ALENCAR Cultura e Identidade Sertões Do Brasil

March 28, 2018 | Author: Selton Passos | Category: Pop Culture, Brazil, Romanticism, Culture (General)


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Maria Amélia Garcia de AlencarBrasil Cultura e identidade nos sertões do Brasil: representações na música popular A categoria “sertão” está profundamente arraigada na cultura brasileira, seja no senso comum, seja no pensamento social ou ainda no imaginário do povo. Referência espacial e mítica, o sertão tem se constituído em categoria essencial para se pensar a nação brasileira. A etimologia da palavra ainda não é bem definida. Segundo Amado (1995) o vocábulo deriva de deserto (deserto, desertão, sertão), apoiando-se essa hipótese nos atributos comuns aos dois termos: aridez, despovoamento, travessia. No Brasil, desde o período colonial, a palavra sertão tem sido empregada para fazer referência a áreas as mais diversas, pois seu enunciado depende do locus de onde fala o enunciante. Assim, sertão se refere a áreas tão distintas e imprecisas como o interior de São Paulo (também identificada como área “caipira”) e da Bahia, toda a região amazônica, os estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, além do sertão nordestino, onde quase se identifica com a região. Marcado pela baixa densidade populacional e, em alguns lugares, pela aridez da vegetação e do clima, o sertão assinala a fronteira entre dois mundos, o atrasado e o civilizado. Mancha imprecisa que recobre o interior do Brasil, melhor seria a referência a “sertões”, no plural. Pode-se afirmar que, relativo ao espaço geográfico ou ao imaginário social, sertão é sempre plural. A pobreza era o traço mais característico dessas regiões. levando à descoberta de minas de ouro e pedras preciosas no que viria constituir os estados de Minas Gerais. vazios de civilização. Sertão era então espaço de liberdade e esperança. encontrou uma área de cantoria referente ao sertão nordestino. fugitivos de todo tipo. Surgiam arraiais e vilas. está sempre associada a rituais religiosos. fazendo roçados para a sobrevivência com suas famílias.hist. onde a autoridade buscava se impor sem sucesso. 1986) Tornou-se também abrigo para os expulsos da sociedade colonial. atestada nas casas simples de pau-a-pique. lugar da violência. geralmente associado ao roceiro do interior de São Paulo. in Del Priori. (Araújo. 1 Para fins deste trabalho. 2000). Goiás e oeste da Bahia. marcou o início da ocupação efetiva do território por colonizadores. ou sucedendo a essa após o seu declínio. http://www. criminosos.cl/historia/iaspmla. do indistinto e da desordem. Luiz Heitor. referente ao morador do sertão ou vaqueiro. Parte dessa população era constituída de camponeses volantes. nas danças. feras (reais e míticas) quando não do próprio demônio. que buscavam moradia de favor junto a algum grande proprietário ou que optavam por errar pelos campos desertos. ao estudar os gêneros e instrumentos musicais do Brasil. em fins do século XVII e início do XVIII. O perfil do sertanejo surgia em comportamentos condizentes com o meio social. A fronteira do Brasil foi empurrada para oeste. os termos “caipira”. Degredados. A música caipira de acordo com Martins. na maneira de vestir. com chão de barro e poucos móveis. que transmite lendas. Mato Grosso. Nas áreas não exploradas pela mineração.html 2 . (Souza. carregado de significados negativos -espaços distantes. a pecuária bovina foi responsável pela ocupação de vastos territórios. nos rodeios e vaquejadas. de trabalho ou lazer (1974). O sertão era a terra sem lei. com semelhanças e peculiaridades por todo o país. na literatura de cordel. contos e “causos”. e “sertanejo”. são tomados como equivalentes. de modo geral. habitat de índios bravios. encontravam ali um porto seguro onde reconstruir a vida. O movimento bandeirante. na música. A cultura dos sertões manifesta-se na religiosidade popular. no que Martins classificou de “economia de mínimos vitais” (1974)1. Muitas dessas