A_Opera_do_Trindade.pdf

May 24, 2018 | Author: ffigueiredo2005 | Category: Opera, Theatre, State (Polity), Ideologies, Portugal


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Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 1 Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 2 Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 3 Nuno Domingos A ÓPERA DO TRINDADE FNAT: Política Social, Divulgação Cultural e Ideologia A Companhia Portuguesa de Ópera (1963-1975) Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 4 Título A Ópera do Trindade © 2006, Nuno Domingos Todos os direitos reservados. 1.A EDIÇÃO / Junho de 2007 ISBN: 978-972-41-0000 Depósito Legal n.O: 246621/06 Distribuição ASA Editores, SA Av. da Boavista, 3265 — Sala 4.1 4100-138 Porto — Portugal Tel. 22 616 60 30 / Fax. 22 615 53 46 www.asa.pt [email protected] Av. Eng. Duarte Pacheco, 19 — 1.O 1070-100 Lisboa — Portugal Tel. 21 380 21 26 / Fax. 21 380 21 15 [email protected] Edição apoiada por: Na expecta- tiva de oferecer à música o lugar de destaque que lhe é devido no quadro de reflexão sobre a cultura e a sociedade.Opera do Trindade. partilhados por áreas disciplinares afins. os Estudos Culturais e os Estudos em Performance. a colecção Músicas dirige-se não apenas aos especialistas como também ao grande público. Coordenação Científica de Salwa Castelo-Branco Instituto de Etnomusicologia Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Universidade Nova de Lisboa e Susana Sardo Instituto de Etnomusicologia Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Universidade Nova de Lisboa Universidade de Aveiro 5 . como a Etnomusicologia. privilegiando as reflexões sobre os espaços Português e Lusófono. são os principais critérios que nor- teiam a selecção dos trabalhos. a So- ciologia.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 5 Colecção Músicas A colecção Músicas procura dotar o panorama editorial em língua por- tuguesa de estudos monográficos de carácter científico que enquadrem diferentes universos musicais. a Antropologia. a Musicologia Histórica. A actualidade das temáticas e das abordagens. bem como a multidisciplinaridade. Diogo Rama- da Curto. 6 . José Neves. Carlos Fragateiro e da equipa do Teatro da Trindade. e dos membros do Instituto de Etnomusicologia da Universidade Nova de Lisboa. Miguel Jerónimo. que nasce de uma dissertação de mestrado defendida na Universidade Nova de Lisboa em 28 de Novembro de 2002*. * A dissertação de mestrado foi apoiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. deve-se em grande parte à orientação de Rui Santos e Mário Vieira de Carvalho. queria destacar os contributos de Jorge e Isaura Domingos. Pela responsabilidade diversa que tiveram na elaboração deste traba- lho. Fernando Domingos. Frederico Ágoas. Inês Brasão. Sílvia Nóbrega e Tiago Fernandes.Opera do Trindade. Salwa Castelo- -Branco. Daniel Melo.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 6 Agradecimentos Este livro. Rui Vieira Nery. José Serra Formigal. . . . . . . . . . . . . 92 O São Carlos e o Trindade . . . . . . . . . . . . . . . .1 > A organização dos lazeres na Itália fascista e na Alemanha nacional-socialista . . . . . . . . 43 1. . . . . . . . 90 Políticas culturais e objectivos políticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .206 Anexo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110 Um modelo operático alternativo: o caso do Grupo Experimental de Ópera de Câmara (GEOC) . . . . . . . . . 219 7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 Conclusão . . . . . . . 80 A política cultural da FNAT no Teatro da Trindade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 O público . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2 > O percurso histórico da FNAT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 O lazer moderno e as suas funções sociais . . . . . . . . 9 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 Os cantores do Trindade e a sua condição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201 Posfácio . . . . . . . . . . . . . . . . Políticas Sociais e Tempos Livres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 A ópera . . . . . . 85 Desproletarizar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .56 O Portugal do pós-guerra e o crescimento da FNAT . . . . .62 O crescimento da acção ideológica da FNAT . . .67 2 > A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos .39 1. . . . . . .qxp 5/28/07 11:25 AM Page 7 Conteúdos Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . 17 1 > Ideologia. . . . . . . . . . . . . 126 3 > A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas . . . . . . . 36 O Estado moderno e as políticas sociais . . . . . . . . . . . . . . . . 99 Enobrecer a cultura popular . . . . . . . . . . . . . . . . . 212 Índice Remissivo . . . . . . . . .Opera do Trindade. . . . . . . . . . . . . 50 Alegria no Trabalho e a dimensão cultural . . . . . . . . . . . . 13 Ópera para Trabalhadores . . . . . 104 Os limites do espectáculo corporativo: as actas do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 O Caso Ruy Coelho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 Sobre a sensibilidade para a ópera . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 O Trindade e o meio operático . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . qxp 5/28/07 11:25 AM Page 8 Índice de Abreviaturas FNAT: Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho EFTA: European Free Trade Association (Associação Europeia de Comércio Livre) SNI: Secretariado Nacional da Informação JAS: Junta de Acção Social ETN: Estatuto do Trabalho Nacional ISCEF: Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras GATT: General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) GEOC: Grupo Experimental de Ópera de Câmara OIT: Organização Internacional do Trabalho CAT: Centro de Alegria no Trabalho CRP: Centro de Recreio Popular KDF: Kraft Durch Freude (Força Pela Alegria) OND: Opera Nazionale Dopolavoro OECE: Organização Europeia de Cooperação Económica FMI: Fundo Monetário Internacional 8 .Opera do Trindade. parafraseando Geertz. sem se reduzir ao enunciado de um qual- quer esquema determinista. apresenta no entanto várias carac- terísticas que a tornam interessante como objecto de estudo sociológico e histórico. a Companhia Portuguesa de Ópera (CPO) que teve sede no Teatro da Trindade. agindo como se de um actor individual se tratasse. mas sob a tutela de um orga- nismo vocacionado para as políticas sociais e à margem do Secretariado Nacional da Informação (SNI). enquanto instrumento de política cultural com objectivos bem precisos – divulgar socialmente o gosto pela ópera e o acesso a ela. Como qualquer biografia. de modo a produzir uma sequência significa- tiva. a própria instituição. sabe usar a teoria para melhor colocar os problemas. Para apresentar brevemente este livro. arriscar hipóteses. Contra a visão de senso comum de um aparelho de Estado monobloco. poderíamos falar de uma “nar- rativa densa”. é. seleccio- nar e interpretar a informação. é ordenado num eixo. define a relevância e dá significado à narrativa que contém.Opera do Trindade. Neste caso. come- çar por indicar o que.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 9 Apresentação Este estudo é a biografia de uma instituição cultural desde a sua con- cepção. do nosso ponto de vista. reencontrar os sentidos da acção para os próprios actores e colocar a sua autodetermi- nação no contexto dos constrangimentos e das oportunidades do espaço social. uma narrativa em que um conjunto de factos relevantes sobre a entidade estudada. ou em vários eixos temáticos conexos. importará. Uma narrativa histórica sustentada por uma trama conceptual sociológica que. esta micro-análise destaca as tensões internas e os interstí- cios em que se desenvolvem margens de liberdade institucionais e 9 . mas também usar a narrativa para testar os limites das construções teóricas. as suas acções e os contextos destas. enquadrada nas actividades da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT). Em primeiro lugar. antes de mais. romper com imprecisões da linguagem comum. Aparentemente uma instituição menor. decerto uma pequena peça na estrutura institucional do Estado Novo. gerar oportunidades para os criadores e intérpretes nacionais e constituir uma escola para talentos emergentes –. pois. Uma dessas características é a ambiguidade da sua inserção institu- cional. os níveis inferiores da hierarquia da oferta e da divulgação culturais. pretendiam nivelar. Serra Formigal. em torno deste objecto específico. políticas culturais. cultura erudita de cultura popular. De onde o importante cruzamento da biografia da instituição com as acções individuais de diversos actores. na criação dos seus papéis institucionais. e se desenrolam lutas pela aquisição ou valorização de posi- ções concorrenciais. mobilidade social. Acompanhando um processo de modernização tardia – dese- quilibrada e gorada em dimensões essenciais da sociedade portuguesa –. ideologia e legitimação do Estado e do regime. as categorizações tantas vezes aceites como óbvias que apartam política social de política cultu- ral. como orientadores científicos da investigação. e mesmo. face a novas aspirações de camadas sociais emergentes. as relações entre políticas sociais. Outra característica é o seu tempo e o contexto sociopolítico em que decorre. que hoje se apresentam sob novas formas que urge interrogar. pela sua colaboração num trabalho de investigação que necessariamente abordou a sua obra pessoal numa perspectiva crítica. e as tensões entre a adaptação e a resistência à mudança no interior do regime. em nome da igualdade de opor- tunidades de acesso à excelência. gostaríamos. a pequena escala da instituição faz dela um objecto fácil de manusear para apreender as disposições e as motivações dos actores individuais no desempenho. como é o caso. à partida. não são menos problemas actuais da sociedade portuguesa.Opera do Trindade. de que se destaca a figura do criador do projecto da CPO como actor central da narrativa. poderão ter aumentado as desigualda- des que. dentro das margens de liberdade que conse- guem criar e defender. essa mesma ambiguidade leva a pôr em causa. de deixar uma palavra de apreço. Finalmente. 10 . diferente- mente posicionados nas relações aqui evidenciadas entre o campo polí- tico e o campo cultural. ao destruírem. Problemas históricos pela data- ção. No contexto da mudança de regime. iniciativas estatais e estratégias individuais.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 10 A Ópera do Trindade pessoais. Ao Dr. Por outro lado. leva ainda a discutir os efeitos perversos de políticas de in- tenções niveladoras que. aspirações de consumo e for- mação de públicos culturais. constitui um ponto de observação privilegiado para questionar esse mesmo processo em alguns aspectos cruciais: as relações entre mudança estrutural. a iden- tidade da sua prática científica. como sempre. aqui particularizados na especialização em Sociologia Histórica. a competência e o trabalho do Autor. Assim se ensaiou mais um cruzamento de competências científicas. que subscrevemos esta nota. a qualidade e a originalidade das inves- tigações enquadradas em sucessivas gerações de cursos de mestrado em Sociologia. entre os muitos possíveis em torno de problemas e objectos de estudo concretos. a nosso ver. Mário Vieira de Carvalho 11 .Opera do Trindade. atestam a vitalidade. desde finais dos anos 80. nos acontecimentos narrados. Rui Santos. Produto de uma escola que procura na interdisciplinarida- de. determinantes a formação. e de sabermos ter com ela apoiado uma investigação em que foram. é significativo que a sua orientação tenha sido partilhada por dois docentes de departamentos diferentes. enquanto crítico musical e activista políti- co-cultural. É com a alegria de ver de novo um trabalho de qualidade emergir dessa prática de co- laboração. necessariamente assente em sólidos alicerces disciplinares. É a mais recente de um conjunto de publicações que. de teor mais institucional. Sociologia e Ciências Musicais.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 11 Apresentação Uma última palavra. Este trabalho resul- ta de uma dissertação de mestrado em Sociologia defendida na Facul- dade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. o Autor lidou exemplarmente – de um de nós ter sido actor participante. com a aliciante – também um perigo com que. Goulart / AFCML .qxp 5/28/07 11:25 AM Page 12 Teatro da Trindade. 1969 © João H.Opera do Trindade. como. A definição das etapas de evo- lução da FNAT. entre 1963 e 1975. pela análise de um objecto específico e histori- ograficamente marginal. o excluir –. típico das análises que tratam as primeiras décadas do regi- me. Enunciaram-se. a um nível mais estrutural. com a explicação da dinâmica histó- rica que deu origem à criação de um conjunto de instituições estatais de regulação social. A segunda tomou a forma de um enquadramento teórico e histórico. por exemplo: José Carlos Valente. está relacio- nada. determinada pelas transformações que caracterizaram a sociedade portuguesa no terceiro quartel do século XX. que abarca essencialmente o período do Estado Novo anterior à Se- gunda Guerra Mundial. Modelo patente na obra historiográfica de Fernando Rosas. 13 . pretende. 1999.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 13 Introdução A investigação das temporadas de ópera que a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT) organizou no Teatro da Trindade. questionar o contexto de intervenção e o al- cance ideológico das medidas de política social delineadas pelo Estado Novo. A definição de conceitos à luz do seu significado histórico e da sua capacidade explicativa foi impor- tante para designar os parâmetros que configuraram a interpretação do tema. A abordagem de um instrumento ideológico específico do Estado Novo implica uma concepção de acção ideológica que ultrapasse a compo- nente mais visível da endoutrinação. no entanto. A pri- meira introduz o tema. envolvendo o leitor com a realidade explorada. Lisboa.1 Mais do que perceber a constelação de princípios doutrinais que 1. A breve comparação estabelecida com as organiza- ções de tempos livres da Itália fascista e da Alemanha nacional-socia- lista serve para perspectivar melhor o âmbito da acção da organização portuguesa.Opera do Trindade. então. Colibri/INATEL. Estado Novo e Alegria no Trabalho – Uma História Política da FNAT (1935-1958). mas também em trabalhos mais recentes. os pontos de partida que proporcionaram a de- terminação dos eixos explicativos centrais. O trabalho está dividido em quatro partes fundamentais. A análise dos espectáculos de ópera que a FNAT organizou no Trindade exige uma concepção das funções e evolução da organização de ocupação de tempos livres portuguesa. Para compreender a acção da FNAT é importante criar uma distância de determinado tipo de estereótipo de dominação ideológica tradicional e autoritária – sem. o arquivo do INATEL (disponi- bilizado parcialmente) e um conjunto de textos publicados em jornais e revistas que acompanharam a história da Companhia Portuguesa de Ópera. Estabelecemos também contactos com vários agentes – organi- zadores.2* Depois de o objecto estar integrado num universo de sentidos macros- sociais. A título de exemplo. que o universo de estudo apresentava particularidades que dificilmente poderiam ser enunciadas em toda a sua especificidade se reduzidas aos princípios teóricos que traçáramos. isso não implica que se justifique descrevê-lo na linguagem da consciência. o arquivo do Ministério do Trabalho e Solidariedade. na esteira de Lukács. a opacidade e a inércia que resultam da inscrição das estruturas sociais nos corpos. por organizações como a FNAT. Pierre Bourdieu. igno- rando. à falta de uma teoria disposicional das práticas. ainda quando parece assentar na força nua. cedendo a um “través” intelectualista e escolástico que. o reconhecimento da dominação supõe sempre um acto de conhecimento. Deve acrescentar-se ainda toda a informação retirada de outras fontes bibliográficas.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 14 A Ópera do Trindade procurava forçar as consciências. leva a esperar a emancipação… do efeito automático da “tomada de consciência”. 1999. Para a prossecução deste objectivo foi essencial o acesso a cinco tipos de fontes: o arquivo do Teatro da Trindade. as palavras de Bourdieu parecem exactas: Se é verdade que. A prioridade da investigação empírica foi a reconstrução dos contextos que envolveram a criação e a existên- cia da Companhia Portuguesa de Ópera do Trindade. seguiu-se a sua exploração. A Dominação Masculina. orig. 34. a das armas ou do di- nheiro. Pareceu evidente. O entendimento do contexto dos espectáculos de ópera do Trindade organizados pela 2. depois de efectuada uma parcela importante da pes- quisa empírica. falam de “falsa consciência”). Celta. tanto poderemos ler “S. encenadores. Neste sentido. p. 1998. o acervo de José Manuel Serra Formigal. do E. cantores. funcionários da FNAT – envolvidos nos espectáculos. visando a transformação das consciências. Oeiras. nas práticas sociais quotidianas. Carlos” (nas citações) como “São Carlos” (no texto do autor). * Em todas as citações presentes neste livro optou-se por preservar a grafia original da época. cabe aqui avaliar o modo como o pro- gressivo conhecimento da realidade social foi utilizado. É na adequação das práticas que se avaliará a eficácia ideológica. como acontece com Marx (e sobre- tudo com aqueles que.) 14 . facto que conduz a um duplo critério de revisão. (N. ed.Opera do Trindade. essenciais tanto para o enquadramento teó- rico como para o desenvolvimento do tema. Difel. Michael Hetcher. AJS. pp. reconstruir um processo. 5.”Sobre o Poder Simbólico”. “Introdução a uma Sociologia Re- flexiva”. pp. Margaret R. p. 1982. Somers. A narração assumiu-se como o instrumento ideal para analisar uma sequência histórica cuja explicação resulta da contingência entre um conjunto de factores. Como suporte teórico para esta opção considerá- mos o artigo que Margaret R.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 15 Introdução FNAT obrigava a entrelaçar um conjunto de relações que não poderiam ser bem compreendidas fora de um processo quotidiano que progrediu no tempo. mas também aos interesses específi- cos daqueles que as produzem e à lógica específica do campo de produ- ção – é possuir o meio de evitar a redução brutal dos produtos ideológicos aos interesses das classes que eles servem (efeito de «curto-circuito» fre- quente na crítica «marxista») sem cair na ilusão idealista a qual consiste em tratar as produções ideológicas como totalidades auto-suficientes e autogeradas. 28. Somers defende que a explicação social se fun- da na teorização de uma dinâmica social construída a partir da recons- trução empírica de processos de relações. American Journal of So- ciology . 104. A autora defende um conjunto de princípios de investigação que reúne sob a designação de realismo relacional. p.Opera do Trindade. a propósito de uma discussão teórica e metodológica que a opôs a Edgar Kiser e Michael Hetcher5. – que elas devem as suas características mais especí- ficas não só aos interesses das classes ou das fracções de classe que elas exprimem (função de sociodiceia). colectivos e institucionais sejam colocados uns em relação aos outros. Kiser e Hetcher escrevem um artigo no mesmo número do American Journal of Sociology. 12. A terceira parte do trabalho pretende. Linda-a-Velha. 15 . n. em O Poder Simbólico.o 3. Difel. assim. 4. Novembro de 1998.o 3. A análise causal é interpretada 3. n. Edgar Kiser. “We’re No Angels: Realism. 6. Novembro de 1998. Pierre Bourdieu expressou bem esta necessidade ao afirmar que “ter presente que as ideologias são sempre duplamen- te determinadas. um bom modelo de inspira- ção. Pierre Bourdieu. Pierre Bourdieu. and Relationality in Social Science”. Rational Choice. Vol. orig. 785-816. ed. Em certo sentido não se afasta da expressão de Bourdieu: o real é relacional. “The Debate on Historical Sociology: Rational Choice Theory and its Critics”. 1994. A elucidação da dinâmica desse processo implica que todos os interesses individuais. Somers4 escreveu para o American Journal of Sociology. 722-84. 1994. 104. em O Poder Simbólico.6 Procurando um percur- so intermédio entre um dedutivismo teórico que se impõe à realidade social e um empirismo ingénuo ao qual faltam eixos de concepção dos fenómenos que explora. passíveis de uma análise pura e puramente interna (se- miologia)”3. Linda-a-Velha. Vol. a análi- se da condição profissional dos cantores que constituíam a base artística da Companhia Portuguesa de Ópera. designadamente: as implicações culturais e políticas do Plano Geral para a Programação Anual do Teatro da Trindade. O trabalho encerra com uma conclusão em que pro- curamos sintetizar alguns pontos essenciais resultantes da investigação. por último. propo- mos uma série de observatórios que acumulam uma descrição geral da Companhia Portuguesa de Ópera do Trindade. deste modo.Opera do Trindade. O intricado conjunto de relações institucionais e de posições individuais que caracterizaram o contexto das temporadas de ópera no Trindade sugeriram uma construção narrativa. No primeiro. a caracterização do público do Trindade. entre a autonomia relativa da acção individual e as fronteiras estruturais e conjunturais responsáveis pelos limites dessa autonomia. É possível.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 16 A Ópera do Trindade no interior de dinâmicas e sequências temporais. assim. o “Caso Ruy Coelho”. Procurou-se evitar. Esta parte do livro divide-se em dois momentos. a comparação com o Grupo Experimental de Ópera de Câmara subsidiado pela Fundação Gulbenkian e. estabelecer uma relação. inerente ao objecto investigado. que só podem ser devidamente explicadas a partir de uma compreensão dos contornos da acção de alguns acto- res sociais. a acção do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade. a relação do Trindade com o São Carlos e com o Secretariado Nacional de Informação. No segundo momento. 16 . a explicação da acção tem uma origem contextual que deve ser considerada na abordagem dos movimentos dos actores sociais. que os quadros teóricos violentassem parcelas do fenómeno social estudado. acompa- nhamos a sua evolução cronológica ao longo dos anos em que esteve activa (1963-1975). Não abdicando de eixos teóricos de interpretação. Argumentava o anónimo subscritor que as regras perfiladas pe- las associações desportivas impediam pessoas com tais características de participar nas provas por elas organizadas. Quirino Mealha. 1966 Ópera para Trabalhadores Em 11 Novembro de 1958. Uma carta anónima fora enviada ao secretário do ministro.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 17 Serra Formigal apresenta a Companhia Portuguesa de Ópera à imprensa em Luanda. apontando reparos ao re- crutamento dos participantes nos campeonatos de futebol organizados pela FNAT. Prendia-se esta reclamação com o facto de a FNAT aceitar nestas competições desportivas inscrições de analfabetos menores de 21 anos. escreveu ao chefe de ga- binete do ministro das Corporações e Previdência Social. presidente da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT). Quirino Mealha respondeu 17 .Opera do Trindade. a FNAT tem pro- curado atingir as finalidades que lhe são apontadas por lei. A esta explicação.o 40. pasta 313. 2. A actividade desportiva está naquelas condições.Opera do Trindade. 18 . estimula os Centros à participação na actividade desportiva. afirmando que esses regulamentos não se aplicavam aos campeona- tos desportivos organizados pela FNAT. Passados 16 anos e uma mudança de regime. A direcção da FNAT satisfazia assim uma solicitação da recentemente empossada Comissão Administrativa da Câmara Municipal do Barreiro. a política geral da FNAT. A orga- nização da ópera foi da responsabilidade da FNAT. no intuito de recrutar a habitual colaboração da sua orquestra sinfónica. mas um meio para atingir finalidades de muito maior valia e reflexos mais importantes na vida Nacional. é assim. designada- mente o futebol – a modalidade visada –. o director do Teatro da Trindade e vice-presidente 1. que pretendia. em 6 de Abril de 1975. Carta de Quirino Mealha ao chefe de gabinete do ministro das Corporações e Previdência Social.1 Caracterizava-se. fornece aos Centros onde eles estão integrados. se faz referência. estímulo e orientação para as actividades desportivas. de 31-12-56. como elementos de evasão de uma actividade profissional diária mais ou menos absorvente.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 18 A Ópera do Trindade ao chefe de gabinete do ministro das Corporações e Previdência Social.964. abrilhantar as festas do concelho. a ópera Madame Butterfly. Assim a FNAT. A récita integrava-se na dé- cima terceira temporada de espectáculos daquela que ficou conhecida pelo nome de Companhia Portuguesa de Ópera do Teatro da Trindade. Em carta enviada ao presidente da Emissora Nacional. entre outras. mas antes e até por impo- sição geral legal. adicionou o seguinte epílogo: Promovendo a cultura e recreio entre os trabalhadores. assim. com a participação da Companhia Portuguesa de Ópera. no dia 8 de Outubro de 1974.2 do compositor italiano Giacomo Pucci- ni. não um fim em si mesmo como o que praticam os inscritos nas associações desportivas a que no Decreto n. através de fórmulas a que as classes trabalhadoras se mostrem mais permeáveis. foi levada à cena no ginásio do Futebol Clube Barreirense. O desporto preconizado pela FNAT. passou a designar-se por INATEL. As óperas referidas ao longo deste livro são nomeadas de acordo com a grafia presente em jornais. orga- nização. Arquivo do Ministério do Tra- balho e Solidariedade. que. no intuito do melhor aproveitamento do tempo livre dos trabalhadores. programas e outros docu- mentos de época. sistema a que mostram maior receptividade. Não recruta elementos para os jogos dos seus campeonatos. A dedicatória do espectáculo a todos os tra- balhadores do Barreiro reforçava um objectivo inúmeras vezes repetido nos vários contextos que envolveram. homem do teatro e de boas relações políticas. comédia e ópera cómica. Notava-se. o Teatro foi inaugurado. em 1867. 1993. “A Trindade e o S.Opera do Trindade. o empresário Francisco Palha. Quando. era recuperar uma já longa tradição teatral e musical. aliás. sustentou o interesse de mais um espectáculo que beneficiaria o “público trabalhador de uma das vilas mais industriais do País”3. pasta 1974. No Trindade. em Tomás Ribas. O problema era. a Companhia Portuguesa de Ópera: a divulgação do género lírico pelas classes trabalhadoras. comum a grande parte dos espaços artísticos da zona do Chiado. 13. Victor Pavão dos Santos. então. Pela capital registava-se o aparecimento dinâmico de peque- nas companhias experimentais. 14/8/1974. tornou-se. tivesse ainda um vasto salão. principal respon- sável pela sua construção. e que. Nessa mesma altura. no Teatro. o Teatro da Trindade. O Teatro da Trindade – 125 anos de vida. A ópera foi o esteio dominante de um projecto cultural lançado pela FNAT após ter adquirido. afirmou pretender nele “apresentar. O Teatro. uma deslocação do centro da actividade artística. os seus concursos de arte dramática. 4. Francisco Ribeiro e Couto Viana preenchiam as temporadas sem êxitos assinaláveis.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 19 Ópera para Trabalhadores da FNAT. O desafio de Serra Formigal. Arquivo do Teatro da Trindade. Gonçalves Proença. A década de 50 não fora uma época muito feliz para o Trindade. e o São Luiz diminuíra substancialmente a sua actividade. apanágio da história do Trindade. drama. as companhias teatrais de Orlando Vitorino. alternadamente. nomeado director do Teatro da Trindade em 1962 pelo ministro das Corporações e Previdência Social. Porto. 19 . ao longo dos 13 anos da sua activi- dade. José Manuel Serra Formigal. para outras partes da cidade. onde se realizassem concertos e bailes”4. O Teatro Ginásio – depois de um incêndio – e o Chiado Terrasse en- cerraram as portas. de forte cariz popular. Luís – Grandeza e decadências de dois teatros do Chiado”. como 3. que o jornalista Júlio César Machado dizia ter surgido “aos olhos do romântico público de Lisboa como o mais moderno e afrancesado teatro da capital”. em 1962. cada vez mais diversa. o Monumental vivia dias de gran- de fulgor. além disso. p. Carta de Serra Formigal ao presidente da Emissora Nacional. Lello & Irmão. numa época em que a FNAT e a secretaria de Estado da Informação e Turismo organizavam. com 55 anos de intervalo. e. depois de algumas remodelações. 48. o empresário Afonso Taveira seleccionou um reportório muito idêntico ao que Serra Formigal. O sucesso do teatro lírico mais ligeiro no Trin- dade deu consistência à tentativa. sob o patrocínio da FNAT. Em 1925. notando-se.. p. A Canção do Amor. de Oscar Strauss.Opera do Trindade. do Casino e do Moulin Rouge. e A Serrana. 7. no já dis- tante ano de 1908. por iniciativa do empresário Afonso Taveira6.7 O cinema chegou ao Teatro em 1938. cit. para a apropriadamente intitulada “Temporada Popular de Ópera e Opereta”. em 1963. Como notava Tomás Ribas. em Novembro de 1940. de formação de uma companhia portuguesa de ópera. quer o público de provincianos que vinham até à capital e para quem se impunha uma noite no Trindade”. A vertente mais ligeira. Ibidem. p. op. recurso várias vezes utilizado para colma- tar alguma circunstancial menor apetência do público para um teatro declamado mais sério. no entanto. e de filosofias de espectáculo que marcaram a história do Teatro não mo- dificaram a sua tradição popular assente no teatro musical. “A companhia de Eva Stachino extasiava Lisboa com as suas revistas enfeitadas pelos restos dos guarda-roupa dos espectáculos parisienses do Folies Bergères. pela obra de Franz Schubert.” Tomás Ribas. o Teatro. 37. Serra Formigal preferia optar. um palco teatral onde animados bailes no sa- lão coexistiam com o grande sucesso da opereta e da zarzuela. um progressivo desaparecimento da opereta em favor das revistas musicais. que soçobrou aos elevados custos que os espectáculos implicavam. p. 20 . estreou-se no Trindade o grupo dos Bailados 5. tradicional no teatro do Chiado. 6. agruparia na sua primeira temporada de espectáculos. na revista.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 20 A Ópera do Trindade desejava o seu fundador. de companhias teatrais. do compositor português Alfredo Keil. na opereta e na ópera cómica. surgiu como um espaço novo. de Puccini. e Sonho de Valsa. abriram ao som de O Barbeiro de Sevilha e contaram ainda com a La Bohème.5 As frequentes mudanças de empresários. Ibidem. 13. As características dos espectáculos mantiveram-se. foi reforçada pela companhia de Afonso Taveira com duas operetas: A Viúva Alegre. Ambas as tem- poradas. de Franz Lehar. Para a única temporada desta primeira companhia lírica nacional. géneros “que tanto se implantaram no gosto do nosso público oitocentista – quer o público janota ou popular e boémio de Lisboa. que foi pela sua acção junto do ministro Gonçalves Proen- ça que se patrocinaram as récitas populares no Coliseu. Acervo Serra Formigal.11 8. Serra Formigal sugeriu. demonstrando um certo sentido crítico em relação à governação. 17/3/1959. A programação proposta por Serra Formigal incluía temporadas de teatro declamado. criado pelo Secretariado de Propaganda Na- cional. bandas musicais. José Serra Formigal: “Plano Geral Para Uma Programação Anual do Teatro da Trindade”. pelo mon- tante do investimento consagrado em meios humanos e materiais. 9. a Temporada Popular de Ópera e Opereta do Teatro da Trindade. O editorial de O Século9 de 17 de Março de 1959. 11. O artigo salientava o direito de os povos acederem a uma educação artística: As ansiedades de arte e de beleza não constituem privilégio de quem possui muita ou regular ilustração ou recursos materiais suficientes.. na entrevista que nos concedeu. O monopólio do São Carlos vinha sendo con- testado. Carlos é de todos: dos ricos. Francisco Ribeiro ocupou a sala com a com- panhia Os Comediantes de Lisboa. cinema. Ibidem. Num panorama operático há muito dominado pelo Teatro Nacional de São Carlos. p. ranchos folclóricos. a apresentar récitas populares dos espectáculos que as companhias estrangeiras traziam ao Teatro Nacional de Ópera. concertos musicais. ballet. 21 .qxp 5/28/07 11:25 AM Page 21 Ópera para Trabalhadores Portugueses Verde Gaio. ópera e opereta. dos remediados e dos pobres. intitulado “Ópera só para alguns”10. “Ópera só para alguns”. nas mais diversas áreas da vida pública. Os editoriais de O Século vinham. registando talvez o último período dourado do Trindade antes da sua aquisição pela FNAT. Entre 1944 e 1947. 10. a partir de 1959. grupos corais. 1. etc. Em 27 de Abril de 1963. defendia o regresso do género lírico ao Coli- seu.Opera do Trindade. que em todas as classes se encontram bem dotados (…) O dinheiro que se gasta em S. Não pode servir só para recreio e cultura de alguns. p. e pela repercussão pública que alcançou. variedades e a apresentação de agrupamentos artísticos constituídos por trabalhadores – grupos cénicos. Serra Formi- gal reuniu-se com a imprensa para transmitir a máxima que tornava públicos as finalidades e pressupostos que estiveram na origem da sua iniciativa: fazer ópera de portugueses para portugueses. A Fundação desejava que o Trindade voltasse a ser um palco popu- lar. o Coliseu passara. Vem da sensibilidade dos seres.8 De um programa ecléctico que pretendia contri- buir para o enobrecimento da “cultura popular” destacou-se. 1. O Século. O compositor português Ruy Coelho.o 73. no final de uma temporada “que manteve a orientação definida há anos”. A temporada ofi- cial do São Carlos estava dividida em temporadas nacionais. de Wolfgang Amadeus Mozart. alguns papéis secundários nas apresentações das conhecidas compa- nhias internacionais. nacional.Opera do Trindade. de Alban Berg. de Christoph Gluck. capaz de remoçar velharias cénicas e pobrezas teatrais que. finalmente. se tornam intolerá- veis num teatro nacional de ópera a que não compete – naturalmente – ser revolucionário mas que deve acompanhar os tempos. 215. José Blanc de Portugal. de Benjamin Britten. 22 . no São Carlos. de Paul Dukas. de Jules Emile Massenet. 3/63. n. o São Carlos iniciou os seus espectáculos com duas óperas – Telephone. p. e Ariane et Barbe-Bleue. espectáculo que antecedeu a temporada francesa. óperas antigas portuguesas e encomendas a compositores idóneos 12. de Gian Carlo Menotti. de Igor Stravinsky. onde pontuavam grandes vedetas do can- to lírico. La Bohème. à causa que serve. abriu com as óperas alemãs. Arabella. O São Carlos concluiu as apresentações com a temporada italiana: As Bodas de Fígaro. Sobre a temporada desse ano. e. primeiro o Tannhäuser de Richard Wagner. The Rake’s Progress. foram representadas por companhias estrangeiras. e L’Histoire du Sol- dat. e O Trovador. com excepção da portuguesa. A predominância do elemento vocal sobre a di- mensão teatral. presença assídua no “São Carlos do Estado Novo”. preenchida pela Manon. sugerindo para o efeito algumas obras contemporâneas: Peter Grimes. ocupou o lugar destinado à ópera nacio- nal com a sua obra Tá-Mar. como era regra. o crítico José Blanc de Portugal afirmou que um “elenco razoável e individualidades excepcionais não escondem que falta no São Carlos. Aos cantores portugueses foram entregues.”12 O crítico João de Freitas Branco propôs. Todas estas óperas. Rumo. suscitava críticas frequentes. de Puccini. depois o Orfeo e Euridice. de Giuseppe Verdi. e sobretu- do criar os elementos nacionais capazes de dar vida própria. uma visão musicoteatral arejada. dia-a-dia. ou Lulu. três pontos de mudança na programação do São Carlos: 1) renovação de reportórios. de Igor Stravinsky – apresentadas pelo Grupo Experimental de Ópera de Câmara da Fundação Calouste Gulbenkian. de Richard Strauss.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 22 A Ópera do Trindade Na temporada de 1962/63. 14. “Alguns elementos sobre a ‘Temporada Popular de Ópera e Opereta do Teatro da Trindade’ referidos pelo director do teatro à impren- sa na reunião efectuada em 27/4/1963”. teve a sua sétima edição. A natureza dos espectáculos do Trindade perseguiria. o mais im- portante acontecimento artístico-musical de todo o país. como relatava o Diário da Manhã14 em manchete. 23 . ha- via que “apoiar. quantia modesta para a época. destrutivo de uma alegria de viver que bem neces- sário é fomentar nesta época em que nos encontramos. mas sim na de consumo. p. para que esta possa exercer a sua preciosa acção de educadora de povos. João de Freitas Branco. Para criar as condições necessárias para popularizar a ópera. O Festival Gulbenkian. alguns meses antes da temporada da FNAT se ter iniciado. 526. n.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 23 Ópera para Trabalhadores contemporâneos. 526. achamos que não será necessário ir acima do elevado nível que se tem verificado”13. 528. 17.Opera do Trindade. a um con- certo do compositor alemão Karl-Heinz Stockhausen: “Alguém opinou que [as obras de Stockhausen] estariam impregnadas dum subjectivismo doentio. Arte Musical. na falta de produção. 16. hoje. 17/5/1963. p. p. com entusiasmo.”17 O ambiente agradável. Julho/Novembro de 1963 e Maio de 1964. 611.”18 A questão 13. 21 e 22. 15. 3. 18. Julho/Novembro de 1963 e Maio de 1964. a mesma intenção popularizante: “O pensamento que presidiu à escolha do reportório teve em vista o carácter popular da temporada pelo que se escolheram obras consagradas pela generalidade do públi- co e facilmente apreensíveis sob o ponto de vista musical. em Arquivo do Teatro da Trindade. tor- nou-se. p. p. A ópera é um dos melhores veí- culos do gosto pela arte”15.os 20. pasta 1963. 3) reno- vação da escolha dos maestros e encenadores. n. mórbido. 21 e 22. 21 e 22. n. João de Freitas Branco. João de Freitas Branco. Arte Musical. que “o maior problema da cultura musical portuguesa não consiste. de alegre convivência humana que se pretendia criar no Trindade era bem diferente do efeito que João de Freitas Branco notou em algumas pessoas que assistiram.os 20. Novembro de 1962. a iniciativa do Teatro da Trindade”16. João de Freitas Branco considerava. Julho/Novembro de 1963 e Maio de 1964. n. Num contexto com estas características. Diário da Manhã. É preciso criar um outro e muito mais extenso público afecto à arte musical de nível superior. em conformidade com “as fór- mulas a que as classes trabalhadoras se mostrassem mais permeá- veis”.os 20. em 1963.o 18. que. porém. Serra Formigal estabeleceu que os bilhetes para as óperas no Trindade cus- tariam cinco escudos. Arte Musical. Termina afirmando que “quanto a cantores estrangeiros. recreativo e evasivo. João de Freitas Branco. 2) valorização dos intérpretes portugueses. Arte Musical. A ópera no Trindade queria. Ibidem. de Artur Ramos. contra uma sensibilidade geral. 3. O anúncio colocado na terceira página do Diário de Notícias19 na vés- pera da estreia do Barbeiro de Sevilha era modesto e estava entalado entre o filme português revelação do ano. Em nota ime- diatamente colocada a seguir ao nome do teatro surgia uma frase in- formando da colaboração do Teatro Nacional de São Carlos. Hugo Casais. A autonomização da linguagem dos campos artísticos desenvolvia-se. 24 . Manuel Leitão. com car- reira a decorrer em Itália. que passava no cinema Roma.Opera do Trindade. como prometido. pelo contrário. No pequeno anúncio ao Trindade. dos CAT (Centros Alegria no Trabalho) e dos CRP (Centros de Recreio Popular). Luís França. Armando Guerreiro. Fernanda Machado. O maestro Silva Pereira dirigiu a Sinfónica de Lisboa. e a tourada no Campo Pequeno. Do restante elenco faziam parte alguns dos cantores que mais se tinham destacado nos espectáculos do São Carlos ou no trabalho efectuado no Grupo Expe- rimental de Ópera de Câmara: Maria Teresa de Almeida. implicava 4$00 para a pla- teia e 6$00 para o balcão. o ministro das Corporações e Previdência Social. Em O Século. abraçar essa sensibilidade. o minis- tro da Presidência. deixava-se explícito que a récita do dia seguinte seria dedica- da aos beneficiários da FNAT. as sobras vendiam-se ao público em geral. Pássaro de Asas Cortadas. o presidente do Instituto de Alta Cultura e o presidente da Fundação Gulbenkian. 5$00. 5/5/1963. um bilhete para o Teatro Nacional de São Carlos custava 50$00. Álvaro Malta. quase sempre. A plateia custava. o maestro Álvaro Cassuto afirmou que: 19.20 Por essa altura. Costa e Silva e Helder Vaz. sócios dos Sindicatos Nacionais. Na estreia. Diário de Notícias. O preço do music-hall do Monumental variava entre 5$00 e 22$50. que Serra Formigal con- seguiu contratar depois de difíceis negociações. 20. a preços populares. enquanto a temporada de reprises cinema- tográficas do Olímpia. No próprio dia.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 24 A Ópera do Trindade subjacente a esta impressão era a «desumanização» da música con- temporânea. estiveram presentes o Presidente da República. A encabeçar o elenco encontrava-se a cantora portuguesa. que com o tempo aumentaria a sua dimensão. p. Diário da Manhã. O Século. 12. Mas pontos débeis existem na grande maioria das récitas de ópera no mundo inteiro. de Puccini. A importância da iniciativa.” Adiantou. em Novembro de 1975. evidentemente. assim. dizer que o espectáculo tenha sido impecável. 22. 21. a criação de uma Companhia Portuguesa de Ópera”. 4. 23. Álvaro Cassuto.L. Joly Braga Santos. o crítico do Diário de Notícias afirmou que a pre- sença massiça do público não se devia aos “bilhetes a quinze tostões e cinco escudos. aos seus beneficiários. de 13/5/1963. 25 . página de profundo significado. p.21 O Diário de Lisboa22 salientou que a temporada popular do Trindade de- correria apenas com artistas portugueses. 3.. p. uma sé- rie de espectáculos cujo interesse não precisa de ser esclarecido (…) se a iniciativa da FNAT não esmorecer – como tantas outras que nascem com grande entusiasmo – surgirá no nosso meio um público novo.” Entre 1963 e 1975. principalmente pelas repercussões que pode ter no fu- turo. secundarizava “as fífias e as notas de gosto menos requintado” que não “fosse possível evitar nos primeiros tempos”.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 25 Ópera para Trabalhadores Na verdade trata-se de um acontecimento muito invulgar: a realização de uma tempo- rada de ópera só com meios nacionais triplica a solução de uma série de problemas e de um esforço na coordenação dos vários elementos que colaboram. “um velho sonho dos artistas portugue- ses. porém: “Tudo isto não quer.Opera do Trindade. no duplo aspecto dos artistas e do público. A representação da La Bohème. cantores e todos os que de um modo geral se encontram ligados à música. de 7/5/1963. compositores. pôs termo a uma iniciativa cujos con- tornos políticos e culturais se tentarão clarificar ao longo deste trabalho. a Companhia Portuguesa de Ópera do Teatro da Trin- dade prosseguiu uma actividade contínua. “todos ou quase todos os que entre nós podem desempenhar a função com um mínimo de dignida- de”. de 7/5/1963. O compositor português Joly Braga Santos resumiu o acontecimen- to na sua crónica para o Diário da Manhã23: “Acaba de se abrir uma nova página na vida artística e social portuguesa. J. músicos. Considerando o Trindade “um desdobramento mais modesto e com responsabilidade di- ferente” do São Carlos. Diário de Lisboa. p. uma série de pessoas para as quais a palavra ópera significa algo mais e algo diferente de um mito ou de um aborrecimento. os quais só difi- cilmente se podem vencer (…) A FNAT oferece. senão no de ter ali um espectáculo erguido com dignida- de e entusiasmo”. obrigou a repensar a história da Fundação e a questionar o facto de uma organização corporativa que nasceu à imagem de organi- zações análogas criadas no fascismo italiano e no nazismo alemão ter ultrapassado em tempo de vida. desde 1925. entre 1963 e 1975 – matéria central desta pes- quisa –. actuava como instru- mento da política corporativa do governo de Mussolini. os limites do regime do Estado Novo. Estado Novo e Alegria no Trabalho – Uma História Política da FNAT. fundada.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 26 1. Edições Colibri-INATEL. e dois após a aprovação da Constituição que emoldurou. Mais antiga era a italia- na Opera Nazionale Dopolavoro que. ins- titucional e legislativamente. José Carlos Valente. na natureza fascista da instituição: (…) a criação da FNAT por iniciativa governamental – em 13 de Junho de 1935 – faz parte de um plano sistemático de inculcação de valores nos principais sectores da vida 1. consideramos que o prolongamento temporal da sua evolução política leva a que determi- nada consanguinidade doutrinária seja analiticamente reenquadrada. A investigação sobre as temporadas de ópera que a FNAT preparou para o Teatro da Trindade. o regime do Estado Novo. Ideologia. nove anos depois do golpe militar que terminou com a Primeira Re- pública. 26 . pelo regime nacional-socialista acabado de chegar ao poder. Embora seja indiscutível a proximidade da FNAT com as organizações de tempos li- vres de regimes políticos semelhantes ao português. O pioneiro trabalho de José Car- los Valente sobre os primeiros 23 anos da FNAT1 (1935-1958) insiste. O seu nome é muito similar ao que designava a organização dos tempos livres alemã. antes da sua transformação no INATEL. precisamente. Políticas Sociais e Tempos Livres A Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho foi criada em 1935. 1999.Opera do Trindade. Lisboa. em 1933. Força pela Alegria (Kraft Durch Freude). um regime “tendencialmente totalitário” (Fernando Rosas). a Mocidade Portuguesa. que Valente vinculou à FNAT no interior do mesmo projecto político e ideológico. João Gonçalves Proença e Maria José Salavisa. foram imediatamente extintas. 1967 social. a Educação Nacional de Carneiro Pacheco. as regras de admissão de funcionários públicos.Opera do Trindade. A 2. e que tinham quase todas. a Obra das Mães pela Educação Nacional/MP Feminina. dirigidas pelo arquitecto Miguel Evaristo de Lima Pinto e cuja parte de decoração coube a Maria José Salavisa. entretanto. a Orga- nização Defesa da Família. a Legião Portuguesa. a União Nacional e o Secretariado da Propaganda Nacional. Visita de Salazar ao Teatro da Trindade depois das obras de renovação.2 Em 25 de Abril de 1974.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 27 António Oliveira Salazar. a organização corporativa. Especialmente quando da chamada “Primavera Marcelista”. o regime do Estado Novo foi derrubado e todas estas instituições. sido rebaptizadas e reorganizadas3. 3. 41-42. através de instru- mentos organizativos que consagram a pretendida unicidade político-ideológica: além da PVDE e da Censura. Idem. pp. 27 . 10. ideologia de traços mais difusos. O Salazarismo. INCM. p. foi exercida também uma dominação ideológica particular. Philippe C. permite verificar que essas características essenciais que o regi- me democrático deixará subsistir nos primeiros anos pós-25 de Abril – e mesmo até aos dias de hoje – são fixadas apenas no final da déca- da de cinquenta. José Carlos Valente. Portugal: do Autoritarismo à Democracia. Ibidem. “cor- respondente às etapas dominadas por uma componente ideológica bastante acentuada”7. tinha sido vota- da. 1976. pelo contrário.”8 Transferida para o mundo descolorido da política social do regime. que vem colmatar uma certa periferi- zação a que a FNAT. como objecto de análise científica. Lisboa.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 28 A Ópera do Trindade FNAT. op. Durante o Estado Novo.”6 O ano de 1958 é considerado por José Carlos Valente o limite cronológico que distingue uma determinada FNAT. 1930-1947.. O estudo de José Carlos Valente. Ibidem. Os estudos sobre o sistema corporativo português têm atribuído uma importância marginal à questão dos lazeres. parece tornar-se um anacronismo político. para os opositores ao Estado Novo. nos seus primeiros anos. ser uma instituição “politicamente periférica”5. A Evolução do Sistema Corporativo Português. Lisboa. I.Opera do Trindade. conservou o mesmo nome até 6 de Abril de 1975.. Ver Manuel de Lucena. 10. cit. 8. 1. abertamente dou- trinário e explicitamente ideológico que configurava a actividade de outros tentáculos operacionais do projecto autoritário do Estado Novo. vol. Perspectivas e Realidades. vol. p. A explicação adiantada para a circunstância de uma instituição que. a FNAT. 6. 28 . A Questão Social no Salazarismo. op. Schmitter. p. 5. porém. 1999. A organização teria abandonado o padrão repressivo. 7. atribui a tardia intervenção das forças de Abril na organização estatal dos tempos livres ao facto de a FNAT. ICS. que o alcance dos conceitos de política e ideologia não se limite a um estereótipo de dominação autoritária. realçada como instru- mento de concretização da política social do Estado Novo. José Carlos Valente. prende-se com as próprias alterações políticas e institucionais que caracterizaram o seu desenvolvimento: “… um estudo mais atento da evolução do orga- nismo. A compreensão do desenvolvimento histórico da actividade da FNAT exige. que. de contornos modernos. Lisboa. Fátima Pa- triarca. caminhava lado a lado com os tentáculos mais sinistros do Estado Novo ser praticamente ignorada após a mudança de regime. 208. 9. p. cit. de uma outra que acabou por se tornar numa “grande infraestrutura de prestação de serviços. 1995. mas de eficácia consistente 4. como objecto de análise histórica4. 122-133.. 29 . 1964. a subsistência de determinados padrões de organização social. O conceito de dominação weberiano11 revela o modo como as práticas quotidianas. A alteração. legitimadora de uma ordem social. transmitidos por diversos mecanismos de socialização. pp. Campo da Comunicação. dita racional-legal. E. pp. ao modo como a ideologia formata o pensa- mento. Como afirma Juan Linz. discursos ou textos de ideólogos desconhecidos e ignorados sem ques- tionar a forma como tudo isto se disseminou na realidade social. Kate Crehan. 384-387. Este tipo de controlo social impunha-se como natural. 3 vols.10 A hegemonia cultural. ed. dos grandes eixos organizadores da vida quotidiana obrigou ao estudo das melhores formas de controlar 9. “An Authoritarian Regime: Spain”.” Juan Linz. pelo mesmo autor. que corre o risco de ser afastada. in Allardt. No universo da política social. que as formas de mediação instrumental entre doutrinas e práticas sejam explicitadas. Lisboa. e Lit- tunen. sobrepõe-se o interesse em perceber a sua eficácia em sociali- zar as relações concretas onde esse pensamento é produzido. I. leis. The Academic Bookstore Helsinki. 294. 1968.9 A esfera cultural. da análise histórica. Lisboa. 215-223.. portanto. Sobre o conceito de “hegemonia cultural”. se permanecer a opção de considerar a política social como um objecto a-ideológico. A descrição. o conceito gramsciano de hegemonia cultu- ral possibilita analisar. Políticas Sociais e Tempos Livres ao nível das práticas sociais. Implica. 1974. organizada por uma divisão social de trabalho progressivamente complexa.Opera do Trindade. vol. Neste quadro de análise. Bedminster Press. Economy and Society. and Party System. dos mecanismos de dominação que envolvem as sociedades modernas remetia para a compreensão dos processos macrossociais que enformavam as práticas quotidianas. Max Weber. pp. Gramsci. Ideologies. transformando o poder em autoridade. em dominação consentida e reconhecida pelos actores sociais.J. ver Antonio Gramsci. 2004. nos países que li- deravam o processo de modernização. é um elemento central na interpretação dos processos de dominação. ou peri- ferizada. para além dos quadros institucionais repressores e autoritários. 2002. 10. ed. Y. originava uma burocratização das relações sociais. Totowa. ou debilmente ideológico. p. a propósito do regime franquista em Espanha: “Podemos ficar seriamente equivocados se estudarmos determinados regimes através das suas Constituições. A incorporação de “formas de ser e de agir” reflectia a desigualdade no que respeita às relações de poder. N. Estampa. legitimam elas próprias os grandes complexos de dominação social. A dominação moderna. 11. Cultura e Antropologia. relevando as vivências e as socializações quotidianas. Obras Escolhidas. envolvidas por relações de poder desiguais. ou seja. orig. resul- tava de um conjunto de normas e valores socialmente prevalecentes. Cleavages..qxp 5/28/07 11:25 AM Page 29 Ideologia. tradução do autor. no papel de mediador e regulador das práticas sociais. criando um acervo de co- nhecimento. no âmbito da palavra. em grande medida.. a literacia. no respeitante aos mecanismos quotidianos de formação da conduta. que procurava manipular os efeitos dos mecanismos de estruturação social. 109-136. Linda-a-Velha. a nível infraestrutural. pp. a criação de estruturas que possibilitem uma rápida circulação de pessoas e bens. Ibidem. 1997. Como afirma Bourdieu: “Se as relações de força objectiva tendem a reproduzir-se nas visões do mundo social que contri- buem para a permanência dessas. consegue exercer. na sua abordagem histórica ao desenvolvimento dos Estados-Nação. 14. pela “força da palavra”.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 30 A Ópera do Trindade os efeitos perversos destas transformações. na exposição de Bourdieu. “Espaço Social e Génese de Classes”. regras e ordens.” Pierre Bourdieu. Basil Blackwell. 13. Os termos desta socialização. “The Autonomous Power of the state: Its Origins. 142. Mann aponta quatro parâmetros que reflectem o poder infraestrutural do Es- tado: a divisão do trabalho no interior da organização das actividades estatais. 117. discursos e palavras de ordem. O autor define “poder infraestrutural” como “a capacidade do Estado pe- netrar efectivamente na sociedade civil e implementar a nível logístico as suas decisões políticas”14 ao progressivo controlo que o Estado. Michael Mann. Distinguindo poder despótico de poder infraestrutural13. em States in History. mas pela capacidade de socializar as práticas quotidianas. ed. é porque os princípios estruturantes da visão do mundo radicam nas estruturas objectivas do mundo social e porque as relações de força estão sempre presentes nas consciências em forma de categorias de percep- ção dessas relações. 1994. à luz de uma dominação que não sub- siste. 132. Stuart Hall ed. Ao invés de 12. e politizada. que permite a transmissão de conheci- mentos. A hegemonia cultural resulta- va de uma acção ideológica. São as práticas so- ciais que fundamentam as categorias de percepção do mundo social. p. sobre a vida dos seus cidadãos. envolve uma ideologia “despolitizada”. cujos mecanismos de propaganda as legitimam em programas de acção. orig. não implica uma eficácia na socialização das práticas quotidianas dos actores sociais. fragmento traduzido pelo autor. Mechanisms and Results”. definiu os critérios que possibilitam estabelecer uma aproximação ao contexto da relação entre iniciativas centrais e práticas quotidianas. incor- poração de sentidos da acção e esquemas de compreensão e interpre- tação do quotidiano. disposto em doutrina.Opera do Trindade. A avaliação deste processo deve ser efectuada à luz de uma sociolo- gia histórica que reconstrua o modo como o conhecimento prático é ideologicamente condicionado. Ibidem. p. New York. 1984. Mann assinalou que a posse de um contundente poder coercivo con- centrado em elites e assente num conjunto de instituições totalitárias e discricionárias. em O Poder Simbólico. Difel. os mecanismos económicos que permitam a troca de mercadorias. 30 .12 Michael Mann. p. Embora seja possível vislumbrar. a evolução do feudalismo. Frances Fox Piven e Richard A. que reproduz. 1993. 5-8. Políticas Sociais e Tempos Livres observada a partir de uma lógica de consciencialização de determinados princípios da doutrina de um regime.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 31 Ideologia. o progressivo desenvolvimento de um modelo sócio-económico e cultural. pelo menos a partir do século x vi15. no fundamental. pp. o que poderíamos entender como uma consciência da sua posição de classe ou os meios de acção política organizada para a defesa dos seus interesses de classe. Incentivavam. sugerindo a noção errada de que a sociedade estava já politizada no sentido de os indivíduos possuírem. o conceito de política social deve ser recuperado para um primeiro plano de análise.16 Mediadas pelas características políticas ineren- tes aos Estados que as aplicavam. que este exercício de despolitiza- ção actuava sobre as condições de socialização que proporcionariam o 15. Vintage Books. de forma mais exacta. em larga escala. aos contor- nos de uma dinâmica estrutural. Cloward referem os exemplos das leis contra os pedintes que acompanharam. os limites da ideologia são ava- liados pela eficácia que os processos sociais regulados politicamente revelam. no aspecto de socializar os comportamentos quotidianos de determinados universos sociais. 8-13. O termo “despolitização” pode tornar-se equívo- co. ocidental e europeia. Consideramos. onde a intervenção social da Igreja foi substituída pela administração central. em todas as esferas do quotidiano. New York. as políticas sociais respondem. Idem. a existên- cia de medidas sociais centralizadas com o objectivo de regular a vida quotidiana e as relações de mercado. No estudo das funções ideológicas do Estado. 16. impedir uma politização da sociedade que pudesse desafiar a ordem dominante. Regulating the Poor – The Functions of Public Welfare. A regulação realizada pelas políticas sociais actuava essencialmente em dois tipos de circunstâncias distintos: as crises do sistema econó- mico e os momentos em que uma expansão resultava em significativas alterações estruturais. a uma despolitização. nalgumas ci- dades europeias. pp. a actuação de Lutero nos municípios alemães ou o caso paradigmático de Lyon. deste modo. 31 . as medidas de política social procu- ravam. Produzidas por aparelhos institucionais servidores de sistemas políticos diversos. Cloward. cabe sem dúvida às transforma- ções estruturais que atravessaram o século xix a responsabilidade de um incremento sistemático e abrangente de políticas sociais estatais.Opera do Trindade. Frances Fox Piven e Richard A. num ambiente adverso. ministrou a cadeira de Política Social Portuguesa no Instituto de Estudos Sociais. New Jersey. cuja introdução. assentando numa dinâmica de democratização traduzida no acesso a bens e serviços.18 Sobre as tarefas específicas da Economia Social. em Portugal. descentrava da política do quotidiano. Estamos no terreno da guerrilha cultural. dos hábitos culturais. a discussão acerca da natureza dos regimes centra-se em excesso numa análise formal baseada na estrutura institu- cional que enquadra os direitos civis e políticos. Social Knowledge. 17-47.Opera do Trindade. A acção política sobre os direitos sociais. Evitando juízos de valor sobre a substância das diversas práticas culturais. alterando morfologicamente o campo do consumo cultural. 32 . Alfred Marshall. aqueles que mais próximos se encontram da vida quotidiana. pp. Não raras vezes. Segundo Silva Leal. às que resultam de desigualdades da incor- poração de competências) de uns grupos consumirem os bens culturais e de lazer a que outros grupos acedem. States. a diversificação dos estilos de vida. Princeton University Press. a política social teria tido a sua origem académica na Eco- nomia Social. disciplina que tratava do desenvolvimento económico e social. António da Silva Leal. a Ciência Política e a Economia Política.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 32 A Ópera do Trindade nascimento desta representação do combate classista. O manual da disciplina revela as tarefas de um saber multidiscipli- nar que devia obedecer aos propósitos utilitários do Estado. das lutas entre a hegemonia e a contra-hegemonia. mais tarde. e pelo trabalho de figuras eminentes do pensa- mento social e económico como John Stuart Mill e. As dimensões desta exclusão podem ser determinadas na observação da capaci- dade (não nos referimos apenas às capacidades objectivas mas. os métodos de acção das políticas sociais eram conheci- dos. No campo do lazer. tornou-se num importante mecanismo ideológico. in Theda Skocpol e Dietrich Rueschemeyer (eds.17 >>>>>>>>>>> Em Portugal. “Knowledge about What? Policy Intellectuals and the New Liberalism”. 17. especialmente da sua realidade económica. A dissimulação da hierarquia profissional. 18. fundamentalmente. desenvolvido no âmbito da institucionalização acadé- mica de disciplinas como a Economia. 1996. a emergência de novas práticas. em 1911.). O processo de des- politização. normalmente aqueles que mais se aproximam dos interesses quotidianos de quem analisa os acontecimentos históricos. é possível afirmar que a exclusividade no consumo de certos bens culturais implica uma exclusão. mantinha quase incólume uma relação hierárquica. and the Origins of Modern Social Policies. no ano lectivo de 1969/70. as de- sigualdades que outros lutavam por tornar evidentes. Disciplina que teria as suas origens no novo liberalismo oitocentista. fora feita na Universidade de Coimbra. Ira Katznelson. contribuía para legitimar a reprodução da hie- rarquia dos indivíduos e grupos no espaço social. qxp 5/28/07 11:25 AM Page 33 Ideologia. Armindo Monteiro. p. o conceito de “política social” caracterizava-se pela “acção do Estado que consiste na definição e na prossecução das condições gerais do bem- estar social”22. dirigindo-se às “camadas economicamente mais débeis”23. 9. disciplinas às quais o autor atribuía. segundo o nosso modo de ver. uma vocação prática. o que tem levado os homens a reflectirem sobre a política não é uma curiosidade puramente intelectual. p. p. através das quais o Estado define os ideais colectivos e toma posição perante os valores ou as exigências que procuram configurar a vida colectiva.. 85. mas.o ano. se dizem políticos. António da Silva Leal. Ibidem. que. A acção política constitui o objecto de um saber ou de um conhecimento.20 De acordo com Silva Leal. op. I.Opera do Trindade. 25. p. António da Silva Leal aos alunos do 3. o estudo das condições de vida dos assalariados e dos melhoramentos de que eles são susceptíveis. cit. Ibidem. Ibidem. que ficaram conhecidos por socialistas catedráticos. No entanto. 8. cargo para o qual foi designado em 1931. da economia e do direito”21. p. professor do referido curso. provavelmente aos economistas alemães liderados por Gus- tavo Schmoller. Ensaio de um Curso de Economia Política. Dela se encarregou a Economia Social – que é assim. Lisboa. 43. Apontamentos das Lições proferidas pelo Dr. 20.”25 Silva Leal afirmava que a política social é um saber que tem por objecto uma acção: Existem evidentemente estreitas ligações entre a política como acção e a política como saber. que se “ocupa fundamentalmente do poder político e das suas formas”. op. em António da Silva Leal. cit. na sua opinião. em 1923. 9. da socio- logia. 23. por isso mesmo. especialmente “da história. 21. dimensão constituída “pelas opções primárias ou fundamentais. 22. Esse aproveitamento exige uma análise preli- minar. afirmou: (…) isolamos os assalariados – a classe mais desamparada e mais numerosa – e. 1923. p. bastante debilitado em Portugal.. 7. procuramos conquistar para eles a maior soma de vantagens materiais. 13. Armindo Monteiro destacar-se-ia fundamentalmente como ministro das Colónias. p. Para Silva Leal. A política social integrava-se na função política. que. 33 . o exercício moderno da política social. mas as 19. 38. no âmbito da política social. não seria fun- ção da ciência política. que estava. 1969/70. Políticas Sociais e Tempos Livres o autor cita Armindo Monteiro19. p. Coimbra. pelo aproveitamento de todas as possibilidades. especialmente pela “adaptação recíproca do indivíduo e o seu meio social”24. 24. Ibidem. Coimbra Editora. O autor remete ao século xix a origem do conceito. 1999. Baptista. como instrumento da política social. para 74. “Investigação Social em Portugal – organismos e instituições”. O principal critério mobilizado para a compreensão da eficácia ideológica da FNAT é. pp. envolveu intervenções em sectores como os lazeres. dado que a política económica não compensava. os problemas de uma acção comum que se le- vantam em cada dia da vida real. em 1965. Adérito Sedas Nunes. 407-462. o factor traba- lho. 1973. 131-155. procurou antecipadamente regular as expectativas de grupos sociais que poderiam tornar-se problemáticos perante um incremento industrial em prepa- ração. No caso da educação. Política Educativa como Tecnologia Social – As reformas do Ensino Técnico de 1948 e 1983. os desejos e. A este propósito é importante observar o impressionante inventário. II. porque animada “de uma preo- cupação de eficiência” deve assentar sobre um conhecimento tanto quanto possível rigoroso das condições de facto que configuram a vida colectiva. a nível salarial. “Polarização das Relações Sociais em Portugal”. Cidade e Habitação Social. em Effets Pervers et Ordre Social. Celta. Ibidem. ia colo- cando à ordem social. a educação29 ou a habitação30. Paris.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 34 A Ópera do Trindade exigências da própria vida colectiva. Ibidem. Quadrige/PUF. 1965. Livros Horizonte. vol. no quadro de uma sociedade mais fluída.32 Os parâmetros ideológicos da FNAT. num processo de mobilidade ascen- dente foi uma tarefa colocada aos instrumentos da política social. A tentativa de satisfação das aspirações de grupos sociais que se viam cometidos. onde se arrolam os organismos e instituições que à data tratavam de problemas económicos e sociais. Análise Social n. 34 . realce-se o estudo de Sérgio Grácio sobre a reforma do ensino técnico de 1948. sem 26. a dinâmica das frustrações.Opera do Trindade. consoante os problemas que as transformações do país iam colocando a quem tinha a responsabilidade de pensar uma política social de consequências primordiais. Vol.27 A relação do conhecimento28 com a política social. 31. Eduardo de Freitas demonstra o incremento da polarização social em Portugal entre 1930 e 1970. 496-504. o autor refere que.31 A alteração que o desenvolvimento económico produziu nos quadros de referência quotidianos modificou as representações. em especial as empresas de maior dimensão. pp. 30-31. Os sectores industrial e dos serviços cresceram significativamente. Luís V. Oeiras. 27. vingou uma ideologia prática da técnica assente num planeamento que visava resolver os problema que a massificação das cidades.7%.o 7-8. 29. em 1930.1%. 32-33. o potencial do conflito e a possibilidade da anomia.o 39. 30. as as- pirações.o Semestre.o 9-10. n. O autor utiliza o ter- mo “tecnologia social” para caracterizar o modo como o governo. especialmente quando as transformações quotidianas obrigaram a intensificar a regu- lação com políticas concretas. Análise Social. 1986. pp. devido à dinâmica estrutural da sociedade portuguesa. caracteriza várias das cambiantes deste processo. vol. realizado pela revista Análise Social. no artigo intitulado “Portugal: Sociedade Dualista em Evo- lução”. utilizando o sistema educativo. neste caso de Lisboa. A percentagem de assalariados no total da população activa passou de 48. a partir da década de 50. 1964. Análise Social. pp. Neste sentido. o que significou uma redução no número de patrões. X. onde é mais plausível o movimento. 1993. 32.26 A política social. pp. III. No que diz respeito à habitação social. não podem ser apartados dos objectivos práticos inerentes a esta produção de conhecimento sobre a realidade social. Eduardo de Freitas. “La Logique de la Frustration Relative”. Lisboa. Luís Baptista relata o modo como o Estado Novo foi reinventando a habitação social. Sérgio Grácio. em 1970. A questão é exemplarmente tratada por Raymond Boudon. n. 1. 28. nomeadamente a partir de meados da década de 50. as palavras de Juan Linz. o seu exemplo é indicador de algumas tendências inerentes a processos sociais mais vastos. cuja ar- ticulação com o desenvolvimento da instituição iremos explorar mais adiante.Opera do Trindade. não possui. por definição. durante grande parte do século passado. Para compreender o quadro de acção da FNAT e as condições da sua eficácia. ela própria agente de uma domina- ção burocrática e racional. conseguiu penetrar e enformar o quotidiano dos grupos sociais envolvidos nas suas actividades. cit. nos seus movimentos e no modo como estes reflectem a incorpo- ração de determinados sentidos da acção.