A mulher na idade média - mertamorfose de um status ok

March 22, 2018 | Author: Denise Moda | Category: High Middle Ages, Schools, Marriage, Mary, Mother Of Jesus, University


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A MULHER NA IDADE MÉDIA: a metamorfose de um status Itamar de Sousa Resumo Aborda a metamorfose do status da mulher na Idade Média, passandoda concepção de ser desprezível e perigoso, para o status de ser capaz de praticar grandes virtudes humanas e cristãs. Aborda também o papel que a Igreja Católica desempenhou nesta mudança. Palavras-Chave: Idade Média. Mudança de status. Mulher. Canonização. Vida religiosa. Educação. Matrimônio. Trabalho fora do lar. 1 INTRODUÇÃO Desde que os filósofos iluministas franceses (séc. XVIII) tacharam a Idade Média de "Idade das Trevas", que se tornou habitual se pensar que tudo foi negativo nesta quadra da história do mundo ocidental. Não resta dúvida, que foi um período histórico (séc. V-XV) marcado por vários contrastes, como aconteceu com as outras fases da história humana. É a época em que a humanidade, impelida pela força espiritual da Igreja Católica, procurou viver de maneira apaixonada os valores transcendentais do cristianismo; isto ficou evidenciado na reflexão filosófica (foi quando a metafísica alcançou o seu esplendor), na "fuga do mundo" através do monasticismo, na arte gótica, na literatura, assim como na busca da santidade através de uma vida consagrada a Deus. Por outro lado, foi um período de intolerância, no qual a inquisição procurou controlar o pensamento e a cultura, negando aos indivíduos a liberdade de pensar diferentemente. À semelhança da antigüidade greco-romana, a Idade Média foi também uma época dominada pelos homens: senhores feudais, cavalheiros, padres e monges. Dissemos predominantemente, mas não exclusivamente, porque neste período histórico, algumas mulheres exerceram importantes funções fora do lar, sendo abadessas, rainhas e dirigentes empresariais. 1 'Sociólogo pela USP, Escritor, Historiador e Professor Universitário da FARN. Revista da FARN, Natal, v.3, n.1/2, p. 159 - 173, jul. 2003/jun. 2004. 159 (BÍBLIA.. pretendemos abordar as metamorfoses da concepção da mulher na Idade Média. no matrimônio e no trabalho fora do lar.Não admitido que a mulher dê lições ou ordens ao homem. pois não lhes é permitido falar. p. 2 MUDANÇA DE UM STATUS Ao longo da Idade Média.viram a mulher como um ser inferior ao homem. p. Por isso. Apesar de Jesus Cristo ter valorizado as mulheres. estar coberta de andrajos e mergulhada na penitência. Esteja calada. 2003/jun. Foste tu que tocaste a árvore de satã e que. n. (DELUMEAU. violaste a lei divina. 316) Esta mentalidade discriminadora da antigüidade cristã perpassou grande parte do período medieval. Adão foi criado primeiro e Eva depois. dizia que: 160 Revista da FARN.34-35 diz que: "As mulheres devem calar na assembléia. em primeiro lugar. 2002. Adão não do seduzido. 2004. muitos de seus seguidores manifestaram uma visão diferente a respeito do sexo feminino... Neste artigo. era a mulher ser uma criatura submissa e dependente do pai e do marido.Muitas conquistaram o dificílimo status de santas canonizadas pela Igreja Católica. pois. Santo Ambrósio. 1761). v. a fim de compensar a culpa de ter trazido a perdição ao gênero humano. 1989.11-14. Natal. assim como destacar os papéis que ela desempenhou na educação. p. Bispo de Vandoma. contrariando assim a tradição judaica. Alguns Padres da Patristica . nos séculos X e XI.173.. a encontramos repetida por alguns prelados. O antifeminismo de Tertuliano (160-225) foi o mais radical: Tu deverias usar sempre o luto.. São Jerônimo e Santo Agostinho .1/2. e juridicamente tutelada. São Paulo. . jul. tu és a porta do diabo. ele repete e amplia o seu pensamento discriminador: A mulher deve aprender em silêncio e ser submissa . 