REVISTA BRASILEIRA DEESTUDOS URBANOS publicação da associação nacional de pós-graduação e pesquisa em planejamento urbano e regional E REGIONAIS ISSN 1517-4115 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Publicação semestral da ANPUR Número 4, maio de 2001 ISSN 1517-4115 EDITORA RESPONSÁVEL Norma Lacerda (UFPE) EDITORA ASSISTENTE Lúcia Leitão (UFPE) COMISSÃO EDITORIAL Ana Clara Torres Ribeiro (UFRJ), Marco Aurélio Filgueiras Gomes (UFBA), Maria Adélia de Souza (Unicamp), Maria Cristina Leme (USP), Naia de Oliveira (FEE/RS), Roberto Monte-Mór (UFMG) CONSELHO EDITORIAL Ana Fernandes (UFBA), Carlos Bernardo Vainer (UFRJ), Carlos Roberto M. de Andrade (USP/São Carlos), Circe Maria da Gama Monteiro (UFPE), Clélio Campolina Diniz (UFMG), Flávio Magalhães Villaça (USP), Frank Svensson (UnB), Frederico de Holanda (UnB), Jan Bitoun (UFPE), Lícia Valladares (IUPERJ), Marcus André B. C. de Melo (UFPE), Marta Ferreira Santos Farah (FGV/SP), Martim Smolka (UFRJ), Maurício Abreu (UFRJ), Milton Santos (USP), Tania Bacelar (UFPE), Tânia Fischer (UFBA), Wilson Cano (Unicamp), Wrana Panizzi (UFRGS) PROJETO GRÁFICO João Baptista da Costa Aguiar COORDENAÇÃO E EDITORAÇÃO Ana Basaglia REVISÃO Margarida Michel, Sharing English (inglês), Fernanda Spinelli (revisão final) FOTOLITOS Join Bureau de Editoração IMPRESSÃO GraphBox Caran Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. A.3, n.4. 2001. – : Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional; editora responsável Norma Lacerda : A Associação, 2001. v. Semestral. ISSN 1517-4115 O nº 1 foi publicado em maio de 1999. 1. Estudos Urbanos e Regionais. I. ANPUR (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional). II. Lacerda, Norma. 711.4(05) CDU (2. Ed.) 711.405 CDD (21.Ed.) UFPE BC-2001-098 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS publicação da associação nacional de pós-graduação e pesquisa em planejamento urbano e regional E REGIONAIS S U M Á R I O ARTIGOS 9 A (R E )C ONSTRUÇÃO DE M ITOS S OBRE A I N (S USTENTABILIDADE D O (N O ) E SPAÇO U RBANO – Marília Steinberger 33 AVANÇOS E LIMITES NA HISTORIOGRAFIA DA LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA NO BRASIL – Sarah Feldman 49 REFLEXÕES SOBRE A HIPERPERIFERIA: NOVAS E VELHAS FACES DA POBREZA NO ENTORNO MUNICIPAL – Haroldo da Gama Torres e Eduardo Cesar Marques 71 EVOLUÇÃO URBANA E DEMOGRÁFICA DO ENVELHECIMENTO EM BELO HORIZONTE – Frederico Poley Martins Ferreira 83 DE VILA OPERÁRIA A CIDADE-COMPANHIA: AS AGLOMERAÇÕES CRIADAS POR EMPRESAS NO VOCABULÁRIO ESPECIALIZADO E VERNACULAR – Telma de Barros Correia RESENHAS 101 A cidade do pensamenrto único: desmanchando consensos, de Otília Arantes, Carlos Vainer e Ermínia Maricato – por Fernanda Sánchez ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL – ANPUR PRESIDENTE Maria Flora Gonçalves (Nesur/Unicamp) SECRETÁRIA EXECUTIVA Yvonne Mautner (FAU/USP) DIRETORES Cássio Frederico Camargo Rolim (UFPR) Geraldo Magela Costa (UFMG) Henri Acselrad (UFRJ) CONSELHO FISCAL Décio Rigatti (UFRGS) Esterzilda Berenstein de Azevedo (UFBA) Frederico Rosa Borges de Holanda (UnB) Esta publicação contou com o apoio do Lincoln Institute of Land Policy . elaborada por Fernanda Sánchez. B. Aplicando o Sistema de Informações Geográficas (SIG) ao planejamento urbano. diferente daquela comumente descrita pela literatura. O trabalho de Marília Steinberger. permitindo identificar uma periferia mais heterogênea. município periférico da Região Metropolitana de São Paulo. Haroldo da Gama Torres e Eduardo Cesar Marques analisam os diferenciais de condições de vida em Mauá. traz uma importante contribuição para a história da legislação urbanística no Brasil. ainda. capaz de abrigar a diversidade de pensamento que caracteriza a Anpur. ainda na década de 90. com este número. Mais uma tarefa R. Nesse sentido. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 5 . Finalmente. comunicamos que. De natureza analítica. é o tema do texto no qual Telma de Barros Correia discute as diversas denominações dadas a um capítulo importante e pouco conhecido da urbanização brasileira. que aborda a questão do envelhecimento da população em Belo Horizonte e suas implicações no modo de habitar. que ora se publica. Sarah Feldman. A autora parte da identificação do marco institucional para. De vila operária a cidade-companhia: as aglomerações criadas por empresas. registra a emergência. no vocabulário especializado. desenvolvimento sustentável/sustentabilidade e território/urbanização. especular como. surgem os três pares de conceitos: ambiente/meio ambiente.EDITORIAL Com este quarto número. em conseqüência das mudanças socioculturais recentes na sociedade brasileira contemporânea. instrumento de gestão ambiental e conflito de interesses entre atores. deixamos a função de editores da Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. em texto instigante. Repercussões importantes para o planejamento das cidades. no âmbito desta área. e o lugar dos pressupostos modernistas na legislação brasileira. Esses conceitos fundamentam os três principais focos de análise do texto que autora desenvolve: qualidade ambiental. o artigo de Feldman aborda dois aspectos que se configuram como lacunas na historiografia da legislação: o lugar ocupado pelas normas. Carlos Vainer e Ermínia Maricato. Integra. a partir do momento em que idéias e práticas urbanísticas têm um espaço institucionalizado na administração pública. podem ser deduzidas do texto desenvolvido por Frederico Poley. este número a resenha do livro A cidade do pensamento único – desmanchando consensos. do meio ambiente urbano como área de investigação que constrói e reconstrói mitos sobre a sustentabilidade ou insustentabilidade do espaço urbano. os artigos publicados revelam a feição da comunidade que lhes dá origem: a um só tempo específico e abrangente. de Otília Arantes. em seguida. a Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais reafirma seu compromisso com a construção de um espaço editorial próprio. O trabalho se constrói a partir da discussão das diversas denominações dadas a esse fenômeno e o contexto no qual são utilizadas. Tal constatação os impulsiona a interrogar sobre os conteúdos sociais das periferias das metrópoles. E D I T O R I A L executada. Flora Gonçalves. Passamos o bastão para os colegas baianos Marco Aurélio Filgueiras Gomes e Susana Moura. bem como o trabalho de todos aqueles que direta e indiretamente se fizeram presentes nos três últimos números. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . mais uma experiência de vida. que nos convidou para dar continuidade a este projeto editorial. NORMA LACERDA Editora Responsável LÚCIA LEITÃO Editora Assistente 6 R. especialmente à sua presidente. B. Agradecemos a confiança depositada pela diretoria da Anpur. as contribuições dos colegas integrantes da Comissão Editorial. com a certeza de que novos passos serão galgados. A RTIGOS . numa primeira seção. mas em busca de uma identidade. no âmbito dos Encontros da Anpur dos anos 90. são analisados documentos que constituem o marco institucional da área e realiza-se um breve resgate de marcos teórico-conceituais estabelecidos em algumas disciplinas. instrumentos de gestão ambiental e conflito de interesses entre os atores. longe de causar preocupação. observou-se que esse processo nem obedeceu a uma linha de pensamento única nem a um roteiro lógico capaz de indicar que os pesquisadores estavam indo em direção a um compromisso com posturas fechadas. R. Na leitura dos trabalhos. o que. para discutir a emergência do meio ambiente urbano como área de investigação que constrói e reconstrói mitos sobre a sustentabilidade ou insustentabilidade do espaço urbano. o tema meio ambiente já vinha sendo discutido nos encontros anteriores: em 1993. Para tanto. De fato. caracteriza uma área de investigação nova. esse número passou para oito. não para elaborar um balanço. espaço urbano. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 9 . para que o meio ambiente urbano seja apreendido com um olhar baseado em uma racionalidade não-instrumental. mas para descobrir como vem ocorrendo o processo de produção do conhecimento sobre o tema no Brasil. PALAVRAS -CHAVE Meio ambiente. Diante desse quadro. na seção “Urbanização. contou com quatro trabalhos. supondo que a Anpur é um fórum representativo do mesmo. dinâmica e não consolidada. Tais focos orientam as questões centrais que perpassam a área: qualidade ambiental urbana. Saneamento e Impactos de Grandes Projetos”. numa subseção intitulada “O Nexo Meio Ambiente – Planejamento Territorial em Questão”. INTRODUÇÃO Em 1999. sustentabilidade. sugerindo que eles devem ser desconstruídos. são discutidos os focos socialhistórico e político-espacial de três pares de noções/conceitos: ambiente/meio ambiente. englobado no subtema “Meio Ambiente. em 1995.A (RE)CONSTRUÇÃO DE MITOS SOBRE A (IN)SUSTENTABILIDADE DO(NO) ESPAÇO URBANO MARÍLIA STEINBERGER R E S U M O O trabalho parte de uma leitura do conhecimento produzido sobre meio ambiente. há caminhos que apontam para uma definição da área. decidiu-se analisar todos os textos discutidos nos encontros citados. A produção foi errática. no âmbito da qual foram apresentados dezesseis trabalhos. B. é digno de registro o crescente interesse dos planejadores/pesquisadores urbanos e regionais por esse tema ao longo dos anos 90. e em 1997. Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente”. desenvolvimento sustentável/sustentabilidade e território/urbanização. Na seção seguinte. o Encontro Nacional da Anpur definiu “Desenvolvimento Urbano Sustentável: que Qualidade e para Quem?” como uma das áreas temáticas. para se chegar a um entendimento sobre sustentabilidade urbana. À guisa de conclusão. mostra-se que. embora a maioria dos discursos sobre o meio ambiente urbano considere o espaço urbano como insustentável. atingiu onze. Considerando que a idéia aqui é apontar rumos. o título escolhido para este artigo tem o intuito de ressaltar que o objeto da referida produção de conhecimento é o meio ambiente urbano. Há os que partem da insustentabilidade da cidade para propor soluções a fim de torná-la sustentável. presume-se que existe meio ambiente no espaço urbano e. Ao contrário. porque alguns discursos mais recentes proclamam sua sustentabilidade. Assim. em seguida. foi ensejado pela leitura dos trabalhos. adjetivo de um estado temporário. onde é possível observar a construção e a reconstrução de mitos sobre a (in)sustentabilidade no(do) espaço urbano. pois os autores consultados se valem tanto da literatura nacional como internacional. serão extraídos recortes dos textos dos vários autores consultados para buscar os argumentos da identidade da área e. menores. identificar as questões e propostas que a perpassam e.A ( R E ) C O N S T R U Ç Ã O D E M I T O S 1 Essa área está inserida em um processo de produção do conhecimento mais amplo. Portanto. que não se restringe ao Brasil. boa parte dos trabalhos elaborados envolve territórios urbanos diferenciados. como será visto adiante. sustentável como objetivo meio. quando o espaço urbano se relaciona a um bairro. assim. Esse olhar. conduzida por um novo olhar. Ao mesmo tempo. olhada com a lente positiva que privilegia os distintos significados do estar aglomerado. mostrar alguns de seus discursos próprios. o qual vem sendo esboçado a partir desses vários tipos de territórios analíticos. Admitir essa coexistência significa reconhecer que os pesquisadores vêm trilhando dois caminhos para discutir a sustentabilidade urbana. uma região metropolitana ou um município. ela não reflete o estado da arte do conhecimento produzido. tão-somente como um estado temporário de determinados territórios que contêm e estão contidos em um meio ambiente predominantemente urbano. aqui se tomou uma segunda decisão: adotar como referência o espaço urbano. Parece mais adequado dizer que há uma coexistência conflituosa de abordagens. não se pode dizer que as discussões sobre a insustentabilidade da cidade estejam ultrapassadas. um assentamento habitacional ou uma “tribo”. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . quando o espaço urbano se espraia e se confunde com o regional ou com o rural e adquire contornos geográfico-administrativos. entendido como resultante desse mosaico de territórios que está em constante mutação. como o de uma bacia hidrográfica. B. primeiramente. Com esse propósito. No embate entre esses dois caminhos. De fato. sugere-se que o “mote” da perseguida sustentabilidade não seja a cidade. Três indagações nortearão o pano de fundo da discussão: • a partir de quando e em que bases o meio ambiente urbano surgiu como uma área de investigação? 10 R. significa compreender que ela é composta por três elementos-chave: desenvolvimento como objetivo macro. constata-se um ponto de contato importante: falar de (in)sustentabilidade urbana não quer dizer falar só de cidade. uma comunidade. mas não toma nenhum deles no seu todo. serão apresentados os marcos que embasam a área para. finalístico e permanente. o meio ambiente urbano é um objeto de uma complexidade tal que comporta uma área de investigação. Com base nessa constatação. pois esse pode comportar territórios maiores ou menores do que os limites da cidade. Maiores. não existe o ser sustentável mas o estar sustentável. Embora essa afirmação demonstre a expectativa de um grupo de estudiosos. chegar a uma definição dela. calcada em uma racionalidade própria. Por essa razão. e espaço urbano (conteúdo e continente do meio ambiente) como objeto de gestão. mas sim o espaço urbano. Face a isso. à guisa de conclusão. que ora se propõe. Isso não quer dizer deixar de lado a expressão “desenvolvimento urbano sustentável”. Nesse sentido. há os defensores da sustentabilidade da cidade de per si. portanto.1 Como suporte a essa idéia. em 1973. a delegação brasileira defendeu a tese de que a proteção ao meio ambiente era um objetivo secundário para os países em via de desenvolvimento. históricos e culturais. quando se explicitou que a questão ambiental era também uma questão urbana.1999:4). uma área de investigação. no Brasil. razão pela qual consta que a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente.M A R Í L I A S T E I N B E R G E R • há discursos específicos sobre o meio ambiente urbano ou uma mera transposição e adaptação de discursos de disciplinas que têm dado suporte às áreas de meio ambiente e de planejamento urbano? • está sendo repensado o espaço urbano por intermédio do meio ambiente? O MEIO AMBIENTE URBANO COMO UMA ÁREA DE INVESTIGAÇÃO Para mostrar que o meio ambiente urbano é. Essa tese foi derrotada. foi cunhado o termo “ecodesenvolvimento”. passo inicial e revelador da emergência de uma nova área. pois apenas concede aos municípios. assinada no México. essa mesma preocupação se estendeu às cidades. às regiões metropolitanas). em 1972. sobre o assunto (Marques da Silva. Na verdade. Entretanto. A IDENTIFICAÇÃO DE UM MARCO INSTITUCIONAL Na Conferência de Estocolmo. em 1974. O primeiro refere-se à identificação de um marco institucional. B. e a possibilidade de qualquer cidadão fiscalizar bens ambientais. Há quem considere a Constituição de 1988 o primeiro marco do surgimento do meio ambiente urbano como uma área de investigação. Isso porque o seu texto contém duas inovações relacionadas à área: a inclusão da função social da propriedade entre os princípios gerais da ordem econômica. ligadas ao espaço urbano. de fato. tais decisões ainda não representavam uma ampla conscientização quanto à importância do meio ambiente urbano. embora admitindo o avanço dessas inserções constitucionais. apud Sá et al. Numa conferência em que a tônica central foram as questões ambientais de cunho global. principalmente. obedeceu a uma “necessidade diplomática de corrigir a imagem negativa do Brasil a nível internacional” (Manosowski.1995:278). a preocupação com o meio R. pois entrava em conflito com o crescimento econômico. Daí por diante. a partir do Fórum Global das ONGs. O segundo respalda-se no debate em torno da desconstrução de mitos construídos em marcos teórico-conceituais estabelecidos. no Brasil e no mundo. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 11 . ele equivale a um reconhecimento oficial da existência da área. de certa maneira. ao se propor uma atuação voltada para um uso mais cuidadoso dos recursos naturais nas áreas rurais do Terceiro Mundo. Eram fatos isolados. outros autores advogam que a Carta Magna é vaga quanto às questões ambientais urbanas. que se realizou paralelamente à Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco 92). a área de meio ambiente urbano ganhou força. várias decisões relativas ao meio ambiente foram tomadas no Brasil. Com a Declaração de Cocoyoc. em 1974. concorrentemente. de 1979 (dirigida. e a Lei de Zoneamento Industrial em Áreas Críticas. Algumas delas. como a edição do capítulo de Política Urbana e Meio Ambiente no II PND. Entretanto. serão utilizados dois enfoques. aos Estados e à União o poder de legislar.. Nesse mesmo ano.1989. supondo que. A ( R E ) C O N S T R U Ç Ã O D E M I T O S 2 Em continuidade às discussões que já vinham ocorrendo desde o fim dos anos 70, sobre a então denominada Lei de Desenvolvimento Urbano. 3 Outras diretrizes também relacionadas ao meio ambiente urbano são: ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar a poluição e a degradação ambiental; adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do município e do território sob sua área de influência; proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, e regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda, mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais. 4 Além disso, nos demais instrumentos (Parcelamento, Direito de Preempção, Operações Urbanas Consorciadas, Transferência do Direito de Construir e Estudo de Impacto de Vizinhança), há uma clara referência à sua aplicação para manter ou criar áreas de interesse ambiental e para reforçar o respeito à legislação ambiental vigente. Vale ressaltar, ainda, que a obrigatoriedade de elaborar planos diretores foi estendida para municípios inseridos na área de influência de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental regional ou nacional. ambiente urbano foi introduzida pelo Fórum Brasileiro de Reforma Urbana e expressada, formalmente, no “Tratado sobre a questão urbana: por cidades, vilas e povoados, justos, democráticos e sustentáveis” (1994). Os signatários desse Tratado buscavam contribuir para o avanço dos movimentos sociais e para a construção de uma vida digna nas cidades por meio da ampliação dos direitos de seus habitantes, mudança na gestão e na qualidade da vida urbana; construção de um meio ambiente a ser desfrutado pelas atuais e futuras gerações. Definiam que “o urbano se redimensiona como centro das atividades humanas e como ponto focal de processos políticos e econômicos. As cidades tornam-se centros de gestão e de acumulação do capital, organizados em escala planetária, núcleos de comando de uma vasta rede que integra o urbano e o rural. Essa dimensão territorial expressa uma crescente integração das problemáticas rurais, urbanas e meio ambientais” (HIC/Fococ, 1992:87). Essa postura foi inovadora, dado que o Relatório do Brasil para a Eco-92 havia adotado uma outra direção ao relacionar duas causas da crise ambiental com o modelo de desenvolvimento: a pobreza e o mau uso da riqueza. Nesse contexto, o meio ambiente urbano foi inserido a partir da identificação de problemas: “Por um lado a pobreza das cidades … que se confunde com a degradação ambiental. Por outro lado … os problemas causados pela concentração das atividades econômicas … nas localidades urbanas.” (Cima, 1991:60). Também no início da década de 1990, foi proposto, no âmbito do Congresso Nacional, um projeto de lei conhecido como Estatuto da Cidade.2 Embora ainda não transformado em lei, sua tramitação encontra-se em estágio avançado, uma vez que não há dúvidas sobre a importância de sua finalidade: “Fixar parâmetros para a aplicação do capítulo da política urbana da Constituição Federal, definindo princípios e objetivos, diretrizes de ação e instrumentos de gestão urbana a serem utilizados, principalmente, pelo Poder Público Municipal” (Relatório do PL 5788/90 e seus apensos). No que tange ao meio ambiente urbano, acompanhando a crescente importância que a área foi ganhando no decorrer da década, recentemente foram introduzidas, no Projeto do Estatuto, algumas orientações relevantes nos capítulos que tratam das diretrizes da política urbana e seus instrumentos. Com relação às diretrizes, cumpre destacar: • garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; • planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; e • audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído.3 Entre os instrumentos, dois são especificamente dirigidos ao meio ambiente urbano, a saber, o Zoneamento Ambiental e o Estudo Prévio de Impacto Ambiental.4 Por fim, o documento “Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira” (MMA/PNUD, 1999) pode ser considerado como a mais recente contribuição para se construir um marco institucional da área de meio ambiente urbano. Seu objetivo é oferecer propostas para introduzir a dimensão ambiental nas políticas urbanas vigentes ou que venham a ser adotadas. Dentre as premissas que o nortearam, merece destaque a denominada crescer sem 12 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 M A R Í L I A S T E I N B E R G E R destruir, por traduzir que o desenvolvimento sustentável das cidades implica, ao mesmo tempo, o crescimento dos fatores positivos da sustentabilidade urbana e a diminuição dos impactos ambientais, sociais e econômicos indesejáveis no espaço urbano. O documento parte de diagnósticos setoriais a fim de identificar os pontos de estrangulamento mais críticos para o desenvolvimento urbano sustentável. Com base neles, conclui que a cidade brasileira do século XXI poderá ser o palco de uma vida urbana enriquecida, desde que se operem as necessárias transformações dos padrões insustentáveis de produção e consumo que resultam na degradação dos recursos naturais e econômicos do País, afetando as condições de vida da população nas cidades.5 Além desses documentos, Rodrigues (1998) lembra que os trabalhos apresentados nas conferências nacionais e internacionais preparatórias para o Habitat II (Istambul, 1997), embora centrados na habitação, sugeriam um (re)pensar sobre o meio ambiente urbano, não como mera retórica, mas em torno de questões concretas, tais como a qualidade de vida, a infra-estrutura e os equipamentos de consumo coletivo e a cidadania urbana. Esse conjunto de documentos compõe o marco de referência institucional da área de meio ambiente urbano no Brasil, uma vez que significa uma oficialização da sua importância, por parte de entidades governamentais e não-governamentais brasileiras e internacionais. Sobre o seu conteúdo, é preciso ressaltar que o corte analítico adotado em praticamente todos eles faz aflorar o principal ponto de conflito na área: a discussão entre meio ambiente natural e meio ambiente urbano. Há uma convergência de posicionamentos sobre a insustentabilidade do espaço urbano, calcado em diagnósticos que identificam problemas e pontos de estrangulamento a serem superados na busca da sustentabilidade. A DESCONSTRUÇÃO DE MITOS EM MARCOS TEÓRICO-CONCEITUAIS ESTABELECIDOS Como discutir se há sustentabilidade do meio ambiente gerado em um espaço, o urbano, que vem sendo considerado insustentável? Essa pergunta carrega uma contradição enganosa, ao colocar em oposição meio ambiente e urbano, pois considera o meio ambiente apenas como natural. Para responder a ela, é preciso desconstruir os mitos construídos no seio das principais disciplinas, que não só deram origem a essa falsa oposição, como também, paradoxalmente, à própria existência da área, a saber: Ecologia, Geografia, Sociologia, Economia e Urbanismo. Da Ecologia vieram as teorias biocêntricas que surgiram como resposta à idéia de plasticidade na natureza, cujas bases conceituais, fundadas na razão verdadeira e universal do Iluminismo no século XVIII, tinham como certa a constante reconstrução da relação entre o homem e seu ambiente natural (Teixeira & Bessa,1997). Ao negar a complexidade da natureza e admitir o homem como seu senhor absoluto, essa premissa transformou-se no pilar das teorias antropocêntricas. Veio também o conceito de capacidade de suporte dos recursos naturais para mostrar os limites da natureza que não devem ser extrapolados pelas atividades antrópicas. Vieram também as transposições da teoria de sistemas em direção ao equilíbrio dos ecossistemas. Da Geografia vieram três correntes de pensamento que são marcos obrigatórios para os estudiosos do meio ambiente, uma vez que seu ideário ainda faz parte de várias teorias contemporâneas. A primeira estava associada ao determinismo ambiental do final do século XIX e serviu de base para a definição de região natural. Em contraposição a essa R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 13 5 Para se atingir tal anseio, definem-se quatro estratégias prioritárias: aperfeiçoar a regulação do uso e ocupação do solo urbano; promover o desenvolvimento institucional e o fortalecimento da capacidade de planejamento e gestão democrática da cidade; promover mudanças nos padrões de produção e consumo da cidade, reduzindo custos e desperdícios e fomentando o desenvolvimento de tecnologias urbanas sustentáveis, e estimular a aplicação de instrumentos econômicos no gerenciamento dos recursos naturais visando à sustentabilidade urbana. A ( R E ) C O N S T R U Ç Ã O D E M I T O S perspectiva, na década de 1920 nasceu a visão possibilista, que não focalizava a natureza como determinante do comportamento humano, mas como fornecedora de possibilidades para o homem modificá-la. Preconizava que o homem, com sua cultura, criava uma paisagem e um gênero de vida peculiares em cada porção do território, dotando-a de personalidade. Assim surgiu o conceito de região geográfica ou região-paisagem (Gomes,1995). Outras correntes se sucederam, como a da Geografia crítica, que se apropriou dos ensinamentos marxistas sobre a natureza. Da Sociologia veio a linha de pesquisa desenvolvida pela Escola de Chicago, principalmente no período de 1915 a 1940. Embora iniciada em 1902, com base na obra de Simmel que comparava a cidade a um organismo vivo, foi nesse intervalo que se produziram as principais contribuições: a de Park, que considerava a cidade como obra da natureza humana e como habitat natural da sociedade civilizada; a de Wirth, que via o urbanismo como um modo de vida baseado numa ordem ecológica; e a de Wolman, que discutia as necessidades metabólicas das cidades. Da Economia vieram teorias que tratavam a natureza como um recurso a ser explorado, como um fator ou meio de produção para gerar crescimento independentemente do tipo de uso que se fizesse dos recursos naturais, na certeza de que a tecnologia seria a grande saída. A natureza não apresentava custos. Existia para ser dominada e valorizada. Isso levou alguns críticos a se referirem à economia de rapina ou economia destrutiva. Imperava um modelo de desenvolvimento baseado na exploração ilimitada dos recursos naturais que, ao mesmo tempo, privilegiava a questionável idéia de que “uma diminuição da percentagem de população do setor primário deve ser considerada como um sinal de desenvolvimento econômico viável e permanente” (Alier & Schlupmann, 1991:307). Em contrapartida, no início da década de 1970 alguns estudiosos propunham manter taxas elevadas de crescimento para financiar políticas ambientais, enquanto outros propunham a redução do crescimento, e até mesmo o crescimento zero. Também veio da Economia a conhecida visão castastrofista da escassez de Malthus, que previa um desequilíbrio entre o crescimento da população e a produção de alimentos, e foi resgatada nos últimos anos pela corrente do neomalthusianismo. Do Urbanismo veio o movimento modernista do século XX, que buscava estabelecer uma nova relação entre arquitetura e o meio ambiente, e entre a cidade e a natureza, mas não logrou êxito, pois prevaleceu a estética da arquitetura moderna que, em geral, conduziu a uma dissociação entre edificação e natureza. Arquitetos e urbanistas dessa corrente dedicaram pouco tempo às questões ambientais e à paisagem natural (Marques da Silva, 1999). Todos os aportes teóricos citados, independentemente da disciplina a que estejam ligados, têm como pano de fundo a discussão das formas de apropriação da natureza pelo homem, em torno da qual foram sendo construídos mitos como: os limites da natureza; o equilíbrio ecossistêmico; a capacidade de o homem modelar a natureza; a tecnologia como regeneradora da degradação da natureza e solução da escassez; e a racionalidade do modernismo. Aqui, sugere-se que tais mitos precisam ser desconstruídos, porque são os responsáveis por gerar a oposição entre meio ambiente e urbano e, assim, “engessar” o espaço urbano à idéia de uma insustentabilidade permanente. Essa idéia se baseia na premissa de que o homem urbano, ao desrespeitar os limites da natureza, sempre cria um espaço urbano desequilibrado, pois as soluções tecnológicas e modernistas não dão conta de reverter esse quadro ou o fazem de maneira paliativa. A desconstrução inicia-se tomando emprestadas as idéias de Marx Weber, pois o debate sobre os assuntos ambientais na teoria social está embutido nos processos de racio14 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 Portanto. dá lugar a uma ação antrópica. se é uma questão na qual prevalecem os “nexos utilitários”. se supera e reinventa formas de (con)vivência. cabe o mundo das representações. torna-se o símbolo da irracionalidade e. Para entendê-la. R. Há uma hostilidade do movimento ambientalista para com a existência das cidades. que ajuda no entendimento do conflito entre racionalidade instrumental e racionalidade de valor expressa nas imagens divergentes da relação social versus natural (Teixeira & Bessa. Acredita-se que somente assim será possível perceber um espaço urbano que. propõe-se que a desconstrução aqui sugerida6 passe pela própria desconstrução da racionalidade instrumental embutida no arcabouço teórico-conceitual de cada uma das disciplinas que tratam a relação homem-natureza como uma apropriação utilitária. lançando as bases para uma nova ecologia humana (Alva. em que a cidade está fadada a ser tanto o teatro dos conflitos crescentes. realizar a referida desconstrução. como o lugar geográfico e político da possibilidade de soluções. mundo físico. quando substituído por espaços urbanos. a racionalidade destacada por Santos (1994). Embora essa argumentação seja utilizada para mostrar a oposição entre meio ambiente e espaço urbano. emergentes a partir da revolução tecnológica. no âmbito deste artigo. a dimensão espacial urbana é subestimada e até mesmo negada como não-ambiental. 1997). mas tão somente apontar a sua necessidade e identificar alguns autores cujas idéias permitem agregar argumentos nessa direção. 1998). ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 15 6 Não se pretende. o mundo das formas. 1991). Nesse sentido. se admitem nexos de significações. Continua quando se indaga se a noção de meio ambiente abrange apenas aquilo que Kant denominou de “mundo das coisas”. o que confirma a necessidade. o espaço urbano. passe também pela desconstrução do planejamento como o maior símbolo desse tipo de racionalidade e. ao contrário.M A R Í L I A S T E I N B E R G E R nalização ocidental analisados por ele há cerca de 80 anos. no campo dos estudos ambientais. desobediente e resistente às prescrições do planejamento. mais especificamente. é preciso computar o intercâmbio ecologicamente desigual (Alier & Schlupmann. 1999). é preciso retornar à origem das preocupações urbana e ambiental. para alguns. ou seja. ou. razão pela qual ora é emblemático da irracionalidade máxima de apropriação da natureza pela sociedade. Racionalidade que faz os urbanistas reconhecerem que o meio ambiente natural. Por fim. do planejamento urbano. A urbana surgiu com a generalização do capitalismo ocidental urbano-industrial e a consolidação de um projeto de modernidade. Racionalidade que envolve a urgência de quebrar o preconceito dos ecologistas sobre a insustentabilidade dos centros urbanos e a sua crença de que só existem soluções sustentáveis para pequena escala (Costa Filho & Sattler. . Ou ainda. ele mostrou a existência de uma relação paradoxal entre racionalidade e irracionalidade. A ambiental surgiu das reações às características negativas da organização territorial associada a esse projeto. Racionalidade que leva à necessidade de os economistas compreenderem que as externalidades não são apenas econômicas mas também ambientais. antes levantada. Sahlins (1979) considera que “toda ação humana é mediada por um projeto cultural que ordena a experiência prática para além da simples logística utilitária” (apud Silva. 1997). O que diferencia essa (ir)racionalidade? Costa (1999) ressalta que. no seu interior. dotado de uma racionalidade própria. além do intercâmbio economicamente desigual. para outros. que cria novas relações e subverte a ordem biológica reguladora da sociedade/natureza. Embora não tenha examinado esse assunto. 1999:2). ora de uma outra racionalidade. B. na verdade. de se perceber uma outra racionalidade. Racionalidade que conduz os geógrafos a buscarem a natureza escondida no urbano ou cada vez mais oculta no processo de produção e reprodução do espaço urbano (Rodrigues. ela aponta que ambas as posturas estão prisioneiras de uma mesma racionalidade instrumental. ou se. de uma racionalidade específica. embora isso não fosse uma preocupação consciente dos antigos gestores. conseqüentemente. defende-se aqui que existe uma sensível diferença de abordagem entre analisar um problema urbano de per si e inseri-lo em uma problemática ambiental urbana. porque envolve muitas disciplinas e. 1999:10). uma diferença não só de abordagem mas de contexto. tem um caráter transdisciplinar. iniqüidades sociais. podem gerar uma nova agenda de questões: qualidade de vida.A ( R E ) C O N S T R U Ç Ã O D E M I T O S Além disso. 16 R. para elaborar discursos verdadeiramente inovadores que abandonem a racionalidade instrumental e. 1999). Além disso. o entendimento de uma outra racionalidade no(do) espaço urbano inclui admitir que o tema ambiental evidencia a crise da ciência moderna. A visão de Hogan (1995). respectivamente. Esse tipo de visão coloca em dúvida se o meio ambiente urbano é uma nova área de investigação. uma vez que sugere estar havendo apenas a adoção de um novo “rótulo” para tratar os mesmos problemas. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . tensão entre o local e o global (Ultramarini & Pereira. vistos sob a óptica do meio ambiente. mas precisa necessariamente desconstruir os mitos criados no seio de cada uma delas. Acrescente-se o fato de alguns autores considerarem que os problemas urbanos. A transformação destes problemas de gestão urbana em sinais de saturação ecossistêmica é um marco do ambientalismo contemporâneo. Porém sua identificação como problema e a intervenção do poder público se deram há muito tempo” (apud Ribeiro et al. De fato. é preciso observar que eles sempre impactaram o meio ambiente urbano.. esses problemas já estavam nas agendas dos planejadores urbanos e autoridades municipais. da ocupação em áreas degradadas e em encostas deslizantes – poderiam ser enquadrados como exemplos dessa afirmação. é fundamental verificar em que bases vem ocorrendo o processo de elaboração de discursos específicos para a área de meio ambiente urbano. Trata-se de um processo tortuoso e repleto de questionamentos que começam pelo modismo. traz a possibilidade de um novo olhar que não é nem ambiental nem urbano isoladamente. Um segundo tipo de questionamento é trazido por Topalov (1986): a emergência de um novo paradigma. que a expressão meio ambiente urbano. B. Com base nesses recortes do pensamento. Segundo ele. Para tanto. longe de conter uma contradição. Essa complexidade fica mais clara ainda quando se trata do meio ambiente urbano. em que o meio ambiente passa a ser o tema central em torno do qual todos os discursos e projetos sociais devem ser reformulados para serem legítimos. muitos trabalhos. é emblemática do modismo: “antes da questão ambiental aparecer com a força e a centralidade que tem hoje. passam pela transformação da questão social urbana em questão ecológica e vão até a perda de identidade da questão urbana. Esse olhar leva a considerar o meio ambiente urbano como uma área de investigação que trabalha com várias disciplinas. argumenta-se. portanto. portanto. sobre os problemas urbanos de outrora serem vistos como os problemas ambientais de agora. aqui. mas carrega contradições inerentes ao espaço urbano que definem sua (in)sustentabilidade de acordo com a racionalidade adotada. Entretanto. se considerados em sua temática central – a exemplo dos de Pecchio (1993) e Câmara (1997). cidades globais. 1999). ocorrendo uma substituição de paradigmas – o ecocêntrico tomando lugar do sociocêntrico. a questão social urbana transformou-se em questão ecológica ou ambiental. Há. mesmo admitindo que problemas urbanos como os acima referidos não são novos. onde a multiplicidade de áreas do conhecimento empenhadas na apreensão do universo urbano favorece uma visão mais holística da interação do espaço social construído e do seu suporte natural (Mota Silva & Shimbo. a insustentabilidade presente na maioria das vertentes teórico-conceituais apontadas. que tratam. Portanto. discutir o ambiente urbano supõe considerá-lo como espaço e suporte natural transformados pelas práticas dos agentes. pois questões como raça. Ultramarini & Pereira (1999) mostram que a cidade pode ser entendida como um ambiente construído ou como um conjunto de espaços construídos que assentam sobre um suporte natural preexistente. pois o meio ambiente urbano é uma outra “coisa” que precisa ser vista com um novo olhar. ao fazê-lo. B. Por fim. água e poluição). seja no sentido da cidadania. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 17 7 Cujas teorias mais embemáticas foram as de Castells. ao apontar outras análises que se direcionam para uma redefinição do objeto dos estudos urbanos. 8 Em apoio a essa argumentação. como tema de interesse da “critical social theory” contemporânea. uma reestruturação ontológica que encoraje a desordem da diferença e novas (práticas) políticas culturais que vão além das definições binárias em termos de gênero. definir e tratar conjuntamente os dilemas sociais e ambientais constitui uma necessidade” (idem:5).M A R Í L I A S T E I N B E R G E R Embora nesse enfoque não haja um questionamento do meio ambiente urbano como área de investigação. Nessa concepção. falar da problemática socioambiental urbana soaria apenas como uma “roupagem da moda para nossas velhas questões sociais (e urbanas). Para ela. as quais definem aqueles usos e funções. encarrega-se de destruir o próprio questionamento.8 Se isso fosse verdade. essa é vista segundo uma abordagem que admite como possível a substituição de ambiental por social. é possível observar que não se pode olhar o meio ambiente urbano com os olhos de ontem. R. raça ou classe. ao generalizar-se. Antes. Harvey e Lojkine. Por essa razão. vê-se exclusão quando deveria haver integração. a expressão meio ambiente urbano sintetiza as dimensões físicas (naturais e construídas) do espaço urbano. A mesma autora. Costa (1999) traz à tona o questionamento relacionado à perda de importância da questão urbana. podem gerar uma definição de meio ambiente urbano. a dimensão ambiental da análise urbana ficaria restrita a redutos mais técnicos (legais ou sanitários. como mostra a própria autora. . como lixo. Lipietz. que considera a busca da identidade como o princípio organizador da sociedade atual e. Supõese que nos anos 70 havia uma densa área de estudos sobre o urbano7 e que nos anos 80 continuou como palco e gerador dos movimentos sociais. nem o espaço urbano nem o meio ambiente isoladamente são substratos do meio ambiente urbano. mas hoje essa nitidez não é mais possível. deixou de ser um objeto de investigação em si mesmo. pois aparentemente se reconhece a (con)fusão entre questões urbanas e ambientais. Além disso. progressivamente transformado segundo determinadas lógicas que apresentam uma distribuição dinâmica de usos e funções. dimensões de ambiência e possibilidades de convivência e de conflito. Cita visões mais progressistas do planejamento. Tais abordagens vêm-se dirigindo para uma desconstrução de mitos sobre a insustentabilidade do espaço urbano e. a autora cita Castells (1996). Nesse sentido. associadas às práticas da vida urbana e a melhores condições de vida. Do que foi dito anteriormente. segundo eles. No entanto. que propõe uma teoria pós-moderna do planejamento. porém. é preciso conhecer com base em que conceitos e em torno de quais questões e propostas essa definição se baseia. em decorrência disso. quando não se tinha consciência da sua existência. os estudos culturais mais precisos do que os urbanos para agrupar identidades. Topalov. pois. como a de Soja (1997). seja da qualidade de vida urbana. tampouco separar o urbano do ambiental. Os questionamentos apresentados mostram que há resistências em reconhecer o meio ambiente urbano como área de investigação. embora indiquem abordagens que podem conduzir a esse novo olhar. gênero e diversidade cultural assumiram a dianteira. Lembrando Smith (1984). ressalta a importância atual dos processos sociais urbanos (culturais e ambientais) que traduzem diferentes formas de sociabilidade e novos usos para os espaços. embora o mundo seja cada vez mais urbano. ou às práticas políticas e análises de movimentos sociais em torno de conflitos ambientais nas áreas urbanas. senão como uma construção. Desse suporte individualiza-se o habitat. Entretanto. aspectos físicos. “o ambiente é um sistema global formado por dois subsistemas: o meio geográfico e o habitat. onde três dimensões se apresentam: a social (renda. Tal entendimento é fundamental para se chegar à idéia de sustentabilidade urbana. Por outro lado. Assim. constituem o marco. bem comum é um bem de uso coletivo mesmo que apropriado privadamente?” (Rodrigues. B. Embora apropriado em parcelas. longe de esgotarem o significado dessas noções/conceitos. De fato. sob a forma de mercadorias. Para a Comunidade Européia. parece que ambiente e meio ambiente são equivalentes. bem como das diferentes estratégias que elaboram com vista ao embate pela apropriação. convertendo-se em suporte humanizado. é o “conjunto dos elementos naturais que. por exemplo: “Considera-se o meio ambiente. trazem. 1993:556-7). desenvolvimento sustentável/sustentabilidade e território/urbanização. como um bem comum. Por fim. Vargas (1999) seleciona autores que se referem especificamente a ambiente. 1998:57). No meio geográfico inclui-se o meio físico. razão pela qual não pode ser aceita como uma concepção dada. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . cuja superação exige entender que o meio ambiente não é uma realidade empírica. diz: “a questão ambiental deixa de ser vista como produto de uma relação entre o Homem … e a Natureza … para situar-se no campo das relações que diferentes grupos entretecem no espaço social. nível de poluição) e a perceptiva (bem-estar e condições de vida)” (apud Vargas:7-8). CONCEITOS E NOÇÕES BÁSICAS Em princípio. mas sim uma construção social”. Ao longo das últimas décadas. referindo-se à noção de meio ambiente. na complexidade de suas relações. é importante mostrar o entendimento que alguns planejadores/pesquisadores têm sobre três pares de conceitos e noções: ambiente/meio ambiente. segurança). desde 1993 Vainer perguntava: Qual é o meio ambiente que queremos planejar? De que meio ambiente estamos falando? Para ele. o meio e as condições de vida do homem”. saúde. educação. o tecido construído. “teve significado inicial como uma representação simbólica de ambiente construído. segundo Cuter (1985). esses conceitos/noções ganharam várias acepções e sua presença é uma constante em discursos governamentais. “o conceito de meio ambiente ancora-se num subjetivismo. que seria o conjunto de assentamentos rurais e urbanos. recebe a marca da criatividade e das inovações culturais. composto dos elementos naturais existentes na Terra e que fornecem recursos para o exercício das atividades humanas. ao contrário. O meio físico oferece dificuldades e riscos.A ( R E ) C O N S T R U Ç Ã O D E M I T O S AGENDA DE QUESTÕES E PROPOSTAS SOBRE A (IN)SUSTENTABILIDADE DO ESPAÇO URBANO Para identificar se as questões e propostas que compõem a agenda da área de investigação do meio ambiente urbano dão respaldo ao novo olhar acima sugerido. o histórico da palavra ambiente que. a ambiental (clima. não-governamentais e acadêmicos. Os entendimentos acima. Para Regales (1997). a natureza. controle e uso de território e recursos territorializados” (Vainer. 18 R. Silva (1999) considera que ela vem sendo entendida segundo um determinado recorte histórico-social. uma vez que têm sido usados indistintamente. cada vez mais indagações que vão surgindo de novos enfoques. ou meio físico”. onde o homem tem exercido historicamente as funções de relação e interação com o meio geográfico e a natureza. Nessa linha de reflexão. o ambiente. M A R Í L I A S T E I N B E R G E R O reconhecimento de que a cada novo enfoque se acrescentam mais reflexões pode ser lido como uma falta de identidade sobre o entendimento de ambiente e meio ambiente. Carvalho (1991) identifica “duas matrizes discursivas que interpretam o acontecimento ecológico: a das instituições governamentais e intergovernamentais. de melhoria da qualidade de vida. B. como diriam Lacorte & Barbosa (1995).9 Tais noções se apóiam em quatro dimensões básicas identificadas no conceito de sustentabilidade: a ética. que busca o pluralismo político e menos desigualdade. nesses aparentes desencontros defende-se a possibilidade de uma leitura de encontros. como um elo capaz de amarrar essas idéias. que propõem estratégias ecológicas compatíveis com o desenvolvimento industrial capitalista. que propõe a mudança de hábitos de consumo e de comportamento (MMA/PNUD. a marca não de uma incapacidade de chegar a uma definição única e consagrada. posto que não existe. Para tanto. Tal capacidade de a tudo referir-se. ante o modelo capitalista prevalecente. enunciada como uma qualidade. 1998:87-8). mas de uma certeza de que ela não deve ser encontrada. A ausência de predeterminação do que seja ambiente e meio ambiente é. Ou. Costa considera que “houve um avanço significativo ao se afirmar que não há desenvolvimento que não seja sustentável … Nesse sentido. No relatório “Nosso Futuro Comum” (1997). explícito ou implícito. que considera a vida da própria espécie humana e dos demais seres. 1999:7). sociedade e meio ambiente. A sustentabilidade progressiva é vista como um processo a ser construído paulatinamente e capaz de romper o círculo vicioso da produção excludente e implantar um círculo virtuoso. entendeu-se que a sustentabilidade deve ser abordada como um horizonte norteador de condutas. o documento “Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira” advoga que a noção de sustentabilidade. para quem todo esse debate é sobre a preservação de uma ordem específica e não acerca da natureza em si. Quanto ao desenvolvimento sustentável/sustentabilidade ambiental. e a prática. 1999). De fato. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 19 9 A sustentabilidade ampliada realiza o encontro político entre a agenda ambiental e a agenda social ao enunciar a indissociabilidade entre fatores sociais e ambientais e a necessidade de enfrentar a degradação do meio ambiente junto com o problema da pobreza. Viola (1996) enumera três posições sobre os locus privilegiados de um novo desenvolvimento social e ambientalmente sustentável: a estatista. ela cita Harvey. de compromisso com o futuro” (Costa. historicamente datada. que estabelece a necessidade do planejamento a longo prazo. mas apenas a polêmica instalada entre aqueles que acreditam na (im)possibilidade de uma relação mais equilibrada entre economia. vale destacar não somente algumas acepções em meio a muitas. A despeito disso. deve ser encarada como um processo permanente e não um fim tangível a ser alcançado e preservado a todo custo. a comunitária R. a temporal. O conceito de desenvolvimento sustentável vem-se transformando num enorme guarda-chuva capaz de abrigar uma variada gama de propostas inovadoras que caminham na direção de maior justiça social. vai firmar-se como o novo paradigma do desenvolvimento humano. porque o foco sócio-histórico aparece. Entretanto. imprimindo a todos os processos uma qualidade que os torna diferentes do que eram antes. Seguindo esse preceito. parte de duas noções-chave: sustentabilidade ampliada e sustentabilidade progressiva. . portanto. Nessa mesma linha. faz que a sustentabilidade possa ser afirmada como um paradigma. isto é. outros autores admitem que “a chamada ao desenvolvimento sustentável representa apenas o debate sobre o modelo de desenvolvimento que se pretende e que se quer de fato alcançar”. a social. contrapõe a impossibilidade de uma teoria geral (abstrata) do meio ambiente à possibilidade de demarcar seu campo específico a partir de uma construção social. que propõem modos não-predatórios de produção e uma outra ética de relações entre os homens” (apud Rodrigues. e a dos movimentos ecológicos. de ambientes mais dignos e saudáveis. a noção de sustentabilidade ambiental corresponde a uma dimensão a ser incorporada à própria noção de desenvolvimento e não um conceito diferente do anterior. por fim. Por fim. autores que acreditam no desenvolvimento sustentável/sustentabilidade como um paradigma inovador. assim. Discorrendo sobre os caminhos desse debate. Essa conduta retiraria o componente ideológico da questão ambiental” (apud Mota Silva & Shimbo. e traz à tona a relação do espaço urbano com a questão ambiental. Aqui. altamente questionador da sociedade industrial. outros que o consideram apenas um ponto-chave no debate atual e. e somos simultaneamente cidadãos de várias comunidades territoriais … a territorialidade é uma das mais importantes fontes das 20 R. pois. ele chega a uma indagação: “haveria brechas para um desenvolvimento apoiado na diversidade das formas sociais e dos recursos territorializados – um novo princípio ordenador do espaço?” Para ele. a segunda incorpora a dimensão ambiental ao estudo dos processos sociais do espaço e. os que possuem uma visão mais crítica e alertam para aspectos não contemplados ou para uma utilização distorcida do mesmo. território. e a de mercado. omitindo o contexto histórico e criando um homem abstrato. Cabe constatar a dimensão política que perpassa todos eles e questionar a que meio ambiente. Para ela. adotando uma postura crítica. gerando na prática sistemas de manejo específicos em cada setor. a eficiência (apud Teixeira & Bessa. estão se referindo. é preciso caracterizar o contexto sociopolítico em que emerge o seu discurso. 1997:1919-20). necessariamente. atribui múltiplas significações sociais aos territórios. 1999). para que a noção de sustentabilidade faça parte dos projetos de atores sociais territorializados. econômicas e culturais. Enquanto na primeira a queda da qualidade ambiental se associa aos desequilíbrios regionais como um outro tipo de externalidade negativa do crescimento econômico. Argumenta que se trata de “uma disputa entre diferentes projetos sociais territorializados … de evidenciar as perspectivas dos sujeitos sociais que procuram dar às distintas configurações sócio-espaciais sentidos diversos daqueles impostos pelo regime de acumulação dominante – movimentos contra-hegemônicos – concepção de sustentabilidade abriga pactos políticos” (Acselrad. 1999:9). Há. e a última. B. o primeiro é o conceito-síntese de uma sociedade cujo modelo mostra seu esgotamento ( MMA/PNUD. pecuário. 1997:1883). essa relação se tem dado por duas vias: mudanças incrementais em problemáticas convencionais ou crítica aos limites dessas. Corroborando essa postura. enquanto o último é fruto de um movimento histórico recente.10 Segundo Acselrad (1997). um conceito que abarca todas as facetas do desenvolvimento. Para Friedmann. falta visão de classes e visão espacial na proposta de uma sociedade sustentável. em termos espaciais. Esse questionamento introduz outro par de conceitos: território/urbanização. porém não para que esse setor seja sustentável e sim para que contribua a que o todo seja” (Reboratti. “espaço. florestal ou urbano. portanto. há quem admita a existência de uma oposição entre os conceitos de desenvolvimento e sustentabilidade. Assim: “Em muitos trabalhos se fala de desenvolvimento sustentável agrícola. “o território coincide com o espaço de vida … a territorialidade existe a todas as escalas. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . Isso significa que … se pode aplicar uma política de desenvolvimento sustentável agrária e não às cidades? … O desenvolvimento sustentável deve ser. há autores que apontam para a fragmentação do conceito de desenvolvimento sustentável. pois não reflete alterações no modelo dominante. 1998:8). Ainda na linha crítica. meio ambiente são objetos das lutas sociais aos quais os atores sociais atribuem distintos sentidos”. cuja aplicação prática só pode ser exeqüível se concretizada no espaço. como se cada um destes setores da economia e da sociedade pudesse manejar-se individualmente. as duas primeiras priorizariam a eqüidade. Ao contrário. desprovido de identidades sociais.A ( R E ) C O N S T R U Ç Ã O D E M I T O S 10 Para Acselrad (1997). não cabe discutir esses posicionamentos. Layrargues (1997) argumenta que “o desenvolvimento sustentável adota uma concepção que generaliza os fatos. da maior à menor. Rodrigues (1998) considera que o conceito de desenvolvimento sustentável parece jogar uma cortina de fumaça sobre as contradições. Tal processo implica formas de inserção econômica não diretamente ligadas ao trabalho da terra ou à exploração de recursos naturais. estilos de vida. atividades industriais e terciárias são tidas como essencialmente urbanas. trabalhar e locomover-se. Isso equivaleria a dizer que. (busca de) formas de morar. essas características não significam que ela pode ser vista isoladamente nem prescindir de um planejamento.. mas é certamente diferenciado daquele associado à vida rural. povoados etc. Os três pares de conceitos acima apresentados são como raízes para se entender o que é sustentabilidade urbana.M A R Í L I A S T E I N B E R G E R ligações humanas: cria uma comunidade... cultural. na sua vertente antropológico-sociológica. . como capital humana. vilas.. ou possui uma identidade própria. Vargas (1995). e físico (apud Ribeiro et al. buscando privilegiar seus impactos antrópicos sobre o meio ambiente. que se propõem a repensar o conceito de urbanização. 1996:143-4). analisando o Plano Diretor de Cubatão. o mesmo autor ressalta que uma das mais evidentes questões para o desenvolvimento sustentável é que ele requer a presença e a negociação das várias formas de capital: financeiro. todas as afirmações. principalmente porque é intrinsecamente espacial e encerra as contradições sociais que se exacerbam no espaço urbano. o conceito de urbanização refere-se a um processo de assentamento humano. Entretanto. estariam sendo transpostas para cá. tecnológico. um sem-número de atividades associadas ao não-trabalho. Outros autores também se referem. a exemplo dos trabalhadores rurais moradores de periferias urbanas. explicitamente. atitudes individuais e coletivas. natural. espacialmente concentrado em unidades de complexidade variável: cidades. ainda. bens e serviços. e sim induzir a um momento de reflexão e reformulação que passa a integrar e redefinir o lugar que devem ocupar as questões ambientais dentro do quadro da gestão urbana. Meyer (1997) acredita que. 1999). Ou a indagar. B. Referindo-se ao Zoneamento Econômico-Ecológico (ZEE). Essa premissa deixa implícita a necessidade de se refletir sobre o tipo de planejamento a ser adotado. a territorialidade alimenta uma ética de cuidados e preocupações pelos concidadãos e pelo ambiente que partilhamos com eles” (Friedmann. dado que ele contraria inúmeras situações contemporâneas. ainda. A simultaneidade dos cidadãos em várias comunidades territoriais que Friedmann ressalta é a base da reflexão de Monte-Mór & Costa (1997). no qual se confundem variáveis como: valores. 1999). ele ainda é a principal ferramenta para se atingirem os ideais de sustentabilidade urbana. associa urbanização a um determinado modo de vida. uma nova definição de urbanização deve incluir diferentes níveis de urbanidade e ruralidade. Por oposição. as lacunas e os questionamentos apontados. a indagar se a sustentabilidade urbana é tão simplesmente um conceito/noção derivado dos anteriores. em princípio. admitindo que o desenvolvimento urbano possa ocorrer em bases sustentáveis (MMA/PNUD. Ao contrário. a sustentabilidade urbana decorre da não-submissão das políticas aos interesses do capital privado. 1999). ambas associadas ao ciclo da natureza. à transcendência dos limites da cidade. Assim. cada vez mais se trabalha a idéia de planejar a sustentabilidade urbana além dos limites da cidade. ligando o presente ao passado como fundo de memórias comuns (História) e ao futuro como um destino comum. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 21 11 Para Monte-Mór & Costa (1997). comportamentos. ecológica e tecnológica. megalópoles. capacidade ou risco de exposição a mudanças que se processam velozmente. Nesse sentido. se o adjetivo urbana imprime uma leitura à sustentabilidade específica e isolada de outras “sustentabilidades”. a despeito da crise do planejamento.11 Para eles. acesso à informação. as ambigüidades e as críticas. Esse modo de vida não é necessariamente único no tempo e no espaço. O mesmo tipo de argumento. É a característica paradigmática da sustentabilidade que dá suporte à possibilidade de uma sustentabilidade urbana. em grande parte. Decorre. e KohlsR. mostrando que seu planejamento não levou em conta os vários agentes envolvidos nem o entorno e a região metropolitana em geral (Moura et al. destaca que suas propostas se dirigiram a dois níveis de intervenção: o regional e o local. Steinberger (1997) aponta para a importância de se perceber o território urbano-regional e não o urbano e regional separados. Afirma que essa crise não pode confundir-se com a idéia de fracasso e fim da cultura do planejamento urbano. Parece que a sustentabilidade urbana cobre. Levaria. Essa possibilidade carrega ideais de intervenção urbana via planejamento. antes ressaltadas. da contextualização dessas políticas a um espaço geográfico que transcende os limites da cidade. portanto. Esse é o pensamento daqueles que vêm desmitificando o sucesso do modelo de Curitiba. Outro grupo de autores. o planejamento do uso do solo. Para Tudela (1997). em suas várias acepções. embora. incluindo os atores e a democratização da gestão). e nas abordagens de território/urbanização. aborda a qualidade de vida. pedaços de natureza – áreas verdes. o objetivo deste artigo não é realizar um balanço do conhecimento produzido nos Encontros da Anpur dos anos 90. nos quais são discutidas propostas para dirimir os conflitos entre os atores. de fato. distritos em fase de emancipação e transferência para outros municípios. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 12 Conforme foi dito na Introdução. Para Breheny (1992). sociais e físicos da formulação de políticas públicas de gestão da cidade. e elementos físico-naturais – hidrologia. Embora o ponto de partida seja. tecnológicos – poluição industrial. Ganham mais nitidez nos posicionamentos críticos sobre desenvolvimento sustentável/sustentabilidade. a exemplo de cidades de porte médio. via de regra também se chega à gestão da cidade. . que boa parte dos autores centra suas análises em estudos de caso voltados para a aplicação de instrumentos de gestão. quando incorporam a dimensão política e as preocupações espaciais. em quase todos os trabalhos. econômicos. QUESTÕES CENTRAIS E PROPOSTAS DELAS DECORRENTES Na leitura do conjunto dos trabalhos apresentados nos Encontros da Anpur dos anos 90. núcleos estagnados. Monte-Mór & Costa (1997) identificam a coexistência de várias formas de urbanização na Região do Vale do Piracicaba mineiro. de saúde. de drenagem e de dejetos urbanos. ainda. e • a gestão da cidade (políticas de abastecimento de água. Tais focos começam a aparecer na discussão de ambiente/meio ambiente. alguns autores. industrial. Percebe-se. “o debate recente sobre a cidade ecologicamente sustentável tem o mérito de reunir questões urbanas e regionais até então compartimentadas” (apud Costa. áreas urbanas conurbadas e uma área metropolitana em consolidação. constata-se um número significativo de textos sobre impactos urbanos e regionais de grandes projetos dos setores elétrico. também significativo. e os aspectos políticos. como Metzger (1994). há autores que ressaltam essa transcendência no âmbito teórico. sugerem agrupar a produção científica em uma tipologia: • a natureza dentro da cidade (natureza biológica. os transportes e o crescimento urbano. baseada em uma outra racionalidade não-instrumental: os focos sócio-histórico e político-espacial. oferecendo contribuições sobre como se pode atingir a sustentabilidade urbana. observa-se que a maioria dos trabalhos produzidos no âmbito da Anpur mesclou esses grupos. Essa seleção de noções/conceitos básicos permite identificar um rumo bastante fértil de convergência sobre sustentabilidade urbana. Há. exista um embasamento teórico-conceitual.A ( R E ) C O N S T R U Ç Ã O D E M I T O S dorf & Romero (1997) ressaltam que a abordagem ambiental do ZEE em regiões urbanizadas deveria contemplar a integração de vários tipos de unidades ambientais: urbanas. 1999:5). morfo-climáticos e naturais. São poucos aqueles que se ativeram a uma abordagem eminentemente teórica. • os riscos de morar na cidade (biológicos – proliferação de bactérias. B. 22 R. energia e informação que a entidade urbana estabelece com territórios por vezes bastante distantes” (apud Ultramarini & Pereira. periurbanas e rurais. razão pela qual não serão elaboradas tabelas sobre a tipologia dos 39 trabalhos analisados. e de violência e segurança). 1999:10). a cidade consiste em um “complexo intercâmbio de matéria. A despeito de a contribuição de Metzger ser fundamental para mostrar a abrangência da área de meio ambiente urbano. povoados rurais. portanto. físico-químicos – poluição do ar e da água.12 Dada a amplitude das questões envolvidas na área de meio ambiente urbano. as questões da natureza e risco. Além disso. pedologia e climatologia urbana). de saneamento e habitação. a maioria das propostas se dirigem à identificação de parâmetros e à definição de indicadores e modelos. como acesso à educação. consideram que existem alguns parâmetros pacificamente aceitos. Ultramarini & Pereira (1999) consideram que a definição de um padrão de qualidade ambiental sempre esbarra na dificuldade de se estabelecer uma neutralidade. A despeito disso e reconhecendo essas dificuldades. cidade ecologicamente sustentável (Amaro. Partindo dessa constatação. com a agonia do Estado do Bem-Estar e a força da privatização. Clark & Wilson (1994). 1996). atividades. referenciais. 15 Tais como Lynch (1960). Ben-Chieh Liu (1978). em que o acesso e o padrão de qualidade dos serviços deve ser igual para todos.1999) e política de “city marketing” (Vargas. os instrumentos de gestão ambiental e o conflito de interesses entre os atores. propõem que a discussão sobre qualidade de vida não deve ser feita à revelia das percepções e experiências da população envolvida. cientes dessa imposição.M A R Í L I A S T E I N B E R G E R um modelo misto de apresentação de trabalhos. rotulada como qualidade de vida. propõem que critérios simbólicos. produtividade. 1999). expressivos e culturais passem a ser contemplados por meio de análises bioclimáticas e de percepção ambiental. apud Friedmann. base do Estado do Bem-Estar Social. B. desenho urbano. em tese só haveria clientes. realização profissional. acesso e opções). Por outro lado. 1999). está longe de ser solucionada via modelos e definições.13 A qualidade ambiental da vida urbana é. alguns pesquisadores. a tendência é de que. Na mesma direção. Eles estão conscientes de que a mensuração da qualidade de vida é uma atitude pretenciosa e eivada de subjetivismo. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 23 13 Além dessas três questões. tornada mais complexa nos anos recentes com a introdução da dimensão ambiental. Comune & Campino (1980). inicialmente. principalmente. Chiavenato (1988) e Belgiojoso (1992). passou a significar satisfação de necessidades e hoje é entendida como atendimento a certas especificações. políticos e econômicos da sociedade ou da instituição que os determinou. Esses esforços. Dalkey (1972). por mais amplos que sejam. 1999). porque servem de base para reconstruir e desconstruir mitos sobre o espaço urbano: a qualidade ambiental da vida urbana. entre os quais Jansen (1959). uso e ocupação do solo). 1997). cada vez mais. e econômico (oportunidades. apresenta uma dimensão ideológica que constitui o denominado “mito legitimante”. segurança). 14 Realizam uma revisão bibliográfica de autores que vêm tratando o assunto. . nos anos 50. Smith (1977). ao contrário do anterior. (1999) propõem uma metodologia para a construção de indicadores por meio de modelos. tomando por base a farta literatura já existente sobre o assunto. geralmente. 1999). Nesse mundo. o mundo dos serviços públicos. Kohlsdorf & Romero (1997). Portanto. como aptidão dos produtos em relação aos usos. William & Deak (1970). também lança mão de vários autores15 para chegar a uma listagem de quatro aspectos principais: espacial (bem-estar. contatos. nasceu no mundo da empresa privada. a exemplo de Filho et al.14 Vargas (1999). cidades compactas (Costa. Concebida. Nesse sentido. Nos dias de hoje. 1995. Maslow (1966). demonstrando que os planejadores/pesquisadores brasileiros têm sempre em mente a inquietude da busca de soluções. pois os indicadores estão impregnados de valores socioculturais. “good practices” (Ultramarini & Pereira. de acordo com Chevalier (1987). ecourbanismo (Marques da Silva. em busca de uma definição de qualidade ambiental urbana. realização pessoal. parecem demonstrar que a questão da qualidade de vida. a qualidade ambiental seja avaliada por critérios econômicos que medem o desempenho dos serviços. Schneider & Simons (1971). saneamento básico. Lemos (1995) e Krafta (1997). diversidade). qualidade de serviços ou qualidade ambiental. habitação e nível de renda. mas usuários que realizam uma demanda passiva (apud Brito. Moura. Por que não se render à evidência de que as R. segundo Bernal (1994). biológico (saúde física. entre as questões examinadas. não se pode deixar de fazer referência a outras pelo caráter de inovação e de destruição de certos mitos: planejamento por análise de desempenho (Silva et al. A preocupação dos pesquisadores com essa questão aparece não só na discussão do significado de qualidade mas. equipamentos de lazer. pela extensa lista de autores consultados e variáveis envolvidas. cidades conservadoras de energia (Meier. porque o conceito de felicidade e bem-estar físico e psíquico não se submete a quantificação. Entretanto. na sua mensuração. três despontam como centrais.1999).. Assim. social (organização. 1981. não há clientes que realizam uma demanda ativa. saúde mental. A idéia de qualidade em contraposição à de quantidade. 18 Em relação aos urbanísticos. Na opinião de Acselrad. 1999). o risco de expulsão com possibilidade de perda total dos bens duramente adquiridos e o risco à saúde resultante da ausência de saneamento tornaram-se problemas menores diante do risco de vida. 1995:274-5).21 Alguns autores avaliam que as metodologias dos estudos ambientais de usinas hidrelétricas funcionam como um instrumento de manipulação das questões sociais. entre outras propostas. 18 Mercados de direitos de utilização ou direitos ambientais negociáveis. propõem instrumentos de internalização dos custos ambientais. Por fim. bem como as formas pelas quais constroem seu mundo social e as representações acerca dele (Lacorte & Barbosa. constata-se que a generalidade no tratamento da questão ambiental é uma característica das legislações municipais. e uma transação econômica é um problema político resolvido”. embora de caráter preventivo. os educacionais e os informativos. Apoiados no paradigma econômico neoclássico da alocação eficiente dos recursos. mas concerne em identificar mecanismos institucionais específicos capazes de oferecer a determinados agentes econômicos. receitas gerais faliram e que cada território e cada lugar é um caso a ser definido pela população envolvida. Outro instrumento usado com fins econômicos. os trabalhos da Anpur sobre a terceira questão central – o conflito de interesses entre os atores – estão permeados por propostas de conscientizar22 e organizar os diversos segmentos da sociedade visando a uma participação mais coletiva. Como diz Lerner (1972). “o que se faz necessário é a explicitação política dos conflitos … como lembra Przeworski (1993). ver Ron Bisset & William Kennedy (apud Sá et al. com o auxílio dos planejadores? A esse respeito. os econômicos. Argumentam que a noção de impacto despreza as condições em que as populações se apropriam do território e dos recursos naturais. os instrumentos urbanísticos não têm dado conta de resolver os problemas de desqualificação ambiental que geram exclusão espacial e risco de vida. Rypkema diz que o caráter do ambiente construído está diretamente relacionado não só com a força das comunidades como também com a qualidade do lugar (apud Pereira Costa. ameaçada pelos deslizamentos de terra ou desabamento da própria moradia. seguindo as tendências atuais em termos de planejamento participativo e estratégico. A despeito disso. é o Estudo de Impacto Ambiental. incluindo o Estado. 1995:311). pois no processo de construção democrática o problema não se reduz ao confronto do mercado contra o Estado. o Índice de Qualidade de Vida Urbana de Belo Horizonte e os Estudos de Impacto de Vizinhança de São Paulo. a inserção do viés ambiental no planejamento urbano tem ocorrido por meio da aplicação de leis federais. “esta solução consistiria em transformar o conflito – um problema político – em uma transação econômica. Por outro lado. recentemente. Lassonde (1996) afirma que o surgimento da questão ética nos debates contemporâneos 24 R. 19 O Zoneamento Ambiental de Ribeirão Preto. segundo Acselrad. baseado em avaliações que lançam mão de métodos bastante conhecidos. a exclusão espacial é entendida como exclusão – das áreas ocupadas ilegalmente por populações pobres – dos processos formais de urbanização ou de planejamento. De Angelis (1999) organizou um quadro de instrumentos de gestão ambiental.1999). como a 6. Em geral. entre os quais incluiu os urbanísticos. e dos planos diretores municipais que.20 No que se refere aos instrumentos econômicos. Nessa linha. levantada nos trabalhos da Anpur. passaram a conter capítulos sobre o meio ambiente. está ligada aos instrumentos de gestão16 ambiental. embora haja algumas exceções19 (Ribeiro et al.. Estudou mais detidamente os urbanísticos17 e os econômicos. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 .A ( R E ) C O N S T R U Ç Ã O D E M I T O S 16 Embora a palavra gestão tenha vários significados. Em decorrência disso. partindo da noção de externalidade como um fenômeno extra-econômico. 21 Como o da matriz de interação causa/efeito (matriz de Leopold). o Sistema de Avaliação de Desempenho Urbano de Porto Alegre. um dos mais freqüentemente utilizados é o adotado pelo Plano Diretor da Cidade de Recife: “Processo que envolve o planejamento … a mediação … a regulação … e a intervenção com base na pluralidade de interesses negociados entre os agentes” (apud Vergara.:1995:). B. 22 Via educação ambiental. Sobre as críticas. incentivos e informação que os levem a se conduzir de uma maneira coletivamente racional” (Acselrad. A segunda questão central. é apresentada sob a forma de críticas relativas à distorção no uso dos instrumentos ou à insuficiência dos mesmos. o Relatório de Impacto Ambiental Urbano de Londrina. taxas e tarifas.766/79. mas severamente criticados. 17 Plano diretor. Sugerem que a degradação do meio ambiente resulta de brechas de mercado por onde a alocação dos recursos se afasta de uma situação ótima: “Internalizar é portanto … travestir um problema de poder em um problema de eficiência alocativa”. 20 Segundo Câmara (1997). auxílios financeiros. zoneamento de uso do solo e parcelamento do solo urbano. 1995). manuais acadêmicos e organismos multilaterais insistem na superioridade dos instrumentos de mercado para combater a degradação ambiental. M A R Í L I A S T E I N B E R G E R provém do fato de que estamos num ponto da história em que “os homens podem ser individualmente inocentes e coletivamente responsáveis. Para ele. revela a força da aliança do governo do Estado com os industriais contra os governos locais e os ambientalistas. Por fim. Nele. em 1972. 1997).. 1999). O gerenciamento dos recursos hídricos da represa Billings. contestar multas e exercer pressões políticas acobertadas pelo governo do estado (Torres et al. a emergência do movimento de conscientização ambiental começou na década de 1960. por meio da denominada “opção ecopolítica”. “o movimento ecológico se estrutura diante de dois fatos principais: a degradação social e a degradação ambiental”. mas o marco foi a Conferência de Estocolmo. capitais implantadas em sítios escolhidos por razões de Estado. Alguns casos foram objeto de análise por pesquisadores da Anpur. 1999:1). em São Paulo. através de enfoques interdisciplinares e de uma participação ativa e responsável de cada indivíduo e da coletividade” (Silva. 1997). 1993: 535). todos vítimas e culpados ao mesmo tempo” (apud Vargas. que gerou o lançamento do Programa Internacional de Educação Ambiental. dado o seu baixo nível de organização (Borges & Franco. mostra a pouca disposição deste último para uma mudança além da mudança conservadora (Teixeira & Bessa. Poley (1993) acrescenta que o primeiro estágio foi marcado pela presença de movimentos apolíticos de denúncia da degradação ambiental e de comunidades alternativas rurais. desde os anos 70 até finais dos 80. ainda não se estabeleceu um conflito em torno dos possíveis R. mas as questões sociais são radicalmente diferenciadas" (Poley. o comprometimento de propostas. 1997). 1999:4). Pecchio (1995) constata que amplas camadas da sociedade urbana não relacionam seus problemas cotidianos ao meio ambiente urbano. no caso da indústria siderúrgica de Minas Gerais. que denunciam os artifícios. no caso da implantação da usina de Serra Mesa. aponta o conflito entre soluções técnicas e políticas (Carvalho & Romero. considera que o processo de politização do meio ambiente. Nessa mesma linha. A relação entre empresários e pescadores artesanais organizados em torno do problema de despoluição da baía de Guanabara. em 1975. no pólo petroquímico de Camaçari. 