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 35 Ideologia. Não atribuindo à FNAT qualquer centralidade na explicação dos processos políticos em Portugal que. p. uma luta pela paz e pelo entendimento entre os homens que só por si quase ficará manchada quando. nos parcos limites da modernização portuguesa. introduzindo critérios de eficiência e racionalidade…”33 Gonçalves Proença. 321. que a FNAT. bem se poderá dizer que a nossa vitória será tanto 33. na realidade. nunca conseguira an- tes alcançar. referentes ao caso espanhol. apesar do “som e da fúria” doutrinal dos primeiros anos. e sem exagero. é indispensável ter como princípio de análise os grandes eixos de estruturação da vida quotidiana que determinaram as continuidades e as transformações ocorridas em Portugal. que se vislumbram os efeitos das políticas sociais. Juan Linz. o modo como a organização. tenha de recorrer à força. Neste sentido. É em relação a estes elementos. que as etapas de evolução da FNAT devem ser pensadas e de- finidas. Fragmento traduzido pelo autor. algo que. op. 35 . para triunfar. conseguiu de- senvolver os seus princípios de acção ideológica. Foi quando se tornou um instrumento operacional da política social do regime. parecem adequadas ao regime português: “Os siste- mas autoritários – mesmo aqueles aos quais podemos chamar reac- cionários – são modernizadores no sentido em que representam uma descontinuidade com a tradição. Políticas Sociais e Tempos Livres dúvida. Sob tal aspecto. É na vida das popu- lações. resumiu num discurso o âmbito da actuação ideo- lógica de uma instituição como a FNAT: A nossa é. ministro das Corporações e Previdência Social entre 1961 e 1970. um 34.”35 Não será. em determinado tempo histórico. 35. Difel. conduziu Norbert Elias a estabelecer uma estreita correspondência entre os efei- tos socialmente pacificadores do parlamentarismo oitocentista inglês e o surgimento de determinadas práticas desportivas: “A ‘parlamentari- zação’ das classes inglesas que possuíam terras teve a sua contrapartida na ‘desportivização’ dos seus passatempos. levadas a cabo pelos Estados ocidentais que lideravam o processo de modernização. O lazer moderno e as suas funções sociais A compreensão do desenvolvimento dos “padrões sociais do autodo- mínio humano”. 3. que fez surgir em Inglaterra.34 As diversas considerações atrás formuladas conduzem a uma abor- dagem da evolução da FNAT que remete para as origens modernas do lazer massificado e do contexto sócio-económico das políticas sociais de enquadramento. 1986. nesse momento. A breve referência aos casos alemão e italiano tem como intuito tentar descor- tinar os pontos de contacto e distanciamento entre as políticas sociais em regimes de tipo fascista e as prosseguidas em regimes de tipo de- mocrático.Opera do Trindade. para a FNAT. actuar com maior eficácia ideoló- gica sobre as populações. orig. as razões que sustentam a ideia de que é a partir de meados da década de 50 que a FNAT conseguiu. sob a pena de o não ser de nenhum. Lisboa. 1963. depois de garantir determinados eixos funda- mentais de análise. enfim. A política social e o desenvolvimento económico. ed.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 36 A Ópera do Trindade maior quanto mais despercebida passar aos olhos dos homens e naturalmente for aceite por estes sem constrangimentos ou coacções. Lisboa. Nomear-se-ão. para ser nossa. p. converge. então. Este percurso. e junto dos grupos dominantes. Norbert Elias. É o paradoxo da vitória que. 59. através da reunião de um con- junto de factores internos e externos. p. A Busca da Excitação. Gonçalves Proença. 1992. ou uma inexplicável vocação britânica. mas por simples e natural ade- são do seu espírito e da sua vontade livre. Seguir-se-á uma breve análise das organiza- ções de tempos livres de regimes semelhantes ao Estado Novo. que acompanham o processo civilizacional. o acaso. Junta de Acção Social. 36 . tem de o ser também daqueles sobre quem é alcançada. pelo contrário. isto. p. restringidas a pequenas elites. que não se tomem os agentes dominados por determinada instrumentaliza- ção da ordem social somente por essa sua condição subalterna. com particular incidência na transição do século. que a energia revolucionária se saciasse com os sucessos constitucionais e se dissipasse em pequenas intrigas. Karl Marx. ela própria carente da devida organização política para se tornar realmente revolucionária. 37 . O estudo da funcionalidade dos tempos livres. 1852. em que o confronto estava regulamentado. a propósito dos acontecimentos frances- es de 1848. O parlamentarismo seria apenas um dos passatempos que obstaculizaram as intenções de Marx. numa modernidade industrial e urbana. Políticas Sociais e Tempos Livres conjunto de práticas de ocupação de tempos livres. Edições Nosso Tempo. O aparecimento de um lazer massificado. ed. no seu O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. apesar da objectividade das relações de produção. orig. constituir-se-ia como mais um óbvio eixo de dominação. em estéreis oratórias e numa agitação ilusória. permitindo assim que a burguesia se reorganizasse e começasse a tomar medidas para pôr em prática. 79. A actuação do partido democrático francês sugeriu-lhe as seguintes palavras: Deixou [o partido democrático] que as paixões populares exaltadas se consumissem neste novo passatempo. depende da compreensão do modo como as sucessivas configura- ções históricas foram civilizando certas predisposições humanas: 36. Mantinham-se. A procura do entendimento das práticas sociais sugere. de acordo com a proposta de Norbert Elias. O 18 de Brumário de Louis Bonaparte. um novo passatempo. quase todas despor- tivas. ameaçava transviar-se para outros destinos que não os da revolução. estas novas práticas. no entanto. Cons- tituía um eixo importante das nações renovadas. um braço da cidadania conferida por um Estado central defensor de um pretenso bem comum. Karl Marx. 1971.Opera do Trindade.36 A energia revolucionária de que Marx falava. perspectiva de outro ângulo o processo de parlamentarização. fruto das profundas alterações que incidiram na esfera la- boral. tinha um significado social bem mais abrangente.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 37 Ideologia. A parlamentarização. tornar propícias as condições que levariam a essa ruptura social. Coimbra. uma peça decisiva no puzzle da modernidade. (…) No caso das sociedades que atingiram um nível relativamente avançado de civilização. 69-70. 1992. em resumo. 39. o que tem origem em muitas 37. com relativa es- tabilidade e com forte necessidade de sublimação. A exigência de um controlo das sociabilidades diárias. podem ser observadas. Ibidem. pp. habitualmente. a sobrevivência social e o sucesso depen- dem. as sociedades desintegrar-se-iam38. no sentido de retardar. suprimir. sem estas condições estaria posto em causa o consenso mínimo essencial para a sustentação de deter- minada ordem social.37 O constante aumento das interdependências sociais. na sua globalidade. nem demasiado frágil nem demasiado forte.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 38 A Ópera do Trindade O que pode mudar. de controlar de várias formas energias elementares e outros impulsos espontâneos. de autocontrolo individual. A Busca da Excitação. resultante da estruturação das sociedades modernas. pp. muitas profissões. Difel. de alguma forma. as restrições harmoniosas e mode- radas. situação típi- ca da vida quotidiana das sociedades modernas. numa considerável multiplicidade de actividades de lazer. É neste ponto que Elias introduz a questão dos lazeres: Nas sociedades avançadas do nosso tempo. Sem estas condições.Opera do Trindade. são os padrões sociais de autodomínio e a maneira segundo a qual eles se forjam no sentido de activar e modelar o potencial natural dos indivíduos. 38. 74-75. e aquilo que de facto mudou durante o longo desenvolvimento da humanidade. implica uma compen- sação orgânica. seguindo o pensamento de Elias. criam uma excitação regulamentada. 38 . só proporcionam satisfação se todas as pessoas envolvidas con- seguirem manter uma razoável harmonia e um controlo estável dos seus impulsos libidinais. muitas relações pri- vadas e actividades. pp. Norbert Elias. transformar. Nestas sociedades. Ibidem. por outras palavras. Esta função é essencial para o equilíbrio individual e colectivo: (…) muitas ocupações de lazer fornecem um quadro imaginário que se destina a au- torizar o excitamento ao representar. assim como dos seus estados de espírito flutuantes. que desempenham essa função (…)39 As actividades de lazer. obriga ao controlo progressivo destes impulsos e ao consequente autodomínio. Lisboa. 74-75. afectivos e emocionais mais espontâneos. em certa medida. isto é. em que todos os riscos são calculados e norma- lizados num conjunto de regras que projectam uma realidade fabrica- da. de uma armadura segura. o sociólogo alemão expressa com exactidão o modo como as sociedades modernas configuram determinada evolução da existência humana. 1975. Ibidem. Cambridge Univer- sity Press. os desafios que o desenvolvimento do mundo moderno ia colocando. no entanto. Cambridge. Princeton. corridas de cavalos. estruturas que susten- tavam. The Nation-State and Violence. Políticas Sociais e Tempos Livres situações da vida real. 1993. jogos de cartas. a qualificar apenas uma energia. Embora Elias não se debruce explicitamente sobre o contexto de determinadas relações polí- ticas e económicas que trabalharam para enquadrar e regular estes pro- cessos. pp. 1985. Sobre o papel do Estado na formação das nações modernas. 71. pinturas. The Formation of National States in Wes- tern Europe. A defesa de um interesse nacional.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 39 Ideologia. ainda na primeira metade do século xix. 41. danças. como agente de pacificação interna. 70-71. ver Charles Tilly. em diversos universos sociais. embora sem os seus perigos e riscos. p. Michael Mann. histórias policiais e jogos de futebol – estas e muitas actividades de lazer pertencem a esta categoria. um eixo de estruturação fundamental. A salvaguarda legítima de imperati- vos económicos dominantes envolvia a naturalização paulatina de uma nova e indiscutível realidade. Cambridge Polity Press.”41 Marx diria que assim se esgotava a energia revolucionária. The Sources of Social Power. Princeton University Press. 42. Filmes. co- mum ao universo de cidadãos. Este processo reflectiu-se na cria- ção de um conjunto de instituições de integração.42 As alterações que o desenvolvimento dos mercados produziu na esfe- ra produtiva. medo ou prazer mimético. tristeza e alegria” que “são produzidos e possivelmen- te resolvidos no quadro dos divertimentos. Cambridge. Anthony Giddens. garantia ao Estado a legitimidade da in- tervenção sobre as relações sociais. impunham uma 40. O Estado moderno e as políticas sociais A consolidação política e económica dos regimes liberais europeus no século xix teve no papel do Estado. 39 . Ibidem.Opera do Trindade. Uma energia humana competitivamente organizável. óperas. o termo revolucionário está.40 A representação controlada e aceite da infracção às normas e regras sociais é permitida pela simulação de um “perigo imaginário. se pusessem em causa os direitos de pro- priedade e a manutenção das condições que garantiam a continuidade da prática económica liberal. Projecto moderno de vários matizes. pelos princípios históricos da pátria inculcados por sistemas escolares progressivamen- te abrangentes. desta forma. abandonada ao normal desenvolvimento do mercado. legitimava a acção do Estado. pela instigação do reconheci- mento negativo do outro. Skocpol e Rueschemeyer. desvinculadas de dependências sociais que configuravam uma sociedade tradicional em desvanecimento. exigia instrumentos de socialização que obstassem a rupturas bruscas. este processo socializador foi urdido pelo trabalho estrutural e simbólico que visava a unificação subjectiva dos grupos sociais reunidos num mesmo território. 40 . Social Knowledge and the Origins of Modern Social Policies.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 40 A Ópera do Trindade resposta adequada por parte dos Estados. Tornava-se urgente uma ressocialização das populações.44 A ini- quidade das relações objectivas ao nível das relações de produção tor- nara-se. escrito por Karl Marx e Friedrich Engels. projectos imperiais e domínios económicos e comerciais. Princeton University Press. mecanismos de socialização basilares. As novas condições criadas pela transformação das actividades pro- dutivas e das relações sociais de produção. Este controlo do Estado sobre as populações concentrava ainda o poder coercivo numa centralização histórica progres- siva. o instrumento político activo utilizado por vários movimentos sociais e políticos na 43. A estruturação das relações sociais modernas. 304-308. muitas vezes. pelo desenvolvimento do conhecimento científico dos territórios e das populações e. States. poderia resultar numa grave situação anómica. 1996. esta- belecidos pela partilha de direitos políticos e cívicos. Os efeitos da desigual distribuição capitalista teriam de ser ate- nuados sem que.43 A exis- tência de novos vínculos entre as populações e a instância estatal. A proletarização de largas camadas das populações. fortalecia os exércitos e sustentava. pp. New Jersey. propiciavam o trabalho político e teórico das organizações e movimentos que se propunham superar a ordem dominante. Surgiram as nações construídas sobre a imposição de uma língua oficial. data de 1848 e é porventura o marco deste traba- lho teórico visando a acção política imediata. a partir do trabalho analítico de vários teóricos. substância de uma cidadania progressivamente nacionalizada. O Manifesto do Partido Comunista. 44.Opera do Trindade. que acompanhou a edificação dos Estados-Nação. com isto. Marxism and Class Theory: A Bourgeois Critique. actuando em fa- vor dos interesses económicos dominantes. alicer- çadas na análise histórica e na compreensão e interpretação do mun- do social. era político e filosófico. um projecto que. pp. especialmente ao modo como largos sectores da ciên- cia social importaram para o seu seio. Mais do que isso. de que as práticas sociais num contexto de evolução da organização do traba- lho reflectiam uma realidade que projectava na história a narrativa da luta de classes. Tavistock Publications. provaram aos interesses dominan- tes a seriedade da questão. que existia uma história já escrita. Anthony Giddens. Mas a inevitabilidade da “ques- tão social”. segue-se uma contra-racionalização regulada pela máquina estatal. teve como um princípio de acção política elementar a luta de classes. 1981. antes de ser científico. ser mascaradas. doença endémica da evolução industrial. 1994. Frank Parkin. negociadas. “Espaço Social e Génese de Classes”. Os instrumentos utilizados na prossecu- ção das políticas sociais têm. diversa em si mesma. sem a crítica necessária. Como afirmam Theda Skocpol e Dietrich Rueschemeyer: “Sem a intensificação das divisões de classe durante a fase inicial do capitalismo industrial as políticas sociais públicas provavelmente nunca teriam sido instituídas. na sua génese. concer- tadas e mesmo alteradas. Difel. através das políticas sociais: uma acção persuasiva. diríamos que a uma tentativa de racionalização orga- nizada das tensões. The Class Structure of the Advanced Societies. Fragmento traduzido pelo autor. sabiam. cit. que as reais condições objec- tivas pudessem. Londres. em O Poder Simbólico. dos movimentos políticos que o traduziam no quotidiano laboral.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 41 Ideologia.46 Seguindo Elias. não fazem desaparecer a evidência. 46. a uma generalidade de Homens na condição de dominados. não impedia que os seus efeitos pudessem ser combatidos. Hutchison Library. Políticas Sociais e Tempos Livres esfera do trabalho.Opera do Trindade. p.. capaz de criar identidades políticas colectivas. 1973. Para este empreendimento exigia-se a utilização de instrumentos orientados por um conhecimento profundo dos me- canismos da realidade social. da teoria das classes sociais45. 41 . Londres. criadora de uma 45. e que o final feliz dispensava a sua presença. em nome do interesse geral. que a experiência histórica confirma. um objectivo primordial: a eliminação da luta de classes. A transmissão destas ideias de transformação. e o trabalho.” Skocpol e Rueschemeyer. pela leitura atenta das doutrinas revolucionárias. que seria o projecto da luta de classes. A aplicabilidade de um modo de análise do real de forte pendor racionalizante. Viseu. 305. Ver a este propósito: Pierre Bourdieu. muitas vezes bem sucedido. 133-162. subjectivamente. op. As críticas formuladas à tradição. As características inerentes à sociedade em estudo. 70. e o Estado. a utilização legítima dos atributos garantidos ao Estado pelo monopólio da violência. O aprofundamento das relações entre o Estado e a sociedade civil implicou a multiplicação de instituições mediadoras entre os cidadãos. Ithaca. as adaptações.Opera do Trindade. Social Democracy and Welfare Capitalism. 15-31. considerar o âmbito das políticas sociais depen- dente apenas da preparação do Estado para enfrentar um hipotético cenário de confrontação social entre classes. regula. O 18 de Brumário de Louis Bonaparte. como o contexto da socieda- de industrial. Coimbra. Noutra perspectiva. é impossível deixar de considerar as conquistas alcança- das pelo trabalho persistente de movimentos políticos e sindicais no sentido da concretização de medidas em favor dos grupos sociais mais desprotegidos. relatou os efeitos que a capacidade estatal demonstrava ao falar na “absoluta dependência. comunidade “uniforme” onde cabiam as grandes massas operárias. 42 . Karl Marx. em O 18 de Brumário. mas muitas vezes sem sucesso. de forma progressiva. distinguindo-as pela centralidade que conferem a determinados factores de causalidade. Cornell University Press. são essenciais para a contextualização do processo de aplicação das políticas sociais. Alexander Hicks enumera as diferentes teorias que procuram explicar a emergência do welfare state e das políticas sociais cor- relativas. tanto do ponto de vista da configuração das suas estruturas históricas perante uma evolução para a modernidade. onde o Estado encerra. p.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 42 A Ópera do Trindade hegemonia que tentava evitar.47 Não se tratará aqui de encontrar uma lógica causal única. Marx. pp. 1971. desde as mais amplas manifestações de existência até à vida privada dos próprios indivíduos.”48 Nas palavras de Gramsci: As classes dominantes precedentes eram essencialmente conservadores no sentido que não tendiam a elaborar uma passagem orgânica das outras classes à sua. mas de compreender as relações de dependência entre os vários pode- res em jogo. o papel da formação de classes e da organização de movimentos trabalhistas ou a acção do Estado. controla. É unívoco. a alargar 47. a sua colocação nas condições históricas. O processo foi acompanhado pelo crescimento de uma buro- cracia governamental progressivamente especializada e multidisciplinar. Edições Nosso Tempo. 48. Alexander Hicks. todavia. 1999. superintende e mantém sob tutela a sociedade civil. como das particularidades da sua organização política estatal e no modo como esta se relaciona com outras esferas da vida social. as negociações e as respostas que um determinado momento social sus- cita nos equilíbrios contextuais. Lisboa. animado pela revolução russa de 1917. 87. 50. por outro. em 1932/33 estava desempregada 23 por cento da força de trabalho britâ- nica e belga. cit. pela primeira vez. era um projecto político e intelectual.Opera do Trindade.52 A ruína económica ameaçou a continuidade dos aparelhos institucionais do liberalismo político. de que os homens tomam consciência dos conflitos de estrutura no terreno das ideologias deve ser considerada como uma afirmação de valor gno- seológico e não puramente psicológico e moral. 32 por cen- to da dinamarquesa e 44 por cento da alemã. mas um movimento “trabalhista” internacional. 122)..49 A percepção de que a luta de classes.. uma social-democracia incapaz de in- verter o drama económico e social do país. de forma ameaçadora. 27 por cento da americana. 1994. orig. 99. Da guerra de 1914-1918 não resultou apenas uma nova geografia europeia. aquelas que viam a sua posição mais ameaçada pelo rumo da crise do sistema liberal. A ruptura de 1929 tomou muito tempo a todos aqueles que se ocupavam de pensar a sociedade. 1. mas que tinha de ser conquistado na construção das subjectividades50. António Gramsci. cit. 1996. 1945. Eric Hobsbawm. orig. op. do Brasil ou da Colômbia. vol. Piven e Cloward. p. ed. 51. Obras Escolhidas. na primeira metade do século x x. assente em reais bases objectivas. Na leitura de Marx feita por Gramsci: “A proposição contida na introdução à Crítica da Economia Política. As alternativas aos regimes liberais (que aparentavam uma implantação sólida e progressiva) surgiram. Políticas Sociais e Tempos Livres a sua esfera de classe “tecnicamente” e ideologicamente: a concepção de casta fecha- da. A classe burguesa põe-se a si mesmo como organismo em contínuo movimento.. como em países da América do Sul. o partido nacional-socialista derrubou. capaz de absorver toda a sociedade. 399.1 > A organização dos lazeres na Itália fascista e na Alemanha nacional-socialista O universo das políticas sociais. foi marcado por dois processos fundamentais: por um lado. O fascismo. Na Alemanha. Segundo Hobsbawm. p. 24 por cento da sueca. António Gramsci. 52. Como afirma Hobsbawm: 49. 43 . foi porventura mais rapidamente apreendida por aqueles que queriam manter o domínio do que pelos que pretendiam usurpá-lo. mas também noutras latitudes. Estampa. tende a internacionalizar-se (com fortes movi- mentos na Hungria. 45. sob a batuta germânica. pelo voto democrático. cit. 1. 1974. A Era dos Extremos. a crise económica de 1929.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 43 Ideologia.”. Mas foram talvez os resultados da crise de 192951 que de- monstraram a urgência de um aprofundamento das políticas sociais. Lisboa. Eric Hobsbawm. ed. atraindo fundamentalmente as classe média e média bai- xa. op. Presença. assimilando-a ao seu nível cultural e económico: toda a função do Estado é transformada: o Estado torna-se “educador”. 29 por cento da austríaca. 31 por cento da norueguesa. p. p. a Primeira Guerra Mundial. casos da Argentina. em 1933. mais importante. p. op. mais do que uma inevitabilida- de histórica traçada por agentes voluntários e consciencializados. na Roménia e na Croácia. 179-205. porém. pp. o combate à crise. erigido pelo governo Roosevelt. Por um lado. uma atenção particular a determinado tipo de características nacionais. foi aprovada uma primeira lei da segurança social. 53. Mas já antes. indicava que ao Estado passaria a caber um pa- pel fundamental na regulação da economia.. 44 .qxp 5/28/07 11:25 AM Page 44 A Ópera do Trindade A Grande Depressão obriga os governos ocidentais a dar às considerações sociais prio- ridade sobre as económicas nas suas políticas de Estado. a Constituição de 1933 e a aprovação do Estatuto do Trabalho Nacional constituem a resposta nacional. Em Portugal. aos problemas que afectavam o mundo industrializado. com a Constituição de Wei- mar de 1933. todas as práticas de associativismo livre que pudessem tornar-se foco organizador de luta de classes. colocando distintos problemas no seu emprego prático. da direita – eram demasiado ameaçadores. Eric Hobsbawm. influenciando diferentes esferas da vida quotidiana e. apesar da crise de 1929 não ter tido consequências estruturais. Na sua redacção estão expressas as punições para quem transgredir as proibições de greve e de lockout. Em 1935. a imposição do controlo sobre os contratos colectivos de trabalho e a defesa da propriedade e da iniciativa privada. 54. O esforço inglês de regula- ção precede o final da Segunda Grande Guerra. Em França. O Estatuto do Trabalho Nacional (ETN) assemelha-se bastante à Carta del Lavoro italiana. o horário semanal de traba- lho foi reduzido. p. cit. op. op. inspirada nos exemplos ale- mão e italiano. O economista britânico John Maynard Keynes tornava-se o rosto da opção intervencionista do Estado.Opera do Trindade. Os perigos implícitos em não o fazer – radicalização da esquerda e. Estes princípios de análise são centrais na breve abordagem às políticas de organização dos lazeres que tiveram lugar na Itália fascista e na Alemanha nazi. para 40 horas. aprovada em 1927. Nos Estados Unidos. a manipulação destes instrumentos é condicionada pelas características políticas e socio-económicas dos países em que são aplicados.. a Alemanha nacional-socialista. em 1936. cit. país que sempre evitara uma política social centralizada. Por outro. consequentemente. mesmo que não o fizessem formalmente. a prática planificadora estava há muito presen- te com os conhecidos planos quinquenais. os mecanis- mos das políticas sociais são diversos.54 A aplicação das políticas sociais exige. como na Alemanha e outros países agora o provaram.53 Na economia da URSS. Estipulou-se ainda um período de férias pagas. Manuel de Lucena. através da apresentação de um conjunto de medidas sociais reunidas no Plano Beveridge de 1942. Os objectivos do ETN eram extinguir. organizara um conjunto de medidas de regulação econó- mica. 101. 1966. op. As vá- rias dinâmicas do projecto de dominação doutrinária. 90-113. ficando todo o mezzogiorno entregue à agonia de uma sociedade tradicional ru- ralizada. seguindo o modelo empresarial americano. sobretudo. 56.56 Tornar o trabalhador. na filial italiana da corporação americana de electricidade Westinghouse. and the Ori- gins of Modern Social Policies Princeton University Press. perfazem um qua- dro de análise importante. Social Origins of Dictatorship and Democracy. 45 . empresa americana cujos métodos foram mimetizados e transformados pela organização corporativa italia- na. A Itália corporativa de Mus- solini fundou a Opera Nazionale Dopolavoro (OND). da Alemanha e da Itália e uma tradição mais liberal. As consequências da crise de 1929 nas economias mais in- dustrializadas obrigaram a um redimensionamento das políticas económicas e sociais. Relacionando o desenvolvimento do pensamento social institucionalizado com os objectivos práticos da estrutura política e dos seus interesses associados em debelar a proeminente “questão social”. “Statist and Non-Statist Societies”. Barrington Moore Jr. se tornara o mais desenvolvido do sul da Europa. O modelo que estes regi- mes seguiram. A introdução des- tas políticas sociais em Itália surgiu pela via produtivista.57 A Itália fascista não foi excepção. dois terços das suas vendas e vê o seu rendimento baixar 76 por cento. diferentemente. entre 1929 e 1933. 433-452. num elemento funcional no processo de cresci- mento industrial constituía o desígnio do governo da Itália. 1996.). presentes. o carácter modernizador dos regimes fascistas. as reformas sociais não se desenvolveram a partir de instituições centralizadas mas. destacou. in Theda Skocpol e Dietrich Rueschemeyer (eds. States.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 45 Ideologia. 57. Peter Wagner e Bjorn Wittrock assinalam as diferenças entre as políticas sociais ocidentais oitocentistas prosseguidas pelos Es- tados e aquelas que apresentaram uma base não-estatal. Eric Hobsbawm. pela manipulação de instrumentos utilizados para regular os processos de industrialização e modernização. Barrington Moore Jr. país que.Opera do Trindade. na sua conhecida tese. 98. Penguin. A Westhinghouse. Social Knowledge. perde. Peter Wagner e Bjorn Wittrock. Harmondsworth. A aposta industrial reflectiu-se essencialmente na região norte. New Jersey. Os fundamentos da nova organização foram as políticas de Mário Giani. presente em Inglaterra e. No caso americano. os au- tores apontam as diferenças entre as políticas estatais centralizadas da França. original no modo como as políticas de regulação social foram atravessadas pelas ambições e limites do projecto político. na transição do século. pp. pp. genericamente.. A necessidade 55. de uma aplicação na esfera do trabalho e na comunidade de princípios práticos de regulação organizados quase sempre pela iniciativa privada ou por unidades administrativas de nível local. Políticas Sociais e Tempos Livres >>>>>>>>>>> O universo das políticas sociais relacionadas com os lazeres levadas a cabo na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler foi uma resposta particular às consequências da modernidade55. p. A forma como a natureza do regime político interagiu com a superintendência do Estado sobre a sociedade civil deu azo a uma concepção original dos lazeres. tanto no regime italiano e no alemão como no português. enquadrado pe- los sindicatos fascistas. carac- terizou-se. nos Estados Unidos. cit. Quando a Kraft Durch Freude (KDF) nasceu. Cambridge University Press. incutida no povo pela paz punitiva imposta à Alemanha em Versalhes. 1981. enunciada por Mussolini em 1931.Opera do Trindade. cit. e o partido comunista. 1996. sabendo que “não é de modo algum o que se dá ao povo trabalhador mas sim como se dá”61 a forma de alicerçar a pacificação 58. citado por José Carlos Valente. The Culture of Consent – Mass Organization of Leisure in Fascist Italy. 8. apoiados pelo novo poder. o que demonstra a importância socializadora que o local de trabalho ia adquirindo numa sociedade modernizada. A curta vida da República de Weimar caracterizara-se por um governo acossado pelo descontentamento social. 60. p. p. não dei- xava de possuir estruturas industriais sólidas e um número de capita- listas que. Num país em grave crise financeira. n. pelo voto. os efeitos da crise de 1929 abalavam ainda a Alemanha. Arbeitertum. Expressão que se torna o mote de explicação do domínio cultural organizado na Itália fascista na obra de Victoria Grazia. Victo- ria Grazia. A intervenção da KDF foi mais ambiciosa do que as suas congéneres. 61. 1934-1940. Eric Hobsbawm.58 A máxima “chegar às pessoas”. Lisboa. impulsionando a renascida sociedade civil alemã: explorando as “tendências pequeno burguesas de uma parte dos operários”60. 1980.o 1. Se o país estava no caos financeiro. ano 5. “A FNAT: das origens a 1941 – Estado Novo e Alegria no Trabalho”. Estado Novo e Alegria no Trabalho – Uma História Polí- tica da FNAT. a retórica nacionalista e xenófoba do partido nazi. 99. o regime conseguiu eliminar o desemprego. Deutschland-Berichte der Sozialdemokratischen Partei Deutschlands (Sopade). em 1933. 62. p. Cambridge. n. Os resultados das políticas económicas e sociais alemãs serão concludentes.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 46 A Ópera do Trindade de estancar perturbações sociais transformou os Dopolavori em agentes primordiais da criação de uma cultura de consentimento social genera- lizado. p. os promotores dos lazeres na Alemanha apresentavam-se na vanguarda da persuasão. passou a ser o esteio da nova política estatal implementada pela OND: mais socializada e consentânea com a viragem estatista obser- vada em todo o mundo ocidental. Colibri-INATEL. p. 59. 1259.59 A KDF vai ser apenas um dos componentes que regulou este desenvol- vimento. A recuperação do país criou as condições para o Terceiro Reich iniciar um esforço de guerra sem precedentes.o 5. A empresa era a célula primária das actividades da organização alemã. em História. foi conquistando adesões. 25. Frankfurt: Salzhausen. 46 . estavam dispostos a revitalizá-lo. Os nacional-socialistas aca- bavam de bater. 15. 1/4/1935. Vier- ter Jahrgang (1937). Em 1938. o governo social-democrata que governara a República de Weimar desde 1918. seu princi- pal adversário.. citado por José Carlos Valente. 1999. op. p. em Politische Vierteljahrsschrift. 64. cit. 63. “Ästhetik Staat Politik Zum Verhaltnis von Kultur und Politik im NS-Staat”. p. Tese de Licencia- tura apresentada em 2001 no âmbito do Curso de História Contemporânea do ISCTE. Mesmo os movimentos políticos de cariz internacionalista. não lhe criou simplesmente meios de vida material. como no português. p. que considera absurda e criminosa. em José Carlos Valente. op. introduziram no seu discurso a prioridade nacional. mas apenas da sua percepção e avaliação. como referiu uma publicação da época. Lisboa. que encontrava na sociedade civil um terreno fértil de proliferação. cimentado em toda a visibilidade do aparato simbólico e institucional que o Estado. em cons- trução permanente. era comum ao uni- verso das políticas estatais situadas no mundo capitalista. (Texto policopiado) 47 . o jornalista Tomé Vieira. independen- temente do tipo de regime político. que irá colaborar no Boletim da FNAT Alegria no Trabalho. A casa saudável e económica para o operário foi construída. ventilação e ilumina- ção das fábricas. a protecção à mulher e à criança deixou de ser simples aspiração ou programa de partido.65 A influên- 62. E uma nova mentalidade surgiu entre os trabalhadores. Ver a este propósito José Neves. 1943. Todos os laços se mostravam indispensáveis para prosseguir o objectivo central da KDF que. por con- tribuírem elas próprias para a construção nacional. construção de móveis e artefactos criados para o local de trabalho. os seguros de invalidez foram instituídos.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 47 Ideologia. op. Um dos seus eixos era a ques- tão nacional e étnica. Mais uma vez. 158. Sondenheft. um importante foco de ocultação de divisões de classe. conseguia mobilizar na sua sustentação. A obra do nacional-socialismo revolucionou profundamente os costumes do povo pela garantia da vida social que deu ao trabalhador. os fins visavam ainda acentuar fronteiras sociais mais consen- tâneas com o projecto global do regime. Comunismo. ergueu o maior opera- dor turístico a nível mundial e a criação da Volkswagen desejava mul- tiplicar o número de alemães com automóvel próprio. preocupações ambientais. Nele se explica a forma “superior” como a Alemanha resolvera o problema da luta de classes: “O nacional-socia- lismo não acabou simplesmente com a luta de classes. Edições Biblioteca. Nacionalismo e Colonialismo – Notas sobre o Partido Comunista Português de 1921 a 1957. que eram incapazes de combater o po- deroso efeito político da nacionalização da vida quotidiana. além da harmonia social. 25. cit. muitas vezes estratégica ou inconscientemente. A Questão Social. A KDF possuía um banco privado. pp.62 A KDF iniciou uma profunda alteração na organização da empresa alemã: me- lhorias arquitectónicas. acabando. Ano 28. Em 1943. escreveu um texto intitulado “A Questão Social”. que assentavam a sua análise do real nas questões das lutas de classes. pela mais bela criação que até hoje foi conhecida: ‘A Alegria no Trabalho’. Victoria Grazia. O desemprego acabou. alvo de uma reconstrução e invenção permanentes. que a Alemanha levou até às últimas consequências. Expressão que Victoria Grazia utiliza para descrever a acção da OND. “não pode ser confundido com uma alteração (efectiva) da realidade social.”63 A lógica de hegemonização. pp.. No caso alemão e italiano. Políticas Sociais e Tempos Livres social. Peter Reichel. 65. que. Instituiu a legislação social mais avan- çada que se conhece. O apelo nacionalista criava óbvios problemas nas estruturas políticas oposicionistas. a política social visava o consentimento. Dando ao trabalhador os direitos que lhe confere a sua condição de pessoa.Opera do Trindade. procurava a incorporação de uma “consciência de consumo”64. 9-10. 133-134.” Tomé Viei- ra. A força uni- tária do princípio nacional apelava a um resíduo de valores e tradições. Os efeitos dos instrumentos modernos do lazer. pesem embora as tentativas efectuadas pelos regimes em causa. e onde a for- ça das elites locais era a prova da condição embrionária do controlo do Estado sobre o seu território e as suas populações. A retórica ruralista do fascismo italiano dissimulou uma prática efectiva. apesar da concorrência das associações socialistas e católicas. na sua autarcia.Opera do Trindade. foi bastante dinâmico. As discussões acerca da política social no mundo rural. em que a aposta na indústria foi feita contra os campos e a vasta classe campo- nesa. instrumentos na defesa dos valores da ruralidade contra a desfuncio- nalidade do cosmopolitismo urbano. provocaram compreensíveis receios. como veio a suceder nos casos italiano e português. Ao contrário do que sucedeu no mundo agrário. Os casos italiano e alemão permitem um exercício comparativo acer- ca da acção de instituições estatais de política social situadas em países em fases diferentes de desenvolvimento sócio-económico – fundamental para testar a eficácia ideológica das políticas sociais. em espaços sociais que sempre se apresentaram. confrontou-se de imediato com a evidente dualidade da organização do espaço económico e social do país. Os desequilíbrios regionais italianos obrigaram a uma adap- tação dos instrumentos de regulação do lazer. como o cine- ma e a rádio. foi apenas nas regiões 48 . com uma divisão do trabalho pouco desenvolvida.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 48 A Ópera do Trindade cia dos matizes do factor nacional sobre a sociedade civil levou Victoria Grazia a referir-se à acção dos Dopolavori em Itália como uma tentati- va de nacionalização do lazer: da sua ideologização pela componente nacional. surgindo como a expressão ideal e perfeita de uma “cultura popular” entretanto forjada em gabinetes etnográficos. Os Dopolavori rurali. típicos das sociedades industriais e modernas. Uma estrutura produtiva tradicional e rura- lizada. a primei- ra em Estados com regime de tipo fascista. o movimento criado em torno dos Dopolavori situados em meio urbano. acabaram por soçobrar perante uma sociedade tradicional alicerçada em vínculos antigos. típica de um Es- tado moderno. mas denotando graves deformações estruturais. como forte sus- tentáculo social dos regimes. No espaço rural. A experiência ita- liana de instrumentalização das técnicas de controlo de lazer. dispensava. a aplica- ção de políticas que visavam enquadrar uma realidade sócio-económica distinta. expõem alguns dos limites dessa mesma intervenção. A eficácia de políticas sociais. As fronteiras desta impossibilidade estrutural vão ser discutidas numa breve aproximação à história da or- ganização dos lazeres portuguesa: a FNAT. como as protagonizadas pelas organizações de tempos livres – que visavam a igualização das condi- ções de consumo de bens e serviços. A formação de uma cultura hegemónica moderna. a impo- sição das relações desiguais pela força continuava a ser o modo normal de resolução dos problemas.68 Em estruturas sociais inadequadas ao desenvolvimento das políticas de organização dos lazeres.66 Embora Mussolini afirmasse que os “capitalistas inteligentes não ganham nada com a miséria”67. que iriam ser características de grande parte dos regimes liberais do pós-guerra. instâncias de apa- ziguamento das tensões. ed. Esta situação de precariedade era mais evidente em edifícios políticos totalitários e autoritários que. a actividade da or- ganização política no seio das relações de trabalho. 2000. pp. Celta. que se desejava consensualizadora. dando razão ao ditador italiano. para muitos patrões a tradição opressora. S. Victoria Grazia detecta essas mesmas insuficiências estruturais na economia italiana. as políticas sociais pareciam não apresentar qualquer utilidade. ópera. a ineficácia dessas mesmas políticas exprime uma evidente impossibilidade estrutural. Políticas Sociais e Tempos Livres onde a agricultura se apresentava modernizada que as iniciativas cor- porativas tiveram um alcance positivo. Duran- te o fascismo assistiu-se a um empobrecimento real dos trabalhadores italianos. 120-126. colónias de férias –. pp. 66. campeonatos desportivos. a baixos preços. oferecendo. teatro. 69-74. op. 62. o que determinou negativamente a actividade da OND. Victoria Grazia. era frágil se não estivessem asseguradas às populações as con- dições básicas de sobrevivência. Eisenstadt.. 49 .N. p.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 49 Ideologia. concertos. normalmente pela fraca evolução da divisão social do trabalho. cit. 2000. 67. é pouco compatível com uma realidade económica débil e com um Estado cuja capacidade reguladora é precária. turismo social. não possuem um conjunto de instituições reguladoras de natureza igualitária. orig. inversamente aos regimes demo-liberais. Tais termos de envolvência das relações laborais facilitavam. 68. Mas para muitos dos representantes dos interesses dominantes em Itália.Opera do Trindade. Oeiras. a hierarquia natural. Os Regimes Democráticos. Ibidem. que caracterizam um modelo de crescimento moderno. eram conhecidas. os congressos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) tornaram-se locais de partilha de técnicas 69. no interior do Estado Novo.. 38. José Carlos Valente. no poder que demonstram em modelar as representações dos actores so- ciais. Por outro. são o motivo da sua existência como mecanismo de regulação das práticas quotidianas. os bancários ensaiaram um mo- delo inspirado no Dopolavoro. as ex- periências de organização de tempos livres levadas a cabo na Alemanha e na Itália. p. >>>>>>>>>>> Quando a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho foi criada. demonstra a existência de relações próximas entre o recém-criado Sindicato Nacional dos Bancários e o Ministério das Corporações italiano. cit.69 Em Lisboa. Por um lado. encontram-se na eficácia da sua penetração na sociedade civil. industrial e capitalista. Relacionámos o contexto desta actuação institucional com condições sócio-económicas mais vastas.2 > O percurso histórico da FNAT O acompanhamento da evolução da FNAT durante o Estado Novo procu- rará articular a natureza dos seus objectivos com as circunstâncias que fo- ram envolvendo a sua actividade. ur- bano. Pen- samos.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 50 A Ópera do Trindade 1. op. entre 1935 e 1958. Entretanto. que configuram e classificam o desempenho ideológico da or- ganização. alterando os grandes eixos estruturadores da vida quotidiana. Estas condições determinam duplamente a criação e actividade de organizações como a FNAT. condicionando a sua movimentação em sociedade. que a eficácia ideológica da FNAT se foi desenvolvendo de acordo com o modo como algumas das estruturas características da- quela modernidade penetraram em Portugal. O facto do regime político português ser uma ditadura de tipo fascista é decisivo para compreender as media- ções e as contradições deste processo. no seu trabalho sobre a evolução da FNAT. Os critérios utilizados para avaliar estes resultados. em 13 de Junho de 1935.Opera do Trindade. 50 . José Carlos Valente. então. a prossecução e eficácia da sua actividade está relacionada com os fenómenos sociais que estas condições geram. pp. de que a FNAT foi membro fundador. Em 1933. Destes contactos não resultou somen- te a óbvia semelhança na nomenclatura da organização. op. fundador do Ins- tituto Nacional do Trabalho e Previdência. Pedro Teotónio Pereira. p. constituíram a primeira direcção da FNAT – e Higino Queiroz e Mello. numa altura em que a máquina bélica alemã ensaiava a Segunda Guer- ra Mundial na vizinha Espanha. 381-384. nasceu. presidente do Sindicato Nacional dos Bancários do Distrito de Lisboa – que. inspiração reflectida em todo o edifício corporativo português. Jaime Fer- reira. Ibidem. com Carmona. fundamento das políticas sociais a empreender. o final da Segunda Grande Guerra foi o marco temporal – apesar do problema estar há muito pensado – que 70. 42. Salazar e Teotónio Pereira. mas a partilha de um conjunto de princípios de intervenção assentes num trabalho aprofundado sobre a dinâmica das relações humanas. os contactos com a KDF assumiram uma importância fundamental na organização portu- guesa. o chefe da delegação alemã no congresso da OIT. o Centro de Estudos Corporativos da União Nacional pro- pusera. Até 1939. Embora a expe- riência italiana fosse há mais tempo conhecida em Portugal. Como eixo da política social integrou-se num uni- verso de acção governativa de uma debilidade extrema.. travou co- nhecimento com Robert Ley. a FNAT foi presença assídua nos congressos da KDF. o Movimento Internacional Ale- gria e Trabalho. 51 . cit. 42-43. e futuro presidente da FNAT. pp. 71. através da sua política social. mas também imprimindo à sua acção uma vertente consciencializadora dos grandes princípios da nação e do Estado. em gran- de parte dos países europeus. Políticas Sociais e Tempos Livres e métodos aplicados à organização dos tempos livres. Em Portugal. Ibidem.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 51 Ideologia. Em 1936.Opera do Trindade. subsecretário de Estado das Corporações. um dos fundadores do Movimento Nacional-Sindicalista e membro do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.71 São estes homens que vão erguer a Fundação. 72.72 Se. em 1934. A organização de ocupação dos tempos livres propunha-se actuar na esfera laboral. em Berlim. Manuel de Lucena.70 Deste centro de estudos corporativos faziam parte António Júlio de Cas- tro Fernandes. a criação de uma colónia de férias na Costa da Capa- rica para servir alguns trabalhadores do sector terciário lisboeta. Cessa. e a realização de sessões de cinema.o 2115. como fazendo parte de uma componente cultural.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 52 A Ópera do Trindade delimitou a instalação de um “Estado-Providência” como plataforma de modernização e acompanhamento do crescimento económico.036). É. Os três primeiros abrangiam uma vertente educativa: a criação de cursos de formação de dirigentes sindicais. fundamentalmente. mas como um alicerce sócio-económico dissemelhante. pela lei n. de organizar refeitórios económicos. horas de arte e representações de carácter popular. como muitos outros indicadores o poderiam fazer. Os fins da organização estavam descritos em doze pontos. ao crescimento da in- dústria e às alterações na esfera do trabalho. Da promoção e organização de actividades desportivas tratavam os pon- tos sexto. Os primeiros anos da FNAT estiveram repletos de equívocos. que se reflectiram. na sua sobrevivência financeira. resolveu criar uma nova estrutura administrativa que se aproximava timidamente do exercício de uma previdência social. em Portu- gal. sétimo e oitavo. em que as funções de assistência social eram pratica- mente da responsabilidade do associativismo e do mutualismo.Opera do Trindade. e o décimo 52 . O nono ponto estabelecia a criação de colónias de férias. Se o objectivo principal das políticas sociais era minorar as consequên- cias inerentes ao desenvolvimento do capitalismo. expõe em toda a sua dimensão aquilo que designámos de impossibilidade estrutu- ral. só em 1961 é que o governo. Este va- zio legislativo limitava-se a assinalar.o 31. um período que atravessara todo o regime. nesta data. o décimo. com alguma distância que se po- dem considerar os pontos quatro e cinco. técnico e didáctico. A transferência de modelos confi- guradores de políticas sociais situados em países com regime político si- milar. a estrutura sócio-económica do país estava muito longe de uma situação em que esses instrumentos se mostrassem realmente urgentes. a realização de confe- rências radiofónicas e a instalação de bibliotecas populares. A nova estrutura corporativa reclamava pelo princípio da promoção “do aproveitamento do tempo livre dos trabalhadores portugueses por forma a assegurar-lhes o maior desenvolvimento físico e a elevação do seu nível intelectual e moral” (artigo 4. a promoção de visitas de estudo a locais de interesse histórico. portanto. a fraca modernização da estrutura produtiva portuguesa. respectivamente. A frontei- ra entre o domínio educativo e o que pertencia a uma esfera cultural era quase sempre ambígua.o dos Estatutos instituídos pelo decreto n. José Carlos Valente demonstra que as primeiras iniciativas que visaram sustentar estes princípios estavam eivadas de uma forte intenção mobilizadora que visava a reificação. medida tomada em Setembro de 1939. tarefa para a qual as passagens grandiosas dos cruzeiros da KDF por Portugal se tinham tornado um exemplo edificante. os benfeito- res. No seio da organização corporativa. A resposta dos vários quadrantes envolvidos foi. mais do que a garantia da sobrevivência económica da organização. se revelava uma acção estrutural. pouco participaram. inscritos voluntariamente nos sindicatos ou Casas do Povo. federações e uniões. Destas ini- ciativas de tendência mobilizadora destacaram-se a apropriação das comemorações do 1. p. 45. Os rendimentos da FNAT proviriam de três fontes: os subsídios do Estado. cit. de uma forma ou outra.Opera do Trindade. Setúbal. e cidadãos de qualquer nacionalidade que quisessem con- tribuir. José Carlos Valente. excursões e viagens. A tarefa obrigava à consolidação de uma forte base finan- ceira. e. que compreendiam todo o conjunto de organizações públicas ou privadas. a proximidade com a Legião Portuguesa. envolver nas suas actividades uma série de sectores da sociedade civil que. na qual se integrou a criação de um jor- nal com o mesmo nome. poderiam beneficiar com as suas inicia- tivas.73 O dado confirma a natureza 73. cabendo a Lis- boa o total de 77 por cento das quotizações. Para tornar reais todas estas actividades que se exigia chegassem ao maior número de pessoas. Coimbra e Funchal. a colaboração foi frouxa.o de Maio. nas práticas. de que a utilização do livro. a organização das Casas do Povo e a expec- tativa da utilização de formas culturais como princípio modelador das práticas. porém.. 53 . dos princípios doutrinários caros ao regime. recrutados dos grémios. O apelo da FNAT às contribuições financeiras ambicionava. Esta contribuição teve origem em apenas cinco distritos. Políticas Sociais e Tempos Livres primeiro.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 53 Ideologia. a tentativa de criar um escol de funcionários corporativos através dos Centros de Cultura Popular. por último. de promover passeios. era necessário montar uma máquina fun- cional vasta. op. Os sindicatos. os donativos dos particulares e o resultado das quotizações dos três tipos de sócios que os Estatutos consagravam – os efectivos. bastante decepcionante. os au- xiliares. através da criação de bibliotecas populares. Os outro quatro distritos são o Porto. mesmo depois de a quotização ser considerada obrigatória. pp. em 1945. 1998.o 27125.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 54 A Ópera do Trindade urbana da FNAT. de um lado. o que a colocou em confronto directo com todas as sociedades de recreio 74. e uma actividade industrial débil. obrigatoria- mente. a uma reacção nor- mativa que procurava aproximar a Fundação do aparelho corporativo. tal como os ita- lianos não tinham em larga medida compreendido. o país não tinha condições. o patronato. Dez Anos de Alegria no Trabalho: 1935-1945. Era uma contradição que o Estado sustentasse por si só. nem a disposição de parte importante das suas elites. 169-205. confirmava-se que o país não apresentava as condições necessárias para absorver a actividade da instituição. As empresas também não responderam ao apelo da organização. Edição fac-similada do INATEL. a partir dos Estatutos de 1940. O sucesso registado pelas organizações de ocupação de tempos livres em países numa fase de modernização avançada não se reflectia em Portugal. e. Quando. um maior desafogo financeiro. que tinha como esteio a concertação social. o preâmbulo do decreto-lei que atribuiu mais um subsídio estatal à FNAT refere que “o grande valor social da obra não conseguiu ainda interessar. à condição de associados da FNAT. cujo condiciona- mento – pela Lei do Condicionamento Industrial de 1931 – protegia as clientelas do regime. A incapacidade da FNAT em singrar nos seus primeiros anos de acti- vidade deu origem. de 19 de Outubro de 1936. a vantagem social de uma organização de tempos livres. A organização tomou ainda nas suas mãos o monopólio das iniciativas relativas à cultura popular. Preâmbulo do Decreto n. No que respeita aos associados. Lisboa. O dilema torna- va-se sério. um tipo de organização que se queria imbri- cada na sociedade civil75. os indi- víduos ou classes que em alguns países costumam ser os seus maiores protectores”74. dominado por fortes interesses agrários. O carácter episódico e pouco sistemáti- co das actividades da FNAT demonstra a sua débil implantação social. Além disso. um livro comemorativo dos dez anos da organização: Dez Anos de Alegria no Trabalho (1935-1945) onde estão referenciadas as suas actividades nos seus primeiros dez anos de existência. em 1936. FNAT. do outro. a grande maioria das empresas tinha margens de lucro que não permitiam que os dona- tivos para a FNAT se tornassem uma prioridade. garantindo-lhe. a junção dos interesses manifestos de vários grupos e tendências sociais. a procura revelava uma distância em relação ao projecto. assim. para se transformar.Opera do Trindade. Com um espaço rural predominante. sem qualquer reciprocidade. A FNAT publicou. Todos os organis- mos corporativos e de coordenação económica passaram. 75. Os patrões portugueses não perceberam. 54 . a Lei do Fomento e Reorganização Industrial. cit. n. defendendo as linhas mestras deste plano. Manuel Vilaverde Cabral. Terá sido um republicano democrata. 1943. Em relação à aposta industrial. que. Manuel Vilaverde Cabral refere que a Campanha do Trigo. Armando Marques Guedes. professor no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Marques Gue- des criticava os limites de um corporativismo demasiado apegado a antigas fórmulas de concertação social. 326-374. 15). Academia das Ciências de Lis- boa (separata de Memórias – classe de Letras – Tomo VI). em 1945. e certa- mente com fundamento. em 1945. 77. quase sempre encoberto pela lógica puramente cerealífera. criou as condições ideais para um arranque industrial. a propósito da política social do fascismo: ‘Pro- curou-se melhorar a situação dos trabalhadores. defendendo a necessidade urgente do Estado impedir a proletarização de vastas camadas da população – que Marques Guedes integra no conjunto das classes médias. com que se pôs termos a muito desemprego. Armando Marques Guedes. Linha de Rumo. 80. traçou os eixos de uma aposta industrial que não po- deria contar mais com a timidez e o receio das elites económicas nacio- nais. 15). Marques Guedes. melhor do que nenhum outro. por salários melhores. com os grandes interesses agrários tinha características fortemente industriais. 1956. Marques Guedes.77 As políticas sociais britâ- nicas do princípio dos anos 40. assente num sistema global que garan- tisse aos trabalhadores um conjunto de regalias a que teriam direito. através de uma frase de Marques Guedes no seu livro sobre o Plano Beveridge: “o sr. que as políticas sociais prosseguidas em alguns estados europeus conduziam a um socialismo desvairado. especialmente. porém. fixaram-se salários mínimos. Ferreira Dias. 121-123. Políticas Sociais e Tempos Livres agrupadas na Federação das Colectividades de Educação e Recreio. os quadros de co- mando do exército revolucionário” (p. 1976. normalmente conotada. aproximando-se da defesa de um neocorporativismo característico das modernas sociedades democráticas. 887-889 (873-915).. assistiu-se à recepção em Portugal de várias concepções humanistas sobre a organização do trabalho. e futuro ministro da Economia. atacou o que chamou de corporativismo medieval. A Questão Social. agrupadas no Plano Beveridge. O desfecho da Segunda Guerra Mundial explica a inflexão. Livraria Clássica Editora. afirmando-se um neoliberal profundamente convicto (p. 1945. op. onde. tomou-se mesmo a direcção e ocupação dos lazeres. Salazarismo e Cultura Popular (1933-1958). 79. Edições Biblioteca. defende as políticas sociais dos estados fascistas (neste caso. ICS.o 48. intitulado O Destino das Clas- ses Médias. por obras públicas extensas. 55 . Num texto redigido em 1956. Considerava. Ver a este propósito Daniel Melo. Para combater os efeitos adversos que se sabiam inerentes a tal 76. Lisboa. pp. Ferreira Dias.79 Duas iniciativas legisla- tivas lançaram este novo ciclo: em 1944.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 55 Ideologia. O Destino das Classes Médias. 11. Lisboa. Em simultâneo. aproveitando a sua ambígua neutralidade. diz. pp. Prof. e. Vilaverde Cabral assi- nala o forte impacte.78 A acumulação de capital. O autor mostrava-se especialmente preocupado com a proletarização de algu- mas profissões intelectuais: “o sector intelectual proletarizado pode fornecer. em Análise Social. professor do Instituto Superior Técnico. que a campanha causou na indústria dos adubos e na metalomecânica. proporci- onada pelas relações comerciais que o país desenvolvera durante a Se- gunda Guerra. pp. a Lei da Electrificação Nacional. “Sobre o Fascismo e o seu Advento em Portugal”. p. traça o percurso histórico das classes médias. na organização Dopolavoro’ ”. discordando do caminho da economia nacional.76 A retórica ideológica e mobilizadora que José Carlos Valente detectou nos primeiros anos de actuação da FNAT foi atenuada no início dos anos 40.Opera do Trindade. publicou. Tomé Vieira. Lisboa. 2001. regulou-se a política preventiva e reparadora quanto à higiene e segurança das oficinas e à indemnização do operário sinistrado ou da família do que morresse ou ficasse permanentemente inabilitado por aci- dente ou doença profissional. José Carlos Valente. das horas vagas do operário. do fascismo italiano). no seu já citado texto sobre a Ques- tão Social. Linha de Rumo80. É curioso que Tomé Vieira. suscita- ram um debate em Portugal acerca da opção que o governo deveria imprimir à sua política económica. 78. procurando os efeitos de “compensação” para os problemas da modernidade. FNAT. reafirmou. Max Weber. O estudo do sistema compete aos economistas. protegendo o investimento económico. as células da indústria e do capitalismo. A monotonia no trabalho foi o modo como Felner da Costa se referiu aos problemas colocados pela industrialização e pelo capitalismo: “Verifica-se a necessidade instante de estudar o assunto no sentido positivo. eu poderei afirmar que aspiro a transportar para a oficina o regime da sociedade. A Monotonia do Trabalho. apesar de estar implícito que. da luta de classes. 75. p. A publicação da FNAT parecia dirigir-se essencialmente aos quadros intermédios e outros funcionários da organização.82 Os espaços onde se desenvolviam as modernas opções económicas eram os mesmos onde se traçavam as novas fronteiras da luta social. abstraindo-nos de condenar o sistema económico que lhe deu origem. eram. provando o conhecimento que alguns agentes estatais possuíam dos métodos da política social aplicados aos lazeres. Bruno Rauecker e Conwell Evans. Alegria no Trabalho e a dimensão cultural O Alegria no Trabalho – Boletim da FNAT 81 – publicado entre 1945 e 1949 – reflectiu nas suas páginas uma concepção modernizada da ac- ção de uma organização de tempos livres. Heinz Zilcher. Franz Oppenheimer. é um de- ver a que ninguém se deve furtar. concorrendo assim para a resolução integral do sistema. em Ju- nho de 1946. o estudo dos problemas resultantes pertence aos sociólogos. encontravam-se: Ludwig Heyde. a máquina coerciva e discricionária estava pronta a actuar. no sentido de fazer a pedagogia da utilidade das técnicas de política social aplicadas ao universo dos lazeres. 82. Émile Durkheim. 83. um a um. a fábrica ou a empresa. os fundamentos básicos da política social: E porque obter uma existência tranquila e cómoda para os que trabalham. quando se mostrasse necessário. Junho de 1945. conheciam-se meca- nismos – os sociólogos estudaram-nos83 – que podiam contribuir para transformar o local de trabalho num socializador benéfico das relações 81. Leopold von Wiese.o 6. o berço da Questão Social ou. (…) Procurei demonstrar a razão do problema e dar-lhe a solução capaz. Felner da Costa. eis a razão pela qual os sociólogos procuram solu- cionar.” Entre os sociólogos que Felner da Costa sabia tratarem destas questões. Felner da Costa. o seu director. Ferdinand Tönnies.Opera do Trindade. A oficina. os problemas que se podem destacar da complexa Questão Social. em Alegria no Trabalho – Boletim da FNAT. aplicar-se- iam políticas de concertação e consentimento social organizadas pelo Es- tado. “A Monotonia do Trabalho”. Werner Sombart. 10. p. Se a opção envolvia riscos. simultaneamente. Gaetan Pirou. sem eufemis- mos. 56 . 1945. Felner da Costa. n. Georg Simmel.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 56 A Ópera do Trindade opção estratégica. Sorel afirmou que o socialismo aspirava a transportar para a sociedade o regime da oficina. ao menos potenciais. Os países com regimes demo-liberais. não for garantido às popula- ções – como se percebeu depois de 1929 – construíram no pós-guerra um modelo de Estado-Providência que tentava completar de forma har- moniosa um universo de legitimação política e económica. aqueles mais relacionados com a vida quotidiana.85 No Estado Novo. admitindo que a formali- dade democrática é inoperante se um mínimo de direitos sociais. pp. da arena política central. Políticas Sociais e Tempos Livres quotidianas.84 A pos- sibilidade concedida aos cidadãos de participarem livremente nos des- tinos do seu país tornou-se num poderoso mecanismo de integração social.. op. os sindicatos – enquadrava uma sociedade civil em progressiva solidificação. o caminho para a modernização teria que coexistir com o constran- gimento actuante. podia. constituindo-se numa aproximação a esse esforço de regulação moderna. 76-127. 57 . os valores da sociedade que deviam socializar a fábrica. cit. op. Estes mecanismos procuravam.. procurando gerir os vários interesses que o suportavam. A consagração da livre expressão da opinião e da participação através de um conjunto de mecanismos democráticos – as Constitui- ções.N. da sociedade foram transformados e tornados politicamen- te activos. 85. exprimiu as contra- dições inerentes a um Estado que perseguia determinados objectivos. Citando Eisenstadt: “Sectores apolíticos. de valores e doutrinas tradicionais. A utilização da dimensão cultural e recreativa para regular expecta- tivas sociais.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 57 Ideologia. que valores eram estes? Os regimes políticos que lidavam com transformações estruturais mo- dernas partilhavam a intenção de aplicar políticas sociais. mas também concepções diferentes e em competi- ção quanto ao bem comum. A actividade da FNAT. os tribunais. Tendo em conta as características do regime do Estado Novo. expressando não só os interesses discretos de diferentes grupos. Os regimes demo- -liberais modernos alicerçavam a sua legitimidade num conjunto de ideologias e instituições que protegiam formalmente o exercício da von- tade geral. como Felner da Costa refe- riu. p. Alexander Hicks.” S. cit. relativamente passivos. ao contrário. embora em progressivo desvanecimento. Eisenstadt. 26. os parlamentos e as eleições plurais.Opera do Trindade. para combater os efeitos perversos de um desejo de mo- bilidade que se sabia não poder ser satisfeito estruturalmente. actores mais activos em arenas dispersas passaram a participantes. A capacidade de concretização dessas políticas divergia consoante as características mediadoras do aparelho institucional de cada país. inverter a apregoada conquista da sociedade pela fábrica insubmis- sa: seriam. 84. o homem do povo que corresponde à chamada das instituições de cultura é movido pelo secreto ou confessado desejo de uma me- tamorfose mental. fornecer instrumentos aos indivíduos para com- preenderem e combaterem as iniquidades do regime. Status e Poder. O Aproveitamento do Tempo Livre dos Trabalhadores Portugueses pela Cultura Popular. descreve um contexto no qual os receios aludidos pelo texto que a FNAT publicou em 1944 se tornaram mais prementes: (…) na esfera do consumo. A alteração da capacidade de saber. suscitam melindrosos problemas de ordem pública. colocando em causa os seus limites estruturais. 14.. Lisboa. 87. efectuada por Her- mínio Martins. A cultura desloca certos indivíduos do ambiente concreto a que estavam adaptados. o apuramento do gôsto estético. houve uma apropriação por parte dos estratos inferiores de muitos correlativos simbólicos do status da classe média. de tal modo que o “efeito de gota” – agarrar constantemente o antigo e ser ultrapassado pelos novos símbolos de consumo dos estratos superiores – está certamente a funcionar na si- tuação presente. 58 . ICS. Com efeito. pelo seu frequente desequilíbrio formal. p. a distinção em frente da comunidade profissional.86 A análise da situação social do país nos anos 60.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 58 A Ópera do Trindade de modo paradoxal. em 1944. etc. o desenvolvimento do espírito crítico. p.Opera do Trindade. Em tese apresentada. foram expressos com clareza os receios que um descontrolo na organização dos lazeres podia provocar: Esta receptividade do povo para com a cultura de tipo escolar. suscita a reflexão demorada de quem esteja habituado a tratar com atenção os problemas sociológicos. A cultura era temida. É duvidoso que possa assumir de facto a mesma função estabiliza- dora que tem nas sociedades mais industrializadas. o desequilí- brio social. insatisfeitas. o aperfeiçoamento das faculdades intelectuais. cuja autoria é atribuída ao Pelouro da Actividade Cultural da FNAT. intitulada O Aproveitamento do Tempo Livre Disponível dos Trabalhadores Portugueses pela Cultura Popular. pelas suas perigosas relações políticas. em breve formulam exigências cuja satisfação já não compete às instituições de cultura e que. Hermínio Martins. E seja qual fôr a intenção privada e o resultado individual da assi- milação dos dados da cultura este fenómeno é sempre acompanhado de aspectos que devem ser sociologicamente analisados: a alteração do nível intelectual. sem que por virtude própria os transfira para mais alta situação profissio- nal e social. edição da FNAT. 1944. de médio ou alto grau. 130. pela sua hipo- tética acção emancipatória. 1998. a perda do carácter popular. Classe.87 86. ao II Congresso da União Nacional. O Aproveitamento do Tempo Livre dos Trabalhadores Portugueses pela Cultura Popular. A comunidade rural resistiria. Colecti- vizavam-se as práticas.Opera do Trindade. A batalha pela ma- nutenção das características que tornavam autêntico o povo português. coord. quer para mais viva intervenção pessoal no organismo corporativo de que é membro. 14. p. Terá em vista. a política social e cultural insistiu numa postura tradicionalista. edição da FNAT. 59 . 1999. A Junta Central das Ca- sas do Povo. Neste espaço. porta-vozes locais da ordem e dos princípios 88. Porto. p. quer para melhor enquadramento na unidade económica em que labora. combatendo a comunicação ine- vitável entre o mundo da cidade e o mundo do campo. por “natureza” as questões classistas não lhe seriam inerentes. rejeitavam-se as formas transgressoras e os conteúdos polémicos. no âmbito das corporações. ameaçado pelos vírus da modernidade e do capitalismo.88 A evolução do país. Políticas Sociais e Tempos Livres O medo dos efeitos políticos e sociais resultantes de uma experiência individual com a cultura obrigava a um método de regulação. 89. No interior destes limites. Visará também a formação da consciência política. 246.89 Só nestes espaços profissio- nais se admitia. tinha como função adaptar a regulação dos tempos livres ao mundo rural. Manuel de Lucena. foi um prin- cípio caro aos lazeres no mundo rural. não diferenciada”. 7. Como refere Manuel Lucena. O meio rural definia-se por uma “organização profissional. vol. a sua propaga- ção aos eternos campos lusitanos era intolerável. a lei sindical de 1933 só previa a sindicalização de empregados e operários do comércio e da indústria. 1944. não perseguirá fins excessivamente elevados nem utilizará meios perturba- dores. principalmente. unida pela força esta- bilizadora das suas elites. o aperfeiçoamento profissional do trabalhador. Figueirinhas. revelando a cada trabalhador o grau de solidariedade e parcela de responsabilidade que lhe pertence no movimento pro- gressivo da Nação. em Dicionário de História de Portugal. António Barreto e Maria Filomena Mónica. a existência de associações de classe. estabilizados numa profissão e num ambiente social. isto é.