Antropologia filosófica

March 22, 2018 | Author: Hernani Pereira Dos Santos | Category: Anthropology, Philosophical Anthropology, Homo Sapiens, Immanuel Kant, Science


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Antropologia filosófica Professor Volnei 23/11/12 Welt – Umwelt –Umwelt.Peter Sloterdijk – o homem foi descentralizado diversas vezes em sua história: o heliocentrismo, o darwinismo e a psicanálise. Fim do discurso religioso. A perda da “casca” que envolvia o homem. Textos enviados: A teoria da Umwelt (é um termo feminino) e outro texto de um paleontólogo, A unicidade da espécie humana. O texto “O lugar do homem no cosmos”, de Max Scheler, é, também, um textobase para a disciplina. Outro ainda: Antropologie et psychologie sociale. Ver o programa da disciplina. A antropologia filosófica nasce do interior da filosofia, mas de uma “ameaça” que vem de fora, de outras ciências com as quais a filosofia teve, necessariamente de dialogar. Só podemos falar de uma disciplina “antropologia filosófica” a partir do século XIX e, mais ainda, durante o século XX. A hipótese do texto de Uexküll é a de que existe um ambiente próprio para cada espécie viva. Cada ambiente é um texto: existe uma infinidade de textos. Texto de GELLEN. No século XIX, a tentativa da antropologia é a de estabelecer uma ciência física, isto é, na busca de garantir um estatuto científico. Do mesmo modo, a psicologia demorou-se a tornar-se uma ciência humana. A antropologia, neste caso, é um adendo da zoologia: aplica-se ao homem o que se aplica aos animais. Neste seu início, é a ciência que praticou as medições cranianas. Ao mesmo tempo, é uma ciência das raças1. Nasce da curiosidade com relação aos povos estrangeiros e distintos. A antropologia (cultural) nasce, portanto, do 1 Aqui, podemos nos aproximar de Kant: Antropologia de um ponto de vista pragmático. Este não é um texto propriamente de antropologia filosófica – mais parece um texto de etnologia. A antropologia que Kant quer transformar em uma ciência autônoma não tem nada a ver com a antropologia filosófica do século XX. Trata-se de uma ciência fundamental do que é a prática, assim regada de muitas observações sobre a vida comum. Esta ciência seria “conhecimento do mundo”, o “[...] estudo empírico da habilidade, da prudência e da sabedoria” (Introdução à Antropologia de um ponto de vista pragmático). Para Kant, a discussão sobre “o que é o homem” já estava resolvida. Era um “pré-dado” da Modernidade. “Todos os progressos da cultura pelos quais o homem faz a sua educação têm por meta aplicar conhecimentos e aptidões adquiridas para uso do mundo. Mas, neste mundo, o objeto mais importante ao qual se fazer a aplicação é o homem. Pois ele é, para si mesmo, seu fim último. Conhecêlo como sua espécie, como ser terrestre dotado de razão, eis aquilo que merece, bem particularmente, ser chamado conhecimento do mundo, se bem que o homem constitua apenas uma parte das criaturas terrestres. Uma doutrina do conhecimento do homem, sistematicamente tratada, pode ser do visto de vista fisiológico ou do ponto de vista pragmático. O conhecimento fisiológico do homem tende à exploração daquilo que a natureza fez do homem. O conhecimento pragmático, daquilo que o homem enquanto ser de livre atividade pode fazer ou deve fazer de si mesmo.” (KANT, Antropologia). O estudo de Kant faz parte do interesse etnológico, que acompanha o homem desde a antiguidade. uma emancipação entre antropologia e teologia. De certa forma.) que a antropologia se desenvolve. no entanto. A existência de Deus não se efetiva por meio de provas. o homem era uma criatura de Deus. que é. Mesmo em Kant. estatísticos etc. utilizadas para compreender a si próprias. Depois da tragédia vem a farsa: o Deus que saiu via razão especulativa surge novamente via razão prática. individual e imortal. a que hoje em dia faça mais sucesso. É em um ambiente multidisciplinar (de médicos. povos “em estado de natureza”. Descartes não coloca em questão . mas a crença em Deus pode se tornar algo razoável do ponto de vista da razão prática. Objetos de estudo: indígenas. mas há. Contribuição à história da teologia e da filosofia. a sociedade simples é compreendida a partir das categorias desenvolvidas pelas sociedades complexas e. Luís VilasBoas. entretanto. A antropologia pode ser lida tanto de uma forma como de outra. naturalmente. Heidegger. Sociedades simples: podemos abarcar com um só olhar. 