A Vida Em Cena_ _ Ciberlegenda

March 28, 2018 | Author: Vinicios Ribeiro | Category: Advertising, Politics, Michel Foucault, Image, Nudity


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14/3/2014A vida em cena: | Ciberlegenda Estação Transmídia Contato Início Buscar More Share | A vida em cena: vida-produto, vida-lazer, vida-trabalho, vida-performance Por Ilana Feldman [email protected] A Revista Editorial Submissão de Artigos Modelo de Formatação Equipe Editorial Indexadores Edições Anteriores Relatórios de Transparência Chamadas Estação Transmídia Subjetividade S/A “A Ana tem que performar!”, diz Alê, marido e administrador da vida-produto da apresentadora da Record, Ana Hickmann. – “Sempre me considerei um produto. Parece cruel, mas é verdade.” “A palavra perder não está em nosso dicionário. A Ana tem que acordar todos os dias com sangue nos olhos. Se não odiar o concorrente, você é um frouxo. Com mão mole, não machuca ninguém. Fere, mas não tira a pessoa do combate”, continua Alê, war management de um faturamento de R$ 290 milhões por ano (provenientes dos 14 produtos da marca “Ana Hickmann”), dos quais 10% ficam com o casal, mais R$ 300 mil por mês, entre salário da apresentadora e merchandising, segundo apurou a coluna de Monica Bergamo (Folha de São Paulo, Ilustrada, 30 de maio de 2010). Ana Hickmann, o protótipo de uma “subjetividade S/A” e futura Oprah Winfrey do Brasil, segundo a meta da dupla, “loira e de olhos azuis em um país de gente parda”, não sai de casa por menos de R$ 40 mil, seu cachê por duas horas de presença de vida-produto em uma festa. Viagem de um amador Em Viajo porque preciso, volto porque te amo (2009), lírico road movie em primeira pessoa dirigido por Karim Aïnouz e Marcelo Gomes , uma prostituta diz ao geólogo e protagonista José Renato, do qual só conhecemos a embargada voz, que deseja ter uma vida-lazer, aquela vida em que “você mora numa casa, com seu filho e com seu homem”. – “Queria ter uma vida-lazer. Queria ter um amor reservado só para mim.” Costurado a partir de imagens documentais e “amadoras”, captadas ao longo de dez anos em diversos suportes e em diversas viagens ao sertão nordestino feitas pela dupla de diretores, Viajo porque preciso, volto porque te amo http://www.proppi.uff.br/ciberlegenda/vida-em-cena 1/12 “Que nossos queridos passageiros tenham todos mais um excelente espetáculo!”. “espontânea” e emergente. colecionam e acumulam experiências. entretenimento e excitação permanentes de uma classe média à vontade. promete realizar os sonhos de consumo. volto porque te amo). Na vida-lazer do navio-auditório que o filme Pacific nos apresenta (de outra ordem daquela desejada pela prostituta de Viajo porque preciso. os passageiros de Pacific. não é o deslocamento físico e geográfico que nos faz sair. seja encenada para si. cujo trajeto. adquirida a suadas prestações do cartão de crédito. onde não pode haver tempo morto nem pausa.uol.14/3/2014 A vida em cena: | Ciberlegenda organiza ficcionalmente esse material ao construir uma narração em primeira pessoa. José Renato atravessa.br/ciberlegenda/vida-em-cena 2/12 . em Moby Dick . é uma vida-trabalho. talvez porque. subjetivamente. do lugar. Geólogo. imagens domésticas captadas por passageiros do cruzeiro Pacific. Como escrevera Melville. desconcertante filme de Marcelo Pedroso. dizia Gilles Deleuze.blog.com. é preciso ser permanentemente interativo. um país-sertão de gente parda. enquanto remói as saudades da mulher deixada. os verdadeiros lugares não estão no mapa. em realidade.proppi. de Recife à ilha de Fernando de Noronha. o diretor organiza narrativamente. Mas quem deixou quem? Quem está a viajar? Quem ou o que é passageiro? “Viajar espanta os devires”. como quaisquer turistas. sozinho. encenada para o outro ou encenada para nós – ainda que à força do deslocamento dessas imagens. citado por Jean Claude Bernardet em seu blog (http://jcbernardet. o apresentador do navio-auditório. construindose para as suas próprias imagens. observação distanciada nem contemplação passiva. Navio-auditório e classe média “espontânea” Em Pacific (2009).uff. Performando-se para as suas próprias câmeras. para a platéia de passageiros com filmadoras em punho. que deixam de habitar o âmbito da privacidade para tornarem-se publicidade –. ao contrário do que a tradição dramatúrgica do road movie nos faz acreditar. por meio da montagem. situada na voz corporificada do personagem José Renato. diz.br/). participativo e colaborativo. sensações e imagens-síntese de uma passageira vida-lazer. http://www. Pois a vida-lazer aqui. Se as subjetividades contemporâneas parecem então se ancorar na exterioridade. estamos diante de um investimento biopolítico na vida. seja por meio de cartas. como vemos na liberdade-confinada do navio-auditório Pacific. lidos e escritos no silêncio e na solidão de quartos privados. elaboradas no silêncio e na solidão do espaço privado (um tipo de caráter introdirigido). hoje proliferariam de maneira crescente as personalidades alterdirigidas. tais como definidas por Michel Foucault em fins dos anos 70. a princípio. dos games à TV em 3D –. o contato com o mundo exterior dava-se pela metáfora da janela – e sua relação com o fora de quadro –.uff. pessoa e personagem. É justamente nessa indeterminação entre ficção e documentário. http://www. nas palavras de Deleuze e Guattari. do “faça