A Montagem Cinematográfica e 2001

March 27, 2018 | Author: Mauricio Failache | Category: Time, Pop Culture, Languages, Science, Science (General)


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A montagem cinematográfica e 2001: uma odisseia no espaço de Stanley Kubrick“Não é por ser uma linguagem que o cinema pode nos contar tão belas estórias, é porque ele nos contou tão belas estórias que se tornou uma linguagem. “ Christian Metz. A Significação do cinema. Mauricio Failache 1 Resumo: A montagem é um recurso próprio da linguagem cinematográfica popularizado no século passado em meados dos anos vinte, principalmente na Rússia, por cineastas como Kulekov, Eisenstein, dentre outros. A montagem cinematográfica é considerada por diversos autores como um elemento essencial à linguagem cinematográfica por possibilitar em grande medida a compreensão do que se passa na tela. Nas palavras de Martin (2011), a montagem consiste na organização dos planos de um filme em certas condições de ordem e duração. Há diversas funções ou usos desta técnica, que podem expressar desde cortes no tempo, até criar nos espectadores associações metafóricas que auxiliam na história que pretende ser contada através das telas. O presente trabalho abordará o assunto sob o olhar de alguns autores na linguagem cinematográfica (MARTIN, 2011; XAVIER, 1983, 2005; AGEL, 1972) e serão observadas algumas das suas aplicações em algumas cenas do filme 2001: uma odisseia no espaço (EUA, 1968) de Stanley Kubrick, a fim de ilustrar a teoria fílmica e desvendar o que o diretor pretende nos transmitir. Introdução “2001: Uma Odisseia no Espaço” é um filme norte-americano de ficção- científica, produzido em 1968 e inspirado, parcialmente, em um romance de Arthur C. Clark, intitulado “The Sentinel”. Sobre 2001, Stanley Kubrick co-escreveu o roteiro com Clark e desta parceria surge o filme dirigido por Kubrick e um romance homônimo de autoria de Clark (AGEL, p.256, 1970). 2 O nome do longa-metragem foi escolhido por Kubrick, fazendo uma alusão direta à Odisséia de Homero, considerando "que para os gregos, as vastas extensões do mar devem ter tido o mesmo tipo de mistério e de afastamento que o espaço tem para a 1 Aluno regular de Mestrado em Ciência Tecnologia e Sociedade na Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. 2 Entre o filme e o livro existem poucas diferenças, porém relevantes de serem sinalizadas, para efeito de interpretação do filme. Kubrick parece ter chegado a um acordo com Clark,e o filme foi lançado antes do romance. nossa geração" (AGEL, 1970, p. 328-329). A temática geral do filme é sobre o homem, sua evolução e sua relação com a tecnologia e o espaço. Seu diretor o descreve como “uma experiência altamente subjetiva”, e isto dá margens a interpretações diversas. É importante dizer, no que tange à narrativa do filme, que o primeiro diálogo aparece somente depois de quase meia hora, sendo que, seus efeitos especiais são, principalmente, visuais, e já estão neste momento à frente da sua época (o que lhe garantiu um Oscar nessa categoria). O filme deixa espaço livre à interpretação e busca provocar uma experiência subjetiva, com o intuito de atingir o espectador em um nível interior de consciência, assim como acontece com a música ou com a pintura de um modo geral (GELMIS, 1970). Como interpretar então, ou acessar a informação contida em um filme quase sem diálogos como 2001? A resposta a esta interrogação talvez esteja nas ideias defendidas por Martin (p.16, 2011) e diversos outros autores, de que o cinema possui meios de expressão próprios que chegam a ser comparáveis de perto com os da linguagem verbal enquanto sua destreza e eficácia, constituindo-se detentor de uma linguagem própria, a cinematográfica. Para Jean Cocteau, citado por Martin (2011,p.16) “um filme é uma escrita em imagens” enquanto que para Jean Epstein, ainda segundo Martin (2011, p.16), representa “a língua universal”. Martin (2011) ressalta a importância de realizar uma diferenciação com outras linguagens, como a escrita por exemplo e menciona que existem filmes “altamente eficazes” no plano da