97. tornar-se ateia. A morte de Deus. A partir de Descartes. esta divisão é o ponto central. Até o século XIX não há antropologia filosófica. Assim. Lidar com o homem envolve a dualidade: biológico e cultural. podem-se constatar os indícios da morte de Deus – sem que se precise apelar a Nietzsche. não há. a filosofia passa a se livrar do vínculo que a prende à teologia. Grande exemplo: Malinowski. efetivamente. no interior da teologia. É bastante pesquisada pelos norte-americanos. Fala da destruição kantiana da prova de existência de Deus: morte do deísmo no reino da razão especulativa. sem. Depois. no próprio âmbito da filosofia kantiana. A antropologia cultural sempre fala de sociedades simples (tribos) e sociedades complexas (a nossa). é apenas a antropologia filosófica que constitui o objeto do autor. O homem é um ser complexo em que estes dois aspectos têm a mesma importância: distanciamento da Modernidade e de Kant (mais ainda de Descartes). talvez. Durante a sua história. Darcy Ribeiro. a antropologia esteve ligada à teologia. O fundamento do argumento dos deístas é arruinado. Várias antropologias. O autor passa a definir a antropologia filosófica. explicando a atividade de cultura de um ser biologicamente constituído como tal e reciprocamente. especialmente p. Deus passa a existir apenas como ideia ou postulado da razão. surge a antropologia cultural.estranhamento com relação a outros povos. – A importância da Antropologia de Kant. Na verdade. Entretanto. no século XVII. Até então. é o Deus dos filósofos: não é por isto que a religião se torna impossível. aqui. embora seja uma obra exterior à antropologia filosófica. Hegel: “razão afetada de sensibilidade”. Quem morre. Colocou-se a questão de saber se seria possível desenvolver uma imagem de homem reunindo estes dois aspectos. inclusiva. – A antropologia urbana. necessita de mais alguns séculos para ser consumada. possuidora de uma alma. uma questão sobre o homem. O aspecto biológico e o aspecto cultural da antropologia. ex. Antecipa algumas questões das ciências naturais: p. o homem – queriam reconduzir a filosofia novamente à teologia. O . Para ele. Não há diferença a não ser de grau. que diria que cada ser vivo possui um meio ambiente. Correlação pulsão-ambiente (Umwelt). mas continua no mesmo “registro”. O conflito das faculdades. onde acusa a dominância universitária da teologia. Dado que aos animais também advém inteligência. foco nas “profundezas”). também à vida do homem. Precisa-se de uma antropologia filosófica. escrito na década de 20.o tema da criação. Scheler rejeita estas duas posições.. em última análise. As universidades – com exceção das faculdades de teologia. a diferença fundamental que diria o que é o homem? Pensa-se na diferença do homem com relação a outros animais. Texto: “A posição do homem no cosmos”. não é mais do que uma diferença de grau. que não pode ser. Por outro lado. reduzido a uma evolução natural da vida. a diferença entre eles e o homem. Haverá ainda uma diferença essencial? Duas doutrinas: 1. De Nietzsche à psicanálise: o corpo é a grande razão (é-se muito mais do que se pensar ser conscientemente. o homem tem uma alma e é dela que se ocupa a “psicologia” (racional). mas talvez possamos encontrar aí um limite de interpretação: Schopenhauer também pode ser dito como monista. de novo. Emancipa-se. Começa discordando do biólogo. então. M. totalmente. pois os animais também possuem inteligência e escolha (a escola darwinista). pensava-se então. Kant. então. Aliás. absolutamente. mas foram além e espiritualizaram. então separadas –. Capítulo 2. Descartes obtém um sistema simples. mas também guarda resquícios da teologia. em um primeiro momento. interessante por separar a filosofia da teologia. mantém a ideia de uma alma substancial e separada do corpo. 2. Correlação homem-mundo (Welt). um fato autenticamente novo. Há uma diferença essencial entre homem e animal: o homem detém inteligência e escolha. da medicina e do direito). ele interpreta o corpo como um corpo entre outros – como máquina. mas absolutamente utilizável. mas é o princípio oposto a toda e a cada vida em geral. Hegel. Questão que se coloca: Qual seria. Gellen inclui na interpretação dualista também Schopenhauer. organizam-se em torno do dualismo (ver texto de Kant. Fichte e Schelling: não filosofaram no espírito do dualismo. interpretada a partir da res extensa. o que torna o homem “homem” não é um novo estágio de vida. a sua física se sustenta na ideia metafísica de criação (isto não quer dizer que a física posterior não necessite basear-se em uma ideia metafísica). Este dualismo é. Este é um texto. que inaugura a antropologia filosófica na contemporaneidade. Evidentemente. O ser espiritual não está mais vinculado à pulsão do meio ambiente. Quando se pensa em Umwelt ou meio ambiente. O que é dado ao animal o é dado somente como centro de resistência e de reação. O homem. “A gênese do homem é a elevação até a abertura do mundo [saída do meio ambiente. mas não vêm ao mundo]. Abertura: “desprendimento existencial do orgânico. em uma medida ilimitada”. como uma “prisão”. Para