você mesmo” ao “mostre-se como for”. mais tarde incorporada pelo cinema clássico-narrativo. autora de O show do eu: a intimidade como espetáculo. modulável e inesgotável. ser e parecer. tanto dos corpos quanto das imagens. no decorrer da Modernidade. volto porque te amo quanto Pacific filiam-se a formas diversas e atuais de relatos de viagem. autenticidade e encenação. a biopolítica pode ser compreendida como uma forma de gestão. segundo André Brasil no artigo “Formas de vida na imagem”. não haveria mais janela. hoje. Segundo Paula Sibilia. nunca fora antes um trabalho tão incessante. para a maioria dos mortais. empenhados tanto em performar certas formas de vida quanto em evitar o enfrentamento das contradições. tão mal remunerado. fica evidente de que modo a experiência de si na contemporaneidade tem passado por radicais deslocamentos. mas para fora.proppi. que operam uma série de dispositivos comunicacionais e audiovisuais contemporâneos.14/3/2014 A vida em cena: | Ciberlegenda O show do eu Quando a privacidade torna-se publicidade. ao pretender abolir toda distância. zelosamente alicerçadas e laboriosamente edificadas”. vida e trabalho. no lugar daquelas subjetividades tipicamente modernas. espécie de Big Brother em alto mar filmado pelos próprios participantes (e. critica e esteticamente. com um momento histórico em que. certo esvaziamento de uma interioridade psicológica que. a se adequar e resistir. Se tanto Viajo porque preciso. Nesse perpétuo trabalho voluntário cuja moeda de troca são os valores agregados à visibilidade. diários íntimos e relatos. não haveria mais fora. visando a captação dos olhares alheios em um mundo saturado de estímulos visuais”. experiência e representação. privatizada e hiper individualizada. isto é. a ser otimizada e fracassar. cada vez mais. quando o lazer torna-se trabalho e quando a vida torna-se performance. Para esses dispositivos – dos reality shows aos iphones. Se as outrora estatais biopolíticas. vive-se o real como artifício e o artifício como real. ainda segundo a autora. da disciplina às novas formas de controle. produzir-se como sujeito visível. o segundo implicitamente por meio da montagem narrativa do material. nascem como uma modalidade de poder sobre a vida e de governo da vida. “constituíra o eixo em torno do qual as subjetividades eram definidas. Passamos dos dispositivos repressivos aos dispositivos produtivos. “voltadas não mais para dentro de si. ao “saber parecer”. instrumentalização e modulação dos indivíduos em meio à liberdade e autonomia. tão inesgotável e. continuamente destinada a ser capturada e escapar.br/ciberlegenda/vida-em-cena 3/12 . do “saber fazer” ao “saber ser”. das vigilâncias às visibilidades. Como verbos hoje inextrincáveis. é porque ambos os filmes dialogam. sendo construções ficcionais amalgamadas a partir de materiais documentais (o primeiro explicitamente por meio da utilização da narração em off como instância organizadora das imagens. desprovida de uma enunciação explícita). em sua força plástica. e. Seja por meio de introspectivas técnicas hermenêuticas. isso refletiria. para consumo próprio). até mesmo o espectador é posto para trabalhar.uff. das Organizações Globo etc. em que todos produzem sem parar. Os reality shows não são “simplesmente” jogos na TV. Qualquer tentativa de diagnóstico sobre o presente não pode. enviado pelo Centro de Inovação e Criatividade da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing): http://www. por indeterminação política entende-se a convergência de práticas totalitárias com aquelas próprias à democracia. sua matéria-prima. performance e produto. como o programa está em permanente mutação. um formato narrativo. uma mentalidade e um dispositivo de gestão e otimização do desempenho posto em funcionamento por todo e qualquer cidadão. da vida em um contexto de indeterminação estética e política. O espectador-participador Diariamente. o Big Brother Brasil apresenta-se também como um dispositivo de convergência: tecnológica e digital de um lado. Por indeterminação estética entendem-se os pares acima elencados. a partir de diversas perspectivas teóricas. Antes. a noção de trabalho posta em prática pelo BBB engloba a totalidade da vida. eles constituem uma lógica. em todos os momentos. mobilizando a um só tempo televisão.) convive em perfeita “naturalidade” com as interativas e colaborativas práticas democráticas que o exercício do voto possibilita à audiência. quando a tirania de um poder absolutamente verticalizado (do Big Brother ele mesmo. Pois eis que um dia circula o seguinte email. ignorá-lo. telefonia e todo tipo de pornografia. uma tecnologia. vida-lazer. o mais incessante trabalho é encenar-se a si mesmo.proppi. vida-trabalho e vidaperformance. fazerse personagem crível e visível. e vital de outro. e suas implicações. até mesmo nos de suposto “relaxamento”. No entanto. internet. Distante do ócio e da contemplação da bonança consumista. Enquanto dispositivo biopolítico que faz da administração da vida – e do fomento a toda sorte de conflitos e performances –. alterando regras. sofisticando-se tecnologicamente e se “atualizando” a cada edição. libidinal e policial. vida e obra. Muito já se escreveu sobre o Big Brother Brasil. portanto.14/3/2014 A vida em cena: | Ciberlegenda O espectador-trabalhador O reality show Big Brother Brasil talvez seja o modelo