apostila_neurocognicao

March 29, 2018 | Author: antoniovb | Category: Umami, Human Brain, Memory, Self-Improvement, Emotions


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ÍndiceA “decoreba” é ruim para o aprendizado? ......................................................................................... 5 A promessa de premiação motiva o aprendizado? ......................................................................... 10 O aprendizado é capaz de causar mudanças estruturais (morfológicas) no córtex cerebral? ....... 22 Os neurônios são insignificantes em termos numéricos no nosso cérebro? .................................. 37 Esquecer é fundamental para o aprendizado? ............................................................................... 41 Para uma memorização efetiva é melhor passar a noite estudando do que dormir? ..................... 45 O envelhecimento dificulta o aprendizado devido a perda de neurônios? ...................................... 56 Existem coisas mais fáceis de lembrar do que outras? .................................................................. 65 3 Material de apoio da atividade A “decoreba” é ruim para o aprendizado? Textos extraídos do livro A arte de esquecer, de Iván Izquierdo Editora Vieira e Lent (2004) Dependência de estado As memórias são adquiridas sob a influência de um determinado "tônus" cerebral dopaminérgico, noradrenérgico, serotonérgico ou betaendorfínico, e de um "tônus" hormonal paralelo. Esses moduladores e hormônios geralmente facilitam a formação de memórias agindo sobre mecanismos específicos nas áreas do cérebro que as fazem e, de certa maneira, incorporam informação às mesmas. Um momento assustador consiste tanto do estímulo que provoca o susto, como da ação dos neuromoduladores e hormônios liberados no organismo durante esse momento; muitas vezes a ação dessas substâncias fazem com que o momento seja realmente assustador. As memórias são melhor evocadas quando o "tônus" neuro-humoral e hormonal vigente no momento de sua aquisição se repete. Assim, em momentos de ansiedade elevada, em que se libera muita dopamina e noradrenalina cerebral, e muita adrenalina e corticóides na periferia, teremos não só tendência a gravar melhor o que está acontecendo nessa ocasião, como também facilidade para evocar outras experiências igualmente assustadoras ou aversivas. Isto é, sem dúvida útil para ter em mente, disponível para a utilização imediata, por meio de estratégias de ação apropriadas para a circunstância: devemos fugir, pular, nos esconder ou lutar? O mesmo acontece com as memórias prazenteiras: quando uma situação determinada se apresenta, por exemplo os prelúdios do ato sexual ou de um bom almoço, haverá uma constelação de processos neurohumorais e hormonais semelhante àquelas que experimentamos em outros momentos da mesma índole, a nossa resposta se adequará melhor às circunstâncias. Assim, secretaremos hormônios sexuais na iminência do ato sexual, e hormônios gástricos e ácido clorídrico no estômago antes de um almoço. De nada nos serviria fazer o contrário; seria contraproducente. É obviamente bom executar as coisas que sabemos nas condições orgânicas mais favoráveis para isso. Este fenômeno se denomina dependência de estado: a evocação das memórias de certo conteúdo emocional depende do estado hormonal e neuro-humoral em que a mesma esteja ocorrendo. Quanto mais esse estado se pareça com aquele em que memórias de índole similar foram adquiridas, melhor será a evocação. Assim, muitas memórias ficam num estado que poderíamos chamar latente, só despertado por determinadas conjunções de fenômenos neurohumorais e hormonais próprios de cada estado: as que causam medo, as que chamam ao sexo etc. Mas isto não quer dizer que o fato dessas memórias importantes ficarem latentes signifique que foram esquecidas, sequer temporariamente. Quer dizer que essas memórias dependentes de um determinado estado neuro-humoral e hormonal, para serem reativadas, requerem certos estímulos que compreendam pelo menos parte da reprodução do estado em que foram originalmente adquiridas. As 5 memórias dependentes de um estado emocional determinado ficam, por assim dizer, "a espreita" de que uma certa constelação de fenômenos bioquímicos apareça novamente. Um estímulo apropriado pode trazê-las à tona com bastante rapidez. Um "surto" de acidez gástrica pode nos dar vontade de comer. Um "surto" de hormônios sexuais no sangue pode nos causar desejo sexual. A dependência de estado permite que a vida possa se processar corriqueiramente com respostas adequadas a cada caso. Por exemplo, não viver num estado de excitação sexual impróprio para as circunstâncias: uma ereção do violinista durante a execução de um quarteto de Beethoven, no palco de um teatro lotado. Ou viver num estado de agressividade fora de contexto: no mesmo concerto, minutos depois, uma vez acalmado o público, o da viola chuta o violoncelista só porque este errou uma nota qualquer. É bom se excitar sexualmente quando for conveniente, e pode ser até necessário algum grau de agressividade no momento certo. Mas é antiadaptativo é contraproducente fazê-lo fora de contexto. Na imprecisão aparente que faz com que as diferenças emocionais entre um momento e outro de nossa vida sejam tão sutis como são, os estados psicológicos, hormonais e neuro-humorais determinam, com notável precisão, qual é a reação apropriada em cada caso. Nosso corpo em geral, e nosso cérebro em particular, sabem mais do que nós; ainda bem, senão seríamos inadaptáveis à realidade, e viveríamos pouco e mal. Dois exemplos famosos de dependência de estado As memórias podem depender não só de estados neuro-humorais ou hormonais internos do indivíduo, mas também de estados causados pela ingestão de substâncias externas, como o álcool e outras. Os melhores exemplos destes casos pertencem, o primeiro à história da literatura, e o outro à história do cinema. O da literatura é o protagonista do célebre romance de Robert Louis Stevenson (1850-1894), O Médico e o Monstro. Um médico conhecido dedicou-se, nas horas vagas, a elaborar um líquido que, quando ingerido, podia transformá-lo em outra pessoa. A substância teve o efeito, inesperado, de transformá-lo num ser de características monstruosas, cruel e selvagem: o aterrorizante Mr. Hyde. Uma vez passado o efeito da droga, o protagonista readquiria as formas, o aspecto e o temperamento do cortês e pacato Dr. Jekyll. O fenômeno se repete várias vezes ao longo do romance, que foi vertido a várias versões cinematográficas, inclusive uma com participação do coelho Pernalonga, que talvez seja a melhor. O mais engraçado e talvez mais sutil caso de dependência de estado, é apresentado por Charlie Chaplin (Carlitos) num filme de 1931, Luzes da Cidade, um dos grandes clássicos da história do cinema. Nele, um milionário amante da vida noturna desenvolve, estando bêbedo, uma enorme simpatia pelo vagabundo interpretado por Chaplin. Ele o convida a sua casa, leva-o a festas etc. Mas quando acorda da bebedeira, o milionário nem sequer reconhece Carlitos, e o expulsa energicamente de onde estiver. Os episódios se repetem várias vezes, para desorientação do vagabundo, que nunca compreende por que o ricaço às vezes é seu amigo e às vezes não. A amizade do milionário pelo vagabundo dependia do estado causado pelo álcool e não era recordada por ele no estado de sobriedade. 6 sem dúvida. e assim por diante. Em primeiro lugar. as colinérgicas. ou memórias declarativas importantes podem ser formadas em pessoas idosas com bastante perda celular no hipocampo e no córtex entorrinal. insatisfeitos. o cérebro é mestre. Aliás. Por outro lado. a aquisição das mesmas deve depender do uso dessas mesmas sinapses. Além das regiões corticais correspondentes a cada sentido (visão. ansiosos. Assim como temos no sangue sempre algum nível de adrenalina. na memória olfativa o córtex olfatório. como vimos. em maior ou menor grau. Por outro lado. as regiões responsáveis pela percepção e análise dos diversos estímulos sensoriais que conformam cada experiência. por exemplo). mas nem sempre muito bem. é também claro que nas memórias de forte conteúdo aversivo ou emocional intervêm a região da amígdala basolateral. nisso. olfato. a serotonérgica. cansados etc. Que partes do cérebro participam na aquisição das memórias? Muitas. que hoje se sustenta nos achados de Greenough. isto é intrínseco ao postulado de Ramón e Cajal. é praticamente inimaginável a aquisição de alguma memória fora de algum estado emocional determinado: nós e os demais animais estamos sempre em algum estado emocional: mais ou menos contentes. adquirir muitas memórias apesar de lesões de todas as estruturas mencionadas. Além dos mecanismos acima. e/ou do conjunto de pensamentos e memórias prévias em que se baseiam os insights. Isto. e/ou daquelas a partir das quais é possível evocar outras memórias ou pensamentos (nos insights. corticóides e hormônios sexuais. É claro que na aquisição das memórias visuais deve participar o córtex visual. nas memórias com um forte conteúdo espacial participa o hipocampo etc. a noradrenérgica. é também evidente que as regiões do cérebro e as sinapses que participam na formação das memórias de curta e de longa duração devem ser em boa parte as mesmas. apesar de que uma hora depois da aquisição nossa memória de longa duração está apenas começando a ser formada e a memória que nos permite responder é só a de curta duração. sendo impossível adquirir memórias sem um estado mínimo de alerta (inclusive durante o sono). esses níveis só atingem o zero quando morremos. nas memórias verbais as áreas corticais responsáveis pela linguagem.A aquisição de memórias É evidente que. as regiões do cérebro responsáveis por manter esse estado devem estar também ativadas quando aprendemos algo novo. se a consolidação das memórias de longa duração baseia-se em alterações sinápticas. Katarina Braun e seus colaboradores. Por outro lado. e memórias de medo podem ser adquiridas com pouca adrenalina circulante. já que todos nós recordamos em essência a mesma informação uma hora ou um mês depois de adquiríla. audição. as memórias com pouco conteúdo emocional são adquiríveis em sujeitos com lesão bilateral da amígdala. há certas estruturas nervosas que provavelmente participam 7 . é em relação com a modulação hormonal das funções nervosas. vias neuro-humorais específicas: a dopaminérgica. entre outros. É também evidente que. Nas memórias com um componente motor (tocar certa música ao piano). tato. participar não equivale a fazê-lo de uma forma sempre imprescindível ou protagônica. É possível. Porém. deve intervir o córtex motor correspondente aos dedos em questão. Sem dúvida. Outras estruturas a elas ligadas assumem seu papel. satisfeitos. memórias com conteúdo sexual podem ser adquiridas na presença de níveis muito baixos de testosterona ou estrogênios. Os diversos estados de ânimo e as emoções mobilizam. Geinisman. gosto) ou ato motor. no momento de iniciar o processo associativo do condicionamento. Na segunda semana de aula. usar um teclado). que a procura das sinapses que se alteram morfológica e funcionalmente para sustentar memórias é difícil. a primeira vez que ouvimos o som de uma campainha. Mais difícil é. Observa-se que em todas as espécies animais. e no rato. e nos habituamos a ele. são muitas as regiões cerebrais envolvidas. onde está a porta etc. ou para registrar que o espaço que nos rodeia é novo para nós. São muitas as variáveis participantes. e a busca de algumas poucas sinapses responsáveis pela conservação de uma ou outra memória é parecida a procura de uma agulha num palheiro. Vemos. No primeiro dia de aula. antes de associá-la com um pedaço de carne. andar de bicicleta. não haveria a meta-análise das informações procedentes dos sistemas sensoriais e/ou dos sistemas de armazenamento de memórias que é função da memória de trabalho. A repetição do(s) estímulo(s) leva a diminuição da resposta de orientação. Não existe a menor dúvida de que na aquisição e na evocação de todas as memórias de curta e de longa duração. giramos a cabeça em redor. a busca de quais dessas sinapses mudam como conseqüência de um esquecimento. para localizar a fonte do estímulo novo. Esta reação natural a estímulo(s) novo(s) foi denominada por Pavlov reação de orientação ou reflexo de "onde está?". no gato ou no cachorro é acompanhada de intensa atividade olfativa. A arte de esquecer: a habituação A repetição de um estímulo ou grupo de estímulos inofensivos geralmente causa a diminuição gradual das respostas a esse estímulo. declarativas e procedurais. participa ativamente e de maneira essencial a memória de trabalho. Assim. Se a coleção de estímulos novos for muito intensa. o córtex entorrinal e as áreas a elas associadas. Os humanos somos mais propensos a investigar nosso entorno por meio da atividade visual ou tátil. ou que nos encontramos num determinado ambiente novo. já aprendemos que aquele não é tão importante como pensávamos no início. a campainha fosse realmente um estímulo neutro. a reação a partida de um avião a poucos metros de distância é seguida de movimentos tendentes a proteger seus ouvidos. como veremos a seguir. entram na sala sem prestar mais muita atenção ao ambiente. pode se acompanhar de alguma reação defensiva também: nos funcionários dos aeroportos. os alunos olham em volta para entender ou conhecer melhor a nova sala.na aquisição de todas ou quase todas as memórias declarativas: o hipocampo. Queria garantir que. É provável que na aquisição destas últimas intervenham sempre ou quase sempre o núcleo caudado e o cerebelo. Lembremos aqui como a simples falha (não a falta) de memória de trabalho perturba a vida cognitiva dos esquizofrênicos. incapaz de gerar respostas importantes por si próprio. os novos bancos. Sem ela. 8 . Pavlov costumava habituar seus cachorros a campainha. de uma extinção. Confundiríamos. por exemplo. já se acostumaram a ele. por assim dizer. O hipocampo intervém também na aquisição de muitas memórias de habilidades manuais ou sensoriais (nadar. assim. evidentemente. Acostumamos. ou. o joio e o trigo de maneira permanente. Um trabalhador veterano das pistas dos aeroportos já nem responde ao estrépito da partida dos aviões. tanto do ponto de vista sensorial como cognitivo. mantêm animadas conversas com seus colegas em meio ao ruído dos aviões que ligam seus motores na sua frente. H. As emoções determinam em grande parte o desenvolvimento da atenção seletiva e da memória seletiva. Às vezes já meio surdo. em meio a um bombardeio. por mais desagradável que tenha sido sua primeira experiência estrepitosa na pista. A habituação se deve a atividade do hipocampo e tem uma base bioquímica relativamente complexa. exaustas pela guerra. geralmente quer conservar seu emprego e procura intensamente se acostumar (habituar) a isso. embora diferente daquela das memórias associativas. já que esquece muitas das suas habituações. o ser humano é mais sensível aos estímulos que Ihes tocam fundo do que àqueles sobre os quais não pode fazer nada e acabam se tornando indiferentes talvez por isso mesmo.A habituação é nosso aprendizado mais simples e um dos mais importantes. Podemos aplicar ou não nossa vontade a ela. vive um pouco assim. mas acordam ao ouvir o leve choro de suas crianças. reage daí em diante como se nada estivesse acontecendo em volta. 9 . viveríamos na surpresa constante. M. a habituação. O funcionário do aeroporto. pode ser muito seletiva. intrinsecamente. Sem ele. no sobressalto permanente. A criança que é levada diariamente a uma creche pode decidir se quer ou não quer se habituar a ela. Isto demonstra que. Nem sempre a habituação é involuntária. podemos desejar fazê la ou não. É também uma arte. Os casos mais ilustrativos da seletividade da evocação são as inúmeras histórias de mães que dormem. Material de apoio da atividade A promessa de premiação motiva o aprendizado? Textos retirados do livro Sexo, Drogas, Rock in Roll e Chocolate, de Suzana Herculano-Houzel. Editora: Vieira e Lent. Um pouquinho mais de eletricidade, por favor, que eu tô gostando... A descoberta acidental do sistema de recompensa do cérebro De tudo o que é bom a gente quer mais. Mas o que é "bom" para o cérebro? O que faz o cérebro lembrar e pedir mais? Curiosamente, a primeira demonstração de que existe uma região do cérebro que faz o animal "querer mais" resultou de um experimento com a intensão contrária: determinar se a estimulação elétrica de um certo ponto do cérebro era aversiva.. Um experimento que, nesse sentido, deu errado. O experimento aconteceu em 1953, numa época em que as funções recém descobertas de uma estrutura bem no meio do cérebro conhecida como formação reticular mesencefálica causavam alvoroço entre os cientistas que buscavam entender os mecanismos da consciência. A dupla ítalo-americana Giuseppe Moruzzi e Horace Magoun havia demonstrado, em 1949, que a estimulação elétrica dessa estrutura faz animais adormecidos despertarem, e coloca o cérebro de animais já acordados em estado de alerta. Seria um tipo de "centro da consciência"? A história mostraria que não, mas enquanto isso a descoberta provocou uma onda de experimentos semelhantes em busca de outras estruturas que influenciassem o grau de alerta dos animais e a1guns levantavam a suspeita de que, em certos locais do cérebro, a estimulação poderia ser aversiva. Era justamente o que o americano James Olds estava tentando determinar, antes de prosseguir com seus experimentos no laboratório do psicólogo canadense Donald Hebb, imortalizado por sua proposta de que o aprendizado tem por base a modificação das conexões entre os neurônios. Olds implantara eletrodos supostamente na tal formação reticular mesencefálica de um rato que ele então soltava sobre uma mesa. Sempre que o rato vinha a um determinado canto da mesa, Olds aplicava uma corrente elétrica aos eletrodos, para estimular a estrutura. Era uma forma de condicionamento, como fez Pavlov com seus cachorros. Se a estimulação fosse aversiva, o rato deveria passar a evitar aquele canto da mesa; se não, continuaria circulando normalmente pela mesa toda, como fazem os ratos em um ambiente novo. Para a surpresa de Olds, o animal gostou e muito. Deu uma saidinha... e logo voltou àquele canto onde Olds aplicara a estimulação elétrica. O rato saiu de novo, continuou a exploração da mesa... e voltou, ainda mais rápido do que da primeira vez, para uma nova estimulação. E de novo. E de novo. Olds pediu a um colega que escolhesse outro lugar da mesa para associar ao estímulo e o rato logo passou a visitar o novo lugar assiduamente. Depois, em um laboratório em forma de T, o mesmo rato rapidamente aprendeu a correr para o canto em que recebesse a estimulação elétrica no cérebro. Ao examinar o cérebro do animal, Olds descobriu que seus eletrodos tinham sido mal posicionados e foram parar perto do hipotálamo. Tentou, então, repetir o erro, implantando eletrodos em outros animais. 10 Não deu muito certo: alguns animais tinham reações ambíguas, e outros mostravam aversão ao lugar da mesa onde recebiam o estímulo elétrico. Parecia que a posição exata dos eletrodos fazia uma diferença enorme. Olds abandonou então seu projeto de pesquisa original e, junto com o também doutorando Peter Milner (que veio a se tornar um grande nome da Psicologia nos EUA), desenvolveu um experimento para testar mais rapidamente o efeito da estimulação elétrica em locais diferentes dessa região do cérebro. Era uma modificação da "caixa de Skinner", uma pequena caixa com uma alavanca que, ao ser apertada pelo animal, faz aparecer um grão de comida em uma janelinha. Na versão de Olds e Milner, o grão de comida foi substituído pela aplicação do estímulo elétrico, disparado quando o animal pressionava um grande pedal. Como a caixa era pequena e o pedal ficava numa posição estratégica, onde era apertado cada vez que o animal tentava olhar pela única abertura da caixa, por onde passavam os cabos ligados ao eletrodo, sem qualquer tipo de estimulação elétrica do cérebro o animal já apertava o pedal umas 60 vezes em dez minutos. Era uma situação ideal para deixar evidente qualquer efeito aversivo, que faria o bichinho parar de apertar o pedal. O risco seria deixar escapar alguns casos de efeitos positivos. Mas não houve dúvida: quando funcionava, o animal apertava o pedal até mil vezes nos dez minutos de teste! Testando assim a posição dos eletrodos, Olds pôde determinar que a estrutura cerebral que ele acertara por engano e cuja estimulação fazia o animal "querer mais" é o feixe prosencefálico medial, que contém fibras nervosas que terminam principalmente no hipotálamo, e uma grande quantidade de fibras repletas de noradrenalina, serotonina e dopamina que terminam no córtex pré-frontal. Nos anos seguintes, ficou claro que esse feixe leva e traz fibras do que passou a ser conhecido como o sistema de recompensa do cérebro, que inclui o assoalho dos núcleos mais internos da parte frontal do cérebro, chamado de corpo estriado ventral, e cujo astro é uma estrutura chamada núcleo acumbente. A estimulação do feixe ativa tanto as entradas quanto as saídas desse sistema, algumas estrategicamente ligadas ao sistema motor e evidentemente o sistema é poderoso o suficiente para fazer um ratinho apertar um pedal até cem vezes por minuto. Imagine o prazer em apertar um botão necessário para fazer você repetir a ação a cada batida do seu coração. A estimulação devia provocar o maior "barato" nos animais e ciente disso, Olds pronta e adequadamente chamou sua versão da caixa de Skinner de "Caixa do Prazer". A tal da caixa se mostrou um modelo tão poderoso que esse tipo de experimento, chamado de "auto-estimulação", foi logo adaptado para testar a autoaplicação de drogas em ratinhos, e tornou se um padrão: hoje em dia, basta que uma substância, ou uma situação, seja suficiente para levar a auto-estimulação para que se levante a suspeita de que ela age diretamente sobre o sistema de recompensa do cérebro como é o caso de todas as drogas psicotrópicas. Tudo no cérebro é uma questão de quem fala com quem. Se a mente é produto do sistema nervoso e o cérebro não é muito mais do que neurônios conectados entre si e com o corpo, a riqueza de funções e pensamentos do ser humano só pode ser o resultado de uma coisa: o padrão diferente de conexões de cada região do cérebro. Algumas recebem sinais dos sentidos, outras emitem sinais para os músculos, monitoram os movimentos, articulam neurônios em outras regiões, comparam, antecipam, regulam. Quando se trata de prazer, as regiões envolvidas são aquelas que representam estados internos do corpo 11 (como a insula); antecipam ou detectam uma recompensa (como o núcleo acumbente e restante do corpo estriado ventral); representam o valor relativo da recompensa (como o córtex orbitofrontal); e codificam se já se atingiu a saciedade ou não (como o córtex cingulado e o orbitofrontal). Simples assim. Talvez... Você conhece várias dessas situações e substâncias, e se submete a esse teste voluntariamente em casa, talvez com mais freqüência do que imagina. Por que você achava que comer, fumar, beber, fazer sexo, música ou exercício são hábitos que se mantêm ao longo dos séculos? O que é "bom" para o cérebro e faz a gente querer mais são comportamentos e substâncias que levam a ativação desse sistema de recompensa, e fazem o cérebro passar a associar a causa da ativação à sensação de bem estar e prazer criada em seguida no corpo. Mas, será a ativação do sistema que é prazerosa em si, ou serão as mudanças no corpo às quais ela está associada, a verdadeira fonte de prazer? Isso ainda vai dar pano para manga e trabalho para muitos ratinhos e cientistas. E para você, também. Pensa que você não é, à sua maneira, mais um ratinho de laboratório, como os de Olds, experimentando novas músicas, novos drinques, novas marcas de cigarro ou namorados? Quem diria, ser animal de testes nem sempre é ruim... Dezembro de 2002 Fontes: Olds. J., Milner, P. Positive reinforcement produced by electrical stimulation of septal area and other regions of rat brain. Journal of Comparative Physiology and Psychology, v. 47, p. 419-427, 1954. Olds J. Self stimulation of the brain. Science, v. 127, p. 315-324, 1958. Esquema do interior do cérebro humano, visto de lado (olhos a esquerda, nuca à direita), indicando as estruturas integrantes do sistema de recompensa ou associadas a ele. A cenoura na ponta da varinha É só uma questão de encontrar o estímulo Esqueça a gotinha de suco ou o floco de ração para premiar o ratinho que você tenta arduamente treinar para subir a escada ou atravessar um labirinto. A equipe do americano John Chapin, na Universidade do Estado de Nova York, encontrou um modo muito mais eficiente de conseguir que os bichos façam o que os pesquisadores querem e por controle remoto. Chapin já tinha experiência sobrando com a implantação de eletrodos; foi em seu laboratório que o brasileiro Miguel Nicolelis 12 implantam-se alguns eletrodos no feixe prosencefálico medial. e que tenha vontade de fazê lo. o teste: será que o condicionamento já teria sido suficiente para guiar os ratinhos num campo aberto. passavam por baixo de arcos e por dentro de túneis. até então. Se seus ratos precisam aprender a fazer curvas. "Ande em frente" e "Pare". Pensou que já ia poder fazer o bichinho seguir suas ordens? Não. 13 . Para o animal. a região na superfície do cérebro que cuida das sensações do corpo. que "força" a ativação de regiões específicas do cérebro através de curtíssimos choques elétricos aplicados por eletrodos implantados nas regiões desejadas. Ou seja: é preciso treiná-los. não. coisa nenhuma. Após dez sessões de treino. faça o que você quer que ele faça. sem colocarlhe rédeas? Uma alternativa é usar eletrodos para estimular a representação dos bigodes no córtex somatossensorial. E se eles tentassem o contrário. e outros tantos para os bigodes esquerdos. E como fazer o bicho seguir em frente? Aqui um pouco de incentivo é necessário. coloca-se uma mochilinha as suas costas. um estímulo elétrico que "ligue" a representação dos bigodes do lado esquerdo não deveria ser muito diferente de um verdadeiro toque nesses bigodes. os eletrodos implantados no cérebro de ratos eram usados apenas para que os animais comandassem aparelhos eletrônicos. Primeiro é preciso ensiná-lo como responder ao controle remoto. são necessárias em última análise apenas duas coisas: que ele entenda o que você quer. Então. viravam à esquerda ou à direita sempre que comandados e até subiam escadas. na verdade. parte do sistema de recompensa do cérebro do rato. sem as escolhas forçadas de um labirinto? Sem problemas: os bichinhos corriam em disparada. e voilà: tem-se um rato pronto para. tudo em troca de um pouquinho de estimulação do sistema de recompensa do cérebro após cada associação correta. e um "toque" do lado esquerdo a uma curva para o outro lado. contendo um microestimulador e seu processador teleguiado.. Portanto.. bastam alguns eletrodos para dar um "toque virtual" nos bigodes direitos. não. E se o que você quer que o animal faça é ir aonde você manda. Como fazer o mesmo em um rato. Basta poder indicar "Vire à esquerda". E o treino mais comprovado pela prática é a velha associação de estímulos premiada por um afago na cabeça ou pedaço de comida na boca. Para conseguir que um animal de laboratório ou uma pessoa. Treinando seus ratos em um labirinto em forma de 8. É preciso que eles aprendam o significado de cada "toque" e queiram fazer alguma coisa com a informação. a opção natural é estimular o sistema de recompensa do cérebro. Chapin e sua equipe os ensinaram a associar um "toque" do lado direito a uma curva para a direita. "Vire à direita". Mas. Afinal. então que eles façam exatamente isso: andem em curvas. noções básicas de equitação dão a dica.desenvolveu a técnica para que ratinhos usassem a atividade registrada pelos eletrodos em seu cérebro para mover alavancas sem fazer força. usando os eletrodos desta vez para fazer aparelhos eletrônicos comandarem os ratos? O truque foi dar um objetivo prático a uma técnica até então emprestada apenas para fins de exploração do cérebro: a microestimulação elétrica. Um cavalo sabe que deve virar à esquerda quando você puxa as rédeas para a esquerda. e quando se trata de incentivo. onde os animais não tinham muitas alternativas de movimento. um toque virtual nos bigodes direitos não é necessariamente sinônimo de "vire à direita". desciam degraus. Mas eu só usei uma vez Estresse. Até exploravam o novo ambiente. Ao contrário. 