14. houve uma metamorfose na concepção da mulher. 159 .. a mulher foi seduzida e cometeu a transgressão." Na primeira Carta a Timóteo 2. Não obstante estes casos.Tertuliano. falecido em 1132. Assim. Godofredo. a regra dominante na Idade Média. Mulher. na primeira Carta aos Coríntios.3. Aí. Esta visão da mulher. quando eles desenvolveram os fundamentos do culto de veneração à Virgem Mãe de Deus. 2003/jun. v.34-38).3. estrangulou João Batista. Natal. através do trabalho dedicado aos pobres e da oração contemplativa. Marbode. que ingressaram nas instituições religiosas católicas. p. 2004. Apesar desta mentalidade. nem amizade e que é mais de temer quando é amado do que quando é odiado. O culto mariano valorizou a virgindade como uma forma de consagração a Deus. Revista da FARN. Bispo de Rennes falecido em 1123. Sendo assim. Maria foi apresentada à cristandade como a Nova Eva. p. De certa maneira. entregou o corajoso Sansão à morte. escolhida por Deus para ser a mãe do seu Filho. 159 . ao longo da Idade Média. (DALARUM." (DALARU. por que. e capaz de adquirir grandes virtudes. a partir de Maria. elas testemunharam os valores transcendentais da religião cristã e conquistaram a gloria dos altares. sensibilizou milhares de jovens de todas as camadas sociais. A corrente intelectual de valorização da mulher foi elaborada pelos teólogos João Duns Escoto. 1993. nem bondade. criado também por Deus. jul. também. 34-38). o século XIII assinala o surgimento de uma corrente de pensamento bem positivo em relação às mulheres.173. o nosso Salvador não teria tido necessidade de morrer. o nosso Salvador. Então. Através de pesquisa que realizamos em fontes seguras e eruditas. que era também o seu marido e pai. mostra as nacionalidades destas santas medievais com os respectivos percentuais. Alberto Magno. a seguir. fruto de todos os vícios. 1993. Por sua vez. Desgraçado sexo em que não há nem temor. foram canonizadas 460 mulheres pertencentes a cerca de vinte nações. matou o Salvador. n. a mulher deixou de ser vista como a "encarnação do mal" para ser considerada como um ser humano. Tomás de Aquino. O quadro. "A raiz do mal. se a sua falta o não tivesse exigido. p. considerava a mulher como "A pior das armadilhas preparadas pelo inimigo".1/2. 161 . nesta perspectiva teológica.Este sexo envenenou o nosso primeiro pai. 100 (21. Neste quadro.13 12.73 1. ela e o esposo ingressaram na vida 162 Revista da FARN.73%) foram abadessas. nasceram oito filhos. 159 . isto é.52 -1.1 -1. .18 2. 63 (13.173. 17 (3. p. não podemos esquecer Brígida (1303-1373). n.88 0.3. Inglaterra.04 2.66 0. dirigentes de abadias.1/2.21 100 QUADRO 1: NACIONALIDADES DAS SANTAS MEDIEVAIS Fontes: OLIVEIRA.69%) ingressaram na vida religiosa depois que enviuvaram. 31 (6. 2004.43 0. Entre as mulheres da Idade Média que exerceram importantes papéis nas instituições religiosas católicas. Mário.21 0. v. por último 25 (5. Quanto à condição social de cada santa. testemunharam a sua fé cristã com a própria vida. Do seu casamento com o nobre Ulf Gudmarsson.18 10. isto é.18 1. Américo Lopes. Alemanha. 52%) pertenciam à nobreza. 2003. Espanha e outros países europeus de menor expressão.43 18.73%) eram virgens e.1 0. podemos observar que a Itália teve o maior número de santas. jul. 2003/jun. nascida na Suécia. Quando os filhos se tornaram adultos.34 3.04 14. 1981 SGARBOSSA. concluímos o seguinte: 122 (26.21 4. seguida pela França.43%) foram martirizadas. Natal.NACIONALIDADE Italianas Francesas Alemãs Inglesas Sem identificações Espanholas Irlandesas Húngaras Portuguesas Orientais Belgas Escocesas Holandesas Polonesas Gregas Suíças Suecas Escandinavas Prussianas TOTAL N° 117 83 65 56 47 20 14 10 10 8 7 5 5 4 3 2 2 1 1 460 % 25.43 0.69%) eram camponesas e operárias. 