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 59 Ideologia. a FNAT organizaria as suas actividades: A cultura dirigida a homens adultos. acentuou os contornos carregados de uma dualidade estrutural. A intervenção re- guladora dos tempos livres reflectiu essa cisão. “Casas do Povo”. criada em 1945. consequência das opções económicas. Se a “questão social” era uma fatalidade da modernidade urbana que urgia remediar. a FNAT. 10.91 90. É um sintoma grave. um povo que folga não é nunca um povo perigoso. in Alegria no Trabalho – Boletim da FNAT. idealmente. resulta- dos negativos. citado por Felner da Costa. professores. como conter o seu êxodo e a sua insatisfação? Como elevar-lhe o nível mental. não falta quem pense que basta marcar presença em ocasiões solenes e cumprimentar entidades representativas (alguém disse que ‘politicamente. pro- fessores. económico e familiar? Como aperfeiçoar as Casas do Povo? Como alargar a sua rede e o seu labor? Rogério Reis. e de poucas coisas mais. Felner da Costa citou longamente o escritor An- tónio Cândido: Gosto de ver o povo nas festas. alegrar e consolar e divertir o povo. os notáveis. se constituíram como as instâncias intermédias entre o poder central e as populações. Precisa disso. sacerdotes. Se eu governasse. e de repousar assim a inteligência em alguma verdade geral – tudo isto. Agosto de 1968. p.Opera do Trindade. deixou de ter publicações: as características da sua acção ideológica dispensavam-nas. em Agosto de 1968. Na verdade.o 266. pelo perdurar de vínculos quase servis. (…) O tra- balho violento. até 1971. n. manuseariam os ins- trumentos mediadores de uma “cultura popular” moldada pela prática etnográfica oficial. Ao contrário do universo urbano. Mensário das Casas do Povo. diplomados. ao contrário daquele conhe- cido verso de um grande poeta. Na sua tarefa educativa. nas páginas do Mensário: “De resto. n. p. furtar. a miséria do desamparo. Em Julho de 1946. “Alguns aspectos da valorização económica dos trabalhadores portugueses – VI – A alegria no trabalho”. a comparação com outros destinos que são ou parecem melhores. de preferência a outras indústrias. a que o morgadio social instituído em favor deixa apenas o usufruto gratuito do sol. A tentativa da formação de quadros intermédios que sustentassem a dinâmica corporativa registou. as Casas do Povo continua- ram a merecer. o assombro de tantas coisas inexplicáveis no mundo e na consciência. António Cândido. mais grave do que parece. 134. pela acção da Igreja Católica. Até 1949. Julho de 1946. Rogério Reis afirmava. se não houvera compensações. havia de proteger. o que pare- ce é’) para exibir uma espécie de comunhão de desobriga… que na prática se contradiz. intelectuais – ao encontro das prementes realidades e das aspirações da gente rural. a partir de 1949. sem irmos todos os que de algum modo podem – verdadeiros proprietários. cívico. a impossibilidade de contemplar a vida no conjunto dos seus aspectos. O povo di- verte-se pouco. tornaria verdadeiramente insupor- tável a existência de numerosas classes.90 No espaço urbano e empresarial. nos divertimentos públicos. É pena. (…) Mas a participação do povo nas festas públicas tem diminuído sempre. as privações de todos os dias. uma publicação mensal: O Mensário das Casas do Povo. os agen- tes da regulação social. até porque. cada vez mais. médicos.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 60 A Ópera do Trindade centrais. 91. padres e comerciantes que. O jornal dirigia-se às elites locais. a que tivesse por fim recrear.o 19. sob pena de um atraso irremediável. mais uma vez. do ar. o Boletim da FNAT converteu-se no espaço de reflexão teórica sobre a acção envolvente dos tempos livres numa ordem industrial à qual nenhum país se deveria. “As Casas do Povo e a valorização rural”. 60 . Maio de 1948.Opera do Trindade. reco- nhecendo o valor humano do trabalhador. p. pp. 95.o 9. 107. que pretendiam fazer reflectir nas consciências individuais a sua condição colectiva objectiva: “O trabalhador. que há o grupo teatral. “Alguns aspectos da valorização económica dos trabalhadores portugueses – Para um Melhor Nível Moral e Cultural do Trabalhador Português”. dá a este a certeza de que exerce a sua acti- vidade como associado aos destinos da empresa. várias vezes assinalada no Boletim da FNAT. p. Devido à acção da FNAT “já não é luxo. o rancho folclórico. 13. in Alegria no Trabalho – Boletim da FNAT. Felner da Costa. 61 . Felner da Costa. Setembro de 1945.94 Em 1936. Alegria no Trabalho – Boletim da FNAT. mas dignamente.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 61 Ideologia. “Alguns aspectos da valorização económica dos trabalhadores portugueses – Para um Melhor Nível Moral e Cultural do Trabalhador Português”. considerado economica- mente como factor de produção. 93. “Alguns aspectos da valorização económica dos trabalhadores portugueses – I – O trabalho e a técnica”. o grupo de futebol (…) Pelo que respeita à cidade já não se en- contra a família de um trabalhador que dispense a manifestação de arte. Setembro de 1948. a ‘hora da arte’. 1954. As empresas que seguem as novas directrizes sociais só têm a lucrar com essa política. editorial Vanguarda. Notas. (…) Constituindo uma verdadeira família. Felner da Costa. 187-188. Políticas Sociais e Tempos Livres O receituário – prospectivo no que respeita à importância crescente das indústrias culturais – passou pelos pontos essenciais da doutrina so- cializante dos tempos livres. in Alegria no Trabalho – Boletim da FNAT”. ainda distantes das técnicas modernas de regulação: É mais um segredo do patrão do que uma exigência do operário. Relatórios. nem coisa só para ricos.”92 Nas relações de trabalho operava-se a transformação da condição simbólica do operário.”93 Felner da Costa parecia dirigir a sua pedagogia aos patrões portugueses. Teses. p. já não é só na cidade e na vila que funciona o clube ou a sociedade. 94. n. António de Oliveira Salazar. pois ela. o serão cultural e recreativo. como colaborador e associado da produtividade. Salazar afirmara que a família era assunto sagrado.”95 A transposição para a fábrica 92. 138. n.o 41. combatendo-se as imagens e os seus fabrican- tes. pelos vínculos da corporação. o operário a quem não interessa a competição desportiva do grupo da empresa onde trabalha. não vai ser apreciado como instru- mento de trabalho. não sendo alvo de qualquer discussão ou conflito: “Aí nasce o homem. aí se forma o pequeno mundo de afectos sem os quais o homem dificilmente pode viver. Salazar – Discursos. edição do SPN/SNI. Artigos e Entrevista (1909-1953). aí se educam as gerações. Apesar disto. a sua natureza adaptava-se. A repercussão na FNAT da opção industrial do governo foi a expres- são. com a colaboração da Emissora Nacional. a FNAT. não 96.96 Apesar de uma dissemina- ção abrangente. Em Março de 1945. p. No mesmo ano. transmitiu. constituídos por trabalhadores dependentes de organis- mos oficiais e particulares e ainda os agrupamentos desportivos. a deslocação a suas casas à hora das refeições. a um contexto empresarial. apontava para a mesma opção estrutural. no pós-guerra. O Portugal do pós-guerra e o crescimento da FNAT Em 1941. torna para aqueles difícil. Lisboa foi palco de importantes greves operárias. convivia com a retórica mais modernizadora: “O problema. que regulava a distribuição de refeições em refeitórios orga- nizados. 97. 62 . recreativo e desportivo. pelo Decreto-Lei 31.Opera do Trindade. contra outras unidades menos pre- zadas. tem interesse capital. a publicação do Decreto-Lei n. as quais. da morosidade do processo de modernização. era uma das operações com que Felner da Costa pretendia levar para a oficina o modelo da sociedade. 163. já considera- do e resolvido em grande número de países. tendem a afastar-se dos locais de trabalho. A criação dos Centros de Alegria no Trabalho (CAT) foi regulamentada em 28 de De- zembro de 1940.036. por virtude da expansão das áreas urbanas.97 A defesa da unidade da família. instituindo-se a alegria no trabalho.036. culturais e recreativos de trabalhadores que tenham por objec- to o aproveitamento útil das suas horas livres. são de assinalar algumas iniciativas importantes. o seu primeiro serão para traba- lhadores. Decreto-Lei n. preferencialmente.446. princípio reiterado no primeiro parágrafo do preâmbulo da lei.” Dez Anos de Alegria no Trabalho (1935-1945).o 34.o 31. a partir da Fábrica de Loiça de Sacavém.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 62 A Ópera do Trindade deste pequeno mundo de afectos. se não impossível. O problema da re- feição converteu-se num objecto de análise social bastante rico: A crescente extensão da actividade industrial e a necessidade de proporcionar aos trabalhadores habitações higiénicas e de rendas acessíveis. Os CAT’s eram “núcleos de carácter cultural. Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 63 Ideologia, Políticas Sociais e Tempos Livres só enquanto procura defender a economia do trabalhador, mas tam- bém quando encarado sob o aspecto higiénico…”98 A medida procurava, sobretudo, suprir as limitações de uma políti- ca económica assente em salários baixos: A resolução do problema, enquadra-se, em última análise, na política dos salários, porquanto a fixação destes, quer por acto do Governo, quer por estipulação contra- tual, é directamente influenciada pelo custo de vida e, designadamente, pelo custo da alimentação do trabalhador, mormente no momento que atravessamos, em que os preços acusam as repercussões do conflito internacional. O fornecimento de re- feições económicas traduzir-se-á assim num aumento efectivo do salário.99 Pela formulação da lei, compreendia-se que a política social continua- va a caracterizar-se por um voluntarismo governamental, distanciado dos ideais dos patrões portugueses. O Estado viu-se obrigado a impor às empresas a introdução das modificações que propunha. Para as mais débeis, do ponto de vista financeiro, não se exigiu, como nas grandes empresas, a criação de cozinhas económicas no espaço de trabalho100, mas uma contribuição para o funcionamento de grandes cozinhas colectivas, organizadas pela FNAT, na proporção do número de trabalhadores. A acompanhar este conjunto de iniciativas desenvolveram-se as bases de uma institucionalização do pensamento corporativo. Sob a direcção de Pires Cardoso, nasceu o Gabinete de Estudos Corporativos do Cen- tro Universitário de Lisboa da Mocidade Portuguesa. Formado, na sua maioria, por um conjunto de intelectuais católicos, o Gabinete de Estu- dos Corporativos esteve ligado à tentativa, iniciada em princípios dos anos 50, de reorganizar o corporativismo português. A revitalização de um corporativismo de livre associação pretendia aproximar Portugal da organização económico-social europeia.101 Em 1949, aos microfones da Emissora Nacional, o presidente da FNAT, Higino de Queiroz e Mello, no programa Alegria no Trabalho, caracteri- zou a imagem pública da FNAT, qualificada como um “organismo de 98. Decreto-Lei n.o 34.446, de Março de 1945. 99. Decreto-Lei n.o 34.446, de Março de 1945. 100. Segundo o artigo 3.o da lei: “Incumbe às entidades patronais do comércio, da indústria, das profissões liberais, da organiza- ção corporativa e de coordenação económica, criar refeitórios higiénicos e dotados com o mínimo de conforto, destinados a ser utilizados pelo seu pessoal.” Decreto-Lei n.o 34.446, de Março de 1945. 101. Neste sentido, é essencial integrar nestas novas concepções de envolvimento económico e social a actividade editorial, prepon- derante nos anos 60, das revistas de inspiração católica, Brotéria e Rumo, bem como, e principalmente, da Análise Social. 63 Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 64 A Ópera do Trindade vanguarda dentro do Estado Corporativo”, responsável por uma nova configuração da relação política e ideológica entre o Estado e os cidadãos: Todos sabem que dentro da FNAT não se faz política; nos Refeitórios como nas Co- lónias de Férias as paredes não se encontram forradas de cartazes de propaganda, como também não se fez ali a distribuição de panfletos. Os serões culturais e as competições desportivas não servem de pretexto para conferências ou discursos apologéticos. Quer, porém, isto dizer que a FNAT é um organismo apolítico? Por forma alguma. A FNAT é um organismo de vanguarda dentro do Estado Corporativo. (…) Despontou por fim um dia radioso de primavera que tu olhaste com desconfian- ça, mas que a pouco e pouco te foi convencendo com as coisas novas que te oferecia, a dignificação do trabalho, o horário de trabalho, as casas económicas, as Casas do Povo e dos Pescadores, o abono de família, o auxílio na doença e na invalidez, o se- guro de velhice, os contratos colectivos de trabalho, os salários mínimos, as férias pagas, os refeitórios económicos, as colónias de férias para ti e para os teus filhos.102 Em 1950, a FNAT publicou os seus novos Estatutos103, e Higino Quei- roz e Mello, presidente desde a fundação, foi substituído por Quirino Mealha. A actividade continuava tripartida pelas atribuições de carácter educativo, recreativo e económico-social, notando-se, no novo documen- to que regulava a actividade da organização, um multiplicar de funções e uma maior especificação das suas regras. Reflectia-se, deste modo, uma crescente burocratização da instituição. Entre as funções educativas e recreativas continuava a notar-se uma sobreposição em vários aspectos essenciais, como as relações com os meios de comunicação social e a orientação da actividade artística. As funções económico-sociais perma- neciam, apesar da propaganda em contrário, um fraco substituto de uma previdência estatal quase inexistente. A FNAT ficava ainda incumbida da coordenação e fiscalização de todas as iniciativas referentes à cultura popular. O surgimento em 1950 dos Centros de Recreio Popular, regu- lamentados pelos novos estatutos da FNAT publicados nesse mesmo ano, reforçou a cisão de estratégias no que diz respeito à intervenção regional. Possuindo características similares aos CAT, os CRP passa- vam a coordenar as organizações de trabalhadores criadas no espaço 102. Higino Queiroz e Mello, Alegria no Trabalho – Boletim da FNAT n.o 49, Janeiro de 1949, p. 2. 103. Aprovados pelo Decreto-Lei n.o 37.836, de 24/5/1950. 64 Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 65 Ideologia, Políticas Sociais e Tempos Livres institucional das Casas do Povo, Casas dos Pescadores e populações ru- rais. A existência destes agrupamentos impedia os seus associados de se filiarem noutras associações similares, fossem privadas ou oficiais. >>>>>>>>>>> A política económica imposta pelo governo nos anos 50 reflectiu uma tentativa de desenvolvimento industrial que protegia o investimento in- terno de toda a concorrência. A concepção de Planos de Fomento (com a duração de seis anos) envolvia um tipo de modelo económico designado por “Modelo de Industrialização por Substituição de Importações”. Man- tendo-se o condicionamento industrial e o proteccionismo, entregava-se o mercado interno ao investimento privado nacional abrigado da concor- rência. Estava favorecida a concentração de capitais, gerando-se as condi- ções para o desenvolvimento de fortes grupos industriais e financeiros. Entre 1953 e 1958 – período referente ao primeiro Plano de Fomento –, a taxa global de crescimento industrial situava-se nos 7,4 por cento por ano.104 Apesar dos evidentes desequilíbrios estruturais105, a situação eco- nómica do país iniciava, a partir dos anos 50, um período relativamente próspero que acompanhou os anos dourados da economia europeia.106 Num quadro económico cada vez mais globalizado, Portugal era “obriga- do” a estreitar relações com os outros países europeus. A insistência numa economia fechada ao exterior contrariava a tendência que ia domi- nando a organização do comércio internacional, pautada pela criação de grandes plataformas de cooperação e regulamentação das trocas. Depois de fazer parte do grupo de países beneficiados pelo Plano Marshall, ade- rindo, em 1948, à OECE (organização que controlava a aplicação do Plano), Portugal ingressou, em 1950, na União Europeia de Pagamentos e, em 1955, assinou o Acordo Monetário Europeu. Foi um dos mem- bros fundadores da EFTA – Associação Europeia de Comércio Livre, e, 104. Para este resultado contribuíram, fundamentalmente, de acordo com os princípios do Plano, as indústrias de base, desta- cando-se as celuloses, as metalomecânicas, as químicas e as metalúrgicas. João Confraria, “Indústria”, em Dicionário de Histó- ria de Portugal, vol. 8, coord. António Barreto e Maria Filomena Mónica, Figueirinhas, Porto, 1999, pp. 263-264. 105. O sector agrícola, ganhando inicialmente com a quebra demográfica sentida nos campos, equilibrando-se a oferta e a pro- cura de emprego, foi incapaz de se modernizar. A contínua sangria humana do interior do país repercutiu-se numa produção agrícola tradicional, para a qual as modernas técnicas de cultivo, fossem as máquinas para lavrar os campos ou os adubos para os fertilizar, eram uma miragem distante. 106. Ver José da Silva Lopes, A Economia Portuguesa desde 1960, Gradiva, Lisboa, 1996. 65 Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 66 A Ópera do Trindade em 1960, juntou-se ao FMI e ao Banco Mundial, aderindo, dois anos mais tarde, ao GATT. O choque da economia portuguesa, num espaço de comércio livre, com economias mais sólidas, apesar do estatuto especial que o país apresentava no seio da EFTA, foi negativo para a economia na- cional. As evidentes diferenças na divisão e especialização internacional da produção provocaram uma troca desigual, e a possibilidade do fomen- to de economias de escalas esbateu na nossa insuficiência produtiva. A prossecução das novas opções económicas num contexto europeu de globalização das trocas, apesar dos limites estruturais do desenvol- vimento português, deu origem a importantes transformações sociais. Entre meados da década de 50 e o final do regime, o país assistiu a pro- fundas alterações. A dualidade estrutural acentuou-se com a decisiva, mas deficiente, reestruturação do espaço económico. O sector indus- trial transformou-se no motor do desenvolvimento perante o abandono dos campos.107 Portugal litoralizou-se desequilibradamente e urbani- zou-se, com as mais baixas taxas de toda a Europa, sendo incapaz de criar uma rede de cidades intermédias.108 O impacto da modernização portuguesa revelou-se ainda, de modo decisivo, na aproximação dos indicadores sociais às médias europeias.109 A transformação do país, que se iniciou definitivamente em finais da década de 50, proporcionou à FNAT um terreno mais propício ao desenvolvimento das suas actividades de regulação que, em simultâneo, se tornaram, do ponto de vista político, mais urgentes. O final da década de 50 foi um período difícil para o governo. A união das oposições ao re- gime em torno da candidatura à Presidência da República do general 107. O PIB cresce, entre 1957 e 1965, a um ritmo anual de 5,5 por cento contra 2,9 por cento da década anterior, registando, no pe- ríodo entre 1965 e 1973, um aumento anual de 7,2 por cento O sector industrial é o grande responsável por esta evolução, cres- cendo entre 1957 e 1973, a um ritmo anual de 8,6 por cento Destes valores, o sector primário, que, no início da década de 50, representava 38,9 por cento do PIB, chega a 1970 com o valor de 20,2 por cento. Inversamente, o sector secundário cresce, no mesmo período, de 23 por cento para 36 por cento. Pedro Lains, “Crescimento Económico”, em Dicionário de História de Portugal, vol. 7, coord. António Barreto e Maria Filomena Mónica, Figueirinhas, Porto, 1999, pp. 460-461. 108. Deste modo, entre 1950 e 1970, a percentagem de população urbana situada na faixa litoral entre Setúbal e Braga passa de 57,9 por cento para 66 por cento, sendo a área metropolitana de Lisboa, especialmente através dos seus concelhos limítrofes, a gran- de receptora desta população, crescendo, no mesmo período, mais de meio milhão de habitantes. Jorge Gaspar, “Cidades”, idem, p. 317. 109. Se, em 1930, a esperança de vida era, respectivamente, para homens e mulheres, de 46,5 e 50,6 anos, no início da década de 70 registava os valores de 64,4 e 67,7 João Ferreira de Almeida, “Crescimento Económico”, em Dicionário de História de Por- tugal, vol. 7, coord. António Barreto e Maria Filomena Mónica, Figueirinhas, Porto, 1999, p. 511. Entre 1960 e 1970, Portugal vê a sua taxa de mortalidade infantil reduzida de 65 por mil para 39 por mil (a média da Europa e América do Norte era 21), a taxa de analfabetismo de 30 por cento para 25 por cento (a média da Europa e América do Norte era de 14 por cento, as suas ca- lorias per capita de 2567 para 3108 mil (a média da Europa e América do Norte era de 3135). João César das Neves, “Economia”, idem, p. 579. 66 FNAT: Evolução do Património. . . . vol. . . consequentemente.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 67 Ideologia. . . . — . . . . . . 1 Ano . de eixo de contro- lo da ordem social. . . . . . 128. . . . 43. verifica-se o crescimento rápido e sis- temático da organização de ocupação de tempos livres. enfim. Porto. 57. .3 .307 . . . .0 . 258 . . 46 1954 . .) . .9 . . . que retira aos cidadãos a possibilidade de elege- rem o Presidente. . . . . 111. . . . . . — 1951 . Vilaverde Cabral. . . . 67 . . . . . .5 .941 . . 121. . . 60. .681 .473 . . . . 98. . . .611. . .8 . Património (Esc. . . Figueirinhas. . . N°. . . . Políticas Sociais e Tempos Livres Humberto Delgado marcou o final da década. . . A Fundação circuns- creveu-se a objectivos mais precisos e mais consentâneos com a sua natureza. . . . .117 . . A gravidade da situação irá originar uma revisão da Constituição. 108. . . . 38. .096. . . cedeu a direcção da FNAT a Bento Parreira do Amaral. . . 112. . . . . . . . . de condições sociais mais adequadas ao exercício das suas funções de regulador e pa- cificador do local de trabalho e. . . . . . “Classes Sociais”. . . . . . 1999. . . Índice .6 . 115. . .479. . Sócios . O crescimento da acção ideológica da FNAT Pela consulta dos Relatórios de Actividades e Contas da FNAT durante o terceiro quartel do século x x. 38. . . 78 110. . . . .067. 272 . . . 100. . .8 . . . . . em 1958.0 . N°.9 . . . 91 . . . . . . . . 7. .370 . . . . . N°. . 238 . A criação da Junta de Acção Social e a aplicação do Plano de Formação Social e Corporativa. . . . . . . . . . . . . CAT’S . . . tomando a FNAT como parceiro estraté- gico fundamental. A FNAT dispunha. António Barreto e Maria Filomena Mónica. . 31 1953 . . . . . Este colégio eleitoral era composto pelos membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa e pelos representantes municipais de distrito ou de província ultra- marina. .110 Vilaverde Cabral rela- ciona esta instabilidade com o crescimento de uma nova classe média urbana.Opera do Trindade. . . 51. . . . . . . . . em 1959. retiraram-lhe competências. Número de Sócios. . coord. frustrada nas suas expectativas económicas.887 . . 42. . . . .111 Quirino Mealha. 23 1952 . . . . . . . 47. pp. em Dicionário de História de Portugal. . .2 . . . Índice . . . 99. CRP’S 1950 . . .428 . . 335-336. . .258 . . . 100. . . . . . terciarizada. . . . Centros de Alegria no Trabalho e Centros de Recreio Popular Quadro n°. . . . . . . . . passando esta mesma eleição a ser feita por colégio eleitoral restrito. 38. . .739 . . 108. 54. . . .651. . . . . apesar dos constantes conflitos com o governo a propósito das suas atribuições financeiras. . . mais escolarizada. . . . . . . . . . . . . . . . .223. . .226 . . . . . . . . . . . . 148 1970 .811 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 341 . .460 . 120. . 53. . .655 . . . . . . 163. . . . 626 . . . . . . . 138. . . . . 77. 135 1965 . 1004. 73. . . . 582 . . . . . .182 . . . .4 . Sócios . . . . . 383. . . . . . . . . . . 122. — . . . . . . . . 156 1971 .6 . . 112 1962 . . . . 307 . . — .8 . 797. 341. . 111. . . . 441 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 619. . . .020 . . . — . . .1 . . . .873 . . . . .1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103. . . . . . . . . . 206.389 . 63. . . . . . . . 47. . . . . . . . 144.452 . . . . .960 . .729 . . . . . . . .4 . . . . . . . . .119 .392. .212. . . 10. . .0 . . . . . . . . . . . . .1 . . . . . . . . 267. . . . . .5 . . . .2 . 728 . . . . . . . . . . . . . 104. . . N°. . . . . 92 1956 . . . . . 274. 183. . . . . .847.942. . . . .762 .500 . 101 1960 . . . .867 . .072 . . .6 . 142 1969 . . . . . . . . .3 . . . . . 329 . . . . . . . . .316. . . . . . . . . . 09. . . . . . 154 1972 . . . . .634 . . . . . . . . . . . . . 81. . . . . .910 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 1959 . . . 137 1966 . . . . . . . .6 . . . Índice . . . . . . . .264 . . . . . . . . .7 .8 . 180.3 . . . . . . . . . . . . . . . 337. . 312. 113 1963 . . . . . 228. . . 658 .0 . . . . . . 481 . . 236. . . . — . . . 196. . 143.6 . .1 . 159 1973 . . . . 164. . .7 . 135. 893.0 . . . . . . . . . 286. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106 1957 . .923 . . . . . . . . . . . .2 . . . . . .8 . . . . . 174. . .310 . . . . CAT’S . .194 . . 312. . . . N°. . . . — . 116 1964 . . . . . . . . . . . . . . . 169. 152 1974 . . . . 86. . .6 . 303 . . . 210. . . . . . . 239. 460. . . . . 132. . . . 50. 422.4 . .098. . . . . — Fonte: Relatórios de Actividade e Contas da FNAT (1952-1974) Gráfico n°. . 67.288 . . . . .998 . .7 . . .0 . .qxp 5/28/07 11:25 AM Page 68 A Ópera do Trindade Ano . . . . . . . . . . .4 . 251. . . . . .) . . . .0 . . . . . . 214. . . . . . . . . 118. 131. . 158. . . . . . . . . . . . . 127. . . . 535. . 1 Património da FNAT nos anos de 1950 a 1974 68 . . . 137.2 . . . . . . 222.408. . . . . . . .0 . . . . .9 . . . . . . . . . .811. . . . . . . 149.499 . . . . Património (Esc. . . . — . . . . .989 .599 . . . . . . . . . . . 70. . 82. . . . . . . . 106 1961 . . . . 92. . .3 . 541 . . . . . . . . . .190. . . .260 . . . . . .177 .272. . .6 . . . . . .945 . .866 . 389 . . . . . . . . Índice . . 913 . . . . . 360. . . . . . . . 99. 271. . . . . .Opera do Trindade.179. . . . . .069 . . .154. . . 178. . . . . . 388. . . . . . . . . 156. 88. . . — . . 123 1967 . . 128 1968 . . . . 104 1958 . . . . . . . . 147. . 372 . . 375. . . . . . — . . .890 . . . . . . . . . . . . . . . . CRP’S 1955 . . . — . . . . 322 . . . . . . . 694 . . .106. . 345. . .759. . . 356 . . . . . . . .195 . . . . . . .981. . .775 . 308. 293. . . . . . . N°. . . . . . .958 . . . . . .5 . . . . . . 498 . .884.190. . .5 . 301 . . a preços correntes. era necessário adi- cionar aos cem. por outro. os sócios das Casas dos Pescadores. dos Centros de Alegria no Trabalho (CAT) e dos Centros de Re- creio Popular (CRP) estavam dispensados de inscrição. com a excep- ção de 1974. p. Concluía a FNAT que se a estes 400 mil se juntassem os sócios dos outros organismos corpora- tivos acima indiciados. era. em especial do investimento 112. a organização estava ligada.651.Opera do Trindade. mais 300 mil beneficiários. bastava que o chefe de família fosse associado para o resto dos membros do seu agregado poderem beneficiar das acti- vidades da FNAT. 4 69 . fundamental- mente. cerca de cem mil. Se um agregado familiar teria. O crescimento anual do património da FNAT situou-se.989. bem acima dos números da inflação. Esta evolução patrimo- nial tem origem na necessidade das suas infra-estruturas suportarem a procura por parte das populações.392.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 69 Ideologia. os responsáveis da Fundação afir- mavam que os números descritos estavam longe de se aproximar da realidade. na realidade. Políticas Sociais e Tempos Livres Gráfico n°. 2 Número de sócios da FNAT nos anos de 1950 a 1972 Em relação aos seus beneficiários. o património da FNAT. Casas do Povo. bastante maior. Segundo o Rela- tório de Actividade e Contas de 1963. directa ou indirec- tamente a “muito mais de um milhão de pessoas”112.887$00 para 388.$00). da actividade económico-social. Março de 1964. Por um lado. quatro pessoas. o número de beneficiários atingido nesse ano. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1963. em média. Entre 1950 e 1974. Arquivo do INATEL. O aumento do património decorreu. cresceu dez vezes (de 38. Gráfico n°. como resultado da crise econó- mica provocada pelo choque petrolífero.Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 70 A Ópera do Trindade nas colónias de férias. Só em 1973. 3 Variação em percentagem do IPC e do Património da FNAT nos anos de 1961 a 1974 A comparação da evolução do património da FNAT com a evolução do índice de preços demonstra que a organização de tempos livres cres- cia bem acima da economia. A evolução do número de CAT e CRP revela uma delimitação pro- gressiva da área geográfica e social da actuação da FNAT. 4 Evolução de CAT e CRP nos anos de 1951 a 1973 70 . é que se nota um abrandamento do crescimento da FNAT em relação à inflação. Gráfico n°. Parcela importante da despesa da FNAT era con- duzida para a actividade económica e financeira. . . Sacor. mas ainda para suprir a falta das infraestruturas necessárias em muitos locais em que foram instaladas as novas unidades fabris. . . . .897. . p. . . . . e Relatório de Actividade e Contas de 1969. . .) . . .705. . . . .138. . . . . . . . . . . . . . . p. . 31. . . . Metropolitano. .150. . . . . reforçou a inserção urbana da instituição. . .4 1956 . . . . . . . . . . . . . . Sonap. . . Valentim de Carvalho. . O caso dos refeitórios económicos foi. Porto de Lisboa.35. . . . . . . para essa massa de trabalhadores – a maior parte deslocada da província – houve que estudar não só a sua instalação em bairros apropriados. . . . . . Estas medidas tiveram que ser tomadas muitas vezes não só tendo em vista. . . . . .170. . . .137. . Ibidem.271 . . . . .156. 39. . . . . . .2 . . . . . . . . . . Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1967. . paradigmático. . . . .36. . . . . .674. . Cidla. 41. . . . . . . . . . Somapre. . . Sécil. . . . . . . .054 . .7 1958 . . . . . . . . . . . observada pelo crescente vín- culo. . . 1968. .9 113. . . com estes benefícios. . . Como referiu o Relatório de Actividade e Con- tas de 1967: O surto de desenvolvimento industrial que acentuadamente se tem feito sentir nos últimos anos. . . . .194.2 . . . . 38. . Tabaqueira. . . .121.170. . . entre outras: o Arsenal do Alfeite. . . . . . . um complemento de salário. . . 35. . . . . . .22. .115. . . . Cometna. . . BP. . . 22. . . . . . Cabos d’Ávila. . . . . . . .0 1954 . . .9 . . . . . . .0 . . . . . . . . .281 . . . . TAP.313. . Assim. . . Soponata. Políticas Sociais e Tempos Livres A ligação da FNAT ao tecido económico. . . 36. . . .Índice . . . . .747 . .131.419 . . . . . . .141 . . . . . . . . . .439. . . . .18. FNAT: Evolução da Receita Ordinária e da Despesa Ordinária Quadro N.32. . Receita Ordinária (Esc.651 . . . . .1 1957 . . . . . Dyrup.100. .Opera do Trindade.Despesa Ordinária (Esc.047. . . . . . . . a este propósito. . . . .830. . Publicações Europa América. . . . . . . . .400. . . . . . 30.870 . .qxp 5/28/07 11:25 AM Page 71 Ideologia. Sores.189. . .415 .6 1955 . .8 . Firestone. . . . . .100. . . . Central de Cervejas.376.Índice 1953 . .901. . .29. . . .) .113 >>>>>>>>>>> A impossibilidade de acesso aos mapas contabilísticos dos Relatórios de Actividade e Contas da FNAT não permitiu uma avaliação mais ri- gorosa da distribuição funcional das receitas e das despesas. 26. .2 . 39. . . .665. . . . . . .306 . . como também conceder-lhes alimentação (almoço) e géneros nas Cantinas a fim de acorrer às suas necessidades primárias. . . . . . só em Lisboa. 71 . . . . Refinaria do Ultramar.155. . . . teve inevitavelmente grandes repercussões na vida de muitos milha- res de trabalhadores que por força dele tiveram que ingressar em muitas Empresas. . .4 1959 . .421. .027 . . . . .594 . . . . .2 . . . . .172. . .945 . . p. ao quotidiano das empresas. Arquivo do INATEL. . . .032 . Mobil.° 2 Ano . Das empresas e instituições que tinham refeitórios organizados pela FNAT encontravam-se.28. Mer- cauto. . . . . . . . . .142. . . . . . . . . . . . . Sopac. . . . . . através dos CAT. . . . . .530. . .529. . .194. .2 . . . .9 . .9 1962 . . .93. . . . . . . . . .99. . . . . . .363. . . . .208. . .773 . .677 . . . .1 1972 .114 A activi- dade económico-social.234. . . . . . . . .298.381. . . . . . . . .495. .696. . . .758 . . .337 . . . . . as cozinhas. .573 . . . . . . 47. . . .567 .94. . . . . . . . . . .660. . . . . . . . . . 72 . . . . . .825. . . . .660. . . . .436. .693. . . . . . . . . . . .) . . . . . . . . . . .63. . . . . . que incluía as colónias de férias. . . .6 . .1 . acompanhar a progressão do investimento da Fundação e as prioridades da sua despesa. . .442.8 . . . . . .268 . . . . . . . . .0 1970 .306 . . . . . .501. . . . . . . 121. . .1 1971 . . . .648 . . . . .470. . . . . . . .264 . . . . . . . . . . .691. . . . . . . .3 .108.315. . . . . . . . . . . 60. . . . . . .qxp 5/28/07 11:25 AM Page 72 A Ópera do Trindade Ano . . . .0 1965 . 131. . . . . . . . . . . . 144. . . . 53. . . . . . . . . . . . .575. . . . . . . . . . . . . . Receita Ordinária (Esc. . . . .338.49.5 1969 . . . . . . .124. . . . . . . . . . . . . . . .Índice .332 . . . . e as albergarias. . . . . . . .904.110 . . . . . . . . . . . .) . . . . .573. . . . . . .063 .182. . . . . . .629. . . . . . . . 5 FNAT: Receita e Despesas Ordinárias nos anos de 1953 a 1971 Os números possibilitam. . . . . . . .1 1966 . . . . . . . . . 99. . . .174 . . . . . . . . . . .204 . . . . . . .9 . . . . . . . . . .798. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Índice 1960 . . . . . . .36. . . . . . 107.539 . . . 39.6 . . . . . . . . . . .266. . . . . . . .7 . . . . . .496. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .265. . . . . . .368 . . .646 . . . . .83. . . . . . . . . . .372. . . . . . . . . . . . . 36. . . . . . . . . .Despesa Ordinária (Esc.41. . . . . . .194. . . .275 . . . . . . . . . .171. . .2 1968 . . — 1964 .93. . — . . . . . .995. . .4 1963 . .273. . . . . .6 Fonte: Relatórios de Actividade e Contas da FNAT (1953-1972) Gráfico n°.770 . . . . . . . . . . refeitórios e cantinas. no entanto.34. .392. .468.3 .324 . . . . . . . . . .638.882. .4 . .289. . . . . . . . . . . .641 . . . . . . . . . .8 1967 . . . . . . .599 . . . .3 1961 . . . . . . . . .221. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .0 . . . . . . . .166.Opera do Trindade. . . .552. . . . . . .320. . . . . . .405. . .7 . . . .901 . . . . .850. . . .329. 158. levava a fatia mais grossa do or- 114. . . . 75. . . . . . . . . . A lacuna em relação aos dados das despesas administrativas impede uma ideia mais concreta do crescimento burocrático da FNAT. . . . .430. . .471. .159. . . . . .209 . . . . . 107. . Políticas Sociais e Tempos Livres çamento.”117 As férias seriam. obriga muitas famílias de trabalhadores a viver em acanhadas partes de casa. 2/3/1970. 3. 119. especialmente pelo modo como col- matavam algumas insuficiências da vida regular dos trabalhadores. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1969. 121. Arquivo do INATEL. 120. de poderem. o Trindade representar 55 por cen- to (4. 30. tornou-se no motor da actividade da instituição. 115. pp.819. para muitos.514$00). Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1963. p.043. para. Por seu lado. 61.054$00). 1958. A atenuação das tensões inerentes à “vida moderna” justificava uma regulação social que incidia so- bre grupos sociais prejudicados pela fraca remuneração do factor trabalho. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1969.”118 O turismo social.863. 58-59. pela carência de casas em condições normais de habitabilida- de. p. de um total de investimento em actividade cul- tural de 8. em 1969120. 27.121$00 sobre o total de 32. 1974. A FNAT con- siderava a sua acção fundamental.167$00 foram gastos com o Trindade. em quartos ou mesmo barracas. 54-55. ou seja. 18/3/1966. repre- sentar 59. Arquivo do INATEL. torna proibitiva para a maioria dos trabalhadores portugueses a utilização de instalações hoteleiras. em 1965122. pp. a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho é a única forma possível. em 1969116.386. 30. 7. 116. p. Arquivo do INATEL. Arquivo do INATEL. mesmo de pensões modestas.405. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1969. Arquivo do INATEL.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 73 Ideologia. 118. para. Parte substancial da despesa com a parte cultural destinou-se. um útil escape ao quotidiano.3 por cento da despesa ordinária (24. Março de 1964. para.142.131$ sobre um total de 93. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1957. aliado ao surto turístico que se vem acentuando dia-a-dia. 2/3/1970. representava oito por cento da despesa ordinária (2. 73 .7 por cento (8.Opera do Trindade. quer na praia ou no campo.033$00 sobre 7. retemperarem o organismo do grande esforço a que a vida moderna os obriga. pp. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1965. 15/3/1971. integrado no interior da actividade socio-económica.968$00. Arquivo do INATEL.275$00). 117.096. 1958. 45 por cento.622. representava 76. pp. represen- tar 8. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1957. 2/3/1970. Os Centros de Férias sempre registaram grande procura. Arquivo do INATEL. 57-61. 122. p. em 1957119.547. Em 1957115.7 por cento (55.397$00) do investimento da área cultural. a actividade cultural. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1973. a partir de 1963. ainda mais porque “o aumento galopante do custo de vida.559.657$00). à programação do Teatro da Trindade. 58-59 e Relatório de Actividade e Con- tas da FNAT de 1970. Em 1963121. p. provocadas pelo “crescente urbanismo nos grandes centros populacio- nais que. Desta maneira. assim. questão remissível às relações da Fundação com as instâncias estatais que a financiavam. para 67.553$00. pp.099. 74 . em 123. O investimento directo do Estado manteve-se.500. As receitas da FNAT provinham essencialmente de duas origens: dos Organismos Corporativos e de Co- ordenação Económica e das Caixas de Previdência e das contribuições dos beneficiários e encargos resultantes dos serviços da FNAT. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1970. e as receitas pró- prias.257$00 e 5.298. ou seja. Passando a con- tar. Mas quando comparada com os números da actividade desportiva.Opera do Trindade. a partir de 1962. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1967. 56. p.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 74 A Ópera do Trindade Em termos substanciais. 2/3/1970. Março de 1963. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1962. 15/3/1971. A sua lógica de progressão revela algumas tendências significativas.2 por cento da receita ordinária (24. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1965. pp. em 1962123. 124.074. p.109.578$00 e 6. Arquivo do INATEL. 64. 18.760. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1962. 61.171$00 so- bre 121. é mais do triplo (19. com parte da percentagem de receitas do Totobola. Em 1969126.090.881$00. pp. em 1970. e 51. por outro. A primeira é o decréscimo acentuado do peso relativo das receitas próprias: 70. as receitas do Totobola atingiram o seu ponto máximo: 20. Arquivo do INATEL. 125. 39-40. A evolução da receita da FNAT revela ainda os limites da sua autono- mia financeira. 28/3/1956. As outras receitas.2 por cento em 1955127. em 1955. Arquivo do INATEL. Apenas as receitas das Apostas Mútuas chegaram a atingir quantias consideráveis no seu or- çamento anual.599$00.850. p. Março de 1961. 130.4 por cento da receita ordinária da Fundação. a despesa com o des- porto representava quase metade da registada com a actividade cultural. 20. Arquivo do INATEL. Arquivo do INATEL. que sustentaram a FNAT.Este dado não inviabilizou o seu aumento absoluto nos quinze anos considerados: de 21. por um lado.645$00. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1955.388.8 por cento em 1965129. 18/3/1966. respectivamente). em 1967124. respectivamente).173$00).3 por cento em 1970130. notam-se diferenças consideráveis. 18/3/1968.127$00.001. Março de 1963. Ibidem.4 por cento em 1960128. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1960. 129.377$00 para um total de 47. a actividade cultural foi registando um aumen- to de dotação significativo. No primeiro ano (1962)125 representaram 8. Eram as receitas provenientes do Estado. Se. p. 35-36. o desporto da FNAT cresceu muito. 127. os juros de fundos capitalizados e o dinheiro resultante da renovação anual dos cartões tinham um peso pouco expressivo. tal como os donativos de identidades públicas e privadas. 41. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1969. 128. pp. (3. 54-55. 52-53. 4. 126. ainda em relação aos refeitórios. 19/3/1973. p.Opera do Trindade. não pôde aproveitar os serviços do Centre d’Etudes & Organisation de Versailles. Dotada de infra- -estruturas. a variação que. e 31 por cento em 1970134.5 por cento em 1960132. Arquivo do INATEL. 35-36. Março de 1961. estável: 28. além do seu relevante efeito so- cial. Arquivo do INATEL. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1960. a sustentassem. Políticas Sociais e Tempos Livres termos relativos. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1956. Arquivo do INATEL. Arquivo do INATEL. 7.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 75 Ideologia. 7. Determinadas actividades da Fundação. Será esta a orientação a imprimir à FNAT (…)136 Por falta de verba. a organização das cantinas e refeitórios suscitou à direcção de Quirino Mealha uma reclamação quanto à colaboração técnica e funcional do Ministério das Corporações. 28/3/1956. 52-53 135. 136. era im- portante criar “sistemas de controle de modo a permitir que os serviços sejam de engrenagem fácil.4 por cento em 1965133. Em 1957.”135 As consecutivas direcções da FNAT sentiram que a organização só não se desenvolvia em moldes mais eficazes por não possuir as condições necessárias para incrementar a oferta de bens e serviços. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1965.2 por cento em 1955131. a FNAT poderia gerar verbas que. 39-40. Imediatamente se afirma que o au- mento do número de beneficiários exigiu que se comprassem dois ficheiros eléctricos rotativos de grande capacidade. p. proporcionavam lucros consideráveis. 133. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1955. 1957. na sua maior parte mecanizados. no entanto. À semelhança do que sucedia noutros países. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1970. 75 . 41 132. p. 18/3/1966. que consideravam ter a FNAT condições para crescer mais: “Verifica-se que à medida que se vão desenvolvendo as actividades da FNAT o seu número de beneficiários vai acompanhan- do paralelamente aquela evolução. as Apostas Mú- tuas introduzem no quadro. É impossível deixar de as considerar um benefício estatal. Ibidem. pp. a partir de 1962. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1972. O mesmo motivo colocava a FNAT na 131. pp. Arquivo do INATEL. pp. 134. Há que considerar. de óptimo rendimento de trabalho com pessoal muito reduzido e a burocracia ex- tremamente simplificada (…) Os serviços têm de adaptar-se aos objec- tivos específicos do Organismo e não serão estes que se têm de limitar por causa daqueles. bem como dos diversos organis- mos corporativos. por si só. que já realizara vários estudos em Portugal e com quem a direcção da Fundação estivera em contacto. a FNAT. O aumento do investimento estatal não chegou para contentar as suas sucessivas direcções. 20. Arquivo do INATEL. 15/3/1971. 33. Por outro lado. p. Algumas das atribuições 137. designadamente atribuindo à instituição. e alterando. Mesmo nas ocasiões em que o governo atendeu a estas reclamações. de dois para três por cento a contribuição das Instituições de Previdência para o orçamento da FNAT. Decreto-Lei n. Em relação a esta última medida. Arquivo do INATEL. finalidades e acções. refere a introdução do Relatório de Actividade e Contas relativo ao exercí- cio de 1967: “(…) se este aumento não nos vem dar maiores possibili- dades de expansão das actividades da FNAT para o futuro. um documento que procurava planear as suas actividades no período entre 1974 e 1979. 138. o panorama continuava a não satisfazer as ambições da direcção. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1967.137 Os protestos da FNAT pela falta de condições financeiras. em Julho de 1972. impunha a concretização definitiva de dois objectivos primordiais. percentagem de receitas do Totobola – con- signadas a um investimento na actividade desportiva –. 1957. A sustentar a política de desenvolvimento das diversas actividades específicas. Arquivo do INATEL. procedeu esta a um diagnósti- co de cada actividade da instituição. de momento.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 76 A Ópera do Trindade contingência de perder alguns dos seus funcionários mais qualifica- dos para as grandes empresas. De acordo com a resolução do Gabinete de Planeamento da FNAT. 3. exigia do Estado um maior envolvimento financeiro. em 1967. indepen- dentemente da direcção que lhe presidia aos destinos.o 43. decisivo para a Fundação conseguir responder ao constante crescimento da procura dos seus serviços por parte das populações. apresentaram um carácter sistemático e ininterrupto.Opera do Trindade. sendo apresentado. 139. p. de seguida. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1956. de 3/7/1961. 76 . Por um lado. o mesmo espaço temporal em que o quarto Plano de Fomento enquadra- ria as grandes opções económicas do país.777. mais agra- vada uma situação que há vários anos se vinha gradualmente acen- tuando. instava por uma clarificação do universo da sua actuação. 18/3/1968. em 1961138. um conjunto de soluções.”139 >>>>>>>>>>> A direcção da FNAT elaborou. teremos pelo menos a inestimável vantagem de não vermos. 7. Relatório de Actividade e Contas da FNAT de 1973. 2 141. cinco dias an- tes do 25 de Abril. regime de trabalho e previdência social. com as finalidades referidas acima. tipo “management”.”141 O Relatório e Contas da FNAT relativo ao ano de 1973. conferências e palestras com a utilização da Imprensa. Cinema e TV. 3. p. dirigido pelo Gabinete de Organização e Métodos do Ministério das Corporações e Segurança Social. 77 . Rádio. Ibidem. por uma administração moderna. 80. Políticas Sociais e Tempos Livres e competências da FNAT sobrepunham-se às da Junta de Acção Social. de índole predomi- nantemente burocrática. Ibidem. parece evidente que convirá futuramen- te à FNAT tentar substituir a sua actual administração tradicional. > Estudo e divulgação da Higiene e Segurança no Trabalho. > Instalação de bibliotecas para trabalhadores. 142. em 140. p.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 77 Ideologia. exprimia a intenção de constituir um grupo de tra- balho. designadamente em matéria de organização corporativa. p. > Edição de publicações. a FNAT poderá cumprir o plano traçado que se julga não ser sequer muito ambicioso dentro das atribuições que competem ao Organismo. adicionada a uma perspectiva co- mercial com horizontes sustentados: Daquelas acções da competência da Junta de Acção Social e da FNAT salientam-se as seguintes: > Difusão dos princípios da legislação social e das suas realizações e estabelecimento e coordenação dos meios adequados à formação de uma consciência dos deveres e regalias dos trabalhadores.Opera do Trindade. A desejada depuração das funções da organização de tempos livres implicava que as suas actividades se cingissem à oferta de bens e serviços à qual eram inerentes os mes- mos propósitos de regulação social. criada no já longínquo ano de 1956. Fernando Moreira Ribeiro. Arquivo do INATEL. Sobre este estudo afirmou o novo presidente da FNAT: Sem prejuízo do que se vier a apurar no final. que seria responsável pela avalia- ção da organização com os olhos postos numa reestruturação breve: “impõe-se repensar a validade das estruturas existentes”142. assinado pelo novo presidente da Fundação.140 O último parágrafo presente no texto asseverava que “só com substan- cial auxílio exterior. 1974. especialmente a partir dos anos 60. 196-197. 144. a partir de 1958. José Carlos Valente. Ibidem. considerando que. é precisamente quando “tende a tornar-se uma rede de infraestruturas burocráticas. 196-197. op. Apesar das tensões com as instâncias estatais de que dependia. “a FNAT ganha em massa associativa e estrutura orgânica. prestadora de ser- viços e distribuidora de orientações emanadas de órgãos colegiais”145. na organização de uma Companhia Portuguesa de Ópera no Teatro da Trindade. As temporadas realizadas entre 1963 e 1975 foram a expres- são de um investimento cultural patrocinado pelo Estado e pensado de acordo com as directrizes de uma política social que procurava respon- der aos problemas que a transformação do país colocava. rendibilidade. 78 . a instituição podia tornar-se. a vertente socializadora das práticas quotidianas. numa organização financeiramente auto-sustentada. que a FNAT conseguiu. mas perde em con- teúdo e actuação ideológica própria”144. desenvolveu consideravelmente as suas actividades e. de acordo com os pressupostos de uma em- presa moderna. praticamente depurado de qualquer intenção moralizante. um conjunto de tensões institucionais obviou a uma clarificação mais sistemática e precoce das suas atribui- ções e competências. próximo do 25 de Abril de 74. a FNAT. na prática. pp. eixo fundamental da acção ideológica. Ibidem. demonstrar o potencial da sua eficá- cia ideológica. As contradições inerentes ao seu desenvolvimento e ao papel desem- penhado na sociedade portuguesa reflectiram-se.Opera do Trindade. assentava na evidência de que. O crescimento da FNAT relacionou-se com as condições criadas pelo contexto de modernização do país.143 A flexibilização da FNAT. cit. Foi apenas nos anos 70. que parecia estarem reunidas as condições para a FNAT se afirmar de forma mais eficaz como instrumento de uma política social moder- na. planeamento e controle teriam inteira aplicabilidade. 145. a partir dos anos 50. pp. Ao contrário da análise sugerida por José Carlos Valente.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 78 A Ópera do Trindade que os princípios de gestão por objectivos. em consequência. A utilização 143. participação. de forma particular.. Neste processo. caso lhe fossem propor- cionadas garantias de crescimento ao nível das infra-estruturas. além das suas funções sociais basilares. recreativo e urbano.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 79 Ideologia. Políticas Sociais e Tempos Livres das práticas culturais como instrumento de regulação social moderno respondia a critérios de eficiência e a lógicas estudadas e aplicadas. 79 . para a aproximar de um consumo di- verso. Esses critérios afastam a política estatal de uma concepção de cultura popular tradicionalista e rural.Opera do Trindade. Foi argumentado que no desempenho desta função norma- tiva a organização teria tido condições para se tornar num instrumento ideológico eficaz. O chefe de gabinete do ministro das Corporações. foi mais uma etapa da evolução orgânica e patrimonial da FNAT. Gonçalves Proença. enfim. seguiu outra carta da FNAT. Arquivo do Ministério do Trabalho e Solidariedade. com dispensa do pagamento de sisa. A aquisição do Teatro da Trindade. as polí- ticas sociais corporativas encontravam. um mercado crescente. Em 24 de Outubro de 1962. com a anuência do ministro Gonçalves Proença2. em 19621. Esta eficácia foi relacionada com o facto da sua natu- reza de moderno regulador da competição entre os grupos sociais en- contrar.500$00 mensais.Opera do Trindade. informou o presidente da FNAT. atribuída a José Serra Formigal. O seu impacte na área re- servada pela Fundação à cultura foi significativo. 2. o presidente da FNAT escreveu ao chefe de gabinete do ministro das Corporações. pasta 313. pasta 313. transcrevendo a autorização de Gonçalves Proença em nomear Serra Formigal director do Teatro da Trindade. a compra do Teatro da Trindade pela quan- tia de 8. rádio e televisão e pelo qual recebia 5. desta vez para a JAS. A nomeação. Bento Parreira do Amaral. a partir da década de 50. remeteu a responsabilidade 1.000. em carta com data de 7 de Março de 1962. era com- patível com outras funções. Depois das iniciativas pioneiras terem sido estancadas pela descrença e desmobilização dos vários interesses implicados.000$00.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 80 11. apresen- tado por Serra Formigal. pela diversidade das propostas artísticas. nas alterações estruturais que o país sofreu. presidente da FNAT. podendo o mesmo acumular este cargo com o de vogal da Comissão Executiva da JAS onde tratava do cinema. Depois da resposta do ministro. informando da deliberação da direcção em criar o lugar de director do Teatro da Trindade. A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos A política cultural da FNAT no Teatro da Trindade A evolução da FNAT transformou-a num dos eixos da política social do Estado Novo. Carta n. em 18 de Setembro do mesmo ano. 80 . que o ministro autorizara. um contexto mais adequado ao desenvolvimento das suas acti- vidades. O dia 24 de Outubro de 1962 é preci- samente a data em que Gonçalves Proença aprovou o Plano Geral Para uma Programação Anual do Teatro da Trindade.o 292/62. de 25 do mesmo mês. Arquivo do Ministério do Trabalho e Solidariedade. Serra Formigal. Julho de 1968 da organização das actividades anuais do Trindade para José Serra For- migal3. neste âmbito. O ministro abordou-o afirmando que a compra do Trindade era ideal “para se fazer centralização cultural” já que só tinham “os serões para traba- lhadores”. foi nomeado Chefe da Repar- tição de Programas Musicais da Emissora Nacional. musicada por António Teixeira. Em 1960. juiz titular do Tribunal do Trabalho de Lisboa. antigo subdelegado do Instituto Nacional do Tra- balho e Previdência em Vila Real e Aveiro. foi director da Junta de Acção Social.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 81 As Variedades de Proteu. Serra Formigal era um conhecido melómano com formação musical: estudou violino 3. aos sectores da televisão. dedicando-se. 81 . cinema. A partir de 1957. de António José da Silva. advogado. A encenação foi de Artur Ramos. em entrevista concedida a propósito deste trabalho. e acção social descentralizada. atribui a sua nomeação para a direcção do Teatro à ami- zade que mantinha com Gonçalves Proença. com quem partilhava uma enorme paixão pela música.Opera do Trindade. será no entanto vultuosa em face dos critérios que normalmente orientam a vida portuguesa neste sec- tor de actividades. suportada. Estamos. 1-2. os concertos musicais. Serra Formigal redigiu um documento intitulado Plano Geral para uma Programação Anual do Teatro da Trindade. Em 1962. 2. dará o apoio necessário e possível à concretização da obra. 82 . política e financeiramente. no interior de determinada racionalização económica. A legitimidade do modelo artístico proposto por Serra Formigal dependia da sua capacidade para mobilizar um público- -alvo participante de um conjunto de serões alegres e fraternais.4 O exercício das funções de Serra Formigal à frente do Teatro da Trin- dade estava condicionado pelos propósitos da política social desenvol- vida pela FNAT. propondo um conjunto de actividades artísticas caracterizado pela preocupação em produzir espectáculos de “qualidade elevada”: Pretende-se que o Teatro da Trindade constitua uma fonte viva de cultura artística e de saudável recreio para o trabalhador português o que obriga a especiais cuidados na pro- gramação. pelo Ministério das Corporações e Previdência Social. O Trindade seria o centro de uma actividade cultural. cuja idoneidade política e dimensão artística formal correspondessem aos objectivos institucionais. p. certos que a visão superior de quem tanto se preo- cupa por estes importantes aspectos da cultura popular e com a aquisição do Teatro que a veio possibilitar.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 82 A Ópera do Trindade e canto.Opera do Trindade. elencos. 5. Ibidem. mas 4. em Arquivo Serra Formigal. pp. Currículo de Serra Formigal integrado em documentação seleccionada para acompanhar a Companhia de Ópera do Trindade a Barcelona.5 As actividades programadas eram o teatro. montagens e restantes elencos técnicos e artísticos. Arquivo do Teatro da Trindade. Plano Geral Para Uma Programação Anual do Teatro da Trindade. chegando a actuar no São Carlos sob a direcção dos maestros Pedro Freitas Branco e Antonino Votto. Tais circunstâncias envolverão necessàriamente uma despesa que se não se pode con- siderar avultada em função dos resultados que se pensam vir a obter. porém. O mi- nistro congratulou-se com a criação de “um movimento renovador da música portuguesa e sua progressiva nacionalização” e com “a partici- pação dos trabalhadores no desenvolvimento da arte dramática”6. 1966. a opereta. encenações. o bailado. um equilíbrio orçamental entre as várias propostas. aquando da representação de A Serrana. o cinema e algumas “variedades”. 6. A diversi- dade da oferta cultural exigia. a ópera. José Serra Formigal. como a Fundação Calouste Gulbenkian. Os concertos sinfónicos somariam 124. Ibidem. fossem eles governamentais.825$00. 3. A concessão da actividade dramá- tica a uma companhia externa libertava verbas para a formação de um agrupamento nacional de ópera e opereta. concordan- do com a generalidade das propostas. os espectáculos de teatro. Numa verba total de 4. durante a temporada do São Carlos. embora constasse da programação inicial. Estavam previstos 16 concertos apresentados pela Orquestra da Emissora Nacional.299. A ópera representava um investimento de 1. melhor. ou de carácter privado. Por razões técnicas. Os números destas duas produções são significativamente superiores aos apresentados pelo conjunto dos outros espectáculos. opção suportada por considerações de ordem técnica.Opera do Trindade. e as res- tantes actividades. ao Ballet ou aos concertos em períodos de tempo suficientes para se cri- ar a indispensável atitude de adesão e interesse por cada modalidade artística. A exploração teatral. 7. como For- migal sugeriu. se fosse atribuída a uma companhia residente formada pela FNAT.650. deveria ser atribuída a uma empresa externa. aca- baria por ficar de fora. estando. A apresentação do Plano Geral para uma Programação Anual do Tea- tro da Trindade compreendia uma descrição das actividades e uma es- timativa financeira para a primeira temporada. pelos seus elementos que. expostas por Serra Formi- gal de forma clara. concertos mu- sicais.”7 O cinema. como o SNI e a JAS. ou. p. ópera e opereta seriam organizados em temporadas anuais.000$00. não cabiam no fosso da orquestra do teatro nacional de ópera.722$00.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 83 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos determinou alguma contenção financeira: a produção teatral.204. Esta opção permitia “uma melhor tomada de consciência em unida- de (…) O público estará sucessivamente afecto ao Teatro. teriam que ser comparticipadas por outros organismos. à Ópera. Apesar dos reparos. Proença viabilizou o Plano em toda a sua extensão. custaria 1. económicas e sociais.000$00. bailado. que partilhavam com a FNAT algumas funções semelhantes. 83 . com o intuito de serem realizadas de acordo com os pressupostos incluídos no Plano Geral. a produção interna preenchia a maior parte do orçamen- to. ainda em relação aos concertos sin- fónicos. Diário das Sessões da Assembleia Nacional. Todas estas iniciativas representariam um esforço financeiro de 250.Opera do Trindade.853. 4474 (113). grupos corais.8 As despesas materiais e as horas extraordinárias da orquestra.10 De uma despesa total de 3.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 84 A Ópera do Trindade portanto. pelos comentá- rios às peças interpretadas. quase quatro vezes mais do que o investimento estatal no Trindade. com a companhia de ópera.500$00 por concerto. seriam atribuídos 1.000$00. estava orçamentada em 210.791$00. Juntava-se à verba já acumulada. Serra Formigal esperava contar. Espera- va-se ainda organizar os espectáculos comemorativos do 23 de Setem- bro e do Colóquio do Trabalho da Organização Corporativa e Previdência Social. ou seja. ao preço uni- tário de 2. pasta 313. Para a realização da temporada de 1963. Ao musicólogo João de Freitas Branco9.11 8. que corresponde a uma percentagem de 55.000$00. João de Freitas Branco (1922-1989) dedicou-se fundamentalmente ao ensino e divulgação musical. p.167$00. a direcção do Trindade gastou.000$00. As despesas de funcionamento representaram 1.536$00 de Seral (des- pesas renováveis todas as noites de espectáculo). 11. de 5/3/1965. com a colaboração do Grupo de Baila- dos Verde-Gaio e da Companhia Portuguesa de Bailado sediada na Fun- dação Gulbenkian. p.o 184. Arquivo do Ministério do Trabalho e Solidariedade.149. n.900$00.000$00. bandas e tunas. a quantia de 2. 13. libertos para outras actuações. a mesma quantia que o maestro receberia por cada apresentação. Os espectáculos para trabalhadores ficariam a cargo de conjuntos culturais e artísticos ligados à estrutura organizativa da FNAT: grupos de teatro amador. coincidente com a de ópera e opereta.6 por cento do investimen- to total. seriam pagas pelo Trindade. A sua figura é absoluta- mente central para o entendimento da vida musical portuguesa na segunda metade do século xx. 10.863. 9. ao longo dos seus anos de actividade sob gestão da FNAT. 84 . o Teatro de São Carlos recebeu do Ministério da Educação 7. Este problema orquestral foi um primeiro indício das inúmeras complicações que a constituição de formações musicais de or- questra traria ao Trindade. numa estimativa de 30. 38 por cento da totalidade dos gastos. para a realização de trinta espectáculos. A temporada de bailado. Relatório das Actividades do Teatro da Trindade relativas ao ano de 1963. 856.000$00. 114. Requeria-se ainda a presença de um solista por concerto. As despesas e as receitas da temporada de 1963 excederam os valores orçamentados.600$00 de custos com o pessoal administrativo e 15 por cento para encargos imprevistos. Os restantes espectácu- los apresentados ultrapassaram em pouco os seis por cento da despesa total.467. era evidente. Se a ópera em Portugal era uma actividade cultural pouco democratizada. Ibidem. 12. Como o princípio da década de 60 foi época de êxitos desportivos – o Benfica ganha duas taças dos Clubes Campeões Europeus (1961 e 1962) comandado pelo húngaro Bela Gutmann – Formigal arriscou uma comparação: “Perdoe-se o paralelo. de forte expressão nacionalista: “Apenas num aspecto temos falhado constan- temente. na opinião de Serra For- migal.12 Na opinião de Serra Formigal. pois.”13 Propondo-se ultrapassar este amadorismo. em parte talvez devido às carências nacionais em valores mas fundamentalmente por falta de organização e trabalho sèriamente orientado: na constituição de agrupamentos nacionais permanentes de ópera. o mesmo terá que acontecer na ópera. com eficácia. a apetência de um vasto público pelo género: A forma lírica é talvez a mais adequada para trazer ao nosso povo. p.” 85 . A experiência está feita e não apenas com os espectáculos dos últimos anos. o teatro do povo deverá promovê-la.”14 12.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 85 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos A Ópera A distribuição financeira do Plano de Programação não podia deixar de ser bem justificada pelo director do Teatro. no Coliseu – espectáculos que só merecem aplausos e conti- nuação – mas pelas sucessivas companhias que passaram em muitas décadas pela mesma casa de espectáculos e que sempre atraíram as massas populares. Se a ópera é um bom espectáculo cultural e o povo a ama. O primeiro argumento utilizado para legitimar a formação de uma Companhia Portuguesa de Ópera explicitou o valor que o género possuía. Plano Geral para uma Programação Anual do Teatro da Trindade.Opera do Trindade. 13. a formação de uma Companhia Por- tuguesa de Ópera teria um importante impacte profissional. a mensagem artística da música. 13. Ibidem. então. Cabia-lhe fundamentar o investimento inicial. deverá recorrer-se a “estrangeiros abalizados (…) mas não sistematicamente para cantar as óperas. p. e em que a sugestão das belas vozes ainda mais humaniza esta. e “onde não os houver portugueses”. mas para se conseguir “o profissionalismo” no futebol foi à custa de técnicos estrangeiros que instruíram os nossos jogadores. Serra Formigal considerava fundamental o concurso de “técnicos competentes”. não apenas como proposta artística. mas tendo em conta a sua adequação aos contornos específicos da dinâmica ins- titucional que a iria suportar. 14. gastamos o dinheiro e ficamos sempre na mesma. E tem de ser este o caminho. a necessária participação de elementos estran- geiros. Só entre nós e em alguns outros poucos países. p. 86 . Dentro da lógi- ca de uma arte pedagogicamente nacionalista. onde. Tanto em França como na Alemanha e na Itália. salvo algumas excepções sem conti- nuidade. as óperas são cantadas na língua do país. A ideia de traduzir as óperas. no respeito à língua materna. segundo Formigal. depois da sua partida. por conseguinte. A exigência de uma ópera cantada em português sentia-se apenas em determinados quadrantes culturais e políticos afectos à situação. tudo na mesma. contra a sua sensibilidade melómana. nunca fora um universo cultural que preocupasse as instâncias reguladoras do regime. dadas as 15. procurando ganhar um espaço de validação face às características das temporadas do São Carlos. No entanto. era defendida a criação de obras que considerassem as tradições mais profundas do país e. repre- sentados ao mais alto nível pelo compositor Ruy Coelho.Opera do Trindade. A comu- nicação entre emissor e receptor não levantava problemas políticos. nomeadamente quando se tratava de obras pertencentes ao património lírico romântico italiano e francês. Aponte-se no entanto que a Companhia de Ópera de Câmara da Fundação Gulbenkian está começando a cantar óperas em português. exigia-se a tradução dos libretos estrangeiros. Serra Formigal não se enquadrava nesta tradição. A importância legitimadora do argumento nacional obrigou Serra Formigal. Para que tal não sucedesse no Trindade. especialmente na América do Sul. choca- va com o seu ethos de apreciador do espectáculo. se cantam sempre nas línguas originais. Ibidem. pois de contrário a compreensão do espectáculo fica muito diminuída. se gastava dinheiro com artis- tas estrangeiros que vinham “sistematicamente para cantar as ópe- ras”. ficando. a de- fender a tradução dos libretos e a sua apresentação em português: Outro aspecto que interessa focar é a questão da língua em que são cantadas as óperas. especialmente no que concerne à organização profissional da companhia. 14. verifiquei que em todos os teatros. pelo seu carácter abstracto.15 A música erudita. e abstraindo algumas récitas especiais. deveria servir para a criação de estruturas de ensino e forma- ção permanentes. sobretudo quando se dirige às camadas populares.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 86 A Ópera do Trindade A iniciativa legitimava-se pela sua inserção nacional. são todas sujas. garantia a Formigal a hipótese de criar um es- paço de crítica ao São Carlos. ele próprio. o espaço cultural de mediação. Assim. porém. Desproletarizar A organização dos espectáculos foi pensada em face dos objectivos insti- tucionais da FNAT.” 87 . ao mesmo tempo. Temos vogais que não permitem cantar bem. Ibidem. Servirá esta carência nacional para convencer o ministro das Corporações da urgência em contratar o mestre Tomás Alcaide (1901- -1967). o antigo director do Trindade acrescenta outros argumentos: “Mo- destamente. à data fun- cionário administrativo da Emissora Nacional. uma desenvolvida discussão. Por isso o italiano facilmente canta. deduz-se de um passagem do mesmo do- cumento sobre os problemas que a língua portuguesa levanta à inter- pretação dos cantores: “Há. O alemão é uma língua dura. A Itália tem as duas coisas. no Plano de Programação. p. assente numa apreciação formalista. a ideia da ópera em português era importante para convencer a FNAT da possibilidade da iniciativa alcançar sucesso junto do público. pensei que a ópera italiana era uma boa base para a formação do cantor português. Os ingleses não têm uma vogal pura. A opinião de Serra Formigal sobre a questão da tradução. Entre os promotores da política cultural da FNAT não havia qual- quer ilusão quanto ao retorno financeiro que a actividade do Trindade 16. Uma língua difícil. as vogais são boas. a posição nacionalista contentava algumas forças no interior do regi- me e.Opera do Trindade. cheia como está de vogais mudas de emissão gutural. uma certa maioria de óperas italianas. 15. pensei que o que era bom (e o Alcaide concordava comigo) era o italiano. como de qualquer lado. se exceptuarmos os poucos origi- nais alemães que foram apresentados. Por um lado.