características permanecem intocadas do Brasil do século XX.Cultura e identidade nos sertões do Brasil Desde o início da colonização o sertão foi. na comida e na poesia.puc. distante as autoridades régias. por exemplo. Na literatura romântica observa-se a passagem do indianismo para o sertanejismo. criticando o romantismo na literatura e nas artes. admitido como legítima expressão da cultura popular. o flautista Calado ou a “pianeira” Chiquinha Gonzaga. os primeiros sinais de uma busca do nacional no folclore. esses autores encontravam as fontes mais puras da nacionalidade.Maria Amélia Garcia de Alencar enquanto que a região centro-oeste e parte das regiões sul e sudeste foram incorporadas na área da moda-de-viola (Mapa das áreas musicais do Brasil. então. o final do século XIX viu avançar também o caráter nacional. Identificado aos atributos negativos construídos ao longo dos séculos. Na música popular urbana. quando a “geração de 1870”. Músicos profissionais imprimiam às suas composições os tons nacionais como. Na música erudita de compositores brasileiros também começaram a aparecer desde os fins do século XIX. teatro ou serenatas boêmias. começou a ressignificar a categoria. Sertão se tornou. ser do interior. A ressignificação dessa identidade teve início em fins do século XIX e se reafirma nos dias atuais. sertanejo era parte de uma identidade negativa. Os limites entre o erudito e o popular 3 Actas del III Congreso Latinoamericano de la Asociación Internacional para el Estudio de la Música Popular . A oposição à dicotomia litoral-sertão fez surgir uma produção intelectual que. de busca das raízes nacionais na cultura popular. em Grande sertão: veredas. agora como princípio explicativo e identitário da nação em processo de constituição. atingindo seu ponto mais alto com o regionalismo de Guimarães Rosa. expressando a preocupação com a construção de uma nação unificada. (Matos. caipira. movimento ampliado com o modernismo brasileiro. particularmente na música para dança. de 1956. No século XX. The New Grove Dictionary of Music and Musicians. como se verá adiante. na década de 1920. 1994) A vertente realista comandou o movimento de redescoberta do Brasil do sertão. categoria essencial do pensamento brasileiro. Grove. procurava superar aquela dicotomia. Na cultura do interior do país. 1980: 225). apesar do rápido avanço das frentes de expansão e do processo de modernização que atingiu (e atinge) o sertão brasileiro. Observe-se que estes autores retomam as propostas do romantismo alemão. O sertão incorporou-se ao pensamento social brasileiro em fins do século XIX. um certo sentimento de inferioridade em relação ao litoral pode ainda ser percebido. Ainda nos anos 20. até certo ponto. ao samba.Cultura e identidade nos sertões do Brasil tornavam-se imprecisos. com Villa-Lobos à frente. com a chegada dos primeiros discos e vitrolas elétricos. particularmente do nordeste. em decorrência da concentração de terras nas lavouras de café e da implantação das primeiras indústrias modernas a região sudeste. Desde os anos 20 deste século. foi muito importante no sentido da divulgação de valores e bens simbólicos. através de migrações que caracterizam a expansão da fronteira agrícola.puc. 1964). O conjunto de mudanças gerou a ocupação e inserção de novas áreas na economia de mercado. juntando-se ao maxixe.hist. assim como pelo processo industrial de produção e de consumo. O lundu saía das ruas para os salões de baile. Muitas músicas tradicionais do interior http://www.cl/historia/iaspmla.html 4 . O fluxo migratório era quase contínuo em direção ao interior do país. o desenvolvimento das técnicas de gravação. observa-se no Brasil um grande movimento de expansão do capital. acompanhado de um processo de rápida urbanização. Por outro lado. tornando-se violentamente a criação mais forte e a caracterização mais bela da nossa raça” (1941: 29). A música. na direção da incorporação do sertão como forma de construção da nação e a ideologia nacionalista atingiu