Adelia Prado - Bagagem

March 31, 2018 | Author: Junior Zenith | Category: Love, Mary, Mother Of Jesus, Jesus, Dogs, Birds


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Bagagem, de Adélia Prado – 31.ª edição SUMÁRIO O MODO POÉTICO                                                Com licença poética 9 Grande desejo 10 Sensorial 11 Orfandade 12 Resumo 13 Círculo 14 No meio da noite 15 Módulo de verão 16 Leitura 17 Saudação 18 Poema esquisito 19 Antes do nome 20 Azul sobre amarelo, maravilha e roxo 21 Pistas 22 Poema sobre absorvências no totalmente perplexas de Guimarães Rosa 23 O dia da ira 24 A invenção de um modo 25 Exausto 26 Ovos de páscoa 27 Páscoa 28 Trégua 29 Louvação para uma cor 30 Roxo 31 Um salmo 32 Agora, ó José 33 Clareira 35 Impressionista 36 A despropósito 37 Os acontecimentos e os dizeres 38 Vigília 39 O que a musa eterna canta 40 A hora grafada 41 Bucólica nostálgica 42 Para comer depois 43 A catecúmena 44 Atávica 45 Momento 46 Metamorfose 47 Explicação de poesia sem ninguém pedir 48 Solo de clarineta 49 Endecha 50 Um homem doente faz a oração da manhã 51 Reza para as quatro almas de Fernando Pessoa 52 Endechas das três irmãs 53 Tarja 54 Para tambor e voz 55 Todos fazem um poema a Carlos Drummond de Andrade 56                    Disritmia 58 Toada 59 Uma forma para mim 60 Sedução 62 Guia 63 Bendito 64 Refrão e assunto de cavaleiro e seu cavalo medroso 65 Fragmento 67 Anunciação ao poeta 68 Anímico 69 A tristeza cortesã me pisca os olhos 70 Descritivo 71 Duas maneiras 72 Cabeça 73 De profundis 74 Um sonho 75 Sítio 76 Tabaréu 78 O modo poético 79 UM JEITO E AMOR                    Amor violeta 83 A serenata 84 Uma vez visto 85 O sempre amor 86 Canção de Joana d’Arc 87 A meio pau 88 Os lugares comuns 89 Psicórdica 90 Enredo para um tema 91 Bilhete em papel rosa 92 Medievo 93 Um jeito 94 Confeito 95 Fatal 96 Amor feinho 97 Para cantar com o saltério 98 Briga no beco 99 Canção de amor 100 Para o Zé 101 A SARÇA ARDENTE – I          Janela 105 Epifania 106 Chorinho doce 107 O vestido 108 A cantiga 109 Dona doida 110 Verossímil 111 A menina do olfato delicado 112 Cartonagem 113      A flor do campo 114 Registro 115 Mosaico 116 Rebrinco 117 Ensinamento 118 A SARÇA ARDENTE – II              O homem permanecido 121 Insônia 122 Fé 123 Episódio 124 O retrato 125 O reino do céu 126 Uma forma de falar e de morrer 128 Modinha 129 A poesia 130 Figurativa 131 O sonho 132 Para perpétua memória 133 As mortes sucessivas 134 ALFÂNDEGA  Alfândega 137 Bagagem, de Adélia Prado O MODO POÉTICO Chorando, chorando, sairão espalhando as sementes. Cantando, cantando, voltarão trazendo os seus feixes. Escrito nos salmos  Com licença poética 9 COM LICENÇA POÉTICA Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não tão feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos (dor não é amargura). Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. a uma lápide. a um descampado.  Grande desejo 10 GRANDE DESEJO Não sou matrona. Mulher é desdobrável. me dá a mão. Pimenta e cravo. tem que falar meu bem. claridades atrás do meu estômago humilde e fortíssima voz pra cânticos de festa. mãe de filhos. Me dá minha mãe. é maldição pra homem. porque sou bicho de corpo. chorar. a mais fria. é da amarela que eu ponho. Amor.  Orfandade 12 ORFANDADE Meu Deus me dá cinco anos Me dá um pé de fedegoso com formiga preta. grito ai. Faço comida e como.  Sensorial 11 SENSORIAL Obturação. Quando escrever o livro com o meu nome e o nome que eu vou pôr nele. Espírito. mãe dos Gracos. ó meu Deus. me dar caixa de música de presente. eu adoro. me dá uma noite pra eu dormir com minha mãe. Me dá a negrinha Fia para eu brincar. Cornélia. me cura de ser grande. mastigo à boca nua e me regalo. Eu sou. Mas tenho meus prantos. as sensibilidades sem governo. para chorar. Quando dói.Vai ser coxo na vida. se for de homem. requintada e esquisita como uma dama. Procuro sol. meu pai. me dá um Natal e sua véspera. conhecer vários tons pra uma palavra só. vou com ele a uma igreja. se for de Deus. Fico gostando ou perdoo. sou mulher do povo. fico bruta. e chorar.  Resumo 13 . alegria sã e medo remediável. quando é bom. meu pai. Adélia. o ressonar das pessoas no quartinho. eu testo com meus seis instrumentos. Sombra terei depois. Aos domingos bato o osso no prato pra chamar cachorro e atiro os restos. brancas de leite grosso. a inscrição: 1906-1970 SAUDADE DOS SEUS. fumaça e a cor lilás. A palavra destacava-se novíssima Como as buganvílias do sonho. o que eu fazia na cidade de Perdões. singela. Não fosforescia nem cheirava nem eram alvas. As horas cabendo o dia. como duas galinhas com os pintinhos. o próprio ato de ver. a campa. Me atropelou – O que foi que ele disse: .  No meio da noite 15 NO MEIO DA NOITE Acordei meu bem pra lhe contar um sonho: Sem apoio de mesa ou jarro eram As buganvílias brancas destacadas de um escudo. Tinha poeira. LEONORA. duas licoeiras grandes e elas em volta. Eram brancas no amo. Espera. Vendo que não mentia ele falou: as mulheres são complicadas. a tampa. Singela. sem uivos. os tubérculos da alegria estão úmidos vão brotar sinos” doía como um prazer. O modo como pousa a cabeça para um retrato é o da que. a cristaleira os cristais resíduos pra esta memória sem uma palavra jamais foi quando disse e entendi cabe no tacho a colher se um dia puder nem escrevo um livro. Plausível tudo. No quarto escuro a única visível coisa. os netos. comecei repetir singela.  Círculo 14 CÍRCULO Na sala de janta da pensão tinha um jogo de taças roxo-claro. Eu sou singelo e a singeleza também Respondi que queria ser singela e na mesma hora. deu à casa o ar de sua graça e vai morrer de câncer. afinal. Homem é tão singelo.RESUMO Gerou os filhos. que não era bonita. Comíamos com fome. aceitou ser dispensável. Como se sente o gosto da comida eu senti o que falavam: “A ressurreição já esta sendo urdida. era 12 de outubro e a Rádio Aperecida conclamava os fiéis a louvar a Mãe de Deus. cadê minha pinga.. até ficar singela a dormir de novo. todo ele – chamado canto – cinzento-seco. Quem não quis junto deles uma agulha?? – Filhinho meu. O que não parece vivo. os lábios de novo e a cara circulados de sangue.  Saudação 18 SAUDAÇÃO . chorando. vem comer. um áspero metal. O que ela fica gritando eu não entendo. espera.– As buganvílias. garra de pelo. brutas e brutas. meu vidro de café? Eu sempre sonho que uma coisa gera. Que noite tão clara e quente. nunca nada está morto. bebia a melhor água. minha vara de pescar. As cigarras têm o que fazer. O que parece estático. arame.  Leitura 17 LEITURA Era um quintal ensombrado. aduba. Nem um pouco delicadas as cigarras são. que me fez festa e não estava doente e nem tinha morrido. translúcidas. sabendo que lá fora o mundo havia parado de calor. Como nenhum casos podiam ir mais além Solucei alto e fui chorando. ó meu amor. Eu comia maçãs. a casca vermelha de escuríssimo vinho. sei que é pura esperança. Depois encontrei meu pai. por isso ria.. ó vida breve e boa! A cigarra atrela as patas é no meu coração. caçava o que fazer pra gastar sua alegria: onde está meu formão.  Módulo de verão 16 MÓDULO DE VERÃO As cigarras começaram de novo. Esguicham atarraxadas nos troncos o vidro moído de seus peitos. vem dormir. as asas como véu. murado alto de pedras. têm olhos perdoáveis. Ao longo do muro eram talhas de barro. o gosto caprichado das coisas fora do seu tempo desejadas. As cigarras têm cabeça de noiva. As macieiras tinham maçãs temporãs. pus os dois no chão Nasceu lá. esta incompreensível muleta que me apoia. aniversário também não. Mãe. o "porém" e o "que". carne florescida em Jesus. É raríssimamente que ela dói. ô mãe. silêncio radioso. se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão. esta corriqueira. Meu pai. a água da chuva.  Azul sobre amarelo. infrequentíssimos. Quem plantou foi o vento. Ôôôô fia. Não existe mais modo De eles terem seus olhos sobre mim. MARAVILHA E ROXO Desejo. Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe. foi inventada para ser calada. Quem vai matar é o sol. Morre quem entender. urdia de paciência onde Deus fez seu amor inteligível!  