ANDRADE, Jorge Rasto Atrás

March 26, 2018 | Author: Eduardo Navarrete | Category: France, Love, Fashion & Beauty, Fashion, Dogs


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RASTO ATRÁS - JORGE ANDRADEPERSONAGENS VICENTE................ personagem principal LAVÍNIA ............... mulher de VICENTE JOÃO JOSÉ ............ pai de VICENTE ELISAURA ............ mãe de VICENTE MARIANA ............. mãe de JOÃO JOSÉ ETELVINA ............. filha de MARIANA JESUÍNA ................. filha de MARIANA ISOLINA ................. filha de MARIANA PACHECO .............. pretendente de JESUÍNA MARCELO ............. amigo de VICENTE MARIA ................... ex-noiva de VICENTE MARIETA .............. mãe de ELISAURA DOUTOR FRANÇA ................. médico da Santa Casa VAQUEIRO............. antigo empregado da família JUPIRA ................... uma prostituta MARUCO ............... vendedor de doces (italiano) MOROZONI ........... cantora de igreja EUGÊNIA ............... cantora lírica JOZINA ................... uma vizinha GALVÃO POETA PREFEITO JORNALISTA DRAMATURGO ANIMADOR PADRE .................... um professor ALUNOS DE GINÁSIO MÚSICO E POVO DA CIDADE NATAL DE VICENTE PRIMEIRA PARTE Época: De 1922 a 1965 Cena: Quando se abre o pano, alguns casais estão sentados em um cinema: entre eles, Vicente e Lavínia. Ouve-se assobios de protestos. vozes: Acenda a luz! Êta galinheiro. Pardieiro. Miauauuuu! Au, áu, áu, áu! (Risadas) Miauauuuu! Larga o osso! vicente: Deve ter faltado luz. lavínia: é o cinema que não presta. Eu quis assistir esse filme quando estava no centro. Todo mundo dizia que era ótimo. Você não quis. vicente: Não tive tempo. lavínia: Você tinha prevenção contra ele. vicente: Estou com dor-de-cabeça. lavínia: Quem manda esquecer os óculos. (Subitamente, uma grande tela é iluminada, onde está sendo projetado o filme “AS AVENTURAS DE TOM JONES”. Passa-se a cena da caçada. De repente, Vicente, aflito, levanta-se.) vicente: Vamos embora, Lavínia! lavínia: Mas, Vicente... vicente: Não quero ver mais. lavínia: Estou gostando. Não vejo nunca um filme até o fim. vicente: (Grita) Então, fique! (Sai) lavínia: (Sai atrás) Vicente! Que foi, Vicente? vicente: (Aflito) Não sei. vozes: Psiu! 'Psiu! Calem a boca! Fora! Miauuu! (No momento em que a caça é pêg pelos cachorros, a cena do filme desaparece, enquanto vemos Vicente entrando em primeiro plano, carregando uma mala de viagem. Lavínia vem abraçada a ele, com expressão de uma grande estação de estrada de ferro, onde há muito movimento de passageiros e de trens que chegam e partem, é projetado tomando todo o fundo e as laterais do palco). vozes: Carregador? Carregador? Táxi? Quer táxi? Hospedem-se no Hotel Boa Viagem. Carregador? Táxi? Táxi? vicente: (Olha para trás, preocupado) Eu disse a você para não trazer as crianças. lavínia: Marta está com eles no carro. (Aconchega-se a ele, carinhosa) Queria que levasse, com você, a imagem das carinhas. vicente: Assim, você faz as coisas mais difíceis, Lavínia. lavínia: Tenho receio dessa viagem. vicente: Preciso encontrar meu pai. Ele está perdido no meio da mata, no norte de Mato Grosso. Há quase vinte anos. É necessário que eu compreenda de uma vez por todas o que se passou entre nós. lavínia: (Algo retesada) É o que desejo acima de tudo. vicente: É terrível pertencer a um meio, e conseguir fugir dele. Lavínia. lavínia: Não foi o que sempre quis? vicente: Sonhei com isto ainda adolescente. lavínia: Você conseguiu, Vicente. vicente: Mas, ficaram, escondidos em mim, atos que não me deixam viver em paz, me atormentam. O fracasso da minha peça não me magoa mais. Mas, é ele que está levantando um passado... que pensei ter esquecido para sempre. lavínia: Sua peça não fracassou. Só porque meia dúzia de idiotas não compreendeu você, não justifica que julgue seu trabalho um fracasso. vicente: Você está invertendo os dados, Lavínia. Foi meia dúzia que me compreendeu. E minha peça contava verdades de nossa gente. Verdades que presenciei quando morava na fazenda. Cada pessoa que saía do teatro, fazia-me sentir como se o meu trabalho fosse gratuito, inútil. Parecia que havia destruído um mundo em mim, e não conseguira substituí-lo. Eu sei que o fracasso também é positivo, mas quando se tem coragem de voltar-se para dentro de si mesmo e avaliar os erros que cometemos. Devo aproveitá-lo para entender-me... e criar alguma coisa. Para isto, preciso compreender esse passado e me libertar. lavínia: E você não está criando? O que está fazendo, então? vicente: Pensei que tivesse encontrado a explicação de minha angustiei, de minha vida.Agora, vejo que tenho mentido. A pior coisa que pode acontecer a um autor. Lavínia, é perceber que mente e não saber como sair da mentira. lavínia: Pronto! Já foi ao extremo. Agora, já é mentiroso, também. Você exagera tudo, Vicente! vicente: Mas, é verdade, meu bem. lavínia: Você está é querendo explicar a vida, através de uma fuga para um mundo imaginário que será apenas seu. E é necessário viver no mundo de todos. No mundo de seus filhos, por exemplo. Você vive perguntando sobre a verdade dos outros. Nunca perguntou sobre as minhas, que são suas também e estão bem próximas. vicente: Nunca perguntei? lavínia: Nunca. Mas, eu digo: só tenho cinco: você e quatro filhos. vicente: (Abraça Lavínia com carinho) lavínia: ê sempre assim, quando falo de nós! Você me abraça, mas não nos vê. Sabe por quê? Porque vive prisioneiro de uma "ave de asas de aço", não é assim? vicente: (Sorri) É. lavínia: Uma verdadeira escravidão! Minha pior inimiga. E de seus filhos, também! vicente: é um meio de expressão, Lavínia, não uma escravidão. lavínia: Mas, quem sofre as conseqüências sou eu e meus filhos. Lembra-se daquele dia no cinema? Quando saiu desorientado? Do filme da caçada? vicente: Sei, sei. lavínia: Qual foi a explicação de seu pai de que se lembrou? vicente: Sobre a manha das caças? lavínia: É. Ela se aplica muito bem ao que se passa entre nós. vicente: (Alheia-se pouco a pouco) Papai dizia que certas caças correm rasto atrás, confundindo suas pegadas, mudando de direção diversas vezes, até que o caçador fica completamente perdido, sem saber o rumo que elas tomaram. E muitas vezes, são tão espertas que ficam escondidas bem perto da gente, em lugares tão evidentes que não nos lembramos de procurar. (Ouvem-se, distantes, dezenas de latidos de cães, entrecortados pelo som de uma buzina.O som da buzina funde-se com o apito do trem.) lavínia: (Sacode Vicente) Vicente! Não ouve o apito do trem? Desistiu de ir? vicente: Não. Eu vou. Preciso ir. Eu mando notícias. lavínia: Amanhã mesmo? vicente: Amanhã. Adeus. lavínia: Adeus. (Beijam-se com amor) (O apito do trem se transforma, lentamente, em som de buzina de caça. Voltam os latidos dos cães. Vicente e Lavínia desaparecem. À medida que aumentam os latidos dos cães e se acentua o som da buzina, corta-se o filme. A projeções de "slides" coloridos sugerindo uma floresta, ambienta abstralamente a cena. JOÃO JOSÉ, olhando fixamente para frente, está encostado n uma árvore e VAQUEIRO, mais distante, anda à volta tocando a buzina. João José é grisalho e está com a barba de uma semana. Apesar da idade, ainda é forte, disposto e ágil. Vaqueiro é um negro claro, de idade indefinida: tanto pode ter cinqüenta como setenta anos. Vaqueiro observa João José, revelando certa preocupação.) joão josé: Não adianta, compadre. A caça amoitou. vaqueiro: Velhaca como esta, eu nunca vi. joão josé: Vamos matular, Vaqueiro. Depois rastejamos. vaqueiro: é a terceira vez que ela volta rasto atrás. joão josé: Está ouvindo o latido? Escuta! vaqueiro: É a Lambisgóia. Cachorra briosa está ali. joão josé: Ela acaba levantando. Deixa trabalhar. vaqueiro: Se não levantar, eu levanto, compadre. joão josé: Deixa o cabrito brincar, Vaqueiro. Ele também tem direito de ter brio. Um dia a gente pega. vaqueiro: Nunca carreguei humilhação de catingueiro em garupa de cavalo, compadre. joão josé: Nem eu. (Pausa) Minha mãe costumava dizer: "p'ra catingueiro, só caçador matreiro". (Quando João José pronuncia a palavra "MÃE", ilumina-se o quarto da casa da rua 14, onde MARIANA, deitada, fuma em um cachimbo de barro. Mariana tem mais ou menos quarenta e cinco anos, é forte e tem uma expressão um pouco masculina. Os cabelos são puxados para a nuca em grande coque. Percebe-se que ela não conhece a vaidade, a não ser como coisa censurável nos outros. As sobrancelhas são grossas, as mãos ásperas e tem buço ligeiramente acentuado.) vaqueiro: Sá Mariana sabia o que falava. (Observa João José) Compadre! joão josé: Que é? vaqueiro: Sei que o senhor não gosta de... joão josé: (Corta) Se não gosto, não diga, compadre. vaqueiro: Às vezes, carece de falar. joão josé: Que é? vaqueiro: Não tem vontade de voltar, compadre? joão josé: Não. vaqueiro: Eu tenho. joão josé: Verdade, compadre? vaqueiro: Tenho, sim. joão josé: Aqui não tem luz, rádio, missa e cerca, compadre. Se minha mãe nos visse nesta mata, aí, sim, ela podia dizer que vivemos num mundo sem porteira. vaqueiro: A gente pode ficar doente. joão josé: Se ficar, a natureza cura. (Odiento) Melhor do que aquela Santa Casa. E se não curar, morro onde sempre tive vontade: no meio da mata. Depois, compadre, somos pagos p'ra olhar essas terras. Dez mil alqueires! Onde vamos encontrar uma coisa assim? Já pensou? vaqueiro: Só p'ra dar uma olhada, compadre. Dezessete anos é muita coisa. joão josé: Se notícia ruim não veio até aqui, é porque está tudo bem. vaqueiro: Tenho saudade das meninas! (Quando Vaqueiro diz "MENINAS", uma luz difusa ilumina a sala da casa da rua 14. ISOLINA e JESUÍNA, sentadas, e PACHECO, de pé, estão estáticos. Jesuína e Isolina vestem-se mais ou menos iguais; vestidos em tons escuros, compridos e de mangas até os pulsos; gola alta fechada sobre o pescoço. Dão a impressão de extremo asseio. Percebe-se que os vestidos estão gastos, mas não remendados. Usam meias grossas e sapatos de bico fino. Pacheco apoia-se em uma bengala e a roupa é nitidamente do começo do século. Estão todos entre sessenta e setenta anos. Tanto eles quanto Mariana, parecem figuras de um quadro onde os contornou não estão bem definidos.) joão josé: Aposto que estão sentadas na sala, conversando com o Pacheco. Se é que ele ainda vive. vaqueiro: Homem soberbo, aquele. joão josé: E ainda estão falando em lord Astor. vaqueiro: Quem é, compadre? Ê inglês do frigorífico? joão josé: Não. Morreu num barco chamado Titanic. vaqueiro:: Coitado! joão josé: Não agüento aquilo dois dias. (Encerra o assunto) Vamos caçar! (João José levanta-se. As perneiras de couro, presas à cinta, aumentem o seu porte desempenado. O sorriso torna seu rosto sereno, com qualquer coisa de infantil.) joão josé: (Grita, com grande força de vida) Braúna! Fanfarra! Melindroso! Toca a buzina, compadre! Bota esses cachorros p'ra trabalhar. (Vaqueiro sai, buzinando) Vamos ensinar p'ra esse velhaco que correr rasto atrás é artimanha que caçador matreiro conhece... (João José pára, subitamente, levando a mão ao peito e apoiando-se à árvore. Vicente (5 anos) aparece atrás da árvore e caminha, admirando a Lua.) vicente: (5 anos) Papai! Por que a lua está quebrada? joão josé: (Muda o tom) Não estou vendo lua nenhuma no céu, Vicente. vicente: Eu vi no livro. joão josé: É desenho, meu filho. vicente:: Vi também no céu e estava quebrada. Por quê, papai? joão josé: Não sei. vicente: (Um pouco aflito) Por que a lua fica quebrada? Quem sabe? Ninguém sabe? joão josé: Vicente! vicente: Senhor! joão josé: Você já sabe laçar? vicente: Não. joão josé: Laçar é mais importante do que saber por que a lua fica quebrada. vicente: Por quê? joão josé: Porque é. Quer aprender? vicente: (Afastando-se, até desaparecer) Se o senhor me explicar por que a lua fica quebrada, aprendo a laçar também. (Sai) vaqueiro: (Volta correndo) Que foi, compadre? É aquela dor novamente? joão josé: Não foi nada. vaqueiro: Está pensando no menino, compadre? Estava falando sozinho outra vez! Vamos se embora, compadre! Pelo amor de Deus! joão josé: Deixa de besteira, Vaqueiro. Corre! Que está esperando? Aquele velhaco vai embarcar no rio. vaqueiro: Você está bom mesmo, compadre? enquanto Pacheco segura o novelo. Lord Astor era apenas um homem de escol. senhor Pacheco! isolina: (Voltando de seus pensamentos) Não se salvou ninguém? pacheco: Ninguém. Lembrava um pouco o doutor França. enlevada com a amabilidade de Pacheco. alegres. (Olha Pacheco) Antigamente sabiam esperar e ainda davam a mão à gente. não é. magnético! isolina: Delicado. jesuína: Igualzinho ao nosso relógio. isolina: Ainda sem mulher. a riqueza e o orgulho que havia dentro do navio. Jesuína e Isolina fazem crochê. jesuína: (Olha Pacheco) Um olhar profundo. Ira divina.Percebe-se que ela está irritada com a cama. e a vaidade e a beleza. Vigia! pacheco: Presunções. pacheco: Mágoas insondáveis. Quando fala. homem caridoso perdido neste sertão. jesuína: De primeiro. França era um grande médico. senhor Pacheco? pacheco: (Guarda o relógio) Como sempre. pacheco: As estradas de ferro sempre foram muito mal organizadas. Herança de família. Os três conversam. fuma espalhando a fumaça com as mãos. jesuína: Por quê? pacheco: As jóias. Desaparecem os "slides". Mariana.joão josé: Mais firme do que esta árvore. com dificuldade.) jesuína: (Ouvindo o apito do trem) Não está atrasado o trem. Cientista! pacheco: Que foi feito de França? jesuína: Voltou para a Bahia. isolina: Disseram que nem Deus afundaria o Titanic. gentil. O apito do irem passa da sala para o quarto em tons diferentes: máquina elétrica e da década de VINTE. Isolina tem o pensamento longe. Na sala. É fígado. Jesuína enrola a lá. castigo de Deus. pegando o novelo no chão. Tinha que ir ao fundo. jesuína: Não sabem nem esperar uma senhora descer. vê-se Pacheco. (João José e Vaqueiro. Fala mais para si mesmo do que para os outros. pacheco: Delicadezas! jesuína: Mimos! Mimos. É tão triste um homem sem companheira. . Que vale a beleza. pacheco: A mesma fronte altiva. e ninguém acha tempo nem para visitar os outros. Jesuína e Pacheco movimentam-se. No momento em que a sala se ilumina. isolina: Porém. Só tem tamanho. isolina: (Suspirante) Morreu numa cidade solitária do interior. Pacheco olha o relógio. Vaqueiro sai tocando a buzina. recostada nos travesseiros. Pensei que o serviço houvesse melhorado. pacheco:: O que nasce torto não tem conserto. jesuína: Riqueza só traz infelicidade. Isolina. que vai se distanciando e se confundindo ao apito do trem que reaparece. perdia para o doutor França. Lá em casa. andávamos de trole e havia tempo p'ra tudo. Jesuína suspira. Falta de gente especializada. todo mundo sofria do fígado. dando a impressão de que os assuntos já foram milhares de vezes repetidos. Mariana. saem correndo. As mãos de Isolina trabalham automaticamente. virando a cabeça ligeiramente para cima. Há tanta velocidade perigosa por aí. pesavam mais do que ele. Pacheco não encara as pessoas. isolina: Lord Astor parecia um príncipe encantado. senhor Pacheco? Aparências. frança: (Sorri.) mariana:Doutor França! Doutor França! frança: (Aparece à porta. quem quer a môça. jesuína: Mas isto é poetar. perdido em alamêdas. (Algo enigmática) Ainda se fosse em Isolina. senhor Pacheco. era o único erro dele. isolina: (Sorri a Pacheco. que cigarra é inseto músico que dá prejuízo. coitada. é uma filha exemplar. De prendas raras. porque os poetas são as cigarras que cantam nas folhas dos livros!" pacheco: Tenho para mim. todo de branco) Está sentindo alguma coisa. Erro grave! jesuína: Por quê. Mariana retoma o cachimbo com uma expressão de enfado com França. isolina: Foi o que João José saiu dizendo. Lembra-se. pacheco: Na minha modesta opinião. dona Mariana. firmeza nasce dos olhos. Pacheco suspira. frança: Por quê. Já disse a ela que terá que prestar contas a Deus. jesuína: Homens sensíveis. da noite para o dia? jesuína: (Olha ligeiramente Isolina) Coisas de mamãe. senhor Pacheco! pacheco: Simples trovar. jesuína: (Evocando) "Vim como mariposa atraída pela luz!. isolina: Foi. jesuína: (Faceira) Ah. o amor do coração. pacheco: Levei-o à estação. muito injusta. é mais p'ra aluados. senhor Pacheco? Os poetas embelezam a vida. pacheco: Falar à lua. Não é a todas que Deus dá tantos dotes. dona Mariana? mariana: Claro que não. sim. Por que partiu daquele jeito. Quem está doente sou eu. Isolina ainda não chegou? frança: Não. Não nasceu. senhor Pacheco! Quanta desilusão! pacheco: A verdade é que hoje e sempre. mexe com o pé e a bôlsa. Foi quando Elisaura brigou a primeira vez com João José. Mamãe dizia: quem casa com qualquer um. mas não me disse nada. isolina: Por isto não se casou? pacheco: (Como se já esperasse a pergunta) O fogo nasceu da pedra. pacheco: Esse negócio de poesia nunca deu nada p'ra ninguém.pacheco: Ia tão bem aqui. doutor. João José achou Coelho Neto muito tonto e saiu da conferência. jesuína: Só temos amor uma vez na vida. jesuína: Não foi. a pedra nasceu do chão. . daquela conferência linda de Coelho Neto? isolina: Lembro. Dona Mariana? (França sai. Nunca sei o que sente. dona Mariana? mariana:Quem nasce com as qualidades dela precisa fazer muito na vida. pacheco: Mulher de caráter. frança: O que tem Isolina? mariana:Anda com tanta suspiração... Etelvina é forte como um boi de carro.) jesuína: Dizem que lord Astor era também poeta. quem sabe pode descobrir. aceita qualquer sorte. sentindo o cheiro da fumaça) Estará mesmo. isolina: Mas. Isolina. Elisaura ficou tão magoada. Não é necessário um exame rigoroso. mariana: (Irritada) Ande depressa. agradecida) (Os três têm um momento de evocação. (Intencional) Isolina não sabe se queixar de nada. Mariana agita-se na cama. O senhor é médico. doutor. Depois. não recebemos ainda notícia da morte de João José. jesuína: Quem pode saber. Penso que nada morre. Tudo permanece fechado entre as paredes. Mas. É nome literário.) etelvina: Não ouviram bater à porta? isolina: Não! etelvina: Preciso largar a cozinha e atender! E vocês sentadas aqui. jesuína: Para mim. Pacheco. Igual a ela só mesmo João José. Etelvina? Por que está assim? etelvina: (Mostra o telegrama. Só trazem notícias más. cozinheira. Pelo que eu saiba. (Etelvina sai) jesuína: Comer é tão prosaico! pacheco: Fastidioso! (Etelvina volta) isolina: Que foi. isolina: Não ouvimos. jesuína: Vicente? Que Vicente? . isto é coisa que se faça? pacheco: Meio sem propósito. Suas marcas ficam em nós para toda a vida. isolina: (Nervosa) Então. vocês morrem de fome. etelvina: É sempre assim! jesuína: Não sou copeira. isolina: Estou falando que mamãe era injusta. jesuína: Não sei que prazer você tem em falar dos mortos. Para ele. jesuína: Está