FUNDAÇÃO EUGÉNIO DE ANDRADEOBRA DE EUGÉNIO DE ANDRADE/25 Antologia Breve o vago, o aéreo desta matéria poética faz impressão. E não é que tal vacuidade exclua rigor: antes o vocabulário de Eugénio de Andrade, a sua sintaxe, a sóbria margem do seu metaforismo são instrumentos de expressão ávida de justeza. Mas porque os estados de alma e espírito captados aqui são de um grau excepcionalmente elevado em língua portuguesa. Vitorino Nemésio O aparecimento de Poemas de Eugénio de Andrade, permite-nos reler em 250 páginas de texto, alguns dos mais belos documentos da poesia lírica nacional. João Gaspar Simões Eugénio de Andrade é, a par de Pessanha, o poeta português mais próximo de uma poesia-música, numa linguagem maximamente cerrada sobre si, ou inesgotável a qualquer paráfrase... Óscar Lopes Trata-se de um dos maiores líricos da literatura portuguesa, que é também o grande poeta do amor no nosso século XX. António José Saraiva Eugénio de Andrade, no instantâneo dos seus versos, no instantâneo da fluidez, é flagrantemente o poeta da intensidade. Vergílio Ferreira Não sei se há outras obras (mas não creio) que contenham tanto em tão pouco. Que sejam, em cada sinal, entrega e renúncia tão perene e tão escassa. Contendo o homem na dedada, como a matéria o átomo. E pronta a explodir, como este, por todos os quadramos da vida ou da morte. Mário Sacramento É uma poesia que será das raras, na literatura portuguesa, a transcender um sentimento de frustração (ou como já foi dito) de carência, em favor da celebração dos momentos de plenitude... Jorge Sena Nunca se visionara com tanta eficácia o poema como duplo mágico do mundo, sua habitação, tanto como secreto e íntimo pulsar. Eduardo Lourenço Nunca o amor encontrou em Portugal uma voz tão subtil e apaixonadamente imaginativa, capaz de contrastar os mínimos imponderáveis, uma voz em que a plenitude é nostálgica, a ardência vital desesperada e ao mesmo tempo triunfante, sempre arrebatamento humana mas também sempre sensualmente dominadora das formas, dos ritmos e das imagens mais deslumbrantes. António Ramos Rosa O milagre desta poesia é ter conseguido ser o que é sob a alienação imposta ao homem português pelo fascismo. Nuno Teixeira Neves Um dos mais rigorosos e autónomos estilos da poesia portuguesa... Gastão Cruz Eis uma obra que torna fluidas todas as distinções entre prosa e poesia, entre crítica e criação. Eduardo Prado Coelho ... Eis, no mais completo desprezo pelos almocreves da cultura, a provocação que é em si mesma uma das mais vastas e fundamente assimiladas culturas da nossa modernidade, a integrar, em igual plano de dignidade, o saber ilustrado e o popular, o impulso criador e o exercício crítico, a ancestralidade e a ruptura, como cada uma destas páginas documenta. Vasco Graça Moura Creio que todos os seus poemas têm esse sentido: o de quem espera atrair com os seus argumentos extremamente condensados um vasto público para o registo da "verdade" João Miguel Fernandes Jorge um poeta que dá voz à sabedoria do possível, ao instinto da diferença, à primazia do ancestral na teimosia fértil da transformação. Joaquim Manual Magalhães Em português, voltamos sempre a Eugénio de Andrade. Gil de Carvalho Obra de EUGÉNIO DE ANDRADE POESIA 1 Primeiros Poemas As Mãos e os Frutos Os Amantes sem Dinheiro As Palavras Interditas Até Amanhã Coração do Dia Mar de Setembro Ostinato Rigore Obscuro Domínio Véspera da Água Limiar dos Pássaros Memória Doutro Rio Matéria Solar O Peso da Sombra Escrita da Terra Branco no Branco Contra a Obscuridade Vertentes do Olhar O Outro Nome da Terra Rente ao Dizer Homenagens e Outros Epitáfios Ofício de Paciência Antologia Breve 2 3 4 6 7 8 9 13 16 17 18 19 20 21 22 24 25 PROSA 5 14 23 Os Afluentes do Silêncio Rosto Precário À Sombra da Memória TRADUÇÃO 10 11 Poemas de García Lorca Poemas e Fragmentos de Safo todos eles esplendidamente respirando na terra. é contra esta amputação no corpo vivo da vida que o poeta se revela. é o fruto de uma desfiguração . Palavra de aflição mesmo quando luminosa. uma suprema harmonia entre luz e sombra. por mais fascinante ou intolerável que seja o achado. estarmos de acordo. que é também fogo de amor. E se ousa «cantar no suplício» é porque não quer morrer sem se olhar nos seus próprios olhos. É a tal rosto que cada . que o particular e o universal coincidem. Porque é sempre de dignidade que se trata quando alguém dá a ver o que viu. rumorosa até quando nos diz o silêncio. De Homero a S. nem alegre. essa descida ao coração da alma. presença e ausência. Na verdade. de que Heraclito encontrou a fórmula. curiosamente. é uma reconciliação. eis o seu efémero rosto feito de milhares de rostos. pois esse ser sedento de ser. parecidos todos e contudo cada um deles único. desoculta o que outros escondem.12 15 Cartas Portuguesas Trocar de Rosa POÉTICA O acto poético é o empenho total do ser para a sua revelação. mas o homem do nosso futuro tão longe de conhecer. o espírito humano atenta mais facilmente nas diferenças que nas semelhanças. E não há outra. Mas. acaba por ser palavra. e é Goethe quem o lembra.acção de uma cultura mais interessante em ocultar ao homem o seu rosto que em trazê-lo. e dos outros com ele. se for caso disso. Eis o homem. de Virgílio a Alexandre Blok. essa coragem de mostrar o que achou no caminho . de Li Bay a William Blake. que é poeta. e reconhecer-se. Nesse mergulho do homem nas suas águas mais silenciadas o que vem à tona é tanto uma singularidade como uma pluralidade. ousa amar o que outros nem sequer são capazes de imaginar. unidos por mil e uma coisas comuns. desamparado. e o que procura. solitário. de escândalo no seio do próprio homem. esquecendo-se. plenitude e carência. ele nega onde outros afirmam. e assim a palavra do poeta. de Bashô a Kavafis. É contra a ausência do homem no homem que a palavra do poeta se insurge. a ambição maior do fazer poético foi sempre a mesma: Ecce Homo.e nunca é fácil. é a sua moral. João da Cruz. ou amar-se. Este fogo de Conhecimento. em que o poeta se exalta e consome. parece dizer cada poema. semelhantes e distintos. Essa revelação do poeta.é o que chamarei agora dignidade do poeta. nem irresponsável revelar o que se encontrou ou sonhou nas galerias da alma . e detestar-se. tem a nostalgia da unidade. Mas o homem do nosso futuro não nos interessa desfigurado. belo e tenebroso. e com ele a do homem. tão fiel ao homem. no que não creio. nenhum superior a outro. de desejo apesar de serena. Este animal triste que nos habita há milhares de anos. à luz limpa do dia. separados por mil e uma diferenças. «O futuro do homem é o homem». Canto porque o amor apetece. Canto o teu olhar maduro.mãe. fidelidade à terra onde mergulha as raízes mais fundas.mãe. Porque o feno amadurece nos teus braços deslumbrados. VI Não canto porque sonho. veio um rapaz e pediu-mo . a tua graça animal. Canto porque és real. cravo e dei um lenço. CANÇÃO Tinha um cravo no meu balcão. dou-lho ou não? Sentada. bordava um lenço de mão. Depois uma azenha. E junto um ribeiro. que é também verdade da alma. fidelidade à palavra que no homem é capaz da verdade última do sangue. o rapaz mo pedir dou-lho ou não? CANÇÃO INFANTIL Era um amieiro. veio um rapaz e pediu-mo . Tudo tão parado. Canto porque sou homem. Fidelidade ao homem e à sua lúcida esperança de sê-lo inteiramente. .poeta está religado. dou-lho ou não? Dei um só não mas se . dei o coração. Que devia fazer? Meti tudo no bolso para os não perder. o teu sorriso puro. Se não cantasse seria o mesmo bicho sadio embriagado na alegria da tua vinha sem vinho.mãe. A sua rebeldia é em nome dessa fidelidade. o teu corpo é como um rio onde o meu se perde. que lhe tremia num ritmo que ele sabia que os deuses devem usar. X. Alheio a tudo o que via. Para ti rasguei ribeiros e dei às romãs a cor do lume. XVIII Impetuoso. E seguia o seu caminho. VIII Foi para ti que criei as rosas. rapariga. cresciam troncos dos braços quando os erguia no ar. enleado na melodia duma flauta que tocava. nem eu sei se sou água. Foi para ti que lhes dei perfume.Porque o meu corpo estremece por vê-los nus e suados. porque era um deus que passava. Ervas nasciam dos passos. E desfolhava ao dançar o corpo. Foi para ti que pus no céu a lua e o verde mais verde nos pinhais. Foi para ti que deitei no chão um corpo aberto como os animais. . XIV Tenho o nome duma flor quando me chamas. Quando me tocas. Andava como quem passa sem ter tempo de parar. Sorria como quem dança. Era o corpo como um rio em sereno desafio com as margens quando desce. GREEN GOD Trazia consigo a graça das fontes quando anoitece. ou algum pomar que atravessei. manhã de abril a brancura desta cerejeira. casualmente. Imagem dos gestos que tracei irrompe puro e completo. Das árvores não te falo pois estão nuas. das casas não vale a pena porque estão gastas pelo relógio e pelas luas e pelos olhos de quem espera em vão. De mim podia falar-te. nem o sinal mais breve. XXXI. Por isso. sentir o tempo.Se escuto. a luz ou o quer que seja. ESPERA . onde não há pombos mansos mas tristeza e uma fonte por onde a água já não passa. com luar no meio. só oiço o teu rumor. dar versos ou florir desta maneira. arder das folhas à raiz. Só sei que passo aqui a tarde inteira tecendo estes versos e a noite que te há-de trazer e nos há-de deixar sós. Abrir os braços. fibra a fibra. ser na. acolher nos ramos o vento. XXV Shelley sem anjos e sem pureza. mas não sei que dizer-te desta história de maneira que te pareça natural a minha voz. A UMA CEREJEIRA EM FLOR Acordar. NOCTURNO Coaxar de rãs é toda a melodia que a noite tem no seio . a tecer o coração duma cereja. De mim. aqui estou à tua espera nesta praça.versos dos charcos e dos juncos podres. rio foi o nome que lhe dei. XXVI. XXIII. E nele o céu fica mais perto. e olhos de oiro onde ardiam os sonhos mais tresmalhados. Tinham jardins onde a lua passeava de mãos dadas com a água e um anjo de pedra por irmão. horas sem fim. e atira pedras às curvas mais distantes . mas a cada gesto que faziam um pássaro nascia dos seus dedos e deslumbrado penetrava nos espaços. como só a manhã pode brincar.Horas. e silêncio à roda dos seus passos. esperarei por ti até que todas as coisas sejam mudas. Tinham lendas e mitos e frio no coração. ABRIL Brinca a manhã feliz e descuidada. nas curvas longas desta estrada onde os ciganos passam a cantar. Tinham como toda a gente o milagre de cada dia escorrendo pelos telhados. Até que uma pedra irrompa e floresça. rasga o céu azul num assobio. sem deixar sinais. Abril anda à solta nos pinhais coroado de rosas e de cio. Até que um pássaro me saia da garganta e no silêncio desapareça. Surge uma criança de olhos vegetais. fundas. e num salto brusco. Tinham fome e sede como os bichos. OS AMANTES SEM DINHEIRO Tinham o rosto aberto a quem passava. pesadas. carregados de espanto e de alegria. talvez não enchesses as horas de pesadelos. POEMA À MÃE No mais fundo de ti. que todo o meu corpo cresceu. Eu vou com as aves.queres ouvir-me? às vezes ainda sou o menino que adormeceu nos teus olhos. Mas . Não me esqueci de nada. mãe. Se soubesses como ainda amo as rosas. mãe.a noite é enorme.. dei às aves os meus olhos a beber. eu sei que traí. mãe. e todo o meu corpo cresceu. ainda oiço a tua voz: Era uma vez uma princesa no meio de um laranjal. Por isso. Mas tu esqueceste muita coisa. . Tudo porque já não sou o menino adormecido no fundo dos teus olhos. Guardo a tua voz dentro de mim..tu sabes . as palavras que te digo são duras. Tudo porque tu ignoras que há leitos onde o frio não se demora e noites rumorosas de águas matinais. Tudo porque perdi as rosas brancas que apertava junto ao coração no retrato da moldura. E deixo-te as rosas. esqueceste que as minhas pernas cresceram. mãe! Olha . e o nosso amor é infeliz. às vezes. e até o meu coração ficou enorme..onde a voz dos ciganos se perdia. Boa noite. ainda aperto contra o coração rosas tão brancas como as que tens na moldura. Eu saí da moldura. Gastámos tudo menos o silêncio. Talvez nada. AS MÃOS Que tristeza tão inútil essas mãos que nem sequer são flores que se dêem: abertas são apenas abandono. