Afasia de Broca Monografia

March 24, 2018 | Author: calfono | Category: Linguistics, Word, Aphasia, Communication, Stroke


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MONOGRAFIACEFAC – CURITIBA – 1999 BETINA S. MORESCHI ANTONIO GESTOS ARTICULATÓRIOS X AFASIA DE BLOCA INTRODUÇÃO A afasia considerada uma “patologia de linguagem”, descreve-se aqui no âmbito da motricidade oral, vindo estreitar as relações entre os distúrbios de linguagem e as alterações da motricidade oral. A espécie humana sofreu uma importante mudança no momento em que sua musculatura foi posta sob controle operante. A partir daí a comunicação que antes apresentava-se somente através de gritos de alerta, grunhidos e outras respostas inatas, passou a traduzir-se como comportamento vocal operante ampliando a esfera de ação do ambiente social. Denomina-se gesto articulatório toda a movimentação de órgãos fonoarticulatórios (OFA), que tenha por objetivo seja produzir um som modulado com ou sem significado lingüístico. A articulação dos sons foi dando origem a palavras com significados, e essas palavras originando discursos. Intuitivamente, a fala humana pode ser decomposta em gestos elementares (ou articulatórios), como os movimentos dos lábios , os movimentos de língua, ou os movimentos do véu do palato para marcar a transição entre sons nasais e não nasais. A cada um desses gestos articulatórios correspondem fenômenos acústicos 1 diferentes, perceptíveis subjetivamente por um ouvinte, ou avaliados objetivamente através de sua decomposição em partes com o auxílio de aparelhos. Várias patologias podem alterar esse “processo fonológico”, estando entre elas a afasia. A afasia é uma desordem adquirida da comunicação, que tem por sintoma preliminar uma inabilidade em expressar-se, entretanto, em alguns casos, a leitura e a escrita e/ou a compreensão do discurso podem estar alterados. Este estudo irá centrar-se em aspectos da atividade nervosa superior relevantes para a produção da fala. A fim de apresentar e analisar um quadro de “Afasia de Broca”, fez-se um acompanhamento longitudinal de um caso, esperando-se poder no final deste trabalho ter esclarecido os seguintes aspectos: 1- Como ocorre a incapacidade de expressão na “Afasia de Broca”, apesar da integridade dos órgãos e gestos articulatórios. 2- Qual o nível de comprometimento e quais as características apresentadas pela linguagem ainda remanescente, na afasia avaliada. 3Como acontece a reconstrução da sintaxe, nesta afasia, na interação com o outro. A “Afasia de Broca”, pode ser também encontrada na literatura descrita como agramatismo, por ser este o sintoma mais comum desta síndrome. As características distintivas de agramatismo são tipicamente fala trabalhada (possivelmente devido ao dano no controle motor adjacente à área de Broca que controla a mandíbula, língua, lábios etc.) e uma falta de uso de gramática em produção de fala e compreensão, porém nem todos os pacientes agramáticos para a fala apresentam compreensão agramática. 2 consideram a apraxia um transtorno da atividade gestual que ocorre em um sujeito cujos sistemas responsáveis pela execução do ato motor estão relativamente íntegros e sem déficit intelectual significativo. a integridade dos sistemas motores e da atividade intelectual não deve ser pensada de maneira absoluta. Hecaen (1972) e Barraquer-Bordas (1973). isto é. e os circuitos auxiliares dos quais participam os núcleos da base e cerebelo estão relativamente íntegros. de atenção ou rebaixamento de inteligência significativos. Ajuriaguerra e Tissot (1969). Para iniciar esta discussão teórica. faz-se necessária uma descrição das diferentes classificações de apraxia . sem os quais não seria possível. da Neurologia e da Neurolingüística para a execução deste estudo. uma vez que um dos objetivos deste estudo está em interrelacionar a apraxia motora oral (de OFA). analisa a definição clássica. sem problemas gnósicos (perceptuais). com o nosso caso de afasia de Broca. 