linguagem, mas que carecem de valor estético. Desta maneira, constitui objeto deste trabalho evidenciar o papel de um dos procedimentos de expressão próprio da linguagem cinematográfica, e que contribui de maneira relevante (se não definitiva) para uma narrativa fílmica eficaz, a montagem. No próximo tópico observar-se-á algumas acepções e funções da montagem cinematográfica e algumas das suas aplicações no filme 2001 de Kubrick. Planos, cenas e decupagem. Uma aproximação à montagem. Dentre os diversos elementos de expressão que fazem parte da linguagem cinematográfica, como os efeitos sonoros, metáforas, elipses, entre outros, a montagem constitui, segundo Martin (p.147, 2011) “o fundamento mais específico da linguagem fílmica”. A montagem consiste, de maneira geral, na organização dos planos de um filme em certas condições de ordem e duração. Antes de prosseguir, vale mencionar algumas definições relevantes da linguagem cinematográfica para melhor compreender aspectos que fazem parte do conceito de montagem, como planos, cenas e decupagem. Planos Pode-se partir da consideração de que um filme é composto por uma sequência de fotogramas, ou pequenas fotografias unidas fisicamente por uma película de acetato, por exemplo (ou numa linha do tempo no meio digital). Segundo Martin (2011), o plano é o “fragmento de película impressionado desde que o motor da câmera é acionado até que tenha parado;”. Para o montador 3 , o plano corresponde ao fragmento entre dois cortes de tesoura, que posteriormente serão duas emendas, enquanto que para o espectador, o plano encontra-se relacionado ao fragmento entre duas ligações. Essas ligações correspondem a elementos de percepção e dinamismo mental, onde cada plano “deve preparar, suscitar, condicionar o seguinte, contendo um elemento que pede uma resposta ou uma realização que o plano seguinte irá satisfazer” (MARTIN, p.156, 2011). Para Xavier (p.74, 1972), um plano se encontra definido pelo seu enquadramento, tamanho e duração temporal. A rapidez de mudança de planos pode responder a necessidades narrativas e pode variar de acordo com as características da cena. Existem vários tipos de planos, e estes respondem a uma característica própria do cinema, por quanto esta nos apresenta um recorte ou fragmento de um acontecimento escolhido pelo diretor do filme. O ponto de vista do espectador passa a ser dinâmico e não estático (como no caso de assistir a uma obra no teatro) onde o ponto de vista permanece o mesmo. Desta maneira, no cinema podemos nos aproximar do rosto de uma personagem e perde-la de vista no meio de uma multidão em um piscar de olhos, pois tal efeito descansa no “olhar” da câmera cuja captação (e consequentemente ponto de vista) é representada na tela. Estes enquadramentos ou recortes são diversos e variam de acordo com a distância que se encontre a câmera e seu objeto. Assim, pode-se 3 Profissional que realiza sob a orientação do Diretor ou editor, a seleção de trechos de filme previamente definidos em roteiro. encontrar, partindo da distância mais longínqua e, segundo Agel (p.46, 1972), sete tipos de planos: Plano geral ou de Conjunto, como seu nome indica, captura a imagem de uma multidão agrupada, ou uma ampla paisagem natural (uma cordilheira ou uma praia). No caso de 2001, podem ser vistos vários exemplos, sobre tudo no início do filme em que é mostrada uma região desértica com montanhas ao fundo e logo a imagem dos macacos reunidos frente a uma vastidão. Neste caso, a sensação de vastidão, solidão ou isolamento é evidenciada (Figura 1). Plano de meio-conjunto, nesse plano localizam-se as personagens num determinado fundo. Pode-se citar como exemplo o plano que mostra ao espectador o contexto em que se encontra o monolito e as personagens (Figura 2). Plano médio, determina-se um enquadramento mais “preciso de um grupo de personagens de corpo inteiro numa parte do cenário, ou um elemento desse cenário que toma assim uma autonomia sensível” (AGEL, p.46, 1972). No caso de 2001 podem ser citadas as cenas em que os macacos (e posteriormente os homens na lua) encontram-se de corpo inteiro em volta do