1999). mostra a redução utilitária do meio ambiente (Silva. A utilização da estratégia de “atuação responsável”. . cuja imagem negativa pode acarretar perda de mercado. A desvalorização das práticas culturais territorializadas de grupos sociais locais organizados. é um exemplo da fraqueza das lutas dos trabalhadores e das comunidades urbanas. no caso da implantação da usina hidrelétrica de Tucuruí. em detrimento de estratégias despolitizadoras dos governos federal e estadual. aparece sob a forma de resistência das empresas em negociar termos de compromisso. para enfrentar o desgaste da imagem empresarial devido à poluição que coloca em risco a segurança industrial e a saúde da população. a educação ambiental foi definida como “uma dimensão dada ao conteúdo e à prática da educação orientada para a resolução dos problemas concretos do ambiente.23 Essa politização do meio ambiente tem trazido à tona uma série de conflitos de interesses. e a partir daí a valorização do papel político dos agentes sociais. 1993). ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 25 23 Nesse contexto. como a do “selo verde”. B. afirma que “as questões ambientais enfrentadas pelos ecologistas do primeiro e terceiro mundos são de natureza similar. passou por dois estágios: o meio ambiente como matéria de intervenção estatal institucionalizada. analisada segundo a responsabilidade social do empresariado e sob o postulado da ecologia com justiça. ao usar o expediente da negociação em separado com base em uma decisão técnica (Pacheco. pois ainda não perceberam seu papel como agentes de mudança da própria realidade. A semelhança dos problemas de saneamento entre o Rio de Janeiro e Brasília. os argumentos e as estratégias utilizados pelos vários atores envolvidos no jogo de poder. no Brasil. Em termos mundiais. e que somente com a Eco-92 ocorreu uma politização explícita do meio ambiente. Nesse sentido. explicitar os conflitos dos instrumentos de gestão. As abordagens apresentadas sobre cada uma das questões centrais vêm contribuindo para reconstruir os mitos estabelecidos sobre a insustentabilidade do espaço urbano do que para desconstruí-los. o locus para a discussão de conflitos ambientais. temporais e disciplinares diferentes. que inclui modelos de racionalidade 26 R. ele identifica três matrizes discursivas teóricas de sustentabilidade urbana que correspondem a representações distintas da cidade: a representação tecnomaterial da cidade sustentável. do estritamente atual ao que sucedeu no fundo da história”. quando se diz que a qualidade ambiental da vida urbana é ruim. Além disso. ela é a justificativa de praticamente todos os discursos que vão em busca da sustentabilidade. já que concentra emissão de gases. O mesmo pode ser dito quando. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . caminha-se no sentido de iniciar uma desconstrução de mitos. B. As cinco matrizes discursivas. 1997). ao invés de minimizá-los. líquidos e sólidos. dois anos depois. que os instrumentos de gestão são insuficientes ou precários para tornar o espaço urbano sustentável e se admite que os conflitos de interesses são insuperáveis. por excelência. do individual ao coletivo. que vão do local ao global. se bem que bastante diferenciadas nas propostas. apontadas por Acselrad (1997). UMA DEFINIÇÃO DE MEIO AMBIENTE URBANO A PARTIR DE DISCURSOS PRÓPRIOS E DE UM REPENSAR SOBRE O ESPAÇO URBANO A recente disseminação de questões e propostas construídas em torno da busca da sustentabilidade urbana vem gerando uma demanda de discursos próprios sobre o meio ambiente urbano como área de investigação. produção de resíduos de todo tipo. geração de altos níveis de contaminação sonora” (Reboratti. sugere-se aqui que o espaço urbano é. Paralelamente. Para ele “a cidade é … uma grande produtora de degradação ambiental. que se remetem à sustentabilidade do território (que incluem o urbano). 1998:3. uma vez que nele estão congregados e representados interesses territoriais distintos. Embora nem todos esses casos se refiram especificamente ao espaço urbano. porém fragmentada e deformada pela adoção de escalas territoriais.5). quando se propõe inserir a participação e o significado de qualidade ambiental para cada comunidade. hiperconsumo de água e escassa capacidade para regenerá-la. Entretanto. Assim. reconstruindo-os. mas de um ambiente altamente artificializado e degradado. Embora essa afirmação possa ser chocante porque visualiza o espaço urbano como insustentável. destruição da flora e da fauna. estão todas impregnadas de um temor efetivo ou potencial da degradação ambiental. Assim. a matriz do respeito à escala que advoga limites ao crescimento econômico. e também a da crença na auto-suficiência das comunidades tradicionais e a da observância de uma ética baseada na conduta humana com deveres e obrigações. e politizar o meio ambiente. está a matriz da busca da eficiência combatendo o desperdício. pois não se trata de um ambiente “natural”. a matriz do reconhecimento da desigualdade social e da pobreza a ser reduzida com eqüidade. analisando-o de muitas formas: “Todos reunidos ao redor de uma temática comum. porque há um clima otimista por parte da população que tem grandes expectativas sobre o aproveitamento econômico do lago para lazer e turismo (Guedes & Natal.A ( R E ) C O N S T R U Ç Ã O D E M I T O S efeitos perversos (redefinição e extinção de espaços). na maioria deles atores urbanos estão envolvidos. Reboratti (1998) mostra que os pesquisadores têm chegado ao tema ambiental. ele considera que o aparecimento do tema ambiental nas análises urbanas se insere de um modo diferente. está-se contribuindo para alimentar mitos já existentes. passando pela Geografia. criticar a Sociologia do meio ambiente como subdisciplina da Sociologia das técnicas e liberar a problemática ecológica dos limites do paradigma da escassez. os reconstruídos em cima de discursos antigos que correspondem praticamente a reedições – e existem as formulações mais recentes que. revisando o próprio modelo territorial urbano para buscar alternativas que garantam maior integração entre o espaço natural e o espaço social (Monte-Mór. auto-suficiência. preocupados com esse tipo de visão. 1995). outros autores também se referem a propostas alternativas que consideram importante uma visão histórica e interdisciplinar e interagem preocupações da ecologia com análises sociopolíticas. alinha cinco frentes de discussão: desmaterializar o meio ambiente. que privilegia a análise da questão ambiental urbana como expressão do atual estágio do capitalismo. 1995:326). razão pela qual alguns autores falam de sustentabilidades. discute os grandes condicionantes que estão por trás. pode-se encontrar discursos de dois tipos: os que fazem uma mera transposição de mitos apoiados na racionalidade instrumental. desnaturalizar o meio ambiente. Acselrad (1997) considera que a apreensão das condições sociais de apropriação do território pelos discursos ambientais passa por duas questões: a construção de uma problemática ambiental liberta do determinismo ecológico e do reducionismo biológico e os diferentes tipos de racionalidade que articulam a reprodução social à reprodução da base material do desenvolvimento. compreender as práticas de poder sobre recursos territorializados. ele identifica uma racionalidade ligada à conservação social e outra à transformação social. Nesse sentido. diversidade cultural. 1999). ou seja. verifica-se que a maioria dos discursos sobre o meio ambiente urbano se apropria dos marcos teórico-conceituais estabelecidos. de fato. pelo Direito e pela Filosofia. reconstruindo-os em cima dos mesmos mitos. ou seja. a racionalidade instrumental e a interpretação mecanicista da natureza (Cidade. Alguns pesquisadores. Entretanto. quais sejam. e a cidade como o espaço de legitimação das políticas urbanas (Acselrad. Noutras palavras. consideram que ocorreu a propagação de uma mentalidade patológica sobre o meio ambiente urbano. a história ambiental que vem contribuindo para R.M A R Í L I A S T E I N B E R G E R ecoenergética e de equilíbrio metabólico. Com relação à primeira. desconstroem mitos para elaborar discursos novos. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 27 . Analisando esses discursos. os discursos de sustentabilidade. Na mesma linha. para cada discurso uma leitura. 1994). desde que “a maioria das referências sobre a relação meio ambiente/meio urbano estão obnubiladas pelo estigma dos malefícios urbanos e suas conseqüências sobre a degradação do meio ambiente” (Steinberger. Assim. Esta última entende que a ação do homem no mundo é mediatizada por um projeto cultural que ordena a experiência prática para além da simples lógica utilitária e comporta projetos de mudança social na direção de valores como eqüidade. estão presos a diagnósticos de insustentabilidade. em geral. embora aqui se esteja propondo uma desconstrução de mitos. o urbano e o ambiental: análises das práticas e movimentos que se articulam em torno dos conflitos socioambientais. democracia. a cidade como espaço da qualidade de vida que inclui modelos de pureza. Além disso. Outras abordagens favorecem a “convergência entre o social. mas a linha divisória entre a (in)sustentabilidade neles inserida é mais tênue do que parece. observa-se que há várias leituras de (in)sustentabilidade do espaço urbano. Estes últimos serão a base de uma nova definição de meio ambiente urbano. de cidadania e de patrimônio. B. A denominada “crítica socioambiental urbana”. é fundamental rever os discursos que tomam o espaço urbano como “espaço morto”. discursos não faltam. ética. Quanto à segunda. (Org. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. a infra-estrutura e os equipamentos de consumo coletivos (Rodrigues. BORNHEIM. “Internalização de custos ambientais: da eficácia instrumental à legitimidade política”. Portanto. 28 R. E-mail: rtlia@solar. 1997. Brasília. _______. Mostrou-se antes que meio ambiente urbano é uma outra “coisa”. Recife. social – natural. do construído e até mesmo do virtual. “Mudanças de gestão. mercado de trabalho e periferia metropolitana: o reforço da precarização e os limites da cidadania”. o que. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . 1997.. A. “Determinantes locacionais e ganhos econômicos: aspectos importantes num sistema de coleta e disposição de resíduos sólidos”. de certa maneira. 1997. BORGES. Anais do 8º Encontro Nacional da Anpur. privilegiando narrativas interdisciplinares e possibilitando uma (re)interpretação da produção e apropriação de nossos espaços” (Costa. meio ambiente urbano como um espaço que possui uma dinâmica ambiental própria e única. T. A. nº 1.A ( R E ) C O N S T R U Ç Ã O D E M I T O S Marília Steinberger. 1998). BARBOSA. 1999. “Sustentabilidade e território nas Ciências Sociais”. economista. 1999:14). Rio de Janeiro: UFRJ. mas um produto. SCHLUPMANN. AMARO. F. . construído – intocado. amálgama do natural. o meio ambiente urbano como área de investigação não substitui nem se sobrepõe ao planejamento urbano e regional. Recife. Anais do 7º Encontro Nacional da Anpur. “Discursos da sustentabilidade urbana”. ALIER. “Uma discussão sobre a fundamentação da teoria econômica para o desenvolvimento urbano sustentável”. mas deve ser cada vez mais incorporado a ele. maio.” In: MACIEL. Anais do 7º Encontro Nacional da Anpur. Meio ambiente urbano compreende o conjunto de edificações. um resultado de qualquer coisa que se assemelhe a relações sociais implicando materialidade. resultante da interação entre o ambiente natural e o ambiente construído. Esses novos discursos vêm gerando alguns enunciados sobre o que se entende por meio ambiente urbano: meio ambiente urbano enquanto espaço e suporte natural apropriados no cotidiano da população (Ultramarini & Pereira. 1995. V. é professora do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília. México: Fondo de Cultura. H. 1995). O ambiente inteiro: uma contribuição crítica da Universidade à questão ambiental. 1999). cuja harmonia é intrínseca e não extrínseca (Steinberger. Rio de Janeiro: Relume Dumará. ao gerar um meio ambiente urbano artificial. Metrópoles (in)sustentáveis. “Filosofia e política ecológica. J. J. Porto Alegre. J. 3. permite um repensar sobre o espaço urbano. K. sua história e memória. v. N. 1991. B. 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G. the first section analyses documents which constitute the institutional imprint of the field. 1995.. “A modernização industrial e a produção local: um estudo dos efeitos desiguais na Baía de Guanabara”. followed by a brief recollection of theoretical-conceptual landmarks established in some disciplines. TEIXEIRA. Porto Alegre. R. Recife. TRIMIÑO. M.. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 31 . 8º Encontro Nacional da Anpur. Brasília. Anais do 6º Encontro Nacional da Anpur. It is suggested that these be deconstructed. ano 1. 1995. “As práticas sociais e o desenvolvimento sustentável no meio urbano”. “Poluição hídrica. 8º Encontro Nacional da Anpur. mimeo. 1999. 1997. E.M A R Í L I A S T E I N B E R G E R SILVA. O. BESSA. produção industrial e controle ambiental: o caso das siderúrgicas da bacia do Rio Piracicaba (MG)”. so that the urban environment may be understood through a perspective based on a non-instrumental rationality. F. the socio-historical and politicospatial focuses of three pairs of notions/concepts are discussed: ambient-environment. Brasília. passando pela questão ambiental”. TOFANI. Recife. S. Anais do 7º Encontro Nacional da Anpur. et al. 1997. Belo Horizonte. VERGARA. Cadernos do IPPUR/UFRJ. A relação meio ambiente–meio urbano: do global para o local. G. Havana.. Anais do 7º Encontro Nacional da Anpur. totalidad y ecointerdependencia”. das G. Anais do V Encontro Nacional da Anpur. VARGAS. within the scope of the 1990s ANPUR Meetings. nº 1. Porto Alegre. “Planejamento e questão ambiental: qual é o meio ambiente que queremos planejar”. To this end.. PEREIRA. ULTRAMARINI. VAINER. TORRES. “Qualidade ambiental urbana: em busca de uma nova ética”. 1999. “O papel das propostas educativas na conformação das práticas de apropriação do meio ambiente em área de Grande Projeto de Investimento (GPI): o caso de UHE-Tucuruí/PA”. B. M. C. Anais do 6º Encontro Nacional da Anpur. mimeo. Porto Alegre. C. 1997. 1986. In the following section. 8º Encontro Nacional da Anpur. sustainable development-sustainability and territory-urbanization. P. H. “A politização do meio ambiente: ONGs e a gestão ambiental no Recife”. M. TOPALOV.. 1995. mimeo. Cedeplar. socioculturalmente e ambientalmente frágeis”. C. jan. “Zoneamento ecológico-econômico como instrumento de ordenamento territorial urbano e regional”. which discussed the emergence of the urban environment as a field of inquiry that constructs and reconstructs myths concerning the sustainability or unsustainability of urban space.. da G./abr. de P. 1995. C. Anais do 7º Encontro Nacional da Anpur. Recife. “Por um modelo de desenvolvimento turístico sustentável para comunidades economicamente. Anais do 6º Encontro Nacional da Anpur. “Cubatão: do desenvolvimento regional ao local. 1999. _______. 7º Encontro Nacional da Anpur. A B S T R A C T The work is based on a study of knowledge concerning the environment. 1999. in order to arrive at an understanding of urban sustainability. 1997. mimeo. _______.. Porto Alegre. Such focuses guide the central issues that are related to the field: urban environmental quality. Brasília. H. A ( R E ) C O N S T R U Ç Ã O D E M I T O S interests among actors. sustainability. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . urban space. 32 R. there are paths that point to a definition of the field. In conclusion it is shown that. K E Y W O R D S Environment. although most of the discourse on the urban environment considers urban space to be unsustainable. B. restrita à política e feita somente por historiadores profissionalizados. Um elemento a destacar – determinante para uma avaliação do estado da arte desse conjunto de trabalhos – é seu caráter multidisciplinar.AVANÇOS E LIMITES NA HISTORIOGRAFIA DA LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA NO BRASIL SARAH FELDMAN R E S U M O Este trabalho tem por objetivo analisar a produção recente no campo da história da legislação urbanística no Brasil. vinculando-os ao movimento de ampliação do território da história que ocorre na Europa e nos Estados Unidos. se dissemina na Europa e nos Estados Unidos. procurando detectar avanços e limites para a reflexão sobre desenvolvimento urbano e práticas urbanísticas. desde o início. Em primeiro lugar. por arquitetos. Civilisations (1946). história. majoritariamente. B. surgida em 1929. estabelecendo um marco temporal em relação à escassa produção anterior nessa área. a produção em curso pode ser inscrita no processo de ampliação do território da história que. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 33 1 O grupo ficou conhecido como École des Annales. que tem no historiador alemão Leopold von Ranke sua maior expressão. O texto organiza-se em três eixos analíticos. . planejadores. procura-se situar os trabalhos no processo de disseminação de estudos da história urbana no Brasil. urbanistas. a partir dos anos 60. Nesse sentido. a partir do momento em que idéias e práticas urbanísticas têm um espaço institucionalizado na administração pública. movimento moderno. contrapõem a aproximação da história a outras disciplinas e a ampliação dos objetos da história e do campo de fontes documentais. Em segundo. que resultou da institucionalizaR. Sociétés. HISTÓRIA URBANA E HISTÓRIA DA LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA A partir dos anos 80. Nessa busca de ampliação do território da história e da interdisciplinaridade está implícito o questionamento à especialização do historiador. Em terceiro. Annales d’Histoire Sociale (1939-42. A revista teve quatro denominações: Annales d’Histoire Économique et Sociale (1929-39). 1945). À história baseada unicamente nos grandes acontecimentos e nas fontes documentais oficiais. a partir do movimento que tem origem no grupo de historiadores ligados à revista Annales d’Histoire Économique et Sociale. visto que o movimento modernista formula a proposta de um novo sistema legal para o urbanismo. uma vez que vêm sendo elaboradas.1 O objetivo fundamental do grupo é. combater os rígidos limites colocados pela visão do historismo. com a chamada História Nova. na França. são detectadas as vertentes dominantes e emergentes nos trabalhos sobre legislação. como reação aos paradigmas do historismo desenvolvido no século XIX. baseado em um panorama da produção recente. HISTÓRIA NOVA. geógrafos e outros profissionais vinculados à questão urbana. são discutidos dois aspectos que se configuram como lacunas na historiografia da legislação: o lugar ocupado pelas normas. PALAVRAS -CHAVE Legislação urbanística. e o lugar dos pressupostos modernistas na legislação brasileira. Annales: Économies. Mélanges d’Histoire Sociale (1942-44) . desde os anos 60. um número crescente de pesquisas vem-se direcionando para a construção da historiografia das cidades brasileiras. etnográficas etc. Os acontecimentos são engendrados pelas estruturas e conjunturas. mas também orais. não se reconhecendo. pela negação da ortodoxia acadêmica. 1980. F.. estatísticas. não passam de “espumas nas ondas do mar da história”. 3 Veyne. 1994. Várias questões vêm sendo levantadas quanto aos rumos tomados pelo movimento dos Annales. têm uma organização na qual desempenham o papel de causa. são as rupturas ou o restabelecimento de equilíbrios. O tempo das conjunturas são flutuações de dimensões diversas. P. Sua importância está não apenas na dilatação do território da história como também do historiador. há uma concordância quanto à contribuição do grupo na expansão do campo da história. A vinculação dos historiadores à Academia também é questionada: o movimento. bem como na descoberta de novas fontes e novos métodos para explorá-las. e os historiadores a ele vinculados ampliam seu espaço nas instituições acadêmicas e conquistam o acesso às editoras e à mídia. a diretriz principal diz respeito à ampliação das fontes: não apenas escritas. R. 1991:15.. A eles correspondem. acasos etc. abrangendo temas e grupos sociais negligenciados pelos historiadores tradicionais. a introdução. uma vez que nunca foram abandonados os princípios elaborados no início do século. por Braudel. ção acadêmica da visão rankeana. 8 Braudel.A V A N Ç O S E L I M I T E S N A H I S T O R I O G R A F I A 2 Braudel. Ribeiro. que se inicia marcado pelo inconformismo. Braudel decompõe a história em três planos escalonados. e cabe ao historiador “reencontrar essa organização”. 1990:12.4 Somente a partir dos anos 60. Borges. 6 Ribeiro. uma vez que as estruturas permanecem constantes durante um tempo longo ou só evoluem de maneira imperceptível.8 Mas em meio a todos os questionamentos. cit. dar-se pela variedade de questionamentos que se revelam mediante o reconhecimento de “vozes variadas e opostas”. cit. as estruturas. a interdisciplinaridade proclamada desde os anos 20 se realiza. 1971:43.5 Há um debate em torno das relações dos historiadores com o materialismo histórico. V. J.7 A principal contribuição da Nova História ao pensamento e à prática da história seria. o movimento passa a denominar-se Nova História.:13. respectivamente. as quais não cabem ser desenvolvidas no âmbito deste texto. conformando uma concepção de história. oscilações cíclicas que se manifestam no contexto das estruturas. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . P.2 Os fatos não existem isoladamente. nessa perspectiva. tudo tem um passado que pode ser reconstruído. os acontecimentos. portanto. mas constituem um tecido. de uma nova dimensão da história. por entrar no jogo intramuros da Academia. quando novos conceitos são elaborados. P. O tempo das estruturas é a longa duração. propõem a “história total”. 6 Outra questão levantada refere-se ao fato de a chamada Nova História ser considerada um movimento de disseminação de práticas e idéias relativas à historiografia. 5 Burke. imagéticas. op. F. 1959:49. a quase imobilidade. 4 Burke. Assim. 7 Burke. cit. 34 R. e não pelo ideal de uma voz oficial da história. fins. Nos anos 70. dissemina-se pela Europa e Estados Unidos. e somente se constituir como uma “escola” no período em que é liderado por Fernand Braudel. op. J. P.. R. e a afirmação da idéia de que tudo tem história. entre outros. op. acaba. et al. a existência de uma história com H maiúsculo.. e os procedimentos considerados revolucionários convertem-se “em simples instrumentos para legitimação de trabalhos que graças a eles se inscrevem acadêmica e editorialmente”. segundo alguns autores.3 Em termos metodológicos.. diluindo-se os rígidos limites entre o território da história e algumas áreas das ciências humanas. P.. A explicação histórica deve. tempo social e tempo individual. as conjunturas. B... portanto. que diz respeito à apreensão das forças profundas da história que só se deixam apreender e só atuam no tempo longo. em contraposição a uma história referenciada em fatos que.:44-54. distinguindo tempo histórico/tempo geográfico. nas palavras de Braudel. A própria expressão Nova História vem sendo questionada.. as quais oscilam entre o reconhecimento de Marx como um precursor de muitas de suas idéias e a negação do método e dos conceitos marxistas. B. e identifica uma imaturidade na historiografia do planejamento. que não estabelecem relações com seus períodos.. Bresciani. desde o século XIX. Vivemos um R. que tem como pressuposto teórico a noção de crescimento evolutivo ou de desenvolvimento. estudos de planos de cidades que não se explicam pelos processos urbanos mais gerais. uma vez que a vitalidade da história do urbanismo está.. uma abordagem problematizada da urbe. considera-se a cidade do século XIX um momento de ruptura no processo de urbanização e privilegia-se o estudo da cidade associada à idéia de modernidade. op. portanto.. Ao mesmo tempo que detecta tais limites.10 Nesse sentido. sempre o mesmo. In: Handlin. a história urbana desenvolve-se a partir da história social e. Para Sutcliffe. um fenômeno cujas transformações (materialidade e função) constituem o objeto de pesquisa dos estudiosos”. S. Em suas conclusões. podem-se observar algumas semelhanças com a condição atual da história urbana no Brasil. Semelhantes questões nos dizem respeito. E. “Urban forms”. e autores que entendem a história urbana como o estudo da forma urbana como resultante de complexas forças sociais. a não-formação acadêmica dos autores na área de história faz que grande parte dos trabalhos não passem de catalogações de leis ou biografias de planejadores. O. a necessidade de se estabelecer um “pedigree histórico” para reforçar a identidade da profissão e. “que faz com que a(s) cidade(s) seja(m) considerada(s) um fato histórico. 10 Bresciani. como no que se refere aos limites na utilização de recursos teórico-metodológicos. “A note on the pursuit of city planning history”... M. enfatizando. o que confirma esse momento como um marco na expansão da área. Burchard. ou. J. no duplo vínculo com prática e teoria. em sua grande maioria.. ocorrendo uma não-distinção entre o que é peculiar ao desenvolvimento da cidade e aquilo que diz respeito à cultura de forma geral.S A R A H F E L D M A N Como parte de tal processo. e os textos de Tunnard. mas vinculados à prática do planejamento urbano. cit. S.11 De modo geral. consultar Handlin. Cabe destacar que a maioria absoluta dos trabalhos levantados por Sutcliffe são elaborados no período pós-60. J. não podendo. . 12 De Decca. O. As posições em torno dessa questão são diversas. a busca das origens para explicar as frustrações devidas às limitações atuais do planejamento. com autores que consideram difícil. numa grande categoria denominada “história urbana”.9 Um pressuposto que se impõe é assumir um ponto de ruptura no processo de constituição da cidade. 1963. S. O autor mostra que a maioria dos trabalhos são elaborados por profissionais de diferentes áreas. demarcar o que é um trabalho de história urbana. a qual se manifesta sob vários aspectos: há.. justamente. J. tanto no que se refere ao perfil dos pesquisadores. cit. C.12 Em The History of Urban and Regional Planning – an annotated bibliography. Nessa perspectiva. dessa maneira. op. psicológicas e econômicas. e Burchard. pois inicia-se a busca de demarcação de seus conteúdos. na Europa e Estados Unidos. Anthony Sutcliffe faz um balanço dos trabalhos elaborados. autores que apregoam um campo específico para a história do urbanismo. cit. O. e de Summerson. Burchard. 1991:9. ainda. ainda hoje. J. 1992:11. passam a enquadrar-se todos os estudos que tenham a cidade como locus. no panorama internacional. Essa abordagem contrapõe-se à abordagem dominante na história da cidade. op. O.. 11 Handlin. A carência de teorização e discussão conceitual e metodológica da história já foi apontada na análise de um universo limitado da produção brasileira. in: Handlin. principalmente em relação ao universo de pesquisas vinculadas às idéias e às práticas urbanísticas. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 35 9 Sobre o debate em torno da história urbana nos anos 60... por outro. por um lado. publicado em 1981. Sutcliffe afirma que a historiografia realizada por profissionais atuantes e oriundos de todas as áreas das ciências sociais é de fundamental importância. elaborada por Filgueiras & Fernandes (1998). os anos 60 constituem um momento relevante. a cidade moderna é considerada essencialmente diferente. M. ser abordada como mera descendente dos núcleos urbanos do passado. 1963.. que se expressa. A tal mudança corresponde uma nova estrutura organizacional do setor. R. planos. no Brasil. ocorre um nítido deslocamento da esfera de atuação desses órgãos. “A questão fundiária. dentre outros. a elaboração e execução dos planos de melhoramentos e. 1989. em que as questões fundiária. no sentido apontado por Veyne (1971). relatórios etc. ver Leme. uso e ocupação do solo e às edificações – não foge à regra.. ultrapassa o caráter de identificação das leis por meio da listagem e descrição de seus conteúdos. para atingir determinadas metas de desenvolvimento urbano. Deve-se considerar que os trabalhos. A partir dos anos 40. Se no período da Primeira República. material iconográfico. leis. a uma apropriação documental – uma verdadeira “saída dos armários” de relatórios. Constrói-se um novo saber urbanístico – uma nova visão de atuação do Estado ante as novas formas de apropriação do espaço urbano – e os denominados órgãos de planejamento passam a atuar. Nos setores de urbanismo das administrações municipais no Brasil. Se. há meio século.. como órgãos normativos. a legislação urbanística – aqui entendida como o conjunto de regulamentações referentes ao parcelamento. constituem uma busca de ampliação de parâmetros teóricos e metodológicos para se transpor os limites interpretativos colocados pela pronunciada influência do referencial marxista – desenvolvido. arquitetura e urbanismo brasileiros que permanecia oculto. Pacheco. com a agravante de não estar recebendo a devida atenção dos pesquisadores. embora seja o elemento constitutivo da disciplina do urbanismo mais desenvolvido. com predominância de profissionais egressos dos cursos de arquitetura. posteriormente. nas últimas cinco décadas. B. fundamentalmente. os marcos teórico-conceituais em suas várias vertentes eram em grande parte explicitados ou reconhecíveis. com exceção daqueles vinculados à linha foucaultiana. momento em que. Ainda que a referência à legislação esteja presente na maior parte dos estudos sobre o urbanismo no Brasil. nos trabalhos elaborados pós-80. na quantidade de pesquisas voltadas para a criação de bancos de dados e.101-117. nas administrações públicas. quando começam a estruturar-se. São poucos os trabalhos que vêm procurando inserir a legislação como fato histórico no interior de uma história-problema. relatórios etc. por um lado. para a incorporação de aspectos estético-culturais. com raras exceções. uma abordagem legalista. paralelamente ao esquadrinhamento das fontes documentais. tais questões vêm sendo minimizadas. no número significativo de trabalhos que se restringem a descrever cronologicamente planos. procuramos levantar alguns pontos para a discussão dos caminhos. pela sociologia francesa dos anos 70 –. assim como a construção de um novo perfil do urbanista – o profissional generalista. M. C. prevalece. p. nos anos 70. ou seja. imobiliária e de serviços urbanos foram privilegiadas na explicação dos processos de estruturação urbana. a legislação é. O papel assumido pela legislação no urbanismo brasileiro constitui um campo nebuloso e pouco explorado. sobretudo. além de sinalizarem a vitalidade de um campo temático multidisciplinar. naturalizada e. que vem permitindo iluminar todo um universo de constituição da engenharia. de certa forma. nº 28. as seções de obras que evoluem para seções de urbanismo. o qual vinha marcando as pesquisas brasileiras.A V A N Ç O S E L I M I T E S N A H I S T O R I O G R A F I A 13 Sobre as referências aos trabalhos nos anos 70. Neste trabalho.13 Assim. – corresponde uma não-apropriação metodológico-conceitual da disciplina história. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . imobiliária e os serviços urbanos: conceitos e referências teóricas em teses e dissertações recentes”. abordagens e métodos em curso na historiografia da legislação urbanística. São Paulo. impõem-se como atividade privilegiada de urbanistas oriundos dos cursos de Engenharia. É nesse momento que 36 R. e não como um instrumento. os trabalhos de história urbana refletem o deslocamento das interpretações fundamentadas exclusivamente em determinantes econômicos. Espaço e Debates. Nesse panorama. no Brasil. dos chamados planos de conjunto. por outro. a legislação é colocada como uma meta em si. S A R A H F E L D M A N se dá uma fissura entre arquitetura e urbanismo: planejar passa a constituir-se como atividade desligada de projetar. referenciadas nos pressupostos higienistas (Rolnik. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 37 . como persistem. de forma tímida. o que define os limites da propriedade em favor do interesse público. O LUGAR DA LEGISLAÇÃO NA HISTORIOGRAFIA DO URBANISMO NO BRASIL No período anterior à década de oitenta. Marins. por décadas. tanto nas formas de habitação R. seu trabalho pode ser considerado pioneiro. no âmbito da política urbanizadora no Brasil-colônia. atos e resoluções. desde o Império até a primeira metade do século XX. de 1966. e o livro de Nestor Goulart Reis Filho. no período pós-80. Os trabalhos de Marx (1991). e como. Da análise dos trabalhos publicados em livros. se pode estabelecer uma relação entre tais medidas e o processo de valorização imobiliária e fundiária. em 1850. A segunda vertente caracteriza-se por estudos que têm como marco temporal a Primeira República. de 1968. cit. Feldman. emanados pelo poder eclesiástico até a promulgação da Lei de Terras. anais de encontros e seminários. apontam que. 1991. e o zoneamento – abrangente ao conjunto da cidade e articulador de um conjunto de parâmetros urbanísticos em zonas funcionais – consolida-se como o principal instrumento de planejamento. juntamente com o aparato legal. os municípios se adaptam à nova realidade político-administrativa. Marx (op. passa-se à aquisição onerosa. ao estudar a evolução urbana do Brasil nos séculos XVI e XVII. Da distribuição gratuita de terras. aponta os princípios reguladores e as instituições responsáveis por sua implementação.) mostra. Nesses trabalhos. a partir da lei de 1850 e sua regulamentação em 1854. pois fornece um quadro abrangente da legislação brasileira. Além disso. ocorre uma estruturação da administração e novas funções se constituem no quadro administrativo municipal. dissertações de mestrado e teses de doutorado. quando a terra adquire o estatuto de mercadoria. Reis Filho. nos quais prevalece a interpretação da legislação como instrumento de dominação e normatização da vida das classes populares e de atividades que se incluem na esfera das ilegalidades urbanas. apontando suas relações com a legislação urbana portuguesa. de forma minuciosa. dois trabalhos destacam-se pela abordagem da legislação urbanística: a tese para concurso de cátedra na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. 1983. 1987. já em fins do século XIX. de Francisco de Paula Andrade. Embora Andrade coloque que não visa a “história”. B. Lira. 1998). Fridman & Ramos (1992) e Fridman (1994) mostram como entre o regime jurídico do sistema de sesmarias do período colonial e a separação entre Igreja e Estado estrutura-se a propriedade fundiária no Brasil. os privilégios dos grandes detentores de terra e os procedimentos do antigo sistema de distribuição de terras. Esses trabalhos permitem detectar a constituição de um sistema legal em torno da propriedade privada – da exigência da escritura pública de compra e venda (1855) à criação do imposto predial (1878) e taxação de terrenos não-construídos em freguesias urbanas centrais (1897) – e como. podem ser identificadas três vertentes dominantes nas pesquisas voltadas para a historiografia da legislação urbanística no Brasil. mediante a prática dos loteamentos e dos códigos de posturas. a lógica disciplinadora de um urbanismo saneador – expressão de um projeto político de intervenção do Estado na questão social nas cidades – é desvendada. Uma primeira vertente enfoca os aspectos normativos referentes à propriedade fundiária. . 1993. por meio da análise das primeiras normas que extrapolam a construção de edifícios contidas nos Códigos de Posturas aprovados na última década do século XIX. se cristalizem modelos interpretativos genéricos. S. Graal. Uma terceira vertente caracteriza-se pela precedência de estudos voltados para os efeitos. 1998). p. Marins. 1987. mesmo quando não é capaz de determinar a forma final da cidade. “A Questão sanitária e a cidade”. Ribeiro. 1994) e como resultado da multiplicação do solo urbano possibilitada pelo elevador (Somekh.22. O período da Primeira República. De modo geral. e estudos que. Grostein (1987) mostra que se consolida uma prática de desobediência consentida e permanente anistia a situações produzidas fora das normas. num contexto urbano de concentração de riqueza e poder. financeiro e cultural.24. entre outros. Brasília. Espaço e Debates. Graal. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . constitui o eixo direcionador de tais análises. 1987). repercussões e impactos no espaço urbano com a aplicação da legislação. 1994. cortiços e favelas. Espaço e Debates. Rio de Janeiro.A V A N Ç O S E L I M I T E S N A H I S T O R I O G R A F I A 14 Sobre o zoneamento: Wilderode. Costa. Ordem médica e norma familiar. resultante do diálogo exclusivo entre os órgãos responsáveis por sua elaboração e os setores mais poderosos da sociedade. Sevcenko. por meio da legislação. FGV. 1991. As linhas dominantes permitem não só detectar recortes temporais privilegiados pelas pesquisas bem como o nível de aprofundamento da reflexão. São Paulo. Brasiliense. A questão da segregação espacial. A cidade febril.14 Esse conjunto de trabalhos representa o início de um processo de construção de uma história da legislação urbanística brasileira e de compreensão do papel que vem desempenhando no desenvolvimento de algumas cidades brasileiras. com uma visão panorâmica da legislação.37. principalmente no que se refere ao zoneamento e aos instrumentos pós-Constituição de 1988. São Paulo.. Rolnik (1997) entende a ineficácia da legislação em regular a produção da cidade como a verdadeira fonte de seu sucesso político. Uma explicação plausível para tal predominância é o fato de a questão higienista ter sido amplamente estudada por diferentes disciplinas e o papel da legislação. seja na esfe38 R. 1995. Zoneamento de uso. segundo os procedimentos instituídos de aprovação e fiscalização de loteamentos e da relação poder público/loteador. D. FAU/USP. São Paulo. No âmbito da questão da inefetividade da legislação. Dissertação de Mestrado. 