Scheler. “Espírito: abertura de mundo. O que é interessante para os instintos e as pulsões (Trieb) não é dado ao animal. escreve Scheler. O homem possui espírito e. diferentemente. negação da vida] por força do espírito”. Em resumo. o homem nega o meio ambiente. Heidegger. habita a “abertura”. A organização animal se dá pela pulsão e. E isto independentemente do estado biológico e psíquico do ser humano e independentemente de seus impulsos vitais. Além disso. por isso. O trato deste ser com o mundo se inverteu com relação ao do animal com relação à sua inteligência. nega a vida. o homem não é um texto biológico: se ele é um texto. Esse tal ser espiritual não tem um ambiente. A forma de um comportamento é a forma da abertura do mundo. O comportamento animal é determinado pelos limites de seu ambiente: organização sensório-perceptiva e funcional. “O homem é o x que pode se comportar abertamente para o mundo. por isto. Gellen critica Scheler justamente por esta sua posição. sua separabilidade. “é: o ato é motivado por um complexo representacional digno do nome de objeto” (objetividade). Ele não mais responde como o animal àquilo que impede o seu círculo pulsional [a noção de estímulo]. A crítica de Scheler ao biólogo: este não tira o homem da interpretação de “círculo funcional”. O animal se mantém nestes centros de resistência e de reação. – Inteligência para Scheler: âmbito pulsional. a pressão e a dependência de tudo o que pertence à vida”. mas está mais livre em relação a ele. sua liberdade. pela vida. os animais perecem. diz “não”. mas não morrem. Para o biólogo. O terceiro ato: uma alteração vivenciada da forma da coisa. nascem. autoconsciência e pura atualidade do espírito”. “O primeiro ato desse novo drama”. ou. mas um mundo. avaliza esta posição de Scheler quando . O segundo ato do drama é uma “livre inibição de um impulso motor”. ante os laços. ao menos. ele é pensado como “fechado”. o “aberto”. [Heidegger irá dizer que habitar a abertura é o que permite à angústia ser o motor da existência humana.homem “sai” desta condição que Scheler chama de vida e alcança uma outra: o espírito. de certa forma. A definição do homem para Scheler: “aberto para o mundo”. a separabilidade de seu centro existencial. o homem não seria mais do que um texto biológico diferente. Espírito é objetividade: é possibilidade de se determinado pelo modo de ser das coisas. ele consegue elevar à dignidade de objetos os centros de resistência e de reação de seu meio ambiente. que parte do centro da pessoa: um impulso pulsional livremente contido. da vida. é um que negou a sua biologia. um “ser que sai”. que é lançado para fora. isto é.diz: “o homem é um ser ek-stático”. A interpretação que Scheler dá à palavra espírito é particular. . entretanto. É apenas com esses homens e seus semelhantes que se podem encontrar estratégias econômicas de caçadores e coletores. Esfumaçamento das diferenças entre animal e homem. (êxtase) 3) Animal simbólico. Apenas se podem verificar as pulsões orgânicas mais elementares: a de alimentação e a sexual – são pulsões de “autoconservação”. pode-se constatar a “abertura” já no Cro-magnon. outros.. Eram artesãos da pedra e capazes de aprender por “imitação”. Esses seres humanos não viviam em um mundo de sua própria fabricação.. (Herder) (vida) (espírito) Principalmente através da psicanálise. Ver filme: “Os camelos também choram”. Preconceitos: a relação do homem com o animal. a psicanálise consolidou esta concepção. O homem é concebido como um “ser de pulsões”: Schopenhauer foi o primeiro a esboçar. Mas. sobre o que vem antes e o que vem depois – a experiência da morte funda a religião. Mesmo os Neandertais..01/12/12 1) Welt – Umwelt – Um-welt 2) Pulsão  meio-ambiente. Alguns autores defendiam a existência de uma ou duas pulsões capazes de explicar o homem. o que. divinizado. a existência de até 50 pulsões! De um ponto de vista científico. Os arquivos arqueológicos mostram a existência. o que sugere a realização de ritos funerários. Nos túmulos de Neandertais. Nietzsche desenvolveu largamente e. o dualismo parece ser resolvido através do conceito de Pulsão (Trieb). por mais complexos e admiráveis que fossem. no século XX. (Umwelt) Homem  Mundo (Welt)  . a uma representação da morte. provavelmente estavam limitados nos níveis de compreensão sobre o mundo que os rodeava. reconstruído pelo espírito. não o torna um ser especial. Os resquícios mais antigos de religião são “tabuinhas” funerárias: a religião sempre esteve ligada à morte. mas conservavam a sua existência em um mundo que a natureza os oferecia. Isto porque se podia explicar tudo. quando se quis edificar uma teoria. Sloterdijk diz: “o homem é um criador de esferas” – e estas esferas não são nada mais do que este “mundo fabricado”. não pode apoiar a antropologia filosófica. isto não é verificável e. estas expectativas fracassaram. oriundo da cultura. Capacidade de ler e interpretar o mundo externo. mas deram pouca prova de originalidade e de inventividade. depois.. de seres humanos dotados de “sensibilidade moderna”. . Esta alternativa concebe ser possível uma série de pulsões capazes de representar a multiplicidade de expressões do homem.. 