mais bem acabado de um dispositivo de gestão. Nessa indeterminação e indiferenciação absoluta entre pessoa e personagem. dos cursos de hipnose aos de motivação e marketing pessoal. as caixas de entrada de nossos computadores são abarrotadas por emails de propaganda. exemplar e sintomático. mobilizando aquilo que chamamos de vida-produto.br/ciberlegenda/vida-em-cena 4/12 . autenticidade e encenação. Dentro da casa vigiada. ele se torna tão mais inesgotável quanto mais ardiloso. Tal indeterminação política é justamente a condição que possibilita que a felicidade e a liberdade de cada participante se inscrevam no ponto exato de sua própria submissão. dos métodos de memorização a toda sorte de promessa de felicidade e “criatividade”. produtivos e não mais repressivos. A humanidade vive uma era de ruptura. Está certo que a crítica ao espetáculo feita por Guy Debord consagrou a perspectiva. imobilizado em seu lugar. Ao longo do século XX.proppi. Seria simplesmente curioso.uff. em que os poderes ou biopoderes. “essa construção histórica. o que fica claro é que. em seu O espectador emancipado. Hoje. cada vez mais. mais especificamente ao primado dos jogos televisivos. seja por meio de nossa voluntária observação –. valor. dependente das forças econômicas e dos desafios ideológicos tanto quanto das performances tecnológicas”. entretanto. Pode ser web 2. Nesse panorama. “no auge do triunfo do espetáculo. permanece fascinado pela aparência à sua frente.0 ou webflex. filiadas ao teatro épico de Brecht (em que o espectador deveria ficar mais distante) ou ao teatro da crueldade de Artaud (em que o espectador deveria perder toda distância). não fosse o panorama aterrador. as imagens http://www. feita por um volume nunca antes visto de vídeos domésticos enviados por cinegrafistas-internautas ao portal G1.0. Ironia das ironias: não sabemos a que exatamente somos levados a servir. nisso pelo menos ainda cremos – que na “participação” está nossa liberação. diversas tentativas foram feitas nesse sentido. identificandose com as personagens que se desenrolam sobre o palco. gestos performativos e palavras de ordem. pensamento que compreende das grandes produções hollywoodianas aos games. apropriou-se das vanguardas. interativo e. como diria aquele juiz de futebol. e de suas imagens. o espectador é então tornado um colaborador. cada vez mais seduzem. formas de vida. O show do “eu-repórter” Na última trágica enchente que acometeu a cidade do Rio de Janeiro em abril de 2010. que. em certa medida platônica. quando assim lhe for conveniente. “a regra é clara” e já está dada. Fazendo eco ao pensamento de Jean-Louis Comolli. Oferecidas aos grandes portais de notícias. participativo. espera-se um espetáculo que não mais simule”. O que ocorreu. tal tarefa cabe às televisões. a pior em 44 anos. Como diria Comolli. a custo zero para as empresas de comunicação. e. o cinema não é mais o laboratório onde se inventa o novo espectador. como se houvesse nesse processo uma conquista. web 3. transformando a conquistada atividade do espectador em “interatividade” e “participação”. sobretudo. captadas ou construídas como “flagras”. cuja dramaturgia – prima-irmã das gincanas empresariais – se alastra pelos mais insuspeitos e “artísticos” formatos narrativos. como sintetiza Jacques Rancière. microfísicos e capilarizados por todo o corpo social. de que ser espectador é uma coisa ruim. é resignar-se à alienação de uma contemplação destinada a ser sempre passiva. o Jornal Nacional apresentou uma cobertura inédita.br/ciberlegenda/vida-em-cena 5/12 . filmadoras ou fotográficas. escolher e decidir. imagens. relativa. em sua plasticidade e seu inaudito poder de captura e fagocitação. quanto mais crê ser livre para se desengajar ou desistir. em que olhar significa tanto o oposto de conhecer quanto o oposto de agir. Quanto mais crê ser livre para interagir. fará o jogo se ramificar por todo lugar. como tão bem cartografou Foucault. mais o espectador-colaborador-trabalhador contemporâneo se coloca disponível aos desígnios de um jogo em que. foi que o primado da televisão. o jornalismo precisa ser avalizado e autenticado pelos efeitos de real e de verdade conferidos por imagens “selvagens” e “precárias” – ainda que haja um apurado senso estético em muitos desses enquadramentos. dos reality shows ao telejornalismo. do mesmo modo. o outrora espectador se torna o grande produtor contemporâneo: produz experiências. um upgrade de categoria. por suas próprias mãos e seus próprios dispositivos. solicitam e convocam nossa ativa colaboração – seja por meio das permanentemente renovadas estratégias de interação. seja porque “testemunham” por meio de suas câmeras. A era da informação está sendo substituída pela era da participação”. Não foi por outro motivo que o teatro moderno pleiteou libertar o espectador da passividade de quem. mas certamente cremos – sim.14/3/2014 A vida em cena: | Ciberlegenda “Quem é você? Espectador? Chame como quiser. Seja porque os cinegrafistas-amadores chegam primeiro a locais que se tornam de difícil acesso às equipes profissionais. Ativo. sua apaziguadora e alegrinha seqüência narrativa de “flagras”. com uma “pegada realista”. como ocorreu com o repórter Marcio Gomes. é http://www. Assim. nos lotados e encharcados pontos de ônibus.br/ciberlegenda/vida-em-cena 6/12 .14/3/2014 A vida em cena: | Ciberlegenda amadoras. o