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 87 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos condições políticas que envolveram a criação da Companhia. uma dificuldade: conseguir que os artistas cantem correctamente o português. os populares facilmente cantam. o que tende a “engolar as vozes”16. o cantor português com maior sucesso internacional. No português. A política de preços que o Teatro deveria praticar é um eixo importante da ligação entre a FNAT. Na entrevista que realizámos com Serra Formigal. a não ser com uma adaptação. o financiador corporativo. Mas deve-se cantar em português. A questão mereceu de Serra Formigal. A língua é ingrata. e o Trindade. para dirigir. mas as óperas traduzidas. nunca chegaram a realizar-se. A escola formou-se. mas as vogais são lim- pas. considerou uma boa estratégia acenar com o argumento nacional. uma escola de canto lírico erguida nas instalações do Teatro. por outro. ajuda. Portanto. É uma língua boa. as vogais são péssimas. objectivos subjacentes ao “novo Trindade”. a que. tratou pela aparente neutralidade do nome: cinema e varieda- des. diferente. A gratuitidade dos espectáculos. Serra For- migal distinguiu os espectáculos que designou de “caros” – ópera.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 88 A Ópera do Trindade proporcionaria. Plano Geral para uma Programação Anual do Teatro da Trindade. a quantia de cinco escudos por espectáculo. foi uma opção ponde- rada como regra central da relação da instituição com os seus associa- dos. Contas feitas. quer o espectáculo quer o espectador”. no entanto. nunca além dos cinco escu- dos. deviam ser pagos já que assim se “afasta do espectador a ideia do favor total. os restantes. Serra Formigal não concebera um espaço de variedades mas um Teatro de “artes sérias”. Serra Formigal explicou: 17. p. “como a gratuitidade tende. O âmbito cultural do Trindade era. concertos sinfónicos e temporadas de teatro decla- mado. então. onde se apresen- taria ópera e bailado. foi consi- derada a mais razoável. não poderia ser diminuída pela gratuitidade. porém. Como mecanismo de regulação. deveria situar-se nos limites do razoável. que fosse compatível com os salários dos trabalhadores portugueses. o preço teria que ser adequado aos rendimentos dos grupos sociais a atingir. a desclassificar.17 Quanto a estes últimos.” Propõe-se. um preço. Noutra perspectiva. como princípio social e político.Opera do Trindade. 5. depois de alguma aritmética. entre nós. O montante definido resultou de uma análise profunda da realidade portuguesa. o enobrecimento social pela cul- tura ficaria limitado se convivesse com um contexto sócio-económico que contrariasse os seus pressupostos. bailado e concertos sinfónicos – dos outros. ponderou-se com exactidão a relação a criar com o público desejado. não via qualquer entrave a que fossem gratuitos. Havia mais de 20 anos que os serões para trabalhadores tinham instaurado essa prática de solidariedade cultural. sempre um pou- co humilhante. A nobreza de certos espectáculos e os seus efeitos simbóli- cos sobre os espectadores. A FNAT sobrevivia. ope- reta. não podendo desqualificar um projecto cujas metas aponta- vam para a requalificação estatutária de determinados grupos sociais. em parte substancial. relacionada com a prossecução de uma política social. A política de preços dos espec- táculos. A diferença implicava uma concepção diferente da política de preços. com dinhei- ros estatais e a sua função social não era contabilizável. 88 . não chamando baratos. o bailado. mas o ambien- te de diversificação social exigia uma diversificação cultural. dependia de uma análise da situação do mercado de bens culturais. pelos 30$00 a 40$00 diários. Nestes casos. os concertos e o teatro declamado. 18. Este lugar de mercado. 89 . poderiam ser gratuitos. O meca- nismo de distinção. torna- va-o no elemento ideal para o exercício de desproletarização. ele é o que convém ao nosso operário se queremos real- mente “desproletarizar” já que os seus salários ainda orçam. a des- pesa pode atingir o limite médio de 20$00.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 89 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos É que temos de pensar nas famílias em que o chefe tem que arcar com as despesas de todos os bilhetes. o Trindade podia demitir-se da regulação directa dos lazeres. A raridade de um bem cultural. como a Fundação Gul- benkian. se fizessem parte da programação do Teatro. O cinema e as variedades tinham um mercado alargado com forte participação da iniciativa privada e um controlo político que lhes garantia a idone- idade dos produtos culturais. Não podemos esquecer que. a sua posição estava enfraquecida. As suas finalidades não se alteraram. pp. muito incerto.18 Cinco escudos era o preço da “desproletarização”. embora pareça ridículo o preço máximo de 5$00. a tarefa foi confiada a artes consideradas nobres. Com tal preço máximo. O mesmo já não sucederia com a ópe- ra. Processar-se-ia. Plano Geral para uma Programação Anual do Teatro da Trindade. se valorizado socialmente. tornava os bens culturais mais raros e distintos: situação que também não é alheia à conquista de uma autonomia sobre a procura mercantil. intrínseco a uma “desproletarização”. nestas actividades. Sendo o lucro. muitas vezes. possibilitando assim alguma vantagem sobre a concorrên- cia. No caso do Teatro da Trinda- de. assegurada pelo mecanismo do subsídio. inerente quase sempre às exigências de produção envolvidas em espectáculos naturalmente onerosos. palavra que quase resume o objectivo das políticas sociais. Os espectáculos “a que as classes trabalhadoras estão mais habituadas”. As propostas artísticas do Trindade indicavam que a FNAT entrara em terrenos novos. como o cinema e as variedades. 5-6. idealmente. em semanas de seis dias. o papel subsidiador do Estado ou de outras organizações. A análise obri- ga a um olhar diferente sobre a cultura.Opera do Trindade. muitas vezes quatro ou cinco. o que é compatível com o nível de vida das classes trabalhadoras. afigurava-se fundamental para sobreviverem. iniciou uma dinâmica de democratiza- ção cultural. nos espectáculos por elas oferecidos. por iniciativa da FNAT. Desde 1959 que a FNAT pôs à disposição dos seus sócios bilhetes para as récitas populares que as companhias que passavam no São Carlos apresentavam no Coliseu. ou a Gulbenkian. O Estado. seriam constituídas por pequenas burguesias terciarizadas. especialmente aquando da realização do Festival de Música. inúmeras vezes repetida. dos bailados e da ópe- ra. de um ponto de vista artístico. 90 . desempenhavam semelhante função de democratização cultural. É possível argumentar que o Coliseu. enformados por uma instituição de regulação social como a FNAT. suportada por práticas artísticas dominadas por grupos sociais restritos. de que no Teatro da Trindade. mais significativamente no caso dos concertos.19 O alcance dos objectivos de “desproletarização”. o “Trindade de Formigal” relacionam-se com a vontade do director do Teatro de intervir no campo cultural por- tuguês. Serra Formigal desejava reforçar a sua respeitabilidade no inte- rior deste universo e. Seme- lhante colaboração existiu entre a FNAT e a Gulbenkian. tinha acordos com estas entidades com vista à reserva de entradas destinadas aos seus sócios. no entanto. se iriam apresentar espectáculos de ópera feitos por portugueses para portugueses. a um movimento “democratizador” das práticas culturais. Se tal posição se adequava aos dese- jos da política social da FNAT. Não é possível. accionada por dispositivos cultura- is. Possibilitava-se o acesso de classes médias-baixas que. na estrutura da ópera em Portugal sobre a qual tanto queria actuar. na sua maior parte. A bandeira da or- ganização estava há muito erguida. As preferências artísticas de Serra Formigal eram conhecidas por quem assumiu a responsabilidade de o nomear director de um teatro com objectivos sociais muito específicos. através da FNAT. O Trindade e o meio operático A apresentação pública da Companhia Portuguesa de Ópera acentuou o desígnio nacional da iniciativa.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 90 A Ópera do Trindade uma fragmentação social distintiva. A relação com o público e com a críti- ca estabeleceu-se pela frase. estabe- lecer uma separação entre esta aparentemente rígida lógica institucio- nal e as perspectivas e intuitos pessoais do director do Teatro da Trindade. o seu significado no campo musical tinha outras 19. A FNAT. a bens culturais que lhes eram pra- ticamente inacessíveis. har- monizava-se com a aposta na organização de determinadas actividades culturais socialmente consideradas. Os contornos que caracterizam.Opera do Trindade. aliás. de forma muito mais evidente. certamente condicionada. formadas por elementos diversos.Opera do Trindade. de transformar o Teatro Nacional de Ópera num palco de uma arte nacionalista. no panorama operático. director que apenas seria substituído. ritual do culto snob da aparência. Ao contrário das intenções. tornaram-se no principal motivo de atracção do Teatro Nacional de Ópera. Mário Vieira de Carvalho. citado por Mário Vieira de Carvalho. Pensar é Morrer ou O Teatro de São Carlos na Mudança de Sistemas Sociocomunicativos Desde Fins do Séc. fica- vam quase sempre de fora do palco do único teatro de ópera português. As digressões anuais das grandes companhias de ópera. 21. Os objectivos elenca- dos pelo director do Trindade. “Arte Musical”. para o que tería- mos a vantagem de um pessoal fixo. carac- terizava-se por ser um espaço exclusivo. durante o Estado Novo. Maia.21 Mário Vieira de Carvalho acentua a sua função representa- tiva. aquando da reabertura. D.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 91 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos repercussões. usado como sinal de distinção e feudo de sociabilidade. Imprensa Nacional Casa da Moeda.20 Os artistas portugueses. esplendor até hoje não igualado por nação alguma. poderíamos trabalhar no sentido da encenação. sob a liderança de José Figueiredo. 22. o modelo sócio-musical que iria carac- 20. O São Carlos. A ópera no Trindade ficou afecta ao Ministério das Corporações. p. e com algumas excepções de permeio.” Luiz de Freitas Branco. na sua totalidade. vantagem que não têm as companhias estrangeiras. ibidem. a ópera sempre fora um espaço confiado ao gosto de alguns grupos restritos que rodea- vam o Teatro Nacional de São Carlos. João IV. o compositor Luiz de Freitas Branco propôs uma outra forma de estabelecer a relação entre público e comunica- ção artística: “Na impossibilidade de atingir o esplendor vocal dos italianos. Em 1946. depois de sete anos de encerramento. algumas delas também políticas. 25/6/1946. Ibidem. A obrigatoriedade do traje de gala e as altera- ções na arquitectura e decoração assinalavam. O Teatro lírico era subsidiado. protagonizadas por homens como António Ferro ou Ruy Coelho. 237. ao caracterizar as traves mestras do fun- cionamento da sua companhia – fazer ópera para os trabalhadores portugueses e apresentá-la em espectáculos representados pelos artis- tas de teatro lírico nacionais – constituía-se. como uma ruptura com a situação dominante. As temporadas regulares reiniciaram-se em 1946. 1993. 91 . em 1970. Reabrira as suas portas em 1940. fazer espectáculos que valessem pelo estilo e pela interpretação. Historicamente. grupo escasso e debilmente preparado por sistemas de ensino ineficazes. pelo governo. 215. p. XVIII aos Nossos Dias. através do Ministério da Educação. com uma nova ópera de Ruy Coelho. “espécie de filosofia nacional”22. e das suas ve- detas. O público do São Carlos habituara-se a estes sinais do bom gosto. a posição solene que o São Carlos passaria a representar na vida cultural portuguesa. por João de Freitas Branco. O meio musical tinha uma inequívoca lógica própria. p. Além do mais. O âmbito da sua acção revelou ainda as tensões existentes entre as várias instituições do regi- me ocupadas com as manifestações culturais. A intervenção da FNAT no campo musical erudito demonstrou. pelo contrário. em especial por ter sido quase sempre tratado como um espaço inócuo do ponto de visto político: um universo que. no entanto. Ibidem. encontravam-se «dessemantizadas». se auto-re- gulava. As relações políticas e artísticas entre o Trindade e o São Carlos não devem. 92 . cada qual de modo particular. as componentes internas da obra seriam secundarizadas em relação à função social de distin- ção. O potencial dramático ligado à palavra era especialmente sacrificado. É impossível decalcar as tomadas de posição inerentes ao universo musical e lírico de intenções políticas e doutrinárias. inerente aos espectáculos. 225. 213-254. numa prática de estetização da política e propaganda do Estado. de certa forma. em ruptura com algumas características prevale- centes no panorama artístico-social que dominava no São Carlos.Opera do Trindade. um relativo poder transformador. sobretudo. no qual os membros do gover- no não se coibiam de participar. ser simplificadas. na sua aparência imediata. Se os dois espaços serviam.23 A sua função resumia-se a uma ornamen- talização de um ritual distintivo encenado.24 No Trindade. colocando-o a par da natureza e organização dos eventos que passariam a ter lugar no Trindade e 23. às classes trabalhadoras. esta complementaridade macro-estrutural é espartilhada por lógicas contraditórias que remetem quase sempre para posições sustentadas no ambiente da ópera portuguesa. na expressão de Mário Vieira de Carvalho. as obras. Políticas Culturais e objectivos políticos Na preparação da primeira temporada de espectáculos no Trindade. todavia. prestava-se um serviço ao subalternizado artista nacional. a ópera seria dirigida. 24. pp.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 92 A Ópera do Trindade terizar os espectáculos do São Carlos foi privado de quaisquer efeitos explicitamente ideológicos. O projecto do novo teatro de ópera da FNAT nascia. determinados interesses no interior do regime. Serra Formigal escreveu ao chefe de repartição da Cultura Popular do Secretariado Nacional de Informação. No São Carlos. Ibidem. embora seja impossível separar esta função da predominância de algumas formas líricas sobre outras. 25 Quanto ao teatro. Carta de 6 de Março de 1964. Arquivo do Teatro da Trindade. o produto da bilheteira. respondeu em 12 de Novembro26. Outro assunto respeitava às condições de participação do grupo Verde Gaio na temporada de bailado. Arquivo do Teatro da Trindade. pasta “Correspondência”.Opera do Trindade. a substituir a incer- ta receita dos espectáculos do Verde Gaio pela quantia de 2. 26.28 Serra Formigal dispôs-se. Um certo mal-estar resultante do teor da resposta do SNI acentuou-se na negociação da participação do Verde Gaio para a temporada seguinte. concordando em atribuir apenas a quantia de 140. dessa circunstância não somos culpados e sempre pensámos que para quem já tem os seus ordenados assegurados. através do Fundo do Teatro. certamente em virtude do número excessivo de espectáculos.000$00 por espectáculo ou. a partir da verba atribuída todos os anos pelo SNI. Por últi- mo. para a primeira temporada de ópera. 25. 27. Carta de 4 de Maio de 1964. O director do Trindade considerou que um organismo financiado pelo Estado. não devia receber por duas instituições culturais diferentes: (…) os resultados de bilheteira nem sempre foram muito brilhantes. Carta de 12 de Novembro de 1962. o SNI propôs rever a colaboração com o Trindade.27 Serra Formigal alegou que a proposta de 5. as “bilheteiras” deveriam ser sempre consideradas como uma gratificação ou lembrança. Arquivo do Teatro da Trindade. Carta de 23 de Outubro de 1962. Serra For- migal tentava obter um financiamento para a companhia contratada para o Trindade. 93 .000$00.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 93 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos pedindo uma colaboração em várias áreas. um subsídio de 400. pasta “Correspondência”. Porém. exigiu o pagamento de 3. como última proposta. Tal facto originou que os componentes do “Verde-Gaio” por vezes e por espectáculo recebessem gratificações muito peque- nas e mesmo irrisórias. pasta “Correspondência”. requereu. O chefe de repartição da Cultura Popular do SNI. Arquivo do Teatro da Trindade. pasta “Correspondência”. Em relação à cedência do Verde Gaio. como era o caso do Verde Gaio.000$00 mensais ao teatro. Júdice da Costa. Ao contrário do que o SNI sugerira. em alternativa. o coro fora cedido sem qualquer contrapartida financeira.910$00 por espectáculo era exagerada e provocava um tratamento discriminatório em relação ao coro do Teatro Nacional de São Carlos. Dadas as receitas de bilheteira dos bailados terem tido um resultado abaixo das expectativas.800$00 por actuação. 28. dentro das suas possibilidades.000$00. que não preenchia os objectivos da FNAT quando interveio na “cultura popular”.Opera do Trindade. o que. lamentou a impossibilidade da atribuição do subsídio requerido. Arquivo do Ministério do Trabalho e Solidariedade. Arquivo do Ministério do Trabalho e Solidariedade. pasta 314.30 O modo de alcançar e transformar a “cultura popular” suscitava di- vergências no interior das instituições do regime. colectivos ou individuais. Valha-nos… Santo António. Em virtude da resposta do SNI. pelo facto de ter “o seu esquema de actividade já planeado há muito”29. 94 . Tal complementaridade é atravessada por interesses parale- los.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 94 A Ópera do Trindade Em Março de 1964. tal como com o contexto elitista do São Carlos. O Trindade. no sentido de levar os espectáculos de ópera à província”. A ideia de uma complementaridade estratégica e funcional entre as forças polí- tico-culturais do regime não coexistia com uma solidariedade institu- cional. O chefe de repartição do SNI. pasta 314. 29. acabava por condicionar a própria ideia de estratégia. para patrocinar a itinerância da Compa- nhia Portuguesa de Ópera do Trindade. por carta. pretendia requalificar o público consumidor. aquilo é que é “cultura popular” e da boa… Para espectáculos do nível e categoria dos que a FNAT apresenta… não há verba. O modelo cultural de política social convivia com a lógica populista do SNI. junto do ministro Gonçalves Proença: Deverá fazer-se notar que o SNI subsidia todos os espectáculos de revista do parque Mayer. uma mediação cultural ultrapassada e ineficaz. no panorama do Trindade da FNAT. herança de António Ferro. 30. ao pro- curar enobrecer a “cultura popular”. certamente porque entende que aquilo sim. Alegava Bento Parreira do Amaral que. o presidente da FNAT escreveu ao SNI a pedir um subsídio de 670. a companhia lírica vinha fazendo um verdadeiro esforço de formação de uma “nova cultura popu- lar”. que cruzam o universo político. distorcen- do a sua aparente linearidade. Bento Parreira do Amaral protestou. Manuel Henriques da Silva. uma imposição institucional que se vinha mostrando onerosa e conflitual. apesar de “manifestar o maior interesse pela acção a todos os títulos meritó- ria da FNAT. no fundo. Os espectáculos do Grupo Verde Gaio. representavam. em determinado moldes. ensaiado e dirigido pelos maestros italianos Mario Pellegrini e Carlo Pasquali. pela sua posição e ambições no interior do campo artístico. também eles ao serviço do São Carlos. Foi essa imagem que pas- sou para a opinião pública quando. Aparecendo como um projecto que rompia com certos há- bitos corporizados pelo Teatro Nacional de Ópera. Esta realidade é notória nas relações entre o Trindade e o São Carlos. colocar em causa o papel estrutural do Estado. passando. programas. fossem. O trabalho de construção de maquetes. Serra Formigal 95 . a partir de 1963.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 95 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos e que. anúncios e notícias sobre os espectáculos referiam a colaboração do Teatro Nacional de São Carlos. O São Carlos e o Trindade A dissensão face às políticas culturais estava circunscrita a um espaço re- grado por normas que os agentes envolvidos nestas questões sabiam não poder ultrapassar. afinal. uma colaboração regular com a Companhia Portuguesa de Ópera da FNAT. A ópera popular do Trindade dependia das condições técnicas e hu- manas postas à disposição pelo Teatro Nacional de Ópera. Nas declarações públicas. A dependência funcional do Trindade em relação ao São Carlos impeliu Serra Formigal a fazer circular as suas críticas ao estado da ópera em Por- tugal apenas nos canais de comunicação inerentes ao fechado círculo de relações próprio do meio.Opera do Trindade. não agradava à sensibilidade de Serra Formigal no seu papel de produtor cultural. críticos em relação ao estado em que se encontrava a ópera em Portugal. cenários e o ar- ranjo de cena e luzes cabia aos cenógrafos Raul Campos e Alfredo Fu- riga. além de tudo. de um campo operático nacional. porém. que trabalhavam nestas funções desde 1946. a exercer. Era impossível. Todos os fo- lhetos. que. o Trindade tinha um espaço de crítica residual. constituía o alicerce que suportava a manutenção. em si- multâneo. num domínio cultural com óbvias dificuldades de formação de especialistas: o coro pertencia ao São Carlos. A ligação era inevitável. em 27 de Abril de 63. embora muitas das pessoas envolvidas. a relação entre os dois Teatros fazia transparecer uma total harmonia. designa- damente Serra Formigal. dadas as inúmeras carências que pontuavam um projecto erguido da base. se limitou a circular entre instituições do regime. notando ainda. No relatório de actividades que escreveu em 1964. Mas não ignoramos também que o S. Serra Formigal salienta- va que o Trindade estava a transformar-se. também abalançar-se a experiências e ‘estreias’ que julgo constituírem função de teatros líricos de menor responsabilidade. 32. “que o São Carlos tem já dado importantes oportunidades a cantores portugueses. pp. numa verdadeira alternativa ao São Carlos: A acção desenvolvida neste sector foi. Arquivo do Ministério do Trabalho e Solidariedade. a mais interessante e difí- cil. o trabalho da sua companhia de ópera era inédito em Portugal: 31. acerca do modo como se desenrolou o ano de estreia da Companhia Portuguesa de Ópera da FNAT. pasta 1963. segundo nos parece. Relatório das Actividades do Teatro da Trindade relativas ao ano de 1963. num documento que. Serra Formigal confirmava a subalternidade e dependência funcional. pas- ta 313. 1-2. in- cluindo as do Funchal e Porto. com alguma ironia. 33. as suas opiniões sobre o meio operístico nacional. revelam uma opinião crítica quanto à situação da ópera em Portugal. dado as circunstâncias em que se desenvolveu. O êxito da primeira temporada de espectáculos reforçou a posição de Serra Formigal como produtor cultural. em Arquivo do Teatro da Trindade.33 Nos aspectos considerados. políti- ca e simbólica do Trindade. Alguns elementos sobre a Temporada Popular de Ópera e Opereta do Teatro da Trindade referidos pelo director do Teatro à im- prensa na reunião efectuada em 27/4/1963. Serra For- migal referiu o impacte profissional do seu projecto. Ibidem. não podendo. foi um facto inédito entre nós. p. constituir uma com- panhia lírica apenas integrada por artistas portugueses para a realização de uma temporada que se processou ao longo de três meses e que constou de 46 récitas.”32 Afirmando-se director de um Teatro de Ópera de segunda ordem. 96 . 11. Carlos é o único teatro lírico português.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 96 A Ópera do Trindade apresentou à imprensa a primeira temporada de espectáculos de ópera. em muitos aspectos. Depois de explicitar o interesse da FNAT em divulgar um género que cor- respondia tão vivamente ao gosto das classes trabalhadoras31. 1. com um público exigentíssimo.Opera do Trindade. de grandes tradições. com toda a certeza. portanto. p. alguns dos quais ali têm tido actuação de assina- lado mérito. Na verdade. Esta construção iniciou-se em Portugal em 1963 tudo levando a crer que se desen- volva.34 Ao estabelecer o ano de 1963 como aquele que anunciou a institucio- nalização. pelo afinamento das respectivas sensibilidades. se ultrapas- sasse os limites do implícito. 35. p.35 34. A dependência material e humana da iniciativa do Ministério das Corporações. é exclusivamente da FNAT. não me refiro aos edifícios pois que a esse respeito temos um dos mais belos de todo o mundo mas sim à construção do edifício músico-dramático ou seja à constituição de companhias permanentes englobando cantores. 97 . A sua posição como produtor cultural dependia do sucesso do Trindade. Notava-se. maestros e règistas. de uma companhia nacional de ópera. 12. O número garantiu-lhe o beneplácito institucional para conti- nuar a desenvolver o seu projecto. Ibidem. tenham assistido aos espectáculos de ópera 45 mil pessoas. nesta fase precoce do projecto. complete e institucionalize nos anos que se vão seguir. O público não foi indiferente ao tipo de proposta cultural apresentada: Este facto veio demonstrar cabalmente o interesse social do empreendimento e a obra de educação das classes economicamente mais débeis que por este meio se pode realizar. algo insólita no campo operático. O director do Trindade estimou que. os diversos países têm construído as suas óperas naci- onais.Opera do Trindade. não lhe proporcionava grande margem de manobra. Ibidem. educação indispensável para a desproletarização de tais classes. Formigal fazia uma assinalável crítica ao domínio do São Carlos no campo da arte lírica nacional. na primeira tempora- da da companhia. do irónico ou do privado. ninguém pode ignorá-lo. que o director do Trindade corria riscos. pela primeira vez em Portugal. Sobre a sensibilidade para a ópera A mobilização conseguida foi a grande conquista do primeiro ano de espectáculos. no entanto.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 97 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos Em todo o mundo civilizado. E a autoria dessa obra transcendente no plano músico-teatral da vida portuguesa. Simone de Oliveira e outras vedetas do desporto e teatro ligeiro. segundo a qual. mesmo estando estes ligados a uma in- tervenção sobre as expectativas de determinados grupos sociais. Maria Teresa de Almeida. parecendo graça. a quem se di- rigiam os espectáculos da FNAT. 12. Serra Formigal tinha de acreditar nos seus consumidores. cumprindo os fins políticos da FNAT. ao contrário do São Carlos. apostando na ópera. A oferta de bens culturais era um mecanismo de regulação típico da FNAT. Rossini e Verdi. o São Carlos se destinava apenas a servir o “bom gosto” de grupos específicos. No entanto. Álvaro Malta. como Puccini. já estão devidamente hierarquiza- dos na escala dos valores em relação aos de Matateu. Ibidem p. tem muita importância no campo da cultura. não podiam ser caracterizadas pela sua débil sensibili- 36. Serra Formigal tinha de demonstrar à direcção da FNAT a possibilidade de desenvolver uma política social eficaz. reforçando a sua legitimidade como alto funcionário da política social do regime e. podia gerar algumas resistências a quem duvidasse da eficácia da estratégia. estava capacitado para apreciar os pro- dutos culturais que ele próprio estimava e desejava institucionalizar num país que ainda estava longe dos “países civilizados”. etc. neste ano de 1964. O “português comum”.36 Ao depender do mercado para promover uma nova “cultura popu- lar”. Guilherme Kjölner. como Alfredo Keil. Hugo Casais. E isto. a incursão por terrenos menos habituais. não podia ser um espaço de exclusão. Tomaz Alcaide. por exemplo. Eusébio. pois que para muitos. no interior de um projecto que consistia na divulgação de pro- dutos distintos. a conquista parece-me igualmente valiosa. O Trindade. Fernanda Machado. Se parte importante da cultura política incentivada pelo regime fazia corres- ponder uma hierarquia social a uma ordem natural das sensibilidades. e outros que são valores nacionais.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 98 A Ópera do Trindade Os resultados confirmaram os benefícios de uma iniciativa bem es- truturada. mas que não estava isenta de riscos. únicas que tinham verdadeira consagração popular. Serra Formigal aproveitou todas as conquistas deste primeiro ano para salientar a oportunidade do projecto. a sua autonomia como programador de espectáculos: Num plano cultural das mesmas classes sociais. Ana Lagoa. simultaneamente.Opera do Trindade. 98 . as camadas sociais a que a FNAT apelava. nomes que representam glórias da Humanidade. Maria ou do S.Opera do Trindade. neste aspecto. o que não acontecia quando frequentava a “geral” do Coliseu em espectáculos da mesma natureza. onde a ópera convivia com outros espec- táculos populares. conhecido pela heterogeneidade do seu exigente público. da po- pularização. É que não há propria- mente. Carlos no caso das óperas. não rompendo com uma hierarquia artís- tica e social. A situação confrontava. bilheteira do Teatro 37. Embora o Trindade não tivesse ambições comerciais. 13.38 O Público As características do público que frequentou as temporadas de ópera no Trindade foram-nos descritas por Celeste Martins. a lógica instituída: Julgo de ser tempo de reconhecer que a intuição e sensibilidade artísticas têm pouco ou nada a ver com o rendimento financeiro das pessoas. Pelo menos neste último teatro. o facto de ter que conquistar um mercado enquadrava a sua lógica de actuação no âmbito da venda do produto.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 99 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos dade. sob o ponto de vista intelectual e em relação ao público geral dos teatros. Ibidem. Ibidem. penso que o público do D. A reacção do público do Teatro da Trindade aos diferentes espectáculos que aqui têm sido apresentados demonstra-o cabalmente no seu acerto e adequação tal como acontece com o público do Coliseu em relação ao de S. no sentido financei- ro do termo. p. Formigal considerava que o público do Trindade não se distinguia da audiência das outras duas salas que domi- navam o panorama operático lisboeta. transformando a sala num espaço des- sacralizado. o aristocrático São Carlos e o mais popular Coliseu dos Recreios. um “público da FNAT”. 13. p. Em certo sentido. da divulgação. tenho ouvido opiniões sobre ópera verdadeiramente “especiais”. como o circo. colocavam em causa princípios essencialistas sobre o gosto e a sensibilidade: E há um ponto em que devemos manifestar a nossa opinião. (…) É preciso não esquecer que todos os empregados por conta de outrem constituem o tal público especial do Trindade. 38.37 Em matéria de sensibilidade. Carlos é muito mais “especial”. As óperas do Trindade. 99 . não vou.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 100 A Ópera do Trindade da Trindade. E assim foi. Entrevista a José Serra Formigal (2001). lá foram alguns. é capaz de ir. não vai. O sucesso dos espectáculos da Companhia de Ópera do Trindade foi um indício claro da prossecução deste objectivo. sobretudo destinado às classes que tinham um bocadinho de médias. volta. E vai. Ibidem. E se for e gostar. e pelo próprio Serra Formigal. mas vamos lá a ver. embora também houvesse médicos e en- genheiros. empregados de balcão e de estabelecimentos vários.43 O depoimento de Celeste Martins possibilita a compreensão de de- terminados rituais que envolviam a sociabilidade no teatro. 42. Mas se puser a cinco mil reis. Lê aquilo e diz: isto não presta.Opera do Trindade. No primeiro ano esteve sempre cheio. ainda não vinham assim muitos. Ao enobrecimen- to da cultura popular era inerente a tentativa de distanciar um público específico. Ibidem. Operários? Encantado da vida.”42 Serra Formi- gal relatou ainda o modo como informou o Ministro Gonçalves Proen- ça da sua intenção de colocar os preços dos bilhetes a cinco escudos: A maior parte desta gente não está habituada a ir à ópera… Se eu puser ópera a trin- ta mil reis ou quarenta. de algumas ligações proletárias que não convinha ver reforça- das. com aspirações sociais ascendentes. Serra Formigal confirmou41 a predominância de empregados de escritório.39 A maior parte. Depois vai para o Trindade. segundo Celeste Martins40. funcionários públicos e também dos tipógrafos. os transportes não são fáceis. era constituída por empregados de escritório. o “Zé” lê aquilo: Quarenta paus. 40. 100 . À substân- cia das categorias profissionais acima indicadas é acrescentada uma descrição dos hábitos e práticas que as caracterizavam. Os espectadores eram convida- dos a preencher fichas de caracterização que atendiam especialmente à sua inserção profissional. depois o taxi. que não perdiam um espectáculo e que frequentavam 39. 41. à classe média baixa e aos que quisessem vir. Entre o público do Trindade era possível encontrar alguns melómanos do São Carlos. acrescen- tando que “o Teatro da Trindade era um teatro de divulgação popular. O director do Trindade elabo- rou na altura um pequeno inquérito. ópera? Isso é uma grande chatice. Entrevista a Celeste Martins (2001). 43. Não foi possível aceder às fichas de caracterização do público. as tais classes médias baixas. Às vezes perguntavam-me se era preciso vir de vestido comprido. aqueles que habitavam a mundanidade do Teatro de São Carlos. se sentia tímido perante os outros. Carlos. porque também não tinham. não era necessário vir de lacinho. (…) As pessoas tinham o cuidado de vir bem arranjadas. havia pessoas que iam mesmo ver a entrada do público. Claro que uma ida à ópera é sempre uma ida à ópera. o resultado de uma interpretação de imagens irradiadas por grupos de referência. 101 . as pessoas ficaram uma bocado desconfiadas se iria ser como no S.Opera do Trindade. negocia- da de acordo com a percepção que os elementos do público teriam acerca do comportamento correcto a representar naquela situação. (…) Ao princípio fazia-lhes muita confusão porque estavam habituados a ver as récitas no S. Carlos. Havia muita gente que nunca foi a S. na entrevista de Celeste Martins. porque quem tinha. po- dem vir compostos sem ser preciso trazer peles. Então às vezes via-se que as pessoas ficavam receosas. com vontade de virem mas. com vestidos até aos pés. Eu respondia que não porque era uma ópera para trabalhadores e não era obrigatório virem com as peles. Mas grande parte da sala de espectáculos estava pre- enchida com novos frequentadores. Também perguntavam se vinham de gravatinha e eu dizia que desde que viessem compostos. com as suas jóias. accionando. mesmo sendo para tra- balhadores e via-se que o público que ia para a galeria ou para o balcão de terceira. No Trindade procurava-se viver a democratização da ópera e das suas funções rituais: Havia muito entusiasmo porque havia muita gente que vinha aqui e que conhecia as óperas de ouvirem bocadinhos na telefonia. É perceptível. os dese- jados mecanismos de distinção social. Os contor- nos desta representação seriam. que as tragam e as exibam. na maior parte dos casos. Mas explicava-se que era ópera para trabalhadores. Entrevista a Celeste Martins (2001). atraídos pelas vantagens ofereci- das pelos espectáculos da FNAT. para elas isto era um deslumbramento.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 101 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos também o Coliseu. se as tiverem. se não as tiverem. então quando nós começámos aqui. trazia. com receio de não se sentirem bem ao pé das outras pessoas. as suas peles. Carlos. que a ópera foi uma opção eficaz da política cultural da FNAT. ao mesmo tempo. O con- tacto com um produto artístico pertencente a uma cultura dominante 44. mas nada de grandes exageros.44 Os espectáculos de ópera no Trindade eram momentos de forte socia- bilidade em que se realizava uma espécie de performance social. até porque o teatro era muito bonito. muita gente pôs isso em questão. era um deslumbramento. entre indivíduos de determinados grupos sociais. passando a ser um pretexto para exibir um novo estatu- to social. apesar de tal ini- ciativa não constar do plano inicial por si apresentado ao presidente da FNAT e ao Ministério das Corporações. Enobrecer a cultura popular A intenção do director do Trindade de “elevar” o nível da cultura popu- lar foi igualmente notória nas outras realizações que completaram a primeira temporada do Teatro da Trindade. O choque entre determinado ethos artístico cultivado. As demonstrações de agrado suscitadas pela generalidade dos espectáculos originaram alguns reparos por parte da crítica especializada. O director do Trindade resolveu ainda. Hugo Casais e Fernando Serafim (cantores). Maria Manuela Araújo. A familiaridade auditiva e o fausto visual faziam os encantos de um público deslumbrado com o espectáculo de ópera apresentado no seu formato mais tradicional. pp. Maria Teresa de Almeida.”45 O Trindade criou um público fiel. comentados por João de Freitas Branco. Os concertos sinfónicos. 13-14. apresentada mais adiante. Nesta primeira temporada. sem dúvida. momentos de ajuntamento de notáveis: “(…) a pessoa que não arranjasse bilhete para a estreia já não vinha. Álvaro Malta. segun- do o espectador mais “culto”. porque sabia que naquele dia lhe interessava vir. 102 . e um modo de participação no espectáculo que esta- ria mais próximo de manifestações culturais de natureza popular. e contando com alguns dos solistas portugueses46 mais conceituados. foram um sucesso de públi- co e de crítica. Relatório das Actividades do Teatro da Trindade relativas ao ano de 1963. Vasco Barbosa (violinista).Opera do Trindade. Entrevista a Celeste Martins (2001). presença assídua ao longo das tem- poradas. pelos grandes clássicos da ópera italiana que conheciam pelas passagens mais famo- sas. Fulano. Compreende-se. organizar um conjunto de quatro 45. 46. O espectáculo em si se- cundarizava-se. Fernanda Wandschneider e Nina Marques Pereira (pianistas). Ana Lagoa. o fascínio pelas estreias. assim. Cumpriam-se as finalidades da FNAT. é visí- vel no decorrer da descrição das temporadas. porque via o Sr. Havia uma inadequação do comportamento dos es- pectadores em relação a limites sociais e artísticos que definiam. Sicrano. produzido pelo próprio meio. As suas preferências passavam. a interacção numa sala de espectáculos de ópera. o Sr. Maria Cristina de Castro.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 102 A Ópera do Trindade solidificava determinadas trajectórias sociais. qxp 5/28/07 11:25 AM Page 103 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos concertos de câmara com a colaboração do Quarteto de Lisboa47 e do Trio de Lisboa48. pasta 313. de forma a aproximarmo-nos mais das “varietés”. Mara Abrantes. o director do Trindade introduzia “um número de características elevadas que pudesse ao mesmo tempo ser recreativo e cultural. constituem uma diversão que reúne nú- meros de várias espécies e não como entre nós é hábito. o público acabará por acorrer em maior número. de que os serões para trabalhadores. um desfile de cançonetistas que por não as termos em quantidade. Idem. mas apresen- tando o que considerava de melhor nessa categoria – Alice Amaro. 103 . Constituído por Antonino David. 15. normalmente apresentadas no estrangeiro e que. Formado por Leonor de Sousa Prado. a iniciativa não atraiu o público. Apesar da recepção crítica ter sido muita generosa. Entre os ginastas. numa aspiração de elevação do espectáculo”. especialmente a mais ur- banizada. até à data. p. Relatório das Actividades do Teatro da Trindade relativas ao ano de 1963. sem inviabilizar a vertente mais popular. números de bailado clássico. François Broos e Chaterine Heinz. resulta muitas vezes maçudo e insípido. pela riqueza cultural que proporcionavam. julgo que deverá insistir-se na organização de concertos semelhantes. Mário Camerini. prestidigitadores e palhaços.Opera do Trindade. Arquivo do Ministério do Trabalho e Solidariedade. 14. p. Ibidem. com a esperança fundada de que se continuarmos a dá-la. popularizados pela transmissão radiofónica.49 Apesar de o público não ter aderido a alguns espectáculos. As “variedades”.50 Desta forma. Nella Maissa e Pedro Corostola. Ibidem. sofreram também uma alteração cosmética: Os espectáculos que se realizaram nesta modalidade obedeceram à ideia de uma renova- ção do género entre nós. 50. A intenção de nobilitar a “cultura popular”. pois vale a pena o sacrifício financeiro e até moral de ver casas com tão pouco público para tão boa música. 48. o Grupo de Fernando 47. alargou-se ao espectáculo que. sobretudo devido à sua falta entre nós. Estas circunstâncias desfavoráveis não demoveram Serra Formigal de continuar o esforço: Dada a alta categoria desta música e a possibilidade que sinto dela ser apreciada e amada pelo público uma vez conhecida e destruindo o preconceito de intelectualismo e portanto aborrecimento que a tem cercado. João Maria Tudela –. constituíam o ponto alto. surgia Lurdes Norber- to a recitar poesia. p. 49. como se sabe. de real valor. tinha sido mais bana- lizado pela FNAT. 15. Serra Formigal defendeu a sua continuidade. todos. a sua boa movimentação no meio e a relação que mantinha com os seus diversos agentes. segun- do o próprio Formigal. como no Ministério das Corporações. No entanto. Foi a esta posição política que ficou a dever a possibilidade de construir um espaço de cultura feito à sua medida. conheciam as suas competências nos assuntos musicais e artísticos. quer políticas. que o director do Trindade desejava se impusesse a um conjunto de produtos provenientes de uma cultura massificada.”51 Serra Formigal relevava os produtos culturais “genuinamente popula- res”. e ainda os números de “carácter elevado”. no caso presente. isto se for possível. O modo como a FNAT se preparava para reconfigurar as po- sições do campo operático revelar-se-ia fundamental para um conjunto de percursos artísticos. 51. Ser- ra Formigal era também um homem de confiança política. O projecto do Trindade. radiofónica. muito saudados pela assistência: “os maiores aplausos foram sempre recolhidos pelos números de carácter mais ele- vado ou de sabor genuinamente popular. da pretensa autenticidade da cultura do povo. substância de uma nova cul- tura popular urbana.Opera do Trindade. durante os anos 60. quer musicais. que. ia entrando em Portugal. tanto na FNAT. veio criar uma estru- tura de oportunidades significativa para uma série de interesses que encontraram na iniciativa estatal um possível espaço de realização pro- fissional. Não havia dúvida de que o director do Teatro da Trindade fora escolhido para este cargo porque as pessoas responsáveis por essa opção. p. O Caso Ruy Coelho A constituição de uma Companhia Portuguesa de Ópera suscitou al- gumas reacções importantes. televisiva. ou o Grupo Folclórico da Casa do Povo de Almeirim. com uma carreira firmada na máquina corporativa e conhecedor profundo da problemática das políticas sociais.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 104 A Ópera do Trindade Pessoa. propul- sionada pelos meios de comunicação social. 104 . Ibidem. nascido da base. estabelecer uma clara linha divisória. cinematográfica. No contexto musical português. no sentido da tradição. 15. o poder do di- rector do Trindade era assinalável e apetecível. 52 A proximidade com António Ferro concedeu-lhe. p. Ruy Coelho escreveu uma carta ao ministro das 52. Mário Vieira de Carvalho. Lisboa. Relógio D’Água. João IV. A discussão acerca do modelo artístico do Trindade foi apenas o mo- tivo apontado por Ruy Coelho para demonstrar o seu desagrado pelo facto de tão importante iniciativa estatal dispensar os seus serviços. uma Companhia Portuguesa de Ópe- ra. Apesar da sua relevância. 1999. hoje Arquivo do Ministério do Trabalho e Solidariedade. 53. em 1946. pertencente à pasta 313. desde a base. tanto do ponto de vista estético como do político. em cuja face se encontra escrito “O Caso Ruy Coelho”. 176.Opera do Trindade. O conflito não se resumia à oposição entre dois homens mas. Com afinidades pessoais com alguns membros do grupo modernista do Orfeu. a defesa acérrima de uma arte nacionalis- ta nunca vingou no meio musical português. uma posição no meio musical erudito. O maior protagonista desta oposição veio a ser aquele que desde os primeiros momentos foi o compositor protegido do regime: Ruy Coelho. Razão e Sentimento na Comunicação Musical.53 Em 3 de Março de 1963. num envelope destacado. em 1940. sobretudo. Os documentos que retratam esta querela – um conjunto de cartas – estão agrupados no Arquivo do antigo Ministério das Corporações. através da FNAT. o compositor Fernando Lopes-Graça foi um feroz adversário de Coelho. bem longe do públi- co. Coelho viu as suas obras serem apresentadas com regularidade no mais nobre espaço lírico do país. política e artisticamen- te. Quando José Serra Formigal conseguiu. Noutro campo de batalha.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 105 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos Os maiores obstáculos à formação da Companhia Portuguesa de Ópe- ra irromperam de sensibilidades afectas ao universo cultural do Estado Novo. Conheciam-se as suas divergências com a família Freitas Branco. Ruy Coelho nunca conseguiu chegar a director do São Carlos e a sua posição no campo era combatida em várias frentes. ainda antes do início da primeira tempo- rada de espectáculos. A contenda ficou-se pelas instituições ministeriais. muito pelo facto de o regime não encontrar na música erudita um instrumento preferencial de propa- ganda. Ruy Coelho nunca se aproximou esteticamente de qualquer van- guarda. o apoio estatal para construir. Ruy Coelho insurgiu-se contra o tipo de proposta apresentada. 105 . especialmente devido às polémicas travadas com o compositor Luiz de Freitas Branco. apresentando a ópera D. ao confronto das lógicas que eles representavam. porém. A partir do momento em que o Teatro Nacional de Ópera passou a orga- nizar temporadas internacionais. As suas ligações políticas deram-lhe a honra de reabrir o São Carlos. 1. 55. demonstrativos da importância que atribuía a si próprio no interior do panorama do teatro lírico nacio- nal. de Alfredo Keil54.Opera do Trindade. e dando só a Serrana de 1899. Carta de Ruy Coelho dirigida ao ministro das Corporações.Alfredo Keil (1850-1907) Compositor e pintor. 106 . 56. porém. com a Exposição “30 Anos de Cultura Portuguesa. Ruy Coe- lho indignava-se com o facto de as suas óperas terem sido preteridas por uma obra do século xix. O assunto prendia-se com a escolha da ópera A Serrana. 3. Para enquadrá-las numa programação já organizada. que este tipo de argumentação era inoperante quando confrontado com os contornos políticos que delimitavam as actividades do Trindade da FNAT. Discordando da opção. foram blindados por uma argumentação que os legitimava à luz de al- guns princípios doutrinários do regime. A Coelho escapava. no já distante ano de 1927. Gonçalves Proença. Crisfal e Cavaleiro das Mãos Irresistíveis. desmentindo grosseiramente a afirmação feita pelo Secretariado Nacional da Infor- mação. para representar a ópera nacional na primeira temporada de espectáculos. pasta 313.”56 Para “estabelecer a verdade da cultura portuguesa”. p. p. constituía-se como um eixo da sua política de ocupação 54 . Rosas de Todo o Ano. eram o elemento acabado da ópera do regime. antes de ser um projecto cul- tural do regime. Ibidem. que. A posição e opções de Serra Formigal estavam salvaguardadas por mecanismos de legitimação pouco sensíveis à retórica nacionalista e interventora de Ruy Coelho. segundo a sua opinião. Os termos do protesto de Ruy Coelho. além de representarem a imposição de uma orientação artística. Coelho propôs que se reduzisse de dez para oito o número de apresen- tações das outras três óperas e da opereta A Canção do Amor. que se viria a tornar no hino nacional.55 Fora a sua Inês de Castro a primeira ópera cantada no nosso país em língua portuguesa. escrita e cantada em italiano. Ruy Coelho pro- pôs que fossem incluídas de imediato na programação do Trindade as óperas de sua autoria.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 106 A Ópera do Trindade Corporações. vai criar no espírito dos trabalhadores da FNAT a lição falsa e errada de que em 30 anos da política do espírito. O Trindade. Arquivo do Ministério do Trabalho e Solidariedade. Mas o afastamento das suas óperas repre- sentava mais do que uma simples ofensa pessoal: (…) excluindo as Óperas Portuguesas que foram criadas nos últimos quarenta anos. Foi o autor de A Portuguesa. não se criou Arte Nacional. pasta 313. no entanto. p. provavelmente por comunicação do próprio Ministério das Corporações. o director do Trin- dade respondeu através de uma “informação” expedida 15 dias depois. no ponto de vista em que este composi- tor se situa. afinal. julgou-se por bem organizar um “reportório atendendo 57. 8. Mas nenhum outro com- positor fez qualquer reclamação. o que sinceramente lamento. ao mesmo tempo. Ruy Coelho. O projecto do Trindade prosseguia o caminho da “política do espírito”. O primeiro argumento esgrimido infirmava a unani- midade que rodeava o compositor. em tom irónico. estando ciente da contra- dição inerente ao discurso de Ruy Coelho. sabia que.”57 Afirmando. que a presença num teatro modesto como o Trindade não poria em causa uma obra já tão conhecida pelo público e pela crítica. assim. ficava legitimado o afastamento de Ruy Coe- lho. ainda mais razão para reclamar. 18/4/1963. por diversas razões. Serra Formigal. Ruy Coelho”. Formigal adiantou que não percebia como este suposto afastamento poderia ser um atentado contra a “Situação”. 107 . empresa não redutível a proezas individuais: Mas principalmente. rejeitando. parece que só assim poderia pensar desde que o seu nome constasse do cartaz. sugerindo-se que Joly Braga Santos (1924-1988). parece-me que os factos são apreciados numa óptica errada se se confundir a política de espírito dos últimos trinta anos com a pessoa do Sr. […] Sem dúvida que o Sr. Ruy Coelho. o que não aconteceu com o Sr.Opera do Trindade. Ruy Coelho devia considerar que esta nova realiza- ção da FNAT é mais uma afirmação de política de espírito de que o signatário não é mais do que um executor mas. Ibidem. não era producente incompatibilizar-se com um compositor que ainda mantinha algum peso institucional. Formigal. se aproximava mais do ideal de compositor do regime: “Braga Santos é um compositor gerado na vigência desta situação política. Serra Formigal pretendia justificar o afastamento do compositor. e. Inteirando-se do conteúdo da carta de Ruy Coelho. as implicações políticas por ele sugeridas.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 107 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos de tempos livres. Com esta resposta. p. 58. Informação de Serra Formigal a propósito da carta de Ruy Coelho para o Ministério das Corporações. esteticamente mais moderno que Coelho.58 De forma diplomática. Arquivo do Ministério do Trabalho e Solidariedade. teria. referindo que “não se pretende lançar ao ostracismo o Sr. 6. teatro com o qual esta obra é feita em colaboração”60.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 108 A Ópera do Trindade a determinados critérios objectivos que poderão não ser os melhores mas que assim se afiguram a quem teve de decidir e que. A discussão entre Serra Formigal e Ruy Coelho permite vislumbrar a oposição entre dois modelos culturais vinculados a intervenções polí- ticas distintas. Ibidem. fora “bem aceite pela direcção do Teatro Nacional de S. 2. Carlos. Formigal justificava a sua es- colha. p.”61 As óperas seleccionadas correspondiam ao padrão indicado: Quanto ao “Barbeiro de Sevilha” e “Bohème”. 108 . bases de “espiritualização” necessariamente diferentes. O Trindade apre- sentava-se como um novo representante da “Política do Espírito”. 61. porém. 1. 1. 60. Esta tinha. tão fundamental para a valorização dos artistas portugueses. nomeadamente quanto à opção de A Serrana para a primeira temporada de espectáculos. Ibidem. exigiu de For- migal uma justificação mais prolongada: “A mistura de ópera e opereta 59. género considerado menor. em detrimento das óperas de Ruy Coelho. Carlos como a superior aprovação de Vossa Excelência. parece não haver quaisquer dúvidas de que são obras que o público de todo o mundo de há muito consagrou e constituem alimento músico-dramático de vastas camadas populares. Ibidem. Ibidem. p. Salientando que o modelo popular do Teatro cor- porativo. além disso mereceram a concordância não só do Teatro Nacional de S. São obras obrigatórias de todos os repertórios e de todos os elencos.”59 Serra Formigal construía.62 A escolha de uma opereta. possibilita esclarecer o processo de comunicação artística idea- lizado para o Trindade.Opera do Trindade. tem qualida- de musical e chama simpàticamente a atenção do público menos culto para a figura daquele grande compositor. servin- do-se de melodia de Schubert e romanciando um episódio da sua vida. p. com o apoio do Ministério das Corporações e a necessária dependência do São Carlos. ou seja. a sua legitimidade política e artística. A explicação do director do Trindade para justificar a es- colha do reportório. afirmando que a selecção do reportório atendera a “dois factores: que as obras fossem ao mesmo tempo de fácil apreensão pelo público. 5. A opereta “Canção do Amor”. p. 62. de gosto popular e que facultassem aos cantores o possível luzimen- to. de difícil relação com o público. talvez. 65. Papini representará. Na sua retórica. nem a música nem o gosto do público.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 109 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos (não na mesma noite.65 63. Nunca faltam nem público nem aplausos desde que o desempenho seja suficiente. a música de cariz popular de inspirada linha ro- mântica e melódica. os bel-coros. 3-4. Ibidem.”63 A defesa da opção A Serrana seguiu o mesmo juízo argumentativo: Não se dirá que “A Serrana” seja a melhor ópera portuguesa. Ibidem. p. Serra Formigal afirmava que Coelho era um autor demasiado moder- no. o sentir geral do públi- co médio de ópera – é sabido que tal público é regra geral conservador nos seus gostos – quando afirma que. uma ópera ideal para res- ponder com eficácia aos objectivos sociais da FNAT. 109 . e cuja obra devia ser apreciada por públicos mais selectos: Claro que esta é uma opinião [sobre A Serrana] que.Opera do Trindade. claro) faz-se lá fora em teatros categorizados cantando e representando opereta grandes artistas… pelo que penso que este facto não poderá ofender. p. As representações a que assistimos. correspondiam a um modelo estético concebido para suscitar a adesão do público. o assunto muito português. mas julgamos não es- tar longe da verdade ao afirmarmos que é aquela que mais tem concitado o aplau- so das camadas populares. 4. numa iniciativa que tem ne- cessàriamente de conquistar a adesão do público a que se dirige e portanto ir ao encontro dos seus gostos. à semelhança das óperas do património romântico clássico. na ópera. não terá validade mas não podemos ignorar as preferências dos pú- blicos médios e populares pelas óperas “românticas”. artisticamente e num plano de elites musicais. prefere beber sempre o vinho velho embora por odres novos. levam a uma adesão fácil e proveitosa para a arte lírica por parte dos que não estão iniciados nem familiarizados com linhas de evo- lução estéticas mais modernas. Ibidem. pp.64 As características formais que tornavam A Serrana. 64. entre nós. designadamente no Coliseu dos Recreios assim o demonstraram. o li- breto com interesse dramático. 4. As obras de Ruy Coelho não preenchiam este desígnio. qxp 5/28/07 11:25 AM Page 110 A Ópera do Trindade O património romântico do século xix. Os limites do espectáculo corporativo: as actas do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade A comunicação músico-teatral que enformou as temporadas de ópera do Trindade representava uma opção entre várias alternativas.66 Não seria a “modernidade” de Coelho que incomodava o director do Trindade. em larga medida. Lógica que. o modelo de comunicação que esta subsumia chocava com o projecto da FNAT. Desta correspondência com a sensibili- dade do público dependia a eficácia ideológica da iniciativa cultural. 4-5. 67. 110 . ocorreu uma sobreposição quase ideal das metas da FNAT e de uma prática empre- sarial europeia cuja produção. Neste âmbito. na memória sensível do público. património músico- -dramático que permanecia. Ibidem. se aproximava do gosto de Serra Formigal: E não se diga que a ópera do século xix não tem qualidade artística já que ela cons- titue ainda a parte mais vultuosa em todos os repertórios dos principais teatros do mundo. nos seus momentos mais grandiosos. a “Serrana” a uma ópera portuguesa de autores contemporâneos. como afirmámos. O Trindade foi pensado como um espaço de cultura recrea- tiva para compensar as aspirações sociais dos seus espectadores e não um local de doutrinação nacionalista. Era também a tradição musical mais adequada às capacida- des interpretativas dos cantores portugueses. nesta primeira temporada. Além de não apreciar. embora renegada por algumas elites. nunca foi preconizada pelo regime. Do ponto de vista for- 66. a obra do compositor. especialmente o italiano e o francês.Opera do Trindade. Serra Formigal explicara as condições da sua proposta. Por isso preferimos. foi a fórmula indicada para o director do Trindade chegar ao mercado.67 A obra de Coelho não cabia ao lado das grandes óperas românticas do século xix. integrados necessàriamente em estéticas mais modernas mas também menos apreensíveis para quem toma os primeiros contactos com a arte lírica. pp. a exteriorização de uma censura política e formal. do encenador. o papel do dramaturgo. se na ópera o modelo sócio-comunicativo permitia aceitar a prática censória. eufemizada pelo nome institucional atribuído ao conselho. No entanto. a sua concepção cénica e a língua em que era transmitida.”68 A função social a que Serra Formigal se referia relacionava-se com a natureza pedagógica e didáctica da arte dramática. desde as peças representadas nos grandes espaços urbanos à enorme rede de pequenos teatros amadores e populares que interessava laborassem dentro de um registo inofensivo. Arquivo Serra Formigal. Serra Formigal estabeleceu que o teatro seria uma prioridade: “Julgamos que o teatro.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 111 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos mal. harmoniza- vam-se com os objectivos da instituição que os sustentava. A virtude da opção descartava outras hipóteses incompatíveis com as atribuições do Trin- dade. deve ter o primeiro lugar no que se refere à ex- tensão da respectiva temporada. O teatro discu- tia-se em jornais e revistas. 68. mas mui- to problemático se a sua mensagem não fosse controlada. aos reais interesses dos cantores portugueses. suscitava uma dis- cussão que. 6-7. não sendo. pp. Como as temporadas de teatro no Trindade foram concessionadas a uma companhia externa. A preferência ajustava-se aos desejos da maior parte do público. dos empresários. deste modo. No Plano Geral de progra- mação da primeira temporada de espectáculos. 1962. Serra Formigal. O teatro era a arte do texto verbalizado. quase sempre. instrumento útil em determinadas circunstâncias. redundava na função social da arte dramática. a organização das temporadas teatrais exigia outras cautelas. 111 . a escolha do grande reportório romântico do século xix garantia a compatibilidade com um determinado gosto comum. Serra Formigal decidiu criar um Conselho Consultivo para discutir as peças levadas à cena. Os promotores do Trindade optaram por um modelo operá- tico que não implicava. Plano Geral para uma Programação Anual do Teatro da Trindade. a origem artística e natureza da obra.Opera do Trindade. um teatro de ópera financiado pelo Ministério das Corporações. dos actores. como convinha à FNAT. consultivo. A evolução das técnicas teatrais. O modelo de espectáculo proposto. pela função social que representa. O teatro era um foco de preocupação. Esta prática censória. encenado e apresenta- do ao público português na língua portuguesa. necessária uma preocupação censória com o produto e a encenação. e aos gostos sinceros dos próprios organizadores. no relatório que apresentou à direcção da FNAT acerca do primeiro ano de espectáculos. procurava reunir o interesse institucional com a preocupação de apresentar espec- táculos de “nível elevado” que conseguissem suscitar o interesse do pú- blico da FNAT. ou seja. se considerassem representantes de um “bom teatro”. Se a peça é elevada do ponto de vista li- terário e dramático. no papel de mediador entre uma posição artística que partilhava com os outros membros do Conselho e as obrigações impostas pela lógica política e social da FNAT. surge então o problema de poder ser perigosa. então a FNAT não está a cumprir a função de divulgação cultural que lhe incumbe.Opera do Trindade. se a peça trata problemas de maior profundidade moral. O conteúdo das actas expõe ainda os limites temáticos e formais impostos a todos os tipos de espectáculos. 112 . finalmente.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 112 A Ópera do Trindade não significava que Formigal abdicasse de apresentar obras que. psicológica ou político-social.69 69. A opinião de Serra Formigal. algumas considerações sobre as responsabilida- des particulares da sua iniciativa: Estas reacções da crítica evidenciam um dos problemas mais difíceis em toda a explo- ração do teatro. O grupo de notáveis que julgava as peças propostas pela companhia de teatro. As apreciações dos membros do Conselho são a expressão destas contradições. revelou-se bastante significativa. A lógica selectiva do Conselho Consultivo foi atravessada por algu- mas das contradições inerentes a todo o projecto do Trindade. pp. den- tro dos critérios institucionais. A reacção negativa da crítica especializada a O Milagre da Rua. comé- dia dramática popular de Costa Ferreira. pasta 313. à qual a concessão do Trindade estava atribuída. sugeriu ao director do Trinda- de. As condições políticas e formais impostas à arte dramá- tica foram a expressão visível dos contornos intransponíveis da política corporativa seguida no Trindade. logo aparecem os críticos que a consideram inviável para o “público da FNAT”. Relatório das Actividades do Teatro da Trindade relativas ao ano de 1963. As actas dos três primeiros anos de trabalho da direc- ção do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade revelam os critérios que enformavam a opção artística dos promotores das temporadas de espectáculos. a escolha das peças. 8-9. se a peça tem características mais populares. Não é justo caracterizar este Conselho exclusivamente pelo seu carácter censó- rio. Arquivo do Ministério do Trabalho e Solidariedade. Arquivo do Teatro da Trindade. licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras de Lisboa. consequentemente. Saragga Leal. p. 1. de Alfre- do Cortez. entre outras actividades culturais. 1. mas também a sua adequação para o público especial a que se desti- nam. 113 . presidente do Conselho Con- sultivo. à qual fora atribuído o subsídio do SNI e. Domingos Mascarenhas exerceu as funções de crítico cinematográfico na Emissora Nacional. Domingos Mascarenhas. exigia uma harmonização dos referidos critérios. Arquivo do Teatro da Trindade. Deste resultou um diálogo com Eduardo Salgueiro sobre os fundamentos de uma “filosofia portuguesa”. Acta n. O critério do eclectismo condicionado pela depuração política e formal foi assumido na primeira acta do Conselho Consulti- vo. Orlando Vitorino e Afon- so Botelho.71 Registe-se a ligação de alguns destes elementos. 1. Afonso Botelho. e. Pinharanda Gomes. Orlando Vitorino. p. apoiante da causa monárquica. que se adequava pelo “sentido construtivo no plano moral que é apresentado de forma clara. entre os quais se inclui o próprio Serra Formigal. foi considerada “demasiado epocal e com dificuldades de compreensão para o público constituído pelos beneficiários da FNAT. 9. “não só o valor literário e dramático das peças. Afonso Botelho. o Oiro. no Gabinete do Director do Teatro da Trindade.o 7 do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 113 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos O “bom teatro” defendido por Serra Formigal resultava de uma natu- ral filtragem: Claro que toda a regra tem excepção e que no meio é que está a virtude. Ibidem. a concessão do espaço do Trindade. licenciado em Ciências Histórico-filosóficas pela Faculdade de Letras. a preocupação que nos deve nortear na escolha das peças deve basear-se num critério amplo e ecléctico. vice-presidente da Junta de Acção Social.Opera do Trindade. 74. 24/4/1964. e Beker da Assunção. 71. p.”73 A análise colectiva a que foram sujeitas as peças da Compa- nhia de António Couto Viana. 72. Ibidem. acessível à generalidade do público. chefe da repartição de Programação da Emissora Nacional tornam-se membros permanentes do Conselho Consultivo em 1964. 1 75. em sua substituição. dramaturgo.70 A 9 de Novembro de 1962. Este diálogo alargou-se na década de 1950 e 1960 a pensadores como António Quadros. 73. António Telmo. Era sua tarefa apreciar. um dos teóricos da filosofia da saudade. reuniram-se. e os vogais. Orlando Vitorino ou António Braz Teixeira.”75 O Con- 70. ensaísta filosófico.”74 Foi indicada. Acta n. 13/11/1962. com exclusão de peças especialmente vanguardistas e herméticas ou ainda polí- tica e moralmente desaconselháveis. portanto. p. O Grupo da Filosofia Portuguesa formou-se a partir da obra O Problema da Filosofia Portuguesa. peça do mesmo autor. ao chamado grupo da Filoso- fia Portuguesa72. filósofo e dramaturgo. publicada em 1944 por Álvaro Ribeiro. e assim julgo que. A peça Os Gladiadores. Ibidem. p.o 1 do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade. José Serra Formigal. 78. uma transposição cultural para se adequar à actualida- de.”76 A discussão acerca de Os Tecelões. 114 . 80. com toda a certeza. 1. A obra debruça-se sobre um “conflito entre operários e em- presas apoiadas pelo governo”. considerou-se que “o conflito de que trata exige. Arquivo do Teatro da Trindade. mas. a um entendimento que pode ser indesejável. Arquivo do Teatro da Trindade. antes. de Francisco Ventura: “Apresenta uma estrutura dramática susceptível de proporcionar um espectáculo com emoção e de comunicabilidade com a sensibilidade do público. p. com acentuada tendência socialista. narra “uma tragédia em que o conflito é a oposição entre os interesses do Estado e as razões do amor. não seria apenas o problema da conquista do público que levou à exclusão de certo património contemporâneo. 79. Foi Prémio Nobel da Literatura em 1912. já que “possui numerosos motivos que a recomendavam. da parte do espectador. desa- conselham a representação desta peça e sobretudo a transposição cultu- ral que o conflito exige do espectador é difícil de obter e presta-se. o modo como determinadas obras pretendiam re- verter o espectador para o seu quotidiano. Agnes Bernauer.”78 A transposição da temática das obras para a actualidade social e polí- tica – algo que poderia ser feito através da encenação – devia ser evitada a todo o custo. além das dificuldades de realização determinadas pelo grande número de personagens. Acta da segunda reunião do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade. o Conse- lho irá considerar a peça Uma Rapariga Moderna. p.o 2 do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade.79 A função pedagógica do teatro. desde que o “bem e o mal” estivessem devidamente identificados80. p. pois tinha um nível artístico e literário aceitável. e da arte em geral. Tome-se o exemplo das encenações das peças da dupla Bertold Brecht/Kurt Weil. a encenação do conflito. defendendo bons valores familiares e sociais. elucida acerca de outros limites que o Trindade não podia ultrapassar. o clima e a forma como o tema é conduzido. p. Apesar do seu “inegável significado his- tórico-teatral”. a descrição 76. 1. admitia. 2 77. para uma boa expressão da vivência corporativa. era completamente representável e ofe- recia especiais recomendações pelo aspecto social da sua intriga que defende e propugna a responsabilidade do patronato nos problemas do trabalho. 5/2/1964. Acta n. de Francisco de Azevedo.” Acta n. Este princípio era aplicável a qualquer tipo de espectá- culo.” Embora os motivos que justificaram a rejeição da peça fossem logísticos. e que o epílogo conclusivo expressasse com clareza de que lado estava a razão. Ibidem.o 6 do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade. Preparando a temporada de 1964. 13/11/1962. Gerhart Hauptmann (1862-1946).qxp 5/28/07 11:25 AM Page 114 A Ópera do Trindade selho recomendou ainda O Crime. peça do teatro naturalista.Opera do Trindade. poeta e dramaturgo alemão. muito apropriada para subir ao palco do Trindade. 1. No caso da ópera. de Hebbel. de Hauptmann77. pela sua subtileza” ser de “difícil apreensão para um público a iniciar no teatro. Arquivo do Teatro da Trindade. Acta n. 2. seria. 