CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MATO GROSSO CURSO TÉCNICO EM QUÍMICA PROCESSOS QUÍMICOS ORGÂNICOS I PROFESSORA MSc.CRISTIANE LOPES PINTO FERREIRA TECNOLOGIA DE ALIMENTOS DE ORIGEM ANIMAL CUIABÁ/MT MICROBIOLOGIA DOS ALIMENTOS 1. INTRODUÇÃO: Alimento é toda substância para o consumo humano, que se ingere no estado natural ou elaborado, podendo ser sólido, líquido, pastoso ou qualquer outra forma adequada, que forneça ao organismo humano os elementos normais à sua formação, manutenção e desenvolvimento. Porém, além de nutrir o organismo, o alimento também serve de substratos ideais para a multiplicação de uma variedade de microrganismos, constituindo-se em meio de cultura, representando riscos à saúde do consumidor. Os microrganismos de interesse em alimentos podem ser classificados em 3 grupos: • Deterioradores: são aqueles microrganismos que promovem alterações sensoriais no alimento, como cor, odor, sabor e textura, resultantes de sua atividade metabólica natural. Bactérias proteolíticas: Pseudomonas, Clostridium, Bacillus; Bactérias lipolíticas: Pseudomonas, Alcaligenes; Bactérias pectinolíticas: Aeromonas, Flavobacterium; Bactérias produtoras de viscosidade: Alcaligenes viscolatis; Bactérias produtoras de pigmentos: Flavobacterium, Halobacterium. • Patogênicos: microrganismos que representam risco à saúde do homem e dos animais, podendo chegar aos alimentos por inúmeras vias, geralmente como reflexo de condições precárias de higiene durante o processo de produção. Bacillus cereus; Clostridium botulinum; Clostridium perfringens; Listeria monocytogenes; Salmonella spp; Shigella spp; Staphylococcus aureus; Vibrio cholerae. • Benéficos ou úteis: microrganismos utilizados industrialmente, que causam alterações benéficas na matéria-prima, modificando suas características originais. São geralmente utilizados na fermentação de alimentos Lactobacillus. 2. ELEMENTOS DE MICROBIOLOGIA: Os microrganismos abrangem várias formas: • Bactérias patogênicas e deteriorantes; • Fungos patogênicos e deteriorantes; • Vírus; • Parasitos: Protozoários (ameba, giárdia); Helmintos (Ascaris lumbricoides, Taenia solium, Taenia saginata). • Príons; • Miíases; • Rickettsias. 2 2.1 BACTÉRIAS: São seres unicelulares, amplamente difundidos na natureza. Apresentam-se sob três formas: esférica, bastonete e espiralada. Suas principais características são: • Multiplicam-se na presença ou ausência de oxigênio; • Preferem ambientes menos ácidos; • Temperatura ótima para a maioria das bactérias está em torno de 20 a 45°C; • Algumas espécies podem multiplicar-se em temperaturas de refrigeração (<4°C) ou elevadas (>40°C); • Preferem ambientes com muita água disponível; • Alguns gêneros produzem esporos – estrutura/forma de resistência capaz de tolerar condições adversas do meio por anos ou até décadas. Desenvolve-se a partir de bactérias em forma de bastonete (gêneros Clostridium e Bacillus). No esporo ocorre um mecanismo específico de sobrevivência celular, caracterizado por um estado de dormência ou vida latente, com suspensão da atividade metabólica. A importância dos esporos é preservar o material genético de algumas bactérias. Esporos são resistentes ao calor, ao frio, à radiação, aos desinfetantes, a uma ampla faixa de pH. O estágio de dormência se rompe quando o meio se torna adequado à sua germinação, favorecendo a multiplicação das células; • As bactérias se multiplicam por fissão binária (bipartição), onde uma célula dá origem a duas novas células – progressão geométrica. O tempo de geração da bactéria é o tempo requerido para a formação de duas novas células a partir de uma (em média de 15 a 20 minutos). Uma célula bacteriana após 2 horas dá origem a 16 células, após 6 horas, 1.000.000 células. 3 2.2 FUNGOS: São classificados em Bolores e Leveduras. 2.2.1 BOLORES: São vegetais aclorofilados, microscópicos, multicelulares. Alguns gêneros são produtores de micotoxinas (patogênicos ao homem e aos animais). Exemplos de micotoxinas: Aflatoxina (Aspergillus flavus): encontradas comumente no amendoim, semente de algodão, castanhas e cereais; Ocratoxina (Aspergillus ocraceus): encontradas comumente no café, castanhas, cereais, frutas cítricas e algodão. Suas principais características são: • Em geral são aeróbios; • Tempo de geração maior que leveduras e bactérias (>30 minutos); • Maior resistência à baixa atividade de água; • Maior resistência a pH baixo; • São termolábeis; • A maioria das micotoxinas são termorresistentes; • A reprodução se dá através de esporos; • Desenvolvem-se em ampla faixa de temperatura; • Temperatura ideal em torno de 20 a 30°C; • Crescem na superfície dos alimentos alterando sua textura, cor, sabor, odor; • Muitos são úteis industrialmente na fabricação de queijos tipo Brie, Roquefort, Camembert, Gorgonzola; na fermentação de bebidas, na produção de antibióticos, etc. 2.2.2 LEVEDURAS São unicelulares, microscópicos, caracterizados pela alta capacidade fermentativa. Suas principais características são: • Podem ser aeróbias ou facultativas: as facultativas fazem a fermentação alcoólica, produzindo etanol e gás carbônico; • Adaptam-se em ambientes ácidos; • Preferem temperaturas entre 20 e 30°C, porém, muitas espécies se multiplicam sob refrigeração; • Tempo de geração maior que as bactérias e menor que fungos (entre 20 e 30 minutos); • Reprodução por brotamento ou através de esporos; • São úteis na produção de alimentos e bebidas fermentadas; • Muitos são deteriorantes, porém não há registros de leveduras patogênicas. 4 2.3 VÍRUS Possuem organização estrutural simples, formados por um único tipo de ácido nucléico (DNA o RNA). São incapazes de se reproduzir fora das células vivas, constituindo-se parasitos intracelulares obrigatórios. Suas principais características: • São constituídos pelo material genético (DNA ou RNA), circundado por uma camada protéica (cápside) e são incapazes de produzir ATP, portanto, necessitam de uma célula viva para se replicar, da qual utilizam as estruturas celulares que lhe faltam e o ATP da célula parasitada; • Utilizam células de animais, vegetais e mesmo de microrganismos para se replicarem; • Os vírus também possuem organotropismo, ou seja, especificidade por órgãos ou tecidos, alguns parasitam semente bactérias (bacteriófagos); • São inativos em alimentos (não se reproduzem); • São vírus veiculados por alimentos: rotavírus, vírus da hepatite A, norwalk, etc.); • São problemáticos na indústria que trabalha com microrganismos úteis, tais como na produção de iogurtes, queijos (bacteriófagos); • Vírus patogênicos têm veiculação oral-fecal; • São sensíveis a altas temperaturas, pH, e certos índices de umidade e a certos sanitizantes de superfície (hidróxido de sódio 2%, carbonato de sódio 4% e ácido cítrico 0,2%); • A febre aftosa é uma doença contagiosa dos ruminantes domésticos e selvagens, causada por um vírus da família Picornaviridae, gênero Aphtovirus. • O Vírus da Febre Aftosa (VFA) é preservado sob refrigeração e • • congelamento; é inativado ⇑50ºC e pH⇑9,0; VFA é resistente aos iodóforos, aos compostos de amônia quaternária, hipoclorito e ao fenol; Transmissão VFA: leite, carne e derivados. 5 2.4 PARASITOS São classificados em protozoários e Helmintos. 2.4.1 PROTOZOÁRIOS Suas principais características são: • Unicelulares, microscópicos, eucariontes; • Veiculados por alimentos crus ou mal cozidos e pela água contaminada com seus cistos (ovos); • Os protozoários de maior importância em alimentos são: Toxoplasma gondii (toxoplasmose), Giardia lamblia (giardíase), Entamoeba histolytica (amebíase); • Reprodução por fissão; • São inativos em alimentos (não se multiplicam nos alimentos). 2.4.2 HELMINTOS Suas principais características são: • Multicelulares, eucariontes; • A forma infectante é microscópica; • Podem alcançar dimensões significativas; • Os helmintos de maior importância em alimentos são: Ascaris lumbricoides (ascaridíase), Strongyloides stercoralis (estrongiloidíase), Taenia saginata (teníase), Taenia solium (teníase); • Produzem ovos; • São inativos em alimentos (não se multiplicam nos alimentos). 2.5 OUTROS AGENTES INFECTANTES Existem outros agentes infectantes de importância para os alimentos, como os príons, as rickettsias e as miíases, sendo os príons e as rickettsias de ocorrência mais rara. 2.5.1 PRÍONS • São pequenas partículas protéicas infecciosas; • Capazes de se multiplicar no organismo hospedeiro; • Agem sobre o sistema nervoso do hospedeiro; • Provocam a Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB, “vaca louca”); • Transmissível pela carne; • Resistente a desinfecção e a temperatura; • É termorresistente e seu controle é realizado obrigatoriamente na produção animal. 2.5.2 RICKETTSIAS • Apresentam estrutura celular; • São incapazes de produzir ATP; • Parasitos intracelulares obrigatórios. 2.5.3 MIÍASES • É a ingestão de ovos de moscas nos alimentos; • Estes ovos eclodem no intestino liberando larvas que parasitam o intestino do hospedeiro. 6 3. SIGNIFICADO DOS MICRORGANISMOS NOS ALIMENTOS: 3.1 Indicadores de aspectos higiênicos: As determinações microbianas que permitem avaliar higienicamente um produto, no que se refere à aplicação de Práticas de Higiene em toda a sua cadeia de produção e exposição ao consumo. Baseiam-se em determinações analíticas de contagem total de bactérias (coliformes totais-fecais) e contagem total de fungos. A avaliação da presença/ausência ou números baixos desses microrganismos não é suficiente e não está diretamente relacionada com conclusões sobre o risco do consumidor. Esses indicadores estão relacionados com a qualidade do processamento dos alimentos. 3.2 Indicadores de aspectos higiênico-sanitários: Esse grupo de indicadores é composto por coliformes de origem fecal. A Escherichia coli não-patógena é integrante normal da microbiota intestinal de animais de sangue quente e consiste em importante indicador deste grupo; Os Estreptococos fecais também são indicadores de contaminação fecal. 3.3 Indicadores de processamento e/ou manipulação inadequados: Pertencem a esse grupo vários microrganismos, que dependem do produto e seu respectivo processamento: • Enlatados: são indicadores as bactérias mesófilas, termófilas, aeróbias e anaeróbias; • Leite pasteurizado: bactérias psicrotróficas e mesófilas; • Verduras: coliformes fecais; • Pratos prontos para o consumo: S. aureus, coliformes fecais, B. cereus; Dependendo do número/g ou ml, podem indicar higiene, higiene e sanidade e até impropriedade para o consumo. 3.4 Microrganismos úteis em alimentos: São microrganismos usados nos processos de transformação de matériasprimas em produtos alimentícios. São controlados, cujo metabolismo sobre os nutrientes da matéria-prima, dá como resultado final um metabólito não tóxico. Usados para fermentação de pão e similares, cerveja, chopp, iogurte, queijos. Alguns deles como o levedo de cerveja apresentam propriedades medicamentosas, como fonte de vitaminas do complexo B e como o iogurte, protetor e restaurador da microbiota intestinal (probióticos). Esse grupo não faz parte das normas e padrões legais, porém é importante para o controle de processos industriais. 3.5 Indicadores de risco de doença alimentar: • Infecção Alimentar: quando a doença alimentar é causada pela ingestão de alimentos contendo células viáveis de microrganismos patogênicos, como por exemplo, Salmonella spp, Shigella spp, Yersinia enterocolítica, entre outros; • Intoxicação Alimentar: quando a doença alimentar é causada pela ingestão de alimentos contendo toxinas microbianas pré-formadas. Essas toxinas são produzidas durante a intensa proliferação dos microrganismos patogênicos no 7 • alimento. Neste grupo estão C. botulinum, S. aureus, V. cholerae e fungos produtores de micotoxinas; Toxinfecção Alimentar: caracteriza-se pela ingestão de alimentos contendo um número de células viáveis de microrganismos que dentro do organismo liberam toxinas causadoras da doença. Pertencem a este grupo o, C. perfringens, B. cereus. 4. FONTES DE CONTAMINAÇÃO MICROBIANA DOS ALIMENTOS: Os microrganismos estão amplamente distribuídos na natureza (água, ar, solo), no próprio homem e em todos os seres vivos. Portanto, qualquer produto alimentício, industrializado ou in natura, normalmente está contaminado por diversas espécies de microrganismos, inclusive patogênicos, veiculados pelas mais variadas fontes de contaminação. Os alimentos podem ser contaminados em qualquer fase da sua produção, seja durante o processamento industrial, onde muitas matérias-primas sofrem novas contaminações próprias do ambiente fabril (equipamentos, manipuladores) até a obtenção do produto final. Em alguns casos, os alimentos são contaminados mesmo depois de sua industrialização, por falhas no envase ou por erros no transporte, armazenamento e comercialização. 4.1 Contaminação a partir da água A água contém sua microbiota natural e outros microrganismos provenientes do solo, dos animais e eventualmente de águas residuais contaminadas (esgoto). A água contém em suspensão diversos microrganismos, principalmente bactérias provenientes do solo como Aeromonas, Alcaligenes, Acinetobacter, Clostridium, Micrococcus, Pseudomonas e Staphylococcus, ou de matérias fecais do homem e de outros animais, como Salmonella e Shigella. Fungos também são veiculados pela água, e são capazes de provocar alterações nos alimentos. A água pode ser contaminada por microrganismos provenientes de excreções de indivíduos enfermos ou portadores assintomáticos de DTAs, como por exemplo, o Vibrio cholerae, a Salmonella typhi e paratiphy. Na indústria de alimentos, a água é utilizada em praticamente todas as etapas de processamento, por isso, deve possuir excelente qualidade microbiológica. Porém, nem sempre isto é observado pelas indústrias de alimentos, o que muitas vezes provoca a contaminação do produto durante a fase de processamento. 4.2 Contaminação a partir do solo: Como há grande interação entre o solo e a água, muitos microrganismos que se encontram no solo são praticamente os mesmos encontrados na água. No entanto, devemos ressaltar a importância das bactérias do gênero Clostridium (botulinum, perfringens), como integrantes da microbiota do solo, por se tratar de microrganismos patogênicos. Os gêneros de bactérias encontrados no solo e de maior importância em alimentos são: Bacillus, Clostridium, Enterobacter, Aeromonas, Micrococcus, Listeria, Proteus. Os fungos também estão presentes. Os alimentos mais expostos à contaminação pelos microrganismos do solo são as frutas e as verduras, onde os microrganismos se desenvolvem na superfície destes alimentos. A higienização da matéria-prima no início do processamento auxilia na redução da carga microbiana inicial. 8 4.3 Contaminação a partir do ar: O ar contém uma grande quantidade de microrganismos em suspensão, principalmente bactérias, fungos e raramente leveduras. Dentre as bactérias, predominam as esporuladas e os Micrococcus, sendo a presença de patogênicas não é freqüente. Os esporos de fungos produzidos pelo ar podem causar problemas em queijos, leite condensado, carnes, pães. A microbiota do ar é acidental e normalmente encontra-se aderida à superfície das partículas em suspensão, como poeira, gotículas de água e saliva, uma vez que o ar não possui microflora própria como a água e o solo. 4.4 Contaminação por material fecal: O material fecal de animais utilizado como fertilizante (adubo orgânico) aumenta a chance de ocorrer contaminação por microrganismos patogênicos, sejam excretas de animais ou indivíduos doentes ou portadores assintomáticos. Além do solo, o material fecal pode contaminar a água, podendo também contaminar peixes, mariscos, crustáceos e outros animais aquáticos. Rios próximos de granjas, fazendas ou aglomerados urbanos podem ser facilmente contaminados por material fecal tanto humano quando de animais. 