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro. Mas não pode voar. era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar. e é como um perdão que não tive. A levantar do chão qualquer coisa que vive. gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis. Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes. gastámos as mãos à força de as apertarmos. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas. E eu acreditava. Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. meu amor. e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. ADEUS Já gastámos as palavras pela rua. Ou só um olhar que na tarde fechada é ave. Acreditava. Talvez seja a tarde a querer voar. .RUMOR Acorda-me um rumor de ave. fechadas são pálpebras imensas carregadas de sono. uma criança passa de costas para o mar. O passado é inútil como um trapo. mas é verdade. Não há dúvida. Anoitece. Amo-te.porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis. Na areia branca. Os hospitais cobrem-se de cinza. Quando agora digo: meu amor. É preciso partir. uns olhos como todos os outros. tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.. Adeus.. Dentro de ti não há nada que me peça água. nem já reconhecia o teu nome nas suas curvas claras. e existe o teu rosto encostado ao rosto dos navios. antes das palavras gastas. já não se passa absolutamente nada. Ondas de sombra quebram nas esquinas. meu amor. este ar que se respira. E já te disse: as palavras estão gastas. Já gastámos as palavras. onde o tempo começa. era no tempo em que o teu corpo era um aquário. hoje são apenas os meus olhos. Não temos já nada para dar. Mas isso era no tempo dos segredos. É pouco. regressam nos rios. . E entram pela janela as primeiras luzes das colinas. Sem nenhum destino flutuam nas cidades. é preciso ficar. se alguma regressasse. pelo halo das searas. partem no vento. era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes. anoitece. E no entanto. AS PALAVRAS INTERDITAS Os navios existem. estas mãos nocturnas onde aperto os meus dias quebrados na cintura. As palavras que te envio são interditas até. dói-me esta solidão de pedra escura. Dói-me esta água. Nas suas margens nuas. foi um pássaro. ou se preferes. RETRATO COM SOMBRA Que morte é a sombra deste retrato. como se não voltasse ao país onde o teu corpo principia. CANÇÃO Hoje venho dizer-te que nevou no rosto familiar que te esperava. Como se houvesse nuvens sobre nuvens. e tu calavas a voz onde contigo me perdi. a minha boca nos teus olhos. um barco. como se houvesse uma criança cega aos tropeções dentro de ti. uma palavra.E a noite cresce apaixonadamente. meu amor. eu falei em neve. digo-te adeus. ADEUS Como se houvesse uma tempestade escurecendo os teus cabelos. Como se a noite viesse e te levasse. onde eu assisto ao dobrar dos dias. a tua boca clara singrando largamente no meu peito. órfão de ti e de uma aventura suspensa? . eu era só fome o que sentia. uma gota de orvalho. secretamente morta na tua mão. e sobre as nuvens mar perfeito. desoladas. ou se preferes. a casca do tempo que caiu. Foi apenas mais um dia que passou entre arcos e arcos de solidão. cada homem tem apenas para dar um horizonte de cidades bombardeadas. a curva dos teus olhos que se fechou. Não é nada. uma só gota. uma lágrima. carregada de flor e dos teus dedos. porque nós . colando ali.é preciso dizê-lo tínhamos nascido um dentro do outro naquela noite. Tu não eras ainda este perfil com uma rosa de cinza na mão direita. o secreto rumor das tuas veias abrindo sulcos de palavras fundas no rosto da noite inesperada. desfeitos ambos. ambos inteiros. nas pálpebras molhadas dos lírios. Esse é o teu rosto verdadeiro. as palavras mordidas uma a uma. VEGETAL E SÓ . ombro dos meus braços hesitantes. até que uma fonte rasgue a tua boca e a noite fique transbordante de água. Tu não eras só este sossego aconchegado nas mãos como num regaço. afogados na voz dos marinheiros. Falta sobretudo à roda dos teus olhos a pura ressonância da alegria. cintilantes . aquele rosto que vou juntando ao teu retrato como quando era pequeno: recortando aqui. de mãos cortadas. taciturnas. lembrados. no rasto dos peixes luminosos. Lembro-me de uma noite em que ficámos nus para embalar um beijo ou uma lágrima. VIAGEM Iremos juntos separados. largo.Ó meu amor. intacto. Esquecidos. repetidos na boca dos amantes que se beijam no alto dos navios. lutando. até romper o dia. Tu não eras apenas este horizonte de areia com árvores distantes. o teu sorriso com as ruas dentro. constelação de bruma. Eu andava dentro de ti como um pequeno rio de sol dentro da semente.Tu não eras só este perfil. Falta aqui tudo o que amámos juntos. alta e branca. POST SCRIPTUM Agora regresso à tua claridade. Solta-me os cabelos. a boca rumorosa de um desejo confuso de açucenas. São os mais belos sinais da terra. CORAÇÃO HABITADO Aqui estão as mãos. sem mágoa . sem cartas a responder. o mais ardente dos meus braços. desprende-te de mim. . e mar ao fundo. Devolve-me o rosto do verão. Deixa-me só. correndo como um rio de folhas para a noite onde a mais bela aventura se escreve exactamente sem nenhuma letra.É outono. Acordaste na aurora. o rosto antigo do verão. vegetal e só. branca apenas. e mais que jovem. rosa aberta na brisa ou nas areias.como no tempo em que tinha medo que tropeçasses numa gota de água. Os anjos nascem aqui: frescos. tão jovem. o mar das minhas veias. matinais. Reconheço o teu corpo. sem nenhum rumor de lágrimas nas pálpebras acesas. o mais azul. Deixa-me o braço direito. o mais feito para voar. sem encontros marcados. arquitectura de terra ardente e lua inviolada. de coração alegre e povoado. flutuando sem limite na espessura da noite cheirando a madrugada. quase de orvalho. Estás de pé na orla dos meus versos ainda quente dos beijos que te dei. potros indomáveis sem nenhuma melancolia. altas árvores onde o sol e a chuva adormecem na mesma folha. SERENATA Venho ao teu encontro a procurar bondade. infatigável. respira. divino. respira. Amorosamente toco o que resta dos deuses. Se encosto o ouvido à sua nudez.eu sei que são as mãos de um homem. Um rio interior aguarda. a primeira mulher. trémulas barcaças onde a água. desse bosque rumoroso de luz. E amanhece. Alguns pensam que são as mãos de deus . . tangível. aqueço-as por dentro. a tristeza e as quatro estações penetram. ondula. Um corpo nu. Não lhes toquem: são amor e bondade. as pequenas mãos do mundo. Mais ainda: cheiram a madressilva. Um corpo horizontal. debaixo do meu corpo desvelado. As mãos seguem a inclinação do peito e tremem. prolonga outra música. respiro o sangue. um céu de camponeses. Um novo corpo nasce. um raio de sol. pesadas de desejo. Aguarda um relâmpago. São o primeiro homem. nasce dessa música que não cessa.Ponho nelas a minha boca. o seu rumor branco. indiferentemente. uma música sobe. ergue-se do sangue. outro corpo. APENAS UM CORPO Respira. abandonadas nas minhas. é urgente permanecer. até doer. Não posso dar-te mais do que te dou: sangue. É urgente um barco no mar. as mãos. o peso duma flor. URGENTEMENTE É urgente o amor. talvez no pão. de certo modo irresponsáveis. dedos. muitas espadas. LITANIA O teu rosto inclinado pelo vento. as searas. luz madura. de sombras. É urgente destruir certas palavras. Aqui estou. Aceita esta Este jasmim fronte pura. aprisionado. ternura surda. tu continuas: matinalmente. Cai o silêncio nos ombros e a luz impura. telegramas. o triunfo cruel das tuas pernas. . atravessadas de alegria e de terror. insónias. Nos meus lábios. rodeado de soluços. e contudo transparentes. É urgente o amor. claro.Não posso amar-te mais. é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras. ódio. multiplicar os beijos. É urgente inventar alegria. as palavras mordendo a solidão. feito de água. a feroz brancura dos teus dentes. talvez na água. colunas em repouso se anoitece: o peito raso. solidão e crueldade. para lá dos suplícios e do medo. de perguntas. melhor: no fogo. ou simplesmente ser a cor dum fruto. espaço aberto. alguns lamentos. e contudo sombrias. a boca sossegada onde apetece navegar ou cantar. Branca neve acariciada. adeus que não começa nem acaba. um incêndio. Eras o fruto nos meus dedos a tremer. Quem as escuta? Quem as recolhe. Lágrima e jasmim no limiar da madrugada. cruéis. Alta torre. Outras.são a grande razão. E mesmo pálidas verdes paraísos lembram ainda. as palavras. um punhal. Água do mar se te beijava. inocentes. Mas que nem nem do nome maio decorou. orvalho apenas. AS PALAVRAS São como um cristal. a cor o gosto me ficou. Podíamos cantar ou voar. Algumas. Tu eras água. assim. podíamos morrer. CANÇÃO Tu eras neve. navio. Inseguras navegam: barcos ou beijos. alma. as águas estremecem. leves. a única razão. desfeitas. cheias de memória. Secretas vêm. Tecidas são de luz e são a noite. Desamparadas. nas suas conchas puras? . já nada nos separa. na cidade aberta ao vento leste. estendes os teus ramos que só a brisa afaga. eu sei. ó abandonado. Numa paisagem de água. as últimas. pálidas. ao bosque onde me sento à tua sombra. . Mãe. Estás só e ao teu encontro vem a grande ponte sobre o rio. Olhas a água onde passaram barcos. pesadas. orvalhada. A brisa e os meus dedos fragrantes do teu rosto. tranquilamente. melancólicos muros. nada te ofende.CORAÇÃO DO DIA Olhas-me ainda. Na tua mão me levas. E como tu és agora pequena. UM RIO TE ESPERA Estás só. alados e frescos e diurnos. . uma vez mais. Alma: como eu cresci. não sei se morta: desprendida de inumeráveis. Mas tu já tens palavras que te bastem. e é de noite.Como tu cresceste ! suspiras. De que lado adormeces? Alma: nada te dói? Não te dói nada. Há muita coisa que não sabes e é já tarde para perguntares. agora o corpo é formosura urgente de ser rio: ao meu encontro voa. só lembrada que fomos jovens e formosos. frágil. Nada te fere. Que música escutas tão atentamente que não dás por mim? Que bosque. a