se esquecendo de João José? etelvina: Meu Deus! isolina: De quem é. revelando ser a única que faz trabalhos fora de casa. Nem nós. mudou. nas gavetas. nem o filho. é moço e curtido de sol. agarrado aos objetos. Seu rosto. Há pouco tempo foi que descobrimos que os dois nomes eram de uma só pessoa. Isolina. senhor Pacheco! Quer ingratidão maior? isolina: Não mudou. Renegou até o nome do pai! Então. não existimos. Embora seja a mais moça das irmãs. Etelvina. (Etelvina entra enxugando as mãos no avental. abra. Muito menos a impiedade. Socado naquela mata! isolina: Mortos ou não. Mudou de nome. senhor Pacheco. A morte não apaga essas coisas. Não conhecemos ninguém fora daqui. não deixam de ter sido injustos. esse relicário mágico! pacheco: Que foi feito de Vicente? jesuína: Nunca nos mandou notícias. meio passada) jesuína: Telegrama?! Para nós?! etelvina: Está em seu nome. porém. pacheco: Mensageiros funestos! etelvina: Morte não pode ser.jesuína: Ora. Isolina! isolina: Era mesmo. etelvina: Nem eu. jesuína: Enclausurado no coração. se não cozinho. É a mais parecida com Mariana. Etelvina tem a cabeça completamente grisalha. Etelvina? Diga logo! etelvina: Louvado seja Deus! jesuína: Deus nos proteja! etelvina: (Num sussurro) É de Vicente. Etelvina! jesuína: Não gosto de telegramas. Jesuína! isolina: Vicente?! jesuína: Você leu direito.) etelvina: Mais do que um estranho. fazer seções literárias. Arrebatado. etelvina: (Saindo) Preciso ver o que temos na despensa. nada mais! (Ilumina-se uma vitrola. seguindo com as mãos o modular da voz.. pacheco: É um bardo e tanto! jesuína: .. Etelvina! jesuína: Claro que somos nós.. pacheco: Da comunidade! etelvina: Podia ter nos visitado. e. ouvindo cm grande concentração.. pacheco: Homem de todas as luzes! jesuína: . (Subitamente aflita) Etelvina! Você sabe o que escritor gosta de comer? etelvina: (Empertigada e impertinente) Antes de ser escritor. Ansioso rever família. Ainda bem que o trem está atrasado. jesuína: Agora mesmo. isolina: Vamos telegrafar a João José. isolina: Tão fácil. aflita) Hoje não é quarta-feira? pacheco: Até a meia-noite. etelvina: Mas.. senhor Pacheco. e. Vicente desaparece. pacheco: Os homens grados! isolina: O filho da comadre Eulália recita muito bem.. jesuína:: Convidamos o poeta do jornal. todos ficam evocativos como se escutassem a música. ilustrando-se. Etelvina? Você vivia acusando o coitado. da ópera Tosca de Puccini. isolina: Incompreendido. estudando. biscoitos e frango! . tem o nosso sangue. jesuína: Venha conosco. Estava trabalhando. Abraços sobrinho Vicente". a cantora da matriz. Jesuína! Bastante carne de porco. era um belo menino! Perguntador e espreitador... e é notário. é hoje que Vicente vai chegar. jesuína: O filho da comadre Eulália está com mais de cinqüenta anos. etelvina: Então. honrando o nome da família.. o doutor Galvão. as pessoas cultas do lugar. só ele! jesuína: Aposto que agora as sirigaitas vão nos visitar. isolina: (Comovida e ansiosa) Está com saudade da família. Está vendo. Para mim é como se fosse um estranho... Um menino que nunca consegui compreender. isolina: (Terna) Vicente era muito solitário. Santo Deus. Por um momento. Vicente fecha os olhos. enfim. onde Vicente (23 anos) está sentado. Isolina. Quando termina a música. Maria Caniglia cantando "Vissi d'art". Etelvina? etelvina: (Lê) "Chegarei quarta-feira trem das nove. mandado uma cartinha de vez em quando. isolina: Vamos receber muitos convites! jesuína: Nossa casa vai ficar cheia de gente outra vez! isolina: Podemos dar reuniões. isolina: (Desolada) Já? Meu Deus! etelvina: (Reaparece. Ele tem família! Somos nós! Somos nós..etelvina: O filho de João José. jesuína: Um pouco neurastênico. que cai no rosto. Não é capadócio? . Casa e sossega. Queria arranjar casamento pra elas. . doutor! Moça educada em colégio de freira. O sol nunca me pegou na cama. frança: Por quê? mariana: Isto é fígado. frança: Pode ser que aconteça o contrário. O que ele devia fazer? Pegar os troles e vender ou queimar. e logo põe outra por conta! O senhor é diferente: é médico. assim como o senhor. dona Mariana. uma italiana daquelas. Casa. Gostam um pouco desse negócio de moda. Como eu fiz.. Seu rosto é sereno e os gestos. Minhas filhas precisam de um bom reprodutor. frança: Obrigado. dona Mariana. calmos. Um. Me puxaram. mariana: Basta um purgante.. São os melhores casamentos. dona Mariana.ou pernas. E homem é bicho muito à toa. quem gasta muito! (Subitamente) Conhece o Pacheco? O dono da companhia de troles? frança: Apenas de vista. que o prendesse na fazenda. Etelvina é forte como uma colona) (França é de meia idade e há qualquer coisa de descuidado em suas roupas. Então. mariana: Meu marido também quando se casou. mariana: (Observa França) Que idade tem. não! Vai tentar chegar no frigorífico primeiro do que o trem. mariana: Meu filho precisava de uma colona. Mas. esse casamento é o começo do fim. não é fígado? frança: Parece. Pensa que não sei que gasta por aí as gemadas que toma em casa? frança: (Ri) Se estou no tempo das gemadas. frança: São moças. Seja lá p'ra onde o desgraçado for. vai partir daqui o primeiro trem. que lê livro em francês! O que pode sair daí? Pra mim. Não há mais pretextos. Mas. frança: Já passou. dona Mariana? mariana: Não posso comer ovo.. não estou mais em idade de me casar. mariana: Qual! É o ovo e o espeto.) mariana: É a única que me puxou. frança: Como sabe. doutor. isto passa. Não está vendo a burrada que João José vai fazer hoje? frança: É na idade dele que a gente deve se casar. fizesse ele trabalhar ou trabalhasse por ele. Isolina não suporta laranja e João José não pode nem ver abacate. só para desmoralizar a estrada de ferro. com a idade. dona Mariana. queria sossegar. A família toda sofre do fígado.. feias. Já tinha farreado bastante.(Saem. mariana: Repõe. mariana: Hoje. França entra no quarto.) frança: A senhora tem razão. doutor? frança: Quarenta e seis. só chupo lima. mariana: Mas. dona Mariana. frança: Agora nós. Comprei esta casa só por causa de minhas filhas. (Insinua) Garanto ao senhor que qualquer uma das minhas filhas vai acompanhar o marido. mariana: Conheço o senhor. Arruma constantemente o cabelo. mariana: Está na hora de se casar. já era madurão assim como o senhor. Jesuína não toma leite. Fica tudo desarranjado. Sabem as obrigações de uma mulher. Gosta é de cara bonita. frança: Onde está a flauta? mariana: Na fazenda. daí não vai sair nada. Homem solteiro é traste. nada muda. frança: Dona Mariana! mariana: É uma ótima menina.. Passavam a vida correndo atrás das caças. Morreu na hora certa. mariana: E trinta mil dívidas. Se Bernardino não tivesse morrido. frança: Ora. mas será uma boa companheira. Mas. me pediu em casamento.) mariana:Algum caso deixado na Bahia? frança: Não. frança: Um homem que tinha trinta mil alqueires. (Percebemos Etelvina na porta. Tia Marta sabia o que fazia. eu estava dentro de um rego d'água. A vida era assim. dona Mariana! mariana: A minha. mariana: E Jesuína ou Etelvina? frança: Ora. É o que eu devia ter feito também com João José. Não gosto de Isolina para casar.. mariana: Não diga isto. tínhamos ficado na miséria. mariana: Ele anda festejando Jesuína. que ele tratava como um objeto sagrado.frança: É uma reação natural. Mas. gostar é o de menos.. não há problema. mariana: É a verdade. Nada mais. frança: Suas filhas são simpáticas. Não me perguntaram se queria ou não. hoje. me vi em uma cama com um homem barbudo ao meu lado. dona Mariana! mariana:Com qualquer uma o senhor será feliz. (Concentrada) Mas parece que o que tem de ser. Garanto que é uma môça sadia. senhora. não se casa com ela? frança: Por que não me caso com quem. frança: A senhora está amarga. dona Mariana. Quando tia Marta. Guardei só para não me esquecer dos .. mariana:Então. mulheres. por quê? mariana: Para que um homem quer uma flauta? frança: A vida não é feita só de trabalho. Enquanto isto.. doutor. mariana: (Rápida) Por que. dona Mariana. A dele. Afinal. (Pausa) Com quinze anos. e fiquei sabendo o que era um marido! frança: A senhora sempre disse que foi feliz. mãe de Bernardino. Logo depois. Um dia. Sabe o que fiz? Brinquei com a barba dele. Um amargo desencanto estampa-se em seu rosto. mariana: Se felicidade é segurança — e é — fui muito. Não tem doença nenhuma. nós. quando me escolheu! Decerto já desconfiava do filho. olhávamos as fazendas e as dívidas amontoavam.. não. frança: É verdade. Os homens aprendiam a andar depois que sabiam montar a cavalo. frança: Flauta? mariana: Meu marido tinha uma. não pretendo me casar mais. eu dou sumiço nela. p'ra mim. dona Mariana? mariana: Isolina! Ela gosta muito do senhor. desaparece. então.. o que sabe uma mulher? Somos levadas p'ra cama e parimos. Que Deus o guarde! Para mim.. dando banho em minha boneca. Bom! Não e tão menina assim!. foi. naquela flauta estava todo o mal. frança: Não duvido. até que descobri a flauta. Em um casamento. doutor França ? frança: Demonstra que é. etelvina: Não vai aparecer mesmo? jesuína: Cabeçudo. não é. Sinto aqui dentro. doutor França. jesuína: Paixão arrasadora! isolina: João José disse que não viria aqui. Esta examina as irmãs com admiração secreta.. eu punha tudo p'ra andar. Mulher é o bicho mais bobo que Deus esqueceu no mundo! (Pausa) Etelvina será o homem da família. mariana: Eu sei. por que mandou me chamar? mariana: Isolina! Minhas filhas não têm nenhuma iniciativa. vindas da rua. Como vão? jesuína: Muito bem. Só vou deitar p'ra morrer. doutor França.negócios do meu marido. Pensam em vocês e falam da lua. mas é da alma. Até logo. mariana: Não gosto de beijação. (Saí) (Percebe-se a profunda preocupação de Mariana. (Pausa) É uma pena. isolina: Bom dia. frança: A senhora me permite? mariana: O quê? frança: Gostaria de beijar sua mão. Obrigada. só ele. quando a visita do médico era aproveitada até para as vacas! etelvina: Onde foram? jesuína: Arrumar a igreja. frança: Esperei-as. Com a partida deste trem. as outras estão perdidas. doutor. mas trazendo pano amarrado à cabeça.. isolina: Também! Mamãe tem cada uma! É a moça de quem ele gosta. (Chama) Etelvina! Etelvina! Acompanhe o doutor França. "A humanidade é muito sofredora. se mamãe não fosse ao casamento. mas agora preciso ir. Se ela morrer. muita coisa vai acabar. Também!. mariana: P'ra quê? frança: Admiro muito a senhora. doutor. era só ele virar as costas. frança: (Sorri) Até a vista. etelvina: E João José? isolina: Foi se vestir no hotel. frança: Quanta amargura! A senhora está doente. dizia. frança: (Foge ao assunto) A senhora está mais forte do que Etelvina. Mariana!". isolina: Está linda! Um ninho de flores! frança: Então? Tudo pronto para as bodas? jesuína: Tudo. As duas formam contraste bem acentuado com Etelvina. Isolina vai gostar do senhor em silêncio até o túmulo. dava duzentos ou trezentos alqueires de presente.) jesuína: Ah! Bom dia. frança: Então. mariana: Eu sei. dona Mariana. Cumpre a . frança: Estrada de ferro é progresso. frança: Bom dia. Para cada compadre que vendia uma fazenda. jesuína: Mamãe pensa que ainda estamos na fazenda. mariana: E más. vestidas no rigor da moda. Recolhia em casa todo mundo que via. doutor França. Jesuína e Isolina entram. Só pode trazer coisas boas. ) jesuína: Tire também. isolina: Não vai nem à estação? frança: Não são todos os dias que assistimos ao nascimento de uma estrada de ferro. jesuína: São os afetos que não deixam os espinhos nascerem. Mas. tenho obrigações. vocês?! isolina: (Faceira) O que tem nós? etelvina: (Com inveja oculta) Cortaram o cabelo?! jesuína: Gosta. doutor? frança: Outra vez?! jesuína: A Morte da Águia! Já ouvimos a morte desta águia milhares de vezes. isolina: Não vai. E quem acredita? Ela vive dizendo que só deita p'ra morrer! (Subitamente.palavra. frança: Ela canta bem. doutor? frança: Não posso. jesuína: Pode passar em atitudes namoradas! isolina: (Com mais evidência do que pensa) Cheia de afetos! frança: Ou de espinhos. mas preciso me arrumar. isolina: (Ouve-se a banda que se aproxima e passa) Nem ao casamento o senhor vai? . jesuína: (Ameaça com o leque) A vida vai passando. jesuína: Somos escravas. frança: De qualquer maneira ela passa. frança: Não é uma canção imprópria para o momento? jesuína: É a única que ele canta. doutor! (Com fragilidade um pouco acentuada) Eu morreria de medo! frança: Tem coragem. etelvina: (Aflita) Desculpe-me. mamãe está doente! jesuína: João José não acredita. Bom! Espero que ninguém tome o trem sem querer. Imagine. isolina: O Gondoleiro do Amor. etelvina: Mas. mas da moda. doutor. isolina: (Falso horror) Meu Deus! Quanto desengano. isolina: A Morozoni vai repetir o sucesso de domingo: "Vissi d'arte. jesuína: O seresteiro da moda vai cantar na estação. O cabelo cortado "à la garçonne" dá a ela um toque ligeiramente ridículo. Isolina! etelvina: Mas. jesuína: O senhor é tão solitário! isolina: Temos tão poucas festas! jesuína: (Olha Isolina) E raros casamentos. doutor França. Jesuína tira o pano da cabeça. Não ficou bem para Isolina? frança: Para as duas. frança: Alguns já nascem conosco. vissi d'amore". jesuína: Promete muito. isolina: Sabe que a Corina vai recitar. frança: Passe bem! etelvina: Até à vista (Sai) frança: Espero que gostem da festa. doutor França? frança: Está usando muito. isolina: Vai cantar em cima da plataforma da máquina. jesuína: Subirei na plataforma. Dos olhos. De equívocos. Não acreditam em nada! frança: Apenas disse que faço pensaduras. frança: Sou descrente. Isolina? No doutor França? Estava com um ar misterioso. doutor! jesuína: Os homens são assim mesmo. Pareceu-me tão esquivo! isolina: Cientista! São misteriosos como os poetas. descobri o meio de fazer Pacheco se declarar.. jesuína: Nem todas as pessoas de quem o senhor deve cuidar. recitarei: Da boca farei tinteiro. isolina: Ah! Que coisa mais feia. (Olha-se no espelho) isolina: (Olha-se no espelho) Navegar em transatlânticos! jesuína: (Olha-se no espelho) Convivendo com lordes! isolina: (Olha-se no espelho) Seguindo os últimos jornais da moda! jesuína: (Olha-se no espelho) Quem é aquela rainha da moda. letras muídas.frança: A Santa Casa me espera.. Nunca o vemos à missa. frança: Tenho muitas. jesuína: Devem amar também como eles: em silêncio! isolina: (Perdida) São os mais sinceros. isolina: (Sussurro) Adeus! (França sai) jesuína: (Corre e olha-se no espelho) Não agüentava mais minha cara.. isolina: Um jogo de equívocos? frança: (Penalizado) Sim. que esmagam corações! isolina: (Subitamente) Você vai magoá-lo.. prometendo escrever e quando ele ficar desolado.. Divirtam-se! jesuína: Até logo. jesuína: Mas. estão na Santa Casa. Curativos. ocultas. jesuína: Se vai! (Subitamente) Você notou alguma coisa. fabulosamente ricas!.. coberta de arminho? isolina: (Olha-se no espelho) Com vestido perlê e lindas aigrettes! jesuína: (Olha-se no espelho) São as duas irmãs misteriosas!. isolina: É? Como? jesuína: Vou mentir que seguirei na primeira viagem. isolina: (Triste) Muita gente vai se ralar de inveja.. Sabe que ele vai apostar corrida com o trem? isolina: A cidade toda comenta! . Dos dentes. e partiremos juntos! Partir! Partir! Que sensação deleitosa! Partir para qualquer lugar. cartas gravadas! jesuína: Aí ele se declara. isolina: É sentir difícil de se externar.. jesuína: Trocadilhista? Mais uma prenda de espírito que não conhecia no senhor. isolina: (Faceira) Desilusões? frança: Sou livre pensador. Até logo. Duradouros! jesuína: O meu Pacheco não é poeta. Da língua. mas também se mantém em silêncio. isolina: Que ótimo! Vai ficar aterrado. pena afiada. isolina: Doutor França parece não gostar de cerimônias latinas. Jesuína! Os troles! Está se esquecendo? jesuína: Direi que vou até ao frigorífico para assistir à vitória dele. doutor. etelvina: Não fale mais de papai. Não vou. Meu filho não vai ser feliz. E a mais difícil! Vocês que o digam! etelvina: A senhora devia pensar em João José. etelvina: Vamos. mariana: Você trabalha! Quanto mais penso mais raiva sinto de Bernardino.) etelvina: Mamãe! Vou ao casamento. mamãe! Ainda dá tempo. Como posso ir nesta igreja.jesuína: Ele é tão afoito. Morreu. Depois. etelvina: Ê bem filho da senhora. vocês vão viver como? De brisa? etelvina: A gente trabalha. Tão lindos! Que trem mais antipático! E você? O que recitaria ao doutor França? isolina: Meu amor. mariana: Até parece que não conhece seu irmão. mamãe. a única coisa realmente importante num casamento. Aqui. mariana:Aquele cabeça-dura. mamãe. revezando-se diante do espelho. meu doutorzinho! Meu amor. Etelvina. etelvina: Fica feio. Etelvina entra no quarto já pronta para o casamento. não vou mesmo. etelvina: Conheço muito bem. retocando-se. Já pensou no que significa para Isolina? mariana: Já pensei até me doer a cabeça. Ao mesmo tempo. por quê? mariana: A feiúra é uma desgraça. mariana:João José não vem mesmo? etelvina: Não. que Deus me deu! Dona Mariana governa tudo! Querer bem. depende só da fazenda! E com quem vai casar? Com a filha de Sebastião Villela. Por favor! mariana: É bom mesmo. aquelas não têm jeito. mariana: Teimoso como uma mula. mariana: Trinta mil alqueires jogados fora! É aquela flauta! etelvina: Não vamos falar sobre isto. mamãe! mariana: Que me importa. mariana: João José é um caboclão que nunca leu um livro. mariana: Não. senhora. mamãe. irá me esperar lá. Primitivo e selvagem como um potro. não (Subitamente) Você não percebe que suas irmãs vão depender de João José ou de você? Se perdermos o que sobrou. etelvina: Eles terão que viver conosco. Mas. Está sofrendo tanto por causa dos troles. vai desmaiar. não tem profissão. acabo xingando aquele merda! etelvina: (Pausa) Mamãe! A senhora não devia ter dito aquilo ao Doutor França. desaparecem dentro da casa. etelvina: Por que não? Vai casar com quem gosta. quer na dor! (As duas cantam. mamãe. Senão. mariana: É por isto mesmo. Já estamos entrando com o noivo. etelvina: Não têm jeito. mariana: Na fazenda. se é isto que vou ouvir o padre falar? Não. um homem que nunca saiu da cidade! Uma casa onde se toca piano! Moça de cidade! Diante do primeiro tacho de sabão. governo eu! jesuína: Que lindo! (Canta diante do espelho) Tua voz é a cavatina Dos palácios de Sorento! isolina: (Acompanha) Por isto eu te amo querido! Quer no prazer. Não estudou. minha filha! . já que trole não significa mais nada nesta cidade! jesuína: Proíbo a senhora! mariana: Proíbe! É só ele aparecer. maliciosa) Gostaria de ver João José no meio de tanta flor! (Com raiva) Estão enfeitando o cabresto! Quando ele virar o arreio na barriga. mamãe. jesuína: (Nervosa) Os troles são tudo para ele. não é? E vou falar também com esse Pacheco. Não. Etelvina! mariana: (Ri. Não gosta de você! isolina: A senhora disse ao doutor França que eu queria me casar com ele?! A senhora teve coragem?! mariana: É verdade. pisando flôres! mariana: Logo sentirá os espinhos. Não adianta ficar pensando em um homem que não quer você. não é possível. Etelvina! jesuína: Ajudamos Elisaura arrumar a mala! As camisolas são lindas! isolina: Todas bordadas! mariana: (Ri com prazer) Pois não vai usar nenhuma! João José quando. Sei que gosta dele. É um casamento que eu também gostaria. Gente à-toa! Que significa esse coração pintado na cara. etelvina: (Pedindo) Mamãe! jesuína: O quê? O que é que nos espera? mariana: Você é muito feia. Isolina? isolina: (Meio aflita) É para não desmanchar o penteado. hoje! (Isolina e Jesuína aparecem à porta. mariana: Moda de artista de revista. Isolina. mamãe! jesuína: Enfeitaram todos os altares! mariana: (Despeitada) Esbanjamento! isolina: Cobriram a nave com pétalas de flores. forçando naturalidade) A igreja está linda.) isolina: (Disfarça. mamãe! mariana: Vai lavar a cara! Não é tudo que se vê em revista que uma moça de família usa! jesuína: Fique a senhora sabendo. mamãe. E você.. mamãe. mamãe! mariana: Pode ir. etelvina: Prefiro ficar. etelvina: Não diga isto. jesuína: Não estamos chiques? mariana: Os vestidos são indecentes. Etelvina! Preciso falar com Isolina e Jesuína. isolina: Elisaura vai entrar na igreja. deixe de rodear o doutor França. se não resolver logo. Ele não quer. novamente com os panos na cabeça. eles vão ver. mariana: E eu que você saia! (Etelvina sai meio relutante) isolina: O que foi. mamãe? mariana: Falei com o doutor França. E precisa me dizer o que pretende fazer.etelvina: Não diga nada a ela.! etelvina: (Adverte) Mamãe! mariana:Que significa esse pano na cabeça. . minha filha. Mas. que alguém disse que eu estava linda! mariana: Mentiu! Sei muito bem o que espera vocês. Jesuína? jesuína: Usa. mariana: Só para ele! Precisa pensar em outra coisa.. etelvina: Mamãe! mariana: (Explode) Deixa eu falar. jesuína: Ê a moda. mariana: Também não aparece nenhum! Já me agarrei com todos os Santos. arrebatadas. maruco: Buon giorno. isolina: Porque somos feias como a senhora. Tenho pena dele..! mariana: Mas. Maruco! O filho de João José metido nessas coisas! maruco: Ehêêêê!. nenhum moço serve para nós. mariana: Ah! Isto é por conta de seu pai. maruco: Má... os tempos mudaram. mariana: Quem deu autorização? isolina: Não preciso mais da sua autorização. Já ..) maruco: Dona Etelvina! Dona Etelvina! etelvina: (Entra com tabuleiros cheios de doces) Bom dia. que sabe lá o que deixou na Bahia? Vai ver que até família. dona Etelvina! etelvina: E trabalhosa. maruco: Má. minha filha. dona Etelvina.. dona Etelvina. che perde! Ninguém vende doces como os nossos. Mas. Já soube! etelvina: Recebemos o telegrama hoje cedo..isolina: (Profundamente ferida) A senhora não tinha o direito! mariana: O que você quer? Passar a vida gostando de um homem. Assim. E bem grande! mariana: (Grita enquanto as filhas saem) Eu sempre desconfiei que vocês duas eram filhas daquela flauta! (Isolina e Jesuína.. perdemos a freguesia.. Acho que é isto que nos faz esquecer tanta coisa. maruco: Má.. Ele não perde por esperar. canta "SE SONO ROSE FIORIRANNO". saem do quarto. É per che no conhecem o d'Annunzio! etelvina: É uma coisa que não entendo.. Mas. o que é isto? isolina: (Desafiante) Cortamos o cabelo. E vão mudar mais ainda! isolina: Não preciso da sua preocupação. isolina: A senhora teve mesmo mais sorte do que nós. A cidade no parla de outra coisa. MARUCO aparece na sala com alguns tabuleiros vazios. Ninguém nos procura. Enquanto espera.. Papai conheceu a senhora depois de estar casado.. E pobres. etelvina: Sinto receio deste regresso. Para nada! mariana: (Possessa) Vocês não são raparigas! jesuína: Mamãe! Não diga isto! mariana: Minha casa não é bordel! Saiam da minha frente com essa cara de mulher àtoa! isolina: É a cara que a senhora nos deu. mariana: É a sorte que eu gostaria que vocês tivessem. Maruco.. che receio! No Café Central estão dizendo que é o piu grande escritor do mundo. Gastei dúzias de terços. Fiquei tão atarantada que as brevidades quase queimaram.. Também vou fazer um coração na cara.. Maruco.. na Itália tem muito! etelvina: Como passa o tempo! Parece que foi ontem mesmo que João José se casou! maruco: A vida é breve. arranca o pano da cabeça) jesuína: (Tenta evitar) Isolina. isolina: (Subitamente.. Maruco.. estão lindas! etelvina: Não gosto de serviço mal feito.. eu acabo descobrindo.. Só via o lado prático das coisas. seria possível aumentar a encomenda? maruco: (Rápido. (Isolina e Jesuína entram muito excitadas. isolina: Vai entrar por aquela porta. isolina: Uma verdadeira carta. maruco: Má. etelvina: Não ficou caro? isolina: (Hirta) Dinheiro dos meus crochês! jesuína: Avisamos o prefeito. etelvina: Dezessete anos?! Não sei o que teria sido de nós. maruco: Dezessete anos. Gostaria de ver a cara de João José. enxugando os olhos. Disfarça. o vigário e os professores. etelvina: Já não estamos arrumadas? jesuína: Claro que não. Isto. dona Etelvina. junto com as autoridades de Jaborandi. É questo! etelvina: Você faz isto para me ajudar. oggi seria festa municipale! etelvina: (Comovida) Obrigada! maruco: Non parlare. etelvina: Seis? maruco: Os fregueses aumentaram. Etelvina. trouxe a elamuito desgosto! (Olha à sua volta.. (Sai) isolina: Etelvina tem prazer em parecer cozinheira! jesuína: Maruco! maruco: Senhora. pode ficar. Presente. Até logo.. sim. Eu preciso maruco: Questo. maruco: Una visita importante dá despesas. jesuína: Receberá o título de cidadão honorário! isolina: (Enigmática) Será o triunfo de papai! jesuína: Nossos vestidos da congregação já estão passados? etelvina: (Notando a transformação das irmãs) O meu. Obrigado. está. etelvina: Aceito. jesuína: Nem na inauguração da estrada de ferro. Maruco.. Maruco. Etelvina. Maruco! maruco: Io disse? Ê questa língua maledetta! Decerto queria dizer outra cosa! etelvina: Então. etelvina: Eu faço mais. . Maruco.perdi até a conta dos anos que trabalhamos juntos. Mamãe era uma mulher da realidade. como se já esperasse o pedido) Má. comentou-se tanto! isolina: (Aflita) Precisamos nos arrumar.. claro! Já trouxe seis tabuleiros... não tinha papas na língua. Jesuína? É o nosso sobrinho quem vai chegar. Tratem de passar o de vocês. êhêêê!. isolina: Não se fala em outra coisa na cidade. Maruco. (Ri evocativa) Coitada! Quando ficava brava. Un artista é un artista! Se ele morasse na Itália.) jesuína: Telegrafamos para João José. Non parlare. maruco: É uma obrigaçon. (Certo despique) Contamos tudo sobre Vicente. Etelvina! etelvina: P'ra que complicar as coisas. che ajudar! etelvina: Eu sei. Estava com medo que a senhora não aceitasse. Maruco percebe) maruco: A senhora sabe que em duas horas os tabuleiros ficam vazios? etelvina: A semana passada você disse que andava sobrando. se mamãe não me tivesse ensinado tanta coisa... minha filha. (Saem. marieta: Não compreendemos mesmo. elisaura: A verdade é que a senhora e papai não compreendem por que gosto de João José. maruco: Má... Pode nos fazer esse favor? jesuína: Uns dias apenas.jesuína: Queremos pedir um favor.. minha filha. retocando o vestido. maruco: Má... ELISAURA surge vestida de noiva. a culpada.. excitadas e aflitas) maruco: (Sai cantando) Se sono rose fioriranno. Maruco. maruco: Má. estará tudo . modelos que eu escolhi? Quando dona Mariana perceber. As meninas da dona Mariana. elisaura: Que é que tem? Elas moram na quatorze e são filhas de dona Mariana. do cartório não usam tinta! elisaura: Quanta maldade.... Elisaura! elisaura: A senhora está falando coisas desagradáveis! Não quero ouvir.. elisaura: A senhora não viu que as duas já cortaram o cabelo. marieta: Recitam por aí: As meninas já chegam aos trinta! Usam coque.. perche? isolina: Porque sim. Em seu vestido de noiva. Elisaura é esguia e delicada como se fosse de porcelana. Ninguém serve para as filhas.. só enquanto nosso sobrinho estiver aqui.. elisaura: Sei o que quero! marieta: (Pausa) Sabe como são chamadas? elisaura: (Mente) Não. che sucede? jesuína: Queremos pedir a você que não volte. maruco: Falarei com dona Etelvina. jesuína: Quer falar. dona Jesuína. maruco: Tudo que quiserem. parece uma aparição.. mandaram fazer para o casamento. ! (Enquanto a voz de Maruco se distancia. MARIETA acompanha Elisaura. Vamos ter muita gente aqui em casa. saia curta e pinta! Mas.. meu Deus! marieta: É dona Mariana!. é verdade. Isto não basta? marieta: Falo para que fique prevenida. Isolina? isolina: Fale você! maruco: Má. per che? jesuína: Porque sim. É minha obrigação. jesuína: Obrigada! isolina: Obrigada. isolina: .. muito bem tratada.) marieta: Você não pára. marieta: As môças da rua quatorze. e dona Etelvina? Como vai entregar os doces? jesuína: Etelvina não fará doces para vender enquanto nosso sobrinho estiver aqui. marieta: Mas. Percebe-se que é uma moça fina. elisaura: Eu compreendo. . percebe-se que ela não conhece a arfe do canto. elisaura: Eu quero.. Os vestidos. Ruim com ele. Agora. Os homens e as mulheres estão vestidos como julgam ser o rigor da moda. um carinho!. Elisaura. marieta: Você não vai poder com' ela. Mas. da ópera Tosca de Puccini. será diferente comigo. Vamos! Papai está nos esperando.. é o dia do meu casamento. quitandas e não sei mais o quê. elisaura: (Irritada) Terrível por quê.. Apesar de ter uma bela voz. minha filha. só vivem como ela quer. Dois ou três apitos cortam a cena. oh Deus! me abandonas nesta hora de necessidade? (Entre as pessoas.. marieta: (Segurando as lágrimas) Que Deus a faça muito feliz. elisaura: (Beija a mãe) Não precisa temer. mamãe! Mais do que tudo na vida. Eu gosto muito de João José.mudado naquela casa. dão grande colorido à cena. marieta: É uma mulher terrível. um sorriso.) morozoni: (Canta) Arte e amor têm sido toda a minha vida. poderá enfrentar melhor certas situações. ocasionam grande movimentação. de uma pequena estação de estrada de ferro.. lantejoulas. muito pior sem ele. ou ser condenada à morte. Mas. sim. aumenta o barulho de vozes e vivas. A máquina cresce no sentido da platéia. marieta: É que é o último momento que eu.. Quem é que ela pensa que é? elisaura: Ela está doente. há . por entre a fumaça. a expectativa e a alegria. Ele gosta de mim.. marieta: Fingimento! Aquela mulher morre.. João José será o mais terno dos maridos e eu. eu sei.. só pensam em caçadas. minha filha. é ao lado dele que quero viver. elisaura: Posso. elisaura: (Uma esperança profunda ilumina seu rosto) Eu serei feliz. a excitação. tomando todo o fundo e as laterais do cenário. uma flor. O amor modifica tudo.! elisaura: Que belo futuro a senhora está me predizendo. Meia dúzia de músicos uniformizados surgem ao fundo e cruzam a cena em direção à estação. miçangas. lenços e leques. mamãe. Em cima da plataforma da frente.. mamãe! Até parece que vou para o exílio. e ir terminar à beira de um tacho de sabão! Como posso compreender? elisaura: (Ri) Não vou me casar com ela.. Domina a família como se vivesse no século passado. Terei muitos filhos. não sofre desilusões. enquanto desaparecem. mamãe? marieta: Prepotente! Lá. Nos instrumentos está escrito: EUTERPE MUSICAL. É uma gente violenta. vidrilhos. comovida. Vai obrigar você a se levantar de madrugada para fazer biscoitos. mamãe.. cachorros e cavalos. percebemos Jesuína e Isolina.. o medo. Fui sincera na minha fé. A medida que passam. marieta: Você gosta. marieta: Deus queira. estando prevenida. indiferente. Educada como você foi. Quando a Morozoni acaba de cantar. em 1922. Por que. (Marieta. abraça Elisaura. elisaura: João José é rude. aigrettes. chapéus. eu serei a única caça que ele procurou realmente na vida. é projetado. uma melindrosa canta "Vissi d'arte". Este é o dia mais feliz da minha vida. está certa em se casar. não fica doente! elisaura: Hoje. marieta: (Orgulho ferido) É o cúmulo da grosseria não assistir ao casamento do filho. Não temo nada. Um filme de inauguração. marieta: São incapazes de certas atenções... Quando todos desaparecem.. Moços. Algumas pessoas. mariana: (Despeitada) Doce bonito não é bom. emérito caçador e. a mão à cantora. mamãe!. filho do..e o senhor João José Venâncio. nervosa) Abastado! É o que eles pensam. Algumas moças escondem o rosto. A Morozoni desce e corre para o meio das moças. supostamente desmaiadas. ele é! Sem igual! etelvina: .. fingindo um medo incontrolável.. batem as bengalas na máquina como se batessem em um animal perigoso. abastado fazendeiro neste município. etelvina: . mariana: (Carinhosa) Ah! Isto ele é! Caçador... excitada como se tivesse cometido um ato mais do que temerário. Elisaura! (Uma grande quantidade de fumaça encobre a cena e o barulho do trem vai se distanciando. Ouve-se um apito.. encantados e temerosos. abanando lenços. Todos correm na mesma direção. mariana:Não quero doce nenhum. mariana: (Resmunga) Humm! Coronel! etelvina: . mariana: (Ri. saem correndo. mamãe.. mariana:João José? Não tem perigo! Quem vai passar vergonha é ela.) etelvina: João José vai passar vergonha nesta viagem. Todos examinam a máquina. e de sua excelentíssima esposa dona Marieta Villela . Leia a notícia! etelvina: O Emílio Pinto vai publicar amanhã na Gazeta do Povo.. Corta-se o filme. afoitos. mariana: João José?! Político?! etelvina: Deixe-me ler. galante.) jesuína: Meu Deus! isolina: Ah! Que medo! jesuína: Onde está João José? isolina: Já entrou. outras se abraçam. emérito caçador e forte esteio da futura política local. apavoradas. Um dos presentes oferece. fino ornamento de nossa sociedade e dileta filha do coronel Sebastião Villela... ilumina-se o quarto de Mariana. minha filha! Adeus! Não abra a janela! Seja feliz! jesuína: João José! Adeus! Adeus.... filho do saudoso coronel Bernardino Venâncio e de . a senhorita Elisaura Villela. Duas ou três moças caem.. etelvina: Estava linda a mesa de doces. mariana: (Esperançada) Ele levou para você.muitas palmas e grande murmúrio.. mariana: (Desencantada) Ah! Leia! etelvina: Uniram-se pelos laços sagrados do matrimônio. jesuína: Você viu? Onde? isolina: Como vou saber? Um trem tão grande! vozes: Será que não sai dos trilhos? Está pegando fogo! É assim mesmo! Está pegando fogo! Fechem as janelas! Fechem! Vai partir! Cuidado! Olha as crianças! Cuidado! Credo! Fechem as janelas! marieta: Elisaura! Elisaura. minha filha? É um bom moço! etelvina: Levou para a senhora. Coitada! (Concentrada) Camisola bordada! etelvina: Trouxe doces do casamento para a senhora. João José! marieta: Seja muito feliz. abastado fazendeiro neste. a existência em comum dos naturais do lugar.. carregando sua mala. da desesperança. Ao champagne usou da palavra.... numa primorosa coincidência..somos todos irmãos . que desembarcarão em nossa urbe... A expressão de Vicente é de evocação intensa. conhecido beletrista. Olhando fixamente para a frente. Etelvina se volta e sai. como se relutasse chegar. etelvina: Bem certa estava a nosa divisa — "Frates sumus omnes". levando para outras plagas o feliz casal.. examinando à sua volta. enquanto Vicente (43 anos). mariana: Que é isto? etelvina: . disse da alegria que todos sentiam pelo grato acontecimento. dão â cena um efeito expressionista. seguiram todos para a novel e suntuosa estação local. repassadas de suave emoção. saudando os nubentes. mansão dos Villelas. com homens de todas as procedências do mundo.. mariana: Ah! etelvina: . os latidos de coes e os sons de buzinas. não posso continuar. Ao depois. é uma imagem viva da solidão. por alguns momentos. Ilumina-se a sala onde Isolina. não leia mais esta palavra! etelvina: . Jesuína e . que bem falavam da amizade e do afeto que todos nutrem pelo simpático e jovem casal.. Voltam. abriram-se de par em par os amplos portões da tradicional mansão dos Villelas. brilhante jornalista. mariana: (Enfadada) Ainda tem mais?! etelvina: Ao depois.. comemoraram os felizes eventos.. Desaparece a cena lentamente. Etelvina? Lá se foi o sossego para sempre. mariana: Não tem dez anos. mariana: (Triunfante) Não falei. Na corbeille da noiva viam-se custosos mimos. sugerindo a evocação torturada de Vicente. mariana: (Sorriso de secreta satisfação) Parolice! etelvina: Ao ensejo do enlace. a fina voz de extraordinário soprano e os apitos que reboaram pelo nosso sertão. entra no cenário... encostando-se à boca de cena.que vai simbolizar ao vivo. Boa coisa não será! (Subitamente comovida. mariana: Leia! etelvina: . estimado poeta... mariana: (Resmunga depreciativa) etelvina: Aos presentes foi oferecida uma lauta mesa de doces em caprichados arranjos... a tal mansão! etelvina: Assim. as novas de que nossa cidade entrava para o concerto das grandes cidades do Estado. Ele recua.dona Mariana Venâncio. dama de acrisoladas virtudes e excelsos dons de coração. que foi pequena para abrigar os incontáveis amigos que pressurosos acorreram a festejar o feliz evento. Um se distancia. ilustrado Promotor que exorna com seu inflamado verbo os foros da Comarca.. E outras coisas também! etelvina: Os maviosos e afinados acordes da Sociedade Euterpe Musical. outro se aproxima. de onde partiria o nosso primeiro trem. o buliço crepitante de nossa vida moderna e agitada. mariana: Mansão! etelvina: Mamãe! mariana: (Explode) Então.) mariana: (Com tristeza) Só quero ver o que vai sair daí. (Ouvem-se os apitos das máquinas — elétrica e da década de VINTE. "Slides" com cores sombrias. o doutor Ezequiel Pousadas. mariana: E o nosso sossego também.. que em sentidas palavras. equilibrando-se) Preciso perguntar p'ra vovó. Esconde o rosto. por que não respondem minhas perguntas. Não gosto de relógio parado. e os rios estão sempre caminhando. por que choram escondidos debaixo da mangueira. virou penico de soldado na revolução de 32! (Volta-se e sai) (Vicente (43 anos) domina-se. pega a mala e entra na sala.. Maria. as medalhas grandes. rio é rio.! mariana: (Apenas a voz) João José! Dá corda no relógio.. enquanto é sacudido pelos soluços. Eu espero. aguardam sua chegada.. presas em fita larga e azul. Vicente! vicente: (23 anos) Sinto-me acuado. Desaparecem os "slides". transfigurado) Não diga isto. como é que gente grande é. Você não compreende? maria: Leve-me com você! vicente: Que vida eu ia dar p'ra você. admirando o rio. não agüentando mais. . Abre os braços e anda. maria: (Desaparecendo) Eu espero. No fundo só tem lôdo! vicente: (15 anos.) vicente: (15 anos) Por que se encarniçam tanto contra mim? Será que não podem compreender? vicente: (5 anos. Estáticas. viver. tudo nelas é profundamente comovente. agitado. Etelvina e Jesuína enxugam os olhos. Vicente para e vira o rosto. desesperada) Não! Não! vicente: (23 anos) Aqui não posso. vicente: (23 anos. vestidas de filhas de Maria.. O garoto entra. elas parecem suspensas no espaço. vovó! A lua mora nas nuvens. As expressões. fremente de raiva) Homem não chora! Não faça como sua mãe! vicente: (5 anos. nervoso.. Eu espero.. Isolina adianta-se.. cobertos de flores e de luas! (Os três VIGENTES caminham. Vicente (43 anos) se contrai ainda mais. papai! Quantos! A lua quebrada está boiando nele! (Vicente (15 anos).) vicente: (5 anos) O rio está cheio de igarapés! Olha. Entra.. Caminha.. flor é flor. Subitamente. surge ao fundo. Abraça-se às pernas de Mariana) Por que a lua está quebrada? Por quê? mariana: Nós somos assim. Maria? maria: (Afastando-se) Vicente! Eu espero você.! mariana: (Destaca-se da sombra. voltando a luz fria que caracteriza as cenas das tias. não podendo suportar a visão das tias...Etelvina. seguro por Maria) maria: Vicente! Vicente! vicente: (23 anos) Deixe-me. Vá embora! maria: (Segura Vicente. P'ra que serve uma igreja coberta de flores se cada mulher que nasce é motivo de tristeza? Lua é lua. Vicente. desaparecendo) mariana: Mergulhe num pr'a ver! (Revoltada) É aquela flauta! Também..! Isolina e Vicente se abraçam. as flores são lindas!. Maria. a imobilidade ansiosa...) isolina: Vicente! Você está chorando? Meu filho. segurando sua presa. (Sentase. Ele se escondeu distante de mim. Eu.. Isolina. O pior. todos ficam extáticos.. possessiva. Somente Isolina fica iluminada. tendo como instrumentos de trabalho apenas as palavras e a vontade. Jesuína e alguns dos presentes sondam Vicente. de mim mesmo. acaricia a mão de Vicente.. Eu não queria aprender. como devia ser maravilhoso compreender. cresceu e ultrapassou a mata.. passa entre os convidados e vem se sentar em primeiro plano.) animador: E agora!. Subitamente. interpretar e transmitir! Partir da minha casa. Vicente? vicente: Não sei. isolina: (Enquanto Vicente passa) Já disse p'ra você partir. Lentamente. chamando o macuco. fui ao encontro dele com a minha bem firme nas mãos. muito branca. Vicente! vicente: (23 anos. viria depois. o ANIMADOR adianta-se. Nenhum braço. Agora. a não ser o meu. fors' é lui". Fiquei imóvel. levando a vida que levo ? (Sai) isolina: (Carinhosa e convicta) Confie em si mesmo! Você ainda vai ser importante! (Quando Vicente diz "eu me comunicaria". tentando descobrir o que ele sente. minha verdade saiu da terra. Esqueci-me de mim mesmo. silenciada numa magia estranha. As luzes abaixam. amigos.. Disse a meu pai que estava cansado e deitei-me encostado ao tronco de uma árvore. Ele queria me ensinar. somente Vicente (43 anos) fica iluminado: a rememoração é dele. cobrem as paredes da cena. com vestido de babados e rendas que lembra um pouco Violeta Valery. sentindo que voltaria ao alto da árvore novamente. Papai veio ao meu encontro. Vicente observa os presentes. sorridente. Isto era ser livre! Eu me comunicaria! Seria tudo! De repente. ouvindo a resposta da ave. isolina: O que aconteceu? vicente: (Distanciando-se. Vicente parece perdido em si mesmo. De tudo! Senti-me no começo de uma grande busca. revoltado) Realizar como. realizam seção literária em homenagem a Vicente.. Sempre acontecem coisas entre nós. É inevitável. perto de algo terrível! O mundo parou e me transformei em um homem diante de sua razão. o prêmio de melhor autor. Percebi.SEGUNDA PARTE cena: Quando se abre o pano. canta a ária da Traviata: "Ah. pensei estar embaixo do meu colchão. Então. vicente: (23 anos. A mata ficou imóvel. começa-se a ouvir uma música popular moderna. desejando intensamente que ela descobrisse o logro. além dos meus. as tias. piando. As expressões revelam enlevo sincero. pouco a pouco). lentamente. examinando atentamente o livro que traz nas mãos. em uma caçada com meu pai. perdido para o alto) Olhando a copa da árvore. Não usar nenhum suor. e chegar ao significado de tudo. deixando a sala na penumbra. Devo adiantar que esse prêmio veio . enquanto a voz de Eugênia vai sumindo. Foi aí que a pergunta brotou pela primeira vez: Quem sou eu? Quem? Era o canto que começava. Há uma cumplicidade afetuosa e evocativa entre os dois. Durante as palmas. Eugênia. Levanta-se. um tiro ecoou na mata. isolina: (Com incentivo obsessivo) Você vai se realizar. minha gente. "slides" de mulheres e homens a rigor. Nenhuma inteligência. Vicente (23 anos) surge ao fundo. exceto a minha. autoridades e intelectuais. tia.. olhando. isolina: (Apreensiva) Que se passou entre você e seu pai. Sentado entre as tias. Parado em primeiro plano) Tudo começou. até ficar quase inaudível. meu filho. vicente: É o resultado de cinco peças prontas que ninguém quer encenar. jesuína: De vida fácil.. ao fundo. VICENTE! (Vicente se adianta.... Vicente? vicente: (Olha o prêmio em suas mãos) Com esse. acaricia a mão de Vicente. Cada espetáculo se transforma em questões de lucros e perdas! Como um autor pode criar. reconhecido e afetuoso.. Lavínia surge.. de repente.) lavínia: (Beija Vicente) Satisfeito? Agora.. o que é preciso dizer? (Senta-se) (Lavínia sai e os "slides" desaparecem. Vicente (43 anos) observa Isolina.. mas papai achou que era uma ofensa. e estou só diante deles. ninguém pode se sentir realizado. eugÊnia: Papai não deixou. pois é o quarto que ele recebe.. galvÃo: Que foi que aconteceu? eugÊnia: (Vexada) Recebi convite para cantar a Traviata no Municipal. são oito em meu escritório. isolina: (Olha Vicente) Os artistas são tão mal compreendidos! pacheco: (Aproveitando-se) Nossos troles eram puxados por quatro bestas boas e bem ferradas. cinco milhões de habitantes! Como levar a eles. e sorri. jesuína: Queríamos que Eugênia cantasse "Vissi d'arte". Jozina? jozina: Queria dizer. doutor Galvão. nesta cidade. muito bem vestida. temas proibidos. uma moça fazer carreira sozinha na capital. disfarçadamente.? lavínia: Vicente! Por favor! vicente: (Com obsessão) Existem. . Vicente. revela estar com a razão) poeta: É o cúmulo! galvÃo: Que atraso! eugÊnia: (Criando coragem) Gritou comigo: "Além de cantora.) vozes: Muito bem! Que voz! Bem cantado! A Traviata é a Traviata! Parabéns! Obrigado! isolina: Linda! Não achou? Você parecia tão distante! vicente: Ainda aquela mania horrível de me ausentar. isolina: (Cúmplice) Eu percebi. um prêmio em cada estante! vicente: (43 anos. muitos! Com encenações que não obedecem a nenhum objetivo.. Isolina. (Subitamente) Melhor autor nacional do ano. A voz de Eugenia se eleva novamente.criar um problema de decoração para a mulher do autor. por quê. um papagaio em cada Banco.. E como eu.. censura. Abaixa a voz) E. Aí. lavínia: P'ra que tanta amargura. (RISOS EXAGERADOS ENTRE OS PRESENTES) jozina: (Hirta e pudica.. Vida de artista é tão perigosa! isolina: (Ofendida) Perigosa.. eugÊnia: Não é para o meu registro. lavínia: Não recomece. terminando a ária da Traviata. cantar o papel de uma mulher. jozina: Com certeza ficou preocupado.. intolerância política. se precisa pensar em número de personagens. compreensiva.. ainda quer fazer o papel de rapariga? Onde está com a cabeça? O que não vão pensar de mim?" Perdi a oportunidade. galvÃo: Você devia ter feito carreira. mas. Voltando a si. jesuína: Verdade. onde é hoje a garagem da Ford. vozes: Muito bem! ótimo! pacheco: (Despeitado) Poetas que não difundem letras. brotando por aqui. pacheco: Teatro Aurora. poeta: Sandices! prefeito: Gente da oposição. amplo. generosa. vamos ouvir nosso caro Vicente. poeta: (Adianta-se) Genetlíaco! (Explica) Que celebra o nascimento de alguma coisa. Ah! É comigo mesmo. Não deixam o povo trabalhar.prefeito: Teria sido mais uma conquista artística aqui da terra. Vendi as terras: o governo mandou queimar o dinheiro. Então. avantajado. (Rápido) Aí. "Esse governo está com prevenção contra mim". que. Desculpem-me. isolina: Hilário de Almeida escreveu uma peça linda sobre a fundação da cidade. dramaturgo: (Olhando o Prefeito com reprovação) Ali. poeta : Estrelas festivas no infinito cintilam! Mil trovões no espaço ribombam! E sobre a terra — madre-humosa. jornalista: O autor. Ouvem-se passos de alma destemerosa! De clã de primitivos tempos Que batendo mil léguas afoitamente Aqui aportou só e destemidamente! Para lares. vicente: Não sei falar. jornalista: O bardo. agradecido ) prefeito: O que vem provar que nossa cidade não é só terra de orelhas de zebu. matei muitos Cavaradossis. Que havia de fazer? Viver de uns jurinhos. Fui escravo na Aída. mas espalham tretas. Surge. Épico! Grandioso! Luminar! meu filho. colégios e capelas erguer. soldado na Tosca. doutor Galvão? galvÃo: A bolsa era curta. comprei umas vaquinhas. pacheco. dramaturgo: (Sorri. assim. dramaturgo: Sabe que. . têm perfumado nossos lares com a fragrância das pétalas coloridas de seus versos inspirados. É o que faço. Um dia. pensei. dramaturgo: (Agradecido. trouxeram a estrada de ferro e acabaram com a minha companhia de troles. cá da terra. Larguei mão. jornalista: Agora. o cruzeiro altaneiro De uma cidade. . assistimos aqui a seções de teatro memoráveis? prefeito: Tivemos um belo teatro. Vicente. fui muitas vezes comparsa nas temporadas líricas. Pum! Proibida a matança de vacas. olha o poeta) Há também outras coisas que se medem a palmos. E um imenso chão santificar. Quando era estudante no Rio de Janeiro. . resolvi comprar umas terras e plantar café: o governo proibiu a plantação de café. E diga-se de passagem. Leito de mil folhas. no passado. nesta cidade. galvÃo: Vi grandes cantatrizes morrerem divinamente na Traviata. vagido primeiro! vozes: (Palmas) Muito bem! Tem sustância. bem mais eficiente do que isto que está aí. poeta : Queremos ouvir uma de suas poesias. vai nos deliciar com uma de suas produções. jesuína: Nossos governos nunca tiveram visão nenhuma. é uma dessas raras flores. ) etelvina: Tome. cantou! O menino sofreu Cantando. vicente: Só uma vez escrevi poesia para uma das peças. etelvina: Essa tristeza faz mal p'ra você. satisfeito por ter se lembrado do nome) jesuína: Não seja modesto. Etelvina! etelvina: Eu guardo. preparam-se para ouvir.vicente: (Apavorado) Nunca escrevi poesia. meu filho. etelvina: Você precisa pensar em seu filho. amou! O menino viveu Amando. ) jesuína: Continue. Vicente! vicente: (Expressão de desgôsto) jornalista: Nós sabemos que você é um grande poeta. Trocam de lugar. sentido o filho mexer em seu ventre) vicente: Pra que o menino nasceu? O menino nasceu Caminhando. Isolina e Vicente trocam um olhar de compreensão profunda. Querem ouvir esta? isolina: (Excitada) Queremos! (Todos. sonhou! O menino morreu Sonhando. vicente: Apenas escrevo para teatro e não sei ler o que escrevo. Ao mesmo tempo. nos últimos tempo da gravidez. Elisaura rompe em soluços. (Sai com a xícara) (Vicente vai ficar quase encostado em Elisaura. Beba! elisaura: Não tenho fome. excitados e ansiosos. (Abaixa a voz) Prometi a eles que você recitaria. Elisaura? elisaura: Não quero. Vicente! vicente: (Disfarça) Não terminei ainda de escrever. está lendo. falou! O menino cresceu Falando. prefeito: Um puro-sangue da arte. jesuína: Nem diga isto! isolina: (Íntima) Pensa que me esq eci? "Teu silêncio será tua moita!" Era uma poesia linda. . Etelvina entra com uma xícara de chá. prefeito: E quem escreve teatro não é poeta? E o grande Xakespir? (Olha para o jornalista. Elisaura sorri enternecida. elisaura: Eu sei o que me faz mal. acabou! P'ra que o menino nasceu? (Ficam todos um pouco confusos. procurando melhores posições. você toma depois. onde Elisaura. ilumina-se o quarto. etelvina: Como você gostava. nem cristais.jesuína: Ah! Mas. Etelvina entra com uma bandeja com xícaras e uma travessa cheia de biscoitos e brevidades. olhando para Jozina. vicente: (Horrorizado) Mas. etelvina: Não.) Disfarce. vicente: Pediram emprestado? Eu pago. Etelvina! etelvina: Nada mais nos pertence: nem casa. tia? etelvina: A travessa não era nossa. porque é seu. não sabe responder) etelvina: (Resolvendo) Por que voltou..) etelvina: Veio procurar o quê? A agonia demorada de tudo? O rápido desaparecimento do pouco que restou? Que adianta falar agora? . Etelvina! Pelo amor de Deus! isolina: Temos tantas! jozina: Mas. etelvina: (Nervosa) Ajude-me. jesuína: Etelvina é muito nervosa.. Vicente.. Serão entregues.. não é? vicente: Não sei. O Poeta bate no braço de Etelvina. volta sem a mulher e os filhos. Já vendemos toda a louça. Jesuína! Não suporto mais isto.. poeta : Tenho lido muito! (Apaga-se a imagem de Elisaura.) jozina: Ah! Meu Deus! A travessa que comprei de vocês. Por um momento.. num gesto.) jesuína: Vamos tomar café com brevidades. As outras pessoas saem. depois que morrer a última de nós. Etelvina! etelvina: (Com crescente animosidade) Você partiu. isto é um saque contra a morte! etelvina: E contra o que deveríamos sacar? vicente: (Confuso. senhor Prefeito? prefeito:Tem sustância! poeta : É poesia moderna. jozina: Quero então aquela azul.. Vicente? isolina: Você tem cada uma. esta era minha! (As três irmãs ficam em volta da travessa quebrada. Jesuína isolina: (Tenta salvar as aparências) Afinal o que é uma travessa! jesuína: (Abaixa a voz.. jesuína: Ora. Só restou o relógio. Jesuína e Isolina ficam olhando para frente. esqueceu-se da gente. p'ra quê? P'ra fazer a gente sofrer com coisas que passaram. nem louças. você deve terminar! Não é. Vicente. as irmãs ficam hirtas.) vicente: Que foi. Pode levar também. tia? jesuína: Nada! isolina: Nada. vicente: Não suporta o quê. derrubando a travessa. etelvina: Poremos outra no lugar. Subitamente. com expressão de desesperança. (Subitamente. etelvina: Vamos deixar de mentiras. que não gosto nem de lembrar? Já não basta o que tivemos de agüentar sozinhas? (Etelvina e as irmãs ajoelham-se em volta da travessa quebrada.. extáticas.. angústias e vergonhas tantas vezes sofridas? Era preciso trabalhar e esquecer. Foi só isto que você e seu pai nos deixaram. onde demoram as moças da rua quatorze. Sabe que não tenho culpa. Noite e dia! Não havia outra saída para nós. Pelo menos uma vez por dia.) etelvina: Os amigos foram desaparecendo. se continuar assim. Às veies. Moramos numa casa. livros de missa. enquanto vemos doutor França passar com uma mala acompanhado por Pacheco.. onde é o lugar dele.. Que direito tem você de vir pedir que soframos mais uma vez. o apito de um trem que se distancia. Que não importa morar lá ou não. Logo depois desaparecem. mariana: Se tivesse ficado na fazenda. Vicente vai se afastando. eu não quero. . mariana: O que está errado. Consumiu-se tudo numa incompreensão odienta. Desaparece a cena. mariana: Pode conversar.) mariana: A sua infelicidade é que é sensível demais. Forte como uma colona. seu filho vai sair um chorão. Ilumina-se o quarto de Elisaura. mariana: Sei o quê? elisaura: A verdade.. É. enquanto as três irmos catam os cacos da travessa.. Não é isto que está errado. O lugar. humilhações. só pensando em coisas de delicadeza. Não queria passar meus dias xingando cachorros. Nem ele longe da fazenda. (O apito do trem torna a atravessar a cena. levanta a cabeça. Etelvina começa a soluçar. sozinha na fazenda.(Vai se acentuando. preparada para aquilo que sou hoje: o homem da casa. comemos em louças e bebemos em cristais que já não nos pertencem. elisaura: Eu não sou a senhora. mariana: Nunca ouviu dizer que as mulheres grávidas marcam os filhos com suas preocupações? elisaura: Onde a senhora quer chegar? mariana: Que. escolha livros que não façam você chorar. (Subitamente. Gravidez não é doença. Quando eu estava esperando João José. elisaura: Foi por isto mesmo que não fiquei na fazenda. então? elisaura: (Nervosa) P'ra que conversar sobre isto? mariana: Porque eu quero. eu xingava ela. A sua verdade! A sua verdade é a nossa agonia.) etelvina: Você disse bem: fizemos um saque contra a morte. nossos vestidos de filhas de Maria.. mariana: Se gosta de ler. Só temos o corpo. É tudo e todos desta casa. elisaura: Mas. não viveria longe de seu marido. brigar à vontade. Isolina com os olhos marejados. porém. um a um! A pobreza acabou levantando uma cerca de espinhos em volta desta casa. coloquei a flauta do pai dele pendurada no banheiro. pouco a pouco. santinhos e os caminhos da igreja e do cemitério. Chora à toa! elisaura: Não estou chorando. das caçadas: um meio de fugir para um mundo só de vocês. uma coisa muito vaga. Eu era a burra de carga. elisaura: A senhora conhece seu filho melhor do que eu. Você fez da sua inclinação o mesmo que seu pai. Foi o que nos restou de tudo. Tive todos os meus filhos. e ver essa mentalidade aparecer mais tarde em meus filhos. Só isto! Trabalhar e rezar. só com uma colona. Rezei! Rezei para não morrer. temos impressão de que o apito se confunde com o som de uma flauta.. Pelo menos isto eu consegui. Isolina e Jesuína ajoelhados no túmulo de Elisaura. Merecia respeito. elisaura: (Explode) Quero que ele seja tudo. Ainda gosto! mariana: Diga logo a verdade! Deixe de fingimento.. Veja bem onde ele vai viver. Comece a xingar. Elisaura. menos aqui.. meu filho não terá nada do pai.... Eu sei que somos feias. contorce-se) Meu filho... frágil. (Enquanto Elisaura lê a carta. Elas duram bastante. tachos e panelas? mariana: Seria mais útil. elisaura: (Empurra Mariana e sai cambaleando) mariana: (Aflita) Etelvina! Jesuína! ajudem. João José é egoistão. jesuína: Precisamos plantar margaridas. margaridas.. com os olhos esgazeados. mariana: Nunca disse que gostava dele.) elisaura: (Sussurro doloroso) Meu Deus! mariana: Elisaura. elisaura: O rosto de quem a senhora quer que eu veja? Não bastam os que me rodeiam? mariana: O nosso..! vicente: (5 anos) Zínias. duro. parece indefesa. meu filho! mariana: (Abraça Elisaura) Eu ajudo você. (Entrega a carta) elisaura: Que é isto? mariana: Carta de João José. mariana: Só estava querendo ajudar. revelando espanto e ira. e assim é que é bom. Foi o homem que me deram. Distante) E zínias! (Subitamente. menos igual a seu filho. O Augusto chegou da caçada.elisaura: Com estampas de goiabas.! vicente: (43 anos) Quem cuida dos túmulos de mamãe e vovó? isolina: Seu pai deixou dinheiro só para isto. Que viva em qualquer parte. zínias e mais zínias.. milhos.. pendurada bem em frente da privada. era seu marido. tão intensamente! mariana: (Raivosa) E você diz que gosta de João José? elisaura: Gosto. Simultaneamente. João José vai ficar mais quinze dias.. mariana: P'ra quê? P'ra sofrer também? elisaura: Sofrer por quê? mariana: Você não está sofrendo? Gente fraca sofre à toa.. Reze! Reze para que ele seja igual ao pai. vemos Vicente (43 anos). não. eu quero. ziiinias.. zínias. mas é bom. vicente: (43 anos.! elisaura: Sozinha!. Vicente (5 anos) entra no palco. Elisaura? elisaura: (Subitamente... elisaura: Mas. Faz sofrer. Percebe-se