4.5 Contaminação com microrganismos do próprio alimento: A pele dos animais, as cascas das frutas, dos legumes e dos ovos constituem-se barreiras naturais contra a invasão de microrganismos. Porém, durante a preparação das carcaças de animais abatidos para o consumo humano, o couro é uma fonte em potencial de contaminação de carnes, podendo assim contaminar a carcaça. O leite também pode ser contaminado por microrganismos presentes na superfície das mamas, durante a ordenha dos animais produtores de leite. Durante a colheita, os frutos podem ter suas cascas danificadas, facilitando a penetração de microrganismos. Os microrganismos cujo habitat é o trato intestinal, podem contaminar as carnes durante o abate, a evisceração e a preparação das carcaças dos animais, como por exemplo, a Escherichia coli, Salmonella, Shigella, Staphylococcus, Clostridium. Os microrganismos encontrados na superfície dos alimentos são os mesmos encontrados no solo, na água ou no material fecal. Com exceção do trato intestinal e do aparelho respiratório, os tecidos internos dos animais sadios contém poucos ou nenhum microrganismo vivo. Os mecanismos de defesa do animal controlam os agentes infecciosos, e esta defesa é interrompida no abate, o que facilita a penetração dos microrganismos do ambiente aos tecidos musculares. 4.6 Contaminação durante o processamento, armazenamento, transporte e comercialização do alimento: O próprio ambiente fabril pode se constituir em uma importante fonte de contaminação, somada à carga microbiana já existente no alimento. As causas dessa nova contaminação continua sendo o ar, o solo, a água, além dos equipamentos, utensílios e do pessoal. Na indústria, a água continua sendo uma das principais fontes de contaminação. 9 Os microrganismos podem estar aderidos às superfícies como paredes, vidros, madeira, plásticos, borracha, aço inox, e o contato do alimento com uma superfície contaminada aumentam a carga microbiana do alimento. As máquinas e seus acessórios são fontes de contaminação: tubos, filtros, facas, cestos, baldes, cubas, etc. Portanto, a limpeza e a desinfecção constituem importantes meios de prevenção da contaminação dos alimentos. 5. CURVA DE MULTIPLICAÇÃO MICROBIANA: Figura 1. Curva de crescimento microbiano A multiplicação microbiana obedece a uma curva, essa curva pode ser dividida em 4 fases: • Fase lag (fase de latência ou adaptação): as células estão se multiplicando, e sintetizando enzimas apropriadas para digerir os nutrientes do alimento. Nesta fase o microrganismo se adapta ao novo ambiente e assim, se um microrganismo presente no solo contaminar uma carne, levará um tempo para se adaptar ao novo substrato, pois terá que começar a produzir enzimas capazes de digerir os nutrientes da carne, assim a fase lag será longa. Entretanto, se a contaminação da mesma carne for feita através de resíduos de carne de uma superfície mal higienizada, os microrganismos já estarão adaptadas ao alimento e, assim, vão se multiplicar mais rapidamente. • Fase log (fase exponencial): ocorre multiplicação máxima e constante. Esta fase termina quando as condições do meio se alteram pela atividade metabólica dos microrganismos, como limitação de nutrientes, acúmulo de metabólitos tóxicos e ácidos e ausência de oxigênio. O tempo de geração varia de acordo com o microrganismo. • Fase estacionária: a multiplicação microbiana é interrompida por falta de nutrientes, devido ao acúmulo de material tóxico, à mudança de pH e a indisponibilidade de oxigênio. • Fase de declínio ou morte: o número de microrganismos vivos começa a diminuir, em função das condições adversas. 10 O entendimento do comportamento desta curva serve para modular o desenvolvimento microbiano no alimento, de modo a controlar (estabilizar, reduzir ou acelerar) a população presente, seja constituída por microrganismo útil industrialmente, deteriorante ou patogênico. Para isso, pode-se recorrer a diferentes parâmetros que influenciam o desenvolvimento microbiano no alimento, como pH, temperatura, atividade de água, umidade, etc. 6. PARÂMETROS QUE AFETAM A MULTIPLICAÇÃO DOS MICRORGANISMOS EM ALIMENTOS: Para que o crescimento microbiano resulte em deterioração e/ou possa oferecer perigo de doença alimentar é necessário que fatores intrínsecos, extrínsecos e implícitos possam se combinar para influenciar na colonização da microbiota, além de permitir o crescimento e sobrevivência durante o processamento. Assim, vários são os fatores que irão interferir ou influenciar no tipo e número de microrganismos presentes nos alimentos, todos estes fatores associados irão influenciar na taxa e velocidade de deterioração e consequentemente na vida útil dos alimentos. 6.1 FATORES INTRÍNSECOS: é a expressão das propriedades físicas e da composição química do próprio alimento, assim como de algumas propriedades biológicas. São os fatores inerentes ao alimento. • Atividade de água (Aa/Aw): a atividade de água de um alimento se define como o quociente entre a pressão de vapor do soluto e a pressão de vapor da água pura à mesma temperatura. Aa = pressão de vapor da solução (p) pressão de vapor do solvente puro (p0) A atividade de água de um alimento reflete a água livre, disponível no alimento. A água livre no alimento é a única forma passível de utilização dos microrganismos A atividade de água varia de 0 a 1, sendo que a atividade de água da água pura é 1. A adição de soluto reduz a atividade de água do alimento, ou seja, consiste em um meio de conservação. Os microrganismos podem ser classificados segundo o grau de necessidade de água livre para sua multiplicação: Hidrófitos: Aa mínima ≥0,90 Xerófitos: Aa mínima <0,85 Halófitos: 0,75 (toleram alta concentração salina) Osmófitos: 0,62-0,60 (toleram alta concentração de açúcar) 11 Tabela 1. Valores de atividade de água mínima para multiplicação de microrganismos em alimentos MICRORGANISMO Aa mínima Maioria bactérias 0,91-0,88 Maioria leveduras Maioria bolores Bactérias halófitas Bolores xerófitos Bolores xerófitos e leveduras osmófitas 0,88 0,80 0,75 0,71 0,62-0,60 Em geral, as bactérias exigem valores mais elevados de Aa que os fungos, e as bactérias Gram negativas são mais exigentes que as Gram positivas. A maior parte das bactérias deteriorantes não se desenvolve abaixo de Aa=0,91, enquanto que os fungos podem multiplicar-se até Aa=0,80. Já as bactérias patogênicas, como o Staphylococcus aureus, são capazes de se desenvolver em Aa=0,86. A redução da atividade de água abaixo de 0,60 impossibilita a multiplicação de microrganismos, principalmente bactérias, e isto pode ser feito pela adição de sais ou pela desidratação. Tabela 2. Valores de Aa de alguns alimentos Valores de Aa Tipos de alimentos ≥0,98 carnes e pescados frescos, leite, frutas, hortaliças 0,93-0,98 pão, embutidos, sucos de frutas, queijos 0,93-0,85 leite condensado, carne seca 0,85-0,60 farinha, cereais, frutas secas <0,60 doces, chocolate, ovos e leite em pó • pH: o grau de acidez dos alimentos tem uma influência na determinação da microbiota alterante, principalmente no que se refere aos alimentos com baixo pH. No estado natural, a maioria dos alimentos como carnes, pescados e produtos vegetais, é ligeiramente ácida, enquanto alimentos como a clara de ovo e alguns produtos lácteos são alcalinos. 12 Tabela 3. Valores de pH para alguns grupos de alimentos Grupo de alimento HORTALIÇAS Milho Azeitona Tomate Brócolis FRUTAS Laranja Maçã Morango Geléia de frutas CARNES Frango Presunto Bovina PESCADOS Atum Peixe fresco Salmão LATICÍNIOS Creme de Leite Queijo Cheddar pH 7,3 3,6-3,8 4,2-4,3 6,5 3,6-4,3 2,9-3,3 3,0-3,3 3,5 5,4-6,2 5,9-6,1 5,2-6,2 5,2-6,1 6,6-6,8 6,1-6,3 6,5 5,9 A maioria dos microrganismos desenvolve-se melhor em pH próximo a 7 (68); as leveduras entre 4,5-6,0 e os fungos 3,5-4,0. Dentre as exceções estão as bactérias acéticas e os lactobacilos, que produzem grande quantidade de ácidos, cuja multiplicação ótima se dá em pH de 5-6. A microbiota de alimentos pouco ácidos (pH>4,5) é muito variada, havendo condições para o desenvolvimento da maioria das bactérias, inclusive as patogênicas, bolores e leveduras. O pescado (pH entre 6,2-6,5) se altera com maior facilidade do que a carne de mamíferos (pH 5,6) sob as mesmas condições, portanto, a vida útil da carne de mamíferos é maior que a do pescado. Em alimentos ácidos (pH 4,0-4,5), a microbiota bacteriana já é bem mais restrita e representada por bactérias láticas e algumas formas esporuladas. Nesta faixa de pH, os bolores e leveduras encontram-se em condições ótimas para seu desenvolvimento. Nos alimentos muito ácidos (pH<4,0), a microbiota capaz de se desenvolver é restrita, praticamente aos bolores e leveduras além de bactérias láticas e acéticas. Os microrganismos são classificados quanto ao pH necessário à sua multiplicação: • Basófilos: pH>7,0 • Neutrófilos: pH entre 6,0 e 7,0 • Acidófilos: pH<4,5 O pH adverso afeta dois aspectos da célula microbiana: o funcionamento das suas enzimas e o transporte de nutrientes no interior da célula. Por isso, a 13 acidificação dos alimentos também é considerada um meio de conservação auxiliar. A indústria de alimentos lança mão do efeito do pH sobre os microrganismos para a conservação. Assim, são elaborados os alimentos fermentados, seja através dos ácidos produzidos pelos microrganismos que provocam abaixamento do pH ou utilizando-se acidulantes como o ácido cítrico, lático, acético e outros. Dessa forma, elimina-se o risco de deterioração ou atenua-se o tratamento térmico, no caso de picles, chucrute, champignon e palmito em conserva. Os microrganismos têm pH mínimo, ótimo e máximo para crescimento: Em geral fungos crescem melhor em pH baixo que leveduras, e estas são mais tolerantes que bactérias; Bactérias crescem melhor que leveduras em pH neutro ou levemente ácido. • Potencial de oxirredução (Eh): significa a facilidade com que um substrato pode ganhar (sofrer redução) ou perder elétrons (sofrer oxidação), influenciando na atividade microbiana. Está diretamente relacionado ao teor de oxigênio no alimento. O potencial redox é medido em milivolts, sendo negativo em ambiente reduzido e positivo em ambiente oxidado. Os microrganismos podem ser classificados quanto ao seu potencial de oxirredução: Aeróbios: Eh entre +350 e +500 mV: bactérias, bolores e leveduras; Anaeróbios: Eh < -150 mV: Gênero Clostridium; Aeróbios facultativos: Eh + ou –: enterobactérias, bacilos, Staphlococcus aureus e leveduras; Microaeróbios: Eh ligeiramente reduzido: bactérias láticas. Tabela 4. Valores de potencial de oxirreduçaõ de alguns alimentos Alimento Eh (mV) Leite +200 a +400 Queijo Cheddar +300 a -100 Carne in natura -60 a -150 Carne enlatada -20 a -150 Carne moída +300 Suco de uva +409 Suco de limão +383 • Conteúdo em nutrientes: para se desenvolverem normalmente, os microrganismos necessitam de nutrientes (água, carboidrato, proteína, lipídio, vitamina, sais minerais e fibra). As exigências dos microrganismos em nutrientes determinam seus respectivos alimentos que servirão de substrato. As bactérias gram-positivas são as mais exigentes, seguidas pelas gramnegativas, pelas leveduras e pelos bolores. A seleção da microbiota deteriorante de alimentos é realizada principalmente pelo seu conteúdo em nutrientes. Assim, microrganismos proteolíticos, lipolíticos e sacarolíticos, crescem mais rapidamente em alimentos contendo proteínas, lipídios e carboidratos, respectivamente. 14 • Constituintes antimicrobianos: são compostos químicos naturais presentes no alimento que apresentam atividade antimicrobiana (conservante). Dentre estas substâncias destacam-se: Lactenina ou lacteína: no leite fresco Lisozima, conalbumina, avidina e ovomucina: ovo Eugenol: cravo Ácido cinâmico: canela Alicina: alho Ácido benzóico: vegetais Timol e isotimol: orégano • Estruturas biológicas: tais como a casca e membrana dos ovos, as cascas das sementes impedem a penetração de microrganismos. A mesma proteção é encontrada nos animais vivos pela pele, penas ou pêlos. Essas estruturas funcionam como barreiras mecânicas para a penetração de microrganismos. A idade e o grau de maturação influenciam na eficácia dessas barreiras mecânicas protetoras. 6.2 FATORES EXTRÍNSECOS: são fatores externos ao alimento que exercem influência sobre a microbiota. • Temperatura: o fator externo mais importante que afeta a multiplicação de microrganismos é a temperatura. Os microrganismos podem desenvolver em temperaturas que variam de 2°C a 70°C, porém a faixa preferida pela maioria é de 15°C a 50°C. Já se constatou a multiplicação em temperaturas extremas como -35°C e 100°C. Por isso, é importante considerar os limites de multiplicação em relação à temperatura, para podermos selecionar a temperatura de conservação apropriada para os diferentes tipos de alimentos. A temperatura afeta a duração da fase lag, a velocidade de multiplicação, as necessidades nutritivas e a composição química e enzimática das células. Os efeitos letais do congelamento e resfriamento dependem do microrganismo considerado e das condições de tempo e temperatura de armazenamento (binômio tempo/temperatura). Alguns microrganismos permanecem viáveis durante longos períodos de tempo em alimentos congelados. A resistência a temperaturas mais altas depende, fundamentalmente, da característica do microrganismo e do alimento. Esporos apresentam marcada resistência térmica. Cada microrganismo tem uma temperatura mínima, ótima e máxima de crescimento, e podem ser classificados de acordo com a tabela abaixo. Tabela 5. Classificação dos microrganismos com relação à sua temperatura para multiplicação Temperatura Temperatura Temperatura Microrganismos mínima (°C) ótima (°C) máxima (°C) Termófilos 35-45 45-65 60-90 Mesófilos 5-25 25-40 40-50 Psicrófilos -5 a +5 10-15 15-20 Psicrotróficos -5 a +5 23-30 30-35 15 O termo psicrófilo é reservado para os microrganismos que se desenvolvem entre 0 e 20ºC, com um intervalo ótimo entre 10 e 15ºC. As bactérias mais importantes desse gênero em alimentos são: Pseudomonas (deteriorante), Salmonela, Clostridium, Streptococcus (patogênicos). Já os psicrotróficos embora se desenvolvam entre 0 e 7°C, suas temperaturas ótima e máxima aproximam-se dos limites dos mesófilos, e causam deterioração em produtos cárneos e vegetais sob refrigeração. Tanto psicrófilos quanto psicrotróficos multiplicam-se bem em alimentos refrigerados, sendo os principais agentes de deterioração de carnes, ovos, pescados, frangos, etc. Nesse grupo podem ser incluídos Pseudomonas, Alcaligenes, Flavobacterium, Micrococcus. A grande maioria dos microrganismos patogênicos é mesófila, sendo constituída pela maioria das bactérias e fungos. Os termófilos multiplicam-se e sobrevivem ao cozimento e a determinadas pasteurizações. Os fungos são capazes de crescer em faixa de temperatura mais ampla que as bactérias. Muitos fungos são capazes de se multiplicarem em alimentos refrigerados. As leveduras, por sua vez, não toleram bem altas temperaturas, preferindo a faixa mesófila e psicrófila. • Atmosfera que envolve o alimento: a composição gasosa do ambiente que envolve o alimento pode determinar os tipos de microrganismos que poderão se multiplicar, pois muitos microrganismos necessitam do oxigênio e outros não o toleram. O uso de atmosfera controlada (AC) ou modificada (AM) poderá modificar sobremaneira a natureza do processo de deterioração, chegando mesmo a retardá-lo. A presença do oxigênio favorecerá a multiplicação de aeróbios, enquanto sua ausência levará a predominância de anaeróbios. O uso de AC ou AM (gás carbônico e oxigênio) é necessário como meio de conservação do alimento, chegando a retardar sua deterioração e maturação. O CO2 é o gás mais utilizado na prática industrial, particularmente em carne e frutas. Porém, também se utiliza o óxido de etileno, óxido de propileno, dióxido de enxofre e ozônio. • Umidade: parâmetro extrínseco que influencia na atividade de água do alimento, pois há uma correlação estreita entre a atividade de água de um alimento e a umidade relativa do ambiente. Quando o alimento está em equilíbrio com a atmosfera, a umidade relativa é igual a atividade de água vezes 100. Assim, alimentos conservados em ambiente com umidade relativa superior à sua Aa, tenderão a absorver umidade do ambiente, causando um aumento em sua Aa. Por outro lado, os alimentos perderão água se a umidade ambiental for inferior à sua Aa, causando redução nesse valor. Essas alterações provocarão modificações na capacidade de multiplicação dos microrganismos presentes, que será determinada pela Aa final do alimento. 