monolito recém descoberto (Figura 3). Figura 1. “Plano geral ou de conjunto” (KUBRICK, 1968) Figura 2. “Plano de meio-conjunto” (KUBRICK, 1968) Plano americano, frequentemente utilizado em seres animados, nos quais podem ser isoladas duas ou no máximo três personagens abrangendo a área superior do corpo até a metade das pernas. A intenção aqui, segundo o autor, é colocar o espectador em um contato mais íntimo com a vida dos personagens (Figura 4). Plano aproximado ou primeiro plano, (ou close-up) 4 , este relaciona-se ainda mais com a percepção do ponto de vista psicológico e dramático. Um registro da intimidade e da confidência, segundo Agel (p.47, 1972). Em 2001, encontramos este tipo de plano no momento em que o astronauta se aproxima com cautela do monolito. Pode-se considerar também como exemplo, a cena em que o macaco descobre o uso de um osso como ferramenta. Aqui, a euforia do novo achado é claramente perceptível (Figura 5). 4 Vale destacar que a divisão de tipos de planos não é algo rígido, razão pela qual alguns autores falam de até cinco tipos de planos, como é o caso de Xavier (2002), em que o primeiro plano ou close- up, abrangeria o grande plano e o de detalhe da divisão encontrada em Agel (1972). Figura 3. “Plano médio” (KUBRICK, 1968) Figura 4. “Plano americano” (KUBRICK, 1968) Grande plano: é utilizado como articulador em um desenvolvimento dramático ou poético de um filme. Bela Balazs, citado por Agel (p.47, 1972), ressalta uma característica relevante do grande plano, que é a de se estender para além do espaço, explicando que um rosto pode expressar sentimentos, humores, intenções, que são compreensíveis per se, e que, apesar de serem perceptíveis por nossos olhos, tais coisas não existem no espaço. No filme 2001, observavam-se exemplos desta função ao verificarmos as expressões de euforia e/ou raiva do macaco que descobre o uso da ferramenta, quanto o plano em que se mostra um dos astronautas sendo alvo do ruído emitido pelo monolito (Figura 6). Plano de Detalhe: versa sobre um enquadramento de um fragmento do rosto, buscando “chocar e confundir” o espectador nas palavras de Agel (p.48, 1972). Os planos em detalhe podem recair sobre objetos ou seres animados, mas com valor dramático ou grotesco. Em 2001, citam-se o braço do macaco segurando fortemente o osso que logo servirá como arma e o detalhe da mão do astronauta que toca a superfície do monolito na lua, detalhe que pode implicar que algo no monolito foi ativado por esse contato (Figura 7). Figura 5. “Plano aproximado ou primeiro plano” (KUBRICK, 1968) Figura 6. “Grande plano” (KUBRICK, 1968) Para Balazs, citado por Agel (p.76, 1972), os planos adquirem seu sentido ou significado conforme são ordenados e relacionados com os demais que o precedem e os que o sucederão, isto é, com seu contexto. Balazs considera que o que faz do cinema uma arte é a relação entre o primeiro plano e a montagem, que em seus próprios termos, afirma que é a “montagem que dá vida à história e cujo ritmo pode ter um valor próprio e ao mesmo tempo completamente independente, um valor musical que só mantém uma relação longínqua e irracional com o conteúdo” (AGEL, p.77, 1972). Por sua parte, um conjunto ordenado de planos pode conformar uma cena, como será visto em seguida. Cena A cena difere do plano por referir-se não a um fragmento de filme (ou de duas ligações) e sim a uma unidade espaço temporal que a determina. Esta concepção encontra-se ligada à percepção de cena no teatro, e assim pode-se identificar a “cena dos macacos” ou a cena do “descobrimento do monolito” em 2001, por exemplo. Outro termo associado ao de cena que é mencionado por Martin (p.157, 2011), e de cunho especificamente cinematográfico, é o de sequência. Esta consiste numa “sucessão de planos cuja característica principal é a unidade de ação e a unidade orgânica, isto é, a estrutura própria que lhe é dada pela montagem” (a sequência do descobrimento da ferramenta pelos macacos em 2001). Decupagem / Montagem Em um processo posterior à captura das imagens, passa-se à escolha de fragmentos significativos para a narrativa previamente