A Origem do Cristianismo Autor: KAUTSKY, KARL Tradutor: BANDEIRA, LUIZ ALBERTO MONIZ Editora: CIVILIZAÇAO BRASILEI Assunto: HISTÓRIAGERAL Preço R$ 69,90 560 pág. Prólogo Introdução 1. A personalidade de Jesus 2. A sociedade romana na era imperial 3. Os Judeus 4. Os princípios do Cristianismo Apêndece Comunismo e cristianismo segundo Karl Kautsky "A origem do cristianismo", de Karl Kautsky por André Egg Eu recebi esse livro para resenha, se não me falha a memória, em junho do ano passado. Demorar sete meses para mandar uma resenha pode ser desculpado por um monte de compromissos pessoais, nenhum dos quais seria justificativa suficiente. Prefiro argumentar que o livro foi publicado originalmente em 1908 por uma editora alemã, e sua tradução para o português foi feita por Moniz Bandeira em 1969. Ficou na gaveta do tradutor esse tempo todo, até que no início de 2006 ele concluiu uma revisão da tradução com base na primeira edição alemã, escreveu um prólogo e um apêndice, resultando no volume que saiu publicado agora em 2010 pela Civilização Brasileira, um selo da editora Record. Vicissitudes do mercado editorial brasileiro atrasaram tanto esta publicação fundamental, que me fazem pensar que fica desculpado meu atraso com a resenha. Dificilmente eu escreveria um texto mais instrutivo que o prólogo escrito pelo tradutor, de modo que prefiro ressaltar aspectos que ele já não tenha contemplado. Quando recebi o livro, por sugestão do nosso editor, Daniel Lopes, imaginei que seria uma obra de interesse apenas histórico, no sentido de ser uma obra velha, já com mais de 100 anos de publicação original, que não pudesse dar nenhuma contribuição relevante à bibliografia existente sobre o assunto (a história do cristianismo nos primeiros séculos) e, além de tudo, que já estivesse totalmente superada pelas pesquisas realizadas em todo o século XX. Isso talvez me levou a adiar ainda mais a leitura do livro, à medida em que seria para mim um obra mais interessante como meio de conhecer o pensamento do principal teórico da socialdemocracia alemã, um importantíssimo ramo do marxismo que foi totalmente derrotado/superado tanto na própria política alemã (com o fracasso do governo revolucionário de 1918-19) como na política da Internacional Comunista onde o bolchevismo soviético se Esta parte é justamente a que mais envelheceu na obra. em nome da preservação de certos dogmas cujo interesse de manutenção está nas instituições eclesiásticas às quais algumas editoras pertencem. Termino a leitura surpreso com o tamanho do meu engano. com a literatura patrística (especialmente a do segundo século) e mesmo com as Escrituras do Cânon Cristão. quanto mais se tornaram monstruosos os desvios políticos promovidos à direita e à esquerda desse programa – apenas parece que está absolutamente claro que ele não pode ser produzido exclusivamente em escala europeia: terá de ser pensado/empreendido em escala mundial. salvo honrosas exceções. ou seja. O autor faz aquilo que se tornou o metiér do historiador no século XX: tira das fontes apenas o que elas não pretendem dizer. tornou-se apenas um arremedo de força intelectual/filosófica. quase que infantilmente para nós que conhecemos os desdobramentos posteriores desta história. O assunto continua dominado por literatura confessional. -. O que o autor faz é o que convencionamos chamar de História Nova. do mesmo modo que as doutrinas cristãs em séculos anteriores. apenas naqueles pequenos trechos onde a obra se dirige mais claramente para seu público da primeira edição. então. inacessível em nossa língua. tanto histórica quanto teológica. Kautsky trabalha com a literatura latina. com memorialistas como Josefo. da forma como ficou sob o domínio do stalinismo. uma vitória política da socialdemocracia. convertendo-se em dogma de implantação violenta e coercitiva. uma concentração dos modernos meios de produção nas mãos do Estado (e não na de um punhado de capitalistas). O livro é. onde o autor faz uma comparação entre o cristianismo primitivo e os movimentos operários alemães da primeira década do século XX. à medida em que não temos conhecimento desta bibliografia de base. conduzindo a um verdadeiro comunismo. O autor também dialoga com a fabulosa erudição alemã do século XIX. A obra de Kautsky continua fundamental sobre o assunto. Notadamente no último capítulo. É verdade que o “materialismo histórico”. desconfiando sempre daquela intencionalidade que faz de todo documento um monumento. O interesse histórico na visão política de Kautsky e das disputas internas do marxismo existe apenas muito marginalmente. escrita num momento em que Kautsky ainda previa. imbuído de uma série de armadilhas possíveis na sua leitura. o que torna o livro muito interessante para o leitor brasileiro. . a ideia de estudar a história sempre a partir do movimento de suas forças econômicas. e mantido o grau máximo de liberdade individual na ponta do consumo. como ele deixa claro. a literatura confessional continua se prestando às mais terríveis falsificações.Karl Kautsky (1854-1938) -- Deste modo. é sempre importante uma obra escrita com o necessário “ateísmo metodológico”. que conhecemos no Brasil apenas pelos autores franceses influenciados pelo marxismo (começando com Marc Bloch e Lucien Febvre – que também escreveram sobre história do cristianismo). E neste campo. no caso de Kautsky fornecido pelo que se entendia à época por “materialismo histórico” – a saber. O programa social-democrata (espero que a sigla PSDB não confunda o conceito para os leitores brasileiros) continua muito agudo e atual. Não é assim com a forma em que a metodologia foi empregada por Kautsky. Que significava. especialmente dada a escassez de bibliografia confiável em português. controlado democraticamente pelo proletariado por via de suas instâncias partidárias.tornou logo dominante — e depois uma ditadura internacional ignominiosa do seu ramo stalinista. um discurso para a posteridade. a partir da década de 1930. Voltemos à história das origens do cristianismo. o que chama mais à atenção na obra de Kautsky são suas explicações sobre a transformação de uma comunidade radical proletária em uma instituição hierárquica. entre 40 e 100 anos após a morte de Cristo. O cristianismo assim desvendado por Kautsky foi um movimento proletário. 2010. que praticou o comunismo do partir do pão – que o autor classifica como um comunismo de consumo. mas que até hoje considero que ninguém explicou tão bem como nesta obra. disciplina que teve o grosso do seu desenvolvimento no século XIX. resultado que continua relevante 100 anos depois. pelas suas qualidades em intercalar o interesse para o estudo histórico de questões de economia. . a filosofia helenística e os movimentos do judaísmo. E só nos mostra o quanto andamos atrasados em nossas discussões brasileiras sobre o tema. o que era um capítulo inicial foi desenvolvido em uma obra maior e melhor fundamentada. a princípio uma comunidade sediciosa do nacionalismo judaico de Jerusalém e da Galiléia. a partir do século IV – assunto pouco discutido pelos historiadores. Também recebe importância nas considerações de Kautsky o surgimento de um comunismo de produção nos mosteiros. Com base neste vasto panorama. doutor em História Social pela USP. pois o estudo da origens do cristianismo surgiu primeiro como uma introdução a uma obra em dois volumes intitulada Precursores do socialismo (volume 1: Movimentos comunistas na Idade Média e volume 2: O comunismo na reforma alemã .muito mais do que uma história do cristianismo nos primeiros séculos: é uma síntese da pesquisa história sobre o império romano. mas é apresentado como a história da vida comum dos pobres e de suas esperanças escatológicas. Para isso ele usa de forma muito instigante a crítica bíblica. ::: A origem do cristianismo ::: Karl Kautsky (trad. mas que tem papel preponderante no desenvolvimento de toda a economia europeia da Idade Média. continua sendo uma obra única e indispensável. fortalecendo a autoridade dos bispos. professor da Faculdade de Artes do Paraná. Este o seu interesse pelo estudo do tema. enquanto passamos um século desconhecendo esta interpretação tão original. trata como fonte histórica os Evangelhos e as Epístolas do Novo Testamento apenas naquilo que eles possuem de valor histórico: um testemunho sobre as comunidades que lhe deram forma escrita. Kautsky tira do cristianismo uma série de pretensas originalidades e mostra o movimento como deve ser visto: inserido nas disputas e contradições de seu tempo. Como fosse criticado por outros historiadores.fica a dica para a Record traduzir também estes). Luiz Alberto Moniz Bandeira) ::: ::: Civilização Brasileira. Para mim. além da caracterização da comunidade cristã primitiva de Jerusalém (da qual temos boas caracterizações por outros autores). processo que sabemos que estava completo nos tempos de Constantino (século IV). Kautsky propõe que as próprias contradições do regime de comunismo de consumo praticado pelos cristãos primitivos levou às transformações operadas. Da mesma forma. Enfim. é muito interessante ler uma história em que o cristianismo dos primeiros séculos não se reduz a um embate filosófico/doutrinário entre os primeiros teólogos (como geralmente o assunto é tratado na bibliografia sobre o tema). 