Apostila literatura brasileira

March 17, 2018 | Author: Dofonitinha Ti Jàgún | Category: Ethnicity, Race & Gender, Racism, Black People, Aesthetics, Politics (General)


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1UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA PROF.ª CRISTINA PRATES APOSTILA DE LITERATURA AFRO-BRASILEIRA 2013/2 2 1. Traços do Discurso literário afro-brasileiro, segundo Conceição Evaristo1 1. A afirmação de um pertencimento étnico; 2. A busca e a valorização de uma ancestralidade africana; 3. A intenção de se construir como um contradiscurso literário a uma literatura que estereotipa o negro; 4. A cobrança da reescrita da história brasileira no que tange à saga dos africanos e seus descendentes no Brasil; 5. Enfática denúncia contra o racismo e as injustiças sociais que pesam sobre o negro na sociedade brasileira. O navio negreiro, pelo rapper Slim Rimografia Estamos em pleno mar, embarcações de ferro e aço Onde pessoas disputam palmo a palmo por um espaço Nesse imenso rio negro de piche e esfalto Cristo observa tudo calado de braços abertos lá do alto Onde a lei do silêncio impede que ecoe o grito do morro Dos poetas em barracos sem forro, que clamam por socorro Homens de pele escura, sem sobrenome importante Filhos de reis e rainhas de uma terra tão distante O mar separa o Brasil da África Um rio separa as periferias das mansões de magnatas (...) Tem um pouco de navio negreiro embaixo de cada viaduto Em cada lágrima derramada, em cada mãe que veste luto Tem um pouco de navio negreiro em cada mão que pede esmola Em cada beco e viela, em cada criança longe da escola Tem um pouco de navio negreiro na viola, no pandeiro O navio hoje é barca sem vela, só sirene Navegando na estrada, hoje volante, ontem lemes O porão é chiqueiro de camburão Os chicotes e açoites trocados por cacetete e oitão Senzala virou presídio, Quilombo é favela Heróis: Malcolm X, Luther King, Zumbi e Mandela Escravidão ainda existe em cada olhar triste nas esquinas Nos becos e vielas, nos sonhos em ruínas No esgoto a céu aberto, na criança desnutrida Nas mãos que pedem esmola nas ruas e avenidas Herdeiros da miséria dos escravos trazidos em navios Soldados do breu em busca do brio Filhos da pátria amada, idolatrada mãe gentil Onde tu estavas que tamanha atrocidade não viu. Disponível em: (...) 1 http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/920062-livroadapta-o-navio-negreiro-de-castro-alves-para-hip-hop.shtml PERERA, Edmilson A.. Malungos na escola: questões sobre culturas afrodescendentes e educação. São Paulo: Paulinas, 2007. P. 285-286 3 Texto1: Literatura e Afro-descendência: Eduardo de Assis Duarte (UFMG) 2 Não existe, na aparência, diferença essencial nos trabalhos dos brasileiros brancos e de cor. Mas justamente não passa de aparência, que dissimula no fundo contrastes reais. ROGER BASTIDE A conformação teórica da literatura “negra”, “afro-brasileira” ou “afrodescendente” passa, necessariamente, pelo abalo da noção de uma identidade nacional una e coesa. E, também, pela descrença na infalibilidade dos critérios de consagração crítica, presentes nos manuais que nos guiam pela história das letras aqui produzidas. Da mesma forma como constatamos não viver no país da harmonia e da cordialidade, construídas sob o manto da pátria amada mãe gentil, percebemos, ao percorrer os caminhos de nossa historiografia literária, a existência de vazios e omissões que apontam para a recusa de muitas vozes, hoje esquecidas ou desqualificadas, quase todas oriundas das margens do tecido social. Desde o período colonial, o trabalho dos afro-brasileiros se faz presente em praticamente todos os campos da atividade artística, mas nem sempre obtendo o reconhecimento devido. No caso da literatura, essa produção sofre, ao longo do tempo, impedimentos vários à sua divulgação, a começar pela própria materialização em livro. Quando não ficou inédita ou se perdeu nas prateleiras dos arquivos, circulou muitas vezes de forma restrita, em pequenas edições ou suportes alternativos. Em outros casos, existe o apagamento deliberado dos vínculos autorais e, mesmo, textuais, com a etnicidade africana ou com os modos e condições de existência dos afro-brasileiros, em função do processo de miscigenação branqueadora que perpassa a trajetória desta população. Além disso, argumenta-se enfaticamente que critérios étnicos ou identitários não devem se sobrepor ao critério da nacionalidade: “nossa literatura é uma só” e, afinal, “somos todos brasileiros”... E mais: seríamos todos “um pouco” afrodescendentes... Muitos de nós teríamos, sim, “um pé na cozinha”, para lembrar a frase do presidente Fernando Henrique Cardoso. Daí, não haver sentido em demarcar especificidades de raça, etnia ou mesmo gênero, seguindo quase sempre “modismos importados” com o objetivo de fraturar o corpo de nossa tradição literária e da herança outorgada pelos mestres do passado e do presente. O resultado de tais condicionamentos se traduz na quase completa ausência de uma história ou mesmo de um corpus estabelecido e consolidado para a literatura afrobrasileira, tanto no passado quanto no presente, em virtude do número ainda insuficiente de estudos e pesquisas a respeito, apesar do crescente esforço nesta direção. A inexistência de uma recepção crítica volumosa e atualizada, bem como de debates regulares nos fóruns específicos da área de Letras, decorre desses fatores e também da ausência da disciplina “Literatura Afro-brasileira” nos currículos de graduação e pósgraduação da maioria dos cursos de Letras instalados no Brasil. Como consequência, mantém-se intacta a cortina de silêncio que leva ao desconhecimento público e vitima a maior parte dos escritores em questão. E, como recorda Maria Nazareth Fonseca (2000), mesmo publicações que procuram tornar mais conhecida a produção literária dos afro-brasileiros, como, por 2 In DUARTE, Eduardo de Assis, Literatura, política, identidades. (Belo Horizonte: FALE-UFMG 2005, p. 113-131). Acesso em: http://www.castingblack.com.br/?secao=34808&categoria=34824&id_noticia=183638 e http://www.letras.ufmg.br/literafro/ Portal Literafro: Literatura afro-brasileira UFMG. 4 exemplo, os Cadernos Negros, de São Paulo, que já possuem uma tradição e têm uma periodicidade comprovada, ficam fora do mercado editorial. Além disso, antologias, folhetos e jornais ligados ao Movimento Negro realizam um louvável esforço de divulgação, mas possuem uma circulação restrita, ao mesmo tempo em que se voltam preferencialmente para autoras e autores contemporâneos. Com isto, permanece intacto o processo de obliteração que deixa no limbo de nossa história literária a prosa e a poesia de inúmeros autores afro-brasileiros do passado. Apesar desse conjunto de fatores desfavoráveis, há de se ressaltar que a historiografia literária brasileira vem passando, nas últimas décadas, por um vigoroso processo de revisão não apenas do corpus que constitui seu objeto de trabalho, como dos próprios métodos, processos e pressupostos teórico-críticos empregados na construção do edifício das letras nacionais. Tal revisão não ocorre, obviamente, de forma espontânea, mas motivada pela emergência de novos sujeitos sociais, que reivindicam a incorporação de territórios discursivos antes relegados ao silêncio ou, quando muito, às bordas do cânone cultural hegemônico. No decorrer dos anos de 1980, a postura revisionista ensaia seus primeiros passos na academia pelas mãos do feminismo, bem como a partir das demandas oriundas do movimento negro e da fundação no Brasil de grupos como o Quilombhoje. Nesse contexto, destacam-se os trabalhos de Moema Parente Augel, Zilá Bernd, Domício Proença Filho, Oliveira Silveira, Oswaldo de Camargo, Luiza Lobo, Edmilson de Almeida Pereira, Leda Martins e de membros do movimento negro, que, ao lado de brasilianistas contemporâneos, como David Brookshaw, dedicam-se ao resgate da escrita dos afrodescendentes. Destaque-se ainda a precedência de trabalhos como os de Sílvio Romero, Arthur Ramos, Gilberto Freyre, Henrique L. Alves ou Edison Carneiro. A eles se juntam Roger Bastide, Raymond Sayers e Gregory Rabassa, que, embora partindo de perspectivas e métodos distintos, debruçaram-se, ao longo do século XX, sobre esta produção. E, já naquele instante, aflorava o caráter polêmico inerente à colocação de mais um qualificativo às nossas letras: além de brasileira, essa literatura começava a postular-se ou ser designada como negra ou afro-brasileira. Desnecessário repetir que tal postura, ainda hoje, é motivo de resistências em diversos setores do campo intelectual. Domício Proença Filho (1988, p. 77-80) alerta para o “risco terminológico” implícito ao uso da expressão literatura negra, qual seja o de “fazer o jogo do preconceito” ao atribuir a esses escritos um lugar “sutilmente distinto, sob a capa de aparente valorização”. Reação semelhante perpassou também o território da chamada “escrita feminina”, conceito que ainda hoje suscita questionamentos, mesmo entre a crítica feminista e os movimentos de mulheres. A essa altura, pode-se adiantar que tal controvérsia decorre da tensão entre a pretendida igualdade de espaços ou oportunidades e o necessário respeito à diferença. Até mesmo o slogan “viva a diferença, com direitos iguais”, lançado a certa altura pelas feministas, aponta em seu viés algo utópico, para essa tensão, que marca o desenvolvimento das “políticas de identidade” (HALL, 1999). Ao reivindicar o respeito à diferença, tais políticas se expõem ao risco de alimentar a discriminação, conforme também postula em suas conclusões Antônio Flávio Pierucci (1999), a partir de pesquisa realizada entre o eleitorado conservador na cidade de São Paulo. No campo das artes - e da literatura em especial-, é corriqueiro o argumento pelo qual estas não têm sexo, nem cor. O conservadorismo estético propugna a existência de uma arte sem adjetivos, portadora de uma essência do belo concebida universalmente. Sob esse prisma, vigoram os preceitos da arte pura, elevada e jamais contaminada pelas contingências ou pulsões da história. Uma arte, cuja finalidade é não ter um fim para além de si mesma, como bem a define o idealismo kantiano. Todavia, no alvorecer do novo milênio, é o caso de se indagar a quem serve esse essencialismo. Não estará ele comprometido com o absolutismo de um pensamento que por séculos impôs outras 5 essências tidas também como sublimes e absolutas, com a finalidade básica de perpetuar hierarquias e naturalizar a exclusão? A nosso ver, a ideologia do purismo estético, ela sim, faz o jogo do preconceito, à medida que transforma em tabu as representações vinculadas às especificidades de gênero ou etnia e as exclui sumariamente da “verdadeira arte”, porque “maculadas” pela contingência histórica. Este purismo é, no fundo, um discurso repressor, que cala a voz dissonante desqualificando-a como objeto artístico. É o caso de se indagar qual valor concede sustentação a valores estéticos enrijecidos por séculos de colonização ocidental. E não será difícil vislumbrar nesse quadro o mesmo eurocentrismo que um dia levou Hegel a deixar a África fora do Espírito e da História Universal. Do outro lado do espectro crítico, ao contrário, vigora o olhar descentrado, que se fundamenta não apenas na pluralidade e na relatividade dos valores estéticos, aliás, como já defendiam as vanguardas históricas do início do século XX, mas vislumbra o cultural e o político também como valores da arte. Nesta perspectiva, a distinção de uma determinada literatura como integrante do segmento afro-descendente ganha pertinência ao apontar para um território cultural tradicionalmente posto à margem do reconhecimento crítico, e ao denunciar o caráter eurocêntrico de muitos dos valores adotados pela academia. Ao postular a adjetivação dos operadores oriundos da Teoria Estética, a crítica fundada no respeito à diversidade cultural indica explicitamente o locus delimitado e específico a partir do qual foram gerados e, mais tarde, impostos, conceitos pretensamente universais – qual seja o lugar da cultura branca, masculina, ocidental e cristã, da qual provêm os fundamentos que ainda hoje sustentam o cânone e, mesmo, concepções estreitas de literatura, arte e civilização. A afrodescendência, uma questão: No caso específico de nossa produção letrada, outras barreiras nada desprezíveis colocam-se frente à tarefa de tornar mais visível o corpus literário da afro-brasilidade. Tais empecilhos vão desde a estigmatização dos elementos oriundos da memória cultural africana e o apagamento deliberado da história dos escravizados e seus descendentes até ao modo explicitamente construído e não essencialista com que se apresentam as identidades culturais. Ao lado disso, acrescente-se nossa constituição híbrida de povo miscigenado, em que linhas e fronteiras de cor perdem muitas vezes qualquer eficácia. As relações interraciais e interétnicas constituem fenômeno concernente à própria formação do Brasil como país. Ao longo de nossa história, o fenômeno da mistura de raças e culturas recebeu distintos tratamentos, indo da idealização romântica de uma terra sem conflitos ao mito da democracia racial, por um lado; e da condenação racialista típica do século XIX ao fundamentalismo de muitos segmentos contemporâneos, que rejeitam a mestiçagem e defendem a existência de uma possível essência racial negra, por outro. Condenada por Nina Rodrigues, Paulo Prado e demais vozes atreladas ao pensamento positivista e darwinista, entre outros, ao mesmo tempo em que celebrada por Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro e tantos mais, a mestiçagem é, no entanto, um dado inexorável de nossa constituição como povo. Somos um país marcado pela hibridez e este é um fato absolutamente explícito em nosso cotidiano e óbvio em sua magnitude até mesmo biológica, comprovada recentemente por meio da pesquisa do DNA do brasileiro levada a cabo por cientistas do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. 3 Todavia, a concepção de um paraíso híbrido localizado ao sul do Equador dissimula em grande medida o rebaixamento dos afro-descendentes. Como sabemos, a discriminação pela cor da pele e pela presença de traços fenotípicos africanos dá-se de 3 A investigação realizada por um grupo de pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG chegou à conclusão de que 6 entre cada 10 brasileiros tidos como brancos possuem ascendência feminina africana ou indígena. Cf. PENA et al., 2000. Tais sujeitos edificam para si a imagem de brancos e se tornam eles próprios agentes do preconceito. Refiro-me às entrevistas de Marilene Felinto e Suely Carneiro à revista Caros Amigos. p. 1993. Posição semelhante pode-se depreender das colocações de Zilá Bernd (1987). Essa opção implica a recusa a qualquer pertencimento. constata-se a reedição. 2000) A fala explicitamente política articula etnicidade. (FELINTO. fruto da mistura harmoniosa das raças que se juntaram para a formação do nosso povo (SCHWARCZ. 2000). no âmbito da diáspora negra no Brasil. dependendo da situação. especialmente se isto significar pertencer a um segmento majoritariamente discriminado. não choramingo pelo Nordeste. dados num intervalo de poucos meses. Sem obliterar a questão da cor. Indagada a respeito de seu posicionamento no campo identitário. apela à re-construção da memória ancestral para com ela alimentar o orgulho étnico e o próprio estatuto identitário afro-brasileiro.6 forma mais ou menos sutil. Marilene Felinto explicita o leque de identificações em trânsito (HALL. Como configuração discursiva. recorro ao depoimento de duas intelectuais contemporâneas afro-descendentes. com uma africanidade em parte resgatada e em parte construída a posteriori. Nesta perspectiva. que configura a literatura negra. Por outro lado. A celebração de vínculos. como aquela produzida por um sujeito de enunciação que se afirma e se quer negro. muito pelo contrário. até as subseqüentes. A doxa da democracia racial constrói para o Brasil a imagem de um país mestiço – nem preto. A título de ilustração. produto da ideologia da democracia racial. 1999) como alternativa que refuta o enraizamento e a afrodescendência. me acho tão misturada. que a recusa explícita à militância deixa claro o nexo entre ser e agir. nem branca. entre vinculação identitária e compromisso existencial e político. não sou nada. nem negra. (CARNEIRO. dirigente do GELEDÉS – Instituto da Mulher Negra –. comprometida com . 1998). de uma postura que possui datação histórica e que termina por deflagrar a aceitação tácita das normas raciais impostas socialmente. a assunção da afro-descendência funcionaria como um antídoto ao processo de alienação que afeta indivíduos de “pele negra e máscaras brancas” (FANON. indagada a respeito do conceito. A expressão resgata a negritude de todo esse contingente de pessoas que buscam se afastar de sua identidade negra. não me acho nada. muito antes pelo contrário –. E se a mestiçagem transforma-se em marca da identidade nacional. Já Sueli Carneiro. essa construção traz implícita consigo a acomodação diluidora que orienta em grande medida a leitura das relações interétnicas no Brasil. inicialmente. escolhidas como origem no âmbito de uma ancestralidade eleita como opção (cf. cultura e condição social. desde a primeira miscigenação que foi o estupro colonial. inclusive afetivos. assim se posicionou: A expressão afro-descendente resgata toda essa descendência negra que se dilui nas miscigenações. FERREIRA. mas a partir de um processo de identificação a determinadas marcas culturais. ou seja. nada exatamente. Não levanto bandeira. confere à produção cultural. somos as idéias que defendemos. em seu discurso. sem que haja um enfrentamento dos conflitos que esculpem a face invisível do mito que nos quer explicar (FONSECA. As duas citações deixam patente que a atitude assumida pelo sujeito dessa construção não se dá de forma natural ou automática. a um mesmo periódico cultural. afirmou a autora de As mulheres de Tejucopapo: Até porque nem me acho muito nordestina mais. nem branco. Nem nordestina. 1983). não militaria. somos aquilo que dizemos ser. tal como ocorreu com inúmeros outros afro-brasileiros ilustres do passado. 2001) É preciso destacar. 2000). não milito no movimento negro. mas que têm o negro profundamente inscrito no corpo e na cultura. os irmãos Pedro e Paulo. em todas as edições. O texto fala por si e dispensa maiores interpretações. Já em Macunaíma. Apesar das concessões ao discurso racial hegemônico. Ao questionar o mito da conciliação dos contrários. Na seqüência. protegido muitas vezes pelo pseudônimo e a escrever para um público mais amplo. em especial. p. porém pretume foi-se e antes fanhoso que sem nariz” (ANDRADE. Um exemplo instigante talvez seja Mário de Andrade. mas esta já estava “muito suja da negrura do herói”. promovido pela ideologia da democracia racial. universo em que se localizava seu público leitor. Magalhães Júnior (1957) afirma ter sido o autor acionista da Gazeta de Notícias. tanto socialmente. mulato que. Mais: tais escritos valem-se muitas vezes dos recursos da narrativa de ficção para fazer a sátira . 