4) Animal deficiente. por isso.. encontraram-se restos de pólen. [Buscar na internet: “Chimpanzee dentistry”] Segundo Gehlen. nessa época. sem órgãos de ataque. o homem não é capaz de suportar uma grande riqueza e variedade cultural. O homem guarda traços infantis: neotenia. como “filósofo do pessimismo”. um “homem sem cultura”.Antropologia filosófica: busca um contato entre a tradição filosófica e as ciências contemporâneas. As técnicas de descoberta e de preparação de argumentos. tem-se o seguinte: “o homem é um animal atrasado. As constatações de Herder em 1772: “o homem é um animal deficiente”. ao passo que os animais especializados são dotados de uma visão organicamente sofisticada. isto é. portanto. adaptações cada vez mais precisas às variações ambientais. graças aos resultados da atividade de previsão. Isso se verifica. E todo o percurso que o Espírito (a razão) faz no mundo é produzir isto. como “antiRousseau”. A hipótese de Gehlen: o homem só consegue viver enquanto um ser de cultura (“esfera cultural”). não há possibilidade. É deste autor a expressão: “o homem é um animal excêntrico”. falar de “homem natural”. Gehlen coloca o seu pensamento como contrário ao século XVIII. A duração mais longa do desenvolvimento humano. O mundo que o homem habita é. entre os primatas. este “mundo fabricado”. de modo que é necessária uma orientação fixa. A cultura é o inverossímil. o homem é capaz de viver em qualquer habitat. Na perspectiva de Gehlen. Outro autor responsável pelo desenvolvimento da antropologia filosófica na contemporaneidade: Plessner. Com as correções do anatomista Louis Bolk (1866-1930). a religião se torna . Na perspectiva de Gehlen. Resulta assim que o direito se torna elástico. retardado”. que é “avant-garde”. Progresso da natureza: especialização orgânica. Não se pode citar nenhum ambiente que reúna as condições necessárias para que o homem viva. A mandíbula desdentada. Hegel define cultura como “tudo o que existe no mundo e depende do homem”. também. que se expressa na religião. O homem é organicamente desprovido de meios: sem armas naturais. Assim. O homem se torna natural quando está em uma situação como esta. holandês. as armas. um ponto de partida para as especializações. O organismo animal se mantém graças à organização de um conjunto de adaptações específicas para um determinado ambiente. E é a artificialidade que cria uma “consciência” que o homem carrega consigo próprio. as medidas de defesa de ameaças são produtos culturais. de defesa ou de fuga. a definição de “esfera cultural”: “o conjunto de condições primárias e modificadas pela ação no seio das quais o homem vive e pode viver”. as formas de organização de atividades comuns. na filosofia. na arte. a caixa craniana acima da mandíbula e a mão de cinco dedos são traços primitivos. em momento algum. enquanto oposição à natureza. Um paradoxo: o homem deficiente é capaz de se opor à natureza e submetê-la à sua vontade. filósofo alemão. Dizer que “o homem é um animal deficiente” é o mesmo que dizer que ele é um animal não especializado (organicamente). um “mundo artificial”. ao contrário. Estas são fases fetais que se tornaram duráveis. capaz de fazê-lo revisar as suas ações e as consequências destas. esfera cultural e meio ambiente. assim. Para além do círculo hermenêutico. Mas existe uma diferença essencial: é necessário relacionar um e outro. Peter Sloterdijk. Existem condições limitativas técnicas: não é na natureza. um e outro. a ciência só consegue ver o que está diante de seus olhos. dizer que ele é biologicamente constrangido a dominar a natureza. organicamente. o ponto de partida. o darwinismo. Tanto a esfera cultural quanto o meio ambiente são compreendidos como fatos biológicos que se determinam estreitamente. a fenomenologia etc. Na maior parte das vezes. ciências do comportamento. sempre pensaram o homem . Apesar de os europeus estarem ligados ao mito da gênese. e assim por diante. é tentador utilizar o conceito de “meio ambiente” (Umwelt). porque somente vê aquilo que está diante de seus olhos. certamente. Não há. também. A clareira em Heidegger: não se trata de representação. um ser deficiente. Esta é a noção de “progresso”. ou. ele chega a um mundo que já está dado [no caso do homem. Deste modo. o prédado é a tradição cultural]. a “esfera cultural” serve como um meio de salvaguardar a natureza e a existência humanas. linguística. em presentação. Quando se menciona homem. a psicanálise. já se fala de uma “segunda natureza”: um mundo de reposição artificialmente criado pelo homem para servir à sua existência.sentimentalismo. de fato. uma apresentação. É apenas porque é deficiente que se torna Prometeu. 