ponte. E é de noite. com extrema piedade. os candeeiros. as mãos no regaço cheias de doçura. lembras-te de tua mãe que te esperava com os olhos molhados de alegria. densa. a água. PEQUENA ELEGIA DE SETEMBRO Não sei como vieste. água ou bosque. a cidade onde cães devoram. dos amigos a quem mandavas palavras inocentes que regressavam a sangrar. a multidão atarefada em construir pequenos ataúdes para o desejo. sombra pura nos grandes dias de verão.escura. Estás sentada no jardim. Por um momento esqueces a cidade e o seu comércio de fantasmas. crianças cintilantes e despidas. Desolado e só. rumorosa de lírios ou pássaros nocturnos. Estás só. e outra vez a água. mas deve haver um caminho para regressar da morte. dos medronhos que colhias e deitavas fora. ou mar? Ou é dentro de ti que tudo canta ainda? . Olhas o rio como se fora o leito da tua infância: lembra-te da madressilva no muro do quintal. os olhos pousados nas últimas rosas dos grandes e calmos dias de setembro. Olhas a água. ou rio. DESPERTAR É um pássaro. mas tenho medo. cantam. Tudo era claro. O mar estava perto. no meio de sombras? Deixa-te estar assim. e tão alheia que nem dás por mim. tudo é amor. é uma rosa. Com que palavras ou beijos ou lágrimas se acordam os mortos sem os ferir. Corpos ou ondas: iam. exaltam o silêncio. doirado. dormem. olhando as rosas. fremente de espumas. sem os trazer a esta espuma negra onde corpos e corpos se repetem. alado. puríssimo. jovem. MAR DE SETEMBRO Tudo era claro: céu. dóceis. O mar estava perto. parcimoniosamente.Queria falar contigo. despertos. canto na ave. é o mar que me acorda? Pássaro ou rosa ou mar. sentada. serenos. água no mar. . Acordar é ser rosa na rosa. tudo é ardor. medo que toda a música cesse e tu não possas mais olhar as rosas. dizer-te apenas que estou aqui. lábios.só ritmo o brancura. ó cheia de doçura. Medo de quebrar o fio com que teces os dias sem memória. iam. leves . vinham. areias. Felizes. amam. areias? Lábios. Lume quase de orvalho. Quase lume.OCULTAS ÁGUAS Um sopro quase. Sede de cal. QUE VOZ LUNAR Que voz lunar insinua o que não pode ter voz? Que rosto entorna na noite todo o azul da manhã? Que beijo de oiro procura uns lábios de brisa e água? Que branca mão devagar quebra os ramos do silêncio? SERÃO PALAVRAS Diremos prado bosque primavera. e só diremos que nada há para levar ao coração. esses lábios. Lábios? Disse lábios. e tudo o que dissermos é só para dizermos que fomos jovens. Diremos terra mar ou madressilva. . Lábios: ocultas águas. Com sede ainda doutros lábios. Diremos mãe amor um barco. dentro de mim. e tropeço na luz. é um dia em que todo o meu sangue é orvalho e carícia. como um cego. De que cor te vestiste? De madrugada ou limão? Que nuvens olhas. e só palavras.como podíamos morrer. Enquanto afastas o rosto Das palavras que escrevo De pé exigindo O teu amor? É um dia de maio? É um dia em que tropeço No ar à procura do azul dos teus olhos. em que a tua voz. o que diremos.mas sem música no sangue serão palavras só. pergunta insiste: Se te fué la melancolía Amigo mío del alma? É junho? É setembro? É um dia em que estou carregado de ti ou de frutos. CANÇÃO COM GAIVOTAS DE BERMEO É março ou abril? É um dia de sol perto do mar. a procurar-te EROS Nunca o verão se demorara Assim nos lábios E na água . tão próximos e nus e inocentes? QUE DIREMOS AINDA . ou colinas Altas. Despe-te como o orvalho . longos corredores de cal. seus múltiplos. seus dentes miúdos. seu dardo mais puro cravado na terra.Vê como de súbito o céu se fecha sobre dunas e barcos e cada um de nós se volta e fixa os olhos um no outro. Quem as sabia? Foi apenas lembrança doutra luz. Inclina-te como a rosa só quando o vento passe. SONETO MENOR À CHEGADA DO VERÃO Eis como o verão Chega de súbito. as paredes nuas. cobras que despertam no silêncio duro eis como o verão entra no poema. 3. CRISTALIZAÇÕES 1. Com seus potros fulvos. Com palavras amo. não. isto que aflora os lábios? Palavras? Este rumor tão leve que ouvimos o dia desprender-se? Palavras. Nem luz seria. a luz de metal. 2. e como deles devagar escorre a última luz sobre as areias Que diremos ainda? Serão palavras. apenas outro olhar. ou luz ainda? Palavras. 5. 2. NATUREZA-MORTA COM FRUTOS 1.na concha da manhã. 4. Onde espero morrer será manhã ainda? EROS DE PASSAGEM 1. Pelo sabor da água reconheço a ternura e os flancos do verão. O sangue matinal das framboesas escolhe a brancura do linho para amar. . Um corpo brilha nu para o desejo dançar na luz a pique das areias. A manhã cheia de brilhos e doçura debruça o rosto puro na maçã. 4. 7. Estou de passagem: amo o efémero. O vento inclina as hastes à luz dura: a terra está próxima e madura. Nas águas rumorosas da memória contigo acabo agora de nascer. 5. Corno podemos florir ao peso de tanta luz? 6. Apelo da manhã perdido em flor: ave seria se não fosse ardor. 2. Ama como o rio sobe os últimos degraus ao encontro do seu leito. 3. Ah. 5. assim um barco. METAMORFOSES DA CASA Ergue-se aérea pedra a pedra a casa que só tenho no poema. Uma gaivota passa e outra e outra. Na laranja o sol e a lua dormem de mãos dadas. 4. ESCUTO O SILÊNCIO Escuto o silêncio: em abril os dias são frágeis. assim a casa. um dia a casa será bosque. Cada bago de uva sabe de cor o nome dos dias todos do verão. impacientes e amargos. Nas romãs eu amo o repouso no coração do lume. NOCTURNO DE FÃO De palavra em palavra a noite sobe aos ramos mais altos e canta o êxtase do dia. A casa dorme. regressam com restos de sol e chuva . os passos miúdos dos teus dezasseis anos perdem-se nas ruas. a casa não resiste: também voa. à sua sombra encontrarei a fonte onde um rumor de água é só silêncio. Como estremece um torso delicado.3. sonha no vento a delícia súbita de ser mastro. quero eu dizer. lentamente não cessa de crescer. e quer voar. e tudo começa a ser ave ou lábios. Um rumor de sementes. invadem o meu domínio de areias apagadas. Um só rumor de sangue jovem: dezasseis luas altas. inocentes e alegres. na minha noite de quatro muros. assim as ameixieiras bravas do jardim. selvagens. Um corpo apenas. dezasseis potros brancos na colina sobre as águas. Um rumor cresce lentamente. assim as mãos. EROS THANATOS 1. assim um corpo cresce. . um rumor de pálpebras ou pétalas sobe de terraço em terraço. no limiar da minha boca. oh. tão cheias de abandono. descobre um dia de cinzas com vestígios de beijos. onde te demoras a dizer-me adeus. Como um rio cresce. 2. Escuto um rumor: é só silêncio. barco ou rosa. Ó pureza apaixonadamente minha: terra toda nas minhas mãos acesa.nos sapatos. tão cheias de alegria. ferozmente enternecidas. O que sei de ti foi só o vento a passar nos mastros do verão. de cabelos ou ervas acabadas de cortar. cresce um rumor. 3. um irreal amanhecer de galos cresce contigo. Seria a morte esta carícia onde o desejo era só brisa? DESPEDIDA Colhe todo o oiro do dia na haste mais alta da melancolia. 5. 4. RUA DUQUE DE PALMELA. Amo como as espadas brilham no ardor indizível do dia. Entre lábios e lábios não sabia se cantava ou nevava ou ardia. ROMA Era no verão ao fim da tarde. 111 Pelo lado dos lódãos ao fim do dia depressa se chega agora no verão à pedra viva do silêncio onde o pólen das palavras se desprende e dança dança dança até ao rio. 6. TAVIRA 1944 As mulheres sentavam-se às portas da noite as mais novas riam os dentes eram a sua coroa ou tremiam ao pressentir os passos dos soldados as crianças riscavam a cal com os seus gritos cresciam para a morte com grandes olhos claros .rumoroso de abelhas ou de espuma. como Adriano ou Virgílio ou Marco Aurélio entrava em Roma pela Via Ápia e por Antínoo e todo o amor da terra juro que vi a luz tornar-se pedra. LISBOA Esta névoa sobre a cidade. é outra vez a chuva. o rio. pelo balcão entornam os cabelos. Não sei por que voltou esta tarde se minha mãe já se foi embora. nada mais quero de degrau em degrau.ou ramos cegos. CASA NA CHUVA A chuva. já não levanta os olhos da costura para perguntar: Ouves? Oiço. rosa e limão sobre o Tejo. já não vem à varanda para a ver cair. barcos. CASTELO BRANCO Com o sopro da manhã e o aroma das frésias eu sonhava longamente. as gaivotas doutros dias. AMANHECER EM ESTREMOZ Uma a uma a noite abria à luz matinal das rolas as minúsculas portas da alegria. gente apressada ou com o tempo todo para perder. a chuva sobre o teu rosto. esta névoa onde começa a luz de Lisboa. as mães tecem o riso das crianças. mãe. esta luz de água. PÓVOA DA ATALAIA O dia cresceu tanto que não tarda que a sombra nos dê pelos joelhos. outra vez a chuva sobre as oliveiras. . chega com as andorinhas que a beberam sílaba a sílaba na tua boca. o coração ainda pesado de amor. como tu dizias. da luz a difícil transparência e o rigor. faz do ódio um vinho inocente para bebermos contigo no coração em redor do fogo. cercada pela cal.CACELA Está desse lado do verão onde manhã cedo passam barcos. as águas negras da nossa aflição. Olhos apertados pelo medo aguardam na noite o sol onde cresces. a palmeira mais alta sobre o lago. chega húmida dos bosques: temos que semeá-la. . um barco talvez ou o mel entornado da nossa alegria. Cada palavra tua é um homem de pé. Das dunas desertas tem a perfeição. dos pombos o rumor. NO AEROPORTO DE NOVA YORK Olha-me rapidamente num convite que não aceito. por assim dizer. a promessa de prazer cai então em olhos menos fatigados. jazes de perfil. chega húmida da terra: temos que defendê-la. A palavra. ELEGIA DAS ÁGUAS NEGRAS PARA CHE GUEVARA Atado ao silêncio. de prado em prado procuram um potro. escutando. mas por instantes pude surpreender um campo matinal de trevos orvalhados. onde te confundes com os ramos de sangue do verão ou o rumor dos pés brancos da chuva nas areias. Pálidas vozes procuram-te na bruma. cada palavra tua faz do orvalho uma faca. O que dói é saber. falávamos do âmbar ou dos minúsculos veios de sol espesso onde começa o verão. Também ela. o que dói é a pátria. desatando um a um os nós do silêncio. e a música. que trazia às vezes um suspiro. quando se beija a terra devagar ou uma criança trazida pela brisa? A CASAIS MONTEIRO. dizíamos. e sabíamos como a música sobe às torres do trigo. Catarina ou José . PODENDO SERVIR DE EPITÁFIO O que dói não é um álamo. de ter um corpo. Pegavas num fruto: eis o espaço ardente do ventre.o que é um nome? Que nome nos impede de morrer. e pousa nos ombros da Catarina que não cessam de matar. redondo. Não é a neve nem a raiz da alegria apodrecendo nas colinas. Setembro. também ela a não tinha. outras um barco. Na planície branca era uma fonte: em si trazia um coração inclinado para a semente do fogo Morre-se morre-se uma bala da nossa de ter uns olhos de cristal.DISCURSO TARDIO À MEMÓRIA DE JOSÉ DIAS COELHO Éramos jovens. Sem vocação para a morte. que nos divide e mata antes de se morrer. quando subitamente descobre a juventude carne acesa até aos lábios. 