1991). 1990. Chaloub.15 Nesse sentido. 1997. desigualdades sociais e políticas públicas: avaliação do Programa Nacional de Reforma Urbana. p. D.. Recife. estudos que enfatizam a relação entre a legislação e a valorização imobiliária (Souza. 1983. B. 1987. São Paulo. O jogo das Interligadas. 1996. T.. em inúmeras cidades. 1983. Há. 1978. 1998) como nos territórios de prostituição (Feldman. Nessa vertente. Azevedo. entendido como resultante de uma estratégia de valorização de múltiplas frações do capital (Souza. 1996). uma supervalorização do papel da legislação na conformação do espaço urbano.1571-1579. A revolta da vacina.. Rio de Janeiro. Lira. “Operações interligadas: Quem ganha?” Anais do VI Enanpur. Lira. N.. 1996. Companhia das Letras. 1996).1997) e na configuração da paisagem urbana (Medina. J. podem ser discriminados estudos centrados na inefetividade da lei (Grostein. et al. conferindo significados e gerando noções de civilidade e cidadania. do R. Nery Junior. (Rolnik. segundo a autora. Wakisaka. estudos sobre os efeitos dos instrumentos normativos vêm sendo realizados em torno de aspectos específicos da legislação. é o mais profundamente estudado e desvendado. 1994. como delimitadora das fronteiras do poder. São Paulo.. n. 1997). Freire Costa. Anais do VII Enanpur. A relação entre legislação e valorização imobiliária é analisada por meio do estudo do processo de verticalização. Sobre instrumentos pós-Constituição de 1988: IPPUR/UFRJ. por vezes. R. A. claramente situado no campo de um projeto político e social. 1979. no que se refere à perspectiva higienista de controle do espaço urbano. apontam seus efeitos no processo de planejamento (Rezende. Danação da norma – medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil. Dissertação de Mestrado. entre outros. destacam seu caráter elitista.. N. B. no qual a norma é apenas um dos instrumentos de concretização (Rolnik. entre outros.. e seu uso como instrumento de segregação espacial. Alfonsin. nas instituições criadas para a gestão dos territórios e nos procedimentos de aplicação das normas. Relatório de Pesquisa. n. 1995. Neru. Rolnik. ocupação do solo e produção do espaço urbano em São Paulo. 1994. Numa perspectiva não-historiográfica. 15 Machado. Questão urbana. T. os trabalhos ultrapassam a identificação das leis e penetram nos modelos habitacionais resultantes do ideário higienista.. “Reforma urbana nos limites da modernização”. 1984. T. A lei age. o que acarreta que. Somekh. “Instrumentos e experiências de regularização fundiária em áreas urbanas”. os quais têm como referência a escala assumida pela expansão das cidades brasileiras mediante estratégias de solução da moradia à margem da legislação: loteamentos clandestinos. C. 1994. 1998). Para os períodos posteriores. não permite delinear um panorama abrangente da questão. Rio de Janeiro e Recife. mediante a análise das referências urbanísticas neles contidas e dos setores e instituições envolvidos em sua formulação e aplicação. inicia-se um processo em que o zoneamento passa a ocupar o lugar do plano e. Feldman. Ao processo de declínio da importância do plano como instrumento de intervenção no espaço urbano corresponde a ascensão da legislação como instrumento por excelência do planejamento. a produção é fragmentada. com a Delegacia de Costumes. além de se deter em aspectos específicos da legislação. podemos avaliar essa mudança em escala nacional. a lógica de construção – dos conceitos às instituições e processos de elaboração e aprovação – ainda se mantém como um campo pouco explorado. quando se constitui uma legislação urbanística stricto sensu. se consolida uma visão legalista do urbanismo brasileiro. não contém um claro conteúdo urbanístico. O LUGAR DA LEGISLAÇÃO NO URBANISMO BRASILEIRO Uma das questões fundamentais que permanecem pouco elaboradas na historiografia da legislação urbanística no Brasil se refere ao lugar ocupado pelas normas. A legislação desse período. 1998. A visão legalista consiste no enfoque da lei como uma meta em si. e estabelece-se como legislação sanitária. baseados na teoria administrativa americana da Scientific Management School. nem discriminar particularidades regionais. a partir do momento em que idéias e práticas urbanísticas são institucionalizadas na administração pública. e não apenas nos grandes centros urbanos. na esfera do Executivo e do Legislativo. e à crença de que nada pode ser assumido sem prévia legislação ou regulação. e dá-se como parte da introdução. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 39 . 1996. por sua vez. no período de 1945 a 1964. com recortes temporais e espaciais restritos. 1987). numa perspectiva da administração desvinculada da política e do planejamento como técnicas de administração. entre outros. para se atingir metas. em pesquisa em desenvolvimento. A ênfase na lei é. uma expressão da experiência legal no Brasil é a ênfase e valorização da codificação das leis. o que leva à preferência por leis antecipatórias em lugar da experimentação. Tal processo não é fortuito. ao invés de algo a ser aplicado a circunstâncias presentes com o máximo de precisão. de novos princípios de administração pública. Como mostramos em pesquisa realizada sobre a cidade de São Paulo. R. 1997. No entanto. Uma hipótese que levantamos é a de que. em São Paulo (Feldman. 1996. da tradição romana. o que. Graham (1968) mostra que a introdução dessa abordagem na administração pública no período anterior a 1930 articula-se a uma tradição legalista brasileira. desde os anos 30. 1987. segundo Graham. com a Inspectoria de Hygiene de Pernambuco (Lira. embora envolva questões espaciais. De fato. a partir dos anos 40.S A R A H F E L D M A N ra da habitação operária. B. Para o autor. (Souza. há uma concentração de trabalhos sobre São Paulo. Grostein. Campos. no Brasil. Uma vertente emergente de pesquisa vem atuando na perspectiva de desvendar os processos de construção de instrumentos urbanísticos. herdados. e não apenas seus efeitos. 1991). originária dos vínculos com os princípios administrativos da França e Portugal. seja na esfera dos territórios de prostituição. vista como um ideal. Num estudo sobre a reforma do serviço civil no Brasil. no final da década de 1940. como nos demais estudos de história urbana. e não como um instrumento. que penetra e estrutura a sociedade.. Os trabalhos de Reis Filho (1968) e Delson (1979) apontam o rigor no estabelecimento de padrões para a construção de cidades. Para se entender o papel que a legislação urbanística assume em cada momento do processo de desenvolvimento urbano no Brasil. Feldman. também. no Brasil. 17 O’Donnell. Assim. se articulam a práticas herdadas de outros momentos. da organização e dos procedimentos adotados na implementação das leis. alguns trabalhos oferecem uma contribuição relevante. desde o século XVIII. não apenas uma técnica racionalizada para ordenar as relações sociais”. variável de país a país. mas em que medida a visão legalista se introduz desde as primeiras regulamentações do solo urbano e os matizes que assume ao longo dos séculos XIX e XX representam um campo a ser investigado. em cada momento. É necessário. diferentes conceitos de controle. fornecendo um elemento básico de previsibilidade e estabilidade às relações sociais. O LUGAR DOS PRESSUPOSTOS MODERNISTAS NA LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA Um dos aspectos privilegiados nos trabalhos de história urbana produzidos a partir dos anos 80 vem sendo a influência das referências internacionais nas idéias e práticas ur40 R. resgatar as instituições que. portanto.A V A N Ç O S E L I M I T E S N A H I S T O R I O G R A F I A 16 O’Donnell. Do ponto de vista das instituições. mas formas de aplicação. que o sistema legal constitui um elemento de longa duração. e que repercute nas abordagens de urbanismo e planejamento urbano. por sua vez. considerando que teorias administrativas engendram modelos institucionais que originam práticas que. mas parte constituinte do Estado. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . 1987. ao mesmo tempo. mas os limites entre o legal e o ilegal variam no tempo. Lira. pelos portugueses. São socialmente construídos. Portanto o “Estado legal” é a parte do Estado personificada num sistema legal. O simples arrolamento das leis promulgadas não revela o processo. O estudo sistemático das instituições que compõem o sistema legal e os respectivos procedimentos são um caminho. a legislação urbanística. parte de um determinado sistema legal e de um determinado modelo de gestão que se apóiam em determinada teoria administrativa.cit. 1998. entender a legislação como um processo não-linear. numa perspectiva braudeliana. como parte do sistema legal de uma sociedade capitalista enquanto tal. participaram da formulação e/ou assumiram as funções de aplicação e fiscalização das normas urbanísticas. uma vez que utilizam como fontes de pesquisa processos de aprovação das próprias leis. 1991). de loteamentos e de edificações (Grostein. para se desvendar o avesso da visão legalista brasileira – a inefetividade das leis –. O sistema legal não é apenas um conjunto de normas.16 Talvez se pudesse admitir. uma vez que a legislação urbanística é parte de um aparato que constitui o sistema legal (ou Estado legal). estrutura e garante relações espaciais que são intrinsicamente desiguais. por meio de uma leitura menos genérica. A legislação urbanística é. op. mas como o resultado de embates técnicos e políticos e. B. em cada momento. 1996. Simões. “em seu conteúdo e em sua aplicação. em cada momento. é necessário desvendar a lógica do sistema legal vigente. Por fim. e pressupõe não apenas a promulgação de leis. Se admitirmos que a lei. caráter público. Tais fontes de pesquisa permitem. também. 1990.54. assim como as teorias administrativas que informam as estratégias de gestão.17 instituições e procedimentos engendram. é necessário desvendar os procedimentos adotados. desvendar que relação se estabelece entre cidadão e Estado. 1989. é basicamente (como é o Estado do qual ela faz parte) uma condensação dinâmica de relações de poder. p. independência do judiciário etc. o urbanismo americano dos anos 20. passam a ser incorporados. assim como a localização de atividades consideradas nocivas ao meio urbano. o qual é incorporado à totalidade da cidade nos Códigos de Obras do Recife. exclusões e acréscimos. Segundo Ebenezer Howard. em 1936. A legislação é cumulativa. começam a ser introduzidos princípios modernistas. e suas propostas nesse campo R. e as formas como tais referências foram e são absorvidas pela legislação urbanística brasileira estão sendo desvendadas. e o movimento modernista. nem as instituições e seus procedimentos. 1997. em São Paulo. . Se nos planos as referências internacionais são facilmente demarcadas. de embelezamento e de conjunto – chegou a ser executada. ver Feldman. que se contrapõe à legislação de princípios higienistas vigente na Europa dos anos 20. Lira. que reelabora o zoneamento alemão. 1997. permanecem os princípios higienistas europeus. necessariamente. 1998. textos. nem o sistema legal. 1994. que formulam concepções de legislação: o urbanismo higienista. princípios elaborados no âmbito do movimento moderno. e a legislação sanitária do urbanismo higienista de finais do século XIX utiliza as referências inglesas e francesas. fundamentalmente no que se refere ao zoneamento funcional. dos quais uma parcela significativa – entre planos de melhoramentos. num processo contínuo de reformulações. principalmente na adoção do zoneamento. a partir de 1931. A partir dos anos 30. memoriais. a referência americana se impõe. As leis sanitárias e o zoneamento americano vêm recebendo a atenção da maioria dos pesquisadores voltados para a historiografia da legislação urbanística no Brasil (Rolnik. Marins. 1991. que estabelece uma legislação sanitária. como peças legais parciais. As normas de controle de alinhamento e nivelamento das vias. a partir dos anos 30. zoneamento. Nas experiências de cidade novas. Souza. Podem-se identificar três correntes do pensamento urbanístico. que se realizam de forma acabada em Brasília. não chegam a propor uma concepção de lei. 1996. Em relação às propostas modernistas. o mesmo não ocorre em relação à legislação. Nery Junior. A análise dos textos produzidos pelos arquitetos vinculados ao movimento modernista no âmbito dos CIAMs (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna) revela que a legislação é colocada como um aspecto fundamental. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 41 18 Sobre a influência americana na legislação em São Paulo.18 A partir dos anos 30. Somekh. 1998). na concepção dos planos elaborados até 1930. como o princípio das unidades de vizinhança de Radburn. De modo geral. B. também. em 1937. seja por explicitações de seus autores em relatórios. entre as que são referência para o urbanismo no Brasil. A partir do término dos anos 20. utilizando princípios de controle e disciplina formulados nas cidades européias. S.. embora princípios reguladores estejam implícitos na proposta espacial de cidades-jardins. e das versões americanas das cidades-jardins de Howard. em que as influências européias começam a mesclar-se a princípios do urbanismo americano. seja pelos traçados propostos. Novas formas de controle com as mais diversas referências são constantemente incorporadas. esses trabalhos vêm mostrando que. dos padrões de arranha-céus. nos chamados Códigos de Obras. que não alteram. e são identificados princípios da legislação americana. tornados obrigatórios no final do século XIX. 1983. o único documento que vem sendo utilizado como referência é a Carta de Atenas. como é o caso. e do Rio de Janeiro.S A R A H F E L D M A N banísticas desenvolvidas no Brasil. e em leis parciais em São Paulo. Os anos 30 aparecem como um momento de transição. as condições de higiene e salubridade das edificações e do espaço público. Os estudos mostram que os padrões reguladores portugueses se estabeleceram nas cidades e vilas do Brasil Colônia. por meio das parkways. são consolidadas nos chamados Códigos de Posturas Municipais. artigos. Feldman. prevaleceu a influência européia. juntamente com o sistema urbano adequado à época maquinista. a fim de garantir a melhoria do alcance coletivo. construções sobre pilotis. limita o papel do Estado ao controle da qualidade do produto. Nesse sentido. aponta para a necessidade de flexibilidade da legislação e preconiza a maior participação das entidades de engenheiros e arquitetos no processo de elaboração e aplicação das leis. Os arquitetos vinculados ao movimento modernista apontam. nos conhecimentos higiênicos. a serviços ligados à moradia. Corbusier propõe que se formulem. Nesse sentido. o promotor. o que permitiria a concretização de volumetrias diferenciadas ou repetidas num mesmo conjunto. destaca a necessidade de a regulamentação assegurar a responsabilidade técnica e social dos produtores das moradias. do sistema regulador do urbanismo higienista. como também abarcar a responsabilidade da economia do produto. É no III CIAM. notadamente na França e na Alemanha. Com o mercado livre e com o sistema de produção capitalista. propõe a identificação entre a tipologia da moradia e a tipologia do edifício. integrado. aspectos formais. como entrave ao “desenvolvimento da arquitetura”. É importante destacar que a crítica ao controle de altura envolve aspectos econômico-distributivos (otimização possível por meio de construções laminares). em Bruxelas. sem ignorar as circunstâncias econômicas. segundo os pressupostos do movimento moderno – soluções para o espaço mínimo para viver. Em terceiro. e tetos-jardins. nas novas formas de vida propostas pelos arquitetos. em múltiplos aspectos. se utilize o limite da densidade populacional. a “standardização”. que implicam a utilização de novos materiais e novos métodos de construção – é recorrente nos textos. que deve tratar dos limites do indivíduo frente à comunidade e dos indivíduos entre si. com uma boa iluminação. novas leis que devem conter o remembramento de terrenos – “verdadeira revolução na noção sagrada de propriedade”. Então. preconiza a simultaneidade de diferentes tipologias habitacionais em um único complexo edificado. ou seja. propõe que se regule a relação entre superfície de moradia/volume edificável/superfície edificável. cabe ao Estado proteger os particulares com normas edificatórias contra a ação de especialistas não-qualificados que 42 R. aspectos técnicos (viabilidade de utilização de estruturas em aço ou concreto armado) e. supressão de pátios e corredores. excetuando-se as leis que limitam o direito de propriedade. enormes espaços livres. e viabilizar a produção em série. Gropius propõe que. as construções em altura reunidas sobre pequena superfície edificada. realizado em 1930. por sua vez. Assim. a necessidade de se distinguir dois níveis da legislação: o nível urbanístico. o construtor e o usuário podem tornar-se pessoas totalmente independentes. Em quarto. a racionalização e a economia. A referência à legislação vigente nos anos 20. antes de mais nada. e o nível da construção e da habitabilidade. Em segundo lugar.A V A N Ç O S E L I M I T E S N A H I S T O R I O G R A F I A vão muito além do zoneamento funcional e da Carta de Atenas. Em relação a estes últimos. ainda. que deve assegurar certo grau de qualidade aos edifícios. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . as leis devem considerar as inovações nos métodos construtivos. com plantas livres e flexíveis. argumentando que as condições higiênicas e econômicas se tornam mais vantajosas. para o cumprimento das necessidades sociais e higiênicas e para a escolha de materiais e sistemas construtivos. com disponibilidade de espaço exterior livre com a construção verticalizada. as normas edificatórias não deveriam passar de normas gerais e deveriam permitir a maior liberdade possível na definição do programa da habitação. Os arquitetos desenvolveram uma verdadeira concepção de legislação urbanística que tem como eixo principal o questionamento. ao invés do limite de altura dos edifícios. que se explicita com maior clareza a relação pretendida entre arquitetura e urbanismo. B. e “La organización de la vivienda mínima”. por um meio legal. segundo o arquiteto. o papel atribuído aos arquitetos e suas associações é destacado. além de questões técnicas. ainda em processo. as considerações sobre a legislação como instrumento para fixar as condições da habitação moderna são uma constante. realizado em Frankfurt am Main. como também com a colaboração dos usuários. Os temas foram “Ordenanzas edificatorias y vivienda minima”. em 1929. 20 No II Congresso Internacional de Arquitetura Moderna. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 43 19 A intervenção de Le Corbusier no III CIAM foi “La parcelación del suelo em las ciudades”. apresentado por Hans Schmidt. passaria a ser supérflua. In: Aymonino. como ocorre com outros tipos de normas. que reúne grande parte do repertório da arquitetura modernista. Corbusier (1941) preconiza a “urgência de regulamentar. e algumas questões permanecem no debate atual sobre a legislação urbanística no Brasil. considera imprescindível que o Estado garanta também seu cumprimento econômico em todas as situações. uma vez que a propriedade subdividida. as propostas modernistas para a legislação podem ser interpretadas como a proposta de um novo sistema legal. de como esse elenco de questões relativas à regulamentação foi assimilado. conseqüentemente. Casas Bajas. por arquitetos e engenheiros responsáveis por projetos de cidades novas e de habitações econômicas. preconiza que os arquitetos contem não apenas com a ajuda de diversos setores da ciência e da indústria. Essa postura de Corbusier – inovadora em relação à legislação – já estava presente em sua intervenção no III CIAM.).cit. além de incorporar soluções urbanísticas que já vinham sendo utilizadas em cidades européias e americanas. e a regulamentação estatal. op. mas também aspectos econômicos e sociais que se realizam no processo de elaboração e decisão sobre a aplicação das leis. Finalmente. num evidente propósito de deslocar médicos e engenheiros deste campo de atuação. as ações voltadas para a categoria de moradias mais baratas passam a efetivar-se sem que a legislação se responsabilize por elas. em 1930. não admitem uma mudança parcial da legislação. a disposição de todo solo útil para equilibrar as necessidades vitais do indivíduo em harmonia com as necessidades coletivas”. Em congressos e periódicos de entidades de arquitetos e engenheiros. 1973. Medias y Altas”. no Brasil. por Le Corbusier e Pierre Jeanneret. a partir dos anos 30. As propostas modernistas. “Los fundamentos sociológicos da la vivienda mínima (para la población obrera de la ciudad)”. a legislação foi objeto de uma das quatro exposições que direcionaram as discussões. o caráter inalienável da propriedade. os arquitetos poderão entrar em cena como competidores da construção especulativa de moradias e. condena “toda tentativa de melhorias coletivas”. que devem partir do reagrupamento do solo – “único caminho que conduz ao urbanismo” –. “Analisis de los elementos fundamentales en el problema de la vivienda mínima”. Considera que o padrão de moradia ideal imposto por uma visão estritamente legalista se mostrou economicamente inviável nas circunstâncias do pós-guerra e. O nível de qualidade da moradia passa a ser assunto exclusivo de ambos. é chegar a uma modificação da legislação municipal em diversas cidades do mundo. pelos responsáveis pela elaboração das leis. estabelecendo-se a relação direta entre o habitante como usuário e o construtor como produtor.20 O estudo. realizado em torno do tema “Métodos Construtivos Racionales. apresentado por Victor Bourgeois (Aymonino. vem demonstrando que se dá de forma bastante limitada.19 Na verdade. ao invés de se guiarem apenas pelas leis. poderão liberar a construção de moradias dos entraves de uma regulamentação anti-social. os arquitetos colocam a alternativa da auto-ajuda. embora não se explicite tal vínculo. quando afirma que o objetivo do Congresso. mas exigem que se estabeleça um conjunto de novas regras. dessa maneira. Para o estabelecimento de normas ideais. Nesse documento. a reivindicação por mudanças nos códigos de obras com o intuito de atenderem a um novo tempo é recorrente. B. Além disso. apresentado por Walter Gropius. R. Caso o Estado não assuma tal postura. . com o passar do tempo.S A R A H F E L D M A N ofereçam moradias de baixa qualidade. e que pressupõem a redefinição das relações entre o Estado e os demais atores envolvidos na construção das cidades. as concepções modernistas têm repercussão significativa. No âmbito dos debates em torno da legislação. Suas propostas envolvem aspectos formais para a tradução das soluções de edifícios e para a organização do espaço urbano. ao mesmo tempo. Na Carta de Atenas. Assim. os arquitetos conquistam um espaço como formuladores de leis. assim como de outras referências que formularam concepções de legislação. B. e foi. São Paulo: Editora Brasiliense. O foco da pesquisa sobre legislação unicamente no enunciado das leis vem-se mostrando insuficiente. presidente do Congresso de Habitação de 1931. os códigos de obras assimilarão dos modernistas. o engenheiro Alexandre de Albuquerque. a peça legal de 1960 foi. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . de P. entre outros. nº 7 de Sarah Feldman. os princípios de ocupação do lote que relacionam altura de edifícios e solo livre. com a introdução de elementos reguladores de abrangência urbanística e de uma visão de urbanismo que se justifica explicitamente em termos econômicos. Barcelona: Gustavo Gili. O estudo da legislação sob a ótica modernista torna evidente a necessidade de se discutir a questão metodológica para interpretar as permanências e mudanças na legislação urbanística. e Armando de Godoy. com a definição de espaços coletivos. e não do zoneamento proposto por Le Corbusier. ruas exclusivas para pedestres etc. arquitetos e urbanistas.br A simplificação das leis. AYMONINO. assim como grande parte da legislação urbanística no Brasil. evoluindo de maneira imperceptível. Subsídios para o estudo da influência da legislação na ordenação e na arquitetura das cidades brasileiras. Tomando Brasília como exemplo. de. arquiteta. 44 R. ou seja. padrões de ocupação para grandes conjuntos residenciais. engenheiro da Diretoria de Engenharia do Distrito Federal. é professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. pode-se observar que a legislação aprovada logo após a inauguração da capital absorveu os princípios formais das propostas modernistas.A V A N Ç O S E L I M I T E S N A H I S T O R I O G R A F I A 21 Destacam-se nesses debates. formulada por arquitetos. Ambas as estratégias evoluem para um processo de gradativa mudança dos tecidos urbanos existentes e podem ser interpretadas como formas de reagrupamento do solo. num primeiro momento. há décadas. 1993. La vivienda racional. sem dúvida. Essa ruptura se dá. exigem a identificação das estratégias utilizadas para as transferências. assumindo a função de legisladores. Talvez seja esse um dos caminhos para se entender o passado e formular propostas para o presente. no Brasil. a incorporação de setores da sociedade para a redação das leis conjuntamente com técnicos são questões enfocadas por engenheiros. e o que não passa de acontecimento. São Paulo. No entanto. aprovada por decreto. Parte dessa mudança se verifica com a introdução do zoneamento abrangente no conjunto da cidade. E-mail: sarahfel@sc. mas tudo isso se incorpora ao sistema legal preexistente no Brasil. Um caminho possível talvez esteja na identificação dos tempos propostos por Braudel: discriminar o que permanece constante durante um tempo longo. fundamentalmente. com a aprovação das “Normas para Construção em Brasília”. 1966.21 Nos anos 30. posteriormente. esboça-se na legislação de uso e ocupação do solo uma ruptura com a concepção centrada na edificação e fortemente marcada pela visão higienista que se inicia com os Códigos de Posturas do final do século XIX. seguindo o modelo adotado no início do século em Nova York. e. A análise das referências modernistas na legislação urbanística. oscila de forma cíclica. sem dúvida. 22 Decreto 12/06/1960. F. a maleabilidade para se atender aos materiais e técnicas modernas de construção. P. o que flutua. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE. BORGES. representando rupturas ou restabelecimento de equilíbrios. Essa é. Tese (Doutorado) – EPUSP. ocorrem mudanças que atendem aos requisitos formais. V. Este só se efetivará em 1960. uma vez que a categoria vem.22 Nas demais cidades brasileiras – novas ou existentes. 1973. O que é história. D. a mais significativa influência do ideário modernista que se realiza mediante mecanismos reguladores do uso e ocupação do solo. C.usp. _______. “Los fundamentos sociológicos de la vivienda minima (para la población obrera de la ciudad)”. Anais do IV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Cidade e História. M. DELSON. C. La vivienda racional. R. Civil service reform in Brazil – principles versus practice. 1987. A. Neru. 1968. Tese (Doutorado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. La vivienda racional. GROSTEIN. Ano XIV. 1996. Brasília: Editora Alva. A. 1996. 1998. p. A. Segregações espaciais urbanas: A territorialização da prostituição feminina em São Paulo. DECCA. A. A Escola dos Annales 1929-1989: A revolução francesa da historiografia. A escrita da história: novas perspectivas. In: FERNANDES. 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C. 1973. “Analisis de los elementos fundamentales en el problema de la vivienda minima”. São Paulo: Editora Martins Fontes. 1997. J.1981. P. “Ordenanzas edificatorias y vivienda minima”. E. VEYNE. P. Editora Hucitec/Edusp.The analysis is divided into three parts. N. “La vivienda para el minimo nivel de vida”. “O germe da lei urbana e a higiene da casa (e) do operário”. São Paulo: Edusp/Hucitec. The historian and the city.. LE GOFF. JANINE.1993. Recife. SUTCLIFFE. 51. 1990. H. V. (Org. C. 1998. as a basis for reflection in the debate on urban development and planning practice. II. F. O. G. Revista USP. MDU/UFPE. M. “A evolução dos instrumentos de controle do espaço urbano na Cidade do Rio de Janeiro. É possível planejar o futuro através da Legislação?”. MEDINA. O’DONNELL. História da vida privada no Brasil-3.1966. 1973. J.). São Paulo: Studio Nobel/ Fapesp. São Paulo.1995. G. vol. A identidade da metrópole. La vivienda racional. 1994. SCHMIDT. 1998. 1941. G. T. P. 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The second part sets out the dominant and emerging approaches to urban legislation. and the influences of modernist ideas on Brazilian urban legislation.S A R A H F E L D M A N relates the dissemination of urban historical research in Brazil to the expansion of the field of history which began in the 1960s with the "New History" movement in Europe and the United States. KEYWORDS Urban legislation. as the ideas and practices of urban planning become institutionalised within public administration. R. B. Finally. there is a discussion of two aspects that are seen as gaps in the history of urban legislation: the role of norms. history. modernist movement. Lima (1980). Jacobi (1989). B. que tentaram determinar as formas características de produção das metrópoles brasileiras e suas periferias. Os resultados apontam para a superposição. de condições de extrema pobreza e risco urbanos. INTRODUÇÃO Este trabalho apresenta os resultados de um projeto desenvolvido pelo Cebrap para a Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente da Prefeitura de Mauá. que autoconstruía suas casas em terrenos ocupados ou localizados em loteamentos clandestinos/irregulares.C H A V E Espaço urbano. de risco urbano e de acesso a políticas públicas. O diagnóstico dessa situação foi o ponto de partida de uma ampla e diversificada literatura que enfocou desde a construção das identidades sociais dos bairros de baixa renda e suas formas de organização e ação coletivas. incluindo espaços bem servidos e inseridos na malha urbana. Os espaços periféricos metropolitanos foram tratados.REFLEXÕES SOBRE A HIPERPERIFERIA: NOVAS E VELHAS FACES DA POBREZA NO ENTORNO MUNICIPAL HAROLDO DA GAMA TORRES EDUARDO CESAR MARQUES R E S U M O O objetivo do trabalho é apresentar os principais resultados analíticos de uma aplicação de Sistemas de Informação Geográfica ao planejamento urbano. O presente artigo utiliza os resultados de três estudos desenvolvidos para descrever os diferenciais de condições de vida em um município periférico da Região Metropolitana de São Paulo – Mauá. 1982 e 1985). servem como exemplo: Bonduki & Rolnik (1982).1 Essas condições seriam responsáveis pelas insuficientes (difíceis) condições de vida e saúde encontradas nas periferias metropolitanas naquele momento. em determinados setores censitários do município. até estudos de cunho mais analítico. Moysés (1982). Essa cumulatividade parece ser mais grave do que a indicada pela literatura: identificamos uma periferia mais heterogênea do que se considera comumente. segregação socioespacial. população e meio ambiente. ao longo das décadas de 1970 e 1980.2 R. O projeto tinha por objetivo elaborar aplicações de geoprocessamento. Maricato (1982). Entre elas incluem-se trabalhos como os de Kowarick (1979). 2 Novamente as referências são inúmeras e nem sempre compatíveis. a partir de cartografias existentes naquela Secretaria e outras construídas pelo Cebrap. Santos (1980) e Brasileiro (1976). condições de vida. assim como levantar algumas hipóteses em relação aos novos conteúdos sociais das periferias metropolitanas brasileiras nos dias de hoje. tinha acesso muito difícil a equipamentos e serviços urbanos e tendia a gastar uma parte significativa de seu tempo livre em longas viagens em transportes públicos de má qualidade. Chinnelli (1980). P A L A V R A S . indicando a presença de fortes efeitos cumulativos de riscos urbanos e precariedade socioeconômica. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 49 1 Embora a literatura seja muito vasta e diversificada. Santos & Bronstein (1978). inserida muito precariamente na estrutura de renda e ocupações. periferia. como regiões habitadas por população operária. . risco ambiental. e outros cuja população está submetida a condições talvez mais adversas do que a das periferias das décadas passadas. O trabalho centra-se na apresentação de diversas cartografias exploratórias relacionadas a variáveis demográficas. Santos (1975. são óbvias e promissoras. como também sobre as práticas da população de baixa renda atendida por programas específicos (D’Alessandro. Acreditamos que esse tema constitui uma agenda de pesquisa. As potencialidades dos sistemas de informação geográfica. 1999). Os resultados do presente estudo contribuem exatamente nesse ponto. que apenas poderá ser devidamente tratada se for assumida como tarefa intelectual (e talvez política) coletiva. 5 Como realizado por Vetter (1975 e 1981). colocado de outra forma. Guimarães & Tavares (1994). Em parte. e outros cuja população está submetida cotidianamente a condições ainda mais adversas do que as vivenciadas nas décadas de 1970 e 1980. reforçando cumulativamente os riscos a que está submetida a população de baixa renda. 2000) e Marques & Bichir (2001). esses resultados já eram indicados por estudos anteriores. assim como a realização de programas e ações governamentais orientados para os espaços periféricos. qual a importância das periferias como recorte analítico ou. Em alguns casos. Bueno (2000). A publicação dos indicadores sociais referentes ao Censo de 1991 produziu intenso debate. de importantes diferenciais de vida e atendimento por serviços. e como eles se articulam com os descritos anteriormente. Assim. reduzindo em muitos casos os diferenciais entre elas e as regiões habitadas pelas camadas mais ricas da população. uma vez que esses indicadores mostravam uma substancial melhoria nas condições de vida metropolitana e entravam em flagrante contradição com a caracterização da década de 1980 como a “década perdida” dos indicadores sociais e econômicos. ver Watson (1992). bem como um novo conjunto de técnicas e indicadores. à freqüência e aos padrões de atendimento diferenciados entre as diversas regiões. demonstrando empiricamente a presença. essas condições são ainda mais graves do que as indicadas pela Sociologia urbana. Tal conjunto de questões nos levaria a levantar a hipótese da existência de uma espécie de hiperperiferia espalhada entre as periferias crescentemente integradas em termos urbanos. incluindo espaços já bem servidos e inseridos na malha urbana. nem de longe.R E F L E X Õ E S S O B R E A H I P E R P E R I F E R I A 3 Faria (1992). 50 R. nos dias de hoje. (1979. péssimas condições sociais e exposição cumulativa a diversos tipos de risco.5 São diversas as questões analíticas a enfrentar. e mais associada à qualidade.4 Outros estudos têm demonstrado os impactos do aumento da presença do Estado no urbano. inúmeros estudos têm demonstrado a existência de significativos investimentos públicos em casos específicos nas áreas metropolitanas brasileiras. hoje. extrema pauperização. quais os conteúdos sociais dos espaços periféricos. o objetivo deste artigo dar conta dessa questão. Porém. nessa nova realidade. Essa expansão tornou a compreensão do fenômeno da segregação espacial na cidade menos dependente da presença ou ausência de equipamentos e serviços. 4 No caso da infra-estrutura urbana. como Simões & Ortiz (1988) e mesmo antes.3 A partir de então. que se superpõem de maneira perversa às condições de fragilização social e urbana. sugerindo que as periferias metropolitanas hoje seriam ainda mais heterogênenas do que são comumente consideradas. entre outros. nesse sentido. Silva (1992). entre eles podemos citar Najar (1998) e Torres (1997b). Marques (1996. Essa nova realidade demonstra a necessidade de se construir um novo quadro conceitual para a análise das condições de pobreza urbana e metropolitana. Vetter & Massena (1981). sob padrões de atendimento muito melhorados. 1998. Não é. não apenas sobre as condições de vida e saúde até das regiões mais precárias (Marques & Najar. Monteiro (1982). Torres (1997a). 1995). B. longe de esgotar a questão. mas entre elas se destaca a importância de precisar. embora indique a necessidade da construção de um novo arcabouço conceitual. 1981). Os investimentos realizados nas últimas décadas elevaram as condições médias da infra-estrutura das periferias. Vetter et al. A lei das médias esconderia. o estudo reafirma a relevância da análise das condições de vida na periferia. São raros os estudos recentes que se têm colocado essa tarefa. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . acreditamos poder contribuir para esse debate ao demonstrar a continuidade da presença de significativos diferenciais de condições de vida na periferia da região metropolitana mais importante do País. como ocorreu anteriormente com as “periferias da espoliação urbana”. assim como da conformação de formas de segregação socioespacial nas principais metrópoles brasileiras diferentes daquelas já descritas pela literatura. Esse recurso permite atribuir às novas áreas dados dos setores censitários que lhe são superpostos. METODOLOGIA Inicialmente. destacando: • a representação das áreas de risco ambiental mediante faixas definidas por critérios arbitrários. discutimos os diferenciais de atendimento em um dos principais equipamentos urbanos. A lógica geral da tarefa que se seguiu foi a de examinar o perfil socioeconômico das áreas portadoras de problemas ambientais (localizadas ao longo de áreas de inundação. Na terceira parte. alta declividade etc. realizamos a compatibilização das cartografias básicas do município de Mauá existentes na prefeitura. lançamos mão do recurso de sobreposição de cartografias (overlayer). Para tanto. incluindo uma primeira versão desse mapa de setores e do mapa de quadras. a população de um determinado setor a uma determinada área de inundação à proporção que a área do setor participa da área de inundação. entretanto. Conceitualmente. apresentamos algumas questões metodológicas relativas ao estudo. Semelhante procedimento implica atribuir. definimos como área de risco de inundações uma faixa de 150 m em torno dos trechos do sistema viário sujeitos a inundação. TO R R E S . podemos prever erros bastante reduzidos no conjunto das análises. bem como manter inalterado o recorte dos setores censitários. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 51 . • após a construção desses novos layers relativos a áreas de risco. fechamos o artigo resumindo os principais pontos levantados e apresentando nossas conclusões. por exemplo. Tal procedimento tem a vantagem de ser bastante intuitivo. por meio dele estamos propondo uma estratégia de definição de área de risco.H A RO L D O D A G . Considerando a pequena dimensão dos setores censitários. foram usados alguns recursos disponíveis nos Sistemas de Informação Geográfica. A seguir. abastecidas por boosters etc). A principal desvantagem advém da possibilidade de erro na estimativa populacional derivada de perfis heterogêneos de distribuição espacial da população dentro daquele setor. mesmo que ela esteja no extremo oposto ao local da ocorrência. Por exemplo.). assim como para unidades espaciais reduzidas. com o objetivo de integrá-las a um sistema de informações geográficas. B. A principal vantagem de tal procedimento é a caracterização precisa das áreas sujeitas a risco. o que facilitou significativamente os trabalhos realizados. R. descrevemos e discutimos a distribuição dos riscos ambientais no município. A primeira cartografia dizia respeito à organização das bases de dados dos setores censitários. onde tal tipo de critério de grau de risco possa ser definido diretamente pelo poder público e pelas populações das áreas afetadas. o procedimento é indicado para o tratamento de riscos distribuídos por áreas territoriais significativas. Na próxima seção. segundo a linguagem do software utilizado) com as ocorrências de risco consideradas (proximidade de cursos d’água. O município de Mauá já dispunha de um notável acervo de bases de dados em formato eletrônico. enfocando duas questões: áreas inundáveis e regiões de alta declividade. Sua desvantagem é incluir na categoria de risco toda a população do setor censitário. áreas sujeitas a inundação. assim como o que podemos esperar da dinâmica dessa situação nos próximos anos. Apesar de esse critério ser arbitrário. • a seleção dos setores censitários que estavam em contato (“that touch or contain”. M A RQ U E S Este trabalho é composto por quatro partes. E D U A R D O C . além desta introdução e da conclusão. sujeitas a deslizamentos. Por fim. utilizamos variáveis censitárias clássicas. embora simplificados. as principais áreas de inundação localizam-se entre o Centro e o Norte do município. os procedimentos adotados permitiram uma visão bastante abrangente dos padrões espaciais das áreas com grande acúmulo de problemas socioambientais. apresentamos os locais submetidos à ocorrência constante de inundações.6 6 No Mapa 2 apresentamos dados relativos à topografia.R E F L E X Õ E S S O B R E A H I P E R P E R I F E R I A Por meio desses procedimentos. até o seu ponto de desagüe no rio Tamanduateí. utilizamos a classificação dos setores de habitação subnormal do Censo de 1991 e da Contagem Populacional de 1996. com os cursos d’água correndo em vales estreitos. de modo preliminar. Essa cartografia foi obtida por meio do método descrito na seção anterior: a construção de uma overlayer e a definição de um conjunto de variáveis socioeconômicas para a área construída exclusivamente a partir da proximidade das áreas de inundação. menor renda da população. Para tanto. ANÁLISE DO RISCO AMBIENTAL A hiperperiferia pode ser caracterizada. RISCO POR OCUPAÇÃO DE ÁREAS INUNDÁVEIS No Mapa 1. junto ao complexo de setores subnormais localizados ao Norte do município (favela do Macuco). única fonte existente compatível com as demais informações utilizadas no estudo. Detalhamos esses elementos a seguir. ocupando em grande parte a região ao longo do sistema hídrico de grande porte existente no local. mas estimar quantitativamente as populações submetidas a cada tipo de situação urbana. a sobreposição cumulativa dos ricos ambientais a diversas formas de desigualdades sociais e residenciais. facilmente inundáveis. desde perto de sua nascente. origem migratória. um dos principais da Região Metropolitana de São Paulo. ao lado das características mais típicas destes locais – pior acesso à infraestrutura. como as favelas. podemos não apenas visualizar graficamente a superposição de diversos fenômenos em mapas. apresentam condições adicionais de exclusão urbana. assim como delimitamos as regiões contíguas a essas a uma distância de 150 m. etc. definidas segundo um sistema de informações geográficas. escolaridade. condições do domicílio. Trata-se de uma área bastante acidentada em termos topográficos. Entendemos que. estrutura etária etc. Assim. bem como as suas características sociais e econômicas. por aquelas áreas de periferia que. em alguns casos. 52 R. maiores percursos para o trabalho. Essa região acompanha o córrego Corumbé. B. Para caracterizar semelhantes desigualdades. Como se pode observar. Buscamos tratar tal tipo de área de modo especial. de maneira a evidenciar sua especificidade e os principais padrões de segregação nela existentes. o estudo das áreas de risco ambiental podem ter um sentido estratégico: evidencia de modo dramático. Nessa comparação. ambos do IBGE. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . por exemplo. tais como renda. buscamos a comparação das condições socioeconômicas das áreas de risco e não-risco. –. H A RO L D O D A G . TO R R E S . a jusante. próxima ao complexo das favelas do Oratório (em formato de losango. B. A Oeste dessas áreas. localizada no rio Tamanduateí. a maior parte das favelas não se localiza na área de influência de pontos de inundação. No complexo do Oratório (no Centro-Oeste do município). Três outros pontos isolados também apresentam problemas. Como podemos observar. e no córrego Capitão João. embora eles também aí ocorram. Ao longo desse curso d’água e a montante desse local. SP. e no Sul do município. ao Centro.0%). existe uma outra região de freqüentes problemas. R. no rio Tamanduateí. no córrego da Serraria. M A RQ U E S Mapa 1 – Trechos do sistema viário atingidos com freqüência por inundações. a proporção de domicílios subnormais em áreas inundáveis (20. De fato. a Oeste. A rigor. indicando que a população favelada está mais sujeita a esse tipo de risco (Tabela 1).9%) é superior à média municipal (15. Como ambas as favelas estão localizadas em áreas de alta declividade. junto à área Centro-Oeste do município). os núcleos favelados no complexo do Macuco (ao Norte) são quase todos contíguos às áreas inundáveis. Prefeitura do Município de Mauá. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 53 . a jusante. as áreas inundáveis correspondem aos trechos mais baixos. observam-se alguns outros pontos sujeitos ao mesmo tipo de problema. observa-se no Mapa 1 a superposição de áreas de inundação com trechos de áreas subnormais (favelas). E D U A R D O C . Fonte: IBGE. 107 839 1454 3768 1435 632 115 774 15 272 33 431 20 1 8259 1723 Valores absolutos Áreas não-inundáveis Taxa 1991 1996 2.45 100 13.10 17.93 0.39 100 1.195 Ch.17 93.11 67.699 7.94 -3.919 Ch.20 10.803 2.23 16.987 31.56 2.84 0.31 3.95 35.412 4.233 29.322 -5.36 3.81 7. de estudo 919 11-14 a.00 17.19 29.218 20472 1. B.349 43.456 Esgoto rede geral 4.42 45.276 Lixo em curso d’água 3.211 subnormal Casa de cômodos 12 Água rede geral 6.56 7.66 1.53 3.64 45.69 10.47 17.515 35. e Prefeitura do Município de Mauá.44 8.68 2.52 0.20 62.43 27.28 61.009 16.925 3.52 5.24 3.470 Domicílio cedido 726 Outro domicílio 35 Lixo coletado 6.40 4.31 8.721 164 61.949 492 4.31 63.276 - Fonte: IBGE.35 - 1-3 anos de estudo 1.25 23.72 17.57 32.60 22. renda 2-5 sm 2.34 0.219 12.03 42. de estudo 3.40 5.247 13.933 Domicílio 1.09 4. de estudo 66 Chefe não residente em 1991 Origem Reg.33 0.439 3472 6. renda 5-10 sm 1.874 Ch.52 163.93 56.30 11. 20 sm e + 31 Sem rendimento 578 Sem declaração 20 11.463 377 4. 54 R.16 67.16 100 20.332 301 19 65.63 3.105 0.44 1996 100 10.245 9.489 1.25 100 14.419 32752 3.146 1.13 100 16.51 90.61 7.014 4.113 Domicílio próprio 4.28 1996 100 10.12 9.712 27.07 1.65 4.45 100 10.21 4.18 17.87 Valores relativos Áreas inundáveis 1991 12. São Paulo Sul e Centro-Oeste Exterior Domicílios 6.81 100 9.63 0.782 44.74 60.638 7.61 13.96 100 17.09 0.071 66.88 266.579 310.197 8-10 a.16 1.7 3. renda 10-20sm 214 Ch.626 406 60.90 45.62 93.26 3.75 19.41 7.133 284 11.734 1.629 Domicílio alugado 1. Variável Áreas inundáveis População total 0 a 4 anos 5 a 14 anos 15 a 59 anos 60 anos e mais Chefes (*) Sem instrução ou < 1 ano de estudo 1991 1996 28.870 196.165 4-7 a.71 14. 1991-1996.76 Chefe renda 0-2 sm 1.488 6.64 4.74 64. de estudo 405 15 e + a.652 120 2.34 9. Notas: (*) Inclui apenas os chefes para os quais existe informação sobre educação.11 59.47 4.725 1.86 Áreas não-inundáveis 1991 100 11.043 13. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 .56 20.R E F L E X Õ E S S O B R E A H I P E R P E R I F E R I A Tabela 1 – Informações sociodemográficas dos setores censitários.77 21.47 0.23 21.16 0.14 16. localização em relação à área de inundação.78 100 11.174 1456 6.51 62.47 0.59 4.64 41. Norte Nordeste Sudeste (fora SP) Est.51 4.863 14.19 100 1.61 3.55 10.078 3. 1991 e 1996.712 7.231 Taxa 3.319 13.76 6.13 1.06 8.593 7.192 78.746 7271 17.10 23.860 8243 1.41 11.98 46.33 66.43 7.18 1.90 0.70 3.55 25. Mauá.563 78.32 9.28 55.25 94.18 4. que regulamentava o parcelamento do solo até período bastante recente. sendo a primeira incluída na Zona de Desenvolvimento Econômico (destinada primordialmente a atividades industriais). Como podemos observar. ou cerca de 17% do total. O Mapa 2 apresenta a delimitação de tais áreas no município. E D U A R D O C . as áreas a Sudoeste e a Leste apresentam ocupação muito escassa. as áreas incluem duas pequenas manchas a Sudoeste e Leste. segundo a Lei federal 6. podemos dizer que as áreas inundáveis tinham uma proporção levemente mais alta de indivíduos com baixíssima escolaridade. 1997b). visto que. de terra e vielas. ao contrário do que foi apontado por outros estudos relativos à Zona Leste da cidade de São Paulo (Torres. que sobressai pela intensa ocupação. TO R R E S .H A RO L D O D A G . R.000 habitantes em 1996. O mesmo não se aplica às áreas de alta declividade. incluindo ruas pavimentadas. dos grupos sociais de melhores condições sociais. assim como uma extensa área ocupando quase a totalidade do Norte do município. B. em relação às áreas não-inundáveis. Utilizamos a delimitação de tais áreas como uma primeira aproximação às áreas potenciais de risco de encosta. O Mapa 3 apresenta a delimitação das mesmas áreas sobre o sistema viário do município. Essa população cresceu a uma taxa anual de 8. A delimitação mais precisa das áreas de risco de deslizamento com objetivos normativos dependeria da confirmação e do aprofundamento dos resultados apresentados aqui por meio de laudos geotécnicos e vistorias nas áreas. não apenas pela extensão territorial alcançada. tanto em 1991 quanto em 1996. De forma geral. As três áreas delimitam situações e vulnerabilidades muito diferentes. Em seu conjunto. e a segunda localizando-se no interior da área de mananciais do município. Como podemos ver. ao contrário. embora a taxa de crescimento da instrução dessa faixa de chefes tenha sido menor do que a do restante do município no período intercensitário. em sua maioria. Consideramos como definição de área de altas as declividades iguais ou superiores a 50%. como também pelo padrão de ocupação e urbanização de cada uma delas. a população habitante das áreas sujeitas a inundações freqüentes tem uma estrutura etária similar à do restante do município.1% entre os censos. M A RQ U E S As áreas inundáveis correspondiam ao local de moradia de cerca de 33 mil habitantes. A proporção de favelados nessa condição é superior à do conjunto do município. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 55 . É a grande mancha ao Norte do município. Sobre a instrução dos chefes de famílias nessa condição. Em outras palavras.766/79. RISCO POR OCUPAÇÃO DE ÁREAS DE ALTA DECLIVIDADE O município de Mauá apresenta uma expressiva área de seu território com alta declividade. declividades superiores a 35% só poderiam ser permitidas em condições excepcionais. O perfil migratório dos chefes também não apresenta diferenças em relação ao do conjunto do município. podemos dizer que as áreas sujeitas a risco de inundação abrigam uma população bastante similar à do restante do município de Mauá. muito superior à das áreas de baixa declividade (2. em 1996. Essas áreas apresentam condições extremas de inadequação da ocupação. as áreas envolviam uma população de cerca de 53. entre os favelados.3%). apresentando destacada importância sob os pontos de vista urbanístico e social para essa área de risco. mas a similaridade dos indicadores socioeconômicos leva a crer que se trata. SP. A Tabela 2 apresenta. de forma comparativa. Mapa 3 – Áreas de alta declividade e Sistema Viário em Mauá. Fonte: Prefeitura do Município de Mauá. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . A produção desse conjunto de informações partiu da utilização do segundo procedimento descri56 R. B. Fonte: Prefeitura do Município de Mauá.R E F L E X Õ E S S O B R E A H I P E R P E R I F E R I A Mapa 2 – Localização das áreas de alta declividade em Mauá. SP. as informações socioeconômicas da população habitante das áreas de alta e baixa declividades do município de Mauá. no caso das áreas de alta declividade de Mauá. uma significativa onda de migrantes recentes. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 57 . vale também registrar que a população dessas áreas cresceu. particularmente aqueles oriundos de Estados nordestinos.3%.5% e 31. qual seja: a construção de uma nova camada (layer) de informação a partir da layer de curvas de nível (área de alta declividade) e a estimativa da população dessa nova layer. proporcionalmente. As áreas de baixa declividade receberiam. Finalmente. Como podemos ver na Tabela 2.1% contra 2.2% nas áreas de baixa declividade. As informações relativas à migração recente dos chefes de família indicam. Em 1996. tem a ver com o fato de se tratar – simultaneamente – de áreas com elevada e crescente proporção de analfabetos e pequena proporção de idosos. TO R R E S . indicando que tais áreas estão recebendo um inusitado fluxo migratório de analfabetos. mas cresceu a taxas muito significativas nas áreas de alta declividade. a uma taxa bem superior à referente aos habitantes de áreas de baixa declividade: 8. 7 A proporção de analfabetos tem caído em quase todas as áreas do território nacional. que infelizmente estavam disponíveis apenas para o ano de 1991. mas nas áreas de alta declividade essa proporção chegava a impressionantes 42.H A RO L D O D A G . por exemplo. nas áreas de alta declividade.4% contra 6.4%. tomando como base a população moradora de cada um dos setores que a compõe. E D U A R D O C . M A RQ U E S to na Metodologia (seção 2). de maneira proporcional à participação desses setores na área total da região de alta declividade.2% e 25. a proporção de chefes de família sem instrução ou com até três anos de estudo era de 23. R. entre 1991 e 1996. refletindo a substituição natural das gerações mais idosas (e com maior proporção de analfabetos) por novas gerações mais escolarizadas. uma quantidade maior de chefes migrantes recentes de outras cidades do Estado de São Paulo. Como podemos observar. respectivamente. B. a proporção de chefes nas duas faixas inferiores de renda – sem rendimento e com renda de até dois salários mínimos – era muito superior nas áreas de alta declividade do que nas áreas de baixa declividade: 9. Além disso – e essa é uma informação realmente importante –.7 Essa precariedade socioeconômica pode ser confirmada pelas informações referentes ao rendimento dos chefes de família. a população moradora das áreas de alta declividade apresenta um padrão de escolaridade muito inferior à das demais áreas do município. O que parece inusitado.1%. as proporções de chefes sem nenhuma escolaridade caiu nas áreas de baixa declividade entre 1991 e 1996. Norte 22 Nordeste 768 Sudeste (fora SP) 86 Est.583 28.50 2.33 100 48.29 100 9.85 63.342 - Fonte: : IBGE.47 0.26 0.96 100 19.556 924 16.371 28.91 7.48 3.10 3.78 5.04 0.82 4.62 0.259 44.45 25.054 Ch.609 185.894 63.84 1.24 4.60 2.567 12. de estudo 255 15 e + a.54 20.21 2.407 Domicílio próprio 6.76 Valores absolutos Baixa declividade 1991 1996 Taxa 2.236 5079 Valores relativos Alta declividade 1991 100 13.84 61.784 4-7 anos de estudo 3.83 100 21.73 81. Variável Alta declividade 1991 População total 0 a 4 anos 5 a 14 anos 15 a 59 anos 60 anos e mais Chefes (*) Sem instrução ou < 1 ano de estudo 35.32 24.12 9.614 4.55 20.433 13.73 6.487 7.76 8.942 5.13 0. segundo declividade dos locais de moradia.031 500 3.62 12.70 11.13 100 6.991 7.165 12.562 Chefe renda 2-5 sm 3.024 26. 58 R.85 57.055 8.479 1.05 41.186 1.927 1.71 20.71 29.12 2.72 0.52 18. 1991 e 1996.000 6.57 3.45 100 1.944 3.702 8-10 anos de estudo 805 11-14 a.797 6.142 1.90 0.89 10.11 11.628 11.206 59.628 11.204 11.08 4.46 9. renda 10-20 sm 132 Ch.05 80.38 43.684 8. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 .84 14.88 9.01 16.87 100 7.91 1.87 29.488 42.571 Chefe renda 5-10 sm1.27 95.83 79.966 324 3.282 8. de estudo 26 Chefe não residente em 1991 10.02 22.552 160.88 3.24 45.89 4.68 1.77 42.92 4.-Oeste 64 Exterior 1 Domicílios 8.28 9. São Paulo 890 Sul e C.881 11.45 2.982 14.294 Domicílio 3.57 1.38 59.74 3.804 9.80 0.25 2.546 Esgoto rede geral 3.049 14.563 20.92 58.74 21.99 16.281 72.06 6.33 100 1.90 4.78 6.11 8.17 41.883 5.49 6.53 7.43 1996 100 9.384 290.990 172 61.43 2.91 45.49 0.R E F L E X Õ E S S O B R E A H I P E R P E R I F E R I A Tabela 2 – Informações sociodemográficas de Mauá. e Prefeitura do Município de Mauá.05 100 46.58 94.486 8.74 0.62 100 13.938 277 7.788 7.306 14.00 31.991 2.01 Baixa declividade 1991 100 11.859 373 60.454 Lixo em curso d'água461 Chefe renda 0-2 sm 2.05 5.843 9.086 13.16 0.11 13.66 7.85 - 1-3 anos de estudo 1.64 31.594 Origem Reg.873 257 19 63.960 74.56 65.28 0. 1991-1996.78 69. B.010 33.50 2.781 8.254 60.33 1996 100 13.29 21.558 4.08 10.623 Domicílio alugado 958 Domicílio cedido 493 Outro domicílio 68 Lixo coletado 6.22 41.541 493 46 1.832 13.31 10.60 26.68 48.28 -0.81 -9. Notas: (*) Inclui apenas os chefes para os quais existe informação sobre educação.55 0.657 subnormal Casa de cômodos 4 Água rede geral 6. 20 sm e + 23 Sem rendimento 773 Sem declaração 27 - 113 1.74 12.81 1.80 45.03 259.570 1996 Taxa 52. A Tabela 3. 48. continua em direção à Zona Leste de São Paulo. A deficiência do abastecimento pode ser observada em inúmeras escalas.0% de seus domicílios. segundo a definição do IBGE. e no Complexo do Oratório. em sua grande parte. A quase totalidade do complexo do Macuco.5%).8%) e esgotamento sanitário (atendimento de 41. e também cresceu a uma taxa anual superior à do crescimento populacional: 8. respectivamente.H A RO L D O D A G .5 e 1. A adutora do Rio Claro.0% dos domicílios das áreas de baixa declividade. teríamos uma vazão máxima necessária de 1.6%). mesmo se não considerarmos o consumo industrial. As condições de infra-estrutura das áreas de alta declividade também eram bastante inferiores às áreas de baixa declividade.7%). Considerando a vazão máxima existente. Como podemos ver no Mapa 4. a população afirmava que lançava seu lixo em cursos d’água em uma proporção mais de quatro vezes superior aos habitantes de áreas de baixa declividade (cerca de 5. grande parte dos setores subnormais localizam-se em áreas de alta declividade.06% de crescimento populacional. Segundo as informações disponibilizadas pela prefeitura. em 1991. da Estação de Tratamento de Água Taiaçupeba (Sistema Alto Tietê) e da Estação do Rio Claro. era de 342. por favelas: entre 1991 e 1996. Sama. da hora e do dia de maior consumo (K1 e K2). Ainda segundo as informações censitárias. tanto em abastecimento de água (cobertura de 80. as vazões média e máxima aduzidas para o município são de 1. indicam que o abastecimento de água no município é bastante precário. ao Norte. grande parte das favelas dos dois agrupamentos ao Norte e a Centro-Oeste do município. a primeira de 1.800 mm e a segunda de 2. B. apresenta a oferta per capita se levarmos em conta o crescimento populacional. E D U A R D O C . assim como um consumo per capita de 250 l/hab. quanto em limpeza urbana (cobertura de 79.500 mm (vazões médias de 950 l/s e 3.3% e 46. após cruzar o município de Mauá. e muito inferior a isso se levássemos em conta o consumo das indústrias.010 l/s e 1./dia. respectivamente).855 l/s para atender a população municipal que./dia em 1996. localizavam-se em favelas. a água proveniente das estações de tratamento chega à cidade através de duas grandes adutoras. A água consumida é originária de dois mananciais localizados a Sudeste da Região Metropolitana de São Paulo.340 l/s. o consumo per capita seria de 180 l/hab. a Centro-Oeste. localiza-se em áreas de alta declividade. a seguir. a Tabela 2 nos mostra que as áreas de alta declividade eram ocupadas. apresentados no Mapa 1.8% e 10. Vale acrescentar que. eram localizados em setores subnormais. portanto. que no caso de Mauá é significativo. entre os Censos.7% contra 69.000 habitantes. Em primeiro lugar e com caráter mais geral. mantendo R. apresenta declividades muito altas. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 59 . em 1996. além de muito diferenciado segundo as regiões da cidade.6% contra 1. Se considerarmos como 1. respectivamente. a vazão aduzida ao município é inferior à necessária ao atendimento em boas condições da população. M A RQ U E S Em termos quantitativos. ÁREAS DE RISCO E ABASTECIMENTO DE ÁGUA As informações fornecidas pela autarquia municipal responsável pelo abastecimento de água. De fato.2% contra 95. em relação à média. utilizando estimativas da Fundação Seade. o número de domicílios em áreas de alta declividade seguiu a tendência do município. As vazões máxima e média existentes.53% ao ano dos domicílios e 8.1% contra 94. são insuficientes para fazer frente ao consumo domiciliar da cidade. que apresenta as principais adutoras e equipamentos que atendem o município de Mauá. enquanto 7. respectivamente.25 os coeficientes de variação.150 l/s. TO R R E S . a situação. Como podemos ver.000 m3) e Mauá (30.010 l/s contra 990 l/s). se o município dispusesse dessa reservação.000 m3). Entretanto. já descontadas as variações diária e anual.R E F L E X Õ E S S O B R E A H I P E R P E R I F E R I A Mapa 4 – Principais equipamentos e adutoras. A reservação total do município é de 44. Jardim Zaira I e II (7. A reservação deveria ser pelo menos igual à regularização da vazão na hora de maior consumo do dia de maior consumo. Fonte: Prefeitura do Município de Mauá. a vazão aduzida atual seria capaz de atender a toda a população do município. B. distribuída pelos cinco reservatórios apresentados no Mapa 4: Vila Magini I e II (7. Entretanto. constante a oferta de água e sem considerar o consumo industrial. A oferta total de água não é a única informação preocupante na caracterização geral do abastecimento. 60 R. Tabela 3 – Oferta per capita média de água nas próximas duas décadas. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . Ano 1996 2000 162 2005 145 2010 130 2015 121 2020 113 Consumo per capita (l/hab. considerando-se os números fornecidos pela Sama. já que a vazão média atual é superior à vazão média necessária para o abastecimento (1.000 m3. tende a se tornar insustentável em um período de tempo inferior a dez anos. Esse volume não leva em conta as reservações necessárias para vazões de incêndio e para o atendimento à demanda durante um determinado período para a realização de reparos (usualmente considerado como igual a 3 dias). O problema de oferta poderia ser mitigado pela presença de uma capacidade de reservação elevada que permitisse regularizar o consumo diário./dia) 180 Fonte: Fundação Seade e Sama.000 m3). não é isso que se observa. SP. que já não é confortável. Um sistema de abastecimento funcionando em perfeitas condições conta com adutoras que levam a água até os reservatórios localizados nos pontos mais altos da cidade. uma parcela muito mais significativa da população. a reservação existente é muito inferior à necessária para enfrentar a regularização das vazões. considerando-se a área total ocupada. M A RQ U E S Entretanto. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 61 . mas outros aparentemente estão posicionados para permitir o abastecimento de regiões em ponta de linha. Nesse caso. Fonte: Prefeitura do Município de Mauá. as perdas são muito maiores. localizadas nos pontos mais altos. não estão garantidas as condições de abastecimento a todos durante todo o tempo. Alguns deles estão associados ao abastecimento de áreas localizadas em cota superior à dos reservatórios. a pressão na rede não é constante (e depende do consumo de quem já foi abastecido). como nas oito unidades ao Norte e no Centro do município. habita essas áreas. A partir desses reservatórios. Vale também destacar os problemas derivados do atendimento intermitente causado por paradas na operação e por rodízios no atendimento. o que reduz as perdas. e a ocorrência de problemas de operação é mais freqüente. Como podemos observar. e em cada ponto da rede a pressão é aproximadamente constante. Considerando as já citadas insuficiências de oferta de água e a baixa capacidade dos reservatórios de realizar a regularização das vazões. Dessa forma. 8 Os boosters são bombas colocadas diretamente na rede de abastecimento. muito longe dos reservatórios ou das adutoras. não há regiões não abastecidas pela sua cota. SP. Esse tipo de solução representa um abastecimento de pior qualidade. e quando há bairros com ocupação em cota superior à do reservatório.8 Como podemos ver no Mapa 4. TO R R E S . essas regiões são as principais candidatas a receber menos água e a participar com maior freqüência de rodízios de operação. a cidade dispõe de 14 boosters. Considerando apenas a demanda de regularização.000 m3. uma pequena área do município é abastecida dessa forma. a solução encontrada pela concessionária parece ter sido a instalação de boosters junto às regiões de adução mais difícil. sendo as regiões localizadas em cotas mais altas as mais penalizadas pelo abastecimento. o abastecimento se dá apenas por gravidade. como é o caso dos seis boosters localizados na porção Sul do município. quase o dobro do existente. Cada vez que o abastecimento é R. E D U A R D O C . Os boosters são uma solução paliativa quando a pressão da água não permite o abastecimento no final da rede e nos pontos altos. De forma geral. O Mapa 5 apresenta a localização dos boosters e respectivas áreas de atendimento. B. Mapa 5 – Boosters e áreas abastecidas por eles. teríamos um volume igual a pelo menos 73. graças à alta densidade dessas áreas. Como veremos mais adiante.H A RO L D O D A G . O resultado é que a escassez de água é alocada nas diferentes regiões da cidade pela gestão do sistema e pelas cotas respectivas dos bairros. permite uma operação planejada do sistema e garante condições de pressão até mesmo nas pontas da rede. tendem a alojar uma população de melhores condições socioeconômicas. contra 94. Nas áreas de booster.3% de esgotamento em rede geral com sanitário interno e 87% do lixo coletado. os domicílios subnormais representavam quase um terço do total. De fato. As informações fornecidas pela Sama não nos permitem determinar os índices de cobertura. A Tabela 4 traz algumas informações socioeconômicas sobre os grupos populacionais habitantes de áreas atendidas por boosters e de forma convencional. Essa população apresentava crescimento demográfico mais elevado (6. no restante do município. essa água se mistura à de abastecimento.4%. A maior parte das favelas dispersas pela cidade. Esses dados gerais sobre o abastecimento nos informam sobre as condições de atendimento potencial à demanda pelo serviço. gerando uma tendência à sucção da água do lençol freático.6% a. em 1996. Quando o abastecimento é restabelecido. são os dados coletados pelo Censo de 1991. mais presentes nas áreas de booster do que nas áreas de abastecimento convencional. com 88% de cobertura de água por rede geral com canalização interna. as áreas atendidas por boosters abrigavam apenas 7. 57. Assim.). nas primeiras. regiões submetidas a esse tipo de abastecimento sofrem com a contaminação freqüente da água de consumo. enquanto no restante do município alcançavam cerca de 13%.a. como já vimos. podemos perceber a superposição entre áreas abastecidas por boosters e as áreas faveladas. mas não nos indicam quais áreas são realmente abastecidas.3% contra 7. 62 R. Como podemos ver. tampouco os dados levantados na contagem populacional de 1996. sendo consumida. uma parte menor do Complexo do Oratório também é abastecida dessa forma. B.6% da população de Mauá.4% a. tanto em 1991 quanto em 1996. exceto pelos indivíduos sem rendimento.7% contra 2. É interessante observarmos que a distribuição do rendimento médio mensal dos chefes de família era bastante similar nos dois tipos de área. Os dados mostram uma clara segregação do atendimento pela situação socioeconômica.a. de valas ou córregos por onde passe a tubulação para o seu interior. Portanto. A Oeste.R E F L E X Õ E S S O B R E A H I P E R P E R I F E R I A interrompido. A instrução dos chefes de família era inferior à das áreas atendidas de forma convencional.0% e 93. a única fonte de informações sobre cobertura de que dispomos.3%.) e uma maior proporção de população jovem. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . a quase totalidade dos setores classificados como subnormais no complexo de favelas do Macuco apresenta pelo menos uma parte de sua área abastecida por boosters. presentemente. que. os domicílios favelados apresentavam taxas de crescimento mais elevadas do que no restante do município (10. Ao compararmos o Mapa 5 com o Mapa 1. O atendimento por serviços também era inferior nas áreas de booster. 67. é abastecida de maneira convencional. respectivamente. embora nesse caso a extensão comprometida seja relativamente menor. são criadas pressões negativas no interior das tubulações. construídos por meio de um overlayer. Além disso. mostrando como esse tipo de assentamento está mais sujeito a um abastecimento de qualidade inferior. R.47 100 13.66 25.69 100 29.44 10.64 0.34 58. Variável Booster 1991 População total 0 a 4 anos 5 a 14 anos 15 a 59 anos 60 anos e mais Chefes (*) 2.50 7.788 7.77 6. de estudo 1.02 87. 20 sm e + Sem rendimento Sem declaração 21 427 13 Fonte: IBGE.51 17.80 8.22 1.246 9.060 67.86 47.186 Valores absolutos Normal 1996 Taxa 2.843 1.318 2.64 -3.272 1 3.26 4.76 100 11.78 0.48 9.47 7.126 876 6.99 15.057 200.418 1991 100 12.03 0.26 94.081 32.63 3.08 61.28 15.412 Sem instrução ou < 1 ano de estudo 741 1-3 anos de estudo 749 4-7 a.59 31.087 64.63 2. 19911996.30 1.36 0.-Oeste Exterior Domicílios Domicílio subnormal Casa de cômodos Água rede geral Esgoto rede geral 2.103 80.53 11.031 16.344 2. de estudo 8-10 a.223 12. E D U A R D O C .480 Domicílio próprio 3.57 - 11.008 502 4.37 41.768 36.228 1.505 67.62 100 1. TO R R E S .97 3.774 26.508 7.009 45.08 10. de estudo 200 15 e + a.394 371 4.31 Valores relativos Booster 1996 100 11.88 277.81 5.85 0.39 61.23 100 1.320 1996 3.913 4.21 7.94 25.18 21.90 17.00 93.218 Domicílio alugado 664 Domicílio cedido Outro domicílio Lixo coletado 409 438 3.313 17.19 53.21 0.4 5.076 Taxa 5.58 3.9 8.82 170.11 87.23 14.29 1991 18.454 14. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 63 .72 Normal 1991 100 11.793 80.16 17.38 45.487 28.32 0.757 641 4.93 10.20 23.260 283 19 67. 1991 e 1996.182 7. renda 10-20 sm 155 Ch.36 6.34 9.944 657 11. Norte Nordeste Sudeste (fora SP) Est.85 14.943 3 63.21 4.81 19.28 14.42 66. e Prefeitura do Município de Mauá.796 6.23 4.66 44.25 74.88 3.96 7.48 18.029 9.74 6.489 119 2.33 44.227 31.074 7.33 63.49 25.110 6.099 Chefe renda 2-5 sm 1.26 100 13.19 6.729 1.332 1.79 41.58 0. Notas: (*) Inclui apenas os chefes para os quais existe informação sobre educação.54 7.64 3.97 4.341 13.191 3.27 1.75 9.44 0.77 3.319 652 1.07 100 32.663 13.76 3.92 100 9.594 315. M A RQ U E S Tabela 4 – Informações sociodemográficas das áreas abastecidas por boosters.369 30.415 45.95 56.05 21.58 0.41 100 17.782 Lixo em curso d’água 72 Chefe renda 0-2 sm 1. São Paulo Sul e C.74 36.923 175 64.660 10.32 20.284 291 - 11-14 a.43 1996 100 10.88 23.24 16.294 6.58 4.62 57.581 13.35 100 10. Mauá. de estudo 30 Chefe não residente em 1991 Origem Reg.065 7.70 4.H A RO L D O D A G .38 3.345 4.46 4.396 15.99 67.34 4.797 Chefe renda 5-10 sm 807 Ch.62 0.93 2. B.30 0.984 934 392 39 937 16 340 39 503 38 1 4.90 -2.28 7.33 9.24 0. As favelas dispersas tendem a apresentar um número menor de novos domicílios. e ao Sul. O Mapa 6 apresenta informações a esse respeito. Fonte: IBGE. 1991 e 1996. podemos apenas especular a respeito das alterações ocorridas no período recente. com grande heterogeneidade interna. dado que indica a pressão da demanda adicional exercida no período sobre os serviços de saneamento. Conjuntamente. Como podemos ver. Ao compararmos o Mapa 6 com o Mapa 1. Além dessas áreas. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . um padrão de atendimento de médio para ruim. entre as áreas habitadas pelos grupos populacionais de melhor e pior condição socioeconômica (Torres & Marques. as áreas de maior aumento se localizam a Leste do município. na franja da área de mananciais. junto à divisa com o município de Ribeirão Pires. constatamos que o complexo de favelas do Macuco. Mapa 6 – Acréscimo absoluto no número de domicílios. no período. essas apresentaram. a distribuição das coberturas de água (e também de esgoto) indicava. B. tanto em termos de qualidade quanto de quantidade. em 1991. ao Norte do município. o maior crescimento de demanda por serviços em Mauá. encontramos alguns setores da área de mananciais (a Leste do município) e grande parte dos setores no Norte do município. indicando o acréscimo de domicílios por setor censitário entre 1991 e 1996. que contém informações relativas à localização de favelas. 1999). fruto principalmente das menores dimensões dos setores que as compõem 64 R. seguido de alguns setores do Complexo do Oratório. junto à divisa com o município de São Paulo. Como não dispomos de informações mais recentes sobre as coberturas. apresenta a maior pressão da demanda em favelas. 1991-1996.R E F L E X Õ E S S O B R E A H I P E R P E R I F E R I A A PRESSÃO DA DEMANDA Segundo os últimos dados censitários disponíveis. especialmente daqueles localizados em seu Centro e em suas vertentes Leste e Norte. M A RQ U E S (trata-se de informação sobre o número absoluto de novos domicílios. aumentando a já grande segregação socioespacial do atendimento. com características similares às dos subúrbios cariocas da Central e ao início da Zona Leste paulistana. A Oeste do município e ao longo da área central. indica a existência de um grande degrau urbano (e social). mesmo que de forma “marginal”. ou do exército industrial de reserva típicos das periferias dos anos 1970. 1975). mas coloca-se hoje de forma evidente. Isso corresponde a uma renda per capita inferior a R$ 2. os grupos sociais habitantes das hiperperiferias aparentemente passaram da “dependência à irrelevância”. Esses conteúdos modificaram-se de maneira dramática. mesmo em espaços considerados periféricos. especialmente por se tratar de áreas já razoavelmente cobertas em 1991. B. portanto. para uma família com quatro pessoas. As características dos grupos sociais localizados nesses espaços. A heterogeneidade desses espaços talvez já estivesse presente nos anos 1970.50 por dia. As informações não permitem determinar se essa queda se reverteu em melhoria das coberturas.7 milhão de pessoas (10% da população) com rendimento familiar inferior a dois salários mínimos – R$ 302. possa ter-se deteriorado ainda mais desde então. diz respeito ao encontro da geometria/forma urbana – as áreas na franja da metrópole – com conteúdos sociológicos particulares. TO R R E S . R. é plausível que a situação das coberturas. cuja sobrevivência em condições precárias estava associada à venda continuada de sua força de trabalho. E D U A R D O C . Os dados apresentados ao longo deste artigo nos levam a discordar frontalmente dessa percepção. como o município de Mauá. tal como desenvolvido originalmente. que denominamos de hiperperiféricos. aproximadamente 1. de acordo com a PNAD-IBGE.00 –. e particularmente a questão da qualidade média do atendimento. ao menos para uma parte da produção acadêmica. e não de proporções relativas). indicando a existência de espaços heterogêneos e extremamente diferenciados. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 65 . existiam na Região Metropolitana de São Paulo. em 1998. parece-nos estar diante de uma população “excluída” ou fragilmente integrada ao sistema econômico.H A RO L D O D A G . Em termos concretos. Se a maior parte da população das atuais periferias está mais integrada. a melhora das condições de vida nas últimas décadas teria transformado as periferias em amplos espaços de classe média baixa. Embora essa dimensão deva ser objeto de análises específicas profundas. relativamente homogêneos. A maioria das áreas de grande pressão da demanda coincide com os setores com as piores condições de atendimento do município – particularmente aquelas atendidas por boosters. como é o caso dos complexos de favelas do Macuco e do Oratório. acompanhada de espaços extremamente precários. habitados por população de baixa renda. As periferias da década de 1970 seriam os espaços mais externos da metrópole. O silêncio recente da literatura sobre o tema sugere talvez que. Considerando os dados topográficos e de risco ambiental apresentados. CONCLUSÃO O conceito de periferia metropolitana. também não se parecem com os conteúdos sociais da população operária. A melhora das condições de vida de uma parte expressiva da periferia. para usarmos as palavras de Castells (1991). encontramos as áreas com mais significativo decréscimo no número de domicílios. para fazermos eco aos termos de um debate importante para aquelas outras periferias (Kowarick. A isso se somam condições praticamente nulas de mobilidade social ascendente. têm em geral tentado enfrentar tais situações.br Eduardo Cesar Marques. a penetração espacial (e social. é assessor da Fundação Seade e pesquisador do Cebrap. E-mail: hgtorres@uol. segundo nosso critério) das políticas é significativa. passando pelos padrões mais gerais de transformação dos mercados de trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANCO MUNDIAL. cientista social. é evidente que as áreas de periferia mais tradicional. mesmo naqueles momentos em que a renda média apresenta algum crescimento. World Development Report 1992: development and environment. como na segunda metade dos anos 1990 (Marques & Torres. num contexto de queda sistemática da participação do emprego industrial. nas políticas propriamente urbanas. B. até as ações do poder público e de produtores privados do urbano. constituem locais cujos custos de moradia são proibitivos para esse grupo. e mesmo as favelas mais consolidadas. claramente. indicando um padrão de segregação mais complexo.br Em tal contexto. os riscos ambientais e sociais são desigualmente distribuídos (ou os primeiros são distribuídos sobre os segundos). indicando que. Nesse sentido. 1999). até onde pudemos notar (Torres & Marques. criando um círculo perverso de pobreza e péssimas condições de vida em locais específicos (mas nem por isso numericamente desprezíveis).com. A diferença de acesso nesses dois casos. 66 R. mais difícil de conceituar e medir. esses grupos sociais deslocamse por maiores distâncias para ter acesso não apenas a unidades mais especializadas. entretanto. as ações do poder público. Essa hiperperiferia implica a condensação e o acúmulo num espaço menor de riscos sociais. embora novamente as populações de menor renda tenham menor acesso a vagas em séries mais elevadas e freqüentem escolas com classes mais cheias. é pesquisador da Fapesp no Cebrap e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo.R E F L E X Õ E S S O B R E A H I P E R P E R I F E R I A Haroldo da Gama Torres. genericamente atribuídos ao contexto periférico mais abrangente. conseguindo alcançar resultados razoáveis em políticas como saúde e educação. 2000). Essa grande população miserável é obrigada a habitar as franjas e interstícios urbanos mais precários. as prefeituras e os governos estaduais ainda têm muito a realizar. Neste contexto. uma periferia da periferia. analisadas pelo estudo original mas não incluídas aqui. mas nem por isso menos injusto. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . São inúmeros os mecanismos que levam a tal situação. é bem inferior à verificada no atendimento por infra-estrutura (e na sua qualidade) e no acesso à cidade. No caso da saúde. talvez ainda mais graves que as descritas nas “periferias da espoliação urbana”. a existência de áreas de risco ambiental com péssimos indicadores sociais e sanitários (no caso de Mauá. E-mail: ecmarq@uol. aumento do número de trabalhadores autônomos e sem carteira assinada. no caso da educação.) as únicas acessíveis a grupos de baixíssima renda. No caso dessas políticas. desde o mercado de terras que torna as áreas de risco ambiental (próximas a lixões. De um ponto de vista estritamente sociológico. sujeitas a inundações e desmoronamentos etc. Assim. 1992. são cercadas por condições médias relativamente elevadas para os padrões periféricos tradicionais. a desigualdade de rendimentos aumenta. Nova York: Oxford University Press. a emergência da hiperperiferia parece ter a ver com o aumento da heterogeneidade social paulistana. bem como de aumento dos trabalhadores do sexo feminino e de ocupados no setor de serviços. No caso de Mauá. mas também a unidades básicas. especialmente em áreas de alta declividade) mostra que há. cientista social.com. Essas condições. o que seria justificável considerando-se o caráter hierarquizado do sistema de saúde. residenciais e ambientais de diversas origens. _______. R. 1976. et. espaço social e pesquisa. B.4. M A RQ U E S BONDUKI. D’ALESSANDRO. L. CHINELLI. TO R R E S . et al. (Ed. 1981. In: MARICATO. L. Capitalismo e marginalidade na América Latina. 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R E F L E X Õ E S S O B R E A H I P E R P E R I F E R I A A B S T R A C T The aim of this article is to present the main analytical findings of the application of GIS techniques to urban planning in Mauá. socio-spatial segregation. the results show a superimposition of extreme poverty and urban risk conditions. urban periphery. including areas that are very well served and included in social and urban terms. pointing to the existence of very strong cumulative effects of urban risk and precarious socio-economic conditions. population and environment environmental risk. In certain census sectors of the municipality. This cumulative effect seems to be more important than that indicated by the academic literature: a much more heterogeneous urban periphery than is commonly considered was identified. urban risk and accessibility to public policies in the 1990s. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . 70 R. K E Y W O R D S Urban space. living conditions. São Paulo. The paper is centre on several types of exploratory cartography related to demography. B. as well as others in which the population is submitted to more adverse conditions than those that characterised the metropolitan peripheries of previous decades. as quais ocorrem. Belo Horizonte. As metrópoles brasileiras podem ser consideradas um locus privilegiado para a análise da transformação das variáveis demográficas e suas conseqüências no País e nos domicílios. nas quais são comparadas as diferentes proporções da população acima de sessenta anos. um crescimento anual abaixo da média nacional. As transformações na estrutura e na distribuição da população têm um impacto considerável nas demandas por serviços e na formulação de políticas públicas. as cidades acabam refletindo de forma explícita todas essas transformações e. nessas áreas. B. especialmente no que se refere ao padrão de formação de domicílios. São Paulo e Belo Horizonte. seus efeitos. Salvador. as oito maiores áreas metropolitanas (São Paulo. logicamente. localização. Tal diminuição na taxa de crescimento populacional é ainda mais marcante quando se leva em conta apenas o município sede de cada uma dessas regiões metropolitanas. INTRODUÇÃO Nos últimos trinta anos. A Tabela 1 dá um exemplo da rapidez com que essas mudanças estão ocorrendo. como conseqüência do declínio da fecundidade. Rio de Janeiro. com a evolução da ocupação da cidade em diferentes anos. Recife. médio e longo prazos. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 71 . Sendo o Brasil um país urbano. em três grandes metrópoles: Rio de Janeiro. Isso é o resultado da redução dos fluxos migratórios e do profundo controle da fecundidade que as mulheres. são utilizadas as chamadas Unidades de Planejamento como subdivisões do município (em número de 81). para se ter uma idéia. em conjunto. principalmente. Belo Horizonte. Fortaleza e Curitiba). R. evolução. PALAVRAS -CHAVE Envelhecimento. passaram a exercer. o Brasil tem passado por profundas mudanças em seu padrão demográfico. Esse é um processo irreversível e não-conjuntural. no município. Assim. que deve ser considerado a curto. que apresentaram uma rápida expansão populacional durante as décadas de 1960 e 1970 passaram a ter. especialmente a partir da década de 1980. Porto Alegre. Desse modo.EVOLUÇÃO URBANA E DEMOGRÁFICA DO ENVELHECIMENTO EM BELO HORIZONTE FREDERICO POLEY MARTINS FERREIRA R E S U M O Este trabalho tem como tema a análise do processo de envelhecimento da população do município de Belo Horizonte e sua evolução no espaço urbano da cidade. em 1991. também são observadas novas transformações. Em Belo Horizonte. como impeditivos de se desenvolver uma vida familiar saudável e equilibrada. cujo processo de ocupação é simultâneo à construção da cidade e ao Prado Mineiro – nunca chegou a adquirir as características de núcleo agrícola. sem o qual não se poderia concretizar a mudança. B. Com efeito.2 3.4 1980 3.4 3. necessário se fazia a presença de um operariado qualificado. p. que recebiam. identificando os espaços estreitos e de alta densidade. Esses trabalhadores não se distinguem – a não ser pela profissão – dos migrantes rurais já encontrados. Assiste-se.0 1996 3.9 4.E V O L U Ç Ã O U R B A N A E D E M O G R Á F I C A Tabela 1 – Relação habitante/domicílio. o núcleo de Carlos Prates. 1980. Foram instalados nas áreas próximas da zona urbana. especialmente. os espaços públicos passam a ser reservados exclusivamente para a circulação. caracterizada como zona de ocupação dos domicílios unifamiliares.5 4.51): Na perspectiva de organização da mudança de Capital. sanitárias e habitacionais. apresentando. assim. onde normalmente residiam as classes mais ricas e se localizavam os melhores serviços. Cidade Rio de Janeiro São Paulo Belo Horizonte Relação habitante/domicílio 1970 4.7 Fonte: IBGE.7 4. as cidades têm-se estruturado de forma a possuir um centro demograficamente populoso. destinado aos futuros trabalhos de construção civil. 1970/96. as classes mais pobres de trabalhadores e os domicílios coletivos. o modelo urbanístico adotado na construção da nova capital condenava a existência de habitações coletivas na cidade. apesar de serem consideradas então como rurais.5 3. apesar de sua incorporação oficial à cidade só ocorrer em 1911. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . com calçadas largas. No final do século XIX. especialmente dos funcionários públicos mais graduados. O padrão de formação e localização das famílias deu-se a partir da construção dos domicílios mais abastados.0 4. Censos Demográficos 1970.7 5. Todas as formas de ocupação espacial que não correspondessem ao modelo de casa unifamiliar. situado na área próxima à Vila Operária – Barro Preto e Calafate. localizavam-se na parte exterior da Avenida. trabalhadores e migrantes pobres. oficialmente proclamada. De acordo com o texto elaborado pela Plambel (1979. Uma das conseqüências dessas mudanças é que. e uma periferia ocupada por uma população de renda mais baixa. além de densidades domiciliares elevadas.6 1991 3. semelhante configuração também é comum. bem equipado com infra-estrutura urbana. Além da definição das moradias que deveriam ocupar as partes mais nobres da urbe. o que confirma a hipótese do maior povoamento do que a produção de alimentos. característicos dessas habitações. péssimas condições ambientais. isolada ao 72 R. 1991 e 1996. destinadas especialmente aos passeios a pé. que se transferiram de Ouro Preto (antiga capital do Estado de Minas Gerais) para a área compreendida pelo atual centro urbano (área interna da avenida do Contorno). Historicamente. no nível intra-urbano das grandes cidades. a um processo de assimilação relativamente rápido dos “núcleos agrícolas” à zona suburbana da capital. condição essencial para o progresso civilizado da cidade. Ao mesmo tempo. Belo Horizonte torna-se um importante núcleo ferroviário e. Tal aquele bairro improvisado. que aceleram o crescimento populacional e modificam substancialmente sua estrutura demográfica e espacial. além da própria mão-de-obra nacional. Esses dois bairros mescladíssimos e turbulentos. a que o povo denominava Favela ou Alto da Estação ou Morro da Estação. sendo provavelmente comum o amasiar-se (viver junto). quando algumas mudanças demográficas se tornam mais visíveis. crescia lentamente. Atrás dela. e à limpeza das ruas. o núcleo urbano começa a receber sucessivas levas de imigrantes. Na maioria das vezes. normalmente em idade de trabalho. a estrutura etária da população era basicamente jovem. onde morava a gente operária. vale lembrar que Belo Horizonte recebeu um grande contingente de trabalhadores migrantes no período de sua construção. principalmente italianos. Esse padrão implicitamente rejeitava os diferentes arranjos familiares que fugissem à idéia de família nuclear patriarcal. especialmente se se considera o crescimento das outras capitais provinciais. ao descrever as primeiras aglomerações pobres no período de fundação da cidade. 519). a cidade tinha um crescimento lento. plantado no meio de uma esplanada que estava sendo preparada. convocados para edificar a nova capital. essa população não seguia os padrões considerados desejados de formação familiar e domiciliar. p. entre as partes internas e externas da avenida do Contorno. existia igualmente o Leitão. um centro burocrático-administrativo. o que tem como conseqüência a diminuição das taxas de crescimento e o início de um processo de envelhecimento populacional. principalmente. as classes populares acabavam tornando-se duplamente segregadas – pelo padrão de convivência e pelos espaços que poderiam freqüentar e morar –. sobretudo à noite e nos dias de descanso. observa que: A Estação de Minas era um precário barracão de tábuas coberto de zinco. A partir desse período. foi claramente definido. Nesse processo.F R E D E R I C O P O L E Y M A R T I N S F E R R E I R A máximo no lote. estando entre eles. puseram à prova de fogo a energia e o valor do subdelegado … CARACTERIZAÇÃO DEMOGRÁFICA Nos anos que seguem à sua fundação. Isso era reforçado pelo pequeno parque industrial. aglomerando uma pequena classe média. em rumo oeste do arraial. 63). Belo Horizonte só passa a perceber um crescimento mais intenso durante as décadas de 1930-1940. cuja importância real no município era quase insignificante.1998. Por receber uma grande quantidade de imigrantes. Assim. nesses primeiros anos de existência. No aspecto social. Denominava-se Favela por ser muito semelhante ao morro de igual nome existente no Rio de Janeiro. em Belo Horizonte. de funcionários públicos (Moraes. principalmente. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 73 . mulheres chefiando domicílios etc. p. pelo alto da colina. R. outro aglomerado humano de gente pobre. A população. quando se instala em suas imediações um parque industrial dinâmico (Cidade Industrial). Tal processo se estende até os anos 70. ex-escravos (a Abolição foi em 1888 e Belo Horizonte foi inaugurada apenas dez anos após. Barreto (1996. composta. eram rejeitadas. esse espaço. B. em 1898) e imigrantes. residindo em cortiços e favelas. acima da projetada Rua Sapucaí ia-se adensando uma povoação de cafuas e barracões de zinco. especialmente as relacionadas à queda da fecundidade e à diminuição das taxas migratórias para a cidade. proporcionalmente. as demais diminuíram o ritmo de expansão do número de domicílios ocupados. e. Essas divisões podem ser observadas nos mapas anexos. Em relação aos anos de 1980-1991. B. a uma taxa de 1.7% no período 1991-1996. todas as Regionais apresentaram um decréscimo na relação habitante/domicílio. Barreiro e Norte. Analisando a razão de sexos por regional.E V O L U Ç Ã O U R B A N A E D E M O G R Á F I C A 1 O município de Belo Horizonte está subdividido politicamente em nove Administrações Regionais e 81 unidades de planejamento (UPs). Pampulha e Norte foram as que apresentaram uma taxa de crescimento superior entre 1991-1996. Por outro lado. Quanto à taxa de crescimento do número de domicílios. Além disso. O número de domicílios na área central de Belo Horizonte tem caído sistematicamente. à maior imigração feminina. Entre 1991 e 1996. nota-se que. Como resultado desse processo. A população de Belo Horizonte cresceu a uma taxa de 1. aproximadamente. aliada a uma expectativa de vida maior que a masculina. entre 1991 e 1996. além da Regional Leste. havendo um pequeno decréscimo. uma população de. bastante comum em todas as cidades de grande porte da América Latina. a Regional Noroeste também passa a essa condição. A maior proporção de mulheres residentes. finalmente. É interessante notar que a conseqüência mais imediata desse fenômeno é a queda da relação habitante por domicílio. havendo uma diminuição nas demais. em 1996. a Regional Centro-Sul foi a que apresentou um maior decréscimo nessa relação. novas características físicas do domicílio parecem surgir. 74 R. de 2. apresentaram uma desaceleração do seu crescimento.2% ao ano e 0. as Regionais que apresentaram um maior crescimento. foram Venda Nova. tanto em número de domicílios quanto em número de habitantes. que continua perdendo população em um ritmo menos acelerado. como. por exemplo. de domicílios não-familiares e de domicílios com apenas um casal está também aumentando.73% ao ano. que a população idosa de Belo Horizonte. alcançando. Noroeste. observa-se que o crescimento total do número de domicílios ocupados em Belo Horizonte foi. entre 1980 e 1991.5% ao ano e. o surgimento e construção de apart-hotéis e o aparecimento de condomínios fechados. Oeste e Venda Nova. a uma taxa de 0. seguidas pelas Regionais Pampulha e Nordeste. e. indicando a direção da expansão da malha urbana do município durante a década. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . a proporção de pessoas que moram sozinhas. nesse último período. um aumento no número de domicílios com apenas um dormitório. de.770 habitantes. e. Assim. entre 1970 e 1980. a Noroeste e a Leste. aproximadamente 2. a mais alta.20% ao ano. no município todo. o município cresceu a uma taxa de 3. durante a década de 1980. na década de 1980. Analisando a Tabela 2.7% ao ano. como a Centro-Sul. entre 1991 e 1996. em ambos os períodos analisados.2% ao ano. que se destacam. num futuro próximo. sendo que a Regional Leste chegou a ter perda líquida de população. as Regionais CentroSul. a razão mais baixa. a razão de sexo permaneceu praticamente a mesma. será basicamente feminina. constata-se que a razão de sexos aumentou (maior proporção de homens residindo) nas Regionais Centro-Sul. demonstrando um descompasso crescente no incremento das duas variáveis. observa-se que a Regional Centro-Sul é a que apresenta. Ao mesmo tempo. 2. e. Ao mesmo tempo. caracterizam. o padrão de formação e localização dos domicílios parece modificar-se. que mantém uma tendência crescente de queda à medida que o tempo passa. basicamente. Entre 1991 e 1996. Isso se deve. principalmente nas idades mais avançadas. as Regionais mais populosas. Um outro dado relevante é o desequilíbrio da composição demográfica por sexo (vide Tabela 3). e a Regional Barreiro.091.1 Quando se analisa esse processo em nível interno do município. todas as demais Regionais apresentaram um declínio no seu ritmo de crescimento. 0 3.296 25.674 74.518 54. 80-91 3.1 4.768.826 23.29 0.00 2. Censos Demográficos. 1980-1996.60 1.41 -0.865 218.00 3.872 249.401 35.862 254.765 114.035 247.091.65 1.302 Domicílios 1991 51.3 3.19 1980 154.650 80.78 2.700 56.399 57.50 2.774 339.20 91-96 1.345 120.311 1996 58.27 -0.971 261.718 92.6 3.877 249. 91 4.002 150.98 4.04 0.3 3.91 2.340 31.492 2.080 16.126 336.0 4.22 3.R. .138 337.626 211.371 F E R R E I R A Fonte: IBGE.00 1.08 0.9 4.27 1.230 175.54 -0. 80-91 4.6 3.73 Pop.8 4.38 4.8 3.516 68.42 1.32 4.330 198.730 População Res.192 Tx/cresc.86 0. Regional* 1980 Barreiro Centro-Sul Leste Nordeste Noroeste Norte Oeste Pampulha Venda Nova Total 31.1996.604 252.938 Tx/cresc.92 0. 1991.964 61.42 0.302 251.48 2.860 62.2 4.1 3.158 86.7 3.138 64.59 3.585 235.661 243. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 75 F R E D E R I C O Tabela 2 – Distribuição da população e dos domicílios ocupados de Belo Horizonte por Regional.76 1.253 2.607 67.9 4.53 0.62 2. 1991 220.541 44.0 3./Dom.345 560.26 2.849 383.69 1.87 4.4 4.695 26.442 1996 237.896 77.059 106.046 256.0 96 4.791 45.497 503.45 1.16 3.51 91-96 2.288 50.7 P O L E Y M A R T I N S 1.743 238.9 3.47 0.6 3.016.284 133. B. 1980.07 2.638 45.457 65.359 70.03 2. Em Belo Horizonte.9627 0.E V O L U Ç Ã O U R B A N A E D E M O G R Á F I C A Tabela 3 – Razão de sexos por administrações regionais. Em geral. respectivamente com uma Taxa Líquida de Migração de -0. abaixo.0043 0. Como. psicológico e social. Em 1991.0002 Fonte: Censos Demográficos. com diminuição de sua capacidade produtiva e relativa dependência para o desempenho de suas atividades diárias. especificamente nos países em desenvolvimento.8709 0. são consideradas idosas as pessoas com sessenta anos ou mais. situavase em torno de 3.8939 0.0031 -0. de acordo com a Organização das Nações Unidas. Para se ter uma idéia.0234 -0.0095 0. do nível de reposição da população.77). iniciada por volta dos anos 60. aqueles que. em 1980.8634 0. -0. o saldo migratório de Belo Horizonte entre 1980 e 1990 foi de -106064. uma redução da mortalidade.9721 0. entram numa etapa de alteração de seus papéis sociais. numa determinada sociedade.8895 0. normalmente a migração é seletiva por idades (basicamente os jovens migram). observa-se uma rápida queda das taxas de fecundidade.0040 0. O ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO Ao se analisar o envelhecimento populacional.0075 -0. 3 De acordo com estimativas indiretas. Na realidade. portanto. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 2 Dados de fecundidade e migração calculados e gentilmente cedidos por André Brás Goelguer. tal definição possui um grande componente subjetivo e é influenciada por vários fatores que abarcam. porém secundárias. além do critério cronológico. em um primeiro momento. o envelhecimento biológico. Quanto aos impactos do aumento da esperança de vida no envelhecimento. tendo também a mortalidade e a migração participações importantes.12 filhos por mulher. pode-se considerar que a idade média da população aumenta quando aumenta sua proporção de idosos (Moreira.0017 -0.8970 0. optou-se aqui pelo critério cronológico.39. são considerados idosos. especialmente nas populações de 76 R.9493 0. 1991 e 1996. Ao se considerar o envelhecimento da população.8981 0. Normalmente. . e entre 1991 e 1996 de -42128. Especificamente. depois de terem passado pelas fases de crescimento e maturidade.0085 -0. sem dúvida.9511 0. a Taxa de Fecundidade Total do município. esse fato também estaria contribuindo marginalmente para o envelhecimento de Belo Horizonte.9217 0. IBGE.7917 0. p. nota-se que o indivíduo envelhece à medida que sua idade aumenta. o primeiro fato que deve ser considerado é a definição de “idoso”. Já uma população envelhece de acordo com o aumento da idade média do conjunto das pessoas que a compõe. as modificações da fecundidade desempenham um papel crucial no envelhecimento. Assim.50 e -0. a maior parte desse fenômeno pelo qual o município tem passado se deve à queda da fecundidade.9066 0.1997. 1991-1996. assim como no resto do País.8984 Dif. B. Regional Barreiro Centro-Sul Leste Nordeste Noroeste Oeste Pampulha Norte Venda Nova Belo Horizonte 1991 0. esta mesma taxa alcança o valor de 1.0103 -0.2 Mesmo não se calculando os efeitos da migração3 no processo de envelhecimento.8151 0. como o Brasil.9484 0.9442 0. Na dificuldade de avaliar a perda de autonomia pessoal e diante da necessidade de delimitar a população idosa.8935 0.8986 1996 0.9320 0. O rápido processo de Transição Demográfica pode fornecer elementos importantes para a compreensão das mudanças na estrutura etária da população.91 filho por mulher. 86 0. B. o processo de envelhecimento populacional.F R E D E R I C O P O L E Y M A R T I N S F E R R E I R A fecundidade mais alta. 1. Já na metade da década de 1990. o efeito do envelhecimento pela queda da mortalidade.40 4. Assim. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 77 . 1991 e 1996. têm apenas um impacto marginal sobre a estrutura etária. torna-se mais visível. A queda da fecundidade contribui para um aumento da participação relativa da população idosa. Assim. em um futuro próximo. se entre as décadas de 1970 e 1980 houve um aumento de 0. seja aumentando a proporção de idosos nas regiões de emigração e diminuindo-a nos centros de atração. entre 1980 e 1991 essa diferença passa para 1. pela base ou pela idade média da população. afeta consideravelmente a estrutura etária regional. é o aumento da sobrevivência da população idosa que determina o envelhecimento populacional. são especialmente pela redução da mortalidade infantil. seja alterando as razões de masculinidade das regiões envolvidas. o crescimento foi de 1. Tabela 4 – Proporção de população maior de 60 anos em Belo Horizonte. rejuvenesce a estrutura etária da população. resulta quase que exclusivamente da queda da fecundidade. Ano 1996 1991 1980 1970 (%) > 60 anos 8. bem como a diferença percentual entre os decênios até 1991 e o qüinqüênio 1991-1996. especialmente das populações adultas. Pode-se observar que. Em Belo Horizonte.29 7. ocasionada pela diminuição da proporção de crianças. Bercovich (1992. sem modificar a participação dos idosos. que é seletiva por faixa etária e sexo. Ao se processar regionalmente com tempos e intensidades diferentes — como no caso do Brasil — aprofundam-se os diferenciais regionais das proporções de população idosa. Os ganhos na esperança de vida. Porém. a Tabela 4 fornece a evolução percentual da população com sessenta anos ou mais. Analisando o envelhecimento brasileiro em nível regional. dentro do espectro de níveis de fecundidade e mortalidade considerados como historicamente vivenciados pela humanidade. dependendo do padrão. As variações de mortalidade também afetam a proporção de idosos.83% na proporção da população maior de sessenta anos. Tal fenômeno é característico de vários países desenvolvidos e parece ser determinante para o envelhecimento de Belo Horizonte. também que.83%.03% R. Moreira (1997. 1970-1996. 80) observa que: Fica claro. A migração. podem influenciar em sentidos opostos. nesse caso. quando os níveis de fecundidade já estão relativamente baixos e não existe folga para maiores quedas. dentro deste intervalo de níveis. mas. p. 1980. seja o mesmo definido pelo topo. p.26 5. Censos Demográficos 1970.41) sintetiza de forma interessante esse processo: A distribuição espacial é produto da interação entre os componentes da dinâmica demográfica.83 Fonte: IBGE.57 Anos 1996-91 1991-80 1980-70 Dif.03 1. As mudanças nos níveis de mortalidade. 67 5.70 7.E V O L U Ç Ã O U R B A N A E D E M O G R Á F I C A em relação a 1991. analisando os anos de 1991 e 1996. na área do município.56 13.87 6. Quando se analisa o processo de envelhecimento em nível interno do município. Parece haver. têm um ritmo de crescimento dessa proporção superior a Regionais como: Norte.71 4. A Regional Leste foi a que teve maior aumento de suas taxas. B. A proporção da população com mais de 65 anos de idade por Regional já fornece alguns elementos para essa análise (vide Tabela 5). e áreas com maiores proporções.26 Assim.56 36. mesmo apresentando as menores proporções de idosos da cidade.60 25.63 3.39 8. foi. a que teve. por sua vez. tanto em 1991 como em 1996.38 3. Isso demonstra que a população de Belo Horizonte envelhece em um ritmo crescente e acelerado.86 19.71 6.43 5. podese observar algumas tendências. Tabela 5 – Proporção de população maior de 65 anos por Regionais. Percebe-se. Áreas como Venda Nova. que abriga a maior proporção de idosos. a mobilidade das famílias para diferentes domicílios em áreas e bairros distintos passa a ter um papel fundamental no envelhecimento populacional de uma área. Relativo* (c) 25.81 36. Nordeste e Oeste.52 21. A Regional Centro-Sul. 1.72 2. por outro lado. que áreas com menores proporções de idosos possuem um ritmo de envelhecimento mais intenso. quando se analisam aspectos demográficos como a estrutura etária em diferentes subdivisões espaciais em nível intra-urbano. ou melhor dizendo. são as áreas cuja proporção de idosos tem aumentado mais rapidamente. 78 R. 1999. a migração. em Belo Horizonte. relativamente. o menor crescimento de sua proporção de idosos. nas quais a estrutura etária de seus moradores é mais elevada que em outras.00 22. que mantêm suas posições nas duas datas analisadas. um ritmo menor. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . foi a que apresentou a maior proporção de população acima de 65 anos. seguida pelas Regionais Leste e Noroeste. Regional Barreiro Centro-Sul Leste Nordeste Norte Noroeste Oeste Pampulha Venda Nova Fonte: SMPL.63 4. Existem áreas.83 5. observa-se um aumento da proporção de idosos em todas as Regionais. observa-se que ele não se dá de forma homogênea no território.02 4. Barreiro e Pampulha (normalmente “Regionais” de ocupação populacional mais recente).25 3. uma tendência à homogeneização das proporções de pessoas idosas residentes. Quando se analisa o aumento relativo da proporção de idosos (representado pela coluna c).06 19. A Regional Centro-Sul. seguida pelas Regionais Noroeste.92 (%)> 65 anos 1996 (b) 3. É importante salientar que. 1991-1996. além da própria queda da fecundidade.65 3. *c = (b – a)/a (%)> 65 anos 1991 (a) 2. então.81% a mais em 1996 em relação a 1991. As Regionais Leste e Noroeste. Centro-Sul e Pampulha.57 Cresc.23 4. F R E D E R I C O P O L E Y M A R T I N S F E R R E I R A Para os domicílios, uma das conseqüências mais imediatas do envelhecimento seria a mudança na proporção dos diferentes arranjos domiciliares, especialmente aqueles com menor número de moradores (por exemplo, aumento dos domicílios unipessoais), domicílios chefiados por mulheres idosas etc. No caso de envelhecimento por aumento da esperança de vida (o chamado envelhecimento pelo topo), considera-se que, numa mesma família, podem conviver três gerações ou mais, podendo haver um aumento do número dos chamados domicílios estendidos. Por outro lado, o aumento na expectativa de vida pode alongar a duração dos casamentos, estendendo também o tempo de um potencial conflito marital com a ruptura de casais. HIPÓTESES QUANTO À LOCALIZAÇÃO É interessante observar que exatamente as áreas de ocupação mais antiga são aquelas que possuem uma maior proporção de moradores idosos, como é o caso da Região Centro-Sul. Áreas de ocupação mais recente, como Venda Nova, Barreiro e Norte, apresentam uma menor percentagem de pessoas mais velhas. Esse processo pode ser mais bem verificado nos mapas anexos (vide Mapas Evolução Urbana e Distribuição da População Idosa). O número de domicílios com pessoas idosas decresce do centro da cidade (normalmente área mais antiga) para a periferia ou áreas de ocupação mais recente. Por outro lado, comparando-se as distribuições das populações idosas e da população menor de cinco anos, dentro do município de Belo Horizonte (vide Mapas), observa-se que as áreas centrais, que concentram a maior percentagem de pessoas idosas, são também as áreas com a menor proporção de crianças menores de cinco anos. Isso indica, provavelmente, a existência de um “gradiente” de complexidade4 entre os domicílios, que ocorre dos mais simples, na área da cidade, mais central, aos mais complexos nas áreas mais distantes. Essa é uma hipótese a ser investigada. Uma outra hipótese, que também poderia ser aventada, seria o fato de que as famílias envelhecem com seus domicílios e, assim, as áreas de ocupação mais antiga também possuiriam, relativamente, uma maior percentagem de pessoas idosas. Lee (1994) observa que devido ao fato de uma população de uma determinada região ou área ser mais velha, ser dona do imóvel e ser moradora antiga, as chances de que elas se mudem para um novo endereço são menores do que em áreas cujos moradores não apresentam as mesmas características. Por outro lado, Rossi (1955) enfatiza os fatores relacionados a mudanças no ciclo de vida como os determinantes da decisão de se mudar. Nessa perspectiva, mudanças no ciclo de vida, no tamanho, na composição por idades e no nível socioeconômico dos domicílios criam problemas com a atual residência, influenciando a demanda por diferentes tipos de moradia e levando à mudança. Nesse sentido, as taxas de mobilidade alcançam seu máximo nos primeiros anos da idade adulta. A procura por emprego, o casamento e a transição nos estudos engendram mudanças nas residências. Por outro lado, a presença de crianças no domicílio tende a deter a mobilidade. Provavelmente, as crianças fazem que as famílias se mantenham em suas casas e na sua vizinhança. Quanto às mudanças devido ao aumento do número de pessoas no domicílio, Doling (1976), analisando as estatísticas de moradores nas cidades norte-americanas, observa que o típico casal recém-unido demanda, inicialmente, uma pequena residência em regiões R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 79 4 Por nível de complexidade domiciliar entende-se a maior diversidade de pessoas morando no mesmo domicílio. Assim, um domicílio unipessoal é “menos” complexo do que um que abriga somente um casal, que é menos complexo do que um domicílio composto por casal e filhos e um parente etc. E V O L U Ç Ã O U R B A N A E D E M O G R Á F I C A 5 Ao contrário dos subúrbios brasileiros, essas áreas nas cidades americanas são ocupadas pelas classes médias e altas, que demandam grandes espaços para suas residências. 6 Muitas casas antigas no centro de Belo Horizonte têm cedido lugar a grandes prédios de uso comercial e de serviços. Por outro lado, prédios residenciais mais antigos no centro têm-se deteriorado ou mudado de uso. de alta densidade, próximas ao centro da cidade. As análises estatísticas, nas quais tal afirmação se baseou, também mostram, normalmente, que, com a idade e o aumento do tamanho da família, aumenta a demanda por espaço. Assim, essas famílias acabam por demandar residências nos subúrbios5 (mais espaço). Quando o tamanho da família diminui e os filhos se tornam adultos e saem das casas dos pais, haveria, na maioria das vezes, um retorno às pequenas habitações, junto a altas densidades e próximas ao centro urbano. Nesse caso, o acesso aos diferentes tipos de serviços, como proximidade de restaurantes, farmácias, serviços médicos e lazer, poderia ser um importante fator para a escolha da residência. No caso específico dos idosos, Mutchler e Burr (1991) observam que a escolha de onde e com quem viver pode ser complexa. Por exemplo, quando uma mulher se torna idosa, suas obrigações na família, provavelmente, são alteradas pela perda de seu marido ou pela saída dos filhos. Tais mudanças são imediatamente percebidas em seus arranjos de vida. Mesmo se ela não se move fisicamente para outra casa, a composição do domicílio à sua volta se modifica. Por outro lado, ela pode deparar-se com novas restrições, especialmente econômicas, que fazem que certos tipos de arranjos domiciliares sejam mais raros ou mais comuns, levando até mesmo à mudança de moradia. Semelhantes características e recursos, em combinação, ajudam a determinar as chances de se manter um domicílio unipessoal, ceder a chefia do domicílio, mudar de casa ou entrar em uma instituição, como um asilo. No entanto, é possível que o aumento da riqueza domiciliar também esteja correlacionado com estágios do ciclo de vida. No caso das famílias, pode ser que esse fator assuma uma grande importância na explicação das relações de mudança de domicílios. Assim, se as famílias, nos sucessivos estágios do ciclo de vida, ocupam grandes casas, independentemente de sua localização e, se nos últimos estágios do ciclo de vida, não se observa um retorno a casas menores, isso pode ser reflexo do aumento do poder de compra. Seria um caso de aumento da riqueza com o envelhecimento, permitindo a aquisição de residências maiores e melhores. Em Belo Horizonte, a análise indica ser pouco provável que os idosos de maior renda estejam se mudando para casas maiores, mais afastadas do centro urbano, no caso. Em certas áreas da cidade, especialmente as adjacentes ao centro (com grande acessibilidade e oferta de serviços modernos), tem-se observado a construção de prédios de apartamentos de luxo, flats e apart-hotéis voltados especialmente para pequenas famílias ou pessoas que moram sozinhas e de alta renda (é o caso das regiões de Lourdes, Barro Preto e Savassi, que apresentam elevadas proporções de idosos). Por outro lado, o que parece ocorrer quanto aos reflexos das mudanças características do ciclo de vida no espaço é que as áreas mais antigas abrigariam famílias cujo ciclo de vida se encontra em estágios mais avançados (filhos já saíram de casa, morte de um dos cônjuges, presença de chefes idosos etc). Quando o ciclo familiar chega ao fim, especialmente nas áreas mais antigas, parece ocorrer, além da dissolução da família, a dissolução da unidade domiciliar com a mudança de seu uso.6 Seria esse o caso da área mais central de Belo Horizonte, que nos últimos anos vem perdendo moradores (PBH, 1995). CONCLUSÕES Este trabalho procurou reunir aspectos relativos às mudanças demográficas com elementos da evolução da ocupação do espaço urbano em Belo Horizonte. 80 R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 F R E D E R I C O P O L E Y M A R T I N S F E R R E I R A Sem dúvida, um processo de síntese não é tarefa simples, especialmente no que se refere aos marcos teóricos, em que boa parte das formulações foram desenvolvidas no estrangeiro e sem a devida análise crítica do contexto brasileiro. No entanto, algumas observações já podem ser feitas quanto ao desenvolvimento conjunto da análise intra-urbana e da demografia. Ao contrário das análises que levam em consideração unidades espaciais mais agregadas, como regiões, Estados ou mesmo países, baseadas fundamentalmente no agregado de indivíduos, parece que a unidade de análise, por excelência, no nível urbano, é o domicílio. Nesse sentido, o domicílio, além de ser uma expressão física da satisfação de algumas necessidades dos indivíduos, também indica carências, características que possuem reflexos diretos em sua localização espacial (o endereço). Um outro aspecto é a falta de instrumentos para se avaliar o impacto das mudanças demográficas nos domicílios. Normalmente, as técnicas disponíveis privilegiam a mensuração e a análise da modificação de atributos do indivíduo (como, por exemplo, a fecundidade, a esperança de vida, o status migratório etc.), não se considerando as mudanças da família/domicílio de forma geral. Por isso, como no caso do processo de envelhecimento, foi necessário fazer uma caracterização demográfica genérica dos indivíduos para, posteriormente, empreender-se uma análise do domicílio, o que de uma maneira ou de outra, representa o locus privilegiado de decisão sobre as distintas localizações dentro da cidade. Frederico Poley Martins Ferreira, demógrafo, integra o Observatório de Políticas Públicas da Região Metropolitana de Belo Horizonte. E-mail:
[email protected] REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRETO, A. Belo Horizonte – Memória histórica e descritiva, história média. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro/Seplan, 1996. BERCOVICH, A. M. “Características regionais da população idosa no Brasil”. Seminário Nacional de Especialistas Multidisciplinares em Terceira Idade. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro, 1992. CARVALHO, J. A. M., SAWYER, D., RODRIGUES, R. Introdução a alguns conceitos básicos e medidas em demografia. Belo Horizonte, Cedeplar/UFMG, 1994. DOLING, J. “The family life cycle and housing choise”. Urban Studies, 13, 55-58, 1976. IBGE. Censos Demográficos 1970, 1980, 1991, 1996. Rio de Janeiro. LEE, B. A., OROPESA, R. S., KANAN, J. W. “Neighborhood context and residential mobility”. Demography, vol. 31, no. 2, may, 1994. MORAES, J. G. V. de. Cidade e cultura urbana na primeira república. São Paulo: Atual, 1998. MOREIRA, M. de M. Envelhecimento da população brasileira. Belo Horizonte, 1997. 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A B S T R A C T This paper analyses the ageing process of the population of Belo Horizonte. K E Y W O R D S Ageing. 1999. P. Why families move. VILLAÇA. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . São Paulo: Studio Nobel.E V O L U Ç Ã O U R B A N A E D E M O G R Á F I C A ROSSI. 1998. In assessing past trends. Espaço intra-urbano no Brasil. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. 1955. evolution. “Belo Horizonte. investigando quando são introduzidas e o contexto em que são utilizadas. usina. mas partir das diversas denominações para investigar o estatuto dessas aglomerações na urbanização brasileira. a partir da segunda metade do século XIX. cidade-companhia. do tipo de atividade à qual estão ligadas e do momento em que surgem. bairro proletário. núcleo urbano. industrial village. por empresas. cidade operária. de moradias para seus operários em cidades ou em localidades rurais. enfatizando. vocabulário especializado e INTRODUÇÃO No Brasil. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 83 . esses lugares têm sido nomeados de várias formas. núcleo urbano. Tal prática deu origem a comunidades habitadas principalmente por empregados de uma única companhia que possuía parte substancial do mercado imobiliário e das casas e com. por empresas. núcleo industrial. No Brasil. -CHAVE Cidade. usina. a corporate city. forma. de aglomerações para abrigar seus funcionários é um capítulo importante e pouco conhecido da urbanização brasileira. Vila operária. bairro proletário. B. cidade operária. entretanto. núcleo fabril. núcleo residencial. difundiu-se largamente a prática da construção. esses assentamentos estavam ligados sobretudo a indústrias têxteis. o lumber camp.DE VILA OPERÁRIA A CIDADE-COMPANHIA: AS AGLOMERAÇÕES CRIADAS POR EMPRESAS NO VOCABULÁRIO ESPECIALIZADO E VERNACULAR TELMA DE BARROS CORREIA R E S U M O A criação. fazenda. Nas referências internacionais. cité ouvrière e cottage system. freqüência. PALAVRAS vernacular. núcleo residencial. como company town. cidade-empresa e cidade nova são algumas das designações que esses lugares têm recebido no Brasil. também detinha o controle sobre os equipamentos e serviços coletivos. cidade-empresa e cidade nova são algumas das R. como ao longo da trajetória da industrialização americana uma série de mudanças na indústria e na geografia gerou uma sucessão de tipos de company town: a mill village. o industrial suburb e a satellite city. habitação. empresas de mineração. esses lugares surgem com várias designações. a pesquisadora Margaret Crawford usa o termo company town como uma forma genérica. Tal abordagem não visa apenas fazer um mapeamento do vocabulário empregado para designar esses lugares. de papel. núcleo fabril. do mesmo modo. Este trabalho discute essas diferentes denominações. empresa. fazenda. localização e condição político-administrativa. No território nacional. dependendo de suas características quanto a tamanho. Em um estudo sobre a constituição e a forma de tais lugares nos Estados Unidos. Vila operária. cidade-companhia. usinas de açúcar e frigoríficos. a mining town. supondo ordem.C O M P A N H I A designações que essas aglomerações têm recebido entre nós. até os anos trinta. DE VILA OPERÁRIA A BAIRRO PROLETÁRIO Originalmente usado no Brasil para nomear um grupo de moradias destinadas a operários de um mesmo empreendimento fabril. dependendo de suas características quanto a tamanho. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . favorecidas pelas formas de moradia e relações de vizinhança nas habitações coletivas e em moradias precárias. localização e condição político-administrativa. Os exemplos do uso dessa designação podem ser localizados 84 R. Sob a denominação “vila operária”. em conseqüência. Em tal sentido. por empresas ferroviárias para seus funcionários. que se distinguia da falta de higiene. o Estado não apenas se inspira nesses projetos. Tal abordagem não visa apenas fazer um mapeamento do vocabulário empregado para designar esses lugares. Também sugeria casas de famílias de trabalhadores estáveis. por indústrias. Investiga não apenas as alterações nos termos empregados. o termo “conjunto habitacional” se difunde. o termo “vila operária” logo seria estendido para designar grupos de casas modestas semelhantes produzidas por outros agentes. frigoríficos e usinas para seus operários. em relação às transformações ocorridas nesses lugares ao longo dos anos e aos modos específicos de apreendê-los. eram reunidas no país. Busca analisar como as denominações se modificam. tratará também dos debates travados sobre a categoria urbana de algumas dessas aglomerações e. mostra como uma mesma designação tem sido aplicada a situações diferentes. à medida que ele é estendido dos empreendimentos fabris para aqueles realizados por empreendedores imobiliários e pelo Estado. de espaço e de conforto atribuída às casas dos pobres urbanos. discutindo o momento em que são introduzidas e investigando o contexto em que são utilizadas na linguagem vernacular e na literatura especializada. A difusão do termo “vila operária” para designar tais grupos de casas. higiene e decência. quanto às casas unifamiliares. Nas primeiras décadas do século XX.D E V I L A O P E R Á R I A A C I D A D E . das discussões em torno das palavras julgadas mais adequadas para designá-las. tanto em referência às moradias em blocos de apartamento. como as variações no sentido e no uso de um mesmo termo. técnicos e administradores. forma. na busca de estabelecer relações positivas ou negativas entre coisas desiguais. minas. O uso de uma mesma designação aplicada a situações diferentes buscava estabelecer relações positivas entre coisas desiguais. Este trabalho trata das diferentes formas de nomear tais lugares. do tipo de atividade à qual estão ligadas e do momento histórico em que surgem. vadios. revela a grande aceitação do modelo pelas elites. prostitutas etc. como toma emprestado o nome “vila operária” ou “vila” para suas primeiras realizações no campo da moradia. Procurando incorporar os significados positivos associados aos projetos habitacionais fabris do início do século. a qual era apontada como um dos problemas centrais da cidade. O termo sugeria casas salubres e dotadas de ordem espacial interna. em oposição às misturas entre estes últimos e os indivíduos afastados dos empregos regulares (autônomos. as “vilas operárias” surgiam como modelo privilegiado de reforma da habitação do pobre urbano. mas partir das diversas denominações para investigar o estatuto dessas aglomerações na urbanização brasileira.). as experiências mais diversas: conjuntos construídos por empresas imobiliárias para aluguel ou venda a proletários urbanos. e pelo Estado. Sob o último aspecto. As “vilas operárias” definiam-se como um padrão de moradia popular oposto à favela. ao mocambo e ao cortiço. B. Posteriormente. O termo surge para designar aglomerações isoladas no campo. e a da Fábrica da Tacaruna. casas de banho e restaurante. armazém. escolas. áreas para esportes.500 casas. Mencionava-se a “villa operária” da Tecelagem de Seda e Algodão de Pernambuco. no Rio de Janeiro. fazia-se referência à “villa operária” – com 10 casas – da Companhia Fiação e Tecidos Porto-Alegrense. matéria sobre a Companhia Empório Industrial do Norte. consultório médico e Círculo Operário. era chamada de cidade. e à do Cotonifício José Rufino. Um exemplo é a Vila Operária Previdência construída pelo Ipase. com 258 casas. Em 1922. escola. creche. por exemplo. à da Companhia Industrial Pirapama. em Camaragibe. matérias na imprensa pernambucana denominavam “villa operária” os conjuntos de moradias feitas por indústrias para seus operários. situada no bairro da Torre. ou em localidades rurais.A. no qual há menção à construção de uma “villa operaria” com 2. instituída pelo Governo do Estado de Pernambuco. B. criada pela Companhia União Industrial. era referida. dois alojamentos para solteiros.A. por exemplo. Os conjuntos situados próximos a pequenas cidades do interior eram tratados da mesma forma: fazia-se referência à “villa operária” da Companhia Industrial Fiação e Tecidos Goyanna. Em 1895. na época já convertida em município autônomo. cinema etc. armazém. Paulista. Nos anos quarenta.. a aglomeração com mais de 700 casas. Tal designação continuou a ser empregada de forma indistinta ao longo do século XX. à da Fiação e Tecelagem de Timbaúba. que edificou em 1924. localizada no centro do Recife. Alguns autores nacionais dão conta dessas diferenças. localizadas na periferia da cidade. na cidade do Cabo. cujo projeto reunia casas e blocos de apartamentos destinados a aluguel e venda. no Recife. designando o último caso de “vilas cidadelas” ou “vilas casernas”. publicada na Gazeta de Notícias. em matéria da revista Cidade Mauricéa de 1940. a da Companhia de Fiação e Tecidos de Pernambuco S. No que diz respeito às habitações construídas por indústrias para seus operários. Semelhante tratamento generalizante contribui para ocultar as enormes diferenças na forma de gestão dos moradores de casas construídas por indústrias em cidades existentes e em localidades isoladas no campo. publicado em 1920. No caso de grupos de moradias edificadas em cidades por empresas para seus operários. duas escolas. em Moreno. em Escada. enquanto suas casas eram apresentadas como “trecho da villa operária” da Companhia de Tecidos Paulista. padaria. R. encontram-se referências à denominação “vila operária” desde o século XIX. como uma “vila operária”. nas quais a fábrica cria uma “cidade” nova e tem condições de gerir a vida do lugar com grande autonomia. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 85 .. Camaragibe é referida como uma “villa operária” na fala de conferencistas do Congresso Católico. ou em localidades isoladas. e em um boletim da Companhia Industrial Pernambucana para a Exposição Nacional de 1908. como. essa forma de nomear os grupos de moradias persiste nos institutos de aposentadorias e pensões. a do Cotonifício Othon Bezerra de Mello S. como a da Fundação A Casa Operária. Do mesmo modo. fossem eles localizados dentro ou na periferia de cidades. o termo “vila operária” era utilizado simultaneamente para designar grupos de casas construídos no centro e nos subúrbios afastados das cidades. em um projeto de construção de uma grande metalúrgica em Frutal. a Vila Operária Paz e Trabalho. e a da Companhia Industrial Pernambucana. na ocasião. Em 1939. quando contava com 123 casas. na cidade de Goiana. em Timbaúba.T E L M A D E B A R R O S C O R R E I A desde iniciativas pioneiras. Os núcleos residenciais situados em meio a propriedades rurais de indústrias também eram tratados da mesma forma: mencionava-se a “villa operária” da Societé Cotonnière Belge-Brésilienne. ocorrido em 1902. referia-se à “villa operária” que estava sendo erguida pela empresa em Salvador e que já contava. Tal forma de nomear surge. à da Cia. em 1908. desencadeando conflitos e contribuindo para o agravamento das lutas sociais. como é o caso dos moradores de conjuntos de casas feitos por fábricas para seus operários. alusão. nesses casos. E quando tentaram. à da Companhia Industrial de Cataguases.C O M P A N H I A Tanto no vocabulário especializado como no vernacular. em 1939. durante as décadas de 1940. por outro lado. embora vivendo em suas casas independentes. entretanto. Na imprensa. 1950 e 1960. à da Fiação Tecelagem e Estamparia Ypiranga. observa-se que. Em todo o país. enquanto mencionava outras “vilas populares” criadas por fábricas na cidade. referida a casos que reúnem um número não muito grande de casas. em alguns casos. Valença Industrial. referia-se às “pequenas vilas operárias” de Juiz de Fora e a um “bairro proletário modelo” que estava sendo projetado pela Companhia Industrial Mineira para seus operários. denuncia o desprestígio da forma “vila operária” a partir da década de 1930. de reforma moral e de fortalecimento dos laços familiares. Esse desprestígio do modelo e do termo “vila operária” também se evidencia na eliminação da palavra “operária” do nome de algumas vilas. notabilizaram-se pela força de seu movimento sindical e pelo elevado grau de politização de sua população. a última designação pretendia indicar uma mudança de escala. ao construir uma reputação de restringir fortemente a liberdade individual e familiar e ao se revelar um mecanismo suplementar de subordinação e exploração do trabalhador pelo patrão. destinadas a funcionários que ocupavam postos de direção na empresa e. à “Vila Operária” da Hering. por exemplo. por exemplo. Assim. também ao proprietário da empresa. “bairro popular” e “vilas populares”. B. reportava-se ao mesmo empreendimento como um “bairro popular”. há muitas referências a “vilas operárias”: à “Vila Operária” da Companhia União Mercantil. Mostrou-se não apenas incapaz de corresponder a essas expectativas. Poucos autores. o engenheiro Baptista de Oliveira. Foi o caso. de José Agostinho dos Reis que. em 1938. Há. alguns não conseguiram evitar uma definição genérica. definia as vilas operárias como uma “reunião de famílias. e Nova Lima. além de “vilas operárias”. em termos de melhoria da saúde. principalmente. Em tal caso. O autor. podiam ser chamados – a partir da década de 1930 – de “bairro proletário”. Os “interesses” referidos podem ser entendidos como aqueles decorrentes de uma mesma classe social. Entretanto. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . generaliza-se o 86 R. O uso dos termos “bairro proletário”. empenharam-se em explicitar o sentido dessa designação tão amplamente utilizada. tendo sido o local de sucessivas greves e constituindo-se em importantes bases eleitorais dos partidos de esquerda. era freqüente haver junto às moradias destinadas aos operários casas melhores. em 1955. Esse desprestígio evidencia o desgaste de um modelo apresentado no início do século como capaz de contribuir de forma decisiva para a solução da questão da reprodução operária. 1908). em Bom Retiro (Blumenau). No caso de grupos de casas construídos por fábricas em cidades. em Minas Gerais. às “vilas operárias” da Companhia Brasileira de Indústrias Metalúrgicas. Assim. Não é à toa que lugares como Paulista. o modelo logo revelaria suas contradições. Os núcleos fabris revelaram-se palco de importantes lutas trabalhistas e foram alvo de denúncias sobre as condições de vida dos seus moradores e sobre os conflitos sociais que neles tinham lugar. como de se generaliza e atingir uma parcela predominante da força de trabalho. no Congresso Católico ocorrido no Recife. em Pernambuco. o termo “vila operária” foi o mais freqüente para nomear grupos de casas erguidas por fábricas desde o século XIX. com 52 casas.D E V I L A O P E R Á R I A A C I D A D E . mas reunidas pelos laços dos interesses de ordem moral e material” (Reis. como a Villa Waldemar Falcão. que vinha sendo amplamente utilizado para designar empreendimentos promovidos pelo Estado e pelos institutos de aposentadoria e pensões na década de 1950. moral e sanitária. O termo “conjunto residencial”. utilizou-se a designação “vila ferroviária”. da Companhia de Fiação e Tecidos de Pernambuco. coloca-se o caso da Companhia Industrial de Juta Taubaté que. foi batizado de “Jardim CTI”. Exemplos nesse sentido podem ser localizados no Recife. No caso de moradias edificadas por ferrovias. construiu a Vila Fabril de Juta e.. não tinham o caráter de logradouro público. incorporando a esses três atributos a noção de um uso exclusivamente residencial (habitação e comércio e serviços locais). a ingerência dos vizinhos na vida doméstica dos moradores de vilas erguidas por empresas construtoras. Sob o último aspecto. Enquanto o termo “vila operária” tem uma conotação social. o Conjunto Residencial do Passo da Areia em Porto Alegre. em 1944.1 Em 1959. nas décadas de 1930 e 1940. a Vila Comary e a Vila 3 de Outubro. Tal reputação atinge as diferentes modalidades de vila. a palavra “vila” também desaparece. Também aglomerações criadas por empresas de mineração e de geração de eletricidade adotam tal forma de designação. a Vila de Cana Brava.A. o Conjunto Residencial Salgado Filho junto à Fábrica Nacional de Motores. ambas em Pernambuco. em Santa Rosa de Viterbo. . e que se conservaram com dimensões reduzidas. tal substituição revela também mudanças de conteúdo e forma. Por outro lado. em 1937. pelo desprestígio crescente das vilas entre a população. R. Vila Ana Maria e Vila de Socorro. a Vila Amazonas e a Vila da Serra do Navio. Attílio Correia Lima referia-se ao empreendimento da Várzea do Carmo. de forma e de inserção na cidade. a Vila Residencial de Tucuruí. B. já na década de 1960. como a Vila Poty e a Vila Araripe. Essa forma surge também em núcleos erguidos por fábricas em localidades rurais nas décadas de 1940 e 1950. Na década de 1950. o termo “conjunto habitacional” vai mais além. por exemplo. Em outros casos – mais freqüentes a partir da década de 1940 –. com a Vila Iolanda. matéria em revista referia-se aos conjuntos residenciais da Usina Amália. construídas pelo Ipase. no início da década de 1940. da Sama. O termo “vila” ocorre igualmente em alguns empreendimentos residenciais compostos por casas unifamiliares criados pelos institutos de aposentadoria e pensões. Vila América e. Vila Paciência e Vila Coração de Jesus. promovido pelo IAPI em São Paulo. batizados com nomes como Vila Piedade.. Alguns exemplos são a Vila Cachoeirinha da Mineração Oriente Novo S. O termo “conjunto habitacional” sugere uma alteração de escala. No Recife. edificados após a Segunda Guerra pela Companhia Vale do Rio Doce em Itabira para seus operários. A substituição da palavra “vila” pela “conjunto” explica-se. e a Vila Santa Luzia. da Fábrica Iolanda. O termo ainda foi aplicado nessa cidade para os grupos de casas destinadas a oficiais das forças armadas: Vila dos Aprendizes de Marinheiro. como “um núcleo residencial operário”. da Eletronorte. foi criada a Vila dos Comerciários. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 87 1 Em 1943. numa leitura da cidade presidida por critérios funcionais. A. a Vila do Ipasep e a Vila do Hipódromo. a Vila São Geraldo. entretanto. a disciplina rigorosa que preside às vilas militares. diante do desgaste que o modelo sofre ao construir uma reputação de lugar onde a liberdade individual e familiar é restrita. No mesmo sentido. começa igualmente a ser estendido aos grupos de casas criados por indústrias. Um outro exemplo são os conjuntos de casas. ambas da Indústria e Comércio de Minérios S. muitas vezes. por exemplo. pressupõe uma área de uso residencial socialmente homogênea. relacionando-se ao controle da fábrica sobre o cotidiano das famílias operárias. Exemplos neste sentido são o Conjunto Residencial da Penha no Rio. inserida num espaço urbano penetrado por uma divisão funcional. criada pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transporte e Cargas na Ilha do Governador. em geral idênticas. é generalizado o termo “conjunto residencial” para designar os empreendimentos habitacionais do IAPI compostos por blocos de apartamentos ou por blocos e casas. O grupo de casas construído pela Companhia Taubaté Industrial para seus operários entre 1945 e 1947. dispostas ao longo de rua ou de largo e que. parcialmente.T E L M A D E B A R R O S C O R R E I A uso da palavra “vila” para nomear conjuntos de casas. Entre os seus moradores e contemporâneos. o qual era chamado de “Fazenda Cachoeira Grande”. pela Fábrica de Tecidos Santanense e por algumas casas para seus operários. instalada em local denominado “Fazenda Floresta”. além de enfermaria. Nesse caso. publicado em 1919. a partir 1912. indicando o vínculo agrário do empreendimento industrial. igualmente. Por outro lado. esses grupos de casas. a Fábrica de Tecidos Cachoeira – hoje município de Inimutaba –. “Vila Operária da Fazenda Rio Branco”. em fins do século XIX. em 1939. ou simplesmente como “a Pedra”. onde as casas para trabalhadores construídas nas usinas de açúcar só são referidas como “villa operária” quando “perfeitamente hygienicas”. “Fazenda da Pedra”. Atitude semelhante pode ser observada no “Álbum de Pernambuco”.D E V I L A O P E R Á R I A A C I D A D E . desde 1877. que na ocasião contava com trinta casas e 11 quartos – como um povoado. B. de 1886. em Nova Lima – incluindo as áreas residenciais e de mineração –. O engenheiro Baptista de Oliveira. as mais de cem casas de Rio Largo – erigida pela fábrica Progresso Industrial – eram qualificadas de “uma linda villa operaria”. As terras da Companhia Morro Velho. criada pela fábrica União Mercantil. o local da sede da Morro Velho passou a se chamar Vila Nova Lima. O núcleo constituído. Em 1903. “Fazenda Cachoeira” era também a denominação do local onde funcionava. Matéria no Auxiliador da Indústria Nacional. a distinção entre povoado e vila operária parece decorrer da dimensão do lugar e do padrão construtivo das moradias. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . quando em localidades rurais. São significativos os exemplos nos quais a implantação de uma grande empresa – fábrica e mineradora – em uma antiga fazenda não impede que o lugar continue a ser qualificado como uma fazenda. foram muitas vezes referidos como “povoado” ou “vila” – indicando sua população reduzida e sua subordinação política a uma cidade. a instalação da fábrica e a construção de moradias para seus operários não alteram – em um primeiro momento – o entendimento do local como uma fazenda. sede de um município – ou como “fazenda” –. o Indicador Geral do Estado de Alagoas tratava Fernão Velho – uma aglomeração. ela não era a única empregada para nomear grupos de moradias erguidas por empresas para seus funcionários. e contava com cerca de oitenta casas para operários. desde sua fundação. Só em 1891. a qual. enquanto a povoação preexistente – localizada junto à estação ferroviária – era chamada “Pedra Velha” ou “cidade livre”. ou nas “casas isoladas em fila” da Usina Alliança. contava com “casinhas” para operários no seu entorno. como no caso das vilas destinadas aos operários da fábrica na Usina União. do núcleo habitacional criado. Tal foi ainda o caso do núcleo formado pela Fábrica Cachoeira Grande e pelas residências de seus empregados a partir do final do século XIX. Alguns contemporâneos destinguiam os dois lugares com as expressões “dentro 88 R. escola e capela. trata da Fábrica São João Evangelista. fala-se no “correr de casas da Usina Bamburril”. Nesses casos. Foi o caso.C O M P A N H I A A FAZENDA OU A VILA OPERÁRIA DA FAZENDA? Embora a forma “vila operária” fosse amplamente usada no século XIX e nas primeiras décadas do século XX. quando foi promovido de freguesia a vila. eram referidos no século XIX como “Fazenda Morro Velho” e “Fazenda Raposos”. o núcleo residencial era referido como “Fazenda Rio Branco”. onde estaria sendo projetada uma “villa operaria”. Naquele primeiro momento de difusão da grande indústria no Brasil. um pequeno povoado no sertão de Alagoas. indicava que a “Fábrica de Tecidos Brazil Industrial” estava situada na “Fazenda Macacos”. Em outros casos. pelo industrial Delmiro Gouveia junto à sua fábrica de linhas de costura localizada junto a Pedra. era conhecido como “Fazenda Cachoeira” ou como “arraial”. Lúcio Costa. É curioso observar como. a condição fundiária do lugar e a autonomia dos habitantes parecem ser os elementos determinantes da designação. farmácia. pela Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira para o plano urbano de Monlevade. a partir dos anos trinta. cinema. Nesse mesmo ano. O núcleo da fábrica – pertencente à empresa e com cotidiano controlado rigorosamente pelo industrial – permanecia uma fazenda ou uma vila operária de fazenda. escolas. pela Companhia de Cimento Portland Paraíso. Está associado a uma mudança de escala desses lugares.T E L M A D E B A R R O S C O R R E I A do arame” – em alusão à cerca que contornava o núcleo residencial e de produção fabril – e “fora do arame”. era promovido a “cidade”. e na maioria dos documentos da CSN da década de 1940. A povoação preexistente de Santo Antônio é referida como “cidade antiga”. tanto decorrente do crescimento de alguns e de sua emancipação e conversão em sedes de municípios. e cuja administração. Mais atento às implicações que o nome “cidade” comporta. padaria. prende-se ao caráter de um lugar cujo acesso é livre. banda de música. “cidade-empresa”. Os grupos de casas em Volta Redonda. B. diferenciados segundo a posição do morador na hierarquia fabril. Alfredo Cusano referia-se a “Maria Zélia” – núcleo residencial criado por fábrica têxtil na periferia de São Paulo e dotado de 196 moradias. R. O termo “cidade operária” começa a ser utilizado no Brasil para designar essas aglomerações. opta por denominá-la “villa de Monlevade”. pista de patinação. teatro. A aglomeração a ser criada pela Fábrica Nacional de Motores junto às suas instalações em Duque de Caxias também é mencionada como “cidade operária” no parecer elaborado por Attílio Correia Lima. médico e dentista. a denominação “cidade” lhe era negada e empregada em relação à última. enquanto a Pedra Velha. quanto do surgimento de novos lugares com grandes dimensões. entretanto. Neste caso. outro concorrente. “cidade-companhia” ou “cidade nova”. sobretudo a partir da década de 1930. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 89 . Foi. o núcleo urbano que estava sendo planejado junto à primeira siderúrgica brasileira é denominado de “cidade operária”. Tal designação certamente decorria das dimensões previstas para o lugar que. escolas. que tal designação se tornou mais usual. CIDADE-EMPRESA E CIDADE-COMPANHIA Várias aglomerações criadas por empresas têm sido referidas como “cidade operária”. lavanderias e banheiros coletivos. igreja. área para comércio. faz-se referência a uma “cidade operária” em construção em Campos. Em 1912. embora um minúsculo povoado. escola. inicialmente. por sua vez eram chamados “vilas”: Vila Conforto e Vila Santa Cecília. Assim. no caso. restaurante. armazém. igreja. em 1935. CIDADE OPERÁRIA. leis e justiça são públicas. clube. no concurso promovido. chafarizes. loja. cinema e armazém de consumo. deveria contar com quatro mil casas e cerca de vinte mil moradores. posto do Correio e Telégrafo –. embora o núcleo habitacional criado pela fábrica fosse maior que a “Pedra Velha” – contando em 1917 com cerca de 250 casas. alguns participantes – como Ângelo Murgel e Lincoln Continentino – tratam como uma “cidade operária” a aglomeração prevista para contar inicialmente com cerca de 300 casas. A noção de cidade. em 1943. No projeto elaborado por Attílio Correia Lima para Volta Redonda. creche. salão de festas – como uma “pequena cidade operária”. alguns decorrentes de iniciativas governamentais. feira semanal. além de ser dotado de equipamentos e infra-estrutura urbana. onde por princípio todos podem morar e circular. em muitos casos. dificilmente reúne todos esses atributos: pode atingir mais de quatro mil moradores. VILA OU CIDADE? Um acirrado debate ocorreu a partir dos anos 30. O fato é explicitado de forma exemplar pelo caso de Monte Alegre. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . estradas. uma estação de tratamento de água. Harmonia. quando algumas das aglomerações criadas por empresas foram emancipadas. fábrica de cloro e soda cáustica. escolas. clube. Ipatinga. referem-se à Casa de Pedra – que chegou a contar com cerca de 500 casas. incluindo uma grande fábrica de papel. represa. padaria e um pequeno comércio local. igreja. onde residiam os operários. Numa história das indústrias Klabin do Paraná. Cidade Papel. hospital. era o maior dos núcleos. ora como uma “cidade”. A ambigüidade que preside ao estatuto de alguns desses lugares faz que um mesmo local possa ser referido com diferentes nomeações. em matéria publicada em 1949. oficinas mecânica e elétrica. considerar aglomerações com tais características como cidades significa. mas dificilmente oferece autonomia a seus moradores. o lugar é tratado ora como uma “fazenda industrial”. escola. culturas agrícolas e vários núcleos residenciais com casas. um lugar que garante autonomia individual e coletiva aos seus moradores. escrito por Hellê Vellozo e publicado em 1974. suscitaram um questionamento acerca do estatuto das novas cidades. capela e armazém. da CSN. a área é chamada “Fazenda Monte Alegre” e as três aglomerações maiores – Harmonia. convertidas em sedes de municípios e começaram a ser designadas como “cidades”. Com efeito. havia a chamada “Vila Rica”. além de cinema. onde moravam os engenheiros e administradores. empreendimento da Klabin no Paraná. e a “Vila Operária”. B. No livro Monte Alegre.C O M P A N H I A Há casos em que o termo “vila operária” é aplicado a parte da aglomeração. ora como uma “vila operária”. Matérias no jornal O Lingote. uma aglomeração com população não-rural – não comprometida com trabalhos agrícolas. publicada pela própria empresa em 1953. enquanto os conjuntos de moradias nela edificados pela Usiminas eram chamados de “núcleos residenciais”. Já Karl Zappert. escolas. sua população pode estar envolvida com atividades urbanas. mineração de carvão. reunindo. clube. no mínimo. fundada por empresa. Tal designação foi objeto de controvérsias. implantado numa área de cerca de 200 mil hectares. Lagoa e Mauá – são referidas como “vilas”. pode ser sede de um município. 90 R. construído a partir de 1943 junto às instalações fabris. Foram criados ainda Mauá – um assentamento junto à usina de eletricidade – e vários acampamentos florestais e colônias agrícolas. Vários critérios podem ser utilizados para se definir uma cidade: uma aglomeração com. usina hidrelétrica. hotéis. armazém. igreja e comércio – ora como uma “cidade operária”. fundada pela CSN a partir de 1946. Uma aglomeração isolada. sobretudo. serrarias. criada a partir de 1956 e prevendo uma população inicial de cerca de 37 mil pessoas. desprezar elementos essenciais ao estatuto de uma cidade. O controle das fábricas sobre a vida econômica e política local e. o monopólio sobre a propriedade imobiliária que elas continuavam a deter. além de moradias. olarias. foi denominada “cidade” desde o primeiro momento. pensões. hospital. Em Casa de Pedra. infra-estrutura urbana e equipamentos coletivos. usina termoelétrica. cinema.D E V I L A O P E R Á R I A A C I D A D E . clubes. quatro mil habitantes. um setor florestal responsável pela extração e reflorestamento de madeira. um lugar que é sede de bispado ou da administração civil. Um dos núcleos – Lagoa – tinha hotel. referia-se a Monte Alegre como uma “grande fazenda e cidade industrial”. Em Rio Tinto. ou não. Paulista tinha fábricas têxteis. em 1928. criada em antigo engenho. teatro. No primeiro caso. Paulista foi um dos primeiros municípios atingidos por artigo da Constituição do Estado de Pernambuco de 1947 – originado de uma articulação do governador Agamenon Magalhães (PSD) com deputados de esquerda – que estabeleceu que “as sedes dos Municípios e Distritos não podem ser localizadas em terras encravadas em propriedades pertencentes a pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. atividades agrícolas. fundição. Coerente com a tendência geral desse tipo de assentamento. Nas falas de sindicalistas e de políticos de esquerda ou opositores dos industriais de Paulista. escolas. ou que precisa ser libertada. quando se difunde a noção de que os chamados “feudos” dos Lundgrens em Pernambuco e na Paraíba estariam convertendo-se em ameaça à segurança nacional. destituído das condições e atributos indispensáveis a uma verdadeira vida urbana. hospital. da palavra “cidade” para nomear uma aglomeração criada e gerida por fábrica. Em torno da pertinência. na Paraíba. nos anos 50. e Rio Tinto. Ambos atingiram dimensões surpreendentes para aglomerações de tal natureza: Paulista chegou a contar com cerca de seis mil casas. Ambas as designações.243 habitantes. O Grupo Lundgren criou dois importantes núcleos residenciais junto às suas fábricas têxteis: Paulista. ambas assumiram um caráter fortemente autárquico. o chamado “bairro livre”. entretanto. oficina mecânica. em 1956. feira. salvo quando patrimônio de instituições religiosas ou beneficentes”. matas. hotel. A empresa também pleiteou e obteve a conversão de Rio Tinto em município. o lugar recebia com freqüência a denominação de “feudo”. padaria. O interesse na criação desses municípios parece estar na possibilidade que seria oferecida à indústria de controlar a administração de um município totalmente encravado em suas terras e instrumentalizá-la aos seus interesses. não superam o impasse de atribuir o estatuto de cidade a um lugar privado.774 pessoas. O censo de 1950 indica Rio Tinto como a terceira maior cidade da Paraíba. Torres Galvão – deputado. um acirrado debate em Paulista. a cidade de Paulista contava com 21. clínica. igreja. fundada em área rural situada no município de Olinda. matas. e Rio Tinto com cerca de três mil. moradias. cinema. Em 1949. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 91 . porto e ferrovia particulares. parque. Em Paulista. atividades agrícolas. porto. a empresa também comandava um amplo conjunto de atividades produtivas e relacionadas à reprodução dos trabalhadores: havia fábricas têxteis. em Pernambuco. feira e armazém de víveres. cerâmica. nos anos 40. pastor presbiteriano e ex-presidente do Sindicato dos Operários de Paulista – justificava tal decisão alegando que: R. ferrovia privada. usina termoelétrica. mobilizou-se o conceito de “cidade incompleta”. clube e campos de futebol. no segundo. B. Com base em tal disposição. tal situação começou a se modificar nos anos 40. desenvolveu-se. a prefeitura local desapropriou posteriormente 50 hectares nos quais surgiu. clubes.T E L M A D E B A R R O S C O R R E I A As designações “cidade operária” e “cidade-empresa” buscam responder às especificidades dessas “cidades”. farmácia. serviço próprio de abastecimento d’água e energia elétrica. com uma população de 18. fábrica de tijolos. Na ocasião. Após esforços empreendidos pelos industriais junto ao governo estadual no sentido de desmembrar de Olinda o distrito de Paulista. escola. a particularidade é buscada em sua população composta predominantemente por operários. Nesse debate. cinema. A idéia de cidade só é incorporada sem restrições a Paulista depois que a fábrica perde o monopólio fundiário e o controle político sobre a cidade. o lugar foi convertido em município. enfatizam-se os estreitos vínculos entre a aglomeração e a empresa que detém a propriedade de grande parte ou da totalidade dos imóveis do lugar e que emprega a maioria de sua população. serraria. p. o conceito de “cidade nova” acrescenta um problema a mais. p. que vive sob o guarde férreo de uma empresa industrial. em decorrência do tipo de ocupação de sua população. Leite Lopes. 1948. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . Da mesma forma. As pretensões de criar uma espécie de “cidade livre”. ao contrário. 