3 . ou seja. citados por Ajuriaguerra e Hecaen (1964). A.As apraxias e a apraxia motora de órgãos fonoarticulatórios Ajuriaguerra e Hecaen (1964). Rodrigues (1992). concluindo que desta forma as alças motoras segmentar e cortico-espino-cortical. vem mais uma vez desempenhar seu papel no sucesso do trabalho científico. o gesto articulatório e sua relação com o sistema nervoso central 1.Classificação das apraxias As apraxias dividem-se classicamente em três tipos.DISCUSSÃO TEÓRICA A interdisciplinaridade. traduzem a importância da troca de conhecimentos teóricos entre áreas de ciências afins. como também que o paciente tem plena consciência do ato a ser realizado. Os empréstimos teóricos da Lingüística. daí o nome apraxia ideomotora. elemento motor para outro. a situação que refere o paciente C. onde as seqüências motoras individuais estão preservadas. A velocidade e precisão da movimentação do membro envolvido independe da complexidade do gesto realizado. fazer o sinal da cruz. Apraxia ideomotora. o que o paciente não consegue fazer é levar a idéia para o movimento. resultando num quadro denominado afasia motora eferente. enquanto o sistema do ato como um todo está prejudicado. etc. de maneira espontânea . propôs uma classificação das apraxias relacionada com o papel dos diferentes lobos do córtex cerebral. Luria (1981). Esta apraxia é descrita como unilateral e contralateral ao hemisfério lesionado. Por exemplo.No entanto. uma vez que pode imitar perfeitamente estes atos.. é um ato que pode ser realizado corretamente. Apraxia melocinética. em um contexto mais natural.Apraxia ideatória. Rodrigues (1992). Este. Apraxia motora. formas particulares .onde a dificuldade aparece na execução de gestos com valor simbólico (como dar tchau. a apraxia ideomotora decorrendo de distúrbios na evocação de imagens motoras e a apraxia melocinética resultando da desconexão ou inativação dos centros efetores. no entanto.). resume a apraxia ideatória correspondendo a dificuldades na organização do plano geral do ato motor. decorrente de lesões nas áreas secundárias dos lobos frontal e parietal. quando vai por leite na xícara põe no prato de sopa. como apraxia para vestir-se. esta seria subdividida em apraxia motora eferente ( área 6 de Brodmann ) traduziria a dificuldade da passagem suave de um . 4 . apraxia para marcha e apraxia bucofacial. com uma xícara e um prato de sopa em sua frente. não tem relação com paralisia de membros. onde a dificuldade na atividade gestual decorre somente de falta de habilidade na realização de movimentos finos. Existem também. (área 5 e partes das áreas 7 e 40 de Brodmann ). que resultariam em dificuldades na integração das informações somestésicas.equivalente a afasia de Broca. manifestada quer em membros superiores. decorrente de lesões nas áreas terciárias do lobo frontal. descreveu a apraxia bucofacial ao analisar um de seus pacientes que não conseguia lateralizar a língua. Jackson. prejudicando a realização de gestos ou construções no espaço orientadas em relação a um sistema de coordenadas.A questão das apraxias em OFA Rodrigues (1992). por exemplo. vestibulares e visuais. Hecaen (1972 e 1981). quer nos movimentos articulatórios. classifica esta apraxia juntamente com as apraxias ideomotoras pela existência de uma dissociação entre movimentos “voluntários” e outros realizados de forma 5 . B. no entanto não apresentava problema algum em retirar migalhas de pão dos cantos da boca em condições usuais. quando solicitado. O segundo tipo descrito por Luria (1981). descreve as apraxias de OFA como aquelas que prejudicam a atividade da mímica facial. A outra subdivisão. podendo resultar em