231-232). jul. p. Brígida foi proclamada santa. as mulheres públicas. Santo Agostinho (354 . aos leprosos e aos pobres.430). reunindo homens e mulheres. isto é. OBOLENSKY. que procurou integrá-las às ordens dos Franciscanos e dos Dominicanos. espalhou-se em toda a Europa através de 78 mosteiros. 475). sobre o mosteiro masculino.3. pregador de Liège." (MACEDO. a Igreja foi desenvolvendo a doutrina do matrimônio cristão. chamada do santíssimo Salvador. Esta ordem espalhou-se pela França. excomungadas. destinados a amparar os leprosos. (SGARBOSSA. Ainda no final da antigüidade cristã. 55). 159 . Apoiada pelo rei da Suécia. fídes. 764). n. surgido na Bélgica. p. p. concomitantemente. inclusive. por isso. As que resistiram a esta integração "foram consideradas hereges e. 2003/jun. Bispo de Hipona. no final da Idade Média. em 1391. excluídas do seio da cristandade. As beguinas eram mulheres solteironas ou viúvas das camadas superiores da sociedade medieval que formavam comunidades filantrópicas. não podemos olvidar as prostitutas. Uma delas era participar do movimento das beguinas. v. sacramentum. Desapareceu com a revolução francesa. Esta Revista da FARN. ele fundou três mosteiros: dois femininos e um masculino.religiosa. Esta ordem religiosa. (KNOWLES. 163 . no século XIII. elas eram vistas com desconfiança pela Igreja. os quais só se viam nas horas de oração em comum. com autoridade.1/2. ele nomeou a nobre dama Petronilla de Chemillé. "tornou-se normal" que toda Ordem religiosa masculina tivesse também uma congênere feminina. p. Para dirigir estas instituições. 3 O MATRIMÔNIO Por outro lado. Natal. 1958. Outro fato que comprova a valorização da mulher dentro da Igreja foi a iniciativa tomada pelo anacoreta e pregador Roberto de Arbrissel. pela Igreja Católica. a fidelidade entre os nubentes e a indissolubilidade da união. 2002. 2004. ÉaPadroeira da Suécia. p. (VILLOSLADA. 1987. 1983. donas de "casarão" que viveram suas vidas bem distantes daquela espiritualidade medieval. É oportuno salientar que a mulher medieval teve outras alternativas de vida fora das instituições eclesiásticas. que davam assistência aos excluídos. Além disso.173. GIOVANNINI. e que se prolongou até o século XV. Em Fontevrauld (1100-1101). Segundo o historiador José Rivair Macedo. p. 49-50). (GAUDEMET. 1983. Observaram os historiadores Knowles e Obolensky que. negadora dos prazeres corporais. vislumbrava no casamento um tríplice bem: a geração de espécie humana. Seu nome originou-se de Robert Le Bègue. Espanha e Inglaterra. Brígida fundou um mosteiro duplo. que é o sacramento: proles. os nubentes não tinham vontade própria. Verdade é que o enlace matrimonial obedecia a interesses econômicos e sociais. entre as camadas sociais de nível mais elevado. nos séculos posteriores. onde consagravam a sua vida a Deus. a mulher trazia um dote. a realização de uma união conjugai obedecia a um plano estratégico. 25).173. em Efésius 5. que continua sendo subordinada ao marido. agindo de duas maneiras: recorrendo à autoridade eclesiástica parta anular o casamento. 2003/jun. ou então. que podia ser em dinheiro ou em bens imóveis. Teologicamente. E escusado dizer que estas determinações conciliares contribuíram para disciplinar a sociedade medieval e elevaram a dignidade da mulher como pessoa humana. 1993. jul. v. cuja finalidade era preservar ou ampliar o patrimônio familiar. a Igreja Católica lutou para modelar a sociedade medieval de acordo com a doutrina cristã do casamento. não foram suficientes para mudar juridicamente a posição da mulher casada na sociedade medieval. Quando a filha se casava. 