Poema esquisito 19 POEMA ESQUISITO Dói-me a cabeça aos trinta e nove anos. Quem entender a linguagem entende Deus cujo filho é o Verbo. Minha mãe descasaram seus fardos. Maria! Ave. Ôôôô pai Ôôôô mãe Dentro de mim respondem Tenazes e duros Porque o zelo do espírito é sem meiguices. ô pai. Em momentos de graça. os sítios escuros onde nasce o "do". A palavra é disfarce de uma coisa mais grave. o "aliás". pois quis um pé de saudade roxa. Passou finados não fui lá. surda-muda. como quem sente fome ou sede. Puro susto e terror. Ninguém tem culpa. Não fiz mausoléu pra eles. um caminho de areia margeado de boninas. maravilha e roxo 21 AZUL SOBRE AMARELO. Pra quê. . o "o".Ave. Onde estão escondidos? É dentro de mim que eles estão. Que abunda nos cemitérios. Não é hábito.  Antes do nome 20 ANTES DO NOME Não me importa a palavra. Ave. se pra chorar qualquer lugar me cabe? É de tanto lembra-los que eu não vou. Na alma. Ad’formas que em tréguas assisto e assino e o todo exterior desta minha pessoa recomponho. a amorosa tenaz de uns dedos para um forte carinho em minha nuca. pois. um regaço e o acalanto. Há voos maravilhosos de ave. permanecido apenas no ajuste das leis do bem viver comum.  Poema sobre absorvências no totalmente perplexas de Guimarães Rosa 23 POEMA SOBRE ABSORVÊNCIAS NO TOTALMENTE PERPLEXAS DE GUIMARÃES ROSA Ah. por causa de uma total garantia se faltando em quem m’as dê.  Pistas 22 PISTAS Não pode ser uma ilusão fantástica o que nos faz domingo após domingo visitar os parentes. que de fato um bom emprego é meio caminho andado. como o que tem nas mãos o Menino Jesus de Praga. Desejo. é o brabo cavalo em as ventas arfando. insistir que assim é melhor. brotam os desejos do corpo. Não pode ser verdade que tanto afã escave na insolvência. se querendo ir. Ara! que eu não nasci pra permanência desta duvidação. o de todo mundo desigual. mas só pra o ser eu mesmo. o Tatarana. mas suas mãos empenhadas sobre o peito.onde só cabem a bicicleta e seu dono. Brotam os matinhos depois da chuva. Segundo o consentir dos desarrazoados meus pensares. aviões tão belos repousando nos campos e o que é piedoso no morto: não seu sexo murcho. o querer de um mundo tão pequeno. como uma funda saudade de homem ficado órfão pequenino. Porém chega o só sinal mais leve de que aquilo ou isso é verdadeiro pra a reta eu alimpar com o meu brabo cavalo. no conforme miro e vejo. o por dentro de mim. afirmador e consequente. Riobaldo. Ixi!  O dia da ira 24 O DIA DA IRA . com a beleza das coisas que nunca pecaram. Quando o anjo passar. sem ao menos sonhar a leve palha de um pequeno sonho. isso é pras mulheres de São Paulo" Fico entre montanhas. as secreções desviadas dos seus vasos e as lágrimas. o teste de Cooper. entre branco e branco. Quis fazer uma saia longa pra ficar em casa. o furacão ardente do seu voo vai secar as feridas. perdão pra descansar horas a fio. Ninguém acredita e eu ganho uma hora de juventude. . vão desaparecer quando soar a trombeta. pra envelhecer vergada de motivos. Estátua na Igreja e Praça quero extremada as duas. à espera de seus nomes. ou tirando sorte com quem vou casar. As cidades restarão silenciosas. Explicação é para o corpo do morto. sem um veículo: apenas os pés de seus habitantes reunidos na praça. como árvores. de sua alma eu sei. Levantaremos como deuses. o rolomag. as escrituras de João. Tudo é Bíblias. a menina disse: "Ora. explico cheia de verdade: tô ensaiando.As coisas tristíssimas. a mole carne tremente entre as coxas. lentes pra proteger de reverberações. Tudo é Grande Sertão. vendo televisão. como pedras. Porque que tudo que invento já foi dito nos dois livros que eu li: as escrituras de Deus. Imito o andar das velhas de cadeiras duras e se me surpreendem. entre guarda e vã. Quero o que antes da vida foi o sono profundo das espécies.  Exausto 26 EXAUSTO Eu quero uma licença de dormir.  A invenção de um modo 25 A INVENÇÃO DE UM MODO Entre paciência e fama quero as duas. Por isso é que eu prevarico e me apanham chorando. exatos e dignos de amor. o que de mim diga: assim é. O modo de um cachorro enrodilhar-se quando a casa se apaga e as pessoas se deitam. espera.  Trégua 29 TRÉGUA Hoje estou velha como quero ficar. ganhar uma poesia em pergaminho. Semente. Pra eu parar de temer e posar pra um retrato.  Ovos de páscoa 27 OVOS DE PÁSCOA O ovo não cabe em si.  Páscoa 28 PÁSCOA Velhice é um modo de sentir frio que me assalta e uma certa acidez. em socorro da minha fraqueza. Eu. não estou pictural. a segunda pra olhar espelhos. Muito mais que raízes. de avó boa.  Louvação para uma cor 30 . pra chorar. A natureza morta palpitante. Porque sempre há quem diga no meio da minha alegria: "põe o agasalho" "tens coragem?" "por que não vais de óculos?" Mesmo rosa sequíssima e seu perfume de pó. abrevie esses dias e me conceda um rosto de velha mãe cansada. que fui loura e lírica. túrgido de promessa. Branco tão frágil guarda um sol ocluso O que vai viver. Divido o dia em três partes: a primeira pra olhar retratos.a graça de um estado. não me importo. a última e maior delas. Dei os desejos todos por memória e rasa xícara de chá. Peço a Deus. quero o que desse modo é doce. Aspiro mesmo com impaciência e dor. Sem nenhuma estridência. o que sob o céu mover e andar vai seguir e louvar.  Um salmo 32 UM SALMO Tudo que existe louvará. o doce ferrão e o mel. louvarão. O amarelo engendra. o que pegar a ponta de sua saia e fizer uma pirueta. os ressuscitados. o roxo por gosto e sina. bonina. Este dentro. Os ovos todos e seu núcleo. o grão luminoso. o minúsculo ponto. uma doidura pra amanhecer. um oboé em Bach. Da negritude das vísceras cegas. Cavalgo caçando o roxo. Roxo é travoso.LOUVAÇÃO PARA UMA COR O amarelo faz decorrer de si os mamões e sua polpa. um miado. Gosta dele o amarelo. Roxo é bonito e eu gosto. Roxo é a cordis. quem cantar vai louvar. o óvulo. os gatos desesquivados.  Roxo 31 ROXO Roxo aperta. Ao meio-dia as abelhas. O abano de um rabo. é uma flauta encantada. vai louvar. A paixão de Jesus é roxa e branca. O céu roxeia de manhã e de tarde. amarelo e quente. Campeio amor pra roxeamar paixonada. Os meninos. a cor tropicardiosa. o minúsculo. u’a mão levantada. lembrança triste. Roxo é travoso e estreito. Acende o cio. vai amadurecer. Distende e amacia em bátegas a pura luz de seu nome. vexatório. . o amarelo furável. os cachorros. Quem tocar vai louvar. pertinho da alegria. uma rosa vermelha envelhecendo. ó José. Mas. Os compadres fiquem na sala. ó José. José. tão histérica. as mãos para trás. gira a aldraba de ferro pesadíssima. Deita. Os meninos. se encostar na parede. A nossa alma deseja. ó José. Resiste. A mulher que tens.  Clareira 35 CLAREIRA Seria tão bom. falar as falas certas: a de Lurdes casou. José? O que te salva da vida é a vida mesmo. Teu paletó abotoado de outro frio te guarda. ó José 33 AGORA. Houve esta vida ou inventei? Eu gosto de metafísica. aconteceu. a das Dores se forma. a esta hora da tarde. dorme com tua mulher.tão histórica. ó José. o que fazes? Passeias no quarteirão o teu passeio maneiro e olhas assim e pensas. Por improvável não conta o que tu sentes. e o que sobre ela está escrito a rogo de tua fé: "No meio do caminho tinha uma pedra". ó José. cordiosos. Ó JOSÉ teu destino. o modo de olhar tão pálido. como já foi.Esperai a deflagração da alegria. a vaca fez. desanima. farejando e mijando com os cachorros. o nosso corpo anseia o movimento pleno: cantar e dançar TE-DEUM. enfeita com três botões tua dura paciência. .  Agora. a pedra. as santas missões vêm aí. O reino do céu é semelhante a um homem como você. só pra depois pegar meu bastidor e bordar ponto de cruz. a pedra. pitando e rapando a goela. Agora que o destino do mundo pende do meu palpite. "Tu és pedra e sobre esta pedra". as comadres se visitarem nos domingos. José. vigiai e orai que a vida é breve. Ou ainda: casamento é coisa muito fina.  Vigília 39 VIGÍLIA O terror noturno decepou a minha mão quando ia pegar minha roupa de dormir.  Os acontecimentos e os dizeres 38 OS ACONTECIMENTOS E OS DIZERES Quem está vivo diz: hoje às três horas padre Libério dá a bênção na Vila Vicentina. As palavras só contam o que se sabe. de noite. Mas. durando desde a infância. pra eu sobreviver. constantemente amanhecendo. fiquei cheia de poder. Um pasto. a lata batendo no fundo com estrondo. ele foi e disse antes de comer: `Qualidade de telha é essas de antigamente`.  