Análise de Metaboloma

March 30, 2018 | Author: Jonata Freschi | Category: Metabolomics, Enzyme, Messenger Rna, Genetics, Metabolism


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58 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006Genômica Funcional Mecanismos Biológicos Genoma Análise do METABOLOMA Introdução Durante as décadas de 80 e 90, foi investido muito tempo e es- forço no sequenciamento do código genético de diversos organismos, com o intuito de se elucidar comple- tamente o mecanismo de funciona- mento celular em nível molecular. No entanto, após todo este esforço, ficou evidente que o conhecimento das sequências de todos os genes de um organismo não é suficiente para se entender todos os mecanismos moleculares de uma célula. Por esta razão, na era pós-genômica, ou era pós-sequenciamento, os cientístas estão recorrendo (novamente) à bi- oquímica clássica para buscar ferra- mentas que auxiliem na elucidação da função dos milhares de genes que foram sequenciados, mas que per- manecem com função desconheci- da. Como consequência, surgiu uma nova área nas ciências biológi- cas, conhecida como Genômica Fun- cional (Figura 1), que tem como objetivo primordial determinar fun- ção par a os di ver sos genes sequenciados. Basicamente, a fun- ção de um gene é determinada quan- do são identificados os seus respec- tivos produtos gênicos, ou seja, RNAm, proteína e metabólitos. Se- melhante à nomenclatura utilizada para a palavra genoma, que designa o conjunto de todos os genes de um organismo, os conjuntos dos respec- tivos produtos gênicos também re- ceberam a terminação (ou sufixo) “oma” (Villas-Bôas et al., 2005a). Assim, o conjunto de todos os RNAm transcritos por um organismo passou a ser chamado de transcriptoma e o conjunto de todas as proteínas de proteoma. O metaboloma, o mais recente dos “omas”, é usado para se referir ao conjunto de todos os metabólitos que são produzidos e/ ou modificados por um organismo. A análise dos produtos gênicos em sistemas vivos requer o uso de técnicas analíticas bastante sofistica- das, que gerem dados suficientes para serem combinados às informa- ções j á obt i das com o sequenciamento dos genomas. Mé- todos rápidos e práticos foram de- senvolvidos, os quais são capazes de Pesquisa Silas Granato Villas-Bôas PhD em Biotecnologia, Pesquisador, AgResearch Limited, Grasslands Research Centre Nova Zelândia [email protected] Andreas K. Gombert Doutor em Engenharia Química Professor Doutor Escola Politécnica USP - São Paulo [email protected] Imagens cedidas pelos autores Uma ferramenta biotecnológica emergente na era pós-genômica Figura 1- Genômica Funcional Genômica funcional promete preencher rapidamente o “espaço” entre seqüência e função gênica, aumentando o conhecimento sobre os mecanismos de funcionamento dos sistemas biológicos Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 59 (virtualmente) determinar os níveis de todos os genes transcritos (transcriptoma) e de todas as prote- ínas traduzidas (proteoma) numa célula (Godovac-Zimmermann & Brown, 2001; Baldi & Hatfield, 2002; Cristoni & Bernardi, 2003). Contudo, métodos modernos para a análise do metaboloma ainda estão em desen- volvimento (Villas-Bôas et al.; 2005b). A área metabolômica surgiu muito recentemente, devido ao fato de que as alterações nos níveis de RNAm nem sempre resultavam em alterações nos níveis de proteínas (Gygi et al., 1999), e uma vez traduzida, uma proteína podia estar ou não enzimaticamente ativa (Sumner et al., 2003). Assim, as alte- rações observadas no transcriptoma e no prot eoma nem sempre cor r espondi am a al t er ações fenotípicas. A Figura 2 ilustra, de forma muito simplificada, os possí- veis pontos de regulação em nível molecular do funcionamento celular. Os metabólitos, como substratos, pro- dutos ou cofatores nas reações bio- químicas, desempenham um papel muito importante na conexão das diferentes vias metabólicas que ope- ram dentro de uma célula viva. O nível dos metabólitos de uma célula ou tecido é determinado pela con- centração e propriedades das enzimas, sendo portanto, função de um complexo sistema regulatório operante dentro das células (ex.; regulação da transcrição e da tradu- ção, regulação das interações prote- ína-proteína, e regulação alostérica das enzimas através das suas interações com os metabólitos). Por- tanto, o nível dos metabólitos repre- senta uma informação integrativa da função celular em nível molecular, definindo assim o fenótipo de uma célula ou tecido em resposta a alte- rações ambientais ou genéticas. A identificação do nível dos metabóli- cos é, desse modo, um complemen- to fundamental na determinação da função gênica. Muitos metabólitos participam de diversas reações bioquímicas di- ferentes, amarrando as diferentes partes do metabolismo celular à uma rede metabólica altamente controla- da (Nielsen, 2003). Deste modo, a alteração do nível de um único metabólito numa célula resulta na alteração do nível de diversos outros metabólitos que estão direta e indi- retamente conectados ao primeiro, demonst r ando assi m que o metaboloma de uma célula ou teci- do tem a capacidade de responder rapidamente a qualquer alteração ambiental e/ou genética, sendo in- clusive capaz de caracterizar muta- ções ditas silenciosas. Neste artigo, serão apresenta- dos alguns aspectos sobre a área pós-genômica mais emergente, a chamada metabolômica. Serão abor- dadas as novas tecnologias analíticas disponíveis para a análise dos metabólitos celulares e será apre- sentada uma breve discussão sobre as diversas aplicações das análises metabolômicas. Características e desafíos da