quando estranhamos algo e isto suscita uma pergunta. e teremos de escolher. Podemos ter essa dúvida. poderia nos levar à dúvida metódica.Parte II por resolvida. o impulso aristotélico do conhecimento nos leva naturalmente a restringir a pergunta http://www. Isto se torna óbvio quando formulamos a questão da seguinte maneira: O simples desejo de conhecer pode nos levar a negar todos os nossos conhecimentos? O próprio Aristóteles não foi tão longe. qual é o ato seguinte? Buscar a resposta.htm (19 de 61)16/4/2007 09:30:58 . Mas nada disso. uma coisa é o estranhamento aristotélico. Ele. pelo seguinte motivo: o simples desejo natural não pode.org/apostilas/descartes2.. Portanto. Aquele nos leva a fazer as perguntas: Como é possível?. e não teria cabimento que a natureza despertasse no homem um desejo impossível e antinatural.Parte II àquele aspecto que estamos investigando no momento. Então. Se o desejo de conhecer é natural. A idéia de afastar-se de tudo para conhecer a explicação de tudo jamais ocorreria a um homem por simples impulso natural. fazer uma pergunta sobre a estrutura do Estado. Então. é antinatural. quando em nós o desejo de conhecimento se opõe ao desejo de viver. Mais ainda.olavodecarvalho. por exemplo. É natural que o homem http://www. se estamos investigando.org/apostilas/descartes2. os dois desejos são naturais. Entendemos então que mesmo o desejo do conhecimento. existe em toda a busca do conhecimento um princípio de rendimento que faz com que encaminhemos a pergunta da melhor maneira possível. não vamos. senão ficamos paralisados. Podemos tratar de uma e de outra. por mais profundo. Nada disto nos impeliria à dúvida total. ele expressa a própria natureza do homem. A curiosidade natural busca a explicação de uma coisa dentro dessa coisa ou em alguma outra coisa em torno. colocar “tudo” em dúvida para encontrar o princípio fundador de tudo subentende uma crença de que o princípio possa ser encontrado fora desse “tudo” – uma idéia que jamais ocorreu a Aristóteles e que. Portanto. realmente. não explicaria a vontade de dúvida total.htm (20 de 61)16/4/2007 09:30:58 .Descartes e a psicologia da dúvida-. ao mesmo tempo. Não vamos fazer todas as perguntas ao mesmo tempo. mais dominante e mais radical que fosse. a fisiologia do coelho. mas não misturá-las. É natural saber geralmente a verdade ou é natural geralmente errar? Se a filosofia moderna começa precisamente com a investigação daquilo que Aristóteles supusera desnecessário investigar. Aristóteles admitiu que algum conhecimento nós sempre temos. é porque ele está pensando exatamente o contrário: que geralmente erramos e de vez em quando acertamos. Ora. mas ainda aí estamos muito longe do impulso que pode nos levar a negar todos os conhecimentos que temos. entendemos que para todos os filósofos modernos o errar começou a parecer mais natural do que http://www. então é patente que aquilo que pareceu natural a Aristóteles já não parece natural aos primeiros filósofos modernos. Portanto. Aristóteles faz muitas investigações e se coloca em posição de estranhamento perante muitas coisas. Ele diz que geralmente sabemos a verdade. o filósofo do estranhamento. ele diz que é mais natural o homem pensar a verdade do que pensar a falsidade. não vira nada de estranho. E como René Descartes inaugura todo o ciclo filosófico moderno. embora errando de vez em quando. então. mas não perante tudo ao mesmo tempo. indo mais fundo ainda.org/apostilas/descartes2. que algum conhecimento é válido e. Trata-se de um conflito que se dá dentro da natureza. 5. se René Descartes chega a colocar tudo em dúvida.Parte II queira comer e é natural que ele deixe de comer para fazer exercícios ascéticos e adquirir conhecimento.htm (21 de 61)16/4/2007 09:30:58 . Eles começam por estranhar aquilo em que Aristóteles.olavodecarvalho.Descartes e a psicologia da dúvida-. olavodecarvalho. e creio também que ao longo dos tempos nenhum outro ser humano estranhou mais a dúvida metódica do que eu. ele nos chamaria de loucos. O que provocou toda essa mudança? É preciso que se compreenda o abismo de diferença que existe aqui. e é dela que vamos partir para saber mais: transitamos do conhecido ao desconhecido. E Aristóteles ainda diria que se suprimíssemos tudo o que conhecemos. A primeira vez que li René Descartes já me surgiu a pergunta: Como isto é possível?. é quase uma anormalidade ou mesmo uma impossibilidade.Descartes e a psicologia da dúvida-. No entanto. Se propuséssemos a Aristóteles o método da dúvida metódica. para que o desconhecido se torne conhecido. Isso significa que. que foi Husserl. ao mesmo tempo. é quase uma exceção. Isto é uma grande mudança. Nunca vi isto colocado assim em parte alguma.htm (22 de 61)16/4/2007 09:30:58 .Parte II o acertar. todo conhecimento se baseia em algum outro conhecimento. porque. eu via que pensava mais ou menos a mesma coisa que Descartes. ele nos parece tão aceitável e tão óbvio. porque. para ele. longe de ser natural como para Aristóteles.org/apostilas/descartes2. o conhecimento. diz que ele é o começo paradigmático e obrigatório de toda filosofia. para a filosofia moderna. Sempre soubemos alguma coisa. porque estou com esse problema na cabeça há trinta anos. eu tinha a sensação de estar andando sem http://www. à medida que eu ia lendo. O método da dúvida metódica pareceria a Aristóteles radicalmente esquisito e inaceitável. Mas só que. a inteligência estaria paralisada. que alguns dos maiores filósofos e talvez o maior do século XX. Então. o que é que René Descartes está querendo? Está querendo um conhecimento. por exemplo. Há aqui um enigma e é por isso que pergunto: como é que o sujeito que conhece pode estranhar-se enquanto cognoscente? Não enquanto esquisito. não é? Não há limites para as esquisitices que podem passar pela nossa cabeça. vamos fazer a conversão da pergunta. Porém. ele está se estranhando enquanto sujeito do próprio ato de conhecer.Parte II os pés. isto nós podemos fazer.Descartes e a psicologia da dúvida-. Não podendo responder a essa pergunta diretamente. Você acorda. e me perguntava: Como é que eu estou conseguindo fazer isto? Ora. ele está se estranhando.olavodecarvalho. aqui no caso. Vamos apelar ao método filosófico da conversão da pergunta. estranhar a nossa própria mente e estranhar o nosso próprio "eu" sob várias circunstâncias. como é possível. não enquanto sujeito de atos esquisitos ou de pensamentos esquisitos.org/apostilas/descartes2.htm (23 de 61)16/4/2007 09:30:58 . É uma idéia esquisita. à mente que conhece. que é precisamente o ato que ele está realizando naquele mesmo momento. exatamente como fazemos http://www. estranhar-se enquanto conhece? Sempre podemos estranhar a nossa mente. mas enquanto alguém que está realizando o próprio ato que lhe parece esquisito e que só se percebe como esquisito por meio desse mesmo ato. Todos já tivemos a experiência de nos passarem pela mente umas idéias esquisitas. com o seu filhinho chorando às três horas da madrugada e você tem vontade de jogá-lo pela janela. não enquanto autor de atos estranhos realizados num momento passado ou de pensamentos estranhos pensados numa outra ocasião. Ora. podemos estranhar-nos de nós mesmos. aquilo que ela própria nos apresenta como sua identidade. Temos de tornar presente mentalmente (3) a própria coisa da qual estamos falando e temos de ver aquilo que. ela nos impõe como sua natureza. ao estranhamento do estranhamento. Nós as usamos como instrumentos de nossa auto-expressão.org/apostilas/descartes2. mas o exercício do caminho que ele está trilhando. elas são instrumentos para manifestarmos o que queremos. E. de certo modo. primeiro. quando. isto é até mais importante do que o assunto. Consequentemente.Parte II em álgebra. o professor nos dá uma equação enorme e vamos transformando-a em outras mais simples ou vamos tratando dela por partes. a idéia de perguntar: Que é?. o seu modus operandi. nunca nos contentarmos com uma definição nominal. não é importante só o conteúdo do que o professor está transmitindo. então. por exemplo. Fenomenologia do estranhamento (1) Precauções de método Num curso de filosofia que pretenda ser efetivamente um curso de filosofia e não somente um curso sobre filosofia. A definição nominal declara apenas o que queremos dizer com determinada palavra.htm (24 de 61)16/4/2007 09:30:58 . Chegamos aqui.Descartes e a psicologia da dúvida-. as palavras estão à nossa disposição. ao perguntar: Que é?. segundo. temos de nos perguntar agora: o que é propriamente “estranhar”? 6. seu quid. e não é isto o que estamos procurando. mas as coisas não são bem http://www. seu modo próprio de ser e de mostrar-se. Quid est? Esta é a pergunta filosófica fundamental. E como itens básicos desse modus operandi que estou adotando aqui temos.olavodecarvalho. No fundo. Ora. alguém que conheço aparece de repente pintado de verde. e é justamente nesta resistência que elas nos mostram que são alguma coisa em si mesmas e por si mesmas. Para saber o que é estranhar. Por exemplo. não estranho que eu estranhe. exige uma espécie de estranhamento de segundo grau. por isto mesmo. mas isso não me dirá o que acontece realmente quando se estranha alguma coisa. justamente por isso. tudo enfim o que é “real”. porque sabe que ela é preciosa.org/apostilas/descartes2. Então. nessa hora. é justamente esta resistência das coisas que o filósofo procura. posso definir a palavra “estranhar” como quiser.htm (25 de 61)16/4/2007 09:30:58 . mas.Parte II assim. é porque ela me parece estranha e.olavodecarvalho. em geral. naturalmente eu o estranho. não significa apenas os entes materiais. inclusive na nossa experiência interior considerada como realidade factual. “O que se passa na minha mente na hora em que eu estranho?”