definidas. Para Martin (2011) e Figura 7. “Plano de detalhe” (KUBRICK, 1968) Xavier (2005), a noção de decupagem encontra-se ligada à noção de montagem, na qual a primeira corresponde a uma fase inicial da segunda. A decupagem, segundo Xavier (2005), identifica-se com a fase de confecção do roteiro 5 , enquanto que a montagem é relacionada com “as operações materiais de organização, corte e colagem dos fragmentos filmados”. A decupagem vista dessa forma, pouco difere da montagem narrativa no sentido da escolha de fragmentos que correspondam a um roteiro previamente elaborado e que dará ao filme sua fluidez narrativa. Este tipo de decupagem pouco se relaciona com a montagem expressiva, que segundo Martin (2011), encontra-se mais ligada a aspectos de natureza estética ou artística e que o mencionado autor justifica pelo fato de que “o cinema é arte, isto é, escolha e ordenação, como toda obra de criação”. Para Pudovkin e Timochenko, de acordo cor Agel (p.73, 1972), a montagem consiste na “organização de todo o conjunto dos planos realizados e a sua síntese, segundo dadas condições de ordem e de tempo”. Louis Delluc, Pudovkin, Eisenstein, Bela Balazs e a escola documentarista inglesa dentre outros consideraram a montagem como a própria essência do cinema na década dos anos vinte. Balazs tem estudos que demonstram a importância do ritmo que a montagem proporciona ao filme, e que tal ritmo constitui a alma da obra. Já Delluc traz a questão da cadência ou o equilíbrio de proporções que estrutura o filme e Dullac sobre a relação entre cinema e música (AGEL, p.73-74, 1972). Para Eisenstein (p.13-14, 2002), a montagem cumpre com objetivo e função fundamentais: “o papel que toda obra de arte se impõe, a necessidade da exposição coerente e orgânica do tema, do material, da trama, da ação, do movimento interno da sequencia cinematográfica e de sua ação dramática como um todo”. A montagem representava para este cineasta, uma “criação de conflito, de choque sensível entre uma imagem e a seguinte” (AGEL, p.77. 2002). Tal choque, constitui-se como o dinamismo do filme e “o grau de discordância aumenta a intensidade da impressão e da tensão, que se tornam os elementos básicos do ritmo da arte cinematográfica(p.78, 1972)”. 6 Para Pudovkin, o cineasta devia cumprir com dois objetivos, o de emocionar e de fazer compreender. Tais metas só seriam atingidas se os planos fossem 5 Para Agel (1972), este passo inicial se identifica com uma fase artesanal, enquanto que a montagem se identifica com uma visão elevada, no plano da estética dramática. 6 Eisenstein em Storia delle Teoriche Del film, p.75 citado por Agel (p.78, 1972). cuidadosamente encadeados, pois “não é o plano em si que tem sentido; é a relação dos planos entre si.” (AGEL, p.76, 1972). Vários dos autores mencionados produziram suas próprias classificações a respeito da montagem cinematográfica. Para efeitos deste artigo, e para fins didáticos optar-se-á por trabalhar com a classificação realizada por Pudovkin, que distingue os cinco tipos de montagem a seguir: 1- Montagem Paralela É a montagem que nos mostra alternadamente duas ações simultâneas que ocorrem em lugares diferentes 7 (AGEL, p.81, 1972). Para Martin (p.177, 2011), a abordagem de duas ações alternadas busca principalmente criar uma significação decorrente do seu confronto. A aproximação de acontecimentos pode estar desvinculada do tempo e do espaço, evidenciando as suas relações de significado, tal como é o caso do filme Intolerância de Griffith. Neste exemplo são narradas alternadamente quatro ações que se desenvolvem em épocas históricas diferentes para exprimir a ideia de que a intolerância se encontra presente em todas as épocas. 8 2- Montagem por antítese (ou contraste) Neste tipo de montagem, busca-se ressaltar um contraste, um oposto. Surge no filme The Ex-Convict, de Porter, em 1905, em que este alternava cenas na casa de um rico industrial e na casa miserável de um ex-presidiário. Busca-se que duas ideias ou ações antagônicas se reforcem mutuamente com o efeito comparativo causado pela alternância das imagens. 