ADAPTAÇÃO Narizinho

March 29, 2018 | Author: Larissa Fernanda Maciel | Category: Philosophical Science, Science


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A LITERATURA NO FLUXO MIDIÁTICO: OBSERVAÇÕES SOBRE A ADAPTAÇÃODE REINAÇÕES DE NARIZINHO Gleiton Candido Souza (Mestre – UFMS) Márcia M. Gomes (Doutora – UFMS) RESUMO: O presente trabalho tem por finalidade estudar a transmutação de um texto literário para o audiovisual, ressaltando elementos que nos permitem ver a adaptação como outra obra, e não somente como uma cópia de outro texto. Como aporte teórico, para a análise são utilizadas as contribuições da literatura comparada, da teoria da adaptação e da hipertextualidade, através de autores como Claus Clüver, Tania Carvalhal, Robert Stam e Gerard Genette. O objeto de análise é a adaptação da obra Reinações de Narizinho (1931), de Monteiro Lobato, para o audiovisual televisivo intitulado No reino das Águas Claras, produzido e exibido pela TV Globo em 2001. PALAVRAS-CHAVE: Adaptação; Reinações de Narizinho; No reino das Águas Claras. Introdução Considerado o pai da Literatura Infantil brasileira, Monteiro Lobato, é o criador do Sítio do Picapau Amarelo, lugar onde acontecem as aventuras vividas por Pedrinho e Narizinho, netos de Dona Benta, juntamente com a boneca de pano Emília e o sabugo de milho Visconde de Sabugosa, além de Tia Nastácia e muitos outros personagens que aos poucos vão sendo introduzidos nas obras. Com uma linguagem acessível às crianças, Lobato rompeu com as convenções que existiam no Brasil no início do século XX, que mantinha um caráter prioritariamente didático e utilitário nos livros infantis, como apontam Marisa Lajolo e Regina Zilberman em Literatura Infantil Brasileira, Histórias e Histórias. A obra infantil lobatiana tornou-se um marco da literatura brasileira, sendo seus livros, ainda hoje, a principal referência quando se quer utilizar um modelo de Literatura Infantil brasileira. E tal é a importância de sua obra infantil que, desde os primórdios da televisão brasileira, ela vem sendo adaptada e hoje é considerada um marco na programação televisiva voltada para as crianças. Entre suas obras infantis, o Visconde é criado.Reinações de Narizinho é considerada uma das mais importantes. Para tanto. entre outros. identificando os trechos do livro aproveitados pela televisão. e como se dá a apresentação dos personagens. nos aportes da Teoria da Intertextualidade. as crianças conhecem o Reino das Águas Claras. se focaliza na estrutura da narrativa. Os capítulos e seus subtítulos foram distribuídos em uma tabela comparativa na qual apresentamos os fatos contidos ou não no livro. do cenário e demais elementos utilizados para a composição das cenas. se discute acerca da . a Emília se casa com o Rabicó. sob o título de No Reino das Águas Claras. ou seja. que relatam a ida de Narizinho e Emília ao fundo do mar. que apresenta os quatro capítulos iniciais da obra. entre outros acontecimentos que apresentam os personagens do Sítio do Picapau Amarelo. finalmente. abordaremos primeiramente a relação interartes. tomando como referência as contribuições de Claus Clüver. Neste artigo discutiremos a respeito da transposição de um texto de um suporte para outro. por reunir em um único volume as primeiras histórias que este autor escreveu para crianças. da Teoria da Adaptação e da Literatura Comparada. embasando-nos. O presente trabalho tem como objetivo refletir a cerca das adaptações de obras literárias para o audiovisual televisivo. sem cortes. É nela que Emília começa a falar. vez que se tratam de dois objetos artísticos diferentes. Também veremos como a televisão apresenta uma história que provém de outro suporte. Em um segundo momento. mas sim através do DVD produzido e lançado pela Som Livre e Globo Marcas. a partir da análise da adaptação feita pela TV Globo em 2001 de Reinações de Narizinho. para tal. como estrutura da narrativa e adequação histórico cultural. Vale ressaltar que o objeto de análise. no caso do livro para a televisão. não é aqui analisado na forma como foi