R2OTS Production (http://r2otsprod.deviantart.com/art/Aime-Cesaire-142214168) 1 Cem anos do “Poeta da Negritude” Aimé Césaire O ano de 2013 marca o centenário do poeta da Martinica Aimé Fernand David Césaire (1913- 2008). Chamamo-lhe de poeta para, notadamente, sintetizar a alma encantadora daquele que foi sim um poeta, e dos bons, um “surrealista”, como dizem... principalmente por causa do seu amigo André Breton (1896 -1966), quem o influenciou e, em troca, foi influenciado – mas Aimé também foi editor, dramaturgo, ensaísta, político, fundador do movimento literário da negritude e sobretudo anticolonialista. Dele, no seu “Un grand poète noir”, disse o amigo Breton: Aimé Césaire é um negro que não é somente um negro, mas alguém que engloba a todos os seres humanos, que exprime todas as interrogações, todas as angústias, todos as esperanças e todos os êxtases, e que se impõem a mim cada vez mais como o protótipo da dignidade . Com Leopold Sédar Senghor (1906-2001) e outros estudantes Césaire fundou o jornal L’Étudiant Noir” (“O Estudante Negro” – em 1934). O periódico apareceu como uma reação direta dos estudantes das Antilhas e das Guianas contra a opressão francesa no caribe e na África. Foi ali, pela primeira vez, que se apontou o termo “negritude”, cunhado pelo poeta, como um conceito político, uma busca contínua de uma “identidade ancestral africana” não colaboracionista e uma contundente rejeição da assimilação cultural europeia, então desvalorizada pelo racismo, cuja fonte crucial era a ideologia colonial. Contra aqueles que não pensam na “negritude” como um dado “universal”, grita o grande poeta: “Eu sou da raça dos que são oprimidos ”. O antilhano Frantz Fanon, com o seu livro “Os Condenados da Terra” de 1961 seguiu a mesma crítica das palavras agudas, contundentes e precisas trazidas pelo livro anterior de Aimé Césaire “Discurso sobre o Colonialismo” de 1955; que descreve de modo eloquente o impacto feroz do capitalismo e do colonialismo europeu sobre as Áfricas e as Américas. Este livro de Césaire mostrava ainda como era forçoso que ambos, colonizadores e colonizados revisassem os conteúdos de termos subutilizados tais como “Progresso”, “Civilização”, “Cultura Primitiva”, “Homem Selvagem” etc., partindo, assim, do ponto de vista do colonizado, ele trazia para todos os envolvidos a responsabilidade desta redefinição e a profunda inversão de todos os valores. Em 1938, Césaire conclui outra grande obra Cahier d’un retour au pays natal (“Diário de um Retorno ao País Natal”, relançado pela EDUSP, em 2012). Nesses “cadernos”, Aimé Césaire reconstitui em poemas uma linguagem que se alarga desde as rigorosas sagas tradicionais até os rigores despretensiosos da lírica da modernidade – lêse a todo tempo em suas metáforas a expressão de sua revolta. Além de um “insubmisso”, Césaire foi lido como alguém localizado em seu tempo, e, a considerar seu discurso original e sua extrema qualidade literária, leu-se Césaire como se leu a revolução, na renovação da língua, dos sentidos e da sociedade – nesse sentido, Césaire 2 representou ao mesmo tempo um “ativismo” intelectual e uma “vanguarda” erudita. Então, não teve jeito; a Europa se curvou para ler o intelectual negro. A velha e envergonhada França, que século e meio antes, teve de ouvir dos revoltosos haitianos o grito de liberdade, na paradoxal “crítica da crítica” (enquanto os haitianos relançavam em sua face as imortais palavras Liberté, Igualité, Fraternité!) forçou-se a encarar outro de seus críticos Aimé Cesaire, como o suprassumo de sua própria tradição humanista. Não é à toa que três anos depois de sua morte os Franceses reservaram ao velho Aimé Cesaire um lugar no Panthéon (“monumento para se evocar a honra dos grandes personagens que marcaram a história da França”): o universalismo humanista encara de frente e a todo momento as entranhas de sua curiosa contradição. Aimé! (“Amado”) seu nome também é relembrado entre nós brasileiros neste seu centenário. Porém, relembramos enfastiados ainda e com certa ansiedade impertinente sobre a quase ausência de traduções dos seus livros em língua portuguesa! Renato Araújo/ Maio 2013 (
[email protected]) (…) Partir. Uma vez que existem homens-hienas e homens-panteras, eu serei um homem judeu Um homem-cafre Um homem-hindu-de-Calcutá Um homem do Harlém-que-não-vota O homem-fome, o homem-insulto, o homem-tortura Que a qualquer momento pode ser abusado e espancado a murros, ou morto – sim, matá-lo – sem a ninguém dar contas nem apresentar desculpas Um homem-judeu Um homem-pogrom Um cachorro Um mendigo Mas será possível matar o Remorso, belo como a face estupefata de uma senhora inglesa que descobre em sua sopeira um crânio de Hotentote? (Aimé Cesáire “Diário de Um Retorno ao País Natal” – trad. Marta Lança) 3