. Quando http://www. As coisas nos resistem mais que as palavras. Mas “coisas”. eu não vou perguntar-me: “O que é estranhar?”. aí. Se estranho realmente alguma coisa. e sim também os fatos e situações. com as quais eu não me preocupei no momento mesmo em que estranhava. terei de traduzir num conteúdo verbal as experiências internas do ato de estranhamento. Estranhar o estranhamento não coincide no tempo. perguntar “Que é o estranhamento?” exige algo mais do que o estranhamento natural. independentemente do que projetemos sobre elas do nosso próprio estado interior. não vejo nada de estranho em estranhá-la. o que é realmente estranhar. ela é o aspecto das coisas que transcende a nossa subjetividade. Assim. Quando pergunto: o que é estranhar?. como fato psíquico. um estranhamento do estranhamento.Descartes e a psicologia da dúvida-. com o ato de estranhar. (4) Então. existe uma diferença e existe uma afinidade. devemos. com efeito. A diferença é que não estamos revivendo existencialmente aquele estado e a afinidade é que esse estado tem de estar presente. nos possui e nos envolve. por exemplo.. seja um estado interior etc.olavodecarvalho. mas a minha tristeza está presente.org/apostilas/descartes2. tornar presente isto que perguntamos. Então. existe um outro estado que também está presente. mas de uma forma diferente daquela pela qual ele se apresenta na vivência direta. mas também não estou triste. Para eu investigar o que é tristeza não preciso ficar triste. http://www. só podemos perguntar o que é o medo num momento em que não estamos com medo. A diferença. de certo modo. Poderia perguntar-me. aí não estou triste. o medo se dissolveria como vivência direta para reaparecer como objeto de reflexão. mas preciso que a tristeza me esteja presente de algum modo. ao passo que na reflexão ele está “diante” de nós e só muito parcialmente nos deixamos envolver por ele e identificar com ele. eu preciso ter a recordação eficaz e suficientemente completa da tristeza para que eu possa dizer o que ela é. Entre estarmos vivendo uma certa experiência e estarmos filosofando sobre ela.htm (26 de 61)16/4/2007 09:30:58 . tão presente quanto se estivéssemos vivenciando-o. Isso significa que já não vou estar muito alegre.Descartes e a psicologia da dúvida-.Parte II perguntamos: “Que é?”. Mas esse tornar presente não é um reviver no sentido direto. Quid est?. Na vivência direta o estado. porque se na hora do medo conseguíssemos nos distanciar intelectualmente do medo ao ponto de estranhá-lo e perguntar “Que é o medo?”. além de esse estado estar presente. o que é o medo. que aliás é simples. evidentemente. Ora. seja um objeto físico. vem de que. então não permitimos que este objeto esteja novamente presente: o que está presente é o nosso impulso de falar. “Por que o sujeito quis ficar em dúvida?”. o qual não estava presente no momento em que vivíamos esta situação em sentido existencial. e este impulso encobre o objeto do qual queríamos falar. em “O que motivou o ato da dúvida?” ou.Descartes e a psicologia da dúvida-. de comunicar-nos. é preciso chamar o objeto de volta e de volta.org/apostilas/descartes2. porque está presente também uma curiosidade que o neutraliza ou pelo menos o abranda.Parte II que é o estado de pergunta. o medo tem de estar tão presente quanto na hora em que eu o sinto. mas apenas você mesmo. Mas. Quando você não está muito empenhado em saber. não http://www. e não o nosso impulso de expressão-comunicação. Essa operação toda supõe paciência. Em seguida a convertemos numa questão mais precisa ainda: “Como é possível estranharmos. e então diz algo que não expressa o objeto. não leva essa operação até o fim. de certo modo. É esta coexistência entre a curiosidade e um determinado estado interior que me permite perguntar sobre ele. só que agora ele está. desviando o foco da nossa atenção para a comunicação-expressão. até termos a certeza de que ele. Para superálo. neutralizado.htm (27 de 61)16/4/2007 09:30:58 . quantas vezes for necessário. se pergunto: “Que é o medo?”. Bem. se nos contentamos com a definição de uma palavra ou com a primeira resposta que apareça.olavodecarvalho. honestidade e muita curiosidade. Então. convertemos nossa questão de “Como é possível o ato da dúvida?”. É um mecanismo dispersante. se tornou o foco da nossa atenção. movidos por um impulso espontâneo de auto-expressão e comunicação. .quando o damos por tão justificado. que por essa razão arriscamos nosso bem-estar e nossa vida.isto é a dúvida cartesiana. Então.htm (28 de 61)16/4/2007 09:30:58 . recusar-se a assumir que conhece? A questão agora ficou mais precisa ainda: conheço. Estranhar é o contrário de assumir. uma idéia.Parte II um estado qualquer nosso." Não sei se este é um problema psicológico. mas não sou bem eu que conheço.Descartes e a psicologia da dúvida-. uma pessoa -. não estou tentando catalogá-lo como um problema psicológico ou antropológico etc. http://www. no instante em que conhece. Fenomenologia do estranhamento (2) Estranhar e assumir Estranhar algo é desidentificar-se dele. mas não assumo que conheço -.um encargo. é olhá-lo desde uma distância desde a qual esse algo aparece injustificado. por tão dotado de uma razão absoluta de ser. um dever. absurdo.org/apostilas/descartes2. ou seja. mas aquele mesmo estado presente que é o ato de conhecer?” Como a mente cognoscente se estranha enquanto cognoscente? E por fim convertemos essa pergunta numa outra mais geral. por tão fundamentado. desprovido de fundamento. Como pode a mente que conhece. um amor. o estranhar é um não assumir algo.olavodecarvalho. dizendo: "Conheço. Assumimos algo -. cuja investigação deve preceder a das outras perguntas: “Que é estranhar?” 7. deixo de ser o sujeito executivo do ato de conhecer e me coloco fora do campo de minha própria ação. se não é o eu cognoscente? Dito de outro modo. Mas. Se sei. Neste ponto. como o eu cognoscente se desloca comigo para onde quer que eu vá. onde é que precisamente "estou" neste instante? Quem. e se o faço precisamente com o propósito de enxergar a luz mesma que vem de mim e não os objetos que ela ilumina. ilumina o eu meramente cognoscente e. isto é.htm (29 de 61)16/4/2007 09:30:58 . sei que sei que sei: as trevas http://www. como um homem que arrancasse os olhos para os examinar.Descartes e a psicologia da dúvida-. ao mesmo tempo. ao mesmo tempo. sei que sei. duplamente cognoscente.org/apostilas/descartes2. como o foco iluminante do que conheço é a própria atenção que projeto sobre os objetos. tenho apenas a ilusão de entrar nas trevas para ver a luz. deparamo-nos com uma dificuldade das mais temíveis: se me desidentifico daquele que em mim conhece. Então. se me separo do meu eu cognoscente. é pensando que assumimos ou não assumimos. pelo mesmo meio – o pensar – é que vamos fazer a desidentificação entre o sujeito que conhece e o sujeito que pensa. O eu reflexivo. o objeto deste. Torno-me inconsciente para examinar a consciência. como é que podemos não assumir exatamente aquilo que estamos fazendo naquele mesmo instante e pelos mesmos meios com que nos recusamos a assumi-lo? É pensando que conhecemos. em mim. e se sei que sei. tenho então de olhar desde as trevas.Parte II estou tentando descrever o que se passa. Ora. fala e pensa.olavodecarvalho. mas ao mesmo tempo recuso assumir que essa luz é luz e que ela é minha. porque de fato levei a luz comigo e a projeto sobre aquela outra luz que sou eu mesmo. se me coloco fora daquela área que para mim é iluminada. ao menos do ponto de vista estético: a tentativa de estranhamento resultou numa aproximação. se diante de mim está o objeto e o ato de conhecer está em mim. porque esta abarca a primeira.” Ora. ali está o sujeito que conhece. não é que eu que me desidentifique de mim. longe de ela se desidentificar do ato de conhecimento. Uma delas pode ser formulada assim: aqui está o objeto do conhecimento. Esta é a questão: aqui está o objeto do conhecimento. aqui.Descartes e a psicologia da dúvida-. mas eu me desidentifico e me coloco fora da relação entre eles. (5) O resultado parece esplêndido. Porém. não é disto que se trata no estranhamento cartesiano: este não olha o ato do conhecer de um ponto de vista mais elevado. Então. e sei que sei.olavodecarvalho. ela o http://www. mas de certo modo ela me transcende porque me mostra as relações que tenho com um objeto que não sou eu.htm (30 de 61)16/4/2007 09:30:58 .Parte II resolvem-se num jogo de luzes e espelhos. ele não assume o conhecimento. e dentro ou acima de mim existe um terceiro que diz: “Eu sei que conheço. em si. Esta é a primeira maneira de refletir sobre o ato de conhecimento. eu subo um grau acima de mim mesmo e olho o que estou fazendo. aqui está o eu que conhece. a consciência de que conheço não pode estar somente em mim. Ora. a desidentificação numa identificação intensificada. eu tomo consciência de que conheço. desde um plano mais elevado. A primeira operação que descrevi. É claro que a função saber é. Logo. mais elementar do que o saber que sabe. existem duas maneiras de se fazer isto. mas ele se coloca "fora" do ato de conhecer. eu sei.org/apostilas/descartes2. ela está em mim. que é esta reflexão que nos leva à conclusão de que sabemos que sabemos. ele não teria adotado esse método. porque deste