417. A. Confirmando suspeitas antigas.. eram aqueles que reagiam a um novo ambiente com agitação e locomoção constantes.. mas sem ficar para lá e para cá feito os outros. Weiss. portanto.. J. mas foram esses experimentos que primeiro indicaram de onde vêm as diferenças. Não parece nem mesmo haver risco de os bichos resolverem parar no meio. Rat navigation guided by remote control. Ambientes abertos e iluminados... Moxon. Até pilhas de concreto demolido os bichinhos subiam teleguiados. muliiiinha. era até mais que recompensa era incentivo: quanto mais difícil era o obstáculo à frente. Xu. vai.Tudo isso guiados pelo pesquisador que operava o controle remoto pelo computador a uma distância de até 500 metros. que a estimulação do sistema de recompensa também serve como um estímulo para ir em frente como uma verdadeira motivação. Por que logo você? Castigo divino? Dívidas não pagas da última encarnação? Ou biologia pura? Não são necessários experimentos com animais para constatar que indivíduos diferentes têm suscetibilidades diferentes ao vício. e buscavam novidade. K. apenas garantindo lhes de vez em quando algumas estimulações elétricas do sistema de recompensa. o que certamente encorajou os pesquisadores na hora de afirmar que o seu "invento" poderia em breve ser utilizado em buscas em áreas de destruição urbana. 2002.. você anda a uns 5km/ h). variedade e estimulação emocional. K. p. Igualzinho àquela lendária cenoura pendurada defronte dos olhos da mula empacada. cidadania e a suscetibilidade ao vício Seu amigo usou uma vez. E. Você quer experimentar. os cientistas ficaram intrigados com a heterogeneidade dos animais. 37 38. se somente os bichinhos se mexerem.. A diferença entre animais responsivos e não responsivos logo se tornou evidente quando o comportamento dos animais foi analisado em mais detalhe: os animais responsivos. ficavam tranqüilos num canto. Vai. genética. durante até uma hora o máximo testado nos experimentos. os não responsivos. já que alguns tornavamse adeptos da auto-administração. S. É uma idéia estimulante essa de a recompensa.. A. Maio de 2002 Fonte: Talwar. a ativação do feixe prosencefálico medial era recompensa mais que suficiente para manter os bichinhos andando. S. levantadas por experimentos na década de 50. lembrese de que. ao prazer do objetivo alcançado. o que indicava que eles ficavam prontamente viciados. Hawley. em geral associada ao "depois". também funcionar como motivação. mais estimulações do feixe prosencefálico medial eram necessárias para fazer o ratinho seguir adiante. Se for assim. Pelo jeito. Os ratos corriam pra valer. e sem parar. mas os demais não. também não eram problema. que não se viciam. muliiiinha. Na verdade. S. normalmente evitados pelos ratos. K. mesmo. 14 . Nature. repetindo para si mesmo que cada nova dose é a última. S. e tenta fazer o mesmo mas não consegue. Ao tentarem deixar ratos de laboratório viciados em cocaína ou anfetamina para estudar os efeitos da droga. duas. e largou quando quis. v. com suas pernas vinte vezes maiores. predispostos ao vício. a 1 km/h (se você acha pouco. Chapin. o botão "avance" dos ratos teleguiados e pelo jeito também o nosso funciona dando uma amostra do prazer que está por vir.. Chapin e sua equipe demonstraram. aliás. ou algo do tipo: eles continuam perfeitamente capazes de apertar horas a fio a mesma alavanca da gaiola se o resultado. E não. por exemplo. mas a resposta exagerada ao estresse parece ser a chave aqui. a própria cocaína se encarrega de ativar o eixo hipotálamo pituitário adrenal. em 2002. machos ou fêmeas. for aparecer um pedaço de ração. dentre eles a corticosterona que. nos EUA. Ou seja: sem estresse não há formação de vício por alguma razão. Em 1995. e outros. Enquanto eram hospedados individualmente. disparando a produção de hormônios de estresse. predispostos ao vício. Além do mais. Como se a danada antecipasse essa possibilidade. e se colocados em um ambiente estranho. Três meses após serem redistribuídos em grupos de quatro por jaula. avaliadas pela ligação de uma substância radioativa no cérebro detectada por tomografia de emissão de pósitrons. o estresse social também tem influência importante. E sem a ação da corticosterona. como mostrou um estudo francês de 1996. 20 macacos tinham quantidades semelhantes do receptor D2 para dopamina no sistema de recompensa. E recentemente. um estudo da Universidade Wake Forest. Está certo que um sistema dopaminérgico hiperativo por natureza dos animais responsivos deve contribuir para a propensão ao vício. e não ficam se auto-administrando a droga. Em 15 . nos EUA. os animais mesmo os antes "responsivos" resistem impávidos à atração da cocaína. A resposta ao estresse dos animais responsivos. o cérebro usa a presença dos hormônios do estresse como condição sine qua non para se deixar viciar. produzem mais corticosterona um dos hormônios do estresse e por mais tempo que os animais não responsivos.Esses animais também diferem uns dos outros na química cerebral. da Universidade do Estado da Louisiana. Os ratos responsivos. que a auto-administração de cocaína só acontece se a corticosterona circulante no sangue ultrapassar um certo valor limite. demonstrou que a interação social é suficiente para modificar a disponibilidade de receptores de dopamina no sistema de recompensa do cérebro de macacos. provavelmente numa resposta de tolerância aos níveis cronicamente elevados da substância tanto em condições "normais" quanto em resposta à cocaína ou ao estresse de um apertão no rabo. você não estará seguro se deixar para usar a droga quando estiver se sentido calminho e desestressado. ao mesmo tempo em que uns se tornam mais propensos ao vício. ainda aumenta os efeitos da droga. o comportamento dos macacos havia mudado visivelmente. os animais previamente caracterizados como responsivos ou não responsivos não mais diferem na quantidade de dopamina liberada no núcleo acumbente em resposta ao estresse. bloqueada quimicamente ou eliminada pela remoção cirúrgica das glândulas adrenais. menos. exibem uma hiper ativação dopaminérgica generalizada do sistema de recompensa: o número de receptores para dopamina no núcleo acumbente é reduzido. Esses e outros experimentos nos quais o animal era exposto a diferentes níveis de estresse antes da auto-administração de cocaína indicaram ao neurocientista Nick Goeders. além de ser necessária à formação do vício. E não é porque fiquem burrinhos. um estudo francês demonstrou que ratos submetidos à agressão de outros ratos e derrotados apenas quatro vezes ao longo de uma semana buscavam se auto-injetar quantidades maiores de cocaína do que animais não expostos. em vez de injeção de cocaína. Se a ação da corticosterona for bloqueada. é elevada como um todo: eles reagem de forma exagerada. Num teste de auto-estimulação. quando primatas são encarcerados individualmente. Por trás dessa sugestão está também o fato de que. Como nos ratos.. M. p. p. um dos animais havia se tornado claramente dominante. um dos resultados de um sistema dopaminérgico hiperativo.. M... 16 . Simon. H. p... Piazza. M.. P. V. E. Simon. 3903-3907.. agredindo e submetendo os demais. Rouge Pont. 34. Novelty seeking in rats biobehavioral characteristics and possible relationship with the sensation seeking trait in man. P. presumivelmente à medida que o animal assume o controle do seu ambiente. E assumindo o controle. 2002. em que os animais tinham o controle de injeções de cocaína diretamente na veia. embora distinguíveis pelo baixo grau de locomoção na jaula individual. baseados em evidências de estudos anteriores. Brain Research. European Journal of Neuroscience. P. 698. Seria de se esperar que os que se tornaram dominantes. Na opinião dos pesquisadores. H. 1998. Mayo. também tivessem uma resposta reduzida ao estresse. e resistentes ao vício. no entanto. 301.. Ao contrário dos ratos. 1996. 10. Le Moal. seria permitir aos macacos que se tornam dominantes que seu sistema dopaminérgico volte ao normal. F. Deroche. Taí. Piazza. F. Assegura-se ao indivíduo o controle da sua própria vida. Olha que coisa mais linda: restaurar a cidadania funciona até para ratos e macacos. v. Stress and cocaine addiction. 1995. os macacos que se tornaram subordinados e propensos a usar cocaína eram aqueles responsivos.cada grupo. Neuropsychobiology. Individual differences in stress induced dopamine release in the nucleus accumbens are influenced by corticosterone. O animal dominante passou a gozar de 20% mais receptores para dopamina no sistema de recompensa do cérebro do que antes. M. Journal of Phármacology and Experimental Therapeutics. Haney. V. foi o alojamento individual que colocou todos no mesmo barco de hiperatividade dopaminérgica. e também mais do que os outros três subordinados. W. 785 789. v.. por conseguinte. S. v. de suas fontes de comida e sexo. p. E mais: os animais dominantes pareciam ter se tornado resistentes à atração da cocaína. Le Moal. o "prêmio" por tabela é tornar-se também menos propenso ao vício. que anteriormente exibiam agitação locomotora em suas jaulas individuais. Social stress increases the acquisition of cocaine self administration in male and female rats. Janeiro de 2003 Fontes: Dellu. não diferiam então dos demais quanto ao número de receptores de dopamina disponíveis. v. Goeders. V. diversão.. Pena foi os pesquisadores não terem contado o que acontecia com os hormônios do estresse nos macacos em sociedade.. comida a vontade. V. 136-145. Piazza. e de quebra ele ainda se tornará menos propenso ao vício. 46-52. os animais que iriam se tornar dominantes posteriormente. N. Maccari. e recebendo privilégios como ser penteado com uma freqüência três vezes maior que os outros. praticamente todos se tornam dependentes de cocaína se tiverem a oportunidade. A diferença que a interação social faz. Le Moal. aqueles que se subordinaram ao dominante se auto-aplicavam cocaína repetidas vezes mas o dominante não se injetava mais vezes do que quando a injeção continha apenas soro fisiológico. o direito de não ser agredido ou estressado de outras maneiras. apesar das diferenças locomotoras permanecerem evidentes.. do seu direito de ir e vir. cérebro. a moeda mais usada na troca de sinais entre neurônios. o cérebro não só é comestível (as versões bovina e ovina são encontradas no seu açougue favorito sob o nome pouco convidativo de "miolos". um sal encontrado nas prateleiras dos supermercados e nas mesas dos restaurantes orientais.300 1. além dos tradicionais doce.100 ? .600 ? 240 1. tomate. e adicionado ao tempero de macarrão instantâneo e a salgadinhos em geral. leite. mas o glutamato preso em proteínas somente é liberado no intestino. Mas existe uma tradução mais simples..200 2.300 200 2.600 ? 210 2. iguaria aliás muito apreciada pelos franceses).800 ? ? ? 5. no molho de soja e em vários alimentos como queijo parmesão.) Alimento Caldo de carne Sopa de pacote Alga marinha Kelp Molhos prontos Queijo parmesão Batata-frita de pacote Hambúrguer pronto Cogumelos em lata Ervilha Cérebro (miolos) Tomate Milho Batata Espinafre Galinha Cenoura Bife Porco Ovo Leite humano Cebola Cordeiro Salmão Bacalhau Leite de vaca 17 Glutamato livre (mg) 8. frutos do mar e. Sim. "essencial" ou "de carne".700 2. atum. De fato. como também é um dos alimentos que mais contêm glutamato. (Valores referentes a glutamato acrescentado artificialmente ao alimento estão indicados com*. "saboroso". e muito mais do que você pensa! Essa história de existirem apenas quatro gostos básicos sempre foi contra a impressão de que sentimos mais sabores do que isso.200 910 560* 240* 200 200 140 130 100 40 45 35 35 25 25 22 20 20 20 10 2 Glutamato em proteínas (mg) ? ? ? ? 9. de difícil tradução. Confira na tabela a quantidade de glutamato livre e conjugado em proteínas por 100g de alimento.060* 1.O quinto elemento: o gosto do cérebro O injustiçado glutamato já está na sua comida. O glutamato livre produz na boca a sensação instantânea do sabor umami. há quase cem anos.240 2.800 270 290 3. vendido como Aji no moto ou Sazon. Um gosto tão especial que o nome em japonês. Trata se do gosto do glutamato. salgado. que existe um quinto gosto.780* 2. que pode significar tanto "delicioso" como "pungente". também.700* 3. acabou vingando também em outras línguas: é o gosto "umami".. durante a digestão.800 2. azedo e amargo. E presente naturalmente. os japoneses bem que sabiam. Por uma razão muito simples: o glutamato o mesmo glutamato do Aji-no moto é o principal neurotransmissor do cérebro. E não pense que a "síndrome do restaurante chinês" é culpa do glutamato! Foi o japonês Kikunae Ikeda. e com a perda de pele. como o atum e o caldo de carne. ele sabe fazer o seu próprio. muito mais grave que o glutamato é o sódio que o acompanha nas versões do supermercado. ainda não tinham receptores identificados. Aliás. o que entra livre ou é extraído das proteínas é metabolizado em substâncias ainda menores. há tanto glutamato entrando normalmente que o corpo excreta 16g por dia pelas fezes. por exemplo. Ikeda determinou que o elemento responsável pelo sabor umami é o glutamato. de modo que se eles agissem também na superfície da língua. por exemplo. sais minerais e ácidos) ou substâncias tóxicas e indesejáveis (em geral amargas). o que poderia tornar a vida dos pesquisadores mais fácil. Na verdade. faz sentido existir um gosto básico sensível ao componente mais comum das proteínas. Ikeda observou que o tofu. os bloquinhos que compõem as proteínas essenciais a vida humana. Não entra glutamato direto no cérebro. o mais comum dos vinte aminoácidos. uma coalhada de feijão de soja muito sem graça para os ocidentais mas apreciada pelos japoneses. uma alga marinha comum na culinária oriental. no entanto. da Universidade Imperial de Tóquio. A partir da análise bioquímica do caldo de Kelp e de outros alimentos ricos neste sabor. segundo. o glutamato também é usado dentro da língua como um neurotransmissor. carregado de glutamato livre. Como diferenciar qual é o receptor do glutamato dos neurônios e qual o do glutamato da comida? 18 . pela urina. Mas com o calor do cozimento. por exemplo. ficava mais saboroso quando ingerido ao mesmo tempo com uma colher de caldo de kelp. Nem precisa: assim como o resto do corpo. no de ratos também. qualquer grãozinho de Aji no moto provocaria um sabor fortíssimo o que não é o caso. Por ironia. No entanto. Segundo a lógica de sinalizar a presença na boca de nutrientes necessários (açúcar. O fato de o glutamato também ser usado como neurotransmissor sugeria que talvez um dos próprios receptores de glutamato do cérebro fosse usado também na língua. esse sim problemático para quem tem hipertensão. os receptores de glutamato conhecidos são extremamente sensíveis. Testes de percepção já tinham mais do que comprovado que o glutamato provoca um gosto específico no paladar de seres humanos e aliás. foi justamente o "receptor umami" o último gosto reconhecido. não provoca o sabor umami. e não diretamente a detecção de glutamato na comida. o primeiro dos receptores gustativos a ter seu gene descoberto: até o ano de 2000. De fato. as proteínas se partem em pedaços menores. O glutamato inserido nas proteínas. dá para imaginar que comer glutamato adicionado não deve fazer mal. levantava dois novos problemas. E. mas para reconhecer definitivamente o status do umami como o quinto gosto básico faltava encontrar um receptor exclusivamente seu: uma proteína na superfície de células da língua que servisse de "encaixe" para o glutamato. considerando que a seqüência dos genes para esses receptores cerebrais já era conhecida. Primeiro. já existem receptores no local dedicados a transmissão de sinais para o cérebro. considerados básicos por unanimidade.Com tanto glutamato nas proteínas. para que em seguida uma mensagem acusando sua presença fosse enviada ao cérebro. portanto. liberando-o e com ele o sabor "rico" do caldo de carne. quem no início do século 20 caracterizou o gosto umami como um sabor inimitável por qualquer combinação dos quatro sabores básicos. os outros gostos. em fevereiro de 2000. da Escola de Medicina da Universidade de Miami. e m de. 4 de Quarta versão identificada. Até as bactérias possuem um receptor parecido. Mas falta-lhe um pedaço. a família de receptores de glutamato. drogas que ativam especificamente o mGluR4 também têm "gosto de glutamato". Nirupa Chaudhari e Ana Marie Landin. e mesmo em nome da ciência o prato me parece um tanto nojento. e também sugere de onde surgiu. Agora que o receptor umami foi identificado. como tudo o que é vivo e cheio de células. metabotrópico. ao longo da evolução. Mas gosto não se discute. A identificação do receptor umami confirma de vez seu status de quinto gosto básico. que gruda aminoácidos em geral o que dá uma idéia da importância do receptor. Falando em ratos. vêm cheios de DNA. Quem conferir a embalagem dos salgadinhos ou Miojo verá: lá na lista dos ingredientes estão o inositol monofosfato e a guanosina monofosfato. e isso o torna ao mesmo tempo imprestável para a transmissão de sinais para o cérebro. além dos tradicionais açúcares. mas simplesmente perfeito para detectar as altas concentrações de glutamato livre que passam pela boca. no laboratório de Roper. eles não são os únicos privilegiados. sim. Mas outro mistério permanece. continuava a incompatibilidade da concentração necessária para "ligar" o receptor. Testes em seu laboratório para detectar vários tipos de receptores de glutamato na língua de ratos haviam mostrado a presença de uma versão do receptor chamada mGluR4 (Glu de Glutamato.. Embora o glutamato sozinho confira a comida o sabor umami. Para resolver a questão. pescando glutamatos livres na comida. mostrou que a versão gustativa do receptor é truncada: falta justamente parte da região que fica exposta na boca. No entanto. Fica faltando apenas conferir se o cérebro. O receptor umami é semelhante a um daqueles receptores de glutamato do cérebro. publicado na revista Nature Neuroscience. Ou seja: é inconfundível. ou até antes. O seqüenciamento completo. ou talvez eles se grudem ao mesmo tempo no mesmo receptor. maneira curta de dizer "receptor que requer o metabolismo de alguns intermediários dentro da célula para surtir seu efeito". tem mesmo sabor umami. essa versão ainda gruda glutamato em concentrações compatíveis com a sensibilidade tanto de ratos como de humanos. enquanto outras drogas que ativam outros tipos de receptores para glutamato não têm gosto. todas essas possibilidades poderão ser testadas diretamente. que modificam diretamente a carga elétrica da célula). Além disso. presente desde nesses serezinhos microscópicos até no todo poderoso homem. com todo seu glutamato livre.A natureza ajudou. Alguém se habilita? Outubro de 2001 19 . Eu confesso que nunca tive coragem de encarar um ensopadinho de miolos. já tinha indicações de que um determinado tipo de receptor para glutamato do cérebro estaria envolvido na gustação do umami. proteínas e sais minerais. Talvez esses nucleotídeos interajam com outros receptores. A equipe do americano Stephen Roper. ao contrário dos outros receptores de glutamato. seu efeito é potencializado pela presença de nucleotídeos parecidos com os que compõem o material genético (Você já parou para pensar que come DNA todos os dias? E. para não dizer fedido. além do homem. R de Receptor. E o que é melhor: embora truncada.. que mais tarde tem seus sinais para o cérebro combinados aos do receptor umami. leite. Só que ninguém lembra!). carnes e vegetais. facilitando a deteção do glutamato. a sentir o gosto do glutamato. fizeram um preparado de línguas de rato (parece até receita de bruxaria!) e aplicaram técnicas de biologia molecular para extrair dali seqüências de DNA semelhantes a do mGluR4. gelado (o álcool comum. O detergente fica para trás.. O calor ajuda o processo. Passe a mistura no coador de café e recolha o líquido filtrado em um copo limpo. colocando o copo numa tigela de gelo moído por uns 5 minutos. onde está o DNA (a mastigação. Sim. Pique a cebola em pedaços tão pequenos quanto seus dotes com uma faca e sua paciência permitirem. 4. Cientistas em seus laboratórios também seguem receitas. com uma única diferença: para parecer mais sério. o frio resolve. na ausência do seu detergente de cozinha. e também inativa proteínas da própria cebola que destroem o DNA (e só não o fazem naturalmente porque. Mexa bem até dissolver completamente. enquanto na solução que atravessa o filtro estão o DNA e o sal de cozinha. daqueles de mexer bebidas. saído do seu freezer) • um bastão de vidro. suas receitas são chamadas de "protocolo". por exemplo) • uma panela com três dedos de água • água filtrada • sal de cozinha • álcool etílico a 95%.Receita para ver o DNA que você come Você pode brincar de bioquímico em sua própria cozinha a "ver" o DNA que você come disfarçado na cebola. e abrindo caminho para que a mistura de detergente que você vai usar chegue até o núcleo delas. mesmo que você ainda não o veja (grande parte da biologia molecular acontece assim. Não vale passar no liquidificador! Cortando a cebola você está destruindo milhões de células. acrescente 2 colheres (de sopa) de detergente. Boa oportunidade para botar a raiva para fora! 5. 