dificuldades articulatórias. Finalmente o terceiro tipo descrito pelo mesmo autor. decorrente de lesões nas áreas de terciárias do córtex parieto-temporo- occipital. áreas pré-frontais. que resultariam em dificuldades na programação do ato motor com relativa integridade de seqüências motoras individuais. seria a apraxia motora aferente. a imitação de gestos de lábios e língua. montagem de cubos e quebra-cabeças. decorrente de lesão na área secundária parietal. por exemplo. denominado apraxia frontal. designado como apraxia construtiva. onde o paciente apresenta dificuldade na execução de movimentos diferentes e perda da fineza e precisão. O segundo. afirmam que “a apraxia bucofacial é mais intimamente ligada com a apraxia melocinética (motora) do que com a ideomotora”. em regiões vizinhas àquelas onde se dá a projeção somestésica primária das colunas sensitivas dos OFA em SI. por um lado.“automática”. conseqüência de lesões na área secundária frontal. Nessa situação. acarretando confusão entre sons próximos. equivalente à afasia de Broca ( relacionada com o estudo de caso em questão neste estudo). as disartrias e. deficiências intelectuais que interfiram no pensamento verbal. acarretando perda na fluência da fala. correspondentes à área de Broca. afasia motora eferente. 1. os distúrbios articulatórios ocorrem decorrentes das dificuldades na passagem de um articulema para outro. constituído por pacientes que apresentam a dissociação entre movimentos voluntários e automáticos. área 6 de Brodmann (Fig. A segunda. chamada afasia motora aferente. relaciona as apraxias motoras de OFA. implicando formas mais complexas de prejuízo da fala (afasias) ou déficits de inteligência propriamente ditos. A apraxia motora de OFA exclui. com as duas formas clínicas de afasias motoras. caracterizando uma forma de apraxia motora de OFA. decorrente de lesões na área secundária parietal. em regiões vizinhas àquelas em que estão situadas as colunas motoras dos OFA em MI. A primeira. Estes autores mostram dois grupos diferentes de pacientes com apraxia bucofacial: o primeiro grupo. aparecem as dificuldades para realizar articulemas semelhantes. constituído por indivíduos que apresentam dificuldades em toda a movimentação de OFA.4). 6 . por outro. Ajuriaguerra e Tissot (1969). entretanto. A característica fisiopatológica fundamental destas duas formas clínicas de afasia seria a apraxia motora de OFA. caracterizando uma forma de apraxia ideomotora em OFA. Luria (1981). impõe objeções ao conceito de apraxia de fala.C. devido a lesão cerebral. ou seja. considera que tais prejuízos decorrem. que definiu como uma “desordem articulatória resultante de prejuízo. não da perda de uma dada função. resultando em dificuldades de discriminação acústica dos segmentos fonéticos ou perda da habilidade para seqüenciá-los.. afirmam que as substituições consonantais observadas ocorriam ao acaso e não eram relacionadas com o 7 . a partir do ponto de vista de perda de função. independentes de fatores periféricos. O outro ponto de vista. lentidão ou incoordenação da musculatura da fala. Johns e Darley (1970). Martin (1974). da capacidade de programar a posição da musculatura da fala para a produção volitiva de fonemas e de seqüencializar os movimentos musculares para a produção de palavras”. Darley et al. mas de uma redução de eficiência de todo o sistema.(Johns e Darley. que poderiam significar prejuízo dos níveis inferiores do sistema motor da fala (disartria)”. 1970). Com respeito à regularidade. “a apraxia de fala”. considera que tais prejuízos decorrem de lesões em sítios anatômicos determinados. e argumenta que tal entidade clínica decorre de distúrbios em processos lingüísticos. As evidências que comprovam essa posição são de dois tipos: a regularidade dos erros observados e o peso do fator semântico nesses mesmos erros. Um deles. propôs a existência de uma entidade clínica. perda de funções adquiridas. refletindo o ponto de vista da redução de eficiência.