exibido pela TV Globo. Robert Stam. Em primeiro lugar. Em segundo lugar. o que nos permite analisar a adaptação em si e seus elementos de transmutação. que em nosso caso é o livro. O trabalho é desenvolvido em três partes. Tanea Carvalhal. abordando questões como o diálogo que se estabelece entre o texto escrito por Lobato e o audiovisual televisivo. Dessa maneira. não abordaremos a sua forma de apresentação descontínua e fragmentada pelos intervalos comerciais e ganchos que ligam os blocos e os capítulos com vistas a prenderem a atenção do telespectador. O DVD apresenta a obra audiovisual completa. analisaremos a obra Reinações de Narizinho e sua adaptação No Reino das Águas Claras. o programa audiovisual. discorreremos a respeito do fluxo midiático por onde a literatura circula e. Com esta visão foram criadas as adaptações da TV Globo. nº 14. as adaptações criam obra derivadas em seu formato específico. p. Segundo a autora. se submete juntamente com esta a um conceito geral chamado “arte”. p. 2003. mesmo sendo de outra ordem em relação à Literatura. No inicio do ensaio “Comparatismo e interdisciplinaridade”. no cenário. de maneira a entender como a nova obra visa estabelecer uma aproximação com o telespectador atual. Carvalhal (2003) nos lembra de que na época do surgimento da literatura comparada. ainda que mantendo elementos de identificação do suporte da obra de partida. Atualmente o estudioso atua em uma área que recebe o nome de Estudos Interartes. há boas razões para considerar o Comparatismo como o espaço adequado para os Estudos Interartes” (2006. p. através de fronteiras nacionais. 2006. ou seja. 12). apropriando-se de diversos métodos. onde são observados os elementos que aproximam as adaptações da realidade da época na qual foram produzidas. as mudanças na linguagem. Assim. segundo esse autor. como afirma. Em fim. uma vez que não é possível transportar as situações tal e qual estão no livro. trabalha com a “comparação” da Literatura com algo que. e. e analisava as circunstâncias dessa mudança. exigidos pelos objetos que coloca em relação” (CARVALHAL. como comparatista. rótulo este que. Claus Clüver (2006) menciona que. . que devem ser valorizadas enquanto elementos da cultura da mídia e que lidam com as especificidades do novo suporte. 35). Hoje. Revista de Estudos de Literatura.adequação histórico cultural feita pela adaptação. Jul/Dez. o primeiro passo na ampliação dos estudos de literatura comparada foi o das relações interartísticas. 13). veremos que as obras literárias adaptadas para o audiovisual não têm que necessariamente ser fiéis ao texto fonte. Adaptação: um estudo interartes Em seu artigo Inter Textus / Inter Artes / Inter Media 1. “enquanto a Literatura permanecer como o ponto de referência dominante. no figurino. das relações múltiplas 1 Ensaio publicado na revista Aletria. é atribuída à literatura comparada a “possibilidade de mover-se entre várias áreas. de modo a dialogar com a obra de Monteiro Lobato e também com o público. devido às mudanças metodológicas. nos objetos incluídos no universo da adaptação. esta aproximava obras e autores de duas literaturas distintas e perseguia a mudança de um elemento literário de um território a outro. “torna-se cada vez mais equivocado e questionável” (2006. mas a diversidade de ‘linguagens’ ou de ‘formas de expressão’. Tal termo. em A correspondência das artes (1947). Carvalhal discorre sobre o conceito de intertextualidade. O estudo da adaptação de uma obra literária para o audiovisual é algo que se insere. 2003. Distanciando-se do sentido restrito com que o termo foi inicialmente empregado. permitindo entender que ler um texto é lançá-lo num espaço interdiscursivo e na relação dos vários códigos que são constituídos pelo diálogo entre textos e leituras. a Literatura Comparada e a Teoria da Adaptação. fortalecendo a solidariedade existente entre as formas de investigação do literário. Carvalhal explica o conceito de intertextualidade "como todas as interações possíveis entre todos os fenômenos culturais".que podem existir entre a obra literária e outros meios de expressão artística. no campo nos Estudos Interartes. “já não é mais a diversidade linguística que serve de base a comparação. 