Como se escreveu a história do Brasil nas primeiras décadas do século XX* 1As the history of Brazil was written in the first decades of the century XX KARINA ANHEZINI Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da UNESP-Franca Bolsista FAPESP R. Major Claudiano, n.º 1.488 - CEP 14400-690 - Franca – SP [email protected] RESUMO Com o objetivo de compreender a tradição de estudos voltados para a narrativa da “descoberta do Brasil pelos brasileiros”, o presente artigo parte de duas obras publicadas na década de 20 por Afonso de Taunay e percorre as referências mais diretas que possibilitaram o desenvolvimento da temática e, principalmente, da concepção de história. O texto apresenta a relevância de Alfredo de Taunay e Capistrano de Abreu para a fundamentação dessa escrita da história, a recepção que essas obras tiveram no período e elementos das concepções de verdade, método, importância dos documentos, enfim algumas motivações do fazer histórico nas primeiras décadas do século XX * 1 Artigo recebido em 16/09/2004; Aprovado em 18/12/2004. O presente texto foi apresentado como trabalho de conclusão do curso “História e Literatura”, ministrado pela Profª. Drª. Susani Silveira Lemos França, na Pós-Graduação em História da UNESP-Franca durante o primeiro semestre de 2004, a quem agradeço por marcar de forma definitiva minha visão de mundo. 474 VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 21, nº 34: p.474-483, Julho 2005 VARIA HISTORIA. geografia e afins. no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Leonor de Ávila: romance brasileiro seiscentista. importance of the documents. com essas obras. 1926. ano da publicação de seu primeiro livro vinculado à “trama da alma brasileira”6 O romance histórico. marcou o ingresso institucional desse engenheiro civil na seara da história. História do Brasil. 21. The text presents the relevance of Alfredo of Taunay and Capistrano of Abreu to endorse of that writing of the history. São Paulo no século XVI: história da vila piratiningana. the present article is based of two works published in the decade of 20 by Afonso of Taunay and it travels the most direct references than they facilitated the development of the thematic and. TAUNAY.2 Inaugurava. Arrault et Cie. nº 34: p.7 em razão do esforço de pesquisa. tiveram a epopéia paulista como temática privilegiada. 2003. Belo Horizonte. Brazilian History. TAUNAY. A epopéia bandeirante: letrados. method. o autor apresenta as narrativas de vários letrados que. em 1911. Ver: FERREIRA. Chronica do tempo dos Philippes. Afonso de Escragnolle. Afonso de Escragnolle. foi considerado suficiente para sua entrada. Afonso de Escragnolle. 31. Nessa obra. São Paulo nos primeiros anos: ensaio de reconstituição social. TAUNAY. Os compromissos da confraria possibilitaram um contato mais estreito com as temáticas privilegiadas no período. São Paulo: Irmãos Ferraz Editores. a sua narrativa da epopéia paulista3 a partir da “reconstituição” do cotidiano de homens que enfrentaram “a selva aspérrima”. Afonso de Escragnolle. Afonso de Escragnolle. invenção histórica (1870-1940).474-483. 1910. Antonio Celso. instituições. São Paulo nos primeiros anos: ensaio de reconstituição social. finally some motivations of doing historical in the first decades of the century XX Key words History. Julho 2005 475 . já que pelos regulamentos desses institutos apenas seriam eleitos autores com trabalhos científicos nas áreas de história. of the history conception. p. A exceção aberta nessa eleição. vol. Chronica do tempo dos Philippes. the reception that those works really had in the period and elements of the conceptions of the true .4 imbuídos da missão de constituir um “posto avançado da civilização” e expandir os limites do território pelo “oeste infindo”. Historiografia ABSTRACT Seeking to understand the tradition of studies sent for the narrative of the discovery of Brazil by the Brazilians. 