13/11/1962. p.84 O nível das obras não agradava.” Acta n. com proveito artístico e cultural. Ibidem.o 9 do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade. Elliot. 83. 1. por uma ou outra razão seria talvez mais difícil encontrar obras que satisfizessem os fins apresentados pelo Presidente. p. “ (…) depois de se ter verificado que entre os outros dramaturgos contemporâneos.”85 Amor. por isso. 115 .o 9 do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade. de T. proposta ao Conselho por Afonso Botelho. considerada por todos uma obra excepcional. 8/5/1964. o que ainda torna menos explícitas as ideias nela ex- postas.Opera do Trindade. 85.”82 Na preparação da temporada de 1963. “apresenta personagens e situações que de modo algum são compatíveis com as finalidades educativas da FNAT. p. Arquivo do Teatro da Trindade.”81 Estas ideias eram transmitidas por um tema central que se desenvolve “na boa sociedade britânica através de dois adultérios que não são suficientemente explicados nem condenados.S. p. O director do Trindade repete argumen- tos anteriores: (…) devido precisamente ao carácter cultural e estèticamente vanguardista que pos- sui. p. ou o seu conteúdo era susceptível de gerar mal-entendidos. de Améri- co Durão. Acta n. espectáculos deste género.o 4 do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade. O Preço do Pecado. É visível o esforço do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade para justificar a recusa das peças com outros critérios que não apenas os políticos e doutrinários. 13/1/1964. foi rejeitada por Serra Formigal. 8/5/1964. Cocktail- -party. de Au- gusto de Castro. 2.83 Na elaboração das temporadas foi notória a dificuldade de apresentar peças portuguesas consideradas adequadas. a peça O Homem do Quiosque de Tomaz de Figueiredo. apenas Domingos Monteiro e Eduardo Schwal- bach pareciam preencher os requisitos. Arquivo do Teatro da Trindade. pelo facto de a “linguagem da peça. Acta da segunda reunião do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade. 2. 82. 2. também não sobreviveu. Dos autores portugueses. peca 81.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 115 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos do enredo evidencia que o conflito entre o “Estado” e o “amor” não era adequado a um teatro que fazia do entendimento entre o “Estado” e a “alegria” o seu princípio fundamental. mais conveniente aguardar o prosseguimento das actividades culturais da FNAT até ao momento em que esse público já esteja preparado para se lhe poderem apresen- tar. causaria decerto estranheza ao público habitual do Trindade. 84. p. Anouilh estão cheias de episódios ridículos.o 15 do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade. 24/11/1965. saturado de preconceitos políticos.o 12 do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade. Acta n. Arquivo do Teatro da Trindade. Os mem- bros do Conselho Consultivo queriam realizar a sua tarefa com digni- dade. 88. p.”88 Num contexto em que a procura teatral reagia melhor a de- terminado tipo de produto contemporâneo do que a obras de certo pendor clássico. (…) É de notar que.”87 O Conselho procurou. Serra Formigal acabará por referir que interessaria inovar o tipo de peças que Couto Viana sugeria. no entanto. A posição que tinham perante o espectáculo dramático não era a de simples apreciadores mas de conhecedores profundos. Couto Viana. implícitos. Justifica- vam-se algumas recusas por outros motivos que não os políticos ou os formais. Arquivo do Teatro da Trindade.”86 A selectividade do Conselho Consultivo do Teatro da Trindade impu- nha. que terão de ser de autores contemporâ- neos. salvaguardando a sua pureza artística. Seria de recomendar a escolha de algumas peças de “choque”. salvaguardar uma certa autonomia da representação artística perante uma função institucional de controlo que teria de representar. As Mulheres Tam- bém Perderam a Guerra. 116 . 10/2/1965. embora ambos estivessem. assim. 1. 1. 87. considerou o dramaturgo francês Jean Anouilh como um grande representante do teatro de tradição clássica. com a referência de que saíra “incólume de todas as tentativas de engagement perante a política em outros domínios ex- trínsecos à arte teatral. a valorização e a desvalorização de J. em inquérito promovido 86. quase sempre. À filtragem política e cultural das peças de teatro seleccionadas te- ria de se acrescentar algumas preocupações em apresentar um produ- to que se integrasse com êxito no mercado dramático da época. além do desenlace merecer “um conceito mais reflectido de amor. no nosso ambiente cultural. já que era nítida “uma sensível tendência classicista na escolha do reportório. alguma depuração aos seus argumentos.Opera do Trindade. Acta n. contra a proibição a que tinha sido submetida pela censura. 2. tornava-se urgente criar condições que levassem a uma melhor relação com o público.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 116 A Ópera do Trindade pelos “diálogos demasiadamente longos em relação às possibilidades de receptividade do público do Trindade”. p. O Conse- lho defendeu a representação da peça de Malaparte. Ibidem. entre uma restrita vanguar- da experimental em crescimento. deste modo. referiu que “a arte deve colaborar no movimento de transformação das estruturas. de modo diverso. não havia. simultâneamente: Bertold Brecht pode ser entendido por todos os públicos.. Tome-se o exemplo da resposta de Bernardo Santareno e Fiama Hasse de Pais Brandão ao mesmo inquérito de O Tempo e o Modo. Santareno afirmou: “O Povo tem que ser educado nas novas formas estéticas. 137- 138. No caso da ópera.Opera do Trindade. já que tanto ao nível da proposta estética como das relações políticas existia bastante variedade.” Inquérito a Bernardo Santareno a propósito do teatro. a efeitos cénicos.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 117 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos pela revista O Tempo e o Modo. Função didáctica. revelava-se um cultor do gosto clássico. Noutro re- gisto. a sensualidade grosseira. p. exprimindo a vontade de substi- tuir uma tendência classicista por outra mais contemporânea. com produções de baixo custo. Pode-se ser simples e ter nível artístico. em algu- mas franjas da capital. O Tempo e o Modo. num projecto em que os espectáculos tinham uma função instrumental. um público firme. n. Junho de 1963. a propósito do teatro. uma alternativa real de consumo para certos estratos da população. a lisonja ao gosto da revolta e à crítica fácil (…) O dramaturgo não pode sujeitar-se à mera preocupação do êxito. Junho de 1963.o 6. 117 . diversa em si mesma90. mesmo pelos mais rudes. pelo “provincianismo basbaque”. 91. portanto. O Tempo e o Modo. pp. 139-140. a concorrência era forte. 89. conquistar.” Inquérito a Fiamma Hasse de Pais Brandão a propósito do teatro. e um teatro ligeiro muito vulgarizado. pp. 90. ins- tintivistas. n. n. Junho de 1963. por conseguinte. É essencial não tomar o teatro experimental de forma unívoca.o 6. com peças actuais. em condições por excelência de en- sino e divulgação de um tipo de comportamento. Fiama Hasse Pais Brandão.91 Couto Viana condenava as novas tendências teatrais pela sua “ausência ideológica responsável”. tentava captar um público atraído por um teatro independente quase sempre ideologicamente distante do regime. Formigal. ensinando os homens a transformá-las. iam surgindo em Lisboa pequenos teatros de cariz experimental. O Tempo e o Modo. No teatro. não se constituía como um elemento acessório.89 O êxito. 129. Ei-lo. nem se baseia puramente nos preconceitos interesseiros e primários do público (por exemplo: um baixo sectarismo político. etc. modernas na estética e na temática. Inquérito a Couto Viana. por seu lado. que conseguiam. sensoriais. com a excepção do Coliseu. A tendência conservadora e clássica de Couto Viana competia com o te- atro ligeiro a que o Trindade não queria fazer concessões. a recursos circenses.o 6. já que o São Carlos permane- cia inacessível. As produções de Couto Viana no Trindade encontravam-se. pouco condescendente com experiências formais ou cedências comer- ciais: O teatro não se restringe a espectáculo. pela “privação de uma tradição dramática”. subsidiado pela Fundação Ca- louste Gulbenkian. em Portugal. A ópera como instrumento da política social apresentava. cit. Ao contrário da orquestra e do coro da Gul- benkian. 93. afirma que “o Grupo Experimental de Ópera de Câmara propõe-se a lançar os 92.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 118 A Ópera do Trindade pelo “amadorismo de ‘capelas’” e pelo “formalismo. por exemplo. op. O crítico João José Cochofel. integrados na orgânica da Fundação. As dificuldades de Serra Formigal em seleccionar peças publicamente competitivas demonstraram que os limites políticos impostos à escolha colocavam entraves importantes a um exercício moderno de regulação social. Inquérito a Couto Viana. contem- porânea da iniciativa da FNAT. Um modelo operático alternativo: o caso do Grupo Experimental de Ópera de Câmara (GEOC) A comparação da concepção cultural que presidiu aos espectáculos or- ganizados no Trindade com outra proposta de teatro lírico. mais frágil. deste modo. onde estava também sediada. Para os grupos sociais a atingir pela iniciativa da FNAT não havia uma significativa alternativa operática no mercado.”92 O director do Trindade teria. no declamatório. A existência do GEOC parecia ser. Francisco Menano.. por conseguinte. permite um olhar mais profundo sobre alguns dos fundamentos artísticos da Companhia Portuguesa de Ópera.93 No movimento de reforma cultural dirigido pela Fundação Gulbenkian. O GEOC fora criado por iniciativa de Filipe de Sousa. em esquisiti- ces e sensações.Opera do Trindade. Manuela Menano e Hugo Casais. 129. 118 . Germana Medeiros. é útil analisar a actividade do Grupo Expe- rimental de Ópera de Câmara (GEOC). no sentimentalismo. que se baseia na espectacularidade. a ópera foi apoiada de forma a possibilitar a constituição de um grupo experimental. p. a base para algo mais ousado. O pa- norama da ópera era muito diferente. a ópera e o bailado afirma- vam-se como actividades exteriores. no entanto. a partir de 1957. de pensar os seus espectáculos face a estas condições de mercado. uma autonomia mais estável. Perseguindo este objectivo. para alguns agentes do meio. A sua autonomia financeira era. Filipe de Sousa. tem passado desde os primeiros anos deste século por um processo de renovação de estéticas. n. Ibidem. Esta distinção entre o projecto do GEOC e os outros espaços líricos era a expressão de lógicas que. funcionamento regular e descentralizado. Filipe de Sousa. nas artes. 62. em artigo para a Colóquio Artes 95. Outubro de 1963. a impor- tância. atitude de modernismo mais preocupado com a “actualidade” do que com a “sinceridade” da obra de arte. de princípios e de conceitos.Opera do Trindade. Arte Musical.o 25. Aos novos prismas de visão e interpretação do mundo actual. profissionalização dos elencos. 96. novos símbolos e novas linguagens.”94 Na apresentação pública da Companhia Portuguesa de Ópera do Trin- dade. 95. atravessando os campos artísticos. caracterizada pela “multipli- cidade caótica de todos os ismos. João José Cochofel. versão para a nossa língua do repertório estrangeiro. processo histórico social e geograficamente desigual.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 119 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos alicerces de uma companhia portuguesa de ópera. e mais propriamente dito. mencionou. Apesar das semelhanças apontadas. que traduz e reflecte aspectos e problemas de uma nova época e de um novo comportamento do homem perante valores essenciais. das transformações por que passou a arte dramática desde o princípio do século: O teatro. um dos grandes respon- sáveis pelo GEOC. fundamental para a ópera. Agosto de 1962. mediante a consolida- ção de um certo número de pressupostos.o 137. No interior da generali- dade dos universos da arte discutia-se as condições de autonomia da criação. por dois motivos princi- pais: o trabalho de itinerância feito na província e a sua relevância para o enriquecimento das carreiras dos cantores portugueses. pp.96 A ruptura que Filipe de Sousa descreveu. novas temáticas. p. “A propósito da Ópera de Câmara”. transcendiam as nossas fronteiras. os parâmetros do debate foram influenciados pelas transformações que ocorreram no género teatral. estímulo à produção operática nacional. n. dentro de uma constante geral que foi a atitude anti-romântica de reacção a um passado próximo e. correspondem. p. Na ópera. é essencial pensar que o signifi- cado das duas iniciativas no meio musical português era substancial- mente diferente. 62-64. ao mesmo tempo. de todas as técnicas e atitudes experi- 94. o teatro lírico. 119 . Serra Formigal referiu várias vezes a inspiração que este grupo experimental provocou na nova companhia. Colóquio Artes. 114. equilibrados e correspondentes. 98. exigiram lutas e com- promissos de outra ordem. O processo de autonomização da arte não atingiu as diversas actividades artísticas de forma semelhan- te. Ibidem. Fundidos numa arte de harmonia – e encenação – esses elementos (a palavra.Opera do Trindade. dados os custos inerentes ao seu processo criativo. A defesa dessas novas condições estaria relacionada com os contornos da proposta artística: O teatro. institucionais e comerciais. a luz) tornaram-se então elementos “músicos”. adereços. A pintura. conseguiram. Ibidem. iluminação. quase sempre. a linha. é uma rea- lização fatalmente anti-económica que se tornou. p. ou mesmo a literatura. não é menos real que essa idealização só podia ser concretizada porque existiam condições objectivas que possi- bilitavam um trabalho artístico autónomo de dependências financeiras. ce- nário. com maior rapidez. alinhados todos no mesmo propósito de “reteatralizar o teatro” dentro das novas concepções de vida e do homem. a ópera. em especial. que a “reteatralização do teatro” resultava de uma interpretação de novas con- cepções da vida e do homem. no caso específico do teatro. p. sempre precária. dos campos artísticos. que podia ter surgido 97. presas de todos os conservantismos. iniciativa oficial desde o século passado [século xix]. jogo cénico. a cor. de forma progressiva. 120 . uma independên- cia que nos casos do cinema.98 A exploração profunda das diversas formas que constituíam um dis- curso teatral foi possibilitada pela autonomização. portanto. 63.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 120 A Ópera do Trindade mentais”97. políticas. 62. esta revolução processou-se simultâneamente na procura de um equilíbrio ou simbiose perfeita de todos os elementos (texto. Não era.) e na renovação de conceitos estéticos. etc. do teatro e da ópera. expressava a evolução da profissão de artista e o nascimento de um mercado consumidor que permitiu. figurinos. uma maior independência da criação: No teatro – arte total –. o movimento. A sobrevivência de uma nova arte teatral e seus correlativos operáti- cos implicava a correspondência da ruptura formal anunciada com as condições materiais que proporcionassem a sua concretização efectiva. como refere Filipe de Sousa. Se é verdade. como todas as manifestações musicais e. por isso. no grande teatro e na grande ópera oficiais. de um mesmo todo. de Menotti. Ibidem.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 121 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos tamanha revolução de princípios e de estéticas. porque suportado pela Gulbenkian. nas páginas da Arte Musical.Opera do Trindade. 121 . a propósito da repre- sentação de O Telefone. marginalizado. surgiam em Lisboa em grande actividade. muitos deles fundados por alguns dos grandes reformadores da cena actual: ali se puseram em prática os novos princí- pios. o compositor considerou que à actividade dos conjuntos experimentais se deviam grandes progressos artísticos. Ape- sar do atraso. mesmo tra- tando-se de agrupamentos reduzidos. aos teatros de arte. Tal condição era responsável. que a natureza do teatro lírico não proporcionava. Assumia-se como primordial o incentivo a uma prá- tica itinerante. num contexto em que o investimento em grandes infra-estruturas para uma ópera modernizada se verificava apenas em alguns Estados euro- peus. favore- cendo uma aproximação moderna do espectáculo com o intuito de criar um novo público. foi possível ver reflectida esta exploração formal. 63. o grande motivo criador da ópera contempo- rânea. p. pela falta de correspondência na ópera. tinha a obrigação de proceder em antítese ao que se ia fazendo na ópera em Portugal. Ávila defendia. à semelhança dos intérpretes nacionais: 99. na entrevista que nos concedeu. a condição do encenador português de ópera101. segundo Filipe de Sousa. obviamente favorecida pelas dimensões das Compa- nhias Experimentais. deste modo. uma organização tão rápida e pouco onerosa como os grupos de teatro experimental. Era evidente. A partir de pequenos agrupamentos. ali se operou a revolução das artes do espectáculo. O GEOC. Em Portugal. “dos pro- blemas estéticos e da verdadeira cultura musical do nosso tempo”. Esse papel coube aos pequenos palcos experimentais. destacando a encenação de Carlos Wallenstein. Serra Formigal. 63. 100. porém. mesmo na condição ideal de teatro lírico experimental. Humberto d’Ávila foi fundador da Juventude Musical Portuguesa. p. referiu a importância que os pequenos conjuntos conferiam à encenação. 101. Humberto D’Ávila100.99 O equivalente operático a estes teatros experimentais que. entre os quais se encontravam João de Freitas Branco e Joly Braga Santos. pelo Grupo Experimental de Ópera de Câmara da Fundação Calouste Gulbenkian. afirmou que Humberto d’Ávila fazia parte de um grupo de amigos que semanalmente se reunia. na década de 60. Ibidem. estava representado pe- los conjuntos de ópera de câmara. crítico musical e vice-presidente da Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio. era essencial criar condições para a subsistência destas companhias. por haver impedido até agora a prática corrente em todos os países civilizados da tradução dos libretos. a fim de popularizar os espectáculos de ópera e conquistar para eles novas plateias. e concomitante relação com o mercado. 122 . dificultava tal liberta- ção. normalmente subalternizadas ou fixadas por convenções. com as especificidades inerentes. O debate que envolvia a encenação das óperas possibilita destrinçar algumas das posições no meio musical português. O encenador era uma figura emergente no contexto operático moderno. transformando-a criativamente. 103. e nisto estamos a pensar globalmente no São Carlos. se a crítica não quiser fazer frente comum contra o snobismo culto. Pro- cesso ligado à autonomia da criação artística. na verdade. por o seu trabalho se revelar muitas vezes abaixo daquilo que costuma ser para o “seu público”.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 122 A Ópera do Trindade A vinda de alguns encenadores estrangeiros ao nosso País. historicamente condicionados a 102. por exemplo. Humberto D’Ávila. à sua escala. ainda. dadas as distintas neces- sidades dos modelos de produção. a ideia de mise-en-scène. por nada aproveitar à formação de artistas nacionais. contagiou outras artes. no interior de um género lírico cuja autonomia esteve quase sempre condicionada por opções políticas e económicas. e. do espectáculo. e continuará. Julho/Novembro de 1963 e Maio de 1964. rebuscada na figura do poeta ou do pintor. dando provas que justificam a esperança que neles se deve depositar. A oportunidade de um indivíduo apresentar um novo olhar sobre uma obra pré-definida. suportada por publicações como os conhecidos Cahiers du Cinema. cuja natureza de produção.102 O GEOC. era possível uma diferente exploração do reportório e o acentuar da manipulação de vertentes da comunicação artística. atravessara. é a ideia da mise-en-scène que suporta a teorização francesa dos anos 50 e 60. e em condições elementa- res. redimensionou o ofício e recolocou-o perante as outras dimensões. ressentindo-se duma certa displicência de atenienses entre bárbaros. tem resultado negativa.103 A imagem do autor independente. Arte Musical. (…) Só em grupos experi- mentais de teatro. que tomou o nome de política dos autores. onde o problema é o mesmo. poderia tornar-se num elemento de exploração formal e comunicacional alternativo. Em contraponto com o Trindade. esses nossos candidatos têm podido. p. a autonomia da encenação lutava contra um predomínio de outros elementos do espectáculo. E tudo tem servido. 529. No caso do cinema. internas e externas.Opera do Trindade. para os quais tudo serve. um conjunto de artes. Na ópera. teatral por natureza. viajado e intelectual que é também uma forma do nosso provincianismo artístico. praticar a sua arte. 583. afirmou que “se no teatro tudo é ilusão. contra- por superficialidade a profundidade. comércio a arte. (…) A encenação de uma ópera é muito mais formal do que a de um drama. Ibidem. A modalidade de encenação que o teatro de Serra Formigal iria abra- çar foi sintetizada por Tomás Alcaide. Sem negar a dimensão teatral do espectáculo ou o papel do encenador. “A Interpretação e Encenação das Óperas de Verdi”. na ópera tudo é convencional. em evolução. Julho/Novembro de 1963 e Maio de 1964. Ibidem. A oposição do bel-canto à encenação. Considerando que a função do encena- dor é “importantíssima e. responsável por algumas ence- nações no Trindade. nos termos da discussão mantida no interior do campo. Arte Musical. 105. O respeito literal à obra original compro- metia. se não excede. distantes das ex- periências que a autonomia relativa do campo operático ia suscitando num ambiente mais vanguardista. depois de 1920. Alcaide avaliava a sua qualidade pela capacidade que demonstrasse em revivi- ficar o trabalho dos criadores originais.”106 As óperas de Verdi serviram para Alcaide estabelecer a ligação entre o género lírico e as classes sociais menos abonadas. de uma comédia. Não secundarizando o papel do encenador. em artigo na Arte Musical sobre a interpretação e encenação das óperas de Verdi. assumia-se que uma apresentação de ópera popular teria que presidir a determinado tipo de convenção 104. por exemplo. há limites que convém respeitar. sugeria. pelo menos iguala a do maes- tro director de orquestra”104. 583. ideia suportada pela afirmação de Werner Oehlman de que “a história da interpretação lírica. 583. A predominância histórica do elemento vocal como centro comunicativo com a audiência constran- gia a liberdade criativa do encenador. com o mercado. p. sucesso imediato a universalidade temporal. Alcaide demonstraria a sua fidelidade à estrutura original das obras. ou mesmo de uma opereta que consentem mais expressão pessoal da parte do encenador. em especial quando pertenciam a um re- portório clássico. Tomás Alcaide. a possibilidade de actualização histórica do enredo ou a reconstrução das personagens na base de um trabalho aprofun- dado de dramaturgia. p.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 123 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos uma relação. Afastando-se da lógica particu- lar da arte teatral. 106.Opera do Trindade. p. Mesmo quando se quer fugir à rotina e à má tradição. é a história da mise-en-scène”105. 123 . no âmbito da sociedade de concertos para a música contemporânea. no caso da ópera. Ibidem. é denominada por conceitos como o de estranhamento. 124 .”107 A autonomização de um campo artístico é medida pela capacidade de ser o próprio campo a ditar as regras que estabelecem os limites de criação das obras. detida. sócio-musical-teatral. que. quando se tornavam dema- siado incisivas. quando a sua textura se torna cadencial. simultaneamente. p. As experiências musicais e teatrais que exploravam a manipulação das formas e dos temas à luz da evolução de um código progressivamen- te autónomo chocavam com a sensibilidade de um público mais vasto.108 A liberdade do encenador cresceu. 1995. Mário Viei- ra de Carvalho assinala a utilização deste mecanismo musical pelo com- positor Fernando Lopes-Graça. empregava nas suas obras. a sonoridade (mormente na 107. 581. O artista lírico em cena não é como um títere actuando passivamente segundo a vontade dos autores. As propostas auto-referenciais geradas no interior do campo chocam com uma espécie de código sócio-musical convencionado ou. no interior do campo. como se tivessem perdido a capacidade de se reencontrar. cuja socialização operática não penetrava nos movimentos mais vanguar- distas. Ver nomeadamente pp. torna compreensível o modo como a autono- mia dos campos artísticos foi afastando as obras de uma certa ordem formal. 108. Sonata. as estruturas rítmicas. em 1942. era tomada de forma menos cultivada pelo ouvinte comum. Lisboa. fundada pelo próprio. Presença. elementos motívicos e temáticos. sugerido por um estado artificialmente criado pela imaginação do cantor. contra a dependência do género lírico das imposições exteriores ao cam- po.Opera do Trindade. quando um acelerando parecia estar a alcançar o seu objectivo. descaracterizadas. contidos ou subtilmente cortados por um pianissimo quanto estavam prestes a explodir. crescendi.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 124 A Ópera do Trindade teatral: “Interpretar é cantar a música tal e qual está escrita. criando novas solu- ções e significados e. 207-241. Esta experiência física. no encalço de Claude Debussy. Uma das teses centrais defendidas por Pierre Bourdieu em As Regras da Arte. deste modo. mas de modo pessoal. cindidos. quebrando os laços que ligavam os velhos códigos da arte a uma experiência social generalizada: (…) o tempo era sustado. desbaratando os seus anteriores sentidos. que Lopes-Graça. A des- crição com que Vieira de Carvalho caracteriza a tendência de utilização formal do anticlímax. a marcha harmónica. O seu efeito em localidades cujos habitantes nunca tinham tido oportunidade de assistir a um espectáculo de ópera foi significativo. mas uma rejeição natural por desconhecimento do código. categoria que faz parte do vocabulário do campo. pretendia ter a liberdade de jogar de modo similar com as formas. 109. provou a utilidade da pequena dimensão na divulgação da ópera. O Trindade conseguiu. embora em cenário modesto. utilizar a pequena escala sem prejuízo dos seus objectivos de política social. muito provavelmente. A itinerância de conjuntos operáticos reduzidos. 186. A direcção da Gulbenkian decidiu integrar o bailado na sua organização interna. apoiado por uma instituição como a Gulbenkian. a continuidade de uma iniciativa experimental como o GEOC estava condenada. Sem um enquadramen- to institucional.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 125 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos música para orquestra ou conjuntos instrumentais). foi sufi- ciente para causar a impressão de que em Lisboa se exigia um pouco de fausto. turvada. participantes em serões musicais pela província. quando as superfícies começavam a tornar-se demasiado definidas. Este era o último efeito que o Teatro da FNAT queria provocar no seu público. pelo contrário. desta- cados da companhia principal. estava preso dentro dos limites da convenção formal. op.. concedia aos autores que nela estavam integrados essa possibilidade formal. cit.109 A encenação moderna e autónoma. A presença de alguns artistas. não um estranhamento. independente de variá- veis políticas ou económicas. “inacabada” em pinceladas expostas. até porque o São Carlos estava mesmo ali em baixo. deixando de apoiar a ópera de câmara. O projecto do GEOC caiu poucos anos depois de se ter iniciado. Um agrupamento de ópera de câmara. tanto na ópera como no teatro. p. ou no cinema.Opera do Trindade. no bailado. O projecto do Trindade. 125 . por ou- tro lado. A tentativa de pra- ticar um tipo de espectáculo devedor da evolução autónoma do campo iria provocar. Mário Vieira de Carvalho. nos anos iniciais. Só em 1964 foi possível contar com a colaboração regular da Orquestra da Emissora Na- cional. a criação de uma Companhia Portuguesa de Ópera resi- dente exigia um esforço financeiro que dominava todo o investimento orçamental. fenómenos curiosos. Formigal acreditou. à situação dos maestros em Portugal: “Dão-se. sem viabilidades de promoção. que é o único português detentor de certo título invejável. riscos consideráveis. Subsistiam. a direcção de orquestra nas óperas da FNAT era apetecível. na pos- sibilidade de criar uma companhia de ópera. Um dos últimos foi o surgimento de uma quantidade de maestros. 122-123.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 126 A Ópera do Trindade Os cantores do Trindade e a sua condição O modelo de produção cultural avançado em 1963 pelo director do Trin- dade comportava. foi uma segunda escolha. Os primeiros anos caracterizaram-se por uma construção progressiva das bases de consolidação da Companhia Portuguesa de Ópera. aproveitando todas as possibilidades que lhe foram concedidas pelo São Carlos. sugerimos que se examine a papelada desses laureados dirigentes e que.” Arte Musical. referia-se. A ta- refa não foi simples. em confor- midade com ela. etc. alguns problemas. As condições materiais e humanas não ofereciam todas as garantias de sucesso. Regra obrigatória: dirigir fardado. como na tropa. brevemente. de Agosto de 1959. A Sinfónica de Lisboa. como foi referido. pelo en- cenador e antigo actor de teatro. Os maestros Silva Pereira. contra os mais cépticos.o 5/6. A falta de músicos dificultava a formação de uma orquestra. O direc- tor do Trindade rodeou-se de pessoas com experiência no meio operático. Arturo Toscanini não passasse de furriel. se estabeleça um sistema de galões. dirigida por Fernando Cabral. 126 . Álvaro Benamor. A contratação de Tomás Alcaide para a direcção de uma es- cola de canto completou mais uma etapa no enquadramento instituci- onal da iniciativa. Nenhum deles tinha experiência directa na encenação de óperas. por tal critério. aparece na imprensa a informação de que um maestro se diplomou numa escola importantíssima estrangeira. no nosso meio musical.110 A encenação foi repartida. e por Tomás Alcaide. n. Diplomado num curso de aperfeiçoamento? Dois galões.Opera do Trindade. pp. o que di- minuía a responsabilidade de Serra Formigal perante hipotéticos maus resultados. Jaime Silva Filho e Ivo Cruz passaram a constituir o núcleo forte de directores de orquestra do Trindade. Doutor em música? Três galões. etc. Para que a coisa perca o aspecto de guerra dos nervos. Se a maior parte das actividades prometidas não atingia grandes custos. Só receamos que. transbordan- do da escassez das orquestras sinfónicas portuguesas. De vez em quando. O editorial da Arte Musical. 110. maioritariamente nacional. Dada a falta de oportunidades que os maestros portugueses tinham em tra- balhar com regularidade. às ve- zes. que se apresentasse a um público constituído por trabalhadores. porém. Agosto de 1959. centrada no Conservatório. apesar da condição profissional dos can- tores. não formava cantores em quantidade e qualidade. Tanto em papéis secundários. Mas não é fechando o TNSC a um pequeno círculo de frequentadores da ópera estrangeira que esse público se formará. em óperas no São Carlos. n. alguns cantores portugueses despontavam para uma boa carreira. n. não se compadecia com pres- tações amadoras. cujos eixos fundamen- tais apresentam uma evidente recorrência histórica. A voz era uma peça primordial do espectáculo lírico. houve interpretações que demonstraram a qualidade de alguns intérpretes nacionais. Os cantores em Portugal não possuíam créditos suficientes para tranquilizar o director do Trindade.”111 A apresentação de duas únicas récitas. três anos depois. Gazeta Musical. no lançamento da ópera da FNAT: Alega-se que não haverá público bastante para a sustentar. pelo menos para a sensibilidade daqueles a quem Serra Formigal chamara de “es- pectadores médios de ópera”. classificando-o como um “desempenho de grande homoge- neidade e nível comparável ao de qualquer elenco estrangeiro de certa categoria. 127 . como no próprio coro da mesma instituição. O Tempo e o Modo. teatro de ópera do circuito internacional. A estrutura de ensino musical. Maio de 1963. No entanto. ou ainda no traba- lho efectuado pelo Grupo Experimental de Ópera de Câmara da Gulben- kian. Mas haverá realmente vontade de criar uma companhia nacio- nal de ópera por parte das entidades a quem cabe resolver o problema?112 111. o único modo de evitar que os cantores portugueses não passassem de eternas “promissoras esperanças”. p. Em artigo publicado na Gazeta Musical.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 127 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos A qualidade dos cantores era um dos maiores problemas da Compa- nhia.Opera do Trindade. em 1960.o 3. não difere em muito da retórica utilizada. “espécie de conces- são anual aos artistas nacionais”. 39. João José Cochofel. O discurso de João José Cochofel. E uma companhia nacional teria como uma das suas principais missões deslocar-se à Província e levar os espectáculos de ópera às cidades e vilas que nunca ou raramente os têm. As escassas oportunidades no mercado operático nacional não contribuíam para alterar a situação. deu azo a que Cochofel insistisse na criação de uma companhia nacional de ópera. 48. João José Cocho- fel apreciou umas das raras apresentações de um elenco nacional no São Carlos. O São Carlos.o 108. p. Março de 1960. 112. ”113 A prática que afastava o intérprete português dos papéis principais. uma dedicação absoluta à causa de um pequeno teatro de ópera lisboeta.Opera do Trindade. 39. não lhes garantia uma prática adequada para o desempenho de determinados papéis. centra- da que estava em modelos líricos restritos e muitas vezes secundários. foram comunicados ao director do Trindade através de actas. tipo Barbeiro de Sevilha ou o Elixir do Amor. no en- tanto. dos reportórios considera- dos mais sérios. no que diz respeito a algumas exigências genéricas. e da falta de empenho demonstrada por parte dos cantores. adequava-se quase na totalidade. As in- formações de Alcaide acerca da evolução da preparação dos cantores possibilitam a compreensão de alguns dos frágeis alicerces que carac- terizavam a companhia. cheio de debilidades. p. Tomás Alcaide escreveu a Serra Formigal pouco tempo antes do iní- cio da primeira temporada. Avisava ainda que. cuja elaboração estava prevista no contrato assinado por am- bos. visita frequente dos palcos líricos mais consagrados do mundo. A formação dos cantores portugueses. “excepcio- nalmente. mas também sei a razão por que insisto. os resultados poderiam não ser os melhores: Eu sei que o tempo urge para todos. que dirigiu nas instala- ções do Trindade. 128 . O conteúdo das actas revela o empenho e dedicação de Tomás Al- caide à Companhia Portuguesa de Ópera. das óperas cantadas noutras línguas que não o italiano. O professor de canto queixava-se da escas- sez de tempo para os ensaios da opereta A Canção do Amor. concorria para uma formação musical e dramática incompleta. Idem. tanto no respeitante à educa- ção escolar como em relação à experiência cénica. o desempenho de personagens centrais de óperas cómicas. pouco antes do começo da temporada do Trindade. sem treino intenso. a máxima concessão feita ao cantor português era.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 128 A Ópera do Trindade O modelo do Trindade não seria o preconizado por Cochofel. Tenho algumas dezenas de anos de prática de teatro e já estou perfeitamente esclarecido 113. Serra Formigal encontrou no mais famoso cantor português de todos os tempos. Como re- feriu João de Freitas Branco. Os resultados do trabalho inicial de Tomás Alcaide no Centro de Pre- paração e Aperfeiçoamento de Cantores Líricos. “bastante assí- 114. porém. Os ensaios da opereta continuavam a preocupar Tomás Alcaide. nem todos os dias. ou antes. mesmo assim. adian- tando que os ensaios. moldava as suas pos- sibilidades. não darão conta do recado e seria o desastre. 1. afinal. e. Alcaide continuou a queixar-se da falta de assiduidade dos seus alunos: o professor de canto afirmou que são gente que “dá a impressão de não saber o que quer”. 1. impossibilidades e deficiências dos meus “artis- tas” do Teatro da Trindade. A análise individualizada de Tomás Alcaide acerca dos cantores apontou as razões aludidas para a falta de pontualidade: um “anda a fa- zer pela vida”. Anete e Carlina.Opera do Trindade. Arquivo do Teatro da Trindade. p. Se não ensaiarem. Eu estou pronto a dar todo o meu esforço para demonstrar que a palavra “impossível” é desconhecida do Teatro da Trindade. 8/5/1963.”115 O famoso cantor português esta- va consciente do tipo de “matéria-prima” com que lidava. à sua própria condição. e muito.114 Alcaide preveniu Formigal do grande “obstáculo a vencer”. A condição de amadores. 116. p. Barão Franz. 8/11/1963. p. para quem a ópera implicava um esforço suplementar. Informação de Tomás Alcaide ao director do Teatro da Trindade. Ibidem. o outro tem pouco tempo livre porque o tem de dedicar “à Ordem dos Engenheiros. têm as suas limitações. Arquivo do Teatro da Trindade. 115. seriam indispensáveis. ineren- tes. mas para isso preciso de mais horas diárias para ensaiar toda esta gente. Acontece. que. 1. 24/4/1963. o que verdadeiramente importa é que se mexam bem em cena e “digam” como deve ser dita a parte recitada. Arquivo do Teatro da Trindade. 117. tratando-se de amadores. Os artistas portugueses não podiam subsistir apenas com o seu trabalho nos palcos. têm outros empregos e apenas podem ensaiar das 18 às 20 horas. 129 . onde trabalha”. “mesmo que se tratasse de competentíssimos profissionais. especialmente na parte teatral: Os únicos papéis com responsabilidade vocal são os de Schubert. Informação de Tomás Alcaide ao director do Teatro da Trindade. partilhando com Serra Formigal a noção das condições específicas que moldaram essa “matéria-prima”. a despeito da boa vontade e diligência. p. sem grandes exigências vocais… Em contrapartida.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 129 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos sobre as possibilidades. outros dois. quanto mais com amadores que. quase sempre em conjunto. Informação de Tomás Alcaide ao director do Teatro da Trindade. Todos os outros “cantarolam” mais ou menos. 1.116 Na informação expedida em Novembro de 1963117. 119. Os contratos efectuados entre os artistas que participaram na primeira temporada de ópera e o Teatro da Trindade estabeleciam um pagamen- to por récita.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 130 A Ópera do Trindade duos e voluntariosos. representação. O contrato era simples. Alcaide. 130 . não era suficiente para garantir em continuidade sustentada uma Companhia Portuguesa de Ópera. num desorientando vocal que lhes danificou o órgão fonador e lhes criou vícios difíceis e morosos de eliminar. o nível artístico dos cantores portugueses. Os resultados destes maus hábitos. repartiam a sua carreira com outras profissões. Ibidem. os coristas “volatizaram-se todos”. que alteraria. incluindo higiene vocal. colhendo o que se nos de- parou à mão de semear. colectivo de interpretação lírica. E é com este material humano que V. Excia e eu temos apresentado as óperas ao público. 1. evidenciavam-se sobre- tudo nos cantores mais velhos: Há ainda o facto… da idade dos cantores. televisão e impren- sa. p.Opera do Trindade. pior ainda. notou uma quase inevitável falta de profissionalismo. por si só. como a realização de alguns espectáculos de ópera por temporada. 1. maquilhagem. Não havia ainda 118. A existência da escola de canto foi apenas um primeiro passo para a criação de con- dições que proporcionassem uma institucionalização da companhia alicerçada na necessária profissionalização dos artistas portugueses. desde que trabalham na revista vêm muito me- nos às lições”. Esta atitude não seria. ou. género colóquio. saltando de um para outro “professor”. sem escola. que oscila entre os 28 e os 40 anos. Ibidem. até agora. versando todos os diversos proble- mas da vida profissional do cantor. porém. p. o que é de- masiado elevada. suficiente: “Lembro também a conve- niência de iniciar um curso. O esforço exigido a pessoas que. por várias vezes. na sua maior parte. mas quanto tempo de vida vocal terão eles à sua frente?118 A análise serviu para Alcaide afirmar a urgência do recrutamento de jovens valores que poderiam ser aliciados pela rádio. com péssima escola. exigindo apenas a assiduidade aos ensaios. orientação profissional…”119 O director do Trindade sabia que não era uma iniciativa esporádica. a que muitos não podiam fugir. tendo ainda em consideração que todos eles gastaram muitos anos cantando de qualquer jeito. consoante a importância do respectivo papel. qxp 5/28/07 11:25 AM Page 131 A Companhia Portuguesa de Ópera: Os Fundamentos grandes diferenças individuais em relação aos pagamentos. sendo diferentes. Serra Formigal preten- dia. Para os cantores prevalecia uma forte inseguran- ça quanto ao futuro. recupera as vicissitudes que envolveram a construção de um projecto cultural e as suas progressivas etapas até à extinção. peran- te a FNAT. O director do Trindade teria que provar anualmente. as óperas apresentadas resguardavam os promotores institucionais de quaisquer apropriações “perigosas”. partilhavam laços es- truturais. as restrições formais (em grande parte elucidadas através da comparação com o GEOC) inerentes aos seus objectivos sociais e as limitações de dependências materiais e hu- manas da companhia colocavam sérios problemas a um projecto que queria conquistar um lugar de destaque no panorama operático nacio- nal. >>>>>>>>>>> A profissionalização dos cantores da Companhia Portuguesa de Ópe- ra era apenas um dos objectivos a médio prazo. Teria que encontrar um equilíbrio entre as exi- gências políticas e as expectativas artísticas inerentes aos seus espectá- culos de ópera. um jogo de equilíbrios políticos e artísticos que exigia uma sensibilidade apurada e uma certa capacidade de mobilidade no interior de universos que. Entre pa- péis de topo não se notavam grandes desequilíbrios. nomeadamente ao SNI. No entanto. Ao contrário da actividade teatral no Trindade. em 1975. 131 . sistematiza- dos na parte seguinte deste livro. a eficácia dos seus espectáculos em benefício do complexo exercício de “desproletarização”. com pequenas e progressivas conquistas sobre os diversos obstáculos e constrangimentos. A análise dos anos de actividade da Ópera do Trindade. A construção de uma Companhia Portuguesa de Ópera era um projecto cuja independência teria que ser ganha paulatinamente. libertar o seu projecto dos condicionalismos que o oprimiam. Os contratos valiam por um ano. A legitimidade da sua proposta cultu- ral tinha ainda que conquistar espaço a outras instituições do regime. com o tempo.Opera do Trindade. O elemen- to mais forte de hierarquização era a importância do papel. 132 . O Segredo de Susana. de Wolf Ferrari.Opera do Trindade. 1968.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 132 Elsa Saque e Hugo Casais. constitui uma acertada escolha. entusiasmando-se com o que via e ouvia. apontada como a obra que iniciou o movimento nacionalista na música teatral portuguesa. este entusiasmo. como afirmou o compositor Joly Braga Santos. para representar a ópera do nosso país. 133 . A primeira temporada de espectáculos. mais do que os espec- táculos em si. em geral. continua a poder ser considerada uma obra representativa da música teatral portuguesa. apesar das carências estruturais e humanas. A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas 1. Formigal parecia ter vencido a polémica que tra- vara com Ruy Coelho.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 133 111. dadas as reais virtudes que encerra. descritos muito sucintamente. apesar das imperfeições técnicas. Joly Braga Santos. O sucesso foi idêntico. salientando. A Serrana.2 1. mais ainda porque Joly Braga Santos fez ques- tão de salientar a justeza da opção: Trata-se de uma ópera nacional de importante valor histórico. na generalidade. na sua crónica no Diário da Manhã: “Acaba de se abrir uma nova página na vida artística e social portuguesa. foi um sucesso. 4. 20/5/1963. Todas as insuficiências foram se- cundarizadas e compreendidas porque. principalmente pelas repercussões que pode ter no futuro. p. a nobreza da iniciativa e a sua importância social e artística. Diário da Manhã. pois que a A Serrana. página de profundo significado. Idem. é. A sua inclusão na presente temporada. no duplo aspecto dos artistas e do público. 2. um bom “libretto” e uma meia-dúzia de ideias musicais genuínas. O público encheu quase todas as récitas. A imprensa acompanhou.Opera do Trindade. datada de 1899. como uma autên- tica veia lírica.”1 A segunda ópera apresentada nesta primeira época foi A Serrana. Diário da Manhã. 9. 3-4. 6. por exemplo. p. constituía uma opção de grande eficácia comunicativa. que o futuro seria de aperfeiçoamento.9 A representação da La Bohème. A imediata ligação que estas óperas estabeleciam com o público. desde que bem trabalhado. fazia pensar que o futuro da companhia. tinha moti- vos para se sentir satisfeita. O Século. Gino Saviotti. a generalidade da imprensa. 4. por seu lado. a propó- sito da opereta A Canção do Amor. um género de produção que exigia que “ as paixões fossem sinceras. professora na Academia de Amadores de Música e crítica musical. regulares seguidores das transformações vanguardistas que invadiam os grandes palcos da Europa. como o fez também João de Freitas Branco nas pá- ginas d’O Século5. Em 1970. 8. 7. pp. Joly Braga Santos censurou um cantor. considerou que o espectáculo se asse- melhou a uma “comédia musical”8. Março de 1970. Francine Benoit. por baixo também da cintilante alegria. a nossa existência quotidiana reverberada com caricatura. 3. 134 . A direcção da FNAT. p. não convencionais. a propósito da mesma A Serrana. Diário de Lisboa. 9. 17/5/1963. naturalmente na tentativa de mais fácil acesso ao público”7. mas referiu. resumindo o ano de espec- 3. po- deria ser risonho.” Ópera. Francine Benoit. sendo essencial deixar o tempo actuar. Diário de Lisboa. considerou. Francine Benoit. Diário de Lisboa. João de Freitas Branco. 16/5/1963. por apresentar “os acentos caricaturais demasiado fortes. O tom desta crítica era ainda ligeiro. as implicações formais suscita- das pela necessidade básica do espectáculo da FNAT agradar ao público não passaram despercebidas à crítica especializada. no Barbeiro de Sevilha. 4.o 5. Joly Braga Santos. João de Freitas Branco. Não havia dúvida de que a Companhia Portuguesa de Ópera do Trindade ganhara um património de aceitação que lhe permi- tia alguns passos em falso. a puxar ao fácil. bastante aclamada. p.Opera do Trindade. enquanto Francine Benoit. 3. 17/5/1963. p. as persona- gens tiradas mais ou menos da vida de todos. 30/7/1963. colaborador do Trindade. habitual articulista do Diário de Lisboa. o empreendimento do Trindade algo “he- sitante”4. registava o calor de um público que enchia “festivamente o teatro”6. Num panorama global de felicitações. reunirá algumas antipatias. Figura próxima de Fernando Lopes-Graça e da oposição ao regime. A insistência na ópera cómica. intercalando em harmonia perfeita com os dramas mais intensos. escreverá na revista Ópera as seguintes palavras sobre os fundamentos do contexto da ópera cómica.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 134 A Ópera do Trindade Francine Benoit3. 5. 13/5/1963. 3. sim. p. através da opinião de pessoas situadas em diferentes quadrantes políticos e afectações musi- cais. mas no fundo com cordialidade humana. Compositora. mas os indícios faziam prever que a insistência na orientação músico- -teatral chocaria em breve com ethos artísticos mais exigentes. n. de Puccini. 2. o aconteci- mento que marcou o espectáculo. em importância.”12 Álvaro Benamor. Mais uma vez. à temporada de ópera no Teatro da Trindade. 17/7/1964. Diário da Manhã. O maestro José Atalaya. 135 . para um público relativamente reduzido de cada vez” e de um “especial cuidado com o repertório por- tuguês”11. estreou-se na encenação lírica. segundo ele. de Leal Moreira (1758-1819). 12. Os espectáculos de A Vingança da Cigana foram repartidos pelo tra- balho de dois maestros. A opção da direcção do Trindade levantou acesa polémica com 10. apesar de consi- derar o estilo rossiniano. elogiou o grupo da FNAT. A redescoberta da ópera de Leal Moreira foi.o 20. porém. “que toda a moeda tem duas faces e. 527. 11. Serra Formigal evitava os autores portugueses contemporâneos. Julho/Novembro de 1963 e Maio de 1964. 21 e 22. o reverso dos incontestáveis êxitos está no perigo de deslumbramento.” O futuro da companhia dependeria de uma “maior exigência de habilitações musicais àqueles cantores que ainda as não têm suficientes”. Arte Musical. que se revelará um apoiante fiel da iniciativa da FNAT. que pudesse equiparar-se. Frederico de Freitas e outros.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 135 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas táculos nas páginas da Arte Musical. p. pouco apropriado para uma ópera que. A ópera A Vingança da Cigana. consi- derando “que nenhuma novidade se acrescentou ao meio musical lisboeta. Ibidem. para Atalaya. p. imposto pelo maestro Jaime Silva Filho. 4. João de Freitas Branco. 527. fizeram mais prolongada carreira internacional do que qualquer dos nossos respeitá- veis contemporâneos: Ruy Coelho. José Atalaya. se aproxima de Mozart. prestigiado encenador teatral. Joly Braga Santos. foi a re- presentante do teatro lírico nacional na temporada de 1964. o já referido Jaime Silva Filho e o maestro Silva Pereira. neste caso.”10 Advertia. p.Opera do Trindade. n. o que lhe sugeriu um comentário em defesa “dos mais famosos operistas portugueses do passado” de quem se vinha tentando “ ‘apagar’ o rasto” e que “de resto. subscreveu no Diário da Manhã a escolha. da capacidade de “manter a orientação das muitas récitas da mesma ópera. e que possuía os seus di- reitos de representação. pasta 1965. Deste mesmo grupo faziam parte nomes como Ruy Coelho. Franscisco Pereira de Sousa. quando o programa de concertos de 1965 foi pu- blicado. pasta 1965. Domingos Fernandes Ganhão. era impossível conceder-lhe a direcção da referida ópera. José Luciano da Graça.15 Filipe de Sousa juntou à carta um do- cumento do Sindicato Nacional dos Músicos onde estavam arrolados os nomes de todos os directores de orquestra portugueses separados por um critério: a posse de credenciais do Conservatório. o maestro que revira a obra. António Francisco Marques. Serra Formigal prometera a Filipe de Sousa a direcção da Orquestra da Emissora Nacional num dos concertos sinfó- nicos da temporada do Trindade. por sua vez. Sucedeu que. tinha sido professor do Conservatório. dirigida ao ministro das Corporações que. Ibidem. A primei- ra. era júri dos concursos de composição do SNI e dos exames do Es- tado para professores de Canto Coral. Gustavo Augusto Coelho. a re- meteu ao director do Trindade. José da Cruz Braz. em 19/7/1965. 17. Berta Cândida Alves de Sousa.14 A segunda. sublinhado a preto. Lourenço Alves Ribeiro. 16. 14. Jorge Peixinho.Opera do Trindade. encontra- vam-se os colaboradores do Trindade: Silva Pereira. 15. Carta de Filipe de Sousa ao ministro das Corporações e Previdência Social. Informações anexadas pelo próprio Filipe de Sousa à carta que enviou. Ibidem. Ruy Onofre Barral. José Alves Ribeiro. Ilidio Gomes de Sou- sa Cyrilo. Elvira Santos. O maestro escreveu então duas cartas. Natércia de Almeida Couto. António Lopes. Do grupo de maestros com documentos do Conservatório encontravam-se Francine Benoit. José dos Santos Pinto e César Augusto Ri- beiro de Morais. Arqui- vo do Teatro da Trindade. 18/7/1965. Arquivo do Teatro da Trindade. Manuel João Alves. pasta 1965. mediada por agentes como Serra Formigal. José Maria Antunes. dado que. Silva Dionísio. 136 . na altura. Mário Sampayo Ribeiro. Pedro Lamy Costa Reis. A selecção dos directores de orquestra não poderia 13. e exercia o cargo de presidente da assembleia geral do Sindicato dos Músicos. o nome de Filipe de Sousa. Leonel da Silva Rodrigues. Filipe de Sousa não foi nomeado para a direcção de nenhum dos concertos previstos. Arquivo do Teatro da Trindade. Fernando Cabral e Ivo Cruz. Carta de Filipe de Sousa ao director do Teatro da Trindade. Joly Braga Santos.16 No grupo dos maestros credenciados17 encontrava-se. A esco- lha dos maestros para este novo espaço de oportunidades profissionais estava determinada por uma síntese entre opções políticas e opções musicais. Jorge Bettencourt. para Formigal. Na lista dos maestros sem credenciais. que tinham de ge- rir as diversas sensibilidades em jogo com vista à prossecução de objec- tivos específicos. Wenceslau Pinto. da Juventude Musical Portuguesa e do Centro Português de Bailado. Frederico de Freitas. Artur Alves dos Santos Correia de Sousa. Filipe Sousa pro- curava demonstrar ao ministro que uma importante iniciativa estatal no campo da música não estava a servir os maestros que melhores com- petências possuíam. Armando de Mendonça Escoto e Jaime Mestres Perez. por compromis- sos já estabelecidos.13 Em contrapartida da cedência dos direitos de A Vingança da Cigana. 19/7/1965. Armando Fernandes.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 136 A Ópera do Trindade Filipe de Sousa. ao ministro das Corporações e Previdência Social. relatando todo o episódio e pedindo explicações. Filipe de Sousa fora o fundador do Grupo Experimental de Ópera de Câmara. O público da FNAT acolheu com entusiasmo as grandes obras do património verista italiano. Cosmos. Todas constituíram um enorme êxito de público. um cantor “até se apresentou com ares de compadre de revista no primeiro acto. em si. 10. Leoncavallo. Francine Benoit. A Vingança da Cigana foi a última ópera em cartaz na temporada de 1964. assinalando. Lopes Graça e Tomás Borba classificam verismo da seguinte forma: “Designação aplicada à estética realista da ópera italiana de fins de Oitocentos e princípio de Novecentos. a propósito de La Bohème: “A vivacidade e o capricho desenvolvidos na encenação do ano passado recrudesceram este ano. 137 . 14/6/1964. na Traviata. O verismo era. 7/6/1964. Justificava-se a opção de Serra Formigal pelas óperas italianas do perío- do romântico. 19. p. ora lírico ou trágico. La Tra- viata e La Bohéme. p.”18 Esta ópera de Verdi. seria muito acertado se não roçasse. 5. Diário de Lisboa. Dicionário de Mú- sica: ilustrado. com todo aquele caudal. 1955. Diário de Lisboa. Lisboa. mais lhe cabendo propriamente a designação de sensacionismo. Mascagni e Umberto Giordano. por momentos. Diário de Notícias. o teatro ligeiro. identificando-se com os seus temas sentimentais coloridos por atractivas melodias. no fundo. N. 21. o que. 18. Reforçava- -se na opinião pública e na imprensa a importância da iniciativa para a criação de um novo público de ópera e para a sustentação progressiva de uma companhia portuguesa em que os artistas nacionais tivessem condições para desenvolver o seu trabalho. e ainda bem que se redimiu no quarto”20. por uma simples ra- cionalidade meritocrática. Pelo Trindade tinham já passado o Rigoletto. Francine Benoit. de que foram principais cultores Puccini. mesmo se ténue. com as suas melodias famosas.Opera do Trindade. com a forma e disposição de outros patrimónios artísticos. tocado.” Fernando Lopes-Graça e Tomás Borba. um falso realismo. p.19 A vertente popular da ópera foi ainda acentuada com encenações e representações que estabeleciam um fio condutor. como Filipe de Sousa pretendia. com que se desempenha musical e dramaticamente a vida amorosa e a morte da pobre Violeta Valery. “com a essência romântica da sua mú- sica. precursora do verismo.”21 As críticas residuais não ofuscavam a continuação do êxito. 6/7/1964. p. ora sereno ora apaixonado. como estilo. Francine Benoit referiu que. 10. tratava pela primeira vez um drama doméstico. 20. 681. O reportório era eficaz e o público aderia aos clássicos. apelando a um certo sentimentalismo da comu- nicação músico-dramática. como no caso da Traviata. pois que pintava de preferência e unilateralmente os aspectos brutais da vida.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 137 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas ser determinada. O Amigo Fritz. em capítu- lo anterior. a convenção à vanguarda. incrementando assim o 22. Tomás Alcaide. As tomadas de po- sição artísticas estavam relacionadas com a história recente da ópera. 582. 24. tiveram o cuidado de evitar o anátema da convenção. ao passo que em Verdi é a voz do cantor que conduz a melodia fundida com a palavra no modo mais expressivo. 23. e de óptima escola”22. Ibidem. contribuindo com afã para a elevação do nível artístico do espectáculo. belas. contrapunha-se. Os dois auto- res.”24 Para Alcai- de. a revista Arte Musical publicou alguns artigos dedicados às figuras de Verdi e de Wagner. Sobre Verdi escreve- ram. A publicação em simultâneo destes textos partia de uma clara lógica de oposição entre os dois compositores. p. exige dos seus intérpretes vozes sãs. p. 580. Em Julho de 1964. sobretudo. existia uma clara relação entre a tradição verdiana e a ópera popular. as suas transformações. “A Interpretação e Encenação das Óperas de Verdi”. a comparação da concepção artística do Trindade com a do GEOC.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 138 A Ópera do Trindade 3. não se confundia com Wagner: “(…) em Wagner as vozes são apenas uma parte do todo orquestral. tratadas no mesmo plano dos outros instru- mentos. Neste aspecto. Julho/Novembro de 1963 e Maio de 1964. pelo valor e significado que à época os dois compositores tinham no campo operático.”23 Na encenação das óperas de Verdi. Ibidem. Verdi. Tomás Alcaide e José Blanc de Portugal. 580. “pouco há a dizer além de generalidades. a função de um teatro de ópera tocado pelo espírito de Verdi era “cum- prir a sua nobre missão cultural e educadora. No seu discurso. “herdeiro da grande tradição do bel canto italiano. incondicionais adeptos da filosofia do Trindade. Arte Musical. do lugar que ocupava no campo musical português. A discussão é esclarecedora quanto a alguns eixos que traçavam os limites das posições no interior do campo musical. p. Embora os redactores evitassem formular uma explicitação clara dos critérios subjacentes a esta oposição. Para o cantor. a evolução dos seus ideais de convenção e vanguarda. 138 . O texto de Tomás Alcaide sobre as encenações das óperas de Verdi suscitou.Opera do Trindade. porém. entre outros. permitindo situar melhor a concepção preconizada para o Trindade. Muitos dos termos utilizados para caracterizar o Trindade eram devedo- res das posições teóricas e estéticas de quem classificava e. “O Clímax”. afastar-se-á totalmente do padrão shakespeareano que será definitivamente posto de parte para dar lugar a uma Arte onde a dialéctica transcenda o simples diálogo de personagens. Alcaide tinha os olhos postos na iniciativa da FNAT quando afirmou que a ópera perdera “a sua feição de luxuosa festa mundana. Idem. aparentemente. de que “o ‘teatro novo’. de forma a que não se debata somen- te a relação do Homem com a Ideia. 30. 575.” Sem se referir ao Trindade.”25 Blanc de Portugal.28 Os textos sobre Wagner. 567. 550.”27 A demonstração “da genialidade viva de Verdi” tinha sido. é uma institui- ção social.”31 João de Freitas Branco sintetizou a importância da figura de Wagner no epíteto de “artista-intelectual”. Arte Musical. Ibidem. tinha sido “o único compositor do século xix que colocou o problema da grande forma ou forma global em termos dialecticamente novos. p. p. como mui- to mais espontânea e à mercê da inspiração do momento”26. por seu turno.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 139 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas gosto pela ópera. apenas acessível a um reduzido círculo de magnates de alta roda. Arte Musical. Peixinho afirmou que Wagner. “Wagner tentou racionalizar a música. mas também a validade da ideia em si. democratizou-se”. embora num sentido não político. José Blanc de Portugal. 29.”29 Foi origem de um movimento “que irá ruir os últimos alicerces tonais e desembocar na ruptura da tonali- dade. Ibidem. p. realçando com cautela que “hoje. Arte Musical. que tratou da influência de Wagner no teatro. 26. do poeta José Carlos Ary dos Santos e de João de Freitas Branco enfatizaram a componente racional do compositor. com excepção de Mahler e Debussy. 549. Julho/Novembro de 1963 e Maio de 1964. havia pouco tempo. p. integrando-se directamente no próprio contexto. 139 . afirmou que em “Verdi não há qual- quer directriz estético-filosófica estruturada como disciplina formadora.Opera do Trindade. “Wagner e o Teatro”. Despiu a casaca. A arte exprimia uma série de con- 25. se vier a acontecer.”30 Ary dos Santos. Julho/Novembro de 1963 e Maio de 1964. Julho/Novembro de 1963 e Maio de 1964. da autoria do compositor Jorge Peixinho. 572. Ibidem. 31. compro- vada num concerto no Teatro da Trindade. em 1843. “Apontamentos para um ‘Verdi Vivo’ ”. mais do que nunca. p. José Carlos Ary dos Santos. A evolução da sua obra teatral aparece-nos. considerou que o compositor foi um dos antepassados do teatro moder- no na esteira da afirmação de Hebbel. p. 556. Em oposi- ção a Verdi. 27. Jorge Peixinho. 28. 140 . Wagner tornou-se. O facto de a ópera ser. 558. o projecto da FNAT era conservador: o reportório demasiado fácil e evi- dente. a matriz da encenação – dimensão do espectáculo pela qual passava grande parte das inovações operáticas – absolutamente con- vencional. O Teatro da Trindade não era um espaço para o artista intelectual. O Trindade tentaria ser um teatro de ópe- ra na senda espiritual verdiana: popular. sem considerar o adjectivo na sua acepção es- tritamente positivista. no meio da música eru- 32.Opera do Trindade. e tudo isso na crescente certeza de interessar um círculo de cidadãos suficientemente vasto e garante para substituir. nomeadamen- te a voz. de facto. “Significados Actuais de Wagner na Música e no Teatro”. demonstrar que raciocinou e construiu uma vontade própria. no interior de um universo de significados. porém. pode mesmo escrever para publicação em letra de forma. considerou Wagner como um cientista: um cien- tista do belo. festivo. Arte Musical. componente essencial do drama. Para os integrados numa elite cosmopolita que acompanhava com particular agrado as novidades do espectáculo lírico internacional. João de Freitas Branco representava. emotivo. mas com consequências reais. compreen- dendo-se a sua dramaturgia. a figura que assegurou ao artista a liberdade de ser e parecer culto: (…) pode falar uma linguagem de homem instruído. o respeito pelo texto. também. Julho/Novembro de 1963 e Maio de 1964. dos objectivos humanos grandiosos e das experiências formais inovadoras que os textos da Arte Musical atribuíam à herança wagneriana. pode discordar.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 140 A Ópera do Trindade quistas civilizacionais. choca com uma comunicação artística que submete esta semântica ao domínio de outras formas. provar que leu e compreendeu grandes literatos. o que implicava um posicionamento simbólico. intuitivo. indi- vidual. João de Freitas Branco.32 João de Freitas Branco. o apoio de outra gente de maior linhagem (…) Deu-se uma elevação mental do músico. teatral e músico-teatral. Para a tradição wagneriana. para o cientista. p. no interior do campo musi- cal. para o experimentador. não podia ser violentado por construções operáticas que davam primazia a outro tipo de princípios de criação. As divisões teóricas e formais consagradas pelo desenvolvimento do cam- po do teatro lírico garantiam um determinado significado aos espectáculos do Trindade. Longe. um objecto legível. O Tempo e o Modo. onde. mas fundamental pelas funções que desempenhava a outros níveis.”35 No Trindade. João Paes. essa vanguarda. “a ro- tina faz lei”33. em questões de reportório. Verdi. Gaetano Donizetti e Puccini. no uni- verso do teatro lírico português. A par- ticipação da cantora italiana surgiu como forma de incentivar os inter- câmbios artísticos com outros teatros. 549. embora o seu papel de divulgador mu- sical – com conhecida experiência televisiva – o tornasse numa figura popular. Strauss. “o assinante-médio-normal das temporadas de ópe- ra no São Carlos saiu desta feita regalado” porque “reage simpática e quase exclusivamente ao elemento vocal”34. de uma tradição fa- miliar cuja continuidade se assegurava com figuras como o crítico e compositor João Paes e o crítico Sidónio Pais. Os espectáculos do Trindade seguiam-se à temporada do Teatro Nacio- nal de São Carlos. Serra Formigal. p. Ruy Coelho. p. segundo este crítico. 141 . João Paes. A sua posição modernista.Opera do Trindade. mos- trou-se desagradado pelo modo como decorreu a temporada de 1965 no Teatro Nacional de Ópera. 4. sem ceder a um populismo fácil. procurando dar brilho ao início da temporada de 1965. aliás. a ópera italiana reinava. para representar o principal papel na Tosca. na senda. de Puccini. contratou. Wagner. não o impediu de apoiar. não possibilitava a atenção que a encenação mere- cia: “Função cuja importância a direcção do Teatro de São Carlos parece ainda não ter avaliado. A “avalanche de bel canto”. inicia- tiva pouco importante para a ópera reconhecida como “arte total”. a cantora Simona Dall’Argine. Vincenzo Bellini. 50. Ibidem. “Recordação da Casa dos Divos”.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 141 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas dita nacional. 34. Considerou ainda que entre a rotina aceitável. crítico da revista O Tempo e o Modo. p. (…) Função importantíssima para a conquista de um público jovem que não está na disposição de tomar a sério um espectáculo de síntese com uma das componentes fundamentais visi- velmente escamoteadas. Julho de 1965. 35. o projecto de Serra Formigal. 549. Em informação expedida em 33. Ibidem. e a inacei- tável. de Antonio Salieri. A assinalada carência na Companhia de alguns registos vocais. O desenvolvimento destes intercâmbios encontrava em Espanha. Na passagem por Milão. Falstaff. a soprano Dall’Argine foi contratada para protagonizar a Tosca. 142 . caso da Tosca e do Trova- dor.42 As frequentes imperfeições dos espectáculos revelavam-se incapazes de abalar o sim- bolismo que representava o início de mais uma temporada de ópera no Trindade.41 O acordo previa que Bechi ence- nasse três óperas – uma delas. pasta 1965. pasta 1965.40 No mesmo ano.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 142 A Ópera do Trindade Agosto de 196436. os países ideais para fomentar relações artísticas. Contrato entre Serra Formigal e Simonna Dall’Argine. recebendo um cachet de cinco mil escudos por récita. Diário da Manhã. na altura. especialmente as de soprano lírico spinto 37 e soprano dramático. Ibidem. Contrato entre Gino Bechi e o Teatro da Trindade. Por sete meses Bechi receberia 130 mil escudos. e em Itália. o Trindade celebrou um contrato com o famoso cantor italiano Gino Bechi. 41. 13/5/1965. inviabilizavam a realização de algumas óperas. Arquivo do Teatro da Trindade. pasta 1965. Formigal referiu ainda que. pelas boas relações políticas entre a FNAT e a sua congénere espanhola. 4. ocasião ideal para relembrar a nobreza do empreendimento. que não se chegou a realizar – e prestasse os seus serviços como regente da escola de canto do Teatro. a si próprio e ao cantor Hugo Casais – cuja experiência profissional em Itália se traduzia num bom cartão de vi- sita – uma viagem àqueles dois países. Propôs que. 40. Arquivo do Teatro da Trindade. os intercâmbios teriam de ser feitos com teatros que não per- tencessem ao grupo dos mais importantes. Arquivo do Teatro da Trindade.Opera do Trindade. no mês de Setem- bro. 36. apesar de alguns cantores portugueses de- monstrarem. Arquivo do Teatro da Trindade. 42. celebrado a 9/4/1965. 1/8/1964. protagoniza- da pelo próprio. pasta 1965. 37. Ibidem. Joly Braga Santos. Informação de Serra Formigal sobre o intercâmbio de cantores. a FNAT concedesse. Joly Braga Santos não ficou muito convencido com a prestação de Dall’ Argine: “boa voz. um alto nível artístico. 39. já Serra Formigal considerara as vantagens de tais intercâmbios. pelo especial interesse dos cantores portugueses irem cantar à “pátria da ópera”38. nas suas actuações passadas e presentes. p. mas movimentação convencional”. Cachets dos artistas – Temporada de ópera de 1965.39 Os cantores portugueses que representavam papéis principais auferiam. dois mil escudos por récita. 38. A deslocação seria feita no carro de Formigal para ser mais barato. ”44 As figuras femininas continuavam a reinar no Trindade. O Século.N. O crí- tico do Diário de Notícias considerou que o espectáculo “resultou agra- dável e brilhante”. por si só.. sem jamais cair naqueles excessos hoje praticados por alguns registas de ópera.