área metabolômica Como o transcriptoma e o proteoma, o metaboloma é depen- dente do contexto, ou seja, o nível de cada metabólito depende do es- tado fisiológico, de desenvolvimen- to, e/ou patológico de uma célula, tecido ou organismo (Villas-Bôas et al., 2005b). No entanto, uma impor- tante diferença é que, diferentemen- te dos RNAm e das proteínas, é difícil, ou praticamente impossível, estabelecer uma ligação direta entre genes e metabólitos. A natureza interconectada do metabolismo ce- lular, no qual um mesmo metabólito pode participar de diversas vias metabólicas, dificulta extremamente a i nt er pr et ação dos dados metabolômicos. Além disso, acredi- ta-se que, os organimos complexos ou pluricelulares, tais como nos ve- getais e animais, produzam muito mais metabólitos do que genes, pois Genoma Genes Transcriptoma RNAm Proteoma Proteínas Metaboloma Metabólitos Figura 2 - O funcionamento celular em nível molecular A informação codificada no DNA é transcrita em uma molécula de RNA mensageiro que é traduzida em uma molécula de proteína que, quando não exercendo um papel extrutural, irá catalizar uma ou mais reações químicas dentro e/ou fora da célula, sendo portanto responsável pela transformação de pequenas moléculas químicas chamadas de metabólitos. Os metabólitos, por sua vez, regulam a atividade das proteínas, o processo de transcrição e tradução, além de servirem de substratos para modificação e síntese das proteínas e lipídeos, e síntese de DNA e RNA. Portanto os metabólitos são os produtos finais do metabolismo celular. 60 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 múltiplos RNAm podem ser forma- dos a partir de um único gene, múl- tiplas proteínas a partir de um único RNAm, e múltiplos metabólitos a partir de uma única enzima, porque muitas enzimas aceitam mais de um substrato, apesar de sua alta seletividade (Schwab, 2003). No ent ant o, para os organi smos unicelulares têm-se detectado muito menos metabólitos do que genes. Como exemplo, para a levedura Saccharomyces cerevisiae foram identificados pouco mais que 700 metabólitos, para um genoma de approximadamente 6 mil genes (Famili et al.; 2003). Para a bactéria Escherichia coli, que possui cerca de 4400 genes, foram identificados pou- co mais de 400 metabólitos (Edwards & Palsson, 2000). Todavia, é impor- tante lembrar que muitos intermedi- ários metabólicos possuem um tem- po de vida muito curto dentro das células o que dificulta sua detecção. Outro grande desafio na área metabolômica é a análise dos metabólitos, que é muito mais com- plexa do que as análises dos RNAm e mesmo das proteínas, pois a análi- se do genoma (DNA) e do transcriptoma (RNAm) se baseia na análise química de biopolímeros com- postos por apenas 4 nucleotídeos diferentes, e no caso do proteoma, que é consideravelmente mais com- plexo, de biopolímeros formados por basicamente 22 aminoácidos dife- rentes. Esses biopolímeros são qui- micamente muito similares, o que facilita o desenvolvimento de técni- cas analíticas de grande escopo. O metaboloma, entretanto, é compos- to por uma grande variedade de compostos químicos de baixa massa molar (< 1000 Da), os quais possu- em propriedades químicas diversas. O metaboloma compreende desde espécies iônicas a carboidratos hidrofílicos, álcoois e cetonas volá- teis, aminoácidos e ácidos orgânicos, lipídeos hidrofóbicos e produtos na- turais complexos. Essa complexida- de química, adicionada à enorme variação de concentrações (variando de pmoles a mmoles), torna a análise simultânea de todo o metaboloma de uma célula uma tarefa pratica- mente impossível. Portanto, o metaboloma vem sendo estudado através da aplicação de métodos efi- cientes de preparação de amostras acoplados a uma combinação de di- ferentes técnicas analíticas moder- nas, de modo a se obter a maior quantidade de informação possível. A análise do metaboloma A análise do metaboloma en- volve a determinação dos níveis (ou concentrações) de compostos quí- micos de baixa massa molar (menor que 1000 Da), que estejam presen- tes dentro e fora das células. Oliver Fiehn (2002) foi o primeiro a propor uma classificação das diversas abor- dagens analíticas disponíveis para a análise de metabólitos, dividindo-as em quatro grupos principais: (i) aná- lise direcionada; (ii) perfil metabóli- co; (i i i ) metabol ômi ca e (i v) “fingerprinting” metabólico (Esque- ma 2). No entanto, hoje em dia está evidente que essa classificação é bastante confusa e subjetiva, princi- palmente a abordagem denominada metabolômica, que se refere a uma análise química na qual todos os metabólitos de um organismo seri- am supostamente identificados e quantificados, o que ainda é uma tarefa impossível devido à grande complexidade e dinamismo do metaboloma. Portanto, foi sugerido que a palavra metabolômica fosse usada para descrever a nova área da ciência responsável pela análise do metaboloma, ao invés de se referir somente a uma abordagem analítica específica (Villas-Bôas et al. 2005a) (veja os atuais conceitos no Esque- ma 1). Assim, do ponto de vista analítico há basicamente duas abor- dagens principais para se analisar o Esquema 1 - Nova classificação das abordagens analíticas para a área metabolômica de acordo com o proposto por Villas-Bôas et al. (2005a). Metabolômica Metaboloma Conjunto de metabólitos {Oliver et al. 1988} Área da ciência responsável pela caracterização de fenótipos metabólicos{o metaboloma} em determinadas condições{e.g. diferentes estágios de desenvolvimento, diferentes condições ambientais, diferentes modifi- cações genotípicas} e a liga- ção destes fenótipos com seus genótipos correspondentes