A despropósito 37 A DESPROPÓSITO Olhou para o teto. as três camadas de terra. quem disse: Deus é um espírito de paz. meu pai pintou a casa toda de alaranjado brilhante. mais um galo cantando. a telha parecia um quadrado de doce. que esfria. molécula de sanidade. Por muito tempo moramos numa casa. vem jantar. fiquei cheia de espanto. como ele mesmo dizia. não.quero um casal de compadres. porque é claro. a marrom. Quando insistiram.falou sem se dar conta que descobria. um corte de trator. não tinha certeza se uma vaca e o sarilho da cisterna desembestado.  Impressionista 36 IMPRESSIONISTA Uma ocasião. a arroxeada. . está repetindo um menino de sete anos que acrescentou: eu tenho medo é de dia. aquela hora do dia. a ocre. Eu achei tanta graça quando aprendi a dar nós. Ah! . Entendi depois o que queria dizer: "toda convicção é apostólica". Ou assim: coisa boa é um banho. ou aí mesmo. que sabedoria.Parei no meio do quarto. a casa entre bananeiras. Um jogador de futebol chegou mesmo a declarar: "Tenho birra de que me chamem de intelectual. prontas a falar ou bater asas. pés de manjericão e cravo-santo.  Bucólica nostálgica 42 BUCÓLICA NOSTÁLGICA Ao entardecer no mato. O contorno da cama. Claramente legíveis e insolúveis.  O que a musa eterna canta 40 O QUE A MUSA ETERNA CANTA Cesse de uma vez meu vão desejo de que o poema sirva a todas as fomes.  A hora grafada 41 A HORA GRAFADA De noite no mato as árvores semelhavam uma águia acabada de pousar. a risada dos meninos no campo retalhado de trator. uma campina de sol e ar sem nuvens. na porta da rua. O mais são as maltraçadas linhas. movendo o que lhe apraz. De noite no mato. como todos os outros. um anjo saudando. se eu mover o meu pé." Ah. as bodas de prata do homem que fala sempre: ‘Qual é o meu erro que minha vontade é estar morto?’ Uma família fez sua casa no morro. agachados. sou um homem como todos os outros. Dentro dela. minha nudez em trânsito entre a porta e a cadeira. uma lucidez tão grande. aparece dourada. de tal jeito quadrado e expectante. o cabo de um serrote mal guardado. agradecer favores. que tudo se tornava incompreensível. O Espírito de Deus. um galo perfeitinho. sentados no fogão. a quem bastou descobrir: letras eu quero é pra pedir emprego. escrever meu nome completo. vai me deixar dormir. move a moça – que jurei não ser poeta – a dizer cheia de graça: ‘coisa mais engraçada deve ser o Presidente chupando laranja!’ o Espírito de Dieu é misericordioso. uma ave grande vista de frente. as vivas figuras enraizadas. . a casa despenca. vai desertar de mim pra eu poder descansar. entre enxada e sono: Louvado seja Deus!  Para comer depois 43 PARA COMER DEPOIS Na minha cidade. nos domingos de tarde. o aro enfeitado de laranjas: ‘Eh bobagem!’ Daqui a muito progresso tecno-ilógico. disseram delicadamente: vamos olhar a possibilidade de uma nova exegese deste texto. Assim fizeram. muitas vezes abóbora. Depois. as tristezas maravilhosas. taioba. O que um homem precisa pra falar. puxadeira de terço. é domingo. em meu país de memória e sentimento. ora-pro-nobis. Os doutores da Lei. um par de asas em maio e imprescindível. comem feijão com arroz.  A catecúmena 44 A CATECÚMENA Se o que está prometido é a carne incorruptível. o ouvido colado à fonte dos seus suspiros: "Ô meu Deus.  Atávica 45 ATÁVICA Minha mãe me dava o peito e eu escutava. basta fechar os olhos: é domingo. o que na vida é beleza sem esfuziamentos. é isso mesmo que eu quero. Assim quero “venha a nós o vosso reino”. Tomam a fresca e riem do rapaz de bicicleta. o vestido amarelo com desenhos semelhando urubus. meu Jesus. o momento em que palavra alguma serviu à perturbação do amor. café na canequinha e pito. multiplicado ao infinito. Ela foi admitida. misericórdia. quando for impossível detectar o domingo pelo sumo das laranjas no ar e bicicletas. A campainha desatada. cantadeira. Mas eu vim pra cidade fazer versos tão tristes que dão gosto." Comia leite e culpa de estar alegre quando fico.rápidos como se fossem ao Êxodo. Se ficasse na roça ia ser carpideira. as pessoas se põem na sombra com faca e laranjas. estranhados de fé tão ávida. com reservas. disse e acrescentou: mais o sol numa tarde com tanajuras. meu Jesus misericórdia. Por prazer da tristeza eu vivo alegre. . é domingo. a sempre-viva. virou só sentimento. constituindo o mundo pra mim. do que mais gosto em flor.  Solo de clarineta 49 SOLO DE CLARINETA As pétalas da flor-seca. em seus ofícios. permaneceram um bule azul com um descascado no bico.  Metamorfose 47 METAMORFOSE Foi assim que meu pai me disse uma vez: Você anda feito cavalo velho. Arregacei as narinas e fui pastar com minha cabeça minúscula. A vida é mais tempo alegre do que triste. As árvores cantavam no quintal. Momento 46 MOMENTO Enquanto eu fiquei alegre. Só dois sinais restaram: um mundo guloso de cheirar os verdes. sei de moitas. atravessou minha vida.  Explicação de poesia sem ninguém pedir 48 EXPLICAÇÃO DE POESIA SEM NINGUÉM PEDIR Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica. Resistiram nos seu lugares. um latido e um céu limpidíssimo com recém-feitas estrelas. mas atravessa a noite. refolhadas de novíssimo verde. . antediluviana. O que mais quente e amarelo pode ser. água que achei e bebi. um modo de pisar. só casco e pedras. sua certa alegria. anteparo para o que foi um acometimento: súbito é bom ter um corpo pra rir e sacudir a cabeça. Mugi entre as vacas. procurando grota As cigarras atrelavam as patas nos troncos e zuniam com decisão os seus chiados. um dia de pura luz. Melhor é ser. uma garrafa de pimenta pelo meio. Do seu grego existir de boniteza. Na volta sacudi pescoço e rabo. o dia. a madrugada. era o sol.  Endecha 50 ENDECHA Embora a velha roseira insista neste agosto e confirmem o recomeço estas mulheres grávidas. Senhor. Ocorre até que eu cante. Mas pousa na canção a negra ave e eu desafino rouca. tem piedade de mim pelo sinal da Vossa Cruz que faço na testa.É preciso ter morrido uma vez e desejado o que sobre as lápides está escrito de repouso e descanso. Me acontece lavar os cabelos e ir secá-los ao sol. pra amar seu duro odor de retrato longínquo. As severas. Inauguro o dia. chegue até Vós meu ventre dilatado e Vos comova. Livrai-me de lançar contra Vós a tristeza do meu corpo e seu apodrecimento cuidadoso. de palma à palma da mão. em descompasso. na boca. Vi no meio da noite nesgas claríssimas de sol. desavisada. Pelo sinal da Santa Cruz. Mas desabafo dizendo: que irado amor Vós tendes. eu que ao meu crédito explico que passei em claro a treva da noite. . Tem piedade de mim. Escutei – e é quando às vezes descanso – vozes de há mais de trinta anos. no coração.  Reza para as quatro almas de Fernando Pessoa 52 REZA PARA AS QUATRO ALMAS DE FERNANDO PESSOA Da belíssima “Ode à noite antiga” resulta que eu entendo. intermitente como certas febres. limpo de esforço e vaidade se nos fosse possível: da oração verdadeira nasce a força. uma perna mais curta. a ausência povoando todos os meus cômodos a lembrança endurecida no cristal de uma pedra na uretra. seu humano conter-se. eu sofro de um cansaço.  Um homem doente faz a oração da manhã 51 UM HOMEM DOENTE FAZ A ORAÇÃO DA MANHÃ. meu mal sem cura. Da ponta dos pés à cabeça. Minha mãe falou. enxotei gatos lambendo O prato da minha infância. Venício Ferreira Bernardes – Carmópolis de Minas Mozar Pereira Gentil – Lavras Judith Abdala Maia – Perdões Arnalda Bressane Costa – Jundiaí Paulo Antônio Fernandes – São Sebastião do Oeste João Antônio Correia – Divinópolis O nome da e os de seus lugares. Pai nosso. A do meio está grávida. e pôs a mão no peito. Será que chove?. e soluçou. Não é pra entender que nós pensamos. o gosto da melancolia. diz a primeira. diz a segunda. é para sermos perdoados. A mais nova tem a moda de ir chorar no quintal. Vou recolher a roupa do quintal. somos três órfãs.Ninguém se cansa de bondade e avencas. Quando a chuva caiu ninguém ouviu os três choros dentro da casa fechada. A mais nova disse: tenho um abafamento aqui. A mais cruel se enterneceu por plantas. eu acho bonito sempre. falou a terceira. a de coração duro. arrio dele demais’. é simpatia. Os rebanhos guardados guardam o homem. fala a segunda. Nosso pai morreu. A mais velha disse: faço quarenta anos. eis-me. uma vez. nossa mãe morreu. A do meio disse: sei fazer umas rosquinhas.”  Endechas das três irmãs 53 ENDECHA DAS TRÊS IRMÃS As três irmãs conversavam em binário lentíssimo. Raimunda Lázara de Jesus – Itaguara esta. do sonho. eis-me. Todos que estamos vivos morreremos. registrados na página encimada por uma cruz de pontas arredondadas.  