colocar-se fora do conhecimento.Parte II aprofunda. só que esse fora não é um acima. e se o método cartesiano funcionar? Então. ele o desassume. de que o método cartesiano não funciona. Mas. assume o conhecimento duplamente. é um "fora" em sentido literal. Essa era a esperança de Descartes. mas também: sei que sei. Como é possível isto? Por enquanto não temos nenhuma solução. Senão. noutro e noutro e estamos no meio da elaboração da equação. será possível tirar conclusões positivamente válidas. certamente não será assim. Não estamos aí apenas vivenciando o ato. Conseguimos converter um problema noutro problema. o estranhamento cartesiano não é isto. ou seja. então vou tirar conclusões que não serão válidas. acho que de fato é assim e que no final se demonstrará que é mais ou menos assim. reconhecendo-o.olavodecarvalho. passando recibo dele. porque se eu me coloco fora do conhecimento. Ele não assume o ato de conhecimento. é exatamente o contrário.Descartes e a psicologia da dúvida-. Eu até concordo com a observação de que eles não podem ser válidas.org/apostilas/descartes2. deste desassumir o conhecimento. Ele também se coloca "fora" do ato de conhecimento. que ela diz não apenas: sei. porque vou poder continuar gerando a mesma dúvida eternamente. E o fato é que ele tira algumas conclusões. Até o momento só temos problemas. ele o rejeita. Porém. Ela tanto se identifica com este ato.htm (31 de 61)16/4/2007 09:30:58 . mas. Pode ser que o método cartesiano não funcione. estamos assinando embaixo dele. Ora. http://www. por assim dizer. Assim. o que precisamos é da completa justificação da conclusão. e novas. por uma questão de tempo --. jump to conclusions. Todo o esforço filosófico é o esforço de sair do reino dos meros termos e conceitos e chegar ao conhecimento das coisas mesmas. mas isto até um computador faz. Mas é melhor não chegar a conclusão nenhuma do que pular direto para ela.porque nesta você tem de tomar decisões. termos um conceito de árvore para conhecermos uma árvore.Parte II por enquanto ainda não estamos julgando o método cartesiano. porque esta vai esbarrar a todo momento em novas perguntas.Descartes e a psicologia da dúvida-. Por isso é preciso ter calma e paciência. as quais não podem ser justificadas em todos os pontos.org/apostilas/descartes2. não adianta termos a conclusão. por exemplo.) No presente http://www. e novas. até termos a certeza de que o que estamos dizendo reflete. ao contrário.olavodecarvalho. Por isso mesmo é que. pois. a investigação filosófica progride muito mais lentamente do que qualquer outro esforço cognitivo humano. Qualquer empreendimento pode ser muito mais rápido e eficiente do que a investigação filosófica.htm (32 de 61)16/4/2007 09:30:58 . operando com conceitos. já no esforço de conhecimento teorético. Não basta. Fazendo isso deslizamos em cima das coisas e vamos direto para as conclusões. um outro detalhe da formação para o exercício do método filosófico é que de nada adianta chegar a uma conclusão que é certa. se este é o procedimento normal da vida prática -. evidentemente. tiramos conclusões muito facilmente. dizem os americanos. mas a exigência interna da própria realidade. (Aliás. e novas. mas da qual não se possuem efetivamente todos os detalhes da sua demonstração. não apenas um jogo de conceitos em nossa mente. não apenas um arranjo inteligente de convenções científicas. a minúcia aí tem a mesma importância. ou seja. se chego a uma conclusão. é a mesma coisa. o que foi que fiz? Saí fora da dúvida e o meu objeto de reflexão (a dúvida mesma) foi embora.considerando a vida prática já não num sentido imediato e físico.org/apostilas/descartes2. vale a pena gastar tempo. http://www. o primeiro terá sido liquidado definitivamente. O procedimento de investigação. Essa é a tendência natural do pensamento humano: mudar de assunto o mais rápido possível. também é a mesma coisa. senão alguma coisa falharia. colocando-nos no estado da dúvida cartesiana e ao mesmo tempo examinando-a. Aqui também é a mesma coisa. porque se ficarmos pensando no carro que cruzou a rua lá adiante. se estamos guiando um carro. porque na arte a meticulosidade em cada detalhe e na relação de cada detalhe com o conjunto é também o segredo do sucesso. Napoleão dizia que era preciso ter o melhor plano de batalha e. Na vida prática -. (6) Esse é o segredo em filosofia. em ciências ou em artes. seja em ciências. mas naquela parte de vida prática que implica um comando e um planejamento. de certo modo. E isto logicamente funciona na vida prática. quando estamos examinando a dúvida cartesiana.olavodecarvalho. por exemplo --. vem um outro e colide com o nosso. há um número de dados e de informações que vêm de fora e temos de saltar de um ao outro rapidamente. por exemplo. é exatamente o contrário. E nas artes acontece a mesma coisa. estamos.Parte II momento. porque quando abandonarmos esse problema e passarmos para outro. ao mesmo tempo. Ora. pensar em cada parafuso de cada canhão.Descartes e a psicologia da dúvida-.htm (33 de 61)16/4/2007 09:30:58 . seja em filosofia. no mundo estratégico ou empresarial. então. eu não estou iluminando o ato. o que faço? Além de manter este objeto aqui iluminado. sujeito. e eu acrescento que. o estamos assumindo cada vez mais. de certo modo. mas eu não apaguei a luz que nos ilumina a todos: a mim. consciência do ato e consciência da validade do ato. Na reflexão.Descartes e a psicologia da dúvida-. que a coisa ficou mais esquisita ainda. o Prof. ou seja.Parte II 8. Então. O meu falecido mestre.olavodecarvalho. Mas. Reflexão completa e dúvida cartesiana Qual é. a atenção o destaca dos outros e o ilumina. ato. olho para este objeto e. a reflexão completa refaz tudo. na hora em que se conhece? A dificuldade é precisamente que não estamos aqui fazendo uma reflexão comum. ou na reflexão completa. se não o assumo.org/apostilas/descartes2. Porém. e no entanto. Parece impossível. de onde eu o olho? Eu me coloquei fora da http://www.htm (34 de 61)16/4/2007 09:30:58 . A reflexão comum seria composta de objeto. da credibilidade do conhecimento. fazemos isso. se eu estranho o ato. por assim dizer. Stanislaw Ladusãns. ao contrário. então. estou negando-o. e este é o fundamento. o que acontece? Se tomamos o ato de conhecimento como aquele ato pelo qual a atenção ilumina um determinado objeto. Descartes fez isso e nós também podemos fazer isso. eu ainda ilumino o cenário. o estranhamento cartesiano não é isto. enquanto fazemos isto não estamos nos desidentificando do conhecimento. Parece. então. ele desassume o conhecimento. mas. ao objeto e ao cenário. Na reflexão comum. Eu o nego e o olho ao mesmo tempo. se me coloco fora dele. chamava a isso a reflexão completa. a dificuldade do estranhar que se conhece. ele já era complicado e no começo da nossa investigação a dúvida cartesiana parecia esquisita. como é que posso retirarme para as trevas e continuar ao mesmo tempo vendo o objeto e o ato? Sempre que eu for para as trevas e eu prestar atenção ao que eu fiz. a cada vez que eu fizer novamente essa reflexão.htm (35 de 61)16/4/2007 09:30:58 . como o fator iluminante era eu mesmo. se ela era esquisita. e ela. sei que sei.Descartes e a psicologia da dúvida-. Parece que temos um problema terrificante na mão. Ora. Mas acontece que. que foi um discípulo de Husserl. Parece que não existe escapatória disso. é isto o que faz a dúvida metódica. E. pelo menos não ao mesmo tempo. Então. sei que sei que sei". Mas se eu ilumino de novo.Parte II zona iluminada e o estou olhando desde as trevas. como era a minha própria atenção que iluminava o objeto. voltamos à reflexão completa do Pe. mas agora ela parece impossível. era a fórmula imortal do Pe. e se sei que sei. Ladusãns. acontece. o que significa que volto à reflexão comum e não fa.org/apostilas/descartes2. mas com isso provamos que a dúvida cartesiana é impossível e não obstante ela aconteceu. Então. Só que. terei reafirmado todo o trajeto. Ladusãns. agora ela ficou diabolicamente esquisita. Segundo a técnica que me foi ensinada pelo Padre Ladusãns. no entanto. eu não posso prestar atenção numa coisa e dizer que não a estou vendo. ou seja. estarei reiluminando tudo novamente. então digo: eu sei que sei. mas se o http://www. a reflexão reafirma o ato de conhecimento e o aprofunda. é impossível. ela.o dúvida cartesiana nenhuma. de fato. de fato. "Se sei. a fórmula do conhecimento reflexivo.olavodecarvalho. quanto mais pulamos fora. É como se você estivesse apaixonado e pensando em casar. No amor. mas aqui não é bem isso o que acontece. não pode haver desidentificação dele por um instante sequer. Mas. parece ser a natureza boa. Mais compulsiva que a natureza má. o homem http://www.olavodecarvalho. Então acaba casando. mas. tentamos pular fora. Você pode. que nos impele de vez em quando a repetir os mesmos erros. que nos devolve insistentemente o poder do qual abdicamos. mas foi em vão. este último capítulo é evitável. não pudemos fazer isso. há uma diferença apenas de intensidade. de fato. já sente tristeza. no último instante. Entre o homem natural e o homem filosófico que reflete não há uma diferença de natureza. Queríamos ser esquisitos. mas não conseguimos tornar-nos senão o bom e velho homem natural de Aristóteles.Parte II reafirma. desistir. "Ser homem é conhecer": tentamos deixar de sê-lo por um instante. cuja natureza era conhecer. que é a desidentificação? Isso quer dizer que a dúvida cartesiana tem uma estrutura impossível. aí você experimenta desidentificar-se