07/12/12 La domestication d’Être. criar para si uma “segunda natureza”. próprio do homem). Heidegger: “nós nos movemos em círculos. Não existe. Quanto ao animal. ciências narrativas. passando em linha reta sobre [o que importa]”. Ele seria incapaz de viver em todo o meio ambiente natural e lhe é necessário. Caso se observe que a esfera cultural humana tenha uma significação biológica. não há aí progresso: o progresso é o modo próprio de caminhar do conhecimento vulgar. como representação.. o que pressupõe. sem que o homem seja pressuposto em sua aparência. mas nos graus do progresso de sua atividade de cultura que se encontram os limites da expansão humana. O pensar se volta à prática humana – em oposição a uma “prática divina”. Assim. será de novo atingindo. ainda. o homem é. – A ciência anda em círculo como se andasse em linha reta. o nosso êxtase existencial. nenhuma condição natural limitativa em relação à possibilidade da existência humana. quer prosseguir somente em linha reta. a priori. – O homem só é na medida em que responde ao Ser e não enquanto faz representações. de fato. com o idealismo. então. como rompimento com a perspectiva teológica. de interpretação: antropotécnica. então. Ruptura com a filosofia moderna. antropologia empírica – também estão incluem a analítica existencial. quando fazemos ciência ou filosofia. no caso. antes de tudo. para Gehlen. como separar estas duas perspectivas. (Mesmo a cultura pode ser entendida como um “círculo funcional”. Pode-se. A pesquisa sobre o homem e as suas possibilidades históricas deve dar uma “volta completa”. Antropogênese: base na biologia. A falta de meios orgânicos do homem e a sua atividade de cultura: é uma condição (“pressão”) biológica que leva o homem a desenvolver-se enquanto ser cultural. que mostrou a sua eficácia na zoologia. A clareira implica em apresentação do ser. paleontologia. mas. tomamos algo como pré-dado. no fim das contas. E ele não era homem anteriormente. sobre o devir-humano. que não é. Não se rompe com a perspectiva metafísica de causa. O animal vive em uma “gaiola ontológica”: o meio ambiente. Rudolf Buss diz: “não somos animais. homem e que não é conduzida pelo próprio homem de uma maneira intencional. O homem é produto de uma produção. que diz respeito a algo que se torna claro e. Desanimalização do animal que o transforma em seraí da clareira. O que Heidegger chamou de clareira não designa senão esta situação fundamental. Como seria a perspectiva de construir uma onto-antropologia e de uma antropotécnica? No primeiro caso. Por mais que o ser vivo esteja próximo de nós. nada a explicar. menos do que o fato humano. mas vivemos. uma ligação ainda presente com uma perspectiva divina ou divinizante. ao mesmo tempo. Heráclito: “a natureza ama se esconder”. deve-se começar por uma perspectiva préhumana. por mais paradoxal que isto possa parecer. traz sempre alguma forma de esquecimento: é-se mais esquecimento do que transparência. praticamente. A evolução concebida como sujeito. Traço comum entre as “teorias” recentes: pensamento pós-metafísico e antiteológico – o homem é colocado em seu lugar. melhor dizendo. A “brincadeira” surrealista: o homem não descende do singe (macaco em francês). o que se dá na clareira é a perspectiva da verdade – é a recuperação do termo grego Aletheia. esconde-se. ou. Umwelt: entorno do mundo despojado de seus limites. onde o homem não seja pré-determinado de modo latente. O sujeito é uma . segundo a qual deve haver um sujeito. É isto o que interessa à onto-antropologia. do que se presenta a você. Clareira e devir-homem são duas expressões que designam a mesma coisa. Heidegger: preso a uma criptoteologia. O extraordinário: tudo se torna mundo em torno de um ser não divino e se desvela para ele de uma maneira que tem uma pertinência no que diz respeito à verdade. O homem não pode se confundir com a imagem de um sujeito produtor. Explicar “a partir do alto” significa. O papel da verdade como modo de ser essencial de eksistência do homem. está separado de nossa essência ek-stática por um abismo. a Umwelt. “em baixo”. Gehlen parece colocar a “cultura” neste lugar. A assimilação do acontecimento. Conhecer a natureza significa conhecê-la naquilo que se mostra e saber que existe muito mais do que isto escondido. mas do signe (o signo). Sloterdijk propõe uma história da clareira sem suas significações teológicas. A verdade deixa de ser adequação. portanto. Tais teorias explicam. O