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 143 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas João de Freitas Branco considerava a “estreia auspiciosa. 44. a espaços. p. sob a batuta dos mestres italianos. p. 9/7/1965. João de Freitas Branco assinalou este sucesso. João de Freitas Branco. então. “a tra- gédia amorosa da ingénua e sensível japonezinha”45. 7/6/1965. Francine Benoit gostou da récita. O quinto espectáculo da época tinha em cartaz duas óperas: Cavalleria Rusticana. Diário de Lisboa. e Palhaços. representação teatral e que se entendesse que ópera é teatro para música.. João de Freitas Branco. A. 18/6/1965. Madame Butterfly. 6 (2001). p. a clareza e facilidade da sua lin- guagem musical sempre em constante comunhão com a intensidade e a violência da acção dramática. Na entrevista que nos concedeu. os encenadores iam cumprindo a sua função. 18/5/1965. 5. 48. 30/4/1965. de Pietro Mascagni. Serra Formigal afirmou que “o factor teatral era muito exigente ali. a qualidade interpretativa e realizado- ra. 45. cujo efeito é contraproducente numa peça tão convencional por sua própria natureza como O Elixir do Amor”46. Porquê? (…) Queria que se cantasse bem. de Nicolo Leoncavallo. e. 10. 46. constituiu um as- sinalável sucesso. os espectáculos. embora as atitudes do público. O Século. 9. destacando o “poder de atracção destas duas óperas.47 Sem arriscar quaisquer aventuras moder- nistas. p. a prometer uma temporada à altura dos próprios fins em vista”43. 10. p.N. numa companhia jovem que não tem grandes estrelas. Francine Benoit. A. queria que houvesse técnica vocal. p. Diário de Notícias. Alcaide ou Bechi foi conferir aos seus espectáculos uma relevância teatral. a incomodassem: “Alguns espectadores precisam de convencer-se de que o silêncio é uma necessidade imperativa mes- mo antes de abrir a cortina do palco. Álvaro Benamor destacou-se na encenação de O Elixir do Amor. À Tosca seguiu- se La Traviata.Opera do Trindade. vocal e cénica. 47. às quais o público sempre se rende. Diário de Notícias. 5.” Entrevista a José Serra Formigal. tem de ser assim senão não interessa: tem de se compensar com mais teatro e mais cena o que pode faltar em celebridades vocais. argumentando que Benamor “deu movimento às figuras individuais e colectivas. num contexto em que as vozes não tinham estatuto suficiente para sustentar. para não prejudicar da maneira mais enervante os que não querem perder o princípio do admirável ‘prelúdio’ da ópera. Um dos propósitos de Serra Formigal ao contratar encenadores como Benamor. requerida aos artistas…”48 43. 143 . de Alfredo Keil. em Barcelona.52 49. Serra Formigal foi nomeado. pela sua actividade à frente do Trindade. de Marcos Portugal. registando. 25/12/1965. um papel de rele- vante significado no âmbito da companhia do Trindade. Ibidem. A imprensa espanhola49 acolheu bem a prestação dos can- tores portugueses. vice-presidente da FNAT. uma pers- pectiva já reconhecida na imprensa portuguesa: “Los artistas del Teatro ‘da Trindade’. o sea cuatro años después de Thaïs. Marcos Portugal era recordado como um dos músicos nacionais cuja carreira mais êxito alcançara no estrangeiro. referin- do que a sua estrutura reflectia uma inevitável datação histórica: “Fué estrenada en 1899. em La Prensa.o 46 649.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 144 A Ópera do Trindade O Trindade terminou o ano com a obrigatória ópera portuguesa. porém. produzida com o apoio da Fundação Gulbenkian. Xavier Montsalvatge. em La Vanguardia e Menendez Aleyxandre. a Companhia Portuguesa de Ópera estreia-se internacionalmente no Grande Teatro do Liceo. presentan A Serrana dignamente. 52. 51. A escolha recaiu na Condessa Caprichosa. 50. dos ante de La Bohème y es anterior en un año a Tosca. Em Dezem- bro. uma apurada sensibilidade pelo gosto médio de um público de ópera em crescimento. reforçando. Decreto-Lei n. com presenças frequentes nos maiores teatros de ópera. a sua legitimidade inter- na. O Trindade assinalou. Compositor português oito- centista. de 17/11/1965. apresentando A Serrana. com vasta carreira europeia. uma internacionalização inédita na história de uma companhia portuguesa de ópera. La Vanguardia Espanola. deste modo. Xavier Montsalvatge. assim. Está pués emplazada en la época y el área estética de Masse- net y Puccini y tiene afinidades con el estilo de estos dos operistas en cuanto a lo musical.Opera do Trindade. Escénicamente pertenece a la tendencia nacionalista…”51 Comentou o mesmo crítico que do “pobre material” saiu uma obra que não é apenas um subproduto. Mas a ópera portuguesa iria ter.”50 Os críticos espanhóis retiveram-se bastante na natureza da obra de Keil. 144 . sobretudo pelo modo eficaz como o maestro Frederico de Freitas dirigiu a orquestra. de Lisboa. na medida em que apresentava algu- ma consistência e originalidade. ainda em 1965. Algumas análises reflectiram. No final do ano. ou. 54.o 1443. a Inês Perei- ra. as óperas épicas resultantes do trabalho conjunto de Kurt Weil e Bertolt Brecht. com 486. Aos olhos de um vanguardista. de longe. a dupla Rita. Em Janeiro de 1966. acabara por ceder à representação de uma ópera de Ruy Coelho. com 468. já não se compreendia a omissão de algumas obras cénico-musicais de Stravinsky. não só ostensivamente à produção moderna e contemporânea como ainda ao reportório barroco e clássi- co. Arquivo do Teatro da Trindade. entre alguns elogios individuais. de Donizetti. Serra Formigal.3. a Lucia de Lammermoor. 145 . fora. A temporada de 1966 foi preenchida pelo Rigoletto. de Leoncavallo. o Fausto. 28. de Ruy Co- elho.6.2. Rita e Palhaços. caracterizou-se por uma crítica transversal. apresentar “um Wozzeck ou uma Lulu”. um relatório do Teatro da Trindade dava conta dos números alcançados pelas várias óperas. 2. a finalizar.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 145 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas 5. Cavalleria Rusticana. contrariando a sua opinião pessoal. o espectáculo que menos suscitou o interesse do público. o projecto era débil e convencional. A Inês Pereira. de A Mão Feliz. No final da temporada. e Palhaços. Louvando o esforço do projecto no respeitante às oportunidades que vi- nham sendo dadas aos artistas portugueses. de Verdi. 1/66. Peixinho concluiu que o reportório apresentado pelos artistas do Trindade gorava grande parte do mérito da iniciativa: “(…) a direcção da CPO não tem demonstrado uma visão lúcida nem corajosa na orientação artística que tem imprimi- do à companhia. de Charles Gounod. Seara Nova. Apesar dos indícios que levariam a prever este des- fecho. Nota sobre as Actividades do Teatro da Trindade em 1966.Opera do Trindade. n. com uma média de 501 espectadores. p. entre muitas outras. por questões técnicas e hu- manas. 53.”53 Considerou ainda que sendo difícil. e.54 O Rigoletto registara a maior frequência nas oito récitas realizadas. seguidor das vanguardas musicais europeias. de Arnold Schoenberg. escreveu na Seara Nova uma crí- tica a quatro óperas (O Elixir do Amor. 31/5/1967. o compositor português Jorge Peixinho. p. Palhaços e A Condessa Caprichosa) que a companhia do Trindade levou ao Porto.1. voltando costas. com 240. A apre- ciação de Peixinho aos espectáculos apresentados no Porto. o Fausto. de Ruy Coelho. Seguiu-se a Lucia de Lammermoor. Jorge Peixinho. com 344. de Donizetti. mais tarde. em 2 de Novembro de 1965. 146 . ‘gritar’. a defender “a grande época de oiro da ópera italiana. 56. Sprechgesang é uma técnica vocal que está entre o falar e o cantar. em que Donizetti. que desse modo confirmem o superior grau do nível da cultura artística do próprio país. 6. 5. 57. das relações entre Ruy Coelho e o Trindade foi sentida quando aquele iniciou uma crítica regular dos espectáculos do Trinda- de nas páginas do Diário de Notícias. sem excepção. o elemento pátrio estava assegurado pela actuação dos filhos da nação. Chuchotement refere-se ao canto sussurrado. e de tanto maior alcance educativo de todas as classes das populações.55 A pacificação.”57 55. com vista à representação da ópera Inês Pereira. a quem Serra Formigal negara a entrada no Trindade pelo facto de o seu “modernismo” atentar contra sensibilidades me- nos habituadas à ópera. 23/5/1966. o pseudocanto – sprechgesang. pelo menos aparente. Américo Thomaz. como consta do contrato assinado entre José Serra For- migal e Ruy Coelho. p. (…) se é acessível a toda a gente.56 Ruy Coelho. p. como foi o caso do Presidente da República. Arquivo do Teatro da Trindade. Contrato entre Serra Formigal e Ruy Coelho. ainda mais quando este sentimento era reforçado pela presença na sala de altas personalidades do regime. Ruy Coelho. Diário de Notícias. com o delírio organizado (…) e que utiliza no canto a exploração dos efeitos primários – do grito – o que dá a possibilidade de ser cantor mesmo a quem tenha má voz e não saiba cantar. veio. Diário de Notícias. como afirmação da existência das actividades seleccionadas dos artistas nacio- nais. o chuchotement. Coelho procedeu a uma alteração na sua retórica: se não foi possível o advento de uma arte nacionalista. Bellini e Rossini – de 1800 – formam a trindade dos astros que deram ao canto teatral a beleza do bel canto”.Opera do Trindade. na estreia de Rigoletto: (…) a Arte tem uma profunda função social. ‘falar ritmado’. 5/5/1966. quando é feita com elementos criados pelo próprio meio. contra “a aberração de algumas falsas estéticas contemporâneas que proclamam transformar os valores racionais em irracionais. Ruy Coelho.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 146 A Ópera do Trindade A direcção da Inês Pereira foi repartida pelo seu autor e pelo maestro Jaime Silva Filho. na crítica do Diário de Notícias relativa à Lucia de Lammermoor. pasta 1966. o público desmobilizou. A figura de Ruy Coelho. 147 . 5. Diário de Notícias. um facto parecia indiscutível: quando Serra Formigal se afastou do paradigma que en- formava a escolha do reportório.”60 À margem desta discussão. 59. se for- talece de raízes medularmente tradicionais ou de pensamento verda- deiramente moderno.Opera do Trindade. Se a temporada no Trindade terminou sem história.”58 A recriação de uma pretensa portugalidade pela expressão musical e dramática propiciava acesa discussão. outro acontecimento gerou uma movimentação importante. 5/7/1966. de Ruy Coelho. 1976. Lisboa. não deixava ninguém indiferente. pelo significado político e musical. primeira incursão do Trindade pela ópera francesa. fossem no âmbito de polémicas ou exprimindo-se em obras musicais. era protagonizada por Fernando Lo- pes-Graça. pretexto para levar a companhia a Luanda. O culminar desta oposição terá sido o livro de Lopes-Graça. A apre- sentação da Inês Pereira. As diferentes concepções que apresentavam para estruturar a vida musical portuguesa e a música nacional foram quase sempre a origem das inúmeras polémicas. A iniciativa estava conotada com o mesmo pendor demo- cratizante que caracterizava a imagem pública dos espectáculos do Trindade. Diário de Lisboa. o Estado português organizou em Angola o 1. levou a crítica a largar o seu registo monocórdico. Francine Benoit. na invenção de Ruy Coelho. Fernando Lopes-Graça travou vários combates teóricos com Ruy Coelho. 58. N.o Festival das Artes. A Companhia Portuguesa de Ópera da FNAT partiu em tournée para Angola. O Fausto. 60.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 147 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas As referências aos espectáculos nos jornais continuaram mornas. Edições Cosmos. No mesmo ano da viagem da Companhia do Trindade. de Gounod. A Caça ao Coelho e outros Escritos Polémicos. O Diário de Notícias fez um elogio rasgado à obra do seu cronista: “Esta reposição de Inês Perei- ra vem mais uma vez fixar o nome de Ruy Coelho como criador de uma obra que abarca vários géneros. mas sempre subordinados a uma cons- tante. 7/7/1965. contou com a participação do cantor gaulês Jean Soumagnas. cuja função é de aproveitamento e recreação de atmosferas e motivos portugueses e populares. A guerra na anti- ga colónia portuguesa começara havia cinco anos. p.59 A concepção de Lopes-Graça paira na análise de Francine Benoit à ópera Inês Pereira: “Nada. 8. A oposição principal às observa- ções de Ruy Coelho sobre o tema. com a repre- sentação conjunta das óperas Rita e Palhaços.. p. destacara-se. e que o público de Angola “é do melhor que temos tido a assistir aos nossos espectáculos: interessado. seria inútil e até ridículo levá-lo a Angola. sabem que ela é cada vez mais um espectáculo popular. não frequenta os espectáculos para exibir trajes ou jóias nem para fazer ou afeiçoar relações úteis e mundanas…61 Serra Formigal fez questão de referir que os espectáculos foram fei- tos sem “interferências de ‘sociedade’ a influir no fenómeno”62. pasta 1966.Opera do Trindade. facto para o qual contribuiu. a cantora Zuleika Saque.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 148 A Ópera do Trindade Serra Formigal. A metrópole tentava mostrar que o seu interesse pela colónia deveria ser considerado também em vertentes como as da po- lítica cultural. dentro do preconceito pseu- do-culto próprio dos que desconhecem inteiramente este género artístico. a Inês Pereira foi a representação menos conse- guida. 62. pela sua condição económica. em grande plano. sem qualquer 61. 2. 63. de Donizetti. Quem vai ao Trin- dade e ao Coliseu e vê as casas sempre cheias de um público entusiástico e pagante que. 64. A Lucia. 148 . certamente. sincero e inteligente”63. por outro lado. Arquivo do Teatro da Trindade. 3. 31/5/1967. p. 3. Serra For- migal demonstrou agrado pela forma como decorreu a temporada lí- rica. aqui e no estrangeiro. Ibidem. 2. não haveria preparação nem disposição do público para ele. a propósito da viagem a Angola. pelo contrário. Benguela e Lobito. por consequência. Na Nota sobre as Actividades do Teatro da Trindade em 1966. Arquivo do Teatro da Trindade. Súmula das entrevistas de Serra Formigal. p. Pelo contrário. e críticas aos espectáculos. A operação de charme correu bem e a imagem do carác- ter democrático. p. exprimiram a ideia de que o espectáculo lírico subsiste apenas para “elites” muito “snobs”.”64 O ponto alto da temporada fora. onde os ânimos estão volta- dos para realidades mais fortes e onde. salientou essa postura: Quando se projectou a ida a Angola. pessoas houve que. a grande estrela da com- panhia. Ibidem. “não só por não se ter conseguido uma homogeneidade de elenco tão grande como se desejava (…) mas também sendo a própria ópera pouco conhecida do público e com as desigualdades próprias deste compositor. pluriclassista e multirracial da iniciativa circulou nos periódicos angolanos. (…) Os que amam a ópera. em entrevista concedida depois da passagem da com- panhia por Luanda. p. Nota sobre as Actividades do Teatro da Trindade em 1966. A viagem realizada a Angola não deixou de se constituir num aconte- cimento político. Ibidem. Francine Benoit. 9. prestigiando a “FNAT e a cultura portuguesa no continen- te africano”65. alguns deles de manifesta incoerência e evidente mau gosto! Teve-se sempre em mente no restauro não sobrecarregar o Teatro de decorativismos supérfluos em que o ecletismo do “fim do século” foi pródigo.66 A apreciação à Tosca. a digressão a Angola. José Serra Formigal – um right man in the right place – representam uma (…) consciência daquilo que a população economicamente desfavorecida tem o direito de usufruir através da cultura em geral e da arte em particular (…)67 A apresentação do “novo teatro”. desembaraçado de acréscimos e enfeites posteriores. 66. foi assinalada pela presença da cantora italiana Franca Como. conquistou a opinião da crítica. Em faceta tão importante. foi secundarizada pela impres- são causada pelas alterações na morfologia do Teatro. Sr. Gonçalves Proença. provando que a insistência num reportório convencionado resultava no aperfeiçoamento do esti- lo. 149 . 29/4/1967. e a inevitável ópera portu- guesa. pautando 65.” Maria José Salavisa. p. 67. 2. contou com o trabalho de decoração de Maria José Salavisa. de Massenet. realçou-se o que originalmente havia de bom e aproveitável. 1967. Sobre a sua tarefa afirmou: “No que diz respeito à decoração. de novo eleita para a estreia da temporada. A temporada de 1967 iniciou-se sob o efeito das obras realizadas no Teatro da Trindade durante o ano anterior. dirigida pelo arquitecto Miguel Evaristo de Lima Pinto. houve uma sugestão desde logo a aceitar: a decoração legada pelo final do século passado. O Século. emanadas pelo Sr. Dom Pasquale. Prof. este ano. Programa do Teatro da Trindade. A Vingança da Cigana. A Tosca marcava o início de uma temporada preenchida pelo reportó- rio italiano clássico. p.Opera do Trindade. de Donizetti. e a sua interpretação e rea- lização pela FNAT. e pelo director do Trindade. mas não se ajustavam às teorias de hoje. o Werther. pela segunda vez. p. Dr. João de Freitas Branco aproveitou os sinais de institucionalização do projecto da Com- panhia Portuguesa de Ópera do Trindade para fazer o elogio dos seus promotores: As importantes melhorias introduzidas no teatro vêm confirmar que as directrizes superiores. 6.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 149 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas dúvida. A obra. A encenação de Gino Bechi foi aclamada. onde a companhia alcançou um “êxito enorme”. João de Freitas Branco. 23. à qual as altas individualidades do regime não quiseram faltar. No final da temporada. iria ser uma das vedetas do Trindade. não menos certo é que a existência deste proporciona a necessidade de muitas necessidades virtuais e latentes que doutra forma não se concretizariam e nem. antes do Werther. no entanto. que a aposta “na composição das óperas ajustadas (mais ou menos) às possibilidades dos nossos cantores líricos” e a representação “do reportório estran- geiro menos batido” continuava a ser a sua maior aspiração em relação ao Trindade. à míngua de estruturas culturais. Diário de Lisboa. p. a discussão acerca da orientação artística aplicada às suas tem- poradas ganhou. talvez. muitas ve- zes se escusavam. 150 . até à extinção da Companhia Portuguesa de Ópera.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 150 A Ópera do Trindade as suas crónicas jornalísticas por determinada reflexão a que outros. Francine Benoit. Defendeu. A conclusão lógica de tudo isto é que. que traduz com alguma felicidade a complexidade inerente a uma iniciativa re- fém de objectivos políticos. com a realização presente e outras já devidas à mesma origem. A apresentação de O Barbeiro de Sevilha ficou marcada pela estreia da cantora Elizete Bayan. mas com consequências profundas no in- terior de um quadro cultural sobre o qual intervém: (…) se é bem certo que a função faz o órgão. chegassem a manifestar-se. quer artísticos 68. 8. em detrimento das componentes organizacionais. transformado em te- atro de ópera. Já não se tratava de garantir a sobrevivên- cia de um projecto. está de parabéns”68. as melhores inten- ções têm vindo a estiolar-se. mas de lutar pelos moldes que presidiam à sua concepção. um espaço de debate alargado. com estruturas que garantiam alguma conti- nuidade. A Vingança da Cigana foi a penúltima ópera em cartaz.Opera do Trindade. Nas récitas seguintes. que. nesta impotência realizadora em que. escondendo-se atrás de um paternalismo condescendente. o crítico Humberto d’Ávila escreveu n’O Sé- culo um comentário a propósito do projecto do Trindade. Joly Braga Santos conduziu a orquestra em mais uma representação de La Bohème. que parecia ter alcançado uma certa margem de au- tonomia. assente em quadros estáveis. Quando a Companhia Portuguesa de Ópera do Trindade aparentava uma sustentação sólida. referiu que “o velho Trindade. 5/5/1967. que teria de progredir sem se preocupar com “as reac- ções dos espectadores”. a simples formação e manutenção de uma companhia de ópera portuguesa. 70. por conseguinte. por motivo das características especiais de que se revestia a 69. Os dominados contribuíam para o reconhecimento da sua condição subal- terna: efeito paradoxal do seu acesso ao consumo cultural.Opera do Trindade. O Diário de Notícias apresentou. implicava o reconhecimento do poder instituído e.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 151 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas quer de apoio. um aumento das remune- rações por récita – de 120$00 para 150$00. Humberto d’Ávila. Acrescentaram que o coro tinha aceite “excepcionalmente as mesmas condições vigentes no São Carlos. mesmo para o público e para os artis- tas que ficavam do lado de fora. 6. os próprios artistas e co- laboradores que todas as temporadas ajudavam a construir o projecto do Trindade nunca tinham tirado os olhos do Teatro Nacional de São Carlos. 9. As discussões e os parâmetros de avaliação do género líri- co eram dominados pelos aspectos exteriores dos espectáculos. O elogio apontava o papel digno que vinha alcançando na peugada do brilho do Teatro de São Carlos. das suas funções políticas e sociais. 2/8/1967. p. a oportunidade das encenações. 4/7/1967. com que a FNAT soube tão meritória como bem orientadamente res- ponder à metodologia preconizada pelos sectores mais interessados. Diário de Notícias. O facto de uma hierarquia cultural ser reconhecida pelos diversos actores envolvidos. p. em 2 de Fevereiro de 1967. os elementos do Coro do Teatro Na- cional de São Carlos escreveram uma carta ao seu director pedindo-lhe para reivindicar. “Luzes de São Carlos no Trindade”. Esta gradação valorativa desconsiderava as trans- formações estruturais que o projecto do Ministério das Corporações concretizara. 151 . “As luzes do São Carlos” iluminavam o campo do teatro lírico nacional. junto de Serra Formigal. um editorial intitulado “Luzes de São Carlos no Trindade”70. O simbolismo da tradição e as passagens gloriosas das vedetas que preenchiam as enciclopédias e as memórias operáticas tornavam o São Carlos um espaço mágico. veio provar à saciedade (…) que a promoção de uma autêntica actividade musical nacional só é possível a partir de uma institucionalização das estruturas necessárias…69 A recomposição do meio operático português com a institucionali- zação estrutural promovida pelo Trindade não resultou numa transfor- mação significativa da sua organização simbólica. tanto na produção como na recepção dos espectáculos. em que enaltecia o Teatro da FNAT. Em Setembro do mesmo ano. a presen- ça das estrelas. O Século. também aludido na primeira carta. se veja mais onerado do que o próprio Teatro Na- cional de Ópera. relativamente a um sector de colaboração que lhe é prestada por este teatro. de que os outros elementos do Trindade. 3. p. jul- gamos não nos enganar se afirmarmos que o Teatro Nacional de S. que as temporadas do Teatro da Trindade. 6. “de certo modo experimental em relação ao nosso Teatro Nacional de Ópera. enviada como anexo de uma carta do Teatro Nacional de São Carlos ao Director do Teatro da Trindade em 19/9/1967.”72 Mas Formigal foi mais longe. Ibidem. pp.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 152 A Ópera do Trindade simpática iniciativa desse Teatro”71.500$00 para 2. Arquivo do Teatro da Trindade. pasta 1967. 152 . Exa. Relativamente ao facto. este aliás. pois que foi sempre nosso propósito. p. sendo pouco. 73. Carlos paga aos cantores portugueses por cada récita (1. 72. tinham tido os seus aumentos. Carlos e outras instituições financeiramente mais poderosas que o Teatro da Trindade. Ibidem. tem sido o nosso mútuo desejo e intenção de suas Excelências os Ministros da Educação Nacional e das Corporações e Previdência Social que presidem aos destinos dos Ministérios que ambos servimos. Carlos.Opera do Trindade. Com efeito. Formigal respondeu que os motivos destes aumentos – de 1.000$00 e depois para 2.500$00. é bastante mais do que nós podemos pagar. especialmente os canto- res. 74. pasta 1967. os do Teatro Nacional de S. Serra Formigal respondeu ao direc- tor do São Carlos em 20 de Dezembro de 1967.73 Formigal argumentou que o coro recebera mais pelos espectáculos do Trindade do que pelas apresentações no São Carlos. Carta do Coro do Teatro Nacional de São Carlos ao director do Teatro Nacional de São Carlos. ou 7 mil escudos. Começou por argumen- tar que lhe parecia desaconselhável que um teatro com as características do Trindade. argumentan- do que a iniciativa estatal que sustentava o Trindade fazia parte de uma mesma lógica global que presidia à organização do São Carlos: Teria também muito prazer que V.74 71. que cada vez eram mais raras. 20/12/1967. não considerasse as actuações do Coro do Tea- tro Nacional de S. se processassem em ínti- ma colaboração com o Teatro de S. o que. 1 Arquivo do Teatro da Trindade. e assim temos procedido. dada a sua função nacional atrás referida. Setembro de 1967.os papéis) 5. Carta de Serra Formigal ao director do Teatro Nacional de São Carlos. 2-3. no que respeita aos principais papéis – eram outros: Porquê estas actualizações? Exactamente para diminuirmos um pouco a grande “déca- lage” existente entre os nossos “cachets”. ao contrário dos elementos do coro. Carlos no Trindade (FNAT) como efectuados fora do Teatro Nacional. que se tivesse poupado “ao público dois dramas sangrentos”78. o ordenado anual de 320. A escolha da ópera de um dos mestres do bel- canto não deixava evidenciar as representações importantes que marca- ram o ano de 1968 no Trindade. levando o crítico Nuno Barreiros76.000$00 que Be- chi passaria a usufruir. 153 . juntando a outros 150. A Companhia Portuguesa de Ópera entrou na sexta temporada com a Sonambula. junto do Instituto da Alta Cultura. no Diário de Lisboa. 4. condecorou Tomás Alcaide.”77 A troca da habitual dupla Os Palhaços e Cavalleria Rusticana pela parelha que agregava Os Palhaços e O Segredo de Susana.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 153 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas Ponderando tudo. 78. 76. 77. à custa de muitos sacrifícios. o Presidente da República.000$00 atribuídos pela Gulbenkian. procurou assegurar75. duran- te oito meses.Opera do Trindade. 8/5/1968. O Instituto concedeu o subsídio. de Bellini. 7. quase na totalidade. Solicitou ao Instituto de Alta Cultura um subsídio de 150. Diário de Lisboa. Entretanto. Américo Thomaz. uma das principais colaboradoras de Serra Formigal no Trindade. Diário da Manhã. segundo o crítico do Diário da Manhã. Serra Formigal considerou que era possível au- mentar os elementos do coro. autorizou. JCP. Na estreia. Arquivo do Teatro da Trindade. nas suas funções de professor de canto e cena e de ence- nador. Nuno Barreiros. p. pasta da Correspondência. Carta de José Serra Formigal ao presidente do Instituto de Alta Cultura. uma contribuição financeira para a continuação de Gino Bechi. Entretanto. o que. Serra Formigal aproveitou ainda para informar o presidente do Instituto de Alta Cultura dos excelentes resultados prá- ticos das bolsas de estudo que deram oportunidade às cantoras Zuleika Saque e Elsa Saque de frequentar o Centro de Avviamento do Teatro Mas- simo de Palermo. em 10$00 por récita. 24/5/1968. adepto de um modernismo musical. A encenação de Bechi foi muito admirada.000$00. Nuno Barreiros era casado com Maria Helena de Freitas. de Ermanno Wolf-Ferrari. próximo dos Freitas Branco. a formular um desejo: “Além de a CPO proporcionar emprego a muita gente poderia permitir a alguns elementos experimentar solu- ções que noutros espaços não lhes seriam permitidas. onde trabalharam sob a direcção do mesmo Gino Be- chi. Nuno Barreiros. com- pletava. Ruy 75. com o qual procuramos hoje edificar. o Brasil. Neste caso a rotina é a ópera italiana romântica. p. Serra Formigal arriscou a colocar em palco As Bodas de Fígaro. que se cantam mentalmente. para dirigir seis récitas do Otello. pasta 1968. A terceira apresentação do Rigoletto não impressionou. Serra Formigal convidou-o.000$00. 10/10/1967. Apesar da citada relação lusófona.”80 O director de orquestra desta dupla representação lírica foi o maestro brasileiro David Machado. Essa. um momento importante. Carta de Serra Formigal para o maestro David Machado. Arquivo do Teatro da Trindade. 80. sob o domínio de um regime militar que se intensificara em 1967. Joly Braga Santos defendeu a audácia de representar Mozart só com elementos locais. Diário de Notícias. de Verdi. que é mui- to mais difícil do que em geral se crê. O único inconveniente da insistên- cia do repertório italiano e francês do século passado é que não separa o trigo do joio. 154 . constituiria. Ibidem. que se estimam verdadeiramente. as melodias que milhares de pessoas conhecem de cor – pessoas de todas as classes de ouvintes – em todos os países – frases que vivem na memória. cada vez mais. E assim encontramos a par de partituras geniais. na história da Companhia Portuguesa de Ópera do Trindade. 19/5/1968. O Brasil estava.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 154 A Ópera do Trindade Coelho mostrava-se conquistado pelo Trindade. Ruy Coelho. Serra Formigal continuava a lutar pela progressiva qualificação do seu teatro de ópera. A música que por lá passava não era “música que entra por um ouvido e sai pelo outro. Machado foi contratado pelo seu valor artís- tico. antigo ministro do Exército do seu predecessor. 81. porém. por mais que se pretenda impor – nasce e desaparece porque em música só se gosta do que se aceita natu- ralmente. de Mozart. o general Castello Branco. p. com a subida ao poder de Arthur da Costa e Silva. O seu talento era reforçado pelo facto de ser “natural do nosso país irmão. Formigal prometeu a Machado um pagamento total de 36. a Comunidade Luso-Brasileira”82. que se esquece logo no momento em que se ouve. por mais que se oiça – por mais que se force a audição. rompendo com a exclusividade portuguesa na direcção da orques- tra. Ibidem.”79 A ópera Os Palhaços era o exemplo acabado desse género de “dispo- sição musical genética”. O que se seguiu. ainda em 196781. Os jornais reagiram de imedia- to. ópera que nunca viria a fazer parte do reportório do Trindade. como o 79. pois “são muitas as frases. 5.Opera do Trindade. 82. desde 1964. “porque esse arrojo constitui um louvável esforço para sair da rotina. 5. ”85 O Trindade deixara a sua mediana dignidade. 26/6/1968. A Manon Lescaut. feita em nome de uma “ópera de mais eleva- da qualidade”. afirmavam que Massenet tinha a faculdade de agradar excessivamente desenvolvida. Diário da Manhã. no entanto. 87. em alguns pormenores de As Bodas de Fígaro ainda subsistiam elementos de uma popularização excessiva do espectáculo: Nuno Barreiros exigiu mais contenção. recordou Coelho. Ruy Coelho. de Massenet. peça de António José da Silva88. João de Freitas Branco. advertindo um dos cantores para o facto de a sua personagem ser pouco mozartiana: “Preferíamos que tivesse adoptado um quid de leveza. Alguns críticos.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 155 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas Simão Bocanegra. 86. João de Freitas Branco conside- rou que “o resultado global não igualou… o memorável êxito de As Bodas de Fígaro”. Diário de Notícias. Perfeita. 88. p. em As Bodas de Fígaro. João de Freitas Branco. outras de péssima qualidade musical. O Século. como A Favorita ou Os Palhaços. 4. Joly Braga Santos. 85. não só digna mas decorrendo a nível elevado.”84 O espectáculo em si tinha agradado porque “chegava a parecer impossível: um elenco de cantores portugueses sem prática mozartia- na abalançar-se a umas das mais importantes óperas do mestre de Salz- burgo e conseguir uma realização. O compositor francês foi elogiado por Ruy Coelho. p. 28/7/1968. Que terá sido o primeiro autor literário e produtor teatral de composições operísticas portuguesas. uma concepção menos a traço grosso. O compositor português preferia. 4. altamente positiva. visto que no seu país aquelas óperas que se tornaram mais po- pulares são exactamente as de mais elevada qualidade. Diário de Lisboa.”87 A temporada do Trindade não tinha ainda terminado. Nuno Barreiros. constituiu a segunda incursão do Trin- dade pelo património romântico francês. 4. 155 . p. paradigmática? Evidentemente que não.”83 Se a quebra da rotina. o Werther ou La Bohème. a um nível mais elevado. 5. musicada por António Tei- 83. 84. p. As Variedades de Proteu. por- que o Fígaro de Mozart não é o de Rossini. O Século. 12/7/1968. agradou à generalidade da crítica. Mas positiva. Nesse ponto os alemães estão melhor. faladas e cantadas em português. 13/7/1968. aderindo à ópera de Massenet.Opera do Trindade. especialmente porque os “nossos cantores pronunciam mui- to pior o francês do que o italiano. Idem. 17/7/1968. para se apresentar.”86 O público que preencheu o teatro pareceu não importar-se com o defeito de expressão. recordar as palavras de Debussy: “Invejavam-lhe os grandes puristas que só aqueciam o coração no respeito laborioso dos cenáculos. 90. da responsabi- lidade de Artur Ramos. O Século. até à data.93 A novidade de As Variedades de Proteu não se esgotou na ruptura com determinada tradição de reportório. Como exemplo deste proce- dimento exagerado. que assumiu também a direcção da orquestra. ainda que eu não ouvi mais do que azar: porém casar e azar tudo é o mesmo. pasta 1969. desagradava a sensibilidades mais 89. velho amigo de Serra Formigal. embora musicalmente recebesse o italianismo de braços abertos. 93. Ibidem. com José Serra Formigal. p. 92. Contrato entre Filipe de Sousa e Serra Formigal. 27/7/1968. apesar das pa- tentes divergências políticas. em troca de uma remuneração de 15 mil escudos. Lamentou ainda o cronista de O Século. Diário de Notícias. de música para canto e pequena orquestra entre muitas e diversas passagens declamadas pelos próprios cantores e diversos quadros com as respectivas mutações. o que.89 João de Freitas Branco considerou a peça “um singspiel na melhor tradição germânica”90. a encenação conquistara um papel fundamental na concepção das obras. A mistura de alguns números soltos. Arquivo do Teatro da Trindade. p. 4. 4. conjuntamente. Mais uma vez a obra fora recuperada por Filipe de Sousa. p.”92 Quem não apreciou a obra foi Ruy Coelho. E. 91. 4/4/1968. 4. 156 . com tantos hiatos. cria uma atmos- fera sem acção musical. muitas vezes. tanto no teatro como na ópera. com uma ou outra excepção. p. a uma ou duas linhas de jornal. em detrimento de uma comunicação monopoli- zada pelo canto e a melodia. 28/7/1968. a supressão de um pequeno trocadilho com as pa- lavras “casar” e “azar”: “casar diria. realçando a força dramática do enredo. a dirigir seis récitas de As Variedades de Proteu. causou alguma sensação.Opera do Trindade. em relação às óperas nacionais. introduziu um elemento dissonante na lógica prosseguida por Serra Formigal. A encenação. O impacte das encenações do Trindade na crítica especializada tinha-se resumido.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 156 A Ópera do Trindade xeira. João de Freitas Branco. Num momento em que. A forma músico-dramática de As Varieda- des de Proteu salientava a importância da palavra. como a ensaiar a orquestra e os cantores “tanto ‘à ita- liana’ como de cena”. a fraca acção musical dá monotonia. em 4/4/1968. Ruy Coelho. desde logo. O maestro Filipe de Sousa assinou um contrato. 5. onde se compromete. Ibidem. recrian- do-as de forma que. que Filipe de Sousa tivesse excluído da peça pormenores que poderiam chocar “espectadores com preconceitos”91. p. não sus- citava nenhuma abordagem. afinal.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 157 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas puristas. O ano de 1968 deixava no ar uma aparente intenção de mudança. o Wieland ou o Richard? João de Freitas Branco. a beleza dos ce- nários. Ibidem. A ausência de debate em torno da encenação dos espectáculos não se explica pela falta de interesse que os críticos dos jornais e das revistas. notando o fortalecimento da autonomia da companhia.”94 O insólito da questão suscitou a João de Freitas Branco uma longa pro- sa sobre a encenação. Quando. forçar as expectativas que se colocavam ao seu Teatro. foi. todavia. de Herlschka. a natureza dos reportórios. em As Variedade de Proteu. Freitas Branco analisou o trabalho de encenação. conven- cional: “(…) além dos cenários e figurinos (…) não primarem pelo bom gosto. a quase sensação de ser Artur Ramos o autor da peça. ou será Zeffirelli o seu autor? Discutimos o Barbeiro. o que não pode deixar de produzir um efeito de discrepân- cia. Artur Ramos. 28/7/1968. o público a quem se dirigiam. p. tudo fazia pensar na rotina de um figurino preconcebido. ou a partitura de Rossini? Qual é o Wagner mais importante. Mas o facto de uma ence- nação do Trindade ter originado discussão era por si só uma vitória. um homem com carreira teatral firmada. 94. concebeu uma encenação que transportava a peça de Antó- nio José da Silva para um futuro longínquo com cenários espaciais. 95. pare- cia querer. considerando-o. 4. os elementos executo- res. mais uns do que outros. a marcação cénica mantém-se demasiado próxima das velhas convenções. como espectáculo dos nossos dias. que dizia: “Acaso vamos ainda assistir a La Bohème de Puccini. a encenação passou a personagem principal da ópera: “O que mais carac- terizou estas Variedades de Proteu. restava à crítica salientar a prestação dos cantores. O Século. Estando a encenação modelada. 157 . Freitas Branco cita um artigo de Ernst Krause para a revista alemã Opernwelt. O contexto do Trindade.”95 Para certo ethos artístico.Opera do Trindade. o reportório quase fixo em determinado arqué- tipo. Em comentário. a qualidade da orquestra e o trabalho do maestro. 4. algo inédito nas suas crónicas jornalísticas sobre a Companhia Portuguesa de Ópera. A concepção dos espectáculos. nutriam pelo tema. medindo bem até onde podia ir. Serra Formigal. apesar da aparente inovação. a aparente quebra de uma determinada rotina podia. no Trindade tudo parecia convencional. ser um mero simulacro. exactamente. Orçamento Ordinário da Receita e Despesa para o ano de 1969.o 54. foi repre- sentada uma ópera de Georg Friedrich Haendel. n. No Trindade. Como vão. com a participação de Elsa Saque. realizaram-se também Ida e Volta. de 14/4/1971. e as Cinco Peças. em Colóquio Artes. p. 98. 43-51. No campo do teatro lírico. o oitavo Festival Gulbenkian de Música como aquele que. e O Retá- bulo de Mestre Pedro. Por outro lado. Passaram ainda pelo Festival Gulbenkian. Martha Argerich e o compositor Olivier Messiaen. Mstislav Rostropovitch. 158 .000$00 com o Teatro de São Carlos.006. o Capote de Luciano Chailly. A abertura dera-se no Coliseu dos Recreios. em 1969. a Emissora não tem músicos disponíveis para o Trindade. 1788 (97). utilizar as orquestras do Porto e de Lisboa durante o festival.99 Este valor era na sua maior parte coberto pela contribui- 96. O Trindade estava ainda longe dos cen- tros musicais da capital. As dificuldades de orga- nização da temporada. previa uma despesa total de 4. “O XIII Festival Gulbenkian de Música foi o de maior projecção”. Pela primeira vez em Portugal. motivadas pelas muitas solicitações feitas aos artistas portugueses. 99. ficaram bem elucidadas numa carta que Serra Formigal enviou à cantora Ana Lagoa. de Alban Berg. até àquela data. A temporada de 1969 não se adivinhava fácil. João de Freitas Branco.Opera do Trindade. de Anton Webern. nas páginas da Colóquio Artes97. onde o maestro Claudio Abbado dirigiu a Filarmónica de Vi- ena na interpretação das Três Peças para Orquestra. de Manuel de Falla. Diário das Sessões n. Nesse ano. pedem-me a tua colaboração para um concerto em 21 de Maio. tinha alcançado maior projecção.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 158 A Ópera do Trindade 8. Cláudio e Elsa para diversas e desvairadas datas.96 João de Freitas Branco considerou. as Contas Gerais do Estado assinalavam um gasto de 10. Carta de Serra Formigal para Ana Lagoa. o que me obriga a parar todas as récitas e ensaios de orquestra de 27 a 31 de Maio.o 89. pasta 1969.000$00. entre muitos outros artistas. Junho de 1969. 7/12/1968.225. que decorria em simultâneo com o Festival Gulbenkian. e ainda a do Malta. Karl Richter. a propósito da sua contribuição para os espectáculos previstos. de Paul Hindemith. Alcina. Arquivo do Teatro da Trindade. verdadeiros monopolizadores de eventos e congregadores das sensibilidades mais apuradas: (…) o Festival Gulbenkian de Música do ano próximo veio desorganizar-me de forma importante a temporada. 97. pp. o orçamento98 para a temporada de ópera. Arquivo do Teatro da Trindade. Na nota justificativa do orçamento.000$00 que se pensava arrecadar com a venda de bilhetes.000$00 do Ins- tituto de Alta Cultura. 2. Signi- ficava isto que. 787. num total de despesas extraordinárias que atingia os 177. Serra Formigal e Gino Bechi.500$00 com despesas materiais. Serra Formigal fundamenta a decisão: “Os bilheteiros estavam a metade dos ordenados nor- mais mais baixos dos vários teatros de Lisboa. relativamente a alguns teatros. Não se juntam a estes montantes as despesas extraordinárias do Teatro. 159 . A crítica gostou.000$00 da Fundação Gulbenkian e 75.767. A ocasião serviu para o Presidente da República condecorar. Arquivo do Teatro da Trindade. ocupadas.820$00 prendem-se com gastos com o pessoal100. O espectáculo de estreia. quase exclu- sivamente. 40. mesmo depois deste aumento. Nota justificativa do Orçamento Ordinário da Receita e Despesa do Teatro da Trindade para o ano de 1969. 25. 200. no foyer do Teatro.700$00.000$00. O grau de oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada foi justificado pelos ser- viços prestados à ópera portuguesa.775$00 com paga- mentos de serviços e diversos encargos. numa parte importan- te. O êxito alcançado por As Bodas de Fígaro no ano anterior conduziu Serra Formigal a repetir o evento. 466. conforme verificámos. as possibilidades de apresentar propostas muito variadas. Com a actividade artística o Trin- dade despendia 2. tocada pelo espírito da obra: “Temos no Trindade um espectáculo de elevado 100.3 por cento. Esperava-se 440. A autonomia financeira do Teatro da Trindade situava-se nos 7. O Trindade estava transformado. reservado ao sucesso garantido de um clássico italiano.000$00 de receitas extraordiná- rias.000$00 com o teatro declamado e 19. Face ao reportório do ano anterior. fez-se ao som de La Traviata. Com os mesmos protagonistas. no entanto. mas ficam agora mais equilibrados”. a ópera preenchia 97. num teatro de ópera. do total da actividade artística. Ivo Cruz na orquestra e Benamor na ence- nação.000$00. Quanto ao pessoal de cena (electricistas e maquinistas). por desembolsos com tournées da Companhia Portuguesa de Ópe- ra – 77. acrescentado de 500.000$00. 2.Opera do Trindade. O contexto que envolvia a gestão formal das temporadas e as limitações materiais e humanas da iniciativa reduziam. dos quais 2.708.000$00 com concertos.8 por cento do orçamento. p. tam- bém os seus vencimentos são baixos.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 159 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas ção da FNAT. Notou-se uma tentativa de oferecer produtos novos aos espec- tadores. A restante verba resultaria de rendimentos próprios. As Bodas de Fígaro foram um sucesso. a temporada de 1969 foi menos ousada.700$00 com a ópera. Do total da despesa. perfazendo os 310.700.000$00 da Junta de Acção Social. na altura. pois que um dos seus maio- res defeitos é precisamente maltratar a língua portuguesa com uma prosódia. regressou aos palcos do Teatro.”102 Quem não alinhou no elogio ao nacionalismo operático foi Joly Braga Santos. 4. no entanto. Diário de Lisboa. 160 .N. p. 7/6/1969. já notado. na crónica de 1963. Considerada. 103. A. portanto. aquan- do da primeira representação. assinalando que n’A Serrana “todas essas características fundamentais em que o amor. É útil recordar que este compositor afirmara. A Serrana. em 1963. A sua escrita coral é de fraca orgânica. p. Seis anos volvidos. de facto. em 1963. de Alfredo Keil.103 101. tanto harmónica como polifónica e a orquestração é rudi- mentar e desajeitada. com todos os rodriguinhos do mau te- atro que fez as delícias de muitos dos nossos avós e bisavós (…) dificilmente se compreende o zelo daqueles que teimam em considerar “A Serrana” como uma obra importante do ponto de vista linguístico-musical.”101 Seis anos depois de ter sido escolhida como a representante do patri- mónio lírico nacional para a primeira série de espectáculos no Trindade. surgiu com violência: E só como produto de um romantismo ultra-decadente pode ser apreciado o libreto de “A Serrana”. Ora pairou. Joly Braga Santos. se olvidarmos a polémica interna que marcou a posição de Ruy Coelho. 102. não só cheia de erros. uma escolha certeira. Diário da Manhã. que a obra era “uma ópera nacional de importante valor histórico” com “uma autêntica veia lírica. 5. Nuno Barreiros. um certo desagrado. Diário de Notícias.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 160 A Ópera do Trindade nível.Opera do Trindade. foi sem a envolvência celebratória que caracterizou o lançamento da Companhia Portuguesa de Ópera. como ausente de justa correspondência rítmica na partitura (…) Mas também como linguagem musical a Serrana não pode ser comparada a nenhu- ma das óperas que fizeram carreira mundial no teatro musical verista.. cujo mérito deve aferir-se das responsabilidades do empreendi- mento. dramalhão de faca e alguidar. tinha constituído “uma escolha acertada… para representar a ópera do nosso país”. e que. a paixão sem freio. um bom li- bretto e uma meia dúzia de ideias musicais genuínas”. na realização da Companhia Portuguesa de Ópera um espírito mozartiano. 28/6/1969. 9/5/1969. manteve a sua postura editorial. a violência e a brandura se fundem para conseguir umas das mais signi- ficativas obras de carácter rústico do nosso teatro lírico. apesar de tudo. que a obra foi agora recebida. O Diário de Notícias. Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 161 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas O que em 1963 era admissível, seis anos depois deixara de o ser. Joly Braga Santos, o compositor português que mais se destacava na con- juntura política e social da época, parecia exigir, não se sabendo em que termos concretos, uma nova política para o Trindade, em especial no que respeitava às óperas portuguesas. Seguiram-se Amélia al Ballo, de Menotti, e Il Gobbo del Califfo, de Franco Casavola. Ruy Coelho considerou as óperas, nomeadamente a primeira, “na linha das melhores óperas italianas, onde a música é sempre mú- sica e não mera especulação da escrita.”104 A Joly Braga Santos também agradou a ópera de Menotti; quanto a Il Gobbo del Califfo, “Lasciate mo- rire lo chi è morto.”105 João de Freitas Branco sugeriu que a ópera de Casa- vola “é uma brincadeira cénico-musical suficientemente conseguida para proporcionar um recreativo entretenimento.”106 Werther, de Mas- senet, voltou a levar aos palcos do Trindade o romantismo exacerbado. A temporada finalizou com três óperas de Rossini: La Scala di Seta, Cam- biale de Matrimonio e Adina. Com o maestro Mario Pellegrini a dirigir a orquestra, Artur Ramos foi o responsável pela encenação. Quase to- dos os críticos concordaram que das três óperas, só a Cambiale di Ma- trimonio poderia proporcionar um bom espectáculo. Entretanto, nas páginas da Vida Mundial, o crítico Mário Vieira de Car- valho107, numa retrospectiva da temporada da Companhia Portuguesa de Ópera do Trindade, sistematizou um modelo alternativo ao tipo de concepção artística que ia decorrendo no Teatro.108 Antes, porém, apon- tou aquelas que julgava constituírem-se como as principais deficiên- cias estruturais da organização da FNAT: a) o ensino da música, além de restrito geográfica e socialmente, não está estrutura- do com o mínimo de dignidade e eficiência: assim, o recrutamento e formação dos cantores (dos músicos em geral) processa-se ao acaso da fortuna e das vocações im- provisadas; b) o magistério de Gino Bechi, exercido “a latere” e em função dos espec- táculos do Trindade, nunca poderá suprir a ausência de formação de base; c) cantor de ópera é profissão que não existe no nosso País; os cantores são tratados oficialmente 104. Ruy Coelho, Diário de Notícias, 18/6/1969, p. 5. 105. “Deixai morrer o que está morto”. Joly Braga Santos, Diário da Manhã, 22/7/1969, p. 4. 106. João de Freitas Branco, O Século, 19/6/1969. 107. Mário Vieira de Carvalho desempenhava as funções de crítico musical no Diário de Lisboa, na Seara Nova e na Vida Mundial. Defensor de estéticas vanguardistas, era um opositor ao regime, membro do Partido Comunista Português. 108. Mário Vieira de Carvalho, Vida Mundial, n.o 1574, 8/8/1969, p. 58. 161 Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 162 A Ópera do Trindade como amadores, para os quais a ópera representaria um “hobby”, a amenizar as can- seiras de uma vida profissional bem diferente; d) o tipo de ópera que se faz no Trin- dade não serve a educação popular, já pelo tradicionalismo tantas vezes gratuito e sensaborão do repertório, já pelo público restrito que a ele acorre (menos aberto do que o Coliseu, embora também menos aristocrático que o do S. Carlos).109 Vieira de Carvalho, não deixando de considerar importante o papel que o Trindade assumira na carreira dos artistas portugueses, referia que o “mérito será maior se o reportório se renovar, se a Companhia tra- dicional se transformar em Companhia experimental, se a problemáti- ca abordada em cena for, tanto quanto possível, sentida e vivida por uma plateia de hoje, se o ir ao Teatro da Trindade deixar de ser um hábito pe- queno-burguês dos vencidos da vida.” Termina afirmando que “a grande missão da ópera no Trindade ainda é a de colocar na ordem do dia as re- formas estruturais que se impõem.”110 As reformas que Vieira de Carva- lho pretendia ver concretizadas no Teatro da Trindade erguiam-se contra o modelo de ocupação de tempos livres preconizado pela FNAT. Tendo em conta as finalidades culturais e políticas da organização corporativa, a organização de um teatro experimental com um reportório que acentuas- se a função social e política da ópera era uma impossibilidade evidente. Por outro lado, as reformas no panorama músico-dramático portu- guês não faziam parte das atribuições do Ministério das Corporações e da FNAT, aos quais a ópera só interessava como instrumento políti- co. O que se ia passando no Trindade, em relação à ópera, resumia-se a um efeito colateral das políticas de ocupação de tempos livres. 9. O impacte que a actividade operática do Teatro da Trindade represen- tou para as carreiras de muitos artistas foi reforçado, em 1970, quan- do o orçamento ordinário do Trindade concedeu uma verba destinada a descontos para a previdência social. O objectivo da profissionaliza- ção, definido desde o início por Serra Formigal, estava mais perto. Como 109. Ibidem, p. 58. 110. Ibidem. 162 Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 163 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas consta da Nota Justificativa do Orçamento Ordinário do Teatro para o ano de 1970: Nos “encargos com os artistas” verifica-se uma menor despesa prevista em relação a 1969, apesar de se considerar a contribuição para a Previdência, que não só nos é exi- gida pela Caixa respectiva, como representa uma decisão de eminente justiça social, primeira e importante medida no caminho da profissionalização sócio-económica do cantor lírico português, que assim é iniciada (…)111 O orçamento para 1970 previa a diminuição das récitas totais de ópera, de 36, em 1969, para 30. Desde que a Companhia Portuguesa de Ópera da FNAT apresentava espectáculos no Trindade vinha-se assis- tindo a uma redução progressiva do número de récitas, durante muitos anos colmatada com um aumento de óperas apresentadas. As contri- buições externas da FNAT, da JAS, da Gulbenkian e do Instituto de Alta Cultura, mantinham-se nos mesmos valores absolutos. Serra Formigal esperava apresentar cinco óperas: La Rondine, de Puccini, na sua pri- meira audição em Portugal, Fausto, de Gounod, Carmen, de Georges Bizet, Madame Butterfly, de Puccini e La Domanda di Matrimonio, de Chailly, que também seria uma primeira audição no nosso país.112 O reportó- rio, que pela primeira vez não contava com uma ópera nacional, regis- taria uma alteração: a ópera de Chailly foi substituída pela dupla Rita e Cavalleria Rusticana. A célebre ópera de Bizet abriu a época no Trindade. Para a encenar veio de França o regista Jean-Louis Cassou.113 O encenador francês era um seguidor atento da experiência do Trindade, chegando mesmo a escrever dois artigos para a revista francesa Opéra sobre a Companhia Portuguesa da FNAT. Demonstrando-se um adepto do modelo de ópera praticado pelo Trindade, sobretudo pelo carácter popular das récitas114, suportadas por subvenção estatal, Cassou, depois de uma passagem por Lisboa, em 1968, onde assistira aos primeiros dois espectáculos da 111. Nota Justificativa do Orçamento Ordinário do Teatro da Trindade para o ano de 1970, Arquivo do Teatro da Trindade, p. 2. 112. Ibidem, p. 2. 113. Jean-Louis Cassou fora director do Centre Lyrique Populaire de France e desempenhava, na altura, as funções de ence- nador. 114. Jean-Louis Cassou, «Le Theatre de la Trindade a Lisbonne: une expérience passionnante de théâtre populaire», Opéra, n.o 69, Setembro de 1967, pp. 44-45. 163 Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 164 A Ópera do Trindade temporada de ópera, La Traviata e As Bodas de Fígaro, discordara das so- luções cénicas dos espectáculos. La Traviata do Trindade caracterizara- se pela sua estética académica; As Bodas de Fígaro foram demasiado clássicas: “Nulle invention scénique, nulle recherche dans l’interprétation.”115 A “Carmen” de Cassou, que marcou a estreia aclamada de Isabel Mala- guerra, não fez os encantos do público. O crítico da Vida Mundial, Car- los Rego116, apreciou a encenação que caracterizou pela sua contenção, pouco voltada para grandes expansões e movimentos, porventura a ex- plicação para o descontentamento dos espectadores. Se a Carmen apareceu no Trindade mais depurada, a La Rondine, de Puccini, segundo a crítica, enveredou por caminhos mais complacen- tes, algo proporcionado pela própria natureza da obra, que os críticos concebem mais perto da opereta. Carlos Rego, no final da sua aprecia- ção, interrogou: “Os resultados foram por sua parte, bons, mas deixa- mos a questão. Teria valido a pena dar vida a uma ópera de qualidade deveras inferior?”117 De Rita e Cavalleria Rusticana destacou-se a estreia da cantora Teresa Barbieri. Seguiu-se a La Bohème e o encerramento com um Fausto, de Gounod, prezado pelos jornais: A qualidade do espectáculo espantou-nos (…) Para o Trindade, o seu pequeno espa- ço disponível, as suas limitações de aparelhagem, este Fausto é de craveira notável (…) Infelizmente acontece no Trindade que uma ópera não resulta por haver um desnível abismal entre os vários elementos que compõem o elenco, caso da última Butterfly, por exemplo.118 Finda a temporada, Serra Formigal recebeu uma carta na qual os cantores do elenco do Teatro de Ópera expressavam um conjunto de reivindicações. Serra Formigal, como referiam, conhecia-as, e dera o seu aval à realização de reuniões para os artistas discutirem a sua situação. O primeiro ponto tratava da questão das remunerações. Argumentavam que os cachets auferidos eram idênticos aos de 1963, quando do início das actividades da Companhia. Em 1963/64, foram pagas, no que res- 115. Jean-Louis Cassou, “Comment Nait l’Opéra Portugais de Demain”, Opéra, n.o 78, Julho de 1968, p. 31. 116. Carlos Rego, Vida Mundial, n.o 1614, pp. 62-64. 117. Carlos Rego, O Século, 16/5/1969, p. 11. 118. Carlos Rego, O Século, 15/7/1970, p. 11. 164 000$00.”120 Os artistas reivindicaram. aspiração fundamental do seu director. foi generoso: principais papéis 4. Sustentando as reivindicações salariais dos cantores. as récitas reduziram-se para oito por ópera. o que totaliza 15.000$00 para os segundos. o número de óperas. pagas a 2.500$00 a récita.200$00. pasta 1970. muito baixos (…) Desta forma o Trindade não pode ser es- timulante. 20/7/1970.000$00 por récita para os papéis principais. no entanto. implicava um pagamento de 16. na altura “plenamente aceites porque todos com- preenderam o objectivo grandioso que V. tendo o pagamento subido para 2.000$00. 120. 3. no total. ser feitas deste modo.000$00.Opera do Trindade. aumentara. todos sentimos mais exigência. As contas devem. 121. o que.119 Segundo os cantores. tratar-se de um esboço de carta à direcção da FNAT. Carta dos Artistas Líricos da Companhia Portuguesa de Ópera do Trindade ao director do Teatro.”121 O pedido do director do Trindade à direcção da FNAT. a situação artística da Companhia Portuguesa de Ópera do Trindade atingira um patamar incompatível com a modéstia dos primeiros salários. segundos 2. sustentando as exi- gências dos cantores.400$00 e pequenos 1. talvez por isso. A afirmação da Companhia Portuguesa de Ópera do Trindade no meio operático nacional. Parece. (…) Felizmente. variando a sua intervenção consoante a programação apresentada. tanto dos críticos como do público.000$00. Serra Formigal esperava fortalecer a autonomia de um projecto que continuava a sofrer duras comparações com a re- alidade do São Carlos. não chegando aos números sugeridos pelos artistas. muitos deles ilegíveis. nem todos cantores tinham um número de récitas assegurado. até certa altura. no entanto. com efeito. Por outro lado. era incompa- tível com as remunerações praticadas. o que perfazia 15. Ibidem. Entre 1967 e 1970 o número de récitas baixou para seis por ópera. 119. A primeira frase ainda é perceptível: “Os cachets são. o que implicava mais récitas. além de alguns pormenores relativos à orga- nização dos ensaios.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 165 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas peita aos papéis principais. dez récitas a 1. e 1. 165 . Se as récitas vinham a baixar progressivamente. o nível dos espectáculos evoluiu favoràvelmente durante as últimas temporadas e.Exa se propunha realizar e todos nos orgulhamos de ter dado a colaboração necessária dentro do melhor que cada pode.000$00.500$00 para os pequenos. Em 1965 e 1966. Arquivo do Teatro da Trindade. o pagamento de 5.500$00 cada. O director do Trindade encheu a margem esquerda do original da carta com pequenos comentários. p. Em documento interno que resu- mia o trabalho realizado até ao ano de 1970. por razões de ordem financeira e por serem as duas entidades – Teatro da Trindade e Teatro Nacional de S. Carlos – interes- sadas no sector. distinguir as melhores realizações apresentadas no palco do Teatro da Trindade… Tal discernimento constitui prova (em relação a alguns sectores) de que a obra empreendida vem dando frutos. A distribuição dos papéis e respectivas remunerações122 para as óperas a apresentar em 1971 confirmaram a concretização dos aumentos su- geridos à FNAT por Serra Formigal. a quem cabia a coordenação e pacificação controlada dos diversos interesses sociais e económicos. Carlos. 166 . 123. porque “só pode obter-se em colaboração com o Ministério da Educação Nacional através do Tea- tro de S. Arquivo do Teatro da Trindade. Experimental no sentido de procurar um caminho e de se analizar as reacções do público. Documento que resume o trabalho realizado no Trindade. Temporada de Ópera de 1971 – Repertório e Elenco. como projecto de produ- ção e de formação. Fora das atribuições de um Ministério como o da Educação. O caminho está encontrado há muito e o público tem reagido o melhor possível. 124. quer em número quer em entusias- mo. pasta 1971. O “Trindade do futuro” deveria ser valorizado pela sua relevância na es- fera cultural e não apenas como um instrumento da política social do país. pasta 1971.”123 Tal finalidade só seria alcançável com um acordo institucional.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 166 A Ópera do Trindade 10. 2. Na introdução do programa das óperas do Trindade para 1971. Ibidem. Arquivo do Teatro da Trindade. referiu-se à representação de 400 récitas. Existe 122. fosse integrada em estruturas estatais relacionadas com o universo cultural. geralmente.Opera do Trindade. Ser- ra Formigal expressava todas estas tensões: A fase experimental já lá vai. a institu- cionalização de uma estrutura operática era uma realidade complexa. sabendo.”124 Serra Formigal sabia que a continuidade do Trindade estava mais se- gura se a Companhia Portuguesa de Ópera. A meta se- guinte era alcançar “o profissionalismo integral dos artistas líricos na- cionais através da formação de um quadro estável. p. quer em discernimento. pode dizer-se. em que participaram 360 mil espectadores. 2. Esse seria o seu lugar natural. e não no inte- rior de uma instituição que funcionava sob a alçada do Ministério das Corporações. que financiava o São Carlos. era uma posição de poder bastante apetecível. mas alargou-se a um público mais vasto. os trabalhadores – mesmo os mais modestos – não perderam o seu lugar e estão em sua casa. 115. É nessa leva de renovação que é nomeada a Co- missão de Reforma do Conservatório. Carlos. na re- vista Arte Musical. foi a situação da ópera em Portu- gal que lhe mereceu prosa maior. de alguns espectáculos”. 3. A nomeação de João de Freitas Branco para o São Carlos terá deixado para trás outros concorrentes possíveis. pròpriamente.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 167 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas já hoje um grupo de melómanos que não saiu. onde se definira “em bases estáveis. muito es- pecialmente. que apresentava aspectos inequivocamente positivos. Muito embora uns e outros se juntem com o novo grupo da rejuvenescida sala do velho Trindade. Carlos. de Fevereiro de 1970. João de Freitas Branco. 126. no Trindade. até certo ponto. Porém. p. A nomeação de João de Freitas Branco. p. uma companhia portu- guesa de ópera126 (…) a insistência num reportório tradicional estrangei- ro compreende-se. como Ruy Coelho e José Serra Formigal. 127. Fevereiro de 1970.Opera do Trindade. Freitas Branco escreveu. 1971. Esta iniciativa da FNAT destina-se a eles. momento marca- do na esfera cultural pelo esforço de José Hermano Saraiva em captar para os organismos culturais do governo um conjunto de intelectuais desafectos ao regime. O São Carlos mantinha-se “fiel ao programa-tipo lançado há um quarto de século.”127 O desequilíbrio na distribui- 125. ao longo destes nove anos. O cargo de director do São Carlos. As noi- tes de estreia adquiriram até. Ibidem. um resumo da temporada que acabara de passar. pois não raro deparamos com pessoas conhecidas. desempenhado durante décadas por José de Fi- gueiredo. dos antigos frequen- tadores do Coliseu nem dos actuais assinantes de S. Programa da Temporada de Ópera da FNAT. Arte Musical. A situação. 167 . parecia estagnar. p. com parecer negativo da polícia política. Antes de a nomeação se concretizar. no Coliseu. porque assegura uma considerável probabilidade de êxito junto do público. com o ulterior aperfeiçoamento das repetições. sur- giu no dealbar da chamada “Primavera Marcelista”. que fazem parte da assistência elegante de S. Num panorama geral em que o Festival Gulbenkian se destacara de todos os outros eventos. 115. José Serra Formigal.125 As considerações de Formigal coincidiram com a nomeação de João de Freitas Branco para a direcção do Teatro de São Carlos. mercê do bom nível conse- guido em tantos espectáculos. um ar de gala. o 5.” Ópera. 132. 130. a ópera remete-se a uma postura mais tradicional centrada na figura do cantor. era outro dos seus objectivos. 133. percorresse. não só por se tratar da entidade que dá expressão e conteúdo à representação. O novo director do São Carlos esperava reformar os reportórios.o 1. Considerava importante a criação de uma nova orquestra sinfónica “que fizesse as temporadas de ópera e de bailado do São Carlos e do Trindade e que. em que a figura do encenador ombreava com a do compositor na análise dos espectáculos. “os meios eficientes de educação musical. são o concerto sinfónico e a récita de ópera: precisa- mente aquele que só por milagre se desloca aonde mais falta está fazen- do. nos restantes meses. ao qual. 168 . “em poucos milha- res de habitantes de Lisboa e Porto. A revista Ópera nasceu em Novembro de 1969. Março de 1970. Ibidem. dando especial atenção às obras contemporâneas e descentralizando a origem geográfica das ópe- 128. p. para que não continue desaproveitado um dos melhores meios de elevação men- tal e de preenchimento de tempos livres de uma nação”. nos tempos que decorriam. compete a formação de cantores. a revista Ópera130 publi- cou a primeira entrevista131 com o novo director do São Carlos. Ibidem. Em termos de concepção de espectáculo. João de Freitas Bran- co desejava ainda a criação de uma relação profícua com o Conservatório.”129 No seu quinto número.128 A democratização musical estava adiada porque “os melho- res agentes de captação. 10. 129. estendida a todo o País e a todos os graus de ensino. junto de pessoas desprovidas de qualquer gosto pela música séria. 116. pode consagrar ou comprometer todo o espectáculo e a obra do autor. p. 131. que devia assegurar. em tournée a província. 11/1969. 116. afirmou. 12. seja ela per si medíocre ou excelente.” A modificação de tal panorama cabia ao Estado. p. 10-11.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 168 A Ópera do Trindade ção da produção musical levou Freitas Branco a considerar que não exis- tia “uma autêntica vida musical portuguesa” mas. ou também devido à carência destes predicados. o hábito de assistir a espectáculos musicais”. para formação de professores. n. acrescentando às temporadas já existentes conjuntos de espectáculos protagonizados por companhias portuguesas ou estrangeiras. Como dizia o seu articulista Sebastião Cardoso. para “que os seus elementos possam viver dessa actividade”133.”132 A possibilidade de profis- sionalizar o coro do São Carlos. sem qualquer “dirigismo asfixiante”. Ibidem. como até por ser ele quem. João de Freitas Branco pretendia ampliar a actividade do teatro. p. Ibidem. logo no primeiro número: “Teremos portanto de admitir ser o cantor o elemento catalisador desta composição heterogénea. mercê do talento ou capacidade interpretativa. em Março de 1970. pp.Opera do Trindade. A sua lógica redactorial insere-se com perfeição nos objectivos de popularização do género lírico firmados pelo Trindade. Entrevista de João de Freitas Branco a Ferrão Júnior. compositores e executantes. 10. Ópera n. p. o que implica- va “a reorganização do ensino profissional em conservatórios e outras escolas. p. segundo o interesse de ambas as partes. Passam. as de Henry Purcell e Benjamin Britten. assegurando as- sim os problemas de reforma. 5) Alargamento da actividade a sectores culturais à margem da ópera. 6) Ligação ao Conservatório. desde que a qualidade fosse assegurada. Entrevista de Serra Formigal à revista Ópera. francês e alemão. exposições. Pensar é Morrer ou o Teatro de São Carlos na mudança de sistemas sociocomunicativos desde fins do séc. já decorria: Ambiciono conseguir que. colóquios.o 6. Abril de 1970. que os utilizariam conforme as necessidades de reportório o exigisse. Sobre este assunto já conversei também com o direc- tor do S. cujos elementos pudessem ter contratos anuais ou bi-anuais. 3) Criação de um Departamento de Dramaturgia. 169 .qxp 5/28/07 11:25 AM Page 169 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas ras. XVIII aos nossos dias”. com George Gershwin. p. p. Um mês depois. Mário Vieira de Carvalho. pois até agora estes têm sido considerados amadores. por exemplo. por exemplo. entretanto. 135. 2) Criação de uma orquestra privativa do TSC. n. 1993. etc. então.Opera do Trindade. assim. como. tanto mais que as respectivas temporadas não coincidem. Lisboa. 136. que reinava no São Carlos. Carlos e sei que ele está igualmente na disposição de envidar os seus esforços para vir a conseguir benefícios semelhantes para os cantores portugueses e elementos do coro que pertencem àquele teatro. 14. como a Checoslováquia. No que respeita às óperas portuguesas. A todas estas medidas fundamentais há que acrescentar outra de importante valor simbólico: João de Freitas Branco decidiu abolir a obrigatoriedade do traje de cerimónia134. 14. As óperas inglesas. 257. a descontar para a caixa de previdência respectiva.136 134. o enquadramento institucional para o processo de profissionalização dos cantores que. 1.1 – Essa companhia só faria reportório que pudesse verdadeiramente dominar. A cumplicidade com o projecto de João de Freitas Branco parecia evidente: Com efeito gostaria que se considerasse a existência de uma Companhia Portuguesa de Ópera. bem como de autores contemporâneos e portugueses.135 Criar-se-ia. em breve. José Serra Formigal concedeu uma entrevista à mes- ma revista. 