que ele apanha flores. elisaura: A senhora também não xingava seu marido? Xinga até hoje.. sozinha. mariana: João José é um cabeça dura. Tome! Isto é seu. mas não sofre.! elisaura: (Profundamente ferida) Que impiedade! mariana: (Preocupada) Que foi.! . elisaura: Espero que meu filho tenha maneiras mais amáveis. Nunca desejei qualquer coisa na vida. flores de todas as cores para minha avó! Zínias. o livro e a carta caem no chão.. Motivo você tem. . ziiiiiinas. xingando aquela flauta. elisaura: (Amarga) Se depender de presença..) vicente: (5 anos) Zínias. eu e a Lambisgóia espirramos juntos. vaqueiro: (Pausa) Compadre! Não é hora não de dona Elisaura adoecer? (Adverte com tato) A lua é danada p'ra mudar as coisas! joão josé: Mais uma semana. que quero ensinar ele. sempre olhando o filho. e foi amoitar numa unha-de-gato.) joão josé: Vicente! vicente: (5 anos) Senhor. Vim rastejando com as cachorras e dei com os olhos do bicho.. correu rasto atrás e perdeu. Desde pequeno. diversas luas. vicente: (5 anos) Já vou. Vaqueiro ataviado para caçar. A velhacaria dele já tinha enchido um borrador. levantou. foz que foi mas não foi.. Tá danado! E agora? vaqueiro: (Conhecedor) Era cair em cima do rasto! joão josé: (Expressão matreira) Claro! Eu tinha uma escrita antiga com ele.) . melhor não. Reaparecem os sons de latidos e de buzinas. meu filho! Tem lambari mexendo na vara. compadre? joão josé: Aí. surge ao fundo e se aproxima. onde João José está diante de duas varas de pescar: uma maior e outra menor. ainda colhendo flores. esticando. Seu porte é majestoso. filho da puta! Hoje.. pulou ali. quando levantar vai como uma flecha no rio. vidrou os olhos já nesses braços. (Enquanto Elisaura sai se contorcendo. Vicente (5 anos). joão josé: Venha. achatou no chão e quando vi.. se levanta e caminha como se fosse segui-lo. (João José observa o garoto brincar. preocupado) Pois eu digo que esse cervo é ainda mais velhaco. Jesuína e Isolina desaparecem. ilumina-se a beira do rio. o atrevido! (Abaixa a voz. a Fanfarra e a Braúna — o trio tira-prosa — e caí em cima do rasto do velhaco. E é esse cervo que. Chamei a Lambisgóia. sai do palco. com os músculos retesados.. o bicho espirrou e eu gritei: vai manhoso.. eu lá! joão josé: De repente. Quando ele espirrou na várzea.. numa risadinha casqueiro) Vai ser à unha. meu filho vai aprender que pode ser caçador tão bom quanto eu. joão josé: Mas. pensei. nós vamos fechar nossa escrita! vaqueiro: E foi nó rio. vaqueiro: (Observa João José. eu pensei: esse ladino vai embarcar no rio. deu uma enganada. O velhaco deu o último berro. vagamente.. "Slides" coloridos onde percebemos. Vicente (43 anos) se levanta do túmulo e se aproxima do garoto..mariana: (Raivosa) Deixa aquele "argola de laço" chegar. o malicioso? joão josé: Ficou só na intenção. Se deu essa volta e veio amoitar no ribeirão do Rosário. Mas o safado.) vaqueiro: E aí. Há três dias que malicia com a gente. João José salta de pé. vai acabar numa parede. iluminam todo o palco. (Diversos cachorros começam a latir.. Vai saber que nunca voltei sem minhas caças. Ehêêêê!. Pulou aqui. compadre! O lombo da cachorra foi esticando. João José. compadre.. Olhou p'ra mim e deu uma abanadinha de orelha. os dois rolaram. numa matreirice desusada. papai.. vaqueiro: (Expressão astuta) Ah. misturados aos "slides" da floresta. vicente: (5 anos) Eu fiquei com pena. papai! joão josé: (Amolecendo) Está bem. papai? joão josé: Figueira branca.. de homem!. menino! vicente: (Agarra-se às pernas de João José) A traíra está comendo o lambari! Salva ele. como hoje! joão josé: Assim. Vamos! E não comece a chorar... aflito) Soltei! joão josé: (Dá um safanão no garoto) Seu pamonha! Estou tentando ensinar a você um divertimento de gente. joão josé: Você veio pescar ou não ? vicente: (43 anos. Levanta-se. está ouvindo? De homem! E você com esta alma de mocinha. vicente: (Pausa) Nunca passou tanto igarapé florido. Padrão de terra boa. Presente p'ro meu filho! vicente: (43 anos. enquanto Vicente (5 anos) entra no palco. Eles saltavam tanto na direção da água. .) joão josé: Vicente! vicente: (5 anos) Estou indo. Meio sonhador) Papai! joão josé: (Atento à pescaria) Que é? vicente: Por que a água corre p'ra lá? joão josé: Por causa da queda. Vicente. vicente: A raiz parece escada de barranco.. Passaria primeiro naquela árvore cheia de. papai. joão josé: Você soltou outra vez? vicente: (43 anos. papai! joão josé: Será possível que não pode calar essa boca? vicente: Uma traíra está comendo um lambari! joão josé: O que é que você pensa que traíra come? Pão-de-queijo? vicente: Salva ele! Salva. Perdido em si mesmo) Presente para o meu filho! (Vaqueiro sai tocando a buzina. vicente: Parecem pacotes de balas. você cai no rio. onde estão os peixes? vicente: Não sei. Vamos embora! (Olha a cesta) Mas. vicente: Acho que devia correr ao contrário.joão josé: É ele! É ele. você não pesca. João José se dirige para onde estão as varas de pescar. joão josé: Pescaria exige silêncio. meu filho. Vaqueiro! Cerca que ele vai p'ro banhado outra vez! vaqueiro: Já está na garupa! joão josé: (Joga o chapéu no chão) Virou caveira de parede. filho. Quando eu for grande. Que árvore é aquela. Vicente! vicente: Olha. papai! joão josé: Não é possível. eu pesco. vicente: (Aflito) Papai! joão josé: Fica quieto. vicente: Um rio de flores e de luas! Papai! Por que os igarapés descem o rio? joão josé: Porque as águas arrancam das margens. joão josé: Mas. Senta-se diante dele e os observa) vicente: (5 anos. papai? joão josé: Ninhos de guachos.. viu. vicente: Seria mais bonito. papai! joão josé: Assim. meu filho. não corre. papai. Que é aquilo pendurado na figueira.. compadre! Corre. Não há caça. O garoto não aparece de frente. papai! É bom ser homem grande? joão josé: (Examina o garoto) É. meu filho. Vicente! vicente: Quando eu for homem grande.) garoto: Mamãe! Por que só a cara do pai sai no jornal? lavínia: Porque ele escreve estórias que os outros gostam. Onde está o papagaio? Venha! Eu conserto. acabou na garupa do meu cavalo. lavínia: Seu pai anda muito ocupado. Está terminando um trabalho importante.) isolina: Sobre o que Coelho Neto vai falar? elisaura: As cigarras! (Aflita) João José já deve estar aflito. dominam os bichos e são donos do mundo. É a melhor coisa. João José se 'dirige para o fundo do palco. (Saboreando a palavra) Ribanceiras! RIBANCEIRAS! Vou caçar as negras malas. agora? vicente: É bom ser homem? joão josé: Claro. olha para cima) A lua já não é mais uma bola! É um queijo partido.. e vou descobrir por que a lua fica quebrada. Elisaura surge com um vestido de miçangas brancas. Quando eu ficar grande. atarefada.. Martiniano. Você não é? vicente: Não. saindo. Ilumina-se a sala onde se realiza a conferência. caçam. que possa fugir deles. mamãe! Quando vai consertar meu papagaio? lavínia: Domingo ele conserta.. vicente: Quando o senhor era do meu tamanho. vicente: (Em sua nascente visão do mundo. vicente: Por quê? joão josé: (Explode) Larga mão dessa porcaria de lua.. sulfurosas.vicente: Papai! joão josé: Que é. domingo ele manda a gente p'ra matinê. Montarei no meu corcel e descerei pelas ribanceiras.. Vicente (43 anos) acompanha-o perdido em si mesmo. garoto: Por que ele não conversa comigo? lavínia: Seu pai conversa sempre que pode. cacei quando você estava p'ra nascer.! (Saem) . a lua ainda será quebrada? joão josé: Acho que sim. eu caço. Nunca vi bicho mais astuto. vicente: Aquela que parece ter duas àrvorezinhas secas na testa? joão josé: (Aborrecido) É. por mais matreira que seja. logo seguida por Jesuína e Isolina. viu papai. Algumas sombras de pessoas dançando são projetadas no fundo onde Elisaura e as cunhadas passam e desaparecem.... ela já era? joão josé: Era. (Sai) (Desaparecem os "slides". (Lavínía e o garoto saem. sim. Afrouxei cinco cavalos. Mas. garoto: Ele não sai de cima da garagem. garoto: Mas. seguida por um garoto de mais ou menos sete anos. vou ser como o senhor. mas lembra muito o jeito de Vicente (5 anos). É bom ser homem grande. Quando ficar grande. Uma pequena orquestra toca uma música alegre de 1923. vicente: E o senhor nunca descobriu por quê? joão josé: (Retesado) Não.. Os homens! Eles domam. Lavínía surge. ouviu meu filho? São os homens que mandam.. Aquele cervo. (Tenta impressionar) Aquela cabeça grande de cervo que está na parede. antes de me casar. vicente: Por favor. lembro-me bem. ao menos.. Tenho estado preso num círculo vicioso. dando aulas.. atarefada) João José! Dá corda no relógio. PÁRA... que só pensa em seu trabalho. Mas. MEIO ASSUSTADO. é verdade. vicente: (Abraça Lavínia) lavínia: Para que se atormentar tanto. aflito.. vicente: (Afasta-se. OLHA PARA OS LADOS E DESAPARECE. vicente: (Auto-acusação) Sinto que. ESCONDENDO ALGUMA COISA. nem por isto deixo de ser feliz. não é? lavínia: Para que olhar o que não preciso comprar? vicente: O que não podemos comprar. Preciso passar nove horas no Ginásio. De muitas. Reclamei? vicente: Não. vicente: Não gostava de mim? lavínia: Não se trata disso! vicente: (Deprimido) Não lhe dei a vida que esperava. pedindo explicações. Sou mãe de quatro filhos. não é? O mais importante para você. pensar em ficar rica com teatro neste país. lavínia: Não me casei para ficar rica. já não é a mesma! lavínia: Nem podia ser. vicente: É a insegurança que eu. As sombras da conferência desaparecem. é escrever.! .(Vicente parece perdido em si mesmo. lavínia: (Pausa) Pensei muito. Lavínia! lavínia: Mas. RÁPIDO.. é melhor dizer! lavínia: Você também não entra menos nas livrarias? E os livros são importantes para você. Era necessário muita burrice. possa trabalhar em sossego.. ou no presente? vicente: (Confuso) Creio que. agarradas às paredes como hera. Lavínia. lavínia: (Resolvendo-se) Quer saber como é que vejo você? Como um grande egoísta..! lavínia: Quando se refere às coisas de sua vida que pedem explicações. agitado) Este é o problema. ligeiramente. Não sou tão burra assim. (Sai) vicente: (Retoma o tom) As que ficam perdidas não sei em que imobilidade. refletidas em caixilhos. escondidas dentro de nós. Mas. Só isto! vicente: A ponto de não olhar mais vitrines. são as escondidas que nos atormentam. vicente: Podia. SURGE CORRENDO. é assim mesmo.! lavínia: (Corta) Minha preocupação maior é que você seja feliz. Mas. (Sorri com carinho) Não basta? vicente: E vive preocupada com o futuro deles. guardadas em fundo de gavetas de cómodas velhas. Vicente? Você sempre diz que quer viver só de seu trabalho! Eu também acho que deve ser assim. nos dois. Não gosto de relógio parado. Lavínia.) vicente: (43 anos) Há muitas coisas em minha vida. (Volta a cabeça. segurando papéis coloridos e um papagaio...) mariana: (Passa ao fundo. Mas. Vicente. é verdade também que nunca reclamei. lavínia: Minha vida mudou. numa recordação fugidia.. Lavínía torna a entrar. lavínia: Vivo mesmo. ter uma vida melhor. O GAROTO. Vicente. você pensa no passado.. Vicente se volta. vêm me dizer que o espetáculo vai ficar numa fábula. será encenada. lavínia: Isolados. atormentado) Já basta o que presenciei naquela cidade! lavínia: Há uma semana que não fala com ninguém.. fechado em cima daquela garagem. Estamos sendo isolados cada vez mais.. cigarra é inseto músico que dá prejuízo. João José! joão josé: P'ra mim. preso a uma máquina... sai da sala da conferência. já não sei até que ponto. Voltam as sombras da conferência.. João José está com terno de casimira azul. inclusive.. não pediram a você que escrevesse? vicente: Pediram. Vicente! Seu trabalho fala de uma realidade nossa. Agora. tudo que quero dizer tem importância.) E você vai contar! (Lavínia beija Vicente e se afasta. vicente: Preciso viver da minha profissão. sem sair de casa. acompanhado por Elisaura. não nos permite viver. Enquanto não se encarar o teatro como manifestação cultural. lavínia: Tem muita importância. joão josé: Eu não queria vir. Com os preços que são obrigados a cobrar. Não posso esperar. Um dia. Costurar. (Subitamente.. vicente: (Corta) Por favor.. por quê? vicente: Porque nesta situação. fazer tricô. Subitamente. Com esforço) Quer que fale com papai? Ele pode nos ajudar. Uma estória sua! Importante ou não. Lavínia. lavínia: (Pausa.. que não me preocupasse com nada. e escreve como quer! vicente: E depois guardo nas gavetas. não de ajuda. será sempre assim..! lavínia: (Disfarçando a preocupação) Sua peça é linda. Vicente. Não vamos voltar a este assunto. Esta é a verdade. Nem posso ver você em cima de uma máquina. Você insistiu..) elisaura: João José! joão josé: Esse escritor é uma besta! elisaura: Por favor. E o que consigo escrever. neste país.! Começo a duvidar do que desejei tanto! lavínia: Duvidar?! vicente: É que. Percebe-se que ele se sente mal. deixasse a imaginação correr. Vicente! Anda em casa como alma penada. Sorri compreensiva. O problema é profissional. não é possível criar nada! lavínia: E não está criando? Você escolhe seus temas. Lavínia. elisaura: Você não está sendo delicado. lavínia: Você e seu orgulho! vicente: (Impaciente) Mas. É horrível viver assim! vicente: (Revoltado) Trabalhei nesta peça durante dois anos. apressado. (Amargo) O pior é que eles têm razão. Vicente. Não posso receber ajuda a vida inteira. não se trata disto. um dia! lavínia: Quer que ajude? Posso trabalhar também! vicente: E com quem ficam nossos filhos? lavínia: Trabalho aqui! Há muita coisa que uma mulher pode fazer. vicente: (Seco) Não. Vicente se volta para o fundo. lavínia: (Preocupada) Mas. João José. não ficou? vicente: Muito! Mas.. é diversão para uma elite que não está interessada em resolver problemas. e por aí afora....lavínia: Você ficou tão feliz com a reação dos alunos no Ginásio.!(Repara em Vicente e percebe que ele já está perdido em si mesmo. é a que tem para contar. lavínia: Não vão encenar mais a peça? vicente: Não. .. é que não me sobra tempo para escrever. observando-o perdido em seus pensamentos. que teatro. Disseram-me. Elisaura levanta a cabeça com decisão. joão josé: Fale baixo. música. elisaura: (Comovida. é um dia muito importante. nem desquitada. Espero você em casa. Não diz nada?! joão josé: Então.. joão josé: Mas. olhando fixamente para frente. (Enquanto Vicente (43 anos) se perde em meditação profunda. Juntos. para nosso filho? joão josé: Que filho? elisaura: O que vou dar a você. onde Mariana. então. joão josé: Pois que escutem. elisaura: Vergonha por quê? Não está cheio de homens? joão josé: Não entendo o que aquele sujeito fala. Só sei que cigarra é bicho daninho. fica um instante meio desnorteada.. não é capaz de ser amável. a sala da casa. Elisaura. joão josé: (Numa alegria crescente) Você está esperando. Ele será o meu companheiro. Elisaura! Pode ficar. Vou contar p'ros amigos. Afinal. traremos muitos mais. entra e senta-se. ouvir música. é preciso participar p'ros parentes! elisaura: Fique comigo! joão josé: Estou satisfeito. pamonhas. (Vai sair e pára) Quando voltar dos campos gerais. é ele. joão josé: Você é mulher casada! Ver gente p'ra quê? elisaura: Estou cansada de ver sua mãe o dia inteiro. Isolina e Jesuína fazem tricô e croché. fecha os olhos com amargura. Você está com minhas irmãs. Vicente (15 anos) lendo atentamente. vou trazer p'ra meu filho as mais belas cabeças de cervo. quem é que está brigando? elisaura: Você é áspero. Só de você.. goiabada. Elisaura. joão josé: Gostando do quê. Elisaura? elisaura: Da conferência de Coelho Neto. joão josé: (Sem compreender a insinuação) O sapato está me apertando. (Sai) (Humilhada e magoada. saindo.. Ele me dá sono. Meu filho veio primeiro do que o dele. ilumina-se. com certo receio de ser ouvido) Gosto de você. Vicente (43 anos) encosta-se ao batente. Elisaura! elisaura: Preciso dançar. Elisaura? elisaura: Estou. uma besta de carga.elisaura: Se fizer um esforço. . Profundamente ferida. Só fala em biscoitos. Mariana observa Vicente. não sou viúva. elisaura: Não brigue comigo. Elisaura atravessa o palco. elisaura: Freqüento tudo sozinha com suas irmãs... lentamente. ver gente inteligente. Não suporto gravata! Sinto-me como se estivesse arreado. abraça João José) joão josé: (Com pudor) Estamos em público. João José! joão josé: (Confuso) Por que me pede essas coisas. com expressão de quem se sente muito só. Elisaura! elisaura: Fale baixo! Podem nos escutar. acabará gostando.! (De repente) Quer coisa melhor do que palavras bonitas. Elisaura! P'ra que dizer essas coisas? elisaura: Não pode gostar nem um pouquinho do que gosto? joão josé: (Olha à sua volta.) vicente: (Sussurro doloroso) Ele será o meu companheiro. Ah! Vou tirar o papo do Augusto. Elisaura? Eu tenho vergonha de ficar lá. (Ri) Quem não dá no couro. joão josé: É o meu jeito. elisaura: Faça a minha vontade! (Insinua) Hoje. Nunca vi cigarra cantando dentro de livro. ! vicente: (43 anos) E muito pavor de Banco. Dizem que a saúva ainda vai acabar com o Brasil. cúmplice. Vicente? vicente: Naquela batidinha: sem dinheiro. sem trator.. Ela não entende. revelando conhecer o segredo dos dois) isolina: (Disfarça) Chegaram livros novos no Tedesco. isolina: Os meus a senhora não queima. mariana: P'ra que isto? Livro a gente lê e queima. Isolina. vicente: A senhora nunca leu. sofredora) Parece que vivemos esquecidos em um canto do mundo. vicente: (15 anos) (Faz sinal de silêncio. disfarçando) vicente: (43 anos. mariana: Não há mais lugar nesta casa p'ra nada. não é. jesuína: (Odienta) Semeador de incêndios! isolina: Vou à estação pedir a alguém que me compre livros em São Paulo. Não se atreva! mariana: Então. .) isolina: (Abaixa a vai. isolina: Estamos formando nossa biblioteca. eu digo que será a falta de cultura. nesta terra não há nada. que só serviu p'ra queimar invernada. Vicente? mariana: (Desconfiada) O que é isto? vicente: (Sorri) Pessoas que aprendem sem professores. (Suspira. Vou precisar de muito papel. isolina: (Ignora Mariana) Somos autodidatas. são! Bons p'ra acender fogo.. mariana: Deixe de suspiração. vicente: Está aí a explicação: a senhora queimou os que estavam em meu guardaroupa?! mariana: Aqueles eram indecentes. vovó? mariana: Muito! Não faço minhas orações todos os dias? isolina: (Troca sorriso depreciativo com Jesuína) vicente: Digo. mariana: (Maliciosa) Pesados. mariana: Não entendo mesmo. romance? mariana: Vamos conversar sobre coisas importantes! Como está a fazenda. guardando um segredo) Gostei muito "daquilo". brigando com Willy Aurelli p'ra todo lado. rememorando) Uma ave com penas de prata. mariana: O que é que você quer? Abrir uma livraria? isolina: (Acintosa) Apenas ler.olhando por cima dos óculos. Nunca é demais lembrar que seu pai deixou vocês quase na indigência! (OUVE-SE O APITO DO