Análise A FARSA DE INÊS PEREIRA.docx

March 28, 2018 | Author: Deusa Mara | Category: Marriage, Renaissance, Portugal, Love, Religion And Belief


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A FARSA DE INÊS PEREIRAAnálise da obra - parte I O autor e a época Durante a Idade Média portuguesa, os tipos de representação mais conhecidos foram os mistérios (encenação de episódios da vida de Cristo e dos santos) e os milagres (apresentação cênica de milagres operados pelos santos e pela Virgem), mas não eram, a rigor, teatro, uma vez que essas composições não utilizavam a fala. Quando Gil Vicente começou a escrever, não havia, portanto, modelos portugueses que ele pudesse seguir. Por isso se inspirou no espanhol Juan del Encina e produziu um teatro que, em Portugal, era uma grande novidade, conforme afirmam testemunhos da época: "E vimos singularmente fazer representações de estilo mui eloquente, de mui novas invenções, e feitos por Gil Vicente; ele foi o que inventou isto cá, e o usou com mais graça e mais doutrina posto que Juan del Encina o pastoril começou." O momento histórico O Portugal do século XVI é uma nação rica em conquistas ultramarinas, mas deficiente em produção agrícola e manufatureira. Para conseguir abastecer-se internamente a única saída é trazer ouro e prata das viagens além-mar. A crise econômica gera um descontentamento que ameaça os antigos valores, dissolvendo a aliança entre clero e nobreza, entre mercadores e soberanos. Essa crise é retratada na obra de Gil Vicente pelas personagens que buscam enriquecer a qualquer preço, aproveitando a situação caótica do país. Europa x Portugal Em toda a Europa, o século XVI é o momento de ascensão da burguesia, valorização da ciência e do homem e questionamento da Igreja, com a Reforma protestante. Em Portugal, entretanto, desenvolve-se um humanismo um pouco diferente: as ciências são valorizadas, mas o poder da Igreja e da nobreza não é questionado. Muito pelo contrário: a Inquisição e a Companhia de Jesus são os principais instrumentos da Contra-Reforma, que chega para reprimir a cultura humanista proporcionada pelo contato com outras culturas, decorrente dos descobrimentos. Religiosidade e reformismo Gil Vicente vive numa época de transição de valores: os ideais medievais se chocam com a realidade renascentista. Esse choque aparece nitidamente em sua obra. Critica os maus padres, mas poupa a Igreja; critica os maus nobres, mas não questiona o poder real. Os valores medievais são representados pela forte religiosidade, pela instituição da Igreja, pelos dogmas da fé. Por outro lado, o espírito reformista aparece na crítica aos padres que têm uma vida desregrada e exploram a ingenuidade dos crentes para manipulá-los. Um exemplo disso é o sermão em que Gil Vicente procura explicar racionalmente as causas do terremoto ocorrido em Lisboa, enquanto os padres diziam que era a ira de Deus manifestando-se contra a falta de fé dos cristãos-novos – os judeus convertidos ao cristianismo para escapar da Inquisição. Trazendo flashes da vida social para o teatro, as peças conquistam o público pela simplicidade com que mostram as falhas humanas, para que as pessoas possam se corrigir e receber as bênçãos da vida eterna. As peças conquistam o público pela simplicidade e divertem ao mesmo tempo que ensinam. Anote! Gil Vicente é importante na literatura portuguesa não só por fazer um retrato da sociedade de seu tempo, mas principalmente por abordar a vida do homem na sua totalidade, desde os problemas domésticos mais corriqueiros até os mais complicados conflitos morais. O gênero Gil Vicente é um artista medieval escrevendo em plena Renascença, momento em que as próprias estruturas da arte estavam se transformando. O auto, gênero muito popular até então, caracterizava-se pelo conteúdo simbólico: os atores representavam entidades abstratas de caráter religioso ou moral, como o pecado, a hipocrisia, a luxúria, a avareza, a virtude, a bondade etc. Embora a Farsa de Inês Pereira tenha sido publicada primeiramente como Auto de Inês Pereira, o conteúdo da peça não corresponde às exigências do auto. Gil Vicente criou um novo gênero para o qual não havia um nome na época, a farsa. Anote! A farsa é um tipo de encenação teatral curta que explora situações engraçadas da vida