1972 . maduro. dizias: espaço diurno onde o rumor do sangue é um rumor de ave repara como voa. O que dói não é sequer o brilho de um pulso ter cessado. Sem vocação para a morte. víamos passar os barcos. espaço denso. ou quatro já não sei: isto de militares custa a distingui-los. ou se deu era de Vila do Conde. na quarta página de um jornal trazido pelo vento. com esse sorriso onde a infância tomava sempre o combóio para as férias grandes. que não deu por ti. em mim. comendador. Consola-me ao menos a ideia de te haverem deixado em paz na morte. Eles não deram por ti. já terás feito amigos. e agora que começaste a fazer corpo com a terra a única evidência é crescer para o sol. nem nenhum ministro. um pouco distraída. feitos em forma como os galos de Barcelos. nem sequer a tua lavadeira. te quis fazer visconde. foste sempre discreto (até mesmo na morte). A morte como a sede sempre te foi próxima. nesse agosto de Caldelas. como estava o mar e a alegria ou a chuva nos versos da tua juventude. Só não esperava tão cedo vê-la assim. a título póstumo. é certo. jornal onde em primeira página também vinha a promoção de um militar a general. propôs funerais nacionais ou. não chateaste ninguém. Agrada-me que tudo assim fosse. e a culpa é tua. ou talvez dois. e nas dunas principia. não mandaste à merda o país. sempre a vi a teu lado. NA FLOR DA SUA IDADE Era bonita mas tão provinciana .À MEMÓRIA DE RUY BELO Provavelmente já te encontrarás à vontade entre os anjos e. ninguém na assembleia da república fingiu que te lera os versos. igualmente inúteis. e foste a enterrar numa aldeia que não sei onde fica. passeando de cu melancólico pelas ruas a saudade e a sífilis do império. mas estava. ou três. ninguém cheio de piedade por si próprio. AO EDUARDO LOURENÇO. em cada encontro nosso ela aí estava. igualmente bravos. cavaleiro. e tão inimigos todos daquela festa que em ti. qualquer coisa assim para estrumar os campos. sem saudades dos dias onde passaste quase anónimo e leve como o vento da praia e a rapariga de Cambridge. mas seja onde for será a tua. no calor do meio-dia. terra generosa. NO SEU 4. tudo tinha o mesmo cheiro de caserna aliada a sacristia. O mais.10. redonda terra de cavalos e maçãs. meu filho. tem direito a sê-lo inteiramente até ao fim. éramos jovens e mais jovem que nós era a poesia que nos acompanhava. Ali nos encontrámos certo dia. De nós. Só quis que a terra fosse limpa. Dos seus muros pasmados a luz fina caía preguiçosa nas areias do rio. o que para ti sonhei. nela pudesses respirar desperto e aprender que todo o homem. Pessanha e o Pessoa eram então . eu não tardarei. Keats. que ficará nessa cidade? 21. Não foi um paraíso. a morte é o nosso aprendizado. Para a conheceres bastava-te afinal ser português. tomavam o céu de cristal.83 A MÁRIO BOTAS. agora atormentada no próprio coração: terra onde teu pai e tua mãe amaram para que fosses . Tu já partiste. todo. que não é medida humana. E CONTRA O NUCLEAR. Aos corvos deixemos o que resta. NATURALMENTE Vais crescendo. Dessa cidade em nós nada ficou. COM UNS CRAVOS BRANCOS Já estiveras na morte muita vez e sempre regressaras.º ANIVERSÁRIO. com a difícil luz do mundo. gente ideias costumes. 1983 AO MIGUEL.e não o serão ainda? os nossos amigos.a cidade. Holderlin. Agora lá ficaste: o outono foi duro. Terra de sol maduro. Só as árvores não eram vulgares: de tão formosas. como se o verão fora imortal entre plátanos e choupos. Não cheguei a dizer-te como tu e eu sobrávamos na festa. Mas o resto era vulgaridade e sonolência. Entre as pernas junta. Abelha de água. Só aroma. tornada inferno vivo onde nos vão encurralando o medo. Calhandra matinal no ar feliz de junho. abutres e chacais que do saber fizeram comércio tão contrário à natureza que só crimes e crimes e crimes pariam.3. Música de matutina cal. Música do fogo em redor dos lábios. Doces vogais de sombra e água num verão de fulvos lentos animais.o pulsar da vida. e partilhar o pão. Regaço onde o lume breve . terra inocente.84 A MÚSICA Álamos. a ambição. se não for demência apenas a razão. à roda da cintura. Que faremos nós. terra atraiçoada. ou a palavra. Acidulada música de cardos. a estupidez. Música das primeiras chuvas sobre o feno. Desatada. em que nem sequer é já possível pousar num rio os olhos de alegria. terra onde o ódio a tanta e tão vil besta fardada é tudo o que nos resta. filho. para que a vida seja mais que cegueira e cobardia? 11. Música. A PALMEIRA JOVEM Como a palmeira jovem que Ulisses viu em Delos. a púrpura farejam entre juncos quebrados. Encostam o focinho perto dos teus fiancos. e minha mão marinheiro. A própria sombra bebem devagar. Olham de perfil. assim esbelta era a noite em que te despi. apaziguados. e a noite se faz barco. assim esbelto era o dia em que te encontrei.duma romã brilha. De vez em quando erguem a cabeça. . e como um potro na planície nua em ti entrei. ARTE DE NAVEGAR Vê como o verão subitamente se faz água no teu peito. onde a erva do corpo é mais confusa. levai-me: Onde estão as barcas? Onde são as ilhas? OS ANIMAIS Vejo ao longe os meus dóceis animais. São altos e as suas crinas ardem. Correm à procura duma fonte. e como quem se aquece ao sol respiram lentamente. quase felizes de ser tão leve o ar. instrumentos da alegria. tudo lhe doía: a frágil e doce e mansa masculina água dos olhos. um beijo aberto na sombra. A haste delicada de um suspiro. a nudez partilhada. os lábios. . a harpa inacabada da ternura. rouxinol estrangulado. um pulso claramente pensativo. um rumor adolescente. meu amor: amora branca. o carmim entornado nos espelhos. de tanto que lhes queria: os dulcíssimos melancólicos magníficos animais amedrontados. lhe doía: na véspera de ser homem. a respiração do trigo. o comércio dos dedos em ruína. o rio inclinado para as aves. os jogos matinais. o tempo ardido. não de vespas mas de tílias. ou se preferem: nupciais.VÉSPERA DA ÁGUA Tudo lhe doía de tanto que lhes queria: a terra e o seu muro de tristeza. um verão difícil em altos leitos de areia. na véspera de ser água. tudo tudo lhe doía. Onde um só grito bastaria. eis as areias. Cega também. arco. Agora arde. a boca procura trabalhos de amor. Vai regressar o silêncio com as harpas. flecha. Do chão ao cume das colinas. Debaixo dos meus flancos. quando apetecem claridades súbitas.. DISSONÂNCIAS Pedra a pedra a casa vai regressar. As harpas com as abelhas. No verão morre-se . de tanto que lhes queria. Palavras. O verão anda por aí. Deita-te. Cala-te. Palavras. Já nos ombros sinto o ardor da sua navegação. a reverência dos mastros. Agora. há a gordura das palavras. no intervalo das espadas uma criança corre corre na colina atrás do vento. A terra toda em cima. o cheiro violento da beladona cega a terra... corola de água aberta ao fogo a prumo do meu corpo...o silêncio torrencial. o sumo estreme. DESDE O CHÃO A pele porosa do silêncio agora que a noite sangra nos pulsos traz-me o teu rumor de chuva branca. a ponta extrema do teu corpo. Encontra apenas o nó de sombra das palavras. DESDE A AURORA Como um sol de polpa escura para levar à boca. Ou talvez diga: O outono amadurece nos espelhos. e subitamente a ferida recomeça a sangrar: é tempo de colher: a noite iluminou-se bago a bago: vais surgir . eis as mãos: procuram-te desde o chão. quando azuis irrompem os teus olhos e procuram nos meus navegação segura. pelo silêncio fascinadas. entre os veios do sono e da memória procuram-te: à vertigem do ar abrem as portas: vai entrar o vento ou o violento aroma de uma candeia. é que eu te falo das palavras desamparadas e desertas. Não há regresso: tudo é labirinto. e o sono.tão devagar à sombra dos ulmeiros! Direi então: Um amigo é o lugar da terra onde as maçãs brancas são mais doces. a mais incerta barca. O SILÊNCIO Quando a ternura parece já do seu ofício fatigada. Já nos meus ombros sinto a sua respiração. inda demora. a terra . Sou eu. Sobre a palavra a noite aproxima-se da chama. Nem o branco fogo do trigo nem as agulhas cravadas na pupila dos pássaros te dirão a palavra. Não interrogues não perguntes entre a razão e a turbulência da neve não há diferença. eu . Assim se morre dizias tu. Não colecciones dejectos o teu destino és tu. Interminavelmente. SOBRE O CAMINHO Nada. Assim se morre dizia o vento acariciando-te a cintura. Na porosa fronteira do silêncio a mão ilumina a terra inacabada.que te procuro. TRÊS OU QUATRO SÍLABAS Neste país onde se morre de coração inacabado deixarei apenas três ou quatro sílabas de cal viva junto à água. desde a aurora.para beber de um trago como um grito contra o muro. É só o que me resta e o bosque inocente do teu peito . Despe-te não há outro caminho. SOBRE A PALAVRA Entre a folha branca e o gume do olhar a boca envelhece. Com um rumor de neve ou de animal .pergunta insiste o vento. Entre a festa e a morte que fizeste da manhã? . OUTRO FRAGMENTO Entre obscuras sementes a mão recolhe a luz dos lódãos: as suas águas são a pedra do crepúsculo.meu tresloucado e doce e frágil pássaro das areias apagadas. Que estranho ofício o meu procurar rente ao chão uma folha entre a poeira e o sono húmida ainda do primeiro sol. OS RESÍDUOS O ar começa a doer quando lentíssimos de amor os resíduos caem na palha: a exígua substância da alegria ou lisa pedra de outono morre na flor da candeia: a escuridão invade o pulso e gota a gota a loucura acode branca: enquanto crescem dentes à noite solitária vem a música do sono na água. DO ESQUECIMENTO Oh circe circe de lentas folhas faz do esquecimento o brilho furtivo das maçãs a pequena orgia da chuva na vidraça os dentes miúdos da carícia. inquieta de tanto olhar a noite nos espelhos agora encostada ao meu ombro dorme no outono inacabado. CAVATINA Obstruído o caminho da transparência só me resta reunir os fragmentos do sol nos espelhos e com eles junto ao coração atravessar indiferente a desordem matinal dos mastros. Quanto mais envelheço mais pueril é a luz mas essa vai comigo.moribundo fiz o anel e a casa: assim o deserto cresce sobre o coração. SOBRE FLANCOS E BARCOS Havia ainda outro jardim o da minha vida exíguo é certo mas o do meu olhar são talvez dois pássaros que se amam um sobre o outro ou dois cães de pé é sempre a mesma inquietação este delírio branco ou o rumor da chuva sobre flancos e barcos o inverno vai chegar na palha ainda quente a mão urna doçura de abelha muito jovem era o sopro distante das manhãs sobre o mar e eu disse sentindo os seus passos nos pátios do coração é o silêncio é por fim o silêncio vai desabar. É como se me fosse consentido . esse verde. Já foi uma criança.ou neve. assim como um cabelo cai . ESSE VERDE Entre o verde complacente das palavras corre o silêncio. conciliar a flor do pessegueiro com um coração fatigado. assim como indiferente cai um cabelo . vai perder-se na água sem memória. essa criança que no vento cresce simplesmente ou esquece. Vai perder-se. não tarda. LIMIAR DOS PÁSSAROS Ainda esta queria que sair limpo da luz que poeira sobre o coração chovesse sobre os ulmeiros desses olhos se demora a polir os seixos A corrosiva música das vogais que te devora o silêncio do muro às vezes quase azul o verão onde o ar é mais duro Acordarás com as primeiras