Fingerprinting metabólico Footprinting metabólico Metabólitos intracelulares identificados ou não Metabólitos extracelulares identificados ou não Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 61 metaboloma: (a) análise direcionada e (b) perfil metabólico, sendo que este último pode ser ainda sub-divi- dido em (i) “fingerprinting” metabó- lico, quando se refere a perfil de metabólitos intracelulares, e (ii) “footprinting” metabólico, quando se refere a perfil de metabólitos extracelulares. A diferença entre análise direcionada e perfil metabólico é que a primeira refere-se à determi- nação de um grupo de metabólitos pré-definidos, ignorando outros metabólitos que porventura sejam detectados ou detectáveis durante a análise. Por outro lado, o perfil meta- bólico pode ser definido como o conjunto de todos os metabólitos ou produtos derivados dos mesmos (identificáveis ou não) e que sejam detectados em uma amostra usando uma técnica analítica particular, acom- panhado por uma estimativa de quan- tidade (absoluta ou relativa). Nor- malmente, no perfil metabólico, faz- se uso de separações cromatográficas bastante eficientes, mas, muitas ve- zes, uma boa resolução pode ser obtida usando-se simplesmente po- derosos detectores químicos, como a ressonância magnética nuclear (NMR), a espect r oscopi a de infravermelho usando transformação de Four i er (FT- I R) ou a espectrometria de massa de ionização “electrospray” (ESI-MS). Esses detectores são normalmente empre- gados para classificar rapidamente as amostras por análise de dados multivariados ou quimiometria (Villas- Bôas et al. 2005b). a) A preparação das amostras A preparação das amostras é uma das etapas cruciais na análise do metaboloma porque é nessa etapa que se introduz a maior parte dos artefatos analíticos. A Figura 3 resu- me os principais passos na prepara- ção das amostras. O primeiro passo é a interrupção rápida do metabolismo celular, o que no inglês é chamado de “quenching” celular. A interrup- ção instantânea do metabolismo é necessária pois os níveis metabóli- cos variam muito rapidamente em função de quaisquer alterações no ambiente da célula (ex. decréscimo ou aumento do nível de oxigênio dissolvido; variação na luminosidade, no caso de or gani smos fotossintetizantes, entre outros). A meia-vida típica de metabólitos pri- mários intracelulares está na ordem de um segundo ou menos. Por exem- plo, em Saccharomyces cerevisiae, a glicose citossólica é convertida a uma velocidade de aproximadamen- te 1 mmol/s e o ATP a aproximada- mente 1.5 mmol/s (de Koning e Van Dam, 1992). Embora a meia-vida dos metabólitos extracelulares seja maior que dos intracelulares, ainda é importante interromper qualquer ati- vidade bioquímica nas amostras extracelulares, para se evitar qual- quer variação nos níveis dos metabólitos. O “quenching” meta- bólico é obtido através de uma alte- ração drástica de temperatura ou de pH. Existe uma grande variedade de metodologias descritas na literatura, sendo que a amostragem em nitro- gênio líquido ou em solução de metanol frio (< -40 o C) são as técni- cas mais empregadas (Villas-Bôas et al. 2005b, c). Depois do “quenching” meta- bólico, é necessário separar a biomassa celular do meio de cultura extracelular (isso no caso de cultura de células ou microrganismos) e se o objetivo é analisar os metabólitos Esquema 2 - Classificação das abordagens analíticas para a área metabolômica de acordo com o proposto por Fiehn (2002). Metaboloma Conjunto de metabólitos {Oliver et al. 1988} Análises alvo Análise de um peque- no grupo específico de metabólitos Perfil metabólico Análise de um grupo pré-selecionado de metabólitos Metabolômica Análise quantitativa e qualitativa de todos os metabólitos sintetizados por um organismo Fingerprinting metabólico Rápida classificação de amostras contendo metabólitos sem a identifica- ção dos compostos Para o estudo do efeito primário de uma altera- ção genética Para o estudo da alteração de uma via metabólica por intersecção de vias metabólicas Para estudar efeitos pleiotrópicos de uma alteração genética Para rápida caracterização fenotípica 62 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 intracelulares, esses deverão ser ex- traídos do meio intracelular, evitan- do-se ao máximo as perdas por de- gradação e/ou reação bioquímica. O objetivo da extração dos metabólitos intracelulares é torná-los acessíveis às diferentes técnicas analíticas. A maioria dos procedimentos de extra- ção de metabólitos é laborioso e inevitavelmente ocorrem perdas de- vido a diferentes fatores, sendo que o principal é a grande diversidade quí mi ca que car act er i za o metaboloma (Villas-Bôas et al. 2005b, c). Os met aból i t os intracelulares são geralmente extra- ídos com solventes orgânicos. Nor- malmente, usa-se mais de um solvente para a extração das diferen- tes classes de metabólitos. Por exem- plo, solventes polares, como metanol, mistura de metanol e água, ou etanol para se extrair metabólitos polares, e solventes apolares, como clorofór- mio, acetato de etila ou hexano para se extrair os compostos lipofílicos (Villas-Bôas et al. 2005b,c). Depois da extração, as amostras cont endo os met aból i t os intracelulares são geralmente muito diluídas devido à grande razão entre biomassa e volume dos solventes usados na extração. Essa diluição tam- bém pode ser observada em algu- mas amost ras de met aból i t os extracelulares. A última etapa na preparação das amostras é, portanto, a sua concentração, que normalmen- te é obtida através da liofilização, evaporação à vácuo dos solventes ou por técnicas de extração seletiva como a