mentalmente da sua noiva para ver se sem ela não estaria melhor. tentamos pular fora da verdade e não conseguimos. só complica o nosso problema: tentamos desidentificar-nos do nosso eu cognoscente. então.Descartes e a psicologia da dúvida-. Mas isto. apesar de ela acontecer. se é assim. mais estamos dentro. como é que acontece a tal da dúvida cartesiana. aqui. O homem natural é aquele que conhece. ao contrário: agarramo-nos a ele.org/apostilas/descartes2. mas. Mas no instante em que pensa isto. Ou seja. de fato.htm (36 de 61)16/4/2007 09:30:58 . insisto. mas http://www. Mas se é assim.Descartes e a psicologia da dúvida-. ainda que para ter de curvar-se a ela no fim e recebê-los todos de volta. por que é que quisemos a dúvida? Não poderíamos simplesmente ter feito a reflexão completa? Por que Descartes não fez simplesmente isso. porque ela tem impulsos contraditórios. como o velho Aristóteles fazia? Existe aí a interferência de um outro elemento. julgaram poder. ao impulso natural de conhecer.olavodecarvalho.org/apostilas/descartes2. pelo amor de Deus. nem na nossa experiência natural. parece. a começar por Descartes. deixava entrever essa possibilidade que por fim constatamos mesmo não existir? Por que quisemos tentar isso? Para arriscar-se nessa experiência.htm (37 de 61)16/4/2007 09:30:58 . É claro que às vezes a natureza se contraria a si mesma. mediante uma operação tão manifestamente condenada a se suprimir a si mesma. de rejeitar os seus dons.Parte II filosófico é aquele que. nem nas doutrinas dos antigos filósofos. de onde tiramos a hipótese de ir para as trevas para enxergar a luz. é preciso uma força -. reconhece que conhece. Mas. se nada. mas ela se contraria a si mesma dentro da naturalidade dos dois impulsos: temos o impulso da raiva. se é assim. Por que e com que força os filósofos modernos. totalmente estranho. através da reflexão.a força de opor-se à natureza. encontrar um fundamento mais sólido para o conhecimento humano? A dúvida suprime-se a si mesma porque se transforma em reflexão completa. por que foi que quisemos entrar nessa experiência falhada? E de onde. Ora. e precisa apoiar-se numa força suficiente para deter a natureza. Esta é a primeira conclusão positiva a que chegamos. no qual se apóia a possibilidade da dúvida metódica. Que é que. se opõe à natureza. O mergulho no fundo do poço Se acompanharmos o raciocínio inteiro de Descartes.Descartes e a psicologia da dúvida-.olavodecarvalho. mas que não pode ser atendido por modos naturais. Assim como na vida pode haver um desejo de viver e um desejo de morrer. é porque ele é um impulso oposto ao ato de conhecer. que não tem nada que ver com o desejo de conhecer. 9. parece. O desejo de conhecer.org/apostilas/descartes2. ao desejo de conhecer? Aqui está o ponto crucial de toda esta trajetória: este estranhamento total não pode ser realizado apenas por desejo de conhecer. se se trata de uma detenção. No entanto. ou de uma desidentificação do ato de conhecer. não explica isso. então.Parte II temos o da piedade também. que é a certeza do eu http://www.htm (38 de 61)16/4/2007 09:30:58 . Porém. porque o desejo de conhecer impele à reflexão natural e não à negação total. porque o natural não explica o antinatural. veremos que ele chega a uma determinada certeza. já vimos. Temos de buscar a explicação. a negação total existe. Deve haver um outro impulso. e se isso não pode ser explicado pela própria dinâmica do ato de conhecer. neste caso estamos falando de um impulso que não apenas não é natural. nesse anti. no homem. também existe um desejo de conhecer e um desejo de não conhecer. Haveria uma diferença entre esse raciocínio de Descartes e o de Husserl? Não. ele torna isso mais preciso. sabemos que são certos. e mais trágico no fim das contas. etc. mais nada. e feito todo o exame.Parte II pensante: "se eu estou duvidando. (7) Vamos observar a mesma coisa agora já em Descartes. a história. não tem pontes para fora de si mesmo. a primeira base que ele encontra é a certeza do eu. como poderíamos deduzir desta única certeza os demais conhecimentos que. mas Descartes achou que era. No § I.olavodecarvalho.uma certeza absolutamente inabalável para Descartes --. Não há mais ciência.? Resposta: não podemos.Descartes e a psicologia da dúvida-. esse resultado não contenta Descartes. duvidar é pensar. Como é que ele sai disso? Ele apela para Deus dizendo: "Ora. O eu solipsista. não obstante. Descartes entrou na dúvida metódica dizendo que seu objetivo era reconstruir o mundo das ciências. demonstrei que isto também não é uma certeza. matemáticos etc. em bases mais sólidas. o mundo do saber. Ora. por maravilhoso que seja. Chegamos à certeza do eu e vemos que só há esta certeza. ele chega a um primeiro resultado positivo. eu tenho a http://www. não responde à pergunta que coloca. por definição.htm (39 de 61)16/4/2007 09:30:58 . O filósofo polonês Kolakowski demonstra eficazmente que o método husserliano. Isso para ele é a primeira certeza. porque. A primeira certeza positiva a que ele chega é a do eu pensante. Só que essa certeza não é suficiente para deduzir daí o mundo. Então. eu não posso na mesma hora duvidar que penso". como os conhecimentos científicos. Husserl só o aprofunda. e se eu estou pensando. a ciência física. porém.org/apostilas/descartes2. Só há a certeza do eu. uma vez colocada a dúvida metódica. que é a existência do eu -. Obteve infinitamente menos." Ora. um fundamento completamente diferente daquele que foi prometido no início. mais aquilo etc. isto significa que ele adotou um método para dar um fundamento mais sólido aos conhecimentos e que.Parte II idéia de vários conhecimentos. Quem colocou todas essas informações em mim não fui eu mesmo. Esse algo nos mostra que efetivamente o método da dúvida cartesiana não tem saída para fora da dúvida. que é a segunda parte do método. Deus não iria enganar-me dessa maneira. Descartes. Ora. como Deus é bom. algo falhou. mas à fé religiosa. Ora. tenho informações que me chegam pelos sentidos. conheço a existência do mundo. não tem nada a ver http://www. ele acabou achando um fundamento que não tem nada a ver com o método. armado de confiança na razão humana. Isso significa que alguma coisa do método ele obteve. conheço mais isso.htm (40 de 61)16/4/2007 09:30:58 . Portanto.Descartes e a psicologia da dúvida-.olavodecarvalho. no momento decisivo. concluímos que todos esses conhecimentos devem ser válidos. mas não obteve o que queria. conheço religião. e que a reconstrução cartesiana do conhecimento. E para sair da armadilha que ele próprio montou ele teve de apelar não apenas a um conhecimento comum. seria uma covardia e Deus não iria fazer isso comigo. Então. Foi Deus. para quem começou duvidando de tudo e afirmando o primado absoluto da razão e da dúvida. foi alguém de fora. isso é um anticlímax. conheço geometria. conheço história. chega ao fundo do poço e pede socorro a Deus.. o famoso racionalismo cartesiano fundador de ciências.org/apostilas/descartes2. no entanto. por que o sujeito quis entrar nisso? Mais ainda. então. não é uma reflexão. pior ainda. não tem nada a ver com a reflexão sobre o conhecimento. Devia haver um meio racional e científico de se sair disso.org/apostilas/descartes2. e se. acreditava-se. Ele é antinatural. que é um resultado negativo.Parte II com a primeira. Eu tenho uma grande admiração por Husserl. Todas essas tentativas falharam e. culminando em Husserl. A segunda parte tem um fundamento que se chama Deus. Então. se fosse só ele que entrou. finalmente. entendemos que esse método fica ainda mais esquisito. o qual não tinha entrado na história até então. não apenas quase todos os filósofos o adotaram mas um deles chegou a dizer que ele é o começo obrigatório de toda a filosofia. poderíamos saltar fora da questão. Ora. Ora. dói e não funciona --. também a de Husserl. que era um grande filósofo e um homem honestíssimo – mas o fato é que depois de cinqüenta anos de esforço de Edmund Husserl. não pode ser explicado pelo desejo de conhecimento e.olavodecarvalho. Foi todo o ciclo da filosofia moderna.Descartes e a psicologia da dúvida-. http://www. alegando: “É um maluco. Entre Descartes e Husserl houve muitas tentativas filosóficas de sair da armadilha montada pela dúvida metódica sem apelar a Deus. com a dúvida metódica. pelo resultado a que ele levou.htm (41 de 61)16/4/2007 09:30:58 . temos. não funciona. agora não apenas um problema filosófico mas um problema histórico dos mais graves. se o método tem todos esses defeitos – se ele é antinatural.” Mas não foi só ele. um problema que compromete toda a civilização moderna. Mas.olavodecarvalho. Vamos partir de um exemplo mais simples. o prendemos numa jaula e só lhe damos http://www.Parte II Kolakowski em oitenta páginas acaba com tudo e diz: "Não funciona". compor com as proteínas deles seu sangue e seus músculos. Não é. portanto. se for privado desse tipo de alimentos. que procure um bicho para comer -. entra dentro dela.org/apostilas/descartes2. analisemos um pouco como é que funciona o impulso natural para ver os elementos contraditórios que possam existir nele e que possam servir de porta de entrada para algo que é anti-natural. já não funcionava.htm (42 de 61)16/4/2007 09:30:58 . É natural. neste momento.uma ovelha. que alguns dos melhores cérebros da humanidade – e pessoas inteiramente honestas. temos plena consciência do beco sem saída que é o método cartesiano. um coelho ou coisa assim. Imaginem que pegamos um lobo. passa a economizar movimentos