“Perda de Função” X “ Redução de Eficiência” Considerando o prejuízo fonêmico dentro do campo das afasias pode-se dizer que há dois pontos de vista básicos. E complementa: “estes erros complexos e variáveis não têm sua origem em prejuízo perceptual (afasia)” e “ocorrem na ausência de fraqueza. Trost e Canter (1974) e Klich et al. (1979). e as substituições geralmente diferiam de um traço distintivo do fonema alvo. avaliando a produção articulatória de pacientes com diagnóstico de apraxia de fala. Para tais autores. coincidem com os dados acima. o que para eles refere a existência de deficiências lingüísticas envolvidas. Blumstein (1973) e Martin e Rigrodsky (1974).alvo fonético. Observações feitas em pacientes afásicos por Lécours e Lhermitte (1973). Rodrigues (1992). refletindo uma redução de eficiência de todo o sistema. concluíram que o componente semântico das palavras é importante na produção fonêmica. independentemente dos sítios anatômicos lesados. alguns estudos mostram o contrário. apesar das diferenças propostas entre o conceito de apraxia de fala e o das afasias. isso significa que. parece haver padrões fonológicos de desintegração fonética que se manifestam de maneira semelhante. genericamente denominados afasias. preocupou diversos autores. Dunlop e Marquardt (1977). que. mostram sua concordância. Já o peso do fator semântico. desde o seu surgimento. encontraram em pacientes com diagnóstico de apraxia para fala uma correlação positiva entre o número de erros articulatórios cometidos e o grau de abstração das palavras em questão. o que indica não haver uma distinção entre os atos motores de fala e outros processos lingüísticos. Entretanto. ao criar a vasta sinonímia citada. Martin e Rigrodsky (1974). ao avaliarem a fala de pacientes afásicos. modernizado como apraxia de fala. observaram que os erros eram sistemáticos. Contrapõe perda de função e redução de eficiência resumindo: em relação à perda de função. centra idéia de que os distúrbios na produção fonêmica podem depender apenas de perturbações 8 . conclui que . ou pelo menos sua preocupação com a possibilidade de distúrbios no ato motor da fala ocorrerem como fenômenos distintos de prejuízos nos processos lingüísticos. o conceito de anartria. podendo ou não se associarem a alterações de outros processos cognitivos”. “ A linguagem é o resultado de uma atividade nervosa complexa. irá centrar-se nos processos lingüísticos que estão alterados na síndrome estudada aqui. está a idéia de que tais distúrbios refletem sempre perturbações em fatores centrais e processos lingüísticos. 2.Uma rápida revisão histórica Conforme conceitua Coudry (1988).“Linguagem X Afasia de Broca” A. em zonas responsáveis pela linguagem. são caracterizadas por redução e disfunção. Essas alterações. como nos casos de apraxia de fala. de acordo com uma convenção inerente a uma comunidade Lingüística”. afasia de Broca. que se manifestam tanto no aspecto expressivo quanto receptivo da linguagem oral e escrita. A comunicação representa a capacidade de transmissão de informação. 9 . complementa Chapey (1996). que permite a comunicação interindividual de estados psíquicos. considerando a interdisciplinaridade deste. através da materialização de signos multimodais que simbolizam estes estados. Em relação à redução de eficiência.em fatores periféricos e processos não lingüísticos. A segunda parte dessa discussão teórica. e como a linguagem do paciente portador dessa síndrome se apresenta.definem a linguagem de uma forma suficientemente ampla e adequada. “a afasia se caracteriza por alterações dos processos lingüísticos de significação de origem articulatória no sistema nervoso