desnorteio e as pausas da moça com guarda-chuva talvez constitua. emprega sua mão-de-obra. da TV Globo. os midiáticos tornam-se amadores. Cidade de Deus. em que. com edição e trilha sonora. em uma curiosa inversão de papéis: aproveitando que só conseguiria chegar ao trabalho a pé. realmente. provavelmente com uma câmera na mão e um copo de cerveja na outra. A casa de Alice e Linha de passe). por algumas frações de segundo. Fátima Toledo. não é apenas prerrogativa dos domínios e dispositivos telemidiáticos. Cidade baixa. além de funcionarem como “atestados de autenticidade” e “selos de responsabilidade social”. O céu de Suely. constrói. comprometidos. A estupefação. A performance do amador Viver o real como artifício e o artifício como real. na intensificação de um e outro. resolveu improvisar uma reportagem durante o percurso. Tropa de Elite. não conseguiam voltar para suas casas na madrugada. Mutum. o tempo deixa de ser instrumentalizado para permanecer suspenso. cívico reconhecimento): o mais imaterial dos pagamentos.uff. um cinegrafista do Baixo Gávea. narrada. a partir do testemunho de sua “experiência pessoal”. evidentemente. um momento impressionante do telejornalismo brasileiro. operam como uma espécie de “mais-valia” da relação entre espectador e emissor. enquanto os amadores vão para a mídia. preparadora de elenco de um enorme número de filmes do cinema brasileiro recente (como Central do Brasil. cada um a seu modo. O espectador.proppi. presteza e talento em troca de alguns segundos de visibilidade (quiçá. agora um “participador”. Já enquanto milhares de pessoas. desenvolve um tipo de interpretação corpórea – denominada “vivência” – que se funda. misto de Deus (irascível e distanciado. Possivelmente. Essa imagem da qual falamos. trabalha na intensificação máxima do desempenho. exposição de pessoas ao ridículo e nudez” (fonte Adnews. escrevia Guy Debord há algumas décadas. segundo a qual o BBB10 liderou o “ranking de baixaria” na TV. em mais uma manifestação daquele deslocamento da verdade do sujeito. que. http://www.uff. “à flor da pele” e “selvagem”.proppi. Isto é.14/3/2014 A vida em cena: | Ciberlegenda mentora de um método de preparação de atores que leva seu nome. “O Big Brother pode tudo. um método que visa simular um espetáculo que não mais simule – sempre em nome de um acesso imediato (ou seja. o método físico e comportamental de Fátima Toledo. uma prova de resistência física realizada no dia 18 de março. visa tanto apagar a linguagem como construção quanto obliterar a distância entre a experiência. por um lado. De acordo com o resultado da campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”. O aumento. na indeterminação entre autenticidade e encenação. a Globo recusou diversos pedidos de inserção de merchandising. tal como o efeito de real postulado por Roland Barthes. o BBB10 esteve no topo da lista. de Emilio Fraia. o poder máximo em uma empresa. e sua mediação. Um método que. em realidade. antes localizada em sua interioridade psicológica tipicamente moderna. como xampu e protetor solar). Não basta assim à imagem autoconsciente e reflexiva ser o território onde é feita a partilha da visibilidade entre vidas. que promove e que põe em cena. em 6 de junho de 2010). A décima edição do reality da Globo teve mais de 120 ações de merchandising validadas (sem contar aquelas em que “vazam” as marcas de produtos cujos fabricantes pagam para entrar no confinamento. um acesso ao “real” fosse mesmo possível e como se toda experiência. os participantes eram submetidos a uma variação exorbitante de temperatura. em uma de suas estarrecedoras entrevistas. espremidos entre uma parede e o tal carro. Na última semana de exibição. ao final. por “desrespeito à dignidade humana. visceral. batendo outro recorde do reality show. O espectador-torturador Em meio a esse exorbitante montante de patrocínios e ações de merchandising. hospedada no portal da internet R7 (em 7 de abril de 2010). “no curso de Fátima Toledo é proibido representar”. não fosse desde sempre mediada. dos resultados e da vida-performance. já vociferou. performances e produtos – como a freqüente disputa entre corpos. Como diz a reportagem “Como não ser ator”. Essa intrigante e oracular frase do autor de A sociedade do espetáculo talvez aponte para o fato de que. mas do poder que tem para fazê-lo. em relação ao BBB9. sem espaço para “análises ou psicologias”. Não basta colocá-los. a “chefia” do programa. intensidade de vento e http://www. experiência e representação. “a décima edição do Big Brother Brasil rendeu aos caixas da Globo pouco mais de R$ 340 milhões em receitas.html.com. eles não podem nada!”