20 . e depois os ácidos do estômago. cubos de gelo também servem. em caso de preguiça. leve copo e tudo ao banho maria por cerca de 15 minutos. a bata com força no chão da cozinha. torça o pano para ficar bem fechadinho. mas moer o gelo pode ser uma atividade mais divertida do que você pensa: junte cubos num pano de prato. Retire a gororoba do banho maria e resfrie tudo rapidamente. e uma pitada de sal. fazem isso por você com a cebola que você come). O detergente "come" a membrana que envolve as células e seus núcleos. A esta mistura acrescente a cebola picada. liberando o DNA e um mundo de proteínas e outras guloseimas no caldo. o DNA fica bem protegido no núcleo. ou um pauzinho de madeira • um coador de papel (daqueles de passar café) • uma tigela cheia de gelo moído • detergente de cozinha Procedimento: 1. agarrado em proteínas e outras substâncias que estavam dentro da cebola. É só seguir a receita. Coloque um dedo de água em um copo. a salvo dessas proteínas).. 3. Vamos lá: Você vai precisar de: • uma cebola média • uma faca de cozinha • dois copos pequenos (de geléia. Na falta de calor para segurar aquela proteína que vai tentar picar seu DNA em pedacinhos. 2. On a new seasoning (em japones).. 3. J. vá misturando o álcool com a água. Yang.. no qual o DNA não se dissolve. S. O álcool ficará pousado sobre a água. v. 1909. Chaudari. Rio de Janeiro: Campus. K. E. você verá fios esbranquiçados acumularem-se ao redor do seu bastão: são longos fios de DNA de cebola.. v.. Só não é recomendável comê los. pode ser frustrante. sem se misturar. Emsley. The taste of monosodium glutamate: membrane receptors in taste buds. Fell. M. é perfeitamente segura. p.). C. Fontes: Chaudad. 7. Roper. Foi alguma coisa que você comeu? Intolerância alimentar: causas e prevenções. com todo o seu DNA. Ikeda. N. N. Adicione ao filtrado um dedo do seu álcool estupidamente gelado.. C. 30. 1996. 820836. 6. com movimentos circulares lentos. p.. Mas a cebola. Joumal of Neuroscience. T. Cantford. mas ao colocar a solução aquosa em contato com o álcool. v. H. prontos para você fazer deles o que quiser.. Nature Neuroscience.com soluções contendo coisas interessantíssimas que ninguém vê.. deixando-o escorrer devagar pela borda como se você estivesse servindo uma cerveja sem colarinho. A. Mergulhe o bastão no fundo do copo e. por causa do detergente.. P. Lamp.. 3817-3826. D. O que você vai fazer agora é pescar o DNA. p. Than. Journal of the Tokyo Chemical Society... 21 . S. Roper. 2000. Delay. Claro que você não vai conseguir. 2001. Como você pode imaginar. A metabotropic glutamate receptor variant functions as a taste receptor.. 113 119. 16. Landin. texto do livro Fantasmas no Cérebro. tanto em indivíduos jovens como em adultos. de um lado. 1999. A capacidade de modificação do sistema nervoso em função de suas experiências. pode-se afirmar que o comportamento de um indivíduo é produto de sua história filogenética. 1996). ou seja. As relações entre os eventos ambientais e as respostas do organismo podem estabelecer contingências. no tamanho e nas funções do sistema nervoso. resulta da interação entre as contingências filogenéticas e ontogenéticas. Skinner. Comportamento e Plasticidade Neural No estudo do comportamento. 1981). relações condicionais entre classes de comportamento e as classes de estímulos que lhes são antecedentes ou conseqüentes. Neste sentido. As contingências filogenéticas atuaram durante a evolução e selecionaram classes de comportamento favoráveis à sobrevivência dessa espécie.Material de apoio da atividade O aprendizado é capaz de causar mudanças estruturais (morfológicas) no córtex cerebral? Seu cérebro é plástico? As interações organismo-ambiente vivenciadas por um indivíduo determinam fundamentalmente a topografia e a função de suas respostas. inclusive na fase adulta e durante o envelhecimento. As mesmas pressões evolutivas que determinaram as mudanças na topografia e na função das reações do indivíduo ao ambiente também determinaram alterações na forma. Em cada espécie. a interação sistema nervoso-ambiente resulta na organização de comportamentos simples ou complexos que modificam tanto o ambiente como o próprio sistema nervoso. 2000. as contingências ontogenéticas foram estabelecidas pelas interações particulares desse organismo com o seu ambiente. foi reconhecida apenas nas últimas décadas (Rosenzweig. São essas relações que definem as 22 . desde o início do seu desenvolvimento e selecionaram as classes de respostas eficazes para a adaptação a um ambiente que muda constantemente. Essa capacidade denota a plasticidade do sistema nervoso. simples ou complexas. ou seja. 1981). Assim. de Vilayanur Ramachandran. entre os estímulos e as respostas de um organismo (Skinner. os indivíduos têm um repertório comportamental que. ontogenética e cultural (Bussab. Catania. 2000). • Comportamento e Plasticidade Neural • Plasticidade Neural: Abordagens Experimentais • Alterações no Sistema Nervoso e experiência • Implicações dos Estudos de Plasticidade Neural • Referências • Material complementar: Sei onde coçar. O processo evolutivo resultou em cérebros com uma abundância de circuitos neurais que podem ser modificados pela experiência (Carlson. a plasticidade neural que está presente em todas as etapas da ontogenia. um dos princípios básicos afirma que as propriedades funcionais do comportamento são determinadas pelas relações. determina o comportamento (Kandel. 1996). 23 . Para citarmos um exemplo. Cada indivíduo tem um padrão comportamental característico. mas também questões de outras disciplinas científicas. Em resumo. assim como tem um sistema nervoso com características próprias. 1999). Catania. a descrição e a programação de relações condicionais que estabelecem e controlam a probabilidade de classes de comportamento (Baum. Schwartz & Jessell. bioquímicos. Nesse sentido é que se desenvolveram as disciplinas denominadas Psicofarmacologia. com a sua individualidade comportamental (Kandel & Hawkins. anatômicos e genéticos: a neurociência. 1999). o desenvolvimento científico dessas e de outras áreas propiciaram o surgimento de uma nova disciplina científica integradora de metodologias e conceitos neurofisiológicos. motoras e cognitivas. 1994). que são analisados e utilizados pelo sistema nervoso central para o controle de respostas vegetativas. considera-se que tal como o ambiente diferencia e modela a forma e função das respostas de um organismo. cuja função. Ou seja. resultantes também de sua história de interação com o ambiente externo. Desse modo. a metodologia e os conceitos derivados da análise do comportamento têm fornecido a possibilidade de linhas de base comportamentais adequadas para as investigações dos mecanismos biológicos subjacentes ao comportamento. Strumwasser. Essas características do sistema nervoso atribuem uma individualidade neural ao indivíduo que se relaciona. O seu princípio básico é que o ambiente físico e social determina a atividade de células neurais. As pesquisas orientadas por tais objetivos permitiram o acúmulo de um conjunto de dados e procedimentos com sólida fundamentação experimental e conceitual (Catania. a interação organismo-ambiente também diferencia e molda circuitos e redes neurais. a validade do conhecimento científico sobre o comportamento transcende os limites da Psicologia como disciplina científica específica e integra-se a áreas de conhecimento com caráter multidisciplinar. verifica-se que os processos comportamentais e os processos de plasticidade neural possuem relações mais estreitas e complexas do que se supôs durante muito tempo. por sua vez. 1995. farmacológicos. psicológicos. 1997). Assim. Os objetivos primordiais da análise do comportamento relacionam-se com a identificação. 1992). 1999. Essas respostas constituem os padrões comportamentais que atuam sobre e modificam esse ambiente. cuja importância abrange não apenas as questões investigadas pela Psicologia.contingências de reforço que alteram a freqüência de classes de respostas. 1999). O ambiente fornece estímulos/informações que são captados por receptores sensoriais e convertidos em impulsos elétricos. subjacentes aos processos comportamentais de aprendizagem e de memória encontram-se as alterações funcionais e morfológicas que ocorrem no sistema nervoso e que caracterizam a plasticidade neural (Cuello. resultante de sua história pessoal de reforço. Uma das evidências para este fato é que tanto as situações de mera exposição à estimulação ambiental quanto às situações de treinamento sistemático em aprendizagem resultam em alterações no comportamento e nos circuitos neurais (Rosenzweig. Psicobiologia e Psicofisiologia Mais recentemente. conseqüentemente. Do mesmo modo que o comportamento altera a probabilidade de outros comportamentos (Catania. a atividade neural altera a probabilidade das funções neurais. graças à ação sinérgica de diferentes órgãos. 1989).Plasticidade Neural: Abordagens Experimentais Numa forma abrangente. Frankland & Kogan. conforme citado por Rosenzweig. consolidação de memória ou com lesões neurais (Morris. verificam-se diferentes níveis de análise comportamental. como conseqüência de trauma. pode haver um período em que se observa uma ausência ou diminuição na freqüência de uma ou mais classes de comportamentos. Kolb & Whishaw. de traumatismos ou de lesões que afetam o ambiente neural (Phelps. propôs a hipótese de que durante a aprendizagem ocorreriam mudanças plásticas em junções neuronais enquanto que Cajal aventou a possibilidade de que o exercício mental poderia causar maior crescimento de ramificações neurais. até a avaliação de padrões comportamentais mais complexos. ocorrem mudanças no tecido nervoso que têm como função a manutenção da homeostasia do organismo. coordenados pelo sistema nervoso central (SNC). os estudos sobre a plasticidade do sistema nervoso podem ser classificados como pertencentes à categoria daqueles que manipulam o ambiente e analisam as mudanças morfológicas e/ou funcionais em circuitos neurais. do treino e do exercício sobre o cérebro já aparece em relatos do século XVIII. 1990. Plasticidade seria a capacidade do organismo em adaptar-se às mudanças ambientais externas e internas. 1996) sobre regeneração neural apresentam relações mais diretas entre plasticidade e o sistema nervoso. 1988. Silva. Como assinala Rosenzweig (1996). além de promover a cicatrização e o reparo tecidual (Finger & Almli. Na literatura recente. ainda. Os trabalhos pioneiros de Santiago Ramón y Cajal e Eugênio Tanzi (citados por Rosenzweig. Nestes casos. Na investigação das relações entre plasticidade neural e comportamento. Assim. agudamente. focalizando mecanismos e processos celulares. Dentre essas questões. como também ao nível de sistemas neurais e comportamentais. 1998). plasticidade neural pode ser definida como uma mudança adaptativa na estrutura e nas funções do sistema nervoso. Rosenzweig. que ocorre em qualquer estágio da ontogenia. 1982. 1989). Tanzi. Kandel & Squire. incluindo desde a análise de respostas específicas que são aprendidas e memorizadas. o termo recuperação de função refere-se à situação em que se observa aumento na freqüência ou magnitude de um comportamento após um período de freqüência ou magnitude zero. denominados de recuperação de função (Kolb & Whishaw. destacam-se as referentes ao desenvolvimento neural. As questões relativas à plasticidade neural têm sido analisadas tanto ao nível molecular. Experimentos de Bonnet e Malacarne (Bonnet 1779-1783. 1996. Weinberger & Diamond. um fisiologista alemão. à recuperação de função e à reorganização morfofuncional de circuitos neurais correlacionados com a aprendizagem. envolvidos na recuperação de função (Phelps. denominados de estudos de plasticidade neural ou à categoria de estudos que enfatizam as mudanças comportamentais após traumatismos ou lesão do sistema nervoso. o termo plasticidade foi introduzido por volta de 1930 por Albrecht Bethe. como função de interações com o ambiente interno ou externo ou. Alterações no Sistema Nervoso e experiência O interesse pelos efeitos da experiência. 1996) indicaram que os cérebros de animais que recebiam treinamento 24 . como resultado de injúrias. intervenção cirúrgica ou lesão do sistema nervoso. De acordo com Pia (1985). Giese. Federov. Ao mesmo tempo. 1990). 1987). O próprio conceito de sinapse sofreu uma modificação na medida em que passou a ser considerado como um 25 . Krech. As últimas quatro décadas do século XX culminaram com a chamada década do cérebro nos anos 1990 e constituem um período fascinante no que concerne à identificação de processos de plasticidade neural. que iniciou uma profícua linha de investigações cujos procedimentos e questões experimentais. Entre essas alterações estavam incluídos o aumento na espessura das camadas do córtex visual. a interação com esses ambientes ricos em estimulação resulta em alterações específicas do SNC. somente foram provados experimentalmente a partir da década de 1960. na pesquisa básica sobre aspectos plásticos do SNC e processos biológicos relacionados com os comportamentos. O procedimento básico de Rosenzweig e colaboradores (Rosenzweig. Em resumo. 1996). tem sido realizada por meio de investigações que utilizam métodos de análise do comportamento aprendido associados à metodologia neurobiológica. Contudo. 1965). em suas diferentes abordagens. escadas. Isso se deve a um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia. os conceitos e proposições relacionando plasticidade do SNC e comportamento. eram similares àqueles de seus desconhecidos predecessores. Os avanços recentes no conhecimento da biologia molecular têm levado a novas perspectivas em termos de controle de mecanismos de plasticidade neural. 1960. todas as características morfológicas e funcionais de áreas corticais sofreram alterações importantes em função da mera exposição e da interação com ambientes que fornecem diversidade de estímulos (Rosenzweig. 1996) constitui uma das abordagens clássicas no estudo da plasticidade neural. como nos estudos de exposição a ambientes considerados ricos em estimulação (Krech. com maior número de circunvoluções. como nos estudos de privação sensorial (Hubel & Wiesel. no tamanho de corpos neuronais e de núcleos dos corpos neuronais. aprendizagem e memória. em Berkeley. contendo animais em conjunto ou alojados individualmente. no número de sinapses e na área das zonas de contato sináptico. tais como objetos de formas diferentes. Esses estudos mostraram novas e interessantes perspectivas para a análise dos efeitos da experiência sobre o sistema nervoso. 1996. em diferentes idades. além de alterações em níveis de neurotransmissores. O desenvolvimento histórico desse conhecimento biomédico tem sido claramente ligado ao uso de animais. Strumwasser. à busca de mecanismos subjacentes a esses processos e às interrelações com as mudanças comportamentais (Rosenzweig. Rosenzweig. embora sem que soubessem na época. No arranjo ambiental utilizado as gaiolas-viveiro eram maiores e ofereciam uma grande quantidade e variedade de estímulos. Bennett & Diamond. no número de dendritos e de espinas dendríticas. pode-se afirmar que a análise da plasticidade neural e de recuperação de função. Implicações dos Estudos de Plasticidade Neural De um modo geral. ou otimizandoas. consistentemente. 1994). Rosenzweig & Bennett. que. restringindo-as. 1962) utilizou o arranjo de gaiolas-viveiro diferentes daquelas comumente encontradas em biotérios. principalmente mamíferos e aves. principalmente à de lesão e/ou estimulação neural. Observou-se. A manipulação das condições de estímulo. espelhos. no volume e no peso cerebral. como afirma Rosenzweig (1996). além de diferentes possibilidades para conseguir alimento.sistemático durante anos tinham um cerebelo mais desenvolvido. rodas de atividade. & Hawkins.M. M. Journal of Psychiatry Neuroscience. A. Sem dúvida alguma. E.A. Jessell.M. & Whishaw.M. Cell Biology International. Synaptic transmission: A bidirectional and self-modifiable form of cell-cell communication.. Kolb. Neuroscience. Journal of Neurosurgery Science. K. Brain Research. G. & De Bruin .A. Progress in Neurobiology. 509-519. Behavioural Brain Research. Behavioural and neuroanatomical correlates of long-term detelencephalation in pigeons.A.M. 22. H. & Jessell. 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Neuroanatomical correlates of sparing of function after neonatal medial prefrontal cortex lesions in rats. (2000). as aplicações e implicações de todo esse conhecimento constituem desafios para todos aqueles interessados em comportamento e sistema nervoso.R. 1-11. R.R. Tomanari e E. Baum. Van Eden. A. Schwartz.M. linguagem e cognição. As interações sinápticas entre neurônios envolvem interação elétrica e química complexas. S. S100 immunoreactivity is increased in reactive astrocytes of the visual pathways following a mechanical lesion of the rat occiptal córtex. Tourinho. (1992). Kandel. Pettersson.Y. (2000). A ativação de mecanismos de transcrição gênica e de regulação de síntese protéica vão resultar em maior disponibilidade de proteínas que serão utilizadas como o material básico da célula. Y. Boston: Allyn &Bacon. 127-132. 1041-59. Central neuron-glial and glial-glial interactions following axon injury. 1-30. (1982). (1994).. 46. (1983). (1987). 153-170. Skinner. Como Tom era canhoto. Analysis of functional deficits. & Diamond. (1981). A. Finger.W. & Kogan.. Tinha 17 anos.. B. G. Progress in Neurobiology. 77. J. Behavioural and Neural Biology. Nomikos. 501-504. "estender o braço" e "pegar" objetos que estavam ao alcance da mão. 429-437.. M. & Van Der Loos. S..B.P. 157-165. 50. Tom ainda podia sentir sua presença espectral abaixo do cotovelo. Ridel. Journal of Comparative and Physiological Psychology. Progress in Neurobiology.H... evitar quedas ou dar tapinhas carinhosos nas costas do irmãozinho. 81-102.J.. UNICAMP.Moonen. Neurobiology of Learning and Memory. K. 29. Dorfl. Rosenzweig. 47. Realmente. N. Annual Review of Neuroscience. (1991). (1988). Apoptose de neurônios motores. Neuron glial interactions and neural plasticity. Krech.R. E. Rosenzweig. (1998). M. Podia mexer cada "dedo". Frankland. J..L. The neuroscience of learning and memory: Cell neural circuits and behavior.M. 55. Nas semanas seguintes. The unilateral 6-hydroxidopamine lesion model in behavioural brain research. P.185-222. cellular and neuroanatomical substrates of place learning. embora sabendo ter perdido o braço. Progress In Brain Research. 12.F. Phelps. P.P. Plasticity in the barrel cortex of the adult mouse: Effects of chronic stimulation upon deoxyglucose uptake in the behaving animal. Synaptic plasticity in the mammalian central nervous system. G. 63-72. A. Leprince.a neurosurgeon's experience of cerebral compensation and decompensation. Tom estava louco. Selection by consequences. como aparar golpes. L. J. estava dirigindo de volta para casa.. & Schoenen. segurando a almofada do assento separada de seu corpo como um adereço num filme de terror de Freddy Krueger.R. N. quando um carro na faixa oposta deu uma guinada na frente dele. C. (1990). (1981). Bennett. (1991). Reactive astrocytes: Cellular and molecular cues to biological function.P.. Rao. & Hart. Trends in Neuroscience. P. Tese de Doutorado. Weinberger. Silva. cansado e faminto. 307-317. 70. S. recovery and treatments. Tom olhou para trás e viu que sua mão ainda estava no carro. Tom Sorenson se lembra nitidamente das horripilantes circunstâncias que levaram à perda de seu braço. Federov. D. R. Morris. H.. Neural plasticity in aging and Alzheimer's disease: Some selected comments.. F. de Vilayanur Ramachandran.. Science. Instituto de Biologia. 3-10. T. Welker. Annual Review of Psychology.W. Malhotra. B. J. seu braço fantasma parecia capaz de fazer tudo que o braço real tinha feito automaticamente... (1985). Physiological plasticity in auditory cortex: Rapid induction by learning. Pia. F. H. E. Enquanto era arremessado pelo ar. RK & Huston. (1999). Progress In Brain Research.R. 4. & Gage. Effects of environmental complexity and training on brain chemistry and anatomy: A replication and extension.L. Em conseqüência desse terrível acidente.M. (1997).. Debree. & Squire. 86.R. JP (1996). D. E. Journal of Neuroscience. 1-5. Material complementar Sei onde coçar Texto do livro Fantasmas no Cérebro. J. 86. 44-61. Trends in Neuroscience.R.G. o carro de Tom rodopiou fora de controle e ele foi ejetado do assento e lançado contra a fábrica de gelo à margem da rodovia. 20. Rigo. D. Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas. Journal of the Experimental Analysis of Behavior. P.. Privat.H. Lefebre. S. The relations between neuroscience and human behavioral science. Melzer. & Diamond. Brain damage and recovery: Problems and perspectives. Molecular. A. Os freios guincharam. 125-127. 37. 275-331. Morgan. H. (1996). Changes in nigroestriatal projections associated with recovery from lesion-induced behavioral assimetry. 351-379. Strumwasser. 570-577. M. 61. Giese. Stein. interneurônios e neurônios sensitivos induzida pela transecção do nervo ciático em ratos recém-nascidos: padrão temporal e efeitos do tratamento com fatores neurotróficos (NGF e CNTF). 213. (1990). Rogister. Depois de jogar futebol. faltando apenas três meses para terminar o Ensino Médio.L. Tsukahara.M. Aspects of the search for neural mechanisms of memory. Acta Neurologica.G. N. P. 1-32. 11. (1962). Kandel. Plasticity of the central nervous system. Tom perdeu a parte do braço esquerdo logo abaixo do cotovelo.B. S. um braço ou perna que 27 . Schwarting.M. Oliveira. & Huston. Behavioural Brain Research. seu fantasma sempre queria pegar o telefone quando este tocava. A impressão de que o braço perdido ainda estava ali é um exemplo clássico de membro fantasma. K. provocando muitas especulações sobre o que poderia causá-los. Estes voltavam para casa com fantasmas. Como médico. Naquela época. é determinada pelos genes e até que ponto é modificada pela experiência. A persistência de sensação em membros muito tempo depois da amputação já fora observada no século XVI pelo cirurgião francês Ambroise Paré. alguns desses pacientes experimentam dores terríveis no braço. de que o espírito continuava existindo muito tempo depois de ter se livrado de sua carcaça. A dor não somente é implacável como também intratável. e não é surpresa que exista um minucioso folclore em torno deste fenômeno. para não se arriscar a ser ridicularizado pelos colegas se o divulgasse numa publicação médica profissional. há 15 anos. anterior aos antibióticos. O eminente médico da Filadélfia Silas Weir Mitchell cunhou a expressão "membro fantasma" depois da Guerra Civil. Desde o tempo de Weir Mitchell tem havido todo tipo de especulações sobre fantasmas. mão ou dedo fantasma. persiste na mente do paciente muito tempo depois de ser removido? Por que a mente simplesmente não aceita a perda e "remodela" a imagem do corpo? Sem dúvida. mas como tratar a dor num membro que não existe? Como cientista. Lord Nelson sofreu dores terríveis no membro fantasma. por que a pessoa inteira não pode sobreviver à aniquilação física do corpo? É uma prova. isto acontece em alguns pacientes. inclusive a inconfundível sensação de dedos se fincando na palma da mão inexistente. O próprio Weir Mitchell ficou tão surpreso com o fenômeno que. Os autores argumentavam que o paciente quer desesperadamente seu braço de volta e portanto sente um fantasma 28 . Pois se um braço pode existir depois de retirado. porque ainda sentem nitidamente sua presença. publicou o primeiro artigo sobre o assunto numa revista popular chamada Lippincotts journal. em primeiro lugar. um trabalho publicado no Canadian Journal of Psychiatry declarou que membros fantasmas são meramente o resultado da racionalização do desejo. Depois que perdeu o braço direito num malogrado ataque a Santa Cruz de Tenerife. afirmava Lord Nelson. ninguém tem a menor idéia de como surge ou de como enfrentá-la. Só quando olham por baixo dos lençóis é que chegam a chocante constatação de que o membro realmente se foi. assim como outros aspectos de nossas mentes. eu sabia que a dor em membro fantasma representa um problema: clínico sério. a ponto de pensar em suicídio. que vão do extraordinário ao ridículo. como a causada por artrite nas articulações ou a dor nas costas. a gangrena era um resultado comum de ferimentos e os cirurgiões serravam membros infectados de milhares de soldados feridos. eu também tinha curiosidade para saber. Alguns despertam da anestesia e se mostram incrédulos quando lhe dizem que seu braço teve de ser sacrificado. usando um pseudônimo. mas geralmente leva anos ou décadas. Pensando bem. Além disso. num acidente ou amputado por um cirurgião. Por que décadas. por que não apenas uma semana ou um dia? Percebi que um estudo deste fenômeno poderia não só nos ajudar a compreender a questão de como o cérebro enfrenta uma perda repentina e importante. Recentemente. A dor crônica num membro real. por que o fenômeno ocorre: por que um braço.subsiste indefinidamente nas mentes de pacientes muito tempo depois de ter sido perdido. fantasmas são um fenômeno mal assombrado. O surgimento dessas sensações fantasmagóricas no membro perdido levou o Senhor dos Mares a proclamar que este fantasma era "uma prova direta da existência da alma". já é de tratamento difícil. mas também contribuir para abordar o debate mais