2004. Por isso. conforme a doutrina de São Paulo.1/2. na prática. No século XIV. o pai não tinha mais responsabilidade legal sobre ela. A administração do dote era da exclusiva responsabilidade do marido. Para ajudá-lo. a união entre o homem e a mulher simboliza a união indestrutível entre Cristo e a sua Igreja. elas tinham mais liberdade de escolher o seu parceiro. Assim. O concilio de Florença (1431 .doutrina foi confirmada pelos Papas. p. Natal. Este procedimento era um velho costume que deita suas raízes na 164 Revista da FARN. Mas. o Direito Canônico fixou a idade mínima para o casamento: 12 anos para a moça e 14 anos para o rapaz. as mulheres mais ousadas contrapunham-se a estes "arranjos matrimoniais". p.52.1445) corroborou as decisões pontifícias assumidas anteriormente sobre o matrimônio como sacramento.3. 159 . n. Mesmo assim. . Ela passava a viver sob a responsabilidade do marido. afirma Hufton que os contratos de casamento dos filhos eram considerados como "os negócios mais importantes que a família tinha de resolver. fazendo o voto de castidade e ingressando num convento. Do século VI ao X. Entretanto. quando a Igreja Católica já possuía o monopólio jurídico sobre o matrimônio. Nestes segmentos sociais. nas camadas sociais populares. direito de escolha. isto é." (HUFTON. sem menosprezar a cultura clássica greco-romana. Se. onde eram ministrados os rudimentos da doutrina cristã e da cultura laica. Além do direito de representar a sua pupila em tribunal. a mulher continua sendo tutelada na Idade Média. Após a queda do império romano.VILLOSLADA. ela conquistou a necessária liberdade de ação para levar avante a expansão do cristianismo. o ponto central do seu conteúdo programático. p. a Igreja Católica desenvolveu um papel importantíssimo.3. p. 1958. por exemplo. Com o apoio do Imperador Constantino (306 338).1/2. mais tarde. quase toda a legislação dos séculos XIII e XV reconhecia a incapacidade jurídica das mulheres. 356). 4 A EDUCAÇÃO No campo educacional. das episcopais. por outro lado. Natal. jul.que em casos extremos podia incluir a morte -. a tutela recaia no parente masculino mais próximo pertencente à família do pai. 2003/jun. o seu "tutor". por um lado. entre as casadas. À semelhança do que acontece na antigüidade romana. " (LLORCA. Por morte destes. a Igreja iniciou a instalação das escolas monásticas e. 159 . pelo fato de funcionarem à sombra de uma catedral. Segundo Optiz. 165 . MONTALBA. o pai. o tutor era. o tutor possuía também o direito de dispor e de usufruir da fortuna desta. a Igreja começou a organizar escolas paroquiais. em algumas regiões da Europa. Cessadas as perseguições do império romano aos cristãos. o direito de a dar em casamento. como entendesse. excluíam a mulher da todos os acontecimentos públicos. Acrescenta a referida autora que. o dote conferia estabilidade econômica ao novo casal. Não podia aparecer em pessoa perante um tribunal. Verdade é que. n. ocorrida no ano 476. Entre as mulheres solteiras. empobrecia as famílias mais ricas e numerosas. Revista da FARN. v. tendo de se fazer substituir por um homem. por norma. Os direitos gentílicos. 1993. 2004. e mesmo o direito de a vender. chamadas também de catedralícias. no final da Idade Média.173.antigüidade greco-romana. Nestas escolas. p. a Igreja foi c o g n o m i n a d a de " e d u c a d o r a do o c i d e n t e e u r o p e u . o direito de a castigar . o marido. esta tutela jurídica ficou mais branda. 299). ela fez do estudo da Sagrada Escritura e dos autores da Patrística. Por isso. (OPTIZ. Por isso. 264). 159 . e os mongas culpados deviam ser submetidos a orações e jejum por causa do pecado cometido. p.615). escrevendo biografias de santos. se consagravam a Deus. onde teve grande aceitação entre os cristãos daquela época. jul. destinada aos oblatas e aos monges jovens. Algumas se destacaram como intelectuais. este movimento chegou ao ocidente. E importante ressaltar que os mosteiros femininos eram povoados por mulheres nobres. Natal.Na educação da população medieval.ascético. .173. 