1. havia que intensificar a sua pre- sença no São Carlos. para facultar a estudantes finalistas estágios na companhia residente ou na orquestra. sejam distribuídas as primeiras carteiras pro- fissionais de artísticas líricos. onde a companhia residente deveria dar espectáculos regulares. dos concertos e do bailado.. Ibidem. INCM. Ópera. e as obras de outros países. passando os cantores a ser considerados como pertencentes aos dois teatros. Mário Vieira de Carvalho refere as propostas que João de Freitas Branco apresentou na lei orgânica por si elaborada: 1) Criação de uma companhia residente que actuaria em alternância com companhias estrangeiras.2 – Esse reportório deveria consistir em obras cénicas do período compreeendido entre Monteverdi e Mozart. 4) Descentralização da actividade do TSC para a província. que seriam renovados. americanas. foram algumas das nomeadas para desfazer o monopólio italiano. e o cantor em função destas”. impunham. crian- do-se “uma atmosfera de sabor clássico. 6/5/1971. na obra de Gluck. para o drama musical. em benefício de outros aspectos mais superficiais do espectáculo. compunham. recusavam. O Século.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 170 A Ópera do Trindade Na mesma entrevista. contra a “pomposa roupagem barroca”140. na abertura da temporada de 1971. momento de reforma no sentido de uma reivindicação. 13. Serra Formigal arriscou apresentar. referiu que o Orfeo e Eurídice “marcou uma data padrão na História da ópera. da sua essencial verdade dramática. n. uma obra inesperada: o Orfeo e Eurídice. 11.300. acabando com as “cedências a virtuosismos fáceis”. A ausência de obras nacionais. solene sem redundâncias. 11. 138. 137. em dois anos consecutivos.”138 Edmundo Oliveira. Procurava-se continuar a “seguir o critério de enriquecer o reportório da Companhia Portuguesa de Ópera com algumas obras significativas da dramaturgia lírica. 139. João Paes. João Paes. Edmundo Oliveira. pelo papel da pala- vra e do libreto como materialidade artística fundamental. José Serra Formigal. na Vida Mundial. abreviavam. sem qualquer espécie de consi- deração por aquilo a que hoje se chama a vontade do autor. p. 42. algo esquecida então. p. de Gluck. demonstrava o afrouxamento de imposições exte- riores e um consequente fortalecimento da autonomia do empreendi- mento. Programa da Temporada de Ópera da FNAT.o 1670. Vida Mundial. 11/6/1971. porque a “música faz-se em função da letra.Opera do Trindade. 170 . 42 140.000$00 o contributo anual do São Carlos para as temporadas do Trindade.”139 A autono- mia das formas impunha-se pelo emergir da figura do autor. Pela segunda vez. nas páginas d’O Século. antes de se referirem à representação do Trindade. Ibidem. detiveram-se sobre a importância histórica da obra. acen- tuou a importância paradigmática da obra porque “com ela é desferido um duro golpe na proverbial prepotência e ‘falso orgulho dos canto- res’(…) Alteravam.”137 Quase todos os cronistas. 1971. punham e dispunham a seu bel-prazer. p. e. uma temporada de ópera no Trindade não apresen- tou nenhuma obra portuguesa. depu- rava-se a obra. p. Serra Formigal estimou em 2. 47-50. considerando que tudo esteve bem. 42. “Da Ópera à Telenovela”. o “coro reencontra o magnífico papel que lhe reservara a tra- gédia grega”. tolerado por ser ino- fensivo. euritmia de estilo. a ópera devia ser a expressão das emoções humanas. p. p. Diário de Lisboa. 42. 9/7/1971. A orquestra da Emissora Nacional. 11/6/1971. p. se alguns críti- cos não se coibiam de tratar mal o São Carlos. João Paes. e que tornavam a arte um mero pretexto para a representação de uma pedagogia social. sofreu reparos consideráveis. Mário Vieira de Carvalho. 147.142 O compositor alemão é ainda uma referência na luta pela autonomia da criação artística.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 171 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas religiosa sem lamechices” em que “os personagens são reduzidos ao mínimo”. 1999. visando sobretudo o trabalho do encenador Jean-Louis Cassou. Relógio D’Água. e João Paes145 foi mais contundente. o “bailado deixa de servir pretextos fúteis para se integrar na acção” e “tudo tende para o máximo aproveitamento de meios”141. pp. Carlos”146. com a palavra acentuada musicalmente. Nuno Barreiros. através do seu modelo comunicativo. plasticidade. enfim. poucos pruridos tinham em desfazer as aventuras de um pequeno teatro. Nuno Barreiros. 142. p. Apenas Nuno Barreiros. toda ela exigindo transparência so- nora. 4. sobretudo tratando-se de uma partitura como a de Gluck. 146. Ibidem. acabou por referir a importância do repertó- rio mais antigo ter saído das “paragens aristocráticas e aristocratizantes do S. Vida Mundial. Por um lado. Gluck é uma figura-chave da história da ópera. que nunca fora bem tratada pelos especialistas. com a acção. 11. Só Ruy Coelho descurou comentários mais apurados. 5. existia o perigo do enfraque- cimento da eficácia social dos espectáculos. A conquista de uma credibilidade artística não estava isenta de riscos. a estrutura da hierarquia absolutista. Lisboa. Razão e Sentimento na Comunicação Musical. inspirada por Rousseau.o 1670. 6/5/1971. como um acto preten- sioso e algo contraditório. Edmundo Oliveira. a alguma crítica. Ruy Coelho. Diário de Lisboa.147 141. p. 144. Diário de Notícias. extensíveis à direcção do maestro italiano Sérgio Magnini: “O agrupamento que actua no Trindade sob a designação de Orquestra de Ópera da Emissora Nacional está longe de atingir aquela qualidade desejável. 171 . A ousadia do Trindade ao apresentar uma obra de tal significado soou. 6/5/1971. Mário Vieira de Carvalho refere que a obra de Gluck exprimia o desejo de abolição de todas as formas líricas que sustentas- sem. Por outro. 9/7/1971. O Século. 145.Opera do Trindade. apesar das várias considerações negativas. 143.”143 O crítico Edmundo Oliveira144 achou inqualificável terem atribuído o papel de Orfeo a uma mulher. n. Nesta viragem iluminista. A sua arte reflecte a decadência do absolutismo às mãos dos valores ideológicos do ilumi- nismo burguês. gerar a identificação do público com o drama. como estava acordado desde 1966. 2. Mais tarde. p. mas teve virtudes que conseguiram. 4. 14/9. trocou uma série de cartas com Ruy Coelho.a. A obra seria dirigida. 6. 14/4/1971.a. a sua ópera Inês de Castro no repor- tório do Trindade para a temporada de 1972. “autenticidade sensível”. esta Lucia de Lam- mermoor veio repor as coisas mais no seu lugar.Opera do Trindade. jogando abertamente com toda a própria soma de qualida- des e limitações num invulgar testemunho de autenticidade artística e humana (…) Foi nesta perspectiva que todos os ridículos se diluíram e se aceitaram de boa mente todas as fraquezas. 5. Edmundo Oliveira ficou surpreendido com a forma como os cantores portugueses tinham conseguido o “milagre de criar qualquer coisa de muito digno e apreciável. 12. Entre 1 de Setembro e 18 de Outubro de 1971. de Formigal a Coelho. onze mil escudos por récita (num total de seis). 18/10. 8/9. pelo maestro Silva Pereira. “globalmente agradável”. “salutar mo- déstia”.a.a. 7. 4/9. resposta de Coelho. contudo. resposta de Coelho. Edmundo Oliveira. de Gluck. resposta de Coelho.”149 O Elixir do Amor. Vida Mundial. no entanto. 16/9. 149. 59. informando-o das suas intenções de incluir. ao fim e ao cabo.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 172 A Ópera do Trindade A Lucia de Lammermoor fez o comboio voltar aos trilhos: Depois da entrada em falso desta temporada de ópera do teatro da Trindade. João Paes. 3.a. O Século. resposta de Formigal. O espectáculo teve imperfeições. 6/10. 150. cujo capital de êxito era reconhecido apenas dentro dos limites do seu lugar peri- férico na hierarquia da qualidade artística. relativos a direitos de autor e material. La Bohème e Andrea Chénier completaram um reportório dentro do espírito do Trindade. proporcionou-se à Companhia Portuguesa de Ópera do Trindade rea- 148. Coelho acedeu. resposta de Formigal. pedindo. p. prevalecer. Entretanto. Coelho anuiu. Troca de cartas entre Serra Formigal e Rui Coelho. 12/10. O Barbeiro de Sevilha. o nível a que tem pago as óperas estrangeiras. Arquivo do Teatro da Trindade.a. 172 . Formigal afir- mou que não pode dar mais do que três mil escudos. 1.148 João Paes fez desfilar os adjectivos que julgava consentâneos com as tímidas ambições de um teatro de segunda: “honestidade”. 28/5/1971. carta de Coelho. que foi a pretensiosa e sensaborona representação do Orfeo. por compromissos estabelecidos havia muito tempo.a. Serra Formigal viu reabertas feridas antigas. pasta 1971.150 Primeiro. é certo – outra coisa seria milagre –. Carta de Serra Formigal a Juan Pamias. Arquivo do Teatro da Trindade. O reportório apresentado pelo Trindade. num contexto em que a nova direcção do São Carlos imprimia um cunho modernista à programação do teatro nacional de ópera. o director do Trindade. Em Outubro de 1971. Arquivo do Teatro da Trindade. ofendido. Coelho. Para não sobrepor ensaios. Vieira de Carvalho. que os “empre- sários gostam de falar e pensar pelo público e confundem os seus gos- tos pessoais com o gosto do público. de Marcos de Portugal. inventariando as óperas que passaram pelo Teatro. na revista Rádio e Televisão153. pasta Correspondência.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 173 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas lizar uma representação portuguesa no Teatro de Ópera de Barcelona – que nunca se chegou a concretizar. 36. recusou. Na mesma carta. p. por ocasião de um in- quérito publicado pela mesma revista no dia 14 de Agosto. Já em Julho de 1969. afirmando. Carta de Serra Formigal à revista Rádio e Televisão.Opera do Trindade. Rádio e Televisão de 2/10/1971. considerou o reportório do Trindade de um italianismo “comum e rotineiro”. Serra Formigal escrevera ao director Juan Pamias. propondo ao compositor português a transferência da Inês de Castro para a temporada de 1973. perguntando-lhe acerca das possibilidades da sua companhia representar em Barcelona a Condessa Caprichosa.”154 O director do Trindade. 153. 8/11/1971. Formigal informa Pamias da condecoração que recebera do Presi- dente da República na presença de altas figuras do regime. 173 . Carta de Filipe de Sousa a José Serra Formigal. para assim “continuar o bom nome deixa- do pela Serrana”. Ibidem. pasta 1971. e em jeito de introdução. concluiu que das 33 óperas que constituíram o reportório em 151. citado por Formigal. apesar dos problemas com as cedências dos seus direitos. 36-37.152 12. é deles que depende a formação ou deformação do gosto do público. 152. A Vingança da Cigana acabaria por ser a terceira ópera da temporada do Trindade. 154. na posse do maestro Filipe de Sousa. Como são os empresários que têm nas mãos a forma de fazer chegar ao público determinado tipo de arte. pp.151 Formigal ponderou e decidiu que a Inês de Castro não cumpriria bem a função. substituiu a obra de Ruy Coelho por A Vingança da Cigana. era cada vez mais o alvo preferencial das crí- ticas efectuadas por especialistas do meio musical erudito. 23/7/1969. ainda. ópe- ra mais trabalhada pela companhia e susceptível de garantir um me- lhor espectáculo. respondeu ao conjunto de críticas apontadas por Mário Vieira de Carvalho aos es- pectáculos da Companhia Portuguesa de Ópera. Luigi Dallapicola. no mesmo universo teatral. de Wolf Ferrari. A argumentação da contemporaneidade também não introduz uma profunda alteração na comunicação. e mesmo das portuguesas A Serrana. elaborado por Robert Deniau para os anos de 1969/70. presente no programa da Ópera Nacional de Cuba. Verdi e Puccini obtivera 1600 representações em 76 dos principais teatros da Europa. Schönberg e a dupla Weil-Brecht. num mesmo modelo de relação entre a produção e a recepção das obras. pelo menos três eram contemporâ- neas – Amélia al Ballo. alguns dos autores que Vieira de Carvalho considerava como boas hipóteses para o Trindade. ou da sua datação. representavam apenas 4 por cento do número de espectá- culos de ópera conseguidos pelos mestres italianos. A maior parte das óperas não pertencentes a um património italiano clássico representadas no Trindade integrava- -se. Ibidem.”155 A resposta de Serra Formigal consistiu na apresen- tação do comentário sobre La Traviata. Alban Berg. Vieira de Carvalho afirmara que as óperas do Trin- dade eram apresentadas “dentro de uma concepção tradicional pouco esclarecida.Opera do Trindade. algo que se aplica aos exemplos italianos que Formigal adiantou.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 174 A Ópera do Trindade nove anos de actividade. não passava tanto pela discussão da na- cionalidade das óperas. Gounod e Bizet. embora a tradição operática a isso convide. todavia. de Menotti. apenas tre- ze pertenciam ao reportório italiano tradicional. Afirmou ainda que das óperas italianas apresentadas. para provar que o quarteto Rossini. Adiantou ainda que. p. Formigal re- correu ao Boletim Lírico Internacional. Por fim. Foi o caso das óperas francesas de Massenet. O programa cubano caracterizava a obra como um “ininterrumpido curso de las bellas melodias que Verdi habia escrito. 174 . Noutro momento. apagando o significado cultural e ideológico profundo que essas óperas têm. para não suscitar preferências. Donizet- ti. 37. Das 33 óperas referidas. para além das ób- vias divergências políticas. tendo em conta o que envolvia a sua apresentação no Trindade. junto 155. e o Segredo de Susana. de Casavola. A origem do debate. Il Gobbo del Califa. onze não eram italianas. número que excluía os italianos. Condessa Caprichosa ou A Vingança da Cigana. As divergências entre Formigal e Vieira de Carvalho assi- nalavam diferentes concepções de modelo artístico. Ibidem. 156. à imagem de qualquer empresário.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 175 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas al emocionante impacto de un argumento romántico.” Posto isto. as batalhas políticas travavam-se com armas que lhe eram inerentes.157 Nas fronteiras deste campo. acreditando nas possibilidades transformadoras dos seus modelos de vanguarda. la querella de los amantes apasionados y su tardia reconciliación. em grande medida. escapadista e sem temática válida. por não dominarem o código. Neste afeiçoamento ao gosto. querelas de amantes apaixonados… que dirá a isto o Dr. que conduzem a uma maior propensão para consumir determinados produtos cul- turais. necessário tanto para uma captação pedagógica como a um efeito ideológico baseado na satisfação. no Trindade. resultantes das socializações hegemónicas. belas melodias. Jorge Peixinho e Fernando Lopes-Graça. no entanto. esta vertente de intervenção não assentava em qualquer tipo de populismo cultural. embora fos- sem personagens presentes. auto-sacrifício. 37. e que este fosso que separa as suas propostas das massas é. Serra Formigal. Se o modelo de teatro lírico pro- posto pelo musicólogo era politizado.”156 Os termos em que Mário de Vieira de Carvalho colocara a questão não eram. O facto de o controlo da produção cultural ser responsável pela forma- ção. e deformação.Opera do Trindade. perguntou Formigal: “Argumento romântico. p. basado en auto-sa- crifício. assentou precisamente o êxito considerável da ópera da FNAT. que a “cultura popular” estava bem mais próxima da concepção do empresariado. A sua tomada de posições políticas e sociais através da arte era mediada por modelos es- téticos e formais decorrentes da própria autonomização do campo da arte. um património de formas culturais que o público a atin- gir estava habilitado a reconhecer sem esforço. do gosto público. escapava a dimensão destas lutas. Pense-se na sua predilecção por Bela Bartok. Carvalho? Certamente pensará que este Conselho Nacional de Cul- tura está rotineiro. puramente políticos. explorou. não invalida que existam predis- posições. o mesmo que se- para as classes sociais. 157. 175 . aos espectadores externos. Luigi Nono. Grande parte das crí- ticas ao Trindade feitas por pessoas situadas na oposição ao regime não reconheciam. Ao contrário. Ibidem. Salientando o papel fundamental que a organização da FNAT desempenhou no fomento do género lírico em Portugal. pela adesão permanente do público. Ibidem. permitia que Formigal encarasse o futuro da companhia de forma diferente.161 João de Freitas Branco terá sugerido.158 O assunto fo- cava o futuro da Companhia Portuguesa de Ópera. O mesmo pensamento ocorreu. Carlos. à semelhança do que se fazia “na Alemanha. em Itália. ao Ilustre Director do Teatro Nacional de S. há dias. 176 . o género decaía às mãos de “direcções políticas” e “explorações comer- ciais incompetentes”160. ao declarar pùblicamente. p. 2-3. Informação de José Serra Formigal ao presidente da FNAT sobre a Companhia Portuguesa de Ópera. objectivado no número dos seus espectáculos. pp. 1.Opera do Trindade. com inteira razão. pela participação e formação dos artistas. que facultava aos variados agentes envolvidos condições para desenvolver a sua actividade sem percalços financeiros. ao presidente da FNAT. Carlos. As novas condições que estruturavam o campo operático nacional são essenciais para compreender a informação que Serra Formigal escre- veu. 161. 160. a pátria da ópera. 159. 1. Áustria e Es- tados da Cortina de Ferro”159. Ibidem. preten- der constituir uma companhia lírica portuguesa para actuar no Teatro Nacional de S. em 27 de Janeiro de 1972. As relações institucionais entre o Trin- dade e o São Carlos possibilitavam uma transformação no desenvolvi- mento da ópera em Portugal: Parece pois que a Companhia Portuguesa (…) atingiu um grau de desenvolvimento e profissionalismo que aconselha a que seja revista a sua posição no enquadramen- to orgânico que lhe deve caber dentro da planificação e sistematização das activida- des culturais do País. num programa de televisão.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 176 A Ópera do Trindade 13. o director do Trindade começou por expor a importância que o investimento público representava na institucio- nalização de uma ópera sustentada. p. preenchendo os meses em que o teatro nacional de ópera não estava 158. Arquivo Serra Formigal. O trabalho desenvolvido no Trindade. a transposição da companhia que actuava no Trindade para o São Carlos. condições de concretização. c) Parece-me. d) Tal procedimento produzirá a almejada e necessária democratização do Teatro como acontece na generalidade dos teatros da Alemanha. quase sempre.Opera do Trindade. não podem dar a verdadeira medida das possibilidades dos canto- res. nas sucessivas temporadas no Coliseu do Porto e récitas dadas no congénere de Lisboa: casas sem- pre cheias e êxito total. justificado institucionalmente pela sua relevância social. aliás. de certa forma. por o S. consistiu na organização da Companhia Portuguesa de Ópe- ra. julga-se que. a espectáculos de ópera com preços muito acessíveis. o que certamente ainda melhor se conseguirá no Teatro de S. enfim. com me- lhores possibilidades de promoção profissional e imunes de futuras discussões sobre o seu justo enquadramento orgânico. É uma questão de senso e realismo. interessado em fazê-la pois que sempre pensou que o Teatro Na- cional de Ópera era e é a instituição própria e o quadro natural para tal actividade se desenvolver e expandir. nomeadamente na província. Tal solução. Carlos. Carlos não a ter feito nem estar. “óperas de repertório” embora em temporadas po- pulares. o me- lhor galardão para o seu labor de 10 anos neste sector. orientada no sentido de a Companhia Portuguesa realizar não apenas espectáculos «especiais» que. política e ideológica. além das habitualmente realizadas por companhias estrangeiras.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 177 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas ocupado com as temporadas internacionais. Ficou explícito. França e cortina de ferro. im- portante a posição actual da Direcção do Teatro Nacional de S. Áustria. Carlos e que os preços sejam baratos. Deve notar-se. para a FNAT. na verdade. constitui. lhes pertence. E a prova em grandes salas está feita quanto à Companhia Portuguesa. passando a fazer parte dos quadros do São Carlos. na íntegra. b) Desde que a Companhia Portuguesa atingiu grau suficiente de desenvolvimento e o Teatro Nacional de S. Os artistas portugueses seriam profissionalizados. ao tempo. então. o nosso parecer é de que tal será a melhor solução para os artistas lí- ricos nacionais. porém. O que é preciso é que as récitas sejam cuidadosamente prepa- radas. o erro consistiria em cobrar o mesmo preço para se ouvir uma companhia de celebridades internacionais e a Companhia Portuguesa. que os objectivos perseguidos com a formação da Companhia Portuguesa de Ópera do Trindade reu- niam. outrossim. Carlos a julga digna de ser recebida no quadro normal das suas actividades. as explicações do director do Trindade: a) A FNAT só produziu a obra hoje existente no sector. Dado o exposto e após ter ouvido o parecer da Direcção da FNAT que foi favorável. que a única forma de o público traba- lhador ter podido assistir. mas também e normalmente. por os situar na instituição que. Seguem-se. Serra Formigal explicou. o modo instrumental como o director do Trindade utilizou a oportuni- dade que o Ministério das Corporações e Previdência Social lhe conce- deu para efectuar um trabalho cultural. se o Teatro Nacional de São Carlos obtiver a concordância superior para dar sequência ao seu plano de incorporação da Companhia Portuguesa 177 . a FNAT deverá deixar de realizar temporadas líricas no Teatro da Trindade. p. numa acção paralela à que se pratica quanto aos espectáculos de ópera e ballet no Coliseu dos Recreios. iria produzir temporadas populares a preços acessíveis para grupos sociais afastados do São Carlos. 18/5/1972. Ruy Coelho163. relativamente aos espectáculos populares realizados por este Teatro com a Companhia Portuguesa. (…) O público da FNAT não seria. rejubilou com a tradução da ópera alemã para o português. caso se concorde superiormente. a partir de 73. 3-5. Tal solução permitiria à FNAT incrementar a sua actividade no teatro da Trindade. reforçavam. 14. a colaboração com o S. pela aquisição de bilhetes que seriam vendidos a preço mais baixo aos seus beneficiários. planificar-se-iam igual- mente. com A Flauta Mágica. na nossa lín- gua. fórmulas de comparticipação e colaboração que possibilitassem continuar a le- var a Ópera à Província. As presenças no camarote de Américo Thomaz e do ministro das Corporações e Previdência Social. não reflectindo nas suas apreciações jorna- lísticas os problemas que tinha com a direcção do Trindade. dirigido por João de Freitas Branco. das obras-primas do teatro lírico. 8. profissional e amador. 178 . Ibidem. E. José Atalaya afinou pelo mesmo diapasão.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 178 A Ópera do Trindade de Ópera. O Teatro de São Carlos. para a qual era essencial “a difusão da cultura operáti- ca nas camadas populares através de sucessivas edições. integraria. Aquela que parecia ser a última temporada da Companhia Portuguesa de Ópera no Trindade começou. p. o Trindade passava a exemplo históri- co edificador. prejudicado nos seus hábitos de assistência a espectáculos líricos porquanto. O Século. Ruy Coelho. sobretudo nos sectores do teatro declamado. de Mozart. uma Companhia Portuguesa de Ópera. naquela noite. 164. a “um bom espectáculo – e 162. Baltazar Rebelo de Sousa. a demanda de uma arte nacionalista. 163. 20/5772. outrossim. José Atalaya.”164 Atalaya aproveitou a ocasião para afirmar que se assistiu. 5. espectáculos que não se quedariam apenas pela capital. segundo Formigal.Opera do Trindade. segundo este maestro. ambiciosamente. pp. Diário de Notícias. afirmando que era essencial que a obra lírica fosse entendida pelo público. Carlos continuaria.162 De teatro de ópera de segunda. Vida Mundial. 166. O Século. A temporada fechou com a ope- 165. o articu- lista registou uma dolorosa continuidade.o 1722. 9/6/1972. n. Edmundo Oliveira. p. de 34 óperas diferentes. p.169 Numa apreciação ge- nérica. 169. reconhecendo que a “delicadeza de uma semelhante operação nem sempre surte às primeiras tentativas”.Opera do Trindade. Ibidem. 49. 170. 17/6/1972. Em relação aos cantores. e a contínua permanência das participações artísticas eram sinais de alarme e reflectiam o problema da falta de renovação dos elencos e da centralização da actividade operática. 167. n. 179 .”165 Defendeu ainda o enorme interesse em popularizar a ópera.o 1728. 4. embora tenha constituído um momento importante da Companhia Portuguesa de Ópera. 8. uma “realidade evidente que não interessa às nossas camadas de ‘elite’. p. para insistir na importância dos espectáculos do Trindade no “sentido de encaminhar para a ópera e a opereta determi- nadas camadas até aqui obedientes.”166 A tradução de A Flauta Mágica. sem o surgimento significa- tivo de novos talentos. José Atalaya. à graça. Ibidem. da Lakmé. Edmundo Oliveira167. mere- ceu alguns reparos do crítico da Vida Mundial. rítmica. O cantor espanhol Mário Rodrigo foi o protagonista. p. apenas. ao lado de Eli- sete Bayan. valorizada e sublimada pela música (…) faz da ópera um espectáculo tão popular como o teatro de revista. Embora o número de 451 apresentações. pois o “impacto provocado na plateia que segue uma determinada acção teatral. 49. Edmundo Oliveira. do mau teatro ligeiro (também há bom teatro ligeiro). de Leo Delibes. p. a lisboetização dos eventos – “Lisboa absorveu 85.6 por cento dos esforços da FNAT”170 –. 21/7/1972. Ibidem. tornando-a um vec- tor essencial da cultura popular. 8.”168 A reposição da ópera portuguesa sugeriu a Edmundo Oliveira uma análise mais larga das temporadas do Trindade. tantas vezes gros- seira. ópera “fra- quinha” com um final “extremamente perigoso. Vida Mundial. fosse aceitável. vocálica e conceitual” para explicar um espectácu- lo menos conseguido. 168. porque tende a desli- zar para a palhaçada”. apontou problemas “de ordem vocabular. 52. concluiu que a situação estagnara.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 179 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas não apenas digno ou válido (como é agora moda dizer-se). José Atalaya aproveitou a estreia de A Vingança da Cigana. p. p. 59.o 1731. com a sua A Viúva Alegre.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 180 A Ópera do Trindade reta de Franz Lehar. Edmundo Oliveira. Diário de Notícias. da graciosidade. só são irredutíveis por excesso de intelectualismo e excesso de crítica.”172 A análise de Oliveira. 180 . Ibidem. como não se pergunta porque se vive – vive-se. A Viúva Alegre. a rapidez com que o público esgotou as seis récitas da opereta. preocupada com o abastardamento do género lírico. num serão músico-dramático ligeiro de baixa qualidade.”171 Observou ainda que. 11/8/1972. como há pouco no teatro da Trindade. n. estreada em Viena. 59.”173 A defesa da opereta serviu para Ruy Coelho manifestar mais uma vez o seu antimodernismo militante. através da opereta. seja do ponto de vista artístico ou. esta opereta de Lehar. é contrariada por um Ruy Coelho. Na categoria opereta cabia tudo: “Será que o respeitável instinto público estará a sugerir um tipo de programação que o não esqueça na satisfa- ção e respeito pelas suas qualidades básicas? Franz Lehar. 25/7/1972. político ou ético: A opereta é a linguagem em superfície brilhante. operou um curioso consór- cio: o do ‘can-can’ com a valsa. não engana. não se pergunta porque se gosta – gosta-se. p. p. mesmo se. Os “milhões de direitos de autor” que Franz Lehar arreca- dara não eram suficientes para pagar “os tesouros do bom humor. além do sucesso português. por aquela. em 1805. Ruy Coelho. Edmundo Oliveira. 173. não têm preço. 172. conquis- tado pela ópera para as massas. 5. E quanto se ouve. Vida Mundial. ao que parece. transformado. notando. Os dois géneros.Opera do Trindade. O pensamento leal dessa música é simples. significando isto que a “frivolidade – fraquinho europeu. pior ainda. da boa disposição. não exclusivo do século xviii –” sempre se pagara bem. a opereta “con- tinua sendo uma das valentes atracções turísticas da Viena estival dos nossos dias”. claro. nas suas muitas diferenças. reverberando contra os produtos culturais de pequenos grupos de intelectuais que querem impor ao “po- vo” a sua forma de ver o mundo. da alegria” que “valem muito mais. nenhuma lição de espiritualismo nacionalista ou pedagogia doutrinária se conseguisse vislumbrar. 171. com algum desdém. afirmou que valia “a pena dobrar o número de representações porque o público acorrerá sempre com sofreguidão nunca satisfei- ta. intérpre- tes. constituindo-se. acentuou que o objectivo da FNAT de “programar espectáculos de carácter elevado”. p. uma realidade inquestionável da ópera em Portugal. a iniciativa do Trindade prosperara com o tempo. foram tam- bém todos os que. Em Julho de 1972. público – estabelecem uma compreensão mais rápida do que infindáveis co- mentários. decorrente da sua trans- ferência para o São Carlos. achavam que a “cultura popular” poderia ser transfor- mada em algo mais consentâneo com o seu gosto cultivado. Documento da direcção da FNAT que traça um diagnóstico geral das actividades da Fundação. Arquivo Serra For- migal. Ibidem. colocada à esquerda. traba- 174. como se não pergunta porque se vive. o autor. Neste contexto. p. O carác- ter prospectivo do documento indicava que a hipótese de dissolução da Companhia Portuguesa de Ópera do Trindade. 181 . a lógica enunciada por Coelho tinha um vasto património social para explorar.” Para desgosto de quem espe- rava da arte uma contribuição para uma nova mentalidade esclarecida. a importante actuação na província. que perderam. 175. não foram apenas aqueles situados numa posição política crítica. período do quarto Plano de Fomento governamental. vive-se. 1972. como se não discute porque se vive. presente desde a aquisição do Teatro da Trindade em 1962. idênticos à apreciação da vida: “não se pergunta porque se gosta – gosta-se. Batendo-se com bastantes dificulda- des. na altura. 36. se mantinha incólume.175 Do conjunto da programação do Trindade resultara uma grande conquista: a Companhia Portuguesa de Ópera. 15. 5. O texto destacou. além das récitas no Trindade. 47 récitas. Na rubrica respeitante ao Teatro da Trindade e às suas várias activida- des.174 A apreciação e consumo da arte eram. sem discutir porque se gosta. já não se colocava. a direcção da FNAT redigiu um extenso documen- to que diagnosticava os problemas da organização e apresentava algu- mas soluções que deveriam ser postas em prática entre 1974 e 1979. provavelmente Serra Formigal.Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 181 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas (…) Esses rápidos momentos de simpatia da comunhão de todos – obra. para Ruy Coelho. Revelaram-se. à época. 41-42. França e Países da Cortina de Fer- ro”. numa orquestra de ópera. como havia sido várias vezes sugerido. este manifestou a opinião de que. reflectindo sobre o assunto. O documento aponta duas essenciais: a profissionalização do artista do teatro lírico e as colaborações orquestrais. No entanto.Opera do Trindade.176 Algumas lacunas continuariam a marcar a iniciativa. 177. O facto impedia esta de se desdobrar. obrigava a um desfecho pronto. considerava um erro grave o desaparecimento da ópera no Trindade. Por manifesta insuficiência financeira do Trindade. pp. nesse momento. A primeira.177 João de Freitas Branco concluíra que a solução ideal consistia “na for- mação de uma Companhia Residente com os melhores elementos por- 176. Quanto à profissionalização dos artistas de ópera.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 182 A Ópera do Trindade lho pioneiro. foram referidos o aumento das remunerações e a inscrição dos artistas na Caixa de Previ- dência dos Espectáculos como duas primeiras medidas importantes. as razões que obviaram o prossegui- mento das intenções de Formigal em transportar para São Carlos a sua companhia de ópera: Em anteriores conversações com o director do Teatro Nacional de São Carlos. e participar nos espectáculos do Trin- dade. Ibidem. “julgamos ser esta a principal e única razão”. ou seja. a contratualização anual ou bianual dos artistas. p. apesar de estar em vias de re- solução. recebendo estes um vencimento mensal que lhes asseguraria a desejada estabilida- de. que o São Carlos não pudera fazer. afirmou o autor com alguma ironia. A formação da Orquestra Filarmónica Municipal de Lisboa “roubou” os instrumentistas de arco à Orquestra da Emissora Nacional. em colaboração com o São Carlos. em vias de se extinguir. Ibidem. 182 . A contribuição orquestral esta- va. em condições mui- to mais favoráveis do que num teatro com as tradições e o público do Teatro Nacional de São Carlos. tal procedimento seria executado. realização já cimentada e com experimen- tação para os jovens artistas líricos e revelação de novos valores. 38. dados os enormes encar- gos financeiros que as companhias estrangeiras acarretavam. que se- ria o modelo seguido na “Alemanha. como até à data sucedia. era impossível o Trindade encetar o processo ideal. 183 .Opera do Trindade. Ibidem. Quatro pontos marcariam a actividade até 1979: a) continuação da lógica até então assumida. o Teatro do Estado apenas dispõe de um coro. segundo o documento atrás citado. p.”179 Os problemas humanos e materiais típicos de um meio musical pouco institucionalizado arriscavam-se a ser os agentes da extinção da ópera no Trindade.181 A obrigatoriedade de a FNAT. depois da reflexão de João de Freitas Branco. em conjugação com o quarto Plano de Fomento. Ibidem. pp. No entanto. 179. todas as outras propostas estruturais. incrementado o número de espectáculos cantados em língua portuguesa. 181. 180. d) incremento da acção na província. por razões não avançadas no documento. sugerida pela pró- pria Câmara Municipal. “pretende ter a sua orquestra privativa e com inteira autonomia. que se cada récita do Trindade custava sensivelmente 100. Embora al- guns dos seus artistas estivessem em vias de fazer parte de uma com- panhia residente do São Carlos. 42. programar as suas actividades até 1979 parecia garantir que a Companhia Portuguesa de Ópera. 40. Ibidem.180 Os objectivos da companhia.000$00. A alternativa. seria a criação de uma terceira orquestra para a ópera no São Carlos e no Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 183 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas tugueses e alguns estrangeiros. 43. a Companhia Portuguesa de Ópera revelou as fraquezas do estatuto de parente pobre do meio operático nacional. A divergência entre as duas direcções foi também evidente no que respeita ao problema com a orquestra. no São Carlos a simples presença de uma vedeta internacional implicava o dispêndio de 140. 41-42. A Câmara de Lisboa. para efeitos comparativos. pois que. indispunha-se a ceder a sua nova Or- questra Filarmónica Municipalizada.”178 Apesar da diplomacia. Serra Formigal estava agastado. Ibidem. independentemente da questão da profissionalização dos artistas líricos e da sua hipotética integração nos quadros do São Carlos. e para três meses de opereta no São Luís.000$00. pareciam ter sofrido um revés. Serra Formigal chegou a afirmar. b) profissio- nalização progressiva dos artistas líricos nacionais. No momento em que parecia mais sustentada. apesar dos problemas. c) encomenda de óperas a autores nacionais. Acontece que a direcção do Teatro de São Carlos. foram elaborados para os seis anos considerados. actualmente. que assegure um nível elevado. continuaria a sua actividade. sendo todas as companhias que ali actuam contratadas em regime de empre- zariado. p. notava-se 178. p. em que afirmara as suas intenções de reformar o meio ope- rático nacional. o maestro Ivo Cruz. e o director da orquestra. Carta de José Serra Formigal a W. 183. 16. foi acordada a colaboração da Or- questra Filarmónica de Lisboa para a totalidade da temporada. Carta de Serra Formigal à direcção da FNAT. 6. e a Câmara Municipal de Lisboa suportaria o contrato dos músicos externos à orquestra.. enunciando o acordo entre a Câmara Municipal de Lisboa. o Teatro de São Luís. A temporada de 1973 contou com seis obras. p.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 184 A Ópera do Trindade a marginalização do projecto por parte dos vários interesses situados no interior do meio operático. Programa da Temporada de Ópera da FNAT. ficava expressa a vontade do director do Trindade de apresentar uma tradução portuguesa desta obra rus- sa na temporada de 1973. Arquivo do Teatro da Trindade.”184 O director do Trindade aproveitou para confrontar João de Freitas Branco com as suas declarações públicas. embora tudo estivesse acertado. (sem data). Contudo. Em carta encontrada nos arquivos do Teatro da Trindade. 1973. intitulada: “Apontamentos sobre as conversações relativas à colaboração da Orquestra Sinfónica na temporada de ópera popular da FNAT no Teatro da Trindade”.183 Na introdução ao pro- grama dos espectáculos. o processo nunca se veio a desenvolver. o projecto morreria sem qualquer possibilidade de resistência. e de alguns de sopro. A FNAT não tinha competências para dar o passo essencial. Serra Formigal denunciava a situação pericli- tante da ópera do Trindade. criando uma Companhia Portuguesa de Ópera. Bessel & Cie. A organização de um núcleo de ópera inserido na Filarmónica de Lisboa implicava a contratação de dez músicos de arco. José Serra Formigal.000$00. Os eixos desta colaboração foram firmados numa carta de Serra Formigal182 à direcção da FNAT. 184 . 184. “escritas e tele- visionadas”. No momento da redacção da carta. dirigida aos detentores dos direitos da ópera de Modeste Mus- sorgsky. A situação parecia sugerir que se o apoio estatal. 23/6/1972. exteriores à Filarmónica. O Trindade pagaria a importância habitual de 500. num valor es- timado em 500. por qualquer razão. via Ministério das Corporações. 182. Boris Godunov. pasta 1973. a institucionalização de uma Companhia Portuguesa de Ópera: “A profissionalização integral e o ensino adequado e completo do artista lírico são funções do teatro nacional de ópera e das escolas ofi- ciais de música. estrangeiros.000$00. o acordo não tinha ainda existência formal. fosse posto em causa. Arquivo do Teatro da Trindade. Depois de aturadas negociações.Opera do Trindade. 20/5/1973. Ruy Coelho e João Paes. p. 4/5/1973. 187.Opera do Trindade. p. Inês de Castro ficou de fora da programação. Coelho aludiu à “prudência e sentido práti- co”185 que o Trindade tem demonstrado na escolha dos reportórios: “não se tem corrido o risco. de Bel- lini. 5. e aquela tonalidade permeável ao sonho e à realidade. que não se acomodam fa- cilmente de soluções de compromisso. de Domenico Ci- marrosa. Acrescentou-se a este conjunto A Sonâmbula. 5. em repetição. quando disse que a verdadeira educação é a que é eminentemente nacional. Cavalleria Rusti- cana. em 1792. 5. Ibidem. Diário de Notícias. ser re- presentada juntamente com o clássico de Mascagni. e o espectáculo de estreia. 5. consideraram a escolha acertadíssima. a obra da FNAT “implanta-se naquele princípio educativo de Gar- rett. p. 185 . 189. Ibidem p. de intensidade dramática. p. obra que. 186. por razões diferentes. Ruy Coelho. Diário de Notícias. tantas vezes inútil. que fora estreada em Viena. 4. 5. de Massenet.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 185 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas Ruy Coelho viu a sua ópera em um acto. e a estreia de Dom Qui- xote. 190. Álvaro Cassuto dirigiu a ópera.”188 A representação do Werther.”190 185. N. O Matrimónio Secreto.”187 João Paes concordava com a representação da obra de Ci- marrosa porque era adequada a um Trindade que desistira das ousadias: “Operazinha notável (…) que pode vir a conquistar mais gente do que as versões deficientes de obras consagradas. se desenvolve e afirma. “contém todos aqueles elementos de ex- pressividade. afirmou o arti- culista do Diário de Notícias. à vida e à morte que dela se desprende: este um dos méritos do drama lírico. p. ao amor e ao sofrimento. Ibidem. Rosas de Todo o Ano. A Viúva Alegre tentava repetir o sucesso de público conquistado na época transacta. João Paes. O Século. causou forte efeito no público do Trindade: “O público bem sentiu aquele tão aliciante e su- gestivo clima de natureza romântica em que a obra vibra. de dar ao público óperas que sejam charadas ou meras palavras cruzadas. 1/5/1973. Massenet ocupou um terço das representações: Werther.”186 Para o composi- tor. 188. de romantismo exacerbado em que música e drama se casam tão intimamente e se projectam na cena com a força imanente das coisas irreprimíveis e chegam ao espectador com todo o seu domínio e convencimento”189. ou como. Como exemplo do estado a que chegaram as coisas. Rosas de Todo o Ano.191 A melhor encenação de Bechi com uma extraordinária actuação de Álvaro Malta. de Massenet. além de um inusitado auto-elogio193. segundo uma estatística recente. na sua temporada deste ano. p. As palavras de Coelho. mas tocando cada executante aquilo que muito bem quisesse. p. 193. nem partitura. depois de o seu nome encerrar a crítica. dizendo o seguinte: “Antes de começar a Cavalleria Rusticana. Não havia. é de três pessoas em relação a um público de seis mil. reflectiam a discussão interna que vinha travando com Formigal: A direcção (…) do teatro incluiu assim uma ópera portuguesa.” Diário de Notícias. 5. o que levará a erradamente se con- cluir que. em português. 17. se tornasse. em Portugal. nem obra.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 186 A Ópera do Trindade A Sonâmbula. tendo-nos que limitar às óperas do 191. Ruy Coelho. e que apesar de “enriquecerem a paleta sonora” criaram uma “atmosfera ab- surda que leva alguns ouvintes a somente acharem genial o incompre- ensível”. 4. com a presença de Américo Thomaz no ca- marote. o seu ponto alto. que teria no Dom Quixote. Diário de Notícias. surge um pequeno parágrafo. num contexto musical em que havia “demasia- das poluições musicais que estabelecem demasiados equívocos”. acentuou a lógica de continuidade da temporada. de Bellini. num universo de ruptura com a tra- dição. porque quando se eliminam as óperas do nosso tempo. p.”192 Ruy Coelho não suportava a ideia de que um espaço tão ordenado e hie- rárquico como o da orquestra. e uma ópera actual. mas os aplausos do público foram formidáveis. A categoria do espectáculo. dispensou-lhe aplausos prolongados e entusiásticos. 192. abriu uma excepção para comunicar aos leito- res d’O Século a satisfação proporcionada pelo espectáculo do Trinda- de. portanto. serviu para Ruy Coelho acentuar o seu efeito de “regenera- ção auditiva saudável”. nada se criou de novo. Coelho referiu “a curiosa experiência de dar um concerto em que a orquestra simulou ler os seus papéis. que deixara de fazer crítica de ópera desde o momento de chegada à direcção do São Carlos. o público que encheu o teatro. comungada pela generalidade da crítica. O compositor não se inibiu de fazer a crítica à ópera de sua auto- ria. manifestando o franco agrado com que ouviu a sua ópera Rosas de Todo o Ano. 27/6/1973. João de Freitas Branco. vendo entrar na sala o maestro Ruy Coelho. noutro âmbito. de repente. não assinado. o da sociedade portuguesa. isso certamente criará o equívoco. (…) felizmente que essa espécie de ouvintes. 186 . O Século. 13/7/1973. 27/6/1973.Opera do Trindade. João de Freitas Branco. No final do artigo de Ruy Coelho. 195. sem recorrer a artifícios inúteis ou falsos. Este documen- to incluía um prefácio de Fernando Lopes-Graça e um anexo final da autoria de Jorge Peixinho. 653. de Gershiwn. José Atalaya ou Blanc de Portugal. A Viúva Alegre fechou a temporada de 1973. Diário de Notícias. alvo de uma posição política crítica sobre a sua evolução recente. o Trindade parecia cada vez mais convencional.”195 A defesa do “Trindade popular”. A direcção de João de Freitas Branco conseguiu dinamizar o São Carlos: transformou o seu reportório e diversificou as encenações. Mário Vieira de Carvalho. de Stravinsky. 196. A temporada de 1974 começou em Maio. bastante cáustica em relação ao reportório e às encenações do Trindade. O maestro brasileiro Da- vid Machado assegurou a direcção da orquestra. Círculo de Leitores. de Britten. J. p. Foi o último espectáculo que decorreu na vigência do Estado Novo. 5. já depois da queda do regime. O denominado Grupo Sócioprofissional de Músicos do Movimento CDE de Lisboa. seria coisa nenhuma. estreando-se ainda. 197. Lopes-Graça apresentou no São Carlos a sua ópera D. em Outubro de 1973. considerado por Ruy Coelho um “encenador sé- rio. cantores de ópera. Fernando Rosas.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 187 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas passado. membros do Grupo de Música Contemporânea de Lisboa. compositores. A encenação esteve a cargo de Couto Viana. Il Prigioneiro. coralistas e críticos musicais. p. Ibidem. de Schoenberg.).Opera do Trindade. este pequeno texto procurava unificar a posição dos músicos perante as transformações que a massificação da arte em 194.197 Conside- rado pelos seus redactores como um documento inédito no meio ar- tístico português.196 Face a este cenário.M. pela pena de homens como Ruy Coe- lho. “Música erudita”. vol. próxima do Partido Comunista Português na clandestinidade. 5. O Grupo Socioprofissional dos Músicos da CDE de Lisboa foi constituído a propósito da campanha eleitoral de 1973. textos que não estavam assina- dos. 187 . Comissão Democrática Eleitoral do Movimento Democrático Portu- guês. Neste caso não verdadeiro. 17. de Dallapiccola. Con- gregava instrumentistas de várias orquestras. um mestre do teatro. Erwartung. II. Dicionário de História do Estado Novo. Na sua base terá estado uma célula de músicos criada por elementos do PCP. Na direcção de Freitas Branco. Lisboa. o que deixaríamos como herança espiritual ao futuro. Lulu. de Alban Berg. A situação da ópera em Portugal foi. The Turn of the Screw. The Rake’s Progress. de Darius Milhaud. entre outras. Ruy Coelho. publicou um opúsculo intitulado Pela Música em Portugal. 13/7/1973. Porgy and Bess. Médée. contrastava cada vez mais com a crítica mais vanguardista e politizada. Duardos e Flérida. p.194 A direcção da ópera escapou a Ruy Coelho. Brandão de Brito (org. no sentido de considerar a música como parte de uma formação geral. Ibidem. me- lhorias das condições de trabalho. com um mais justo acesso à carreira musical e a descentralização social e geográfica das actividades musicais. a formação de orquestras autogeridas e autónomas. p. desenvolver o movimento associativo e recreativo popular e expandir o movimento coral. as verbas destinadas ao Trindade saem efectivamente da bolsa dos trabalhadores (via Ministério das Cor- porações…) e. O São Carlos carecia de mais subsídios “para que deixe de ser propriedade privada da alta finança e dos últimos aben- cerragens da aristocracia e se transforme num verdadeiro teatro nacional. o público que frequenta aquele teatro é essencialmente constituído por estratos da pequena burguesia. o seu coro profissional e a sua orques- tra próprios. Arte de in- discutível feição popular. 201. com a intolerável su- pressão de liberdades fundamentais. impedia a organização dos profissionais da música em grupos que defendessem os seus interesses. por outro lado.198 Das considerações gerais sobre a democratização da vida musical portuguesa foi destacado um caso paradigmático: a ópera. p. abolição dos regimes de exclusividade e elabora- ção de um contrato colectivo de trabalho. por seu turno. na generalidade. 12. colocação dos media ao serviço da música. em Portugal. A posição do grupo relevava a função social da música no progresso histórico e humano. “um músico de corte numa sociedade burguesa-fascista”. intérprete e público. Outubro de 1973. tornar-se um instru- mento das classes dominantes. 188 .qxp 5/28/07 11:25 AM Page 188 A Ópera do Trindade Portugal impunha nas relações entre compositor. Ibidem. Carlos). pois.”200 O Trindade. a ópera devia ser democratizada. nem sequer revertem em favor da cultu- ra destes. adoptando uma postu- ra classista. pp. o que acentuava as hierarquias sociais e.Opera do Trindade. ao fim e ao cabo. com a sua companhia de ópera. 199. propunha-se uma imediata correcção salarial. aberto permanentemente a to- das as classes sociais. como na generalidade do mundo ocidental. 12-13. 12. defendia que a música devia estar ao serviço das massas e não. Para melhorar a situação do músico profissional em Portugal. abolindo-se “a hierarquia de salas e a hierarquia de qualidade artística em função das salas e dos públicos”199. Ibidem. irradiando para todo o país.”201 198. consagrava a “distinção entre classes (…) Neste aspecto o governo é muito coerente: vai ao ponto de gastar muito mais dinheiro com a “cultura” destinada às classes dominantes (que fre- quentam o S. Grupo Sócio-Profissional de Músicos do Movimento CDE de Lisboa. Ao contrário. Entre as propostas adiantadas para a alteração do panorama da música em Portugal constavam: a intenção de intervir em todos os graus de ensino. A utilização da música como produto industrial comercializado convivia. 200. contrariando todas as suas apropriações turísticas e empresariais. no que respeita à música erudita. uma democratização da vida musical. artistas portugueses tiveram a oportunidade de representar com regu- laridade papéis líricos principais. A informação de Serra Formigal contém. consecutivamente. Ao fim de todo este tempo. 19/12/1973. uma introdução histórica que faz recuar o leitor 180 anos. 189 . 203. foram criadas as condições para uma profissionalização gradual do artista lírico português: Com efeito desde os fins do século xviii. Serra Formigal redigiu uma informa- ção acerca da profissionalização de um núcleo da Companhia Portu- guesa de Ópera da FNAT. 18. e onze anos depois da Companhia Portu- guesa de Ópera da FNAT actuar. em número considerável os artistas portugueses que cantaram no Teatro Nacional de S. Informação de Serra Formigal acerca da Profissionalização de um Núcleo da Companhia Portuguesa de Ópera da FNAT. Depois da reabertura do Teatro. o mesmo panorama se depara com poucas variantes. Ibidem. e à parte as óperas portuguesas. Deveu-se ainda ao Teatro. pasta 1974. os muito poucos que desempenharam 1. devido aos acontecimentos que transformariam. o sistema político português. designadamente o Centro de 202. O documento tem significado acrescido. Carlos de Fonseca Benevides que.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 189 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas O diagnóstico terminou com a ideia de que.os papéis. interpre- tadas pelos nossos artistas. como antecâmara do assunto fundamental. na sequência desta longa permanência histórica. se foram. p. Ainda antes do final de 1973. pode ver-se na História do Teatro Nacional de S.202 No documento estão traçados os critérios que presidiram à selecção do conjunto de cantores a ser profissionali- zado. em breve. 1. nas condições antide- mocráticas prevalecentes. Arquivo do Teatro da Trindade. mercê das condições de enquadramento criadas. já tinham geralmente conquistado celebridade no estrangeiro.203 O Trindade da FNAT fora. no Teatro da Trin- dade.Opera do Trindade. ou então. sobretudo de Ruy Coelho. Carlos. segundo Formigal. ao momento da inauguração do Teatro Nacional de São Carlos. em 1940. não se justificava a existência de dois teatros de ópera em Lisboa. fazem-no quase sempre como comprimários. o agente da ruptura. pela primeira vez. no entanto. O estado da ópera portuguesa. Os artistas portugueses alcançaram ainda importantes condi- ções para a estabilização da sua carreira. é mister pensar que exista uma pluralidade de teatros de hierarquia artística diferente.204 A consoli- dação da Companhia Portuguesa de Ópera do Trindade. com excepção daqueles raros que previamente alcançaram celebridade internacional. Holanda. 190 . 4. Ibidem.”206 O Trindade conformava-se com o degrau mais baixo da ópera nacional: “(…) em qualquer país onde o espectá- culo lírico tenha algum desenvolvimento. Os progressos declarados não supera- vam. a carreira a vários can- tores. que muito de- via à relação que conseguira estabelecer com o público. Ibidem. p. a ser criada em breve. O Trindade continuaria a exercer o seu papel de etapa de formação dos talentos líricos.”207 204. o apuro da qualidade dos can- tores. mantinha-se bastante frágil. p. de forma a permitir que os artistas possam fazer realmente carreira. 3. Os problemas com a orquestra pareciam. depois. apesar de tudo. dominado por um único teatro lírico. sanados. com o treino. A profissionalização do coro do Teatro Nacional de Ópera facilitaria. Ibidem. Finlândia e países de Leste. se poder abalançar a enfrentar públicos mais exigentes que pagam mui- to caro os seus bilhetes nos teatros de maior projecção. “tem constituído um facto naturalmente limitativo para os nos- sos artistas. 470 mil espectadores. dado que o São Carlos estava disposto a ceder ao Trindade uma formação própria. a pouca credibilidade artística que largos sectores do meio operático lhe atribuíam.”205 Depois de alguma indefinição. Assistiram às apresentações da Companhia Portuguesa de Ópera. 205. experiência e calo conseguidos. o Trindade assumia o seu paralelo com os “teatros de Zarzuela” espanhóis. até ao final da temporada de 1973. porque só actuando “em teatros de menor respon- sabilidade para.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 190 A Ópera do Trindade Aperfeiçoamento dos Cantores Líricos. 206. Faziam parte do Sindicato Nacional dos Músicos e descontavam para a Caixa de Previdência dos Profissionais de Espectáculos. 207. também.Opera do Trindade. com os “teatros líricos de pro- víncia” franceses e com as inúmeras companhias residentes que fun- cionam em países como a Alemanha. Ibidem. embora considerando tam- bém a carreira global dos artistas. por outros modos. estavam radicadas no estrangeiro. sabendo-se de antemão ser impossível que todos os cantores do Trindade acedessem a essa nova condição. Luís França. b) prazo de validade contratual de dois anos. p. às meio-sopranos. 191 . Carlos Fonse- ca. O primeiro critério importante era o de excluir do núcleo inicial aqueles que. aos tenores. d) garantias sociais (situação sindical e da previdência. Fernando Serafim. pagamento de trabalho suple- mentar em dia de descanso semanal). Alguns cantores. determinar quem estava em condições de representar o primeiro conjunto de artistas profissiona- lizados. Os cachets variavam entre os 8. tinham meios para assegurar a sua estabilidade. 209. então. e pela idade que apresentavam. férias remuneradas. João Veloso. Posto isto. A eles juntavam-se Ana Lagoa e Zuleika Saque. ao barítono. e) disciplina. 9. Encontravam-se neste grupo: Álvaro Malta. pela sua situa- ção profissional há muito exercida. mas sem prejuízo da integridade artística do cantor. Helena Cláudio e Maria Ramos.Opera do Trindade. que. Ibidem. apesar de colaborarem com o Trindade. Restava.208 Este segundo critério. aplicado a quem não tinha sido excluído pelo primeiro. Elizette Bayan. João Rosa. com óbvias repercussões na qualidade individual dos intérpretes. p. Os critérios de selecção foram explicitados por Serra Formigal. O contrato de profissionalização constava de cinco pontos principais: a) exclusividade da profissão artís- tica com absoluta prioridade para a FNAT. Elsa Saque e Helena Pina Manique. Guilherme Kjölner. Ibidem.209 Perspectivava-se que a natureza da situação contratual dos novos pro- fissionais – ligação directa ao Trindade e à FNAT – sofresse uma alte- 208.000$00 mensais. 7. Criou-se ainda a categoria de estagiário.000$00 e os 12. Armando Guerreiro. Hugo Casais. Manuel Leitão e Vasco Gil.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 191 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas A profissionalização dos artistas portugueses garantiria a estabilida- de de uma dedicação exclusiva. c) delimitação de períodos de trabalho diários ou semanais com vista a uma ocupação plena. “deverá ainda ter-se em conta que só devem profissionalizar-se os elementos verdadeiramente valio- sos”. prorrogáveis. Luís Bruner e João Victor Costa. fica- riam de fora do núcleo de profissionais. garantiu a profissionalização às sopranos. o 73. um dos artistas profissionalizados. A po- lítica cultural e educativa do regime garantia apenas a existência de um Teatro Nacional de Ópera. pp. sem a acção de Serra Formigal e da FNAT. mas sim como espectáculo de gozo puramente visual. os artistas portugueses. 192 . cujos moldes foram. serve uma elite endinheirada. os intérpretes portugueses nunca teriam conseguido a profissionalização. e a participação activa dos cantores portugueses em temporadas anuais e espectáculos na província. como mensagem de for- te emoção. o cantor Fernando Serafim. à política cultural inadequada das sucessi- vas direcções do São Carlos. A legitimidade cultural do projecto do Trindade deixava a iniciativa dependente do Ministério das Corporações e Previdência Social. uma ruptura. que o número de ar- tistas profissionalizados deixava muita gente de fora e não fazia prever a constituição de uma nova Companhia Portuguesa de Ópera. p. na qual seriam integrados.210 Segundo Fernando Serafim. todavia. Entrevista de Luís Filipe Pires a Fernando Serafim. “mesmo com um director como João de Freitas Branco”211. como tinha sido anunciado. com orquestra própria. segundo o cantor. nunca se chegaram a realizar. Ibidem. o São Carlos constituísse a sua companhia residente. 212. de Março/Abril de 1974. A reac- ção dos artistas profissionalizados às alterações na estruturação das suas carreiras foi positiva. 17. porque.Opera do Trindade.”212 Do trabalho de Freitas Branco. Março/Abril de 1974. em regime de parceria com o Trindade. e continuavam a ser. Ibidem. 16-17. que não sente a música como fonte de energia. exigia-se. no São Carlos. a criação de uma companhia de ópera residente. Autores. condicionados pelas preferências artísticas de grupos sociais restritos. A solução reduziria as despesas da FNAT com a Companhia Portuguesa de Ópera. 210. referiu-se às im- portantes mudanças que transformaram as carreiras dos artistas por- tugueses. p. n. Em entrevista à revista Autores.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 192 A Ópera do Trindade ração quando. Ficava patente. Na sua opinião. 16. O facto de o número de profissionalizados estar longe de proporcionar a formação de uma Companhia Portuguesa de Ópera deveu-se. 211. ultraconservadora. “tal como funciona. o cantor reteve dois pontos positivos: aber- tura das portas do Teatro aos estudantes do Conservatório e abolição da obrigatoriedade do traje de gala. Os projectos anunciados pela nova direcção do Tea- tro Nacional de Ópera. os 200. A contribuição da FNAT atingia os 4.150. Perante o Estado e os seus órgãos decisórios. Fora deste contexto. Orçamento Ordinário da Receita e Despesa para o ano de 1973. por outro. não era considerada um objecto cultural nobre. se continuasse a considerar a sua acção social importante. por um lado. A expectativa para o volume de rendimentos próprios era de 350.69 por cento.000$00 da JAS. A exis- tência de uma ópera popular só podia ser assegurada.000$00 do Ministério da Educa- ção. num total de receita prevista de 6. fora das relações de poder socialmente situadas. Par- te importante do público de ópera da FNAT era constituído por grupos sociais com escasso poder reivindicativo junto das instâncias estatais. 193 . com as instâncias corporativas que financiavam o projecto sob a condição da sua eficácia política e social. dado que era inviável uma hipotética via comercial. encarnado pela figu- ra de Serra Formigal.000$00 num ano.Opera do Trindade. A ópera da FNAT continuaria desde que as condições do seu nascimen- to se mantivessem: a relação de um ethos artístico. aumentando 800. se. 19. Arquivo do Teatro da Trindade. no âmbito de um Ministério como o das Corporações e Previdência Social.000$00. subvencionando-o no quadro de um Ministério da Educação ou de um futuro Ministério – ou Secretaria de Estado – da Cultura. o que.000$00 representava 5. ou.000$00 da Gulbenkian.500. e os 150. a inicia- tiva sobreviveria apenas pela acção de um governo disposto a investir na ópera popular. Acrescente-se a estes números 350. e as restantes receitas dividiam-se pelos 600.000$00 da previsão de receitas 213.000$00. a prazo.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 193 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas apesar das suas reconfigurações sociais e actualizações estéticas. parte dos consumidores do Trindade não possuía poder reivindicativo. A ópera popular. e consubstanciada num conjunto de condições existentes no campo. O orçamento213 do Teatro da Trindade relativo ao ano anterior revelara as mesmas situações de dependência. se a política cultural do Estado assumisse o projecto como um bem importante para o país. nem qualquer representatividade no interior do campo operático. Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 194 A Ópera do Trindade diversas. Se retirarmos o subsídio da Gulbenkian e o do Ministério da Educação, todo o restante financiamento é suportado pela máquina corporativa, o que significa 82,9 por cento do total. Dos 6.150.000$00 estimados para a despesa, a ópera foi responsá- vel por 63,3 por cento do total, ou seja 3.897.800$00. A este número acresceram 1.721.200$00 de custos administrativos, 27,9 por cento do total. Foram despendidos 481.000$00 em despesas extraordinárias: as tournées da companhia de ópera. A restante actividade artística ficou- -se pelos 90.000$00: 50.000$00 para o teatro declamado, concedido, no momento, à empresa Rey Colaço-Robles Monteiro, e 40.000$00 para os concertos sinfónicos, o que, no total, perfazia 1,46 por cento. A execução do orçamento revelou a falibilidade das previsões. A despesa do Teatro chegou aos 7.960.649$10. Os encargos com o coro e a orquestra aumentaram 1.048.000$00 em relação à época anterior. O subsídio da FNAT para tournées chegou aos 745.000$00. Os pre- ços dos bilhetes, que subiram 40 por cento, ajudaram a equilibrar o orçamento. O Trindade conseguiu ainda, na rubrica receitas diversas, 1.293.000$00. Deste montante, destaca-se o resultante da concessão do Teatro à Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, 296.294$00, e o pagamento da Câmara Municipal, respeitante à utilização da Filar- mónica de Lisboa, 487.191$00.214 A situação geral não oferecia dúvidas: o Teatro da Trindade, transformado em teatro de ópera, dependia cada vez mais do Ministério das Corporações. Num contexto em que algumas actividades da FNAT iam dando lucro, a área da cultura, de que o Trin- dade era parcela importante, revelava uma persistente dependência. 20. A revolução de Abril de 1974 implicou mudanças imediatas na direc- ção da FNAT. Foi nomeada uma comissão administrativa liderada por Rogério Paulo, conhecido actor de teatro. A organização da temporada de 1974 estava já há muito programada. O secretário do Teatro, Francisco de Oliveira Santos, escreveu ao director, informando-o das sucessivas 214. Documento que justifica e descreve as Contas do Teatro da Trindade em 1973, Arquivo do Teatro da Trindade. 194 Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 195 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas faltas dos artistas e dos atrasos na entrega das folhas de presenças.215 Esta situação, sentida desde 1973, não foi alheia ao incómodo causado na companhia pela profissionalização de parte dos cantores. No dia 30 de Abril, o Rigoletto subiu ao palco do Trindade. Ruy Coe- lho, que continuava a escrever no Diário de Notícias, gostou do espec- táculo e salientou o prosseguimento da actividade meritória da FNAT. Notaram-se, porém, algumas transformações no seu discurso. A defesa dos princípios da nação deu lugar a um prudente apoio “à divulgação da ópera para o bem da cultura geral, o que é uma acção de civilização.”216 Francine Benoit, que escrevia no semanário Expresso, perdera as con- templações. A situação política e social acentuava as deficiências do projecto da Companhia Portuguesa de Ópera: Entretanto a presente temporada terá de seguir o seu curso – com ou sem interesse cultural em prosseguir no rame-rame de um pequeno repertório de êxito assegurado, em que o público perdoa as insuficiências de qualidade, num palco de poucas con- dições, sob uma orientação que deixa a desejar; e, por último, até se desistiu de apresentar uma partitura portuguesa.217 As Bodas de Fígaro regressaram pela terceira vez ao palco do Trinda- de. Nos jornais é difícil vislumbrar análises críticas aos espectáculos. Em relação à terceira apresentação do ano, a dupla Amelia al Ballo, de Menotti, e Il Tabarro, de Puccini, Ruy Coelho prosseguiu a apologia da importância civilizacional da cultura. Depurado de um sentido político directo, o seu discurso empenhava-se na defesa da cultura, esse “pro- cesso de educar os ouvintes, um movimento de civilização para todos. Só não existe cultura artística onde não há elementos preparados tec- nicamente e esteticamente para a reclinar, e onde o público não sinta a necessidade de a conhecer (…)”218 Embora a situação política do país tornasse os espectáculos do Trinda- de num acontecimento marginal, as críticas que saíam demonstravam que o projecto da FNAT perdera um certo património de legitimação. 215. Carta de Francisco Oliveira Santos ao director do Teatro acerca das folhas de serviço diárias, no que concerne ao período entre 1 e 31 de Maio, 13/6/1974, Arquivo do Teatro da Trindade, pasta Correspondência. 216. Ruy Coelho, Diário de Notícias, 31/5/1974, p. 5. 217. Francine Benoit, Expresso, 8/6/1974. 218. Ruy Coelho, Diário de Notícias, 4/7/1974, p. 5. 195 Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 196 A Ópera do Trindade A queda dos constrangimentos políticos e sociais libertava a palavra. O que se submetia a uma ordem de análise perdera todo o sentido. Os pontos positivos da Companhia Portuguesa de Ópera, que foram can- tados durante doze anos, pareciam insignificantes. A palavra e o racio- cínio seguiam uma racionalidade contextual.219 Francine Benoit, no resumo da temporada feito para o Expresso220, afirmou que a tempora- da lírica popular do Trindade “foi lançada sem nada ter a ver (já o disse- mos) com a reconstrução do país em que estamos empenhados”. O seu público, formatado por onze anos de espectáculos “morre por ouvir Verdi e Puccini – o Rigoletto e a Butterfly em primeira linha, por questão do acrisolado amor que também lhes dedicam os protagonistas. E, hoje em dia, ‘parece mal’ não acender uma vela a Mozart no altar operático, e a um pozinho de modernismo”. O país precisava de uma Companhia Portuguesa de Ópera, mas tal companhia “não existe – existe, sim, a Companhia Portuguesa de Ópera do Teatro da Trindade de Lisboa (FNAT)” que nem “para ope- reta satisfaria um público que se equiparasse ao nível do público das salas de cinema. Qual a diferença entre precisar-se de ver bem um écran, e de ver bem um palco onde ‘se passam coisas’?” Para Francine Benoit, todo o ambiente do Trindade não era digno da nova situação portu- guesa, expressando uma falsa cultura; impunha-se, então, a procura de uma “verdadeira cultura”. A ideia levava ao encerramento da ópe- ra da FNAT. Eliminava-se a hierarquia operática. No futuro, a cultura não necessitaria de espaços como o Trindade, já que a democratização se faria, como indicava o documento publicado pela CDE, pela fas- quia alta. 21. O futuro da Companhia Portuguesa de Ópera dependia da natureza dos objectivos do novo regime e da forma como a transição da política se reflectiria na FNAT. A função social dos espectáculos, como instru- 219. O período revolucionário é um óptimo objecto de estudo comparativo da evolução das representações, para uma confrontação estabelecida com a época anterior (como para todo o período posterior até à actualidade). 220. Francine Benoit, Expresso, 17/8/1974. 