2003. cunhado por Kristeva. como a Intertextualidade. Tal conceito. 37). então. como "diálogo de várias escrituras" e passa a ser coletivizado. segundo Carvalhal . 14). lança continuamente questões sobre a base comparatista e as relações analógicas nas funções e efeitos dos meios encontrados (2011. Dessa forma. bem como códigos e convenções a eles associados. segundo a autora. e permite ao comparatista ampliar seu campo de estudo. Como outra forma de expressão artística. no qual o estudioso utiliza de teorias análogas para analisar os elementos específicos dessas relações. sendo suas relações estabelecidas no conjunto dos textos. o audiovisual contribui para essa interdisciplinaridade a que se refere à literatura comparada. como absorção e transformação de outro texto" (KRISTEVA apud CARVALHAL. Compreendendo um pouco mais o conceito comparatista e a relação entre o que podemos aqui chamar de textos. a noção fez "fortuna crítica" e se transladou ao domínio comparatista. é explicado como uma propriedade do texto literário que. Utilizando o que sugere Etienne Souriau. p. a inclusão direta ou indireta de mais de uma mídia com diversas possibilidades de comunicação e representação e de vários sistemas sígnicos. A intertextualidade passou a ser um conceito indispensável à investigação entre os diversos textos. que é um texto apresentado em outro formato. p. ou dilatar seu campo de ação. que o comparatista utiliza para o estudo das relações literárias. acrescentando a adaptação. próprias e divergentes” (CARVALHAL. que é um dos aspectos básicos da teoria textual. "se constrói como um mosaico de citações. Clüver indica que: Independente dos tipos de textos e formas de relacionamentos envolvidos e dos interesses de estudo. assim. O texto é visto. 72). p. O conto O Bugio Moqueado foi oralizado pela atriz Giulia Gam. “Os Estudos Interartes abrangem. Jeca Tatu (1959) e O Picapau Amarelo (1973). expressividade. alimenta a literatura a que pertence. com adaptações das obras infanto-juvenis produzidas pela TV Tupi (1952-1963). . aspectos transmidiáticos como possibilidades e modalidades de representação. questões de tempo e espaço em representação e recepção” (CLÜVER. Assim sendo. O reconhecimento recente de que a intertextualidade sempre significa também intermidialidade. além disso. Adaptação de obras literárias e o fluxo midiático Existem várias possibilidades de representação dos livros em outras mídias. modificando as leituras dos modos de apropriação. inicialmente. O Saci (1952). alusões. na televisão. segundo Clüver. 33). revertendo noções de fontes e influências. com o conto oralizado O Bugio Moqueado (2004). pela TV Bandeirantes (1967-1969). narratividade. pela TV Globo (1977-1986/2001-2007). Clüver afirma que: Especialmente interessante e igualmente irrepresentável é a existência de várias transposições do mesmo texto-fonte não apenas em diversos gêneros (inclusive gêneros não-artísticos). contribuiu para os estudos de literatura comparada. as quais circulam em mídias diferentes: em livros. 92) aponta que "as representações dos livros em outras mídias podem se dar de várias formas. etc". absorções e transformações textuais. Sandra Reimão (2004. p. Sendo assim. da TV Cultura.(2002). pela TV Cultura (1964). alterando também o entendimento da migração de elementos literários. p. 14). os Estudos Interartes partem dos estudos de fontes até chegar em todas as formas possíveis de aproveitamento ocorridas nas fronteiras entre mídias. em desenho animado e na Internet. por meio dela. foi decisivo para as exigências associadas hoje aos Estudos Interartes. adaptações de obras literárias a diferentes suportes materiais da comunicação. a apropriação de determinados modelos é necessária à constituição de uma certa obra e. 2 A série Contos da Meia-Noite foi exibida nos anos de 2003 e 2004 na TV Cultura. O Comprador de fazendas (1951 e 1974). e na série Contos da Meia Noite2. 