560 páginas ::: Compre no Submarino ou na Livraria Cultura ::: Músico e historiador. política e religião. Deste modo. ex-professor da Faculdade Teológica Batista do Paraná. bem como os limites e contradições de suas formas de vida e trabalho. tendências de suas diversas seitas .)”.. e do cristianismo. deveras importante. O autor destaca a possibilidade de Cristo ter sido influenciado pelos essênios. Alguns termos caros à doutrina marxista são utilizados pelo autor. inclusive do ângulo teológico.os fariseus. inclusive. Essa profunda análise do Jesus histórico empreendida pelo autor é a base para o entendimento dos primórdios do Cristianismo. a crucificação. Ele. Ele aponta as suas contradições e busca revelar Jesus como homem. que transcendeu sua época (. que se opunha à ”ditadura do proletariado” em curso na URSS. imediata e diretamente. o caminho para o cristianismo e contribuiu para modelar a alma e o corpo da Igreja. o autor ainda apresenta fatos que revelam a faceta revolucionária de Jesus Cristo. levanta a possibilidade de o Imperador Pilatus ter acreditado que Jesus fosse um Zelote . avalia o professor Luiz Alberto Moniz Bandeira. que viviam na região do Mar Morto. O livro só foi traduzido para o português em 2010 e publicado pela editora Civilização Brasileira. admirado pelos marxistas ortodoxos e por outros nomes da história pouco fiéis ao Marxismo puro. o chamado Jesus histórico. Desta forma. quando deixou de ser um partido político dentro do Judaísmo e tornou-se um partido dos não-judeus e.. faz um estudo das origens da religião levando em conta as condições econômicas e sociais tanto do Império Romano quanto da Palestina. . em sua concreticidade histórica. o autor emprega o termo proletariado. hostil a eles. ligada ao Grupo Editorial Record. castigo reservado aos rebeldes e outros inimigos da sociedade. Eles eram considerados úteis apenas pela prole que geravam.A origem do cristianismo. responsável pela tradução. A origem do cristianismo constitui enorme contributo. considerado um dos mais fiéis intérpretes da doutrina de Marx e Engels. seus costumes. apêndice e notas do livro. assim como outros historiadores. O povo de Israel. 1908 Em A origem do Cristianismo. Apesar de discordar de Karl Kautsky. Neste livro inédito no Brasil. foi a punição estipulada para o líder de uma insurgência frustrada. em seu sentido etimológico. cuja a primeira edição foi publicada em 1908. A profunda análise que Kautsky faz dos Evangelhos é muito significativa e esclarecedora. No livro. O lado revolucionário de Jesus também é analisado por Kautsky. que segundo Kautsky ganhou força após a grande guerra ocorrida entre os judeus de Jerusalém e o Império. “Seu mérito acadêmico transcende quaisquer concepções políticas e ideológicas. Karl Kautsky (1854-1938). Muitos outros historiadores reconhecem que essa seita judaica preparou. sobretudo os essênios e os zelotes. saduceus. Lênin reconheceu que ele foi um verdadeiro “historiador marxista” e afirmou que os seus trabalhos em história eram um “patrimônio perdurável do proletariado”.revolucionário que lutava contra a opressão do Império Romano e que muitas vezes cometia atos terroristas suicidas. para designar parte da população do Império Romano de baixo poder aquisitivo e livre de imposto. para a compreensão de Jesus. na Alemanha. O termo comunismo também aparece para retratar o coletivismo em que viviam certas comunidades judaicas. como um fenômeno social e político. entre eles A origem do cristianismo. Este acontecimento determinou a expansão do Cristianismo. introdução. essênios e zelotes – são analisados para explicar os verdadeiros fatores e as circunstâncias que determinaram diversos acontecimentos históricos. Kautsky é considerado o mais conceituado intérprete da doutrina de Marx e Engels.