6.3 FATORES IMPLÍCITOS: é o efeito da interação dos microrganismos já presentes no alimento, sobre o crescimento microbiano. As interações microbianas irão atuar facilitando ou dificultando o crescimento de determinados grupos ou espécies. Os microrganismos, ao se multiplicarem no alimento, produzem metabólitos que podem afetar a capacidade de sobrevivência e de multiplicação de outros microrganismos presentes no alimento. Assim, as alterações de pH pela ação de 16 microrganismos fermentativos tornam o alimento tão ácido que irá impedir que outras bactérias possam se desenvolver, entretanto podem permitir o crescimento de fungos acidófilos. As formas mais comuns de interações são: • Antagônica ou Antibiótica: prejudicam o crescimento dos microrganismos com os quais mantém antagonismo (inibição da flora acompanhante); • Simbiótica: podem se desenvolver lado a lado, cooperando entre si, ou então, sem prejudicar o crescimento um do outro; • Sinérgica: isoladamente cada um tem seu próprio tipo de ação, mas conjuntamente se auxiliam e mudam o rumo da alteração; • Metabiótica: criam condições necessárias para o crescimento de outros microrganismos. 6.4 TEORIA DOS OBSTÁCULOS: as interações entre os vários fatores intrínsecos, extrínsecos e implícitos que agem nos alimentos afetam a capacidade de sobrevivência e multiplicação da microbiota presente. O estudo dessas interações deu origem ao conceito dos obstáculos de Leistner. O uso dessas interações pela indústria, tem colaborado no sentido de impedir a multiplicação de microrganismos deteriorantes e patogênicos, melhorando a estabilidade e a qualidade do alimento. Exemplo: a alteração da atividade de água e do pH do produto através da adição de sacarose, ácido cítrico e conservante químico em polpa de fruta, conservando o produto por 120 dias. Neste exemplo, houve a combinação de 3 métodos de conservação: redução da Aa e pH e adição de um conservante químico. 17 PRINCÍPIOS E MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS 1. INTRODUÇÃO: A produção industrial de alimentos vem evoluindo ao longo dos séculos. Novos materiais e tecnologias surgiram na tentativa de propiciar o bem estar da humanidade. Estas tecnologias funcionam satisfatoriamente, algumas, entretanto, promovem modificações indesejáveis, como por exemplo, excessivo cozimento. Para minimizar estes efeitos indesejáveis e garantir a segurança do alimento, é necessário lançar mão de processos de curta duração, de tal forma a expor o mínimo possível o produto a condições adversas, ou combinar sinergisticamente vários tipos de processamentos em doses pequenas os quais, individualmente, não têm poder suficiente para esta finalidade. Nos alimentos de forma geral, tanto in natura como processado industrialmente, a multiplicação microbiana ocorre em função do tipo de alimento e das condições ambientais. Desta forma, os processos de conservação baseiam-se na destruição total ou parcial dos microrganismos capazes de alterar o alimento, ou na modificação ou eliminação de um ou mais fatores que são essenciais para a sua multiplicação, de modo que o alimento não se torne propício ao desenvolvimento microbiano. São os seguintes os principais métodos utilizados na conservação de alimentos. 2. ALTERAÇÕES EM ALIMENTOS: Os alimentos podem ser classificados de acordo com a facilidade com que se alteram: • Alimentos estáveis: não se alteram com facilidade (cereais, farináceos, açúcares). • Alimentos semi-alteráveis: podem permanecer sem alteração por algum tempo (frutas, legumes e hortaliças). • Alimentos alteráveis: alteram-se rapidamente devido ao grande teor de nutrientes e água (leite, carnes, pescados, ovos). As alterações que ocorrem nos alimentos podem ser de natureza biológica, química ou física: • Alterações de natureza biológica podem ser ocasionadas por microrganismos como nas fermentações e nas putrefações ou serem ocasionadas por enzimas do próprio alimento. • Alterações químicas são ocasionadas pela combinação entre as substâncias existentes nos próprios alimentos ou a combinação destas com substâncias estranhas como o oxigênio do ar, o estanho das latas, etc. • Alterações físicas são ocasionadas por agentes físicos como a luz, a umidade e temperatura provocando modificações na cor, aroma e sabor dos alimentos. Um alimento alterado pode ter as seguintes características afetadas: • Características organolépticas: sabor, odor, textura. • Composição química: teor em vitaminas, proteínas, sais minerais, carboidratos. • Estado físico: textura, maleabilidade. • Estado sanitário: contaminação microbiana patogênica. 18 2.1 Alterações microbianas: • Fermentação: decomposição de carboidratos com desprendimento ou não de gases (nunca de mau cheiro), trata-se muitas vezes de uma deterioração benéfica (iogurtes), porém não tóxicas. • Putrefação: decomposição anaeróbica de substâncias nitrogenadas com desprendimento de gases de mau cheiro, formando produtos deteriorados e muitas vezes com produção de toxinas. 2.2 Alterações enzimáticas: São alterações nos alimentos provocadas por enzimas do próprio alimento ou elaboradas por microorganismos. Apenas conferem modificações organolépticas (cor, odor, sabor e textura) ao alimento alterado. Dentre as enzimas mais importantes podemos citar: glicolíticas (amilase, invertase e lactase), lipolíticas (fosfatase, lipase), proteolíticas (pepsina, tripsina, papaína, renina, carboxipeptidase) e oxidases (catalase, peroxidase, polifenoloxidase, glucosidase). Muitas dessas enzimas são indesejáveis no alimento, e por isso devem ser inativadas pelo calor. Assim, para inativar a maioria das enzimas, basta aplicar temperaturas na ordem de 70 – 80ºC por 2 a 5 minutos. Pela ação catalítica das enzimas os alimentos podem apresentar sabor amargo, amolecimento (frutas e verduras), apodrecimento (frutas), precipitações (sucos), ranço (gorduras) e escurecimento (verduras e frutas). Escurecimento enzimático: existem dois tipos de reações de escurecimento em alimentos: enzimático, o qual é visto na superfície da fruta cortada e o escurecimento não enzimático, que ocorre quando certos tipos de alimentos (como café, carnes, pães ou açúcares) são aquecidos. O escurecimento enzimático ocorre nos alimentos devido à ação da enzima polifenoloxidase/polifenolase, que atua sobre compostos fenólicos produzindo quinonas que se polimerizam resultando nas melanoidinas (pigmento que dá cor escura aos alimentos). Exemplos: hortaliças frescas, frutas (batata inglesa, maçã, batata doce). Para inativar as enzimas indesejáveis do alimento, empregam-se calor (branqueamento a 70 à 80ºC, por 2 a 5 min.) e aplicação do ácido ascórbico (vitamina C), que impede a formação das quinonas da reação, temporariamente. Ranço hidrolítico: ação da enzima lipase, que atua sobre triglicerídeos “quebrando” sua cadeia carbônica, originando glicerol e ácido graxo. Pode formar: ácidos graxos com 4 a 10 carbonos (odor rançoso) e ácidos graxos com mais de 10 carbonos (não libera odor). Exemplos: queijo, embutidos, carnes, manteiga, óleo de coco. 2.3 Alterações químicas: Escurecimento não enzimático ou químico: A formação da cor escura desejada na cozinha é, geralmente, associada com o escurecimento não-enzimático, o qual ocorre de diversas maneiras. As formas mais importantes de escurecimento não-enzimático são: • A reação de Maillard, em que açúcares, aldeídos e cetonas reagem com compostos nitrogenados, tais como aminoácidos e proteínas, para formar pigmentos de cor marrom, os quais são produtos de reações complexas, inclusive de polimerização. Tem efeito desejável em batata frita, cerveja, pão, café torrado, chocolate, produzindo “flavor” agradável, aroma e coloração, 19 • porém, indesejável em sucos cítricos, leite em pó, cereais e produtos desidratados. Os alimentos ricos em açúcares são mais reativos; Reações de caramelização, em que açúcares são aquecidos na ausência de compostos nitrogenados, os quais foram também produtos complexos, também resultados de polimerização. Rancidez oxidativa: é a alteração dos lipídeos do alimento por oxidação ao ar, intimamente ligada à presença de ácidos graxos insaturados (duplas e triplas ligações), formando peróxidos (odor rançoso). À medida que as duplas ligações aumentam, mais curto é o tempo de conservação das gorduras, como acontece com as gorduras de peixe, óleo de linhaça, etc. Os fatores que aceleram esta reação são: luz, oxigênio livre no interior da embalagem, metais pró-oxidantes como o Cu, Ni, Fe e calor. Esta reação pode ser impedida pela adição de substâncias químicas antioxidantes (aditivos) ao alimento. 3. MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO DOS ALIMENTOS: Os processos de conservação têm por objetivo evitar as alterações nos alimentos, seja ela de origem microbiana, enzimática, física ou química. Os tipos de tratamento existentes são: 3.1 Conservação pelo calor: Baseia-se no emprego de temperaturas ligeiramente acima das máximas que permitem a multiplicação dos microrganismos, de forma a provocar a sua morte ou a inativação de suas células vegetativas. Os principais métodos de conservação por calor são: Pasteurização: A pasteurização é um tratamento térmico relativamente suave, utiliza temperaturas inferiores a 100 ºC tem como principal objetivo prolongar a vida de prateleira dos alimentos, por alguns dias, como no caso do leite ou por alguns meses, como ocorre com as frutas enlatadas. Este método tem como princípio, a inativação de enzimas e a destruição dos microrganismos sensíveis a temperaturas mais elevadas, como as bactérias vegetativas, bolores e leveduras, sem, contudo modificar significativamente o valor nutritivo e as características organolépticas do alimento submetido a esse tratamento. Exemplo: leite pasteurizado, o tratamento térmico é feito a 72 - 75 ºC por 15 à 20 segundos (HTST-high temperature, short time) ou a 62 - 65ºC por 30 minutos (LTLTlow temperature, long time). O aquecimento é feito normalmente por vapor de água, em equipamentos onde o alimento percorre em tubos e o vapor faz o aquecimento do mesmo pelo lado externo dos tubos. Esterilização: A esterilização é o tratamento no qual o alimento é aquecido a uma temperatura relativamente elevada durante períodos variados de tempo, suficientes para a destruição de microrganismos e inativação de enzimas capazes de deteriorar o produto durante o armazenamento. Este tratamento pode ser realizado por diversos processos, e têm ainda como objetivo principal a destruição dos microrganismos patogênicos e deterioradores, mantendo-o livre de microrganismos nocivos à saúde 20 do consumidor. Em alimentos emprega-se o termo “esterilização comercial” para indicar que o número de sobreviventes é baixo (0,01%), este termo indica que o alimento é microbiologicamente estável, visto que os microrganismos que sobrevivem à esterilização são espécies termófilas, que só conseguem se desenvolver em temperaturas superiores a 45 ºC e, portanto, não são capazes de se desenvolver nas condições normais de armazenamento dos alimentos. Quando aplicada ao leite, a esterilização é realizada a 130 a 150°C por 2 a 4 segundos (leite tipo longa vida). Esse processo denomina-se UHT (ultra hight temperature), sendo possível armazenar o produto por longo tempo, à temperatura ambiente. O processo UHT é realizado de duas formas: • Esterilização direta: por contato direto do produto com o calor; • Esterilização indireta: por vaporização do produto em meio aquecido por vapor. Os equipamentos usados no sistema UHT são: • Uperizador; • VTIS (vacum therm instant sterilizer); • Trocadores de calor (placa, tubulares, de superfície raspada): mais comumente utilizado. Tindalização: Nesse processo, o aquecimento é feito de maneira descontínua. Após o acondicionamento das matérias primas alimentícias, a serem submetidas ao tratamento, em recipiente fechado, o produto é submetido ao tratamento térmico. Dependendo de cada produto e do rigor térmico desejado, as temperaturas variam de 60 a 90 ºC, durante alguns minutos. As células bacterianas que se encontram na forma vegetativa são destruídas, porém os esporos sobrevivem. Depois do resfriamento, os esporos entram em processo de germinação e depois de 24 horas a operação é repetida. O número de operações pode variar de 3 a 12 vezes até a obtenção da esterilização completa. A vantagem desse processo é que podem ser mantidos praticamente todos os nutrientes e as qualidades organolépticas do produto, em proporções maiores do que quando se utilizam outros tratamentos térmicos. Apertização: A apertização é a esterilização do alimento já embalado, ou seja, a aplicação do processo térmico a um alimento convenientemente acondicionado em uma embalagem hermética, resistente ao calor, a uma temperatura e um período de tempo determinados, para atingir a esterilização comercial. Este processo corresponde ao aquecimento do produto já elaborado, envasado em latas, vidros, plásticos ou outros materiais autoclaváveis e relativamente isentos de ar. Antes de esterilizar o alimento embalado, ele é submetido aos processos de: • Enchimento do recipiente com soluções ou concentrados de sal (salmoura) e açúcar (xaropes); • Retirada do ar por vácuo; • Fechamento dos recipientes (recravação). Dentre os tipos de esterilizadores podemos citar: 21 • • • Esterilizadores descontínuos: autoclaves; Esterilizadores contínuos de pressão; Esterilizadores contínuos sob pressão atmosférica. Branqueamento: Processo térmico de curta duração, utilizado como pré-tratamento de vegetais (antes do congelamento, desidratação ou enlatamento). Consiste em mergulhar o alimento em água fervente ou insuflar vapor sobre ele, por tempo e temperatura dependentes do tipo de vegetal a ser tratado. No processo por água quente o branqueamento é feito em um aparelho constituído por um tambor metálico rotatório, dentro do qual tem um outro tambor com paredes furadas, semelhante a uma peneira, onde são colocados os vegetais. A água quente circula entre os dois tambores. Já o branqueamento a vapor é feito por uma esteira rolante que entra dentro de uma câmara de vapor aquecido, levando os vegetais. Ações do branqueamento no alimento: • Ajuda na limpeza do alimento, reduzindo a quantidade de microrganismos em sua superfície; • Amolece e incha os tecidos vegetais, para dar massa mais uniforme ao alimento dentro da embalagem; • Amolece a pele dos vegetais para serem descascados; • Produz a inativação das enzimas que afetam a qualidade dos produtos durante e depois do processamento; • Impede a despigmentação, favorecendo a fixação da coloração de certos pigmentos vegetais; • Favorece a perda das características organolépticas normais do alimento, bem como perdas nutricionais, especialmente no que se refere às vitaminas hidrossolúveis (C e complexo B) e minerais. 3.2 Conservação pelo frio: O frio é bastante utilizado na conservação dos alimentos perecíveis, tanto os de origem animal como os de origem vegetal. Basicamente, o frio conserva os alimentos porque retarda ou inibe a multiplicação microbiana. Isto ocorre porque o metabolismo microbiano é efetuado através de reações enzimáticas as quais são influenciadas, em suas velocidades, pela temperatura. As baixas temperaturas são microbiostáticas, ou seja, não podem ser indicadas para a esterilização ou desinfecção dos alimentos, pois os microrganismos permanecem latentes, sem atividade metabólica aparente. Quando o microrganismo encontrar condições ótimas de multiplicação (temperatura ambiente, por exemplo, durante o descongelamento mal conduzido), ele pode vir a se multiplicar, produzindo toxinas no alimento. Para alimentos armazenados a baixas temperaturas, existem três diferentes escalas de temperatura: • Temperatura de refrigeração: entre 0 e 7°C • Temperatura de congelamento: entre -18°C ou inferiores. Para a conservação dos alimentos, são empregados a refrigeração e o congelamento. 