extração e a micro-extração em estado sólido (Villas-Bôas et al. 2005b, c). b) A análise dos metabólitos A espectrometria de massa (MS) e a ressonância magnética nu- clear (RMN) são os métodos mais usados na detecção e análise de metabólitos celulares. RMN é muito útil na caracterização estrutural de compostos desconhecidos, e tem sido bastante empregada na análise do metaboloma. No entanto, em certas circunstâncias, o espectro de RMN de 1 H não fornece informações sufi- cientes para se caracterizar comple- tamente um metabólito, principal- mente quando o composto é defici- ente em prótons ou quando os prótons podem ser quimicamente intercambiados com o solvente. Por outro lado, a RMN de 13 C é pouco sensível e portanto pode-se levar horas para a análise de uma única amostra, além de que os equipa- mentos para RMN são muito caros, se comparados às tecnologias que fazem uso da espectrometria de massa. A espectrometria de massa apresenta várias vantagens em rela- ção a outros métodos de análise química, entre elas estão principal- mente a sua alta sensibilidade e praticidade, combinadas à possibili- dade de se confirmar a identidade dos componentes presentes em amostras biológicas complexas e tam- bém à possibilidade de detecção e, na maioria das vezes, de identifica- ção de compostos desconhecidos ou cuja presença na amostra seria ines- perada. Além disso, a combinação da espectrometria de massa com técni- cas de separação (cromatografia, electroforese) ampliou enormemen- te a capacidade de análise química de amostras biológicas complexas. A Tabela 1 resume as potencialidades e l i mi t ações das di f er ent es tecnologias analíticas que fazem uso da espectrometria de massa. A infor- mação básica contida num espectro de massa é muito simples. O espec- tro exibe a massa de moléculas Concentração da amostra AMOSTRA EXTRAÇÃO Separando moléculas pequenas AMOSTRAGEM Quenching do metabolismo Separação da biomassa do meio extracelular AMOSTRA EXTRACELULAR Figura 3 - Principais etapas na preparação das amostras para análise do metaboloma A primeira etapa é a amostragem que deve ser realizada simultaneamente ao interrompimento do metabolismo celular (quenching), seguido da separação da biomassa do meio extracellular (quando possível). A segunda etapa é a extração dos metabólitos intracelulares que poderá passar por uma etapa de concentração da amostra antes da análise (uma metodologia detalhada sobre a análise do metaboloma de diversos organimos se encontra em Villas-Bôas et al. 2006b). Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 63 ionizadas e seus fragmentos corres- pondentes, e os valores das massas são simplesmente a soma das mas- sas dos átomos que compõe cada fragmento ou melécula. Um espec- tro de massa contém uma enorme quantidade de informações estrutu- rais e sua interpretação requer um conhecimento abrangente e profun- do da técnica, porém quase sempre esse conhecimento não é necessário na análise de metabólitos, pois já existem vários softwares disponíveis no mercado, que facilitam enorme- mente a interpretação dos dados obtidos por espectrometria de mas- sa. c) O tratamento dos dados Após a análise das amostras, os dados obtidos precisam ser ainda tratados de forma que sejam conver- tidos em algum tipo de informação útil e interpretável. Há basicamente duas maneiras para se tratar os dados metabolômicos: (i) fazer uma rápida classificação das amostras sem iden- tificação dos metabótidos ou (ii) iden- tificar o máximo número possível de metabólitos detectados. Na primeira abordagem usa-se uma quantificação relativa dos diferentes components (ex.; intensidade dos picos) e os diversos componentes analisados são classificados empregando-se uma no- menclatura aleatória, que não seja a identidade do composto, como por exemplo o tempo de retenção ou massa molar dos picos, ou compo- nentes A, B ...N. Essa abordagem é geralmente usada quando não se consegue identificar facilmente os compostos detectados e que geral- mente são obtidos através da injeção direta no espectrômetro de massa ou RMN, sem separação prévia dos componentes da amostra através de cromatografia ou eletroforese. Essa abordagem é empregada quando se quer classificar rapidamente diferen- tes mutantes em relação aos tipos selvagens, ou diferentes estágios de desenvolvimento de uma célula ou organismo, ou mesmo diferenciar células sadias de células enfermas; sem identificar, necessariamente, o que as diferenciam. Técnicas de análise de dados multivariados como a “Associação por Culpa” (do inglês ‘Guilty-by- Association’; Oliver, 2000) permi- tem indicar áreas do metabolismo que foram alteradas através da com- paração dos dados obtidos a partir de amostras conhecidas. Por exemplo, se um mutante na via glicolítica é comparado a um mutante desconhe- cido e este último apresenta um perfil metabólico semelhante ao pri- meiro, isso será uma forte indicação de que o mutante desconhecido possui também uma alteração que afeta a via glicolítica, pois seus dados se associam com os dados da linha- gem mutante que é conhecida por possuir mutação na via glicolítica. Embora essa seja uma abordagem rápida e prática, ela é bastante limi- tada em informações, principalmen- te por não fornecer a identidade dos diversos metabólitos detectados, o que dificulta a caracterização do es- tado das diferentes vias metabólicas ativas nas células, impedindo, assim, uma direta integração dos dados metabolômicos com os dados das outras áreas da Genômica Funcional. Por outro lado, hoje está evi- dente que o maior potencial da aná- lise do metaboloma depende da iden- tificação e quantificação (relativa ou absoluta) dos diferentes metabólitos detectados nas amostras (Bino et al. 2004; Nielsen and Oliver, 2005; Villas- Bôas et al. 2005d). Alterações obser- vadas nos níveis de metabólitos es- pecíficos permitem identificar vias Tabela 1 - Potencialidades e limitações das diferentes técnicas analíticas que fazem uso da espectrometria de massa Técnica Analítica Aplicações Gerais Vantagens Desvantagens GC-MS (croma tografia de gases - espect rometri a de massa) Separação, identifica ção e quantificaçã o si multânea de diferentes classes de met abólitos (volát eis e não voláteis) numa única anál ise. Basicament e, o tipo da análise (direcionada ou perfil metaból ico) é defini da pelo modo de detecção empregado (S IM 1 ou SCAN 2 ). Alta resolução cromatográfi ca, que é ideal pa ra resolver a mostras biológicas complexa s; Análi se simultânea de dferentes classes de matabólitos. Difícil aná lise de compostos t ermo- sensíveis; Metaból itos não volátei s devem ser derivat iza dos a ntes da análise; Difícil identificação de compostos desconhecidos após derivat iza ção química LC-MS (croma tografia líquida - espect rometri a de massa) Separação, identifica ção e quantificaçã o de diferentes grupos de metabólitos Alta sensibilidade; Média a alta resoluçã o cromatográfi ca; Análise de compostos não voláteis sem derivati zaçãoFácil a náli se de compostos termo- sensí veis. Os eluentes devem ser volátei s;Muita s vezes as amostras devem ser desaliniza das após separação cromatográfica ; O potenci al de identificação é limitado sem o uso de MS em séri e (MS /MS) CE-MS (eletroforese de ca pila r - espect rometri a de massa) Principalment e usado na sepa ração, identificação e qua nti ficação de compostos pola res usando pequeno vol ume de amost ra Útil na separação de i sômeros molecula res; Vol ume pequeno de a mostra;Alta resoluçã o. Metodologia complexa;Difícil quantifica ção; Difilcudade de int erface CE com MS. MS (espectrometria de massa) A a plicação va ria de acordo com o método de ionização. Geralmente empregada na determinaçã o de metabólitos at ravés da sua massa molar e perfil de fragmentaçã o. Muito usada na obtenção de perfís metaból icos sem identificação dos compostos. Análise rápi da de metabólitos; Passos simples na prepa ração das a mostras; Alta sensi bil idade; Recomendado na caracterização de compostos desconhecidos. Idetificação e caracterização de met abólitos depende de MS/MS ; Grade int erferência da mat rix da amostra; Incompa tibilidade com solventes fortemente iônicos e tampões. 1 SIM= Análise restrita de moléculas contendo fragmentos pré-selecionados. 2 SCAN= Análise indiscriminada da amostra (todos os fragmentos) 64 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 metabólicas específicas que foram alteradas, facilitando enomermente a integração efetiva dos dados obti- dos nas diferentes áreas da Genômica Funcional, além de possibilitar a iden- tificação e caracterização de novas vias metabólicas, a caracterização de mutações/genes silenciosos e mes- mo a elucidação dos mecanismos regulatórios do metabolismo celular. Para esse tipo de análise, o primeiro passo é a análise estatística dos da- dos, ou seja, determinar se a variação observada nos níveis de cada metabólito é significativa. Normal- mente, usa-se o teste ‘t” ou a análise de variância (MANOVA). Natural- mente, os requisitos básicos para esse tipo de análise são a replicação das amostras (mínimo três, normal- mente de cinco a seis); a reprodução dos cultivos (mínimo três, normal- mente de três a seis); o uso de controles, que dependerão do estu- do em questão (ex.: linhagem parental das linhagens mutantes); a padronização interna (compostos exógenos adicionados às amostras para avaliar as perdas durante a aná- lise); além da normalização dos da- dos obtidos usando-se a quantidade de biomassa coletada em cada amos- tra e/ou o padrão interno. O ponto chave no tratamento dos dados, no ent ant o, é a visualização/apresentação dos resul- tados. Os dados das “ômicas” são multivariados e portanto difíceis de serem visualizados. O objetivo prin- cipal neste tipo de análise é ilustrar com a maior clareza possível as prin- cipais diferenças observadas nos ní- veis dos metabólitos presentes nas amostras a serem comparadas entre si. Com frequência, os resultados de níveis ou perfís metabólicos são apre- sentados em gráficos de barras, o que muitas vezes é bastante confu- so, tornando-se inviável à medida em que o número de metabólitos detectados e o número de variáveis a serem comparadas (ex. número de mutantes ou linhagens) aumentam. Dessa forma, diversos softwares es- tão disponíveis no mercado e na internet, muitos deles gratuitos, que permitem realizar tratamentos de dados multivariados, ou seja, dados ger ados a par t i r de uma multiplicidade de amostras que re- presentam uma multiplicidade de variáveis. Não há um único ou me- lhor método para se tratar dados multivariados. A dica é escolher um método versátil, aprendê-lo e saber usá-lo bem. Os principais métodos são a “Análise do Componente Prin- ci pal ” (do i ngl ês Pri nci pal Component Analysis or PCA), a “Aná- lise de Discriminantes Múltiplos” (do inglês Fischer Discriminant Analysis or FDA) e as técnicas de agrupamen- to ou “clustering” (para maiores de- talhes consultar Villas-Bôas et al. 2005b). Exemplos ilustrativos de modelos gráficos para cada método usado no tratamento de dados multivariados estão apresentados na Figura 4. Outras alternativas estão tam- bém sendo exploradas para a apre- sentação dos dados metabolômicos, as quais podem melhorar ainda mais sua interpretação e integração