222-223). ou o Conselheiro Ayres. marcado pela ironia e por sofisticados deslizamentos de sentido. mano Jiguê. Machado aborda quase que exclusivamente as elites. Outro caso polêmico é o de Machado de Assis. Um personagem como Brás Cubas. verá que nenhum deles escapa à lâmina ferina do escritor. Mas. Por outro.. o branqueamento. inclusive abolicionistas como Aluísio Azevedo – em nenhum momento constrói o elogio dos senhores. como na famosa cena do branqueamento do herói. ao contrário. e passa a dirigir a sensibilidade e o olhar do sujeito mestiço. tem nos legado escritores que produzem uma literatura esquecida da questão racial e das desigualdades dela decorrentes. ainda. ressalta a todo instante a crítica e o rebaixamento da classe senhorial presentes no romance. Por um lado. o Machado de Assis homem de imprensa. E se verificarmos Bentinho. A leitura das crônicas machadianas revela o cidadão empenhado em denunciar a crueldade do sistema e a hipocrisia de escravocratas recém-convertidos ao abolicionismo. Vinculado à mestiçagem e aos estigmas provindos da escravidão. O narrador afirma que Macunaíma “teve dó” e assim “consolou” o irmão: “-olhe. o irmão se joga sofregamente na mesma água. 34). Em sua ficção. por exemplo. a explicitação de um proselitismo abolicionista (ou de qualquer outra natureza) estaria em contradição direta com o projeto literário machadiano. a questão se agrava. a afro-descendência assume a forma de retorno do recalcado. buscou a ocultação da origem. Palha./ Nós não somos iguais” (1976. A questão é controversa e possui várias facetas. Nesses momentos. e o personagem “só conseguiu ficar da cor do bronze novo”. bem como de ter-se omitido em relação à luta pela emancipação dos negros. como negação da afro-descendência. matérias contra a escravidão. seria correto afirmar que a condição afro-descendente está ausente de seus escritos? Por certo que não. um dos jornais mais lidos na década de 1880 e que continha. além de não abrigar estereótipos racistas quanto à representação dos afro-brasileiros – prática. além de belas páginas sobre a arte da “mulataria” no século XVIII. tal produção coloca-se no extremo oposto do movimento histórico de diluição miscigenadora aludido por Suely Carneiro. o escritor teria ascendido ao panteão da glória acadêmica no mesmo ritmo em que se afastava de sua etnicidade de origem. quanto em alguns de seus escritos. um caráter de resistência política ao rebaixamento social do qual é vítima esta população. Mas deixa visível o quanto a idéia de branqueamento implica em denegação do ser e do existir negro num país de racismo camuflado como o Brasil.. p. sobre Aleijadinho. mulato cujos avós paternos conheceram a senzala. Há passagens em que o discurso de rebaixamento do negro fala pela voz do narrador. aliás./ que se dissolve em mim”.. em especial. o do trabalho escravo. o eu lírico exalta inicialmente “a escureza suave/ que vem de você. Mário de Andrade deixou considerável acervo de estudos e pesquisas sobre a oralidade de origem africana presente em nossa cultura popular.7 esse processo. acusado por muitos de extirpar de suas narrativas o mundo do trabalho. Em “Poemas da Negra” (1929). como tantos outros. De origem humilde. 1978. texto que aparentemente celebra a mestiçagem. corriqueira em muitos escritores de seu tempo. E há. em que a água mágica “lava” o “pretume” da pele. para em seguida declarar “ôh meu amor. branco você ficou não.. de 1943. com o sangue. dos desajeitados componentes da tropa: “os oficiais pareciam-me de um país e as praças de outro. Silva Rabelo (1826-1864). tem-se a dimensão da diversidade (e das contradições) que marcam a presença afro em nossa literatura. na qual o narrador. interpretando-as como metáfora da sociedade e destacando o papel de Lima Barreto na desmistificação da mestiçagem como ascensão social etnicidade. 8) Ao estudar o período romântico. para além dos condicionantes fenotípicos. numa demonstração inequívoca de que defendia uma libertação pacífica e sem maiores traumas para o país. subalternizada e reprimida socialmente. 68)4 A partir destas amostras. assumida ou apenas admitida (às vezes de modo envergonhado). quanto aquela outra. destaca Teixeira e Souza (1812-1861). interpretando-as como metáfora da sociedade e destacando o papel de Lima Barreto na desmistificação da mestiçagem como ascensão social. Talvez não seja impunemente que se tenha passado pela senzala e dela se tenha saído pelo esforço mais que heróico ou pela bondade do senhor branco. pode-se destacar. reminiscências de magias e de danças. A pesquisa não pode se reduzir a simplesmente verificar a cor da pele do escritor. ele próprio um mestiço. a denúncia do preconceito e do processo de hierarquização inerente ao branqueamento encontra acolhida explícita na ficção de Lima Barreto. como o próprio título anuncia. destacando a subalternidade que equaliza negros e mulatos nos escalões inferiores das Forças Armadas. Como exemplo. Em seu livro A poesia afro-brasileira. longínqua do tam-tam ou do ritmo surdo da marcha das tropas. O autor repudia o “novo” estatuto dos remanescentes de escravos e demonstra uma compreensão correta do processo histórico ao articular etnicidade e condição socioeconômica: “negro ou mulato. Roger Bastide revisita nossa tradição letrada partindo de uma perspectiva étnica. a música. Ela surge como 3 Cruz (2001) analisa esta cena. como queiram”. Na Introdução do volume. recalcada ou mesmo explicitamente repudiada. em seus textos. A constituição da literatura afro-brasileira: historicidade. entre tantas. mas também as contingências históricas inerentes à presença dos africanos e seus descendentes no Brasil: Talvez não seja impunemente que se traz correndo nas veias sangue da África e. Era como se fosse um batalhão de cipaios ou de atiradores senegaleses” (BARRETO. (BASTIDE. Pobre e suburbano. p.8 dos senhores. clama à filantropia dos brancos em prol do fundo de emancipação. via a ascensão social bloqueada não apenas pela linha de cor mas também pela exploração econômica. p. invocando como pressuposto não apenas a diferença cultural. Assim. isto é. a cena do desfile militar em Recordações do escrivão Isaías Caminha. chama a atenção para a especificidade desta poesia. costumava dizer de si mesmo como forma de recusar o branqueamento. . fora da órbita da natureza e como assunção de um determinado pertencimento identitário. pedaços de florestas ou de descampados. 1943. gris-gris e amuletos de madeira. em contraste com as figuras trôpegas. observa a arrogância dos oficiais. cabe ao estudo deste conjunto heterogêneo de autores verificar tanto a afro-descendência celebrada. 1993. entre negras e mulatas. mas deve investigar. Tobias Barreto (1839-1889) e Gonçalves Dias (1823-1864) como 4 Cruz (2001) analisa esta cena. para subir um pouco na escala social. gênero. À época do apogeu de Machado. Noutros momentos. destacando a subalternidade que equaliza negros e mulatos nos escalões inferiores das Forças Armadas. identidade. as marcas discursivas que indicam (ou não) o estabelecimento de elos com esse contingente de história e cultura. para destacar as obras dos negros e mestiços. brasileiro residente em Portugal. e. p. Oswaldo de Camargo. 1992) e Domício Proença Filho (1988 p. leva à exclusão do escravo e à impossibilidade de “um lirismo puramente africano” (1943. 80). para a crítica feroz ao branqueamento e aos valores sociais impostos aos remanescentes de escravos. O crítico conclui o tópico declarando o que o romantismo “retardou a eclosão da poesia afro-brasileira” (1943. concebidos originalmente como teses de doutorado para universidades norteamericanas. Caracterizando esta literatura como “um modo negro de ver e sentir o mundo. p. também em Gonçalves Crespo. os da tradição popular. A exceção ficaria por conta de Luiz Gama (1830-1882). Já a pesquisa de Gregory Rabassa (1965). Bastide acusa o branqueamento que. em Gonçalves Dias. filho da célebre Luiza Mahin com um fidalgo baiano de origem portuguesa. além de “iniciador do movimento editorial” e .1837) e José da Natividade Saldanha (1795-1830) como mestiços que não assumiram literariamente a afro-descendência. seja no nível da escolha lexical. mas. indica outros precursores. 67). leva ao “embranquecimento da desgraça afro-brasileira” (1943. à união das raças em favor da pátria. E faz o mesmo ao destacar Luiz Gama como fundador da verdadeira poesia afro-brasileira. 94). ocupa-se tanto da representação quanto da autoria. Idêntica postura assume Zilá Bernd (1988. indo até meados do século XX. 86). David Brookshaw (1983). Ambos os trabalhos. posteriormente. Sayers enfoca a narrativa pré-abolicionista. voltada para a crítica da imitação dos brancos e para a valorização dos traços culturais e fenotípicos oriundos do continente negro. marcada basicamente pelo recalque da condição afro-brasileira. figurariam como nomes fundantes Machado de Assis (1839-1908). 77-109). p. Em seu livro O negro escrito. p. em Teixeira e Souza. por sua vez. Embora destacando a primazia da perspectiva autoral. ocupam-se do negro mais como figura representada do que como sujeito de enunciação. Seu estudo estabelece três categorias de escritores: os da tradição erudita. além dos nomes já citados. 13) destaca as Primeiras trovas burlescas de Luiz Gama. Quanto ao segundo grupo. Segundo Proença Filho. como “um verdadeiro divisor de águas na Literatura Brasileira. publicado em 1859. na seqüência do estudo de Raymond Sayers (1958).9 autores mestiços. p. segundo ele. “fracassado” na busca de uma especificidade poética africana. Mas valoriza a sátira do autor. a qual será trilhada até hoje pela poesia negra do Brasil” (1992. e vendido como escravo pelo próprio pai. calcada no ponto de vista dos submetidos. na medida em que funda uma linha de indagação sobre a identidade. 40). 46). seja no nível dos símbolos utilizados. e aqueles vinculados à tradição do protesto e da sátira. leva ao tema africano. 17). p. pelo desejo de resgatar uma memória negra esquecida”. Brookshaw retoma Bastide e Romero para colocar Domingos Caldas Barbosa como iniciador de uma tradição que mescla poesia e música popular. em diferentes níveis. deixa em segundo plano a questão da autoria. em Tobias Barreto. Bastide menospreza o lirismo do “Orfeu de Carapinha”. voltada não apenas para a celebração da cor e dos elementos culturais oriundos de África. indica Evaristo da Veiga (1799. por ter. de 1987. apesar do protesto contra a escravidão. Tobias Barreto (1839-1889) e Cruz e Souza (1861-1898). em Silva Rabelo. a assunção dos valores europeus conduz à construção de uma descendência idealizada e até “nostálgica da cor branca” (1943. Zilá Bernd (1992. pela imitação dos padrões europeus. transmitido por um discurso caracterizado. porém marcados. p. fundada no humor e na assunção da africanidade. Gama foi o primeiro poeta “a falar em versos do amor por uma negra” (1988. No primeiro caso. mas sob o peso de uma “sensibilidade ariana” (1943. Mais adiante. Ambos enfatizam Luiz Gama como “discurso fundador” e “pioneiro da atitude compromissada” com os valores da negritude. Após referendar Domingos Caldas Barbosa como “o primeiro poeta mulato do Brasil”. enquanto Rabassa enfatiza a produção posterior a 1888. sobretudo. distingue Francisco de Paula Brito (1809-1861) como “um dos precursores do conto no Brasil”. p. Quanto ao manuscrito destruído. até o momento. . avulta a africana Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz. uma vez operada tal articulação. Curiosa coincidência: neste mesmo ano. o autor refere-se ainda a outros escritos e à existência de quarenta cartas.” (MOTT. Luz Brilhante das Almas Peregrinas. afirma ter sido finalizado em 1752. Além de ter sofrido a condição escrava. A escritora. a conhecer os segredos da leitura. foi colocada no ganho e prostituída na região das Minas Gerais. a partir mesmo de uma compreensão da diferença cultural que os particulariza frente aos padrões hegemônicos. marcado por uma especificidade de gênero – . aos 6 anos de idade. e dos condicionantes históricos que relegaram ambos os segmentos à submissão. colocado por todos como o Pai desta tradição. fato que emoldura a quase total ausência de escritoras em nossa historiografia literária. Como se pode notar. lograram atingir a expressão letrada e até publicar. Assim. Além disso. p. Todavia. que confere a ela uma tonalidade especificamente patriarcal. Mesmo concordando com a inclusão dos autores acima indicados. A pouca divulgação também impediu que a maranhense Maria Firmina dos Reis (1825-1917) viesse a constar dos manuais clássicos de nossa historiografia literária. Mais tarde. com Luiz Gama. Com efeito. Gama assumiu seus vínculos étnicos e culturais e vislumbrou sempre na literatura o gesto político necessário à intervenção no status quo. abre-se a possibilidade de um suplemento à configuração teórica e histórica da literatura afro-brasileira. nos séculos XVIII e XIX. lastimavelmente queimado às vésperas de sua detenção [pela Inquisição]. que chega ao Rio de Janeiro em 1725. mas do qual restaram algumas folhas originais.10 “precursor. muda de vida. Luiz Mott (1993). “foi não apenas a primeira africana no Brasil. há um consenso entre os críticos citados. No entanto. encontradas na Torre do Tombo nos dois volumes do processo aberto pelo Santo Ofício. 1993. pois chegou a reunir centenas de páginas manuscritas de um edificante livro: Sagrada Teologia do Amor de Deus. como também provavelmente a primeira escritora negra de toda a história. Este percurso passa pelos poetas do século XVIII. no que toca aos momentos fundantes da literatura afro-brasileira. A inclusão de ambas as autoras na Literatura Brasileira é polêmica. 8) Na longa biografia. E esta operação suplementar aponta justamente para a inclusão das mulheres que. a brasileira Teresa Margarida da Silva e Orta. publicava com sucesso. entronizado por Afrânio Coutinho como o “patriarca do romance brasileiro”. nos períodos anteriores ao século XX. sobretudo em seus começos. chega aos primeiros românticos e deságua na poesia de Luiz Gama. suas Máximas de virtude e formosura ou Aventuras de Diófanes. é impossível não reconhecer o caráter gendrado – isto é. Nesse novo contexto. da imprensa negra” (1987 p. a “alta consciência da raça” só viria mais tarde. nem ter. Segundo seu biógrafo. num fato inédito naquela época para uma mulher humilde. chegando a ser açoitada no Pelourinho de Mariana. No caso de Teresa Margarida. pelos motivos exaustivamente debatidos. em Lisboa. os estudos aqui resenhados corroboram o sentido geral de nossa história literária. também. o momento presente propicia “e exige” a articulação da etnicidade com o gênero. 41-42). mesmo que em níveis distintos. é considerada portadora de poderes paranormais. desta trajetória. onde passa a acolher ex-prostitutas. de que temos notícia. conforme se tornou conhecido a partir da segunda edição. vencendo as barreiras impostas às “pessoas de cor” e ainda aquelas derivadas do pertencimento ao “sexo frágil”. plenas de poeticidade barroca. A título de exemplo. mulata e bastarda. invoque-se José de Alencar. outra desterrada. volta ao Rio de Janeiro e funda o Recolhimento de Nossa Senhora do Parto. qual seja o de uma história basicamente masculina. Já sobre Rosa Egipcíaca pesa o fato de não ser brasileira. seus escritos publicados e divulgados. construindo um instigante suplemento a esta história. o que induz a pensar na existência não apenas de um Pai mas também de uma Mãe. Salvador: Livraria Fator. de como se deu a prisão pelos caçadores de escravos e de como sobreviveu à terrível viagem nos porões do navio.47. pela memória. ainda distantes de qualquer conclusão. Caros amigos. ______. Suely. e o conto “A escrava”. 2000. aos poucos. se a Literatura Afro-brasileira tinha. Pele negra. vai trazendo para o leitor uma África outra. Introdução à literatura negra. FERREIRA. inclusive com o romance-folhetim Gupeva. entre sua gente. Belo Horizonte. Entrevista. 2000. alforriado pelo Cavaleiro. UFMG. Afro-descendente: identidade em construção. CARNEIRO. Adélcio de Souza. um país de liberdade”.. Uma guerreira contra o racismo. São Paulo: Perspectiva. Oswaldo de. Marilene. páginas 24 a 29. Tais anotações. Lima Barreto: a identidade étnica como dilema. BERND. São Paulo.. São Paulo. . 2001. Poesia negra brasileira. FELINTO. (Org. em 1859. o sentido da verdadeira liberdade. fev. p. REFERÊNCIAS BARRETO. 1992 BROOKSHAW. a contribuição de pesquisadores empenhados no resgate de vozes esquecidas da nossa literatura vai.11 conseguiu. São Paulo: Martins Fontes. cuja inserção vai dar o tom de inovação e ousadia de Úrsula frente às demais narrativas abolicionistas: Mãe Susana vai contar como era sua vida na África. Porto Alegre: AGE/IEL. passa a ter dois. Maria Firmina dos Reis trazia a pública Úrsula. 1988. CAMARGO. CRUZ. tendo ainda colaborado em diversos jornais. tendo exercido o magistério ao longo de boa parte dos seus noventa e dois anos de vida. Pequena notável. que desconstrói a narrativa eminentemente masculina até então em vigor. em 1859. 264). São Paulo: Secretaria de Estado da CulturaImprensa Oficial. 1993. ano III. Entrevista. após a redescoberta de Úrsula. É mãe Susana quem vai explicar a Túlio.35. Estudos afro-brasileiros. ______. ano IV. fev. Zilá. ser aprovada em concurso público para a cadeira de Instrução Primária. 1983. n. páginas 30 a 36.. máscaras brancas. que essa não seria nunca a de um alforriado num país racista. de 1861. sendo este o “primeiro romance abolicionista e um dos primeiros escritos por mulher brasileira”. 2001. E destaca a personagem Mãe Susana. BASTIDE. p. 1943. como de Luiza Lobo e Maria Lúcia de Barros Mott.2000. em 1887. O negro escrito. Porto Alegre: Mercado Aberto. Ricardo Franklin. no mesmo ano em que Luiz Gama publicava suas Primeiras trovas burlescas. Muzart apóia-se na biografia elaborada por José Nascimento Morais Filho e em outros estudos. De acordo com Zahidé Lupinacci Muzart (2000. FANON. São Paulo: EDUC/FAPESP. em 1847. Note-se que. Dissertação (Mestrado em Literatura) – Faculdade de Letras. Caros Amigos. 1983.). Recordações do escrivão Isaías Caminha. Lima. 266) Desta forma. A poesia afro-brasileira. No caso. Roger. um de seus marcos fundadores. 1983. ressaltam a necessidade de permanentemente se revisitar e desconstruir a narrativa de nossa história literária. n.. Porto Alegre: Mercado Aberto. um suplemento de gênero. Maria Firmina publica Úrsula. Raça e cor na literatura brasileira. Frantz. 1987. Deste modo. São Paulo: Moderna. David. para asseverar que “pela primeira vez o escravo negro tem voz e. (MUZART. Raymond. Maria Firmina dos Reis. jan. (Org. Rio de Janeiro: Francisco Alves.). RABASSA.. p. LOBO. Luiza.49. Gregory. p. Rio de Janeiro: DP&A. HALL. 1998. CARVALHO-SILVA..12 FONSECA. São Paulo. In: História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade.). Escritoras brasileiras do século XIX.letras. São Paulo: Companhia das Letras. MUZART. Z. Domício. n.16-25. 1999./dez. 1965. PIERUCCI. 1993. 1958. Ciência hoje. Stuart. A identidade cultural na Pós-modernidade. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. 1870-1930. ______. Belo Horizonte: Autêntica. In Crítica sem juízo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. São Paulo: Companhia das Letras. Nem preto nem branco. Zahidé Lupinacci. Lilia Moritz..ed. Auto-retrato de uma pioneira abolicionista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: O Cruzeiro. instituições e questão racial no Brasil.159. abr. Biblioteca Mario de Andrade. Vânia F.27. 2000. O negro na ficção brasileira. Sérgio D. v. PENA.2000. v. 1999. O negro na literatura brasileira. v.br/literafro *********************************** . Maria Nazareth Soares (Org. Fonte: WWW. Juliana.173-243. ALVES-SILVA. SCHWARCZ. 1993. n.14. SANTOS.L. 1993. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Denise R.ufmg.4. O espetáculo das raças: cientistas. SAYERS. In: MUZART. MOTT. 2. 