22 Refrigeração: Na refrigeração, utilizam-se temperaturas superiores às do ponto de congelamento, por períodos curtos de 0 a 10°C em câmara fria ou geladeira. Pode ser usada como meio de conservação básica (como no caso das carnes e pescado fresco); como conservação temporária até que se aplique outro método (como no leite cru), ou pode ser usada como método de conservação complementar (como no caso do leite pasteurizado). Na refrigeração, não ocorre eliminação dos microrganismos. Eles apenas ficarão com a sua multiplicação inibida (caso dos mesófilos e dos termófilos). O objetivo da refrigeração é manter a qualidade original do alimento até o ato da sua ingestão, transporte, processamento industrial ou outro processo de conservação. Os produtos reagem de diferentes formas ao armazenamento refrigerado, havendo alguns que sofrem efeito negativo, como no caso de banana e tomates verdes, os quais não completam o amadurecimento. A refrigeração pode ser feita por gelo artificial, por água refrigerada e por refrigeração mecânica (geladeira, câmara frigorífica, balcão frio). A temperatura utilizada na refrigeração é de máxima importância para a conservação, e deve ser escolhida de acordo com o tipo de produto, do tempo e condições de armazenamento. Além da temperatura, outros fatores são importantíssimos no armazenamento por refrigeração. São eles: umidade relativa, circulação do ar e atmosfera de armazenamento. A umidade relativa pode ter influência sobre o produto que está sendo conservado. Se a umidade relativa é baixa, pode ocorrer o ressecamento/desidratação do alimento, ao passo que uma umidade relativa alta facilita a absorção de umidade pelo alimento, e, portanto, o crescimento microbiano. A circulação do ar é necessária para que haja uma distribuição uniforme da temperatura dentro da câmara. Este ponto é muito importante, pois se a circulação é fraca, a diminuição da temperatura no interior do alimento pode ser lenta, aumentando o risco de crescimento microbiano. Atmosfera de armazenamento é muito usada em câmaras de estocagem de frutas (armazéns), que empregam uma atmosfera, de um modo geral, composta de 3% de oxigênio, 5% de gás carbônico e 92% de nitrogênio. Congelamento: No congelamento, utilizam-se temperaturas mais baixas do que na refrigeração. Na prática, as temperaturas usadas situam-se entre -10 a -40°C. No processo de congelamento, ocorre uma redução da população microbiana. A morte dos microrganismos decorre, principalmente, devido aos cristais de gelo formados na célula; à desnaturação de enzimas; à perda de gases da célula e ao abaixamento da Aa. De um modo geral, os alimentos congelam entre 0ºC e -4°C. O congelamento pode ser feito de modo lento ou rápido. No congelamento lento (3 a 12 horas), há formação de cristais grandes de gelo no interior da célula e, principalmente, nos espaços intercelulares. Estes cristais irão afetar fisicamente a célula, podendo causar reações indesejáveis. No congelamento rápido (1 a 3 minutos), tem-se um abaixamento brusco da temperatura, havendo assim formação de gelo amorfo, ou seja, pequenos cristais de gelo, que vão se localizar principalmente no interior da célula. O gelo amorfo é formado sem a estrutura de cristais, o que é menos 23 prejudicial ao alimento, pois ocasionará menos lesão das paredes celulares do alimento, diferentemente dos grandes cristais de gelo formado no congelamento lento. Os métodos disponíveis para congelamento são: • Congelamento com ar estático ou em circulação (geladeiras, freezer) ou ar insuflado (túneis de congelamento); • Congelamento por contato indireto, feito através de placas super resfriadas; • Congelamento por imersão, que pode ser por imersão direta do produto em líquido refrigerante, ou a pulverização do líquido sobre o produto. Emprega-se geralmente o nitrogênio (-195°C) e o gás carbônico (-80°C). a) Congelamento – Descongelamento: No descongelamento, principalmente no caso do produto ter sido submetido a um congelamento lento, ocorre perda de líquido do tecido animal, em decorrência do rompimento da membrana celular das células do tecido. Com isto, as enzimas hidrolíticas que estavam compartimentadas, passam a atacar o próprio material celular, havendo uma autodigestão. Isto, além de prejudicar o produto, facilita a multiplicação microbiana. Portanto, o produto que sofreu descongelamento deve ser utilizado o mais rápido possível, pois se tornou mais sensível ao ataque dos microrganismos. O descongelamento deve ser feito de forma lenta, sob baixa temperatura (refrigeração). Desta forma, o tecido não perde muito líquido, melhorando a qualidade do produto. Além disso, outro fator não menos importante é que, sob esta temperatura, os microrganismos, que se encontram principalmente na superfície das carnes, terão sua multiplicação limitada (o que não ocorre em temperatura ambiente). 3.3 Conservação pelo controle da umidade: Baseia-se na redução da atividade de água do alimento. Secagem natural: A técnica mais antiga de secagem ou desidratação consiste na simples exposição do alimento fresco à luz solar até conseguir uma desidratação adequada (secagem ao sol). Exemplos de produtos que podem ser submetidos a este método: cereais, frutas, carnes, peixes, café, cacau e condimentos. Do ponto de vista econômico, este é o processo menos oneroso, no que diz respeito aos gastos com energia, como também devido a sua simplicidade. É recomendável em regiões de clima seco, com boa irradiação solar, porém, dependendo da quantidade de alimentos, há necessidade de grandes áreas, sem contar o cuidado com o controle de insetos e roedores, além disso, deve-se considerar que se trata de um processo lento. Secagem artificial: Consiste na secagem pelo calor produzido artificialmente em condições de temperatura, umidade e corrente de ar cuidadosamente controlado. Apresentam como vantagens, a rapidez, o controle das condições de desidratação e a redução da área de secagem necessária. Em contrapartida são exigidos um capital maior e mão de obra especializada. Dentre os tipos de secadores, destacam-se: 24 • • • • Secadores de cabina e secadores de túnel (trabalham entre 45-85ºC), muito usados para produção de massas alimentícias, desidratação de vegetais e de carnes; Secadores pulverizadores ou atomizadores (spray-dryer), que trabalham com ar aquecido entre 180-230ºC, empregados na produção do leite em pó e do café em pó. O líquido pulverizado (atomizado em pequenas gotas) é aquecido até a evaporação da água e a deposição do pó na parte inferior do secador, que será submetido a outros tratamentos (padronização das partículas, adição de ingredientes, embalagem). Fornos secadores, usados para farinhas; Liofilizadores “puff-dryer”, “foam mat dryer”, secadores de tambor (drum-dryer) e outros desidratadores que empregam vácuo. Esses equipamentos são muito utilizados para a produção de leite em pó, é a chamada liofilização. A liofilização é um processo de desidratação que, inicialmente, congela o alimento e, posteriormente, utiliza temperaturas de 40-50ºC sob forte vácuo para eliminar a água por sublimação. Concentração: A concentração é um processo que remove somente parte da água (30 a 60%) dos alimentos, diminuindo, portanto, a atividade de água do mesmo. É usada para produção de sucos concentrados, doces em pasta, produtos à base de tomate (molhos, catchup), geléias e outros. A evaporação é o processo mais utilizado para a concentração. Para isso, são utilizados evaporadores, que podem ou não trabalhar sob vácuo. Como a quantidade de água disponível nesses tipos de alimentos ainda permite o desenvolvimento de microrganismos (especialmente leveduras osmofílicas), são necessários métodos complementares para sua conservação. Assim, os sucos concentrados são congelados ou adicionados de conservadores; os doces em pasta são envasados a quente, etc. Salga: O sal provoca a diminuição da atividade de água dos alimentos, aumentando sua conservação. Os alimentos salgados podem, assim, ser mantidos à temperatura ambiente. É o caso do charque, do bacalhau e de outros pescados salgados. A salga dos alimentos pode ser feita a seco ou através de salmoura (salga úmida). Na salga a seco, o sal é aplicado na superfície da carne e tende a retirar umidade, e penetrar até que a concentração de sal seja praticamente uniforme em todo o produto (cerca de 4,5%). Na salga em salmoura, usa-se a imersão do produto em solução salina, podendo também auxiliar a penetração através de injeções de sal de cura (nitritos e nitratos). Pode-se, também, usar o sistema misto (salmoura e depois salga seca). Função do nitrito/nitrato: conservante e pigmentante das carnes curadas (presunto, salame, mortadela, salsicha, bacon). Atuam da seguinte forma: • Na carne sem nitrito: Oximioglobina-Fe(II) (pigmento vermelho da carne crua)+aquecimento/O2 metamioglobina-Fe(III) (pigmento marrom da carne cozida) 25 • Na carne com adição de nitrato de sódio: NITRATO + ação bacteriana bactérias nitrificantes da carne NITRITO + Oximioglobina-Fe(II) (pigmento vermelho da carne crua) nitrosomioglobina (pigmento rosa) + aquecimento nitrosohemocromogênio (pigmento vermelho da carne curada) Os microrganismos mais problemáticos para os alimentos salgados são os halofílicos. Dentre eles, as bactérias dos gêneros Halobacterium e Halococcus são as mais problemáticas. A salga é usada para conservação de produtos de origem animal (carnes e laticínios) e na preparação de conservas vegetais (picles, azeitonas) e no processamento industrial da carne (embutidos, produtos curados, salgados e defumados). Adição de açúcar: O uso do açúcar na produção de alimentos funciona como um bom agente para sua conservação. Isto porque aumenta a pressão osmótica, diminuindo a atividade de água, criando assim um ambiente desfavorável para a multiplicação das bactérias e da maioria dos bolores e leveduras. Entretanto, alguns tipos de microrganismos conseguem se desenvolver, especialmente as leveduras osmofílicas e bolores. São exemplos de produtos conservados pelo uso do açúcar: geléias, doces em massa, frutas cristalizadas, frutas glaceadas, frutas em conserva, leite condensado, melaço e mel. Estes produtos são conservados em geral, mas não obrigatoriamente, em recipientes herméticos. 3.4 Conservação por defumação: Consiste no processo de aplicação de fumaça aos produtos alimentícios, produzida pela combustão incompleta de algumas madeiras previamente selecionadas. Atualmente tem sido utilizada não só para preservar o produto, mas também para conferir cor, sabor e aroma ao alimento. Normalmente é realizado em conjunto com a salga, a cura, a fermentação e outros processos. De maneira geral a fumaça contêm acetaldeído, ácidos alifáticos, álcoois primários e secundários, cetona, crezóis, fenóis, formaldeídos e misturas de substâncias cerosas e resinosas. Desta forma, o efeito conservante do fumo deve-se a secagem superficial da matéria-prima (redução da atividade de água), a própria temperatura empregada, bem como alguns compostos com atividade bactericida e bacteriostática presentes na fumaça, destacando-se os compostos fenólicos, álcoois, ácidos, sendo que o formaldeído (formol) é considerado o mais potente componente bacteriostático da fumaça. Logo, a ação inibidora da fumaça contra microrganismos é mais intensa na superfície do alimento. Fator importante a ser observado é que a temperatura de queima da madeira não pode ultrapassar a 350ªC, pois acima desta temperatura a decomposição da lignina produz substâncias potencialmente carcinogênicas. São 2 os tipos de defumação: • À frio: aplicada a presuntos crus e outros produtos curados, onde a temperatura varia de 25-35°C; • À quente: aplicada em embutidos crus como salsichas, onde a temperatura varia de 60-85°C. 26 3.5 Conservação pela fermentação: O uso dos microrganismos para produção de alimentos fermentados é feito há milênios, só não se sabia que agentes vivos eram os responsáveis pelas transformações ocorridas durante os processos de elaboração de vinhos, pães e outros. A palavra fermentação (fermentare= ferver) originou-se pela liberação de gás durante a fermentação de uvas no preparo de vinhos, que se assemelhava a uma fervura. Posteriormente, Gay-Lussac estudou o problema, dando-se então a conotação de transformação de açúcar em etanol e gás carbônico. Mais tarde, Pasteur associou a presença de microrganismos aos processos fermentativos. Os microrganismos, quando estão na presença de oxigênio, oxidam os compostos orgânicos (carboidratos, principalmente), transformando-os em CO2 e água. Com isto, obtêm o máximo de energia do composto metabolizado. Entretanto, quando estão na ausência do oxigênio (anaerobiose), fermentam o composto dando origem a álcoois, ácidos e gases, como produtos finais. O uso da fermentação para a conservação dos alimentos baseia-se na modificação das características da matéria-prima, por ação de microrganismos, dando origem a um produto mais estável em decorrência de compostos produzidos durante a fermentação (ácido lático, ácido acético ou etanol). Os ácidos abaixam o pH provocando a morte de microrganismos. Com isto, a maioria dos microrganismos não pode se desenvolver, inclusive os patogênicos. Na fermentação de produtos pouco ácidos como leite e carne, realizada com objetivo de aumentar a concentração de microrganismos fermentadores, para reduzir o tempo de fermentação e inibir o crescimento de patogênicos e deterioradores, adiciona-se uma determinada quantidade de microrganismos selecionados, com o objetivo de iniciar a fermentação; essa cultura de microrganismos é conhecida como "cultura starter". Fermentação alcoólica: A fermentação alcoólica é usada na elaboração de bebidas alcoólicas entre as quais temos as fermentadas (vinhos e cervejas) e as fermento-destiladas (aguardente, run, uísque, conhaque, tequila, gin). Neste processo, os açúcares são transformados em etanol como produto principal. A transformação de glicose ou outro monossacarídeo em duas moléculas de álcool e gás carbônico é feito graças à presença de certas enzimas elaboradas por leveduras. Entre as leveduras mais utilizadas na fermentação alcoólica encontra-se Saccharomycies cerevisiae, usada na elaboração de vinhos; na produção de cervejas são utilizadas as espécies S. carisbergensis e S. uvarum. Fermentação acética: Na indústria de alimentos é largamente utilizada na produção de vinagre, pela oxidação do álcool por bactérias acéticas, como Acinobacter e Gluconobacter. Porém, várias espécies acéticas podem oxidar o álcool a ácido acético, mas muitas delas também podem oxidar o ácido acético a gás carbônico e água, o que é indesejável, quando se tem como objetivo a produção do vinagre. Fermentação láctica: Trata-se de fermentação anaeróbica usada na elaboração de derivados do leite como: iogurtes, leites fermentados, queijos. Neste tipo de fermentação os microrganismos (Lactobacillus), fermentam a lactose (dissacarídeo) do leite, transformando-a em ácido lático. 27 3.6 Conservação pela utilização de aditivos químicos: Aditivo químico é toda substância adicionada ao alimento para prevenir ou retardar a deterioração por microrganismos, não incluindo os sais comuns, açúcares, vinagres, condimentos ou óleos. O número de compostos utilizados como conservantes em alimentos é relativamente pequeno, pois como serão ingeridos junto com o alimento, medidas de segurança são necessárias, visando a saúde do consumidor. Para isso, o Codex Alimentarius da FAO (Food and Agriculture Organization) e ONU (Organização das Nações Unidas) estabelecem para a maioria dos aditivos alimentares a “dose diária aceitável” expressa em mg/kg de peso corpóreo. A adição de produtos químicos aos alimentos já era praticada pelo homem préhistórico, através da defumação, salga e fermentações. Atualmente, com o avanço da indústria, há uma grande disponibilidade de substâncias aprovadas para serem utilizadas nos alimentos com diversas finalidades, tais como: melhorar a sua coloração, textura ou aroma, bem como conservá-los por maior tempo. Dentre os aditivos empregados em alimentos, com a propriedade de prolongar a vida útil dos produtos, destacam-se os antioxidantes (substâncias que retardam o aparecimento de alterações oxidativas no alimento, como BHA, BHT, etc.), e os conservantes (substâncias que impedem ou retardam a alteração dos alimentos provocada por microrganismos ou enzimas, como ácidos benzóico, bórico e sórbico, nitritos, nitratos, propionatos, etc.). 