com os dados da pr ot eômi ca e transcriptômica. Particularmente, duas alternativas que fazem uso da razão diferencial da concentração de cada metabólito nas diferentes vari- áveis testadas, merecem ser menci- onadas: (i) visualização em rede metabólica, na qual os metabólitos com níveis aumentados ou diminuí- dos são apontados diretamente na rede metabólica usando-se uma es- cala de cores (Figura 5), como ex- plorado por Villas-Bôas et al. (2005d), e (ii) Modelo de chips de DNA (ou DNA microarrays), nos quais os no- mes dos metabólitos tomam o lugar dos nomes dos genes e cada coluna representa duas variáveis que estão sendo comparadas (Figura 6). As cores indicam se o nível daquele metabólito aumentou ou diminuiu na amostra analisada, em relação a uma amostra padrão. Esse tipo de tratamento de dados pode ser en- contrado em Villas-Bôas et al. (2005d, 2006a). Algumas aplicações das análises metabolômicas a) Determinação da função gênica A metabolômica foi criada e idealizada especificamente para ser usada como ferramenta na determi- nação da função gênica (Villas-Bôas et al. 2005a). Como já foi discutido na introdução desse artigo, o nível dos metabólitos representa uma in- formação integrativa da função celu- lar em nível molecular, definindo assim o fenótipo de uma célula ou Figura 4: Exemplos de gráficos usados na análise de dados multivariados A: Análise do component principal; B: Análise de discriminantes múltiplos; C: Análise de agrupamentos não-hierárquico; D: Análise de agrupamentos hierárquico (dendogramas) Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 65 tecido em resposta a alterações ambientais ou genéticas. A avaliação dos níveis de metabólitos é um com- plemento fundamental na determi- nação da função gênica em células ou tecidos. Porém, o metaboloma tem se destacado principalmente na caracterização fenotípica de muta- ções silenciosas. Mutações silencio- sas são modificações genéticas que não resultam em nenhuma alteração óbvia de morfologia, rendimento, ve- locidade de crescimento, ou de qual- quer outro parâmetro observável, em relação ao fenótipo de linhagens parentais sob uma dada condição fisiológica (Thorneycroft et al. 2001). Esse fenômeno é ainda mais surpre- endente quando se altera genes co- nhecidos por desempenhar um pa- pel fundamental no funcionamento celular. Acredita-se que o organismo alterado tem a capacidade de con- tornar os efeitos deletérios do gene mutado através da ativação de genes silenciosos ou através da redundân- cia na família do gene mutato (Weckwerth et al. 2004). A forma mais comum de redundância gênica é a frequente expressão de enzimas com diversas isoformas e que estão envolvidas em várias vias metabóli- cas (Weckwerth et al. 2004). Na maioria das vezes, as isoformas das enzimas não podem ser diferencia- das com base na sua atividade enzimática. É nesse ponto que a metabolômica entra como ferramen- ta fundamental na caracterização fun- cional de genes redundantes e/ou genes silenciosos que são ativados somente quando outros são deletados ou mutados. Como os metabólitos estão inseridos dentro de uma rede metabólica muito rígida, qualquer pe- quena alteração no nível de um úni- co metabólito irá refletir na alteração dos níveis de diversos outros metabólitos, como uma reação em cadeia que resultará numa amplifica- ção da alteração genética ocorrida. O conhecimento das redes metabóli- cas é essencial na interpretação dos dados metabolômicos, que quando Figura 5 - Visualização em rede metabólica Esta figura aparece em Villas-Bôas et al. (2005c) e ilustra as diferenças nos níveis dos metabólitos do metabolismo central e biosíntese de aminoácidos da levedura Saccharomyces cerevisiae, comparando uma linhagem mutante com o tipo selvagem correspondente. Os nomes dos metabólitos estão abreviados. Os que aparecem dentro de um círculo negro tiveram seus níveis aumentados no mutante em comparação ao tipo selvagem. Os em cinza tiveram seus nívels diminuídos. Os que não aparecem dentro de um círculo não foram detectados. Os números indicam o número de passos na via metabólica. Interessantemente, nesse estudo particular, a maioria dos metabólitos com seus níveis aumentados no mutante envolvem uma reação de transaminação entre o glutamato e o 2-oxoglutarato (como indicado na figura). Reproduzido com permissão de Villas-Bôas et al. (2005). Biochemical Journal 388: 669 – 677. Ó Biochemical Society. acoplados aos dados das outras “ômi cas” (pr i nci pal ment e a proteômica) constitui uma excelen- te ferramenta na determinação da função gênica e ainda permite a descoberta de novas vias metabóli- cas, como exemplificado em Villas- Bôas et al. (2005e). b) Melhoramento de linhagens por Engenharia Metabólica (EM) A EM é hoje uma área consagra- da dentro da Biotecnologia. Apesar de já ter sido praticada anteriormen- te, foi somente em 1991 que o ter- mo apareceu oficialmente (Bailey, 1991). Algumas definições de EM existem na literatura, mas esta ativi- dade pode ser definida de uma for- ma bastante simples: a EM é o me- lhoramento dirigido das proprieda- des de um organismo através da aplicação da tecnologia do DNA recombinante. A EM é uma área de trabalho claramente multidisciplinar, envol- vendo diversas áreas do conheci- mento e diferentes atividades, as quais podem ser apresentadas na forma de um ciclo, conforme ilustra- do na Figura 7. Partindo-se de um determinado organismo / linhagem, as atividades têm início na etapa de análise, na qual deve ser levantada a maior quantidade de informação possível sobre o metabolismo do organismo em estudo. Com estas informações, na etapa seguinte, será