fundamental sobre natureza versus criação até que ponto a imagem do nosso corpo. que são comuns entre amputados também tenho encontrado mulheres com seios fantasmas após mastectomia radical e até um paciente com um apêndice fantasma: a característica espasmódica da apendicite não diminuiu depois da remoção cirúrgica. como veremos. estão mapeadas no córtex cerebral. Estranhamente. Estimulava regiões específicas dos cérebros de pacientes com um eletrodo e simplesmente lhes perguntava o que sentiam. grande parte do cérebro ficava exposta durante a operação e Penfield aproveitava esta oportunidade para fazer experiências como nunca tinham sido tentadas antes. adormecidas. quando meu interesse foi reaceso por um trabalho científico publicado em 1991 pelo Dr. Todas estas experiências clínicas permaneceram guardadas no meu cérebro. induzindo assim os centros superiores do cérebro a pensar que o membro perdido ainda está ali. não está na hora de o importarmos para a neurologia? Como a maioria dos médicos. é um completo absurdo. como os membros fantasmas aparecem. porém. e pode-se aprender muitas lições valiosas com a leitura desses relatos. Tim Pons. do Instituto Nacional de Saúde. eles não deram o óbvio passo seguinte de fazer experiências para descobrir o que poderia estar acontecendo nos cérebros desses pacientes. é uma explicação simples e conveniente e por essa razão a maioria dos médicos ainda se apega a ela. antes de continuar com esta parte da história. Durante as décadas de 1940 a 1950. eu ficava tão frustrado quanto os próprios pacientes.da mesma forma que uma pessoa pode ter sonhos recorrentes ou até ver "espíritos" de um pai falecido recentemente. trabalho que me impeliu a um rumo inteiramente novo de pesquisa e que posteriormente trouxe Tom a meu laboratório. Todos os tipos de sensações. e as áreas do cérebro que eram responsáveis puderam ser mapeadas. precisamos examinar atentamente a anatomia do cérebro particularmente como várias partes do corpo. imagens e até lembranças. Dado o imenso sucesso que se tem obtido com o método experimental em quase todas as outras ciências. uma mulher com cãibras menstruais após uma histerectomia e um senhor que tinha nariz e rosto fantasmas depois que o nervo trigêmeo que enerva sua face fora avariado num acidente. até cerca de seis anos atrás. Uma segunda e mais popular explicação para os fantasmas é que as extremidades esgarçadas e enroscadas dos nervos no coto (neuromas) que originalmente alimentavam a mão tendem a ficar inflamadas e irritadas. embora esta seja uma massa de tecido nervoso). fiquei intrigado com os fantasmas desde a primeira vez que os encontrei e assim continuo desde então. o grande revestimento convoluto da superfície externa do cérebro. de tal modo que o paciente se recusava a acreditar que o cirurgião o tinha retirado! Quando estudante de medicina. como os membros. Mas. sua ciência era mais aristotélica do que galileana. Li sobre um paciente que sentia ereções fantasmas depois de seu pênis ter sido amputado. e os livros que consultava apenas aprofundavam o mistério. por sua vez. Penfield descobriu uma estreita faixa que vai de alto a baixo em ambos os lados do cérebro onde seu eletrodo produzia 29 . o brilhante neurocirurgião canadense Wilder Penfield realizou amplas cirurgias de cérebro em pacientes sob anestesia local (não há receptores de dor no cérebro. Entre outras coisas. Isto nos ajudará compreender o que Pons descobriu e. Os neurologistas do século XIX e início do XX eram astutos observadores clínicos. Além de braços e pernas fantasmas . Muitas vezes. eram trazidos à tona pelo eletrodo. Embora haja muitíssimos problemas com esta teoria da irritação dos nervos. Este argumento. onde deveria. embora esteja de cabeça para baixo: o pé é representado no alto e os braços estendidos são na base. você verá que o mapa não é inteiramente contínuo. como agora é chamado. da face. 30 . Na parte de cima do cérebro. Pontos da superfície do corpo que produziam sensações retardadas na mão fantasma (o braço esquerdo do paciente tinha sido amputado dez anos antes do nosso teste). Observem o mapa completo de todos os dedos (etiquetados da 1 a 5) na face e um segundo mapa na parte superior do braço. Contudo. Assim.sensações localizadas em várias partes do corpo. o mapa é bem ordenado. se localizam abaixo do pé. enquanto o tronco é consideravelmente menos sensível. as sensações são experimentadas como originadas da mão perdida. Na maior parte. dos lábios e finalmente do tórax e da laringe. mas abaixo da mão. Presumivelmente é assim porque os lábios e dedos são altamente sensíveis ao toque e capazes de discriminação muito apurada. A informação sensorial destas duas nesgas de pele agora está aparentemente ativando o território da mão no cérebro (ou no tálamo ou no córtex). com as partes que são especialmente importantes ocupando áreas desproporcionalmente grandes. da mão (uma grande região com uma representação bem destacada do polegar). Por exemplo. a área envolvida com os lábios ou com os dedos ocupa tanto espaço quanto à área envolvida com todo o tronco do corpo. Os órgãos genitais. Este "homúnculo sensorial". em vez de estarem entre as coxas. forma uma representação exageradamente distorcida do corpo na superfície do cérebro. exigindo menos espaço cortical. Seguindo esta faixa do cérebro de cima para baixo. Estímulos ali perto despertavam sensações nos pés. quanto antes tais pontos são tocados. a estimulação elétrica provocava sensações nos órgãos genitais. O rosto não está perto do pescoço. depois de um cuidadoso exame. na fenda que separa os dois hemisférios. Penfield descobriu áreas que recebem sensações das pernas e do tronco. com cada metade do corpo mapeada no lado oposto do cérebro. sua pequena nesga de pele. se você introduzir um eletrodo no córtex somatossensório do macaco e tocar numa parte específica do seu corpo. Portanto.a faixa de tecido cerebral descrita antes. Por exemplo. particularmente macacos. Depois de ler o trabalho de Pons.Estas áreas podem ser mapeadas ainda com maior precisão em outros animais. Embora sejam pacientes experimentais lógicos para se examinar a estrutura e a função detalhadas das regiões sensoriais do cérebro. quando os pesquisadores bateram na mão inútil. os animais têm um problema óbvio: macacos não sabem falar. como faziam os pacientes do Penfield. Onze anos depois da cirurgia. e que as conexões podem ser modificadas em distâncias que abrangem um centímetro ou mais. possibilitando monitorar a atividade desse neurônio. fazendo o tipo certo de experimento. pode-se aprender muito. Deveria haver uma grande nesga de córtex silenciosa correspondente à área afetada. Assim. para sua surpresa. não houve nenhuma atividade nesta região. que você pode alterar o conjunto de circuitos cerebrais de um animal adulto. Por exemplo. pensei: "Meu Deus! Será que esta pode ser uma explicação para os membros fantasmas?" O que o 31 . Existe no cérebro um mapa do corpo inteiro. perde-se uma importante dimensão quando se usam animais nessas experiências Mas. uma importante pergunta se refere ao problema natureza versus criação: será que estes mapas do corpo na superfície do cérebro são fixos.) Aparentemente. apesar dessas óbvias limitações. não podem dizer ao experimentador. por assim dizer a qual ela responde. para a adolescência e para a idade adulta? E mesmo que os mapas já estejam lá ao nascermos. gerará minúsculas correntes elétricas. até que ponto podem ser modificados no adulto? Foram estas questões que levaram Tim Pons e seus colegas a embarcar na pesquisa. quando tocavam no rosto do macaco. mas também tinha invadido o território da mão paralisada! As implicações dessas descobertas são espantosas: significam que você pode mudar o mapa. Cada célula tem seu território na superfície do corpo. O pesquisador introduz uma comprida e fina agulha de aço ou tungstênio no córtex somatossensório do macaco . não se esperava registrar quaisquer sinais quando você tocasse na mão inútil do macaco e registrasse a partir da "área da mão" no cérebro. as células cerebrais correspondentes à mão "morta" começam a se excitar vigorosamente (o mesmo aconteceu com as células correspondentes à face. abriram seus crânios e fizeram registros a partir do mapa somatossensório. ou podem mudar com a experiência à medida que evoluímos de recémnascidos para a infância. De fato. eles descobriram que. Como o braço paralisado do macaco não estava enviando mensagens ao cérebro. a célula se excitará. a informação sensorial da face do macaco não somente ia para a área da face no córtex. o que estão sentindo. como já observamos. O sinal pode ser exibido num osciloscópio. que são captadas pelo eletrodo da agulha e amplificadas. Chamamos isso de campo receptivo da célula. Sua estratégia foi registrar sinais dos cérebros de macacos que tinham sido submetidos a uma rizotomia dorsal um procedimento em que todas as fibras nervosas que transportam informações sensoriais de um braço para a medula espinhal são completamente cortadas. mas isso já era esperado. Mas. como aconteceria num animal normal. Se a ponta da agulha chegar a ficar bem próxima do corpo celular de um neurônio e se esse neurônio está ativo. eles anestesiaram os animais. É mesmo? Tem certeza? . . Tive o cuidado de não lhe dizer o que esperávamos descobrir. pensou que eu estava louco. . estava alegre. E meu lábio superior. Esfreguei seu queixo.Outra coisa mais? . o rosto gerasse sensações na mão fantasma. .É meu dedo mínimo desaparecido. Por que não responder a mesma pergunta tocando o rosto de um paciente humano que perdeu um braço? Telefonei aos meus colegas Dr. Então me ocorreu a idéia de que você não tem de usar um macaco. meu polegar fantasma. Meu aluno.Hei. aparentemente satisfeito por ter sobrevivido ao acidente. Pois não há outra maneira de explicar por que o toque numa área tão distante do tronco isto é.em seu rosto! Compreendi que o que eu estava vendo era talvez um correlato perceptivo direto do remapeamento que Tim Pons tinha visto em seus macacos.Está tocando meu dedo indicador. . . Mas também descobri um segundo e bem traçado "mapa" de sua mão desaparecida guardado na parte superior do braço 32 . e perguntei: "Vocês têm por aí algum paciente que tenha perdido um braço recentemente?". Embora inicialmente tímido e reticente. como é do seu estilo. Foi assim que cheguei a conhecer Tom. Quando tocava seu tórax. ele tinha sensações apenas nesses lugares e não no fantasma. porque não queria que visse onde eu o estava tocando.O que esta sentindo? . Rica Finkelstein. coloquei uma venda sobre seus olhos. quanto mais sinalizar que parte do seu corpo estava sendo tocada. Movimentei o cotonete para seu lábio superior. o ombro direito.Você está tocando meu queixo. Em seguida peguei um cotonete comum e comecei a tocar de leve várias partes da superfície do seu corpo. da área de cirurgia ortopédica. Com Tom sentado confortavelmente em meu laboratório no subsolo. o segredo está no mapeamento peculiar das partes do corpo no cérebro.macaco "sentiu" realmente quando sua face estava sendo tocada? Já que o córtex de sua "mão" também estava sendo excitado. que observava tudo. Continuei este procedimento até ter explorado toda a superfície do corpo do Tom. Estou sentindo nos dois lugares. será que percebia sensações originando-se da mão inútil como também da face? Ou usaria centros superiores do cérebro para reinterpretar as sensações corretamente como procedentes apenas do rosto? É claro que o macaco manteve silêncio sobre o assunto. . pedindo-lhe que me dissesse onde experimentava as sensações. Mark Johnson a Dra. Embora extenuado pelas "comichões" e sensações dolorosas em seus dedos fantasmas. com o rosto se localizando logo abaixo da mão. Visitei-o imediatamente e perguntei se gostaria de participar de um estudo.E aqui? Passei o cotonete em seu maxilar inferior.Que tal aqui? . São necessários anos para treinar um macaco para executar até tarefas muito simples. Tom logo se mostrou ansioso em participar de nossa experiência.Sim. para não interferir em suas respostas. a perna direita ou a parte inferior das costas. Você está tocando meu polegar desaparecido. é engraçado disse Tom. Logo descobri um mapa completo da mão de Tom . as fibras sensoriais que se originavam na face de Tom que normalmente ativam apenas a área da face em seu córtex agora invadiam o território desocupado da mão e começavam a movimentar as células ali. este tipo de arranjo é precisamente o que se esperaria: um feixe de pontos na face que despertam sensações no fantasma e um segundo feixe na parte superior do braço. esta suposta ausência de plasticidade no cérebro adulto é freqüentemente invocada para explicar por que há tão pouca recuperação de funções após uma lesão cerebral e 33 . e. muito pouco se pode fazer para modificá-lo na idade adulta.de que o mapa realmente muda em pessoas como Tom? Para obter uma prova mais direta. é relativamente fácil numa sessão de apenas duas horas. inclusive o mapa de Penfield. esse é o meu polegar". então o toque em pontos na parte superior do braço devia também provocar sensações na mão fantasma. a atividade elétrica localizada despertada no mapa de Penfield pode ser medida como mudanças em campos magnéticos do couro cabeludo. poucos centímetros acima da linha da amputação. Não é freqüente no campo da ciência (especialmente na neurologia) que se possa fazer uma previsão simples como esta e confirmá-la em alguns minutos de exploração. e há pouca variação de pessoa a pessoa na disposição geral do mapa. Sempre se supôs que. tenha sido montado na vida fetal ou na mais tenra infância. ele também experimentava sensações na mão fantasma. Antes de tudo. A existência de dois feixes de pontos sugere firmemente que o remapeamento do tipo visto nos macacos de Pons também ocorre no cérebro humano. mapear a superfície de todo o corpo na superfície do cérebro de qualquer pessoa disposta a ficar sentada ali durante esse tempo. o mapa resultante é bem semelhante ao mapa original do homúnculo de Penfield. descobrimos que os mapas tinham mudado em grandes distâncias. conseqüentemente. sugerem que mapas do cérebro podem mudar. E de fato consegui mapear estes pontos no braço acima do coto de Tom. que se baseia no princípio de que.esquerdo. Mas ainda havia uma dúvida incômoda: como podemos ter certeza de que essas mudanças estão realmente se realizando . Por que havia dois mapas em vez de apenas um? Se você olhar novamente o mapa de Penfield. uma vez que este sistema de circuitos. verá que a área da mão no cérebro é flanqueada embaixo pela área do rosto e acima pela área da parte superior do braço e do ombro. fibras que se originam na parte superior do braço e no ombro). usando um cotonete. Assim. Usando a MEG. A informação procedente da área da mão de Tom foi perdida depois da amputação. Esta descoberta contradiz flagrantemente um dos dogmas mais generalizadamente aceitos em neurologia: a natureza estável das conexões no cérebro humano adulto. Quando aplicamos MEGs em quatro pessoas de braço amputado. As implicações são impressionantes. Sem causar surpresa. não é preciso abrir o couro cabeludo do paciente para olhar o cérebro. às vezes com espantosa rapidez. se você tocar diferentes partes do corpo. Assim. O toque na superfície da pele desse segundo mapa também provocava sensações localizadas precisamente em cada dedo: um toque aqui e ele diz: "Oh. se a invasão do córtex da mão também resulta em fibras sensoriais que normalmente inervam a região cerebral acima do córtex da mão (isto é. Realmente. e assim por diante. tiramos vantagem de uma moderna técnica de neuroimagiamento chamada magnetoencefalografia (MEG). quando eu tocava o rosto de Tom. exatamente como tínhamos previsto. correspondendo as duas partes do corpo que são representadas em cada lado (acima e abaixo) da representação do cérebro. porém. A grande vantagem da técnica é que não é invasiva. Mas. às vezes os cirurgiões realizam uma segunda ou mesmo uma terceira amputação (tornando o coto cada vez mais curto). às vezes. Outros tentam até o procedimento mais drástico de cortar a parte traseira da própria medula espinhal uma cordotomia para impedir que os impulsos atinjam o cérebro. Para falar francamente. mencionada antes. Se for este o caso. E. cortando os nervos sensoriais que vão para a medula espinhal. diz a teoria.por que doenças neurológicas são tão difíceis de tratar. novamente aquele problema de regressado interminável. Ou vão até o tálamo. vê-se que é logicamente absurdo. tanto o fantasma quanto a dor associada geralmente voltam violentamente. não explica por que Tom ou outros pacientes experimentam a sensação de serem capazes de movimentar seus fantasmas voluntariamente ou por que o fantasma pode mudar sua postura. Estimulado por todos estes sinais falsos. o remapeamento não é responsável pelo que mais seriamente preocupa médico e paciente a gênese da dor fantasma. Primeiro. Às vezes. surpreendentemente. Para aliviar este problema. é muitas vezes ineficaz. enviam impulsos de volta à área original da mão no cérebro. Mas o remapeamento não pode ser toda a história. Onde se originam estas sensações de movimento? Segundo. pensando bem. seguramente. existe em partes mais centrais do cérebro. Alguns pacientes experimentam um alivio temporário. estas extremidades nervosas esgarçadas formam pequenos blocos de tecido cicatrizado chamados neuromas. onde tem ocorrido remapeameto. não. a única forma de se livrar de um fantasma será remover sua maxila. quando se pensa sobre isto. o cérebro de Tom literalmente tem a alucinação de seu braço e talvez esta seja a essência de um membro fantasma. e de fato é o que geralmente acontece. Além disso. Mas a prova de Tom mostra ao contrário do que é ensinado nos livros que novos caminhos. A explicação médica mais popular. altamente precisos e funcionalmente eficientes. é que o fantasma não existe em nenhuma destas áreas. porque toda vez que Tom sorri ou movimenta o rosto e os lábios. Quando os neuromas irritados. Por que uma segunda amputação iria ajudar? Seria de esperar um segundo fantasma. o impulso ativa a área da "mão" em seu córtex. também. isso também não ajudaria. Alguns cirurgiões chegam a fazer rizotomias dorsais para tratar de dor em membro fantasma. Podem caçar o fantasma cada vez mais profundamente no cérebro. podem aparecer no cérebro adulto quatro semanas depois de uma lesão. Ele provavelmente terminaria com uma maxila fantasma. funciona. as descobertas podem ajudar a explicar a própria existência de membros fantasmas. mas realmente nunca vão encontrá-lo. os cirurgiões têm idealizado vários tratamentos para dor em um membro fantasma. e novamente verificam que não ajudaram o paciente. Com base neste frágil raciocínio. que podem ser muito dolorosos. criando a ilusão de que sua mão ainda está ali. mas ela proporciona realmente alguns motivos para otimismo. Não se conclui necessariamente que desta descoberta surgirão imediatamente novos tratamentos revolucionários para as síndromes neurológicas. o fantasma surge não do coto mas do rosto e da maxila. Em segundo lugar. mas. uma estação de retransmissão do cérebro que processa os sinais antes que sejam enviados ao córtex. mas isso. mas. em que cortam e removem neuromas. e que nervos que anteriormente alimentavam a mão começam a enervar o coto. E. Por quê? Um dos motivos. é um problema de regressão interminável. 34 . de forma que o cérebro é induzido a pensar que a mão ainda existe: daí o membro fantasma e a idéia de que a dor associada surge porque os neuromas estão doloridos. vias neurais que medeiam sensações de calor. haveria casos de "cruzamento de linhas" acidental. 35 . Certa vez. a cada vez que assobia. de forma que uma sensação de toque evocasse calor ou dor? Ou elas permaneceriam separadas? A questão de como milhões de ligações neurais no cérebro são conectadas tão precisamente durante o desenvolvimento e até que ponto esta precisão é preservada quando elas são reconhecidas após uma lesão é de grande interesse para os cientistas que estão tentando compreender o desenvolvimento das vias cerebrais. no cérebro adulto normal. Para investigar isso. Essas experiências sugerem que novas conexões altamente precisas e organizadas podem ser formadas no cérebro adulto em poucos dias. Mas. mesmo que ocorra o brotamento. quando a água acidentalmente escorreu pelo rosto. Vejo duas possibilidades. Mas. ele exclamou com visível surpresa que podia realmente sentir a água quente escorrendo pelo braço fantasma. devemos supor que esta energia oculta ou escondida é ordinariamente inibida pelas fibras sensoriais procedentes da mão real. seria realmente impressionante. dor ou vibração? E se esse remapeamento ocorresse. A segunda possibilidade é que há de fato uma tremenda redundância de conexões. já que é difícil ver como brotamentos altamente organizados poderiam se efetuar em distâncias relativamente longas (no cérebro. geralmente pensamos apenas em toque. Além disso. Primeiro. será que tal remapeamento também poderia ocorrer nestas vias evolutivamente mais velhas. Como tropas da reserva. independentemente do remapeamento que ocorre para o toque? Em outras palavras. tato. Mas não nos dizem como estes novos caminhos surgem realmente. coloquei uma gota de água morna no rosto de Tom. mas também disse que sua mão fantasma sentia o calor de outra forma. Ele a sentiu ali imediatamente. Assim. Estas sensações têm suas próprias áreas alvo ou mapas no cérebro. ou aponta para um princípio bem geral onde ocorreriam sensações de calor. mas não vias organizadas com precisão. podem ser convocadas para entrar em ação apenas quando necessário. mesmo em cérebros adultos normais saudáveis poderia haver informações sensoriais da face para o mapa da face no cérebro e também para a área do mapa correspondente à mão. na verdade. mas que a maioria delas não funciona ou não tem uma função óbvia. quando a mão é extirpada. Se for assim. mas os caminhos usados por elas podem estar entrelaçados uns com os outros em formas complicadas. Se essa hipótese fosse verdadeira. Demonstrou isto usando sua mão normal para traçar o caminho da água descendo pelo braço. frio e dor também se originam na superfície da pele.Quando pensamos em sensações originárias da pele. Se é este o caso. que mecanismos subjacentes se encontram ao nível celular. alguns milímetros podem muito bem equivaler a mais de um quilômetro) e num período tão curto. como as novas fibras "saberiam" para onde se dirigir? Pode se imaginar uma mistura altamente amontoada de conexões. Assim. nunca tinha visto algo tão impressionante localizando mal uma sensação complexa como uma "gota d´água" escorrendo do rosto para sua mão fantasma. Tom pode sentir um formigamento na mão fantasma. a reorganização pode envolver o brotamento o crescimento real de novas ramificações a partir das fibras nervosas que normalmente inervam a área da face em direção as células da área da mão no córtex. esta informação silenciosa procedente da pele do rosto é desmascarada e autorizada a se expressar. o remapeamento visto em Tom e nos macacos de Pons é peculiar ao toque. de forma que um toque na face agora ativa a área da mão e leva a sensações na mão fantasma. frio. Em todos os meus anos de clínica neurológica. Se Borsook e eu estivermos certos. A dor real. Meu colega do Hospital Geral de Massachusetts. apenas 24 horas depois da amputação. enquanto o cérebro se adapta e as células lentamente fazem novas conexões. então. cada neurônio no mapa se encontra num estado de equilíbrio dinâmico com outros neurônios adjacentes. Dr. David Borsook. mas talvez o remapeamento que observamos em Tom possa ajudar a explicar por que acontece. batendo de leve na bochecha a piscando o olho para mim. Um dia. embora meu palpite seja que ambos os mecanismos estão em atividade. imaginem o desafio de tratar a dor num membro que não existe! No momento. "sei exatamente onde coçar!" 