Tarja 54 TARJA A Revista de Santo Antônio tem uma seção que eu não perco: À Sombra da Cruz onde se recomenda à oração dos leitores as almas do as assinantes. já. fala a primeira. diz a terceira. açula um galo. do meu poder sobre os bois. . criador da noite. dor que aos domingos me adula. É necrofilia não. Já viram minhas sempre-vivas?. disse assim: ‘O Mazzaropi dá muita graça pra nóis. pegando um trem. flor lilás de ingênuo desenho que ama desabrochar nas sebes europeias. Desta maneira prezo meu caderno de versos. No domingo amarelo passa o chapéu florido. como aos mamões maduros se tiram os olhos podres. a partir de min. é serva de esperança. a mulher falou alto: é isto. que é umas pergunta só nem ao mesmo original: ‘Por que não nasci eu um simples vaga-lume?’ Só à ponta de fina faca. Vamos ambos à enciclopédia.  Todos fazem um poema a Carlos Drummond de Andrade 56 TODOS FAZEM UM POEMA A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE Enquanto punha o vestido azul com margaridas amarelas e esticava o cabelos para trás. lhe dedicam poemas. o quisto da minha inveja. A mim.” Temos terrores noturnos. Um dia fizemos um verso tão perfeito que as pessoas começaram a rir. à cata de constituição. várias vezes. . Comemos. e paramos em “clematite. na avenida Afonso Pena. a raiva insopitada quando citam seu nome.Ernestina Alvarenga Reis – Pirapora e como um ramo de angélicas dentro de um quarto fechado. No entanto persiste. a mais ínfima. disseram: ‘Não sabes ler a placa? É CONTRAMÃO’. diurnos desesperos e dias seguidos onde nada acontece. Lápides quentes sobre restos podres um resto de café na xícara e mosca. Carlos é gauche. um bêbado gritando: ‘Todo mundo aqui é um saco de tripas’.  Disritmia 58 DISRITMIA Os velhos cospem sem nenhuma destreza e os velocípedes atrapalham o trânsito no passeio. eu tenho inveja de Carlos Drummond de Andrade apesar de nossas extraordinárias semelhanças. E decifrou o incômodo do seu existir junto com o dele. A poesia. O poeta obscuro aguarda a crítica e lê seus versos. as três vezes por dia. seguiu dizendo. porque esta lembrança não deixa: uma vez. Eu sou poeta? Eu sou Qualquer resposta verdadeira e poderei amá-lo. bebemos e diante do nosso nome impresso temos nenhum orgulho.  Para tambor e voz 55 PARA TAMBOR E VOZ Viola violeta violenta violada óbvia vertigem caos tão claro. claustro. feito um monge com seu livro de horas. por causa do caco. Com dois passos e meio fico doido e começo a voltar. Cada qual é diverso. Entre as pernas geramos e sobre isso se falará até o fim sem que muitos entendam: erótico é a alma. pra me sentir clemente e apaziguada. Que tem isso tudo a ver com santidade? Mas se não tiver me morro.  Toada 59 TOADA Cantiga triste. Ele era laranjado chitadinho de branco. Neste exato momento o que interessa são os cabelos desembaraçados. achei um caco de vidro no monturo. porque eu podia quando quisesse pôr ele contra o sol e aproveitar o seu reflexo. como antes de fazer treze anos. Assim eu sei. vi centenas. porque tinha ele. outro de temerário. mas os meninos riem satisfeitos. se assim puder. Se quiser. Tarde como a de hoje. cavucar abacaxis apodrecidos. Os cereais somam seus cheiros – oh! que perfume doce – . atrás de um veio são. Alguma coisa vai acontecer. Os santos me chamam com assobios vertiginosos. se penso que vou é porque é maior meu olho que a barriga. só uma espera ansiosa. descobri. não tenho outra maneira de dizer. As bolas contra a parede me desgostam. Não existe o destino.  Uma forma para mim 60 UMA FORMA PARA MIM Hoje acordei normal. como quem cata ouro. Fui cedo catar coisas no lixo. O que é meu não sei direito ainda. Lavei. Não sinto angústia. guardei bem guardado e fui comer com vontade. Uma vez quando eu tinha quatro anos. enxuguei. dou um passo de medroso. ponho agora a ária na quarta corda. O que entendo de Deus é sua ira. A tarde do seu enterro foi um largo tranqüilo de se dizer: hoje está tudo como antigamente era bom. Por isso e porque está escrito que o Espírito de Deus nos toma sem matar-nos é que eu digo como quem reza: Sô Antônio Vitor morreu. emprestar minhas coisas. farei. pode com ela é quem não perdeu a alegria. Quem premente é Deus. ficar obediente. porque não entendo outro ar menos grosso que este onde meu nariz se apoia. A escova ficou velha e não penteia. Sei que não é para mim. também sou filho de Deus. Falo constrangida. Me abraça detrás do muro. a excomunhão e o escândalo dos fracos. Não falo aos quatro ventos. É de ferro a roda dentada dela. morrendo na cruz. Os mosquitos como pessoas da casa admitidos. Ela responde passando a língua quente em meu pescoço. a poesia me salvará. eu grito ela grita mais. dá só gosto e alegria. Acontece a má coisa. Por ela entendo a paixão que Ele teve por nós. me deixa desesperar. amorosa e doida. Eu corro ela corre mais. levanta a saia pra eu ver. Nela. Quando eu fico normal o reino do céu não dá os sobressaltos. geometria. A poeira também.com rapadura e querosene – oh! que armazéns humanos. Ela me salvará. A Deus não temo. me força a escutar imóvel o seu discurso esdrúxulo. fala pedra. sete demônios mais forte. a Virgem Maria e os santos consentem no meu caminho apócrifo de entender a palavra pelo seu reverso. fazendo sulcos profundos. se descuida e fica meiga. captar a mensagem pelo arauto. aproveito pra me safar.  Sedução 62 SEDUÇÃO A poesia me pega com sua roda dentada.  Guia 63 GUIA A poesia me salvará. porque só Jesus Cristo é o Salvador. eu lhe digo. conforme sejam suas mãos e olhos. fala pau pra me acalmar. conforme escreveu um homem – sem coação alguma – atrás de um crucifixo que trouxe de lembrança de Congonhas do Campo. repito. porque temo os doutores. Ela me salvará. No entanto. Me pega a ponta do pé e vem até na cabeça. . porque o roxo das flores debruçado na cerca perdoa a moça do seu feio corpo. se promete. pra espantar o breu.. Louvado sejas porque a vida é horrível. O escuro é duro ou macio? Meu cavalo perguntou. Tristeza é o luar nos ermos do sertão. – velho ao fim da guerra como uma cabra – mas limpo os olhos e o muco do meu nariz..Que outra coisa ela é senão Sua Face atingida da brutalidade das coisas?  Bendito 64 BENDITO Louvados sejas Deus meu Senhor.. Eu lhe respondi: galopa. minha sombra na parede. . mas sorrio no espelho ao que. por um canteiro de grama. quando eu era menino. o luar nos legumes e um grilo.. Ô estrela-d’alva. violar as tumbas com o arranhão das unhas.. Ô estrela-d’alva. a horta estava branca de luar e acreditei sem nenhum sofrimento. porque eu quero pecar contra o afinal sítio aprazível dos mortos. mas me lembro de uma noite na roça. porque mais é o tempo que eu passo recolhendo despojos. Alva alva alva alva Precipício respondeu. mas vejo Tua cabeça pendida e escuto o galo cantar três vezes em meu socorro. Louvados sejas porque eu quero morrer. Porque sou desgraçado como um homem tangido para a forca. minas gerais.. mas tenho medo e insisto em esperar o prometido. Eh saudade! De quê. meu Deus? Não sei mais. Ô estrela-d’alva. Louvado sejas. abri a porta de noite. ô lua. ô lua. Uma vez. É pra Deus que eu vou. porque o meu coração está cortado a lâmina. Ô lua. gritei Na cava. à revelia de tudo. Louvado sejas!  Refrão e assunto de cavaleiro e seu cavalo medroso 65 REFRÃO E ASSUNTO DE CAVALEIRO E SEU CAVALO MEDROSO Ô estrela-d’alva. . eu disse. Da parte do Altíssimo te concedo que não descansarás e tudo te ferirá de morte: o lixo. E esporeei. ô alva.  Anímico 69 ANÍMICO Nasceu no meu jardim um pé de mato que dá flor amarela. pro céu e pro ar. Ave. rosilho. No fim da viagem. é bico. Toda manhã vou lá pra escutar a zoeira da insetaria na festa. Quanto tempo dura a noite? meu cavalo perguntou O tempo é de Deus. ô lua. fome incansável e boca enorme. o mormaço abranda.... ô lua. tem zoada de todo jeito: tem do grosso.  Fragmento 67 FRAGMENTO Bem-aventurado o que pressentiu quando a manhã começou: não vai ser diferente da noite.  Anunciação ao poeta 68 ANUNCIAÇÃO AO POETA Ave. no fim da noite. Para os pastos de orvalho. Ô estrela-d’alva. Ave.. cheio de dor. É pata. É pra lá que eu vou. é asas. Tem uma porteira se abrindo Pra madrugada suspensa. come. a catedral e a forma das mãos.. é boca. ávido. o pensamento dividido entre deitar-se primeiro à esquerda ou à direita e mesmo assim anunciou o paciente ao meio-dia: algumas horas e já anoitece.