2000. Antônio Flávio. O negro na literatura brasileira. Florianópolis/Santa Cruz do Sul: Editora Mulheres/EDUNISC. Ciladas da diferença. Boletim bibliográfico Biblioteca Mário de Andrade. Fabrício R. muito pelo contrário: cor e raça na intimidade. Retrato molecular do Brasil. Brasil afro-brasileiro. PRADO. J.1988. Luiz. PROENÇA FILHO. São Paulo: Editora 34/EDUSP.rev. ╚ Núcleos de oposição • Artes e Literatura não têm cor.ufmg. • Literatura afro-descendente: denuncia o caráter etnocêntrico de muitos valores da academia.br/literaturafro) brasileiras. • Constituição híbrida de povo miscigenado: tratamento diferente para a mistura de raças. etnia ou de gênero.letras. • Apagamento deliberado da história dos vencidos. ╚ Movimentos que instauram o quadro de uma literatura afro-brasileira: • Cadernos Negros e Movimento Negro Novos sujeitos sociais. Domício Proença Filho. • Conservadorismo: Arte sem adjetivos. Luísa Lobo etc. • Mestiçagem: acomodação diluidora que orienta em grande medida a leitura das relações interétnicas 5 Disponível em: (www. • O cultural e o político como valores da arte. Zilá Bernd. • Pesquisas que se destacam: Moema Parente Angel. • Etnocentrismo: Hegel exclui a África da Humanidade. • Critica do autor (Eduardo de Assis) O purismo é um discurso repressor. • Doxa da democracia racial: imagem de um país mestiço ─ nem preto. • Forma sutil da discriminação pela cor da pele e traços fenotípicos africanos. com etnicidade africana. Quilombhoje. • Condenação racialista do século XIX ao fundamentalismo que rejeita a mestiçagem e defende uma raça negra. pois. • Período colonial: trabalhos artísticos dos afro-descendentes. ╚ Desafios para a inclusão da vertente literatura afro-brasileira como ramificação da literatura brasileira: • Estigmatização do elemento oriundo da memória cultural africana. hibridez: serve para manipular o rebaixamento afro-descendente. • ╚ Argumentação que sustenta a categoria literatura afro-brasileira: • Pluralidade e relatividade dos valores artísticos. • Historiografia literária: vazios e omissões. Oswaldo Camargo. • Literatura afro-descendente: aponta um território tradicionalmente oposto à margem do reconhecimento. • Apagamento deliberado dos vínculos autorais e textuais. Eduardo de Assis Duarte5 ╚ Literatura afro-brasileira ou afro-descendente: abalo da noção de uma identidade una e coesa • Negação da imagem de um país de harmonia e cordialidade. muito antes pelo contrário. incorporação de territórios discursivos dos Anos 80: Feminismo. demarcar especificidade de raça. • Idealização romântica de uma terra sem conflitos: o mito da democracia racial. Oliveira Silveira. • Causa: processo de miscigenação branqueadora defendia (e ainda defende) que os critérios étnicos não devem se sobrepor ao critério da nacionalidade Não se deve. nem branco. . • Mestiçagem brasileira. Movimento Negro. que cala a voz dissidente desqualificando-a.13 Texto II: Fichamento do Texto 1: Literatura e afro-descendência. figuras trôpegas. Bentinho. para além dos condicionantes fenotípicos. ╚ Branqueamento: negação da afro-descendência Mário de Andrade ”Poesias da Negra”: “oh meu amor. • Ascensão bloqueada pela linha de cor e pela exploração econômica. cultura e condição social. negros e mulatos de tropa. ╚ Lima Barreto: • Articula a etnicidade e condição sócio-econômica: “NEGRO OU MULATO. em Macunaíma: branqueamento do herói ╫ Pesquisas com a oralidade africana e as investigações da “mulataria”. COMO QUEIRAM. reconstrução da memória ancestral.: Recordação do escrivão Isaías Caminha arrogância dos oficiais. Conselheiro Ayres. • Defesas para Machado de Assis: • Crítica e ironia aos senhores.” Forma de recusar o branqueamento. como determinado pertencimento identitário. do trabalho escravo. • Crônicas machadianas: denuncia a crueldade do sistema e a hipocrisia dos escravocratas recém. • Algo resiste nos afro-descendentes que sobrevive à assimilação e os faz escapar do etnocídio. Pedro e Paulo. Sueli Carneiro: expressão afro-descendente Resgate da negritude: aborda temas relacionados à política. alimenta o orgulho étnico e o estatuto identitário afro-brasileiro.14 • Diferenças entre os depoimentos de Marilene Felinto (As mulheres de Tejucoppo) e Sueli Carneiro. Ex. • Memória do sangue e da submissão. • Reconhece a memória cultural africana como também a memória do trauma e do aprisionamento e da escravidão. • Foi acionista da Gazeta de Notícias que publicava matérias sobre a escravidão. • Recursos da narrativa de ficção para satirizar os senhores. como Brás Cubas. ╚ Racismo camuflado no Brasil • Acusações contra Machado de Assis por não assumir as questões afro-descendentes: • Não trata do mundo do trabalho.convertido ao abolicionismo. ╚ Roger Bastide: a poesia afro-brasileira: • Perspectiva étnica. / Nós não somos iguais”. • Lembranças das narrativas e crenças do passado livre. articulando etnicidade. em especial. • Conjunto heterogêneo. Palha. • Diversidade e contradição. Ambiguidade: ora faz concessão ao discurso hegemônico. na Revista Caros Amigos. . • Omissão em relação à luta pela emancipação dos negros. • INVESTIGAR AS MARCAS DISCURSIVAS QUE INDICAM (OU NÃ0) O ESTABELECIMENTO DE ELOS COM ESSE CONTINGENTE DE HISTÓRIA E CULTURA. Marilene Felinto: Rejeita o enraizamento e o conceito ser afro-descendente. ora se contrapões a ele. • Literatura afro-brasileira: • Surge enquanto etnicidade. com o Aleijadinho. • Literatura: gesto político para intervir no status quo. no Rio de Janeiro: funda a Casa de Recolhimento N. ─ Poderes paranormais. ─ Tradição do protesto e da sátira: Luiz Gama memória e revolta ╫ branqueamento.15 ╚ Século XVIII: começos da poesia afro-brasileira. chega ao Rio de Janeiro. ─ Açoitada em Mariana. ─ Tradição erudita: recalque da condição afro-brasileira Machado de Assis. Tobias Barreto. • Pai da literatura afro-descendente. Obra: Viola de Lereno > Trovas voltadas para as camadas populares. • Discurso fundador e pioneiro da atitude compromissada com os valores da negritude: para Zilá Bernd e Domício Proença Filho. segundo a ótica de Sílvio Romero: • Domingos Caldas Barbosa: 1º poeta afro-brasileiro (1738-1800). critica a imitação dos brancos. optou pelo branqueamento. Valoriza a sátira.S. • Teixeira e Souza: exclusão do escravo. •”Um modo negro de ver e sentir o mundo” > discurso que resgata uma memória negra esquecida: escolha lexical e símbolos. • Conclusão: O Romantismo “retardou a eclosão da poesia afro-brasileira” EXCEÇÃO: Luiz Gama (1830-1882). Perspectiva autoral centrada nos submetidos. ─ Restam apenas algumas páginas do original. do Parto para acolher as ex-prostitutas. • Sofreu a escravidão. • O negro mais como figura representada do que como sujeito da enunciação. • Determina três categorias de escritores: ─ Tradição popular: humor e africanidade Domingos Caldas Barbosa poesia e música popular. com sensibilidade ariana. • Funda uma linha de indagação sobre a identidade: poesia negra do Brasil. ╚ Período romântico • Mestiços. ╚Pesquisa de Gregor Rabassa • Trabalho acadêmico. ─ 1725: com 6 anos. . ─ Primeira escritora negra: Sagrada teologia do amor de Deus. finalizado em 1752 e queimado às vésperas de sua prisão pela Inquisição. Luz brilhante das Almas Peregrinas. mas marcados pela imitação dos padrões europeus. • Silva Alvarenga (1730-1814): Apesar de ser filho de uma angolana. Valorização dos traços culturais. ─ Prostituição e ganho. ╚ Luiz Gama (1830-1882) • Filho de Luíza Mahin e vendido pelo próprio pai. Zilá Bernd. Cruz e Sousa. ╚ Literatura afro-brasileira feminina: século XVIII e XIX • Rosa Maria Egipciana da Vera Cruz. • Assumiu seus vínculos étnicos e culturais. • Gonçalves Dias: tema africano. • Silva Rabelo: embranquecimento. • Tobias Barreto: união das raças em favor da pátria. 7.16 • Maria Firmina dos Reis (1825-1917) ─ Maranhense. ─9 2 anos: ainda exercia o magistério.brasileira apresentada pelo autor. O que você compreende como “processo de miscigenação branqueadora”? 4. ─ Biografia por José Nascimento Morais e estudos de Luíza Lobo e Maria Lúcia de Barros Mott. porões do navio. Reflexões sobre o Texto1: Literatura e Afro-descendência. Quais são os argumentos contrários à posição do ensaísta? 3. ─ Úrsula: primeiro romance abolicionista.brasileira. Faça um resumo da trajetória da literatura afro. prisão pelos caçadores. Resuma com suas palavras as posições de Eduardo de Assis a respeito das obras de Machado de Assis e de Lima Barreto. No mesmo ano em que Luiz gama publicava sua poesia. ╚ Luiz Gama e Maria Firmina: pais da literatura afro. ─ Colaborou com jornais.brasileira? Comente. Determine as oposições entre o pensamento das autoras Marilene Felinto e Sueli Carneiro. Maria Firmina lançava Úrsula. Quais são os movimentos que instauram o quadro de uma literatura afro. Quais são os desafios para a inclusão da vertente literatura afro-brasileira como ramificação da literatura brasileira? 6. Eduardo de Assis Duarte (UFMG) 1. ─ Mulata e bastarda. ─ Primeira vez em que o negro tem memória e voz. 8. ─ 1847: aprovada em concurso público. ─ Personagem: Mãe Suzana: vida na África. . 5. trazendo a África como liberdade. Quais são os argumentos empregados pelo autor para defender o conceito de uma literatura afro-descendente? 2. a análise de algumas antologias literárias. mais que denunciar a discriminação e as agruras vividas pelos afro-descendentes. Nessa vertente. A literatura assume essas tradições como estratégias de reinvenção. em versão modificada. existem. 259). pode ser acessado no site das instituições. publicado pela Fundação Palmares e pelo Centro de Estudos Afro-orientais (CEAO). narrativos e híbridos. aos ritmos do corpo e aos pequenos gestos que configuram o dia-a-dia da gente simples. e com o fato de nelas serem trabalhadas. p. Uma vertente procura interferir na dinâmica social. advindas dos estratos de predominância oral. . mas não pretendem silenciar a profusão de vozes que os invade. ainda que não deixe de referir-se ao preconceito e à exclusão sofrida pelos afro-descendentes. empenha-se por reconstituir. elegem como tema de seus livros aspectos relacionados com as heranças africanas. no espaço da literatura. A antologia AXÉ. A discussão de aspectos da obra de escritores que. O livro. intenta-se que as vozes silenciadas e as expressões culturais do povo – e por isso mesmo da grande parcela da população afro-descendente – alcancem o espaço da letra. no âmbito da literatura afrobrasileira duas grandes vertentes que se afirmam em decorrência do modo como se ligam à temática negra ou afro-descendente. assumem a escrita. direta ou indiretamente. relaciona o texto com as idéias políticas de quem o produz. como material que fomenta uma produção textual – em gêneros poéticos. as vozes poéticas ou narrativas podem assumir diferentes tons e as transmutações próprias ao acolhimento que a escrita dá à palavra falada. Essa vertente também assume as tradições herdadas dos escravos e as traz para os textos procurando não apagar as pulsações características do universo em que continuam cultivadas ainda que alteradas pelo diálogo constante que realizam com outras expressões culturais. antologia contemporânea de 6 Este texto. na época atual. 2001. Nela está registrada a intenção do produtor do texto de assumir-se negro e de saber-se pertencente “a um grupo étnico cujos membros sobreviveram à exploração escravagista” (Pereira & White. Nesse sentido. construídas com o propósito de destacar a produção poética de escritores afro-descendentes brasileiros pode se mostrar como um caminho bastante eficaz para a investigação de textos literários que ainda circulam pouco nos meios acadêmicos e nos programas de literatura adotados pelas escolas.17 Texto III: Poesia afro-brasileira – vertentes e feições6 Maria Nazareth Soares Fonseca (PUC Minas) As expressões “literatura negra” e literatura “afro-brasileira” são empregadas para nomear alguns tipos de produções artístico-literárias que podem estar relacionadas tanto com a cor da pele de quem as produz. grosso modo. com maior intensidade. questões que dizem respeito à presença de tradições africanas disseminadas na cultura brasileira. Três antologias selecionadas. com a motivação dada por questões específicas de segmentos sociais de predominância negra e ou mestiça. Uma outra vertente. faz parte de capítulo do livro Literatura afro-brasileira. Pode-se dizer que. percebendo-as num jogo intenso com outras tradições informa sobre tensões presentes em textos que. publicadas em décadas diferentes do século XX servem ao intuito que aqui se privilegia. as motivações próprias dos ambientes habitados pelas misturas típicas da cultura popular. do texto literário enfim. Nesses textos. Essa vertente indica uma feição literária que. mostrando-se como enfrentamento ao preconceito contra os afrodescendentes e como denúncia à exclusão em que vive grande parte deles no Brasil. organizado por Florentina Souza e Maria Nazaré Lima em 2006. Constam dessa antologia poemas de escritores considerados representantes significativos de algumas partes do Brasil. Todavia em determinado momento. 15) A mesma visão da cor de pele como uma espécie de prisão está construída em versos do poema “Negro forro” (p. mas. como Drummond.a. mais conhecido por sua participação na luta dos negros americanos pelos seus direitos civis. Nos versos de Adão Ventura. Mirian Alves. José Alberto. Os versos de Adão Ventura expõem a visão do sujeito poético sobre a circulação de signos que. Arnaldo Xavier (também falecido em 2004). Paulo Colina e Ruth Souza.18 poesia negra brasileira foi organizada pelo poeta Paulo Colina e publicada. inspira-se em James Baldwin mas também em sentidos produzidos pelos poemas do poeta Adão Ventura que abrem a antologia. Oswaldo de Camargo. em 1982. o prefaciador não pode deixar de reconhecer que muitos dos poemas selecionados especificam questões próprias da luta desenvolvida pelos negros em defesa de seus direitos. No prefácio da antologia. por isso. como Nelson Cavaquinho – como poderiam fazer poesia negra se. Vê-se logo que o escritor Joel Rufino. afirmando que “esses negros falam pelos negros”.). escritor mineiro. O prefácio retoma as palavras de Baldwin quando afirmou que escrevia porque não tinha forças nos punhos para ser boxeur.a. A referência à força que as palavras podem assumir na luta contra o preconceito. (Cuti). p. no prefácio que faz para a antologia organizada por Paulo Colina. em São Paulo. . (“Para um negro”. no meu entender.). de alguma forma retoma os sentidos que estão na imagem usada por Rufino para dizer da força que a palavra assume na poesia dos escritores da antologia. Luiz Silva. José Alberto e Paulo Colina em que não aparece. 15) do mesmo poeta: 7 7 O negrito está no texto original (n. referência à cor da pele nem a elementos que poderiam indicar uma preocupação maior da poesia desses poetas com questões dos segmentos sociais em que há maior presença de negros e mestiços. Adão Ventura (falecido em 2004) representou o estado de Minas Gerais. percebe que muitos dos escritores da coletânea pretendem que seus poemas expressem a mesma força dos punhos de um lutador e que. num sistema de opressão. O poeta Oliveira Martins representa a poesia negra do Rio Grande do Sul e os poetas Éle Semog. Maria da Paixão. são marcadores da visão preconceituosa da sociedade: para um negro a cor da pele é uma sombra muitas vezes mais forte que um soco. Não é por acaso que. Geni Mariano Guimarães. José Carlos Limeira a do Rio de Janeiro. São Paulo tem na antologia a maior representação: Abelardo Rodrigues. o prefaciador os compara a James Baldwin. de forma incisiva. a Paraíba. poesia é arte da palavra?7 O prefaciador cita dois trechos de poemas escritos por Oswaldo de Camargo. mais conhecido pela crítica literária em decorrência de seus poemas em que expressa a dor de ser negro numa sociedade que o hostiliza. que. O negrito está no texto original (n. incentivem a queda dos obstáculos que se põem à sua frente. o escritor Joel Rufino questiona a classificação dos poetas selecionados como “poetas negros” ou de os textos produzidos por eles serem classificados como “literatura negra”. Diz Rufino: “Os autores aqui reunidos escrevem em brasileiro. a cor da pele é vista com um sentido oposto ao dado à força dos punhos do lutador. como Dalton Trevisan. . vista como um estigma. como "muros altos" e” currais": faça sol ou faça tempestade. E. meu corpo é fechado por esta pele negra. faça sol ou faça tempestade Meu corpo é cercado Por estes muros altos. sofridos e dolorosos. quando as águas Caírem medidas Cuida-te Em teu guarda-chuva de lanhos A enxurrada Pode ser um rio Negreiro. As correntes que aprisionaram o africano para fazer dele escravo expressam. . Em versos de outros poetas da antologia. as imagens de cerceamento e prisão dizem da visão de quem sofre as interdições propiciadas pela cor da pele. estão marcados pelo "ferro em brasa" da exclusão emblematizada pela cor da pele. a questão da exclusão do negro aparece também associada à escravidão. do Rio de Janeiro. (Às minhas custas. como dizem os versos de Adão Ventura. Nos versos do poeta mineiro. 50). p. Observe o que dizem os versos do poeta Éle Semog.19 minha carta de alforria costurou meus passos aos corredores da noite de minha pele. as muitas armadilhas que a sociedade brasileira prepara para cercear a liberdade daqueles que. podemos observar que a imagem de prisão também se constrói na relação com a cor da pele. (p. 39). em contraposição.currais onde ainda se coagula o sangue dos escravos. de forma metafórica. quando se alude às armadilhas que podem estar armadas quando menos se espera: Por isso. Essa mesma associação entre épocas diversas marcadas pela violência de costumes aparece no poema do paulista Abelardo Rodrigues. p. se prestarmos atenção aos versos do poema “Faça sol ou faça tempestade”. (“Refazendo”. aos das prisões: Tudo que sei de liberdade É continuar escapando Da penitenciária Pois não existem quilombos Para me guardar. associam cenários típicos da época da escravidão – os dos quilombos – colocando-os. associada a outros termos e expressões. citado em vários textos da crítica sobre a produção deste importante poeta mineiro. 16). a vertente literária assume expressões mais contundentes para expor as mazelas causadas pelo preconceito racial e pela discriminação. 66). faz-se como extensão de uma vertente literária presente no cenário literário brasileiro desde o aparecimento de Luiz Gama. admiração./reza sorrindo.a metaforizada na palavra "casa grande". ainda no mesmo século. A intenção de resistência está construída no poema na aproximação das palavras "povo" e "polvo" e na indicação de um modelo de sociedade . de Geni Mariano Guimarães. presente na antologia. numa sociedade que se regula por padrões que engrossam a faixa de exclusão pela cor. dissimuladamente. Uma outra antologia. além de expressar. como o da benzeção – “gosto da inocência dela: benze crianças. Bernd é uma das grandes estudiosas da literatura negra brasileira e a antologia organizada por ela foi. denunciar a da situação vivida pela população mais pobre. "favela" e "sarjeta". enquanto cozinha o alimento.20 Uma escrita que explora a força da palavra para desconstruir lugares e valores estabelecidos pela sociedade é a que nos apresenta o poema “CHIIIIIII”. persiste na sociedade brasileira. 88). Considere-se que essa intenção de denúncia. deslocada para os dias atuais: Na panela de pressão que chia Na cozinha da casa grande De hoje Ferve um povo Há tempos A se transformar polvo Pra derrubar vivo Ou morto O banquete das opulências. durante muito tempo. No século XX./chora rezando – no poema “Minha mãe” (p. no poema “Pequena balada insurgente” (p. . (p. procura delinear um panorama da chamada “poesia negra” que. lançada no ano de 1992. na época da publicação da coletânea. pela situação social. particularmente quando aproxima as palavras "senzala". 60) Paulo Colina. procura mostrar a situação de penúria vivida pela maioria da população de afrodescendentes no país. no século XIX. do poeta paulista Cuti. Os poemas da antologia intentam. distendendo seus significados com os sentidos construídos pela palavra "alegoria": Não há rancor nem ódio: há apenas esse clamor surdo que rebenta em meu coração ante nossas mãos tão inúteis que sustentam essa alegoria crua de senzala favela e sarjeta. acossada pela fome. de cor predominantemente negra ou mulata. A intenção de denúncia a essa exclusão fica clara no poema. o organizador da antologia. passando por Cruz e Souza. ao lado da denúncia à segregação imposta à população mais pobre. som emitido pela panela de pressão./faz simpatias. do Rio Grande do Sul. todavia. em sua seleção de poetas e poemas. aparecem poemas que recolhem costumes cultivados pelas camadas mais simples. A antologia. teve como organizadora a pesquisadora Zilá Bernd. violência e humilhação. quase sempre atingindo de forma mais perversa um mesmo segmento. quando aproveita os vários sentidos que a expressão “chiii”: espanto. Na mesma antologia. declarava-se engajada na luta contra o preconceito racial que. pelo recurso da onomatopéia. por isso. na Bahia. em sua opinião “funda uma linha de indagação sobre a identidade” (p. “Consciência dilacerada” que acolhe poemas de Eduardo Oliveira. este é um dos papéis da poesia de resistência que elege os “valores e mitos necessários à passagem do sentimento de identidade a uma verdadeira consciência identitária mediante a qual se elaborará uma auto-representação étnica e cultural positiva” (p. a antologia apresenta poemas que aludem à posição de alguns grupos como o Quilombhoje. embora não tenha aderido ao movimento. em que o sujeito-lírico faz análise de suas virtudes (“Amo o pobre. no entanto. de Luiz Gama “um verdadeiro divisor de águas na literatura brasileira”. que seu canto se mostrará como "um grito".21 obra de referência em cursos de literatura que assumiam a produção literária de escritores negros e afro-brasileiros. deixo o rico”) e. Antônio Vieira. Mirian Alves. Cruz e Souza é o grande nome da poesia negra na fase pós-abolicionista juntamente com Lino Guedes que publicou suas obras na época do Modernismo. aludindo aos poetas do cânone universal. uma poesia negra de resistência. Tentando explicar que a “literatura negra” tem como um dos temas mais importantes a questão identitária. Nesse sentido é importante ressaltar a intenção de Solano Trindade de construir uma epopéia – um canto às glorias de heróis – a exemplo da Ilíada. com grande ironia. E com tretas e com furtos Vão subindo a passos curtos (p. expressões significativas da literatura comprometida com a situação do negro no Brasil. à época. Luiz Gama. de São Paulo e Negrícia. a exemplo das epopéias clássicas. alia-se a eles. da Odisséia. de Solano Trindade. de Homero e dos Lusíadas. 