central. Lecours e Cols (1979). da qual utilizar-se-á este estudo. Os seres humanos transmitem informações de natureza diversa e através de diferentes sistemas. embora em diferentes graus em cada uma dessas modalidades. sistema e uso. seja a atividade do sujeito na situação efetiva da fala. os quais são responsáveis por outras alterações lingüísticas decorrentes. Coudry (1988). portanto. abandona o trabalho com a linguagem enquanto concebida como código acabado (como em Saussure e Yakobson) e abarca uma linguagem sob a concepção interacionista (como postulam Coudry e Franchi). superar dicotomias como língua e fala. 10 . faz então sua reflexão teórica. Gregolin-Guindaste (1996). o seu funcionamento na dimensão contextual e social. por ser este o sintoma predominante desta afasia. competência e performance. atuam sobre os outros. havendo limitação de recursos sintáticos. os homens atuam sobre o mundo estruturando a realidade. em que os homens por ela. É necessário. na dimensão cognitiva em que. para integrar. É importante salientar que na literatura pode ser também encontrada como agramatismo. por razões metodológicas excluam. resume o agramatismo como uma afasia específica. por ela. considerando uma prática que se dá com o sujeito e visa avaliação dos efeitos patológicos e a reconstituição da linguagem desse sujeito. que apresenta alterações nos aspectos gramaticais da linguagem. e rejeita concepções teóricas que. em uma concepção abrangente de linguagem.A afasia sobre a qual iremos nos aprofundar e relacionar ao nosso paciente (aqui identificado como C) é a Afasia de Broca. considerada de ordem motora ou de expressão. na dimensão subjetiva em que eles se constituem como sujeitos. portanto. Este estudo. sejam os aspectos históricos e sociais da linguagem. o agramatismo existe. nem semântico. faz inferências. associada ao quadro afásico dificulta. Além disso. há características comuns nas diferentes línguas. relacionada à produção verbal. Ao caracterizar-se o agramatismo. 9. é preciso considerar o fato de que a apraxia oral é responsável pela desorganização da atividade simbólica. de natureza sintática e causado por lesão cerebral na área de Broca. tem consciência dos próprios problemas de linguagem e compreende as sentenças. A pesquisa iniciada por Coudry (1996). nem pragmático. 7. 8. e os experimentos realizados conforme relatado em Gregolin Guindaste (1996). a diversidade dentro da categoria deve-se a graus de severidade diferentes. a estrutura sintática básica da sentença (SVO) está preservada. não lexical. 11 . concordância e preposições. permitem selecionar os seguintes fatos a respeito do agramatismo 1. a produção verbal. O sujeito acometido de agramatismo continua tendo conhecimento do mundo. tem memória. caracterizam o agramatismo genericamente por um conjunto de fenômenos lingüísticos patológicos. torna-se necessário explicitar o que o paciente é capaz e o que ele não é capaz de compreender e/ou produzir. o problema é sintático. 3. 4. as relações temáticas estão preservadas. o conhecimento de mundo está preservado. 2.B. 6. ocorrem problemas com flexões. O que pode ocorrer é que uma apraxia oral grave ou moderada. 5.A caracterização do agramatismo Gregolin Guindaste e Coudry (1996). o agramatismo não constitui demência. 13. atualmente com 63 anos de idade. 12 .através da interação com o outro. porém com dificuldade. 12. um sujeito do sexo masculino. fez-se um acompanhamento longitudinal do caso.. etc.. foram selecionadas algumas passagens de C. tem boa compreensão dos fatos do mundo e lê. juiz de direito. iniciado em setembro de 1998. 