Ô estrela-d’alva.. de aprendiz e de mestre. é grão de .. ô lua. do fino. um vento bom entra nessa janela. Prolongados permanecerão o corpo sem pouso. Ô estrela-d’alva. o fantasma de um cachorro. eu mesma engendro este horror: a sirene apita chamando um homem já morto e fica de noite e amanhece. Parece que a arvorinha conversa. há mais: um maço de jornais. eu bato mais e ele ri sem raiva. Tudo sobra uma cômoda.  A tristeza cortesã me pisca os olhos 70 A TRISTEZA CORTESÃ ME PISCA OS OLHOS Eu procuro o mais triste. uma bilha e seu gargalo fálico. . não antes sem rezar. ri pra mim que bato nele.poeira e pólen na fogueira do sol. num quarto. Faz descer sobra mim o íncubo hemiplégico. um copo de plástico e um quiabo seco. bebo água doce e falo as palavras das rezas. bato. pela primeira vez. humildemente. pelos meus e os teus. segundo Freud: complexo de castração.  Duas maneiras 72 DUAS MANEIRAS De dentro da geometria Deus me olha e me causa terror. perto de um vidro de cola que perdeu a rolha. Eu tenho três escolhas: na primeira. guardado ali por causa das sementes. a tristeza sem verbo. o que encontrado nunca mais perderei. Na última. é túrgida minha bexiga feminina e por isso vai ser menos belo que eu me levante e a esvazie. Se não te basta. O vidro de cola está arrolhado com uma bucha de papel. Mas há outro modo: se vejo que Ele me espreita. até apodrecer meu braço e ele ficar roxo. É sábado.  Descritivo 71 DESCRITIVO As formigas passeiam na parede. espia: eu levanto o meu filho pelos órgãos sensíveis e ele me beija o rosto. sonho que bato num menino. ele não volta e ela insiste e sua voz é humana. é tarde. porque vai me seguir mais fiel que um cachorro. viu?' Na outra. Eu não digo nada. Eu chamo por minha mãe. me escondo atrás da porta. Os analistas dirão. um homem que ainda está vivo à borda de sua cama me acena e fala com seu tom mais baixo: 'reza pra eu dormir. onde meu pai pendura sua camisa suja. bato. Vou me deitar para dormir. ó dura mão de deus com seu chicote.  Um sonho 75 UM SONHO Eu tive um sonho esta noite que não quero esquecer. já estou no colo d’Ele. penso num homem siando de madrugada pra adorar o Santíssimo.penso em marca de cigarros. salva-me. em apito. é uma coisa charmosa. Não canso de explicar isso pro pastor da minha diocese. nojo de certos bichos que eu não falo pra não ter que lavar minha boca com cinza.  Cabeça 73 CABEÇA Quando eu sofria dos nervos não passava debaixo de fio elétrico. hoje que sarei tenho uma vida e tanto: já seguro nos fios com a chave desligada e lembrei de arrumar pra mim esta capa de plástico. pego sua barba branca.  De profundis 74 DE PROFUNDIS Quando a noite vier e minh’alma ciclotímica afundar nos desvãos da água sem porto. salva-me. eu não intervo. Casca. minha filha’ . dia e noite eu não tiro. de relâmpago. por isso o escrevo tal qual se deu: . em mulher da roça com balaio de pequi. mesmo sendo de banana ou de manga. é ruim ninguém entende. quem quiser que se cuide. quando eu sofria dos nervos. Abastam as placas de ATENÇÃO! que eu escrevo e ponho perto. é ruim. Caso chova. tinha medo de chuva. ó palavra de tábua me ferindo no rosto. mas ele não entende e fica falando. eu jogo pra Ele. do meu frio. tenho trabalho nenhum. Qualquer casca de fruta eu apanhava. penso em fumo de rolo. até durmo com ela. fruta feita de cheiro e amarelo. Quando a morte vier. Gritava até parar. pensa que a fé tá lá em cima e cá em baixo é mau gosto só. Ele joga pra mim a bola do mundo. Um bispo quando tem zelo apostólico. ‘minha filha. salva-me do meu medo. Quando Ele dá fé. ele pensa que é Woman´s Lib. cheio de panos. palavra. . assim como o sonho inteiro. O meu cabelo limpo refletia vermelhos. sendo que depois de vestida. a ideia exata de sua seca maciez. estou em casa como no meu quarto.  Sítio 76 SÍTIO A igreja é o melhor lugar. até os pensamentos futuros. Está cheia de sinais. Agora. que o ‘z’ nesta palavra tisna. cofre e chave. que me encantou por seu miolo azul. Todo movimento era de espera e aguardos. pois de parte alguma eu a vira brotar. as minhas pernas gostavam do contato da seda. nave e teto aspergidos contra vento e loucura.era que me arrumava pra uma festa onde eu ia falar. sei. Tudo lá fica seguro e doce. mas tem o olho no meio de um triângulo donde vê todas as coisas. lindo. igreja é a casamata de nós. Lugar sagrado. digo blue. rela um no outro os chifres e espevita seus cheiros que eu reconheço e gosto. eletricidade que eu passeio sem medo. adoro o que me subjuga a nunca como a um boi. Lá sou corajoso e canto com meu lábio rachado: glória no mais alto dos céus a Deus que de fato é espírito e não tem corpo. vesti por cima um casaco e colhi do próprio sonho. Falava-se. um azul de céu limpo sem as reverberações. a modo de um cachorro. de um azul sem o ‘z’. uma sempre-viva amarela. Lá me guardo. Lá o gado de Deus para pra beber água. o meu vestido era de um tom azul. ria-se. Pus a flor no casaco que só para isto existiu. lá espreito a lâmpada que me espreita. o amor de Deus me mata. preparava-se. se eu pisar. tudo é ombro a ombro buscando a porta estreita. É minha raça. Não digo azul. Eu sonhei uma cor. o meu corpo era jovem. Lá as coisas dilacerantes sentam-se ao lado deste humaníssimo fato que é fazer flores de papel e nos admiramos como tudo é crível. conforme necessidades. quando ela insiste feito água no fundo da mina. Ás vezes da até de escurecer de repente com trovoado e raio. boa hora pra nascer e morrer. abre sol. moço de bom gênio pra casar. É na presença d’Ele que eu me dispo e muito mais. o tempo todo e dizer sem soberba ou horror: é em sexo. deu o retoque final. Quando tudo se recompõe. Um poeta sem orgulho é um homem de dores . morte e Deus que eu penso invariavelmente todo dia. d’Ele que não é pudico e não se ofende com as posições no amor. É quando clareia e refresca. mercê de Deus. chove. Muito maior que a morte é a vida. o poder que eu tenho é de fazer poesia. e quando se olha os retratos e se consegue dizer com límpida voz: ele gostava deste terno branco e quando se entra na fila das viúvas. É feito sol. a cuia. Duas mil pessoas com velas louvando Maria num oco de escuro.  O modo poético 79 O MODO POÉTICO Quando se passam alguns dias e o vento balança as placas numeradas na cabeceira das covas e bate um calor amarelo sobre inscrições e lápides. batendo papo e cabo de sombrinha. Pode-se compreender de novo que esteve tudo certo. o chapéu enchem o nosso coração como uns amados brinquedos reencontrados. Fiz curso de filosofia pra escovar o pensamento. não valeu. Não desaponta nunca. é que a poeira misericordiosa recobriu coisa e dor. isso eu entendo sem desatino. Feito amor divino. é saltitantes que vamos cuidar de horta e gaiola. O mais universal a que chego é a recepção de Nossa Senhora de Fátima em Santo Antônio do Monte. Tabaréu 78 TABARÉU Vira e mexe eu penso é numa toada só. Porque. levantando morrinho de areia. pedindo bom parto. O cheiro do povo espiritado. A mala. porque desfaleço de amor. Eu que rejeito e exprobo o que não for natural como sangue e veias descubro que estou chorando todo dia. às vezes. faço dele cataplasma e ponho sobre a ferida. Cântico dos Cânticos  Amor violeta 83 AMOR VIOLETA O amor me fere é debaixo do braço. a pele assaltada de indecisão. se não for santa?  Uma vez visto 85 UMA VEZ VISTO Para o homem com a flauta. entre as gretas do muro está nascendo a erva…’ Que a fonte da vida é Deus.  A serenata 84 A SERENATA Uma noite de lua pálida e gerânios ele virá com a boca e mão incríveis tocar flauta no jardin. Estou no começo do meu desespero e só vejo dois caminhos: ou viro doida ou santa. fortalecei-me com frutos. A seu cripto modo anuncia. UM JEITO E AMOR Confortai-me com flores. de que modo vou chegar ao balcão sem juventude? a lua. de um vão entre as costelas. os gerânios e ele serão os mesmos – só a mulher entre as coisas envelhece. porque é certo que vem. Quando ele vier. os cabelos entristecidos. sua boca e mãos. quase inaudível em delicado código: ‘cuidado. se não for doida? Como a fecharei. Eu ponho o amor no pilão com cinza e grão de roxo e soco. Macero ele. . De que modo vou abrir a janela.muito mais é de alegrias. há infinitas maneiras de entender. Atinge o meu coração é por esta via inclinada. pardais comendo no pé um mamão maduro – coisas que não dou a qualquer pessoa – e mais que tudo. meu pai me entende sem perguntas e o rei fica tão surpreendido que decide em meu favor uma revisão das leis. Por causa dele falo palavras como lanças. remeti pelo correio a copa de uma árvore. Me viro em dócil. sábia de fazer com veludos uma caixa. amor é a coisa mais alegre amor é a coisa mais triste Amor é coisa que mais quero. Alegre ou triste. boca é boca. amor é coisa que mais quero.  