e por fim definha e morre. em Descartes. crescer e mover-se às custas deles está na natureza do lobo. Que a humanidade inteira pudesse ter entrado nisso.Descartes e a psicologia da dúvida-. natural que ele deixe de comer esses bichos. Quer dizer: em ambos os casos o sujeito monta a armadilha. tire-me daqui". joga a chave fora e depois pede socorro: "Deus. Então. Alimentar-se desses bichos. Então. temos de retomar a investigação do “Como é possível?” Só que. ele perde energia. Não funciona pela mesma razão pela qual. Como foi possível entrarmos nesse buraco? E já vimos que não pode ter sido um impulso natural. Um lobo alimenta-se de carne. porque Husserl é o supra-sumo da integridade intelectual – entrassem nisso nos parece agora muito mais esquisito ainda. então. Isso faz parte da própria natureza. A natureza prescreve não apenas o que um animal vai fazer em vida. É um querer diferente.olavodecarvalho. tenha um sentido diverso daquele que tinha quando o lobo "queria" comer uma ovelha ou.Descartes e a psicologia da dúvida-. quer dizer: o órgão funciona de tal ou qual maneira. mas. se ele for agredido. aqui. http://www. ele funcionará de outra maneira. que não suporta a vida senão em condições que sejam propícias ao exercício dos dons naturais do lobo. a patologia está prevista na fisiologia. Nós privamos o lobo da sua comida específica e aí ele começa a definhar e dizemos que ele "quer morrer". mas se por algum fator alheio à sua natureza ele ficar privado desses alimentos. Não é que ele "queira" morrer no mesmo sentido em que ele "queria" comer um coelho. de onde virá o decreto de que em tais circunstâncias ele deve definhar e morrer? Virá da sua natureza mesma. Lobo vegetariano não existe. por si mesmo ele jamais deixará de comer outros bichos para preferir bananas. mas já contém esse programa alternativo que decretará o seu definhamento e a sua morte no caso de essa mesma natureza ser contrariada. "queria" brincar com os outros membros da alcatéia para expelir a energia sobrante.org/apostilas/descartes2. Mesmo que ele aceite esse humilhação de viver de bananas. Porém. o verbo querer aqui tem um sentido diferente.htm (43 de 61)16/4/2007 09:30:58 . a natureza do lobo contém não apenas o mandamento referente às coisas que ele vai fazer. Não digo que em tais condições o lobo "quererá" morrer. mas em quais condições ele estará condenado a morrer. Então.Parte II bananas para comer. a não ser que o verbo querer. Nesse sentido. é um querer negativo. Por natureza. mas o negativo também. cheio de carne de ovelha na barriga. ele vai definhar. quer dizer. a natureza tem não só o decreto positivo. Num filme de Woody Allen (Um Assaltante Bem Trapalhão) havia um menino todo franzino e azarado. passado um certo limite de privação. acabamos por desenvolver uma vontade ao contrário. ele já entrou nesse ciclo negativo. de noluntad. os outros pegavam os óculos dele e quebravam.htm (44 de 61)16/4/2007 09:30:58 . privado daquilo que lhe dava vontade de viver. http://www. por exemplo. O certo é que.Descartes e a psicologia da dúvida-. uma ovelha. que está prevista. aquela menina que teve um namorado. Até que um dia ele está indo para a escola. o organismo do lobo. Quando ele ia para a escola. Vingamo-nos em nós mesmos de um mal que nos foi infligido de fora. Ou seja. No fim já será inútil oferecer-lhe um coelho. Se as circunstâncias nos impedem repetidamente de realizar nossa vontade positiva. Esse querer negativo recebe. ou "se deixará" morrer. entre os humanos. Ele já não quer mais comer. para contrastar com voluntad. e então ela diz: "Agora eu não namoro mais ninguém. Má vontade é não querer fazer algo que seria bom fazer. o nome de má vontade. entra numa espécie de má vontade e conspira contra si mesmo para morrer. o lobo "não quererá" mais viver. É como. uma má vontade. que usava óculos. o namorado a largou. a inversão do querer.org/apostilas/descartes2. Isto nos acontece: é um masoquismo preventivo. De modo análogo. vem aquele bando de garotos para quebrar os óculos dele e – o que é que ele faz? Ele mesmo tira os óculos e quebra.olavodecarvalho." O que é que é isto? É a má vontade. na própria estrutura do querer. como programa alternativo.Parte II que Miguel de Unamuno chamava. entramos nessa atitude não somente por experiências dolorosas que tivemos. se ele fizesse. Um pouco da sua morte já entraria antecipadamente no seu horizonte de experiência vital. às vezes. e por isto mesmo se distingue por sua capacidade de sofrer.olavodecarvalho. Mas. ele começaria a definhar nesse mesmo instante.Descartes e a psicologia da dúvida-. quantas vezes nós mesmos – todos temos essa experiência – nos privamos de algo por medo de fracassar ou por medo de perder coisas que nunca tivemos? Ou seja. Suponhamos que um lobo jovem e bem alimentado pudesse imaginar. é inclinado a esse tipo de cogitações. O homem. Algo desse sofrimento futuro já se tornaria presente em imaginação. mas por experiências possíveis que não tivemos. por uma razão qualquer. de medo. Ora. Felizmente. Ora. É coisa de experiência comum o fato de termos. a antevisão de um http://www. essa temível situação. mas que prevemos pela imaginação. a privação de alimento seria fatal e inelutável. esta inversão do impulso natural nas situações em que ele já não pode se manifestar é tão "natural" quanto o impulso mesmo. males que ainda não se apresentaram e talvez não se apresentem nunca. os lobos só se preocupam com a alimentação diária e não cogitam de problemas a longo prazo.htm (45 de 61)16/4/2007 09:30:58 .org/apostilas/descartes2. preocupação e tristeza. em imaginação. a idéia de ter de comer só bananas começaria a matá-lo nesse mesmo instante. se ele imaginasse que num futuro próximo. ao contrário.Parte II ele está marcado com o signo da morte e o curso do seu destino já não pode mais ser mudado. E. com anos de antecedência. Isso o lobo não faz. se é natural no homem desejar conhecer. porque o esquizofrênico. É como se eu estivesse me olhando conhecer. privação da identidade entre o eu pensante e o eu cognoscente. Que é a dúvida metódica? É um experimento de privação vivido imaginariamente. Solução do enigma Isto quer dizer que.htm (46 de 61)16/4/2007 09:30:58 . mas não podemos ficar sem estimulação sensorial por um dia sequer. na hora em que está pensando. Porque eu me olho a mim mesmo. Ora. porque o ato de conhecimento está lá. Podemos suportar a privação de alimento por mais ou menos quarenta dias. que não existe situação de sofrimento intelectual mais intenso do que essa. estamos falando de um experimento de privação feito imaginariamente. Ora.Parte II mal possível que nos abate mais do que esse próprio mal realizado. privado da possibilidade de conhecer. Privação de quê? Não podemos dizer que é privação de conhecimento.olavodecarvalho. mas este que olha não reconhece aquilo que esse mesmo eu conhece na mesma hora. 10. mas eu não sou eu mesmo. ele sofra. é também natural que.Descartes e a psicologia da dúvida-. Depois ele imagina que se http://www.org/apostilas/descartes2. Experimentos científicos recentes demonstraram que a privação de estímulos sensoriais externos leva um homem ao desespero ao fim de umas poucas horas. A mais elementar forma de conhecimento é a estimulação sensorial. mas privação do reconhecimento desse conhecimento. se identifica com aquilo que ele está pensando. Podemos chamar isso de esquizofrenia? Não. a privação de sono por quatro dias. no caso do método de Descartes. o que significa que é um experimento que não se refere a este mundo. Ora. dizemos que. não pode ser por ter vivido essa experiência humana que Descartes tenta imaginá-la -. mas na hora. e diz: "Não fui eu. Portanto.htm (47 de 61)16/4/2007 09:30:58 . ao dizer: "Eu não sou eu. e se eu estivesse olhando a minha própria consciência e ao mesmo tempo não tivesse consciência dos conteúdos que essa mesma consciência está conscientizando naquele mesmo momento? Essa situação não é humanamente vivível. O psicótico ou o esquizofrênico experimenta isso. e temível." Mas na hora do ato de conhecimento. ele pode dizer isso. na hora em que http://www.org/apostilas/descartes2. Ele diz isto. de certo modo. Isso não é um experimento de ignorância. não. porque a identidade física dele torna impossível essa vivência como vivência real.. mas um experimento de privação de identidade com o eu que conhece. mas ela já não é mais sua. mesmo sendo apenas imaginável.porque ela não é vivível. esta consciência existe. eu sou um outro"? Sim. de ignorância comum. ele não estranha esse ato de conhecimento ao ponto de dizer que não é ele. Ela é apenas imaginável. Então. mas que se refere ao inferno. é claro. mas não está efetivamente vivenciando-o. isto é um detalhe fundamental.olavodecarvalho.Descartes e a psicologia da dúvida-. só é imaginável. não é um experimento de privação de certos conhecimentos.Parte II transformou em outro. eu não estou aqui. Ele pode fazer isso logo depois. Esta alma existe. Não encontramos isto em parte alguma da experiência humana. é o que no plano imaginário mais se aproxima daquilo que em teologia se chama "a morte da alma". E ela tem um nome em teologia. mas não pode realizá-lo conscientemente. na verdade. Essa experiência.. e está se precavendo pelo famoso método da autovacina: ele quer inocular-se um pouco desse estado para homeopaticamente neutralizá-lo. que Descartes diz ser o erro. o método cartesiano é uma tentativa desesperada de o sujeito se precaver contra a "morte da alma" mediante uma morte imaginária