3- Montagem por analogia (ou simbolismo) Este tipo de montagem busca criar uma relação curiosa, poética ou ridícula entre duas cenas. Encontra-se ligado a montagem por aproximação ou metáfora. 7 Este tipo de montagem aparece por primeira vez no filme Attack on A China Mission de Williamson (1900). 8 Vale destacar que para Martin, esta forma de montagem, engloba ou corresponde o que para Pudovkin seriam as montagens por antítese, analogia e leitmotif, assim como as metafóricas, alegórica e poética na visão de Balazs (p.178, 2011). Em 2001 podemos encontrar um exemplo deste tipo de montagem na cena em que os macacos descobrem a “arma” ou “ferramenta” e passam a matar as antas que conviviam com eles. Numa alternância de planos, num primeiro momento tem-se o macaco batendo com o osso em um crânio seco, logo, em grande plano , a imagem de uma anta caindo no chão, depois o grande plano do rosto do macaco, o plano de detalhe do braço soltando um golpe, o plano aproximado do macaco batendo nos ossos, o plano de detalhe do crânio seco novamente, o plano de detalhe de outra anta caindo (repete-se a sequência de imagens) e, finalmente, o macaco entra em um plano geral segurando um pedaço de carne que logo vai ser comido. Graças a este método de montagem foi que este tipo de cena metaforizada pode transmitir a mensagem de que os macacos começaram a matar e alimentar-se das antas, omitindo-se uma cena que poderia ser no mínimo cruel aos olhos de muitos espectadores. 4- Montagem por sincronismo (ou simultaneidade) Encontra-se estreitamente relacionada com a montagem por analogia. O sincronismo consiste em criar um feixe dinâmico de analogias. Agel (p.81-82, 1972), para exemplificar esta dinâmica de analogias, cita-se o filme Duck Soup, de Leo Mac Carey, em que há uma sequência de planos diversos na qual fragmentos de documentários foram inseridos na cena da declaração da guerra, dando-lhe um tom cômico. Constitui também um método bastante utilizado no cinema norte-americano, sobre tudo nas cenas em que se procuram uma maior excitação do espectador, pois geralmente, uma das ações depende da resolução da outra 9 (XAVIER, p.65, 1983). Em 2001, pode-se inferir o uso desta técnica na entrada do astronauta no monolito. A inserção de grandes planos do rosto e planos de detalhe do olho de maneira rápida e em tempos espaçados à medida que é mostrada uma paisagem estranha e psicodélica, transmitem a ideia de que essa viagem é no mínimo angustiante para o personagem, sem que seja necessário o uso de palavras ou gritos, por exemplo (Figura 8). 9 Para Martin, este tipo específico de montagem corresponde ao que ele denomina de Montagem Alternada e que é exemplificado com as cenas típicas de perseguição. 5- Montagem por leitmotif (ou reiteração do tema) É o tipo de montagem em que uma imagem aparece frequentemente e termina por se constituir a própria “respiração do filme”. É utilizado em geral para evidenciar o tema básico de um roteiro. No caso de 2001, pode ser observada a aparição recorrente de um monolito em diferentes momentos do filme e frequentemente ligado a momentos em que os personagens transpõem alguma determinada barreira. Como exemplo cita-se o trecho após a primeira aparição do monolito perante os macacos e alguns destes começam a utilizar ossos como ferramentas. No segundo momento, os astronautas se encontram fora da Terra (na lua) em contato com o monolito e para tanto percebe-se que o homem superou a barreira do seu habitat natural. Em um terceiro momento, o monolito aparece às margens do sistema solar, marcando mais uma barreira a ser trasposta, e finalmente no quarto momento, ele é visto frente ao leito de morte do personagem envelhecido que logo se transformará em um bebê-estrela 10 , o novo homem. Visto desta forma, seria possível atribuir um pensamento ou ideia relativa a evolução dentro da narrativa do filme sugerida pela aparição repetida do monolito e o conteúdo dos planos subsequentes (vide figuras 3 e 9, por exemplo). 