45). os males da sociedade baiana da época: os birbantes mais lapuzes Compram negros e comendas. não – das Calendas. A antologia Poesia negra brasileira é dividida várias partes. "grito de uma raça" que luta pela liberdade: Eu canto aos Palmares Sem inveja de Virgílio de Homero E de Camões Porque o meu canto É grito de uma raça . Na parte intitulada Período Contemporâneo a organizadora faz uma importante recolha de poemas de diferentes tendências da chamada “literatura de resistência” (p. Oswaldo de Camargo e Domício Proença Filho. em que estão agrupados poemas de Solano Trindade. a antologia registra alguns poemas do escritor e abolicionista. Essas partes mapeiam. O poema que inicia a pequena seleção de textos do poeta baiano não é outro senão o “Quem sou eu”. a produção poética está dividida em itens denominados “Consciência resistente”. Nesta parte. Como acentua a organizadora. ao mesmo tempo focaliza. 45). salienta a visão do poeta sobre os feitos dos quilombolas. desde o século XIX. 17). Na seleção de poemas do Período Contemporâneo. com os quais fica destacada a presença da poesia negra na fase pré-abolicionista. 19). Oliveira Silveira. Paulo Colina e Abdias do Nascimento. salientando. alçados da marginalidade “fora da lei” e cantados como heróis. Na parte relativa ao século XIX. a referência ao “Canto dos Palmares”. Vejam-se os versos em que o poeta. Zilá Bernd seleciona poemas em essa temática está sempre presente. Considera a obra Trovas burlescas. de Camões. Finalmente. “Consciência trágica” que resgata poemas dos escritores Cuti. referindo-se ainda a outros poetas que desenvolviam. porque. do Rio de Janeiro. Têm brasões. nos poemas em referência. O poema representa a tentativa do autor de escrever a epopéia do Quilombo dos Palmares e. Na parte intitulada “Via sacra”. em peça. como bem considerada a antropóloga Lílian Moritz Schwarcz (1996). intenção de denúncia e de provocação. Diferentemente de outros momentos em que a visão da estudiosa é bastante lúcida para perceber as estratégias utilizadas pelos afro-descendentes no Brasil para construir uma imagem positiva de um corpo sempre visto como “um corpo dilacerado". Podem ser avaliados como peças de um grande mural em que se exibe o “eu negro” três poemas do escritor Luiz Silva (Cuti) selecionados pela organizadora. pelos instrumentos de tortura ou pelas agruras da fome e da doença. imageticamente. vendido por trinta moedas. 83) ressaltam. percebe-se. as feridas nunca cicatrizadas que.22 Em plena luta pela liberdade! (p. uma maior dificuldade em lidar com a necessidade de se exporem as chagas. 47). logo destituídos de humanidade por sua transformação em coisa. 76/77). A traição de Jesus e então comparada à ganância daqueles responsáveis pelo tráfico negreiro. no corpo negro. (p. reforçar a luta do povo negro pela constituição de sua identidade. A exposição do corpo negro tem. Por exemplo: os versos do poema “Sou negro” (p. o poeta compara o sofrimento dos escravos africanos com o de Jesus Cristo. reconstroem um corpo negro marcado pela crueldade da escravidão. A intenção é forçar o leitor a ver partes de um corpo que. ele mesmo não quer enxergar porque elas estão no seu. Esses poemas são muito importantes para se compreender que a exibição dos sofrimentos impostos ao corpo negro. nesta parte. ou porque ele as destaca no outro com a intenção de discriminá-lo: . O poema que dá título à fase denominada “Consciência dilacerada” é “Dionísio esfacelado”. Na configuração da parte denominada “Consciência trágica”. pela transformação de homens em "homens-adubo". detalhes que a visão preconceituosa da sociedade condena. do escritor e crítico Domício Proença Filho. Apenas trinta dinheiros Em São Paulo de Loanda Apenas trinta dinheiros A alma o corpo Vendido À Companhia holandesa De Maurício de Nassau Homens-adubo Das terras plantadas À beira-mar Tanto mar De sangue e mágoa O sangue e suor Da África para adoçar os dinheiros Dos holandeses De Maurício de Nassau. assim. de fazê-lo perceber determinados detalhes de um corpo sempre aprisionado pelo trabalho forçado. portanto. a organizadora chama a atenção para os recursos utilizados pelos poetas para expor as “agruras do povo negro”. às vezes explorado de forma excessiva pela poesia negra de resistência. por vezes. tem a intenção de chocar o leitor. .. 94): Olho-me espelhos Imagens que não me contêm.. . No terceiro poema.... ao corpo do escravizado......... (p.Negro e pronto! – (p.. do corpo do eu que se mostra no poema.. substituindo-os pela "lucidez": O negro pronto Está se fazendo sempre Por ponto Atento Contra o jogo da humilhação e Do cansaço Chegando a ficar tonto De tanta lucidez Sem porre de talvez Ou preguiça (p.. 83). mas também as que aludem. Beiço Pixaim Abas largas meu nariz Tudo isso sim ... a voz do sujeito-poético resgata não apenas imagens referentes ao corpo de um indivíduo determinado....... No segundo poema da tríade..... “O negro pronto”...... 84). do africano transformado em peça da engrenagem movida pelo sistema da escravidão: Areia movediça na anatomia da miséria Pano-pra-manga na confecção apressada da humanidade Chaga escarnada contra o riso atômico dos ladrões Espinho nos olhos do esquecimento feliz de ontem Eu Eu feito de sangue e nada De amor e Raça De alegrias explosivas no corpo do sofrimento e mágoa.23 Sou negro Negro sou sem mais ou reticências . é destacado com grande lucidez o processo de transformação do corpo submisso do negro em ação que desarticula a "humilhação" e o "cansaço"..... Ver-se como um corpo fragmentado.. denominado “Eu negro”.. Essa preocupação de perscrutar detalhes do corpo negro.... aparece no poema “Compor.... em pedaços..... decompor. Decomponho-me Apalpo-me.. está em muitos textos publicados pela antologia... de Mirian Alves (p. metafórica e metonimicamente. recompor”. 88). . 9)... quer homenagear essa produção literária. é importante destacar as estratégias literárias que esses textos privilegiam.. ao procurar integrar-se às lutas pela conscientização da população negra. 15). pois elas informam do trabalho com a linguagem e salientam modos de escrita que demonstram o modo como os escritores criam esteticamente modos de significar a exclusão e o preconceito. com raras exceções. os escritores afro-descendentes.. O poema “Diariamente” (p. como afirma a prefaciadora. Me basta mesmo essa coragem quase suicida de erguer a cabeça e ser um negro . Os versos finais do poema aludem ao enfrentamento das ordens sociais. a denominação “literatura negra”.. O título da antologia. por outro lado. por isso. misturam-se. Publicada em 2000.... por isso procura traduzir as mutações inevitáveis que essas heranças sofreram no Brasil... Muitos dos escritores selecionados pela antologia são autores de poemas e contos publicados em vários números dos Cadernos Negros.... Quilombo de palavras. A antologia Quilombo de palavras: literatura dos afro-descendentes. ao reunir poemas de diferentes escritores da Bahia e de outras regiões do país e apresentá-los aos leitores. A opção por um subtítulo denominado “A literatura dos afro-descendentes” indica uma diferença com relação às antologias já referidas. expressa no espaço da literatura e. É importante destacar que. mas também pela necessidade de apresentação de documentos sempre que a polícia os exige. do poeta baiano José Carlos Limeira mistura imagens do cotidiano dos trabalhadores acossados pelo “relógio de ponto”. No prefácio desta antologia da pesquisadora Florentina Souza destaca o fato de a produção literária dos escritores negros ou afro-descendentes brasileiros constituir ainda “um circuito editorial alternativo” (p. A terceira antologia selecionada para análise foi organizada pelo escritor baiano Jônatas Conceição juntamente com Lindinalva Barbosa. com o dia-a-dia vivido pelo negro.. poemas em que a questão identitária ainda é o tema mais forte... no entanto... parece insistir na constituição de uma visão que se quer vinculada às matrizes culturais africanas.. portanto. Essa busca está. mas também abre espaço para a produção poética de autores nascidos em outras regiões do país. no início deste texto. A expressão “literatura afro-descendente”. tem um papel importante na formação da identidade de grupos excluídos do modelo social pensado por nossa sociedade e na reversão das imagens negativas que o termo “negro” assumiu ao longo da história.... que optam pela expressão “poesia negra”. estrutura-se como símbolo da resistência e preservação cultural” (p. que. Qual a importância dessa nova denominação? Conforme se discutiu. ao se analisarem os poemas.. marcando-se mais fortemente a tendência da literatura de resistência com outros em que a memória e as lembranças de fatos do passado percorrem os espaços da intimidade dos enunciadores para trazer à escrita modos diversificados de apreensão do mundo. Já a expressão “literatura afrobrasileira” procura marcar as ligações entre o ato criativo que o termo “literatura” indica e a relação dessa criação com a África...... de São Paulo. realiza mais um esforço para quebrar a invisibilidade a que estão submetidos. seja a África venerada como berço da civilização. 9)....24 A busca da identidade é. militante do movimento negro da Bahia. a antologia reúne poemas de vários escritores baianos. a expressão mais forte dos poemas selecionados por Zilá Bernd para compor a sua antologia.... ainda que se queira outra.. “de modo similar aos quilombos históricos. na antologia. seguramente mais severas para os brasileiros de cor negra: . seja aquela que nos legou a imensidão de escravos trazida para as Américas... exibem “cabeças trançadas” que enfeitam as paisagens quais palmeiras ao vento. o vácuo. “trazendo novas verdades” e recuperando. 36). e um recurso criativo utilizado de uma produção poética que brota da experimentação das inúmeras dificuldades vividas no dia-a-dia: “Todas as manhã tenho os punhos/ sangrando e dormentes/tal é a minha lida/cavando/cavando torrões de terra” (p. o que é “NUVEM/VÁRIOS ROSTOS/VÁRIOS CORPOS/DIVERSAS FORMAS” (p. 36) preenche de vida o nada. No poema. possibilitando ao leitor perceber que os novos “palmares”. . Do gesto inaugural do deus Olorum nascem mares. Constitui o tema mais forte dos poemas “Ilê Iyê/Casa da Memória” (p.3538). O poema constrói-se com referências ao cotidiano dos pobres. do povo. cujo corpo delineia os “espaços / ATLÂNTICOS/ÍNDICOS/MARES VERMELHOS/MARES DE SAL/MARES DE SEIXOS” (p.15) No poema “No nordeste existem Palmares”. ( p. A memória é cultuada em vários poemas da antologia. de Ana Célia da Silva entrelaça aspectos da vida dura dos despossuídos: Descendo a rua Lá vai o Zé Triste. (p. O jogo semântico que fica explícito na aproximação dos termos “palmeira” e “Palmares” procura. fica referido através dos sentidos produzidos pelos termos “banzo” e “navios”. o que tem a forma das nuvens. talvez. o trabalho com a sonoridade dos vocábulos também procura deslocar sentidos previstos. transplantados para o nordeste. A dificuldade vivida no dia-a-dia está também no poema “Todas as manhãs”. que vem cultivando uma escrita mais comprometida com o universo da mulher. arregimentando também alguns índices que apontam para heranças africanas que se fazem presentes em seus poemas: “Todas as manhãs junto ao nascente dia/ouço a minha vozbanzo. a figura do homem simples. Os poemas descrevem a criação do mundo segundo a mitologia iorubá: o orixá Olorum. os sentidos que estão presentes na observação de um antigo viajante: “Palmeiras são símbolos de paz e sossego”. deusa mãe. terras e outros deuses que “saem todos” de Yemanjá. da escritora mineira. poeticamente. rainha das águas. O poema “O Zé”. com as leves brisas que “amenizam passadas febres. cansado Ele é o povo Ele é o Zé. Conceição Evaristo. 100). Vive pensando Que vai deixar De triste herança Para o futuro A corda bamba O barracão Marmita vazia Família sem pão. 33) e Ilê Iyê/ Casa do Segredo (p. povoar os bairros de “casebres e barracos”. A lembrança do passado marcado pela escravidão. Jônatas Conceição explora a sonoridades das palavras “palmeira” e “Palmares” para aludir aos “novos palmares” que crescem nos centros urbanos./âncora dos navios de nossa memória. Em vários poemas.25 vinte e quatro horas por dia. 62). de Jaime Sodré. é tema recorrente. FONSECA. A dureza tanto pode estar na luta diária por vencer a pobreza que ronda a maioria das pessoas. Lisboa: NUM. 2002. Referências ALVES. Poéticasafrobrasileiras. a poeta alude e essas dificuldades: Talvez temendo entrar na arena dos leões eu esconda a coragem nos retalhos coloridos da vida. A mulher escritora em África e América Latina. Lindinalva. Negras imagens.letras. 151). 1982. São Paulo: Editora Brasiliense S. CONCEIÇÃO. 1992. Maria do Carmo Lanna e FONSECA. Introdução à literatura negra. Zilá (Org. 11 – 30. In: FIGUEIREDO. 2000. para ser trocada e assim me recolho e me cubro com a mortalha De anulações. Maria Nazareth Soares.26 Também a escritora Esmeralda Ribeiro. Essas dificuldades são motivações para a produção literária de escritores que assumem a função social da literatura. Poesia Negra brasileira. 259). “Visibilidade e ocultação da diferença”. Poéticas afrobrasileiras. Maria Nazareth. ser coisa: definições e especificidades da escravidão no Brasil. Maria do Carmo Lanna e FONSECA. Maria Nazareth. FIGUEIREDO. Miriam. In: SCHWARCZ. 2002. de São Paulo. A pálida lua traz o sabor das provações transformando o olho em ostra Cismo: a pele em roupa não tem mais razões. faz menção dureza do diaa-dia a ser enfrentado por grande parte da população de afro-descendentes no Brasil. Lilia Moritz. Salvador: CEAO/UFBA. São Paulo: Quilombhoje. Quilombo de palavras: a literatura dos afrodescendentes. Em alguns poemas. Jônatas. ainda que não desconsiderem a importância de essa função estar sempre relacionada com o trabalho criativo. Letícia Vidor de Sousa. et BARBOSA.). Porto Alegre: AGE/IEL/IGEL.br/literafro . Belo Horizonte: Autêntica. São Paulo: EDUSP. (p. REIS. SCHWARCZ. a intenção de denúncia e a proposta de resistência à exclusão é a intenção mais forte. FONSECA. Ana Maria Mão-de-ferro. 1999. quanto dizer da dificuldade ainda vivida pelos “brasileiros de cor” (PEREIRA & WHITE. p. In: MARTINHO. Ser peça. Como se pode perceber. Cadernos Negros 1: estado de alerta no fogo cruzado. Maria Nazareth Soares. Antologia contemporânea da poesia negra brasileira. 1988. como se viu até aqui. 221 –242. nos guetos das favelas ou em espaços mais distantes dos grandes centros urbanos.Brasil afro-brasileiro. afrodescendentes. 1996. 2000. São Paulo: Global Editora. No poema “Trocar de máscara”.ufmg. 1996. Belo Horizonte: Editora PUC Minas/Mazza Edições. Belo Horizonte: Editora PUC Minas/Mazza Edições. Lilia Moritz. ª. Zilá (Org. principalmente através do aproveitamento de ritmos e de movimentos que são cultivados pelas camadas populares. p. Vozes femininas em afrodicções poéticas Brasil e África portuguesa. Mas também já se mostrou que a denúncia e a resistência podem aparecer em outros processos criativos. BERND.).). BERND. Fonte: www. P. afro-brasileiros. 173-185. COLINA Paulo (org. os temas presentes em muitos poemas das antologias dizem respeito às dificuldades enfrentadas pelos negros. In: . 17-31. Ele tem uma autoria. v. uma outra condição para ambas. a de gênero. não brancas. O presente ensaio retoma o título da Dissertação de Mestrado Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. 25. experimentada. impostas pelo sistema escravocrata do passado e pelos modos de relações raciais que vigoram em nossa sociedade. p. pelos brasileiros descendentes de africanos. leitores e mesmo escritores afrodescendentes que negam a existência de uma literatura afro-brasileira. com as perversidades do racismo e do sexismo que enfrento desde criança. 13. somada ao pertencimento a uma determinada classe social. Sim. muitas vezes. quando invento. e reapresenta algumas ideias que tenho proposto para discussão sobre a construção da personagem negra na Literatura Brasileira. só simbolicamente. porém há um instante profundo. as experiências das mulheres negras se assemelham muito mais às experiências de mulheres indígenas. mesmo da parte daqueles que reconhecem a existência de uma literatura afro-brasileira ou negra. há uma condição que nos une. Literatura negra feminina. Considera a invenção. n. jamais experimenta. que com uma “subjetividade” própria vai construindo a sua escrita. Belo Horizonte. a mulher branca pode e pode se transformar em opressora. Contudo. Há muito. quando escrevo. um sujeito. entretanto.google. vêm afirmando a existência de um corpus literário específico na Literatura Brasileira9. E desse lugar. Convém ainda ressaltar que. volto a insistir: a sociedade que me cerca. não consideram que a experiência das pessoas negras ou afro-descendentes possa instituir um modo próprio de produzir e de conceber um texto literário. no Brasil. •SCRIPTA. o pertencimento racial. um grupo representativo de escritores(as) afro-brasileiros(as). não me desvencilho de um “corpo-mulher-negra em vivência” e que por ser esse “o meu corpo. vivenciada a partir da condição de homens negros e de mulheres negras na sociedade brasileira. perceptível só para nós. e não outro”. E pergunto: será que o ponto de vista veiculado pelo texto se desvencilha totalmente da subjetividade de seu criador ou criadora? . Historicamente. Apegam-se à defesa de que a arte é universal. de formas de resistência à violação e à interdição do negro. Do mesmo modo. há estudiosos. pensar e veicular o texto literário negro. Estou de pleno acordo. As experiências dos homens negros se assemelham muitíssimo às minhas. não é fruto de uma geração espontânea.27 Texto IV: Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. certamente influiu e influi em minha subjetividade. para o qual nossos companheiros não atinam. E então. Em síntese. há divergências de entendimento 8 * Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ. 2009 Disponível em: http://www. tanto quanto o homem branco. com o seu ponto de vista.pucminas. e mais do que isso. e na qual ainda hoje vivem os meus familiares e a grande maioria negra. Há. Nomear o que seria literatura afro-brasileira e quais seriam os seus produtores é uma questão que tem suscitado reflexões diversas. Palavras-Chave: Literatura afro-brasileira. homem ou mulher. quando crio a minha ficção. vai “inventando.não mulher. assim como algumas vozes críticas acadêmicas. Conceição Evaristo8 Resumo O estudo pretende trazer algumas reflexões sobre o ato de fazer. penso a nossa condição de mulheres negras em relação às mulheres brancas. negras e mulheres. Esse corpus se constituiria como uma produção escrita marcada por uma subjetividade construída.com. criando” o ponto de vista do texto. na qual nasci e cresci. mas insisto na constatação óbvia de que o texto. com todas as suas implicações estéticas e ideológicas. que defendi em 1996 na PUC/RJ. que coloca as mulheres brancas em um lugar de superioridade – às vezes. 2º sem. Literatura negra.php%2Fscripta%2Farticle%2Fdownload%2F4365%2F4 510&ei=_YZZUpBn1bXgA_axgdgJ&usg=AFQjCNHX1zHmcMOX4j6XtPbyBUcFE-9kUg 9 Tenho concordado com os pesquisadores que afirmam que o “ponto de vista” do texto é o aspecto preponderante na conformação da escrita afro-brasileira. em muitas situações estão par a par.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=5&ved=0CEoQFjAE&url=http %3A%2F%2Fperiodicos.br%2Findex. vivi e vivo experiências que um corpo não negro. realçando as marcas profundas que essas formas de resistência imprimem na nação brasileira. reconheço – frente às outras mulheres. foram apropriados pelos africanos escravizados e seus descendentes. por um lado. assim como qualquer expressão relacionada à ideia. suas identificações étnicas em suas escritas? Sem pretensão de esgotar a temática sobre o que seria a literatura afro-brasileira. interditado em seu espaço individual e coletivo pelo sistema escravocrata do passado e. Se. E mesmo no Catolicismo. a sua “infiltração”. Cabe ainda observar que. São Benedito. nesse ensaio. Ninguém nega que o samba tem um forte componente negro. ainda. ainda hoje. para se prender a um único exemplo. são heranças das várias culturas africanas aqui aportadas e podem ser entendidas como ícones de resistência das memórias africanas incorporados à cultura geral brasileira. a culinária e certos modos de vivência religiosa são apontados como aspectos peculiares da nação brasileira. o jogo de capoeira. descendentes de africanos. na diversidade de produções que compõe a escrita brasileira. pensar e veicular o texto literário negro. Ressalto. Qual seria. veiculada pelas classes detentoras do poder políticoeconômico. Nota-se. que não é objetivo desse ensaio propor uma discussão aprofundada sobre o conceito de literatura negra ou afro-brasileira. inventarem formas de resistência que marcaram profundamente a nação brasileira. participa-se da festa. mas também a presença de uma vertente negra feminina2. percebe-se que mitos cristãos como Senhora do Rosário. tanto as elites letradas como o povo. o difícil reconhecimento e mesmo a exclusão de textos e de autores (as) que pretendem afirmar seus pertencimentos. dança-se. algumas reflexões sobre o ato de fazer. cria-se um impasse que vai da dúvida à negação. pois tudo se converte em modos de se interagir com o divino. dono de outras sabedorias. a dança. ao erigir as suas personagens e histórias. As discussões em torno do tema têm me envolvido como escritora e como pesquisadora. . em que as divindades africanas. provérbios. os referenciais negros em vários produtos culturais brasileiros. 