1993. todos os estudiosos atribuem aos monges um papel extraordinário. v. No século X. uma cônega alemã tornou-se famosa pela publicação de obras clássicas da literatura devacional e secular. no século III. encontramos. deviam ser excomungados. Cada mosteiro era. uma autora prolífica e talentosa tanto em prosa como em poesia. freiras copistas. Todas as regras monásticas determinavam que os mongas deviam saber ler e escrever. e uma escola exterior. legendas. escritoras e bibliotecárias. ou que enviuvavam. Outras. Funcionavam aí dois tipos de escolas: uma interior. funcionando separadamente. 166 Revista da FARN. voltada para a educação religiosa e literária das crianças e dos jovens dos arredores do mosteiro. obedientes aos pais. monge Irlandês. n. Era Hrotsvita de Gandersheim. ou que se rebelavam contra a opressão da família. na Idade Média. A proteção a estes mongas era muito rigorosa. (WEMPLE. No século seguinte. 249). ao mesmo tempo. Do século V ao X. p. 1993. Os homens que eram encontrados nos mosteiros femininos. graças à iniciativa de São Columbano (543 . que tinham como professores. p. eram privados do seu múnus e encerrados num mosteiro masculino. que eram abandonadas pelos maridos. graças à divulgação da literatura monástica. a Europa assistiu a uma extraordinária proliferação de mosteiros masculinos e femininos. Segundo Wemple. Verdade é que. Todavia. (WEMPLE. segundo Wemple. surgiram os mosteiros duplos.3. ainda jovens. um centro religioso e um centro cultural. chamado de monasticismo. os monges mais velhos. Redigiu peças. se fossem clérigos. agregando homens e mulheres. 1/2. 2003/jun. se fossem leigos. 2004. O movimento religioso . poemas épicos. originou-se no Egito. 1/2. p. ele ordenou Que se criassem escolas em todas as paróquias. Isto ensejou o aparecimento deste aforismo: "Clanstrum sine armário quase castrum sine armamentario " (Mosteiro sem biblioteca é como se fosse um quartel sem armamento). (LLORCA. 2004. ela adquiriu o sentido atual. É importante deixar bem claro que as iniciativas educacionais . ordenou aos senhores feudais que todos mandassem os filhos à escola para estudar as letras e que o menino permanecesse na escola até ser instruído nelas. buscou em Roma mestres para as escolas e instituiu funcionários [.] para servir de inspetores. tanto das monásticas quanto das episcopais. foram outro tipo de educandário eclesiástico de grande importância.. de Carlos Magno (742 .não beneficiavam todas as camadas sociais. 159 . e onde as crianças pudessem aprender a ler. Colocando à parte. 920). 167 . o Imperador dos francos. Segundo Llorca. Depois. Sua finalidade era formar os clérigos e leigos de famílias nobres.. Villorlada. entre os séculos XII e XIII. Mas. as escolas episcopais.814). tradução nossa). Ao fazer esta ligeira retrospectiva da educação medieval. Somente depois do século XV. 305.particulares e eclesiásticas . é ponto pacífico que elas surgiram de iniciativas eclesiásticas e particulares. passou a significar "studium general" (estudo geral). Para suprir as deficiências da educação eclesiástica. Ao mesmo tempo. jul. 2003/jun. Estas escolas surgiram no século VIII e a sua organização era semelhante à das escolas monásticas.3. sobretudo. VILLOSLADA. p. Por outro lado. tinha acesso às escolas paroquiais ou aos conventos femininos. aglomerado de faculdades ensinando todas as ciências. primeiro. Natal. Montalban (1958. 1987. Os dirigentes destas escolas. O elemento feminino recebia. chamadas também de catedralícias. não podemos olvidar as iniciativas leigas.173.Por sua vez. depois. isto é. 1958. uma educação elementar em casa e. n. ao contrário. Toda instituição universitária tinha caráter universal em dois sentidos: Revista da FARN. corporação de mestres e alunos. a palavra "universitas" significava. foram obrigados a construir grandes bibliotecas para atenderem aos seus alunos. 