que imaginariamente neutralize essa possibilidade.htm (48 de 61)16/4/2007 09:30:58 . No caso de Descartes. Mas de onde ele tirou o temor da possibilidade desse estado? Da experiência humana cognitiva comum não foi. ele não é ele mesmo. http://www. Psicologicamente isto não existe. não. é somente aí que Descartes pode ter ouvido falar disto. ele não se lembra dele mesmo. mas ele é aquele que está falando. pois nela esse estado não existe. Ele só é mencionado em teologia. e também não sou um terceiro. Ora. É o experimento imaginário de uma situação humanamente impossível.Parte II ele está dizendo isso. Portanto.Descartes e a psicologia da dúvida-. a questão parece ter ficado mais compreensível. o método da dúvida metódica é um método para se precaver contra algo. a possibilidade do erro. É no mesmo ato que a consciência se afirma e se nega: "Eu não sou este que está dizendo isto. porque ou ele cai na reflexão completa ou volta para a dúvida paralisante. Descartes antevia esse estado infernal e tenta defender-se dele por meios humanos. Não consegue. nem na esquizofrenia.olavodecarvalho. e em nenhum outro lugar. Neste momento. em religião." Isto não é um experimento psicológico.org/apostilas/descartes2. através do uso da reflexão. mas vemos que ele se está precavendo contra algo muito mais grave do que o erro. que nasceram como mosquitos. ele é menos existente do que ele era antes. ínfero ou infernal é a mesma coisa. Então. Ele apela a Deus. Não é um problema filosófico e não tem solução filosófica. como barata. mas são ex-pessoas. é uma contradição. Mas evidentemente nem todos os hipopótamos. lagartixas e mosquitos são reencarnações de pessoas. É por isso que isto não pode ser explicado psicologicamente porque. o que é que ele faz? Quem é que nos tira do inferno? Deus. É algo que só pode ser imaginado numa situação extrema e não-humana a qual chamamos de situação infernal. Se tentarmos equacionar isso em termos psicológicos. O cristianismo não é muito explícito quanto a isto. precisemos mais um pouco o que seria essa morte da alma. Ora.htm (49 de 61)16/4/2007 09:30:58 . reencarna como lagartixa. Mas nas doutrinas hindus e em algumas ocidentais muito antigas encontramos a idéia da metempsicose.Descartes e a psicologia da dúvida-. Ora. como hipopótamo. chegamos a contradições incríveis.olavodecarvalho. psicologicamente não temos o dom de http://www. há um rebaixamento do estatuto ontológico do ser. quer dizer. algo que não acontece no mundo real. Que é metempsicose? O sujeito morre e reencarna num outro tipo de ser. é uma absurdidade. era um problema teológico e teve uma solução teológica.Parte II Então. é uma metáfora para designar um estado inferior. isto evidentemente é uma imagem. e nem nos fornece muitas imagens a respeito. Psicologicamente. E por isto mesmo é que se chama a morte da alma.org/apostilas/descartes2. Existem mosquitos normais. e há outros que não são apenas mosquitos. Inferior. mas não podermos responder.Parte II inexistir ou de existir menos. Podemos imaginar isso de outras maneiras. na porta do inferno. entendemos a língua http://www. no qual ela é menos intensa.org/apostilas/descartes2. e sim de um estado ontológico no qual nossa existência diminui. por exemplo. Ora. mas é difícil conceber um sofrimento maior do que esse. evanescentes. o que é que ele tem de homem? Ele tem todas as diferenças entre mosquito e homem.htm (50 de 61)16/4/2007 09:30:58 .olavodecarvalho. porque algo de homem ele ainda tem. Qualquer coisa que se passe em nossa psique pressupõe nossa existência tal e como ela está aqui agora. uma imagem até contraditória. podermos entender tudo o que estão dizendo. ou esquizofrênicos. que sobrou da existência anterior. o sujeito que se reencarnou como mosquito não é propriamente real enquanto mosquito. tem todas as impotências que o separam do poder humano.Descartes e a psicologia da dúvida-. Sua hominidade residual consiste em tudo o que separa o mosquito do homem. Em Dante. Tudo o que um homem pode fazer e que um mosquito não pode fazer ele conserva-se nele como informação de carência. Mas aqui se trata não de um estado psicológico. Ele não tem somente as potências do mosquito. há um demônio que tem linguagem mas não sabe falar em língua humana. Essa descrição é uma figura de linguagem. Então. Foi isto que sobrou nele de homem. e é por isso que a condição de mosquito é uma condenação para ele. evidentemente. no qual existimos menos. precisamos existir e estar aqui. no qual nos tornamos duvidosos. e até para ficarmos malucos. uma imagem. e tenta resolvê-lo por meios puramente conceptuais. uma existência fantasmática.Descartes e a psicologia da dúvida-.htm (51 de 61)16/4/2007 09:30:58 .Parte II que os outros falam. Então. isso é um problema real. Na religião grega não havia Céu.org/apostilas/descartes2. de sombra. Mas geralmente as pessoas iam para o inferno. poderia equacionar-se assim: "Como eu posso. O que elas têm em comum é que elas descrevem uma coisa que é humanamente irrealizável. Não há solução da dúvida metódica porque ela coloca um problema religioso e tenta resolvê-lo por meios puramente filosóficos. precaver-me contra a morte da alma?" É este o verdadeiro problema de Descartes. Só os heróis viravam semi-deuses e subiam ao céu. E é por isso que o método falha. mas de realidades. impossível nesta vida e terrivelmente má. o que é o mesmo que dizer: um problema teológico – pois a religião não se constitui de conceitos e doutrinas.olavodecarvalho. e esta imagem é a de uma separação inconcebível. sem a ajuda de Deus ou da religião. eram pessoas especiais. É uma imagem do inferno. no fim das contas. é um problema concreto. todo mundo ia para o inferno. todas essas imagens são falhas. porque isso não é um problema filosófico. entendemos que o problema sobre o qual René Descartes se debruçava. coloca um problema existencial. http://www. Nesse inferno havia uma forma de existência diminuída. real. mas tudo o que falarmos eles não entenderão. (8) Podemos imaginar a morte da alma sob milhões de formas. por meios racionais e humanos. não enquanto puros métodos filosóficos. contra a morte da alma. o conteúdo filosófico não interessa. um algo a mais. ou vai cair na mão do diabo ou vai pedir socorro a Deus. a solução da nossa pergunta mostra que a dúvida metódica é possível porque é possível conceber a morte da alma. E o método fenomenológico talvez possa produzir um acesso a esse conhecimento. não apenas enquanto modelo conceptual. isso acontece por motivos teológicos que não nos interessa investigar agora. porque. não pelo seu conteúdo. mas ao mesmo tempo a dúvida metódica não pode funcionar como método filosófico porque não existe nenhum esquema pensante que possa prevenir a morte da alma. porque a morte da alma é um fator extrahumano. e quem quer que entre nisso. sendo um método ascético.htm (52 de 61)16/4/2007 09:30:58 . então. E se podem funcionar http://www. que possa defender-nos da morte da alma. Mas esta defesa só pode se dar pela sua forma. não é o saber humano. Ele pode nos defender. então. tinha um elemento interno sacro. só que. mas enquanto método ascético. E este foi o grande drama de Edmund Husserl. é o saber divino que tem de ser colocado em nós como sabedoria infusa. Talvez até tenha. no fundo estão se enganando a si mesmos. como Husserl. Tem de haver. ele nos fortalece espiritualmente. para isso. porque ele tentou até o fim.olavodecarvalho. o ser humano evidentemente não vai poder abarcá-la com os seus instrumentos. Mas eles só podem funcionar se considerados enquanto métodos ascéticos. Ele acreditava que a ciência.Parte II Assim.Descartes e a psicologia da dúvida-. Se métodos ascéticos funcionam. (9) e. Os que dizem que não fazem isto. talvez.org/apostilas/descartes2. o saber. eu me exponho à morte da alma para provar que o demônio não me mata --. por meios racionais e humanos.htm (53 de 61)16/4/2007 09:30:58 . pudesse dominar a situação. a questão de funcionar ou não vai depender de potências supra-humanas as quais não controlamos. por meios filosóficos. mas ele o faz na esperança de defender a alma humana. porque se alguém percebeu que é um problema teológico.ou seja. então. por exemplo. e chega na hora o anjo diz: "Não. não é só para fundamentar o conhecimento científico. Porque nenhum método ascético do mundo tem funcionamento garantido.org/apostilas/descartes2. Pode chamá-los. você chama os anjos e eles são obrigados a vir. Agora. E ele fracassa exatamente porque a luta aí é desproporcional. sem a ajuda de Deus. segundo. primeiro.Descartes e a psicologia da dúvida-. contra o demônio. contra a morte da alma e. portanto. a filosofia insiste neste mesmo caminho. Não deixa de ser interessante saber http://www. não podemos dizer que existe aqui ou ali uma fórmula infalível pela qual. que é tão obviamente inviável?" Ela insiste. durante três séculos. Mas se entramos nesse esquema de disputar poder com o demônio e no mesmo instante o meio que usamos consiste em nos entregarmos ao demônio -. Isso não existe. fazer tudo direitinho. ainda assim tinha a tentação de que. porque a única saída é aquela que Descartes encontrou: Deus. ora! Então. aqui é que temos de nos perguntar: "Mas como que.Parte II enquanto métodos ascéticos. pudesse provar de certo modo que. não vou".olavodecarvalho. aí já entramos numa armadilha sem saída. porque ninguém percebeu que é um problema teológico. Por quê? Porque existe o livre arbítrio de Deus. poderia ser mais poderoso do que o demônio. se Descartes cria a