16. além de criarem um 2 3 4 5 6 7 TAUNAY. 2002. São Paulo nos primeiros anos: ensaio de reconstituição social.5 O autor desses textos vinha se dedicando à “investigação histórica” desde 1910. desde o final do século XIX. Historiography Avizinhava-se a década de 20 quando Afonso de Escragnolle Taunay escreveu São Paulo nos primeiros anos e São Paulo no século XVI. mainly. p. Tours: Imprimerie E. TAUNAY. São Paulo: Editora UNESP.Como se escreveu a história do Brasil nas primeiras décadas do século XX Palavras-chave História. São Paulo: Paz e Terra. Karina Anhezini espaço de discussão e publicação dos textos. reconhecerão que seu pai foi o primeiro dentre nós que descreveu os sertões de experiência e autópsia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.28-54. José Honório. O autor de Visões do sertão. 2000. Afonso de Escragnolle. Capistrano de. História. Memória: Varnhagen e a construção da identidade nacional. História e historiadores do Brasil. São Paulo: Edição da “Revista do Brasil”. 3ªed. v.18 somente após 8 TAUNAY. São Paulo. Verdade e método entraram na ordem do dia como grandes questões para os escritores das primeiras décadas do século XX. Rio de Janeiro: Editora FGV.15 ora positivista.19. ao se interessar pelo método crítico das ciências do espírito. 1922.419.20. ao clima e à conquista do sertão em Capítulos de história colonial. p. Visões do Sertão. 15 ARAÚJO. Estado. Outra obra da mesma temática é Dias de Guerra e de Sertão. Afonso de Escragnolle. 12 RODRIGUES. à miscigenação. 1914 e 1915. 3ª ed. 17 Carta de Capistrano de Abreu a Afonso Taunay. Um grande bandeirante: Bartolomeu Paes de Abreu (1674 . não apenas uma virada temática. mas uma guinada.1738). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. p. nº.13 símbolo da influência cientificista.16 Muitos anos antes de a historiografia formular tais análises de sua obra. Pedro Taques. 476 . a conquista de Goiás. 2000. José Carlos. ora historicista. São Paulo. sobretudo. Anais do Museu Paulista. São Paulo: Oficina Gráfica Monteiro Lobato. ao menos em sua primeira fase. 2000. José Carlos. José Honório.9 nos quais pôde apresentar suas aproximações iniciais do tema que o consagraria no cenário intelectual: a narrativa da “conquista do Brasil pelos brasileiros”10 Essa significou uma mudança fundamental na perspectiva historiográfica. 11 ABREU. v. Pedro Taques8 e Frei Gaspar da Madre de Deus.12 redescobridor do Brasil. João Capistrano de Abreu. Rio de Janeiro: Editora FGV. 9 de jan. Capistrano avaliou e escreveu. Ricardo Benzaquen. 13 REIS. In: RODRIGUES. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. RIHGSP. Exploração do Paraná. RIHGSP. a Afonso de Taunay: “Quando as críticas se apurarem. tomo I. Brasília: INL. 1915.1. São Paulo: Fulgor. 16 REIS. 1988. Visconde de. 14 WEHLING. 1923. 1999. Assim.14 representante de uma nova concepção de verdade na historiografia brasileira. 80. 18 TAUNAY. ele publicaria dois estudos a respeito daqueles que considerava os primeiros historiadores do bandeirismo. Estudos Históricos. p. aos costumes. 9 TAUNAY. 1956. certa vez. Capítulos de história colonial. 3. 1965. Arno. de 1923. 1915. Afonso de Escragnolle. Correspondência de Capistrano de Abreu. Frei Gaspar da Madre de Deus. A herança ibérica e a obra administrativa da coroa imperial que ocupavam a primeira cena na história político-administrativa e biográfica realizada por Robert Southey e por Francisco Adolfo Varnhagen dão lugar aos indígenas. do Rio Grande do Sul e de Mato Grosso. talvez acreditasse que o historiador devesse “reconstituir” a vida integralmente. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. Ronda noturna: narrativa crítica e verdade em Capistrano de Abreu. não de chic: antes dele só houvera estrangeiros”. nos próximos anos. v. Rio de Janeiro. São Paulo: Publifolha. 