. a imagem é o resultado material de um processo sem precedentes de acúmulo de poder e de capital. Divididos em dois times. “O espetáculo é o capital elevado a um tal grau de acumulação que se torna imagem”. vida e performance. indiferenciadamente. supostamente direta. ingenuidade das ingenuidades. para daí retirar deles a força de uma experiência não-domesticada. tornou-se o grande milionário. por outro) com CEO (Chief Executive Officer). Por meio dele. para a exterioridade do corpo e da imagem. luminosidade. foi de 20%. Nessa gestão da desestabilização e da fragilização dos atores (não é isso o que fazem os jogos televisivos e as dinâmicas motivacionais?). no regime das imagens operado pelos reality shows televisivos – um regime de acúmulo e de pretensões totalizantes que nada tem a ver com a lógica seletiva e subtrativa do cinema –. justamente. iniciativa da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmera dos Deputados. apelo sexual. além das manifestações de truculência e homofobia do personagem Dourado. publicada na revista Piauí em janeiro de 2009. na qual atores profissionais devem tornar-se amadores e amadores devem tornar-se atores. onividente e onipresente. A performance do poder De acordo com a coluna de Daniel Castro. porque o programa já estava sobrecarregado e novos anúncios poderiam comprometer seu andamento”. pessoa e personagem. As receitas poderiam ser ainda maiores. Boninho. verdadeira ou simulada. carros e cosméticos no BBB. zomba não daquilo que faz. Em menos de três meses.br/ciberlegenda/vida-em-cena 7/12 .br/midia/102941. um teste de tecnologia de um modelo de carro. soa quase ingênuo reproduzir outra nota. não mediado) a uma experiência instável. tão própria aos jogos e à publicidade. em cena. ao mesmo tempo em que também é o resultado imaterial de um processo de absoluta autoconsciência de seu poder. Como se.adnews. uma das explicações para a liderança da “baixaria” tenha sido. o BBB10 faturou mais do que o SBT (só São Paulo) em metade de 2008. recebendo 227 denúncias ao longo de sua exibição. cada qual em um cubículo de 15m². não tem qualquer comprometimento com aquilo. produzindo. desistissem. tal qual um paradoxo. Empregando a “interatividade” como estratégia inerente a uma prova de resistência física cujo torturador é o próprio espectador. em que não haveria mais posicionamento e julgamento de fato. como o espectador-participador não é exterior ao dispositivo que ele mesmo põe para funcionar. Não construímos carros. no âmbito político. Ora. Desse modo. apenas. arritmia ou o escambau. O “detalhe” sórdido é que o próprio público. autoconsciente. Essa é a palavra sobre a qual construímos uma empresa. O espectador-participador. tem hipotermia. embalando o caderno Ilustrada. a indeterminação. acabam por constituir a base de sua manutenção. pois sustenta. ainda que em potencial. com isso. o enunciado da BMW mantém sua força e veemência. algo para funcionar. via-se a seguinte publicidade da montadora BMW: “Prazer.proppi. Deslocamento que se faz acompanhado de uma tentativa.uff. http://www.br/ciberlegenda/vida-em-cena 8/12 . um mundo de valores. é fato que uma empresa não vende um produto. políticos e sociais —. Construímos emoções” . O que diz então tal enunciado? O que significa uma montadora que afirma não vender carros? Este é um típico e exemplar enunciado cínico. paradoxalmente. aniquilados. intervêm. o lugar do espectador na contemporaneidade parece ser a expressão máxima daquele deslocamento contínuo da interioridade psicológica moderna para a exterioridade dos corpos. sua crueldade está no fato de que o lugar da “vítima” é completamente esvaziado. o espectador-participador-colaborador contemporâneo. Pois. Articulando-se ao audiovisual teleprogramado e ao próprio cinema — que de forma nenhuma está apartado de todos esses processos culturais.. estatística. “o paradoxo deriva do fato de que uma concretização aparentemente contrária à intenção da norma que a gerou pode ser adequada a essa mesma intenção”. mas. Intimado pelo espetáculo a dele tomar parte. implica-se desimplicando-se. uma ideologia da transparência e do não-mascaramento. das imagens e das engrenagens. se exercer a função de “carrasco”.. Independente e compromissada com apenas uma pessoa. Assim. a indeterminação e o cinismo – por meio da assimilação de estruturas normativas duais em detrimento do enfrentamento das contradições – em vez de colocarem o sistema em crise. E. quando todas as posições de poder são tomadas pela voluntariedade. supostamente de cultura. pelo imperativo do jogo (o jogo como dramaturgia e forma de organização social).14/3/2014 A vida em cena: | Ciberlegenda chuva. em que os poderes. em vez de o sistema econômico justificar-se ou esconder seus efeitos nocivos. confere ao espectador um poder de impingir dor ao corpo do outro. não se coloca o problema da responsabilidade nem o da avaliação. essa seria a lógica de uma época considerada pós-ideológica. submetido à prova voluntariamente. justamente para se manter integralmente. não há mais vítima possível. explicitada. No caso específico desse dispositivo. convidado a “atuar” (e chamado por alguns de “interator”). o motorista [você]. Nessa estranha forma de passividade pela intensa atividade — uma espécie de “interpassividade”. ao se anular ou suspender. de exclusão de toda distância. é — como não poderia deixar de ser — um típico cínico. mas o mundo em que esse produto habita. De acordo com Safatle. como diria Zizek — o que pode o espectador? Talvez seja melhor formular a pergunta de outra maneira: o que ele não pode? Proibido de ser “contemplativo” e de ficar “parado”. consentindo e não consentindo. poderia dizer Vladimir Safatle em Cinismo e falência da crítica.venha por escrito. não tem nada a ver com isso. por meio do site do programa. o BBB sofistica ainda mais suas táticas persuasivas e participativas. o paradoxo e o cinismo conformam a própria lógica da face imaterial do capitalismo tardio. mas dado. sua própria contradição. agora pós-industrial e pós-ideológico.)”