11. narrativas. ) Para o levantamento dos dados. causa AVC (acidente vascular cerebral). na linguagem de um indivíduo acometido por afasia de Broca (agramatismo). trilingüe (inglês. português e grego). inexistem subordinações. foram obtidos em situações discursivas envolvendo várias atividades enunciativas e diferentes configurações textuais (diálogos. para iniciar-se a elucidação sobre o caso. a produção está mais afetada que a compreensão. a complexidade sintática ( em relação à hierarquia de categorias funcionais) é a razão do bloqueio tanto para a produção como para compreensão. vídeo e filmadora. Os dados para este estudo de caso. foi utilizado gravador. ANÁLISE DE DADOS Um Estudo de Caso Com o objetivo de analisar e apresentar como ocorre a reconstrução da sintaxe. Entre as fitas gravadas.. portador de lesão cerebral adquirida. ocorrido em fevereiro de 1998. Trata-se do paciente C. a linguagem é econômica.10. C. Franzir o nariz. contar até 5 e relaxar (10 vezes). 3. a execução de movimentos práxicos de OFA ( elevar e abaixar a língua. piscar os olhos separadamente. onde o paciente deveria executar todos os dias. protruir e retrair os lábios.Estalar a língua. 2. demonstrando claramente já haver uma atrofia muscular como seqüela em OFA . fazendo cara de assustado..Protruir os lábios. elevar as sobrancelhas.. espelho. o que ficou explicado após a avaliação. O resultado obtido foi: o paciente é capaz de executar todos os movimentos solicitados.Elevar as sobrancelhas. bem lento e ir aumentando a velocidade. vela para sopro). levar a língua até as comissuras labiais. Foi solicitado ao paciente C. Iniciou-se portanto um trabalho terapêutico de mobilidade e tonicidade de OFA. A maior queixa de C. A mobilidade e tonicidade de OFA também foram trabalhadas com alguns facilitadores ( guia de língua. assim como uma assimetria destes mesmos órgãos. das praxias motoras traduziu algumas alterações. contar até 5 e relaxar (10 vezes) 6. fazendo cara de cheiro ruim. contar até 5 e relaxar (10 vezes).Retrair os lábios. contar até 5 e relaxar (10vezes) 5. era que não conseguia fazer a barba sem cortar-se.Esta análise.Fazer cara de bravo. onde constatou-se a assimetria facial e hipotonicidade muscular do lado direito do rosto. a fim de se conseguir o gesto 13 . A avaliação feita em setembro de1998. entre outros). primeiramente tratará dos dados levantados quanto a integridade de OFA e sua relação com o gesto articulatório. os seguintes exercícios: 1. contar até 5 e relaxar (10 vezes) 4. encher as bochechas de ar e estourá-las sem a ajuda das mãos. porém com muita dificuldade. durante as sessões de terapia. referiu que não cortava-se mais ao fazer a barba. o importante vínculo estabelecido entre terapeuta e paciente. para contração e encurtamento de masseter e estímulo da sensibilidade. Utilizaremos o episódio descrito abaixo como amostra dos dados no início do acompanhamento. Cabe aqui ressaltar.articulatório voluntário sem a necessidade de apoio contextua. O trabalho fonêmico iniciou-se com a percepção das consoantes e seus traços característicos: ponto.. A fala de C. obteve-se uma melhora da inteligibilidade. Para análise do discurso de C. mostrando maior dificuldade para emissão dos fonemas linguodentais.. em relação à estes dados. sonoridade e nasalidade. Esta melhora era nitidamente visível e. velocidade e rítmo da fala de C. serão utilizadas algumas passagens do paciente que foram degravadas das fitas gravadas. A execução dos exercícios era observada durante as sessões de terapia e as orientações eram feitas. Concomitantemente.. apresentava-se lenta e trabalhada. estes são aspectos ainda trabalhados no caso do referido paciente . modo e tempo de articulação. fator este determinante no sucesso deste trabalho. (10/1998) 14 . comprovou-se a melhora significativa de C. Apesar dos resultados positivos citados acima. já começou a demonstrar sinais de melhora quanto a motricidade oral. com uma nova avaliação da tonicidade e das praxias orais. Esta ginástica articulatória visava a