10 TAUNAY. conferindo destaque à visão apresentada nas narrativas. Rio de Janeiro. no tipo de história que se queria produzir a respeito do Brasil. 1920.11 Caracterizado como revisionista e criador de um mundo novo.17 Capistrano de Abreu ressaltou a primazia de Alfredo de Escragnolle Taunay no desbravamento dos sertões. Com o correr dos anos. a crítica apurada não reputou a Alfredo Taunay o primado desta investida na análise do sertão.474-483. São Paulo: Companhia das Letras. fato narrado aos sócios do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo em 1939. — Mas.21 ou seja. muitas vezes. São Paulo: Companhia Melhoramentos. (eu) mesmo. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Não era mais um estrangeiro acentuando o exótico do mundo alheio ao dele e nem mesmo mais um escritor que na década de 20 enveredava por este tema para aproveitar-se da “moda” vigente. visão. em uma visita. Dessa forma. devido ao desconhecimento do território. descreveu os sertões como parte do Brasil. — faça uma coisa: estude as bandeiras.Como se escreveu a história do Brasil nas primeiras décadas do século XX minucioso estudo realizado quando voltava da campanha que o tornou conhecido — A retirada da laguna19 —. e por opsia: pospositivo do grego ópsis. eram inadequados. — aconselhou-me certa vez o meu querido e saudosíssimo mestre Capistrano de Abreu. principalmente para os parlamentares cujos projetos políticos. na opinião dele. vol. vista. ano em que assumiu a presidência honorária desta instituição: — Se você está em São Paulo e quer escrever história. Mesmo contemplando as diferenças existentes entre o “mundo externo ao sertão” e o “sertão paradisíaco e inóspito”. VARIA HISTORIA. 19 TAUNAY. Antonio. 21 TAUNAY. antes mesmo de redefinir os caminhos da história no início do século. Após um primeiro contato ocorrido em 1888 durante algumas lições particulares. 20 A palavra autópsia é formada por aut(o): antepositivo do grego autos. 21. A primazia foi destinada a Capistrano de Abreu. 2001. a perspectiva historiográfica de Capistrano de Abreu representou elemento decisivo frente às escolhas de Afonso de Taunay e de um grande rol de escritores do período. num momento em que integrava uma campanha cujo objetivo era defender as fronteiras diante do inimigo paraguaio. Julho 2005 477 . Taunay confessou-lhe o desejo de escrever história. A retirada da Laguna: episódio da guerra do Paraguai. Alfredo d’Escragnolle. isto é muito trabalhoso demais. Inocência. já em 1902. Alfredo Taunay analisou o sertão sentindo-se parte dele e. portanto. 1997. A primeira versão da obra foi publicada em francês em 1871. nº 34: p. Alfredo d’Escragnolle. HOUAISS. Belo Horizonte. que encaminharia Afonso de Taunay para os rumos desses sertões trilhados por Alfredo. 1936. pôde descrever as facetas daquele mundo novo que observou. mas como o “mesmo” ainda desconhecido que deveria vir à luz para os brasileiros. ação de ver. relacionando-se com o objeto de análise não como o “outro”. — objetei-lhe — A vida de um homem não dá para tanto. A partir dessa leitura apresentada por Capistrano e tomando um dos sentidos da palavra “autópsia”20 empregada para qualificar a obra de Alfredo Taunay é possível compreender aquilo que se distinguia nessas obras: o elemento que mereceu destaque na avaliação de Capistrano foi o “exame de si mesmo” feito pelo autor de Inocência. Rio de Janeiro: Objetiva. A sua idéia de escrever uma história dos capitães-generais de S. quando a grande época dos paulistas é o século XVII! Deixe este encargo ao. rememorava no discurso de posse em que retraçou sua própria trajetória conferindo a Capistrano o lugar de mestre. instigado e convencido de que poderia ser um caminho promissor. a me introduzir numa camisa. Aí se agastou o autoritário amigo. RIHGSP. Que encham as páginas da Revista com tão desenxabido assunto. No entanto.276. apaixonado da franqueza e da ausência de rebuços: — É mais fácil e mais à mão.37. p. ou ao. 1939. Taunay alteraria seus planos. não de onze. Esta seria a concretização de um projeto idealizado ainda nas décadas finais do século XIX. Columbado [1904?].. tanto das escolhas de temas quanto da abordagem de grande parte de sua produção. em meados de 1902. mas de cento e dez varas. 