3.7 Conservação pelo uso de radiação ionizante: O uso de irradiações na conservação de alimentos começou a ser pesquisado na década de 50, sendo que apenas em 1963 a FDA permitiu o seu uso em bacon. Em 1964, começou a ser usada para impedir a germinação de batatinha. Hoje as radiações ionizantes são utilizadas para quatro objetivos principais: esterilização, pasteurização, desinfestação e inibição de germinação ou brotamento. Radiações ionizantes utilizadas em alimentos: As radiações na faixa do ultravioleta (200-280 nm) são empregadas para inativar microrganismos da parte superficial dos alimentos, de embalagens ou mesmo de superfícies que entram em contato com alimentos. Também são empregadas para a purificação do ar. Os raios gama, obtidos através do cobalto-60 e do césio-137, materiais radioativos, são empregados na irradiação de alimentos. A quantidade de radiação utilizada dependerá do alimento e do objetivo a ser alcançado. As radiações ionizantes, quando passam pelo alimento, provocam a formação de radicais livres e de íons. A combinação destes, entre si e com outras moléculas, causa alterações nas estruturas dos microrganismos, enzimas e constituintes dos alimentos. O peróxido de hidrogênio, formado durante a irradiação, é um forte agente oxidante e atua contra os microrganismos. Os nutrientes dos alimentos são também afetados, em maior ou menor intensidade, dependendo da dosagem. As proteínas são desnaturadas, as vitaminas são em parte inativadas e há um aumento do ranço devido ao ataque aos lipídios. Atualmente, após uma grande campanha de conscientização a respeito das vantagens e benefícios do uso das radiações na conservação e na eliminação de patogênicos dos alimentos, este método começa a ser mais usado (além do seu uso já consagrado em batatinhas) para alguns alimentos, especialmente frutas. 28 EXERCÍCIOS 1. Qual a diferença entre microrganismos deterioradores e patogênicos? Cite 3 exemplos de cada. 2. Porque alguns microrganismos recebem o nome de benéficos? 3. Explique o que são esporos. Quais os gêneros de bactérias que os produzem? Qual a função dos esporos nos fungos? 4. Os fungos são patogênicos ou deterioradores? 5. Fale sobre a utilidade dos bolores e leveduras na indústria alimentícia. 6. O que é organotropismo? Quais os microrganismos que apresentam essa característica? 7. O que significa a presença de coliformes totais e coliformes fecais no alimento? A presença de ambos significa risco de saúde ao homem? 8. Explique qual a diferença entre infecção, intoxicação e toxinfecção alimentar. Cite 2 bactérias causadoras de cada uma dessas doenças. 9. Qual a fase de crescimento microbiano que está mais relacionada com o binômio tempo/temperatura? Por quê? 10. Explique de que maneira alguns fatores podem contribuir ou prejudicar o crescimento microbiano nos alimentos. 11. Porque alimentos com alta atividade de água estão mais sujeitos à deterioração? 12. Os alimentos apresentam propriedades antimicrobianas naturais (conservantes), apesar disso, muitos alimentos se deterioram com facilidade, explique porque isso ocorre. 13. Qual o fator extrínseco mais importante na destruição microbiana? Sabendo disso, porque mesmo após a destruição do microrganismo este alimento pode vir a se deteriorar ou causar danos à saúde? 14. De que forma a indústria prolonga o tempo de vida útil dos alimentos utilizando como recurso a alteração da atmosfera da embalagem? 15. O que são fatores implícitos e de que forma eles auxiliam ou prejudicam a multiplicação microbiana? 16. Explique qual a diferença entre a reação de Maillard e a caramelização. 17. Explique o processo da pasteurização. Qual o binômio tempo/temperatura da pasteurização lenta e rápida? 18. Quais os benefícios e os malefícios que o branqueamento exerce no alimento? 19. Quais os efeitos do congelamento lento no alimento? Por que o congelamento rápido é o mais indicado? 20. A que se deve o efeito conservante do fumo na defumação? Quais as substâncias presentes na madeira que são atribuídas tal efeito? 29 PROCESSAMENTO DO LEITE 1. INTRODUÇÃO O leite pode ser definido sob 3 pontos de vista: • Fisiológico: leite é o produto de secreção das glândulas mamárias das fêmeas mamíferas, logo após o parto, com a finalidade de alimentar o recém-nascido na primeira fase da sua vida; • Físico-Químico: leite é uma emulsão natural perfeita, na qual os glóbulos de gordura estão mantidos em suspensão, em um líquido salino açucarado, graças à presença de substâncias protéicas e minerais em estado coloidal; • Higiênico: leite é o produto íntegro da ordenha total sem interrupção de uma fêmea leiteira em bom estado de saúde, bem alimentada e sem sofrer cansaço, isento de colostro, recolhido e manipulado em condições higiênicas. A água é o componente que se apresenta em maior proporção (87,5%) e é nela que se encontram, em diferentes estados de dispersão, os componentes sólidos do leite: proteínas, gorduras, lactose, etc. Pode-se considerar o leite como uma emulsão de matéria gordurosa em uma solução aquosa que contém numerosas substâncias, algumas em dissolução e outras em estado coloidal. O leite tem sido considerado como o alimento mais próximo da perfeição. Seu alto valor nutritivo é devido aos seus principais constituintes, servindo também como excelente meio de cultura para a multiplicação de bactérias. O Brasil contribui com apenas 4% da produção mundial, isto é devido a: • Falta de investimentos; • Custo do preço/litro; • Condições sanitárias deficientes (mastite). A deficiência na cadeia produtiva do leite é provocada por: Avaliação deficiente da qualidade do leite recebido pela indústria; Seleção precária de matéria-prima; Deficiência no controle sanitário dos animais; Coleta inadequada; Uso de ordenha manual ou mecanizada inadequada; Falta de fiscalização. A qualidade insatisfatória do leite produzido no Brasil é um problema crônico, de difícil solução, onde fatores de ordem social, econômica, cultural e até mesmo climática estão envolvidos. A produção primária do leite no Brasil é amplamente dominada por produtores nada ou pouco especializados, e as exigências de conhecimento, tecnologia, higiene e gerenciamento desse sistema produtivo são mínimos. • • • • • • 30 2. ANATOMIA DA GLÂNDULA MAMÁRIA FIGURA 1. Anatomia da glândula mamária 31 De modo geral, encontramos no leite: • Em solução verdadeira: lactose, ácido cítrico, minerais, vitaminas do complexo B, vitamina C e proteínas do soro (lactoalbuminas e lactoglobulinas); • Em dispersão coloidal: caseína na forma de fosfocaseinato de cálcio (caseína estabilizada pelo fosfato de cálcio – cimento que une as partículas de caseína); • Em emulsão: lipídeos (triglicerídeos, fosfolipídeos e esteróis), vitaminas lipossolúveis (A,D,E,K) e substâncias carotenóides. 3. QUALIDADE NUTRICIONAL DO LEITE O leite é fonte de proteína de alto valor biológico (proteína que contém todos os aminoácidos essenciais), cálcio e outros minerais, além de vitaminas A, B1(tiamina) e B2 (riboflavina). A dieta dos animais pode influenciar no teor de gordura e de proteínas do leite. Além disso, tais fatores também afetam a composição do leite, como espécie, raça, estágio de lactação, número de ordenha, saúde do animal e ingestão de água. 3.1 Composição média do leite de vaca COMPONENTES Água Gordura Proteína Carboidrato Minerais % 87,5 3,6 3,6 4,6 0,7 Excetuando a água, os demais componentes são denominados de extrato seco total ou sólidos totais (EST ou ST – 12,5%). Estes, por sua vez, dividem-se em lipídeos e extrato seco desengordurado ou sólido não gorduroso (ESD ou SNG – 8,9%), os quais contêm proteínas, carboidratos e os sais minerais (cinzas). Em quantidades bem menores, encontramos vitaminas, enzimas (lipase, lactase, fosfatase, peroxidase, catalase), gases dissolvidos (CO2, O2, N2), compostos nitrogenados não protéicos (amônia, uréia) e certos elementos-traço tais como Al, Zn, Mn, Fe, Cu e I. 3.2 Composição média da gordura do leite de vaca COMPONENTES Triglicerídeos Mono e diglicerídeos Fosfolipídeos Esteróis % 97-99 0,5 0,5-1,0 0,2-0,4 A matéria gorda é o componente mais variável, e é ela, o componente de maior valor econômico do leite. Os glóbulos de gordura apresentam de 0,1 a 25 mícrons de diâmetro. Os triglicerídeos contêm principalmente ácidos graxos saturados (60-70% do total dos ácidos graxos), e em menor proporção ácidos graxos insaturados (3040%). A gordura do leite apresenta ainda os esteróis ergosterol e 732 dehidrocolesterol, que são de grande importância por serem precursores da vitamina D, e fosfolipídeos lecitina e cefalina, onde as lecitinas além do seu valor nutritivo asseguram a estabilização da emulsão da gordura na fase aquosa do leite (emulsificação). Os glóbulos de gordura tendem a coalecer na superfície do leite, e formar o creme ou nata. Os glóbulos são protegidos por membranas que evitam o ataque enzimático, e a lecitina presente nessas membranas, emulsiona os glóbulos na fase aquosa. A integridade dos glóbulos de gordura condiciona a estabilidade da massa gordurosa, tratamentos mecânicos e térmicos afetam as membranas, consequentemente a lecitina, favorecendo a desemulsificação do leite. O processo da homogeneização consiste em dividir os glóbulos de gordura (a um décimo do normal), de modo que fiquem em suspensão e não coaleçam à superfície. O processo de centrifugação separa a gordura do leite para posterior fabricação de manteiga, nata, creme de leite, etc. 3.3 Composição média da proteína do leite de vaca COMPONENTES Caseína Proteínas do soro % 80 20 A principal proteína do leite é a caseína. Caseína deriva do latim “caseus” que significa queijo. Do total de caseína bruta, 50% estão sob a forma de α-caseína, 30% sob a forma de β-caseína, 5% de γ-caseína e 15% de k-caseína. As proteínas do soro são compostas por 64% de α-lactoalbumina, 15% de β-lactoglobulina, 7% de albumina, 13% de lactoferrina e 1% de imunoglobulina. A caseína e imunoglobulina são proteínas insolúveis, as demais são proteínas solúveis. O leite por ação do coalho (enzima renina: secretada pela mucosa do estômago de animais ruminantes jovens alimentados com leite – carneiro, bezerro, etc.), ou pela fermentação natural, produz uma massa gelatinosa e flexível, composta por caseína, água, gordura e minerais. As proteínas do soro são separadas quando ocorre a precipitação da caseína. Lactoalbumina e a Albumina são a películas que se forma no leite após a fervura, e a espuma que se observa quando se está fervendo o leite. A ricota é obtida por meio da acidificação do soro do leite. 3.4 Composição média do carboidrato do leite de vaca COMPONENTES Lactose Glicose Galactose % 99,5 0,3 0,2 A lactose é um dissacarídeo (formado pela união de dois monossacarídeos: glicose + galactose), presente no soro do leite, encontrada em maior quantidade no leite de vaca em relação aos demais carboidratos. Ela apresenta menor poder edulcorante (menor poder adoçante) que a sacarose. 33 Parte da galactose sanguínea é convertida em glicose no fígado, o restante da galactose segue para a mama (principal sítio de ligação da galactose) que somada à glicose formam as moléculas de lactose. O leite é a única fonte de lactose. A lactose é solúvel em água (solução verdadeira), sua solubilidade aumenta com o calor e, portanto, cristaliza com o esfriamento (higroscopicidade – ponto de congelamento) de soluções concentradas, cristalizando-se, por exemplo, em leite condensado e sorvetes, criando alguns problemas de industrialização devido à textura arenosa de seus cristais. • Leite condensado: cristaliza-se porque a pequena quantidade de água que resta após sua evaporação é utilizada para dissolver (“segurar”) a sacarose que foi acrescentada à solução; • Sorvete: cristaliza-se porque a grande porção de água é congelada, e, portanto, não disponível para manter a lactose em solução. Como a lactose está presente no soro do leite, queijos derivados de coágulos são pobres em lactose, portanto, queijos derivados do soro são ricos em lactose (motivo pelo qual a ricota é levemente adocicada). As bactérias láticas a degradam, transformando-a em ácido lático e produtos intermediários. A lactose reage com as proteínas do leite ou soro (reação de Maillard), onde altas temperaturas provocam o aparecimento de melanoidinas, escurecendo o leite e dando-lhe sabor cozido. 3.5 Composição média dos minerais do leite de vaca COMPONENTES % Potássio 24 Cálcio 22 Cloro 18 Fósforo 17 Sódio 11 Sulfato 5 Magnésio 2 Elementos-traço 1 mg/100ml 138 125 103 96 58 30 12 0,1 Os sais minerais encontram-se em dissolução (solução verdadeira). O cálcio é o mineral mais importante encontrado no leite. O leite é pobre em ferro e cobre. Os elementos-traço são: Cu, Zn, I, Fe, F, Mn, Mo, Co. 3.6 Vitaminas: Dentre as hidrossolúveis, encontra-se principalmente B1(tiamina) e B2 (riboflavina). O leite é pobre em vitamina C. Essas vitaminas são lábeis (sensíveis) ao calor. Dentre as lipossolúveis destaca-se a vitamina A, apresentando também as vitaminas D, E, K, estas não são sensíveis ao calor. 34 4. CONTAMINAÇÃO MICROBIANA DO LEITE A contaminação microbiana do leite cru varia de acordo com a contaminação inicial e tempo/temperatura de armazenamento. O interior da glândula mamária, o exterior do úbere e tetos, utensílios e equipamentos de ordenha constituem as principais fontes de contaminação do leite. Associadas à higiene da ordenha, as condições de armazenamento na propriedade rural exercem grande influência na sua qualidade. Assim, o leite obtido e armazenado em condições inadequadas pode apresentar uma contagem bacteriana até 5.000 vezes superior àquele obtido e armazenado em condições ideais. A quantidade de microrganismos no leite cru constitui importante indicador de sua qualidade e reflete a saúde do animal, a higiene da ordenha e o sistema de armazenamento. Desta forma, influencia o valor da matéria-prima para a indústria de laticínios e, consequentemente, para o produtor. Além disso, possui relação direta com a saúde pública e interfere na avaliação dos derivados do leite pelos consumidores. Desta forma, pode-se avaliar a importância dos microrganismos do leite do seguinte modo: • O conteúdo microbiano do leite pode ser usado no julgamento de sua qualidade sanitária, das condições de sua produção e saúde do animal; • Tendo a possibilidade de se multiplicarem, as bactérias do leite podem causar alterações irreversíveis, tais como degradação de gorduras, proteínas e carboidratos, tornando o produto inapto para o consumo; • O leite é potencialmente susceptível de contaminação por microrganismos patogênicos, portanto devem-se tomar medidas capazes de reduzir essa possibilidade; As fontes de contaminação do leite são: • Microrganismos naturais do canal mamário; • Saúde do animal: presença eventual de patogênicos; • Área de ordenha: microrganismos do ar, poeira; • Equipamentos: latas, baldes, peneiras, panos, tanques, máquinas, tubulação: devem ser desinfetados mecânica (água quente) e/ou quimicamente (sanitizantes-hipoclorito, quaternário de amônio); • Saúde dos funcionários: controle médico; Resultados obtidos de análises microbiológicas do leite fornecem informações úteis sobre as condições de produção e armazenamento, porém, altas contagens bacterianas nem sempre significam a presença de bactérias patogênicas. 4.1 Tipos de microrganismos do leite Microrganismos deterioradores: Lactococcus, Lactobacillus, Coliformes, Micrococcus, proteolíticos (Pseudomonas, Proteus, Clostridium, Bacillus), lipolíticos (Pseudomonas, Serratia, Alcaligenes). Ex: Alcaligenes viscolatis: microrganismo que produz viscosidade, formando uma camada limosa no leite. • Microrganismos patogênicos: Staphylococcus aureus, Escherichia coli patogênica, Listeria monocytogenes, Mycobacterium tuberculosis (tuberculose), Brucella abortus, B. melitensis ou B. suis (brucelose). 