82). p. de inicio. p. MONTALB AN. v. (LUZURIAGA. a polêmica sobre a origem das universidades na Idade Média. na Idade Média. o acesso ao ensino formal privilegiou o elemento masculino pertencente à nobreza e ao clero. 1993. v. por exemplo. sem mais nenhum requisito. a universidade de Bolonha. fora esmagado pelo desenvolvimento da burguesia pré-capitalista do século XVII.] foi o século dos grandes triunfos masculinos. que encontramos. que [. . tinham admitido. contudo.. A título de ilustração. Abelardo foi contratado pelo cônego Fulbert. 261) Nesta galeria de mulheres eruditas. p. Natal. mesmo o ensino ou o estudo do direito. Euquéria. 238). princesa bizantina e filha de Aleixo I Comneno. p. do século XII ao século XVII. Magdalena Buonsingnori. Por causa da proibição ou das dificuldades de acesso do elemento feminino às universidades. o grande. 39 . Segundo Little (2002. esta afirmativa não é válida. p.1148). Salerno. filha de Teodorico.1/2. as escolas episcopais e as universidades constituíam um território "estritamente proibido às mulheres". e Duoda. de tal sorte que quem recebia. (Grifo dos autores) A maior parte das universidades mais antigas da Europa surgiu ao longo dos séculos XII e XIII. (LE GOFF. Por conseguinte. esposa do governador de Marselha.3. Betina Calderini e Bettesta Gozzadini. A partir de então. e enquanto dava títulos válidos universalmente. segundo Sullérot (1970. Coimbra. p. Alexíada 168 Revista da FARN. que instruiu o seu filho mais velho.l 10). mulheres admiravelmente cultas. tais como Bolonha. Montpellier. Paris. na Idade Média. foi por causa deste costume da nobreza e da burguesia. algumas mulheres. Salamanca.. 2003/jun. Pois. de contratar professores em casa. Cambridge. contratavam mestres particulares. podia.enquanto admitia estudantes e professores de todas as nações. Na Idade Média. parta instruí-la em casa.173. (WEMPLE. que quisessem adquirir um elevado nível de cultura. Wemple cita Amalasunta. 2004. n. e. ensinar qualquer universidade do mundo. 1995. jul. p. 159 . muito particularmente. mulher de Bernardo de Septimânia.42). a carreira de advogado foi vedada às mulheres. e chegaram a oferecer cátedras de direito a diplomadas femininas como. não podemos deixar de lembrar Ana Comnena (1083 . Este liberalismo. a licentia docendi. rei ostrogodo da Itália. algumas universidades. O famoso "romance" entre o filósofo Abelardo e a jovem estudante Heloísa ilustra bem esta educação ministrada em casa. tio de Heloísa. Pelo menos no que se refere às universidades. as mulheres nobres. numa universidade. Pádua e Nápoles. "essas guildas reuniam leigos e eclesiásticos. p. onde havia juramento mútuo e hierarquia. na Idade Média. (LOYN. Segundo o Oexle. a presença da mulher foi uma constante ao lado do homem.é o titulo da biografia do seu pai. vindima. 87). tecelagem). como uma maldição. 21. Nas cidades. mas é sua auxiliar nos trabalhos de ceifa. A mulher não sobe. p. companhias e comunas.3. Por último. Por isso. mulher erudita e inteligente. o mundo do trabalho era organizado em guildas. 2004. trabalhar. p. 159 . as mulheres trabalhavam fora de casa em diversas atividades." (OEXLE. homens e mulheres. 2002. Segundo Le Goff (2002. que era a base da economia medieval. principalmente com as mãos. v. sobretudo a partir da revolução industrial (séc. colheita. Revista da FARN.173. inclusive o tratado Causae et Curae (causa e cura) que nos dá um retrato bem rico sobre a medicina medieval. Na agricultura. Nas guildas. e substituíam as estruturas sociais do Vilarejo. cumpre sua parte no trabalho medieval. ajudando aos homens no sustento de suas famílias. corte de árvores). n. jul. Deixou escritos variados. 