cotidiana, apelando para a caricatura e os exageros, a fim de fazer o espectador rir, mas, ao contrário da comédia, não tem um fundo moralizante. Desafio: um dito popular A popularidade de Gil Vicente despertou em seus inimigos dúvidas sobre a autenticidade de suas peças. Em resposta a um desafio do dramaturgo, os invejosos lhe propuseram como mote o ditado popular "mais quero asno que me carregue do que cavalo que me derrube". A resposta veio com a Farsa de Inês Pereira, de 1523. O equilíbrio da ação, a graça das situações e o jogo de contrastes fizeram da peça a mais bem- acabada do teatro vicentino. Apesar de apresentar críticas ao comportamento de vários setores da sociedade, não há nessa obra nenhuma intenção moralizante, além daquela inerente ao próprio mote que deu origem ao enredo. Enredo Inês Pereira é uma jovem sonhadora que se sente entediada com o trabalho doméstico. Despreza Pero Marques, um pretendente rico e grosseiro, em nome de um ideal de marido sensível, mesmo que pobre. Casa-se com Brás da Mata, um escudeiro galante que a conquista com belas palavras, semelhantes às das cantigas de amor. Antes que mais diga agora Deus vos salve, fresca rosa, e vos dê por minha esposa, por mulher e por senhora. Que bem vejo nesse ar, nesse despejo, mui graciosa donzela, que vós sois, minha alma aquela que eu busco e que desejo." Mas após o casamento, ele a explora e maltrata. Vai para a guerra no Marrocos, onde morre, depois de se revelar um covarde. Com essa experiência, Inês percebe que a realidade funciona muito mais na base da conveniência do que da idealização e põe em prática a máxima "mais quero asno que me carregue do que cavalo que me derrube". "Agora quero tomar, pera boa vida gozar, um muito manso marido. Não no quero já sabido, pois tão caro há-de custar." Aceita o pedido de casamento de Pero Marques e passa a explorar a liberdade e a dedicação que ele lhe dá, chegando a, literalmente, carregá-la nas costas para atravessar um rio. Anote! Com essa peça, Gil Vicente quer mostrar que a sociedade da época é corrupta: a experiência de Inês Pereira mostra que o mundo é dos espertos e quem se dá bem são os mais hábeis na manipulação do contraste entre ser e parecer, entre essência e conveniência. nálise da obra - parte II Personagens Inês Pereira → a personagem central dessa farsa apresenta-se de duas maneiras distintas, segundo suas experiências. Primeiro, enquanto é solteira, gosta de se divertir, é alegre e pouco afeita aos afazeres domésticos. Não dá importância ao luxo, preferindo uma vida prazerosa, mesmo que pobre. Depois que se casa com o Escudeiro e descobre quem ele realmente é – a essência por trás da aparência –, Inês se vê obrigada a reavaliar seus ideais. O resultado dessa sua desilusão é expresso no modo como trata Pero Marques, seu segundo marido. Pero Marques (um Parvo) → representa o asno servil e é a personagem cômica da peça, por seu caráter estúpido, ingênuo e honesto. Brás da Mata (um Escudeiro) → encarna os oportunistas, abundantes na época de Gil Vicente, e é a personificação do contraste entre aparência e essência. Lianor Vaz (uma Alcoviteira) → essa personagem se diferencia das demais alcoviteiras do teatro vicentino, na medida em que se transforma numa confidente honesta e bem- intencionada. É uma figura com moral apreciável e bons conhecimentos na "arte" de promover casamentos. Assim como em Pero Marques, sua honestidade e boa fé se aliam à falta de agudeza crítica. Mãe de Inês → luta pela felicidade da filha iludida, mas, tendo dado seus conselhos, deixa -a aprender por si mesma, como mostram estes versos, logo após o casamento de Inês com o Escudeiro: "Mãe Ficai com Deus, filha minha, não virei cá tão asinha. A minha bênção hajais. Esta casa em que ficais vos dou, e vou-me à casinha." Dois judeus casamenteiros (Latão e Vidal) → aparentam uma atitude bajuladora, mas na verdade suas afirmações constituem críticas severas e justas tanto a Inês quanto ao Escudeiro. Conhecem bem os defeitos do pretendente que arranjaram para a moça, mas também sabem da preguiça, da vaidade e da leviandade de Inês. Por isso, zombam dos dois, expondo seus defeitos. Moço → é uma versão plebeia do próprio Escudeiro e é por ele que se conhecem os sentimentos e as intenções de Brás da Mata. Após a