2006. mas também em diversas mídias: as relações intertextuais entre todas essas versões podem influenciar consideravelmente a recepção de uma determinada transposição. (2006. Em cada programa era apresentado um conto de um autor brasileiro oralizado por um ator ou atriz. ou nos quadrinhos. Um exemplo disso são as obras de Monteiro Lobato. p. com os filmes Os faroleiros (1920). no cinema. de segunda a sextafeira no horário da meia-noite e apresentava uma leitura audiovisual de autores nacionais. Sobre esta variedade de suportes onde pode transitar o mesmo texto fonte. como referências. adaptadas ou não" (p. portanto. e passou-se a privilegiar a idéia do 'diálogo' para pensar a criação das obras. mesmo quando o objetivo é a identificação com os valores nele expressos" (XAVIER. que na mudança de suporte midiático é substituído por alguém “que dispõe habitualmente de vários ‘canais’ e deles se serve sem preconceito” (PRÜMM. o autor da adaptação é relativamente livre para interpretar. explica a pouca probabilidade de uma fidelidade literal. houve um tempo em que a fidelidade à obra escrita era uma exigência de quem conhecia e admirava o escritor da obra filmada. nos cabe refletir também a respeito do receptor desses textos: um que lê e o outro escuta e vê. mas com seu próprio contexto. Ou seja. uma vez que . p. essa visão primeira de fidelidade “nega a própria natureza do texto literário. 93). 2006. de modo que “os dois suportes solicitam do receptor competências diversificadas e proporcionam deleites diferentes” (GOMES. mas ainda com música. p. dizer que a obra de Monteiro Lobato é multimidiática. É de se esperar. quando o meio é trocado. mesmo quando se quer repetir. 2003. trazem outros elementos para o novo produto. que eu sugeriria qualificar até mesmo de indesejável (2008. efeitos sonoros e imagens fotográficas animadas. segundo Xavier (2003). Com relação às obras tidas como multimidiáticas. que pode jogar não somente com palavras (escritas e faladas). p. já que existe uma distância temporal entre o livro e a adaptação. vem perdendo terreno nas últimas décadas. então. 1988 apud CLÜVER. Assim falar em fidelidade nos dias de hoje já não é tão recorrente.Poderíamos. que "a adaptação dialogue não só com o texto de origem. Stam nos diz que: A passagem de um meio unicamente verbal como o romance para um meio multifacetado como o filme. nesses casos o autor do textofonte é aparentemente o autor com talento múltiplo. p. 2009. "pois há uma atenção especial voltada para os deslocamentos inevitáveis que ocorrem na cultura. por sua natureza e forma de funcionamento. Dessa forma. p. a fidelidade deixa de ser a forma predominantemente de abordagem dos textos derivados e cede espaço à apreciação do audiovisual como uma nova experiência perceptiva. Segundo Hélio Guimarães. citado por Clüver (2006). 103). que é a possibilidade de suscitar interpretações diversas e ganhar novos sentidos com o passar do tempo e a mudança das circunstâncias” (GUIMARÃES. 34). Segundo Karl Prümm (1988). 20). cobrança essa que. 61). 62). inclusive atualizando a pauta do livro. fazendo valer mais a apreciação da adaptação como uma nova experiência. são incluídas também outras linguagens que. 2003. Sobre esses outros elementos expressivos advindos com a outra linguagem. Dessa maneira. que não necessariamente estavam no anterior. Dessa maneira. Como afirma Robert Stam (2006. p. sem um ponto de origem visível” (STAM. referem-se mais ao nosso repertório de textos do que aos pré-textos neles contidos. teórico que estuda a transtextualidade. ou em uma adaptação. p. Genette ainda postula cinco tipos de relações transtextuais – a intertextualidade. 