ser-no-mundo poderia ser pensado como habitando em uma Umwelt. A especificidade do ser humano é realizar a saída deste entorno. ela própria. que está entre a Umwelt (animal) e a Welt (propriamente humano). Recurso a Nietzsche: o divino se torna monstruoso. no “extraordinário” em uma perspectiva ateológica. na verdade. em um animal [corpo]. Heidegger nos desencoraja a pensar a questão sobre a tensão entre o animal e o propriamente humano. que se desencobre e encobre novamente. como na tradição ocidental moderna. para a qual não encontramos expressão melhor do que a dada pela palavra “mundo”. e passa a um retorno ao vigor da perspectiva grega clássica de verdade. Os projetos acima citados não foram bloqueados por fatores teológicos: tomaram a liberdade de tomar o homem sem remeter-se a uma causa externa.como produto – pressupuseram uma causa exterior ao próprio ser humano. Inverte-se a letra e tem-se a verdade. Na perspectiva de Heidegger. o divino parece estar mais próximo de nossa essência do que o propriamente animal. que vive em participação com seus próximos e participando de seus objetos”. mas de uma situação anterior à qual se colocava a questão do homem. torna-se necessário proteger de um risco: o de pensar a evolução como divindade que teria produzido os seus resultados por meio de um plano estabelecido previamente. hipoteticamente. do nada: a khôra serve para este fim. Sloterdijk é crítico da separação radical de Heidegger com a ciência. Sloterdijk propõe para este lugar não trivial o conceito de esfera: lugar de ressonância interanimal. não haveria como falar de qualquer dimensão. A esfera. de toda a dimensionalidade. Na segunda parte. a analítica da existência (subjetividade). De um lado. Não se trata mais. Trata-se de uma questão que visa propriamente o Ser. antes mesmo do homem. Algo na história do pré-humano o conduziu à “casa do ser”: a linguagem. . que mostraria o permanecer em um lugar como base para a domesticação do ser. na medida em que ele deve ser mais antigo que toda dimensionalidade ordinária. para produção. do devir-humano – uma teoria irregular. o autor não conseguiu prosseguir. simplesmente. ainda estava marcada pela subjetividade. amiúde. Trata-se de uma reconstrução fantástica. para Sloterdijk. uma escuta – não haveria propriamente fala. humano ou evolutivo. mas o repete ao dizer que as ciências não puderam pensar a dimensionalidade originária. Como um ser na estufa animal pôde se tornar um ser no mundo humano? A pergunta é sobre o espaço de aclimatação entre o meio ambiente (Umwelt) e o mundo propriamente humano (Welt). até onde foi. um conceito não físico e não trivial. O termo sujeito serve. de outro. o lugar no qual o homem irá se corresponder com algo. A dimensão espacial. seria apenas um silêncio. mais antigo do que esta familiar tridimensionalidade sobre o qual a geometria representa as dimensões como um sistema coordenado. precisou-se de um lugar. sem sujeito – divino. Platão precisava tirar o devir do não ser. um espaço de domesticação. de Ser e tempo. A aclimatação do devir-humano ocorreu numa perspectiva espacial (não física). A discussão de Heidegger com Sartre: o primeiro discute com o segundo é que. para dissimular um plano teleológico na produção humana. manifestamente. em Heidegger (Sobre o humanismo): uma teoria não trivial do espaço – o que não é espacial adquire o seu sentido na espacialidade. a espacialidade. com a qual não se falaria mais do homem. A análise da casa ou do lugar primitivo é a primeira prova para a construção de uma teoria do ser e do espaço – uma inversão de Ser e tempo2. Antes de qualquer coisa. Esfera: clareira: Um-welt. é onde o ser se efetiva. de uma esfera puramente cultural.convenção linguística e faz alusão a uma construção de máquina sem engenheiro. o que não está claro para Sartre. a verdade e o ser. No uso dessa expressão. o projeto se interrompe: toda a obra posterior de Heidegger é uma busca por tratar as questões suscitadas pela segunda parte. no qual a maneira como as criaturas vivas estão juntas se transforma em um plástico poder. O devir-humano como o drama da domesticação. 