TREM) Este apito incomoda até os mortos! (Raivosa) Porcaria de trem. (Troca olhar com Vicente) isolina: Também. tire da minha vista. Só Pitigrilli deitado pêlos balcões. Já marquei alguns por aí. agachado nas prateleiras. eu sei p'ra que serve livro com mulher pelada! Não é à toa que sempre desconfiei desta inglesada do frigorífico. Será pelo menos útil. Pois. Logo chega a época das tachadas de goiabada. Vicente. no futuro. asas de aço e olhos do tempo! mariana: (Sorri enigmática. Onde se viu livro com mulher pelada na capa? Inglês sem vergonha! Na sua idade. Vicente. vovó. isolina: Não adianta. Vicente? vicente: Não. e acostume a se distrair com as mãos. isolina: Que desolação! E discos? vicente: (Desprezo odiento) Guarânias paraguaias! isolina: Não sei por que gostam tanto de música paraguaia! mariana: (Enigmática e maliciosa) Eu sei. Você não está mais em idade p'ra isto.mariana: Companhia e ajuda. isolina: E o que se espera de um pai? Compreensão. jesuína: Pacheco ainda não está em condições p'ra casar. maliciosamente) Já é um homem. Quem não gostar que coma menos. hoje.. aia tudo bem. (Arruma-se) Hoje é dia de novena no cemitério. Sei! Vamos todos assistir a esse casamento. ladeada pelas filhas. não é bem o que papai espera de mim. Ninguém mais.. mariana: Eu posso falar. mariana: E você. basta aquela flauta. isolina: Era empregada dele.) . e ele ainda pensa naquelas porcarias de troles. anda no meio deles. quem anda pondo essas besteiras na cabeça de Vicente. rezando. mariana: Isolina! Você já está passadona. jesuína: Mamãe! Por favor! isolina: Que vulgaridade. na cidade. Venham! (Volta-se para Vicente) Que aconteceu entre vocês. Que ninguém se atreva a falar em viagens em minha presença. ajudando seu pai.. É p'ra esse bundudo do Pacheco que não emprenha nem sai de cima. Concentradas e hieráticas. De prata. isolina: A senhora mesma vive chamando João José de atrasadão. Mariana. Vicente. Vicente (43 anos) se apoia em um dos túmulos e fica observando. mariana: Foi com ele para a Bahia. Uma empregada fiel! mariana: Só que o fogão era na cama! Pior do que essas putas paraguaias que mandam.. vicente: (Crispado) Só quando estiver bem longe daqui. é o que se espera de um filho. É você. flor é flor. vicente: Ajuda. mariana: Caçar é o divertimento que seu pai aprendeu. Quanto a você. Seu pai tocará a marcha nupcial naquela flauta! isolina: Sem falar de papai a senhora não passa. mamãe! E na frente de Vicente! mariana: Vicente não é mais criança (Insinua. Desde que ele perdeu os troles. mariana: Antes isto do que viver de dinheiro a juros. onde vão parar? vicente: Onde ele quiser! (Diversos túmulos são projetados na parede da esquerda. mas ainda pode levar uns tapas. mariana: (Corta) A estrada de ferro já está ficando velha. (Depreciativa) "Penas de prata!" Pena que conheço é pena mesmo. E pare com esse negócio de rio de flores e de luas! Lua é lua. pelo menos. rio é rio. contaremos com os parentes do cemitério e com Bernardino. Pergunte a ele! mariana: (Temerosa) Se continuam assim. no além! Melhor! Assim. vive me censurando por causa de um homem que não quis você. jesuína: Isto é p'ra mim? mariana: É. meu filho? Por que esta raiva? Você e seu pai não trocam meia dúzia de palavras sem se agredir! vicente: Não sei. (Vira-se para Isolina) Pois eu não gostei nada "daquilo". sim. elas caminham com expressão de reverência profunda. deixe de censurar seu pai. Isolina. Se gostasse de caçar e me contentasse com uma rocinha aqui e outra ali. jesuína: Ele é mesmo. vicente: (Indignado) A senhora mexeu em minhas coisas? mariana: Mexo em tudo aqui. Vicente. mariana: (Violenta) Seu lugar é na fazenda. Um médico que vivia amigado com uma preta! isolina: Não é verdade. Isolina. Como muitos por aí que não têm peito nem para sustentar uma mulher. A cena é invadida por apitos. Suplico-vos proteção para a minha família. Vicente (43 anos) se aproxima da estação. mariana: Vicente não está na fazenda? joão josé: Quem sabe onde esse menino anda! Do mundo da lua ele não sai nunca. Vá andando! Outro.. Não quero morar na fazenda.. meu filho. Uma locomotiva. etc. sentado e perdido em pensamentos.. enquanto esta parte. abre um livro e retira diversas cédulas de dinheiro. Vicente se volta. João José. Vicente (15 anos). voz: Que idade tem? vicente: Dezessete. ao deus dará.. prestes a partir toma toda a parede do fundo.. (Enquanto ouvimos a oração. até desaparecer. naquela maldita crise. Iluminai meu filho e meu neto! Ave Maria. pelo menos. a Vicente (15 anos). Vicente se afasta. penalizado.. é iluminado. nós oferecemos o sangue preciosíssimo de Nosso Senhor Jesus Cristo para alívio das almas mais abandonadas no Purgatório.. vicente: (Desesperado) É a minha vez! (Grita) Me dá uma passagem.. aflito. voz: Como da outra vez? Fomos prevenidos por dona Mariana. sons de automóveis e de trens. não consigo viver! Não posso ser o que sou! Vão me ferir. Já empobrecemos demais. Largue-me! Deixe-me! Aqui. Vicente (43 anos) o segue.) mariana: (Entra e pára enraivecida) João José! Fazendeiro precisa levantar e urinar no chiqueiro. crescendo em sua direção como se fosse passar por cima dele. . Não deixe que nos arranquem os dedos. Vicente! vicente: Eu quero uma passagem para São Paulo. olhando.. corre num movimento de fuga e libertação. a de meu marido. etc. Humilhado. Vou trabalhar e estudar.! Por favor. A estação ferroviária é projetada na parede da direita. Foram até os anéis. voz: Quinze! Vá andando.. Percebe-se que seus pensamentos o torturam. Lentamente. A fazenda está lá. fumaça. eu vejo gente.! (Ouvem-se os apitos de partida. por favor. joão josé: (Concentrado) Aqui. voz: Quer que chame sua avó? Ou aquele soldado ali? vicente: Eu tenho ordem para viajar. entre elas. Rememora. Eu vou embora.) vicente: (43 anos. São os olhos do dono que engordam os porcos. FILHAS: Santa Maria.. Mariana e as filhas desaparecem.) vicente: (75 anos) Uma passagem para São Paulo. O apito vai se distanciando até sumir. sentindo a mesma solidão. mãe de Deus. aflito. profundamente ferido) Seria melhor. que não tivesse nascido! (Subitamente. voz: (Que ressoa em toda a cena) Você está só? vicente: Estou. Depois. Vicente (15 anos) fica parado em grande solidão. O som do apito vai se confundindo com o som de uma flauta.mariana: Padre Eterno. que dúvida humilhante lhe corrói a alma. Vicente corre na direção da locomotiva.. cheia de graça. RÁPIDO.) joão josé: Sempre acontece tudo entre nós. numa evocação dolorosa. joão josé: Desejei tudo para ele. olhando Vicente (15 anos).. outra vez! E uma paca fez você rodar num rio qualquer! Eu disse que seu casamento não daria certo. lentamente. Por que detesta o que eu gosto? Por que não é um companheiro p'ra mim? Parece que ele tem prazer em me ferir. Procure ajudar o menino! joão josé: Já tentei. não se contenta mais em pôr tábuas nas árvores do pomar para ler. Se for preciso arrancar a roupa e cercar uma caça no rio. Não desespere... é sempre aquela vergonheira. é onde se vê livre da sua implicância. Um dia desses. quando isto acontecer. João José? joão josé: Falando! mariana: Marcelo e os amigos dele também estavam fantasiados de noiva. vivia socado no mato. revoltada.(Pausa) Elisaura morreu e me deixou um filho assim! mariana: Você quer é obrigar o menino a gostar do que não gosta. Sei muito bem como foi que ajudou: empurrando o menino na cama de uma puta! Ê isto que é ser homem p'ra você? joão josé: (Violento) É! É isto mesmo que é ser homem! E se ele não é assim. Vicente (15 anos) atrás da porta.! Seria melhor que não tivesse nascido! mariana: (Dá uma bofetada em João José) Não se atreva a dizer isto em minha presença! Isto é que é loucura! Mania de gente fraca! (Amarga) E dizer que um dia você foi um sol p'ra mim! Enquanto trabalhava como uma burra... você quase virou um bicho. joão josé: E quando perguntei o que estava fazendo. SURGE CORRENDO. Vocês ainda vão se ferir de maneira impiedosa. Em sua imobilidade. e sementes dele espalharão espigas e cachos amarelos pra todo lado. comigo. joão josé: Pois. Mais distante. Isolina. trespassado. observa Vicente (15 anos). durante Q última cena. Ficou uma fera. Tenho certeza! mariana: Falando o quê. sentimos uma mágoa imensa. Veja no que deu! Só peço a Deus que esta raiva não vire ódio. Encostado à parede. sabe o que me respondeu? Que procurava uma ave com penas de prata! (Subitamente) Mamãe! Nós temos algum caso de loucura na família? mariana: Só se for na de seu pai.. Os meus foram sempre uns mineirões muito normais. A porta deve ser iluminada. PÁRA. observa a saída de João José. está Vicente (43 anos). prefiro que. E os trinta mil alqueires voltarão para nós. mariana: (Condoída) Vicente é ainda uma criança. mariana: João José! Aconteceu alguma coisa na caçada? Entre você e Vicente? Desde aquele dia que vivem como cão e gato! (O GAROTO. sentado no galho mais alto de uma árvore! mariana: Decerto. prefiro que ele. Tinha até mulher por minha conta! mariana: É você quem desconfia de seu filho. e ele cresceu entre quatro mulheres velhas. que dá vazão ao . eu pensava: ele vai fazer tudo isto germinar e o mundo será um campo tombado. Vicente é bem diferente quando está longe de você. ia passando a cavalo no meio da invernada.. (Mariana e João José saem. OLHA PARA OS LADOS E DESAPARECE. lendo.. ele prefere morrer de bota e tudo. ESCONDENDO ALGUMA COISA. olho para cima e quem vejo? Vicente. (Explode) Na idade dele eu já era um homem. sem poder fazer qualquer movimento. MEIO ASSUSTADO. meu filho! Não quero estar aqui. Depois que sua mulher morreu. João José. caçando. mamãe. Parece sina! Agora. mamãe. joão josé: A senhora não viu Vicente vestido de noiva a semana passada? (Contendo-se) Já estão falando dele. Acabamos brigando. mas impiedosa. Preocupado e carinhoso) Tia!.. É verdade! Ele nos compreenderia! Papai era lindo. soltando uma praga. como escritor. mostrando a face obscura. dominado por agitacão crescente..) isolina: Você me lembra muito papai. meu filho. mas determinada) Vá embora. antes que o pior aconteça. se comunica. tia? Por que não posso ser o que sou? Por quê? Por quê. Isolina perde-se numa rememoração repleta de amor. tia Isolina! isolina: (Subitamente. Ele também gostava de olhar as estrelas. um fascista! Agora. vicente: Mas. preocupada e nervosa. Vão ferir você. Volta o apito do trem que se distancia. vicente: (Concentrado) Como vencer esse homem que me barra todos os caminhos! Estou começando a duvidar de mim mesmo. éramos as três Marias! (Sorriso doloroso) Sempre juntas em um céu limpo! Assim seria nossa vida! (Fica perdida. meu Deus? isolina: Eles não podem compreender. Parecia um poeta.seu desespero. Vicente (43 anos) se volta. Enquanto fala.! vicente: (15 anos. é denunciar o que está errado. nobre. acaricia os cabelos dele com grande ternura. Era inteligente. abraçada a Vicente. Tinha alma de poeta. Vicente. tia. envergonhada. tentando acalmá-lo. sentava-se no alpendre e tocava músicas para nós. sentia pena de todo mundo. ocultava a face iluminada. com os olhos marejados) vicente: (43 anos. é dizer a verdade... E nós. em todas as revistas. O SOM. e me comunicar. meu filho. é justamente o que me desespera. Vicente (15 anos saí. batendo com as mãos no batente da porta. Perdido em sua rememoração) Ninguém se compreende. Escrevi sobre um fato publicado nos jornais.. Não vão entender você nunca! (Vicente (15 anos) e Vicente (43 anos) caminham na mesma direção. "A humanidade é muito sofredora". (Calma. as filhas. Lembro-me de que ele dizia que mamãe era como a terra: generosa. Doa a quem doer.) isolina: Vicente! vicente: (75 anos.. Contava uma história linda sobre a luta da Terra com a Lua por causa do sol. Lavínia. eu era aristocrata. levanta-se) Não fique nesta casa. A lua perdia e.. isolina: (Preocupada) O que é que você espera. com qualquer coisa de profundamente triste. sou subversivo! Minha obrigação. Lavínia entra. Deve haver um meio! (Isolina senta-se. lavínia: Que incompreensão? vicente: No governo passado. E recolhia todo mundo em casa. Que querem mais? . DE UMA FLAUTA ACOMPANHA A CENA. Vivemos isolados! Ninguém se compreende.. tia! isolina: É difícil.) vicente: (43 anos) Maldita condição! Será possível que ninguém compreende! lavínia: Que foi. Vicente? vicente: (Exalta-se) Escapar deste mundo. de uma maneira ou de outra. Vicente? vicente: Não sei como vencer essa incompreensão... desaparecendo. Ao entardecer. Não se contém mais) Por que se encarniçam tanto contra mim. dizia. sensível. Subitamente. se comunica. DISTANTE. meu filho. caduco para mim. Era assim que nos explicava as fases da Lua. enquanto Isolina se afasta. .lavínia: Sempre o fracasso desta peça! Esqueça isto... então... não pode encontrar o caminho certo. Vicente.. nem se fala. querendo provar alguma coisa a um pai que não vê nunca! vicente: (Agressivo) Não é verdade! lavínia: Se tem o seu mundo. mas não nos vê. e eu estou num beco sem saída. como se eu e Martiniano não tivéssemos rosto... Contrataram uma pessoa para reescrevê-lo. vicente: Que é que você quer? Que deixe meu trabalho. Não permito que assinem o meu. para ir brincar? lavínia: Faria bem a você! vicente: (Áspero) Que quer dizer? lavínia: (Exalta-se) Que vive obcecado. amorosa) Vicente! vicente: Compreenda. a coerência! E sua família? Você mal conversa com seus filhos. depois de passar o dia inteiro no Ginásio.. Você se fecha. eu tenho o meu. Vicente! Se não vencer seus fantasmas. lavínia: Você podia ter feito o programa da televisão. Sem conhecer o porquê da sua confusão. Não assino trabalho de ninguém. Brincar. Lavínia. de estruturas abaladas. porque ela depende de mim. vicente: (Atônito) É assim que tem se sentido?! lavínia: (Magoada) E não é verdade? vicente: (Subitamente. Lavínia? Vivemos numa sociedade em crise. Preciso me comunicar.. vicente: Esquecer como? Ele explica tudo! lavínia: Explica também que vive socado naquele escritório.. e nos deixa de fora. e eu não aceitei.. sem ter saído dela? lavínia: Você está no caminho certo. lavínia: Que foi? (Vicente (5 anos) entra e faz jogo de cena como se estivesse olhando alguma coisa na . de uma maneira ou de outra! Mas. Vive perdido no mundo das suas personagens. Passa os olhos por nós. eles simplesmente cortam! Acha que podia aceitar uma coisa assim? lavínia: Sempre o seu trabalho!. Se o público não gosta de uma personagem. não terá paz. atemorizado) Será que a incompreensão tem sido minha? A verdade já estará solta nas ruas. Vicente! Ajudaria! vicente: O que eles queriam era demais! Inaceitável! (Indignado) Não podemos fazer tudo que o público quer.. esquecendo-se de que tem família? vicente: Explica isto também. Vicente. Lavínia. Sabe? Quem manda é o número de cartas que o programa recebe. neste vazio? (Abraça-se à Lavínia) O que está errado comigo. a honestidade artística!. lavínia: Devolveram seu trabalho? vicente: Não.... que também é seu.. nem a si mesmo. sinto que falta sentido em tudo! (Subitamente. meu bem! Estou com mais de quarenta anos e ainda lutando para me realizar.. Lavínia? Ajude-me! lavínia: (Preocupada) Volte a Jaborandi.... e eu não estou vendo? Acreditar em quê. e nem sabe comoção eles.. nas poucas horas que tenho. vicente: (Perdendo-se) Está certo. É disto que se esquece. atormentado e consigo mesmo) Será que estou no caminho errado. pelo amor de Deus... Faça isto! Por mim. valores negados... perguntando quem sou eu! (Subitamente. abraça Lavínia) Lavínia! lavínia: (Entrega-se. Eu vou. vicente: (Perdendo-se cada vez mais) Não posso passar a vida. soluções salvadoras que não levaram a nada! (Obsessivo) Qual o caminho certo? Onde achar resposta? No presente? No passado? Será que fiquei apenas em lamentações sobre a decadência. (Lavínia sai. Vaqueiro! Me deixa em sossego. passa a mão pelo peito. vamos passear em Jaborandi.) vicente: Em nossa casa. que amoítam. Vaqueiro surge ao fundo e olha. preocupada..