automatização das posições dos distintos órgãos fonatórios. C.. assim como massagens orofaciais executadas pela terapeuta. No final de quatro semanas. : Com? C.. tenta ler orações escritas no quadro..C. não é? C. Mais uma vez..: Um cigarro! C.: Cigarro....: Muito bem. agora o senhor percebeu que alguma coisa está errada. como por exemplo: “Faço omeletes com ovos”. escreve uma frase no quadro: “ Faz cinco anos que não fumo um cigarro”.: Faz cinco anos eu.: Não fumo mais cigarro... Investigador. (exatamente o tempo que o paciente está sem fumar).ovo! C..: Fa (prompiting para faço). INV.. INV. INV... C. não. C.: Ovo. C.: Faz um ano eu não tenho mais cigarro com.: Faço ôni.. omelete com ovo. INV. Agora sim.. 15 ..: Fazer um omelete com ônibus..: Fazer um omelete com ovos. INV.: Isso aí! Os dados acima mostram o momento em que o paciente busca a reorganização da categoria verbal desestruturada na flexão. C.. C.. tá. INV.: Faço omelete com ovos! INV.: Faz cinco anos eu não tenho um..: não. .. INV.: E um rapaz.: Mundo. foi pedido ao paciente que lesse o título na capa. C....: Agora inteira.: Um padre e um rapaz estava. Nota-se no episódio acima que o paciente mantém a categoria semântica. e um rapaz dentro. Eles viajavam pelo . demonstra ter preservado aspectos mecanicistas da linguagem.. C.: De trem não! Eu não sei de quê eles foram.Notamos no dado acima que o paciente não fala QUE... relata e questiona este fato quando canta o hino nacional ou faz uma oração. conforme aponta GregolinGuindaste (1996). mas depois de várias tentativas. que se fazem importantes para nossa análise: 1.C. INV.num trem.: Um menino. Percebe-se que o paciente repete a estrutura e chega a montá-la.. Num outro episódio em que foi dado ao paciente um livro cujo título era Um padre e um rapaz viajavam pelo mundo. C. procurando organizar a oração. Como nos exemplos abaixo: (01/1999) 16 . Um padre e um rapaz viajaram de trê. Cabe salientar alguns aspectos lingüísticos do discurso de C.. C.... a dificuldade com QU deve-se à falta de categorias funcionais nessa síndrome.. INV. (rapaz / menino)..: Um padre e um rapaz viajavam pelo mundo. ..pão nosso de cada dia dos dai hoje. Em teu seio. é um paciente com afasia de Broca pura. assim na terra como no céu. Mã.... o . (02/1999) C. então C. heróico brado deslumbrante.. 2..amém.. *Seja feita..C. Perdoai as nossas ofensas. quero que o senhor diga a palavra.nificado seja vosso nome.. ou se possui outro tipo de afasia envolvido.. o . de.. apresenta anomia em algumas situações.... retoma o mecânico para terminar a oração. vem a nós o vosso reino... e o sol da liberdade em raios fú. como no exemplo abaixo: Com uma série de figuras sobre a mesa.” (B) C. *Observa-se o momento em que C..: Assim não.... oh liberdade. conseguimos conquistar com braços fortes. o investigador solicita que C. mas livrai-nos . assim como nós perdoamos os ofendidos... (prompiting para mão) 17 . Se o senhor desta igualdade..(A) C.. já pega o bloquinho do bolso e tenta escrever – “ moo / para mão” ) INV. seja feita a nossa vontade..nicos. utiliza um bloquinho que leva no bolso e escreve ou tenta escrever a palavra que não está conseguindo dizer. desafia o nosso peito a própria morte. C... apresenta uma preferência pela escrita. 