momentos de euforia. pela técnica. Mário de Andrade escreveu sobre esse período: “A música popular cresce e se define com uma rapidez incrível. O progresso estendeu-se também ao rádio. às danças rurais. à moda de viola (ou toada). s/d ). O advento de meios técnicos de reprodução de formas de arte levaram à perda da “aura” que revestia as manifestações artísticas no passado. (Zan. no sentido inverso. A penetração dos trilhos da estrada de ferro e a melhoria nos meios de comunicação também favoreceram esse movimento. aos conjuntos de choros. abrindo-se a fase de ouro da música popular brasileira: 1927-1946 (Vasconcelos. teve um importante papel nesse processo. Em sentido inverso. foram atraídos pelas grandes cidades do sudeste. a modinha passava dos salões da Corte para os violões das ruas. os aspectos formais e estilísticos característicos de determinadas formas musicais. Durante o período Vargas (1930-1945). o Estado brasileiro fez-se presente. de forma enfática. muitos sertanejos. que atingiu particularmente o centro-oeste e a região amazônica. do microfone e auto-falantes. passam a ser condicionados. s/d). Seus temas retratam o cotidiano da vida rural. Entre 1926 e 1928 a Turma Caipira Cornélio Pires apresentava-se pelo interior paulista fazendo shows em que combinava a música caipira com anedotas. em parte. Nas rádios. a partir dos anos 40. ao tempo de duração das músicas gravadas. seguindo-se cinqüenta e oito gravações até 1930. composta no interior de São Paulo em 1918. Este novo repertório ganhou espaço importante em teatros e na própria indústria fonográfica. valorizando essas formas de manifestação musical em detrimento dos ritmos populares urbanos. A música popular. com violeiros. cateretês e modinhas sertanejas conquistavam um público relativamente amplo. com suas toadas. estando ainda indefinido o gênero que se imporia como símbolo da identidade musical do brasileiro. O sucesso da fórmula levou outros grupos a repeti-la e as gravadoras passaram a se interessar pelo gênero. uma modalidade criada entre a polca e a ranchera foi o rasqueado (Ulhôa. particularmente mexicanos (corridos e rancheras) e paraguaios (guarânias e polcas). como o Grupo de Caxangá e os Turunas da Mauricéia. como expressão da identidade nacional. ao seu apelo regionalista e nacionalista. côcos. No Brasil.Maria Amélia Garcia de Alencar do Brasil tiveram que ser adaptadas. emboladas. Em 1938 foi feita a primeira gravação de Saudades do matão. por exemplo. além de novos instrumentos. (Zan. com grande sucesso de público e crítica. por Jorge Galati. Em 1931 Cornélio Pires apresentou um show no Teatro Municipal de São Paulo. alem de foxtrotes e outros gêneros estrangeiros. composta em 1904 com o nome de Francana. s/d) Compositores da chamada música caipira (para alguns estudiosos “música sertaneja raiz”) gravaram seus primeiros discos nessa fase: em 1924 foi gravada a toada Tristeza do jeca. Para Caldas (1999) esse momento marca a transição entre a 5 Actas del III Congreso Latinoamericano de la Asociación Internacional para el Estudio de la Música Popular . como a harpa e o acordeon. mas conjuntos de tradição nordestina. O primeiro disco da Turma foi gravado em 1929. tocavam-se valsas. que se coadunava com as propostas das elites intelectuais modernistas. por Angelino Oliveira. a aceitação do gênero devia-se. Antero Gomes e Raul Torres. maxixes. ganhou as programações de rádio. O samba carioca dividia o espaço com a música regional e caipira. modinhas. a penetração de ritmos latinos na música caipira. Os avanços técnicos possibilitaram. catireiros e duplas sertanejas. Para Zan. 20). como ocorria com intensidade no Brasil da época. a música caipira feita na cidade. para o qual se sonhava voltar um dia. a embolada Minha viola e a canção Mardade da cabocla. para um público urbano. compositores já consagrados. como Catulo da Paixão Cearense. e Guacira. fizeram grande sucesso músicas de compositores muito conhecidos como Maringá. a temática rural logo mobilizou também