10 Ressalto que o uso dos termos “raça” e “relações raciais”. Histórias orais. não revelem dificuldade alguma em reconhecer. violado em sua integridade física. notadamente a vivida pelo povo. dentre outros. ditados. Pretendo trazer. durante séculos. apenas. distinguindo certa africanidade reinventada no Brasil. tornando-se cúmplices e protetores do povo negro. se atualizam como memórias não apagadas de uma fé ancestral. Santo Antônio de Categeró. Escrava Anastácia. uma escrita afro-brasileira? A questão se localiza em pensar a interferência e o lugar dos afro-brasileiros na escrita literária brasileira? Seria o fazer literário algo reconhecível como sendo de pertença somente para determinados grupos ou sujeitos representativos desses grupos? Por que. tanto na fé celebrativa de uma teogonia e de uma cosmogonia negroafricanas. os rituais celebrativos a eles dedicados são marcados por posturas africanas de explicitação da fé. que apesar desses mitos encarnarem uma santidade católica. coube aos brasileiros.28 quando se coloca a questão do sujeito autoral e a sua “insinuação”. assim como uma gama de personagens do folclore brasileiro. quando se trata do campo literário. aparentemente encobertas pelas imagens cristãs. pois. quanto no Candomblé e também nas formas religiosas travestidas de um sincretismo como na Umbanda. Tendo sido o corpo negro. compreende o conceito de raça como um construto social e não como uma categoria biológica. pelos modos de relações raciais10 que vigoram em nossa sociedade. Produtos culturais como a música. o faz diferentemente do previsível pela literatura canônica. tanto na parte melodiosa como na dança. E a partir do exercício de pensar a minha própria escrita. as heranças africanas se acham presentes. venho afirmando não só a existência de uma literatura afro-brasileira. Canta-se. no campo religioso. as considerações aqui levantadas apenas buscam situar a existência de um discurso literário que. Santa Efigênia. porém. cuida-se da indumentária. o problema em reconhecer uma literatura. e mesmo em distinguir. o seu “intrometimento” enquanto voz que se enuncia no texto. p. o estereótipo do mulato como uma pessoa pernóstica e imitador do branco. menosprezando-a ao mesmo tempo. 1992. 2002. As afirmativas de Cuti e de Dalcastgné podem ser certificadas em vários momentos da literatura brasileira que. em consonância com o discurso político. delineando. Literalmente a voz. das heranças culturais oriundas de povos africanos e da inserção/exclusão que os afrodescendentes sofrem na sociedade brasileira. começa a se esboçar o paradigma de sensualidade e da sexualidade. alcançariam um dia as plenitudes da vida eterna. muitas vezes. José Maurício Gomes de Almeida (2001) observa que Gregório de Matos lidava mal com a mestiçagem brasileira. iniciador de Cadernos negros e fundador do grupo Quilombhoje de São Paulo. dirigido aos africanos escravizados. observa-se a afirmativa de que eles eram vítimas apenas de uma escravidão do corpo. no “Sermão de Nossa Senhora do Rosário” (2008). medicinal e outros. exalta a sedução erótica da mulata. torna possível a idealização de uma origem mestiça para os brasileiros como um dado constituidor de . 119-148). como Cristo experimentou (BOSI. Esses processos de construção de personagens e enredos destoam dos modos estereotipados ou da invisibilidade com que negros e mestiços são tratados pela literatura brasileira. educacional. Satirizando os costumes e a colonização portuguesa. afirma que a literatura brasileira é abusivamente branca.29 Pode-se dizer que um sentimento positivo de etnicidade atravessa a textualidade afro-brasileira. Se o negro aparece na poética de Gregório de Matos como motivo de escárnio ou apelo sexual. 87-110). obedecendo à vontade do Pai/Senhor. em relação à imensa gama de personagens brancos. 32). Os negros. em geral Observando a pouca presença de personagens negros na literatura brasileira. religioso. O poeta. Buscando. pois Gregório de Matos deixou um legado que foi dado a conhecer por meio da oralidade. p. ocupavam um espaço social intermediário. p. revelava um profundo mal-estar para com “os mulatos desavergonhados”. traz. Pode-se dizer que. na vida popular de Salvador. em seu bojo. Matos revela o olhar depreciativo que era lançado sobre o africano escravizado e seus descendentes no Brasil Colônia. em seus versos. uma gama de estereótipos de negro. ou ainda. são apresentados a partir de uma valorização da pele. ao trazer o mito indianista. Personagens são descritos sem a intenção de esconder uma identidade negra e. Uma pesquisa recente de Regina Dalcastagnè constata que “a personagem do romance brasileiro contemporâneo é branca” (DALCASTAGNE. já que o poeta não deixou nada escrito. são conclamados para se rejubilarem com as amarguras do engenho. ali. o “Boca do Inferno”. com Gregório. Já a ficção romântica desdenhou o negro como antepassado mítico da nação. pois. termos com os quais Gregório de Matos deixa transparecer o despeito de muitos brancos diante do crescente número de mestiços. Cuti. filhos de senhores que. em que os males da escravidão ganham um sentido sacrifical da morte cristã. como era chamado. já que na terra experimentavam as agruras. atribuído às mulheres negras e mulatas presentes na literatura brasileira. uma louvação dos sofrimentos dos escravos. dos traços físicos. matéria para a sua criação poética. “em seu propósito de invisibilizar e estereotipar o negro e o mestiço” (CUTI. surge como “rebanho a apascentar” para o “Senhor” – leia-se senhor colonizador. a partir do resultado da análise de 258 romances publicados entre 1993 e 2008. com o fardo cotidiano. Na eloquência de Padre Antônio Vieira. a pacificação e a consolação dos africanos escravizados. O poeta ainda faz do homem mestiço objeto de críticas e insultos. Momentos fundadores da literatura brasileira surgem marcados pela voz do poeta Gregório de Matos (1969). O romantismo brasileiro. em Padre Antonio Vieira. como outros de seu tempo. que já se fazia notar na época. por três grandes editoras brasileiras. como alforriados. 2008. com seus papeis de protagonistas da história. pois a alma era livre. em seus textos. Ainda no Brasil Colônia sobressai um discurso religioso ambíguo que transita entre a catequização. fruto do encontro entre os portugueses e índios. Duas obras fundamentais. quando a pesquisadora afirma que seria “mais difícil.” (FONSECA. distinta dos exemplos anteriores. 1988. podia ser feita. Essas obras buscam consagrar o caráter mestiço da sociedade brasileira. 29). pode ser aferido no romance A grande arte (1990). Trata-se do personagem Zaquai. ao usar a linguagem do colonizador.30 uma identidade nacional. p. Casimiro. que organicamente estava ligado à terra. repete-os sem propósito. pois objetivamente o contato sexual entre o branco e o índio não era tão frequente. p. . isto é. surge descrito pelo personagem-narrador como alguém “dono de vocabulário mesquinho”. Entretanto. com seus personagens. metaforizam o encontro do europeu com o habitante da terra. Uma afasia. pelo Romantismo. Casimiro. também um personagem negro. Outro exemplo de negação da linguagem para os personagens negros. Essa afirmativa pode ser reiterada com a observação. de Rubens Fonseca. em falas sem sentido. de Heloisa Toller Gomes. o colonizador acaba também por ser reconhecido em seu papel de mito fundante da nação. de José de Alencar. um empregado fiel – estereótipo renovado do escravo passivo. Em parte pode-se concordar com o ponto de vista do autor. era real. Depois completa: “Sabe quem fala assim? Carlos Lacerda. como ocorre com o índio de Alencar. e ao tentar se comunicar em português. sob a pena de muitos autores. como sujeito escravizado. O tronco do ipê (1964). 256). Zaquai imita um orador branco. afirma o seu papel de fundador da pátria. 1974. a mulher da terra. No primeiro caso. é válido ressaltar que “aboiar” é o som que o vaqueiro tira do chifre do boi para se comunicar com a boiada. caracterizado como um sujeito falante. dócil –. 1990. Ao lado do nativo americano. de Graciliano Ramos. O guarani (1857) e Iracema (1865). o maior orador da História do Brasil. se entrega ao herói português. O conceito que o escritor tinha do africano não se distinguia do que era veiculado na época: o africano era só um corpo escravo. não tem um modelo próprio e negro de linguagem e. quando estava “satisfeito aboiava” (RAMOS. que gaguejava ao falar e que. no casal Peri/Ceci. Dotado apenas de uma linguagem gutural. o negro é associado à gênese do brasileiro. p. Para uma melhor compreensão do significado do estereótipo que afirma uma incapacidade linguística do personagem. 112). de José de Alencar. uma impossibilidade de linguagem caracteriza muitas das personagens ficcionais negras. No livro. nas longínquas terras do Amazonas. se perde na colocação dos pronomes feito criança. Iracema. senão impossível. por meio do encontro com o índio ele recupera. Almeida ressalta que mesmo o português sendo justamente o símbolo contrário à exaltação nacionalista. No segundo romance. 2001. não só de José de Alencar. o personagem Pai Benedito é construído como alguém possuidor de uma anomalia linguística. idealizar o negro escravizado” (GOMES. em uma de suas explicações sobre a “sua bebedeira” de palavras. Casimiro Lopes. aparece como alguém possuidor só de uma meia linguagem. prolixo. 97) Almeida interpreta que a consagração do caráter mestiço da sociedade brasileira. Destacando a roupagem estereotípica com a qual os negros são vestidos em várias obras brasileiras. concreta e fazia parte do cotidiano do escritor. é possível ressaltar um imaginário construído em que o sujeito negro surge destituído do dom da linguagem. e de sua descendência. a não ser. na época de Alencar. o índio simboliza o espaço americano e Ceci o universo europeu. “nem em termos líricos e idealizados. E em hipótese alguma. um mutismo. mas de outros escritores nascidos no seio de famílias donas de escravos. No romance São Bernardo (1934). talvez. porém. tendo aprendido “alguns termos com o pessoal da cidade”. se expressa por meios-termos. Martim. A presença do africano. outros motivos precisam ser acrescentados para o entendimento da louvação de uma mestiçagem indígena.” (ALMEIDA. p. um anão negro. diz: “Sei que falo demais”. ou melhor. na nação brasileira. incapaz de entender determinadas normas sociais. Na narrativa a senhora elogia a tez clara da escrava e felicita a moça por ter tão pouco “sangue africano”. de um corpo-procriação de novos corpos para serem escravizados e/ou de um corpoobjeto de prazer do macho senhor. sua bisneta. aquela que cuida dos filhos dos brancos em detrimento dos seus. cujo exemplo é a personagem central do romance Gabriela. Sua neta mais velha tinha se casado com um mulato. parece que a literatura. revela o espaço não-negociável da língua e da linguagem que a cultura dominante pretende exercer sobre a cultura negra. perigosas. Estaria a literatura procurando apagar os sentidos de uma matriz africana na sociedade brasileira? O . o que sugere as questões levantadas por Eni Orlandi (1988. Há ainda a mulher-natureza. Mulheres infecundas e. de Jorge Amado. O persponagemnarrador. como já observou o escritor Cuti. em obras consagradas da literatura brasileira. O desejo de embranquecimento da sociedade brasileira aparece simbolicamente no final da narrativa. de Bernardo Guimarães. desenha a protagonista como uma escrava mulata. ficariam esquecidos para todos – conclui o personagem-narrador – os três séculos. “copia” o branco. À personagem negra feminina é negada a imagem de mulher-mãe. não lhe conferindo nenhum papel no qual ela se afirme como centro de uma descendência. Uma é o famoso romance abolicionista. em que a mulher negra era considerada só como um corpo que cumpria as funções de força de trabalho. conforme argumenta Alberto Mussa (1989) sobre o assunto. quase branca. de “senhores e escravos. de escravidão. com mais intensidade. ou ainda como alguém anteriormente mudo e que. brancos e pretos”. O que se busca argumentar. perfil que aparece tantas vezes desenhado para as mulheres brancas em geral. educada pela sinhá. talvez. o modo como a ficção revele. Mata-se no discurso literário a prole da mulher negra. Duas obras paradigmáticas ilustram esse desejo de eugenia. por sua vez. se casara com um branco. heroína romântica ou mãe. se dê nas formas de representação da mulher negra no interior do discurso literário A ficção ainda se ancora nas imagens de um passado escravo. ambas personagens da obra O cortiço (1980). um incômodo discurso eugênico na composição dos personagens negros. pode significar. extasiado. está presa ao imaginário da mãe-preta. marcada por uma sexualidade perigosa. portanto. aqui. simplesmente “imita”. 479). ou como Rita Baiana. O autor. (MONTELLO. que lhe transmite todos os valores de uma educação europeia. ao compor o negro ora como um sujeito afásico.língua”.31 Nesse sentido. contempla o seu trineto bendizendo a miscigenação que a sua família experimentara. sempre animalizada no interior da narrativa e que morre focinhando. p. que se traduz no sonho de embranquecer a sociedade brasileira. possuidor de uma “meia. também pode ser apreendido. bem brasileiro”. 1990) em seus estudos sobre análise do discurso. 1981. moreninho claro. que macula a família portuguesa. de Aloísio de Azevedo. o desejo da sociedade brasileira de apagar ou ignorar a forte presença dos povos africanos e seus descendentes na formação nacional. é o que essa falta de representação materna para a mulher negra. ao falar. incapaz de compor uma heroína que pudesse ser negra. A escrava Isaura (1875). com a sua postura de uma ingênua conduta sexual. “e ali estava seu trineto. Entretanto. E nessa diluição da cor negra. cravo e canela (1958). o primeiro enfretamento ideológico entre colonos e colonizados é o embate político-linguístico. ora como detentor de uma linguagem estranha e ainda incapaz de “apreender” o idioma do branco. com certeza. E quando se tem uma representação em que ela aparece como figura materna. já citado anteriormente. Percebe-se que a personagem feminina negra não aparece como musa. na literatura brasileira. Para a pesquisadora. um negro. de Josué Montello. A outra obra é o romance Os tambores de São Luiz (1981). Além dos estereótipos de negros sempre renovados e revitalizados em todos os momentos da literatura brasileira. como Bertoleza. 32 imaginário da literatura tenderia a ignorar o papel da mulher negra na formação da cultura nacional? Entretanto. que se fazia sentir até a bem pouco tempo. percebe-se que determinado discurso literário afro-brasileiro não está desvencilhado das pontuações ideológicas do Movimento Negro. do Rio de Janeiro. Malcom X. A expressividade negra vai ganhar uma nova consciência política sob a inspiração do Movimento Negro Brasileiro. nos relembra o curto e direto poema de Adão Ventura: A história do negro é um traço num abraço de ferro e fogo. amparada pelas vozes do Movimento Negro. 321) Um exemplo do descaso da história oficial. . Black Panther. apoiado pelo MinC/PRÓ-MEMÓRIA/INL. Em 2004. com seu romance Úrsula. como eventos históricos nacionais. É preciso enfatizar que. Aimé Césaire e outros.Em 1988. que na década de 1970 volta o seu olhar para a África. Lima Barreto. existe. no interior mesmo da literatura brasileira. publicado em 1859. 1992) Retomando a reflexão sobre a literatura afro-brasileira. para colocar Zumbi dos Palmares. durante toda a formação da literatura brasileira existiram vozes negras desejosas de falar por si e de si. com bem menos visibilidade. vem misturado ao discurso de Patric Lumbumba. (VENTURA. tardiamente chegado ao Brasil. aos poucos. embora a década de 1970 tenha sido um período marcante na afirmação dos textos negros. de Florianópolis e pela Editora PUC Minas. (BHABHA. Luther King. como um discurso diferenciado ao compor personagens negras e seus enredos. Sabe-se também da luta discursiva que se tem travado nos campos da história e da literatura. orientado por uma postura ideológica que levará a uma produção literária marcada por uma fala enfática. surge a edição feita pela Editora Mulheres. João Cândido. sendo a autora apontada como a primeira romancista e primeira mulher a escrever um romance abolicionista no Brasil. Tal resistência por parte do discurso oficial em incorporar. p. Luiza Mahim e outros e outras heroínas no Panteão de heróis nacionais. mágoa e impotência. uma das líderes da 11 . Luís Gama. Angela Davis e das guerras de independência das colônias portuguesas. 1998. Discurso que subverte não só o sistema literário brasileiro. Não se pode esquecer das primeiras: Domingos Caldas Barbosa. aqueles ligados à trajetória dos africanos e de seus descendentes no Brasil. Cabe relembrar a contundência da voz de Luís Gama. carregados de lamentos. o que a diferencia de um discurso produzido nas décadas anteriores. o romance Úrsula foi republicado pela Presença Edições. Cruz e Sousa.11. filho de Luiza Mahim na obra. Essa não só encena o “direito de significar” como também questiona o direito de nomeação que é exercido pelo colonizador sobre o próprio colonizado e seu mundo. Amplia-se então um discurso negro. mas também contesta a história brasileira que prima em ignorar eventos relativos à trajetória dos africanos e seus descendentes no Brasil. É preciso ressaltar a criação de Maria Firmina dos Reis. denunciadora da condição do negro no Brasil e igualmente afirmativa do mundo e das coisas culturais africanas e afro-brasileiras. era – ou é? – a ausência de textos nos livros didáticos sobre os núcleos quilombolas de resistência ao escravismo que se ergueram em todo território nacional. de Belo Horizonte. Constitui-se como uma escrita que corresponde ao que Homi Bhabha fala da poesia do colonizado. uma gama de produções que vêm se afirmando. O Movimento de Negritude de Leopold Sedar Senghor. ano em que se comemorou o Centenário da Assinatura da Lei Áurea. Entretanto. pesa o julgamento de ter sido ele um poeta “perseguidor das formas brancas”. 1961). (SOUZA. se destaca no desejo de pronunciar-se como negro. recentemente. de sua negritude angustiada. 1991. p.33 Revolta dos Malês. Um escritor.) No futuro escreverei a História da Escravidão Negra no Brasil e a sua influência na nossa Nacionalidade” (BARRETO. dos nobres ao povo. p. Uma leitura de outros poemas dedicados a sua mãe e a sua noiva. 155-160). foi. em que o poeta distingue a beleza e a fortaleza das mulheres negras. podemos ver a ideia registrada novamente nas seguintes anotações: Veio-me a ideia. que marcava muitos dos pretensos brancos da época. já na República. 1956. apelido que era dado aos mulatos. Sua escrita se dispunha conscientemente a se apresentar como uma voz negra questionadora das relações raciais da época.. surgiu um interessante romance histórico. na Bahia. que pode ser lida no poema em prosa “Emparedado”. Se de Gama não se pode esquecer a troça que ele fazia de uma sociedade que se queria branca. o escritor Machado de Assis.12. a fusão personagem-autor acaba criando uma cumplicidade de vozes em que o autor pensa e discute as relações raciais da sociedade brasileira. como “Vila Quilombo” (MORAIS. Em seu Diário íntimo podese ler um projeto literário do autor: “Eu sou Afonso Henriques de Lima Barreto (. Animará um drama sombrio. apresenta um Machado discreto em suas atitudes. Ao pensar em vozes negras na literatura brasileira. Os versos do poema respondiam ao termo pejorativo “bode”. em 1835. presente em suas criações (BROOKSHAW. o autor. Esse desejo foi registrado por Lima em 1903 e. trágico e misterioso. A simbologia resguardada no significado do quilombo servirá para Lima como inspiração para nomear o seu espaço familiar. do clero às forças militares imperiais. Gama satirizava a sociedade de seu tempo e apontava a mestiçagem brasileira. O livro Machado de Assis afro-descendente (2007). p. É interessante que Luís Gama. 1983. estudos recentes tentam desconstruir essa imagem construída em torno do fundador da Academia Brasileira de Letras. ou antes. 