chuvas a floração do trevo doía o olhar sempre negado aos cães da morte sempre prometido Estende-te aqui perto do oiro branco das cigarras já tenho ouvido chegar o verão e a sua frágil quilha em águas quase mortas A clara desordem dos cabelos dos cavalos não é ainda tempo a fundura da pupila os lábios por dentro finalmente acesos Tudo o mais te direi sobro o teu peito à superfície uma poeira fresca como quem escuta sobre a erva as nascentes do fogo Sem mácula não há luz sobre os joelhos é um corpo de amor este que temos até ao chão da água mais exígua Amar a boca fatigada do corpo ou outra ainda mais estéril entrar onde o silêncio desce às fontes Morrer e não morrer sobre os teus rins uma árvore de pássaros ardia era verão escuta os seus cavalos à roda da cintura .ou neve. O cálido esperma das palavras no interior do cabelo derramado um sol de palha fresca a boca de que rio regressa? Desta cal de homem rompe a lua de sol extenuada ergue-se de gume em gume e cai no espelho a prumo das espadas Falar dizer doutra maneira as labiais bebidas corpo a corpo deambular pelas pernas pela boca abandonar-me entre as pedras à poeira Onde fluvial a meio da noite cresce a pedra branca dos álamos as crianças dormem com os pássaros Um corpo ao crepúsculo lido pelo vento chama-se música esta queda no escuro rente ao murmúrio Dizer como um rosto se extingue sem cessar que farei deste nome que me sobra? Eu tinha duas mãos que te queriam grandes olhos de pássaro fulminado Como dizer que vai morrendo sobre pedras sem nome la prima voce che passó volando distante já da nossa idade? Ninguém sabia donde atravessara a noite e o medo e o êxtase o amor que é sempre vinha do olhar das espadas argila branca «Tudo isso foi há muito tempo» De que tempo estamos a falar? Que tempo é o dos lábios que não acabam o nome começado a murmurar? Escuta a frágil claridade que deixa a música ao arder nas dunas eu era dessa areia a luz precária As crianças estão deitadas no outono o sorriso é animal e miúdo crescem não há dúvida entre os juncos altos e devagar Não chegarás nunca a dizer como brilham lentas as maçãs . .os gatos se demoram nos joelhos sem liberdade crescem as crianças Esta noite iremos pela tarde até às dunas vai chover talvez a terra fique limpa escreverei como as crianças brilham Dessas crianças eu só queria saber como ardiam nas suas camas eu só queria os dentes da alegria dos seus olhos amava o ardor «Tudo isto é muito antigo» Abandona a placenta o calor do estábulo não vires a cabeça limpa os olhos «O sangue alastra» Ninguém saberá que estiveste só onde esteve o incestuoso coração da água menos real que confundido com o pulsar de oiro de uma abelha Cobrir-me com o lenço branco do teu rosto demasiado jovem para a morte o sorriso quente ainda e tão fresco o linho Queria ainda perguntar-te (não não pelo clamor de justiça eu sei que não termina) pela cor da noite nos teus olhos o sabor da terra sílaba a sílaba «Este mar foi já terra de trigo» Sobre as horas tardias ninguém te escuta a boca minuciosa fatigava «Em Tebas» dizes ainda «o sol escurecia» Coisas assim resíduos restos partículas de música do silêncio destroços fragmentos de paixão excrementos brilham onde me perco Choveu hoje muito sobre a minha infância as sílabas tropeçam no escuro assim o trigo cresce sobre o rosto de minha mãe Ocorrei-me às vezes repartir os lábios o inverno oh meu amigo o fogo inseparável das colinas vai morrer devagar e deserto Novembro cresce intolerável contra natura é isto um muro arranca os olhos não deixes os cães morrer à fome. Um dia não sei que me deu.«Há tanto morrer junto às muralhas» Que esforço tão inútil o do homem para ser anel de sol orvalho vivo «Tanto morrer» Falar falar como a criança que na noite se masturba onde me leva? Que palavras me conduzem pela mão ao limiar da pedra? Esse sangue como tu não tem nome cresce ainda vacilante no escuro cresce para a poeira vê-se bem por fim que De: VERÃO SOBRE O CORPO Esta noite preciso de outro verão sobre a boca crescendo nem que seja de rastos. Antes ou depois de ter morrido. talvez lhe tivesse quebrado a espinha. Para que servirão tais melindres fora do seu sítio natural? Há quem faça com eles um prato raro. dizia-se. como respira a cal perto da água. Ia aprendendo a conhecer os répteis pelo rumor. corri atrás dela. era comentadíssimo. ainda lhe acertei com a pedra. Era azul. De qualquer modo. Dizia-se que lhe haviam cuidadosamente subtraído os testículos. No espaço lacerado de uns lábios comecei a respirar devagar. . por momentos a cauda agitou-se crispada em convulsões. entrou num buraco de silvas. Ficava por ali a olhar-me. Quando o sol apertava. De ti para mim germinavam as águas. eu a olhá-la. Um braço de sol. uma cobra azul. Eu começara a ganhar raízes pelas barreiras. a loucura do corpo havia começado junto ás ruínas. Nunca ninguém me chamara de tão longe. verde. Um manjar de príncipes. não. depois desapareceu. Fui seguindo os excrementos das aves até avistar o litoral. Em qualquer parte o ar fendia . um ácido gravando na pele a minuciosa flor do centeio. o caso. nunca mais a vi. E havia ainda outra música. os olhos cor de basalto. Falo de um verão sobre o corpo. não. por desusado entre nós. entre animais fulvos crescia com as primeiras chuvas no avesso da noite. azul. com a luz das candeias longínquas prosseguia. Verde. Foi então que um rei morto no exílio deu à costa. não se sabia. aproximava-se. Tinha então a idade do olhar. Fascinados. porque a loucura e o sopro das estrelas equivaliam-se.assim o corpo. com algumas partias. Foi pena que já não pudesses ouvir as suas gargalhadas ao longo do corredor. Curioso. as mais cruéis. um sangue escuro invadindo-te a boca. Que procurava ela quando o levou à boca? Está agora sobre o centro do teu ser. Esperemos que isto não seja mais um escandaloso privilégio da burguesia. 17. Onde me espera. que não estão mortas. Era neles que incidia o meu desejo. Há dias. Nada sabia de marés. com esse peso do verão sobre o corpo. Apodreces como toda a gente. Há um bosque casualmente nesta mão há um homem neste poema e envelhece. Espero que tenha sido sobre os teus olhos. pelo menos sufocados pelas últimas poeiras. serem os filhos a devorar os venerandos testículos dos pais. deixei de te ver. Disseram-me que morreste. . Movem-se? Daqui as vejo imóveis. É capaz de ser verdade. Ninguém dirá que respiram. 15. nas entranhas. Contemplo-as. há noites em que as águas se movem lentas na minha memória. onde uma espécie de murmúrio se articula. três ou quatro frases ao esterco semelhantes. 10. rebentam à tona. com outras regressavas. e ultimamente tenho imaginado como terias morrido. talvez corrompidas. que foram muito belos. menos que suspiros ainda. Quando penso em ti. não à superfície. umas sílabas prenhes de silêncio se desprendem. vejo-te de órbitas vazias. aí refocila voluptuosamente. tão caladas na sua clausura estremecidas águas! E tão expectantes. ténues bolhas de ar. modula na sombra. já há muito. Como esquecê-las? De: RENTE À FALA 8. só um pouco mais de lado. sinais. e cuspir-tos na cara. nas suas raízes mais fundas. porque a morte deve ter prosseguido o seu trabalho sobre o coração. Hão-de passar as cabras o outono sobre as falésias noutras dunas entre os juncos os olhos do pastor hão-de passar em profusão as aves quase de vidro as próprias águas. Um dia. Sinais oh também elas querem deixar nas intrincadas veredas do verão também elas querem deixar sinais. e que foste meu pai.acrescentava-se. que a morte haja começado com rigor o seu ofício. as cabras exactamente como eu. crava os dentes até arrancar os teus mais viris ornamentos. Amanhã saberei em que regaço as palavras se dispõem a dormir. Fiquei aterrado: primeiro pensei que ele a estava a matar. 30. de pedra em pedra. pelo menos os meus. avistei dois corpos que se penetravam exasperados. sem trocarem palavra. onde as mãos se demoravam vagarosas antes de a boca se aproximar. Quisera que morressem essas vozes esse vento lavrando os campos do olhar que morressem os sulcos abertos lábio a lábio. Sigo para o sul. muito femininas nos seus saltos miúdos. confusamente dispo-me atrás dos amieiros e abandono-me à corrente. Afastaram-se cada um para seu lado.. que ambos estivessem a morrer. foi o meu cavalo. Quem não sabe que também os . Ver chegar o dia mesmo que fosse a noite era bom tão cedo ver a terra limpa os pombos bravos o peito cor de vinho o cheiro doce dos figos o brilho duro da cal trazido pelo vento o marinheiro. elas aí estão. o que às vezes acontecia. a seguir. Um dia. que é para onde correm todos os rios. quando tivesse fome. para que o leite se não perdesse pelo rosto.18. MEMÓRIA DOUTRO RIO São muito vastas as noites de insónia. Gosto destas desavergonhadas desde pequeno. e o meu próprio corpo se exasperou. daqueles odres fartos. Chamava-se Maltesa. Tive uma que me deu meu avô. numa língua de areia. As imprecações haviam-no despido tem a cabeça inclinada sobre o rio a sombra desatada os lábios hábeis para o silêncio onde o sangue onde a noite onde o frio. AS CABRAS Por toda a parte onde a terra for pobre e alta. pelo peito até. quem sabe se de propósito.. Pouco mais velho era do que eu. pelo pescoço. a mulher chorava e o homem quase lhe mijava em cima. mornos. o pensamento na vulvazinha cheirosa. as cabras . e não sei se a minha primeira mulher. só depois percebi o que se passava. Contei o que vira a um pastor que encontrei mais abaixo. quase sempre atravessadas por um rio. 29. e ele próprio me ensinou a servir-me.negras. Quando acabaram. mas mostrou-me como o prazer não tem forçosamente a ver com a culpa. Quando não chove. que te espera sobre o feno. Deviam ser seis horas. em vão. WALT WHITMAN E OS PÁSSAROS Ao acordar lembrei-me de Peter Doyle. na escassa claridade que se aproximava procurei. como se a maré os trouxesse com os caramujos. na Austrália em frente um pássaro cantava. peguei no livro venerando que tinha à mão e. mas o júbilo do meu pisco trouxe-me à lembrança a cotovia dos prados americanos e o rosto friorento do jovem irlandês. duas. às vezes. bétula branca. esfregando as mãos. e passas o resto da tarde a atirar sobre as gralhas. A tremer. as crianças. púrpura-onde-a-noite-se-lava. uma. só os pássaros de Virgínia Woolf têm privilégios assim. branca-vertente-do-trigo. junto ao calor do fogão. inumeráveis. meu-baiozinho-de-prata-para-pôr-ao-peito. Só ela sabia como se arranjava para o conseguir. Abri a janela. Então. Escondem-se no mais oculto da casa para serem gato bravio. vais buscar a caçadeira. fui abrindo as represas às águas do ser. Ela queria chamar-te afluente-de-junho. Chega um dia em que estás descuidado a olhar o rebanho que regressa com a poeira da tarde. a indicar-me um sopro de penas que mal se distinguia da folhagem. diz-te ao ouvido que te ama. ouviram-se uns trinadinhos molhados. aproxima-se em bicos de pés. àquela hora. Não vou jurar que cantasse em inglês. DE PASSAGEM . sentado ao fundo da taberna. três vezes. e uma delas. Mas de repente. a mais