compositores urbanos. Nessas canções surgia um campo edenizado. http://www. A crítica especializada a respeito dessa versão urbana do mundo sertanejo variou muito. gênero que persistirá na chamada MPB. a partir dos anos 70. que foram influenciados pelo regionalismo: as primeiras composições de Noel Rosa foram a toada Festa no céu. já integrada em nosso folclore. Por outro lado. Heckel Tavares compôs Casa de caboclo. uma das mais importantes da época. está muito aquém da poesia verdadeiramente sertaneja.cl/historia/iaspmla. escreveu: “. a respeito dos poemas sertanejos desse autor.puc.hist..sua poesia neste estilo. entre outras. com Luiz Peixoto. distante e puro. adequada à nostalgia dos que haviam deixado o campo em busca da cidade. Jarbas Mello na Revista da música popular (março-abril de 1955).html 6 . Gênero novo no repertório das rádios das grandes cidades. Sussuarana. Iniciava-se um novo gênero na música popular brasileira: a temática rural tratada por compositores de vivência urbana. Transitando entre o erudito e o popular. Na década de 1940. ou ainda improvisada nas vozes de nossos cantadores matutos” (p. deste último compositor. que expressa a tradição romântica do motivo do exílio.Cultura e identidade nos sertões do Brasil música caipira e a música sertaneja. com Joracy Camargo. em 1939. com Murilo Araújo. ou seja.. Rancho fundo de Ary Barroso e Lamatine Babo e Serra da Boa Esperança. também aderiram ao gênero: Luar do sertão tornou-se prefixo da Rádio Nacional. Esse sucesso pode ser explicado pela temática tratada. afora um ou outro poema de versos mais conseqüentes. em artigo intitulado “Catulo Letrista”. Só depois o compositor se tornou sambista da cidade. de Joubert de Carvalho. Essas músicas faziam sucesso em todo o país e se tornaram parte da memória musical de um grande número de brasileiros. Quanto à produção sertaneja de Catulo. jovens de classe média da zona sul da cidade esboçaram um movimento de reação à penetração da música estrangeira. não envolviam forçosamente a idéia de adulteração ou banalidade. o baião e os gêneros sertanejos (Tinhorão. entretanto. semi-eruditas. nos meios de comunicação. que divulgavam ritmos feitos para dançar. Duplas como Alvarenga e Ranchinho. as cantigas urbanas. Por outro lado. a adesão à música das grandes orquestras internacionais. sob a égide do nacional-desenvolvimentismo. Para esses. expressando o vai-e-vem entre a cultura erudita e a cultura popular. No Rio de Janeiro. o país se abria ao capital estrangeiro. o isolamento começava a ser ultrapassado.. preocupados com critérios de autenticidade. pela primeira vez. a “música de protesto” marcou a posição de jovens compositores contra a situação do país. “antes a de invenção numa determinada ordem estética. eventualmente. 1998).Maria Amélia Garcia de Alencar De modo geral. agora centrado na construção de Brasília e na transferência da capital para o sertão. Mais tarde. não desapareceram do cenário musical. a rede rodoviária cortou a região. excluída da classe das produções populares e nacionais. Nos anos 50. Dirigidos às camadas médias urbanas. e. os “anos dourados”. esses gêneros passaram a disputar espaço. nas grandes cidades. essa opinião concordava com a crítica de musicólogos modernistas. Começavam. Já para o musicólogo Renato Almeida. com a música tradicional. dominado pelos governos militares. a música ligada ao mercado cultural moderno era olhada com desconfiança. A partir de então. Tonico e Tinoco e mais tarde Pena Branca e Xavantinho. o frevo.. As toadas e poemas sertanejos de Catulo eram vistos como cópia da música folclórica (Travassos. no Brasil. Almeida a considerava admirável. que marcaram o período do pós-guerra até o advento da ditadura militar. ocorreu a retomada do expansionismo do período 30-45. aí incluídos o samba. A importação de bens de consumo facilitava. 2000: 51-52). com poucas alterações em relação 7 Actas del III Congreso Latinoamericano de la Asociación Internacional para el Estudio de la Música Popular . pois. em fins dos anos 50: a bossa nova. em 1964. Esses últimos.” (Almeida. 