2007. a arquitextualidade e a hipertextualidade –. FREIRE. pois se refere a “tudo aquilo que coloca um texto em relação com outros textos. o tipo mais relevante para o estudo da adaptação. p. citações conscientes e inconscientes. e também da exclusão não apenas de todos os tipos de textos suplementares como também a resposta dialógica do leitor/espectador. sendo a hipertextualidade. variações nessas fórmulas. são sugestivos para a teoria e análise da adaptação.as mesmas “caem no contínuo redemoinho de transformações e referências intertextuais. p. a seguir. Robert Stam utiliza em seus estudos sobre a adaptação a obra de Gérard Genette. segundo Stam. 8). Uma vez que todo texto é um amálgama de outras referências (diretas ou indiretas. as “noções de ‘dialogismo’ e ‘intertextualidade’ nos ajudam a transcender as contradições insolúveis da ‘fidelidade’”. . de textos que geram outros textos num interminável processo de reciclagem.17).28). aplicando a teoria estudada de forma a identificar pontos aproveitados da obra pela adaptação e outros acrescentados. transformação e transmutação. veremos que todos os pontos de intertextualidade observados em um texto. O comparatista e estudioso de cinema James Naremore propõe uma análise baseada no dialogismo intertextual. tecidos de fórmulas anônimas. como uma leitura atual da obra de Monteiro Lobato. possivelmente. a paratextualidade. 22). É desde a percepção de adaptação como diálogo intertextual e como hipertexto que analisaremos. conflações e inversões de outros textos” (NAREMORE apud DINIZ. termo mais inclusivo que a intertextualidade. a adaptação se configura como uma estratégia determinada de apreender um texto-fonte e transmutá-lo em outros contextos expressivos(SILVA. 2008. uma vez que é o repertório de cada leitor que dará sentido ao texto lido ou assistido. se analisarmos a fundo essa trama intertextual. 2005. 7). 2006. p. a metatextualidade. conscientes ou não). a adaptação da obra Reinações de Narizinho (1931). onde “todo texto forma uma interseção de superfícies textuais. seja essa relação manifesta ou secreta” (GENETTE. Assim. todos eles. permanecendo como o livro inaugural da coleção das obras completas de Monteiro Lobato para crianças. Seus ensinamentos passaram a fazer parte da própria trama fabular. entender o que se passava pela mente dos pequenos. Reinações de Narizinho (1931) é considerado o carro chefe dos livros infantis de Monteiro Lobato. A menina do Narizinho Arrebitado. criando um mundo onde as crianças podiam morar através de uma leitura que elas entendiam. porém. ao longo dos anos foi sendo modificado por Lobato. Nesse pequeno livro predominava o pensamento racional sobre o pensamento mágico. Deixando-se impregnar pela psicologia infantil. tinham um caráter estritamente didático. Segundo Livro de Leitura para Uso das Escolas Primárias: “Sem que ninguém suspeitasse. como mostra o quadro abaixo. . Lobato foi retirando dessa obra os traços da literatura utilitária. lançado em 1920 é o primeiro livro infantil de Monteiro Lobato. apresentado por Denise Bertolucci (2008). Os livros de leitura para crianças que existiam no Brasil até o início do século XX. Em 1921 o mesmo livro é relançado com o nome Narizinho Arrebitado apresentando novas aventuras de seus personagens. As histórias que se seguem àquela foram organizadas por Lobato em um único volume. Reinações de Narizinho. pois traz como primeiro capítulo o livro 3 que deu origem às histórias do Sítio do Picapau Amarelo. p. que foi gradativamente conquistando seu estilo e se conscientizando de que o mundo das crianças é diferente do mundo que os adultos vêem. publicado em 1931. ainda dentro desta “literatura escolar”. Através das sucessivas revisões. como poucos em sua época. Em 1921. e é Lobato quem dá o pontapé inicial para mudar essa realidade. EDIÇÃO ISOLADA TÍTULO DATA AS REINAÇÕES DE NARIZINHO (1931) TÍTULO DOS CAPÍTULOS A menina do Narizinho Arrebitado 1920 Narizinho Arrebitado 3 A Menina do Narizinho Arrebitado. vai enfraquecendo em suas obras os limites entre o mundo real e o maravilhoso. com ele estava sendo criada a Literatura Infantil Brasileira” diz Coelho (1991. e reunidos em um único volume na mesma ordem cronológica em que foram publicados. a ponto de eles desaparecerem por completo.Algumas observações sobre a adaptação de Reinações de Narizinho Monteiro Lobato soube. O livro é formado por onze capítulos que foram publicados isoladamente durante os anos de 1920 a 1931. 