(Vaqueiro sai) (Etelvina. refletidos. tentava imitar o que pensava ser o crescimento de uma planta. que refletia o que eu desejasse. perdido.! vaqueiro: O senhor não tem saído deste tronco de árvore! joão josé: Sabe o que o Vicente me disse uma vez? "Há outros caminhos. ao fundo) Sai daqui. Fiquei para sempre com a impressão de ter perdido alguma coisa. papai? Que momento foi esse que nos separou? Onde procurar mais? Em que canto de mim mesmo. (Vicente sai.. olha o garoto. compadre! joão josé: Nunca cacei tanto em minha vida! Dia e noite.. João José vai sendo iluminado. repetindo as frases . Só minha avó. cachorros e galinhas que passavam. É esta que vim buscar... preocupado.. jogando milho. compadre! Vá procurar seu filho duma vez.. são projetadas em toda a cena.. Um dia. minha avó levou quando foi para a cidade. Depois sai. outras matas onde um homem pode se perder!" Deve haver caças que a gente não pega nunca. sugerindo grades. Um espelho que era só meu. Se for meu pai. Às vezes. Era como se fosse uma bola de cristal onde eu pudesse ver tudo. para João José. vaqueiro: (Mais preocupado) Compadre! joão josé: . desloca o corpo seguindo-o movimento do pêndulo de um relógio.. Vaqueiro! Nesta caçada você não entra. Vicente adianta-se.parede. enquanto Vaqueiro se aproxima) vaqueiro: Vamos se embora. vaqueiro: P'ra que continuar nesta penação? joão josé: (Violento) Quem disse que estou penando? vaqueiro: Nem caçar a gente tem caçado. voltam os "slides" de cores sombrias do final do primeiro ato. no meio do terreiro! (O garoto sai correndo) lavínia: (Sorri) Começo a compreender as mulheres de suas peças.vi que ela levantava a saia e urinava onde estava.. até ficar parado. Ou ficava olhando e pensando: se tia Isolina passar é porque vou ganhar um caderno. elisaura: O filho que vou dar a você! Fique comigo! joão josé: (Dominado por um pensamento obsedante) Anda. galhos de árvores do pomar. havia um relógio em frente à janela da sala.. Vaqueiro! Não volte aqui enquanto eu não chamar. Alguma coisa o tortura profundamente.. Por um momento. imitando o crescimento de uma planta. na fazenda. para tirálo de lá como realmente foi? Há uma imagem que precisa ser destruída. em grande preocupação. sem saber o quê! (Sorri) Gostava de ver no vidro dele. Mas ele nunca aparecia no vidro. gente. ainda não desci. sentado com a cabeça entre as mãos. Jesuína. Mariana entra e.. Pouco a pouco. para que a verdadeira apareça... Como meu pai só se orientava pela posição do sol.) vicente: (43 anos) Que impiedade cometemos..! (Agitado. Isolina e Mariana entram e saem rapidamente. "Slides" com formas estranhas. joão josé: Sai daqui. Mexe com os braços. lavínia: Que aconteceu? vicente: . sentindo-se perto de acontecimentos penosos. passando as mãos no rosto suado.. observando. ELISAURA surge. João José se envolve no bloco e diz qualquer coisa a Marcelo. um frémito percorre o corpo de João José. Meu amor é tão grande. Quando Elisaura se aproxima. vicente: Escrevi p'ra ela: Assim como vou em seus sonhos. Eles andam.) marcelo: (Subitamente) Vicente! Venha.) vicente: (Agarra-se a Marcelo) Sabe que gosto da sua irmã Maria? Domingo. Se pretende ser poeta. observando João José. Vicente (23 anos). João José parece cercado. Enervado. evoluindo sempre em silêncio.. já meio bêbados. vicente: (Cambaleia) Como no inferno de Dante. na missa. Vicente (43 anos) entrei examinando atentamente um livro. vão se aproximando com expressão que é um misto de raiva. MARCELO e mais sete adolescentes. vicente: Vou amar Maria a vida inteira. A expressão evolui conforme a idade. Os movimentos que fazem parecem ter qualquer coisa de louco.. ela contou que sonhou comigo! marcelo: Então foi um pesadelo. João José! Ele não aguenta! etelvina: Não judie dele.? . Como que atraído.. vicente: Não posso ver aquelas caras. espreitando João José. O bloco. marcelo: Aí vem a sua paraguaia. carinho e súplica de compreensão. João José desaparece na mesma direção. Firme. Vicente (15 anos) surge ao fundo. de suspeito: é como João José os vê. rindo. a gente vira o rosto! (Elisaura vai se afastando até desaparecer. de desafio.fora da cena. O garoto. marcelo: Lá vem você com suas frases. Vamos entrar no Maringá. Vicente (23 anos) volta-se e sai. marcelo: (Ri) Na hora "agá". Vicente não gosta! jesuína: Não judie da criança! isolina: Não judie do menino. fantasiado de noiva.) mariana: Deixe o menino. entram fantasiados de noiva. vai saindo de cena. Trazem você em meus sonhos também! marcelo: Nunca ouvi piores. A putada está tudo pelada.. passa ao fundo e pára. João José! (As vozes vão se distanciando. com camisa colorida e lança-perfume na mão. desista de cara. atingindo o seu ponto mais exasperado em Vicente (15 anos). O garoto entra correndo e rindo. Logo depois. meu bem. entregando-lhe um pacote de dinheiro. rapaz! vicente: (Sem rumo) Que paraguaia.. sai correndo e desaparece. parando quando avista o pai. Os quatro VICENTES. A aparição de Elisaura é um pouco irreal. João José passa as mãos na cabeça como se quisesse afugentar uma lembrança. fazendo com que os véus se agitem no ar. Que as brisas em bailados risonhos. para e olha João José com expressão decidida. Por alguns momentos.. espreitando cada passo que a gente dá. que só eu posso conquistar. Preciso escrever.. vicente: Apenas mais coisas serão escritas..) marcelo: (Entrega o dinheiro a Jupira) Está bêbado como um gambá. de me comunicar. vicente: Não solucionamos a vida. Por enquanto.. Tanto sofrimento inútil! maria: É só escrever. angustiado. Nunca encontrei padres tão apresurados como nesta tierra. observando Vicente com desgôsto. Mas. não apaga nada. e não chegarei nunca a uma solução. maria: (Magoada) Mais do que eu.. es como um ciego que empieza a descobrir el mundo. chiquito mio. entra e pára. vá! (Jupira sai abraçada a Vicente e Marcelo.. Vicente (23 anos) e Maria entram enlaçados. sempre atrás das cortinas de filé.. Vão surgindo. Minha avó. obtusos.. alguém que você respeite e meus filhos admirem. Um mundo diferente deste que nos ..) maria: Nunca tive um baile de carnaval tão fúnebre. ser quem? vicente: Não sei. Os colonos. sobrepondo-se às figuras de Jupira e Vicente (15 anos). que assistir à agonia da minha gente. A recordação humilhante faz Vicente (43 anos) se contrair. de tudo! Deve haver um meio de escapar. maria: Estamos noivos e não casamos nunca. tenho necessidade de saber. apenas casando. Há outras coisas precisando de solução. maria: Mas. escapar desse dia a dia que não muda nunca. recordarão) maria: Eu quero acabar com elas.. vicente: (43 anos. sonhando com o Paraíso. Parece que não faço outra coisa. você não deixa. fantasiada de boneca. Maria! maria: Escrever? Escrever o quê? vicente: Há tanta coisa errada à nossa volta. o cinema. O largo. Sou eu que preciso ser. a igreja. porque quero p'ra você. de lutar. vendo a fazenda sair por entre os dedos. eu sei. Importantes também. emparedados. Gostaria de viajar.. Parece una questão de honor! Venha. jupira: És la primeira vez que levo una novia p'ra cama.. sem nenhuma saída.. não é? vicente: O problema não é este.. marcelo: Não quer mais uma? jupira: Yo tengo trinta anos de ventana. a vizinha. Contrai-se. vicente: (23 anos) Você acha que casamento funciona como apagador em quadro negro? maria: E por que não? É uma vida mais importante que começa. à medida que Vicente (43 anos) levanta o rosto. vicente: Não é tão fácil assim. um mundo que seja meu. maria: (Fechando-se) Solução do quê? vicente: Acho que. Cada coisa tem sua importância... de ser alguém. jupira: (Ri com prazer) Venga usted tambien. Maria. marcelo: Yo tambien estou ciego! Não vejo nadie..(Jupira.. maria: E é depois de dois anos que vem me dizer isto? vicente: (Cai em si) Só preciso de um prazo maior. De tanto viver perguntas sem respostas.. Maria. maria: Por que não? vicente: Tenho procurado resposta e não encontro. vou acabar andando à minha volta... Importantes. e não vi una ciudad como esta. Vamos abrir la cartilia. vicente: (23 anos) Carnaval me traz más recordações. É o que vejo escrito há dois anos. Vicente (43 anos) caminha para o fundo do palco. No entanto. O conhecimento da verdade. professor? vicente: É que o trabalho deles concentrou um poder econômico e político nas mãos de uma minoria. como sua tia? Vicente! Ou será agora. Luís Fernando. Três deles se adiantam em direção de Vicente. As expressões são positivas.. Seria infeliz e a faria infeliz também.. para gozar. Desaparece a cena. Eu espero. Que conclusão você tira desta fala? ALUNO 2: Bom. Maria. Para isto. no limite de uma descoberta. Maria. maria: E serei uma noiva eterna. professor! Penso que os cientistas foram usados para outros fins. Maria! Precisava ler todos os livros do mundo. Maria. saindo os "slides". um instrumento cego.. Onde paramos? ALUNO 1: Página seis. o trabalho intelectual se torna impossível. Fascinado. de grande determinação. Oppenheimer fala sobre Einstein. (Os dois se beijam. o que pode impedir o aparecimento de mentalidades independentes. Vicente?! vicente: (Desesperado. sugerindo uma posse. vicente: Não é questão de trabalhar. Diz Oppenheimer: "Recebi uns cinco ou seis telefonemas. como também trouxe uma terrível ameaça à sua existência intelectual. amo tudo. como que atraído por uma grande força. Ajude-me! maria: Já fui sua! Fiz tudo por você! Que mais posso fazer. Eu espero você. É .. preocupar-me com os problemas da minha gente. E eu não sou fazendeiro. Einstein me disse: se eu pudesse escolher outra vez. para que ficasse bem claro a importância desta fala. que não os da ciência.! Meu Deus! Por que não viver como todos? Por que não aceitar esse mundo como ele é? Não sei como me realizar.. Maria? maria: O que mais posso esperar? vicente: (Num grito) Tudo! maria: Tudo o quê.. que não só os levou a uma dependência material. Vicente. e vão se deitando. A partir daí. pôr filho no mundo. vicente: Paramos aí. preciso me realizar. hoje. que não tem mais sentido. ela quer dizer que podemos fazer com nossas próprias mãos as armas que podem destruir a personalidade fazendo de cada um. O que está errado comigo? (Consigo mesmo) Quem sou eu? Quem? maria: Vicente! Não fique assim. sadias e abertas... ALUNO 2: Como assim. Sinto-me acuado. Vicente? vicente: Só sei que não consigo viver aqui. maria: Trabalha-se em qualquer lugar. vicente: Você acha que será feliz assim? Casada com um homem que ainda não encontrou a verdade dele? Que não sabe o que é? maria: Que importância tem. ao menos. ou nunca. nossa leitura e análise da peça "O caso Oppenheimer". terei de morar na fazenda. comida na mesa e dinheiro no Banco? É o que espera de mim. Vicente? vicente: Se me casar agora. vicente: Sobretudo.rodeia. Será que viver p'ra você é só casar. são alegres. abraça Maria) Não sei.) vicente: (Subitamente) Continuamos.! (Diversos "slides" de ginásio nos são projetados nas paredes.) vicente: (43 anos) Quem? Eu tinha necessidade de saber. iria ser funileiro ou vendedor ambulante. de um modesto quinhão de independência". Aquela personagem não foi daquele jeito.) padre: Que foi que você disse? ALUNO l: (Expressão maliciosa. professor? padre: Não.. ele está entre os melhores. vítimas da crise de 29! ALUNO 3: São questões econômicas e não religiosas! ALUNO l: Problemas sociais! ALUNO 2: E que me importa se o avô dele foi assim? padre: (Grita. padre: Quem disse que um cientista não precisa de Deus? ALUNO 2: O professor Vicente. É baseada no avô dele.. Mas. está certo! Certo para uma pessoa como o professor de teatro.! Que foi? ALUNO l: O senhor não soube? vicente: O quê? ALUNO 3: O que se passou na aula de religião? vicente: Não. É um dramaturgo! padre: E o que significa um dramaturgo nesta terra? Nada! ALUNO 2: Mas. provocante) Que sou ateu.. ALUNO l: . enquanto entra o PADRE. encenada na cidade. padre: Você não sabe o que diz. ALUNO l: Se um cientista não precisa de Deus.. Como não presta também a peça do professor Vicente. senhor. E o senhor. Um professor não manda o aluno calar a boca: argumenta! . que todo mundo sabe não passar de um comunista notório. não. a queda de famílias do café. ALUNO 2: ... (OS ALUNOS FALAM AO MESMO TEMPO) ALUNO 2: Então. saem à rua... padre: Sempre o professor Vicente! O que mais ele afirmou? ALUNO 2: Precisa mais. e todo mundo sabe que não passou de um freqüentador do meretrício. assanhadas.. ALUNO l: (Agressivo) Não presta por quê? Eu gostei muito! padre: Porque é uma mentira. o senhor não entende de teatro! ALUNO l: A personagem não é o avô dele! ALUNO 3: Simboliza a mentalidade de antes de trinta. (Vicente se afasta. ALUNO l: Ele nunca foi fazendeiro.quando as feiticeiras. (Os ALUNOS ENTREOLHAM-SE) Falamos delas do começo. como padre? ALUNO l: Que vem aqui fazer uma delação? ALUNO 3: Está entre os piores! ALUNO 2: Não se usa mais padres como o senhor! ALUNO l: O senhor veio ensinar religião.. tentando dominar a balbúrdia) Esse autor nunca passou de um fazendeiro fracassado que acabou vendendo a fazenda. eu também não preciso. padre: Isto não é teatro! Esta peça não presta. não falar mal dos outros! padre: Saiam da classe! ALUNO 3: Isto é falta de ética profissional! padre: Calem a boca! ALUNO 2: Calem a boca. Pior ainda: subversivo! ALUNO 3: É Oppenheimer quem é acusado de comunista. não o professor de teatro. Cientista é ateu. e perdi. para exemplificar as raízes do processo de Oppenheimer. A recordação dolorosa desfigura seu rosto. na mesma posição em que estava. quando se deseja a verdade. Volta o apito do trem que se distancia e se confunde ao som da flauta. e não se lembrar de Deus para matar setenta mil pessoas com uma bomba! Não foi isto? ALUNO l: Foi. joão josé: Não diga isto. João José. porque a caça deixa rasto! Você pensa que ainda esta no tempo antigo. O mal. João José? Usou a fazenda p'ra quê? Só olhou naquele relógio antes de sair pra caçar.. vicente: (43 anos.. Subitamente. E você não percebeu. cansada e suada. João José aparece sentado. numa agitação crescente. joão josé: Um filho que só serviu para me atormentar. ninguém falou que cientista não precisa de Deus. Vicente passa de um para outro.. mariana: Não adiantaria nada. em estantes. Sim senhor.. Não neste momento! mariana: Lutei a vida inteira contra um fantasma. entra debaixo da cama e fica admirando os livros. e nem é o da peça. sai enfurecido) vicente: (Procurando se dominar) Em primeiro lugar.. aparece mexendo um tacho. Vicente (15 anos) e Vicente (23 anos) entram lendo atentamente. ficando entre os livros. e na sua. olham quem passa na rua. consumiu-se tudo. professor?! vicente: Nada. cruzam o palco e vão se sentar em lados opostos. Coitado do meu filho! É ainda uma criança. e demostra intolerância e falta de cultura. seguido por Vicente (43 anos). Recua. um menino perdido no mundo da lua. amontoados. debruçadas a janela.) .. mariana: Basta eu fechar os olhos. sicrano é fascista! Isto é rotular. e esta incompreensão odienta vai acabar com o pouco que restou. ficando absortos na leitura. Na minha luta contra aquela flauta. Jesuína e Isolina. rápido.. que tudo mudou.. meu filho. Isto é problema deles.. Chuva é boa... (Contrai-se) Trinta mil alqueires... Lembrei-me de uma estória antiga. que vai empilhando. aproxima-se da cama. mamãe. apenas. Subitamente. meu Deus! (Subitamente) Minhas filhas! Onde estão minhas filhas.? (Etelvina..padre: (Subitamente. Comentamos.. levanta-se e vai recuando. de que o fim das nossas aspirações deve ser o conhecimento da verdade.. correndo num mundo sem porteiras. Desde que o trem chegou aqui. está em você também. perdido em si mesmo. joão josé: Se ele tivesse me ajudado. contra a inclinação de seu filho. Ela está recostada em travesseiros. até se encostar à parede. O que foi que fez na vida. em livrarias. agitado. ALUNO 2: Que foi... penalizado) Papai! Agora eu compreendo! mariana: (Vendo Vicente (23 anos) se aproximar) E o meu neto. enquanto "slides" coloridos de livros fechado. e provar a exatidão das palavras de Einstein.. Ilumina-se o quarto de Mariana.. a ironia de se mandar um homem jurar em nome de Deus. de incompreensão! (Os alunos saem e Vicente caminha. (Perdendo-se) O mais extraordinário é que tudo tem certamente um sentido. vicente: Não podia ter acontecido incidente mais feliz. Vicente se volta: o garoto surge correndo e. mariana: Esta foi minha sina: passar a vida no meio de homens fracos... que também falava de intolerância. cobrem as paredes da cena. abertos. fulano é comunista. que Bernardino. Nem estas puderam comigo. filho! (Desaparece) vicente: (43 anos) Nós nos procuramos tanto. Os sons de latidos. João José vai se preparando para uma caçada. maliciosa como o demónio! Corre rasto atrás. É sobre o quê? vicente: Sobre a solidão de um menino que procura um caminho. joão josé: Gruta? vicente: Onde guardo minhas coisas. buzina. confunde suas pegadas. A velhacaria dele já tinha enchido um borrador. vicente: Que é isto? joão josé: Lugar onde as caças amoitam. Vicente (23 anos) volta à posição em que estava. Jacques Thibault! joão josé: E por isso sente solidão? vicente: Sente-se perdido. que continua absorto na leitura. Como se fosse um segredo. que não nos lembramos de procurar. sem saber o rumo que ela tomou..) joão josé: Ah!. cinturão de balas. E muitas vezes. acabaria ganhando a parada. perdidos no mesmo mundo! (Subitamente) Papai! Estou pronto! Pode ser odioso.mariana: (Agita-se. mas deve voltar com ela bem firme nas mãos.. que fica escondida bem perto da gente. até que o caçador fica completamente perdido.. Agora.. meu filho? Vicente! (Olha a' cama) Vicente! Quer que eu arranque você daí? P'ra que se esconder.. Põe perneiras. Cada um levanta a caça que quer. quando o cabrito já está na garupa. porque eu também fui.. vão aumentando pouco a pouco.. angustiada) Eu sempre achei. (Saindo) Não acho minha perneira. Tem caça. O sorriso torna seu rosto sereno. joão josé: (sorri) Amoitado pior do que catingueiro! vicente: É a minha gruta. papai.) joão josé: O que é isto? vicente: (15 anos) Um livro! joão josé: Até aí eu sei. eu estou! (Os "slides" dos livros desaparecem. Vai achando suas coisas nos lugares onde estão os Vicentes. até formar um verdadeiro duelo com João José e Vicente. Isto não acontece a um verdadeiro . João José entra procurando Vicente em diversos lugares. um lugar no mundo. de buzina. e estávamos tão perto. nas profundezas do inferno! (A cama de Mariana desaparece. filho! Só dou baixa nos livros. O som da flauta vai se acentuando cada vez mais.. João José surge ao fundo. na escrita.. (Retesada) Maldita flauta! Ninho de cigarras daninhas! Me fez quatro filhos. joão josé: Também podemos chamar de amoitador. muda de direção diversas vezes. Por pior que fosse o mato. meu filho? vicente: (5 anos) Não estava escondido. em lugares tão evidentes.. João José pega a perneira e observa Vicente. papai. papai.) joão josé: Vicente! Onde está você. é tão esperta. Casa sem mulher é um inferno! (João José se aproxima de Vicente (15 anos). não é? Não falo p'ra você? Nunca me perdi. chapéu etc. e jogou na pobreza! (Odienta) Quero encontrar Bernardino. infantil. porque eu trago tudo ali. Durante toda a cena. joão josé: (Satisfeito com a oportunidade) Ah! Não sabe se orientar.. filho.. . Lá fora está um dia bonito e você socado debaixo da cama! vicente: Gosto é dos meus livros. joão josé: Esse caminho não foi aberto.. Pelo menos não escondo o que o senhor pensa. joão josé: Seus primos estão aí. Acho que não.. o senhor entende outra! joão josé: Por que vive pensando o que não deve. estojos. joão josé: (Puxa Vicente) Eu é que sei do que você deve gostar. joão josé: Você é um homem. joão josé: Quero saber quem é você! vicente: Também estou querendo saber quem sou! joão josé: O que quer da vida! vicente: Também não sei. vicente: (Irrita-se) O senhor não compreende..) joão josé: Que é que você amoita aí? vicente: (5 anos) Quer ver? (O garoto entra rápido debaixo da cama e joga para fora. joão josé: Vá brincar! Saia deste quarto! vicente: Não quero. vicente: Também sei. nem cresceu a mata que me faça perder. não se sentia assim. É preciso caçar. vicente: Falei em sentido figurado. (Irritado. meu filho? vicente: Pensando em quê? joão josé: Vaqueiro me contou o que anda dizendo a ele. Ainda não encontrei caça que me desorientasse.. joão josé: É o companheiro que você não quer ser. papai. João José entra onde está Vicente (5 anos.. livros. papai? joão josé: (Preocupado) Por que não se abre comigo. joão josé: . em vez de ficar grudado em livro! vicente: . vicente: Ele não passa.. joão josé: Tem hora p'ra tudo. vicente: Não posso ver esse coitado. filho? vicente: Não escondo nada.. mesmo. . joão josé: Você não sabe quem é?! vicente: Não. pastas. Peguei p'ra mim. etc. andar a cavalo. eu digo uma coisa.) vicente: é a minha escrivaninha. correndo. vicente: Não quero ver ninguém. papai. Tem gente que não sabe o que é. de um cão de caça. Passou a vida farejando. joão josé: Vá ver seus primos! Ande! Não quero encontrar mais você aqui. cercando caça a pé. vicente: (Sorri superior) O senhor vê tudo em termos de caçada! (Consigo mesmo e com mágoa) Há caças que não pegamos nunca! Há outros caminhos e matas onde um homem pode se perder. joão josé: Que livros são estes? vicente: Não sei. vicente: (Retesa-se) Do quê. É o meu filho! vicente: Não se trata disto! joão josé: Se aceitasse meus conselhos.caçador.. cadernos.. joão josé: Devia sentir vergonha de outras coisas. sem sentir vergonha do que fizeram dele. papai. joão josé: E eu. papai. vicente: Borradores! Os eternos intocáveis! joão josé: Gosto deles assim. Não me admira.. vicente: G ranto que não farei tantas. A outra não sai nunca. pendente da garupa suada do nosso ódio. joão josé: O que quer dizer? vicente: Sem dinheiro e máquinas nada é possível. amargurado. Amoitadas dentro de nós. mostra bem o que o senhor foi. dos gestos e dos silêncios. com os pés na terra. faça as besteiras que quiser. joão josé: Já vi que espécie de fazendeiro vai ser. firme em seu propósito de não mudar) . Tire essa porcariada daqui.. vicente: (Sorri. nada mais. joão josé: Como? Lendo romances no terraço da fazenda? vicente: Uma coisa não impede a outra. joão josé: Comprar máquinas. E então. nós chegamos lá. já de olhos vidrados. nascimento de cachorros e etc. joão josé: Deixa acabar! Deixar terra p'ra quem? Fazenda exige gente disposta. se um dia cometerem uma loucura! joão josé: É o que eu posso pagar vicente: Nem por isto deixa de ser uma miséria. papai! Não temos pressa. joão josé: A escrivaninha é minha. O que resta desta fazenda. joão josé: (Confuso) De que é que está falando?! vicente: De caças amoitadas. Lugar dos meus borradores. quando não nos restar senão a noite. como? vicente: Existem Bancos que financiam a compra de tratores. amoitador. até que suas presas morram de incompreensão e solidão! joão josé: Com você não adianta conversar. era preciso ter o pensamento no mundo dos bichos? joão josé: (Explode) No mundo dos homens. Mas.. voltaremos com ela.. mesmo.