35 • Os principais microrganismos patogênicos do leite sensíveis à pasteurização são: • • • • • são: • • • • Mycobacterium tuberculosis: causam tuberculose, secretado por animais infectados; Brucella abortus, B. melitensis ou B. suis: causam brucelose, secretado por animais infectados; Staphylococcus aureus: provém de animais com mastite; Listeria monocytogenes: provém de animais com mastite ou do ambiente. São problemáticas, pois se multiplicam sob refrigeração (psicrotróficas); Salmonella: fontes externas do úbere. Os principais microrganismos patogênicos do leite resistentes à pasteurização Toxina estafilocócica: não é inativada durante a pasteurização Vírus da febre aftosa: sobrevive à 72º por 15-17 minutos Clostridium perfringens: produtor de esporos Bacillus cereus: multiplica-se durante a estocagem do leite 4.2 Efeito dos microrganismos mesófilos na qualidade do leite De modo geral, os microrganismos mesófilos predominam nas situações em que há falta de condições básicas de higiene, bem como falta de refrigeração do leite. Bactérias como Lactobacillus, Streptococcus, Lactococcus e algumas enterobactérias atuam intensamente na fermentação da lactose, produzindo ácido lático e contribuindo na redução do pH do leite⇒um dos problemas mais detectados na indústria, durante a recepção do leite na plataforma. A acidez do leite pode ocasionar a coagulação da caseína e assim, limitar o uso do leite ácido. 4.3 Efeito dos microrganismos psicrotróficos na qualidade do leite Pseudomonas spp, Bacillus spp, Serratia spp, Listeria spp, Yersinia spp, Micrococcus spp e Clostridium spp são as principais bactérias psicrotróficas do leite, sendo que dentre estas a Listeria, Yersinia e o Bacillus são capazes de provocar doenças pela ingestão de leite cru. O tempo prolongado de armazenamento do leite cru em temperaturas de refrigeração favorece a multiplicação de bactérias psicrotróficas. Embora a maioria dessas bactérias seja destruída durante a pasteurização do leite, elas são capazes de sintetizarem enzimas lipolíticas e proteolíticas termorresistentes. As alterações de sabor e odor do leite são os principais problemas observados em produtos lácteos, além de problemas de perda de consistência na coagulação do leite para a fabricação de queijos, e a gelatinização do leite pasteurizado UHT (leite filante). As bactérias psicrotróficas contaminam o leite através da deficiência na higiene da ordenha, problemas de limpeza e sanificação do equipamento de ordenha, resfriamento insuficiente ou tempo de estocagem muito longo. Desta forma, a pesquisa de microrganismos psicrotróficos no leite serve como parâmetro para indicar a qualidade do mesmo. 36 4.4 Efeito dos microrganismos termodúricos na qualidade do leite Microrganismos termodúricos são aqueles que podem tolerar calor e conseqüentemente resistem à temperatura de pasteurização, são capazes de se reproduzirem às temperaturas de 60 a 80ºC. Os microrganismos mesófilos e psicrotróficos podem ser termodúricos, devido à formação de seus esporos. As bactérias Micrococcus, Bacillus, Clostridium, Alcaligenes, Microbacterium, Pseudomonas, Lactobacillus e Streptococcus são termodúricas, por sua capacidade de tolerarem altas temperaturas. 4.5 Substâncias residuais no leite Antibióticos, detergentes, inseticidas, herbicidas, micotoxinas, podem ser encontrados em quantidades residuais no leite prejudicando sua qualidade. Antibióticos por exemplo, são utilizados no tratamento da mastite, podendo passar para o leite até três dias após sua administração. Os riscos podem ser classificados em farmacológicos, toxicológicos, microbiológicos e imunopatológicos (alergias). Para a indústria, a presença de antibióticos inviabiliza o processamento de iogurte, bebida fermentada, queijos, etc. As demais substâncias interferem na qualidade do leite de modo geral. 4.6 Ordenha higiênica O objetivo da ordenha higiênica é obter um leite são, com a menor carga bacteriana possível, garantindo um produto de boa qualidade ao consumidor e uma matéria-prima de qualidade para a indústria láctea. Para se obter uma ordenha higiênica, os seguintes fatores devem ser controlados: • Animais: o rebanho deve ser saudável, isento de tuberculose, brucelose e verminoses. Vacas doentes ou em tratamento devem ser afastadas da produção. Os animais não devem esperar a ordenha em ambiente sujo. • Mastite: é a infecção das glândulas mamárias, suas causas podem ser classificadas em infecciosas, traumáticas ou tóxicas. A principal causa da mastite é a infecciosa, devido principalmente à ação das bactérias no úbere (S. aureus e S. agalactiae). É a doença de maior impacto negativo na pecuária leiteira. Ela pode ser clínica – quando a vaca apresenta alterações visíveis na glândula mamária, como edema, vermelhidão, dor e o leite apresenta secreção purulenta e sangue; ou subclínica – quando não há alterações visíveis, mas ocorrem perdas significativas na produção e qualidade do leite. A mastite provoca a perda de proteínas, gorduras e lactose no leite, e há aumento dos teores de sódio e cloretos. O diagnóstico da mastite clínica pode ser feito pelo teste da caneca de fundo preto ou telada (onde os primeiros jatos de leite são colocados em uma caneca de fundo escuro e observados a presença de grumos ou pus) e, além disso, pela contagem de células somáticas (CCS) no leite, ou seja, contagem de leucócitos (glóbulos brancos ou de defesa), que fazem infiltração no leite decorrente da infecção. Para diagnosticar a mastite subclínica é feito além do CCS o ”California Mastitis Test” (CMT), que se caracteriza em um método de 37 contagem de células somáticas mais avançado para a detecção da mastite subclínica. • Lavagem do úbere: devem ser limpos com água limpa e morna, secos e desinfetados com iodo ou álcool etílico. • Sala de ordenha: deve ser limpa, sem acúmulo de esterco e livre de moscas. • Ordenha manual ou mecânica: o ordenhador deve ser saudável, sem lesões nas mãos e estas devem estar limpas - lavadas e sanificadas. No caso de mecanizada, o equipamento deve ser higienizado antes e depois. • Equipamentos de ordenha: não devem conter rachaduras, para evitar a formação de depósitos de leite. • Refrigeração: deve ser imediata a 4°C. O leite sai a 37°C da vaca (temperatura ideal para proliferação bacteriana, especialmente mesófila). O resfriamento retarda o tempo de geração das bactérias. A higiene na ordenha é fundamental, pois uma matéria-prima com carga microbiana elevada terminará o processo com uma contagem mais alta em relação a um leite de boa qualidade microbiológica. 5. CONTROLE SANITÁRIO NO PROCESSAMENTO DO LEITE O leite durante a ordenha, transporte e estocagem, está sujeito a contaminações que podem causar a sua deterioração ou veicular doença ao homem. Por isso, é importante minimizar as contaminações, sejam físicas, químicas ou microbiológicas. Quando o leite chega à indústria, deve-se controlar a presença de compostos químicos, realizar uma filtração para remover partículas sólidas, controlar a multiplicação dos microrganismos presentes e evitar novas contaminações. O controle da contaminação deve ser iniciado antes da ordenha, com a avaliação das condições de saúde do animal. Tendo-se certeza de que o leite poderá ser destinado ao consumo humano, o animal é higienizado aplicando-se uma solução desinfetante em seu úbere. Os ordenhadores antes de realizar a ordenha, devem lavar as mãos, usar roupas limpas e estar em boas condições de saúde. Os equipamentos e tanques devem estar limpos sem rachaduras e livre de corrosão, caso contrário, resíduos podem se depositar, servindo de meio de cultura para microrganismos. Após a ordenha é importante que o leite seja imediatamente resfriado a 4°C com a finalidade de reduzir a velocidade de multiplicação da microbiota presente. Quando o leite chega à indústria, a sua temperatura deve permanecer abaixo de 10°C até o início do processamento. No processamento, o leite entra em contato com diversas superfícies e, portanto, está sujeito a novas contaminações química (presença de resíduos de detergentes e sanificantes que não foram completamente removidos da superfície e óleos minerais utilizados na lubrificação dos equipamentos), física (presença de cabelo, pêlos, fragmentos metálicos provenientes dos equipamentos) e biológica (microrganismos). A contaminação biológica é mais problemática do ponto de vista da saúde pública, como também de perdas econômicas causadas pela deterioração do leite antes do final do seu prazo de validade. 38 6. PROCESSAMENTO DO LEITE O emprego de métodos adequados de conservação do leite é importante no tempo de vida útil do produto. Dentre os tratamentos destinados ao leite estão: 6.1 Clarificação/Filtração A filtração, por melhor que seja não elimina os microrganismos já disseminados no leite. Sua finalidade é reduzir contaminantes visíveis, pela retirada de ciscos, pêlos, etc. A legislação em vigor no Brasil define a filtração como processo de retirada das impurezas do leite, sob centrifugação ou pela passagem em tecido filtrante próprio, sob pressão (Art. 515, RIISPOA). O material utilizado para filtração deverá ser de fácil limpeza e adequado à esterilização. Esta operação deve ser feita imediatamente após a ordenha, e alguns autores sugerem a troca do material filtrante a cada 50/60 litros de leite. A clarificação por centrifugação visa retirar bactérias e células somáticas do leite, além de eliminar células bacterianas mortas. Figura 2. Processo de clarificação do leite 6.2 Resfriamento O desenvolvimento de microrganismos responsáveis pela acidificação da matéria-prima fica muito reduzido à temperatura de 10°C. Esta operação deve ser efetuada o quanto antes possível, logo após a clarificação, um processo moderno é o tanque provido de sistema de refrigeração por expansão direta (tanques de expansão), com capacidade variando de 100 a 12.000 litros em aço inoxidável. 39 Figura 3. Tanque de refrigeração de leite 6.3 Padronização É a retirada parcial da gordura do leite com o objetivo de manter constante o teor no produto final. Somente os leites tipo C e UHT são padronizados com 3% de gordura, esse processo é feito por desnatadeiras centrífugas. O laticínio usa para si o creme retirado para a fabricação de manteiga, requeijão, creme de leite, etc. Os leites tipo A e B não sofrem padronização, devem ser integrais. 6.4 Homogeneização Consiste em dividir os glóbulos de gordura em frações menores. Neste processo a temperatura utilizada é de 54°C ou superior, para que toda a gordura do interior do glóbulo esteja líquida. O glóbulo é rompido por ação mecânica (pressão ou ultra-som). Neste processo há a formação de uma nova membrana “cicatrizando o glóbulo”. Suas principais vantagens são: • Evita a separação da gordura durante o transporte e armazenamento, indispensável no leite UHT; • Não forma nata ao ferver; • Melhora a palatabilidade e viscosidade. • • • • Desvantagens: Dificulta o desnatamento posterior; Aumenta a sensibilidade à luz; Aumenta a sensibilidade à lipase; Diminui a estabilidade das proteínas ao calor. 40 Figura 4. Processo de homogeneização 6.5 Pasteurização É o emprego conveniente de calor, com o fim de inativar enzimas e destruir total ou parcialmente a flora microbiana patogênica, sem alteração da constituição física e do equilíbrio químico do leite, sem prejuízo dos seus elementos bioquímicos, assim como de suas propriedades sensoriais normais, seguida de resfriamento rápido. A ação da pasteurização sobre a microbiota do leite é a seguinte: • Elimina parcialmente os microrganismos • Microrganismos termodúricos não são destruídos • Toxina estafilocócica não é destruída A pasteurização não destrói todos os microrganismos, portanto, é necessário o emprego de um método auxiliar, a refrigeração. Por isso, imediatamente após a pasteurização, o leite deve ser refrigerado entre 2 e 5°C e em seguida embalado, sendo armazenado em câmara frigorífica a até 5°C. 6.5.1 Intensidade do tratamento térmico A destruição dos microrganismos patogênicos e deteriorantes depende do tempo e da temperatura (binômio tempo/temperatura) de tratamento do leite. Os valores normalmente empregados na pasteurização do leite de tempo e temperatura são: • 62 a 65°C por 30 minutos (LTLT – low temperature long time: baixa temperatura por longo tempo ou pasteurização lenta): processo de pouca utilização industrial, sendo mais usada por pequenos produtores rurais; há menor desnaturação protéica. Reduz 95% a carga microbiana, não é muito eficiente, pois permite que a fase lag seja longa, podendo haver adaptação dos 41 microrganismos. Está sendo cada vez menos utilizada nos processos industriais. O equipamento mais utilizado é o tanque de aço inoxidável encamisado provido de agitação, onde a agitação é importante na distribuição do calor, que deve ser uniforme em todo o leite. Figura 5. Tanque de aço inoxidável provido de agitação • 72-75°C por 15 a 20 segundos (HTST – high temperature short time: alta temperatura por pouco tempo ou pasteurização rápida): empregada em indústrias que beneficiam grandes volumes de leite. Essa operação é realizada em trocadores de calor de placas. É mais eficiente, reduzindo 99,5% a carga microbiana, porém com maior desnaturação protéica e perda de cálcio coloidal, dificultando a coagulação do leite na confecção de queijos. Figura 6. Processo de pasteurização rápida 42 A aferição do respeito aos bons procedimentos da pasteurização do leite é feito através de duas enzimas do leite, a fosfatase alcalina e a peroxidase. • • Fosfatase alcalina: é lábil à alta temperatura e, portanto, não deve estar presente no leite pasteurizado. Sua presença indica que o leite não atingiu a temperatura adequada de pasteurização; Peroxidase: é inativada aos 85°C e deve, portanto, estar intacta no leite pasteurizado HTST. Sua inativação é indício de sobreaquecimento do leite e pode estar mascarando um produto muito contaminado. 6.5.2 Temperatura de resfriamento do leite Uma das preocupações na pasteurização é a de modificar o mínimo possível a composição do leite, tornando-se imprescindível a imediata refrigeração do produto. A refrigeração é feita entre 4 a 5°C, seu objetivo é impedir o crescimento da microbiota termorresistente que sobreviveu às temperaturas do tratamento térmico. 6.5.3 Esquema do processamento do leite pasteurizado na indústria RECEPÇÃO DO LEITE CRU NA INDÚSTRIA PESAGEM FILTRAÇÃO RESFRIAMENTO ESTOCAGEM DO LEITE CRU FILTRAÇÃO/ CLARIFICAÇÃO PADRONIZAÇÃO/ DESNATE PASTEURIZAÇÃO ARMAZENAMENTO/ TRANSPORTE 43 • • • • • • • • • Recepção do leite cru na indústria: o leite cru transportado em caminhãotanque em temperatura de até 7°C deverá estar com acidez máxima de 18°D e isento de qualquer tipo de fraude (presença de água oxigenada, bicarbonato, urina, formol, amido); Pesagem: é realizada a pesagem do caminhão-tanque; Filtração: tem por finalidade remover as impurezas maiores, evitando que estas fiquem aderidas ao resfriador; Resfriamento: tem por objetivo manter a qualidade do leite inalterada até o momento de sua industrialização. Deve ser resfriado, no máximo a 4ºC; Estocagem do leite cru: feita em tanques isotérmicos para dificultar a troca térmica do leite com o meio ambiente; Clarificação: tem por objetivo eliminar as sujidades menores do leite pela centrifugação. Além das sujidades, também há remoção de um número considerável de células epiteliais do animal; Padronização: o leite deverá ser padronizado a 3% de gordura, com exceção do tipo A e B que deve ser integral; Pateurização: pasteurizar o leite; Armazenamento: armazenar o leite pasteurizado em tanque isotérmico abaixo de 4°C. Envasar e estocar no máximo a 7°C em câmara frigorífica. 6.6 Esterilização Este processo visa à eliminação de microrganismos patogênicos e deteriorantes, bem como a inativação de enzimas capazes de provocar a deterioração do leite durante seu armazenamento. O leite deve ser estéril. A esterilização objetiva conservar o produto por tempo relativamente longo, sem refrigeração. A pasteurização não é suficiente para inativar esporos de bactérias termorresistentes no leite, o que é conseguido pela “esterilização comercial”, este termo indica que o alimento é microbiologicamente estável. Entende-se por leite UHT o leite homogeneizado submetido à temperatura de 130 a 150°C por 2 a 4 segundos, mediante processo de fluxo contínuo, imediatamente resfriado a temperatura inferior a 32°C, e envasado sob condições assépticas em embalagens estéreis e hermeticamente fechadas. Existem dois métodos principais para o processamento do leite UHT: • Aquecimento direto: injeção direta de vapor ao leite, ao qual aquece rapidamente com posterior evaporação da água; • Aquecimento indireto: troca de calor entre o leite e uma superfície aquecida por vapor de água (trocador de calor de placas ou por tubulação) 44 Figura 7. ESQUEMA DE ESTERILIZAÇÃO DO LEITE (método indireto) (1)-Leite Cru; (2)-Bomba; (3)-Água Fria; (4)-Água Quente; (5)-Homogeneizador; (6)-Serpentina de Controle; (7)-Água Superaquecida; (8)-Vapor de Aquecimento; (9)-Leite Esterilizado A maior desvantagem da esterilização é a perda nutricional provocada pelo processo térmico, como vitaminas e proteínas, que é maior comparado ao leite pasteurizado, no entanto, muitas indústrias adicionam esses nutrientes intencionalmente, produzindo o leite enriquecido. 