partida do patrão para o Marrocos, Inês fica aos cuidados do Moço, que a vigia o tempo todo. Moços e moças amigos de Inês → Fernando e Luzia são uma espécie de ideal de vida, encarnam a bondade e a pureza, a simplicidade e a ternura. Entretanto, é a morte e o desencanto presente em suas canções que desperta um vago pressentimento em Inês, anunciando o futuro que a espera. Um Ermitão → essa personagem serve como pretexto para mostrar concretamente o "asno" transportando Inês. Devia haver um caminho a percorrer e, como os ermitães viviam retirados, a verossimilhança era preservada. Além disso, por se tratar de uma jornada religiosa, o marido pode acompanhar Inês sem desconfiar de suas reais intenções. Gil Vicente serve-se ainda dessa personagem para criticar os maus padres de sua época, corrompidos pelos interesses materiais. Ao grupo deles pertence o clérigo que teria assediado Lianor Vaz. Estrutura Construída a partir do ditado "mais quero asno que me carregue do que cavalo que me derrube", a peça incorpora em sua estrutura a simetria existente entre os dois termos dessa comparação: Pero Marques encarna o asno que carregará Inês, enquanto o Escudeiro é o cavalo que a derruba. Para pôr em cena esses elementos, Gil Vicente utilizou na caracterização de Pero Marques aspectos que o aproximam de um asno: é parvo, teimoso, deselegante e servil. O Escudeiro, ao contrário, assemelha-se ao cavalo, pois se apresenta como um nobre e elegante cavaleiro. Entretanto, essa semelhança se esgota na aparência, pois quaisquer outras características que se poderiam atribuir aos cavalos (como lealdade, generosidade, valentia) ele não tem: é mentiroso, cínico, preguiçoso e covarde. Pode-se dizer que Lianor Vaz reforça o grupo de Pero Marques, a considerar seus valores: não tem interesses financeiros, é honesta, sensata e preocupada com o futuro de Inês, ao contrário dos judeus Latão e Vidigal, que são desonestos, mentirosos, mercenários e indiferentes ao futuro da moça. Para seguir à risca a comparação de superioridade que subjaz ao enredo ("mais quero asno que me carregue do que cavalo que me derrube"), é necessário mostrar que Pero Marques tem valores autênticos, os valores medievais, enquanto Brás da Mata se move por interesses materialistas, como os que predominam na época de Gil Vicente. O dito popular é cumprido literalmente nessa farsa: o asno não é melhor do que o cavalo, mas se torna preferível na medida em que não oferece perigo. Análise da obra A Farsa de Inês Pereira é considerada a mais complexa peça de Gil Vicente. Gil Vicente havia sido acusado de plagiar obras do teatro espanhol de Juan del Encina. Em vista disso, pediu para que aqueles que o acusavam dessem um tema para que ele pudesse, sobre ele, escrever uma peça. Deram-lhe o seguinte ditado popular como tema: Mais vale asno que me leve que cavalo que me derrube. No auge de sua carreira dramática, sobre este tema, Gil Vicente criou A Farsa de Inês Pereira, respondendo assim àqueles que o acusavam de plágio. A peça foi apresentada pela primeira vez para o rei D. João III, em 1523. Ao apresentá-la, o teatrólogo português diz: "A seguinte farsa de folgar foi representada ao muito alto e mui poderoso rei D. João, o terceiro do nome em Portugal, no seu Convento de Tomar, na era do Senhor 1523. O seu argumento é que, porquanto duvidavam certos homens de bom saber, se o Autor fazia de si mesmo estas obras, ou se as furtava de outros autores, lhe deram este tema sobre que fizesse: é um exemplo comum que dizem: Mais vale asno que me leve que cavalo que me derrube. E sobre este motivo se fez esta farsa." A Farsa de Inês Pereira é também considerada a peça mais divertida e humanista de Gil Vicente. O aspecto humanístico da obra vê-se pelo fato de que a protagonista trai o marido e não recebe por isso nenhuma punição ou censura, diferentemente de personagens de O Auto da Barca do Inferno e O Velho da Horta, que são castigadas por fatos moralmente parecidos. É uma comédia de caráter e de costumes, que retrata a vida doméstica e envolve tipos psicologicamente bem definidos. A protagonista, Inês Pereira, é uma típica rapariga, leviana, ociosa, namoradeira, que passa o tempo todo diante do espelho, a se enfeitar, tendo em vista um casamento nobre. Por meio dessa personagem, Gil