2 Esta obra. há o “espaço”. à semelhança da khôra platônica. Este deve ser um lugar que. tem um sentido muito mais originário. é a matriz do devir. O conceito de espaço que aqui entra em cena é. Heidegger não tratou da questão espacial. É uma obra interrompida: quando a perspectiva se inverteu. O primeiro ato de linguagem. em todo caso. se não. para Tempo e ser. a partir da fantasia filosófica. Paleontologia: teoria do ser para as situações mais antigas. A situação humana deve ser pensada de baixo: sem Deus. O que ficou esquecido na “técnica” é a sua origem e o que se pode esperar a partir disto. enquanto que o ser-no-mundohumano é ek-stático. em primeiro lugar. Sloterdijk o faz em um sentido “metafísico”. mas de acordo com uma produção técnica dos mesmos. Deve existir um “homem médio”. Se há. Scheler. os seres podem se encontrar na dimensão de proximidade. A questão é. Teoria trivial do espaço: não é uma teoria científica. ele precisou criar o seu próprio ambiente. só se o pode fazer por meio de um “pensamento bastardo”. O homem cria a sua casa. Heidegger trata desta esfera quando utiliza expressões como: proximidade. a algo que se apresenta de forma diferenciada. Heidegger irá dizer: “A essência da técnica não tem nada de técnico” – ao se falar de “técnico”. instalações de isolamento – um . a destruição total. como. entre a gaiola do meioambiente e a angústia da abertura e da indeterminação. p. algo do qual se pode dispor. A casa: lugar de estabilização diferencial entre clima interno e clima do meio ambiente – a casa permite pensar o clima como característica técnica.ex. É. um “entremundos”. As casas são. um sentido particular de uma habitação originária. Na esfera.ex. trata-se da técnica – um desvelamento explorador do ser. Ao utilizar o termo “casa”. remete-se a uma representação. há apenas o “produzir”. Neste. Trata-se de algo como um “mundo ambiente intermediário”. mas se concentra em mostrar aquilo com o que elas não se preocuparam. Ao mesmo tempo. ao se falar do espaço. este é o “estar-junto”. sobre a passagem do símio ao ser no mundo humano. Platão dizia que. não é um lugar ressonância interhomem. a algo posterior. as próprias condições climáticas para viver. As esferas tem o estatuto de uma “entre-abertura”.. um sujeito.08/12/12 Entre o meio ambiente do animal sapiens e o mundo do homem sapiens. na disponibilização dos alimentos. A esfera: um lugar de ressonância interanimal – quer dizer.. Grosso modo. o seu modo de estar no mundo. o que possibilita a saída do homem da “gaiola ontológica” do meio-ambiente. Sloterdijk não nega as outras perspectivas. São estufas nas quais as criaturas vivas se desenvolvem em condições climáticas particulares – saiu-se de condições climáticas gerais. o “deserto”. a clareira do ser. onde não há o “naturalmente” do ser. o que torna possível a construção empírica de casas. habitar. a maneira como a maneira de convivência dos animais se transforma em um “plástico poder”. a natureza como visada enquanto algo-a-se-fazer-uso. O esférico instaura a estrutura espacial original da possibilidade de habitação. as esferas podem servir como meio de ligação entre a existência corporal-animal e o simbólico-humano. com isto. Sloterdijk coloca a esfera. pois. mas a “técnica” refere-se ao ser. O ser no meio-ambiente é uma coisa fechada. O habitat é mais antigo do que a casa: certas potências criadoras de espaço da espécie desembocaram na produção de homens domésticos. inclusive. como. por necessidades de nutrição e de proteção. entre outros. É a dimensão espacial de todos os espaços. a sua matriz ou nutriz – e também de todos os devires. No caso do homem. É próprio do ser-no-mundo-humano atual o “apocalipse do ser”: possibilidade de autodestruição. Gehlen. na criação de condições climáticas ideais para a sobrevivência da “espécie”. como as de Cassirer. aqui. para o qual haja algo como uma “meia abertura”. que não se dá mais de acordo com o dar-se naturalmente dos mesmos. p. à provocação do êxtase humano. É como se fosse criado um muro. Ela é conferida como um prêmio bioestético (ex. O uso da pedra se transforma em um savoir-faire. da pedra ou do modo rígido. O lançar da pedra é a primeira teoria e a concordância sobre os efeitos de seu lançamento é o primeiro efeito de verdade no mundo pós-animal. ou da infantilização ou do retardo progressivo). é condição do surgimento da linguagem. Nenhum destes mecanismos poderia. ou embrionários em um organismo adulto. garante a segurança contra este exterior e garante a reprodução em seu interior.). mais do que simbólica – inclusive.interior qualquer. Doravante. Na estufa (ou esfera). portanto. iv) o mecanismo da transposição (ética-política). Trata-se da saída da prisão. que sintetiza os quatro anteriores. Também. e também a educação. ii) o mecanismo da supressão dos corpos. visto que foi o uso da pedra que inaugurou a técnica moderna. necessariamente. iii) o mecanismo da pedomorfose (ou neotenia – presença de caracteres juvenis. O ser vivo é emancipado da coerção do contato corporal com as presenças físicas no meio ambiente – este é o primeiro ato técnico. A esfera: uma espécie de relação de produção. – Insulação como supressão da seleção. A interpretação do homem enquanto produto. como querem os darwinistas. Há ainda um quinto: o da formação do córtex e do neocórtex.. “A história natural da tomada de distância com relação à natureza”. a própria transformação do