7. TIPOS DE LEITE PROCESSADO Todo o leite consumido no Brasil deve ser pasteurizado, não sendo permitido o consumo de leite cru. A legislação brasileira prevê uma série de tipos diferentes de leite no mercado: • LEITE TIPO “A”: deve ser produzido em granja leiteira, com rebanho acompanhado por veterinário do Serviço de Inspeção Federal (SIF). A ordenha deve ser mecânica com pasteurização imediatamente após a ordenha. Deve ser integral, podendo ser homogeneizado. Rotulagem em azul. Padrão microbiológico: limite bacteriano na contagem padrão de 2,0 x 103 UFC (unidades formadoras de colônia) por mililitro (mL) e ausência de coliformes fecais; • LEITE TIPO “B”: produzido em estábulo leiteiro, com ordenha mecânica, e após a ordenha pode ser resfriado e transportado para ser pasteurizado. Deve ser integral, podendo ser homogeneizado. Rotulagem verde. Padrão microbiológico: limite bacteriano na contagem padrão de 8,0 x 104 UFC por mL, coliformes totais 4,0 por mL e de coliformes fecais 1,0 por mL; • LEITE TIPO “C”: produzido em qualquer tipo de propriedade, sem acompanhamento do Serviço de Inspeção Federal. Gordura padronizada em 3%. Rotulagem marrom. Padrão microbiológico: limite bacteriano na 45 • • • • contagem padrão de 3,0 x 105 UFC por mL, coliformes totais 4,0 por mL e de coliformes fecais 2,0 por mL; LEITE UHT: produzido nas mesmas condições acima. Deve ser homogeneizado e sofrer tratamento térmico entre 130 e 150°C por 2 a 4 segundos. Pode ser denominado de “leite longa vida” ou UAT; LEITE INTEGRAL: 3% de gordura ou mais; LEITE SEMI-DESNATADO: 0,6-2% de gordura; LEITE DESNATADO: máximo de 0,5% de gordura. 8. ANÁLISES ROTINEIRAS IMPORTANTES NO CONTROLE DE QUALIDADE DO LEITE • Prova do Alizarol (álcool + alizarina): A estabilidade ao alizarol é uma prova rápida, muito empregada nas plataformas de recepção como um indicador de acidez (alizarina) e facilidade de precipitação do leite (provocada pelo álcool). A amostra de leite é cuidadosamente misturada a uma solução alcoólica contendo um indicador de pH (alizarina) e observa-se se ocorre à formação de um precipitado, ou coagulação. Um aumento na acidez do leite, causada pelo crescimento de bactérias e produção de ácido láctico, causará um resultado positivo no teste. O indicador alizarina indica o pH do leite: pH baixo: coloração amarela (leite ácido); pH entre 5,8 e 7,2: coloração “tijolo” (leite normal); pH > 7,2: coloração violeta (suspeita de adição de substâncias alcalinas). A concentração da solução alcoólica pode variar. Este teste tem se revelado um indicador não confiável de problemas no leite. Freqüentemente são encontradas amostras de leite que mesmo apresentando boa qualidade são positivos na prova do álcool. O colostro é sempre positivo. O leite secretado no final da lactação ou quando o tecido mamário está ligeiramente irritado ou inflamado podem ser também positivos na prova do álcool. • Determinação da densidade: o leite é mais denso que a água, ficando em torno 1,023 g/mL e 1,040 g/mL, a 15°C. O valor médio é 1,032 g/mL. O leite com alto teor de gordura apresenta maior densidade em relação ao leite com baixo teor de gordura. O método mais utilizado é o do termolactodensímetro. Os fatores que interferem na densidade são: Normais: composição do leite, temperatura; Anormais: adição de água, desnate. • Determinação do ponto crioscópico: a adição de água ao leite dilui seus componentes solúveis, reduzindo seu ponto crioscópico, aproximando-o ao da água pura. Este método é importante para detectar fraudes por adição de água ao leite. Leite normal congela a -0,517°C aproximadamente. O método geralmente utilizado é através de aparelho de crioscopia manual ou eletrônica. Determinação da acidez: a acidez do leite é expressa em graus Dornic. O leite fresco apresenta acidez 15 a 18°D, que equivale a pH entre 6 e 7. A contaminação por microrganismos acidófilos que convertem a lactose em ácido lático, aumenta a acidez do leite. A análise pode ser feita por titulação 46 • com solução alcalina de NaOH 0,111mol/L e indicador fenolftaleína, pelo uso de um papel indicador ou por um phmetro. Cada 1 mL de leite gasto = 1°D = 0,1 g de ácido lático/L. • Detecção de antibióticos: os antibióticos podem causar alergias, câncer e até resistência do organismo a essas substâncias frente ao contato prolongado. O período de carência fica em torno de 48 a 72 horas do uso da droga no animal. Os testes geralmente são qualitativos, uma vez que os quantitativos são de alto custo, como é o caso da eletroforese capilar 3D. • Detecção de mastite: é feita através da contagem de células somáticas do leite (CCS para mastite clínica), do ”California Mastitis Test” (CMT para mastite subclínica) e cultura. Número de células somáticas <250.000 250.000 a 500.000 >500.000 • Classificação do leite Negativo Suspeito Positivo Pesquisa de substâncias estranhas: Conservantes: diminuem o número de bactérias⇒ H2O2 e formol; Neutralizantes: diminuem a acidez do leite⇒ KOH, NaHCO3(bicarbonato de sódio); Reconstituintes da densidade e crioscopia: sal, açúcar, amido; • Determinação da eficiência da pasteurização: Pesquisa da fosfatase alcalina: corretamente pasteurizado⇒ fosfatase negativa Pesquisa da peroxidase: corretamente pasteurizado⇒ peroxidase positiva • Análises microbiológicas: Coliformes totais e fecais, Escherichia coli: realizada em todos os produtos lácteos, indica condições insatisfatórias de higiene e sanidade. Coliformes no leite cru são avaliados nos leites tipo A e B antes e após a pasteurização; Aeróbios mesófilos: realizado em todos os produtos lácteos; Staphylococcus aureus: indicativo de mastite ou contaminação pelo manipulador do processo Teste de esterilidade: contagem de termófilos (possível sobrevivência) e mesófilos (possível recontaminação). 47 MICROBIOLOGIA DE CARNES E DERIVADOS 1. INTRODUÇÃO: A carne é uma porção de tecidos comestíveis localizados entre duas regiões muito susceptíveis à contaminação: a parte externa, coberta por pêlos, lã ou penas, e a parte interna, onde se localiza o trato intestinal. Durante o abate dos animais, preparação de suas carcaças e subseqüente comercialização ocorre todo um processo de manipulação, que pode aumentar a microbiota contaminante. O principal objetivo no abate de animais domésticos para o consumo humano é a obtenção da carne com a menor contaminação possível. A contaminação pode ser a principal responsável tanto por perdas econômicas provocadas pela deterioração da carne, como também pelos problemas ligados à saúde do consumidor, em função da ingestão de bactérias patogênicas ou das toxinas por elas produzidas. Sua composição nutricional, rica em proteínas e lipídios, sua atividade de água (carne fresca) em torno de 0,99, e seu pH entre 5,4 e 5,6, faz dela um alimento altamente perecível, favorecendo assim, a multiplicação de diversos microrganismos, como bactérias, bolores e leveduras, podendo deteriorar-se em um breve espaço de tempo. Sua vida-de-prateleira depende, principalmente, da contaminação da carcaça durante o processo de abate. O tipo e o número de microrganismos presentes na carne refletem o grau de sanitização do abatedouro, como também das condições de armazenamento após o abate dos animais, o que naturalmente define a sua qualidade. A determinação desses microrganismos é de suma importância para se fazer o controle de qualidade da carne e de seus derivados Desta forma, boas práticas devem ser observadas durante todas as operações de processamento das carnes e derivados, com o objetivo de minimizar a deterioração, bem como riscos de doença transmitida pelo alimento. 2. FONTES DE CONTAMINAÇÃO: A contaminação pode ter três origens: • Biológica: presença de insetos, parasitos, microrganismos, etc. • Física: presença de areia, fragmento de metal, etc. • Química: contaminação por antibióticos, pesticidas, herbicidas, etc. Desta forma, a contaminação poderá ser: Inicial: bactérias presentes no conteúdo intestinal→pode ocorrer durante o processamento (evisceração, sangria) por equipamento contaminado, ou pela ruptura do intestino e extravasamento do conteúdo fecal; e/ou por bactérias constituintes da microbiota natural do solo→podem estar presentes no couro do animal, ou durante um abate em condições precárias de higiene; • Proveniente de outras fontes: equipamentos, roupas, mãos dos operadores, água, ar, paredes, portas, etc. • 3. MICRORGANISMOS DA CARNE Bactérias, bolores, leveduras, vírus, parasitos, “príons”, são microrganismos encontrados na carne. 48 4. DETERIORAÇÃO: Deterioração significa inaptidão ao consumo humano. Nem sempre a deterioração é causada por microrganismos, pois, poderá ser causada também, pela invasão de insetos, além de reações enzimáticas e oxidativas inerentes à composição da carne. Tanto as enzimas hidrolíticas naturais da carne como os microrganismos, são responsáveis pela degradação dos nutrientes e outras substâncias, como mioglobina, oximioglobina, entre outras. De modo geral, as primeiras degradações são realizadas pelas enzimas, seguidas pelas degradações microbianas. Alterações enzimáticas: Proteases: são enzimas que hidrolisam proteínas, o resultado final de sua atuação depende da presença ou ausência de oxigênio. Quando as proteínas são hidrolisadas por essas enzimas em aerobiose, o resultado obtido são peptídeos simples e aminoácidos; em anaerobiose, as proteínas são degradadas em compostos sulfurados e nitrogenados (amônia), que possuem odor forte e desagradável; Lipases: realizam lipólise→hidrólise de triglicerídeos em ácidos graxos e glicerol. A lipólise extensiva acelera a oxidação lipídica, ou seja, a origem do ranço oxidativo decorrente da formação de peróxido. Alterações microbianas: Cor Odor Sabor Textura/Maciez O surgimento de pigmentos oxidados na carne é resultado, na maioria das vezes, da ação de algumas bactérias que transformam a mioglobina e oximioglobina em metamioglobina, resultando em cores cinza, marrom ou verde. • Deterioração aeróbia: A deterioração da carne por bactérias e leveduras aeróbias, geralmente, resultam na formação de limo, odores, sabores indesejáveis e alteração na coloração. O tipo do microrganismo, temperatura e atividade de água são os fatores que afetam estas características. A deterioração da carne por fungos resulta em superfícies pegajosas. A deterioração aeróbia está limitada, essencialmente à superfície, e as áreas afetadas podem ser removidas. Entretanto, o crescimento extensivo pode levar à contaminações profundas, particularmente dos ossos e tecidos conjuntivos. • Deterioração anaeróbia: A deterioração anaeróbia ocorre no interior da carne, em produtos embalados a vácuo ou em “containers” fechados onde o 02 é ausente ou está limitado. Este tipo de deterioração é causado por bactérias anaeróbias e ou aeróbias facultativas. Como resultado há formação e acumulação de ácidos orgânicos por ação das enzimas bacterianas. 49 Tabela 1. Alterações em carnes e derivados produzidas por microrganismos 50 5. Intoxicação, Infecção e Toxinfecção causada pela carne e derivados: • • Intoxicação: botulismo (Clostridium botulinum) (Staphylococcus aureus); e doença estafilocócica Infeção: salmonelose (Salmonella), infecção por: Escherichia coli patogênica (destacando-se as cepas enterohemorrágicas), Yersinia enterocolitica, e mais recentemente os Príons; Toxinfecção: por Clostridium perfringens. • A salmonella, entre as bactérias patogênicas, é que mais oferece perigo à matéria-prima. Normalmente, têm acesso à carne através de um abate inadequado, quando o conteúdo gastrintestinal é perfurado. O uso de rações contaminadas, o transporte como fator de estresse e a manutenção de portadores assintomáticos durante a manipulação da carne, constituem pontos de controle importantes na prevenção da disseminação da salmonelose. E. coli e Y. enterocolitica podem contaminar as matérias-primas do mesmo modo que a salmonella. A legislação americana preconiza a ausência de E.coli enterohemorrágia em 25g de carne “in natura”, e obriga a implantação do programa de HACCP em frigoríficos, visando a eliminação desse perigo. Em relação a Y. enterocolitica, o emprego de refrigeração não surte efeito no controle dessa bactéria, uma vez que se desenvolve bem sob essa temperatura. Esporos de Clostridium podem sobreviver nas partes interiores da carne, permanecendo viáveis quando expostos as temperaturas de refrigeração e cozimento. Os Staphylococcus podem contaminar a matéria-prima, principalmente durante manipulação inadequada por indivíduos portadores assintomáticos. 6. CARNE BOVINA 6.1 Obtenção da carne bovina: As condições fisiológicas do animal antes do abate afetam as mudanças post mortem que ocorrem durante a transformação do músculo em carne. Dessa forma, é importante evitar os vários fatores que acarretam o stress pré-abate. Nos bovinos, o stress pré-abate causa consumo das reservas de glicogênio muscular e hepática, resultando em baixa glicólise (quebra da glicose até a formação de piruvato→na presença do oxigênio, ou lactato→na ausência de oxigênio) e por conseqüência, baixa formação de ATP (adenosina trifosfato→energia); além de rigor mortis acentuado e baixo declínio do pH após 24 horas post mortem. Nesses casos, as carnes ficam escuras e com vida de prateleira reduzida, quando comparadas com carnes de animais abatidos livre do stress. Quanto maior o pH da carne→mais escura (pH>6,0) pH ideal→5,5 a 5,9 Rigor mortis é um sinal reconhecível de morte que é causado por uma mudança química nos músculos, causando aos membros um endurecimento ("rigor") e impossibilidade de mexê-los ou manipulá-los. Na média, o rigor mortis começa entre 3 e 4 horas post-mortem, com total efeito do rigor em aproximadamente 12 horas, e finalmente o relaxamento em aproximadamente 36 horas. 51 6.2 Processamento da carne bovina 6.2.1 Pré-abate da carne bovina • Preparo no embarque: o carregamento deve ser tranquilo, evitando lesões traumáticas e stress metabólico; • Descarregamento: realizado após a avaliação das condições higiênicosanitárias do lote pelo veterinário da inspeção. Após o desembarque, os animais são classificados em aptos e inaptos; • Descanso pré-abate: 6 a 24 horas, os bovinos cumprem o período de jejum e dieta hídrica, que são importantes para: Jejum: promover o esvaziamento intestinal, a fim de reduzir o percentual de rompimento do intestino, evitando a contaminação da carcaça pelas fezes; Dieta hídrica: manutenção da hidratação do animal, diminuindo o número de perfurações no couro e facilitando a esfola, e, além disso, manter as taxas normais do glicogênio muscular, importante para as reações químicas de transformação do músculo em carne, e na acidificação da carne (declínio do pH post mortem)→pH de 5,5 a 5,9; • Banho: propicia a limpeza superficial do animal e a vasoconstrição sanguínea periférica que aumenta a eficiência da sangria e reduz a excitação dos animais. 