(João José se aproxima de Vicente (23 anos). seu burro! vicente: Nós vamos devagar.. Se é que vai! vicente: Cada um faz o que tem capacidade. mas cercam e isolam. joão josé: Pondo asnices na cabeça dos empregados? vicente: Eles ganham uma miséria mesmo.. ao ver que o pai descreveu o que ele próprio não é) joão josé: Você vive com o pensamento no mundo da lua! vicente: P'ra dar certo. É amoitador! vicente: (Olha para a cama.. joão josé: Por que não faz? Você não é o administrador? vicente: Só para constar. Caças ferozes que não atacam. papai. joão josé: Nunca dê um passo maior do que as pernas.) vicente: (23 anos) Não mexa em meus livros. vicente: Escrita de caças abatidas. nas moitas dos olhares. (Chegando diante da cama) Onde estão os livros? vicente: (5 anos) Já guardei na minha gruta. Vou fazer a escrita.. Usando um palavreado seu: nós vamos desamoitar esta caça. soltaremos toda a cachorrada. vicente: Por isto mesmo não chegamos a lugar algum. joão josé: (Corrige) Amoitador! vicente: Prefiro gruta mesmo. e no entardecer. joão josé: Quando chegar a sua vez de dono. Não entendo você. joão josé: Só espero que tenha um filho igual a você mesmo. cace o senhor. costurando com sua avó! (Sai) vicente: (Ferido) Eu sabia que o senhor ia chegar aí! joão josé: (Aproximando-se do garoto) Tire tudo daí! vicente: (5 anos) Tia Isolina me deu. Vicente (23 anos) vira-se.. papai? joão josé: Fique em casa. Daqueles que têm alguma coisa na cabeça. Já estão falando de você! vicente: Deixe falar. quando não se planta nada. subitamente. vicente: Isto depende de conceito de fraqueza. joão josé: Interessa a mim. assustado. Já ouvi isto.) joão josé: É de se ficar louco! Em cada lugar que entro. Vi isto a vida inteira! vicente: (23 anos) E ainda não desistiu de implicar? joão josé: Você vem à fazenda só pra ler? vicente: E o senhor? Só p'ra caçar? E viva a minguante! joão josé: Língua afiada você sempre teve. não. Sobre isto você saberá responder. joão josé: Vamos caçar! Anda! vicente: Não quero. Decadência! Compreende. joão josé: E vou dizer quantas vezes for preciso. quando João José entra onde ele está. joão josé: Língua afiada você tem. joão josé: Estou cansado de brigar por sua causa! vicente: Não brigue! joão josé: (Descontrolado) Hoje.joão josé: (Entrando onde está Vicente (15 anos) Não viu minha cartucheira? vicente: (75 anos) Não. papai.. já disse! (Sai) (O garoto. Vicente! Todos os parentes caçam. vicente: Que tenho com eles? joão josé: Eu tenho! vicente: Então. Própria das mulheres! vicente: E dos homens também. Lua quebrada é minguante. joão josé: Como?! vicente: Os livros são meus! joão josé: (Grita) Tire tudo. joão josé: Você precisa caçar. o que podem pensar de você? vicente: A opinião deles não me interessa. vicente: Saberei mesmo. É assim que temos vivido. joão josé: Porque é um fraco também. vou torcer pela caça. vicente: Própria das mulheres.. joão josé: Não vê.. . encontro você grudado numa porcaria de livro. Mas. seu burro. Sou pelos mais fracos. atira-se debaixo da cama. e que faça perguntas sobre a lua. nem que seja de arrasto! vicente: Eu vou. Minguante é também decadência. joão josé: Sua tia é uma solteirona que não sabe nada. joão josé: Será que você não tem outra coisa p'ra fazer? vicente: Não. vicente: Não tiro. pondo-se de pé. você vai. joão josé: Vá agarrar em orelha de boi! Você passa o dia inteiro pendurado em orelha de livro! vicente: São as orelhas de que eu gosto. Até você aprender! vicente: E assim. vicente: (15 anos) Sou pelos mais fracos. joão josé: Já sei do que você gosta! (Os VIGENTES fazem movimentos circulares no palco. prevendo o que vai acontecer) joão josé: (Violento) Nem parece filho meu! vicente: (23 anos) Nem você. vicente: (5 anos) Quando eu aprender a ler. joão josé: (Saindo) Isto é profissão de mulher. ajuntando os pedaços do livro. vicente: (43 anos. vicente: (5 anos) Posso pôr na escrivaninha. parece meu pai! joão josé: (Ao de 15 anos) O que é que está fazendo?! vicente: (15 anos) Corra! Salve-se! joão josé: Você está louco?! vicente: (23 anos) Fuja dos cachorros! joão josé: Não me envergonhe diante dos companheiros! vicente: (15 anos) Seja livre! Corra! joão josé: (Fora de si) Não faça isto! vicente: (5 anos) Eu chamo de amoitador.) vicente: (23 anos) Com o senhor não adianta conversar. chegaremos diante da sepultura! joão josé: (Saindo) Chegaremos! vicente: (15 anos) Não há lugar para meus livros nesta casa. joão josé: Ferir? Seria até uma covardia. papai? joão josé: Está cheia de chumbo. terminou minha primeira caçada! (Todos se afastam. Vicente (5 anos) e Vicente (15 anos) desaparecem.) . o senhor não deixou.vicente: O senhor não consegue mais me aferir. acuado. papai! (Agarra-se às pernas de João José) joão josé: (Rasga o livro) Você matou o cachorro! vicente: (43 anos) Assim. soluçando. MARIA SURGE NO FUNDO DO PALCO. papai? joão josé: (Ao de 23 anos) Por mais que olhe em você não vejo nada meu. já disse. vicente: (23 anos) Salvei a caça! vicente: (5 anos) Deixe-me com meus livros. Etelvina e Isolina entram correndo e seguram Vicente (23 anos) e João José. (Sai) vicente: (23 anos) Não sei como não falou ainda em minhas prendas domésticas! joão josé: O que pretende ser na vida? vicente: (23 anos) Nada! Continuo em minguante! joão josé: (Saindo) Estou bem arranjado. joão josé: (Saindo) A casa é minha. vicente: (15 anos) O senhor não entende! vicente: (5 anos) O senhor me devolve. vicente: O senhor começou quando eu tinha apenas cinco anos. sofrendo pelo cachorro morto. enquanto o garoto. joão josé: E vou continuar. se ajoelha. João José parece cercado. vicente: (15 anos) Eu quis estudar sociologia. João José também se ajoelha. o senhor me dá os livros? joão josé: (Saindo) Por que não estudou agronomia? vicente: (23 anos) Porque não gosto. Corre. Vicente. Nunca voltei sem minhas caças. Vicente.. É uma maneira de destruir o que sou. quando compreendi que havia outros bens que podiam ser conquistados. ele me atormenta.. não vai conseguir. joão josé: Você não foi tormento menor.. João José! vicente: Vencido é o senhor que só caçou na vida. ninguém fez melhor do que eu. é isto que você quer: não ter responsabilidade nunca. Que fazendeiro o senhor foi? Fazendeiro de um mundo sem divisas! etelvina: Não briguem.. Se não fosse assim não desmanchava seu noivado. meu filho? Tenho pena de você. isolina: Não diga isto. enquanto João José e Vicente se aproximam. fugir para um mundo impossível. E compreendendo. Decente! Mas. joão josé: Porque sempre foi molengão. sem nenhuma defesa? maria: (Vai se afastando) Eu espero. namorando a lua! vicente: Para aceitar o que nos rodeia. por não pensar como o senhor. Casava e ia ser homem responsável. Mas. O senhor me abandonou a vida inteira só porque não era caçador.. joão josé: Sabe de uma coisa. São como cães ao sentir o cheiro da caça longamente rastejada.. não! Ele quer é passar a vida sem fazer nada.! joão josé: Quero que seja homem com profissão de gente. vicente: Vou embora. E você? Que é que fez na vida? Quem é você? O que quer? Nada! Nem caçar! .. por não ter sido o que esperava que eu fosse. uma cópia sua! Agora quer que eu carregue sua terra como o único bem que a vida pode dar? Pois saiba que ha muitos! Tudo aqui passou a ser insuportável. Pelo menos esse será meu. tia. só serviriam para me prender à minha angústia. senão brigar! joão josé: É lá na fazenda que é lugar dele. etelvina: João José! Por favor. cheio de filhos.. etelvina: Meu Deus! Socorra-nos! (Impotentes diante do pior que se anuncia. A terra e a vida que o senhor quer me impingir. Etelvina e Isolina se afastam.) joão josé: É verdade. Vai ser mocinho de esquina a vida inteira. Nada mais me prende aqui. etelvina: João José! Em nome de mamãe. Mas. fui levado a uma exasperação que o senhor nunca pode entender. vicente: (23 anos) Que só o senhor não entende. prefiro mesmo ser lunático.etelvina: Por que esta raiva entre vocês? Há dez anos que não fazem outra coisa. joão josé: Vá! Vá ser esquisito pela vida a fora. como um traidor. meu filho? Você não passa de um vencido.. pelo amor de Deus! vicente: Desde pequeno. Mas. vicente: O senhor tem feito tudo para que eu me sinta culpado. e não me deixariam jamais sair dela! joão josé: Sabe de uma coisa.. Só cuidando de coisas que ninguém entende. como que atraídos pelo mesmo perigo. vicente: É isto que o senhor quer? maria: (Sumindo) Eu espero! Eu espero. vicente: Senti-me a vida inteira como se estivesse preso debaixo de uma cama. Não fiz outra coisa. Sente-se que eles precisam ir até o fim. Nesta idade e ainda não sabe o que vai fazer da vida. vicente: (Solta-se de Isolina) Casar e ficar em suas mãos.. Etelvina.. Quer que eu carregue essa culpa por toda a vida. . Vicente (43 anos). nem mesmo com a de um animal. volte como um homem! Estarei à sua espera.... olhando fixamente para frente.) joão josé: Levante-se! Defenda-se! Seja homem! (Agarra Vicente) Venha sentir o peso dos braços de um homem! Faça sentir os seus também! Não me torne um covarde! (Sacode Vicente) Ataque como um homem! Se quer ferir um homem. Vaqueiro surge ao fundo e.. vicente: Foi lá. dá uma bofetada em Vicente jogando-o ao chão. eu poderei lhe bater como um homem.. Percebemos. terrível. parece ainda mais imponente.) vaqueiro: (Temeroso e condoído) Chamou. Olha à sua volta. vicente: Eu vou vencer. Sozinhos vivemos. possesso. mas não como um filho. compadre. Que vence apesar de ser seu filho. nossa pior cachorra. e sai. estou em seus braços. Nem seu nome! (Vicente se volta. está ouvindo? Eu vou vencer. Aí. que ela caiu! Foi a sua indiferença. se aproxima. presa de grande remorso. Nunca os senti em meus ombros.. foi seu nome que ela gritou na agonia! joão josé: Agonia que você trouxe. João José. era como se fosse caçar o mais bonito.. Mas. p'ra ela e p'ra mim! vicente: Foi você quem me desejou! joão josé: Não como você veio. soberano. que seus olhos estão cheios de lágrimas.! (João José. fira como homem! (Sem defesa. Cada dia que amanhecia. papai! Olhe! Estou com eles vidrados! joão josé: (Vira o rosto incomodado) vicente: (Com determinação vital) Eu vou vencer. um toque antigo! vaqueiro: Ouvi sua voz.. enquanto eu colecionava presentes p'ra você. Alguém que não tem nada seu. porém.. ser homem é se divertir enquanto a mulher morre? joão josé: Tivemos a mesma culpa. Era o que eu podia dar de melhor a um filho. . Vicente olha João José com expressão morta.. vicente: Mas. observando João José.. vá e volte logo! Mas.. Isto é que é ser homem? joão josé: É! É isto mesmo! vicente: E foi por isto que me humilhou a vida inteira? Então. Subitamente envelhecido. e vim como você quis: sozinho.. com resolução. senta-se na cama. Volto aqui para ajustarmos cortas.. Ele anda paru o meio do palco como se fosse um magnífico cervo. não a um filho como você. abate-se no chão. preocupado... nem como você é! vicente: Sou como me fez. Está ouvindo? Não quero nada seu.. inteiramente ataviado para a caçada.vicente: Não sei me divertir com a morte. nem suas mãos em minha cabeça. vaqueiro: Por que está gritando assim? joão josé: (Evocativo) Estava ouvindo.) vicente: Pela primeira vez. Olhe bem em meus olhos. voltando a si) Não. Eu pela ausência e você pela presença. Sabe como? Provando a você que sou alguém. compadre? joão josé: (Disfarça. na Santa Casa. joão josé: Então. e sozinha ela morreu! joão josé: Ela morreu. A gente ser atrasado. joão josé: Tinha até uma fotografia. Não sabe das coisas. é uma infelicidade..joão josé: É o telegrama. vaqueiro: Louvado seja Deus! joão josé: Meu filho ficou famoso. Não podia ver ninguém sofrer! joão josé: Ele saberia responder por que. não é.. compadre? joão josé: Isolina telegrafou chamando. compadre! joão josé: Pois não é. Vaqueiro?! vaqueiro: Pensei que escritor fosse artista. Manso como um cordeiro.) etelvina: Vicente! . era o mesmo que ver padrinho Bernadino. Diz até que meu pai tocava flauta! É verdade. Vicente não é artista. sendo daquele jeito. joão josé: Vaqueiro! Você sabe por que a lua fica quebrada? vaqueiro: (Pausa longa. compadre? joão josé: Eu?! vaqueiro: Como um louco. compadre! Eu sei. compadre. Está certo. você não sabe nada! vaqueiro: Desculpe. compadre! (Vaqueiro sai. joão josé: Mas. compadre? joão josé: Não se lembra da notícia do jornal? Sobre aquela viagem no estrangeiro? (Grita) Era até convidado do governo. compadre. Etelvina. compadre! joão josé: (Irritado) Também. Há grande alegria em suas vozes. Vaqueiro examina a lua sem achar uma resposta) Está aí uma coisa que nunca tive ciência. (Violento) E não venha me falar em gente de circo! vaqueiro: É diferente? joão josé: Claro que é! Ninguém precisa pintar a cara p'ra escrever! vaqueiro: (Pausa) Nós vamos se embora. João José arruma-se como se acabasse de tomar uma resolução. recebendo não sei que prêmio! vaqueiro: Na fotografia. Uma verdadeira carta! (Pausa) Eu achava que ele ia sofrer. Vaqueiro! Não se lembra? vaqueiro: Calma. compadre. Jesuína e Isolina entram correndo no palco. não! É escritor! Não sabe o que é escritor. joão josé: (Pausa) Cada um tem uma inclinação. Vaqueiro? vaqueiro: É! Toda tardinha! joão josé: Então! E era um dos antigos! Meu filho também podia gostar do que quisesse.. Eu queria ajudar! vaqueiro: É por isto que anda falando sozinho. compadre? Vi muitos no circo.. procurando Vicente em todos os cantos. compadre! Desde que viu a fotografia no jornal! joão josé: Não falo sozinho coisa nenhuma! vaqueiro: Está certo. Quando João José se arruma.! Em que lua estamos? vaqueiro: Quarto crescente. vaqueiro: Padrinho Bernardino foi um homem muito bom. Vaqueiro! vaqueiro: Verdade. Vicente voltou p'ra casa. Seu pai era muito alegre! (Repara em João José) Que foi? joão josé: (Sorri) Era cada roda de carro! vaqueiro: O quê? joão josé: Os discos de Vicente! Uma mulherada que só sabia gritar! Nunca vi ninguém gostar tanto de um livro! Passava o dia inteiro pendurado na orelha deles! vaqueiro: Diz que essa gente de teatro é também muito alegre. . Eu. homem! (Vaqueiro. Era o que desejava p'ra você. joão josé: Vaqueiro! Vaqueiro! Traga tudo p'ra cá! O laço é de couro de anta. em que os dois se examinam. segurando um laço e uma magnífica cabeça de cervo.. vestidas de luto fechado. filho! Eu mesmo fiz! Couros e a mais bela coleção de cabeças de cervo que já se viu! Uma lembrança. senhor Pacheco? Aparências! isolina: A humanidade é muito sofredora. como que atraído. e a vaidade e a beleza... Estáticas.. Tinha que ir ao fundo! isolina: Disseram que nem Deus afundaria o Titanic! pacheco: Soberbia! jesuína: Presunções! pacheco: Destinos funestos! jesuína: Riqueza só traz infelicidade..isolina: Vicente! jesuína: Vicente! etelvina: João José chegou! isolina: Seu pai está aqui! jesuína: Vicente! etelvina: Venha ver seu pai! isolina: Corra. uma imensa solidão estampa-se no rosto de Vicente e de João José. eu compreendo. filho.! vicente: O que o senhor quis dizer com "já na hora do pega"? joão josé: Eu vim p'ra morrer. eu não podia compreender.. Eu. Com esforço) Eu não sabia. pesavam mais do que ele.) joão josé: Agora. Quer? vicente: (Com os olhos marejados) Quero. Um amor profundo brota do fundo de seu ser e estampa-se em seu rosto. meu filho! (Penalizado. E o senhor? joão josé: Já na hora de pega.. com sorriso luminoso. dizia papai! . Os dois se olham intensamente. meu filho. eu posso! (Grita. Agora. entra com diversos couros nos ombros. elas parecem suspensas no espaço. castigo de Deus! Que vale a beleza. lentamente.. Vicente vai se aproximando. sim.) isolina: (Voz descolorida) Não se salvou ninguém! pacheco: Ninguém! Ira divina! jesuína: Por quê? pacheco: As jóias. Vicente! (Vicente levanta-se e vira-se para João José. Pacheco entra e segura o novelo de Jesuína.. continuam distantes na sua incomunicabilidade. acho que o último! Nunca sofri caçando. não é. a riqueza e o orgulho que haviam dentro do navio. enquanto vão aparecendo as três irmãs. disfarçando a emoção) Vaqueiro! Anda.! Eu queria. (Pausa... Apesar de tão próximos. como figuras de um quadro onde os contornos não estão bem definidos.) joão josé: Como vai o grande homem? vicente: Bem.. Desaparece a cena.. Pouco a pouco. (Sorriso doloroso) Eu só fui caçador.! Trouxe uns presentes pra você. João José olha Vicente com expressão de orgulho profundo. Satisfeito. desaparecendo. Apaga-se. olha as tias. OUVIMOS O SOM DA FLAUTA QUE SE ELEVA. Quando Vicente pára.pacheco: E nasce com escrita já feita! (As vozes se transformam em murmúrio. Vicente (43 anos). lentamente. Pouco a pouco o som do apito do trem se confunde ao de uma flauta. FIM . Uma luz. Vicente se volta. Vicente (5 anos) passa em primeiro plano. fria. carregando a mala. em tons amarelados. também de luto. Com expressão de libertação. Para. Voltam por um momento os "slides" coloridos das luas. anda com resolução. a imagem das irmãs. como se relutasse partir. faz do quadro das tias. olhando o garoto) Um rio de flores e de luas! O garoto sai. volta o apito do trem que se distancia. admirando a lua. surge em primeiro plano. sorri. como se fosse uma fotografia antiga.) vicente: (43 anos.
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