222). e que mesmo sendo lançada anos mais tarde não perdeu sua primogenitura. vem à luz sua obra de estréia. chegando a transformar o livro. Dessa forma. indicando a intenção do adaptador de aproximar à realidade das crianças de hoje a história escrita há mais de 80 anos. assim quando ela se transforma em boneca andante e falante o tamanho permanece o mesmo.Narizinho Arrebitado 1921 O sítio do Picapau Amarelo O Marquês de Rabicó 1922 O Marquês de Rabicó O noivado de Narizinho 1928 O casamento de Narizinho Aventuras do príncipe 1928 Aventuras do Príncipe O gato Félix 1928 O gato Félix Cara de coruja 1928 Cara de Coruja O irmão de Pinóquio 1929 O irmão de Pinóquio Circo de Escavalinho 1929 O circo de Escavalinho A pena de papagaio 1930 A pena de Papagaio O pó de pirlimpimpim 1931 O pó de Pirlimpimpim A adaptação para a televisão foi o primeiro episódio da nova temporada do seriado Sítio do Picapau Amarelo. concorde ao de uma boneca corrente. em 2006. cena descrita no início do segundo capítulo do livro. No início da adaptação observase momentos de adequação histórico cultural. como Gilberto Gil e Pelé (personalidades públicas contemporâneas). Dona Benta utiliza o computador para se comunicar com amigos. que mora na cidade com a mãe e passa as férias no Sítio com a avó. na época de produção do episódio. e principalmente com seu neto Pedrinho. . O mesmo episódio foi lançado pela Som Livre e Globo Marcas no formato DVD. que em total teve duração de uma semana. O episódio No reino das Águas Claras apresenta a adaptação dos quatro primeiros capítulos do livro Reinações de Narizinho. o qual analisaremos logo em seguida. e é indicativo da opção da produção de não usar efeitos especiais para mostrá-la sempre do tamanho diminuto. A primeira cena em que Narizinho aparece com Emília. a boneca da adaptação possui tamanho de uma criança de cerca de 6 anos de idade. lançado pela TV Globo no dia 12 de outubro de 2001 com o título No Reino das Águas Claras (2001). a boneca de pano que ainda não anda e nem fala. O tamanho da boneca pode ser explicado pelo fato da atriz que a interpretava ter sete anos de idade. com a inserção de um computador no escritório de Dona Benta. é no pé de jabuticaba. Diferentemente da maioria das ilustrações presentes na obra de Lobato. A novidade apresentada nessa adaptação são os efeitos de animação: o besouro é construído por computação gráfica. A utilização desses efeitos produzem resultados imagéticos diferentes da primeira vez em que a TV Globo adaptou a obra de Lobato. Na sequência. o efeito da água em tom azulado se movimentando também é criado por animação e até uma baleia aparece ao fundo. é muito careta aí”. além de bolhas de sabão que caíam do teto. Outro ponto de adequação à realidade da época são as filhas da costureira da corte. recurso que permite que a imagem captada por uma câmera possa ser inserida sobre outra. de aproximá-la do público ao qual ela se dirige. “dá um tempo”. “não rolo. a adaptação retoma o primeiro capítulo do livro para apresentar o encontro de Narizinho com o Príncipe Escamado. e. a boneca Emília volta a ser interpretada por uma criança. um besouro que vive no Reino das Águas Claras. e mesmo as falas permanecem as mesmas. com pedaços de plástico e tiras de papel crepom. Lucia Lambertini (1964). de 1952. Essa é uma das formas de atualizar a narrativa. portanto. Tudo é descrito como no livro. o que torna a linguagem da adaptação mais próxima das crianças de hoje. Através de efeitos especiais. Essa aproximação se dá por meio da inserção de cenários familiares. qual é?”