36 . mas é um bom começo. Essas descobertas levantam uma pergunta óbvia: e se for perdida alguma parte do corpo que não a mão? Ocorrerá o mesmo tipo de remapeamento? Quando meus estudos sobre Tom foram publicados. a cada vez que o paciente sorrisse ou roçasse acidentalmente a bochecha. tínhamos visto o efeito em Tom em menos de quatro semanas e este parece um tempo curto demais para o brotamento se efetuar. de sua espantosa capacidade de crescimento e renovação. as sensações de toque seriam sentidas como dor torturante. durante um período de vários dias. a imagem completamente estática que se obtém olhando os diagramas de livros é altamente enganadora e precisamos repensar inteiramente o significado dos mapas do cérebro. Esta. Alguns tinham sido informados do que sensações fantasmas são imaginárias e ficaram aliviados ao. quase certamente. de forma que a informação sensorial vinda dos receptores de toque seja acidentalmente conectada às áreas de dor no cérebro. quando Tom saía do meu consultório. quando fazia a barba toda manhã? "Não. por exemplo. quando seu rosto era tocado por exemplo. Longe de indicar uma localização especifica na pele. não pude resistir a lhe fazer uma pergunta óbvia. "mas como o senhor sabe. e não há possibilidade de ocorrência de brotamento num período tão curto. Mas agora". Sabemos. disse ele. Se isso acontecesse.Não temos no presente nenhuma forma de fazer facilmente uma distinção entre estas duas teorias. haja um leve erro no remapeamento. é bem difícil de tratar. Durante as últimas quatro semanas. pode se fazer muito pouco para aliviar tal dor. minha mão fantasma às vezes tem umas comichões malucas e nunca sabia o que fazer. Os pacientes sempre acham reconfortante saber que há uma explicação lógica para seus sintomas aparentemente inexplicáveis. viu efeitos semelhantes num paciente. não é toda explicação para a dor fantasma. não senti". A resposta final virá do rastreamento simultâneo de mudanças perceptivas e mudanças cerebrais usando a técnica de imageamento num paciente. Afinal de contas. saber que isso não é verdade. respondeu. recebi muitas cartas e telefonemas de amputados querendo saber mais. tinha percebido alguma vez em sua mão fantasma algumas dessas peculiares sensações mencionadas. Os estudos de membros fantasmas oferecem fascinantes vislumbres da arquitetura do cérebro. Talvez. nada é mais insultuoso para um paciente do que ser informado de que sua dor está "toda na mente". sua significação depende acentuadamente do que outros neurônios da vizinhança estão (ou não) fazendo. que a dor fantasma intratável pode se desenvolver semanas ou meses depois que o membro é amputado. como a dor de câncer. Usando apenas 10% do cérebro. Vamos deixar claro logo do começo: não há qualquer razão científica para supor que usamos 10% do nosso cérebro. Editora Vieira e Lent O cérebro nosso de cada dia O mito dos 10% do cérebro Quanto do seu cérebro você usa? E da sua capacidade? E do seu potencial? Quem já não ouviu essa frase "Usamos apenas 10% do cérebro"? Em 1999. teríamos 90% de reserva. e não sua posição específica dentro dele. e a frase foi prontamente recusada. tinha uma opinião diferente. se eles concordavam com a célebre frase. a idéia de usar somente 10% do cérebro parece muito convidativa. Numa pesquisa chamada "Você conhece seu cérebro?". O que Lashley esqueceu de considerar foi que os animais operados poderiam. Quem acredita que 90% do seu cérebro são dispensáveis não tem por que evitar choques na cabeça. podia ser removida. A razão? Essa história de usar 10% do cérebro nada mais é do que um mito. Karl Lashley (1890 1958). Nem 10% dos nossos neurônios. Espalhar o mito de que usamos 10% do cérebro ou da sua capacidade é um dos grandes desfavores que a mídia já fez ao homem e à ciência. os 37 . a primeira vista.. O pior é que as conseqüências são graves. Todas as evidências sugerem o contrário: usamos nosso cérebro inteiro. quis começar investigando o que o público conhecia e pensava sobre o cérebro. e se conseguíssemos aprender a usar esse "potencial" poderíamos ficar dez vezes mais inteligentes. Os 10% ficam por conta da imaginação de quem conseguiu convencer quase metade da população do Rio de Janeiro a aceitar esse mito. Um de seus principais argumentos era o de que a maior parte do córtex cerebral de ratos de laboratório. A metade concordou. memorizar dez vezes mais fatos. É verdade que. quando passei a trabalhar em divulgação científica. Quem não sabe que usa seu cérebro inteiro a todo momento ainda não faz idéia da maravilha que tem dentro da cabeça. quase 90%. mas há uma possibilidade interessante. É difícil definir como surgiu esse mito. usar os sentidos restantes para compensar um sentido lesado e ainda conseguir deixar o labirinto. usando capacete na motocicleta ou cinto de segurança no carro. perguntei a 2 mil cariocas. de Suzana Herculano-Houzel. e mesmo assim os animais ainda eram capazes de encontrar a saída de um labirinto. um influente psicólogo americano. No começo do século XX. entre outras coisas. Só que não é assim. por exemplo. Lashley acreditava que o importante era haver uma massa suficiente de neurônios distribuída pelo cérebro.Material de apoio da atividade Os neurônios são insignificantes em termos numéricos no nosso cérebro? Textos extraídos do livro O cérebro nosso de cada dia. Nem 10% da nossa capacidade. quando a ciência tentava identificar a localização das funções mentais no cérebro.. E de quebra fica susceptível ao assédio de livros e cursos que se autodenominam "científicos" e pretendem ensinar "como usar os outros 90%". fazer contas dez vezes mais rápido. Fiz a mesma pergunta a 35 neurocientistas. Mesmo assim. será sempre possível fazer mais uma combinação. Os 90% do cérebro Conheça as células que ajudam os neurônios De que é feito o cérebro? Essencialmente de neurônios.. eliminação de detritos. há várias maneiras de usar só 10% do cérebro: usando 10% da massa cerebral. Os outros 90% a 98% são células gliais. E daí basta inverter a lógica para "deduzir" que apenas 10% do cérebro são usados. nem a 100%. Neurônios. Um artigo publicado em janeiro de 2001 na prestigiosa revista Science mostra que a glia não é tão subserviente assim. toda a ciência aponta para o contrário. como então é possível desenvolver nossas habilidades? A resposta está na mais maravilhosa e característica propriedade do sistema nervoso: a capacidade de fazer novas combinações entre seus elementos. nem a 1% da sua capacidade. 38 . "preenchimento de espaço". quando diminui. Se são 10% dos neurônios. a conexão fica "enfraquecida". Além do mais. mais uma associação entre neurônios. nenhuma conexão é fixa.. A glia é tradicionalmente considerada um conjunto de células silenciosas. lesões do cérebro humano. Não há limite.. será que alguém sabe o que seriam os 100%? Uma dificuldade para aceitar que usamos 100% do cérebro pode ser a pergunta inevitável de quem estava convencido do contrário: se tudo é usado. ou glia. e em sua grande maioria elas estão ativas e respondem por algum aspecto do mundo ou do comportamento.. Quando a eficiência aumenta. e uma nova pode ser feita em outro lugar. 10% dos neurônios. e aprender mais alguma coisa. Mas é possível "escutar" as células nervosas em atividade. isolamento elétrico e fornecimento de nutrientes para os neurônios. Essa é apenas uma origem possível para o mito dos 10%. para os íntimos. Outubro de 2000 Fonte: Herculano Houzel. Não importa. como suporte. não funciona a 10%. e de mudar a eficiência das conexões das sinapses já existentes. mesmo pequenas. Os neurocientistas hoje estão convencidos de que é essa a base do aprendizado. os outros 90% deveriam ser silenciosos. no entanto. no prelo. Aprender. servindo só como "reservas". Em princípio. Simplesmente funciona. uma conexão enfraquecida demais pode ser eliminada. E se são 10% da capacidade de desenvolvimento intelectual. 90% do que temos dentro da cabeça deveriam então ser dispensáveis. certo? Errado. e para alguém . ou 10% do potencial. Mas não importa: em qualquer um dos três casos. Mas isso vai mudar. ou então redundantes. tremei: a formação e a sobrevivência de suas tão queridas sinapses dependem das insuspeitas células gliais ao seu redor. Se são 10% da massa cerebral. é uma maneira de criar novas associações. Como sempre se pode tirar uma conexão daqui e criar outra ali. com outro neurônio. estabilizando-as. Fortalecer essas novas conexões. "Do you know your brain?: a survey on public neuroscience literacy at the closing of the decade of the brain": The Neuroscientist. E.não foi Lashley concluir que bastavam 10% do cérebro para a memória funcionar era só um pulinho. a mais nobre função do cérebro.números eram impressionantes. a conexão entre dois neurônios fica "fortalecida". cumprindo funções secundárias. 2002. Talvez nem sempre fique tudo na lembrança talvez seja mesmo necessário esquecer algumas coisas para poder lembrar de outras. podem ter conseqüências graves para o intelecto e o comportamento. Neurônios são minoria quase insignificante em termos numéricos: apenas 2% a 10% do total de células cerebrais. S. Ou seja: elas têm o potencial de se comunicar com os neurônios. tomando o cuidado de primeiro passar todas as células por um pratinho forrado com anticorpos que serviam de "cola para neurônios". por que esse efeito da glia não foi descoberto antes? Acontece que as chamadas "culturas de neurônios" usadas rotineiramente nos laboratórios são. Com a cultura pura de neurônios em mãos. um importante sinal químico de comunicação entre neurônios.É natural. Se não fizesse isso. A glia também envolve as sinapses. os neurônios morrem. excitando os neurônios até a epilepsia e depois à morte. mas em sua presença tem sinapses dez vezes mais ativas. Para estudar o efeito. Daí o nome "glia". e ficam aglomeradas ao seu redor. as pontes de comunicação entre neurônios. igualzinho aos neurônios. Neurônios tem ramos de "entrada" e de "saída" distintos. os neurônios em desenvolvimento não sabem montar sinapses. nos EUA. A equipe de Ben Barres. e usaram até microscopia eletrônica para contar sinapses nos neurônios. É como se trocassem dez vezes mais palavras por segundo do que quando criados sem glia por perto. O panorama começou a mudar em 1994. provocaram os neurônios com glutamato para calcular a eletricidade produzida em resposta. até então consideradas "inexcitáveis".5% pura de neurônios. Ullian e seus colegas começaram a série de 15 experimentos. O artigo publicado na revista Science é um verdadeiro tour de force científico. Se a diferença na atividade das sinapses é tão grande. 39 . eles mediram a atividade espontânea das sinapses. com a descoberta de que as células gliais. Além de "ajudar" os neurônios a se comunicar. de fato. o banho de glutamato rapidamente se tornaria tóxico. de que. Mas parece que a glia faz mais do que passar nutrientes e fatores de crescimento aos neurônios. quando cultivados num pratinho de vidro. a glia também os mantém vivos: sem ela. silenciosas. os neurônios da retina não precisam de glia para sobreviver. da Universidade de Stanford. células gliais são menores do que os neurônios. a glia ficava flutuando. acaba de demonstrar que. Isso só foi possível cultivando neurônios da retina de embriões de rato. Tudo começou com um detalhe de sorte: a descoberta por Barres. culturas mistas de neurônios e glia retirados de um pedacinho do cérebro. a glia também "libera" glutamato. e esse glutamato é reconhecido pelos neurônios como um sinal igual a outro qualquer. Nesses locais. em 1997. Sem ser reconhecida pelos anticorpos. O doutorando Erik Ullian e seus colegas no laboratório de Barres fizeram nada menos que uma série de 15 experimentos para cercar o fenômeno. ou ao menos de influenciar a comunicação entre eles. onde eles emitem e reconhecem substâncias como o glutamato. Mais do que isso. a função da glia é absorver rapidamente todo excesso de glutamato que "transborda" da sinapse. encheram as sinapses com corante fluorescente para determinar seu conteúdo. enquanto a glia tem forma geralmente estrelada. Comparando cultural com ou sem glia. verificaram a produção de proteínas necessárias nas sinapses. sua estrutura mais importante e característica. respondem ao glutamato. pensar que somente os neurônios possam transmitir sinais no sistema nervoso. Ullian precisou fazer uma cultura 99. na verdade. Além do mais. que em grego significa "cola". e era facilmente levada embora quando o pratinho era lavado com suavidade. sem a glia por perto. banhados em nutrientes. agora. os terminais desses neurônios da retina chegam ao cérebro no 16° dia de gestação.K. para cientistas que aprenderam desde a faculdade que a glia cumpre funções apenas acessórias. os neurônios perderam suas sinapses em uma semana.M. quem sabe ainda vamos viver para ver o dia em que os cientistas discutirão o papel da glia na produção da consciência? Fonte: Ullian. Afinal. A equipe de Barres investigou se essa data correspondia ao aparecimento da glia. sem a glia. Depois de a glia ensinar os neurônios a montar sinapses. Tudo isso lembra muito o desenvolvimento do cérebro humano.A. Pois é. elas os ensinam a construir sua estrutura mais importante. S. Mesmo sem glia. Tudo é muito bonitinho no pratinho de cultura. Elas cuidam deles. Suas células gliais são usadas. e a atividade neuronal no cérebro se transformaria numa enorme crise epiléptica.Todos os resultados foram semelhantes: sem glia por perto. Acessória ou fundamental.. Sapperstein. E. Nos primeiros anos de vida. B. pouco eficazes. ao 15° experimento. haveria um excesso constante de glutamato derramado. como se somente soubessem sussurrar. nos meses após o nascimento. Se continuar assim. que depois iria desaparecendo a medida que as sinapses fossem se desmanchando. Science291. é fácil imaginar que a glia participe da formação das sinapses. a Barres. E no cérebro. ainda assim a história dos 10% é um mito. e o de cima com glia). mas é só com a glia por perto que eles conseguem organizar tudo e montar as sinapses.. é fácil deixar a evidência passar despercebida. os grandes neurônios não são grande coisa. 40 . o fato é que a glia constitui pelo menos 90% do cérebro. caro leitor. Só que nem assim dá para dizer que usamos 10% do cérebro. poucas sinapses se formam nos neurônios e as poucas que se formam são imaturas. "Control of synapse number by glia". Não. obrigada. Olhando agora. A diferença parece estar na organização do material necessário para fabricar as sinapses. Com glia. também é a glia que manda os neurônios fazerem sinapses? No rato. que "gritam" para valer. pp. usando o truque de fazer a cultura em pratinhos de "dois andares". o de baixo com neurônios. que o número de sinapses no cérebro aumenta enormemente. e podem até se comunicar com eles. seis vezes mais sinapses se formam e são sinapses dez vezes mais fortes. Christophersón. Se a glia deixasse de funcionar ou de existir. sim.S. tudo o que é necessário é fabricado pelos neurônios. será que eles conseguem mantê-las sozinhos? Não. E. 2001. K. o tamanho do cérebro aumenta radicalmente com a multiplicação das células gliais enquanto os neurônios são os mesmos cem bilhões desde o nascimento. E é justamente na fase em que a glia está se formando. Não deu outra: células gliais em forma de estrela aparecem exatamente no momento da formação das sinapses no local. Tirando a glia da cultura (o que eles podiam realizar facilmente. 657-661. mas. mas o grosso das sinapses só aparece dez dias depois. mesmo. Como se vê. e a repressão. Como veremos. As outras duas consistem em perdas reais de informação. É até possível que não o sejam. mas em geral sem perdê-las por completo: a extinção. É. o esquecimento 41 . as possibilidades de intercomunicação entre as células do cérebro são imensas.000 neurônios. Isso obriga naturalmente a perder memórias preexistentes. que analisaremos a seguir. e esquecemos para não ficar loucos. para dar lugar a outras novas. por que esquecemos? Esquecemos talvez. os do córtex cerebral recebem entre 1. Acredita-se que as memórias dependem de alterações na conformação das sinapses. Temos no cérebro humano muitos bilhões de neurônios. em parte.) Não sabemos se os mecanismos por meio dos quais se guardam no cérebro os elementos principais de cada memória são ou não são saturáveis. que envolvem fundamentalmente uma estrutura do lobo temporal chamada hipocampo. sem dúvida. sem contar o fato de que cada conexão pode participar de muitas memórias diferentes. os sistemas cerebrais que se encarregam das memórias de longa duração. O mesmo ocorre com os sistemas encarregados de analisar on line as informações correspondentes à aquisição e à evocação das memórias. A primeira é. Destes. e emitem prolongamentos que fazem conexão com outros dez a 1. as existentes e as que adquirimos a cada minuto. Formas de esquecimento Basicamente há quatro formas de esquecimento. em boa parte esquecemos para poder pensar. porque os mecanismos que formam e evocam memórias são saturáveis. (Mais adiante explicaremos este mecanismo que é fundamental para o esquecimento. altamente provável que a capacidade de armazenamento seja gigantesca. Não podemos fazê-los funcionar constantemente de maneira simultânea para todas as memórias possíveis. Mas há inúmeras evidências recentes de que. esquecemos para poder conviver e para poder sobreviver. de Iván Izquierdo Editora Vieira e Lent (2004) A arte de esquecer Por que e para que esquecemos? Como toda a evidência disponível indica que a maioria das memórias se perde.Material de apoio da atividade Esquecer é fundamental para o aprendizado? Textos extraídos do livro A arte de esquecer. O hipocampo é a principal estrutura do sistema nervoso dos mamíferos envolvida tanto na formação como na evocação das memórias. na hora de sua formação e na hora de sua evocação. uma delas por bloqueio de sua aquisição. são altamente saturáveis.000 conexões (sinapses) procedentes de outras células nervosas. Duas delas consistem em tornar as memórias menos acessíveis. por falta de uso. A segunda grande pergunta que surge do que vimos até agora é: para que precisamos esquecer? A resposta a essa pergunta abrange muitos aspectos diferentes e será respondida ao longo das próximas páginas. e de cada uma destas conexões ou sinapses podem surgir memórias. surgem várias perguntas. já que há tantos neurônios e tantas interconexões entre eles. portanto. e a outra por deterioração e perda de informação.000 a 10. devemos perguntá-lo novamente ou registrálo em algum lugar. a sua estimulação dura enquanto dura a experiência. Para mim. mas emitem suas mensagens por meio de atividade elétrica. Logo depois de fazer a chamada. a lembrança do número desaparece. nem você seria capaz de continuar lendo. e comparada com outras informações que possam ocorrer simultaneamente ou que já estejam guardadas no cérebro. mas já não a recorda mais. viraríamos prisioneiros dela. Enquanto o mecanismo da memória de trabalho é posto em jogo em cada experiência. repetindo-a mentalmente fora de contexto. O esquecimento real não é uma arte: é uma pena. a memória da terceira palavra da frase anterior (que já perdi) foi parte da minha memória de trabalho. na pág. anos ou décadas. há poucos segundos. ao ler essa frase: você compreendeu a terceira palavra de minha frase. o Memorioso". que dura dias. somente às vezes persiste um pouco mais. num truque voluntário que é a falsificação. minutos. Quando cessa a ativação dos neurônios pré-frontais. que tenho muitos anos. Assim. A lembrança do que eu estava fazendo duas ou três horas antes de me sentar para escrever este texto. e não persiste além disso. As outras regiões do cérebro incluem aquelas que analisam rapidamente a informação sensorial e as que armazenam memórias de maior duração. E também. Assim. A memória de trabalho não forma arquivos duradouros: desaparece em segundos ou. a lembrança do que aconteceu ontem ou na semana retrasada é simplesmente memória de longa duração. leitor. como veremos. Os neurônios do córtex pré-frontal se ativam em resposta às experiências de cada momento. e se queremos aprendê-lo. Está feita para ser assim. Em primeiro lugar. Voltemos ao exemplo da terceira palavra de minha frase anterior. As perdas da memória de trabalho são inerentes à sua natureza Há vários tipos de memória. O mesmo aconteceu com você. distinguimos o homem apoiado na parede da calçada em frente da própria 42 . a memória de curta duração. que persistiu só o suficiente para que eu conseguisse continuar escrevendo e você lendo. 91). A memória de trabalho depende da atividade elétrica de neurônios do córtex pré-frontal. que dura só o tempo suficiente para discálo. existe a memória de trabalho. a memória da minha infancia é remota. Como veremos mais adiante. A arte de esquecer se concentra na extinção (e seus parentes próximos. A análise rápida de informação é feita on line pela memória de trabalho. de maneira que nenhuma informação que esteja sendo processada venha a interferir ou se confunda com as que ocorreram logo antes ou as que virão logo a seguir. a memória de trabalho também cessa. mas uma pena enfim. o suficiente para que possa se formar a memória de longa duração (também chamada memória remota).propriamente dito. nosso cérebro toma aquela famosa terceira palavra da frase anterior e a insere num contexto maior: o da compreensão de um texto mais longo. Se a terceira palavra da minha frase anterior persistisse além de alguns segundos. Enquanto escrevia. a habituação e a discriminação) e na repressão. localizado na frente da área motora. a informação processada pelo córtex pré-frontal se comunica a outras regiões do cérebro e faz um intercâmbio de informações com elas. Outro exemplo típico de memória de trabalho é a do número telefônico que solicitamos ao nosso vizinho. os neurônios são ativados por substâncias químicas. que usamos para entender a realidade que nos rodeia e poder efetivamente formar ou evocar outras formas de memória: a que denominamos de curta duração e que dura umas poucas horas. nem eu seria capaz de continuar escrevendo. Talvez necessária (ver referência a "Funes. no máximo. um acontecimento em geral não voluntário. os esquizofrênicos podem discriminar entre o mundo do delírio. A memória de longa duração das realidades alucinatórias sistematizam as visões em delírios. Sua feitura é uma arte. distinguimos o que há de novo e importante naquilo que está acontecendo no momento e precisa ser guardado na memória.parede e das pessoas que passam. cheiros com sons. por meio de lenta e cuidadosa psicoterapia. mas uma arte que compartilhamos com todos os seres humanos e todos os vertebrados. devidas a lesões congênitas no córtex pré-frontal. onde homem e tijolos. e a realidade efetiva. como algo que estabelece uma situação de paranóia. Esta baseada em mecanismos muito rápidos e. Ocasionalmente.. também esquizofrênico. os esquizofrênicos padecem de transtornos na formação das memórias de curta a longa duração. ou o carro que avança. confundem o sonhado ontem com o que estão vendo agora. quando somos submetidos a um excesso de informação e/ou quando estamos profundamente estressados. que lhe é profundamente individual. A perda de informação da memória de trabalho não pode ser considerada um esquecimento real. distinguimos o carro que avança pela rua das árvores que permanecem fixas (e com isso entendemos que o carro avança e estimamos sua velocidade). que compartilha com os demais seres humanos. por definição tanto psicológica como anatômica. sem dormir há muitas horas. assim como sua evocação. carros e árvores se confundem. confundem-se entre si as informações simultâneas e não conseguem ser distinguidas das informações sucessivas ou isoladas. e a pergunta que um deles lhe fez confunde-se com a resposta que deu a pergunta de um aluno anterior. outro conhecido meu. às vezes. Foi feita para ser assim. onde o ator Russell Crowe desempenha o papel de John Nash. é necessariamente evanescente. A memória de trabalho serve para discriminar informações e selecionar quais correspondem ou não a memórias preexistentes. Por isso os esquizofrênicos percebem a realidade como algo alucinatório. devidos a alterações morfológicas nos lobos temporais. a realidade vira incompreensível ou alucinatória porque seus componentes se confundem entre si.) Além disso. Confundem-se cheiros. principalmente no hipocampo e no córtex que o rodeia. muitos dos quais acompanham o esquizofrênico por toda sua vida. não fosse o mau cheiro. O que acontece quando a memória de trabalho fracassa? Uma informação se confunde com a anterior ou com a seguinte. Um grande exemplo disso se vê no filme Uma Mente Brilhante. Ambas cenas constituem uma massa uniforme. já que é própria de sua natureza. muito bem tratado com remédios antipsicóticos e 43 . A esquizofrenia se caracteriza por falhas grosseiras na memória de trabalho. uma arte de delicadeza e precisão sem par. No caso da memória de trabalho. que são os encarregados de processar as memórias de curta e longa duração. sua própria função e formação exigem que seja fugaz. das árvores que o rodeiam. dizia que gostava de cheirar a música de Beethoven. ou com a que está ao lado ou acima. Quando ela falha. Há evidências que sugerem que a memória de trabalho de alguns primatas superiores seja melhor do que a nossa. (Um amigo meu. Confundem objetos ou pessoas sonhados com objetos ou pessoas reais. Não conseguimos distinguir muito bem o homem da parede na qual se apóia. Isto pode acontecer quando estamos exaustos. O professor enxerga seus alunos como uma massa informe de rostos.. e que informação já temos e não precisa ser guardada porque seria redundante. objetos e sons. esquizofrênico. confundem. um esquizofrênico de grande talento que. afirmava que esse exército de anões que nos rodeava constantemente era inofensivo. Quando falha a memória de trabalho pode acontecer que a realidade apareça como ameaçadora. Nash realizou suas pesquisas e tirou delas as conclusões que o levaram ao Prêmio Nobel enquanto sua mente estava dividida entre a atenção dispensada ao mundo real e a atenção dedicada ao mundo fictício de suas alucinações fortes e recorrentes.psicoterapia. 