1942: 4). repercutindo sobre a economia regional. mantiveram-se em cartaz até os anos 70. nesse período. regiões como as do além São Francisco (oeste baiano) e. nessa fase de transição. 1999). enquanto a música sertaneja romântica se volta para os interesses da indústria cultural. inscreve-se na cultura de massa. também a uma internacionalização da música caipira/sertaneja. que se afirma nos anos 80 (Ulhôa. então.cl/historia/iaspmla. com altos índices de participação de capitais externos.Cultura e identidade nos sertões do Brasil às características originais da música caipira. incorporando-se. diferente da música sertaneja romântica. em muitos casos.html 8 . A abertura do sertão ao capital correspondia. os temas românticos predominaram. com uma vivência urbana mas ainda ligados ao mundo do sertão. o sucesso da fórmula levou as gravadoras a lançar inúmeras duplas com repertório e imagem semelhantes. buscando no mundo rural sua fonte de inspiração. O recurso tradicional da dupla caipira também foi substituído. Ulhôa identifica aí uma fase de transição para a música sertaneja romântica. A temática cantada. Por outro lado. O fim dos anos 60 marcou uma ruptura na música caipira quando a dupla Leo Canhoto e Robertinho introduziu a guitarra elétrica. Entre os compositores da MPB observa-se. tem procurado (re)produzir o imaginário do sertão. por extensão da “literatura regionalista”. baixo e bateria -instrumentação básica do rock. encontra-se geralmente entre universitários e segmentos da elite intelectual do país. como apontei atrás. Seu público. predominando narrativas sobre o cotidiano de migrantes nas grandes cidades.puc. individualista.hist. recaiu na modernização do setor agropecuário.associando-se à imagem do cowboy norte-americano e incluindo o “ritmo jovem” nas suas composições. pelo cantor solista. é essencialmente urbana. A última fase do avanço do capital para o sertão. recuperando a tradição iniciada com Catulo da Paixão Cearense. Nesse aspecto. 1992). Raramente é tocada nas rádios e os shows dos artistas que http://www. uma outra vertente que. Mais uma vez. A ênfase. mesclado-os à cultura popular. já na vigência dos governos militares. incorporaram elementos da cultura erudita. a música regionalista sofre grandes restrições na mídia. Chamo essa produção de “música regionalista”. Compositores do interior do país. teve início nos anos 70. rádios locais abriam espaço para duplas amadoras da região (Reily. mais intensivamente. A partir dos anos 80. a partir da década de 70. A nova política exigia a consolidação de novas áreas agrícolas. o Centro Oeste e a Amazônia no quadro da expansão do capitalismo no Brasil. 9 Actas del III Congreso Latinoamericano de la Asociación Internacional para el Estudio de la Música Popular . Seus discos. são produções independentes. à qual pertencem. independente. outras vezes escrevendo óperas. muitas vezes reproduzindo o linguajar sertanejo. a caatinga. Em determinada fase de sua vida interessou-se pela literatura e teve acesso a autores medievais. Dércio Marques e Paulinho Pedra Azul. destacamos. que o mantém desidratado como um couro bem curtido. lugar que escolheu para viver e escrever sua obra musical. principalmente da Península Ibérica. Renato Teixeira e Simone Guimarães e no Mato Grosso do Sul. Em 1962 Elomar gravou seu primeiro disco. além de autores clássicos. (Moraes. quando lançou o LP Das barrancas do Rio Gavião. nisso que suas composições são uma sábia mistura do romanceiro medieval. Mas a temática é sempre o sertão. Nars Chaul (letrista) e Fernando Perillo. cantos sacros. com apresentação de Vinícius de Moraes. Sobre compositor baiano. em Goiás. Entre os compositores que podem ser incluídos nesse grupo. tal como era praticado pelos reis-cavalheiros (sic) e menestréis errantes . em seus 34 anos de vida e muitos séculos de cultura musical.” . Raramente são encontrados na lojas e sua comercialização é feita nos