. tornado parte da engrenagem. Construímos emoções (. esquema de ação e reação – ou se deixar afetar até certo ponto. Mas esse telespectador tornado “ator”. era quem decidia. Não importa se esse ou aquele participante passa mal. então ao participante do jogo. embalando ironicamente o caderno. ao final.“Não construímos carros. pertencer ao dispositivo é. Segundo Safatle. Publicidade cínica Num sábado do mês de janeiro de 2010. modulava e definia a intensidade e a alteração de cada tortura – até que os participantes ficassem extenuados e. de sensações. Uma ideologia reflexiva. do jornal Folha de São Paulo. em que. vota. de um jornal. reflexivo e esclarecido. assume-os ironicamente e esvazia a crítica “de fora”. sendo cúmplice e adversário ao mesmo tempo. engaja-se desengajando-se: participa. engajando-se e se desengajando. tal como esse enunciado que se anula sem com isso ser abalado. o paradoxo. não se deixar afetar – justamente porque não se é sujeito. de determinações. perspectiva e exterioridade da imagem. justamente porque. cabe um poder de resistir. Mas o que espanta aqui é que a formulação . Assim. sem com isso se destituir de validade. como se fosse passivo pelo simples fato de não pôr. fisicamente. de códigos. Pornografia socialmente responsável Dedicada ao público feminino. desejam ser submetidos às experiências de eliminação da tele-realidade. como defende Jean-Louis Comolli.br/ciberlegenda/vida-em-cena 9/12 .). Se para ser espectador é preciso aceitar crer no que vemos. por exemplo. Para a realização da matéria. do industrial Baselight (empregado nas telenovelas da Globo) e de todo tipo de softwares e artifícios corretivos da imagem.thenuproject. em um vídeo de 2007. não mais mascaram suas prerrogativas e seus efeitos. supostamente autocrítica. “pessoas que poderiam fazer parte de nosso cotidiano e não beldades turbinadas do mundo pop”. conseguem fazer com a imagem. sonhando com o dia em que se tornarão atores. No primado do já popularizado Photoshop (disponível a qualquer um). a revista selecionou algumas das moças fotografadas pelo americano Matt Blum. de uma imagem publicitária em sua concepção tradicional.. é preciso começar a duvidar.proppi. idealizador do “The Nu Project” (http://www.” A publicidade contemporânea é paradigmática para a compreensão desse fenômeno. comentando a passagem de um capitalismo trágico para um capitalismo cínico: “Ao invés da tragédia de um sistema socioeconômico que a todo momento funcionava através do ocultamento do caráter fetichista de seus processos de determinação de valor (. explicitando-os de modo irônico e reflexivo. vergonha e Photoshop. estaria em posição privilegiada para gozar das angústias da crença (e da dúvida) dos outros: os milhares de outros telespectadores que. Como constata Safatle. o espectador-participador contemporâneo. isto é.com/). pois aí mesmo residiria sua inclusão. nos mostra o processo de construção de uma imagem ideal. para sê-lo ainda mais. os publicitários. crendo cinicamente que não crê mais. bela e asséptica. para além de se filiarem às estratégias de intensificação dos efeitos de real – em que a “verdade” da obra ou do produto seria garantida pela exibição de seu processo de produção –. e a imagem “reflexiva”. a “publicidade esclarecida”. num domingo à noite. é exemplar para compreendermos esse processo em que a própria imagem revela suas condições – e seu poder – de produção e construção. desligam o botão da já velha e patrocinada televisão. à espera de mais uma semana de duro e incerto trabalho.. que. as revistas de comportamento. sem deixar de crer. tal como em uma eterna paródia. elas toparam ser fotografadas por um desconhecido”. anônimas.uff. acompanhada do seguinte subtítulo: “despidas de roupa. a revista TPM de abril de 2010 trazia em suas páginas a matéria “Nudez sem castigo” . mas que tenham o poder para fazê-lo. provocação sensual e responsabilidade social estão reunidas e indeterminadas. zombando de nossa credulidade. os milhares de outros telespectadores que. como comenta um leitor.14/3/2014 A vida em cena: | Ciberlegenda além de promoverem uma coincidência entre a dimensão lúdica (própria ao jogo) e a dimensão do cálculo (própria à biopolítica). por exemplo. reais. e. http://www. Desse modo. A comentada campanha da Dove pela “Real beleza”. teríamos o cinismo de práticas capazes de reduplicar seu próprio sistema de representações. Como se não interessasse o que eles. a publicidade e a pornografia soft já há algum tempo descobriram o valor mercadológico da beleza “natural” e “autêntica” de mulheres comuns. parecem apontar para uma virtualidade do próprio poder. mais uma dessas iniciativas na qual expressão artística. sintetiza André Brasil. versão masculina da TPM. como sabemos. já naquela época. 1986. de descobrir pela participação. Ana Paula “acredita que este ensaio possa lhe ‘abrir outras portas’”. Bólides e Parangolés. a vida real. visa a essa incorporação mágica dos elementos da obra como tal. performance do produto. em uma versão estetizada. das redes sociais aos games. Helio Oiticica. comum e ordinária. os jogos televisivos. o processo e a liberdade do improviso. seriam juridicamente considerados personagens de ficção. ser espectador fosse ser passivo. pelo deslocamento do que se designa como arte. estimulada e provocada a. In: Aspiro ao grande labirinto. no artigo “Formas de vida na imagem: da indeterminação à inconstância”. instrumentalização e otimização da vida. eliminar a concorrência e permanecer visível para a sua “fidelizada” audiência. “A Ana tem que performar!”