44 . conseguiu levar uma vida pessoal relativamente equilibrada (porém difícil) e obter um Prêmio Nobel. Aposentou-se em 1996. Em 1900. dedicou-se às atividades empresariais. terapia ou realidade alternativa. Sonhar também foi considerado como o meio pelo qual o cérebro descarta informações desnecessárias: um processo de "aprendizado invertido". Durante o século passado. Sigmund Freud propôs que os sonhos seriam a "via privilegiada" para o inconsciente: revelariam.Material de apoio da atividade Para uma memorização efetiva é melhor passar a noite estudando do que dormir? Texto extraído da revista Scientific American. durante 15 anos. Baseado em descobertas recentes feitas em meu laboratório e por outros neurocientistas. Introdução Os seres humanos sempre tentaram compreender o significado dos sonhos. 45 . Em particular. edição especial nº 4. Em outras culturas. a interpretação que José dá ao sonho do faraó evita sete anos de fome. porém.D. os elementos mais profundos da vida interior do indivíduo. os sonhos foram caracterizados como desprovidos de significado. resultado aleatório da atividade das células nervosas. 2001. Parecem ser o registro noturno de um processo mnemônico básico dos mamíferos: e o meio pelo qual os animais formam estratégias de sobrevivência e avaliam a experiência atual à luz dessas estratégias. sugerem que sonhar reflete um aspecto essencial do processamento da memória. tornou-se professor associado e prosseguiu sua pesquisa como professor emérito. proponho que os sonhos de fato possuem significado. de Jonathan Winson JONATHAN WINSON começou sua carreira como engenheiro aeronáutico. com a publicação de A Interpretação dos Sonhos. estudos do ritmo teta feitos em animais subprimatas fornecem uma chave evolutiva para o significado dos sonhos. os sonhos receberam explicações psicológicas e neurocientíficas conflitantes dos cientistas. de forma disfarçada. Sua pesquisa foi apoiada pelo National Institute of Mental Health. em matemática na Columbia University e. Estudos sobre o hipocampo (estrutura cerebral crucial para a memória). O significado dos sonhos Eles podem ser fundamentais para o processamento da memória nos mamíferos. Por causa de seu duradouro interesse pela neurociência. pela National Science Foundation e pela Harry F Guggenheim Foundation. ou de desaprendizado. Informações adquiridas durante a vigília podem ser reprocessadas durante o sono. sobre o movimento rápido dos olhos (REM) durante o sono. Os amigos egípcios acreditavam que eles possuiam poderes oraculares . por exemplo. os sonhos serviam como inspiração. e sobre ondas cerebrais denominadas ritmo teta. Ele obteve o seu Ph. Winson começou a pesquisar o processamento da memória na Rockefeller University. Em 1979. graduando-se em 1946 pelo California Institute of Technology. Mais recentemente.na Bíblia. outros aspectos neurofisiológicos do sono REM. O segundo e terceiro períodos REM ocorrem após breves episódios de sono de ondas lentas. o sono se inicia pelo estado hipnagógico. um mamífero ovíparo (chamado de monotremado).chamados de ondas ponto-genículo occipitais (PGO) do córtex . Os animais também sonham. tratase. portanto. quando os marsupiais e os placentários divergiram da ordem dos monotremados. Os sonhos ocorrem somente durante esses períodos. nos humanos. inclusive os registros EEG similares ao do estado de vigília. mas não o sono REM e. Ao destruírem os neurônios no tronco encefálico que inibem o movimento durante o sono. do sonho que ocorreu durante esta última fase. Tratase do equidna.procedem do tronco encefálico para o centro do processamento visual. Os olhos movem-se rapidamente em sincronia sob as pálpebras fechadas. os primeiros 46 . O estado hipnagógico é seguido pelo sono de ondas lentas. Os neurônios do tronco encefálico também iniciam uma onda sinusoidal (semelhante à forma de um sino) no hipocampo. O primeiro estágio REM da noite ocorre 90 minutos após o sono de ondas lentas e dura 10 minutos. Esses períodos de atividade mental são chamados de sono REM. Os neurônios motores são inibidos durante o sono REM.claramente imagens de sonhos. Descobriu-se que. assim chamado porque. ou tamanduá espinhoso.similares as observadas em indivíduos acordados. e determinaram que o controle neural desse estágio do ciclo do sono está centrado no tronco encefálico (a região do cérebro mais próxima da medula espinhal) a que durante o sono REM os sinais neurais . embora permita que suas extremidades permaneçam ligeiramente ativas. A ausência do sono REM no equidna sugere que este estágio do ciclo do sono desenvolveu-se há cerca de 140 milhões de anos. com a análise do ciclo do sono humano. as ondas cerebrais do neocórtex (a camada circunvoluta mais externa do cérebro) apresentam freqüências baixas e de grande amplitude. os pesquisadores descobriram que gatos dormindo acordavam e atacavam ou ficavam assustados com objetos invisíveis . a respiração tornase irregular e a freqüência cardíaca aumenta. durante esse periodo. Os cientistas descobriram ainda. O quarto e último intervalo dura de 20 a 30 minutos e é seguido pelo despertar. Esses sinais são medidos como registros de eletroencefalograma (EEG).alternando o sono de ondas lentas e o REM parece estar presente em todos os mamíferos placentrios e marsupiais. Este sinal cerebral é chamado de ritmo teta. não apresenta o ritmo teta quando dorme. Se um sonho for lembrado. o córtex visual. mas tornam-se progressivamente mais longos. Mamíferos exibem características ASSOCIADAS ao SONO REM observadas nos humanos Este ciclo do sono . estudando animais não-primatas. que fornece pistas sobre a origem do sonho.Estágios do Sono e do Sonho A fisiologia do sonho foi compreendida pela primeira vez em 1953. período de vários minutos durante os quais os pensamentos consistem em imagens fragmentadas ou pequenas cenas. Os pesquisadores descobriram também que o sono noturno é entremeado por períodos em que os registros do EEG apresentam freqüências irregulares a amplitudes baixas . Os mamíferos exibem as várias características associadas ao REM observadas nos humanos. freqüentemente. Pelo menos um animal vivencia o sono de ondas lentas. o que impede o corpo de se mover livremente. J. propuseram a hipótese da "sínteseativação": os sonhos seriam associações e memórias suscitadas no prosencéfalo (o neocórtex e estruturas associadas) em resposta a sinais aleatórios provenientes do tronco encefálico. Segundo Hobson.continua a ser usado na psicanálise. Entretanto. De acordo com todos os critérios evolutivos. Em 1977. Compreender essa função pode revelar o significado dos sonhos. A anatomia do cérebro e a representação transversal do hipocampo mostram algumas regiões envolvidas no sonho. Seriam simplesmente a "melhor adaptação" que o prosencéfalo poderia fornecer. tal como as ondas PGO. a fisiologia do sono era desconhecida. Em outras palavras. ocasionalmente. de nossas memórias remotas". Hobson sugeriu também que a ativação do tronco encefálico poderia servir apenas para mudar de um episódio do sonho para outro. sugerir um conteúdo psicológico. 47 . Nas espécies não primatas. o vocabulário emocional do indivíduo poderia ser relevante para os sonhos. o conceito central da teoria de Freud . O sonho passou a ser entendido como parte de um ciclo do sono determinado biologicamente. Quando Freud escreveu A Interpretação dos Sonhos. a informação que entra é processada de forma seqüencial no giro dentado e nas CA3 e CA1 (assim chamadas por sua forma triangular). No hipocampo. Em uma revisão posterior de sua hipótese original. o sentido ou enredo dos sonhos resultaria da ordem imposta ao caos dos sinais neurais. o ritmo teta é gerado no giro dentado e nas células CA1.a crença de que os sonhos revelam uma representação censurada de nossos sentimentos e interesses inconscientes mais íntimos . alguns elementos de sua teoria psicanalítica foram modificados e abriu-se caminho para teorias de base neurólogica. Allan Hobson e Robert McCarley. escreveu. "Esta ordem é uma função de nossa visão pessoal do mundo. À luz da descoberta do sono REM. a permanência de um processo cerebral complexo como o sono REM indica que este desempenha importante função na sobrevivência das espécies mamíferas.mamiferos a se desenvolver a partir dos répteis. seu caráter bizarro seria intrinsecamente desprovido de significado. Alguns teóricos abandonaram completamente as idéias de Freud depois das descobertas neurológicas. da Harvard Medical School. Embora os sonhos possam. A eliminação dos pensamentos parasíticos explicava somente o conteúdo bizarro do sonho e nada dizia sobre sua narrativa. A exploração dos aspectos neurocientíficos do sono REM e do processamento da memória pareceu-me conter o maior potencial para a compreensão do significado e da função dos sonhos. originalmente. entretanto. Para Crick e Mitchison. da University of Western Ontario. descobriu que havia um comportamento durante o qual os animais que ele estudou. tentado descrever a neurologia do inconsciente e dos sonhos em seu "Projeto para uma Psicologia Científica".Aprendizado Invertido Embora Hobson e Mccarley tivessem oferecido uma explicação do conteúdo do sonho. Por um lado. em contraste acentuado com os coelhos. Partindo da suposição de Hobson e McCarley sobre uma descarga neocortical aleatória pelas ondas PGO e do conhecimento que tinham sobre o comportamento de redes neurais estimuladas. Este processo serviria a uma função essencial: o processamento ordenado da memória. Crick e Mitchison postularam que o neocórtex. a teoria de Freud carecia de evidência fisiológica. de forma regular. quando estes animais estavam apreensivos por causa de estímulos em seu meio ambiente. ou "parasíticos". A chave para esta pesquisa foi o ritmo teta. propuseram a idéia do aprendizado invertido. O sono REM serviria para apagar. revelavam o ritmo teta: o sono REM. (É certo que Freud tinha. As ondas aleatórias PGO seriam impingidas ao neocórtex. que colocariam em risco o estoque ordenado e verdadeiro da memória. ratos a gatos. Vanderwolf. a despeito das revisões para incorporar elementos da psicologia. publiquei que diferentes ocorrências do ritmo teta poderiam ser entendidas em termos de comportamento animal. por John D. O ritmo teta foi posteriormente registrado em toupeiras. em Los Angeles. Green e Arnaldo A. do Salk Institute for Biological Studies.) Por outro lado. Arduini. os sonhos seriam um registro corrido desses pensamentos parasíticos: um material a ser purgado da memória. Com isso desenvolveria pensamentos falsos. Por exemplo. Estes apresentaram ritmo teta somente quando se movimentavam. a maioria das teorias posteriores negava que os sonhos tivessem significado. da University of Cambridge. a função básica do sono REM continuava desconhecida. da University of California. Em 1969. Francis Crick. Nos humanos. foi correlacionado com comportamentos muito diferentes em cada espécie. Case H. os estímulos ambientais não induziram ritmo teta nos ratos. Os dois pesquisadores propuseram uma revisão em 1986. Sonhar para esquecer poderia ser melhor formulado da seguinte forma: "Sonhamos para reduzir a fantasia ou a obsessão". essas associações espúrias. Nenhuma dessas hipóteses parece explicar adequadamente a função do sonho. descoberto em 1954. uma rede neural de associação muito complexa. em San Diego. resultando no apagamento ou desaprendizado das informações falsas. Em 1983. pode ficar sobrecarregado com as vastas quantidades de informação que recebe. mas a tentativa fora prematura e ele limitou-se à psicanálise. Eles denominaram este sinal ritmo teta. e Graeme Mitchison. entre os quais o rato. Em 1972. em animais despertos. "sonhamos para esquecer". Embora tivesse sido observado de forma consistente em animais despertos. de acordo com um componente do EEG de mesma freqüência descoberto anteriormente. Os animais 48 . tipicamente quando exploravam. que observaram um sinal regular sinusoidal de seis ciclos por segundo no hipocampo de coelhos. a descoberta. e Robert Verdes. que ativam o ritmo teta no hipocampo e no córtex entorrinal. o hipocampo forneça a base neural para a armazenagem de memória. Sem o ritmo teta. O hipocampo é uma estrutura seqüencial composta por três tipos de neurônios. é transmitida às três populações sucessivas de neurônios do hipocampo. O comportamento predatório dos gatos. em Londres. juntamente com o neocórtex. não foram mais capazes de fazê-lo. a partir daí. Acredita-se que. às células granulares do giro denteado.revelou os meios pelos quais a memória pode ser codificada. por exemplo. o ritmo teta aparecia quando exibiam comportamento não geneticamente codificado como o são o comportamento sexual ou o orientado para a alimentação mas que é uma resposta a informações variáveis do meio. descobri a fonte que gerava o ritmo teta no hipocampo. da potencialização a longo prazo (long-term potentiation . Assim. Em 1974. da Universidade de Oslo. Estudos sobre as alterações celulares que causam a memória ilustraram o papel do ritmo teta.o cerne do sistema mnemônico do cérebro. em 1973. Em outras palavras. uma posição determinada no labirinto. descobriu os neurônios do tronco encefálico que controlam o ritmo teta. Mostrei que o ritmo teta é produzido em duas regiões no interior do hipocampo: o giro denteado e os neurônios do CAI. Em particular. mediante pistas espaciais. respectivamente. Gardner-Medwin. descobriram alterações em neurônios que haviam sofrido estímulos elétricos. Os sinais chegam. Esses neurônios transmitem sinais para o septo (estrutura do prosencéfalo). retornando depois para o neocórtex. Jr. do National Institute of Medical Research. Um rato com fome. da Wayne State University. Timothy V P. 49 . às células piramidais do CAI. Ranck. Os ratos que tinham aprendido anteriormente a localizar. mesmo que a comida esteja diante dele. e sua então colega Susan Mitchell identificaram um terceiro gerador síncrono no córtex entorrinal. Para determinar a relação entre o ritmo teta e a memória.despertos pareciam apresentar o ritmo teta quando desempenhavam tarefas cruciais para sua sobrevivência. finalmente. A informação proveniente de todas as áreas sensoriais e associativas do neocórtex converge para o córtex entorrinal. da State University of New York Downstate Medical Center. a memória espacial foi destruída. depois às células piramidais do CA3 (assim chamada em razão de sua forma triangular) e.reunida durante o dia .LTP) . e Terje Lomo. Posteriormente. Sugeri que o ritmo teta reflete um processo neural através do qual a informação essencial é sobrevivência de uma espécie . Bliss e A.e reprocessada na memória durante o sono REM. a presença do ritmo teta durante o sono REM nessa região do cérebro pode estar relacionada a essa atividade de processamento. R. O Papel de Ritmo Teta Como o hipocampo está envolvido no processamento da memória. ao registrar sinais do hipocampo em ratos a coelhos que se moviam livremente.. de presa dos coelhos e exploratório dos ratos são. provoquei uma lesão no septo de um rato. ira explorar antes de comer. James B.mudança no comportamento neural que reflete a atividade pregressa . Após ser processada a informação é retransmitida para o córtex entorrinal. primeiro. os mais importantes para a sobrevivência de cada um deles. Os ritmos nessas duas áreas são síncronos. o tronco encefálico ativa o hipocampo e o neocórtex . Diferentemente de outros receptores neuronais. e Gregory Rose e Thomas V Dunwiddie. LTP era induzida. o meio natural pelo qual o receptor NMDA é ativado em neurônios no hipocampo. Após a estimulação tetânica. da University of California. Se uma ativação adicional do glutamato ocorrer enquanto a célula granular estiver despolarizada. a célula granular dispara. transmitindo informações para outros neurônios. A LTP é considerada agora um modelo para o aprendizado e a memória. Yoram J. mas desta vez nas células granulares do hipocampo. Greenstein e eu demonstramos que a LTP dependia da presença e da fase do ritmo teta. em Denver. O efeito intensificado persistiu por até três dias. O glutamato abre momentaneamente um canal não-NMDA no dendrito da célula granular. aparentemente. O ritmo teta e. permitindo o influxo de cálcio. A LTP ocorre pela atividade do receptor NMDA (N-metil-Daspartato). (A descrição fornecida aqui foi simplificada. ao se estimular a via que se projeta do córtex entorrinal às células granulares do hipocampo. Se a despolarização for suficiente.ou LTP. Por exemplo.a esta via. Eles aplicaram um pequeno número de estímulos elétricos às células de CAI do hipocampo de um rato e produziram LTP. um estímulo elétrico isolado provocou disparo maior das células granulares que o observado anteriormente. assim. Surgia. Bliss e seus colegas mediram a resposta normal a um estímulo elétrico isolado e depois aplicaram uma longa série de sinais de alta freqüência chamada de estimulação tetânica . Se fossem aplicados estímulos elétricos às células no pico da onda teta. Lynch. restava a questão de saber como a LTP era obtida em condições normais. Elas são aí divididas em "bites" de 200 milésimos de 50 .não se induzia LTP.glutamato. da University of Colorado. permitindo um fluxo de sódio do espaço extracelular para dentro do neurônio. Constantine Pavlides. o receptor NMDA é ativado por um neurotransmissor .ou na ausência de ritmo teta . neste caso. Os sinais de entrada olfativos (que no rato estão sincronizados com o ritmo teta.) Como a estimulação tetânica aplicada por Bliss e seus colegas não ocorria naturalmente no cérebro. Pesquisas feitas em meu laboratório da Rockefeller University reproduziram as descobertas de Larson e Lynch. um segundo canal se abre. assim como o movimento das vibrissas) e outras informações sensoriais convergem ao córtex entorrinal e ao hipocampo. quando um rato explorando os neurônios do tronco encefálico ativam o ritmo teta. Este fenômeno de LTP era precisamente o tipo de aumento da força neuronal que poderia ser capaz de manter a memória. iniciando uma série de eventos intracelulares que culminam em mudanças sinápticas duradouras . um quadro coerente sobre o processamento da memória. A LTP é hoje tema de amplas investigações. sugeriram que a ocorrência de LTP no hipocampo estava ligada ao ritmo teta. Esta molécula está inserida nos dendritos das células granulares. das células de CAI do hipocampo e nos neurônios de toda a extensão do neocórtex. Este influxo causa a despolarização da célula granular.Memória de Longo Prazo Estudos anteriores haviam demonstrado que. Acredita-se que o cálcio aja como um segundo mensageiro. o NMDA possui uma propriedade adicional. a resposta dessas células podia ser medida com um eletrodo de registro. John Larson e Gary S. mas somente quando os estímulos eram separados pelo lapso de tempo normal entre duas ondas teta aproximadamente 200 milésimos de segundo. Se o mesmo estímulo fosse aplicado no ponto mais baixo das ondas . Assim como outros receptores neuronais. Em 1986. em Irvine. O ritmo teta pode produzir mudanças duradouras na memória. colocamos um rato no campo de ação de um dos neurônios. O neurônio disparou de forma intensa. da University College London. Um processo similar ocorre durante o sono REM. Os receptores NMDA. associando. Armazenagem da Memória Espacial Experimentos posteriores demonstraram que a memória espacial é de fato armazenada no hipocampo do rato durante o sono. haviam demonstrado que os neurônios de CAI no hipocampo do rato disparavam quando o animal desperto movia-se para um determinado local. entretanto. Esta descoberta implicava que o neurônio de CAI disparava para mapear o ambiente. mapeando aquele local. permitindo o influxo de sódio. já que não estava mapeando o espaço. A ativação do receptor NMDA induz a potencialização a longo prazo (LTP). A segunda célula disparou só esporadicamente. a rede natural do neocórtex e do hipocampo sofre mais uma vez a ação marca-passo do ritmo teta. a tarefa à memória. Durante o sono. que serviu como base de comparação. Dostrovsky. que permite o influxo de cálcio e leva à LTP. John O'Keefe e Jonathan O. A liberação do neurotransmissor glutamato (quadro à esquerda) abre um canal associado a um receptor não-NMDA (N-metil-Daspartato). Se uma nova liberação de glutamato ocorrer enquanto a célula estiver despolarizada (quadro central). Embora não haja entrada de informação ou movimento durante o sono REM. que despolariza o neurônio.segundo pelo ritmo teta. Pavlides e eu localizamos dois neurônios no hipocampo do rato que tinham campos de ação diferentes. denominado campo de ação. A freqüência de disparos nos neurônios que não haviam mapeado o espaço 51 . assim. Após de terminarmos as freqüências normais de disparos nos animais em vigília e sono. agindo com o ritmo teta. passavam a disparar a um ritmo significativamente maior que durante o período anterior de sono. um modelo para a memória. permitem a armazenagem de longo prazo dessa informação. A LTP é resultado do aumento do influxo de sódio através do canal associado a um receptor não-NMDA (quadro à direita) e do subseqüente aumento da despolarização da célula. Continuamos fazendo registros dos dois pares de neurônios conforme os ratos se movimentavam e entravam nos vários ciclos do sono. Em 1989. Seis pares de neurônios foram estudados dessa maneira. o receptor NMDA abre um segundo canal. Descobrimos que os neurônios que haviam mapeado o espaço disparavam a uma freqüência normal enquanto o animal se movia logo antes de dormir. (O equidna. Durante o dia. Concomitante ao desenvolvimento aparente do sono REM nos mamíferos marsupiais e placentários. O sono REM pode ter fornecido esse novo mecanismo. Acredito que esta grande extensão de córtex pré-frontal seja necessária para o desempenho de uma função dupla: reagir a entrada de informação de forma adequada. depois. e avaliar e armazenar informações novas para auxiliar a sobrevivência futura. Portanto o processamento da memória durante o sono pode ter dois estágios . a locomoção teve de ser suprimida pela inibição dos neurônios motores. Bruce L. mas também da evolução. simultaneamente. De fato. houve uma notável mudança neuroanatômica: o córtex préfrontal foi dramaticamente reduzido.um preliminar no sono de ondas lentas e um posterior no sono REM.a menos que surgisse outro mecanismo cerebral. Seja como for. permitindo que o processamento da memória ocorra "off-line".não aumentou. A natureza do sono REM apóia este argumento evolutivo. baseada na experiência passada. Menos dele era exigido para processar a informação. entretanto. assim como refletir o reprocessamento desta informação durante o sono REM. os animais colhem informações que envolvem locomoção a movimentos oculares. em nível de neurônios individuais. eles descobriram que conjuntos de campos de ação de neurônios que mapeiam o espaço durante a vigília reprocessam a informação durante o sono de ondas lentas e. A função desses sinais ainda não foi determinada. maior em relação ao resto do cérebro quando comparado com qualquer outro mamífero. McNaughton e colegas da University of Arizona desenvolveram uma técnica que registra. 