. tudo feito graças aos efeitos especiais de hoje. da ênfase nas problemáticas e questões vigentes tratadas na obra fonte. “pô. mamãe. A entrada de Narizinho no mar onde está localizado o Reino das Águas Claras é através do ribeirão que fica no Sítio: envolta numa bolha de ar a menina entra no palácio do Príncipe Escamado. “ah mãe. “que vacilo. após 50 anos da primeira adaptação das histórias do Sítio. no uso de terminologias e expressões idiomáticas . pois nas outras adaptações para a televisão ela foi interpretada por atrizes adultas: na TV Tupi. aí”. já o Príncipe é interpretado por um ator que tem o tamanho reduzido com o efeito proporcionado pelo croma-key. aí”. criando a impressão de primeiro plano e fundo. peixes em animação nadam ao lado dos atores. Reny de Oliveira (1978-1982) e Suzana Abranches (1983-1986). na TV Cultura. o soberano do Reino das Águas Claras.Adicionalmente. “a gente queria ver uma mudança radical”. TV Globo. Lucia Lambertini e Dulce Margarida (1952-1962). no sentido de trazê-la para o contexto contemporâneo. onde o fundo do mar era composto artesanalmente com recortes de panos. Dirce Migliaccio (1977). Zodja Pereira (1967). na TV Bandeirantes. assim como o foi no filme O Saci. de torná-la mais inteligível ao receptor de seu tempo. O Príncipe Escamado escala o rosto de Narizinho na companhia do mestre Cascudo. que falam gírias como: “pô mãe. assim o Príncipe tem seu tamanho reduzido. o uso de efeitos especiais. se fazem presentes exclusivamente no livro O Saci. Como personagem fantástico. no redemoinho que se forma ao redor do Saci todas a cada vez que ele surge no seriado televisivo. no sentido de atuação. como característica. em nenhum momento.comuns. aos padrões estéticos aos quais está habituado. também. na substituição de palavras mais eruditas por um vocabulário coloquial e compartilhado. uma vez que cada história tinha a duração de uma semana. Como No Reino das Águas Claras foi o primeiro episódio da nova adaptação do programa Sítio do Picapau Amarelo. Esse é o caso da passagem do livro em que Emília narra seu encontro com Dona Carochinha e leva uma bordoada na cabeça. o que alude ao seu caráter lúdico e travesso. de colocar em ato algo descrito. já na adaptação esta passagem é atuada. a televisão. Esse movimento em direção à atualização pode ser observado. há um elenco fixo. já na adaptação esses fatos acontecem no tempo real da adaptação. o teatro. por exemplo. em Reinações de Narizinho. Esses elementos dão uma “nova roupagem” e revigoram. à diferença da obra literária. Alguns subtítulos foram suprimidos na adaptação. É nesse sentido que pode ser lido. renovam. no sentido de conferir uma aparência de novo. pertencente ao universo lobatiano. como o Tio Barnabé. O que vale frisar é . em que o Saci e a Cuca. é algo próprio da linguagem audiovisual. os elementos apresentados na obrasfonte. mas fazem parte do universo lobatiano. outro elemento que acena às mudanças que ocorrem da passagem da escrita à representação audiovisual. talvez por economia de tempo. ele adentra em cena de forma que acentua essa sua faceta fantástica: em lugar de entrar pela porta. ou seja. e se manifesta. substituindo a imaginação do receptor na reconstrução da cena. indicando também que “semeia tempestades”. sem a narração de outro personagem. No caso da ficção seriada televisiva. é que no livro certos acontecimentos são descritos por personagens que contam determinados fatos. por exemplo. nas adaptações de livro para o cinema. como expressão da intencionalidade da obra de aproximar-se ao receptor a que se dirige. que participam em geral dos diversos episódios apresentados. A passagem da descrição para a ação. o Saci e a Cuca. às suas exigência do uso das tecnologias vigentes para a representação dos elementos narrados na obra-fonte. foram incorporados na adaptação. Nesse caso. outros personagens que não fazem parte dessa obra em específico. ele chega com um vento forte. e não participam. e que acentua a encenação. como os demais seres mundanos. . pois houve modificação nas falas. nas sequências de acontecimentos. para identificarmos os pontos de aproveitamento e o não aproveitamento do texto fonte..que a ingenuidade e a fantasia do livro Reinações de Narizinho foram mantidas. No Reino das Águas Claras não é uma cópia “fiel” ao texto de partida. No entanto. A adaptação gera outra . no figurino dos personagens. • No palácio • O bobinho • A costureira das fadas • A festa e o Major • A pílula falante Capítulo II – O Sítio do Picapau Amarelo • As jabuticabas • O enterro da vespa • A pescaria • As formigas