Vicente critica as jovens burguesas, ambiciosas e insensatas. Criticas também na figura de Brás da Mata, o falso escudeiro, tirano e ambicioso, malandro, galanteador, bem-falante e bom cantante, superficial e covarde. As alcoviteiras, alvo freqüente da sátira de Gil Vicente, têm na fofoqueira Lianor Vaz mais um tipo inesquecível da galeria gil vicentina. A classe sacerdotal também é satirizada. Os judeus casamenteiros, Latão e Vidal, aparecem com seu linguajar e atitudes característicos. Gil Vicente esmera-se em compor o contraste entre Pero Marques, o primeiro pretendente, camponês rústico, provinciano, meio bobo, mas honesto e com boas intenções, e Inês Pereira, calculista, frívola e ambiciosa - uma rapariga fútil e insensata, a quem a experiência acabou ensinando a sua lição de vida. Acreditando que a atitude da protagonista expressa, inclusive, a partir de seu discurso - simboliza os valores de um mundo em transição, propiciando uma reflexão acerca das mentalidades medieval e pré-renascentista, nosso estudo propõe uma análise do auto em questão à luz dessa transição, em seus aspectos histórico, social e lingüístico, no olhar desse escritor situado entre dois mundos, sobretudo no que se refere ao papel da mulher. Estrutura da obra A Farsa de Inês Pereira é composta de três partes: 1. Inês fantasiosa - mostra Inês, seus desejos e ambições, e o momento em que é apresentada pela alcoviteira a Pero Marques. Essa parte retrata o cotidiano da protagonista e a situação da mulher na sociedade da época, por meio das falas de Inês, da mãe e da alcoviteira Lianor Vaz. 2. Inês mal-maridada - mostra as agruras do primeiro casamento de Inês. Nessa parte, o autor aborda o comércio casamenteiro, por meio das figuras dos judeus comerciantes e do arranjo matrimonial-mercantil, e o despertar de Inês para a realidade, abandonando as fantasias alimentadas até então. 3. Inês quite e desforrada - a protagonista casa-se pela segunda vez e trai o marido com um antigo admirador. Experiente e vivida, aqui Inês tira todo o proveito possível da situação que vive. Foco narrativo Não há, do modo tradicional, um narrador; em geral, há rubricas, isto é, anotações à parte da narrativa que servem de orientação para os atores ou para o leitor. São elas que esclarecem, geralmente, as questões de vestimenta, cenário, tempo, posição das personagens etc. As peças de Gil Vicente não trazem rubricas muito específicas. Outra grande característica presente no gênero dramático é a predominância do discurso direto. Como as personagens são representadas concretamente, elas mesmas têm direito à fala, sendo o diálogo o meio usado para criar a trama narrativa. Uma vez que as personagens falam diretamente, Gil Vicente, muito habilmente, soube usar essa artimanha para garantir o humor. Na fala de cada uma encontramos marcas importantes na delimitação de suas características: a ingenuidade de Pero Marques, o descaso e a argúcia de Inês, a malandragem do Escudeiro e daí em diante. Gil Vicente seguiu a Medida Velha, característica da poesia medieval. Todas as falas foram compostas em verso redondilhos maiores, isto é, com sete sílabas poéticas, e sempre rimados. Tempo / Espaço / Ação O tempo representado na peça não é indicado. As cenas vão tendo seqüência não dando a idéia de tempo decorrido entre uma e outra. A única menção feita é do período passado desde que o Escudeiro foi à guerra até a chegada da notícia de sua morte: três meses, segundo o Moço. A maioria das cenas se passa num mesmo espaço especificado apenas como a casa de Inês. Todos os personagens acabam passando por ali. Em alguns momentos, os personagens vêm se preparando no caminho para a casa, como acontece com Pero Marques, o Escudeiro e o Moço. Mas de nenhum desses lugares há indicações cenográficas específicas como descrição do ambiente, iluminação etc. A mesma desatenção aparece com relação aos trajes dos personagens. Apenas Pero Marques tem sua roupa genericamente explicitada: Aqui vem Pero Marques, vestido como filho de lavrador rico, com um gibão azul deitado ao ombro, com o capelo por diante. Personagens Inês Pereira: jovem esperta que se aborrece com o trabalho doméstico. Deseja ter liberdade e se divertir. Sonha casar-se com um marido que queira também aproveitar a vida. Principal personagem