. Ana Paula. em uma constante performance de si mesma. de “participador” –. dos documentários às experiências de arte contemporânea. Contratados como tais. espera-se um espetáculo que não mais simule. “A imagem – o conjunto de mediações que a constitui – se torna assim o lugar prioritário onde se performam formas de vida”. esta de diversas ordens. claro. vida-performance ou. vencer. Em 2005. No entanto. mas sim da derrubada de todo condicionamento. Performar formas de vida não é simplesmente uma questão de auto-criação estética e plasticidade subjetiva. por meio da qual se tornava pública a decisão da TV Globo em “patentear” a personalidade dos participantes do BBB. Ao longo dos anos 1960. que chega aqui à formulação do Parangolé. da publicidade à pornografia.14/3/2014 A vida em cena: | Ciberlegenda Além da matéria em questão. as proposições das vanguardas artísticas. repaginada (e certamente inconsciente) da lógica casa grande-senzala. não significa arriscar metáforas vagas e apocalípticas. como se. o cinema. a disponibilidade. In: Aspiro ao grande labirinto. é a única a ser fotografada de quatro. Não se trata mais de impor um acervo de idéias e estruturas acabadas ao espectador. 23 anos. Bem sabem os executivos e gestores do Big Brother Brasil que falar em vida-produto. tem o hábito de todo final de ano trazer um ensaio sensual com suas funcionárias. Nessas proposições. coluna de Daniel Castro. participar e interagir. tomando para si. ‘big brother’ é personagem” (Ilustrada. em nome de um “apelo realista”. “enquanto produto”. que culmina no que formulei como anti-arte.uff. em uma espécie de “pornografia socialmente responsável”. ao indivíduo de hoje. esclarecida desde sempre de que. capturaram. a revista TRIP. Oiticica não estava à procura de um novo condicionamento para o novo espectador – chamado por ele. que. Parangolé-TV “Toda a minha evolução. roteirizando e instrumentalizando. Paulista do interior. os dispositivos audiovisuais e as novas dramaturgias. dos reality shows aos vídeos pessoais na internet. novamente. do improviso. Não por acaso. algo que para ele possua significado”. a possibilidade de ‘experimentar a criação’. desenvolvidas em função dos Penetráveis. “Situação da vanguarda”. Rio de Janeiro: Rocco. em favor da disponibilidade. Bólides e Parangolés]. dizia o marido-manager da apresentadora e também empresária Ana Hickmann. mais exatamente. dar ao homem. As esferas telemidiáticas e as empresas de comunicação foram mais tropicalistas que o tropicalismo O show do “eu-empresa” Se. voluntariamente.br/ciberlegenda/vida-em-cena 10/12 . 21 de maio). “Anotações sobre o Parangolé”. o tropicalista Helio Oiticica pleiteava e criava novas formas de ação e participação do espectador. do campo intelectual racional para o da proposição criativa e vivencial. da liberdade e de um estado criador. Rio de Janeiro: Rocco. os participantes estariam impedidos (em até sessenta dias após o término do programa) de http://www. numa vivência total do espectador que agora chamo ‘participador’”.proppi. é porque. como se equivalesse a ter a mente atrofiada em suas potencialidades imaginativas e o corpo imobilizado em suas capacidades locomotivas. a partir de então. copeira e “incumbida de manter cheia a garrafa mais cobiçada da editoria”. fora publicado na Folha de São Paulo a nota intitulada “Para Globo. precisa se capitalizar. “A participação do espectador é fundamental aqui [nos Penetráveis. é permanentemente convocada. no auge do triunfo do espetáculo. 1986. colaborar e intervir. mas de – no mundo-empresa em que vivemos – funcionalização. Helio Oiticica. contemplativo. é o princípio do que se poderia chamar de ‘proposições para a criação’. assim selecionadas e convidadas. mas de procurar pela descentralização da arte. ao revés. o que esvaziaria juridicamente o fundamento constitucional segundo o qual a intimidade e a privacidade. riscos e oportunidades”. performance e produto.14/3/2014 A vida em cena: | Ciberlegenda se auto-encenar ou de “interpretar” seus próprios tipos em outros meios e veículos. a autoria? De acordo com a notícia publicada. identidades agora capitalizadas pela empresa e tornadas. o trabalho e o autoconhecimento”. Do jogo de tênis com os amigos (quais amigos?) às operações com o cartão de crédito. os quais não podem interpretar em anúncios os personagens que encarnam na ficção. ela demandaria (por meio de sua voluntariedade e risco) ser tornada um personagem fictício – cuja imagem. o único possível para tantas milhares de pessoas em cuja existência política está o simples fato de serem animais viventes. Nesse contexto.proppi.uff. mercadorias. Contrato anticonstitucional? Quem se importa!? A perversidade desse tipo de dispositivo contratual está no fato de que ninguém é co-agido ou forçosamente impelido a dele tomar parte. Em meio a isso. profissional. Certamente que estes dois pólos são aplicáveis a tudo. capaz de existência política. a privacidade e a intimidade dos participantes desse dispositivo de convivialidade vigiada seriam. com a agudeza que lhe é característica: “Por milênios. esotérica. Mas como adaptar esse contrato para uma situação em que pessoa e personagem. Essa é a definição do cultuado consultor de gestão