478 . RIHGSP. Parabéns pelo brilhantismo da escolha! Deixou-me tão rude franqueza abalado ao desperdir-me. Que lembrança desastrada a de preferir um período desinteressante. p. em rude comparação de seu feitio de sinceridade absoluta. A idéia de escrever a história dos capitães-generais corroborava as escolhas temáticas de Varnhagen. Afonso. em que Capistrano reafirma as opiniões expostas pessoalmente ao discípulo. deixe os miúdos para quem deles gostar. Discurso de posse na Presidência Honorária do Instituto. 1939. por exemplo o período dos Capitães-Generais. dia de S. que é a ventilação dos fastos bi-seculares do epos bandeirante”24 . Bertoldo e S. — Preferiria algum assunto mais fácil. menos extenso e mais à mão. Isto lhes vai a calhar. Afonso. 23 Carta de Capistrano de Abreu a Afonso Taunay.22 A conversa narrada daria origem à carta. — retrucou-me o mestre cearense.37. v. segundo afirma um prolóquio de minha terra. máximo e quase virgem na consolidação de seus fastos.. com efeito! E assim também mais facilmente conseguirá você dar uma demonstração de rara ininteligência! Deixará um episódio máximo dos nossos anais. período em que Alfredo Taunay publicava suas incursões pelo sertão. p. In: RODRIGUES. José Honório.. Correspondência de Capistrano de Abreu.11. dedicando-se à história das bandeiras. 24 TAUNAY.Karina Anhezini — Você ainda é moço e quem não tem coragem não amarra canhembora no mato. Discurso de posse na Presidência Honorária do Instituto. Paulo é simplesmente infeliz. “Comecei a obedecer ao mestre. da visita feita no Rio de Janeiro a quem tão categoricamente se exprimia. 22 TAUNAY. fartamente citada pelos biógrafos de Afonso de Taunay. encomendado pelo Centro Industrial do Brasil em 1905.. para cuidar de uma relação quase sempre de meros atos burocráticos de um período de depressão e decadência.23 Quando escreveu essa carta Capistrano estava prestes a iniciar a redação de Capítulos de história colonial.10-11. v. deixando Capistrano um pouco desapontado. orientador. Reserve você para si o melhor naco. 14. as versões preliminares de São Paulo no século XVI (1921). “Que mina.28 daria Taunay continuidade à trama da alma brasileira. Afonso. vem se constituindo uma tradição de estudos voltados para este espírito. E foi por meio da descoberta destas “minas virgens” que os textos a respeito de São Paulo colonial. depois com Capistrano.14. muitas vezes. principalmente pelo estilo com o qual 25 26 27 28 ABREU.26 disse Taunay. que revigorou o Arquivo Público do Estado fazendo publicar as Atas e o Registro Geral da Câmara paulistana de 1562 até o século XX. Voltemos. Ponto de partida da trama inventada por Afonso de Taunay parece ser a pergunta: que Brasil começa a se formar a partir de São Paulo no século XVI? Esta questão é desenvolvida capítulo após capítulo com a inserção gradativa de elementos e argumentos que procuram responder à interrogação e. Até o exigente mestre que. 12. Belo Horizonte.27 No entanto. p. São Paulo: Publifolha. “berço da civilização nas Américas”. Discurso de posse na Presidência Honorária do Instituto. de que onde não há documentos não há história”.Como se escreveu a história do Brasil nas primeiras décadas do século XX “Faltam documentos para escrever a história das bandeiras”.25 escreveu Capistrano nos Capítulos em 1907. a partir do acordar dessas minas que dormiam. Afonso. com essas obras publicadas na década de 1920. então. Concomitantemente a esta pergunta. diria Taunay.474-483. Estas obras tratavam de questões caras aos contemporâneos e. apresentados em São Paulo nos primeiros anos (1920). 