possível identificar os melhores al- vos para modificações genéticas (as quais serão introduzidas na etapa de síntese), com o objetivo de melhorar as propriedades ou, em outras pala- vras, o fenótipo deste organismo. Nota-se, portanto, que as atividades dentro do ciclo da EM dependem estritamente dos objetivos do traba- lho, ou seja, das características que se deseja modificar no organismo em estudo, dada uma aplicação tecnológica específica. A informação a ser obtida na etapa de análise do ciclo de EM é obtida fazendo-se uso de um conjun- to de ferramentas analíticas e mate- máticas, as quais são em grande par- te comuns àquelas empregadas em estudos de Genômica Funcional. Tra- ta-se das análises do genoma, do transcriptoma, do proteoma e do metaboloma, entre outras, dando-se hoje preferência às ferramentas de al t o processament o, ou hi gh throughput , como referido em in- gl ês. Anál i ses enzi mát i cas selecionadas e Análise de Redes Me- tabólicas (ARM) (Christensen & Nielsen, 2000), que têm como obje- tivo identificar a rede metabólica ativa do organismo em estudo, assim como quantificar as velocidades das reações do metabolismo (também denominados fluxos metabólicos), complementam o espectro analíti- co-matemático da etapa de análise. É importante ressaltar que os objetivos da EM raramente são atin- gidos após somente um ciclo de atividades (Figura 7). Ainda que se obtenha uma linhagem melhorada após o primeiro ciclo, não há porque não continuar as atividades, de for- ma a se obter linhagens com caracte- rísticas ainda melhores. Portanto, tão importante quanto a primeira etapa de análise, a qual se refere ao orga- nismo inicialmente escolhido para os estudos, são as etapas de análise dos ciclos posteriores, ou seja, após uma, duas, ou mais etapas de modifica- ções genéticas. Assim, o uso das ferramentas analítico-matemáticas indicadas acima, para analisar as li- nhagens geradas após cada etapa de modificações genéticas, é fundamen- tal não somente para verificar se as mesmas resultaram nas alterações fenotípicas esperadas, mas também para permitir o projeto de novas modificações, que possam melhorar ainda mais o metabolismo do orga- nismo em questão. Figura 6: Visualização baseada no modelo de chip de DNA-array Esta figura aparece em Villas-Bôas et al. (2005c) e representa um modelo de chip de DNA-arrays, onde os nomes dos metabólitos (abreviados na figura) tomam o lugar dos nomes dos genes e cada coluna representa duas variáveis que estão sendo comparadas (wt = tipo selvagem; mt = mutante; aer = cultivo aeróbico, ana = cultivo anaeróbico). As cores indicam se o nível daquele metabólito aumentou ou diminuiu na situação que está sendo comparada e a espessura do círculo em vermelho indica o nível de confiança estatística. Reproduzido com permissão de Villas-Bôas et al. (2005). Biochemical Journal 388: 669 – 677. Ó Biochemical Society. Após pouco mais de uma déca- da de existência oficial, contando inclusive, desde 1999, com uma publicação específica, a revista Metabolic Engineering (Elsevier), a EM provavelmente não causou o impacto imaginado por seus pionei- ros. Isto se deve principalmente ao fato de não conhecermos ainda to- dos os detalhes do metabolismo dos principais organismos de interesse industrial, em particular os aspectos de regulação metabólica. Como já mencionado neste artigo, a partir do conhecimento do genoma, não é possível prever o funcionamento de um organismo. Em outras palavras, uma simples modificação genética muito raramente produz um único efeito fenotípico. No caso de microrganismos, tem-se adotado nos anos recentes uma estratégia diferente e comple- mentar ao uso da tecnologia do DNA recombinante, para introduzir modi- ficações genéticas em um organis- mo com o objetivo de melhorar suas propriedades metabólicas. Trata-se, resumidamente, em exercer uma pressão seletiva sobre o organismo em estudo, de forma a provocar no mesmo a expressão de um fenótipo desejado. Nesta abordagem, as mu- tações espontâneas e a sobrevivên- cia dos indivíduos mais bem adapta- dos ao ambiente imposto são os elementos responsáveis por intro- duzir as alterações no genoma. Este processo tem sido denominado Evolutionary Engineering e resulta- dos muito interessantes têm sido obtidos, como demonstram algumas publicações recentes (Overkamp et al., 2002; Kuyper et al., 2005). Além disto, este processo de seleção for- çada de um determinado fenótipo permite que as modificações genéti- cas e fisiológicas, direta ou indireta- mente ligadas a este fenótipo, sejam mapeadas a posteriori pelas técni- cas “ômicas” de alto processamento. Isto, por sua vez, permite que novos alvos de EM sejam identificados e que as linhagens possam ser melho- radas ainda mais. Este processo como um todo tem sido denominado na literatura como Engenharia Metabó- lica Inversa, ou seja, em vez de se realizar uma (ou mais) modificações genéticas, em busca de um fenótipo, provoca-se um fenótipo desejado, para depois mapear as alterações responsáveis por este fenótipo, de forma a se poder melhorá-lo ainda mais (Bro & Nielsen, 2004). Combinando-se a EM direta com a EM inversa (envolvendo experi- ment os de Evol ut i onary Engineering), pode-se imaginar um ciclo de atividades ligeiramente di- ferente para o melhoramento de or- ganismos de interesse econômico, em relação àquele apresentado na Figura 7. Neste novo ciclo, na etapa de síntese, opta-se por introduzir as modificações genéticas projetadas ou pel a t ecnol ogi a do DNA recombinante, ou através de experi- mentos de seleção dirigida, confor- me indicado acima. Em seguida, pas- sa-se a uma nova etapa de análise e assim por diante. Em ambos os casos (aplicando- se EM inversa ou não), pode-se ob- Figura 7: Ciclo de atividades característico da Engenharia Metabólica (adaptado de Nielsen, J. Appl. Microbiol. Biotechnol. 