bonita. Assim te queria. como quem se prepara para voar. AS CRIANÇAS Elas crescem em segredo. Eu. de estrofe em estrofe. a delícia sem mácula que me despertara. tudo isto apenas numa sílaba. invocando antiquíssimas metáforas do canto.corpos podem ser conjunção de águas felizes? OS NOMES Tua mãe dava-te nomes pequenos. que naquele inverno Walt Whitman amou. e as árvores que alguns de nós. nesse desejo insensato de fazermos do olhar um bem comum. no branco extenuado dos mesmos muros. HOMENAGEM A RIMBAUD Ergueram-se na manhã. Uma manhã ouvi-os cantar muito cedo da minha varanda. as minhas palavras encontrassem nas mãos dos meus amigos o natural contraponto. também as cabras ali pisaram fundo. Ás vezes havia vento. quem assim falava talvez lhes conhecesse o ardor. e odiavam esse comércio da alma que sempre prosperou entre as pernas. A mim não me são indiferentes. tão próxima da loucura. mas era um para o outro que sorriam. haviam pintado nas paredes. eram todos muito jovens. Mas era ali que a flor quente do pampilho nos dava por cima do joelho e vinha até à água. Era difícil. mas isso não impedia que. numa praça de Roma. nenhum valor atribuíam à quase nenhuma que tinham. Daquele rio a meus pés estava dito que eu não conheceria senão a margem onde nenhum barco se demora. e quanto a sabedoria. era de noite. Era gente de poucos haveres mas também de poucas necessidades. Alguém os comparou ao fogo dos cardos. a que não faltava orgulho. O seu olhar era oblíquo à passagem das raparigas. tinham costumes que nos são estrangeiros. não serei eu a negá-lo. Naquela primavera. sobretudo por aquela sua obstinação em multiplicar sobre o corpo os lugares de amor. enquanto a terra ia despertando para uma luz de vidro frágil. entre lúcida e ácida. com amorosa paciência. eu já o não era tanto. era impossível . Tinham certas incompatibilidades.Os Dioscuros. levavam os cavalos pela mão. iam-se enchendo de pássaros. que eu acordei os meus amigos para lhes anunciar que a eternidade morava naquela claridade atravessada de pássaros. Eu vi-os. mas não sabia certamente da sua imensa doçura. ESCRITO NO MURO Lembro-me. RETRATO DE MULHER Sobre o seu rosto não fora só o tempo que passara. tínhamos na noite o rio onde mergulhávamos inteiros. Martelava no escuro. II O muro é branco e bruscamente sobre o branco do muro cai a noite. talvez tenha já começado a envelhecer e o desejo.distingui-la da própria terra: velha. Nunca precisei de frequentar curandeiros da alma para saber como são vastos os campos do delírio. SOBRE O LINHO Desse céu de camponeses trouxe o azul. mas esta noite. Aqui o estendo. Amar-te-ia se viesses agora ou inclinasses o teu rosto sobre o meu tão puro e tão perdido. martelava. Até ao fim. a tarefa cumprida. o azul limpo do linho. uma pedra fria sobre a boca. como elas. esse cão. Martelava no chão da água. o azul branco. ladra-me agora menos à porta. . Há um cavalo próximo do silêncio. pedra cega de sono. Agora vou sentar-me no jardim. Ignorada. VASTOS CAMPOS Vou fazer-te uma confidência. estou cansado. Pudesse eu. Portuguesa. setembro foi mês de venenosas claridades. III Havia Uma palavra no escuro. No fundo do tempo. esboroando-se à passagem do vento. para minha alegria. de tão pobre. seca. Minúscula. ó vida. a terra vai arder comigo. onde a noite é mais dura (exactamente como outrora na ribeira mulheres antiquíssimas estendiam a roupa pelas pedras da manhã) e nele me deito. agora dormir tranquilo. É o que te cega. a sombra breve o rapazito adormecera. o sol da pele. abre-se a alma à lingua. Uma palavra No escuro Que me chamava VII Conhecias o verão pelo cheiro. de pombo bravo. a luz arde entre os lábios. dizia eu. XXV Cala-te. o lume apagado. cúmplices do sol? XLVI Olha. O silêncio antiquíssimo do muro. tacteia no escuro. sempre o amor procura. essa lepra. eu amava o amor. Sem ruído. desprende-te desse desejo que vacila frouxo sobre a palha. inventavas a luz acidulada a prumo. . nunca. desapertava um botão. não tardaria a noite. o brilho das espáduas. já nem sei de meus dedos roídos de desejo. tocava-te a camisa. respiro rente à tua boca. XLV Chove. mas também sem hesitar. o furor das cigarras. XLVIII Agora sai de cena à tua maneira. é teu este braço?. a noite. nunca o amor foi fácil. morreria agora se mo pedisses. subo por ti de ramo em ramo.contra o muro. adivinhava-te o peito cor de trigo. o verão quase no fim. e o amor não contempla. abandona esse sol magro às cabras e aos cardos. que fazer destas mãos. é o deserto. esta perna é tua?. dorme. também a terra morre. a chuva pressentia-se nos flancos. o vento nos pinheiros. Estou sentado nos primeiros anos da minha vida. Essa mulher. Lá para o fim da tarde a poeira do rebanho não deixará romper a lua. Deixa ficar as nuvens. antes da primeira neve chama por mim. e a porosa sombra das oliveiras abre-se à nudez do olhar. e se aviste o mar. ou de clima. O meu país é entre junho e setembro. É quase vegetal. ardendo entre o fulgor das laranjas e o sol dos cavalos? Que lhes dirás. e canta. Traz o cheiro acidulado ela minha infância chapinhada ao sol. A luz derrama-se na língua. Quanto ao pastor. ou quase animal. o verão já começou. a doce melancolia dos seus ombros. É por dentro que a boca é luminosa. Deixo ao Miguel as coisas da manhã - . O corpo leve quase de vidro. a poeira acesa nos telhados. Podes confiar-me sem receio as pequenas tarefas matinais. é muito antigo. de um azul inocente. os martelos da tristeza sobre a mesa. rastejando lenta. ou de pele. quando te perguntarem pelas minusculas sementes que te confiaram? Como se fossem folhas ainda os pássaros cantam no ar lavado das tílias: algumas cintilações vão caindo nestas sílabas.Precisas mudar de mão. que lhes dirás. ou simplesmente de latrina. L Que fizeste das palavras? Que contas darás tu dessas vogais de um azul tão apaziguado? E das consoantes. canta. talvez um dia suba com ele às colinas. O rumor da sua voz entra-me pelo sono. a claridade. diz criança. um verso onde os seixos são de porcelana. a música dos flancos. Oiço correr a noite pelos sulcos do rosto . Volta a dizer: homem.dir-se-ia que me chama. criança Onde a beleza é mais nova. Diz homem. A música. o chão limpo das dunas desertas. Repete as sílabas onde a luz é feliz e se demora. Ou é a cotovia? Suportas mal o ar. Espanta-me que estes olhos durem ainda. Não digas pedra. IV Encostas a face à melancolia e nem sequer ouves o rouxinol. dividido entre a fidelidade que deves à terra de tua mãe e ao quase branco azul onde a ave se perde. tem dó da matéria dos sonhos e das aves.a luz (se não estiver já corrompida) a caminho do sul. Invoca o fogo. Consente na doçura. que as suas pedras molhadas se tenham demorado tanto a reflectir um céu extenuado em vez de aprenderem com a chuva a morder o chão. chamemos-lhe assim. que nem sequer sei ainda como juntar as sílabas do silêncio e sobre elas adormecer. que subitamente me acaricia. mulher. diz estrela. mesmo pequena. o ardor quase animal de uma romã aberta. Não sejas como a sombra. diz janela. Entra na casa. Que manhã queima ainda de areia ou seda sobre a boca antes de entrar em Ítaca? I Faz uma chave. a mim. mas também . foi sempre a tua ferida. de levar à boca um punhado de cerejas pretas. certa maneira de assobiar às rolas ou então pedir um copo de água. Não é a voz. Tudo isso eras tu. que tanto escutei. Ou a cotovia. entra nu pela varanda. como só os gatos dormem. escura do rio. XVII Ignoro o que seja a flôr da água mas conheço o seu aroma: depois das primeiras chuvas sobe ao terraço. tu só levaste esse modo infantil de saltar o muro. nem a cintura fresca. e me rouba o sono. é esse olhar que de noite em noite vem da lonjura por algum atalho. Não se pode dizer que fossem contigo. Não oiças o rouxinol. a primeira onde pousei a mão e conheci o amor. É dentro de ti que toda a música é ave. e dormir em novelo. de esconder o sorriso no bolso. X Só a cavalo. e não me poupa o coração. aquela profusão da seda. só aqueles olhos grandes de criança.foi sobre as dunas a exaltação. XIII Já não se vê o trigo. alentejo de orvalho. me fazem falta. Meu coração. a vagarosa ondulação dos montes. sujo de amoras. o corpo inda molhado procura o nosso corpo e começa a tremer: então é como se na sua boca um resto de imortalidade . Os dedos cegos foram os primeiros a rasgar. ninguém os vira. nem a gloriosa ascenção do trigo. só queria morrer. a sombra dura. nem sequer ao sexo deram tempo de penetrar. nem o cheiro acidulado e bom do corpo. toda a música do céu fosse nossa. depois do amor. até ao fim do mundo. pelas ruas a caminho do mar. só os olhos tinham ainda alguma água fresca. a terra estava exausta. não. não é ainda a inquieta luz de março à proa de um sorriso. ferir. também a carne endurecera e secara a boca. e toda a música da terra. a terra não. atiram-se contra a sombra dumas acácias que por ali havia. ou o despenhado silêncio da pequena praça. e logo os dentes morderam. o coração mordido pelas vespas. o sorriso à proa. a terra era de areia. o corpo dorido de tanto desejar. XXIX Julguei que não voltaria a falar desse verão onde o sol se escondia entre a nudez dos rapazes e a água feliz. XXV Raivosos. é só um olhar. a seda duma andorinha roçando o ombro nu. o pequeno e solitário rio adormecido na garganta. até amanhecer. não. . Eram muito jovens.nos fosse dado a beber. Olharam em redor. XX Não. como um barco. Estamos quites. Até anoitecer. também colheu.Imagens que já não doem . o seu rigor. Vai-se embora. Essa boca. XLV Não há ninguém à entrada de novembro. entrou quase sem pisar o chão. Não desatou o nó cego do frio. e até alguma coisa dissipou.risos. Aí estiveram. Só na luz das violetas se demora sorrindo à criança da casa. corridas. aquela que vi exasperada e só. pobríssimo animal. a brancura dos dentes. L Estou contente. escutando o que traz o vento. assim o corpo já pode descansar: dia após dia lavrou. Essa mão de ninguém. Corno se fora sua mãe. e como pousa a poeira. A porta estava aberta. Vem como se não fora nada. esse olhar. Um dia destes vou-me estender debaixo da figueira. sentaram-se ao lume vagarosas. o seu segredo. não devo nada à vida. A terra de palha rasa. . o pobre. tem a sua música. Antes porém acaricia a terra. tão rara nestas paragens. Não olhou o pão. agora de testículos aposentados. semeou. há muitos anos: pertenço à mesma raça. ou a matutina estrela ardendo no centro da nossa carne chegaram com a neve. e a vida deve-me apenas dez reis de mel coado. 1. não provou o vinho. . ENTRE O PRIMEIRO E O ÚLTIMO CREPÚSCULO Eu tinha dois ou três anos. Não sei que destino é o da luz. tenho agora sessenta. como se dela tivesse nascido e só a ela não pudesse deixar de regressar. que fazer desse ardor que sobra na boca. uma dor retardada. a poeira onde assomam cabras. alguma sombra fremente ainda de calhandra assustada. no chão aguarda subir à nascente. longo. a marca do fogo no avesso da pele. o descampado. a luz perde-se ao fundo do corredor. sempre o corpo todo se deixou penetrar pelo ardor que se fazia carícia na parte mais diáfana e imponderável do ser. com quartos dos dois lados. 