196 Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 197 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas mento de regulação social, preconizada pelo anterior regime, estava, nos momentos que se seguiram à revolução, desadequada. As institui- ções que sustentavam e enquadravam o poder político e económico tornaram-se, com intensidade diferente consoante a sua natureza, ile- gítimas. Sobrava ao Trindade o património real, conquistado no apoio aos artistas portugueses, porque mesmo a retórica democratizadora da ópera para trabalhadores já não colhia perante movimentos que en- tendiam a democratização cultural como um processo regulado por parâmetros diferentes. Outras questões, não menos importantes, congregavam-se para di- ficultar o futuro do Trindade como teatro de ópera. A economia mun- dial vivia tempos de crise, marcados pelas consequências recentes do choque petrolífero. O período de relativa prosperidade, cujos efeitos po- sitivos em Portugal contribuíram para um sucesso relativo da FNAT, cessara. O contexto carenciado coexistia com mudanças profundas no universo das políticas sociais do país, guiadas agora pelo propósito da criação de instrumentos de justiça social existentes noutras realidades europeias. Tendo em conta estes novos horizontes, a existência de um teatro gerido pelo antigo Ministério das Corporações e Previdência So- cial, com um orçamento preenchido quase na totalidade pelas activida- des de uma companhia de ópera, era um óbvio anacronismo político e cultural. Apenas o futuro dos cantores portugueses urgia resolver antes da inevitável extinção do projecto. Tendo em conta que existiam con- tratos assinados, a temporada de 1975 ainda se realizou. 22. Já em 1975, não sabemos em que data, Rogério Paulo escreveu à direc- ção do Teatro Nacional de São Carlos a seguinte carta: O INATEL “herdou” da FNAT a Companhia Portuguesa de Ópera, com contratos indivi- duais firmados até aos finais de 1975. Acontece que a reestruturação do INATEL não prevê que este organismo seja entidade empresarial, mas sim promotora da criativida- de das massas operárias e camponesas. Quarenta e poucos espectáculos de Ópera, e o encerramento da Sala do Teatro da Trindade durante largas semanas, não justificam o dispêndio de cerca de seis mil contos anuais. Além de que a concessão de verba tão 197 Carta dos promotores do Cascais Jazz à Comissão Administrativa da FNAT. Carta da Associação de Amizade Portugal Albânia à Comissão Administrativa da FNAT. quer artísticos quer técnicos. Pedido recusado. 9/6/1975. pasta 1975. propostas que reflectiam a nova si- tuação política e cultural. pasta 1975.221 O destino da Companhia Portuguesa de Ópera estava traçado. logo que ca- ducarem os seus contratos com o INATEL. Carta do Partido Revolucionário do Proletariado – Brigadas Revolucionárias ao INATEL. uma solução urgente respeitante à situação dos artistas da Companhia Portuguesa de Ópera. 23. da política do São Carlos e dos objectivos culturais das instâncias estatais responsáveis. Carlos tome uma posição em relação aos cantores e artistas que ficarão sem trabalho. em Fevereiro de 1975. 198 . foram Luiz Vilas-Boas e Duarte Mendonça que pediram in- formações quanto à possibilidade do Trindade receber o Cascais Jazz223. pasta 1975. Arquivo do Teatro da Trindade. o tipo de transição a realizar. impede-nos a atribuição de quantias substanciais para o incremento da música e sua divulgação junto dos traba- lhadores. que a sua exis- tência justifica.Opera do Trindade. urgente. entretanto. Arquivo do Teatro da Trindade. Ro- gério Paulo autorizou o aluguer do Trindade para a comemoração dos 30 anos da Associação de Amizade Portugal-Albânia222. agora. 18/2/1975. Carlos a entidade a assumir a manutenção de um conjunto operático Nacional. Ao Trindade chegavam. sob o pretexto de que “o INATEL não cede a sua sala de espectáculos a partidos políticos. 1975. 222. Parece-nos. 20/11/1974. (…) Pedimos. que o Teatro Nacional de S. quer utilizando artistas por- tugueses em espectáculos maioritariamente estrangeiros. pasta 1975. Arquivo do Teatro da Trindade. 17/6/1975.224 221. pasta 1975. quer – o que nos parece mui- to mais importante – conservando e desenvolvendo uma Companhia de Ópera Portuguesa visando a divulgação de autores nacionais e fomentando o aparecimento de novos valores. pois. Carta de Rogério Paulo à direcção do Teatro Nacional de São Carlos. Arquivo do Teatro da Trindade. Parece-nos que deverá ser o Teatro Nacional de S. foi o Partido Revolucionário do Proletariado – Brigadas Revolucionárias – que pediu a cedência do espaço para efectuar o seu congresso. 223. Não podemos ainda esquecer que o Trindade nunca poderá oferecer as condi- ções técnicas necessárias ao desenvolvimento de uma autêntica companhia de ópera portuguesa com a formação de quadros. pois. no dia 20 de Novembro. Ainda em 1974. visto a mesma se destinar somente a iniciativas de âmbito cultural. em Junho. De- pendia. Arquivo do Teatro da Trindade. 224. de molde a ga- rantir a sua sobrevivência e a continuidade e melhoramento da própria companhia.” Carta do INATEL ao Partido Revolucionário do Proletariado – Brigadas Revolucionárias.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 198 A Ópera do Trindade avultada para uma Companhia de Ópera permanente. organizar a temporada de 1975. e La Cambialle de Matrimonio. continuou. pasta 1975. numa série de questões fundamentais. e o efeito que tiveram no meio profissional. A ópera seguinte foi A Flauta Mágica.225 Da temporada de 1975 fizeram parte as óperas Ida e Volta. como estava concebido. a seguir um modelo de funcionamento que. a questão dos artistas portugueses suscitava um desenlace rápido. depois de uma assembleia geral de cantores realizada no dia 17. estreada a 7 de Julho. Em Abril. nenhu- ma tentativa foi feita para criar. e La Bohème. por iniciativa do Estado. em 30 de Janeiro. suspenso da sua actividade na Emissora Nacional e no INATEL. todas integradas no mesmo espectáculo estreado em 17 de Maio. um teatro de ópera com algumas das características presentes nas temporadas do Trindade. 199 . de Rossini. Passando a regulação social. ópera que encer- rou as actividades da Companhia Portuguesa do Trindade. se manteve inalterado. depois da revo- lução de Abril.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 199 A Companhia Portuguesa de Ópera: As Temporadas Era necessário. o Trinda- de tenha realizado um trabalho pioneiro. seguiram-se A Serrana. Arquivo do Teatro da Trindade. a 14 de Novembro. Nunca se chegou a criar. decorrendo nesse âmbito um processo disciplinar. a João Paes. Numa temporada sem qualquer unidade temporal. uma Compa- nhia de Ópera residente. O modelo do São Carlos. Depois do 25 de Abril. Com a extinção da Companhia Portuguesa de Ópera. 22/4/1975. variando a sua ofer- ta cultural consoante a evolução das sensibilidades das suas direcções e do pequeno público que o acompanhava. nos seus eixos essenciais.Opera do Trindade. o Telefone. entretanto. novo director do Teatro São Carlos. Os seus objectivos sociais implícitos e os constrangimentos impostos à concepção das temporadas não obviaram a que. A trans- formação no reportório serviu de pouco para a credibilização do pro- jecto. passou pela integração de um núcleo de artistas profissionalizados nos quadros do Teatro Nacional de São Carlos. para combinar a cedência do coro e do ensaiador Mario Pellegri- ni. que dirigia a comissão gestora da Companhia Portuguesa de Ópe- ra escreveu. A solução encon- trada. tais como a abrangência social e geográfica dos espectáculos. Giovanni Voyer. de Menotti. como em tempos foi pensado. Carta da Comissão Gestora da Companhia Portuguesa de Ópera do INATEL à Comissão Administrativa do INATEL. em 25 de Outubro. de Hinde- mith. Francisco José de Lima de Brito e Cunha foi eleito para substituir o Maestro Silva Pereira. 225. qxp 5/28/07 11:25 AM Page 200 A Ópera do Trindade em regime democrático. 200 .Opera do Trindade. o contexto artístico do Trindade soçobrou por ser o elo mais fraco de um meio onde as questões de origem e percurso social continuavam. para universos de mediação cultural mais vas- tos e eficazes. a ditar as leis. independentemente do regime político. nomeadamente quando as condi- ções do quotidiano se mostraram adequadas a essa função.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 201 Conclusão No estudo das temporadas da Companhia Portuguesa de Ópera do Tea- tro da Trindade. procurámos desenhar o processo no qual se desenvolveu um conjunto de relações políticas. organizadas pela FNAT entre 1963 e 1975. foram instrumentos activos na mediação entre os interesses do Estado (normalizando as re- lações sociais num enquadramento moderno da divisão social do tra- balho) e as necessidades da sociedade civil. a partir da década de 50. mas actuar através das fórmulas. comprova o seu progressivo envolvimento na sociedade civil. estiveram relacionados com os objectivos políticos e ideológicos da instituição que criou e su- portou o projecto. os efeitos de uma tecnologia social que penetra a infraestrutura e que. às quais. “as classes trabalhadoras se mostram mais permeáveis”. recuperando as palavras de Quirino Mealha. não permite vislumbrar o seu carácter moderno. a FNAT. um dos eixos da política social do Estado Novo. A conotação da FNAT com um tipo de acção política endoutrinadora. para ser eficaz. no modo como se sintetizaram os mecanismos de pro- dução com as formas de recepção idealizadas. Na área da cultura. culturais e artísticas.Opera do Trindade. suficientemente atraente para consolidar o esta- tuto de pequenas burguesias em processo de mobilidade ascendente e 201 . As organizações de ocupação de tempos livres. não necessita de ser despótica ou pedagogicamente doutrinária. institucionais. que caracteriza- ria univocamente as instituições do regime. a intervenção do Estado no Trindade rompe com a imagem de uma política central totalmente mobilizada num esforço de legitimação de uma “cultura popular” de tendência ruralista e nacio- nalista. exerceu um efectivo papel regulador da vida social portuguesa. Em Portugal. Subavalia-se. Os parâmetros que caracterizaram a concepção do modelo artístico do Trindade. O cresci- mento material e humano da FNAT. A tarefa de “desproletarização” social exigia uma nova concepção de “cultura popular”. então. à se- melhança de outros mecanismos institucionais. A programação que a FNAT.Opera do Trindade. O Barbeiro de Sevilha. cujas aspirações a estrutura económica não podia satisfazer no que respeita aos proveitos materiais. procurando. deste modo. materialmente. tais aspirações. aumentando as expectativas dos indivíduos quanto à sua posição na sociedade. neutralizar prováveis frustrações relativas. Estes dois efeitos foram responsáveis por várias tensões. A im- possibilidade estrutural de satisfazer. A reformulação da definição de “cultura popular” contrariava os insistentes resquícios de uma velha “política do espírito” 202 . 1963. pela mão de Serra Formigal. além de indicar um reposicionamento da política cultural do regime face às finalidades da política social. A progressiva visibilidade dos canais de mobilidade social generalizava a aspiração à mudança. con- duziu a uma política que actuava sobre variáveis simbólicas de status. impôs no Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 202 Luís França e Hugo Casais. redimensionou a estrutura do campo operático em Portugal. qxp 5/28/07 11:25 AM Page 203 Conclusão que se tornava incómoda para a prossecução dos objectivos de uma re- gulação cultural moderna que se desejava eficiente. A contradição. estava restringida ao círculo de relações sociais que gravitavam em tor- no do Teatro Nacional de São Carlos: espaço de referência representa- tivo de um estatuto social. numa escala reduzida. A ópera. o mesmo princípio de democra- tização regulada que caracterizará. e uma iniciativa cultural de regulação social e económica cuja acção ideológica. a que outras artes não escaparam. Será possível vislumbrar. À transformação da ópera em instrumento da política social do Estado Novo não foi indiferente a posição que o género ocupava no interior de um campo artístico alar- gado. era difusa e não apreensível de forma consciente. A apresentação no Coliseu de algumas récitas que faziam parte do programa de temporadas do São Carlos possibilitou. já notada a propósito da participação do grupo de bailados Verde-Gaio nos espectáculos do Trindade. alguma “vulgarização” do género lírico. designadamente a italia- na e a francesa. nesta primeira abertura. por determinado património músico-teatral clássico: a tradição da ópera romântica do século xix. quatro anos mais tarde. o choque entre uma concep- ção nacionalista e endoutrinadora da cultura. que o compositor procu- rou legitimar na fidelidade que sempre demonstrara em relação ao regime. Esta preferência evitava ainda preocupações censórias. além de remetida à capital. produto cultural de excepção. garantindo-lhe as características ideais para o exer- cício de uma política de “desproletarização” assente num projecto glo- bal de enobrecimento da “cultura popular”. A raridade e a solenidade do espectáculo lírico tornavam-no num óbvio sinal de distinção. o apoio aos grupos profissionais de 203 . tornou-se paradigmática na polémica que Serra Formigal manteve com o compositor Ruy Coelho. A opção por determinado reportório de teatro lírico partiu da apetência do público. como ficou revelado pelas considera- ções presentes nas Actas que o Conselho Consultivo do Teatro da Trinda- de redigiu a propósito da programação teatral. a partir de 1959. O debate entre Coelho e Formigal permitiu ainda definir a relação entre propósitos políticos e ideológicos e as formas artísticas que pro- vavam ser mais eficientes para este exercício.Opera do Trindade. A defesa do direito à cultura das classes mais desfavorecidas. fundamentada pela sociologia aplicada da época. medida na pul- sação do mercado. “O Caso Ruy Coelho” representa. o Trindade. Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 204 A Ópera do Trindade artistas portugueses subalternizados pelas políticas oficiais, abriam ainda importantes frentes numa espécie de “mercado da contestação”, um espaço em que se tentava retirar de outros movimentos a repre- sentação dos mais fracos. O Trindade, como espaço aberto a todos, era o inverso do São Carlos. A injustiça da exclusão dava lugar a uma outra hierarquia, de desigualdade subtil e dissimulada, que autorizava, pelo menos, o acesso ao degrau mais baixo da oferta cultural do género. Independentemente das características políticas que enformavam a ópera no Trindade, a iniciativa teve um impacte importante no interior do universo do teatro lírico nacional. Neste processo há que relevar o papel de Serra Formigal. O director do Trindade, nomeado pelo minis- tro das Corporações e Previdência Social, Gonçalves Proença, ocupou o cargo pelos seus atributos políticos, mas também pela sua condição de elemento integrado em correntes de opinião que se posicionavam no interior do campo operático. A direcção de um projecto que tinha requisitos estruturais para a transformação significativa do panorama da ópera em Portugal transformou Serra Formigal num importante produtor cultural. A síntese entre a possibilidade de intervenção sobre o universo cultural e operático e o preenchimento dos objectivos da FNAT determinou o modo como Serra Formigal discutiu, argumentou e agiu no interior de determinados eixos de racionalidade que impunham li- mites aos seus movimentos e intenções. A luta pela institucionalização de uma Companhia Portuguesa de Ópera, pela criação de uma dinâmica de produção e formação sólida e estável, ambicionava, apesar dos limites institucionais, o reconhecimen- to da iniciativa no interior do campo operático. De forma concreta, o Trindade criou uma estrutura de oportunidades essencial para a carrei- ra de uma série de agentes artísticos portugueses e iniciou uma incontes- tável democratização social e geográfica da ópera, retirando-a do quase monopólio do São Carlos. Foi evidente, porém, que apesar dos apoios que a iniciativa recebeu do interior do campo operático, o Trindade, à luz dos critérios de apreciação dominantes, nunca deixara de ser um “teatro de segunda”, bastante conservador – em especial, no que respei- ta à escolha do reportório e ao papel das encenações – quando compa- rado com o que as vanguardas iam fazendo pelo mundo. A autonomia do Trindade, suportada política e financeiramente, era muito frágil a 204 Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 205 Conclusão nível simbólico. A única alternativa ao São Carlos que granjeara o res- peito dos elementos dominantes do campo tinha sido o breve projecto do Grupo Experimental de Ópera de Câmara, vanguardista, inovador, recor- dado com apreço. O Trindade não possuía este património simbólico. Intrinsecamente ligada à política social do regime, a ópera do Trin- dade sobreviveu pouco tempo ao 25 de Abril. A nova direcção da FNAT, que continuou as suas funções sob a designação de INATEL, não quis manter uma actividade operática que preenchia a quase totalidade do orçamento do Teatro da Trindade. A companhia foi extinta com a justi- ficação de que ao São Carlos cabia realizar o esforço até aqui produzido pelo Trindade. A ópera no Trindade caiu sem resistência. A sua subal- ternidade material e simbólica no campo do teatro lírico reduzia-lhe objectivamente a legitimidade de sobreviver através de uma iniciativa de política cultural ou educativa. O Estado considerou que o investimen- to no São Carlos preenchia a relevância cultural representada pelo géne- ro lírico. A abolição da contestada hierarquia entre ópera de primeira e ópera de segunda, em nome de uma outra nova “cultura popular”, acabou por suspender um mecanismo objectivo de vulgarização do gé- nero lírico. O público do Trindade não reivindicou a permanência dos espectáculos da Companhia Portuguesa de Ópera. O seu consumo cul- tural, muito provavelmente, terá transitado para espectáculos mais ligei- ros ou extinguiu-se numa pujança televisiva com outros efeitos sociais. Não houve, entretanto, qualquer tentativa de recriar uma Companhia Portuguesa de Ópera. Depois de treze anos no Trindade, a ópera deixou de ser um agente da política social do Estado. Neste período de tempo, participou das ac- tividades de regulação social fomentadas pela FNAT e pelo Ministério das Corporações. Na esfera cultural, como em outras esferas, realizou-se uma intervenção estudada, reflexo de uma dominação ideológica subtil e dissimulada que exprime, no terceiro quartel do século xx, o desenvol- vimento particular e condicionado da estrutura sócio-económica por- tuguesa e dos seus mecanismos de enquadramento ideológico. 205 Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 206 Posfácio Correspondendo ao amável convite do Autor, Mestre Nuno Miguel Ro- drigues Domingos, alinharei gostosamente algumas considerações, à guisa de posfácio, sobre a importante obra agora publicada que cons- titui a sua Dissertação Final de Mestrado em Sociologia. Pela sua formação académica, pelo objecto deste trabalho sobre a CPO do Teatro da Trindade (FNAT), logo explicitado no seu título bem como ainda pela sua destinação, o Autor foca, fundamentalmente, o evento na sua vertente sociológica, embora a obra contenha também informação importante sobre os aspectos artísticos a que adiante nos referiremos. Além do aprofundado e amplamente documentado trabalho de inves- tigação realizado, esta obra vale ainda, na minha opinião, pela posição assumida pelo Autor e mantida em toda a obra, de justo equilíbrio en- tre os princípios doutrinários enunciados e a realidade concreta que a investigação revelou. Na verdade, como refere o Autor, “depois de efectuada uma parcela importante da pesquisa empírica”, pareceu-lhe que “o universo do estu- do apresentava particularidades que dificilmente poderiam ser enuncia- das, em toda a sua especificidade, se reduzidas aos princípios teóricos que traçámos”. Antes, que “o entendimento do contexto dos espectáculos de ópera do Trindade organizados pela FNAT obrigava a entrelaçar um conjunto de relações que não poderiam ser bem compreendidas fora de um processo quotidiano que progrediu no tempo.” Pelo que “a ex- plicação da dinâmica desse processo implica que todos os interesses, individuais, colectivos e institucionais, sejam colocados uns em rela- ção aos outros.” E na reconstrução do processo, justifica o Autor a pertinência do méto- do da construção narrativa pela mesma necessidade sentida de, “não ab- dicando dos eixos teóricos de análise”, ter entendido que “a explicação da acção tem uma origem contextual que deve ser considerada na abordagem dos movimentos dos actores sociais. O intrincado conjunto de relações 206 Opera do Trindade.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 207 Posfácio institucionais e de posições individuais que caracterizaram o contexto das temporadas de ópera no Trindade sugeriram uma construção narrativa. É possível, assim, estabelecer uma relação, inerente ao contexto investi- gado, entre a autonomia relativa da acção individual e as fronteiras estru- turais e conjunturais responsáveis pelos limites dessa autonomia.” E parece-me que o Autor conseguiu sempre o seu desiderato confes- sado de, como explicita, “evitar, deste modo, que os quadros teóricos violentassem parcelas do fenómeno social estudado que só podem ser devidamente explicadas a partir de uma compreensão dos contor- nos da acção de alguns actores sociais.” Pela minha parte, confesso-me como o autor social planificador e or- ganizador de toda a acção da CPO, desde a apresentação da informação inicial à tutela até à elaboração da programação das temporadas líricas de 1963 a 1974, inclusive, compreendendo as récitas no Trindade e em descentralização, no mesmo período, quer na província, Madeira, Aço- res e Angola, quer no estrangeiro (Barcelona). Confesso-me ainda como tendo exercido as funções de director ar- tístico da Companhia, designadamente, escolhendo os reportórios, os elencos e elaborando os calendários das óperas apresentadas. Coisa diferente é a consideração do mérito artístico que terá merecido a CPO, o qual resultou, obviamente, do trabalho individual e colectivo de todos os seus elementos: maestros directores e repetidores, mes- tres de canto e cena, encenadores, maquetistas, cenógrafos, figurinistas, técnicos de cena, além, naturalmente, dos cantores líricos que consti- tuem o cerne de qualquer companhia de ópera. Devo ainda deixar claro que não fui sujeito a quaisquer constrições por parte da direcção da FNAT ou da tutela pois que os programas de actividades e os orçamentos que elaborei foram sempre aprovados bem como os respectivos relatórios e contas, sem quaisquer restrições. Nem sequer a minha acção concreta pontual foi alguma vez interfe- rida pela Direcção da FNAT, cujo Presidente de então, o Dr. Bento Par- reira do Amaral, aqui lembro com saudade, pelo apoio constante e grande amizade com que sempre me honrou. Já quanto às fronteiras estruturais e conjunturais exteriores, o livro dá conta de alguns dos limites postos à acção individual, embora deva reconhecer que foram conseguidas as indispensáveis colaborações, 207 as quais se consubstanciaram em duas perspectivas. então denominada Emissora Nacional. de 1963 até.Opera do Trindade. mas também que possibilitassem. retirando-a do quase monopólio do São Carlos. E. pelo menos. e desen- volver. assim. como muito justa e lucidamente também acentua o Autor. interdependentes. Além da fidelização do público durante toda a duração da CPO. 1974. “o con- texto artístico do Trindade soçobrou por ser o elo mais fraco de um meio 208 .qxp 5/28/07 11:25 AM Page 208 A Ópera do Trindade sobretudo do Teatro Nacional de São Carlos e da Rádio Difusão Portu- guesa. Os objectivos da CPO encontram-se expressos nas informações de serviço que subscrevi. acções de formação e treino profissional que permitissem não só a boa preparação das récitas das temporadas e o aperfeiçoamento dos cantores líricos já existentes. Giovani Voyer. o Trindade criou uma estrutura de oportunidades. com uma política de preços adequada a tal fim. na- turalmente. então presidida pelo actor Rogério Paulo.” Parece. em 1975. o Autor refere ainda que “de forma concreta. Judith Lupi Freire. Maria Antónia Saldanha de Azevedo e Jaime Sil- va (filho). aliás. como se verificou. o qual foi sucessivamente dirigido por Tomaz Alcaide e Gino Bechi e que recebeu ainda as colaborações essenciais dos maestros Mário Pellegrini e Carlos Pasquale. essencial para a car- reira de uma série de agentes artísticos portugueses e iniciou uma in- contestável democratização social e geográfica da ópera. a eclosão de novos va- lores. facultando o seu acesso às classes sociais menos possidentes. que justamente sublinha. enquanto as circunstâncias ex- teriores lhe permitiram viver. foi fun- damental o valioso e permanente trabalho do Centro de Preparação e Aperfeiçoamento de Artistas Líricos. que os objectivos sociais que acima enunciei foram razoavelmente conseguidos pela CPO. a título permanente e sistemático. dentro das possibilidades financeiras e artísticas existentes: democratizar o espectáculo lírico. tanto em Lisboa como em acções de des- centralização. Para a concretização da segunda perspectiva. algumas delas referidas neste livro. O livro que agora se publica dá conta da medida em que os objecti- vos enunciados para a CPO foram conseguidos até à sua extinção pela direcção da FNAT. inclusive. que funcionou no Trindade. acima referida. no Jornal do Comércio.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 209 Posfácio artístico em que as questões de origem e percurso social continuavam. com lugar justamente proeminente na cultura musical. acabou por extinguir uma prática democratizante. a que. penso que a informação constante desta obra. regra geral digno e muitas vezes brilhante. dos reportórios que. como Maria Helena Freitas. afigura-se-me clara a conclusão de que. Nuno Barreiros. designadamente. na sua dupla dimensão musico-dramática. realizada em 31 de Agosto de 1968. mas. reconhe- ceu amplamente o mérito artístico da CPO na crítica que fez à récita de O Barbeiro de Sevilha. considero importante e significativo transcrever um passo da crítica de Cochofel – personalidade que. no âmbi- to do Festival de Sintra desse ano. nunca tive o prazer de conhecer pessoalmente – datada de 29 de Junho de 1968.Opera do Trindade. quaisquer considerações de apoio político. independentemente do regime político. Blanc de Portugal e José João Cochofel. os casos de João de Freitas Branco. antes. e não só. em que afirma “(…) mas ainda bem que não perdi estas Bodas de Fígaro. esta circunstância à insistência na transcrição de críticas de Ruy Coelho. em seis anos de porfiado es- forço.” Também o Prof.” Deste modo. afinal. Estas personalidades. pesem embora as expectativas enuncia- das. jovem crítico musical e um dos importantes interventores na querela a que o próximo parágrafo se refere. igualmente de grande relevo na crítica musical. sempre reconheceram o méri- to artístico crescente da CPO. além de outras. Neste contexto. ganhou incontestavelmente jus. Deve-se. a certa altura do 209 . a seu respeito. uma cultura lírica de elite. nesse tempo. em detrimento de citações de críticos não afec- tos ao regime político de então. hoje ilustre cate- drático e. a alteração do sistema político. a ditar leis. não se podendo alegar. António Vitorino de Almeida. aliás. como eram. sob outros moldes. embora importante. Sob o ponto de vista artístico. dá uma imagem algo desfocada do mérito alcançado pela CPO. Doutor Mário Vieira de Carvalho. talvez. não do seu desempenho artísti- co. A querela sobre a CPO veio. fazendo pros- seguir. ao nível da ópera. que constituíram um grande triunfo para o gru- po que parece hesitar ainda em adoptar definitivamente a designação de Companhia Nacional de Ópera. Manuela Araújo. que a “cultura popular” esta- va bem mais próxima da concepção do empresariado. não exclusivo. sobre a querela dos reportórios da CPO: “o facto de o controlo da produção cultural ser res- ponsável pela formação. o mesmo que separa as classes sociais. também. na opinião de que a preferência dada a tal reportório. No entanto.Opera do Trindade. do gosto do público. as de Puccini. e que este fosso que separa as suas propostas das massas é. acreditando nas possibilidades transfor- madoras dos seus modelos de vanguarda. uma vez mais em coerência com o rumo que se propôs. as dos restantes compositores citados. explorou. em grande medida. geralmente não iniciado no es- pectáculo lírico nem nas modernas linguagens musicais do século xx. melhor e com maior autoridade se exprime o Autor da obra. de justo equilíbrio en- tre os modelos teóricos e as soluções concretas. Serra Formigal. com a seguinte citação do Autor.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 210 A Ópera do Trindade percurso. pois. as quais persistem nos cartazes de to- dos os teatros líricos. repito. e mais de 150 anos. E continuo a reincidir. não invali- da que existam predisposições. foi adequada não só por ajudar a consolidação da técnica vocal dos cantores. e deformação. dada a exigência do canto legato que impõe. além de que continua também a sua incessante gravação em áudio e em vídeo. Termino. necessário 210 . o responsável. certamente da maior importância. Neste afeiçoamento ao gosto. à imagem de qualquer empresário comercial. reincido em não concordar com os epítetos acusados ao re- portório italiano quando ele era constituído. tendo em atenção as circunstâncias do caso. tendo em atenção o público a que se dirigia e que se pretendia conquistar e fidelizar. não reconheciam. alguns jovens críticos vanguardistas consideraram de um “italianismo comum e rotineiro”. como ainda por razões sociológicas. na sua quase totalidade. fui. aliás. Bellini e Donizetti –. no Trindade. Gran- de parte das críticas ao Trindade. aliada à vocalidade da língua italiana. Puc- cini. após mais de cem anos de existência. por obras-primas de nomes indiscutíveis da literatura operática – Verdi. Rossini. reportórios pelos quais. Quanto a estas últimas razões. resultantes das socializações hegemónicas. exclusivamente. um património de formas culturais que o público a atingir estava habilitado a reconhecer sem esforço. que conduzem a uma maior propensão para consumir determinados produtos culturais. feitas por pessoas situadas na oposição ao regime. parece-me irrecusável a seguinte: partindo do princípio de que é socialmente importante a democratização da ópera. quais os meios e processos a implementar para. precisamente. se atingir esta finalidade? José Manuel Serra Formigal 211 . assentou.Opera do Trindade. de uma for- ma adequada e realista. e tendo em atenção as condições concretas do país que somos e temos.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 211 Posfácio tanto para uma captação pedagógica como para um efeito ideológico ba- seado na satisfação.” Entre as várias questões a exigirem reflexão que a riqueza deste tra- balho suscita. de forma a constituir um serviço cultural regular ao dispor da generalidade da po- pulação. o êxito considerável da ópera da FNAT. . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Gaetano Donizetti (1797-1848) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Giuseppe Verdi (1813-1901) . . . . . . . . de Giacomo Puccini (1858-1924) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Estreias 1963 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .28 de Julho 1966 . . . . . . . . . . . . . . .qxp 5/28/07 11:25 AM Page 212 Anexo Espectáculos da Companhia Portuguesa de Ópera do Teatro da Trinda- de de 1963 a 1975 Ano . . . . .7 de Maio L’Amico Fritz. . . . . . . . . . . . .15 de Julho 1965 . . . . . . . . . . . . . . .Obras . . . . . . . . . . . . . . . .28 de Abril Don Pasquale. .15 de Maio La Bohème. . . . . . . . . de Alfredo Keil (1850-1907) . . . . . . . . . . . . . . . de Giacomo Puccini(1858-1924) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Tosca. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .8 de Julho A Condessa Caprichosa (La Donna di Génio Volubile). de Ruy Coelho (1892-1986) . . de Giacomo Puccini(1858-1924) . .6 de Maio Il Barbieri di Siviglia. . . . . . . . . . . de Giacomo Puccini (1858-1924) . . . . . . . . . . . . . .4 de Maio Lucia di Lammermoor. . . . .6 de Junho La Bohème. . . . . .13 de Junho Inês Pereira. . . . . de Giuseppe Verdi (1813-1901) . . . . . . de Giuseppe Verdi (1813-1901) . .6 de Maio A Serrana. . . . . . . . . . . . . . . .29 de Abril La Traviata. . . . . . . . . .27 de Junho Canção de Amor. . de Charles Gounod (1818-1893) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Franz Schubert (1797-1828) . . . . . .15 de Junho 212 . . .1 de Julho A Vingança da Cigana. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1868) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Pietro Mascagni (1863-1945) . . . . . . .Tosca. . . . . . . . . . . . de Gioacchino Rossini (1792 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Gaetano Donizetti (1797-1848) . .8 de Julho Cavalleria Rusticana. . . . . . . . . . . . . . de Pietro Mascagni (1863-1945) . .31 de Maio La Bohème. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Giacomo Puccini(1858-1924) . . . . . . de Gaetano Donizetti (1797-1848) . . . . . . . . . . . .13 de Maio La Traviata. . . . . . . . . .11 de Julho Pagliacci. . .4 de Julho Rita. . . . .Opera do Trindade. . . . . . . . .20 de Maio Faust. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 de Julho 1967 . . . . . . . . . . . .Il Barbieri di Siviglia. de Gioacchino Rossini (1792 . . . . . . . . . . . .1868) . . . . . . . . . . . .3 de Junho L’Elisir d’Amore. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Giacomo Puccini(1858-1924) . . . . . . . . . .17 de Junho Pagliacci. . . . . . . . . . . . . . .4 de Julho 1964 . . . . .12 de Maio Madama Butterfly. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Marcos Portugal (1762-1830) . . de Ruggero Leoncavallo (1857-1919) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Giuseppe Verdi (1813-1901) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Rigoletto. de Ruggero Leoncavallo (1857-1919) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Rigoletto. . . . . de Gaetano Donizetti (1797-1848) . . . . de António Leal Moreira (1758-1819) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Traviata. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19 de Julho 1972 . . .31 de Maio Andrea Chenier. . . . . .3 de Julho Werther. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17 de Julho 1970 . . . . . . . . . de Gaetano Donizetti (1797-1848) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Opera do Trindade. de Charles Gounod (1818-1893) . . . . . . . . . . .24 de Junho Manon Lescaut. . . . . . de Alfredo Keil (1850-1907) . . . . . . . . . . . .17 de Julho Scala di Seta. . . . . . . . . . . . . . . . . de Leo Delibes (1836-1891) . . . . . . . . . . . . . . .Orfeo ed Euridice. . . . . . . de Gioacchino Rossini (1792 . . . . .1868) . . . . . . . . . . . de Ruggero Leoncavallo (1857-1919) . . . . . . . . . . . .Estreias A Vingança da Cigana. . . . . . . .18 de Maio Rigoletto. . de Pietro Mascagni (1863-1945) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) . . de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .8 de Junho Madama Butterfly. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .5 de Junho Amélia al Ballo. . . . . . .La Sonnambula. . . . .18 de Julho 1968 . . . . .Obras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Giuseppe Verdi (1813-1901) . . . . . .7 de Maio A Serrana. de Christoph Willibald Gluck (1714-1787) . . .15 de Maio Rita. . . . . . . . . . . . . . . . .18 de Junho Il Barbieri di Siviglia. . de António Teixeira (1707-1769) . . .26 de Julho 1969 . . . . . . . . . . . . . . .14 de Julho 1971 . . . . . . . de Giuseppe Verdi (1813-1901) . . . . . . de Gaetano Donizetti (1797-1848) . . . de Ermanno Wolf. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .14 de Junho Lakmé. . . . .qxp 5/28/07 11:25 AM Page 213 Anexo Ano .8 de Julho Viúva Alegre (Die lustige Witwe). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .30 de Junho La Bohème. . . . . . . . . . . . . . de António Leal Moreira (1758-1819) . . . . . . . . . .11 de Julho La Cambiale di Matrimonio. . . . . . . . . . . . . de Jules Emile Massenet (1892-1986) . . . . . . . . de Franz Léhar (1870-1948) . . . . . . . . . . . . de Giacomo Puccini (1858-1924) . . . . . . . . . . . . . . .5 de Maio Lucia di Lammermoor. . . . . . .18 de Maio Il Segreto di Susanna. . . . . . . . de Gioacchino Rossini (1792 . . . . . . . . . . . . . . . . de Giacomo Puccini (1858-1924) . . . . . . . . . . . . . . . .Ferrari (1876-1948) . . . . . de Giacomo Puccini(1858-1924) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Georges Bizet (1838-1875) . . . . . . .Carmen. . . . . . . . . . . . . . . . . .1868) . . . . . . . de Umberto Giordano (1867-1948) . . . . . . . . . . . . . de Gian Carlo Menotti (1901-2007) . . . . . . .20 de Maio A Vingança da Cigana. . . . . . . . . . . . . . .17 de Junho Il Gobbo del Callifo. . . . . . . . . . . . . . .1868) . . . . . . de Vincenzo Belini (1801-1835) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Franco Casavola (1891-1955) . . . . . . . . . . de Gioacchino Rossini (1792 . . . . . . . . . . . . . de António Leal Moreira (1758-1819) . . . . . . . . . . . . . . .A Flauta Mágica (Die Zauberflote). . . . . . . . . . . . . . . .6 de Julho Faust. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Gaetano Donizetti (1797-1848) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Gioacchino Rossini (1792 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 de Maio Le Nozze di Figaro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2 de Maio La Rondine. . . . . . de Giuseppe Verdi (1813-1901) . . . . .1868) . . . . de Jules Emile Massenet (1892-1986) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .8 de Junho Cavalleria Rusticana. . . . . . . . . . . . . . . . .13 de Maio L’Elisir d’Amore. . .17 de Maio Traviata. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17 de Julho Adina. . . .17 de Junho Werther. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7 de Junho Le Nozze di Figaro. . . . . . . . . . . . .6 de Maio Pagliacci. . . . . . de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) . . . . . . . . . . . . . . .11 de Julho Variedades de Proteu. . de Jules Emile Massenet (1842-1912) .24 de Julho 213 . . de Pietro Mascagni (1863-1945) . .14 de Novembro 214 . . . . . . . . . . . .Obras . . . . . . . . . . . de Jules Emile Massenet (1892-1986) . . . . . . . . . . . .9 de Agosto 1975 . . . . . . . . . .7 de Julho A Serrana. . . . . . . . . . . . . . de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) . . . . . . . . . . . de Giacomo Puccini (1858-1924) . .17 de Maio The Telephone. . de Giuseppe Verdi (1813-1901) . . . . . . de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) . . . . . . . . . . . . . . . . de Gioacchino Rossini (1792-1868) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Estreias 1973 . .Opera do Trindade. . . . de Franz Léhar (1870-1948) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Il Matrimonio Segreto. . . . . . . . . . . de Paul Hindemith (1895-1963) . . .12 de Julho Viúva Alegre (Die lustige Witwe).qxp 5/28/07 11:25 AM Page 214 A Ópera do Trindade Ano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3 de Julho Il Tabarro. . . . . . . . . de Domenico Cimarosa (1749-1801) . . de Gian Carlo Menotti (1901-2007) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .12 de Julho Rosas de Todo o Ano. . . . . . . . . . . .30 de Abril Werther. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . de Giacomo Puccini (1858-1924) . . . . . . . . . de Alfredo Keil (1850-1907) . . de Vicenzo Belini (1813-1901) . .25 de Outubro La Bohème. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22 de Julho O Conde de Luxemburgo (Der Graf von Luxemburg). . . . . . . . . . . . de Ruy Coelho (1892-1986) .17 de Maio La Cambiale di Matrimonio. .17 de Maio A Flauta Mágica (Die Zauberflote).11 de Junho Amélia al Ballo. .18 de Maio La Sonnambula. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21 de Julho 1974 . . de Giacomo Puccini(1858-1924) . . . . de Franz Léhar (1870-1948) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3 de Julho Madama Butterfly. . . . . . . . de Jules Emile Massenet (1892-1986) . . . . . . de Gian Carlo Menotti (1901-2007) . . . . . . . . . . . .Ida e Volta.Rigoletto. . . . . . . . . . . . . . . . . .29 de Maio Le Nozze di Figaro. . . . . . . .2 de Junho Don Quichotte. . . . . .25 de Junho Cavalleria Rusticana. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1945.777 de 3 de Julho de 1961 (referente às apostas mútuas). Mensário das Casas do Povo. A Questão Social. FNAT. Notas. Guedes. 314. Jorge Felner da Costa. Lisboa. Edições Biblioteca.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 215 Fontes Arquivos Arquivo do Teatro da Trindade > Pastas relativas aos anos de actividade da Companhia Portuguesa de Ópera (1963-1975). Salazar. edição do SPN/SNI. Decreto-Lei n. Marques. António de Oliveira. Agosto de 1968. Graça. Decreto-Lei n. 1954. Legislação Decreto-Lei n. Higino de Queiroz e. A Alegria no Trabalho nos Meios Rurais. 1944. Uma Escola Corporativa Portuguesa. de Lisboa. Rogério. Edição fac-similada do INATEL. Luís Quartin. “As Casas do Povo e a Valorização Rural”. 315. Gabinete de Estudos Corporativos. 1944. Programas das temporadas da Companhia Portuguesa de Ópera do Trindade (1963-1975).o 43. Editorial Vanguarda. Decreto-Lei n. 1945. Lisboa. Academia das Ciências de Lisboa (Separata das “Memórias” – classe de Letras – Tomo VI). José Pires. Vieira. 1956. Tomé. Arquivo do Museu do Teatro Fontes Impressas Cardoso. 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José Carlos. Estampa.. Social Knowledge and the Origins of Modern Social Policies. 3. Tavistock Publications. Pinto. Fernando.). Parkin.qxp 5/28/07 11:25 AM Page 218 A Ópera do Trindade n. States.. vol. Theda. Regulating the Poor – The Functions of Public Welfare. “Statist and Non-Statist Societies”. Análise Social. AJS. “O Salazarismo e o Homem Novo”. Somers. Lisboa. Frank. 218 . Porto. em História. pp. Princeton. N. Princeton University Press. 569-581. Tomás. eds. Max. and Relationality in Social Science”. vol. 1993. Dietrich. 1996. 1999.o 7-8. Lisboa.. 1988. Wagner.o 5. Princeton University Press. 1981. Vintage Books. 1999 Skocpol. Totowa. Bedminster Press. 1996. O Dispositivo Cultural nos Anos da “Política do Espírito” (1993-1949): Ideologias.. Schmit ter. Bjorn. 722-84. eds. Margaret R. ICS. 1964. 90-113. 1968. Estado Novo e Alegria no Trabalho – Uma História Política da FNAT (1935-1958).. Peter. O Salazarismo e o Fascismo Português. Alfa. .... 153. 56.. 182............ 138.. Jean-Louis......... ..... .......... 187..65... 22........ José............. 124... 136........... Angola.... 162... 107......... 45. .. 174... 47..................123..... 180... Franca... 80... . 128....... 161.. 178 Casavola........................... ... 146...qxp 5/28/07 11:25 AM Page 219 Índice Remissivo A C Academia de Amadores de Música. 156............... 196 > Chiado Terrasse.. .......... António........ ........ 102 105........ viagem a...... 194 Alcaide...153. 134............ 43... 146... 185.... 148.. 158...... 174 Ary dos Santos.... viagem a... 94 Casais....47....24.158 Boletim Lírico Internacional................... .... 83... 169.. .... Teresa. Martha.. Branco... Bourdieu. 117............... 167...... 175..... 171 Centro de Recreio Popular...... 91......183.139 Cassou... . 173.. Bento Parreira do.177 168. 98..... .95 122.. 178..........82.. 93.16..13..24.........63 ........ ..... 145........ 115 Cochofel...... Alban.. ....... 89.. 128....... 159..... 59. ............. 187. Benjamin....158 Casas dos Pescadores........................................24 Boletim da FNAT Alegria no Trabalho......... 183........... 203 139......... 69............ Benamor. 196 Benoit...................................... João de Freitas..142.. 121...51 Barbosa. 143.. 70 Bayan....... Afonso... 143....... ..... 187 Cassuto...... .... 155... 135...22.. 169......... 195..113. 85......... 118. Luiz de Freitas.... bailado.... ....... 184.............136 Bechi. 64............. 120. ..150.. 64...... ........60 Alemanha nacional-socialista............ 178........ 102.................53...... 60.65 Câmara Municipal de Lisboa. ..... José Pires....126.. ..... 173.. ..... 168....... ...... 184.............. 192 Coliseu dos Recreios... 187 Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro.. Georges...... Luís V........... Ruy.... .... 44. ............. 71 88..153 Baptista. 135.......... 60..194 219 ....134.. 105.............. . Domenico. 136 Acordo Monetário Europeu.................... 125....... 86.... .....118.... ... 146... 171... 145. 149...... 156. 127 Boudon. 135. .........82.....185 Bellini... 184 ....... .... 118.. ...Opera do Trindade........34 Coelho.. 129. ....24 Bizet... 164. 169......... 46.... 109.. 138. 155..... 122. 70... 61.. 69 arte nacionalista...........191 Botelho...... 143. Pierre.............. 186..... ......... 88. 153 Cândido.. 125.. 108.... Cardoso....... Mário Vieira de... 64.. 171 Atalaya.......22.. . 155.................... 161.......... ..................... 105 99.... .............................134 Cabral..91..... ..................19 Berg.......20....163........ 123..... Pedro de Freitas. 136...112....... 186 Chailly. ..163....... 124 106... ... Fernando.......24......... 143...... 65........ 84.... 81... .......102 B Centro de Alegria no Trabalho.67.. 171 Centro de Avviamento do Teatro Massimo Banco Mundial.......18......84 Britten.. Vincenzo.............. ........ 167.... 98.................. 186 cinema.... 158... 157........ Hugo. Branco..............149 Brecht...191 .. 82...... 48......... 176.... 181..164 Nacional......... . 62.. 126....... 83... . 52..... 186.... 105....... Almeida........... 64 Claudio Abbado... 136. .174 Cláudio......... 161.... ........... 142. ........ 143......... 187 > Olimpia.... 150............. ... 109.... . 139..... .......128 Barreiros.............. Nuno..... Bertolt. .... Raymond.22......... 133..... 141......................... ....................... Maria Cristina de... ........ Franco.....147.. 189. 179.............. 117... Campos...141.. > São Luiz..126....... 69... ................. 126.. 161. .... Vasco.... 191...... 144............. 91........ ................................ 154.. ....... 84........... 160. ......158 bel canto.......91.... 110.. 172. Álvaro.. Cinemas ... 179... José Carlos..... 149 ....... 69 Argerich.... Gino..........102 Casas do Povo........... 147.. 90..... ....... Helena....... 41........ 80... 169..............135..... 191 Centro Português de Bailado... 174 > Roma........... ..... ..... Álvaro.... 132... 149.........114..... 30.... 187 Amaral... Bruner..... .. 50 Carvalho............... 173 Artistas Líricos.................... João José..................................................66 de Palermo........ 89..161... 183.......... 203 Branco. 101..........102 Centro de Preparação e Aperfeiçoamento de Barcelona. 185. 174. Maria Teresa de..... 178. 149. ... ....24............. ......... 25. Maria Manuela.... 148............................... 185 Castro............ 174 Companhia Portuguesa de Bailado.. 98... .. 195. ...... 178........ 23.... 162... 137.. 21............ 160...................... Tomás........... ................ Raul..... 146 Cimarrosa........... .... ...... Luís...21... 130....91........... 92....... 103...... ..... ... .... Francine...... 202 Araújo... 102..... ..87.. 171...........24........ 159 77..... 158.... 104... 153....... 141.. 15.............82 Como....... Elisete.... ... Luciano........ 140...... 167..... 147..34 Centro de Estudos Corporativos da União Barbieri....... . Coliseu do Porto. 85 Cruz.124...........10.. 184 cultura popular...... 202 ...... 59....... 167 Conselho Consultivo do Teatro da Trindade........... 116. 30......... 193... Claude.... Maria Helena de........121............ Hicks.... G 55. 205 Grupo Sócioprofissional dos Músicos do E Movimento CDE..... . 89.. 45............. 19......qxp 5/28/07 11:25 AM Page 220 A Ópera do Trindade concertos musicais....... Mário.... Armando Marques. 159....... 164. 146 16....... Michael. 105 Instituto de Alta Cultura.. António...... 48................... Alexander.......... Hetcher................ 24.174 Gil......... 64. 113... 126.. ..... 153...... 114........ 144 45....... 203.................... . 21..... S.... Victoria...66 Costa..... 190... 54... ........16....... 201.................135.........18........................... 38........... 194..158 I Federação das Colectividades de Cultura e INATEL-Instituto Nacional para Recreio............ Umberto............ 139.......... ......... 175......127.. ........ 163... .... 49. H ........ . 28... Freitas.......... .... 151....9 Gershwin....... 161............55 Grupo de Música Contemporânea de Donizetti................158............ 179.. Luís...... ......... Humberto........ 118. 80.......147 Itália fascista................... 22. Dukas.........95 Crehan.... Adolf.. 205 Ferro............ Anthony.... 115.. 175... 42.. 138..............24.....153 Coro da Gulbenkian. 136.42..... ............89.... 147.... .... 23.. .. .................... ....66 .......... 163 Festival das Artes. 61.... 136......................... 46... 137. 77........ .... 164. 29.. Vasco..... 171.....49-57 Hitler.....191 Dall’Argine.... 35......... 93........... . .. ..45 d’Ávila.... 127................... 135.................. ....... 60..... 34..... 135................ 57....126....39... 167 84... 32... Filho... Ivo...... ....... 150...... ..36... 67. 62 Furiga............. 24. ....... 79.. 66 Guerreiro...... ................ ... Jorge Felner da............ 122.......... 155 Gluck... ...174 Gramsci. 104... 152..... .. 90....141............ .... 86............... ...... .......... 205 F Falla.. António Júlio de Castro.. ...191 Fundo Monetário Internacional.... Comércio. 194 Figueiredo....17. 63........29....................... 159...... .......... 141......187 ..... Festival Gulbenkian de Música.. ... 186. 79........ 159.......................... 29. 111...N................ Lisboa....169 D Giani....... 197... 149..56........... 205 GATT-Acordo Geral sobre Tarifas e Cunha... 177.10......... 82....... 149.............Opera do Trindade.... Antonio......... 131.....................13................ 169... 163... Manuel de... 48.... 95...63 102. 127.... 169......126.. 87. 114..... 201.......... ............34 controlo social/regulação social. ...... .....45 Estatuto do Trabalho Nacional... Jaime Silva..... 57 143... 41 Dallapiccola....... 110.........191 Conservatório Nacional....... 118..... 60...... George.............. ......179 Grácio.. 48...... Léo.... 181.............. 203 Grazia...........91....... 83. 82.... 145...... 113. ............ 18.... .... Ferreira...... 146......55 Livre.. 144........ 199..158 encenação...... 156....... 92..18. .. ..... 39...46............81. 159................... 62. 151 Giddens.. 196 EFTA-Associação Europeia de Comércio Guedes... 168.......... 39..... 121.... General Humberto. 83.. 157.. ......137 Debussy... 118...... 125 14..... Francisco José de Lima de Brito e. 174 Delibes.. 36...29 futebol. 136. Gabinete de Estudos Corporativos.......... 136... 121..... Paul...... 94. 73...141 Giordano....... ........... 169......... 53........... 88............ 103.... 203.... Sérgio. 119................... 78..34 Deniau........ .. 191 Elias..... 171. .... ........... 183.... .... .... 170.. Robert... Armando....................... 97..... 199 84...... 50...... Gaetano... 43.24......... 47......51 Trabalhadores.. 22............... 188.. Frederico de. ................ 198... ....... 202...118 Fundação Calouste Gulbenkian...... 41 Emissora Nacional................... 27.13.. Carlos........................124... 199................. 89.. 110...... ................ 148.... 121 Aproveitamento dos Tempos Livres dos Fernandes. .. 203............. Clifford.... 49 Dias. ........ 123.... 22.......... 43 desproletarização............ 153........... 64.... .............. Luigi.. ..... 199 Haendel. ....... 205 Freitas...... 168....187.. 81... Kate.................... 167......... Simona... 60.. ............. 54. 90.... 203 Fonseca... 174 Grupo Experimental de Ópera de Câmara...21.... Coro do São Carlos. João Victor... Christoph Willibald.. ................... 174...... 69. 11........ 102................ José de.... Paul.. .... 112. 188..44 ideologia.............. Georg Friedrich...... 158. 100........... 153..55. Alfredo................15 121.. 120. ................ ... . 58.......... França.... 90.. ......................199 Geertz... .... 153...............22 .. Eduardo de...... .... Ferreira...... 48....93... 187 Hindemith. .............. .. 136. 94... 125....... 103..... estranhamento... 191.............. ......... Jaime........ 26. ......... 197........ 199 Eisenstadt........... 194 Costa. . 60...... 61. 192 Freitas... 37. 55...65.145..................51 .16..........24........ 140............. Charles........ 172 Delgado.. 159.......67 Gounod.. 91........ Norbert.. 113.......91....... . 44....... 31............... 98.......... .......... 50 220 ... ... Gustav...Opera do Trindade.. Celeste.... José Silva... 51........... 91......... 202 Malta. .............51...22........... João IV.... 187 > Andrea Chénier...... 66.......... 185... ..... Armindo......... 46.......161.................. 164 221 ....... ....36..............17...... 102 108.44 . 62.. 87.....65 Leitão..... .. 174...... 155.. ....... Darius..... 149........ O.. .. 160 Mozart.. .......... 105 Menano.......... 186 Mealha....... 19............. 192....... . As...... . 154.... Edmundo... 32. > Falstaff....... 191 Mussorgsky. 108..118 ................. 193......................144....... Franz. 51..99. 98.................. 172.......... 191 > Bodas de Fígaro. Michael...... 24............... .............. 166.......... 48...... 150........47 Lagoa........ 199 Mascagni..26... O.137.. 145... 107.. Adérito Sedas...... Keynes. 101....142 18..... 35.59 162........... Jules Emile Frédéric......... 158... 45...... ............ Juan... Hermínio.... Gian Carlo....... Isabel............ 155.. ........ 36..22 Magnini................. ............. . 144... 104.. António Silva..............30. 81.. 63...... 179................................................ .. 100............. 154...................187 > Elixir do Amor.......................... John Maynard..... .. ........22....... 47... 39....... 46.... 151............. 195 Mann............ ......... ......... 164. Quirino.. 105.......... 97... Nicolo............... ......158 > Don Pasquale........ David. 45.........184 Marx.... 172........ 175...... Guilherme.20................. 134.... 161.................. 34..137. ....... ......... ........ 172 Ministério da Educação............ 188.......10.....29......... .......... 160........113 > Cavaleiro das Mãos Irresistíveis.. 59.... 52.... 98. 193 ............ ....... 124......191 .......... 113......... 37.. 145.................... 205 Junta de Acção Social (JAS).. Barrington......... 158.... A....145...105.. ... 59 > Alcina..... ............ 186... 194....185.. 152... 37... 186 Menotti..................... 159..qxp 5/28/07 11:25 AM Page 221 Índice Remissivo J 102....... .............. 199 > Domanda di Matrimonio..... 196 Kiser..............170......... .. 174... Manuela.. Malaguerra................ ......135 Keil....................................187 Menano.. 164........ 108... 155............. 54.. 164............ .... 157... 44... ... Álvaro.............. 143...... 43 > Cambiale di Matrimonio....... 43....106 Massenet.. ....... 134. ........................ ..............149 Milhaud........ 29.......... ......... . 134.26....... .......... 83.......22...98....139 > Barbeiro de Sevilha..... .. ...15 Mussolini........ Wolfgang Amadeus..... Daniel......... .. 50............ 64.............24..... 169. 18....... 56..... ......106 Melo................. . Alfredo......... 136 Monteiro......... Karl......... 22................. ........... Germana........................... Sérgio.... 191 Oliveira.... ................ Francisco.......22 Mahler.. Duardos e Flérida.. ........65 ........ 15....128.......20.......55 > D.. ........ 49..... 144. ...26. 106.................. 137.......... ....137 Machado............................... ....121...... 177... 67. 35.28. 163. ..... 134.....154.... Óperas ..... Higino de Queiroz e................. 174 Mello........ 49 Lopes-Graça.......... 82....... 77.. 136..45 K Moreira.. ... ... 38........33 Moore Jr... 35 Opera Nazionale Dopolavoro....... 25..172 Machado............ .. 145... .. 178............ La....17.. 67. 51.. 197............... Martins. > Cavalleria Rusticana... José..... ..........14.. ............................................... 45......... 24........ ... Modeste.......20........ ..............164 ... Medeiros.. 39 > Bohème.. .. 49 Kjölner. 193.............. 80..............163............. 40............ 172..... 153. ..... . modernização........... ........ ............ 159...143............ 195...... 45... 53 N L Neves............... Helena Pina................. 102..... ........... 143.......34 lazer........... 39..135 OECE-Organização de Cooperação Léhar..20.... Manuel de.. .......171 > Barbe-Bleue............... 47...... 195 M > Amigo Fritz..................158 > Amélia al Ballo.... 106.............. 161....... ..118 > Dom Quixote.187 Ministério das Corporações.174 Linz........ 186 ...... Manique. 84....... 166. ..... 194 > Erwartung...... 46.. 157.....184 Kraft durch Freude........ 187 > Adina........ 180 Leoncavallo. 147...... 91........ ... 89 O Leal..... Júlio César.. 150..... ................ 185...... > Fausto...... 44......... 11. 80.......... Pietro... 121.... 201 > Condessa Caprichosa.... Manuel......... 164 Mascarenhas......... 102........................ 163................ 147.. Fernanda.... 145 Ópera Nacional de Cuba...... 180 Económica Europeia...91...22 Machado........ ...... 22......19 > Ariane. 75. 58. 75. ...... 55... 163......................... 191 Nunes...... .... Edgar.............. O... La...... 128............. ....161...161 Lucena............ 199 Martins. António Leal.............. 171.. Junta Central das Casas do Povo........ 137... .... 78 Juventude Musical Portuguesa. Ana... 28...........118 > D..... ............. 64 > Crisfal.......... Domingos...........98... . 173... ........... La. 77........163 Messiaen............................. 57. .58 > Boris Godunov. ... 143.... 98 > Arabella............ Fernando....... Benito.. Lopes.24... 174......... 144. .24.. 46...................................... 42............. Olivier....... 41..... ..... .. 155............. 184........... 185 > Carmen... .... 174. Sidónio......... 41.......22.20. 51..144 106... 196 revista. ....... 173.... 199 > Inês de Castro.....143..... ........ 162...... A. ....102 > Rigoletto......... 157 Quarteto de Lisboa.............. 104. 21...18... 88...18...... Henry. 10... Fernando.. 172......................95........ Rosa..136............179 Pais... 36..... ..... 187. 155 Pavão dos Santos...22....149.145....... .... ......... 208 > Orfeo e Eurídice.....158 Pereira. 129... 184 > Gobbo del Califfo............ 155.. 142... 196 Pereira. ........ Os.187 134............................. 185..............158 222 ...................... .... 134 Ribeiro........... 138............ Maria........... 175...............155 27............ 143. 180.......... 150............................. .................194........... ......24...... 80. ........ 80..... Francisco. 193.. João........................................... .. 98. Giacomo.......... ...... 189..... 172 Patriarca. 164. As.. 184..28 > Otello......... 172.. 197......... 179.. 179 > Werther.. 189.. ..... 204 > Sonnambula................. O.... .. 169 > Traviata................. 55......... 155.. 153..... Fátima....161......... 199 Proença.......... .............................Opera do Trindade.............. 146.. 26............... .. . > Emissora Nacional.. ............... Mário.............. 164..... 149 Purcell.... 187 Parkin. 106......................... 83.. .106..145.19 > Peter Grimes........... > Tannhäuser..... 52.... 182.. 199 .............. 169..195 portugueses........... 135.... 199 Puccini.... 57......... 209 > Serrana....... 94........ 47............. .. 170.................... 141. Karl..........20 Richter.. 186 .. 170.18............. ......... 149. 22............. 123.. 196 Partido Comunista Português............ ........... José Blanc de...135. 82... 133.. 35....... ...... La..................106. . 136.............. 150. .... 185 P > Inês Pereira.... Ramos.. 55.... questão social...... 157........... 147..... ............ ...... 145... ............... .... 195...... . 83.. 163.. 146.... 182 Rostropovitch... ..... 187 ....... 81. ... .... ............... > Flauta Mágica.... Mstislav.......... Rego.......................... 47.... 179 Operetas Ribeiro...... 195.137... 174. ..........19..... 142 Q > Variedades de Proteu.... Marcos.... 27..191 ....... 164 políticas sociais. 164.......... 13......187 Pellegrini...... 56. 163... La..................... ... .... 172 Palha........ 191...... 21.... João....... ..... 143......... 126.......22 Peixinho... 161.... 197 > Segredo de Susana. 187 > Manon...............179 Organização Internacional do Trabalho..119..145 Ramos. 191 ..... Gioacchino... 157........................... A.... 137.................... 25...... 144..................20....98.......... 148. Artur.. 161 opereta.. ................................. 179.............. . 172......... 48........................87 Pasquali.. ...145 Brigadas Revolucionárias. Il. .. > Simão Bocanegra........ 174 > Trovador.. 131.. 35... Francisco....... > Scala di Seta......9. 153.....20............... 192........ Carlo. 36........... 130......... 20..178...... ....22 > Sinfónica de Lisboa... 173.........137. 171......... 163.......................50...... . ............. ..... teatro de................ Pedro Teotónio... . ....... 147.. The.......22.......... 185 R > Wozzeck....... Nina Marques...20............141 > Lucia de Lammermoor..... A................ 39............. 199 > Lakmé...... 198 > Palhaços..171.......161 44.... A... 21 > Sonho de Valsa.22........77 > Canção do Amor........................ 146... 136.19................ 171........ 145.... 45........... 144......51 > Rita.... 185............ 199 ......129. 157.. .. 128................. Frank. ....95... 139.... .....158 > Viúva Alegre.. 146. A........ 49.... 108... Portugal.. 145. 187 > Porgy and Bess. 126........... 41........... .. ........... 190......... . Rogério.. Mário........ 84.....22...... 155. ...................132........ .... .... 164................. .............20... ...... 196 > Tosca.. 94..qxp 5/28/07 11:25 AM Page 222 A Ópera do Trindade > Favorita... 199 > Prigioneiro....22. 106..... 174......... 134. 149......... 185......... 23. .... A....... La... 32.... 155 Partido Revolucionário do Proletariado – > Mão Feliz.... 89.... 195 > Telefone.... . 174.. > The Turn of the Screw................136 Paulo... 187 Orquestras Rossini.............. 148..... .... 137......... 43.............164 109.. 100.. 160..... 145. 121.... . ..... 154. 143...103 > Vingança da Cigana.......198 > Matrimóni....158......................... ........... 174 Portugal. 109.. 110... ....... ...............65 > Rondine.... 172 Paes.. ..... 136.............. ........155 > Filarmónica Municipal de Lisboa....... > Rake’s Progress... 137. Victor. Fernando Moreira.............. 139..24.................. A......141. 51 Rosas............ ..... ......... ....118 > Histoire du Soldat. ... .... 96...........22 163.......... 82..126 > Ida e Volta...... 183..163.............. 199 > Retábulo de Mestre Pedro. 106.... 144....... Il...........141.... 108................ O................... 185... 161.................. Jorge.19 > Lulu..... 164 Plano Marshall........................ ............................. 128.......153..... 159. 83..........41 > Madame Butterfly.. . O.. 182 183..............187 Pereira.......... Maestro Silva..... 81.... 156...... 156. 145...... 187 Rodrigo................. Il... > Rosas de Todo o Ano.............. 81...... 161. 2. 171.. Carlos..... 186 profissionalização dos artistas/cantores > Tabarro... 173......... .. ..... João José Gonçalves de.... ....... 154.................. 54...... 174 > Gulbenkian.... 59 .. .. 31....28... .... 126.. ..... 117...20......................... 161 > Público.... 120. 96.. 80..... .... Baltazar Rebelo de..... 177...... . ....... 98... Wolf-Ferrari...... 139. João....21. 20. bailados. 107...... 84..... 190. 117......... 105...... 99.............148... 113.........27............21... 113 Sousa.. 166..........81..... ........... 202 133........142 > Programação...... 157.............. .......... Serafim....125 Schoenberg......... 26....... 187..... 112. 203..... 57 Verdi.. 122.9. 73.... 102. 82. 82... Américo...........20 Weil...... 159........ 82............. 90.. 162............... 165...145.. 21.. . 192 ....... 194 zarzuela........ 108. 137. sociedade civil...... 82... Richard....... Margaret R............ Anton......... 53... . 128. José Hermano... 158......... 27 Secretariado Nacional da Informação (SNI). 145. ...... 111.....19............ ..25.. 187 Trio de Lisboa...... 117. 113...... 150.........24..... Orlando.............................. 48... Afonso....... 186.. ........ 141........... 120.. 51... 199. 160. Giuseppe. 87...103 Schubert...... 187 Wallenstein...... . 173............ Karl-Heinz.... 92..... Fernando...13. 136.. 205 Teatro Ginásio.47-55 Sousa............. Arturo.... 201 Viana... 109.......... ............ António José da........22 Wagner... 174 20................ 145. 130....... 110............... 175..... 192.... 64. 123..158 Taveira... 103 Silva. ......... ........ 95....... 158.... 117.......... 83........ Gino..... 82... 89.... ........... 91.. 24. . 178. 88.. .. António. . 108.... 145..... 113. 87......... António Manuel Couto. Carlos........... Ermanno........ 27.. 111..... 105...81 Saraiva...... 188.21...... 50....... 141. ........................ 181 Teixeira.. 142....... Filipe de....... 113.118.. 119.............. 152.. 173.......... 153. 47..146.22. . 98..... 46... 137..... 89... 123. 162. 139. 173.. 151. 93.... 25..... Phillipe................... 190 223 ....... 93.......... 100. 45 U Secretariado da Propaganda Nacional União Europeia de Pagamentos........... 90............ 83..... 45.. 135....... ...... Kurt.. 188........ 121. .. 101................ ..... Fernanda.. 127.. Franz............. 147.... 122............. 16............. .........102 T Webern...... 203. 136 Valente... 94...................qxp 5/28/07 11:25 AM Page 223 Índice Remissivo S Teatro da Trindade Salazar...... 169.. Santos..... ....15 . 53........30.. 195.. ....... 21.... 46..... . 83.. António de Oliveira..... 94.... 82... ...... José Carlos........... .. 176.. 112.16...... Zuleika.........50-51 Veloso.32. 193. . 131..... 186 Saviotti.. 99. 121......102.... 191 Teatro Monumental..... .... 115... 108... 197. 57...147 Vieira....... 103..............167 Thomaz. 185. 22.... 178... 154... 114... 187.. 139.................. .... Giovani. 55...23 W Strauss.. 127.. 61 > História... 122..39 Schmitter........... 143. ..............................19.. 138. 196.. 84... 119. 181..121 Wandschneider... 84......19. 167................. ....... 103 variedades....... Z 126....Opera do Trindade... 53........ 47.20..................28 Toscanini...134 Tilly... 140. 85. 141..... .... 181...... . 81.........22..... 137....... Joly Braga....... 87............. 153..... 42.. 41.... Helder. 204....... 187 Vaz........ 94......... 97.....132.. ...... 106.. 93... 179..114........... 205 189.. 166.. ..... Tomé...... ... 153........... 101..... Theda................. 136.. 198. 167. 83.......58 (SPN)........ 196..... António. 182............. .. 13 Salieri. 88..... 178..... 125...19........ ......... ....19.. 156...178 Vitorino...... 134. 190........ 28.... 168..... 190 Verde Gaio.. 94......... 160.. .. 116... 116.. ... 153....... V ..... 125. . 49... Somers..........199 .... ... 78 serões para trabalhadores.... 114...132........ 174 teatro (como arte)............... 88.... 155.. 121..... 155. .... .. 98....... 83........ 88........ 174.. 137... 24 Saque.... 134...... Charles..... . 40. 157 Stravinsky.. 192 Stockhausen.......33.....19 Saque........ 177. ........... 203 sindicatos.............. 86. . 85... 45. 97........ ..... .. 154.... 50....... 183... 129 Sckocpol......... 100.... .. 11.... São Carlos..... .... 191....191 Sindicato Nacional dos Músicos......... 187 Soumagnas............ 92.... 126.... 125. 171......... 145.. 21.............. ...... Voyer.... Jean..... ... 88.. Arnold............ ........ 116....24 Sindicato Nacional dos Bancários.....136.. Elsa.........21. 93.. 138..... qxp 5/28/07 11:25 AM Page 224 Revisão: Henrique Tavares e Castro Design: subbus:dESiGNERS Capa: rui[lúcio]carvalho Composição: Rita Lynce Fotografia da capa: Produzido e acabado por EIGAL Rua D.Opera do Trindade. 742 4435-006 Rio Tinto — Portugal . Afonso Henriques.
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