ruivas • Pedrinho • A viagem • O assalto • Tom Mix • As muletas do besouro • Saudades • A rainha • A volta Capítulo III – O Marquês de Rabicó • Os sete leitõezinhos • O pedido de casamento • O noivado de Emília • O casamento • O jantar de Ano-Bom Capítulo IV – O Casamento de Narizinho • A doença do Príncipe • O pedido • Os brincos do Marquês • A chegada • Apuros do Marquês • O vestido maravilhoso • Vem vindo o socorro No Reino das Águas Claras (2001) Aparece os personagens em seu cotidiano Adaptado Adaptado como no livro Adaptado Adaptado Adaptado Adaptado A cena de Narizinho na jabuticabeira é a primeira em que aparece a menina e a boneca. Não adaptado Não adaptado Não adaptado Adaptado Não adaptado Não adaptado Não adaptado Não adaptado Não adaptado Não adaptado Não adaptado Não adaptado Adaptado Adaptado Adaptado Não adaptado Adaptado Adaptado Adaptado Adaptado Adaptado Adaptado Adaptado Observa-se na tabela acima que grande parte do texto fonte foi usada na adaptação para a televisão. Reinações de Narizinho (1931) Capítulo I – Narizinho Arrebitado • Narizinho • Uma vez. entre outros. Na seguinte tabela são apontados os capítulos adaptados e seus respectivos subtítulos. há uma inversão na sequência do livro. onde nem sempre o que é escrito para ser lido é – ou pode ser – transferido tal qual para aquilo que é visto e ouvido. no caso a televisão. é outro texto proposto em outro suporte. Tais teoria possibilitam um entendimento de que a obra adaptada é outra obra. Dessa forma. foi mantido um diálogo entre as duas obras. que independente de estarem em mídias diferentes nos lança questionamentos sobre a base comparatista. uma literária e outra audiovisual. que apesar de se basear num livro. . Maria Cristina Palma. concretização e efetivação” (2006. podemos classificálas individualmente. Voltando a Genette. que modifica um texto anterior ou hipotexto. p. Ficção televisiva no Brasil: temas e perspectivas. independe deste. em se tratando de adequação histórico-cultural. p.obra. Segundo Stam. São Paulo: Globo. 313-351. Além disso. Vemos na adaptação analisada que. In: LOPES. p. pensemos na adaptação No Reino das Águas Claras como um elemento hipertextual. o conceito de hipertextualidade de Genette auxilia a explicar que a adaptação é um hipertexto. 33). Alguns episódios da obra literária não foram transmutados para o audiovisual. 2009. realizada para outro suporte midiático. amplificação. MUNGIOLI. através dos Estudos Interartes. Nas palavras de Stam. o que exige mudanças para transmutar o texto de um livro para a linguagem audiovisual. 35). podemos entender a adaptação como um outro texto. mas a adaptação mostrou elementos suficientes para o reconhecimento da obra original de Monteiro Lobato. que transforma um texto anterior ou “hipotexto”. a literatura comparada nos possibilita correlacionar literatura e audiovisual. Ana Maria. nesse sentido. pois cada uma possui suas particularidades e. Assim. Maria Immacolata Vassallo de (org. muito mais que manter a fidelidade ao texto original.). Referências bibliográficas BALOGH. Observamos neste trabalho. “Adaptações cinematográficas [acrescento as televisivas]. “Todas essas transformações transtextuais ilustram a idéia de Genette de que a hipertextualidade reflete a vitalidade de artes que incessantemente inventam novos circuitos de significados a partir de formas mais antigas” (2006. são hipertextos derivados de hipotextos pré-existentes que foram transformados por operações de seleção. podendo o novo autor utilizar-se do livro apenas para aproveitar o tema. Adaptações e remakes: entrando no jardim dos caminhos que se cruzam. assim como a Teoria da Adaptação nos fornece subsídios para compreender os elementos de um texto transmutados para outro suporte. a relação que há entre artes distintas. 2007. v. 8. Conexão – Comunicação e Cultura. UFSC. Palhoça/SC. São Paulo: UNESP: Imprensa Oficial de São Paulo.br/paginas/ensino/pos/linguagem/critica/0202/05. p. p. GUIMARÃES. Marisa. jul. Monteiro. Acesso em 30 de jan. p. 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