20. mas seja qual for é o mesmo do olhar: há nele uma poeira fraterna. nunca saberemos que nome dar. Entre o primeiro crepúsculo e o último. a luz onde as cigarras ao arder desafiam os cardos. o rasteiro coaxar das rãs em águas apertadas. Não sei que fazer de um olhar que sobeja na árvore. se não lhe chamarmos luz também. cai de maduro. o pão duro de cada dia. 6.11. O olhar desprende-se. os sulcos da sede.85 ASSIM É A POESIA Não sei onde acordei. um deles é o teu. o uivo ralo dos cães.a matinal restolhada dos pardais o brusco branco do muro. e a que. e o apelo da luz é o mesmo. longo. parou. outra vez lhe falei. recordo-me. contudo destino. ele ia à sua vida. sabia que me seguia. farejava o chão inquieto. eram por assim dizer os olhos de minha mãe. 1976 . Dei alguns passos. destino. voltei a caminhar. depois levantou a cabeça desorientado. o deserto aumentou. ele não compreendia. deitou fora o osso. as pessoas continuavam a dispersar. aqueles olhos onde subiam as águas mais fundas. tanto. a baba da lesma na relva. não tardaria a ficar deserta. como vês não entendem. daquela ferida breve acabada de abrir. um osso na boca. cadela. de novo o acariciei. por não poder ficar. impossível amor. como esquecê-los? Os amigos ali estavam. quisesse eu não faltariam cães.85 HISTÓRIA DO SUL Anoiteceu. os inteligentes. há muitos anos.11. disse-lhe também da minha ternura. lhe pedi perdão por não poder levá-lo. via-o aproximar-se de longe. do amor não ficava senão um pequeno fio de sangue. certamente tinha um destino. e de repente uma campainha retiniu. as últimas luzes do cinema apagavam-se. mas o meu destino era ainda mais precário. passarei o resto da vida a embalar-te. os meus passos são de menino. a partir de então. talvez uma cadela o esperasse num daqueles vícolos que desaguavam nas trevas do porto. Um cão. não era difícil. magro destino de cão. só quase o tempo de respirar a cal da sombra.ó musicalíssima. as fronteiras. parou na minha frente. por toda a parte havia milhares bem mais bonitos. voltou a seguir-me. não podia mesmo entender razões assim. numa cidade do sul. mal chegara não tardaria a partir. nenhum deles viu nos teus olhos a raiz do orvalho. menos ainda. ele continuava na minha frente. Não. ali estavam aqueles olhos molhados. entraram no carro. mas os teus olhos esperam-me. da janela de trás via-o no espaço que o automóvel deixara. não percebia como um sopro me levara. que corres ao meu encontro com medo que tropece no ar . e quase alvoroçado aproximou-se. ergueu-se nas patas traseiras e os olhos diziam que. e depois. Na noite deserta.demoro muito. deram também razões. a rua escureceu. ficámos rodeados de gente. osso. fiz-lhe ainda uma festa. a terra era o que havia de mais deserto. meu filho. o cãozito tinha certamente dono. daquele enleio. com tanto amor. na rua deserta só eu aguardava. devia compreender. deram-se logo conta. mas também ele me viu. muito a chegar lá. era um cão pequeno e branco. tudo isso era eu. via-se bem que não era vadio embora lhe faltasse raça. já se sabe. parei. tanto trabalho por um cão vulgaríssimo. 28. Inclinei-me para uma festa. com limoeiros ainda e o frémito da sombra ao fundo dos pátios. viajar com amigos não era andar pelo mundo de sacola ao ombro. roendo uma côdea ou fazendo uns carapins para o último dos netos. vivia em Bolonha com duas irmãs. se não tivera morrido tão cedo. E o que elas duram! Feitas de urze ressequida. assim terrosas. assim velhas. Se o não forem. regam as sardinheiras. Às vezes encostam-se à cal dos muros a ver passar os dias. Eu falava de Morandi como exemplo de uma arte poética que. agradecem pelas almas de quem lá têm. se ele precisava disso para depois pintar como Vermeer e Chardin. o corpo feito um espeto ou mal podendo com as carnes. não se desvincula nunca da realidade mais comum e fremente. Mas também as podes ver seguindo por lentas veredas de sombra. em Mistras ou Santa Clara del Cobre. Como encontrarão descanso nos caminhos do mundo? Não há ninguém que as não tenha visto com umas contas nas mãos .não sei de destino mais glorioso. O olhar esperto ou sonolento. são aquelas mulheres envolvidas na sombra dos seus lutos. anteriores ao Céu e ao Inferno.MORANDI: UM EXEMPLO Anoitecera. como se participassem da natureza do fogo. pedem lume. Provavelmente estão aí desde a primeira estrela.Está bem. a minha. elas estão em toda a parte onde nasça o sol: em Cória ou Catânia. aí as tens na tua frente. Amém. . parecem imortais. era intratável. volvi eu. essas mulheres que Goethe pensa estarem fora do tempo e do espaço. pela certa. porque elas são as Mães. esquecidas de que foram o primeiro orvalho do homem. apesar das tetas mirradas. Com mãos friáveis teceram a rede dos nossos sonhos. quase só saía de casa para ir às putas. graves. depois de varrerem o terreiro.84 AS MÃES Quando voltar ao Alentejo as cigarras já terão morrido. a primeira luz. Quem lá encontraremos. Elas são as Mães. abençoadas sejam todas as putas do céu e da terra. A tua.11. apesar da desmaterialização dos objectos e da aura de silêncio que os imobilizava na sua pureza. alimentaram-nos com a luz coada pela obscuridade dos seus lenços. aquecem um migalho de café. Solitárias ou inumeráveis. umas pedrinhas de sal. as pernas pouco ajudando a vontade.Eu conheci-o. 21. outras vezes caminham por quelhas e quelhas de pedra solta. como se a terra lhes tivesse morrido e para todo o sempre se quedassem órfãs. Não as veremos apenas em Barrancos ou em Castro Laboreiro. são pelo menos incorruptíveis. os olhos perdidos e vazios. ou vivos como brasas assopradas. em Varchats ou Beni Mellal. quando alguém me interrompeu: . batem a um postigo. atrás de uma ou duas cabras. Passaram o verão todo a transformar a luz em canto . sem tempo para que o rosto viesse a ser lavrado pelo vento. elas são as Mães. voltam ao calor animal da casa. com restos de garbo na cabeça levantada. quase solenes na sua imobilidade. as entranhas abertas nas palavras que vão trocando entre si. caladas. que. mesmo uma estrebaria pode ser o paraíso. O rapazito. a ranço. 7. João. carnuda.86 FADIGA Falar é fatigante. E conheço uma que passa as horas vigiando as traquinices de um garoto que tem na testa uma estrelinha de cabrito montês e que só ela vê. ou antes. a arca cheira a alfazema! Algumas ainda cuidam das sécias que levam aos cemitérios ou vendem pelas termas. E aos domingos lavam a cara. E vede como.1. não arredava pé. De todas as estrelas. e mudam de roupa. ao abrir. percebendo que a minha recusa era débil. rogando pragas a uma vizinha que plantou à roda do curral mais três pés de couve do que ela. A quem o daria? Disse-lhe isto mesmo.84 DO FUNDO DO CORPO . O inverno convida à promiscuidade. com olhos escuros de potro manso.quem não amou um porco? Nenhum lugar de amor é triste. apesar de puta velha. a mais rouca e ácida é também a mais próxima.6. acabada de surgir no canto da praça. não tinha a quem dar uma flor. só ela vê. insistindo para que lhe comprasse um ramo. a aguardente. 17. branca. e vão buscar à arca um lenço de seda preta. mas também a poejos colhidos nas represas. a café misturado com o cheiro das violetas que o pequeno vendedor pusera em cima da minha mesa. a manjerico quando é pelo S. ao aceitá-las se pôs da cor das cerejas. que vivia no Porto como quem vive na ilha do Corvo. Acabei por comprar-lhe as violetas e oferecê-las à lua. juntamente com um punhado de maçãs amadurecidas no aroma dos fenos. 14. Elas são as Mães. E cheiram a migas de alho. ignorantes da morte mas certas da sua ressureição. que também põem nos enterros.85 PRAÇA DA ALEGRIA Cheira bem: a café fresco. redonda. os olhos acabam por cair no curral . regressando da fonte amaldiçoando os anos que já não podem com o cântaro. ou debaixo de uma oliveira roubando alguma azeitona para retalhar.engelhadas rezando pelos seus defuntos.8. essa nuvem alta. a aranha a tecer a teia ou. ficar nu dentro daquele sorriso. passava horas e horas à escuta. mas só nessas alturas surgiam limpas de outros ruídos. a luz abrindo caminho a pulso entre a espessura dos reposteiros. Como se fora seu irmão. filho.Não dormia. acabando por distinguir no emaranhado de sons os rumores mais ínfimos. diz-me ao ouvido. Estou tão orgulhoso por esta flor difícil ter entrado pela casa. É talvez o último verão. morrer naquele sorriso. se é tempo ainda. apetecia entrar nele. ainda menos audível. perdido na rua o eco dos passos derradeiros. a luz só pode ser dos girassóis. para que estrela matutina? Diz-me. O SORRISO Creio que foi o sorriso. em que o deserto da noite e o silêncio do corpo formariam uma substância única. Sempre ali estiveram. tão feito de abandono é meu desejo. Mas estou orgulhoso dos girassóis. para sempre inseparável do ardor do orvalho. 1984 COM ESSA NUVEM Para que estrela estás crescendo. o sorriso foi quem abriu a porta. subindo matinal os últimos degraus. Só então ganhavam relevo aquelas pancadas vindas do fundo do seu corpo. O silêncio chegava tarde. tirar a roupa. OS GIRASSÓIS Assim fremente e nua. disso não tinha a menor dúvida. eu e essa nuvem. Correr. Até quando iriam durar? Porque chegaria um momento. Era um sorriso com muita luz lá dentro. navegar. cada uma delas com perfil de espada. de irmos contigo. . . mas tem esta voz doce de quem acorda cedo para cantar nas silvas. que fossem sobre o coração carícia ou só memória de lábios. Farei um rio de sombra onde dormir contigo nos olhos. correu para o mar. mas quando um amigo me traz amoras bravas os seus muros parecem-me brancos. a única evidência eram os pombos. nem inteligente. Para não morrer. nem elegante o meu país. De repente o silêncio sacudiu as crinas. Na praça. CANÇÃO Pedi às vagas altas e sucessivas que fossem como folha de álamo. SUL Era verão. Raramente falei do meu país. Ninguém ignora que não é grande. havia o muro.AS AMORAS O meu país sabe às amoras bravas no verão. OUTRA CANÇÃO Com as quatro folhas dos trevos do verão farei uma casa sem portas sem janelas para te esconder. talvez nem goste dele. reparo que também no meu país o céu é azul. o ardor da cal. ou dos campos de Alpedrinha.Pensei: devíamos morrer assim. EM ABRIL CANTAM Em abril as crianças cantam . Repartida. Assim se faz o poema. Queimada. AS PRIMEIRAS CHUVAS As primeiras chuvas estavam tão perto de ser música que esquecemos que o verão acabara: uma súbita alegria. Suja de tanta palavra. que tanto demorara. subia e coroava a terra de água. e deus. Amada. Quase nada. Obscena rosa. Assim: explodir no ar. ardia no coração da palavra. Rosa do mundo. na maneira como esta mulher dos arredores de Cantão. ROSA DO MUNDO Rosa. rega quatro ou cinco leiras de couves: mão certeira com a água. intimidade com a terra. súbita e bárbara. Boca ferida. sopro de ninguém. Primeiro orvalho sobre o rosto. A ARTE DOS VERSOS Toda a ciência está aqui. empenho do coração. Que foi pétala a pétala lenço de soluços. a vibração da alma ou do corpo ou do ar. Não tardará a fadiga da