52 . mas podem servir para alertar o córtex visual sobre a informação que chega quando o animal está acordado. seria preciso que o córtex préfrontal se tornasse cada vez maior . O equidna tem uma grande extensão de circunvoluções do córtex pré-frontal. um grande número de neurônios do hipocampo que mapeiam locais. inclusive humanos. quando os sonhos ocorrem. Sem o ritmo teta durante o sono REM. A Evolução do Sono REM Evidências de que o ritmo teta codifica a memória durante o sono REM decorrem não somente de pesquisas neurocientíficas. acompanha o movimento rápido dos olhos durante a vigília e também durante o sono REM. Este experimento sugeria que o reprocessamento ou fortalecimento da informação codificada quando o animal estava acordado ocorria durante o sono. A emergência de um mecanismo neural que processa a memória durante o sono REM sugere diferenças na anatomia do cérebro entre mamíferos com esta característica do ciclo do sono e aqueles sem. durante o sono REM. essas diferenças existem claramente entre o equidna e os marsupiais e placentários. similarmente às ondas PGO. Esta área do cérebro pôde se desenvolver no sentido de proporcionar habilidades de percepção avançadas em espécies superiores.ultrapassando a capacidade da caixa craniana . o equidna não seria capaz de processar informação enquanto dorme. Assim. exibe o ritmo teta quando procura comida.tal dissociação exigiria excessiva revisão do circuito cerebral. O potencial de movimentos oculares. as ondas PGO não perturbam o sono e não precisaram ser suprimidas diferentemente dos neurônios motores. Estudando animais.) Para que habilidades superiores se desenvolvessem. O reprocessamento desta informação durante o sono REM não seria facilmente separado da locomoção relacionada a experiência . e permite a identificação de padrões definitivos de disparo. Os sonhos tem. Luke's Hospital. A interpretação depende dos eventos relevantes ou similares reconhecidos pelo indivíduo. os sonhos nos humanos são sensoriais. o tema dos sonhos pode ser livre. Todavia. um profundo núcleo psicológico. orientação sexual. Todas foram avaliadas clinicamente e submetidas a testes psicológicos para determinar suas atitudes e respostas a crise pela qual passavam. inseguranças. Mas também não há razão para que o conteúdo dos sonhos não alcance a consciência. Embora o ritmo teta não tenha sido ainda demonstrado nos primatas. temores. idéias grandiosas. De forma consistente com nossas primitivas origens mamíferas. cada espécie pôde processar a informação mais importante para sua sobrevivência. o conteúdo dos sonhos referiase a pensamentos inconscientes e estava fortemente relacionado ao modo pelo qual a pessoa lidava com a crise quando acordada. Os sonhos podem refletir um mecanismo de processamento da memória herdado de espécies inferiores. meios de capturar presas ou de fugir . Em consonância ainda com o papel desempenhado pelo sono REM no processamento da memória nos animais. do RushPresbyterian-St. no qual a informação importante para a sobrevivência é reprocessada. Como os animais não possuem linguagem. Esta observação foi feita por psicanalistas desde Freud e admiravelmente ilustrada pela obra de Rosalind Cartwright. há razão para acreditarmos que o processo cognitivo que ocorreu com as pessoas estudadas por Cartwright ocorra com todos. Ao se combinar com as intrincadas associações que são parte intrínseca do processamento do sono REM. Essa informação pode constituir o cerne do inconsciente. dependendo da personalidade do indivíduo. como localização de alimentos. A consciência surge mais tarde.mais facilmente se o despertar ocorrer durante ou logo após o sono REM. incluindo auto-imagem. Em 70 dos casos estudados. algumas das dificuldades da vida . com a evolução humana. desejo. Cartwright estudou 90 pessoas que passavam por processos de separação e divórcio conjugal. Elas foram também despertadas durante o sono REM para que relatassem seus sonhos por conta própria.Estratégia de sobrevivência Com a evolução do sono REM. Assim. esta informação pode ser acessada novamente e integrada à experiência passada. de Chicago.atividades durante as quais o ritmo teta está presente. não existe necessidade funcional de que este material se torne consciente. essas associações são muito influenciadas pelas experiências da primeira infância. os sonhos podem ser lembrados . Em circunstâncias normais. ciúme e amor. seus enunciados podem ser bastante obscuros. sem perguntas que pudessem influenciar suas interpretações. para proporcionar uma estratégia progressiva de comportamento. Minha hipótese é de que os sonhos refletem a estratégia de sobrevivência das pessoas.vinculam-se de tal forma à sobrevivência psicológica que são selecionadas para processamento durante o sono REM. não assumindo a forma de narração verbal. claramente. poderes. 53 . os sinais cerebrais fornecem uma chave para a compreensão da origem do sonho em seres humanos. Os temas dos sonhos são variados e complexos. a informação que processam durante o sono REM é necessariamente sensorial. No sono REM. principalmente visuais. incluindo os seres humanos. Embora não seja possível prever o tema "escolhido" para consideração durante uma noite de sono.como no caso das pessoas estudadas por Cartwright . A hipótese de Crick Mitchison atribui uma função para o sono REM . que confirma o papel desempenhado pelo sono REM no processamento da memória.Minha hipótese permite também explicar a grande quantidade de sono REM observada nos recém-nascidos e nas crianças. Há um inconsciente e os sonhos são. sugeriria que os neurônios disparam aleatoriamente durante o sono REM. a "via privilegiada" para compreendê-los. Este estudo abre um campo de investigação promissor.mas não se aplica a narrativa. o sono REM é reduzido para três horas ao dia e diminui gradualmente até chegar a pouco menos de duas horas. em Israel. e 54 . a hipótese da ativação aleatória do tronco encefálico tem pouco poder explicativo ou preditivo. A informação obtida durante a vigília e a ser integrada neste ponto do desenvolvimento constitui o substrato cognitivo básico da memória . Meu experimento com os neurônios que mapeiam o espaço sugere. É preciso definir a implicação disto para o processamento REM nas espécies inferiores antes que a teoria possa ser melhor avaliada. Entretanto. o que implica um processamento ordenado da memória. nos humanos. O sono REM pode desempenhar uma função especial nos bebês. A memória desta habilidade foi aprimorada após uma noite de sono REM. torna-se funcional. No experimento que fizeram. permitindo assim o aprendizado invertido. e não pelo de ondas lentas. o sono REM assume sua função de memória interpretativa. quando o hipocampo. por volta de dois anos de idade. Freud apresentou em sua obra uma verdade profunda. O ciclo do sono está. os indivíduos aprenderam a identificar padrões específicos em uma tela. só aos elementos bizarros do sonho. Seu caráter incomum resulta das complexas associações que são selecionadas da memória. de fato. Avi Karni e seus colegas do Weizmann Institute of Science. mostraram que o processamento da memória ocorre. Por razões que não podia conhecer. a memória não se consolidou. Quando as pessoas foram privadas do mesmo. Em sua formulação truncada atual. Uma das teorias dominantes sustenta que estimule o desenvolvimento de neurônios. em vez disso. A organização na memória dessa extensa infra-estrutura exige o tempo adicional de sono REM. Aos dois anos de idade. as características dos processos inconscientes e associados do funcionamento do cérebro são muito diferentes daquelas imaginadas por Freud. Talvez seja de maior importância a evidência. associado ao aprendizado. A versão revisada da hipótese de síntese-ativação de Hobson e McCarley reconhece o profundo núcleo psicológico dos sonhos. desorganizado.o conceito do mundo real contra o qual as experiências posteriores devem ser comparadas e interpretadas. nessa idade. durante o sono REM. aplicada ao hipocampo. A pesquisa sobre o sono REM sugere que há uma razão biologicamente relevante para o sonho. começando pelo sono REM. não como um caldeirão de paixões indomáveis e de desejos destrutivos. que estes neurônios disparam de forma seletiva. Os recémnascidos passam 8 horas por dia em sono REM. Sugiro que. a hipótese Crick Mitchison. mas como uma estrutura mental continuamente ativa e coesa que registra as experiências e reage de acordo com o seu próprio esquema de interpretação. Os sonhos não são dissimulados em razão da repressão. fornecida pela biologia molecular.o aprendizado invertido . que continua a se desenvolver após o nascimento. ocorre em ciclos de 50 a 60 minutos. Sidarta Ribeiro e seus colegas da Rockefeller University relataram que o gene zif-268. Além disso. Proponho que o inconsciente seja considerado. 1978. Vol. pags. 6. Mark Grudman e Jonathan Winson em Brain Research. Para conhecer mais Interspecies Differences in the Occurrence of Theta.1989.ativado seletivamente durante o sono REM em ratos expostos a experiência em um período de anterior de vigília. pags. págs 500-508. dessa área de pesquisa. 4. Brain Gene Expression during REM Sleep Depends on Prior Wakin Experience. Wilson a Bruce L. Barton S. David Tanne. pags. 265. agosto. Yoram J. 29 de julho de 1994. págs. 679-682. M. No. Reactivation of Hippocampal Ensemble Memories during Sleep. Sidarta Ribeiro. 1985. págs. 439. 479-487. 7. 383-387. Jonathan Winson em Science. 2907-2918. 1988.Vol. Brain and Psyche: The Biology of the Unconscious. No. 201. Avi Karni. Greenstein. Constantine Pavlides. 9. Vikas Goal Claudio V Mello e Constantine Pavlides em Learning and Memory. 435. Doubleday. Constantine Pavlides a Jonathan Winson em Journal of Neuroscience. Dependence on REM Sleep of Overnight Improvement of a Perceptual Skill. Rubenstein. Vol. Influences of Hippocampal Place Cell Firing in the Awake State on the. Long-Term Potentiation in the Dentate Gyros is Induced Preferentially on the Positive Phase of QRhythm. No. Podemos esperar. Mathew A. McNaughton em Science Vol. 55 . 8. Vol. Activity of These Cells during Subsequent Sleep Episodes. Jonathan Winson Behavioral Biology. Loss of Hippocampal Theta Rhythm Results in Spatial Memory Deficit in the Rat. Jean J. págs. 265. 1972. Vol.160-163. 676-679. Vol. uma maior compreensão do papel do sono REM. Askenasy a Dov Sagi em Science. 29 de julho de 1994. Jonathan Winson Anchor Press. 1999. em grande parte. edição especial nº 4. em Gotemburgo. assimila-se àquela de um embrião em desenvolvimento. era nisso que se acreditava recentemente. membro de nossa equipe do Salk Institute for Biological Studies. O cérebro adulto consegue. Peter S. ainda que dormentes. graças. Outras célulastronco são responsáveis pela produção dos diversos componentes da pele. Essa descoberta levará a tratamentos mais eficazes para as doenças neurológicas? Introdução A cicatrização de um corte na pele ocorre em questão de dias. em San Diego. cuja capacidade de se multiplicar e de gerar diversos outros tipos de células. ao fazer novas conexões entre neurônios sobreviventes. o hipocampo. Uma fratura na perna pode ser resolvida sem maiores problemas se o osso estiver posicionado corretamente. com capacidade de reparo tão precária. além das incapacidades decorrentes de acidentes vasculares cerebrais e traumatismo craniano. capazes de produzir células encontradas no sangue: hemácias. além de serem encontradas. do Hospital Universitário Sahlgrenska. Um exemplo espetacular são as versões encontradas na medula óssea. Em novembro de 1998. Caso se descubra como induzir células-tronco a produzir um volume útil de neurônios funcionais em regiões específicas. Gage Novos neurônios no cérebro adulto Ao contrário do que muitos acreditam. diversos distúrbios que envolvem lesões de neurônios e a morte. na Suécia. contrabalancear perdas bastante bem. Eriksson. plaquetas e uma variedade de células brancas. ao menos. na realidade possua enorme potencial para a regeneração neuronal. ocasionalmente. porém ele ajuda a formá-la após receber contribuições de outras partes do cérebro). Ou.Material de apoio da atividade O envelhecimento dificulta o aprendizado devido a perda de neurônios? Texto extraído da revista Scientific American. Dados atuais sugerem que as células-tronco produzem novos neurônios em uma outra parte do cérebro humano. Praticamente todo tecido humano é capaz de se auto-recompor até certo ponto. em locais adicionais. 2001 de Gerd Kempermann e Fred H. e diversos outros colegas. não é capaz de restaurar a si próprio. Gage. Assim. Porém. como as doenças de Alzheimer e Parkinson. publicaram a surpreendente notícia de que o cérebro humano maduro continua a gerar neurônios regularmente em pelo menos um local. possivelmente poderão ser tratados. é possível que nosso cérebro. as versáteis células-tronco. já que não possui as células-tronco necessárias. área importante para a memória e a aprendizagem (a memória não fica armazenada no hipocampo. o cérebro humano adulto é capaz de gerar novas células. mas nossa descoberta traz à tona perspectivas fascinantes para a medicina. do fígado e do revestimento intestinal. 56 . O número de células novas é baixo em relação ao total do cérebro. Apesar de estudos posteriores confirmarem o relato. Além disso. Em 1965. nem mesmo como indício do potencial regenerativo do cérebro humano. a descoberta não foi vista como prova da existência de neurogênese significativa em mamíferos adultos. porque até então não havia sido apresentada prova da neurogênese em macacos ou símios. descreveram a produção de neurônios (neurogênese) no hipocampo de ratos adultos exatamente na mesma região. A relevância das descobertas também foi subestimada. da Rockefeller University. Mas o otimismo não durou muito. criou polêmica ao revelar resultados obtidos com canários adultos. onde este fenômeno foi recentemente descoberto no homem. Os impressionantes resultados de Nottebohm levaram a um ressurgimento do interesse pela neurogênese em mamíferos e pelo potencial regenerativo do cérebro humano adulto. primatas. A situação permaneceu assim até meados da década de 80. principalmente quando precisam se lembrar dos locais de armazenamento de alimentos. que o processo é acelerado durante épocas em que os pássaros adultos assimilam a música. Das. Ele descobriu que a neurogênese ocorre nos centros cerebrais que regem a aprendizagem da música e. Nottebohm e colegas também mostraram que a formação de neurônios no hipocampo de Chapins norte-americanos aumenta quando crescem as exigências sobre o sistema de memória deles. Acreditava-se que a criação de novos neurônios dependesse da reprodução de versões já maduras algo extremamente difícil. quando Fernando Nottebohm. conhecida como giro denteado. ainda. portanto. não encontrou novos 57 . o conceito de célulastronco cerebrais ainda não havia sido introduzido. e. genética e fisiologicamente mais próximos do homem que outros mamíferos. muito bem feito para sua época. Joseph Altman e Gopal D. Pasko Rakic e colegas da Yale University foram pioneiros em estudar a neurogênese em primatas adultos e o trabalho. em parte. Os métodos disponíveis na época não eram capazes de estimar com precisão o número de neurônios produzidos ou provar que as novas células eram neurônios.Há anos estudos com outros mamíferos adultos indicavam que o cérebro humano totalmente desenvolvido seria capaz de produzir neurônios. do MIT. as técnicas utilizadas para comprovar a formação de novos neurônios em animais não pareciam ser aplicáveis em pessoas. a neurogênese havia se tornado cada vez mais restrita. permitindo que cada célula filha receba um conjunto completo. que é clínico. ou seja. que os macacos Rhesus. e as partes recebem um corante para ajudar a localização das células que têm o marcador (sinal de que derivam das células originais). Isso significaria que havia sido formado após a substância ser ministrada. Eriksson. Entre o início de 1996 e fevereiro de 1998. que participavam de um estudo. falecidos. Obviamente. O marcador torna-se então parte do DNA das células filhas e é herdado pelas filhas das filhas. animal próximo do primata. em Gottingen. Eriksson percebeu que. com a evolução e a complexidade cada vez maior do cérebro. McEwen.neurônios no cérebro de macacos Rhesus. se especializam em tipos específicos de neurônios ou células gliais (outro tipo principal de células cerebrais). do Deutsches Primatenzentrum. Em 1998. em mamíferos essa reação saudável estaria ausente. se conseguisse obter o hipocampo dos que viessem a falecer. Em consulta com um oncologista. A lógica também ia contra a hipótese. em fase terminal de câncer da laringe ou da língua. assim como pelos futuros descendentes das células originais. Apesar de mais distantes do homem. No entanto. Indícios de que esse raciocínio poderia ser falho só surgiram há alguns anos. algumas das células marcadas se diferenciam ou seja. entre 57 a 72 anos de idade. Após um período. Elas variam. detectaram o mesmo fenômeno no sagüi. O obstáculo parecia intransponível até que Eriksson deparou com a solução durante um período sabático com nossa equipe no Salk Institute. Os biólogos sabiam que. injeta-se um material rastreável (um "marcador") na cobaia. que havia ocorrido neurogênese. antes de se dividirem. Devemos a prova da 58 . do Rockefeller. mas em geral se baseiam no fato de que as células. Estudos em humanos Ficou claro que só seria possível provar a capacidade humana para a neurogênese na fase adulta estudando diretamente seres humanos. descobriu que a substância que utilizávamos como marcador em animais a bromodeoxiuridina (BrdU) coincidentemente estava sendo ministrada a alguns pacientes. O cérebro da cobaia é então removido e seccionado. em termos de evolução. recebeu o tecido cerebral de cinco pacientes. Parecia razoável supor que a adição de novos neurônios e complexidade de conexões do cérebro humano ameaçaria o fluxo organizado de sinais. seres humanos não podem ser testados dessa forma. Em 1997. presumivelmente através da proliferação e diferenciação de células-tronco durante a fase adulta do paciente. poderíamos verificar se algum neurônio exibia o marcador de DNA. Eriksson obteve autorização para a pesquisa. Nas experiências realizadas com animais. Conforme as expectativas. equipe comandada por Elizabeth Gould e Bruce S. revelaram a existência de neurogênese no hipocampo do musaranho. Alemanha. a que apresentam as características químicas e anatômicas de um neurônio. que se integra somente ao DNA das células que se preparam para divisão. a Eberhard Fuchs.especificamente aqueles conhecidos como células granulares no giro denteado. os cérebros apresentavam novos neurônios . os sagüis não deixam de ser primatas. Embora lagartos e outros animais inferiores desfrutem de uma regeneração neuronal grande quando seu cérebro é lesado. duplicam seus cromossomos. Os passos 2 e 3 parecem se repetir durante toda vida no hipocampo humano. a equipe de Gage. Essas células conseguem se dividir em meios de cultura e serem induzidas a produzir neurônios. projeções longas através das quais células granulares transmitem sinais para uma estação de relé hipocampal conhecida como CA3. os pesquisadores podem voltar a realizar estudos com ratos e camundongos a procura de pistas. destinadas a criar apenas neurônios (2). a porção do giro denteado do hipocampo seria visualizada como uma camada fina e escura e teria mais ou menos a forma de um V visto de lado. Esse V é composto por corpos celulares de neurônios granulares partes globulares que contém o núcleo. capaz de produzir qualquer célula do corpo. As células-tronco também podem ser encontradas em partes do cérebro como o septo (envolvido. ainda não especializadas. Felizmente. têm isolado células cerebrais de autópsias e biópsias do hipocampo de adultos. A camada adjacente interna deste V é denominada hilo e é composta principalmente por axônios.neurogênese humana adulta à generosidade desses pacientes. Porém. Goldman e colegas da facudade de medicina da Cornell University. mas também no sistema olfativo. que elas serão funcionais e poderão enviar e receber mensagens de forma correta. o striatum (envolvido na sintonia fina de atividades motoras) e a medula espinhal. Estudos anteriores com roedores revelaram que algum tipo de neurogênese ocorre durante toda a vida não apenas no hipocampo. Desde então. ou células gliais. já que a neurogênese no hipocampo dos roedores representa um fenômeno que ocorre no cérebro humano. Essas células comprometidas. Se o objetivo final é estimular a regeneração neuronal controlada em doentes. bem como Steven A. 59 . Se a parte anterior do cérebro de um animal fosse transparente. que promovem a sobrevivência dos mesmos. Uma célula-tronco totipotente. Novos Neurônios Funcionam? É claro que só demonstrar a neurogênese humana não é suficiente. comprometidas com a produção de células cerebrais (1). é necessário que se determine a localização das células-tronco capazes de se tornar neurônios. as células que se encontram fora do hipocampo e do sistema olfativo não parecem produzir neurônios em condições normais. em processos de emoção e aprendizagem). Finalmente as progenitoras neuronais geram células granulares no hipocampo (3) ou outro tipo de neurônio em outras partes do cérebro. posteriormente produzem células "progenitoras". produz descendentes iniciais que incluem célulastronco. confirmando assim a possibilidade de haver neurogênese no cérebro humano adulto. O grupo de Rosenzweig. bastante espartanas. Algumas células migram para regiões mais profundas da camada de células granulares e adquirem a aparência daquelas ao seu redor. que tal processo deveria ser considerado. No início dos anos 1960. Considerando que os novos neurônios em ambas as regiões cerebrais se parecem com os nascidos anteriormente. da University of Illinois. a noção de que a produção de novos neurônios no cérebro adulto poderia contribuir para isso foi descartada. e mais tarde o de William T. Outras descobertas confirmaram que modificações ambientais de fato afetam a neurogênese adulta. o cérebro daqueles que desfrutaram de uma vida mais rica ficou mais pesado. bem como no microambiente químico das áreas cerebrais envolvidas sem dúvida têm 60 . As células-tronco que produzem novos neurônios no sistema olfativo alinham-se ao longo das paredes de cavidades cerebrais repletas de líquidos. Mark R. nosso grupo demonstrou. Durante anos. porém. A melhoria do ambiente aumentou até mesmo a neurogênese e o desempenho de aprendizagem de camundongos com idade bastante avançada. Através da aplicação de uma tecnologia não disponível na década de 1960. onde desfrutavam do luxo de viver em grandes gaiolas e conviver com outros roedores. já em 1964. estendem seus axônios pelos mesmos trajetos utilizados por células vizinhas já estabelecidas. aumentando sua capacidade cerebral. uma vez que modificações na configuração das ramificações. Muitas das descendentes são exatamente iguais as células precursoras. diferenças nos níveis de alguns neurotransmissores (moléculas que transportam mensagens estimuladoras ou inibidoras de um neurônio para outro). descreveram conseqüências admiráveis desse experimento. Em comparação com animais mantidos nas gaiolas padrão. conhecidas como ventrículos laterais. e os colocaram em um ambiente mais rico. maior número de conexões entre as neurônios e maior ramificação de projeções neuronais. existe uma grande possibilidade de que seu comportamento também seja igual. mesmo após Altman ter sugerido. e grande parte delas parece morrer logo após ser produzida. Desde então. que camundongos adultos com condição de vida mais rica produziram 60% mais células granulares novas no giro denteado que um grupo de controle geneticamente idêntico. onde adquirem características dos neurônios dessa área. Arturo Alvarez Buylla e colegas do Rockefeller demonstraram que algumas descendentes destas células-tronco migram uma boa distância para dentro do bulbo olfatório.As células-tronco que produzem novas células granulares ficam na divisa entre o giro denteado e o hilo e se dividem continuamente. Não estamos afirmando que as melhorias de comportamento tenham ocorrido unicamente graças aos novos neurônios. em 1997. Também se saíram melhor em um teste de aprendizagem. podiam explorar os arredores (constantemente modificados pelos responsáveis) e usar diversos brinquedos. em Berkeley. além de apresentar maior densidade de determinadas estruturas. Além disso. removeram roedores de suas condições normais no laboratório. E demonstraram melhor desempenho em testes de aprendizagem. cuja taxa básica de produção neuronal é muito mais baixa que a de adultos jovens. incluindo suas múltiplas projeções para recepção e envio de sinais. neurobiólogos se convenceram de que o enriquecimento do ambiente em que vivem roedores maduros influencia o processo de formação da circuitaria cerebral. Mas como provar isso? Estudos que analisam os efeitos do meio ambiente na anatomia cerebral têm nos ensinado muito. Greenough. Além disso. Rosenzweig e colegas da University of California. Apesar dos vários estudos. Um aumento na proliferação das células-tronco pode produzir crescimento no número de novos neurônios.papel importante. Da mesma forma. seria surpreendente se um progresso tão dramático na formação de neurônios. a modelos experimentais de epilepsia ao emprego de drogas antidepressivas. se a taxa de sobrevivência e diferenciação das célulasfilhas permanecer constante. pois leva à liberação de neurotransmissores excitativos e à secreção de hormônios glucocorticóides nas supra renais. quando manipulados. ao contrário de outros. o número de neurônios pode aumentar mesmo se a proliferação for constante. a variedade de fatores eficazes e as diferenças. por exemplo. Além do enriquecimento do ambiente. afetam a neurogênese adulta. Estamos particularmente interessados em elucidar como a regulação dependente de atividades da neurogênese adulta é mediada em nível de moléculas a genes. mas. Nos últimos anos. Fatores que têm influência em um estágio não afetam necessariamente outro. sugerem que a neurogênese adulta é. Altos níveis de glucocorticóide no sangue também inibem a neurogênese adulta. Compreender os mecanismos envolvidos na inibição é importante para aprender a superá-la. Mais especificamente. não servisse a alguma função. é possível que este aumento não ocorra. A descoberta de que níveis extremos de transmissores excitatórios e de certos hormônios podem conter a neurogênese não significa necessariamente que níveis mais baixos sejam prejudiciais. é necessário recordar que a neurogênese ocorre em diversos estágios desde a proliferação das células-tronco. A equipe demonstrou que o estresse reduz a proliferação de célulastronco na mesma região. Foi dada a largada para a busca dos fatores específicos que controlarão a neurogênese adulta. ainda não se tem uma idéia clara de como a neurogênese adulta seja regulada. na realidade. Porém. Gould e McEwen relataram que certas intervenções diárias no giro denteado podem conter a produção de neurônios. A compreensão dos mecanismos de controle da formação de neurônios poderia eventualmente ensinar como estimular a regeneração onde esta for necessária. Estas manipulações variam desde lesões que simulam traumatismo craniano ou derrames. aparentemente sutis. Em Busca de Controles Diversos artigos descreveram fatores individuais que. assim como a preservação da neurogênese adulta durante a evolução. baseados em diferentes paradigmas experimentais e utilizando diferentes critérios analíticos. até a migração e diferenciação celular. Alguns aspectos da neurogênese adulta parecem reagir a estímulos de forma um tanto inespecífica. em seus efeitos. estudos com animais identificaram diversos outros fatores que influenciam a neurogênese. os neurotransmissores que estimulam as células granulares também são responsáveis pela inibição da proliferação das células-tronco no hipocampo. Quanto aos fatores que estimulam a neurogênese hipocampal. Para que estes resultados façam mais sentido. passando pela sobrevivência de algumas descendentes. Entre as influências regulatórias descobertas. podem até ser úteis. algumas parecem desestimular normalmente a neurogênese. de maneira geral. Por outro lado. caso a sobrevivência e diferenciação aumentem. temos tentado identificar quais elementos de um ambiente mais rico exercem mais 61 . se for na direção inversa. muito sensível a mudanças em diversos sistemas regulatórios do cérebro. Com H. apesar de seus nomes. mesmo na ausência de condições mais ricas. como crises epiléticas ou derrames. uma com roda de exercícios e outra. eventos regulatórios foram examinados enquanto os genes eram mantidos constantes: observamos as reações neurológicas de animais geneticamente idênticos a diferentes intervenções. favorece a sobrevivência das células geradas através da divisão das células-tronco. Assim. Nos camundongos que se exercitaram. Nossa equipe comparou a neurogênese em dois grupos de camundongos mantidos em gaiolas-padrão. sem. migração ou diferenciação. em animais adultos. Presumivelmente. Os camundongos com acesso ilimitado a roda utilizaram na freqüentemente e acabaram por produzir duas vezes mais neurônios que seus companheiros sedentários. da University of California. 