da peça. Moça bonita, solteira, pequena-burguesa. Seu cotidiano é enfadonho: passa os dias bordando, fiando, costurando. Sonha casar-se, vendo no casamento uma libertação dos trabalhos domésticos. Despreza o casamento com um homem simples, preferindo um marido de comportamento refinado. Idealiza-o como um fino cavalheiro que soubesse cantar e dançar. Contraria as recomendações maternas rejeitando Pero Marques e casando-se com Brás da Mata, frustra-se com a experiência e aprende que a vida pode ser boa ao lado de um humilde camponês. Inês deixa-se levar pelas aparências e ridiculariza Pero Marques despedindo-o de sua casa para receber Brás da Mata. Casa-se com ele, mas sua vida torna-se uma prisão, ela não pode sair e é constantemente vigiada por um moço. Inês sofre e chega a desejar a morte do marido. Ele morre covardemente na guerra e Inês casa-se com Pero Marques. Ele satisfaz todos os seus desejos e chega até a carregá-la nas costas para um encontro com um amante (sem saber, porém, que era para isso). Mãe de Inês: mulher de boa condição econômica, que sonha casar Inês com um homem de posses. É a típica dona de casa pequeno-burguesa e provinciana. Preocupada com a educação e o futuro da filha em idade de casar. Dá conselhos prudentes, inspirada por uma sabedoria popular imemorial. Chega a ser comovente em sua singela ternura pela filha, a quem presenteia com uma casa por ocasião das núpcias. Leonor Vaz: fofoqueira, encarregava-se normalmente em arranjar casamentos e encontros amorosos. É o esterótipo da comadre casamenteira que sabe seu ofício e dele se desincumbe com desenvoltura. Sabe valorizar seu produto com argumentos práticos de quem tem a experiência e o senso das coisas da vida. Pero Marques: primeiro pretendente de Inês rejeitado por ser grosseiro e simplório, apesar da boa condição financeira. Foi seu segundo marido. Camponês simples, não conhece os costumes das pessoas da cidade. É uma personagem ambígüa, ao mesmo tempo que é ridicularizado pela ingenuidade, é valorizado pela integridade de caráter. Fiel e dedicado, revela se um gentil e carinhoso marido. É tão simples que não sabe para que serve uma cadeira. É teimoso como um asno e diz que não se casará até que Inês o aceite um dia. Latão e Vidal: judeus casamenteiros, assim como Leonor. Os judeus casamenteiros são muito parecidos, têm as mesmas características, na verdade são o mesmo repartido em dois. São a caricatura do judeu hábil no comércio. Faladores, insinuantes, humildes, serviçais e maliciosos, são o estereótipo de que a literatura às vezes se serviu, como, por exemplo, no caso desta peça de Gil Vicente. Brás da Mata: escudeiro, índole má, primeiro marido de Inês. Interesseiro e dissimulado é a representação da esperteza das classes superiores. É um nobre empobrecido que não perde o orgulho e pretende aproveitar-se economicamente de Inês através do dote. Brás da Mata é um escudeiro, isto é, homem das armas que auxiliava os cavaleiros fidalgos. Na mudança do feudalismo para o capitalismo, a maioria permaneceu numa condição subalterna, procurando imitar a aristocracia. Moço: criado de Brás. Pobre coitado, explorado por um amo infame. Humilde, deixa-se explorar e acredita ingenuamente nas promessas do Escudeiro. Cumpre sua obrigação sem ver recompensa, mas é capaz de, em suas queixas, insinuar as farpas com que cutuca o mau patrão. Ermitão: antigo pretendente de Inês e amante depois de seu casamento com Pero. É um falso monge que veste o hábito para conseguir realizar seu propósito de possuir Inês. Fernando e Luzia: amigos e vizinhos da mãe de Inês. Enredo A peça tem início com a entrada de Inês Pereira cantando e fingindo que trabalha em um bordado. Logo começa a reclamar do tédio deste serviço e da vida que leva, sempre fechada em casa. A mãe, ouvindo suas reclamações, aconselha-a a ter paciência. Inês é uma jovem solteira que sofre a pressão constante do casamento. Imagina Inês casar-se com um homem que ao mesmo tempo seja alegre, bem-humorado, galante e que goste de dançar e cantar, o que já se percebe na primeira conversa que estabelece com sua mãe e Leonor Vaz. Essas duas têm uma visão mais prática do matrimônio: o que importa é que o marido cumpra suas obrigações financeiras, enquanto que Inês está apenas preocupada com o lado