dúvida metódica. tão aparentemente irreligioso. lia a Bíblia.org/apostilas/descartes2. assumindo que tem conhecimento: Eu sei. E depois de tudo explicado. todo ele se fundamenta num problema teológico que só encontra solução teológica. e é por isso que ele agüentava essa brincadeira fenomenológica. eu sei que sei que sei. e se eu sei que sei. ou seja. Ou seja. rezava todo dia. e é por isso mesmo que agüentou brincar de dúvida metódica sem ficar maluco. estaremos assumindo mais ainda o conhecimento. e deste Deus ele nunca duvidou um só instante. A cada nova conjunção que que pusermos aqui. e entenderiam que a dúvida metódica não é o caminho da filosofia racional. O caminho é o contrário.htm (54 de 61)16/4/2007 09:30:58 . e todo ele se constrói por um método lógico que. era um carola. mas o reafirma. Se não. é o caso de perguntarmos: "Mas como não perceberam antes?" Se tivessem percebido já teriam parado com essa brincadeira antes. Descartes também era crente. o ciclo moderno. era um judeu convertido ao protestantismo. embora jamais falasse sobre isso. O caminho é o da reflexão completa. Por quê? Porque ele talvez soubesse que no fundo sempre restava um Deus ao qual ele poderia pedir socorro no momento decisivo. É aquele que aprofunda o conhecimento. não teria agüentado. e assim sucessivamente.olavodecarvalho.Parte II que Edmund Husserl. era um homem crente. excluída a referência a Deus.Descartes e a psicologia da dúvida-. que não nega o conhecimento – nem hipoteticamente –. e eu sei que sei. Este é o método que denomino: "Método da crença metódica". trata-se de http://www. pelo que sei. nunca foi feita antes. Esta análise. se torna ilógico no mesmo instante. isto também nos indica que o nome pessoal pelo qual nos chamam é um dos fundamentos da nossa condição humana. por isso há o batismo. e eu nunca vou saber que o tenho. podemos ampliar nosso círculo de concepção infinitamente além da duração da nossa vida biológica e infinitamente além do espaço físico que ocupamos. Geralmente é nossa mãe a primeira pessoa que fala conosco. longe de o eu poder ser o fundamento do conhecimento. Então. Portanto. eu sei que eu estou falando português. esse eu vai ficar lá guardado. como por exemplo: eu sei que eu estou aqui. Se ninguém fala comigo. ele.org/apostilas/descartes2. eu sei que foi alguém que me ensinou português etc. alguém me chamou por algum nome. e vemos tantas e tantas vezes pessoas terem um destino que é o seu nome. seria um eu em potência apenas. nos abre possibilidades que estão infinitamente acima das possibilidades naturais. E é por isso também que o nome pode ser uma profecia. e por isso dar um nome é uma coisa séria. Porque somos um eu e porque temos um nome. eu sei que eu tenho um eu. partindo de coisas simples que sabemos. Mas só percebemos isso na hora em que o sujeito morre. Por exemplo (e isto foi Eugen Rosenstock quem ressaltou).htm (55 de 61)16/4/2007 09:30:58 . Então. podemos ter história. vemos a sua vida http://www. de certo modo esse eu só despertou em mim na hora em que me chamaram. pelo simples fato de poder pronunciar-se. podemos ter linguagem. de sermos chamados por ele. E assim chegamos a descobertas fantásticas. Por isso o nome é uma coisa sagrada. Mas como é que eu sei que eu tenho um eu? Antes de eu me chamar a mim mesmo de "eu".olavodecarvalho. eu sei que eu vim aqui por um motivo.Parte II acreditar naquilo que sabemos. exige um outro. e que o simples fato de termos um nome.Descartes e a psicologia da dúvida-. A conclusão final disto tudo é que o problema central do cartesianismo é um problema teológico que se ignora a si mesmo. ou vai ter de procurar esse fundamento na intensificação do conhecimento ou.htm (56 de 61)16/4/2007 09:30:58 . como. como pedra.org/apostilas/descartes2. e quem quer que se coloque este problema do fundamento absoluto do conhecimento. Hegel.olavodecarvalho.” Você poderia ter nascido como mosquito. Como é que isso acontece? Isso acontece porque lhe foi dado um nome. de certo modo. como barata.Descartes e a psicologia da dúvida-. “nome é profecia”. por exemplo. então. Não pode ter solução pelo método cartesiano porque. um problema teológico que se refere a um destino post mortem deste indivíduo concreto em particular não pode ter solução filosófica geral. se for procurá-lo na negação e na dúvida metódica. Na história da filosofia há muitos filósofos que escaparam desse problema. como lagartixa. e esse nome. vai chegar a um ponto em que vai ter de desistir e pedir socorro a Deus. que instintivamente percebeu que a http://www. E é por causa desse nome que temos um eu. Nomen est omen. mas nasceu como humano. esse nome é uma cobrança. ter um eu é uma honra insigne. é uma definição do que esperam dele. tem direito a um futuro. é o que dizia Buda: "Um nascimento humano é uma grande honra. Com isto encerramos o nosso estudo do cartesianismo. então. então.Parte II inteira e dizemos: "A vida dele foi exatamente o seu nome". tem direito a um nome e tem direito a um destino. E tem até direito a questionar tudo isso. por definição. Um dia fazemos essa experiência. apago tudo. Assim. os atos cometidos não vão desencadear nenhuma conssqüência.Descartes e a psicologia da dúvida-.htm (57 de 61)16/4/2007 09:30:58 . muda de assunto de novo! Hegel diz: "Aqui vamos descrever toda a dialética com a qual o espírito se transforma em realidade histórica etc. ninguém começa nada do zero. Ninguém consegue começar a vida do zero. mas isso também não é legítimo. isto é uma fuga.Parte II dúvida metódica era um buraco sem fundo e fugiu dela. então não é legítimo ele simplesmente desprezar o problema. mas. E Hegel simplesmente diz que vai mudar de assunto. esses problemas todos http://www. ninguém espera mais nada de mim -. na verdade. Não se pode superar um filósofo ignorando o que ele disse. e muda.org/apostilas/descartes2. é preciso enfrentar-nos com ele de algum modo. porque quando Hegel começa a pensar já havia dois séculos de cartesianismo nas suas costas. O que é que acontece com ele? O principal seguidor dele. Mas isto também quer dizer que ele não entendeu o problema.olavodecarvalho. Começo do zero. Ora. Será que a mesma crítica não poderia ser feita a Descartes? Certamente. já não sou responsável pelo meu passado." E a partir daí só se estudou Hegel nessa perspectiva. não tenho mais credores.ora. tudo o que Hegel disse foi anulado pelo simples fato de ele ter anulado a filosofia que recebeu como legado das gerações anteriores. ou seja. não há começo novo em nada. ele só viu a encrenca de longe e não quis saber dela. isso não existe! A verdadeira coragem não é recomeçar a vida do zero." Isso é verdadeiro ou falso? Marx diz: "Não interessa. começar tudo do zero significa que não estamos agüentando a situação e fugimos. Não há começo novo em filosofia. é uma covardia. o que interessa aplicar esse esquema à luta de classes e fazer a revolução socialista. que é Marx. ].olavodecarvalho.. Há um aspecto que não examinei ali.Descartes e a psicologia da dúvida-. Uma rejeição não é necessariamente uma superação. Neste sentido: [.. Titus.é a base da moral e do autoconhecimento. 2.R. Então. mas sua resistência é mais sutil http://www.) 4.Parte II continuam pesando sobre o nosso destino. ya presupone el principio de la unidad de conocimineto y ser [. 102. o que se observa é uma assustadora queda de nível. la mera afirmación ‘esto es esto’. por relativa que sea. não limitada a protestos e declarações de intenções.htm (58 de 61)16/4/2007 09:30:58 .. A verdadeira coragem está em assumir tudo. (N. É claro que as palavras também nos resistem. p. es reconocer que Intellectus aedequatio rei. BURCKHARDT. e periodicamente reconquistar nosso passado. 3.org/apostilas/descartes2. mas que tem sua importância. e este livro pretende indicar precisamente o único caminho possível de uma superação efetiva. dizendo que ele foi nosso mesmo: "Fi-lo porque qui-lo" -. sim. A “filosofia da consciência” tem de ser superada. Madrid : Taurus.] Pelo el hombre vive de verdades.para usar noutro contexto o solecismo humoristicamente atribuído ao ex-presidente Jânio Quadros -. mas ainda não o foi. A rejeição generalizada da “filosofia da consciência” não deve nos iludir. e entre a tradição que vai de Descartes a Husserl e os desenvolvimentos posteriores de uma filosofia supostamente livre da “prisão da consciência”. A pura e simples suspensão do juízo não pode ser identificada com a dúvida: ela é antes uma superação psicológica da dúvida mediante um distanciamento da pergunta. 1979. admitir cualquier verdad.. 1. começa uma falsa biografia. Ciencia moderna y sabiduría tradicional. sempre com o mesmo resultado. estudava nota por nota e fazia com que seus músicos as tocassem inúmeras vezes. para se certificar de que estas notas estavam exatamente no lugar certo com a tonalidade certa.Parte II e só a sensibilidade literária treinada a percebe. distinta e às vezes hostil em relação aos estados interiores que ele quer expressar com ela. sem sabê-lo. que foi o maior maestro do mundo. Não seria errado dizer que a capacidade literária consiste. porque ele é apenas o ponto de observação mais privilegiado e mais poderosamente iluminante para o qual me retirei. em geral (e ressalvadas as exceções pessoais e profissionais). em consciência das dificuldades que a linguagem opõe ao nosso intuito de usá-la para a auto-expressão. Segundo. para o escritor. porque a mesma operação que se fez com o eu cognoscente natural se pode repetir com o eu transcendental — e depois com quantos eus transcendentais se suponha existirem por cima dele —. Para o escritor.olavodecarvalho. em última análise.) 