alma. WASHINGTON SQUARE Por toda a parte. Devagar.com a chuva. Por fim. AS GAIVOTAS As gaivotas. tanto olhar. as cigarras. Quando o sol demora entram a cantar pelos olhos de deus. Trepam aos ramos matinais das cerejeiras e cantam à espera do sol. Agora vou deitar-me à sombra do rio até um deles entrar neste poema e fizer a casa. desde Washington Square que os esquilos me perseguem. a trazer nas suas sílabas o trigo. À noite cintilam. o coração tão leve. também os barcos entram. o mar. amigo. Vão e vêm Entram pela pupila. ou a luz que irrompe pela casa com as frésias e toma. junto ao túmulo de Whitman. vinham com o outono comer à mão. FRÉSIAS Uma pátria tem algum sentido quando é a boca que nos beija a falar dela. De tanto olhar. A ORELHA DE VINCENT . Mas é de noite que mais me procuram: os olhos negros continhas acesas. Mesmo em Camden. ninguém responde. ao lume furtam-se ao frio do mundo. do negro e tresloucado e transbordante amor do mundo. não devia. tem pés tão formosos.Nem as cigarras. A língua. MULHERES DE PRETO Há muito que são velhas. Contra o muro defendem-se do sol de pedra. e desprevenido e magoado. Ainda têm nome? Ninguém pergunta. nem a pensativa cor dos lírios ou mesmo a bárbara luz do sul têm agora morada no seu coração. nunca estive tão só. nem mesmo o sol. Na boca o verão. Nem sequer neva como nos versos do Pessoa ou nos bosques da Nova Inglaterra. CANÇÃO Vem da canção de Verlaine a chuva e ninguém. nem os flancos acesos das searas. na colina . ÚLTIMO POEMA É Natal. vestidas de preto até à alma. como falcão ferido a orelha não pára de sangrar. pedra também. sangra de amor. Deixo os olhos correr entre o fulgor dos cravos e os diospiros ardendo na sombra. Quem assim tem o verão dentro de casa não devia queixar-se de estar só. concertada voz de sete estrelas. também apazigua. bárbara. Amorosa companhia.a música.o navio. vaga em vaga . ADAGIO SOSTENUTO A música outra vez. de vaga em vaga. primeira respiração do mundo. alta e prometida harmonia. fere fundo. dança comigo. terna. tornada próxima. NUM EXEMPLAR DAS GEÓRGICAS Os livros. Amados como nenhuns outros companheiros da alma. és o silêncio. bebemos o silêncio . dói. Escutamos. O ar. em cada rua o ar. ilumina a terra. nua. nunca ao nosso ouvido encostaste os lábios. serena pele. de colina em colina. Tão musicais no fluvial e transbordante ardor de cada dia. Tão luminosos na sua branca e vegetal e cerrada melancolia. tão leais. Dispostos sempre a partilhar o sol das suas águas. colina em colina. tão calados. acaricia. Tão dóceis. A sua cálida. o duro espesso impenetrável silêncio sem figura. O INOMINÁVEL Nunca dos nossos lábios aproximaste o ouvido. um pouco preguiçosa. . coser.nem sequer sabemos se tens nome. mais bonita. um pouco mimada. corre ao encontro da água ou doutro corpo. COM UM VERSO DA CEIFEIRA Escrevo para fazer da luz velha dos corvos o limiar doutro verão. é certo. OS TRABALHOS DA MÃO Começo a dar-me conta: a mão que escreve os versos envelheceu. Prefere agora as sílabas da sua aflição. esfregar.nas próprias mãos e nada nos une . Nenhuma sombra por mais nefasta perturba o meu olhar: tenho quinze anos. canta sem razão. É à sombra das suas folhas que os meus dias cantam ainda ao sol. ao espaço quadrado do pátio regressa o canto das cigarras. O fim não pode tardar: oxalá tenha em conta a sua nobreza. o orvalho matinal dos cardos. A si coube sempre a tarefa mais dura: semear. o rigor acabaram por fatigá-la. e canta. A exigência. colher. FIM DE OUTONO EM MANHATTAN Começo este poema em Manhattan mas é das oliveiras de Virgílio e de Póvoa d'Atalaia que vou falar. Com o sol à roda da cintura o corpo deixa de ser hesitação. Deixou de amar as areias das dunas. Sempre trabalhou mais que sua irmã. Mas também acariciar. as tardes de chuva miúda. uma consoante. Só a paixão o rouba à morte. que devolva ao sol a modesta desordem dos teus dias. Há tantos.A sua canção vem do mar. da estiagem do verão. Mas faz-me falta. quase doce. Nem uma palavra ousas. Que escute ao menos a pobre e rouca e desamparada música do teu pequeno harmónio. o impede de ser . Por isso a procurava com obstinação. alheio à luz suja de Manhattan. Só eu sei a falta que me faz. Uma sílaba. Uma única sílaba. só os olhos suplicam que te roube à morte. Não te esperava: só uma vez te esperei tremendo de amor: eu era tão pequeno que nem me viste. É pouca coisa. Trazes o harmónio. O ar debaixo dos seus ramos dança. Quase amargo. A SÍLABA Toda a manhã procurei uma sílaba. tantos anos exposto à violência da luz do meio dia. MATÉRIA NOBRE Pode ouvir-se ainda o seu bater contra o peito. mas é com as cigarras e o trigo maduro que aprendem a morrer. a masculina música roubada às fontes. é certo: uma vogal. A salvação. HARMÓNIO Como ladrão ou mulher pública: vens de noite. Só ela me podia defender do frio de janeiro. quase nada. Rio de Janeiro. 1985. 1983. portanto. de Moraes Editores. NOTÍCIA BIBLIOGRÁFICA Antologia Breve é integrada pela primeira vez na Obra de Eugénio de Andrade. A 1ª edição da Editorial Inova. a 6ª edição. Coração. A 4ª é da Civilização Brasileira. é de 1972.panela esburacada onde o vento assobia. Ou pior: coisa viscosa. mole. Esta é. matéria nobre. o teu corpo é como um rio 18 A uma cerejeira em flor 19 Slelley sem anjos e sem pureza 19 Nocturno 20 Espera OS AMANTES SEM DINIIEIRO 20 21 21 23 24 24 Os amantes sem dinheiro Abril Poema à mãe Rumor As mãos Adeus . são do "Círculo de Poesia". As 2ª e 3ª respectivamente de 1979 e 1980. POÉTICA PRIMEIROS POEMAS 15 Canção 15 Canção Infantil AS MÃOS E OS FRUTOS 16 Não canto porque sonho 16 Foi para ti que criei as rosas 17 Creen God 17 Tenho o nome duma flor 18 Impetuoso. inerme. Finalmente a 5ª é da Limiar (Colecção Os Olhos e a Memória). AS PALAVRAS INTERDITAS 25 26 27 28 29 29 30 As palavras interditas Adeus Canção Retrato com sombra Viagem Vegetal e só Post scriptum ATÉ AMANIIÃ 31 31 32 33 34 34 Coração habitado Apenas um corpo Serenata Urgentemente Litania Canção CORAÇÃO DO DIA 35 36 37 39 40 As palavras Coração do dia Um rio te espera Pequena elegia de setembro Despertar MAR DE SE'I'EMBRO 40 41 41 42 42 43 44 Mar de setembro Ocultas águas Que voz lunar Serão palavras Canção com gaivotas de Bermeo Eros Que diremos ainda? OSTINATO RIGORE 44 45 46 Soneto menor a chegada do verão Cristalizações Eros de passagem . com uns cravos brancos Ao Miguel. no seu 4º aniversário OBSCURO DOMÍNIO 60 61 62 62 63 65 66 66 67 A música Os animais A palmeira jovem Arte de navegar Véspera da água Desde o chão Dissonâncias O silêncio Desde a aurora VÉSPERA DA ÁGUA . na flor da sua idade A Mário Botas. 111 Roma Tavira 1944 Castelo Branco Póvoa da Atalaia Lisboa Amanhecer em Estremoz Casa na chuva Cacela No aeroporto de Nova York HOMENAGENS E OUTROS EPITÁFIOS 54 55 56 56 58 58 59 Elegia das águas negras para Che Guevara Discurso tardio à memória de José Dias Coelho A Casais Monteiro. podendo servir de epitáfio À memória de Ruy Belo Ao Eduardo Lourenço.47 47 48 48 50 50 50 Natureza-morta com frutos Metamorfoses da casa Nocturno de Fão Escuto o silêncio Eros Thanatos Despedida Despedida ESCRITA DA TERRA 51 51 51 52 52 52 52 53 53 53 Rua Duque de Palmela. é o deserto. nem sei dos meus dedos Agora sai de cena à tua maneira Que fizeste das palavras? O PESO DA SOMBRA 90 90 Como se fossem folhas ainda Essa mulher. o lume apagado Olha.68 69 69 70 70 71 71 71 72 Sobre o caminho Sobre a palavra Três ou quatro sílabas Do esquecimento Os resíduos Outro fragmento Cavatina Sobre flancos e barcos Esse verde LIMIAR DOS PÁSSAROS 73 78 81 Limiar dos pássaros Verão sobre o corpo (fragmentos) Rente à fala (fragmentos) MEMÓRIA DOUTRO RIO 82 82 83 83 84 84 85 85 86 86 87 As cabras Memória doutro rio Os nomes Walt Whitman e os pássaros As crianças De passagem Homenagem a Rimbaud Escrito no Muro Retrato de mulher Vastos campos Sobre o linho MATÉRIA SOLAR 87 87 88 88 89 89 89 90 O muro é branco Havia / uma palavra Conhecias o Verão pelo cheiro Cala-te. a luz arde entre os lábios Chove. já. a doce melancolia . 91 Estou sentado nos primeiros anos da minha vida 91 É por dentro que a boca é luminosa 91 Podes confiar-me sem receio 91 Deixo ao Miguel as coisas da manhã 92 Espanta-me que estes olhos durem ainda 92 Oiço correr a noite pelos sulcos 92 Que manhã queria ainda BRANCO NO BRANCO 92 93 93 94 95 95 96 97 97 98 Faz uma chave. cai de maduro VERTENTES DO OLHAR 100 100 101 102 103 105 105 106 Entre o primeiro e o último crepúsculo Assim é a poesia História do sul Morandi: um exemplo As mães Praça da Alegria Fadiga Do fundo do corpo O OUTRO NOME DA TERRA 106 106 107 107 108 108 Com essa nuvem O sorriso Os girassóis As amoras Canção Outra canção . só aqueles olhos grandes Já não se vê o trigo Ignoro o que seja a flor da água Não. atiram-se contra a sombra Julguei que não voltaria a falar Não há ninguém à entrada de novembro Estou contente não devo nada à vida CONTRA A OBSCURIDADE 99 A terra de palha rasa 99 O olhar desprende-se. não é ainda a inquieta Raivosos. mesmo pequena Encostas a face à melancolia Só o cavalo. 108 109 Sul Rosa do mundo RENTE AO DIZER 109 110 110 110 111 111 111 112 112 A arte dos versos As primeiras chuvas Em abril cantam As gaivotas Frésias Washington Square A orelha de Vincent Mulheres de preto Último poema OFÍCIO DE PACIÊNCIA 113 113 114 114 115 115 116 116 117 117 Canção Num exemplar das Geórgicas Adagio sostenuto O inominável Os trabalhos da mão Com um verso da Ceifeira Fim de outono em Manhattan A sílaba Harmónio Matéria nobre PRINCIPAIS OBRAS DE EUGÉNIO DE ANDRADE POESIA Primeiros Poemas, 1977, 8.ª edição, Fundação E. de A., 1993. As Mãos e os Frutos, 1948, 14.ª edição, Fund. E. de A., 1993. Os Amantes sem Dinheíro, A., 1993. 1950, 13.ª edição, Fundação E. de As Palavras Interditas, 1951, 10.ª edição, Limiar, 1990. Até Amanhã, 1956, 10.ª edição, Limiar, 1990. Coração do Dia, 1958, 7.ª edição, Limiar, 1981. Esgotado. Mar de Setembro, 1961, 8.ª edição, Limiar, 1981. Esgotado. Ostinato Rígore, 1964, 9.ª edição, Limiar, 1984. Poemas, (1945-1966), 3.ª edição, 1971. Esgotado. Obscuro Domínio, 1971, 5.ª edição, Limiar, 1986. Limiar dos Pássaros, 1972, 2.ª edição, Limiar, 1978. Esgotado. Véspera da Água, 1973, 6.ª edição, Limiar, 1990. Escrita da Terra, 1974, 5.ª edição, Limiar, 1983. Homenagens e Outros Epitáfios, 1974, 8.ª edição. Fundação E. de A., 1993. Memória Doutro Rio, 1978, 4.ª edição, Limiar, 1985. Esgotado. Poesia e Prosa, (1940-1989), 4.ª edição, O Jornal/Limiar, 1990. Matéría Solar, Limiar, 1980. O Peso da Sombra, 1982, 3.ª edição, Limiar, 1989. Branco no Branco, 1984, 5.ª edição, Fundação E. de A., 1993. 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Nº 3. Amarú Ediciones. trad. de Patrick Quillier. 980 6157 Depósito Legal nº 78147/94 . Trav.4420 Gondomar Tel.Armando Alves Desenho Ângelo de Sousa Retrato Luis Durdil (1941) Edição 6. Lda. 6108173 Fax: (02) 610 8173 Composto e Impresso Helvética .ª.4100 PORTO Telef. 584 . Maio. do Seixo. 376 .Artes Gráficas. 1994 Editora Fundação Eugénio de Andrade Rua do Passeio Alegre.