21. TAUNAY. TAUNAY. Afonso de Taunay lhe dedicou o primeiro estudo realizado a partir destas fontes. despertaram grande interesse. Os coetâneos tomaram contato com os resultados de pesquisa. a esses textos. mas essas narrativas pareceram insuficientes no século XX. VARIA HISTORIA. Discurso de posse na Presidência Honorária do Instituto. Discurso de posse na Presidência Honorária do Instituto. pois não foram realizadas “em prol do esclarecimento destes feitos da vida comum de todos os brasileiros”. p. Julho 2005 479 . TAUNAY. uma outra se desenvolve: qual a melhor forma de “reconstituir” este passado? Outros estudiosos produziram obras a respeito do passado colonial brasileiro. criticava seus trabalhos. Capistrano de. 2000. a dos arquivos que dormiam”. Como sinal de gratidão pela possibilidade de pesquisa desta documentação garantida pelo então governador do Estado de São Paulo. Afonso. p. nº 34: p. provar a tese apresentada em tal indagação. 129. sobretudo. durante o ano de 1917. portanto. Washington Luis Pereira de Souza. e que mina virgem. na visão de Taunay. nas colunas do Correio Paulistano e. e agora. p. vol. “obedecendo à norma essencial e inflexível. após o restauro e transcrição realizada por Francisco Escobar e Manuel Alves de Souza. puderam ler. no mesmo periódico. Capítulos de história colonial. meu mestre. desde meu pai. foram escritos. logo no próximo ano. p. Há uma distração curiosa em seu livro: supõe as câmaras do tempo regidas pelos Filipinos. passado dos costumes. V. da vida dos homens que viveram naquele período. enviou-lhe uma carta em abril de 1920. os interesses em conflito. Paulo nos primeiros anos. [. maior recompensa não haveria de ter alguém cuja meta era “reconstituir” o passado. 480 . No trabalho sobre as atas. Portanto.308-309. comentou o historiador lisboeta: Prende a atenção como um romance. com os seus esforços pela vida. Já estou no meio e hoje ou amanhã devo terminar. cotidiano. Pedro I e a Marquesa de Santos.. Paulo grande e o Rio de Janeiro maior. sobre as Ordenações Manuelinas. “Reconstituir” o passado. o historiador português cujo intercâmbio com Afonso de Taunay iniciou-se por meio de Capistrano de Abreu. Alberto. descobrindo-nos a célula primitiva de onde saiu S. Quando contei as folhas li até página 90. e a gente sente-se viver no seio daquele Brasil rudimentar. 3ª entrada. onde se tivesse reproduzido o náufrago descobridor tenho o seu livro por fundamental para a história do Brasil. 31 Carta de João Lúcio D’Azevedo a Afonso Taunay.. em 1920. fazendo correções: Grande parte do dia de ontem empreguei lendo seu livro sobre São Paulo quinhentista. na sessão seguinte fui até o fim. etc. pasta 295. porque este era o passado “tal como” aconteceu. pois. 12 de abril de 1920. Correspondência de Capistrano de Abreu. APMP/FMP. Lisboa. dizia-se orgulhoso por participar dos bastidores de tal feito. proporcionou-me horas agradáveis e a mesma sensação proporcionará aos leitores.29 Alberto Rangel — autor de D.Karina Anhezini escrevia. In: RODRIGUES. 1916. 30 RANGEL. se o objetivo é “contar a verdade”. que assim seria em todos os novos povoadores. 19 de novembro de 1920. Pedro I e a Marquesa de Santos30 — foi o responsável pela publicação na França dos dois livros a respeito de São Paulo e. em carta de novembro de 1920. Rio de Janeiro: Liv. exporei algumas dúvidas. como era de costume. Que mais precisaria dizer-lhe?31 Fazer o leitor sentir-se “tal como” se vivesse naquele tempo. José Honório. reconhecendo seus méritos e. Foi ele que. A impressão causada pela obra deixou Taunay bastante agradecido. “análogo” àquilo que o “constituiu”. que comecei. mas aquele social. D.. não se pode tratar de outra coisa. Três Corações. 