A meio pau 88 A MEIO PAU Queria mais um amor. É uma canção tão bonita o crepitar que minha mãe se consola.  Canção de Joana d’Arc 87 CANÇÃO DE JOANA D'ARC A chama do meu amor faz arder minhas vestes. os olhos tramando um gosto. Por causa dele podem entalhar-me. não disse essa boca é minha. Como os ratos da fábula eu sigo roendo o inroível amor. mão é mão. O homem com a flauta é meu susto pênsil que nunca vou explicar. sou de pedra sabão. meu bem não leu. Em vão. um jeito de pensar com a boca fechada. não escreveu. . taquicardias. O homem com a flauta existe?  O sempre amor 86 O SEMPRE AMOR Amor é a coisa mais alegre amor é a coisa mais triste amor é coisa que mais quero. porque flauta é flauta.eu fico calada. Escrevi cartas. um par de fronhas antigas onde eu bordei nossos nomes com ponto cheio de suspiros. Mesmo assim. ele me olhou com olhos admirados e segurou minha mão mais que um tempo normal a pessoas acabando de se conhecer. que. O melhor do amor é sua memória. meu bem. Cristóvão. Meu amor este ar tristonho que eu faço pra te afligir. só os cabelos pretíssimos e um beleza de príncipe de estórias encantadas. falou a meu pai. se é só por isto. Seu nome é: Salvador do meu corpo. Quando eu sei que ele vem. nem antes.. devastada de angelismo e carência.  Psicórdica 90 PSICÓRDICA Vamos dormir juntos. Foi-se com uma bandeira e ajuntou ouro pra me comprar três vezes.  Enredo para um tema 91 ENREDO PARA UM TEMA Ele me amava. disse meu pai.Outro dia perguntei a meu coração: o que que há durão. Na volta me achou casada com D. Estimo que sejam felizes.disse D. eu fecho a porta para a grata surpresa. ele disse: é desprezo de amor. Cristóvão. súbitos chegares .. eu estava saindo do banheiro. Só eu não disse nada. sem sérias patologias. Vou abri-la como o fazem as noivas e as amantes. nem depois. disse. mas não tinha dote. Nunca mencionou o fato. Demoraste tanto.  Os lugares comuns 89 OS LUGARES COMUNS Quando o homem que ia casar comigo chegou a primeira vez na minha casa. Não tem importância. Até hoje me ama com amor de vagarezas. mal de chagas te comeu? Não.  Bilhete em papel rosa 92 . espere. eu estou tão fraca e teu cabelo tão é negro. Pouca gente gosta. o sono fugiu de mim.BILHETE EM PAPEL ROSA A meu amado secreto. Antônio. este poema roubado: "o cinamomo floresce em frente ao teu postigo. Antônio. alisar seu cabelo. Antônio.  Medievo 93 MEDIEVO Senhor meu amo. Castro Alves. Antônio lindo. escutai-me. as nossas vias ligadas. espremer de suas costas as montanhas pequenininhas de matéria branca. Os galgos estão inquietos. Rogo-vos que vos apresseis. ó meu amor adorado. Quantas loucuras fiz por teu amor. me dão prudentes conselhos. medo de encanto quebrado. Cuidai que não acorde os fâmulos a paixão que estremece o vosso peito. Tem urgência. Quando aperta eu grito da janela – ouve quem estiver passando – ô fulano. Ideal eu tenho de amar como quem diz coisas: quero é dormir com você. sem nenhum pudor. vem depressa. eu vivo tão perturbada. a tua boca de brasa. Me dão mingaus. eu quero é a ponta sedosa do teu bigode atrevido. meu bem. é duro como osso duro. Para sempre tua. Vê estas olheiras dramáticas. Ó bardo. no balcão. morro de sonhar contigo". que já nem sinto mais fome. Cada flor murcha que desce. a alimária pateia. a donzela espera por vós. pensando com tanta força meu pensamento de amor.  Confeito 95 . caldos quentes. Antônio. Por hora dou é grito e susto.  Um jeito 94 UM JEITO Meu amor é assim. faz. Uma vez encontrado. não teologa mais. doido por sexo e filhos tem os quantos haja. Não me servem. amado que virá para pôr sua mão na minha testa . outro cor-de-rosa. é igual fé. Tudo que não fala. da comum e da dobrada. acompanhar bandeiras. Cuida do essencial. o amor feinho é magro. até agora e para sempre. eu penso: bonitos como potros. mas. um branco. Duro de forte.  Amor feinho 97 AMOR FEINHO Eu quero amor feinho. impertinentes como limões novos. Quando cuidam que não. Amor feinho não olha um pro outro.  Fatal 96 FATAL Os moços tão bonitos me doem. desde. ser Maria Bonita no bando de Lampião. o que ele tem é esperança: eu quero amor feinho. Desde quando falei. Por isso. Amor feinho é bom porque não fica velho. Te espero e não me canso. puro açúcar. como sei disso.CONFEITO Quero comer bolo de noiva. vou ser cruzado. puro amor carnal disfarçado de corações e sininhos: um branco. desde as brutalidades da minha fé sem dúvidas. o que sou é uma mulher com um radar poderoso. Planta beijo de três cores ao redor da casa e saudade roxa e branca. Vou esperar que ganhem indecisão. estão todos no meu bolso. o que brilha nos olhos é o que é: eu sou homem você é mulher. Anita ou Joana. E espero. outro cor-de-rosa. quando eles não me vêem como se dissessem: acomoda-te no teu galho. Eu pareço uma atriz em decadência. Amor feinho não tem ilusão.  Para cantar com o saltério 98 PARA CANTAR COM O SALTÉRIO Te espero desde o acre mel de marimbondos da minha juventude. Ataquei-os por trás com mão e palavras que nunca suspeitei conhecer. gritei meu urro. uivava. gritei. o que digo. desdigo. hoje como toda vida quis e não sabia. Por isso esta canção tem o nome que tem. eu que já amava de extremoso amor o peixe. espera. nós dois petrificados. disseram Marta e Maria. tanta era sua dor sem remédio.  Canção de amor 100 CANÇÃO DE AMOR Veio o câncer no fígado. nosso irmão não teria morrido. o papel de seda e os riscos . fiquei rígida. hoje estou muito triste. as mãos na garganta dele. Ele me pegava nos braços. nas pernas. Tomavam um guaraná e riam. deixa eu chorar primeiro. Ah. me pedindo graças. os desavergonhados. esmurrei-os e gritei. na cintura. fêmea ofendida. deixa eu chorar primeiro. gente. Mas a palavra de Deus é a verdade. peixe-piranha. Então se pode chorar? Eu posso então? Se me perguntassem agora da alegria da vida. Quando não pude mais. me deixa’. a poeira adensou como cortina.  Briga no beco 99 BRIGA NO BECO Encontrei meu marido às três horas da tarde com uma loura oxidada. eu prego. eu sem tocar o chão. eu só tinha a lembrança de uma flor miudinha. me tocando. se estivésseis aqui. a camisa sem botão. Desde então faço milagres. Veio a morte e nesta hora H. a torrente de impropérios. Quando abri os olhos. Ajuntou gente. gritando: ‘me deixa. gente. as mulheres abriam alas. Eu supliquei: eu prego. Voaram três dentes e gritei. mas.  Para o Zé 101 PARA O ZÉ Eu te amo.e inventar com sua boca de verdade o meu nome para mim. Espera disse Jesus. veio o homem pulando da cama no chão e andando de gatinhas. gritei até a cratera exaurir-se. Pode não ser só isso. a mala velha. homem. sem me reter. bicho pior. Gritei. escureceu o sol. enche minhas mãos. o que não queria dizer amo também. o piolho. palavra linda. dando a volta ao mundo. me emprega. o delicioso amor: com água tépida. Tudo que não é mulher está em ti. fauna e flora. vero-romântico. homem. amo sua matéria. O que a memória ama fica eterno. . vou te amar. alegrinha como florinha amarela. Teço as curvas. violoncelo. Te aprendo. homem. amo o teu coração. Esmero. Eu te amo. Te alinho junto das coisas que falam uma coisa só: Deus é amor. violino. Você me espicaça como o desenho do peixe da guarnição de cozinha. como criada ama. Abre pra fora as duas folhas de madeira à-toa pintada. desejando as finuras. Janela é o bater das asas da borboleta amarela. os alvos linhos. Escrito no Êxodo  Janela 105 JANELA Janela. você me guarnece. as aparas de tuas unhas perdidas nas casas que habitamos. Te amo com a memória. seu poder de perecer. menestrel e fazendo o que sei. o que é. particular homem universal. Eu te amo. os fios de tua barba. ó amado da minha alma. homem meu. a luz na cabeceira. comida. as mistas e as quebradas. tira de mim o ar desnudo. industriosa como abelha. te amo do modo mais natural. onde repousas ao meio-dia. o dorso e a planta deles eu beijo. o abajur de prata. quando o que quero é só dizer te amo.de bordado. estalando os dedos pra pessoa e bicho. maravilha. quando descubro que assim te amo. me abaixo e lavo teus pés. homem. Amo até a barata. me faz bonita de olhar-me. viajo pra ter saudade. se alargando aquecido. toalha seca e sabonete cheiroso. a carne de que é feito. o ouvido no teu peito pra escutar o que bate. falo em latim pra requintar meu gosto: “Dize-me. exatamente como amo o que acontece quando escuto oboé. A SARÇA ARDENTE – I Uma chama de fogo saía do meio de uma sarça que ardia sem se consumir. Aprendo. para que eu não ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros”. onde tem o desenho cômico de um peixe — os lábios carnudos como os de uma negra. Divago. me dá uma tarefa. Como grande senhora vou te amar. me dá um filho. Assim. Pego tua mão. me calo. Meu coração vai desdobrando os panos. onde apascentas o teu gado. me afasto. imperecível. Tudo impossível. meu pé esbarra no chão. Eu sabia uma modinha e não sei mais. por onde vi o casamento da Anita esperando neném. um caixão de janela com um perfil. um jardim. deus me livre’. espesso como antes se podia fendê-lo aos oito anos.  