prazeroso, cortesão. Lianor Vaz aproxima-se contando que um padre a assediou no caminho. Depois de contar suas aventuras, diz que veio trazer uma proposta de casamento para Inês e lhe entrega uma carta de seu pretendente, Pero Marques, filho de lavrador rico, o que satisfazia a idéia de marido na visão de sua mãe. Inês aceita conhecê-lo apesar de não ter se interessado pela carta. Pessoalmente, acha Pero ainda mais desinteressante ainda e recusa o casamento. Sua esperança agora está nos Judeus casamenteiros a quem encomendou o noivo de seus sonhos. Aceita então a proposta de dois judeus casamenteiros divertidíssimos, Latão e Vidal, que somente se interessam no dinheiro que o casamento arranjado pode lhes render, não dando importância ao bem-estar da moça. Então lhe apresentam Brás da Mata, um escudeiro, que mostra-se exatamente do jeito que Inês esperava, apesar das desconfianças de sua mãe. Antes de vir conhecê-la, porém, o tal Escudeiro, na verdade, pretensioso e falido, combina com seu mal-humorado pajem as mentiras que dirá para enganar Inês. O plano dá certo e eles se casam. No entanto, consumado o casamento, Brás, seu marido, mostra ser tirano, proibindo-a de tudo, até de ir à janela. Chegava a pregar as janelas para que Inês não olhasse para a rua. Proibia Inês de cantar dentro de casa, pois queria uma mulher obediente e discreta. Encarcerada em sua própria casa, Inês encontra sua desgraça. Mas a desventura dura pouco pois Brás torna-se cavaleiro e é chamado para a guerra, onde morre nas mãos de um mouro quando fugia de forma covarde. Finalmente em liberdade, a moça não perde tempo.Viúva e mais experiente, fingindo tristeza pela morte do marido tirano, Inês aceita casar-se com Pero Marques, seu antigo pretendente. Aproveitando-se da ingenuidade de Pero, o trai descaradamente quando é procurada por um ermitão que tinha sido um antigo apaixonado seu. Marcam um encontro na ermida e Inês exige que Pero, seu marido, a leve ao encontro do ermitão. Ele obedece colocando-a montada em suas costas e levando Inês ao encontro do amante. Consuma-se assim o tema, que era um ditado popular de que "é melhor um asno que nos carregue do que um cavalo que nos derrube". . (UNIFESP) Para responder à questão, leia os versos seguintes, da famosa Farsa de Inês Pereira, escrita por Gil Vicente: Andar! Pero Marques seja! Quero tomar por esposo quem se tenha por ditoso de cada vez que me veja. Meu desejo eu retempero: asno que me leve quero, não cavalo valentão: antes lebre que leão, antes lavrador que Nero. Ache os cursos e faculdades ideais para você ! Sobre a Farsa de Inês Pereira, é correto afirmar que é um texto de natureza: (A) satírica, pertencente ao Humanismo português, em que se ridiculariza a ascensão social de Inês Pereira por meio de um casamento de conveniências. (B) didático-moralizante, do Barroco português, no qual as contradições humanas entre a vida terrena e a espiritual são apresentadas a partir dos casamentos complicados de Inês Pereira. (C) religiosa, pertencente ao Renascimento português, no qual se delineia o papel moralizante, com vistas à transformação do homem, a partir das situações embaraçosas vividas por Inês Pereira. (D) reformadora, do Renascimento português, com forte apelo religioso, pois se apresenta a religião como forma de orientar e salvar as pessoas pecadoras. (E) cômica, pertencente ao Humanismo português, no qual Gil Vicente, de forma sutil e irônica, critica a sociedade mercantil emergente, que prioriza os valores essencialmente materialistas. 2. (PUC-SP) O argumento da peça A Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente, consiste na demonstração do refrão popular “Mais quero asno que me carregue que cavalo que me derrube”. Identifique a alternativa que não corresponde ao provérbio, na construção da farsa: (A) A segunda parte do provérbio ilustra a experiência desastrosa do primeiro casamento. (B) O escudeiro Brás da Mata corresponde ao cavalo, animal nobre, que a derruba. (C) O segundo casamento exemplifica o primeiro termo, asno que a carrega. (D) O asno corresponde a Pero Marques, primeiro pretendente e segundo marido de Inês. (E) Cavalo e asno identificam a mesma personagem em diferentes momentos de sua vida conjugal.
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