29 Carta de Capistrano de Abreu a Afonso Taunay.] Depois de completar a leitura. Seu método de exposição tornará popular a leitura e é bem possível que a tornem mais atrativa as perífrases. Francisco Alves. não qualquer um. enviou um exemplar a Lisboa com o fim de presentear João Lúcio de Azevedo. Paulo. aquele renovar de uma ilha de Robinson. o primeiro artigo devia intitular-se A Câmara de S. a não ser daquilo que nos “mostram” os documentos. os “rastros” daqueles que “constituíram” a história. alusões. ao final da impressão de S. Afonso de Escragnolle. era indispensável ao historiador a crítica externa e interna do documento. a da história batalha.32 A “investigação cuidadosa” dos fatos levaria a esta compreensão mais cuidadosa. ainda direcionados por uma mesma perspectiva. Foi orientado a respeito dos temas mais relevantes para historiar. Ciências e Letras. São Paulo no século XVI. onde assumiu a cátedra em 1934. Taunay conclamava os alunos enfatizando a importância da descoberta das novas fontes. era preciso estar atento e compreender o “espírito dos tempos”. 1934. pois muito do nosso passado. No entanto. 33 TAUNAY. Afonso de Escragnolle A propósito do curso de História da Civilização Brasileira na Faculdade de Filosofia. Passado por decifrar.130.344 e 356. empreendeu uma busca incessante de documentos sempre preocupado com os rumos da historiografia brasileira. VARIA HISTORIA. enquanto outros. e Capistrano foi sempre considerado o autor que. Julho 2005 481 . com “sua desvantagem de origem. 34 TAUNAY. dizia ele. Não foi um teórico da história. Um historiador de ofício. negavam a “verdade histórica”. mas muito havia para ser feito. assim. por ignorarem fontes ou por acreditarem demasiadamente naquelas consultadas. nº 34: p. Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Acreditava que os passos do fazer história eram simples. Assim.474-483. pois diversos termos dessas fontes eram “insinceros”. segundo Taunay. Anuário da Faculdade de Filosofia. Esses textos responderam a uma série de interpretações que também concebiam o passado como referente. um prático da história que aprendeu o fazer historiográfico no cotidiano. muito havia que se trabalhar e cada vez um maior número de pessoas deveria dedicar horas de suas vidas debruçados sobre documentos para possibilitar o conhecimento de mais e mais passado. esses estudos referiam-se a um passado que não mais interessava ao presente. 21. não bastasse. Diante das novas descobertas. muito trabalho por fazer em direção à história dos costumes.400. enfatizava o ofício como profissão de fé: 32 TAUNAY. p. ainda nos é contado pelos viajantes estrangeiros.Como se escreveu a história do Brasil nas primeiras décadas do século XX Podemos afirmar que este é o sentido assumido pelos textos escritos por Taunay. com maior acuidade. vol. p.33 Na aula inaugural do curso de História da Civilização Brasileira da Faculdade de Filosofia. por descobrir. Belo Horizonte. Poucos estudos ainda a respeito dos tempos longínquos da formação do Brasil e estes. conseguia desvendar esse espírito. causada pelas diferenças fundamentais de mentalidade”34 e. São Paulo no século XVI. não trataram do passado que permaneceu preservado nos vestígios que naquele momento se descobriram e ganharam relevância. p. por desvendar. Ciências e Letras. Afonso de Escragnolle. ______. Afonso de Escragnolle A propósito do curso de História da Civilização Brasileira. 2001. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. TAUNAY. São Paulo. nº. as teorias e metodologias mais aceitas tomaram configurações diversas. p. 20. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. para que o avolumamento de tal bibliografia permita dentro em breve apanhados. v. ______. 