10 Star-child no idioma original, como referido por Clark na versão escrita de 2001. Figura 8. “Sincronismo” (KUBRICK, 1968) Figura 9. “Leitmotif” (KUBRICK, 1968) Apesar de variadas as classificações ou tipos de montagem e seus efeitos, Pudovkin adverte que tais categorizações não são nem devem ser rígidas ou estáticas e sim servir como ferramenta de busca de novas possibilidades além das já estabelecidas (XAVIER, p.65, 1983). Considerações finais A montagem cinematográfica, como foi observado, representa um recurso de extrema importância, tanto para produzir uma boa narrativa visual como para produzir efeitos e associações que são próprios da linguagem cinematográfica. Para tratar sobre a montagem, fez-se necessária uma breve revisão de alguns dos elementos que conformam e que definem os resultados das associações, como os planos, as cenas e a decupagem. Elementos estes que se encontram em constante diálogo ou interação. Assim, verificou-se que cada plano por si só não possui a capacidade de significação que possuem quando associados aos que o precedem e os demais que o sucedem, e que cada tipo de plano (grande, médio, meio-conjunto, entre outros) contribui de maneira diversa na construção da historia que se pretende contar a través da tela. A partir destes planos, a forma como vão se suceder e como vão veicular a informação, corresponde como se viu em um primeiro momento a uma ordenação primária e correspondente à decupagem, de cunho mais técnico ou artesanal, e em seguida a uma ordenação com fins estéticos, expressivos e narrativos que pertence ao campo da montagem segundo o ponto de vista de Eisenstein, Pudovkin, entre outros. O filme 2001: uma odisseia no espaço, é um filme sui generis e representa um raro caso em que não há quase diálogos, apesar de tratar-se, grosso modo, de um filme de ficção científica. A narrativa do filme se baseia quase por inteira em representações e associações visuais, sem muita ajuda ou presença de palavras faladas ou escritas, mas que podem ser apreciadas com o auxílio das teorias sobre montagem. A intenção é a de diminuir na medida do possível, com a ajuda destas teorias, o grau de subjetividade interpretativa que suscitam filmes desta natureza. Talvez essa ausência de palavras seja o que dota o filme de uma característica tão peculiar, ou talvez seu excesso de informação visual, que exige de quem procura sentidos mais próximos à intenção do diretor, uma visão respaldada pelas teorias da linguagem cinematográfica. 2001,de Kubrick é um filme que transcendeu seu tempo, e que pela sua narrativa visual, fica aberto às mais diversas interpretações dentro de uma mesma história. Vale lembrar que neste trabalho, por razões práticas, foram observados unicamente alguns aspectos da linguagem cinematográfica ligados à montagem, deixando de lado os efeitos sonoros, movimentos de câmera, dentre outros, que sem dúvida alguma, auxiliam no labor interpretativo de um filme e que funcionam de maneira orgânica na geração de sentido. Bibliografia ABRAMS, Jerold. The philosophy of Stanley Kubrick. University Press of Kentuky. Estados Unidos, 2007. AGEL, G. The Making of Kubrick's 2001. Nova York: Signet, 1970. AGEL, Henry. O Cinema. Editora Livraria Civilização. Porto – Portugal. 1972. CLARK, A. 2001: Uma Odisseia no Espaço.1. Ed. New American Library, 1968. EISENSTEIN, Sergei. O Sentido do Filme. Zahar Editora, Rio de Janeiro. 2002 KUBRICK, S. 2001: A Space Odissey.160 min (release cut). Estados Unidos. Metro- Goldwin-Meyer. 1968. MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. 2da Ed. Brasiliense, São Paulo. 2011. PANAKKAL, V. “2001 : A Space Odyssey - Meaning And Symbolism (Stanley Kubrick's Message On The Evolution Of Human Consciousness)” Disponívelem: http://true-color-of-mind.blogspot.com.br/2011/12/2001-space-odyssey-meaning- and.html. Acessoem: 17 de out. De 2012. SPARKNOTES EDITORS. “SparkNote on 2001: A Space Odyssey.” SparkNotes LLC. Disponível em:<http://www.sparknotes.com/lit/2001/>. Acessoem: 17 de out. 2012. XAVIER, Ismail (Org.). A experiência do cinema. Editora Graal. Rio de Janeiro- RJ. Brasil, 1983. XAVIER, Ismail. O Discurso Cinematográfico: a opacidade e a transparência. 3° Ed. São Paulo, Editora Paz e Terra, 2005.
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