33). considerado o maior poeta simbolista da Literatura Brasileira. p. entretanto. de autoria de Eduardo de Assis Duarte. cujo simbolismo é a cor branca. do Rio de Janeiro. de Cruz e Sousa fica a lembrança de sua poética dolorosa. mas contudo comprometido com os ideais da Campanha Abolicionista. o faria do ponto vista do negro. de autoria de Ana Maria Gonçalves publicado pela Editora Record. Em 1905. (BARRETO. com mais psicologia especial e maior sopro de epopeia. em que Machado de Assis estaria 12 Sobre Luiza Mahim. já na época. 1983. No poema. em Salvador. se autodenominou Orfeu da Carapinha. 17). como nos tempos da escravidão. Um defeito de cor. até então. certamente. O pesquisador traz para o leitor textos desprezados pela crítica literária. 1956. p. 111). Trata-se de Lima Barreto. onde ele morava.. Em Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909). esquecida pelos estudiosos do poeta. Será uma espécie de Germinal Negro. A crítica literária toma como base a profusão de metáforas. apesar de todas as dificuldades da época. criação que ficou conhecida como “A bodarrada” (SILVA. registro aqui uma ideia. Sobre Cruz e Sousa. que me está perseguindo. Pretendo fazer um romance em que se descrevam a vida e o trabalho dos negros numa fazenda. como ele. afirmando a sua condição étnica negra no momento em que toda a sociedade imperial queria ter uma marca mais europeia possível. 25 . 84) É interessante observar também que Lima Barreto denomina o espaço da vila. tem sido apresentado como a grande incógnita. se cumprisse tal anseio. De Luís Gama não se podem esquecer os enfáticos versos do poema “Quem sou eu”. No Rio de Janeiro. traz vivências de terreiro que se transformam em temática narrativa para a autora. Quarto de despejo. Ao se falar da escrita de mulheres negras. folhas soltas. Várias discussões surgiram em torno da escrita de Carolina Maria de Jesus. favelada e de pouca instrução escolar. TRINDADE. Uma favelada. O desejo. Pedaços de fome. como poeta modernista. obra apresentada pelo jornalista Audálio Dantas. O que se torna interessante para discutir sobre a escrita de Carolina Maria é o desejo de escrever vivido por uma mulher negra e favelada. no entanto. responsável pela criação dos Cadernos negros. pela presença masculina e branca. enquanto o livro A cor da ternura (1989). enquanto tentava fazer da pobreza. como exemplifica o poema. o Grupo Negrícia. deveria figurar na história da literatura brasileira. necessário se faz voltar ao final da década de 60 para retomar a imagem da escritora Carolina Maria de Jesus13. o lixo em que vivia. nos anos 80. Os vários estudos sobre o modernismo brasileiro não incorporam o nome desse importante poeta negro. que já se institui como um audacioso movimento. assume uma atitude que já é um atrevimento contra a instituição literária. Quando uma mulher como Carolina Maria de Jesus crê e inventa para si uma posição de escritora. pode ser lido como uma espécie de autobiografia ficcionalizada da autora. o livro Caroço de dendê (1996) de autoria de Beatriz Moreira da Costa. tanto na área da literatura como na da história. Carolina Maria de Jesus e sua escrita surgem “maculando” – sob o olhar de muitos – uma instituição marcada. em 2009. Mãe Beata de Iemanjá. nas comunidades. 1999) Afirmando um contra-discurso à literatura produzida pela cultura hegemônica. nas bibliotecas. o trigésimo segundo volume. algo narrável. que não maneja a língua portuguesa – como querem os gramáticos ou os aguerridos defensores de uma linguagem erudita – e que insiste em escrever. nos presídios e nos eventos do Movimento Negro com os seus recitais A literatura brasileira é repleta de escritores afro-brasileiros que. dentre outros. os textos afro-brasileiros surgem pautados pela vivência de sujeitos negros/as na sociedade brasileira e trazendo experiências diversificadas. Provérbios. restos de cadernos. como a de Carolina. Nome como o de Solano Trindade. no lixo. em seguida: 13 Em 60. E vozes negras. marcou presença nas escolas. Diário de Bitita. Ao se pensar em uma criação contemporânea de escritores(as) empenhados(as) em uma afirmação coletiva de vozes negras. porém não são essas discussões que serão tratadas agora. de homens e de mulheres. preponderantemente. por vários motivos. a não ser a produção de pesquisadores isolados. . a crença e a luta pelo direito de ser reconhecida como escritora. desde o conteúdo até os modos de utilização da língua. (Cf.34 se pronunciando tanto em relação à escravidão como em relação à abolição dos escravos. que atinge. de Geni Guimarães. inclusive nos compêndios escolares. o da subalternidade. Por exemplo. que se tornou sucesso editorial no Brasil e na impressa internacional. Muitos pesquisadores e críticos literários negam ou ignoram a existência de uma literatura afro-brasileira. ecoam em letras por dentro/fora do sistema literário brasileiro. Dúvidas se levantaram sobre a intromissão do jornalista Adálio Dantas na correção dos textos. do lixo. marcada por sua condição de mulher negra. ela já rompe com um lugar anteriormente definido como sendo o dela. de São Paulo. Carolina Maria de Jesus deixou as seguintes obras: Casa de alvenaria. O trabalho de Eduardo Duarte busca a desconstrução de uma crítica literária que construiu um processo de embranquecimento de Machado de Assis. permanecem desconhecidos. se destaca o trabalho do Grupo Quilombhoje. surge a primeira publicação da autora. estupefatos Nossas dignidades eram dadas mar atrás Aos peixes. Cassul. E de nós fêz-se um mundo Hoje. Como nossas negras dignidades Dadas aos peixes. 1996 .35 História para Ninar Cassul-Buanga (com acompanhamento de marimbas) Nei Lopes Um dia. confundidos. nossas mulheres -os negros ventres de veludoManufaturam. Vieram numa nau de velas caras. Cassul-Buanga. alguns chegaram: A pólvora no peito. (LOPES. Chegamos: Nosso suor foi o doce sumo de suas canas -nós bagaços Nosso sangue eram as gotas de seu café -nós borras pretas. Nossas carapinhas eram nuvens de algodão. Amontoados. Cassul-Buanga. Bordadas de Cifrões. Nossos corpos tensos Nossos corpos densos Venceram quase todas as competições. E nos demos e amamos. Suas mãos eram de ferro E falavam um dialeto De medo e ignorância. Brancas. E fomos. E amamos e nos demos. Cassul. E cantamos um blue! E na roda um samba De roda Dançamos. Nossos poemas formaram um grande rio.. Meninos como você. fundidos. Porque Zâmbi mandou.. Hão de sonhar um sonho tão bonito. uma bússola nos olhos E as caras inóspitas vestidas de papel. E está escrito. de faina Os travesseiros Onde nossos filhos. Nossas mãos eram sua mão-de-obra Mas vivemos. de paina. Úrsula. 1986. 12 ed. 1980. 1990. J. Obras Completas de Gregório de Matos. n. Aluísio de. Salvador: Edição Universitária. Rubem. 87-110. ALENCAR. SILVA. Coleção “Os Baianos”. LOPES. MUSSA. José. BROOKSHAW. São Paulo.36 • Referências ALENCAR. São Paulo: Martins Fontes. ORLANDI. Rio de Janeiro: Artium. 1983. A cor da ternura. REIS. Belo Horizonte: Editora PUC Minas. Lima. 1995. Porto Alegre: Mercado Aberto. Poéticas afro-brasileiras. Dialética da colonização. 1990. 2007. Gabriela. BHABHA. David. GUIMARÃES. 12 ed. Rio de Janeiro: Caetés. Poemas escolhidos. A grande arte. 19-36. Outros e outras na literatura brasileira. 1991. Regina. São Paulo: Brasiliense. 1992 AZEVEDO.70-86. Belo Horizonte: PUC Minas. Mazza Edições. São Paulo: Ática. São Paulo: Abril. 2002. “Literatura e mestiçagem”. Mãe. ALMEIDA. RAMOS. Homi K. Brasília: UNB. mar 1989. 1988. BARRETO. “Estereótipos de negro na literatura brasileira: sistema e motivação histórica”. Belo Horizonte: Editora da UFMG. 16. Bernardo. Regis. São Paulo: Cultrix. FONSECA. MATOS. São Paulo: Ática. Lima. Diário íntimo. Heloisa Toller. BARRETO. MONTELLO. Rio de Janeiro: Editora Cátedra. São Bernardo. 89-110. São Paulo: Companhia das Letras. O negro e o romantismo brasileiro. 1996. São Paulo. Os tambores de São Luiz. DUARTE. São Paulo: Cantos e Prantos Editora. cravo e canela. 8 ed. 2002. p. Campinas: Pontes. BEATA DE YEMONJÁ. Rio de Janeiro: FTD. Graciliano. O local da cultura. JESUS. p. São Paulo: Livraria Martins Editora. 1999. São Paulo: Brasiliense. Belo Horizonte: Pallas/Crisálida. São Paulo: Atual Editor. Josué. Recordações do escrivão Isaías Caminha. Estudos de literatura brasileira contemporânea. Campinas: Cortez. O cortiço. Eni.MEC. Rio de Janeiro: Editora Pallas. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora. 2000. p. 1989. O tronco do ipê. Cadernos Candido Mendes – Estudos Afro-asiáticos. n. Solano. São Paulo: Ática. Rio de Janeiro: Record. 1974. Eni. DALCASTAGNÈ. 31. SOUZA. Eduardo de Assis. 1976. 1983. s/d. Raça e cor na literatura brasileira. A escrava Isaura. TRINDADE. Lima Barreto. 2004. 2 ed. FONSECA. Romão da. José Maurício Gomes. Alberto. CUTI. . (org. Wellington de Almeida (org). São Paulo: Melhoramentos. ORLANDI. GUIMARÃES. O guarani. Luis Gama e suas poesias satíricas. Machado de Assis afrodescendente. 1998. MORAIS. 1981. 51 ed. 1998. Incursões sobre a pele. Rio de Janeiro: Nova Aguilar. p. In: SANTOS. 1992. 1964. O poeta do povo. “O leitor e o texto afro-brasileiro” In: FIQUEIREDO. Jorge. Maria do Carmo Lana. 1961. 1988. 2001. GOMES. Cruz e. Maria Firmina dos.) Política linguística na America Latina. José de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. Geni Mariano. Alfredo. INL . Gregório de. Terra à vista – discurso do confronto: velho e novo mundo. Nei. Rio de Janeiro. Luiz Silva. São Paulo: Companhia das Letras. Caroço de dendê. Florianópolis: Editora das mulheres. janeiro/junho 2008. Maria Nazareth Soares (org). Rio de Janeiro: Centro de estudos afro-asiáticos. “Entre silêncios e estereótipos: relações raciais na literatura brasileira contemporânea”. AMADO. Carolina Maria de. BOSI. por mesquinha. Adão. Acesso em: 30 de Outubro de 2008. seleciona autores e textos representativos produzidos notadamente a partir dos anos de 1970.Antologia de Poemas 1. momento de efervescência dos movimentos de auto-afirmação da etnia. Estátua de granito denegrido. literatura do negro. VIEIRA. Que a lira desprezando. Destaca.18 no. de um lado. vol. e como sujeito. Luiz Gama (1830-1882) Ó Musa da Guiné. Sabará: Edições Dubolsinho. Ante quem o Leão se põe rendido. E. Discute a designação literatura negra. Pela extensão do ensaio de Domício Proença Filho. 2004 http://dx. 31 Texto V: A trajetória do negro na literatura brasileira Domício Proença Filho RESUMO ESTE ARTIGO busca traçar o percurso do negro na literatura brasileira. av.37 VENTURA. estereótipos reduplicadores da visão preconceituosa. Sermão de Nossa Senhora do Rosário. cor de azeviche.. In: Sermões e textos online. Disponível em: http://www. Despido do furor de atroz braveza. na produção literária ao longo do processo literário brasileiro. indicamos sua leitura através da do link da revista na qual se encontra publicado: Scielo. como objeto.] Quero que o mundo me encarando veja Um retumbante Orfeu de carapinha.. Identifica. Às vias me conduz d'alta grandeza.com/athensatrium/2466/sermoes. Estud.1590/S0103-40142004000100017 Disponível em: http://www. Nessa direção. numa atitude compromissada.. qual outro Arion entre os delfins. Antônio. textos literários sobre o negro e. Empresta-me o cabaço d'urucungo. Inspira-me a ciência da candimba.org/10.doi. 0s ávidos piratas embaindo.htm./Apr. Estudos Avançados Print version ISSN 0103-4014. mas passível de converter-se em risco de fazer o jogo do preconceito velado. Ensina-me a brandir tua marimba. Procura marcar a ultrapassagem do estereótipo e a assunção do negro como sujeito do seu discurso e de sua ação em defesa da identidade cultural.scielo.. numa visão distanciada. de outro. . Costura de nuvens.geocities.50 São Paulo Jan. explícita ou velada. entendida como aparentemente valorizadora. 2006. Ao som decanta de Marimba augusta. [.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000100017&script=sci_arttext Parte II . tumultuando de matas bravias. Montado num Barão com ar de zote Ao rufo do tambor e dos zabumbas. a sua formidável Dilaceração humana! A África laocoôntica. perdidos e atropelados pelas longas galerias submarinas de uma sabedoria infinita. Com foros de Africano fidalgote. com seus instrumentos musicais típicos. depurado por todas as civilizações. Nesta. em que questiona o suposto percentual majoritariamente branco da sociedade brasileira. meus parentes. das Blasfêmias absolutas. devorada insaciavelmente pelo deserto. se viesses dos arianos. cristalizado o teu ser num verdadeiro cadinho de ideias. tórrida e bárbara. até que o temperamento regulasse certo como um termômetro! — "Tu és dos de Cam.) O temperamento entortava muito para o lado da África: — era necessário fazê-lo endireitar inteiramente para o lado Regra. portanto. bramando no caos feroz. gerada no Degredo e na Neve — pólo branco e pólo negro da Dor! Deus meu! Por uma questão banal da química biológica do pigmento ficam alguns mais rebeldes e curiosos fósseis preocupados. o fundador da Literatura de militância negra no Brasil. hórrido.. tecido por tecido. Ao som de mil aplausos retumbantes. em Requintes. Esta estrofe não passaria de um pastiche camoniano corriqueiro a não ser pelo uso do contexto afro-brasileiro." O emprego de material da cultura afro-brasileira marca. "Africano fidalgote") contrapõe-se a seriedade da "Marimba augusta" e das "altas caiumbas. de sentimentos — direito. em espiritualidades. gemendo. em Sonhos! Como se tu fosses das raças de ouro e da aurora. das profundas selvas brutas. perfeito. alma de trevas e de chamas. arrastada sangrando no lodo das Civilizações despóticas. A invocação a musa "cor de azeviche" torna-se definidora do ponto de vista a ser tomado pelo poeta. Pulando de prazer e de contentes Nas danças entrarei d'altas caiumbas Luís Gama dá às Primeiras Trovas Burlescas um caráter épico. tornando-se o primeiro escritor brasileiro a assumir explicitamente sua identidade negra. Com estilo que presa a Líbia adusta." A festa a que Luís Gama quer entrar é a de seu povo. Primeiro. 2. poema publicado em 1859. o poeta reconhece como sua inspiradora uma Musa africana. Como Camões. Luís Gama invoca a Musa da Guiné. errantemente tempestuosa como a alma espiritualizada e tantálica da Rússia. que lhe era peculiar.38 As ferrenhas palhetas vai brandindo. sendo. conservando o estilo da paródia. a quem pede ajuda.. Cruz e Sousa (1862-1898) EMPAREDADO (prosa poética) (. fecundada no Sol e na Noite... das perfeições oficiais dos meios convencionalmente ilustres! (. pois a composição do poeta de Bodarrada. célula por célula. a ruminar primitivas erudições. a aceitação do instrumento musical mais típico dos afro-brasileiros (urucungo/berimbau). Ao tom de clara auto-ironia ("Orfeu de carapinha". torvamente amamentada com o leite amargo e venenoso da Angústia! A África arrebatada nos ciclones torvelinhantes das Impiedades supremas. em Formas. maldito. Há uma invocação às Musas ("Lá Vai Verso!"). os "netos da [rainha] Ginga. Nem eu próprio a festança escaparei.) Artista! Pode lá isso ser se tu és d’África. esmagadora. Entre os netos da Ginga. réprobo. rugindo. irrevogável! . a referência ao sofrimento (candimba) como ciência. anatematizado!” Falas em abstrações. meus parentes. logo. dirigindo-se às ninfas do Tejo e pedindo a Calíope uma "tuba grande e sonorosa". tremenda. terríficas! Hão de subir.. feita de Despeitos e Impotências. deixando-te para sempre perdidamente alucinado e emparedado dentro do teu Sonho. mais pedras! E as estranhas paredes hão de subir. floresciam. outra parede. — longas. as mais estapafúrdias teorias racistas... subir mudas.. mais pedras. Ironicamente. 3.. que importa tudo isso?! Qual é a cor da minha forma. fechando tudo — horrível! — parede de Imbecilidade e Ignorância. . de Ciências e Críticas. Breves comentários: Nesse longo poema. até as Estrelas. com foros de ciência. Assim. te deixará num frio espasmo de terror absoluto. evidenciando o seu protesto contra os argumentos da ideologia dominante do discurso antropológico. muleque quem te deu este beiço assim tão grandão? Teus cabelos de pimenta do reino? Teu nariz essa coisa achatada? Muleque.. negro e comprometido com a mudança da condição de vida e de exploração dos negros.. Pedras destas odiosas. Gravata Colorida Muleque Quando eu tiver bastante pão para meus filhos para minha amada pros meus amigos e pros meus vizinhos quando eu tiver livros para ler então eu comprarei uma gravata colorida larga bonita e darei um laço perfeito e ficarei mostrando a minha gravata colorida a todos os que gostam de gente engravatada. caricatas e fatigantes Civilizações e Sociedades. mais pedras. ah! ainda. silenciosas.39 Mas. Solano colocava no mesmo plano a necessidade de pão e de livros. Mais pedras. aflito. de granito. muleque quem te fez assim? Eu penso.) Se caminhares para a direita baterás e esbarrarás ansioso. broncamente se elevará ao alto! Se caminhares. para trás. Cruz percebe que. Muleque. na luta contra o preconceito. mais pedras.. ainda nova parede.. texto que representa um profundo e terrível desabafo do poeta diante das adversidades que enfrenta apenas em razão da cor de sua pele. negras. mais alta do que a primeira. o simbolista Cruz e Sousa lamenta a sua condição de emparedado. como afirma Alfredo Bosi: Quero também destacar a prosa poética de Emparedado. o poeta nasceu numa cidade chamada Desterro. subir. De fato. te mergulhará profundamente no espanto! Se caminhares para frente. muleque que foi o amor. mais pedras se sobreporão às pedras já acumuladas. Entre outras coisas. no final do século XIX. Solano Trindade (1908-1973) Poeta pernambucano.. uma derradeira parede.. ele se sente emparedado. fechando tudo. E. Foi também um desterrado na sociedade. do meu sentir? Qual é a cor da tempestade de dilacerações que me abala? Qual a dos meus sonhos e gritos? Qual a dos meus desejos e febre? (. não consegue contar nem mesmo com o apoio da ciência. enfim. numa parede horrendamente incomensurável de Egoísmos e Preconceitos! Se caminhares para a esquerda. o amor. Era valente como quê Na capoeira ou na faca escreveu não leu o pau comeu Não foi um pai João humilde e manso. a etnicidade do ser negro. Pós-graduado em teoria da literatura no Instituto de Estudos da Linguagem . ainda que. Cuti (Luiz Silva) PARA OUVIR E ENTENDER A ESTRELA Se o Papai Noel não trouxer boneca preta neste Natal meta-lhe o pé no saco! Cuti CUTI é pseudônimo de Luiz Silva. em 1951. assim. 4. o que significa dizer que. E mais à frente. Foi um dos fundadores e membro do Quilombhoje Literatura. gonguês e agogôs. Nasceu em Ourinhos/SP. . Contaram-me que meus avós vieram de Loanda como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do engenho novo e fundaram o primeiro Maracatu. enfatizando suas origens africanas associadas a aspectos lúdicos e guerreiros e desmistificando a submissão dos escravos e prestigiando. de 1961. Não tenho dúvida quando afirmo que a escrita desse poeta é marcadamente política. como a dos malês. acrescenta: "a palavra negro/tem sua história e segredo/e a cura do medo/do nosso país". ou outra. de 1978 a 1993.UNICAMP. Na minh'alma ficou o samba o batuque o bamboleio e o desejo de libertação Nesse poema. de 1980 a 1994 e um dos criadores e mantenedores da série Cadernos negros. Formou-se em Letras (Português-Francês) pela Universidade de São Paulo em 1980. o poeta identifica-se com a história de Palmares. para além das acepções mais usuais do termo “versos. no mesmo texto.40 Sou negro À Dione Silva Sou Negro meus avós foram queimados pelo sol da África minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques. Mesmo vovó não foi de brincadeira Na guerra dos Malês ela se destacou. Ração das Letras: Uma poética contra a neutralidade Harlem de Souza "Sou daqueles que cobram o leite derramado” Cuti Em um de seus poemas (pseudônimo de Luiz Silva) escreve: "a palavra negro/tem chaga tem chega!". Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi Era valente como quê . O autor registra no poema Oficina**: "escrevo memória de escravo/quando escrevo". que marca os mais excluídos entre excluídos. Daí uma poética que não deseja a comodidade de ser neutra. E isso é o que o leva a escrever versos como estes "a hipocrisia da pior espécie dissolve em shopping a dor das favelas e argumenta ungüentos para as chagas de periféricas chacinas semanais" (Do poema Um cenário de São Paulo) Ou estes outros. texto no qual o autor apresenta uma definição de seu fazer poético: "[. Para referendar essa opinião. quero destacar que essa é a principal característica da poesia de Cuti: a necessidade de referenciar-se naquilo que observa e transportar tudo para dentro da dimensão literária. do poema Crueldade "é com palavras doces que os empresários demitem milhares e em seus lugares colocam algumas máquinas é com afagos que os ricos dizem aos pobres: . os negros e mestiços.” Ao grifar a expressão intenção participante.] a minha poesia sou eu-fome-de-muitos [.] a minha poesia é soul tem ódio e amor e vem dizer revendo que o ressentimento é sinal de cura contra todo o tempo da cara falsa da raça pura a minha poesia é som é sã é-sou é soul é samba tendo no couro branco do papel" Esse "ressentimento" é uma das engrenagens do motor criativo acionado pelo poeta..41 o erotismo e incursões metalinguísticas aqui e ali”. inofensiva. "a cor da pele.. basta ler Ela. Segundo Maria Nazareth Fonseca***. porque ele não pode negar a história e as fraturas da nossa estratificação social..não sejam racistas! ..não sejam radicais! que os brancos dizem aos negros: . faz-se emblema da intenção participante de um sujeito que se nega a compactuar com o que vê. Fortalecem a proposta de que a literatura pode ser uma forma de resistência possível aos horrores impostos ao mundo. Poemas para ler e sentir. os meus pertences de vento. Negroesia: antologia poética. O negro escrito: apontamentos sobre a presença do negro na Literatura Brasileira. Oswaldo de Camargo (1936-) Nasceu em Bragança Paulista/SP. seus poemas. 2002 Ração das Letras: Uma poética contra a neutralidade Internet: racaodasletras. para quem se sentir irmanado a esse tipo de poesia. É Jornalista e Músico de formação erudita. Foi diretor da Associação Cultural do Negro. participa do seminário “O Negro na Literatura Brasileira” com os poetas Abelardo Rodrigues. sem querer te forçar a nada quando puderes permite à tua identidade negra respirar. expõem a dificuldade de se pensar o texto literário fora da complexidade de seu próprio discurso.blogspot. em 1936. 2002. Oferenda Que farei do meu reino: um terreno no peito. Belo Horizonte: Mazza Edições. seja apenas o caso de seguir o simples conselho do poema Torpedo: "Irmão. Em 1987. atuou no Jornal O Novo Horizonte.” Como argumenta Maria Nazareth Fonseca. a dos meus avôs. e publica o que vem sendo considerado um dos livros fundamentais para a construção de uma consciência negra no Brasil36.deixem de ser sexistas! e depois disso metem-lhes as esporas burguesasbrancomachistas. a minha história e o meu tropeço que ela não sabe. nesta noite turva. 2007 **CUTI. onde pensei pôr minh’África.42 que os homens dizem às mulheres: . Paulo Colina e Oliveira Silveira. Belo Horizonte: Mazza Edições. Belo Horizonte: Mazza Edições. " E talvez. e oferecer-lhe. nem viu e eu sendo filho dela! . CUTI. em cujo prefácio Paulo Colina ressalta a importância do trabalho do autor para a “depuração da bibliografia”. 2002 ***FONSECA.html 95k 5. participou da Imprensa Negra. dentre outras. em meu peito. por entre as mínimas grades dessa porta de aço um pouco de ar fresco" * CUTI. Adão Ventura. Sanga: poemas. Organizou a antologia A razão da chama. o meu nascimento. por se deslocarem "entre vários paços significantes. O Mutirão e na Revista Níger. Sanga: poemas.com/2008/04/uma-potica-contra-neutralidade. Maria Nazareth. sombra e relembrança. a do meu povo de lá e que me deixam tão sozinho? Como sonhei falar à minha mamãe África. Na praça estão os fracos.C L. os senhores.docentes. inclusive em outros países. com determinação.43 EM MAIO Já não há mais razão de chamar as lembranças e mostrá-las ao povo em maio. Rio e São Paulo. Ele é alguém que ama. sofre. 14 Consultar o ensaio Poesia negra contemporânea: o redescobrimento do Brasil. Mas a liberdade que desce à praça nos meados de maio pedindo rumores. os velhos.. a metalinguagem e a polifonia dos modernistas e. no plano estético. na Bahia. contudo.. a narratividade. A liberdade que sei é uma menina sem jeito. ou do “lamento da senzala”. mas essas duas entidades estão inter-relacionadas. Alguns de seus poemas figuram em sites da Internet. O seu mundo é visto pela perspectiva do negro. Em maio uma tal senhora liberdade se alvoroça. em J. seca. é uma senhora esquálida. Esta é sua forma de engajamento. nas senzalas. turvam o sentido do que sonhamos.uneb.. Luciano Rodrigues de Lima Disponível em: http://www2. em fogo. A poesia de José Carlos Limeira se caracteriza por uma consciência da negritude que se faz presente no tratamento de todos os temas. como: o verso livre. . Limeira possui diversas influências patentes em sua obra. onde integra diversas antologias poéticas. é outra) e o “rap”. e desce às praças das bocas entreabertas e começa: Outrora.br/lucianolima/artigos/POESIA%20NEGRA%20CONTEMPORANEA. reage. O poeta consciente da negritude não precisa estar restrito aos temas de denúncia. a ironia. Em maio sopram ventos desatados por mãos de mando. uma vez que a proposta estética. É um poeta de temática variada. mais recentemente. das questões ligadas ao negro. de verdade. do muito que tem feito! 6. os decadentes e seu grito: Ó bendita Liberdade! E ela sorri e se orgulha. desvalida e nada sabe de nossa vida. não precisa ser explícito. compatíveis com a poesia concreta ( apenas quanto à valorização do som e do ritmo da declamação.José Carlos Limeira 14 Poeta baiano possui uma extensa produção publicada ao longo de três décadas. cuidando de assuntos amorosos. como qualquer cidadão do seu tempo. a incorporação de elementos da oralidade e ritmia adequados à declamação e performance em público. O engajamento de um poeta negro (como o de qualquer poeta). dos que jamais irão à praça. vem montada no ombro dos moleques e se esconde no peito. O poeta e o cidadão são entidades diferentes.doc . sociais e. com prefácio da Profª Drª Florentina Souza.... o poeta eleva esses atos anônimos à condição de poesia: não os condena: absolve-os e eterniza esse amor fortuito: 7.... com a participação de Éle Semog. Mas o que chama a atenção nos poemas de Jônathas é o seu modo de enunciação.. como em A mudança... uma voz profética enunciando de um ponto zenital da dicção lírica. de um só fôlego. prefácios de Oswaldo de Carvalho e Nair Monteiro. livro de poemas de José Carlos Limeira. capta simples frases do cotidiano.. A consciência e a memória do povo negro do Brasil são objeto de poemas como No Nordeste existem Palmares e Zumbi é senhor dos caminhos.. Sua poesia tem como cenário o recôncavo baiano. com atuação no Projeto de Extensão Pedagógica do Ilê Aiyê. Tá precisando de uma mulata meu bem? Pinta tua mãe de preto! (Limeira.. Jônatas Conceição da Silva: entre o real e a transcendência. jogando com as junções de palavras e as suas associações semânticas do mês azarado.... como Saubara.. Em sua obra. como visão crítica do real. da coletânea Quilombo de palavras – A literatura dos afro-descendentes. Em “Voo”. as pequenas cidades. são as duas faces de uma mesma moeda: uma ameniza o sofrimento da outra. às vezes.. a modos de pungente epístola: . fala que a consciência vai chegar e alterar a realidade de alguém que exibe o próprio corpo belo de mulata...... (Limeira. nascido em Salvador.. possui formação acadêmica em Letras.. 1978) Em poemas como Não perdem por esperar. direta ou indiretamente.... um dos idealizadores do Movimento Negro Unificado. percebe-se um conhecimento aprofundado em literatura brasileira e lingüística.. voltada para o presente e as perspectivas do futuro........ para deleite dos olhos dos brancos: . uma só idéia. 1978) A poesia de José Carlos Limeira.... um procedimento da arte moderna.. Tem publicações em revistas especializadas e coletâneas da Bahia e do Brasil e é autor de três livros de poesia. mas seus temas ultrapassam as questões regionais e buscam significados mais universais.. abordando.. ao lado de Lindinalva Barbosa.. como um cartaz de lambe-lambe e resume um dia de um homem anônimo e sem sorte. VOO Quando você acreditar Que é livre e pode Empreender o voo da realidade Procure não pensar Nas correntes da consciência... veloz e certeira como uma flecha: a noção de que o pensamento trai. A infância é um dos seus temas recorrentes. refere-se ao drama humano captado pelo ângulo do absurdo. como em Foto a gosto.. fala um eu poético que simula o próprio sujeito empírico. além de coorganizador.. que correspondem às duas estrofes.. Às vezes.. apresenta uma poesia de conscientização do leitor (negro ou não).... como em Comunhão. Então.. Quem. mas Jônathas Conceição é poeta de variadas técnicas de construção poética e de temática diversificada.... ou. o tema racial no Brasil e no mundo. através de imagens como o mar..... poema curto... Poeta baiano...44 O arco-íris negro. senão um poeta próximo da classe operária captaria a ironia (triste) da prostituição barata enquanto alegre divertimento para os pobres trabalhadores? No poema. os dois lados. ............ não retira diretamente do mundo a matéria de seus poemas....... 1989) A paródia... nosso canto vem da profundeza do coração da dor......... ( um mais baixo nível de rearticulação da linguagem) passando.... Mário de Andrade.... como em Canto de amor ao homem do samba Batatinha...... pelo processo de “apaziguamento”. isto é..... como muitos poetas. (Conceição.......... e sim fazer poesia...... Jônathas se expressa em uma linguagem mais próxima do coloquial...... a sexualidade infantil....) e aberto aos leitores.. quando não é mais preciso provar nada.... Em sua produção mais recente...... Em outros poemas. de São Paulo.. Drummond. Refletindo toda miséria margeada........... às vezes............ Bandeira........... Conceição.... Caetano Veloso.... Nós não sabíamos nada dos verbos mas também não obedecíamos ao seu sangue azul: Cláudio mijava na sala Ari espiava as coxas-meninas e Eu ouvia a professora de sangue azul explicar “ que nós faz” não é direito nem perfeito......... passa um rego.. 1989) ..... poema curto e conciso... A enunciação em primeira pessoa produz um efeito lírico que apela para os sentimentos do leitor. É o poeta que...... Este aqui é o teu filho que se casou mas namora até hoje com a fortuna ( J.. Jônathas demonstra o seu conhecimento do fazer poético.... ouve-se a voz de uma enunciação coletiva.....45 ........ mas da própria literatura... Isto pode ser visto na linguagem de No Nordeste existem Palmares e Escola Bamba.. exemplificada por um grupo de poemas publicados no número 23 dos Cadernos Negros...... É a marca do modernismo (e do pós-modernismo) em uma poesia que não se prende a fórmulas mas a experimentações... onde o poeta é porta-voz de uma comunidade: Seu canto......... e Onde eu nasci passa um rego: Onde eu nasci passa não passa um rio...... Mas não se trata de um eu confessional ou ingênuo e sim de um eu lírico compartilhado com os outros poetas ( Casimiro de Abreu. ao recortar com precisão e pontaria certeira relances da escola primária...... 1989) ....... 1989) ... Oswald.. ou na forma singela de ....... (Conceição.. É a linguagem “carregada de significações” de que fala Pound: A professora tinha sangue azul na palma e na alma..... a ideologia da escola.. o choque cultural.............. .......... (Conceição. produzindo uma visão em profundidade dessa escola: o sentimento do poeta.. Isto pode ser apreciado em criações como Meus oito anos. Em Na escola. Cabral......... Verdejante..... a paráfrase e os procedimentos intertextuais são freqüentemente praticados na poesia de Jônathas Conceição....... .. porém. Mãe Val puxou da memória.. o mágico. “Rosas e abutres”.. Eta...... ÉLE SEMOG: Bofetada na hipocrisia....... o maior problema para a poesia negra era a aceitação pelo próprio negro. Festivamente. Nos anos setenta. em parceria com José Carlos Limeira e A cor da demanda (1997). como O arco-íris negro (1979) e Atabaques ( 1984).. Uma coisa... É o que se pode chamar de “fase heróica” da poesia negra.... Em Atabaques.. A esquerda brasileira não havia assumido como programação política a questão do negro. 1979) Nessa fase. Isto enfraquecia o debate sobre a questão do negro.... como um manifesto. como em Rio das Rãs: . utopia – a alegria da terra reconquistada.. nos poemas agrupados sob o título de Terceiro exercício: Identificar.. No samba de terreiro... Nascido em Nova Iguaçu. No prefácio de Atabaques..... Sua poesia continua arrancando as coisas da sua letargia e fazendo-as voar na direção do sonho e do devir... seus poemas estão em livros. Semog resgata historicamente a identidade e a dignidade da raça negra em trabalhos como Tentativa de assassinato. Colaborou em antologias. Éle Semog é um dos mais renomados poetas negros do Brasil..... Atabaques. nessa hora. 2000) 8..poetas negros alienados ou letristas de samba-enredo crioulo doido.. E serão vistos Com maus olhos Aqueles que comemorarem. Isto reforça a tese aqui defendida de que a poesia negra contemporânea é uma releitura radical do Brasil e...... Para sempre...... E fica o lembrete: Liberdade se toma Não se recebe Dignidade se adquire Não se concede.. até as havaianas dos pés de Valdina teve ares de nobreza... o qual desconhecia a possibilidade de se fazer poesia por um outro ângulo.. (Semog.... festa boa. escrito em 1979.. a poesia de Semog é de denúncia e conscientização. E.... Tudo era paraíso. Éle Semog é um dos poetas desmistificadores da história oficial do Brasil. Zambi! (Conceição..46 tratar o tema da saudade em Amparo. e sim a derrubada da ditadura. e Se ela faz eu desfaço: A treze de maio Fica decretado Luto oficial na Comunidade negra.... parece não mudar na poesia de Jônathas: a busca pela transcendência. mas não esmorecia .. Oliveira Silveira chama a atenção para a diferença entre a poesia de Éle Semog e “. como A razão da chama (1986) e escreve em periódicos como o Cadernos Negros. tecendo loas à princesa e uma abolição enganosa”.... do próprio negro.. Esse treze inútil.. portanto... ...... Semog dedica uma parte às mulheres e outra ao amor. Seu poema Estrangeira é exemplar na revelação de fantasias femininas..... também ocupa posição de destaque na poesia. A cor da demanda retoma temas recorrentes na poesia de Semog. de alegria e sofrimento. Em A cor da demanda... Sem papai.. a mulher negra. livro com sugestiva capa em preto e branco (ou em branco e preto.... Resolvo conjugar o Eu em voz alta... na mudança de atitude.... 2000) ESMERALDA RIBEIRO é paulista..... Cada um que desdobre a metáfora a seu modo.... urbanizado.. a qual é quebrada com interessantes incursões na linguagem informal. como em Não vou mais lavar os pratos... Cabe ao poeta negro propor a retomada de Palmares como metáfora. de Machado. como Palmares. hoje... uma inteligente construção poética. igreja nem sistema.. com um leve toque de humor ( uma espécie de diálogo irônico com chavões da sexualidade holywoodiana) e provocação: ... como se diz no Sudeste) o poeta se mostra por completo. Sua poesia inspira-se na experiência. Não caberia ao poeta propor a revolução diretamente. aí.... dialogando com a figura de uma amada que revela grande mobilidade ( a própria instabilidade do amor).... Tem incentivado a participação da mulher negra na literatura. mas ao político. Este registro histórico é importante para a geração atual de poetas negros ( e para as esquerdas também). CRISTIANE SOBRAL... É a passagem da inocência para a maturidade poética: . TRÊS POETAS NEGRAS: A voz da mulher brasileira.. a verdadeira consciência do poeta.. 1997) 9... Enfatiza sempre a condição dual do amor. sensual.... Nesta vida tão gostosa... jornalista.. faz parte do Quilombhoje. seu discurso em segunda pessoa lhe confere a poeticidade das coisas íntimas.. Assim como nos demais quadrantes da vida nacional. em sua plenitude criativa. enquanto tal. Aí ele realiza uma lírica em linguagem depurada e demonstra uma contribuição interessante ao tema amoroso... ( Sobral... como no poema Cíclico da morte. mas o reapresenta atualizado. Sua dicção é lírica........ abordando temas sutis e inaugurando um tom irônico.. cheio de termos em inglês....47 poetas como Éle Semog e José Carlos Limeira.... Assumo a primeira pessoa do singular... Isto quebra a monotonia (o que seria fatal para a poesia contemporânea) na sua escrita e mantém o leitor com os sentidos alertados... afro-emoção... Nesse livro.. atriz. Só porque estou em outra cidade faço sexo nos táxis. .. atualmente atuando em Brasília. Sua poesia é cálida e pulsante... prazer de veludo o tempo é na graça e penso sonhar-te afro-metáfora.... O “tu” e o “vós” usados com correção gramatical conferem uma certa formalidade ao seu texto.. da desrepressão e do acesso à consciência.. com um toque cultista barroco e ecos da genialidade do Brás Cubas.. Sem o menor dilema. no poema Black Palmares................. abordando experiências.. Nota-se.... trabalha preferencialmente a poética do amor...... ( e autoirônico).... Afro-palmares de tudo gestando explosões seda apertada...... na observação do comportamento.. carioca.( Semog.. ..... capaz de emocionar o leitor. porque queimei aqueles lixos das nossas vidas............. 1984) A melopéia é um estrato privilegiado na linguagem poética de Marise Tietra. Do que sobrou de mim vou fazer um eboh com arruda e alecrim.. Em Cenas de emoções.... Feminina. (Tietra.s capitão spock na aeronave em plena guerra de estrelas me beija sonambulantemente sem lógica seguindo somente a direção necessária das pontas dos dedos pele preta pega. que ela cita textualmente no poema K....... em seus trabalhos...... (Ribeiro. destroy.. Isto é buscado através de aliterações.......... com laivos de culpa e revelações do mais recõndito espaço da afetividade. deixa estes versos intactos na tua memória.............. 1984) . minimalista.... 1984) .. vósvocifera voceu na geral (Tietra...... como os segmentos de um capítulo de novela.. Pode-se esperar por uma evolução natural no tratamento da linguagem em Esmeralda Ribeiro..... a naturalidade com que alterna os níveis de linguagem...... Observe-se............... Marise Tietra assume.. do formal para o informal: . como em Voceu: vós.. filho... ela discorre sobre um amor velado. destroy tomo cikuta última bebida q a mídia lançou e os negros com a sua pele fere fere ( Tietra...... a serviço da conscientização do povo negro... 2000) MARISE TIETRA escreve poesia com plena consciência da condição estética e simbólica da linguagem literária......... um poema em seis partes. ou um filme.... leva..... Seu verso é livre e as rimas aparecem de maneira incidental......... não renunciam a comunicar alguma coisa...... Seus poemas exploram a relação som-significado. isto é........ sua escrita recriada não esquece da pele negra: P.....48 O seu ângulo de visão do mundo e do amor é naturalmente feminino.... Sabe...... mas não incorrem no esvaziamento da mensagem.. poeta que já demonstra um grande ímpeto criador..... vósvocifera vós.. a artificialidade da linguagem poética mas a coloca sutilmente.. também......... na passagem a seguir.......... É uma poesia pungente e mundana.. Os sons e ritmos são ágeis como no funk....... Suas composições trazem experimentações lexicais (neologia) ao nível silábico e ortográfico: ..... ê Imagina só Que mentira danada. ê Na verdade a mão escrava Passava a vida limpando O que o branco sujava. ê Imagina só O que o negro penava. 1. 15 Disponível em: http://www. A Mão Da Limpeza Composição: Gilberto Gil O branco inventou que o negro Quando não suja na entrada Vai sujar na saída.49 10. ê Mesmo depois de abolida a escravidão Negra é a mão De quem faz a limpeza Lavando a roupa encardida. reflexão sobre o preconceito racial.Tema da etnicidade: valorização da cultura afro-brasileira. ê Imagina só O que o branco sujava.com/artigos/humanas/letras/a-contestacao-negra-na-musica-"a-maoda-limpe-za"-de-gilberto . esfregando o chão Negra é a mão É a mão da pureza Negra é a vida consumida ao pé do fogão Negra é a mão Nos preparando a mesa Limpando as manchas do mundo com água e sabão Negra é a mão De imaculada nobreza Na verdade a mão escrava Passava a vida limpando O que o branco sujava. ê Imagina só Eta branco sujão A Contestação Negra na Música "A Mão da Limpeza" de Gilberto Gil15 José Edson Ferreira Lima José Edson Ferreira Lima. ê Imagina só O que o branco sujava.artigos. ê Imagina só Vai sujar na saída. ele estrutura sua argumentação da seguinte forma: 1) contestando um ditado popular (versos 1 a 7). neste caso. Essas vozes são constituintes do sujeito enunciador. porcaria) e o conotativo. visto que todo o seu discurso se constrói em oposição a um determinado discurso que tem como uma de suas características a concepção de superioridade da raça branca. É a voz do negro excluído dos bens culturais e materiais. como defensor da causa negra. “danada” e “eta branco sujão”. Toda a composição da música se constrói na oposição entre os termos sujeira e limpeza. sociais e ideológicos podemos dizer que a formação em questão resulta de aspectos como: . vai sujar na saída”. decorrente da oposição entre as duas posições ideológicas presentes na música. Portanto. que imagina ser dono do seu dizer. Neste sentido temos um interessante efeito de sentido na palavra sujeira (sujar). o discurso do branco. contestar a superioridade branca. temos um sujeito heterogêneo e não-individual. Enquanto o branco toma a acepção da palavra sujeira no sentido de fazer algo de errado. Em síntese. Nesse sentido. 