6. Celibidache. nos ensaios. Não apelemos preguiçosamente. no instante em que imaginava recuar para as trevas. ao "eu transcendental" de que falariam Kant e Husserl. neste ponto. 5. ao passo que no não-escritor. Primeiro. e que nunca permitiu que vendessem suas gravações.org/apostilas/descartes2. Escutar algo regido por ele dá-nos a impressão de que faltavam notas em todas as outras execuções. língua e estados interiores se confundem numa mescla nebulosa. Foi alguém que.Descartes e a psicologia da dúvida-. A língua. a descrição do mundo exterior e a ação sobre os demais seres humanos.A. nunca quis ser famoso no show business. (N. com toda essa meticulosidade. dotado de identidade e quase que de vontade própria. sua língua de expressão é um ente real. Nas artes. http://www. há o exemplo do maestro romeno Celibidache. com o qual ele tem de entrar em acordo para que consinta em servi-lo.htm (59 de 61)16/4/2007 09:30:58 . é uma realidade objetiva. em outro lugar.]".Parte II as quais eram feitas somente para fins de orientação dos alunos. é um legar onde você não está de qualquer maneira. a psiqué. e se é um estado não é um estado no sentido terrestre.org/apostilas/descartes2. (N. quando o eídolon de Pátroclo. nem a recordação da esperança. mas. Comentando a Ilíada. p. pois quando se fala deste mundo. e se esvai como vapor quando este último tenta abraçá-lo.olavodecarvalho. o autor comenta: "[. Leszek Kolakowski. 146). Husserl et la Recherche de la Certitude. uma imagem pálida e inconsistente. não pode ser no sentido espacial-terrestre. é uma sombra.] no Hades. Se é um lugar. Então. Agora. Mas em que sentido seria um lugar? É um lugar deste mundo? Não pode ser. é preciso aceitar que o inferno é uma região. se lembra do tempo em que. 1991. Este é o maior sofrimento das almas do inferno. 8. 1996.. v..htm (60 de 61)16/4/2007 09:30:58 .] A doutrina cristã diz que não podemos dizer que o inferno é somente um estado.. você não tem mais a esperança. trad.. É um lugar em outro sentido. sem prêmio nem castigo [. explica que: "[. é um estado do qual não se pode sair.Descartes e a psicologia da dúvida-. tinha a esperança.. (N. aparece em sonhos a Aquiles.. Acabou.A. Philibert Secretan. "Então. Você se lembra do tempo em que podia ver.R. mas tem uma ausência onde houve esperança. Junito de Souza BRANDÃO. (Mitologia grega. l’Âge d’Homme. Sobre o mesmo assunto. o eidolon. sofrendo. um lugar. onde http://www. então. sim em determinado estado. Lausanne. abúlica.) 7. 1. destituída de entendimento. um lugar do universo.) 9. porque elas não mais verão a Deus. você foi remetido para o estado das possibilidades impossíveis e só pode existir como nostalgia de uma possibilidade perdida. se está falando na Terra. mas acontece alguma coisa. É uma dor infinita. você está no eternamente impossível. que se chama esperança. abr.Parte II houve algo que você não lembra mais o que é.E-mail http://www.olavodecarvalho.Textos .]". Essa possibilidade negativa é infra-existencial. algo que acontece fora da temporalidade. de certa maneira [. ou seja. não aconteceria nada.Informações . como é que uma possibilidade negativa pode morrer? Não pode. no entanto. V do livro Ancients beliefs and modern superstitions de Martin Lings.. No inferno. "Por isso se diz que 'o inferno é pior que o nada'. (CARVALHO. pois se fosse o nada.Descartes e a psicologia da dúvida-.org/apostilas/descartes2. porque isso seria melhor. Olavo de. IAL. (N.R. No inferno você quer morrer.Links .htm (61 de 61)16/4/2007 09:30:58 .) Home .. Aulas referentes ao cap. você quer ir para o nada. 1999). Compreender uma idéia é refazer os atos cognitivos que a produziram.htm (1 de 4)16/4/2007 09:31:13 . que não há compreensão sem algum recurso à experiência e à memória da experiência. tendo por ponto de orientação e comparação o seu mesmo objeto. é que às vezes o objeto da idéia é.olavodecarvalho. e então o processo mesmo da compreensão http://www. Compreender um enunciado é saber a quais significados intencionais as palavras de uma sentença se referem e qual a relação lógica traduzida pelas relações gramaticais que a compõem.Idealidade e objeto Idealidade e objeto Tema para desenvolvimento em classe no Seminário de Filosofia Olavo de Carvalho A quase totalidade das pessoas que conheço – inclusive intelectuais de ofício – não tem a menor noção da diferença entre compreender uma idéia e compreender o seu enunciado verbal. Isso quer dizer que a compreensão nunca é um processo puramente imanente. O que pode causar alguma confusão. aí. puramente ideal. por sua vez.org/textos/seminario_jan2004. O que diferencia maximamente da experiência o jogo mental é que este obedece apenas ao movimento interno da sua própria regra combinatória imanente.Idealidade e objeto parece esgotar-se em puro jogo formal. quatro bolinhas ou quatro sinais algébricos. se a conta de dois mais dois é para você uma novidade). sem http://www.olavodecarvalho. O puro jogo formal. operação que pode falhar precisamente porque nela a separação entre o conteúdo eidético e os sinais não é tão nítida quanto numa operação meramente formal e. sem experiência nenhuma. que é o de conceber essa idéia o mais exatamente possível. Já a compreensão de uma idéia não pode nunca ser um puro jogo formal. essa separação só pode ser realizada satisfatoriamente depois de compreendida a idéia (o que aliás vale até mesmo para o exemplo das bolinhas e pauzinhos. só imperfeitamente e através de analogias impróprias. pois consiste essencialmente de um ato psíquico determinado. quanto a percepção sensível de uma vaca ou de um muro. Mas a diferença vai mais longe ainda que a simples ausência ou presença do elemento psicológico material.org/textos/seminario_jan2004. caracteriza-se justamente por ser independente do processo psicológico real que lhe serve de suporte. aquela.htm (2 de 4)16/4/2007 09:31:13 . Este último pode ser reproduzido perfeitamente por um computador. tão “material”. a pura combinatória lógica de objetos ideais. A mistura do elemento psicológico ao algoritmo lógico das operações é um traço distintivo no confronto entre experiência e formalismo. O fato de um objeto ser puramente ideal não impede que o acesso mental a ele seja uma experiência real em sentido estrito. Essa aparência é enganosa. um fato psicológico tão real. ademais. Dois mais dois são quatro independentemente de você pensar isso com a imagem de quatro pauzinhos. do objeto. já não pode ser puro jogo mental. limitada pela estrutura lógica e ontológica dos objetos definidos. o que a limita não é nenhum objeto. A dedução lógica. isto é. baseia-se em conceitos previamente definidos. A simples referência intencional aos conceitos. A dedução puramente formal opera somente com conceitos lógico-verbais. formulada pela definição dos conceitos. ou a recordação deles no curso da dedução. Por isso. ser considerados tão somente na sua intencionalidade lógico-verbal ou na sua referência a um objeto real. é um ato psíquico que tem um componente experiencial e não se esgota em pura combinatória formal.org/textos/seminario_jan2004. a dedução considerada materialmente. considerada em si mesma e formalmente. é também um jogo mental. mera criação imanente da psique. é http://www. porém.a esse jogo mental particular que está sendo jogado nessa dedução em particular. Ora. Os próprios conceitos. já são um tanto “externos” ao jogo mental -. O jogo mental por excelência é o sonho. mas as simples regras internas da dedução.Idealidade e objeto que esse movimento seja travado ou limitado pelas exigências vindas “de fora”. isto é. mas sim a subordinação do jogo psíquico a uma exigência que o transcende. podem. Os conceitos. pois se nele a mente não está totalmente livre para mover-se na direção que deseje. durante a dedução. presumindo que as propriedades deles deduzidas se reencontrarão tais e quais nos objetos correspondentes.htm (3 de 4)16/4/2007 09:31:13 . onde a mente está livre para modificar o objeto ou substituí-lo por mero associacionismo. ou então se desinteressando totalmente destes últimos e contentando-se com a mera decomposição lógico-analítica dos conceitos enquanto tais. por sua vez. que ela própria não pode produzir. Toda dedução. quando os conceitos têm uma referência necessária a objetos que sejam externos à regra da dedução. nesse sentido.olavodecarvalho. no mesmo instante. o conceito.Idealidade e objeto necessário que durante a dedução estes estejam presentes à consciência.org/textos/seminario_jan2004. Caso se trate de objetos ideais. 21/12/03 Home . como dados de experiência. ou constructos mentais.ou reconstruídos --. a dedução. e não somente através de seu suplente. numa operação concomitante com a dedução enquanto tal. isto é.olavodecarvalho. é então uma concomitância (ou tradução) lógico-verbal da decomposição intuitiva do próprio objeto. como notas reconhecíveis no próprio objeto por intuição imediata.E-mail http://www. considerado nos aspectos de sua estrutura real que correspondam à estrutura lógica das propriedades implícitas no seu conceito. eles devem ser continuamente reapresentados à consciência -.Textos . em si mesmos.htm (4 de 4)16/4/2007 09:31:13 . de modo que as propriedades deduzidas da definição apareçam. ou decomposição lógica do conceito em suas propriedades.Informações .Links . Num caso como no outro.
Report "Apostilas do seminário de filosofia - Olavo de Carvalho"