3. demonstrada quando o paciente precisa expressar-se oralmente e tem dificuldade em estruturar a fala.: “Ouviram do Ipiranga margens plácidas. não consegue falar o nome. emita o nome das figuras. não nos deixai cair em tentação..Outro dado interessante e que vem a questionar se C.: (olha para a figura.: “Pai nosso que estais no céu.. o paciente porém precisa sempre do ”prompiting”. brilhou no céu da pátria neste instante. para a emissão das palavras.. : Aqueles rapazes são jovens... verbo de ligação e predicativo. no resgate da sentença.: Avião INV...: O padre e. INV. INV..: Isso mesmo.: padre C. (03/1999) C. deveria formar frases a partir de uma palavra. por exemplo: INV. no acompanhamento do sujeito afásico. O padre e.: Um padre e um batismo. por um lado. (prompiting para banheira) C. (prompiting para avião) C. INV. INV. senão o sistema da língua. importar em mais reconstituir no sujeito afásico uma face interpessoal pela qual ele possa voltar a jogar o jogo da linguagem.. O paciente mostra ter domínio da estrutura da sentença. a . importa interpretar seus “erros” e “faltas” como uma ruptura do componente interacional e social onde as “formas” se constituem.: Mão INV. agora a outra.: É isso aí. com sujeito.: Isso! Agora rapazes.: Muito bem.. em que encontrará.C.: Banheira... não é. O padre e um batismo.: Isso mesmo! C.. os recursos alternativos 18 . C. ba. o senhor está craque! 4 – Finalmente o último dado relevante a ser citado aqui é a melhora de C.. por outro lado.: Isso! Conforme ressalta Coudry (1988).. a outra. são problemas sintáticos à primeira vista que parece impedirem o pleno funcionamento da linguagem. isto é. na interação com o outro. 19 . surgiu uma nova indagação e consequentemente uma nova área de pesquisa: O que acontece com a linguagem de um indivíduo afásico e como esta linguagem se reconstrói. porém. a ineficiência do trabalho. o que levou a desenvolver-se um trabalho de reconstrução de linguagem contextualizada. decorrente de uma apraxia motora de OFA. provocada pela afasia de Broca. apesar da integridade dos órgãos fonoarticulatórios do mesmo? Esta questão levou ao estudo das apraxias motoras e principalmente das apraxias de OFA. perda da fluência da fala. Para poder responder esta questão. Surgiu. Iniciou-se a pesquisa trabalhando o caso. acarretando. Posteriormente a esta questão. No caso C. com base na oralidade do discurso.que lhe permitam desempenhar seus múltiplos papéis. através de métodos convencionais de terapia . do sujeito vítima de AVC. portanto a primeira grande questão: Como poderia existir a incapacidade de expressão nos pacientes acometidos pela síndrome citada acima. onde estão excluídas as disartrias e as deficiências intelectuais que poderiam interferir no pensamento verbal. O que mostrou ser a incapacidade de expressão. de um senhor vítima de AVC. Percebeuse. utilizando testes padronizados. realizou-se um estudo de um caso. através da leitura e da escrita. caracterizando-se por uma incapacidade de expressão devido a lesão na área secundária frontal . para a reabilitação da afasia de Broca. em regiões vizinhas aquelas em que estão situadas as colunas motoras dos OFA em MI.. CONSIDERAÇÕES FINAIS No início deste trabalho esperou-se trabalha r com a reconstituição da linguagem oral.. Psicolinguistics and aphasia. 123-37. ed. BLUMSTEIN. Portanto para concluir coloca-se a citação de Coudry (1994).BRUYN. North – Holland Publising Co. principalmente que C. Barcelona. onde fala: “interessa-me privilegiar o sujeito. do encontro dos sujeitos afásicos nos processos lingüísticos utilizados para produzir a significação em episódios de interação pessoal e dialógica. In: vinken. 1964. conferindo-lhe um lugar prioritário em relação à afasia de que é portador. Afasias.. recorria a fatores fonológicos.”. Handbook of Clinical Neurology. Ediciones Toray. com quem vou construir o modo de avaliá-lo e acompanhá-lo. portanto.. Tissot. S. G.” E mais. Baltimore. Introduction to language intervention strategies.. HECAEN.. utilizava na tentativa de reconstrução da linguagem. p. P. Não que me desinteresse pela teoria da afasia. p.Depois de mais ou menos cinco meses com o paciente C.. 1973. 48-66. 20 . BLUMSTEIN. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AJURIAGUERRA. apraxias.. v. __________. Mas não se pode escamotear o sujeito. agnosias. 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