62 . O fator de crescimento epidérmico favoreceu a diferenciação das células resultantes em células gliais no bulbo olfatório. para que um maior número delas sobrevivesse até se tornar neurônio. número comparável àquele encontrado nos camundongos que haviam sido mantidos em ambiente enriquecido. administramos estes compostos aos ventrículos laterais de ratos adultos. afetam o desenvolvimento de neurônios em culturas de células. Avaliamos os fatores de crescimento epidérmico e de fibroblastos. Certas moléculas sabidamente influenciam a neurogênese. podem despertar divisão intensa de células-tronco e até mesmo neurogênese. agora na Princeton University. Pesquisadores podem comparar os genes ativos em regiões do cérebro que apresentam ou não neurogênese. Pode-se também identificar mecanismos de controle da neurogênese mantendo-se o ambiente constante e comparando genes em linhagens de animais cujas taxas de produção de neurônio se diferenciam de forma inata. No caso de crises epiléticas. por sua vez. deve ser possível descobrir seus produtos proteicos e quais suas contribuições específicas à neurogênese. e Jürgen Winkler. A questão é: por que esse potencial normalmente não é utilizado? Nos experimentos discutidos até agora. Os genes agem como mapas para as proteínas. Neste último caso (como no estudo de Gould). executam grande parte das atividades celulares. talvez as conexões aberrantes formadas por neurônios recém-nascidos sejam parte do problema. os genes que variam incluem aqueles que afetam o desenvolvimento de novos neurônios.efeito. resultando em aumento do número de neurônios. Ainda não se sabe se o cérebro pode utilizar esta resposta para repor neurônios necessários. enquanto este fator não teve influência nos ganhos do grupo submetido a um ambiente mais rico. Os processos que regulam a neurogênese em adultos são complexos e ocorrem em diversos níveis. como a indução da divisão celular. caso os genes que participam da geração de neurônios sejam identificados. A divisão de células-tronco e a neurogênese são provas adicionais de que o cérebro tem potencial para a auto-regeneração. onde desencadearam uma proliferação acentuada nas células-tronco locais. Georg Kuhn. uma maior taxa de divisão de células-tronco exerceu influência no efeito final. Gould. em San Diego. que. então no Salk Institute. e colegas demonstraram que a participação em um teste de aprendizado. as condições estimulantes aparentemente promoveram a sobrevivência da progênise das células-tronco. que. enquanto o fator de crescimento de fibroblastos promoveu produção neuronal. É interessante que a indução de determinadas condições patológicas. que seria então transplantado para locais lesados. Porém. mas estejam inertes. Pesquisas realizadas em áreas científicas correlatas auxiliam na busca por terapias avançadas. Talvez seja possível estimular células-tronco a migrar para áreas onde não costumam ir e amadurecer. diversos laboratórios aprenderam a cultivar células-tronco de embriões humanos. Para solucionar a potencial rejeição de transplantes pelo sistema imunológico.Regenerando o Cérebro É possível que os pesquisadores consigam rastrear as cascatas moleculares que levam de um estímulo específico seja ele uma modificação ambiental ou um evento interno as alterações específicas na atividade genética. em San Diego. agora na University of California. Estas aplicações médicas são ainda um objetivo de longo prazo. O Papel da Neurogênese A principal questão permanece: qual é a função prática da neurogênese adulta? A aparente complexidade de sua regulação e sua reação a estímulos funcionais sugerem que tenha papel importante na função hipocampal. A abordagem terapêutica pode envolver a administração de moléculas reguladoras essenciais ou de outros agentes farmacológicos. Altamente versáteis. como imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) ou tomografia por emissão de pósitrons (PET). Para estudar seres humanos sem interferir com sua saúde. Por exemplo. tanto em áreas do cérebro que sabidamente manifestem alguma neurogênese. Um dos principais desafios é que as análises de fatores que controlam a neurogênese e das terapias propostas para distúrbios do cérebro terão de passar. as técnicas poderiam ser aplicadas de diversas maneiras. Henriette van Praag. produzir quantidades valiosas de dopamina (neurotransmissor cuja depleção é responsável pelos sintomas da doença de Parkinson) ou de outras substâncias. desenvolveram um novo método para marcar células recém-nascidas e demonstraram que as propriedades eletrofisiológicas dos novos neurônios hipocampais 63 . de posse de grande parte das informações necessárias para induzir a regeneração como queiram. quanto em locais onde células-tronco existam. alterações na atividade física ou uma combinação destes fatores. por exemplo. em algum momento. poder-se-ia coletar células-tronco no cérebro do próprio paciente. transplante de células-tronco. será necessário lançar mão de protocolos extremamente inteligentes. poderiam. Gage. dos roedores para seres humanos. que provoquem aumento ou diminuição na neurogênese. uma vez coletadas. do Salk Institute e Alejandro F. com técnicas não invasivas. elas são capazes de produzir praticamente qualquer tipo de célula do corpo humano. Apesar de as novas células não serem capazes de restituir partes inteiras do cérebro ou recuperar memória perdida. Já foram desenvolvidas maneiras relativamente não invasivas de extrair essas células. tornando-se tipos específicos de neurônios. Estarão. aplicação de terapia genética para fornecer moléculas. A compilação pode levar décadas. modulação de estímulos ambientais ou cognitivos. Além disso. Poderiam fornecer algum tipo de regeneração. Schinder. então. e um dia talvez possam ser estimuladas a produzir um tipo específico de neurônio. será preciso desenvolver mecanismos de defesa que garantam que os neurônios estimulados a se formar no cérebro humano (ou transplantados) executem exatamente o que desejamos e não interfiram nas funções normais do cérebro. em vez de utilizar as de um doador. de fato. págs. págs. 3 de abril de 1997. sob condições fisiológicas. Neurogenesis in Adult Primate Neocortex: An Evaluation of Evidence. 4. em Nature Neuroscience. mas ainda não se sabe o papel que estes exercem no hipocampo. e há grande controvérsia em torno de sua existência fora delas. 3. margo de 1999. 2. págs.gerados são idênticas àquelas das células vizinhas mais antigas. págs. março de 1999. Elizabeth Gould et al em Nature Neuroscience. No. Gage em Nature. 493-495. As tentativas de ligar a neurogênese à aprendizagem e à memória são inconclusivas. A descoberta não se aplica com facilidade a condições mais gerais. Vol. mas mostra que. sob condições de lesão altamente específicas e circunscritas a neurônios individuais no córtex de camundongos. com o crescente interesse nesta área. 3. 3. Functional Neurogenesis intheAdult Hippocampus. a neurogênese cortical é factível. Learning Enhances Adult Neurogenesis in the Hippocampal Formation. é possível que este potencial se torne realidade antes do esperado. não conseguiram encontrar novos neurônios corticais. essa descoberta foi convincentemente desafiada por David Kornack. Brian R. 11. Neurogenesis in the Adult Human Hippocampus. essas células podem ser substituidas por células progenitoras naturais. modificando o processador de acordo com o aumento das necessidades funcionais. em principio. Diversas perguntas ainda devem ser respondidas. 386. em Nature Medicine. 2. 65-71. Running Increases Cell Proliferation and Neurogenesis in the Adult Mouse Dentate Gyrus. Pasko Rakic em Nature Reviews: Neuroscience. mas. Henriette van praag. após minuciosa análise microscópica. Além disso. e por Pasko Rakic que. Vol. Gerd Kempermann. Jeffrey D. Vol. Gage em Nature. Peter S. Mas as novas células não são adicionadas ao hipocampo como um "chip de memória". as informações são armazenadas na força das conexões em uma rede de neurônios. com base em estudos de cultura celular realizados com roedores. Apesar de Gould ter relatado números surpreendentes de novos neurônios no neocórtex. Nossa hipótese é que os novos neurônios são adicionados de forma estratégica a rede de processamento do giro denteado e possivelmente sejam os novos guardiões dos portais da memória. O hipocampo é considerado o portal da memória: processa informações antes do armazenamento de longo prazo nas regiões corticais. inclusive do córtex. Vol. ou endógenas. Essa descoberta esclareceu se a neurogênese adulta produz ou não neurônios funcionais. janeiro de 2002. Nicolas Toni. que células-tronco neuronais capazes de produzir neurônios em uma placa de Petri podem ser derivadas de praticamente qualquer região do cérebro. 415. uma vez que seu número seria baixo demais para armazenar quantidade significativa de informações. e acreditamos que a função dos novos neurônios tenha alguma ligação com ele. Sabe-se. Este processo é denominado consolidação da memória. No. Vol. uma opção para os distúrbios neurológicos. Alejandro F Schinder. 266-220. H. Macklis e colegas da Harvard University demonstraram que. novembro de 1998. Eriksson et al. 28 de fevereiro de 2002. Uma questão que deve ser esclarecida é se a neurogênese ocorre em outras partes do cérebro. págs. Porém. e não em células individuais. Henriette van Praag et al. nenhum neurônio parece se desenvolver a partir destas células enquanto se encontram no cérebro e fora das duas regiões neurogênicas clássicas. Georg Kuhn a Fred H. Palmer a Fred H. A neurogênese adulta foi descrita em duas regiões: o hipocampo e o sistema olfativo. Para conhecer mais: More Hippocampal Neurons in Adult Mice Living in an Enriched Environment. págs. No. 64 . da University of Rochester. 260-265.1313-1317.1030-1034. Vol. Como podemos utilizar o potencial neurogênico das células-tronco neuronais do cérebro adulto para fins terapeuticos? É possível que um dia se descubra que a neurogênese direcionada seja. Theo D. Christie. acontece uma espécie de choque sensorial que dá origem a um estado de surpresa. Tipos de atenção Nossos cinco sentidos podem ser ativados conscientemente para focalizar a Atenção sobre um determinado estímulo. que. Outras vezes. Portanto. fica com as mãos espalmadas para cima. a pessoa se inclina na direção desse objeto. o elemento afetivo tem significação determinante no processo da Atenção. Trata-se da espera pré-perceptiva. de concentração. tão logo perceba que o primeiro iniciou o movimento de estapeá-lo. Portanto. no sentido de confirmar ou não uma determinada expectativa. Vence o mais rápido. determinada cena de acidente ao constatar a direção e velocidade de um carro de corridas. em essência. mais ou menos orientada. é a focalização consciente e específica sobre alguns aspectos ou algumas partes da realidade. Neste joguete um dos jogadores. etc. os quais podem facilitar ou inibir a mobilização da Atenção. por exemplo. Repentinamente o primeiro tentará retirar suas mãos e estapear as mãos do segundo. por exemplo. entretanto. admitindo-se que a pessoa só dirige a Atenção aos estímulos que lhe 65 . e pode fechar os olhos a fim de eliminar os estímulos visuais concorrentes na tentativa de selecionar um determinado objeto (sonoro) como foco de sua Atenção. Os condicionamentos. quando os resultados fogem completamente da expectativa perceptiva. com certa expectativa. Assim sendo. a brincadeira de tapa nas mãos. nosso paladar espera. de esforço. Ao ouvir um som baixo a pessoa estica o pescoço para a frente. privilegiar um determinado conteúdo e determinar a inibição de outros conteúdos vividos simultaneamente. de interesse e de focalização da consciência. O segundo deve retirar suas mãos. constatar determinado gosto. por exemplo. assim como esperamos ver momentos antes. coloca sua mão atrás da orelha. os músculos do cristalino se acomodam de forma que a imagem fique no foco mais claro. aquele que dará os tapas. enquanto o outro coloca suas mãos sobre as mãos do primeiro. podem proporcionar uma certa atividade de espera.Material de apoio da atividade Existem coisas mais fáceis de lembrar do que outras? Prestando atenção e lembrando Uma maneira importante pela qual a percepção se torna consciente é através da atenção. Ao olhar para um objeto. nossa consciência pode. voluntariamente ou espontaneamente. Afeto e atenção Um dos fatores individuais de maior influência no processo da Atenção destacam-se as condições do estado de ânimo ou de interesse. muitas vezes inconscientes. reconhece-se a Atenção como um fenômeno de tensão. Veja-se. e o mecanismo ocular atua de forma que os olhos se dirijam ao objeto até que este caia na fóvea. Ao acrescentar mais sal na comida. onde o prazer e o interesse estão significativamente comprometidos. alguma predileção. quanto mais desejamos conhecê-lo e compreendêlo. que a quantidade de objetos que a serem captados pela Atenção. quanto mais isto nos proporcione prazer ou satisfação. A Atenção da pessoa. durante os episódios depressivos. num determinado momento pode estar distribuída de várias maneiras no campo da realidade. Pode estar concentrada num único objeto. que nossa Atenção (indispensável para a Memória) é mobilizada mais prontamente pela nossa afetividade. a Atenção é a condição imediata para a produção de uma realização pessoal e suas características consistem num esclarecimento consciente. De fato. Para William Stern. ETAPA 1 • Escreva o nome das cinco pessoas mais ricas do mundo • Cite o nome dos últimos ganhadores do Prêmio Nobel • Aproveite e escreva o nome dos(as) cinco últimos(as) prefeitos(as) do Rio de Janeiro • Escreva o nome de dez ganhadores de medalha de ouro nas olimpíadas • E para terminar lembre e escreva o nome dos 12 últimos ganhadores do Oscar de melhor ator ETAPA 2 • Escreva o nome dos professores que você mais gostava • Lembre de três amigos que ajudaram você em momentos difíceis e escreva seus nomes • Cite cinco pessoas que lhe ensinaram coisas valiosas • Pense nas pessoas que lhe fizeram se sentir amado e especial e escreva seus nomes • Escreva o nome de cinco pessoas que você gosta de estar Despertam mais nossa Atenção as coisas com as quais mantemos algum laço de interesse. Cronometre o tempo gasto para cada uma das duas etapas.despertam interesse. Vamos fazer um teste Você tem 3 minutos para responder a cada grupo de perguntas abaixo. ao constarmos que nossa Memória tem mais afinidade para as coisas que nos despertam maior interesse. por falta de interesse e prazer. É por isso que. estamos falando antes. na concentração de uma força psíquica disponível para o esclarecimento da realidade. pode 66 . a Atenção e a Memória estarão também severamente prejudicadas. julga-se muito mais importante a captação de uma totalidade ou captação do todo significativo. Níveis e distribuição da atenção Ao estudar a extensão do campo de Atenção. que mais lhes mobilizam afetivamente. Nossa Atenção sobre algo é tanto mais intensa quanto mais nos interessa esse algo. dando-se pouca Atenção ao resto. Passeando num shopping as pessoas detém-se (prestam Atenção) diante das vitrinas que lhes despertam maior interesse. A inspeção de qualidade numa fábrica. a amplitude limitada da apreensão. Não é necessário prestar Atenção a uma atividade bem treinada. por exemplo. podemos vê-los mais facilmente. embora também possa provocar erros que passam desapercebidos. A Atenção involuntária ou espontânea refere-se a casos em que a pessoa parece menos o agente de escolha da direção de sua Atenção do que um joguete nas mãos de forças que a obrigam a atentar para isso ou aquilo. dirigir a Atenção para maior quantidade de material. é cômica a passagem onde diz. para o alimento da vitrina do restaurante.estar difusamente espalhada. Este é um exemplo simples do princípio segundo o qual a organização tem como função permitir. sem necessidade de Atenção cuidadosa a cada uma das partes isoladamente. Quanto maior a divisão da Atenção entre objetos. pela simples razão de que o todo integrado está tão reunido que pode ser realizado sem Atenção as suas partes isoladas. Podemos ver a mesma coisa. 67 .. como é o caso da pessoa faminta dirigir sua Atenção. sem que uma parte específica esteja predominantemente em foco ou. A primeira refere-se a casos onde o indivíduo parece ter liberdade na determinação do foco de sua Atenção. pode estar dividida entre vários objetos. naturalmente. é uma atividade tão treinada que o funcionário é capaz de ater-se rapidamente à qualquer coisa que estiver estranha àquilo considerado desejável. por fim. à pessoa. diante da censura de sua mulher por ter olhado demais para outra mulher: ". irresistivelmente. Determinantes da atenção Falamos comumente da Atenção como voluntária ou involuntária. de maneira mais significativa. Conforme vimos acima. simultaneamente. Se separarmos nove grãos de feijão em três grupos de três grãos. a duas ou mais coisas. maior a perda de qualidade da Atenção dada a cada parte. no desenvolvimento de habilidades específicas ou do treinamento. Isso. quando então a pessoa procura prestar Atenção. a Atenção necessária para percebê-las eficientemente será menor do que quando as partes são simplesmente observadas separadamente. Através da organização e do agrupamento de objetos a serem percebidos podemos estender a amplitude da Atenção. Entretanto. do interesse e da afetividade sobre a Atenção essa simples divisão em voluntária e involuntária ficará mais complicada. permite maior eficiência. com um simples olhar. Assim. Este funcionário desenvolve seu trabalho muito mais rapidamente que outra pessoa não treinada. Quando algumas partes do campo são organizadas em todos maiores. mas os olhos queriam. Numa narração folclórica e acaboclada de um contador de casos goiano . quando estes eventualmente se encaixem bem na organização.eu não queria olhar. liberdade em escolher intencionalmente aquilo sobre que prestar Atenção. ao estudarmos a influência da motivação. De qualquer forma vamos falar sobre essa divisão. e o fato de que quanto maior a divisão da Atenção menor a sua qualidade. é possível perceber. Alguns determinantes da Atenção involuntária estão relacionados ao afeto e sentimento dirigidos para o objeto. acentuam a necessidade da organização perceptual. situações complexas.". A organização dos objetos facilita para que os estímulos se encaixem na expectativa a ser percebida.. no objeto em que se concentrou a Atenção se descobre uma infinidade de pormenores que haviam passado desapercebidos quando este se achava imerso nos demais..... a mulher fumando um charuto Tenacidade e vigilância O ato de perceber consiste na apreensão de uma totalidade e que essa totalidade não representa uma simples soma do elementos isolados captados pelos órgãos sensoriais.... anúncios na televisão isolamento ...... enquanto as partes restantes representam o fundo.... Quando nos encontramos diante de uma variedade de objetos............ o principal desses fatores é o ânimo ou o interesse (em outras palavras.... também. No entanto. O nível da Atenção depende de vários fatores. Vale aqui o alvo inicialmente exemplificado: em torno de uma zona central especialmente iluminada e energicamente acentuada..... menos claro... somente uma parte das excitações sensoriais adquire relevo...... Essas características determinantes podem ser tão solicitantes que acabam atraindo tiranicamente a Atenção.. dando origem a uma forma sobre a qual se polariza a Atenção..Outros determinantes se ligam a características duradouras dos objetos estimulantes.... Esses fatores determinantes do estímulo podem ser sumariados da seguinte maneira: Determinante de Exemplo intensidade . mas apenas fins totais e integrado para alguma realização pessoal.... o ruído do motor........ na página da revista movimento e mudança .............. As características dos estímulos. a visão periférica. o silvo da sirene do carro de bombeiros repetição . que exigem Atenção... a Atenção está dispersa e os diferentes objetos recebem pequenas quantidades de energia e alcançam um grau médio de Atenção..... e serão "claras" e "nítidas" as percepções contidas no foco da Atenção... toda a energia se orienta neste sentido e os demais objetos ficam numa zona obscura. utiliza a energia psíquica sem propósito de foco da Atenção.... "vagas" e "difusas" aquelas que se encontram além desse foco... e esta forma percebida pelos sentidos será qualitativamente diferente daquilo que representa suas partes isoladas... o campo de visão mais externo. apesar de parecer que a pessoa atentou voluntariamente. 68 ... Mas..... Para a Atenção.. o afeto). ao concentrarmos a Atenção num único objeto.... o pisca-pisca no cruzamento da estrada novidade .......... Como vimos acima. mais difuso e mais fluido.. Não existem quaisquer elementos isolados.... O todo sensorial caracteriza uma determinada forma......... Quando estamos dirigindo o foco principal da Atenção deve estar na estrada e no trânsito à nossa volta..... o desenho exagerado do último modelo de carro incongruência . uma única palavra...... De um modo geral. Isso significa que dentro do campo da Atenção nem todos os estímulos recebem a mesma conscientização e energia.. Em nível menos profundo de Atenção estão os acostamentos da estrada........ foram muito estudadas por experimentos de laboratório e por técnicas de propaganda. Neste caso a Atenção foi polarizada no objeto escolhido. situam-se zonas de fraca intensidade...... mas apenas como possibilidade para um eventual foco futuro.. os instrumentos do painel do veículo etc. ou seja. espreitamos. no caso do objeto aparecer. nem o quando do que vai ser percebido. Nesses casos.Usando ainda o exemplo de dirigir. menos vigilante estamos em relação à eventuais estímulos a serem apreendidos. sem nenhum objeto específico a se focar a Atenção. espiamos ou exploramos. há também a Atenção de espera. o objeto da Atenção ainda não se acha presente. A vigilância é a possibilidade de desviar a Atenção para um novo objeto. A tenacidade é a propriedade de manter a Atenção orientada de modo permanente em determinado sentido. Bleuler destaca duas qualidades na Atenção: a tenacidade e a vigilância. quanto mais tenacidade sobre um determinado objeto está se dedicando. quando então procuramos. especialmente para um estímulo do meio exterior. tudo é indeterminado. Digamos que é uma Atenção para as possibilidades. geralmente. de maneira antagônica. Pode ser que um cachorro atravesse em nossa frente. Essas duas qualidades da Atenção se comportam. não se conhece o onde. não o deixar escapar e colocá-lo imediatamente em foco. 69 . Para completar esse exemplo temos que entender o que é tenacidade e o que é vigilância. Esta expectância e incerteza exige que a Atenção percorra continuamente um campo mais amplo para. 70 .
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