shows.. em 1937. arquiteto de formação pela Universidade Federal da Bahia. no sertão baiano. por exemplo. em Minas Gerais.. como é hoje chamado por seus companheiros mais jovens. Foi aluno da violonista Edy Cajueiro e a partir daí começou a estudar música erudita no Conservatório de Salvador. mas o reconhecimento só veio em 1973. e do cancioneiro do Nordeste. que esbarram em grandes dificuldades de distribuição.. Almir Sater. além de inúmeros compositores/cantadores nordestinos.Maria Amélia Garcia de Alencar defendem esse repertório realizam-se num circuito pré-determinado de pequenas e médias cidades do interior. 1973) “Mestre” Elomar. concertos. pela radicalidade de sua obra. em São Paulo. com suas toadas em terças plangentes e suas canções de cordel. pode ser considerado um precurssor da geração que se seguiu a ele.. com freqüência. Elomar Figueira de Melo. O conjunto da obra de Elomar revela um trânsito muito livre entre o popular e o erudito. Elomar nasceu em Vitória da Conquista. escreveu o poeta-diplomata : “Pois assim é Elomar Figueira de Melo: um príncipe da caatinga. rios. s/d) http://www. eventos esportivos. aves.. Exposições e feiras rurais. céu. (Alem. luta pela terra. estações do ano. congraçamento entre companheiros. do Projeto Cantoria. há vários anos. afirma que: “Em anos recentes. Com esses últimos Elomar participa.. festivais de música. representações e o consumo de símbolos do mundo rural em diversos espaços sociais. Festa: viola. fome. o gado. peixes. ecologia. destacam-se alguns temas recorrentes. analisando a vasta produção industrial e mercantil de bens culturais disseminados através dos meios de comunicação de massa e consumidos em larga escala. seca. santos da devoção popular. a sociedade brasileira vem passando por uma experiência cultural inusitada: voltamos a ser quase todos meio caipiras. Questões sociais: liberdade. Do conjunto da obra desses autores. chuva. retirantes. apresentando-se em diversas cidades do país. Vital Farias e Geraldo Azevedo. Perfil semelhante tem o mineiro Renato Andrade. idealização da mulher. Formou-se uma verdadeira rede simbólica da ruralidade. que lançou seu primeiro álbum em 1977 -A fantática viola de Renato Andrade na música armorial mineira. religiosos e outros eventos envolvendo grandes públicos expandiram certas práticas... vento. rituais cívicos. sol. Renato Andrade uniu o popular e o erudito em sua obra.html 10 . Religiosidade: romarias.Cultura e identidade nos sertões do Brasil como Xangai..cl/historia/iaspmla. Folclore: animais do folclore regional. que conquistou o troféu Villa-Lobos.puc. água. João Marcos Alem. Ex-violinista clássico. ”. Amor: amor romântico. festas.hist. influenciado músicos como Almir Sater e Roberto Corrêa. rodeios. que podem ser reunidos em seis grandes grupos.. girando em torno do cotidiano da vida rural ou da nostalgia do exílio: Natureza: terra. cachaça. shows. quando transportada para a periferia do sistema capitalista.Maria Amélia Garcia de Alencar Alem indica que a ruralidade não se situa mais unicamente no campo. fundada em “raízes” e portadora de “autenticidade”. que nos ensina não ser necessário assumir a síndrome da subjugação. tais como a cultura. Ao contrário de uma lógica imperativa de homogeneização. a globalização assume formas novas e originais.. estão muito distantes das construções negativas feitas desde os séculos iniciais da colonização. As novas representações. O fenômeno não está ausente nas grandes cidades.. valorizando positivamente o homem do interior do Brasil e a sua cultura.. “cultura” não é uma totalidade integrada no espaço e contínua no tempo. A expansão da música sertaneja romântica (e mais recentemente da música country) e a atualidade do que chamo música regionalista apontam para uma ruralidade re-significada. até a indefinição. podem ser observadas a complexificação e as disjunções das interfaces entre as diversas esferas constitutivas da sociedade. a economia e a política”. além de algumas áreas dos estados da região