55:263-283, 2001) 68 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 servar que a análise do metaboloma, ou o conhecimento dos níveis (ou concentrações) dos metabólitos intra- e extracelulares do organismo em estudo, é parte fundamental da ca- racterização do metabolismo ou fisi- ologia, dento da etapa de análise do ciclo de atividades. c) Controle de qualidade e avaliação de equivalência entre OGM’s A metabolômica de plantas é a área que está mais avançada até o presente. A análise dos metabólitos de vegetais permite realizar um mi- nucioso controle de qualidade dos alimentos que consumimos diaria- mente. Por exemplo, há muito tem- po se detecta adulteração em óleo de oliva através da análise da com- posição de ácidos graxos que é es- pecífica para cada óleo. Porém, o mais difícil é determinar se um dado óleo de oliva, sendo vendido como procedendo de uma certa origem geográfica que lhe confere maior prestígio e, consequentemente mai- or valor, corresponde realmente à qualidade dos óleos produzidos com azeitonas daquela região. Todavia, com a anál i se dos di ver sos metabólitos que estão presentes no óleo e que lhe conferem sabor e aroma característicos (o que depen- de da variedade das azeitonas usadas na produção do óleo, do solo e do microclima local), é possível deter- minar a procedência precisa do pro- duto. Outro exemplo de aplicação está relacionado aos produtos con- tendo organismos geneticamente modificados (OGM’s). Desde abril de 2004, dentro da União Européia, todos os alimentos contendo mais de 0,9% de ingredientes obtidos a partir de OGM’s devem ser rotulados como contendo material modificado gene- ticamente (Anonymous, 2003). Isto significa que produtos como fari- nhas, óleos e xarope de glicose pro- duzidos a partir de OGM’s, que já foram considerados anteriormente como ‘substancialmente equivalen- tes’ aos materiais originados de fon- tes tradicionais (desde que não con- tivessem na sua composição DNA modificado), desde 2004 tiveram que ser rotulados como produtos conten- do material geneticamente modifi- cado. Isto aumentou a preocupação pública sobre a qualidade e seguran- ça dos alimentos contendo compo- nentes originados de OGM’s. Dessa forma, a análise do perfil metabólico tem permitido a determinação pre- cisa da equivalência entre o produto produzido a partir de OGM’s e o de origem tradicional. A análise de metabólitos determina se existem diferenças significativas com relação aos metabólitos “traço” que foram desconsiderados até o momento, podendo, portanto, fornecer evidên- cias importantes em relação à segu- rança e a qualidade dos produtos geneticamente modificados. Conclusões e considerações finais Em 1999, o físico Freeman Dyson disse que “as surpresas na ciência acontecem geralmente a partir do desenvolvimento de novas ferramentas e novas tecnologias e não a partir de novos conceitos” (Madou, 2002). Além disto, todos os pr oj et os de sequenci ament o genômico em andamento, tanto de procariotos como de eucariotos, con- tinuam a nos lembrar que o nosso conhecimento sobre o funcionamen- to de um organismo ou célula, em nível molecular, é realmente muito limitado. Tipicamente, 20 a 40 % das fases abertas de leitura (ou Open Reading Frames, ORF’s) encontra- das nos genomas sequenciados per- manecem com função desconheci- da. Esses “genes órfãos”, como são normalmente denominados, devem ter algum papel no funcionamento celular, pois, do contrário, teriam sido perdidos durante a evolução. Portanto, o grande momentum das Ciências Biológicas atualmente é a busca da função destes genes desco- nhecidos, e para atingir esse objeti- vo serão necessários tanto o desen- volvimento de novas técnicas como o estabelecimento de novos concei- tos. A metabolômica é uma área vibrante e diversa, que está em sua fase exponencial de crescimento. Hoje já existem diversos grupos dedicados ao desenvolvimento e apl i cação das t écni cas metabolômicas, concentrando-se principalmente na Europa, Estados Unidos, Japão e Oceania. Uma soci- edade internacional foi formada re- centemente - The Metabolomics Society (metabolomicssociety.org) - cuja missão é promover o cresci- mento e o desenvolvimento da área metabolômica internacionalmente e essa mesma sociedade possui uma revista periódica trimestral chamada Metabolomics, que é publicada pela Springer e já está no seu quinto fascículo. A Springer tambem publi- cou um livro com diversos artigos de revisão especialmente dedicados à anál i se do met abol oma (Vaidyanathan et al. 2005), e a Wiley & Sons publicará em 2006 o primeiro livro texto sobre metaboloma (Villas- Bôas et al. 2006b). Com este artigo introdutório, os autores esperam poder motivar grupos brasileiros a estabelecer no- vas plataformas para o estudo do metaboloma, com o objetivo de pro- mover as áreas de Genômica Funci- onal, Engenharia Metabólica, dentre outras, no nosso país. “O progresso da ciência de- pende do desenvolvimento de novas técnicas, de novas descobertas e de novas idéias, provavelmente nesta ordem” (traduzido a partir de Syd- ney Brenner, Nature, 5 June 1980). Agradecimentos Agradecemos à Dr. Kátia Nones (AgResearch Limited/ Nova Zelândia) por suas construtivas su- gestões. Referências Bibliográficas ANONYMOUS. Regulation no. 1829/ 2003 on Genetically Modified Food and Feed. Official Journal of European Union, L268, p. 1 – 23, 2003. 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