2002. Natal. teve igualmente Cristina de Pisa (1364 1430) tida como "destacada poetisa francesa". muitas vezes. p. juntamente com as monjas inteligentes e eruditas. 5 O TRABALHO A dignidade que se atribui atualmente ao trabalho fora de casa é uma conquista dos tempos modernos. 2003/jun. os aprendizes e os assalariados. Mesmo assim. 493). 169 . O trabalho era visto com desdém e. (MACEDO. corporações. escrita por ela. Em todas elas. No campo como testemunham as pinturas e esculturas dos trabalhos dos meses do ano. lavra. era uma atividade reservada aos servos. na alta Idade Média. Ao contrário. XVIII). 1997.108) Não obstante o valor cultural destas ilustres mulheres. a camponesa não exerce as atividades de produção reservadas ao homem (sementeiras. p. lembramos Hildegarda de Bingen (1098-1179). constituíram nobres exceções num mundo dominado predominantemente pelos homens. Semelhante papel de destaque. não conferia honra nem dignidade a ninguém. 566). da paróquia e do senhorio. a mulher estava presente. e seu principal papel reside na transformação das matérias primas oriundas da criação de animais (fiação. confrarias. uniam-se os mestres.1/2. elas. apenas duas profissões continuam verdadeiramente ilícitas: a das prostitutas e a dos jovens comediantes. p. quase um milênio. Boileau classificou como "femininas".é muito significativo. 564). a liberdade individual impediu outros segmentos sociais a buscarem outras alternativas e vida. Propusemo-nos a mostrar a metamorfose do status feminino que. devido à heterogeneidade das informações e à amplidão do período. Só romperam estas barreiras aquelas mulheres ricas que tinham 170 Revista da FARN. em 1268. milhares de mulheres inspiradas no modelo de Maria. a Mãe de Deus. Assinala Évelyne Sullérot. 569). Natal. (LE GOFF. embora parcial.1/2. p. nos conventos e dedicaram os seus preciosos dias em cuidar dos pobres. 6 CONCLUSÃO Estudar a situação da mulher na Idade Média é uma tarefa bastante árdua. socióloga estudiosa da inserção da mulher no mercado de trabalho que quase todas as profissões foram acessíveis às mulheres. desprezível e diabólico. (SULLÉROT. tecedeira de seda e de couro. realmente aconteceu. XII. e XIV.A divisão do trabalho em atividades masculinas e femininas já era bem patente no século XVIII. de 130 profissões.51). n. na sua obra Livre des Metirs .3. com exceção da Itália. de criatividade e capaz de praticar grandes virtudes humanas e cristãs. concorreu fortemente para mantê-las no exercício de atividades de menor importância e prestígio social.173. . XI. etc.p. as profissões de que a matériaprima. Deus e o ser humano pareciam seres contíguos. tecedeiras de chapéus de seda. ele registrou a existência. v.XIII. 54). 1970. O testemunho de Etienne Boileau. 2002. (SULLÉROT. Este foi o ethos predominante da cultura medieval. De ser perigoso. nos séculos X. p. enfim dos excluídos. vivenciado por grande parte da sociedade. numa época que os valores transcendentais do cristianismo estavam no auge. (LE GOFF. por outro lado. A partir do século XIII. 159 . dos doentes. Verdade é que. Depois nasceram novas dificuldades. 2004. 2003/jun. a mulher passou a ser considerada como dotada de talento. em Paris. fabricantes de chapéus de ouro. Esta barreira contribuiu muito para impedir a sua ascensão social e. batedoras de ouro. Vimos que. isto é. p. nos demais países da Europa. Todavia. 2002.era a seda ou o ouro: fiadoras. jul. levaram uma vida santa. as mulheres da Idade Média não tiveram acesso ao ensino universitário.1970. Jean. Esta situação de controle e de submissão só começou a mudar a partir do século XVIII. Cestfini! REFERÊNCIAS BÍBLIA Sagrada. B. 171 . Natal. 1997.2v. São Paulo: Ave Maria. (Org. DALARUM. 2002. Christiane. Mas. D. LllTLE. In: LE GOFF. 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