e recursos humanos Carlos Hilsdorf. criador e criatura. portanto. pois a autoria de tais personagens pertence à empresa e ao autor que os criou. na impossibilidade de a vida se reconhecer como “personagem jurídico”. o homem moderno é um animal em cuja política está em questão a sua vida de ser vivente”. opera o seguinte deslocamento: na impossibilidade de a vida “anônima” e “real” se reconhecer como sujeito de direito. em A história da sexualidade. que somos tratados pelos ideólogos. consultores e empreendedores da era da management como “ser humano-empresa”. Como escreveu Foucault. em entrevista ao programa “Mundo corporativo”. enquanto personagens fictícios. mas “é uma coisa estratégica”. a personalidade construída publicamente. recebendo o mesmo tratamento jurídico dado aos atores profissionais. o homem permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivente e. que. o “produto”. certamente. um efeito da visibilidade conquistada (e não uma instância previamente dada). Continua Migliorin: “O ‘eu-empresa’ opera na absoluta funcionalização de todas as http://www. lhe restituiria sua identidade jurídica e política. a autoria de cada “personagem” – isto é. talvez. De acordo com o comentário de Migliorin. o Big Brother Brasil. negociado e atualizado. I: A vontade de saber. Para Hilsdorf. além disso. social e sexual). estão completamente amalgamados e indeterminados? Como adaptar esse contrato para uma situação em que a “obra”. É justamente enquanto “animais viventes”. afinal. o ‘eu-empresa’ pode entrar em ação. não podem ser vendidas ou disponibilizadas. por cada um – passaria a ser do programa de TV. se confunde à própria vida? De quem é. da Rádio CBN (comentada por Cezar Migliorin em seu blog http://a8000. como dispositivo audiovisual e biopolítico. esse autoconhecimento não é uma coisa mística. seríamos um ‘ser humano-empresa’ melhor. além de serem dimensões invioláveis. Muito pelo contrário: disponibilizar voluntariamente a vida. é o maior dos investimentos – e.br/ciberlegenda/vida-em-cena 11/12 . O ‘ser humano-empresa’ deve perceber onde estão suas forças. Assumindo então contratualmente a ficcionalização das identidades proporcionada pelo BBB. vida e obra. “depois de avaliadas as forças e fraquezas.blogspot. em relação e em reação às câmeras. mercantilizá-la. Ver o mundo como risco ou oportunidade. literalmente. geri-la como um “capital pessoal” a ser cuidadosamente administrado. fraquezas. vol.com/) diz: “Se nós aplicássemos as ferramentas de gestão a nós mesmos. expropriados de existência política e reduzidos a uma performance (comportamental. Belo Horizonte. _______. Paula. São Paulo: Ed. 2008. Afinal. se a diferença é a condição mesma de todo enlace.br/ciberlegenda/ is licensed under a Creative Com m ons Atribuição-Não a obras Derivadas 3.0 Unported License http://www. “Retrospectiva do espectador”. Rio de janeiro: Graal. 2008.htm FOUCAULT. é pôr-se em relação. Rio de Janeiro: Contraponto. RANCIÈRE.compos. In: Estéticas da biopolítica: audiovisual. 1997. Disponível em: http://www. é a fórmula jamais acabada. São Paulo: Boitempo. ________. RJ. Comunicação apresentada ao XIII Encontro Socine.doc COMOLLI. a inocência perdida: cinema. Cinismo e falência da crítica. Felix. André.”Le sujet interpassif”. mestre em Comunicação e Imagem também pela Universidade Federal Fluminense (PPGCOM/UFF) é. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. História da sexualidade. é preciso que se tome uma posição.doc. política e novas tecnologias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. é preciso que se assegure e resguarde certa distância. 2001. tecnologia e gestão. A vontade de saber. Pois. Disponível em: http://www. In: Conversações. 2008. Jean-Louis. Slavoj. enquanto animal vivente capaz de existência política. vol.36. Mil paltôs – vol. Vladimir. Le spectateur émancipé.“Post-Scriptum sobre as sociedades de controle”. Bem vindo ao deserto do Real. Jacques. São Paulo. Referências bibliográficas BRASIL. sim Sim Revista Ciberlegenda by http://w w w . “Jogos de cena: indeterminação e ambigüidade sob suspeita em alguns filmes brasileiros recentes”. 2003.2001. ZIZEK. “Cinema Contra Espetáculo” In: Catálogo forum.br/cep/ilana_feldman.com. enfrentamento nem contradição possível. conflito. 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Gilles. ser um espectador (espectare). Rio de Janeiro.“O apelo realista”. A sociedade do espetáculo. In: La subjectivité à venir. Paris: Flammarion. como nos ensina o perspectivismo.14/3/2014 características do humano”.proppi.org. 5º. “O nascimento da biopolítica”. I.bh. 34. SIBILIA. Revista Cinética / Programa Cultura e Pensamento (MinC).uff.revistacinetica. In: Revista FAMECOS. 34. televisão.. doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação na Universidade de São Paulo (ECA/USP). 2008. In: Ver e Poder. _________. produto. 2004. Nov. VELLOSO. São Paulo: Ed. Compós 2008.br/ojs/index.proppi. 2000. junho de 2010. São Paulo: Boitempo.pucrs. In: Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982). para que haja uma relação. A vida em cena: | Ciberlegenda O “eu-empresa”. UFMG. atualmente. Silvia Pimenta. Guattari. SAFATLE. DEBORD. Rio de Janeiro: Relume Dumárá. “Formas de vida na imagem: da indeterminação à inconstância”.br/ciberlegenda/vida-em-cena 12/12 . ________.
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