Chorinho doce 107 CHORINHO DOCE Eu já tive e perdi uma casa. olho no meu coração. Janela sobre o mundo aberta. de azul. Ô janela com tramela. Eu pulo você pra dentro e pra fora. tudo de outro dono. tudo de tempo e vento. horas e horas. o coração amolecido como um figo na calda. pego a querer a soleira. o jardim mais a casa. Então me dá choro. De repente acontece o tempo se mostrando. o caixão de janela e aquele rosto de banda. num quarto. um menino chora ou grita. brincadeira de ladrão. Uma destas coisas vai acontecer: um cachorro late. a mãe do Pedro Cisterna urinando na chuva. o portal. Aí. Quando a vida dá folga. uma porta. ou alguém chama do interior da casa: ‘O café está pronto’. uma soleira. por onde vi meu bem chegar de bicicleta e dizer a meu pai: minhas intenções com sua filha são as melhores possíveis.  Epifania 106 EPIFANIA Você conversa com uma tia. Ela frisa a saia com a unha do polegar e exclama: ‘assim também. então. o gerúndio se recolhe e você recomeça a existir.janela jeca. monto a cavalo em você.  O vestido 108 O VESTIDO . claraboia na minha alma.  A cantiga 109 A CANTIGA “Ai cigana. Ficou meu cheiro nele.  Verossímil 111 VEROSSÍMIL Antigamente. molho de ovos. A mãe me punha o vestido. meu corpo ido. A mulher que me abriu a porta riu de dona tão velha. meu pai tirando bóia da panela. A voz da mulher cantando vinha de uma cozinha. exatamente como chove agora. É de seda macia desenhada em campânulas vermelhas à ponta de longas hastes delicadas. meu amor. como quem sabe que vai escrever um poema. meu vestido estampado. há muitos anos. as asas. Só melhoro quando chove. canta mais. ai ciganinha. a voz de bambu rachado continua tinindo. meu marido ficou triste até a morte. meu sonho. viaja pra dentro de mim. esganiçada. choveu grosso com trovoadas e clarões. ciganinha. linda. Minha mãe. .” Quando escutei essa cantiga era hora do almoço. espevita as palavras bem'. Eu levantava voo rua acima. Quando se pôde abrir as janelas. quando eu era menina. volatiza-se a memória guardada: eu estou no cinema e deixo que segurem a minha mão. mulher. Eu o quis com paixão e o vesti como um rito. com sombrinha infantil e coxas à mostra. me encalcava a coroa na cabeça e encomendava: 'Canta alto. trinta anos depois. canta. Não encontrei minha mãe.No armário do meu quarto escondo de tempo e traça meu vestido estampado em fundo preto. Fui buscar os chuchus e estou voltando agora. eu fiquei doida no encalço. De tempo e traça meu vestido me guarda. em maio. eu virava anjo. ciganinha. canta que eu acho minha vida. meu vestido de amante.  Dona doida 110 DONA DOIDA Uma vez. as poças tremiam com os últimos pingos. É só tocá-lo. Meus filhos me repudiaram envergonhados. Canta. angu. decidiu inspirada: chuchu novinho. vai polindo o cristal. canta que eu acho minha mãe. o meu ouvido cada vez melhor. azul.  A flor do campo 114 A Flor do Campo Mais que a amargosa pétala mastigada. as palavras cordiais. pariu a mágica: emendadas. mãe (sem massa de tomate) quero comer não. seu aspro odor e seiva azeda. ‘as neguinhas da Guiné’.  Cartonagem 113 CARTONAGEM A prima hábil . Quando a senhora tem raiva sem xingar é igual a ruindade do gasômetro. do sortilégio do brinquedo. mãe (quando inaugurar a luz elétrica e o pai consumir com o gasômetro. conforme as palavras de nosso Senhor. a azuleza dele. com meia grossa e saias. brincando de roda. Vamos ficar no escuro. a infância. toma a forma das coisas. o céu pra onde íamos. a lembrança antiga das camadas do sono: há muito tempo. os lírios do campo. A vida se confirmava em seu mistério. no pensamento. A menina do olfato delicado 112 A MENINA DO OLFATO DELICADO Quero comer não. foi depois da missa. mãe (com gosto de serragem) quero comer não. eu e mais duas tias num caminho. Vomito mãe. as pernas delas na frente. mãe (no canto do fogão o caldeirão esmaltado) quero comer não. Vou comer agora não. na comida. o cheiro entra na pele. (vi um gato no caminho. No ar os cheiros do mato. eu como). o azul dele tem cheiro. mãe (arroz com feijão. fervendo de bicho) quero comer não. mãe. com tesoura e papel. põe gasômetro não.  Registro 115 . olhai-os. macarrão grosso) quero comer não. garimpou: Eu podia viver sem nenhum susto. a flor do mato. Põe lamparina. Vou esperar a luz elétrica. Minha alma. mãe (com cheiro de carbureto) quero comer não. Não é. só para experimentar. o melhor. deixou tacho no fogo com água quente.  Rebrinco 117 REBRINCO As primas vinham ensaboar as de missa. Um dia. .  Mosaico 116 MOSAICO Joaquim João era artista de teatro. comeu feijão com arroz mais um facho de luz.REGISTRO Visíveis no facho de ouro jorrado porta adentro. marronzavam. Medo que eu tinha era não ter mistério. se virou duas vezes. tão como devem ser que eu desinteressava. eram as pragas. Eu descia da árvore. interrogava com apertada atenção. três dias na grama. Joaquim virava a cabeça ao esganiçado código e eu cantava mais alto. dois. Às onze Joaquim subia do serviço com o paletó jogado num ombro só. ia chamar Letícia pra brincar. rezar o anjo do Senhor anunciou a Maria e ela concebeu. o pai fazendo serão. desenhar cinco salamão. Com toda fome. o que era igual Letícia vindo brincar.  Ensinamento 118 ENSINAMENTO Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. até essa hora no serviço pesado". Enchiam a bacia de espuma. Mesmo assim. Fiquei picada de inquieto mel. Escondida eu cantava ‘adeus-amor’. mosquitinhos. Tialzi cuspia dentro. tão bonito! As calcinhas de Tialzi amarelavam no fundo. o hálito saborosíssimo de concebolas. Dava as mãos a Julietinha Marra e cantava ‘adeus-amor’. A coisa mais fina do mundo é o sentimento. e ia fazer xixi na calcinha. macaca sentimental. ela falou comigo: "Coitado. Arrumou pão e café. grãos maiores de pó. ai que nojo. A mãe no fogão atiça as brasas e acende na menina o nunca mais apagado da memória: uma vez banqueteando-se. Aquele dia de noite. com direta intenção e longo fôlego. Quando de tão calada me notavam. Tão boas. Eu andava em círculos. escutava conversa. alegre de nenhuma ameaça. O que chamam de morte devastou com as narinas. vi um homem que estava prestes a morrer. vinagre e doçura. o maxilar. comendo banana amassada. o dorso dos pés e sua planta. Eu lembro coisas que acontecerão: era uma vez um homem que está rijo e cantante. sem o espírito e a lei da gravidade.  Insônia 122 INSÔNIA O homem vigia. A mãe no fogão cantando. o luar e o vento no cipó-prata e ele. todavia inopinado perguntou ─ ou perguntou comum como das outras vezes? ─ . os zangões. Ladra seu sonho insone. mas ele não sabia. da janela. Era uma vez um pisado de levantar pedra e poeira. me oferecendo corriqueiro. estumados.  