3) ressaltando a atual condição de preconceito e exclusão social em que vivem os afro-descendentes (versos 15 a 23). afirmando que o negro nunca deixa de errar ou se atrapalhar. denotando posições em confronto. Levando em conta que qualquer formação discursiva é resultado de uma dispersão de elementos históricos. Tal sujeito insere-se como negro (embora não utilize a primeira pessoa ao falar dos negros). consciente de sua importância e de sua exploração. O primeiro relacionado ao branco e o segundo sempre relacionado ao negro. É. portanto. O sujeito enunciador procura demonstrar que não é o negro que suja e sim o branco e. ambas constatadas em seu dizer. toma a palavra sujeira em dois sentidos: O material (imundície. em virtude disso. reprovável. ao mesmo tempo em que temos a voz erudita e intelectual em expressões como “imaculada nobreza” e “negra é a vida consumida ao pé do fogão”. um sujeito discursivo representativo de um determinado lugar sócio-históricoideológico. ou seja. porém é composto por diversas vozes componentes de sua formação. isto é. o negro. o branco e o negro. 2) lembrando fatos históricos anteriores à abolição da escravatura (versos 8 a 14). temos a mesma palavra ou expressão tomada com acepções diferentes e enunciadas de diferentes lugares sócio-históricosideológicos. argumentando e procurando mostrar justamente o oposto. objetivando negar um conceito vigente. o ditado racista segundo o qual “quando o negro não suja na entrada. pois todo o seu discurso é organizado em torno da contestação da superioridade branca sobre os negros. o negro é que está sempre limpando a sujeira. ao afirmar que o negro limpa “as manchas do mundo com água e sabão”. Ainda sobre o sujeito discursivo observa-se na linguagem empregada a presença da polifonia. 4) defendendo a idéia de que é o negro que conserta (limpa) as mazelas do mundo (versos 24 a 26) e 5) retomando sua idéia inicial de que o banco suja e o negro limpa e não o oposto ( versos 27 a 39) A formação discursiva do sujeito enunciador em questão é caracterizada pelo caráter contestatório e denunciativo. tanto física quanto moral.50 Análise do discurso Inicialmente podemos observar que toda a composição foi construída utilizandose a negatividade lírica. que o branco faz. subjugado e revoltado e a voz do erudito. pois vemos expressões características da voz de um negro simples como “ê”. que. em oposição. Entretanto este ditado serve apenas como ponto de partida para o posicionamento do sujeito enunciador. além disso. Caracterizado o sujeito discursivo passamos a observar a enunciação do discurso. que se caracteriza por defender a causa negra e. seqüestrados de seus países.Os melhores poemas 16 O livro Cadernos Negros . constituindo a polifonia e a heterogeneidade mostrada. deixando o livre-pensador em posição de vôo. a qual é expressa pela abordagem que se faz da verdadeira história dos afrobrasileiros.Cadernos negros . Os textos mostram uma fase especialmente interessante da poesia: sua dimensão social e histórica. como a fome.51 1) Ao processo histórico da escravidão a que os negros foram submetidos durante éculos da nossa história. a violência urbana. vivendo em condições subumanas. 11. 1. principalmente trabalhos domésticos. sobretudo.passeiweb./cadernos_negros_os_melhores_poemas . especialmente do Ensino Superior. na mobilização das energias voltadas para a celebração da vida. com seus versos polirrítmicos. com sua variadas formas.Os Melhores Poemas traz textos escolhidos dos dezenove primeiros volumes da série. sonhos. Os poetas também mergulham em vários temas. para a exaltação da continuidade de lutas.com/. Eu-mulher em rios vermelhos inauguro a vida. a batalha das classes excluídas e o preconceito racial contido nas relações humanas do dia-a-dia. caracterizada a formação ideológica do sujeito discursivo. Para confirmar isso basta atentarmos para as diversas pesquisas que apontam os negros como detentores dos empregos menos remunerados. excluídos da educação. Mas é. correspondente a sua formação ideológica de defensor da causa dos negros e determinada também por fatores históricos e sociais e ideológicos. podemos dizer que temos um sujeito enunciador com uma formação discursiva contestatória. Em síntese. Os poemas têm raízes ancestrais e desenvolvem a reflexão poética sobre a vida e a cultura dos afro-brasileiros. Ainda sobre o sujeito discursivo temos que é um sujeito heterogêneo. EU-MULHER (Conceição Evaristo) Uma gota de leite me escorre entre os seios. Vagos desejos insinuam esperanças. em nossos desejos. o feminismo. A poesia contida nesta obra aloja-se em nossa alma. esperanças e amores. Temos assim. 2) A condição social de submissão deles que ainda persiste mesmo após a abolição. uma história extraída dos subterrâneos da memória. ligada diretamente a um grupo social. Uma mancha de sangue me enfeita entre as pernas Meia palavra mordida me foge da boca.. afanados de sua cultura e religião e forçados a servir aos brancos até o limite da resistência. 3) A ideologia da superioridade negra e até de repúdio ao branco (“eta branco sujão”). tratados como animais. é aí que se encontra a força dos poemas. com sua musicalidade herdada de tradições africanas.. neste caso os negros ou simpatizantes da cultura africana. Em baixa voz 16 Disponível em: www. etc. constituído por diversas vozes de discursos que se entrecruzam no seu. / Antecipo. Eu-mulher abrigo da semente moto-contínuo do mundo. neste poema. / Antevejo. exibe um corpo de mulher talhado por significantes que dizem da função geratriz inscrita no corpo da mulher: Eu-mulher em rios vermelhos / Inauguro a vida / Em baixa voz / Violento os tímpanos do mundo.o que há de vir. / Eu fêmea-matriz. o poeta evoca uma ancestralidade que tem a ver com a trajetória de batalhas dos afro-descendentes no Brasil./ Eu-mulher / abrigo da semente / moto-contínuo / do mundo. Eu força-motriz. Uma trajetória cujas raízes remontam a Palmares e ao guerreiro que melhor simbolizou a trajetória do quilombo. através do verso "Eu sou descendente de Zumbi".agora . p.52 violento os tímpanos do mundo. Antecipo. Os melhores poemas) Comentário: Conceição Evaristo. / Eu força-motriz. Antevejo. Antes-vivo Antes . / Antes-vivo / Antes agora o que há de vir. 2. LINHAGEM (Carlos Assumpção) Eu sou descendente de Zumbi Zumbi é meu pai e meu guia Me envia mensagens do orum Meus dentes brilham na noite escura Afiados como o agadá de Ogum Eu sou descendente de Zumbi Sou bravo valente sou nobre Os gritos aflitos do negro Os gritos aflitos do pobre Os gritos aflitos de todos Os povos sofridos do mundo No meu peito desabrocham Em força em revolta Me empurram pra luta me comovem Eu sou descendente de Zumbi Zumbi é meu pai e meu guia Eu trago quilombos e vozes bravias dentro de mim Eu trago os duros punhos cerrados Cerrados como rochas Floridos como jardins Comentário: No poema "Linhagem" (acima). (Cadernos negros. Eu fêmea-matriz. 30. número 13. . e que atualmente consta do panteão oficial dos heróis brasileiro. Sou noite e noite só O meu sangue espalhou-se pelo espaço E o céu coloriu-se de um tom avermelhado como o crepúsculo E eu cantei Cantei porque agora a chuva brotará da terra. . para despertar o teu sono. UM SOL GUERREIRO (Celinha) (A todas as crianças negras assassinadas em Atlanta e a muitas outras crianças assassinadas todos os dias no ventre da humanidade) Já não ouço meu pranto porque o choro emudeceu nos meus lábios O grito calou-se em minha garganta o sol da meia-noite cegou-me os olhos. eu sei Mas o teu solo é livre Cante. Comentário: O poema "Um sol guerreiro" recupera uma dicção política que.. em outros momentos fazia-se a tônica da poesia libertária: As sementes de todos os frutos / Cairão sobre os nossos pés / E germinaremos juntos. As sementes de todos os frutos cairão sobre os nossos pés E germinaremos juntos Embora tu não possas mais tocar as flores deste jardim. pois certamente muito antes de surgir um novo dia um sol.53 3. Como uma nova alvorada. há de raiar à meia-noite. menino. guerreiro. cante uma canção que emudeça os prantos.. que repique os ataques e ensurdeça os gritos Porque amanhã não haverá mais nenhum resto de esperança não haverá mais um outro amanhecer. Conceição Evaristo 1. 20 . 1992. vol. Poemas. 13. A voz de minha filha recorre todas as nossas vozes recolhe em si as vozes mudas caladas engasgadas nas gargantas. Quilombhoje. 1990. A voz de minha avó ecoou obediência aos brancos-donos de tudo. 2. v. São Paulo. In Cadernos Negros. A minha voz ainda ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome. Na voz de minha filha se fará ouvir a ressonância o eco da vida-liberdade.o hoje . A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta No fundo das cozinhas alheias debaixo das trouxas roupagens sujas dos brancos pelo caminho empoeirado rumo à favela. 15. Ecoou lamentos De uma infância perdida. Favela Barracos montam sentinela na noite Balas de sangue derretem corpos no ar Becos bêbados sinuosos labirínticos velam o tempo escasso de viver Cadernos Negros.o agora.54 12. O ontem . p. A voz de minha filha recolhe em si a fala e o ato. Vozes-mulheres A voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio. nas escolas. eu calo. Nas contas de meu rosário eu canto Mamãe Oxum e falo padres-nossos e ave-marias. nas fábricas. Nas contas de meu rosário eu teço intumescidos sonhos de esperanças. 4. eu falo de mim mesma um outro nome. 25 . um barbante áspero. sempre dilacerada. porém. pessoas. que há vidas-blasfemas). macia seda. Nas contas de meu rosário eu canto. Do meu rosário eu ouço os longínquos batuques do meu povo e encontro na memória mal adormecida As rezas dos meses de maio de minha infância. cruel rompeu a tênue linha da pipa-borboleta da menina. As contas do meu rosário fizeram calos em minhas mãos. apesar do desejo de coroar a Rainha. nas casas. nas ruas. Cadernos Negros . E depois. E sonho nas contas de meu rosário lugares. As coroações da Senhora. que são pedras marcando-me o corpo caminho. tinham de se contentar em ficar ao pé do altar lançando flores. a menina expulsou de si uma boneca ensanguentada que afundou num banheiro público qualquer. me insinua a poesia. o meu rosário se transmuta em tinta. eu diria.vol. E depois de macerar conta por conto do meu rosário. vidas que pouco a pouco descubro reais. Quando debulho as contas do meu rosário. em que as meninas negras.55 3. Da menina. me acho aqui eu mesma e descubro que ainda me chamo Maria. As contas do meu rosário são contas vivas. Nas contas de meu rosário eu vejo rostos escondidos por visíveis e invisíveis grades e embalo a dor da luta perdida nas contas de meu rosário. Vou e volto por entre as contas de meu rosário. pois são contas do trabalho na terra. no mundo. no coração e nas cabeças vazias. brincava no céu descoberto da rua. E quando o papel seda esgarçada da menina estilhaçou-se entre as pedras da calçada a menina rolou entre a dor e o abandono. másculo cerol. eu grito. Meu rosário Meu rosário é feito de contas negras e mágicas. me guia o dedo. a pipa Da menina a pipa e a bola da vez e quando a sua íntima pele. E neste andar de contas-pedras. Do meu rosário eu sinto o borbulhar da fome no estômago. (Alguém disse um dia que a vida é uma oração. há anos. antes que a nuvem derretesse e com ela os nossos sonhos se esvaecessem também. querendo livrar a boneca-mãe daquele padecer. E a insistente pergunta. A mãe e nós rimos e rimos e rimos de nosso engano. Em cima da cama. no final da tarde. Às vezes. Ali. colhia aquela nuvem. A mãe. eu me pegava pensando de que cor seriam os olhos de minha mãe. há meses. Postávamos deitadas no chão e batíamos cabeça para a Rainha. Nessas ocasiões a brincadeira preferida era aquela em que a mãe era a Senhora. Da unha encravada do dedo mindinho do pé esquerdo. Era como se cozinhasse ali. repartia em pedacinhos e enfiava rápido na boca de cada uma de nós. quando a mãe cozinhava. entretanto. se tornava uma grande boneca negra para as filhas. A mãe só ria. algodão doce. gigantes adormecidos. ganhavam roupas antes dos meninos. Da verruga que se perdia no meio da cabeleira crespa e bela. princesas.. um pequeno banquinho de madeira. Umas viravam carneirinhos.56 13. E era justamente nos dias de parco ou nenhum alimento que ela mais brincava com as filhas. cresci rápido. acordei bruscamente e uma estranha pergunta explodiu de minha boca. chovia! Então.. Mas de que cor eram os olhos de minha mãe? Eu sabia. puxou rápido o bichinho. Pensamos que fosse carrapato. Conceição Evaristo Uma noite. ela nos protegia com seu abraço. Sempre ao lado de minha mãe aprendi conhecê-la. Conto Olhos d’água. me descobria cheia de culpa. apenas o nosso desesperado desejo de alimento. de que cor eram os olhos de minha mãe? Lembro-me ainda do temor de minha mãe nos dias de fortes chuvas. De que cor eram os olhos de minha mãe? Aquela indagação havia surgido há dias. cantávamos. alegria que a mãe nos dava quando. E a nossa fome se distraía. desde cedo. a Rainha. se o barulho da chuva. As labaredas. Mas. Eu achava tudo muito estranho... Nesses momentos os olhos de minha mãe se confundiam com os olhos da natureza. sorríamos. As meninas. as histórias da infância de minha mãe confundiam-se com as de minha própria infância. passando por uma breve adolescência. eu não sabia de que cor eram os olhos de minha mãe? Sendo a primeira de sete filhas. E eu não sei se o lamento-pranto de minha mãe. pareciam debochar do vazio do nosso estômago. cachorrinhos. Então. descobrimos uma bolinha escondida bem no couro cabeludo ela. como também sabia reconhecer em seus gestos. Decifrava o seu silêncio nas horas de dificuldades. outras. espichava o braço que ia até o céu. ela se assentava na soleira da porta e juntas ficávamos contemplando as artes das nuvens no céu. da panela subia cheiro algum. martelando. algumas. busquei dar conta de minhas próprias dificuldades. ignorando nossas bocas infantis em que as línguas brincavam a salivar sonho de comida. Um dia. que a mãe inventava esse e outros jogos para distrair a nossa fome. desde aquela época. agarrada a nós. Às vezes. naquela noite se transformou em uma dolorosa pergunta carregada de um tom acusatório... Ela havia nascido em um lugar perdido no interior de Minas. porque eu não conseguia lembrar a cor dos olhos dela? . de que cor eram os olhos dela? Eu me lembrava também de algumas histórias da infância de minha mãe. e havia aquelas que eram só nuvens. antes que a noite tomasse conta do tempo. Chovia. chorava! Chorava. E com os olhos alagados de pranto balbuciava rezas a Santa Bárbara. deixando por uns momentos o lavalava. assim que os seios começavam a brotar. Sei que tudo me causava a sensação de que a nossa casa balançava ao vento.. dançávamos. pois me lembrava nitidamente de vários detalhes do corpo dela. E o que a princípio tinha sido um mero pensamento interrogativo. Lembro-me de que muitas vezes. braços e colo. Tudo tinha de ser muito rápido. Mas. E diante dela fazíamos reverências à Senhora. as crianças andavam nuas até bem grandinhas. temendo que o nosso frágil barraco desabasse sobre nós. brincando de pentear boneca. em volta dela. por não recordar de que cor seriam os seus olhos. De que cor eram os olhos de minha mãe? Atordoada custei reconhecer o quarto da nova casa em que estava morando e não conseguia me lembrar como havia chegado até ali.. de uma maneira triste e com um sorriso molhado. posso dizer. A mãe cochilava e uma de minhas irmãs aflita. martelando. Ela se assentava em seu trono. Nós. sob a água solitária que fervia na panela cheia de fome. Felizes colhíamos flores cultivadas em um pequeno pedaço de terra que circundava o nosso barraco. Entre um afazer e outro.. prenúncios de possíveis alegrias. Naquele momento. então. A mãe riu tanto das lágrimas escorrerem.Aquelas flores eram depois solenemente distribuídas por seus cabelos. o passa-passa das roupagens alheias.. Havia anos que eu estava fora de minha cidade natal. mas de minhas tias e todas a mulheres de minha família. para nunca mais esquecer a cor de seus olhos. Quando nós duas estávamos nesse doce jogo. sussurrando minha filha falou: Mãe. palavras e sangue. Eu precisava buscar o rosto de minha mãe. mas profundos e enganosos para quem contempla a vida apenas pela superfície. eram tantas lágrimas. que desde a África vinham arando a terra da vida com as suas próprias mãos. naquele momento. quando. Voltei. após longos dias de viagem para chegar à minha terra. já naquela época. qual é a cor tão úmida de seus olhos? (Cadernos Negros. tomada pelo desespero por não me lembrar de que cor seriam os olhos de minha mãe. no outro dia. me contemplando intensamente. perguntou baixinho. que eu me perguntei se minha mãe tinha olhos ou rios caudalosos sobre a face? E só então compreendi. enquanto jogava o olhar dela no meu.pdf . ela sorria feliz. pude contemplar extasiada os olhos de minha mãe. Entretanto. 28. eu não esqueço essas Senhoras. E. não só dela. ou como estivesse buscando e encontrando a revelação de um mistério ou de um grande segredo. A cor dos olhos de minha mãe era cor de olhos d’água. Minha mãe trazia. encostei meu rosto no dela e pedi proteção. voltar à cidade em que nasci. Senti as lágrimas delas se misturarem às minhas. prantos e prantos a enfeitar o seu rosto. E um dia desses me surpreendi com um gesto de minha menina.57 E naquela noite a pergunta continuava me atormentando. ela tocou suavemente o meu rosto. Águas de Mamãe Oxum! Rios calmos. fixar o meu olhar no dela. Vivia a sensação de estar cumprindo um ritual. águas correntezas. eu entoava cantos de louvor a todas nossas ancestrais. em que a oferenda aos Orixás deveria ser descoberta da cor dos olhos de minha mãe. Sim. Reconhecia a importância dela na minha vida. quando já alcancei a cor dos olhos de minha mãe. E assim fiz.ufmg. E também. Mas de que cor eram os olhos de minha mãe? E foi então que. tento descobrir a cor dos olhos de minha filha.letras. Não. aflita. águas de Mamãe Oxum. 2005) Disponível em: www.br/literafro/data1/autores/43/textosselecionados. E quando. serenamente em si. resolvi deixar tudo e. Eu escutei. mas tão baixinho como se fosse uma pergunta para ela mesma. Hoje. Por isso. Faço a brincadeira em que os olhos de uma são o espelho dos olhos da outra. Mas eu nunca esquecera a minha mãe. Mas. nossas Yabás. donas de tantas sabedorias. vol. Abracei a mãe. Saíra de minha casa em busca de melhor condição de vida para mim e para minha família: ela e minhas irmãs que tinham ficado para trás. sabem o que vi? Sabem o que vi? Vi só lágrimas e lágrimas. mas satisfeita. Poesia negra brasileira: antologia/ organização. 1998. A. PEREIRA. Cadernos Negros. Maria do Carmo Lana. 2008. Esmeralda. .58 • Bibliografia Básica AMÂNCIO. Regiane de A. O negro e o romantismo brasileiro. Poéticas afrobrasileiras. FIQUEIREDO. 1988. 2007. Edimilson. Machado de Assis afro-descendente. 2007. Contos afro-brasileiros. Márcio. Malungos na escola: questões sobre culturas afrodescendentes e educação. Belo Horizonte: Editora PUC Minas. Autêntica. São Paulo: Contexto.Consultar o livro Literatura afro-brasileira: (Org. FONSECA. A. RIBEIRO. Notas sobre a literatura brasileira afro-descendente. Mazza Edições. DUARTE. Os melhores poemas. 2010. São Paulo: Quilombhoje. Vol. Um tigre na floresta de signos: estudos sobre poesia e demandas sociais no Brasil. BARBOSA. Maria Nazareth Soares (org). BARBOSA. São Paulo: Paulinas. 30. MUSSA. 28. PEREIRA.com/doc/6522181/Livro-Literatura-Afrobrasileira . Iris Maria da Costa. Cadernos Negros. BERN. Belo Horizonte: FALE-UFMG. 2007. Vol. Marli Fantini e DUARTE. 2002. ALBERTO BAETA NEVES. JORGE. Heloísa Toller. Vários autores. “Origens da Poesía Afro-Brasileira: Condicionamientos Lingüísticos in Estudos Afro-Asiáticos nº 19. RIBEIRO. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Quilombhoje. 1992. prefácio de Domício Proença Filho. Eduardo de Assis. São Paulo: Atual. 2002. Zilá. Contos afro-brasileiros. Miriam Lúcia dos Santos. AGE: IEL: IGEL. MATOS. Belo Horizonte. GOMES. 2007.scribd. São Paulo: Quilombhoje. Disponível em: http://www. Eduardo de Assis (Orgs). DUARTE. Esmeralda. 2005. GOMES.Porto Alegre. Belo Horizonte: Pallas. Cadernos Negros. Eduardo de Assis. Poéticas da diversidade. Belo Horizonte: Mazza Edições. Literaturas africanas e afro-brasileira na prática pedagógica. 1990.) Florentina Souza e Maria Nazareth Lima. In SCARPELLI. Edimilson. Nilma Lino. Márcio.
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