92 R. é ainda proprietária de todas as casas que formam a cidade (Apud. p. em outros casos. viram-se frustradas pela oposição da empresa. 1980. os termos “cidade” ou “vila” são atribuídos a aglomerações criadas por indústrias em razão do tamanho e da condição político-administrativa. Neste caso. pois sua população trabalha. e todos nós sabemos que estas liberdades não existem para uma população como a de Paulista. As investidas de alguns governantes estaduais e municipais no sentido de restringir o poder dos industriais sobre Paulista deram origem a conflitos que se arrastaram por alguns anos. no início da década de 1980. “cidade-empresa” ou simplesmente “cidade” são discutíveis para algumas dessas aglomerações. Em 1948. Um exemplo disso é Galópolis – vinculada à indústria têxtil – que é tratada em obra de 1950. em Minas Gerais. que constavam em projeto de um vereador local. era definida por Roberto Costa. tanto pode ser questionável o termo “cidade” quanto o complemento “nova”. Nova Lima. liberdade de comércio e liberdade de construção. 48). uma Cidade onde as pessoas sintam prazer em nela viver e ali vivendo. na fábrica de tecidos” (Valverde. Essa discussão sobre o estatuto urbano de “cidades” pertencentes a empresas é incorporada ao projeto de lugares como Ouro Branco. O termo “cidade nova” fundamenta-se numa dicotomia entre novo e antigo pouco esclarecedora. até 1979 – quando se converte em bairro dessa cidade –. além de senhora da terra. Em alguns casos.D E V I L A O P E R Á R I A A C I D A D E . baseado no fato de a Companhia Morro Velho ser proprietária de 495 quilômetros quadrados de terras contínuas. como uma “cidade-latifúndio” e como um “feudo”. 1988. que. cujos moradores dependiam direta ou indiretamente das atividades da empresa de mineração. que representavam mais de 80% das áreas dos municípios de Nova Lima e Raposos. 507). O questionamento da condição de cidades a sedes de municípios encravadas em terras de um único proprietário. não esteve restrito ao caso de Paulista. dentro do próprio núcleo. ligado à fábrica.C O M P A N H I A a principal característica de uma cidade é justamente a liberdade na mais ampla acepção do termo: liberdade religiosa. liberdade política. considerando-se sua dimensão e o fato de ser a sede do terceiro distrito de Caxias do Sul. “CIDADE NOVA” X “CIDADE VELHA” Se as designações “cidade operária”. hão de cooperar para a concretização da Açominas” (Açominas. B. 46). e que se conformaram de aglomerações criadas para abrigar funcionários de uma mesma empresa. o geógrafo Orlando Valverde referia-se a Galópolis como um “núcleo urbano” e acrescentava que “pela sua função Galópolis é … uma cidade. malograda pela oposição da Câmara de Vereadores. o lugar era referido na imprensa local como uma vila. escrita por Duminiense Paranhos Antunes. tendo havido por parte do prefeito Geraldo Alves. quando se insistia na idéia de “tornar Ouro Branco uma ‘Cidade-Aberta’ e não uma ‘CidadeCompanhia’. na maioria. por outro lado. em 1955. como uma vila. tentativa de anular o decreto de desapropriação. a fábrica conseguiu manter o monopólio das terras. Em Rio Tinto. A questão essencial é definir em que sentido se trata de uma “cidade nova”: se em termos da idade da aglomeração ou de aspectos inovadores incorporados à ordem social ou à sua forma urbana. entretanto. e Ouro Branco em Minas Gerais –. sua ocorrência rara. impedir o surgimento. experiências como a de Camaragibe. por sua vez. templos protestantes e sede de sindicato. inclusive. Assim. quando o planejamento de alguns desses lugares é assumido por especialistas – arquitetos. Em termos da forma urbana e da arquitetura. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 93 . que ficou conhecida como “Cidade Velha”. Uma inovação significativa na forma urbana de assentamentos criados por empresas no Brasil ocorre em casos posteriores a 1930. reunindo tudo o que é vetado nesses núcleos. e Pedra Velha. de atividades vistas como incompatíveis em relação ao cotidiano regrado e produtivo que se pretendia impor à população. A “cidade livre”. “núcleo industrial”. Sua configuração urbana espontânea encontrava paralelo na maior liberdade pessoal e política de seus habitantes. como bares.T E L M A D E B A R R O S C O R R E I A Em termos da ordem social. Essa compreensão do termo “cidade nova”. ao lado de Volta Redonda cresceu a antiga povoação de Santo Antônio. as “cidades livres” são aglomerações que surgem espontaneamente e se expandem reunindo tudo o que é interditado nos limites pertencentes às empresas. reprimindo-se algazarras e bebidas alcoólicas. ou como a de Pedra. cujos planos sociais e físicos se empenham em amenizar os efeitos da lógica econômica. a “cidade velha” ia assumindo o papel de lugar do desvio e da desordem. afastando-se do local a presença de atividades. privacidade e controle social. enfatizando uma ordem conceitual e uma forma simbólica. engenheiros e planejadores urbanos. considerando-se o conjunto das realizações do período. “núcleo residencial” e “centro industrial” – são difundidos. registram-se algumas experiências “modelo” – como Harmonia no Paraná. que se descolam – em certa medida e durante certo período de tempo – das demandas específicas da empresa que gerou o lugar. B. revela-se distinto da idéia anterior de “cidade nova” associada a planejamento e inovações projetuais. reveR. inspirada na doutrina social da Igreja católica sistematizada na encíclica Rerum Novarum. A idéia de “modelo” assinala. templos de umbanda ou espíritas. fundamentada em um rigoroso “gerenciamento científico” do tempo e das atividades dos moradores. As especificidades desses casos parecem traduzir-se melhor na sua definição como “experiências-modelo”. constituise no reverso e complemento do núcleo urbano criado por empresa. surgiram lugares como Maricota. Enquanto na “cidade operária” se impunham códigos de disciplina rígidos. ao lado de Pedra. nas proximidades de Paulista. podem ser consideradas inovadoras. neles. gerando confusão quanto ao significado que se pretende conferir à expressão. que como “cidades novas”. Presença constante nas proximidades de “núcleos fabris” regidos por disciplina rígida. em muitos casos. à qual são acopladas preocupações com higiene. Um problema a mais decorrente do termo “cidade nova” reside no fato de os termos “cidade nova” e “cidade velha” serem com freqüência empregados na tradicional distinção entre “cidade-empresa” e “cidade livre”. os elementos inovados presentes em ambas as experiências são limitados. concentrando atividades como prostíbulos. que expressam uma tradução direta das necessidades industriais. Nos dois casos o ambiente construído assume uma expressão vernacular. em oposição a “cidade velha” ou “cidade livre”. novos termos – como “conjunto habitacional”. NÚCLEO URBANO E NÚCLEO FABRIL Nos anos 30 e 40. No mesmo sentido. A autonomia de gestão de seus assentamentos pelas empresas permitiu. sedes de sindicatos e de partidos operários. bordéis. “núcleo urbano”. A partir desse momento. Diferenciam-se entre si por indicarem variações de escala: vila operária diz respeito a pequeno grupo de casas em cidades ou no campo. situa-se a expressão “cidade nova”. à qual correspondeu uma maior diversidade na forma desses lugares – em termos de tamanho. e mostra-se excessivamente genérica e incapaz de responder às especificidades desses 94 R. de noções e palavras da Física. Assim como cidade operária. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . as formas cidade-companhia. cidade operária aplica-se a uma localidade isolada com um conjunto de moradias e serviços complementares e uma certa autonomia na vida local. Entendemos que algumas destas formas de nomear são em si problemáticas. núcleo residencial e núcleo fabril referem-se a pequenas aglomerações isoladas. bairro proletário e cidade operária deslocam o foco para a ocupação e classe social da população residente. No caso do termo “cidade nova”. Tais formas de nomear têm. forma urbana e grau de autonomia em relação à empresa. “núcleo residencial” e “núcleo fabril” indicam uma diferenciação das “vilas operárias”. tanto em relação a outros centros urbanos. optamos. por chamá-los de “núcleos fabris”. A denominação núcleo fabril expressa o vínculo do lugar à indústria que o gerou. para designar a aglomeração. no sertão da Bahia. As formas de nomear cidade-companhia e cidade-empresa enfatizam a estreita relação do lugar com a empresa que o criou. Nesse sentido. o foco dirige-se ao caráter peculiar – planejado e inovador – que presidiria ao surgimento da aglomeração ou à sua oposição ante a “cidade velha”. No primeiro caso. cidade-empresa e cidade nova denotam uma ampliação na escala da aglomeração. Os termos núcleo urbano. em nossos trabalhos sobre o tema. como um “núcleo urbano”. a vantagem de não estender de forma indiscriminada o conceito de cidade a esse tipo de aglomeração. A DIVERSIDADE DE FORMAS E NOMES Ao longo do século XX. bairro operário refere-se a um conjunto de casas de maiores proporções situado em uma “cidade-aberta”. enquanto outras são muitas vezes empregadas de forma inadequada. B. ao urbanismo. A palavra fazenda enfatizava a condição de inserção dos grupos de moradias em uma propriedade rural particular. quanto à própria empresa que gerou a aglomeração. traduzida sobretudo por uma maior dimensão e por um caráter mais autônomo. têm a desvantagem de não especificar o caráter privado e associado a um único empreendimento produtivo desses lugares. que não dá conta do vínculo entre o lugar e a empresa. criada pela empresa em 1976. ao mesmo tempo que qualificam os conjuntos de moradias construídas pela empresa na cidade de Itabira como “vilas operárias”. diferentes de uma cidade em termos de escala e do grau de autonomia dos moradores e da vida local em relação à empresa. por outro lado.A. entretanto. em se tratando de assentamentos isolados criados por indústrias. no Pará. Publicações da Companhia Vale do Rio Doce referem-se a Carajás. Núcleo Residencial do Pilar foi o nome adotado pela Caraíba Metais S. ocorreu uma grande diversificação nos modos de nomear as aglomerações erguidas por empresas para alojar seus funcionários. arquitetura. “núcleo industrial”. da Matemática e da Geometria.D E V I L A O P E R Á R I A A C I D A D E . Os termos “núcleo urbano” e “núcleo residencial”. e aos grupos de casas localizadas dentro de cidades ou em subúrbios. As formas vila operária. Quando referidas às aglomerações isoladas geradas por empresas.C O M P A N H I A lando uma tendência crescente de aplicação. as expressões “núcleo urbano”. de “vilas operárias”. As diferentes formas de nomear vão privilegiando aspectos diversos do lugar. mas exatamente na atitude oposta de tentar eleger um único modo para nomear uma diversidade de formas urbanas distintas. A perda do monopólio da fábrica sobre a propriedade fundiária e sobre os serviços coletivos e a independência da administração local em relação à empresa são condições indispensáveis para garantir à população a autonomia inerente a uma cidade. tal situação geralmente só se configura quando está em andamento um processo de desmonte. requer muita cautela. longe de constituir um objeto físico estático. e em termos do grau de autonomia. núcleo operário. técnicos e gerentes. fundada por empresa. cidade operária. Como mostramos anteriormente. da vida local em relação à empresa. cidade-companhia e cidade operária aplicam-se. Tanto surgiram assentamentos ligados a empresas com ordem urbana e social diversas. trata-se de uma situação intermediária – em diversos sentidos – entre um núcleo fabril e uma “cidade-aberta”. aos casos nos quais uma aglomeração isolada.T E L M A D E B A R R O S C O R R E I A lugares. dependendo de suas características em cada momento ou do ponto de vista do observador. Em se tratando de assentamentos isolados criados por indústrias. pelos conflitos de classe e pelo R. B. por outro lado. cidade-companhia ou cidadeempresa podem ser pertinentes. Aceitar tais diferentes formas de nomear é um passo fundamental à compreensão da grande diversidade de formas assumidas pelo ambiente construído desses lugares. quando a empresa que construiu a aglomeração está se desvencilhando da propriedade e do controle do lugar. Assim. Tal diversidade se expressa em termos de tamanho. alguns desses lugares já foram citados ao longo de sua história como fazenda. mediante a venda de imóveis e o repasse dos serviços ao Estado ou a outras empresas privadas. vila e cidade. reúne uma população de mais de quatro mil moradores e envolvida com atividades urbanas. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 95 . variando entre um pequeno grupo de moradias a grandes aglomerações com milhares de moradias e equipamentos coletivos. dotados de moradias e serviços essenciais. afastam-se delas pelo isolamento em relação a outras aglomerações – com repercussões sobre o cotidiano local – e especialmente pelo grau de autonomia da empresa na gestão do lugar. é sede de um município e oferece um certo grau de autonomia pessoal e política a seus moradores. Tal diversidade de formas urbanas e de modos de nomeá-las reflete os profundos impactos da velocidade das mudanças no mundo industrial sobre os assentamentos criados por empresas para abrigar seus operários. As designações vila operária. igreja ou clube – localizados dentro de cidades ou em subúrbios. destituídos das qualidades indispensáveis a uma verdadeira vida urbana. Nesse sentido. dependendo das características do lugar. no nosso entender. revela-se o produto de um processo dinâmico. o monopólio sobre a propriedade imobiliária. cidade-companhia e cidade-empresa –. Consideramos. núcleo fabril. O ambiente construído desses lugares. quanto ocorreram mudanças em um mesmo assentamento. Os termos cidade-empresa. como escola. para que se evite atribuir o estatuto de cidade a lugares privados. julgamos pertinente nomear “vilas operárias” os grupos de casas – algumas vezes acompanhados de equipamentos coletivos. sobretudo. consideramos adequado chamá-los “núcleos fabris” ou “núcleos operários”. Tal diversidade de modos de nomear esses lugares revela-se essencial para assinalar a variedade de formas por eles assumidas ao longo dos anos. nos diversos estilos de arquitetura e de parcelamento e traçado viário. Embora em termos de tamanho possam não se diferenciar das “vilas operárias”. definido pela transformação industrial. quando conservam uma dimensão reduzida e as empresas mantêm o controle sobre a vida econômica e política do lugar e. Assim. que o problema essencial não está na diversidade das denominações empregadas. em termos de forma. O uso da palavra “cidade” – cidade operária. por outro lado. Cidade Mauricéa. o recurso contínuo a novas designações capazes de definir e precisar cada uma das formas novas assumidas por esses lugares. V Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. 1955. D. outubro de 1998. L. Cia. B.br empenho de reformadores (incluindo arquitetos) em intervir nos rumos dessas mudanças e lutas. PUC Campinas. Ano III. entender o sentido das rápidas transformações de sua configuração espacial. Il Brasile… gl’Italiani e la guerra. 10/8/1955. “Plano de urbanização da cidade operária de Monlevade”. A. 1922. A cortina de ouro: (Morro Velho). introdução. 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Rio de Janeiro. 1995. CONTINENTINO. muitas vezes.C O M P A N H I A Telma de Barros Correia. Londres/Nova York: Verso. E-mail: tcorreia@sc. O Lingote. _______. “A usina. L. ÁLBUM DE PERNAMBUCO – OBRA DE PROPAGANDA GERAL. Recife. R. “Ergue-se cidade operária ao lado da mineração”. Ação e Pensamento da República. Sudamericana Imprensa di Propaganda e Publicitá. The design of american company towns. CUSANO. Campinas. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa. 1950.Globo. 1936. O Rio Grande do Sul. Belo Horizonte: Gráfica Santa Maria. COMPANHIA VALE DO RIO DOCE. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AÇOMINAS. Boletim da Companhia Industrial Pernambucana para a Exposição Nacional de 1908. M. Editor Proprietário: José Coelho. _______.. In: Idéias Sociais de Jorge Street. “Programa social modifica o cenário de Casa de Pedra (1956)”. Anno III. São Leopoldo: Artegráfica Comércio e Indústria. Rio de Janeiro: CVRD. CRAWFORD. n 91. Campinas: Papirus. 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B. “Exposição Industrial: Fábricas de Tecidos”. F. Notas Urbanísticas. Gerência Industrial Unidade II. Rio de Janeiro. 1992. Histórico das Indústrias Klabin do Paraná. 1938. G. 23. Belo Horizonte: Cia. S. n. C. Maceió. Revista Brasileira de Geografia. C. Belo Horizonte: Rumos Editorial. F. V. 1995. J. “Excursão à região colonial antiga do Rio Grande do Sul”.. 1903. FÁBRICA DE TECIDOS BRAZIL INDUSTRIAL. “Plano da cidade operária da F. 1992. n. O. Santanense: revolução filosófica e industrial em Sant’Anna do São João Acima. Segundo Congresso Católico. Obras Sociais. A. C. housing. K E Y W O R D S Town. political/juridical status and the type of industrial activity which gave rise to the agglomeration. The Portuguese equivalent of workers’ tenement. form. location. 98 R. specialist and vernacular vocabularies. farm. factory town and new town are some of the designations given to these places in Brazil. The current paper studies some of these designations. This approach not only attempts to provide a guide to the vocabulary used to name these places but also investigates the role these agglomerations have played in the process of Brazilian urbanization.D E V I L A O P E R Á R I A A C I D A D E . industrial centre. regarding their respective contexts at the time when they were created. workers’ district or township. B.C O M P A N H I A A B S T R A C T The creation of urban agglomerations by companies to house their employees is an important and insufficiently studied chapter of Brazilian urbanization. These terms often reflect particular characteristics such as size. mill. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . company. R ESENHAS . ciência política e filosofia. fazer frente às novas condições impostas pelo processo de globalização. o escolhido por eles para atrapalhar unanimidades cristalizadas e submeter aparentes paradigmas a agudos questionamentos. A novidade está. ganha presença política no debate urbano desta virada de século ao romper com o silêncio opressivo e com o embotado pensamento crítico que pareciam imperar nestes tempos de globalização. constrói as possibilidades históricas de efetivação dos interesses globais e seus agentes na nova espacialidade urbana. segundo eles. justamente. e como tais sentidos estabelecem as bases cognitivas para a reformulação de políticas. o universo de temas urbanos e a escolha daqueles problemas apresentados como relevantes parecem profundamente reconfigurados nos últimos anos. com um livre deslocamento entre as áreas do urbanismo. A cidade do pensamento único. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . B. Carlos Vainer preocupa-se em inscrever esse modelo de planejamento no espaço social de sua gênese e difusão. Os autores promovem a tarefa de desvendar criticamente quais os sentidos dessa revolução na afirmação do capitalismo periférico em sua face urbana: os valores e visão de mundo que vêm sendo fixados. atinge em cheio o cerne dos processos de constituição e legitimação de paradigmas. diferenças e movimentos que contribuem significativamente para a riqueza da obra. Fernanda Sánchez O livro de Otília Arantes. dedicado especialmente à análise do processo concreto de elaboração do Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro. na Sociedade do espetáculo. como tal. a estrada de ferro e o automóvel). uma vez que tal debate parecia definhar junto com o trabalho teórico. finalmente. um movimento reflexivo que confere unidade teórica aos diversos ensaios: a atual hegemonia do capitalismo global. segundo ela. a cidade é uma pátria. percebem-se perspectivas analíticas e ênfases diferenciadas. que. Entre os autores. práticas de administração das cidades e práticas urbanísticas. por trás do festejado modelo. experts internacionais e líderes políticos – que mediante ações subjetivas e objetivas elaboram. desnaturaliza a realidade como um dado objetivo do novo planejamento e mostra seu avesso. no Brasil e em toda a América Latina. a autora afirma que o capitalismo. Lembrando Guy Debord que. a geografia da difusão dos mesmos. a cidade é uma empresa e. é reduzida a um centro de administração de negócios. De fato. perfilando uma verdadeira revolução simbólica. desse modo. porém. Nesse sentido. 2000. Na busca dessa inscrição. Editora Vozes. Carlos Vainer e Ermínia Maricato Petrópolis. ao mesmo tempo que induz alinhamentos na esfera econômica. para compreender a realidade que vem sendo produzida: sujeitos sociais – agências multilateriais. da boa teoria entendida. um projeto de cidade articulado por três analogias constitutivas: a cidade é uma mercadoria e. É pela ação combinada desses sujeitos que. em outros ciclos. aqui. em sua versão urbana 101 R. sociologia. Carlos Vainer e Ermínia Maricato. planejamento. Há. na proposta de debate sobre a natureza das mudanças no planejamento e na gestão das cidades na virada do século. a partir de centros de pensamento e difusão de políticas públicas. proposta ousada. prenunciava que a cultura seria a “mercadoria vedete” desta rodada do capitalismo (assim como o foram. vem sendo difundido o planejamento estratégico como a grande saída para “tornar as cidades competitivas” e. os autores dão relevância analítica à mútua dependência entre materialização e simbolização.A CIDADE DO PENSAMENTO ÚNICO – DESMANCHANDO CONSENSOS Otília Arantes. como tal. dobrados diante da aparente inexorabilidade da realidade que fundamenta a prática trivializada. é colocada à venda em múltiplos mercados. a construção de consensos. É o campo da reflexão e confronto de idéias. os sujeitos e as instâncias de enunciação de discursos. Otília Arantes constrói sua argumentação explicitando o encontro entre cultura e economia. Ao evidenciar os profundos vínculos entre o chamado planejamento estratégico de cidades e a hegemonia neoliberal. molduras para os processos políticos dominantes nas sociedades urbanas contemporâneas. cujo destino depende de uma bem construída coesão cidadã em torno de um líder carismático e visionário. Vainer desvenda. A pertinência dessa teorização parece fortalecida em outro ensaio do livro. como a melhor prática. difundem e atualizam noções. instrumentos e modelos em múltiplas escalas do espaço global. processos. próprio desta virada de século. à sua expressão em movimentos de resistência ou à participação em ações críticas. outras dimensões do casamento entre cultura e economia. eles encontram poderosas barreiras. como caminhos que de102 sembocam numa concepção precisa. principalmente. Baltimore. e instrumentalizada. de cidadãos como consumidores da cidade. mediante imagens que operam a serviço dessa visão mercadológica. são descortinados seus atrativos comerciais. O modelo generalizou-se. B. virou receita difundida mundo afora. centros culturais) no repertório das políticas culturais para a reativação econômica dos lugares. a violência urbana. uma matriz conceitual e operativa comum na definição das estratégias urbanas. Quem vê o mundo pelos olhos do R. arquitetura da grandiosidade. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 . O consenso construído em volta da cidademercadoria é desafiado. bases permanentes para a cooperação público-privada. Essa convergência é elucidada por Arantes ao discutir. uma total subordinação do poder público às exigências do capital internacional com interesses localizados. os próprios cidadãos. Paris. de construção da cidadania. A análise de tais processos. por Ermínia Maricato.R E S E N H A contemporânea. a cidade dissimulada. reeditados com agilidade em cidades periféricas bem embaixo de nossos pés. cuja ausência faz parte das estratégias de dominação próprias do capitalismo periférico e do urbanismo de mercado. só assim. O ensaio de Arantes vai além e mostra. Seduzidos pelo catálogo de espaços “renovados” e pelo discurso da eficiência administrativa que estaria trabalhando a seu favor. É como se o mundo real da pobreza urbana não fizesse parte da virtualidade da cidade reinventada para os negócios. das diferenças. a mercadotecnia urbana gera uma visão de cidadania que assalta. a enorme expansão espacial da pobreza. grandes vitrines publicitárias da cidadeespetáculo. é a cultura da gestão eficiente e da qualidade total na prestação de serviços. reabilitação de áreas urbanas (por meio de atração de investidores. invisibilizada cultural e politicamente. O elenco de estratégias. que vêm sendo sistematicamente adotadas. ou mesmo preservação de edifícios alçados à condição de patrimônio e tornados emblemáticos dos programas de renovação urbana. na busca de atração de investimentos. criativamente tecida no ensaio. culturais e políticas. pois essas costumam ser esvaziadas. por sinal. Em sua construção teórica. com seus governos midiáticos. na expressão de Molotch. A tendência à despolitização é também identificada pelo autor na redução da questão do governo da cidade à estreita questão da competência técnica de seus administradores. junto àquelas intervenções urbanísticas que produzem materialmente essa fase da modernização. turísticos e culturais. também. promoção de megaeventos. as quais imprimem novos valores às práticas de gestão: é a cidade pensada e administrada como uma empresa que compete no mercado global. parece confirmar essa comunhão: grandes equipamentos públicos (museus. uma forma cultural: “A cultura é parte decisiva do mundo dos negócios e o é como grande negócio”. é posta em circulação e. a “máquina do crescimento”. as quais buscam consagrar os projetos de cidade e despertar o espírito cívico. é a cidade empreendedora. transformada em mercadoria. A cidade. de fato. Berlim ou Lisboa. Carlos Vainer vê na instauração da cidadeempresa uma negação radical da cidade enquanto espaço político. com suas fabulações correlatas da geração de empregos e com suas metáforas do bolo que cresce e derrama sua graça a todos os cidadãos. cujo ensaio se encarrega de mostrar o que não entra nas contas do urbanismo de resultados e seus espaços de distinção: o crescimento exponencial da cidade ilegal. mostra a existência de um “pensamento único das cidades”. Para dentro da cidade. ele mostra as imbricações entre cidade-empresa e cidade-pátria: a produtivização e o consenso. o orgulho. a qual conjuga governos e coalizões das elites econômicas num amplo leque de negócios. ao mesmo tempo que se orientam para a neutralização dos conflitos. Bilbao. tratada como um bloco em torno de um projeto único que. uma série de processos e dimensões em que se casam o interesse econômico da cultura e as alegações culturais das elites econômicas. tomadas como manifestações de “desamor à cidade”. será vitorioso. a exclusão. que cercam cidades como Barcelona. assume. a sensação de pertencimento. cuja manifestação é perceptível. tanto nas práticas de planejamento quanto na produção teórica dessas práticas. no plano teórico. Esta é. a cidade unificada sem brechas. assinada por algum astro de renome internacional. Essas operações estratégicas são transformadas em iscas. para a autora. atividades e moradores solventes). aponta para um encolhimento radical do espaço público. a autora propõe uma pauta de pontos e propostas que abrem uma brecha para processos de planejamento que se pretendam socialmente inclusivos e democráticos. A dissimulação e o desconhecimento a respeito da cidade ilegal mostram a falta de vontade política de enfrentar a questão da propriedade da terra. Para finalizar. Na contra-corrente. ou quando o assunto são os direitos sociais. um nó na sociedade brasileira que Maricato se encarrega de sublinhar por meio da análise das leis e planos urbanos e sua ineficácia. Para fazer frente à incorporação de modelos e representações reificadas. uma nota: a acolhida que essa obra vem recebendo mostra que o esgotamento do debate é apenas aparente. no contexto de discussão teórica e política do livro. a desafiar a aparente inexorabilidade dos cenários que ele aponta. da cidade-empresa e da cidade-pátria. B. como mostra Ermínia Maricato. tornadas dominantes. as diferenças nem a profunda desigualdade socioespacial entre a cidade oficial e a cidade ilegal que. reinventada como espaço do exercício democrático da política. da cidadania plena e da justiça social.R E S E N H A miraculoso “renascimento das cidades” para o mercado global jamais verá a pobreza e a exclusão como problemas. R. Indiferente à realidade escancarada pela autora: a cidademarca é configurada pelos modelos e parâmetros dominantes da cidade-mercadoria. quando contrariam interesses de proprietários imobiliários. Na cidade-marca da virada do século não cabem os conflitos. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 103 . e as orientações possíveis de projetos urbanos alternativos. baseados na construção da igualdade. não é a exceção. contra a qual os autores se situam. mas a regra do nosso processo de urbanização. que precisam ignorar-se para sobreviver. tem um papel destacável: chamar a atenção para o fosso que separa as atuais orientações das políticas urbanas. Uma contribuição corajosa que pode alimentar projetos transformadores e que. Ele pode até refletir uma estratégia construída no campo da disputa simbólica: fazê-lo parecer esgotado. o debate mostra sua vitalidade e sua potencialidade na reinscrição de projetos capazes de disputar a hegemonia na cidade entendida como “pólis”. O desenho de tal marca é uma afirmação política da hegemonia do pensamento e ação sobre as cidades. São dois mundos separados. agência 3559-9.452-9) em nome da ANPUR.: _________ Bairro: ______________________________________________________ CEP: _______________________ Cidade: _______________________________________ UF:______________________________________ Tel. Nome: __________________________________________________________________________________ Rua: _______________________________________________________ nº:________ Comp.br Preencha e anexe um cheque nominal à Anpur Assinatura referente aos números ____ e ____. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 105 . B.: ______________________ Fax: ________________________ E-mail: __________________________ Instituição e função: ________________________________________________________________________ Data______________ Assinatura _________________________________________ R. para: ANPUR – SECRETARIA EXECUTIVA Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo 05508-900 São Paulo. ou um comprovante de depósito bancário (Banco do Brasil. SP – Brasil. conta corrente 11.REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS publicação da associação nacional de pós-graduação e pesquisa em planejamento urbano e regional E REGIONAIS VENDAS E ASSINATURAS E XEMPLAR AVULSO : R$ 20.00 Pedidos podem ser feitos à Secretaria Executiva da ANPUR. conforme relação no verso.00 À venda nas instituições integrantes da ANPUR. Tel/Fax: (11) 3818-4648 E-mail: anpur_secretaria@usp. A SSINATURA A NUAL (dois números): R$ 38. enviando a ficha abaixo e um cheque nominal em favor da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional. REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS publicação da associação nacional de pós-graduação e pesquisa em planejamento urbano e regional E REGIONAIS ONDE ADQUIRIR BELÉM • Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – NAEA / UFPA Tel.: (41) 262 9719 FLORIANÓPOLIS • Programa de Pós-Graduação em Geografia / UFSC Tel. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 .: (21) 2537 7595 • Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – IPPUR / UFRJ – Tel.: (11) 3281 7763 e 281 7700 • Instituto de Pesquisas Econômicas – IPE / USP Tel.: (19) 3788 5898 e 3788 5896 SÃO CARLOS (SP) • Programa de Mestrado em Arquitetura / USP São Carlos Tel.: (21) 2598 1933 • Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro – IUPERJ / UCAM – Tel.: (81) 3271 8381 SALVADOR • Núcleo de Pós-Graduação em Administração – NPGA / UFBA Tel.: (81) 3423 2800 • Mestrado em Desenvolvimento Urbano – MDU / UFPE Tel.: (31) 3279 9100 / 9086 • Programa de Pós-Graduação em Geografia / UFMG Tel.: (91) 211 1231 FORTALEZA • Curso de Pós-Graduação em Economia – CAEN / UFC Tel.: (21) 2590 1880.: (16) 260 8295 e 260 8262 CURITIBA • Mestrado em Desenvolvimento Econômico / UFPR Tel.: (84) 215 3776 e 215 3722 RECIFE • Centro Josué de Castro de Estudos e Pesquisas Tel.: (21) 2598 1670 SÃO PAULO • Curso de Mestrado em Administração Pública / FGV-SP Tel.: (21) 2537 8020 • Programa de Pós-Graduação em Geografia / UFRJ Tel.: (61) 307 2452 BELO HORIZONTE • Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional – Cedeplar / UFMG – Tel.: (48) 331 9412 PORTO ALEGRE • Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser – FEE – Tel. B.: (51) 225 9187 e 225 9386 • Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional – PROPUR / UFRGS – Tel.: (19) 3788 5775 • Núcleo de Estudos de Populacão – NEPO / Unicamp Tel.: (11) 3818 5234 • Programa de Pós-Graduação em Estruturas Ambientais e Urbanas – FAU / USP – Tel.: (19) 3756 7088 e 3756 7196 • Núcleo de Economia Social.: (85) 281 3272 NATAL • Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo / UFRGN – Tel.: (11) 3818 5886 e 3818 6078 • Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos – NERU Tel.: (11) 33120 2188 • Pós-Graduação em Geografia Humana / USP Tel.: (81) 3271 8311 • Programa de Pós-Graduação em Economia – UFPE Tel.ramal 251 • Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo / UFBA Tel.: (11) 3257 7837 e 3257 7688 CAMPINAS (SP) • Mestrado em Urbanismo / PUC-Campinas Tel.: (61) 307 2373 e 272 1909 • Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo / UnB – Tel.: (16) 273 9311 e 273 9312 • Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana / UFSCar Tel.: (51) 3316 3152 106 R.: (31) 3499 5404 RIO DE JANEIRO • Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM Tel.: (61) 3072814 • Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais – NEUR / UnB Tel.: (71) 247 7297 . 2590 3280 e 2270 7773 • Programa de Pós-Graduação em Urbanismo – PROURB / UFRJ Tel. Urbana e Regional – NESUR / IE / Unicamp – Tel.: (71) 247 3803 BRASÍLIA • Mestrado em Geografia / UnB – Tel.: (11) 3032 2217 • Pós-Graduação em Engenharia de Construção Civil e Urbana / USP Tel. além de telefone e endereço para correspondência. B. etc. L.). Paris.d..: (Harvey. margens 2. s. Os trabalhos deverão ser encaminhados em disquete (Word 6. ao qual cabe a responsabilidade de recomendar ou não a publicação. contendo entre 100 (cem) e 150 (cento e cinqüenta) palavras. a primeira data deve vir acompanhada da letra “a”. gráficos. 1979. Notas e comentários deverão ser reduzidos tanto quanto possível. Serão publicados apenas artigos inéditos. ou ainda. 1983. será utilizado o sistema autor-data. as referências bibliográficas devem seguir as normas estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). negrito. História da arquitetura moderna. negrito. sine nomine (sem editora). Os originais não serão devolvidos. BENEVOLO. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS Nº 4 / MAIO 2001 107 . A experiência. Se houver até três autores. Ex.15) A indicação de capítulo e/ou volume é opcional. Os títulos do artigo. atividade que exerce.” e “s. (Ed. mesmo selecionados.5. n. com indicação de 5 (cinco) a 7 (sete) palavras-chave. Quando indispensáveis.º 121 (Federação) 40210-350 Salvador BA Tel. C.0.0 ou 7.5. incluindo tabelas. Título 2: Arial. organizadores ou editores da obra. instituição em que trabalha e e-mail.l. J.215-42. por exemplo: SILVA. se mais de três. n.: (71) 247-3803 Fax: (71) 247-3511 E-mail: revanpur@ufba. Para citações dentro do texto. em fonte Arial.br R. S. por exemplo: SOUZA.: s. tamanho 9. P. respectivamente. negrito. figuras e referências bibliográficas.”. modes de coordination et systèmes de légitimité: analyse de la catégorie de patrimoine naturel”. 1999b. deverão vir em pé de página. “s. tendo no máximo 20 (vinte) páginas. a expressão “et al” (SOUZA. Devem apresentar em apenas uma das cópias as seguintes informações: nome do autor. todos devem ser citados. use as siglas “s.d. Ex. H. O. itálico. p. São Paulo: Perspectiva. Revue Economique.n. a segunda da letra “b”.l. tamanho 11. s. digitadas em espaço 1. de Filgueiras Gomes Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – PPG/AU Faculdade de Arquitetura Universidade Federal da Bahia Rua Caetano Moura. capítulos e subcapítulos deverão ser ordenados da seguinte maneira: Título 1: Arial. acompanhados de um resumo em português e outro em inglês.” para. S. normal. Título 3: Arial.2. fonte Arial tamanho 11. sua formação básica e titulação acadêmica. et al. Quando não houver a informação.). de acordo com os exemplos abaixo: GODARD. No mais. sine loco (sem o local de edição) e sine data (sem referência de data). A casa. tabelas e gráficos em Excel) e em três vias impressas. mars 1990.REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS publicação da associação nacional de pós-graduação e pesquisa em planejamento urbano e regional E REGIONAIS NORMAS PARA PUBLICAÇÃO Todos os artigos recebidos serão submetidos ao Conselho Editorial.n. devem ser citados os coordenadores. Quando houver citações de mesmo autor com a mesma data. As citações de terceiros deverão vir entre aspas. Linhas sublinhadas e palavras em negrito deverão ser evitadas. tamanho 14. e assim por diante. As referências bibliográficas deverão ser colocadas no final do artigo. normal.: 1999a. São Paulo: Vozes. 1981. “Environnement. p. não estejam rigorosamente de acordo com estas instruções. tamanho 12. Os trabalhos deverão ser encaminhados para: Marco Aurélio A. Os editores se reservam o direito de não publicar artigos que.