52 6.2.2 Abate da carne bovina • • • • • • Atordoamento: consiste em levar os animais à inconsciência através da pistola de bala cativa ou pistola sem bala (com ar pressurizado), mais utilizada; Sangria: corte da barbela, musculatura e grandes vasos do pescoço, onde permite a saída do sangue por até 6 minutos. O animal perde até 50% do sangue do corpo. A presença de sangue nos tecidos musculares após o abate está associada a aumento do risco de contaminação e redução da vidade-prateleira da carne. A baixa eficiência da sangria pode ocasionar alterações na coloração da carne, e excesso de sangue em órgãos como coração, fígado, baço, etc.; Esfola: retirada do couro mecânica ou manual; Evisceração: retirada dos órgãos, onde são colocados em 3 bandejas: estômago, intestino, baço, pâncreas, rim, bexiga e útero (bandeja 1); fígado (bandeja 2); pulmão, traquéia e coração (bandeja 3). Durante a evisceração, é realizada a inspeção post mortem por agentes do sistema de inspeção federal (SIF), para verificação de suspeita de enfermidades como verminoses, alterações patológicas de órgãos e, além disso, a idade dos animais. As carcaças liberadas são lavadas com água cloradas, e resfriadas em câmaras frias; Resfriamento: atua inibindo ou destruindo parcialmente os microorganismos deteriorantes e patogênicos, retardando a atividade enzimática da carne, aumentando sua vida útil. Assim, tem-se: carne resfriada (>1°C), carne refrigerada (entre 0 e 1°C) e carne congelada (< -1,5°C); Desossa: as carcaças são desossadas 24h após o abate quando atingem a temperatura de 7 a 8°C. 6.3 Qualidade higiênico-sanitária da carne bovina: A produção de carnes “in natura” e derivados livres de riscos à saúde do homem podem ser obtidos através da adoção de medidas de segurança que envolve as fazendas e abatedouros, tais como: • Realização de inspeção veterinária dos animais na fazenda antes do transporte aos frigoríficos; antes do abate, que deve ser realizada no 53 • momento da chegada dos animais no frigorífico; e inspeção de órgãos e carcaças durante o abate; Treinamento dos funcionários para a execução das operações de abate e processamento do produto, obedecendo a normas de higiene previstas em legislação sanitária. 7. CARNE DE AVES 7.1 Fontes de contaminação A contaminação microbiológica das carcaças de aves é representada, seja pela microbiota oriunda das aves vivas e, seja devido à incorporação de bactérias presentes em qualquer uma das fases do abate e do processamento. Um ponto crítico na operação de abate é, sem dúvida nenhuma, a contaminação cruzada, na qual vísceras, às vezes perfuradas, podem entrar em contato com as carnes limpas, tornando-as potencialmente perigosas, uma vez que microrganismos patogênicos de importância em saúde pública podem estar presentes no trato digestivo dos animais. A microbiota das aves se encontra principalmente em sua superfície corporal, como penas, espaço interdigital e tegumentos cutâneos, além disso, pode ser encontrada também no trato digestivo e respiratório. 7.2 Microrganismos da carne de aves A maioria dos microrganismos que alteram a carne fresca são bactérias aeróbias mesófilas e algumas delas são causadoras de doenças alimentares. Entre esses microrganismos podem ser incluídos Salmonella spp., Clostridium botulinum, Clostridium perfringens, Campylobacter spp., Escherichia coli enterohemorrágica, Listeria monocytogenes e Staphylococcus aureus. O fator mais importante para reduzir a presença desses microrganismos é sem dúvida a higienização nos locais de abate e manipulação. Como geralmente as condições higiênico-sanitárias no abate de animais e comercialização das carnes são precárias, verifica-se a presença de microrganismos patogênicos, principalmente a Salmonella em carnes e derivados, o que constitui um sério risco para a saúde do consumidor, uma vez que estes microrganismos são potenciais causadores de infecções alimentares. O trato intestinal das aves é um dos principais reservatórios naturais de microrganismos patogênicos com a Salmonella. Diversas espécies desses microrganismos também são encontradas em humanos, suínos, bovinos, eqüinos e em animais silvestres como roedores, répteis e anfíbios. Os insetos, principalmente moscas e baratas, são importantes veículos na disseminação de Salmonela. A partir do seu reservatório natural, por meio de inúmeros veículos, as salmonelas irão contaminar matérias-primas e alimentos processados. A água dos bebedouros, a ração, o pó sobre o qual as aves vivem como também o ar dos criadouros, contêm sua microbiota natural e nela podemos encontrar gêneros de bactérias patogênicas como Bacillus, Clostridium, Escherichia, Salmonella, como também algumas espécies de bolores e leveduras. Estes mesmos microrganismos podem ser encontrados nas penas, na pele, e nas fezes das aves vivas e, posteriormente, podem contaminar a carne, durante o abate das aves e o processamento das carcaças. 54 A carga microbiana das carcaças de aves e seus derivados são representados por uma microbiota oriunda, principalmente das aves vivas e, outra parte, incorporada em qualquer uma das etapas do abate ou processamento. As aves chegam ao abatedouro com bactérias firmemente aderidas ou incrustadas na pele, inclusive Salmonella, que não podem ser removidas apenas pela lavagem. Nas operações de abate ocorre a maior contaminação da carcaça, e a depenação é uma das operações onde ocorre maior aumento da contaminação. A salmonelose é uma das mais prevalentes e mais sérias formas de doenças de origem alimentar, e é freqüentemente associada ao consumo da carne de aves. Muitos levantamentos em diferentes países têm mostrado que de 30 a 50% das carcaças de frangos congelados ou refrigerados estão contaminados com Salmonella. Entretanto, o número de células por carcaça é muito baixo e geralmente alcança entre 5 e 1000 células. Muitos esforços têm sido feitos para reduzir a incidência da contaminação e visam controlar a disseminação de Salmonella durante o desenvolvimento das aves; a descontaminação desses locais é realizada com o objetivo de evitar a disseminação desses microrganismos. A Salmonella é uma bactéria mesófila que é destruída em temperatura acima de 50°C, portanto, o uso de temperatura associada a observação de normas adequadas de higiene nas indústrias de alimentos, consiste nas mais importantes medidas de controle desta infecção, reduzindo assim, a possibilidade de contaminação deste patógeno. 7.3 Processamento da carne de aves 7.3.1 Pré-abate da carne de aves • • • • Uniformização do peso dos frangos, jejum e dieta hídrica e apanha das aves; Transporte em gaiolas com 8 a 12 frangos; Após a chegada ao frigorífico, as aves ficam em descanso por 6 horas; Na plataforma de recepção, realiza-se a pendura das aves em ganchos transportadores. 55 7.3.2 Abate da carne de aves • • • • • • • • • • Insensibilização: no Brasil, a técnica de atordoamento mais utilizada em aves é o choque elétrico, aplicado às aves durante a passagem pelo atordoador, que consiste em uma cuba contendo água salgada onde é transmitida uma corrente elétrica até a cabeça das aves suspensas pelo gancho. O tempo de atordoamento é de 7 segundos; Sangria: consiste na incisão dos grandes vasos na região do pescoço e escoamento do sangue animal por 90 segundos; Escaldagem: realizada pela imersão das aves em tanques com água a temperatura de 52 a 60°C por 2 minutos, com o objetivo de facilitar a retirada das penas; Depenagem: realizada mecanicamente por cilindros rotativos munidos de dedos de borracha que friccionam as carcaças e removem as penas; Evisceração: remoção dos órgãos. Pode ser manual ou mecânica. No caso de evisceração mecânica, é fundamental a uniformidade dos frangos para facilitar o ajuste da evisceradora automática evitando o rompimento de vísceras e contaminação da carcaça. Durante esta etapa é realizada a inspeção sob supervisão do serviço de inspeção federal (SIF), que identifica aves portadoras de enfermidades e lesões; Resfriamento: reduz a temperatura da carcaça por imersão em água a 8°C por 45 minutos à 1 hora; Gotejamento: após o resfriamento por imersão, as carcaças são suspensas pelo pescoço ou asa para o escorrimento da água; Desossa: em sala climatizada a < 10°C, podendo ser convencional ou mecânica; Embalagem: as carcaças de frango resfriadas são acondicionados em embalagens plásticas lacradas e os cortes são colocados em bandejas; Resfriamento rápido: após a embalagem, o produto é submetido a resfriamento em túnel de congelamento com temperatura entre -30 e -35°C por 6 horas. 56 8. CARNE SUÍNA Do processamento e a industrialização da carne suína originam-se, além de cortes de carne fresca, uma variedade muito grande de produtos derivados ingeridos todos os dias por diferentes grupos de consumidores. Alguns exemplos destas diferentes tecnologias de fabricação aplicadas são os produtos defumados, curados, ou marinados. 8.1 Processamento da carne suína e a Síndrome do Estresse Porcino Alguns suínos são extremamente sensíveis ao estresse. Nestes animais ocorre uma síndrome denominada Síndrome do Estresse Porcino (PSS - Porcine Stress Syndrome) que é desencadeada por fatores estressantes como, por exemplo: o desmame, exercícios, mistura com outros animais e transporte e manejo préabate. Investigando as causas desta doença, alguns pesquisadores (Fujii et al, 1991) detectaram nestes animais um gene mutante chamado halotano ou gene hall, responsável por essa pré-disposição genética. O gene halotano, codifica para canais liberadores de cálcio do retículo sarcoplasmático do músculo esquelético, e, além de determinar a maior predisposição ao estresse em suínos, está relacionado com a mortalidade durante o transporte, e a produção de carne PSE (do inglês: pale, soft and exudative) que significa pálida, mole e exudativa; ou DFD (do inglês: dark, firm and dry) que quer dizer escura, dura e seca, um problema grave para a industrialização de carnes. Esses defeitos de qualidade são decorrentes de alterações na velocidade de reação post mortem desencadeadas por fatores de stress do animal, associado a esta pré-disposição genética. O destino das carnes dos animais que não morrerem durante o transporte, é a produção de empanados, hambúrgueres, mortadelas, presuntos, etc. 8.2 Pré-abate da carne suína • • Embarque, transporte e desembarque: devem ser realizados de forma a evitar qualquer tipo de stress motor, emocional, digestivo, térmico ou desequilíbrio hídrico, além de reduzir escoriações, fraturas e pontos hemorrágicos na carne; Descanso pré-abate: jejum de 6 a 24 horas com dieta hídrica. 57 8.3 Abate da carne suína • • • • • • • Insensibilização: pode ser mecânica→que consiste na passagem do animal por um túnel de CO2 com concentração de 80 a 85% por 40 a 45 segundos; ou elétrica→ passagem de corrente elétrica pelo cérebro do animal; Sangria: incisão dos grandes vasos do pescoço; Escaldagem: destina-se ao amolecimento dos pelos, realizada em tanques com água à temperatura de 60 a 65°C, por 2 a 5 minutos; Depilação: mecânica→ as carcaças passam por chuveiros com água clorada sob pressão; ou manual. Alguns estabelecimentos retiram a pele inteira do animal; Evisceração: retirada das vísceras e inspeção federal; Resfriamento: em câmara fria a temperatura de 7°C; Desossa: realizada 12 a 24 h após a morte, quando as massas musculares apresentarem temperatura de 7°C. 9. CARNE DE PESCADOS Um dos produtos de origem animal mais susceptível ao processo de deterioração é o pescado, por apresentar pH próximo à neutralidade, elevada atividade de água, e alto teor de nutrientes. No pescado, a velocidade de deterioração varia em função da composição, intensidade e condições higiênicosanitárias do manuseio (lavagem, descamação, evisceração, cortes) e estocagem. Um grande grupo de bactérias existe na superfície corporal, no trato intestinal e respiratório (guelras) dos peixes vivos. Essa microbiota natural é influenciada pelo ambiente aquático, pela temperatura e poluição da água. Dentre os microorganismos patogênicos encontrados em carne de pescado estão: • Vibrio parhaemolyticus • Clostridium botulinum • Staphylococcus aureus • Salmonella • Shigella 58 Tabela 2. Características sensoriais do pescado fresco e deteriorado 9.1 Processamento do pescado Os peixes de água salgada e doce são muito susceptíveis à absorção de substâncias presentes na água. Em peixes de água doce essa absorção é mais acentuada. A ocorrência de “sabor de barro ou de terra” (“sabor a lodo”) tem sido causada pela absorção de geosmina, uma substância produzida por algas e fungos aquáticos. Esse tipo de alteração sensorial no pescado é chamado “off flavor” e os peixes são, geralmente, submetidos a processamentos como defumação para mascarar este sabor desagradável. A conservação inicial do pescado está associada com a redução da temperatura da carne, pois quanto mais baixa, maior a sua vida útil. Após a captura e conservação, o pescado pode ser eviscerado, com retirada da cabeça e brânquias, lavagem com água tratada e acondicionado no gelo. 9.2 Formas de industrialização do pescado de água doce: • Defumação: mascara o “sabor a lodo” do pescado, é realizada preferencialmente em peixes gordos; • Esterilização: fabricação de conservas e acondicionamento em latas (ex. sardinha) • Salga: pode ser precedida de defumação ou enlatamento. Após a salga, o pescado é seco; • Temperatura: quando comercializado in natura, o pescado é conservado fresco (mantido no gelo), resfriado (gelo a -0,5 e 2°C) e congelado (-25°C). Deve-se observar a qualidade microbiológica do gelo. 59 10. OVOS 10.1 Contaminação e alteração dos ovos Pode ocorrer por três vias de infecção: • Transovariana: a infecção ocorre no ovário; • Oviduto: é contaminado quando passa através do oviduto; • Casca: bactérias são translocadas do exterior para o interior do ovo. 10.2 Fatores que afetam a penetração dos microrganismos em ovos: • Defesa Física: a resistência na penetração oferecida pela casca, através da cutícula (uma cobertura importante que atua como barreira microbiana, fechando os poros e resultando na redução da permeabilidade da casca) e suas membranas (existem duas membranas abaixo da casca: a interna está sobre a clara e a externa está aderida à casca). A defesa conferida pela casca depende além da cutícula e suas membranas, do número de bactérias, o período de contato e a espessura da casca; • Defesa Química: através de substâncias antimicrobianas presentes na clara, como a avidina, ovomucina, conalbumina e a lisozima, que apresentam pH entre 9,1 e 9,6. 60 EXERCÍCIOS 1. O leite pode ser definido sob o ponto de vista fisiológico, físico-químico e higiênico. Qual é a definição físico-química do leite? 2. Qual a composição média do leite de vaca? Porque o leite pode ser considerado como um dos alimentos mais perecíveis? 3. De que forma a caseína está presente no leite? 4. Porque os leites fervidos ou pasteurizados apresentam alteração de coloração? 5. Explique o que é mastite. Qual sua principal causa? 6. Cite 3 microrganismos deterioradores e 3 microrganismos patogênicos do leite. 7. Explique qual a diferença entre filtração e clarificação do leite. 8. Qual o binômio tempo/temperatura das pasteurizações lenta e rápida, e da esterilização do leite? 9. A detecção de uma pasteurização correta pode ser feita pela aferição de duas enzimas. Quais são essas enzimas? De que forma essas enzimas auxiliam esta detecção? 10. Qual o percentual de gordura dos leites: integral, desnatado e semidesnatado? 11. Qual a importância do jejum e dieta hídrica no preparo pré-abate dos animais? 12. Qual o microrganismo mais freqüente em surtos de infecção com carne de aves? De que forma este microrganismo pode contaminar esta carne? 13. Qual a forma de insensibilização de aves mais freqüente no Brasil? 14. Explique o que é Síndrome do Estresse Porcino. As carnes dos animais com este defeito genético apresentam qual destino industrial? 15. Cite 3 características sensoriais do pescado fresco e 3 características do pescado deteriorado. 16. O que é geosmina? Qual sua relação com a alteração do sabor fresco do pescado? 17. Quais as vias de contaminação dos ovos? Quais os fatores que afetam sua contaminação? 61 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA • MELO FRANCO, Bernadette dora Gombossy; LANDGRAF, Mariza. Microbiologia dos alimentos. 1ª ed.: Atheneu, 2006. • MAHAN, L. Katheleen; ESCOTT-STUMP-KRAUSE. Alimentos, nutrição e dietoterapia. 11ª ed.: Roca, 2005. • MORETO, Eliane; FETT, Roseane; GONZAGA, Luciano; KUSKOSKI, Eugênia Marta. Introdução à ciência de alimentos. 2ª ed.: UFSC, 2002. • • GAVA, Altanir. Princípios e tecnologia de alimentos. 1ª ed.: Nobel, 2002. BOBBIO, Florinda; BOBBIO, Paulo. Química do processamento dos alimentos. 3ª ed.: Varela, 2001. • EVANGELISTA, José. Tecnologia de alimentos. 2ª ed.: Saraiva, 1989. 62
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