3. invenção histórica (1870-1940). tomo I. em contínuas entradas. Frei Gaspar da Madre de Deus. v. Capítulos de história colonial. Alberto. por deficiência de indispensáveis pontos de apoio dos elementos exigidos para a construção das sínteses. Exploração do Paraná. BIBLIOGRAFIA ARAÚJO. São Paulo: Fulgor. RIHGSP. 36 TAUNAY. 1956. 1914. 3ª ed. FERREIRA. Anais do Museu Paulista. v. 1910. 1915. ______. Rio de Janeiro: Editora FGV. mas o esforço empreendido nessas primeiras décadas do século XX mudaria os rumos da escrita da história do Brasil. 1922. Correspondência de Capistrano de Abreu. 1977. Afonso de Escragnolle. Os quatro primeiros lustros de vida do Instituto. p. José Carlos. ______. p. Antonio. 1915. v. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. Rio de Janeiro.13. RIHGSP. Chronica do tempo dos Philippes.19. por enquanto assas falhos. v. em múltipla. Capistrano de. São Paulo: Publifolha. 2ª ed. Correspondência de Capistrano de Abreu. 19. 5 . os temas privilegiados se alteraram. Rio de Janeiro.. A epopéia bandeirante: letrados. novas tendências foram modificando algumas concepções. Um grande bandeirante: Bartolomeu Paes de Abreu (1674-1738). RODRIGUES. Pedro Taques.35 A tão sonhada síntese somente seria possível a partir de um grande número de trabalhos. Rio de Janeiro: Objetiva. Brasília: INL. REIS.Karina Anhezini Soberbo campo de estudos se antolha aos pesquisadores de boa vontade no conjunto da enorme documentação virgem oferecida aos estudiosos da história da civilização brasileira. Pedro I e a Marquesa de Santos. 19. Os quatro primeiros lustros de vida do Instituto. Liv. Tours: Imprimerie E. São Paulo: Editora UNESP.131. por isso “todos à obra (. a conquista de Goiás. Assim atraia ele a maior cópia destes interpretadores de documentos. 1988. 35 TAUNAY. Francisco Alves.) como si fôramos os soldados de um antigo terço — que realmente somos os membros da bandeira que do Passado procura fazer. RIHGSP. 2000. 2002. ______. Antonio Celso.36 As bases da disciplina histórica foram inventadas. 1916. 1. São Paulo. 2000. José Honório. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. RIHGSP. do Rio Grande do Sul e de Mato Grosso. Ricardo Benzaquen. 1934. 1965. v. 482 . Arrault et Cie. História e historiadores do Brasil.13. Ronda noturna: narrativa crítica e verdade em Capistrano de Abreu. 1914. Brasília: INL. o descimento das verdades históricas”. instituições. 28-54. HOUAISS. p. ABREU. RANGEL. Afonso de Escragnolle. ______.. 1. D.. Julho 2005 483 . Inocência. ______. São Paulo: Edição da “Revista do Brasil”. TAUNAY. Discurso de posse na Presidência Honorária do Instituto. RIHGSP. Anuário da Faculdade de Filosofia.131. Visconde de. São Paulo no século XVI: história da vila piratiningana. Visões do Sertão. História. Ciências e Letras. 1997. WEHLING. 1923. 2003. ______. 1926. 1999. 1920. ______. São Paulo: Oficina Gráfica Monteiro Lobato. Dias de Guerra e de Sertão. A propósito do curso de História da Civilização Brasileira na Faculdade de Filosofia. ______. ______. v. Leonor de Ávila: romance brasileiro seiscentista. A retirada da Laguna: episódio da guerra do Paraguai. vol. nº 34: p. São Paulo: Paz e Terra. Memória: Varnhagen e a construção da identidade nacional. VARIA HISTORIA. 37. São Paulo nos primeiros anos: ensaio de reconstituição social.Como se escreveu a história do Brasil nas primeiras décadas do século XX ______. p. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1934. ______. Estado. Arno. 1936.122 . 21. 1939. Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Belo Horizonte. São Paulo: Companhia das Letras. São Paulo: Companhia Melhoramentos. São Paulo: Irmãos Ferraz Editores.474-483.
Report "ANHEZINI - Como Se Escreveu a Hisotria Do Brasil Nas Primeiras Decadas Do Sec XX"