Fé 123 FÉ Uma vez. A linha do seu queixo era já de fronteiras. Dentro dele. a poeira. Aquela noite. porque a terra em que estás é uma terra sagrada. a fremência. em saudade. Essa palavra de luxo. o ar anímico. o medo a cavalo em fuga das folhas do cipó-prata. A SARÇA ARDENTE – II Tira as sandálias de teus pés. ou sabia? Como posso saber? Comia.Não me falou em amor. Escrito no Êxodo  O homem permanecido 121 O HOMEM PERMANECIDO Era uma vez uma venta fremente e um duro queixo. achando gostoso. um modo de passos e voz. Sobrou um gesto reto no espaço. uivam os cães da memória. o jeito próprio . medir cor e volume de sua urina difícil. quase. Fugimos como nas guerras. Como antes. graças a Deus. caminhando de terno e gravata. firme. Eu quero a cada vez olhar e dizer: estava chorando. os olhos cheios d’água sob as lentes. Que mistério profundo!. quando pensou: a vida é amarga e doce? Eu quero o que ele viu e aceitou corajoso. ele falou e falou mais. do que fosse uma alegria humana e não estávamos à altura de entende-la. seu passo guardado. não comer sal. Sofrer era muito mais fácil. Quero os contornos desta matéria imóvel de lembrança. Um susto às avessas do susto foi o nosso. o braço dado com a filha. eu inventei uma barata pra matar com um chinelo. desencantados deste espaço rígido. outro no quintal. a voz como antes.  Episódio 124 EPISÓDIO Ele tinha o costume de gesticular seu pensamento. pousando o prato. os olhos cheios d’água sob as lentes.Como será a ressurreição da carne? É como nós já sabemos. alta. tudo como é aqui. eu lhe disse. porque a barriga dele continuava altíssima e alagava a mina rompida de sua perna. E chorar. mas sem as ruindades. Eu quero a dor do homem na festa de casamento.  O retrato 125 O RETRATO Eu quero a fotografia. pondo e tirando da jarra o galhinho de flor. Sem que ninguém suspeitasse ficou em pé na sala e começou a cantar. Um de nós foi chorar na privada. anterior a qualquer debilidade do seu corpo. grossa. A alegria dele desertava. de sorte que estar parado era já ter compreendido ou não ter dúvidas.  O reino do céu 126 O REINO DO CÉU Depois da morte eu quero tudo o que seu vácuo abrupto fixou na minha alma. Foi um abalo enorme quando se deu o que conto. porque ultimamente ocupava a compreensão em tomar os remédios. catecismo. Eu quero depois. a ressurreição e a vida escamoteando o tempo dividido. a camisa personalíssima atrás da porta. A camisa engrossada de limalha de ferro mais o suor. a língua demorando na base superior dos dentes.  Uma forma de falar e de morrer 128 UMA FORMA DE FALAR E DE MORRER Ele tinha um modo de falar a palavra inabalável. eu quero o tempo inteiro. ferro. os dois cheiros impregnados. a unha a canivete ─ a coisa mais viril que eu conheci. a garantia: à noite estaremos juntos. a doutrina exigente necessitando de um mais puro som. Eu vou querer o prato e a fome. Quando eu ressuscitar. a homilia repetida antes do almoço: ‘conforme diz o Evangelho. missas dominicais. a palavra nefando. Quando a vida abalável enrijeceu seu queixo. os riscos todos. a ponta voltada para a raiz dos dentes. ou nomeia o que julga indigno do seu falar. o encarregado. casar. ‘inabalável fé’. Encosto ele no ar. O ‘l’ final concluído à moda dos holandeses que pregaram pra nós. melhor. o que quero é a vida repetida sem o perigo da morte. a camisa no portal. Sem acabar nunca mais. não a dizia com a boca de quem come as perecíveis matérias. na terra. Descansaremos porque a sirene apita e temos que trabalhar. por serem as comuns coisas: malho. inabalável. bigorna. passar dificuldades. ‘Inabalável certeza’. para ganhar o céu. se tivermos fé. Um homem que já morreu cantava “a flor mimosa . Quando usava esta forte palavra.de puxar a camisa pela manga e limpar o nariz. quando viver de novo. a montanha mudará de lugar’. missões. eternas coisas aterradoras de tão impossível mácula. ‘Inabalável’. no canto das paredes. coisas de Deus. com o temor de Deus. comer. pra escutar nefando. o chefe. ‘poder inabalável’. a língua paralisada conformou – se roxa.  Modinha 129 MODINHA Quando eu fico aguda de saudade eu viro só ouvido. conforme o que exprimia. a mão socando o joelho. um dia sem tomar banho. meus filhos. a gravata pro domingo de manhã. Se os ouvisses por certo me dirias com estranheza e amor: ‘Isso. ‘Arreda. sufocada. tu estrela”. o verde do capim espirrando entre os tijolos da beirada da casa descascada. Saía dele o cheiro de óleo e graxa. ele dizia. fui mesmo ingrato. com o olho da enxada. brilhaste e volveste o teu olhar para o passado. o pai falava com amor. O que estava embaçado eram seus óculos. As tanajuras no sol. arreda’. jamais.desbotar não pode. vou fritar é uns biscoitos pra nós’. Agora as boas. agora as boas: “Eu tive um cão”. Delão. o coração doendo. e começava a dele: “Estrela. eu acordava um morto com este canto. Ó meu pai. jamais termina a vida”. como se triste fosse. “Morrer dormir. Pisando a terra que ele desbarrancava aos socavões. isso!’ O bastante para eu começar recompensada. ‘Eh trem!’. a menina embaraçada com a opressão da alegria. na poeira de ouro das cinco horas. nem mesmo o tempo de um poder nefando” ─ mais dolorido canta quem não é cantor. o bicho bobo. “Estrela. angu e mostarda. quando tarde. No juízo final.  A poesia 130 A POESIA Recita “Eu tive um cão”. a beira da linha. A voz dela era sem acidez. A mãe falou pra mim: ‘vai na sua avó buscar polvilho. recordas-te e dirás com saudade: sim.  Figurativa 131 FIGURATIVA O pai cavando o chão mostrou pra nós. jamais. catava tanajuras voando baixo. bem tarde. Mas tu lembrarás que a primavera passa e depois volta e a mocidade passa e não volta mais”. os olhos amiudados de emoção. o brabo cheiro bom. cheiro – suor de oficina. tocável como o ar de sua garganta vibrando. tarde. Nós tínhamos comido a janta quente de pimenta e fumaça. o que me dava então? Comida que mata a fome e mais outras fomes traz? Eu hoje faço versos de ingrato ritmo. ele falava. guturando a risada. depois “Morrer dormir”. a cobra de duas cabeças. . A última palavra. Eu recitava toda poderosa. jamais. pai. mais que o anjo com sua trombeta. tu estrela. A alma dele zoando de tão grave. se Deus permitisse. Tinha uma perturbação recém – achada: meus seios conformavam dois montículos e eu fiquei muito nua. em procissão. seu passo marcial atrás da música. era a natureza do sonho. era sua matéria. Aconteciam na praça sol e pombos de asa branca e marrom que debandavam.  As mortes sucessivas 134 AS MORTES SUCESSIVAS Quando minha irmã morreu eu chorei muito e me consolei depressa. Busquei retratos antigos. Que cantasse. onde jazia sã sua cara doente. Seguia de opa vermelha. vem cá’. me chamou como em vida. em puro desconforto e ânsia. a partir da tônica: ‘Délia. os pombos. o que entrevi sem erro: a alegria é tristeza. cruzando os braços sobre eles é que eu chorava. nunca mais me consolei. seus olhos como só os dos mortos olham e a esperança. Tinha um vestido novo e moitas no quintal onde eu ia existir. seringas e uniformes brancos. Que fosse alto e bonito o canto. a qualidade do sangue. ressuscitou e me apareceu em sonhos muitas vezes. e o fui arrastando por corredores cheios de médicos. a opa vermelha. é o que mais punge. inflamável como o dos touros. Depois foi o dia inteiro o peito comprimido. uma banda de música e cantava. Quando meu pai morreu. O sonho 132 O SONHO O reconheci na fração do meu nome. as palavras sem pressa. me consolei mais lento. o canto. inalterada. Como um traço grafado horizontal. procurei conhecidos. os graves da fala em cantos. Peguei nos pés do catre. Quando minha mãe morreu. sua voz no meu ouvido. A mesma cara sem sombras.  Para perpétua memória 133 PARA PERPÉTUA MEMÓRIA Depois de morrer. . o registro do meu diploma extraviado no Ministério da Educação. 'Não serve'.no que estavam certos . consumaram: 'Fica o bem de raiz pra pagar a fiança'. seu modo de apertar os lábios e ter certeza. Deixei meu dente. inusitada e capciosa . . Reproduzi o encolhido do seu corpo em seu último sono e repeti as palavras que ele disse quando toquei seus pés: ‘deixa.parentes. ALFÂNDEGA  Alfândega 137 ALFÂNDEGA O que pude oferecer sem mácula foi meu choro por beleza ou cansaço.porém dá-se que inusitados e capciosos foram seus modos de detectar vaidades. que me lembrassem sua fala. pronto a chorar de cansaço. E exigiram a língua estrangeira que não aprendi. por presunção'. Todas às vezes que eu pedia desculpas diziam: 'Faz-se de educado e humilde. Quando agarrei meu dente e minha viagem ao Rio. mais taxa sobre vaidade nas formas aparentes. Quem me consolará desta lembrança? Meus seios se cumpriram e as moitas onde existo são pura sarça ardente de memória. sendo que o navio partiu enquanto nos confundíamos. disseram. tá bom assim’. e oneravam os impostos. Agora só tenho três reféns sem mácula. um dente exraizado. o preconceito favorável a todas as formas do barroco na música e o Rio de Janeiro que visitei uma vez e me deixou suspensa.
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