organismo infantil em “criança”.ex. deve dar importância à produção – o espaço como sendo o seu lugar privilegiado. por meio de certos mecanismos de recompensa. como se diz no jogo de linguagem dos surrealistas: ele descende. em utensílio (doméstico. Quatro mecanismos de produção: i) o mecanismo da insulação (isolamento). que protege contra o exterior. provocar a hominização. uma construção de casas precedendo a invenção da “casa”. mas é aquele que é o mais feliz. da dependência biologicamente determinada do ser com o meio-ambiente. sim. começa a operar outro mecanismo: a supressão dos corpos. deve existir. de maneira isolada. sem ser pressuposto de modo algum. Sair do meio-ambiente só foi possível. o contato físico direto é substituído pelo contato com a pedra. a técnica de ação a distância – Idade da pedra. mecanismo chave na antropogênese. Onde a seleção termina são os membros que selecionam características do grupo. para os pré-sapiens animais alguma coisa que equivale a este tipo de formação interior. larvais.: “concurso de miss”). A saída do meio-ambiente é uma saída técnica. por meio da supressão do corpo. O terceiro mecanismo. de emancipação do ser humano de seu meio-ambiente: a não necessidade de se adaptar ao meio ambiente. Contribuição de Paul Ausberg. Assim. no sentido de utilização do clima e de exploração das possibilidades que têm por tendência recompensar as variações estéticas. A tese de Ausberg é a de que este mecanismo configura-se como uma hiperinsulação. o homem se coloca no caminho da beleza. Para Sloterdijk. nem do signo (signe). Partindo da casa. que provoca os efeitos mais dramáticos e mais misteriosos – provoca inversões nos efeitos da evolução. segundo os modos em vigor no interior da estufa. P. que é transformada em instrumento. de produção etc. de caça. É a prototécnica. – A partir disto. aquele que sobrevive não é o mais capaz (confrontar com a ideia de “a sobrevivência do mais apto”). o homem não descende dos símios (singe). O meio-ambiente passa a ser composto por objetos (manipuláveis: instrumento). O desenvolvimento das formas femininas e o aclaramento do rosto humano . em verdade. cujos efeitos podem ser observados na materialidade do corpo (homo sapiens – suas características como prolongamentos luxuriantes de formas fetais à sua forma adulta). mas do próprio interior da esfera humana. construindo um potencial de atuações que em muito ultrapassa o que se exige dele. A linguagem é restituição do ser. mesmo que de outra forma ou em outro lugar. a “casa do ser” não pode ser atingida apenas pelo uso da linguagem. Pedomorfose: presença de caracteres primitivamente juvenis em um organismo adulto. após catástrofes. visto que é o ser que institui a linguagem. este efeito.: a teoria moderna do “contrato social”. o cérebro humano começa a se desenvolver de modo enigmático. tornam-se os caçados. . Por fim. pois. depois. por seu êxtase ontológico. Trata-se da busca de restabelecer antigos estados de interioridade e de invocar um reservatório de lembranças e de rotinas que permitem uma repetição de antigos estados de integridade. Todos os efeitos convergem em uma “deriva da evolução”. conforme tese de Sloterdijk. Este é o caráter agônico do devir-humano. uma espécie de escuta. é. mora o homem. “autógena”. quando as catástrofes naturais ameaçam o grupo. particularmente. em sua habitação. encontra-se a tese de Bolk. o homem vive em uma situação protegida. O primeiro ato de linguagem é. mesmo a interioridade sofre uma implosão. na medida em que estas são maneiras de transporem-se as experiências felizes a outras situações. A linguagem é a “casa do ser” e. A partir daqui. quando uma estufa ataca outra estufa. gestos de tomada a distância e de modo rígido. história e memória: “A Bíblia é a pátria dos judeus” (Heidegger). As hordas insularadas começam a entrar em contato umas com as outras e passam a coexistir: formam-se os povos – ex. como queria Heidegger. os caçadores.testemunham. Quando o grupo de sapiens. A transposição significa. (Houaiss). Na perspectiva de Sloterdijk. ser reintegrada. o quarto mecanismo do processo antropogônico – a transposição – diz respeito ao momento em que o perigo já não vem mais do exterior. o “silêncio”. aparecem situações nas quais as criaturas humanas devem pagar o preço por seu refinamento. A retomada de lembranças. a origem da religião. Os escritores e poetas são os vigias – o homem é o “pastor do ser”. Nestes casos. Mesmo o grupo de indivíduos colocados em uma situação de hiperinsularidade sofre grande pressão do interior. anteriormente. no entanto. Louis Bolk: pedomorfose ou neotenia. Além disso. Desde então. para. promovida pelo retardamento do desenvolvimento somático etc. mas há.
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