Norte. In Madeira e Veloso. com predominância nas regiões Sudeste (interior de São Paulo. (Rouanet. numa sociedade em que a transição do rural para o urbano é ainda muito recente. tendo-se se expandido até o socialmente impreciso. dotada de uma “identidade” e de fronteiras bem definidas. Para esse autor. Prefácio. mas é mais nítido nas regiões interioranas indicadas. que manteve atitudes e sentimentos atrelados a complexos de inferioridade e à subserviência. Considerada como o mais recente desdobramento da modernidade.. Como afirmou Rouanet: “. “Uma 11 Actas del III Congreso Latinoamericano de la Asociación Internacional para el Estudio de la Música Popular . como São Paulo ou Rio de Janeiro. As manifestações vigorosas da cultura e da identidade do sertão reforçam a crítica pós-colonial. Sabe-se hoje que o processo de globalização gera suas contrapartidas particulares . atingidas mais intensamente pelo processo de modernização da produção rural. a globalização não deve ser vista apenas como um processo inexorável de nivelamento do mundo segundo os padrões da cultura ocidental. Minas Gerais e Rio de Janeiro) e Centro-Oeste (Goiás e Mato Grosso). 1999: 24-25) Para o antropólogo norte-americano James Clifford. Se certas ordens de diversidade de fato desapareceram. 1998: 10-11). também impuras.html 12 . Identidade. A desconstrução do discurso único do capitalismo como dominador e destruidor. A ambigüidade mantém o futuro das culturas locais em aberto. necessariamente. “sujas”. de diversas facções” (Clifford. Podemos constatar. um diálogo em aberto. Para Clifford. A música. cultura e identidade do sertão não são “autenticidades em perigo”. num processo inventivo e intercultural. de subculturas. Não se trata de simples “resistência” diante do novo. Também no século XXI. símbolos coletivos apropriados das influências externas. de uma afirmação de ser “caipira” ou “sertanejo” de novas maneiras. não essencial” (Clifford. através do viés da música. Raízes tradicionais são cortadas e reatadas. entre outras manifestações vigorosas da cultura e da identidade do sertão “são presentes-etnográficos-se-tranformando-em-futuros” (Clifford. As diferenças não desaparecem -são reafirmadas de novas maneiras. outras foram criadas ou traduzidas. o futuro não é (apenas) a monocultura. relacional e inventivo. 1998: 49). no mundo moderno. http://www. não existem “autenticidade puras” e as diferenças não podem ser localizadas apenas na continuidade ou tradição de uma cultura. concretamente. de acordo com o enfoque proposto por Clifford. A cultura regional tem aberto espaço para caminhos específicos através da modernidade e da globalização. “A identidade é conjuntural. 1988: 15). produz.Cultura e identidade nos sertões do Brasil cultura é. que.hist.cl/historia/iaspmla. criativo. “pureza” ameçada diante de novos valores que chegam. no século XX. no século XX. a cultura ocidental aparece como matéria-prima para a construção de novas ordens de diferenças. Segundo essa linha de interpretação.puc. a construção de outras histórias. de membros e não-membros. nessa perspectiva que venho apontando. é um problema cultural complexo. mas de uma nova elaboração. . en Revista da música popular.. Martins. Sertão.. Tão Ermo. s/d. The New Grove Dictionary of Music and Musicians. 1941. Nº 4.. James. 1974 “Viola quebrada”. Texto anexado ao CD Crisálida. São Paulo. ruralidade e indústria simbólica. Graal. 13 Actas del III Congreso Latinoamericano de la Asociación Internacional para el Estudio de la Música Popular . Cláudia Neiva de. Ed. 1999 “Prefácio”. “Catulo letrista”. ª Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII. “Música Sertaneja and Migrant Identity: The Stylistic Development of a Brazilian Genre”. New York. Vinicius de. Clifford. O que é música sertaneja. Moraes. Rouanet. Rio de Janeiro. F. 2 ed. 1973. 1995. João Marcos. Editora FGV. São Paulo. Jairo. Grove. Rio de Janeiro. out. Emanuel. London. 1942. Amado. Correa. 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