A Literariedade - Jonathan Culler

March 27, 2018 | Author: Quezia Santos | Category: Poetry, Literary Theory, Definition, Context (Language Use), Discourse


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1 A literariedade Jonathan Culler.Que é literatura? Esta pergunta, que parece impor-se como a pergunta base dos estudos literários e como o objeto primordial da teoria literária, pode ser compreendida de diferentes maneiras: em primeiro lugar, como uma pergunta sobre a natureza geral da literatura. Que tipo de objeto ou de atividade é a literatura? Para que serve? Por que estudá-la? Qual o seu lugar na diversidade das atividades humanas? Compreendida desta maneira, se trataria de uma pergunta não de definição, mas de caracterização, e isto porque interessaria a todos os que se ocupam da literatura e queriam saber porque se dedicar a esta atividade e não a outra. Mas o que é literatura? Também pode significar o que distingue literatura das outras coisas: o que é que a distingue dos outros textos, das outras representações? O que a distingue dos outros produtos do ser humano ou das outras práticas? Perguntar-se qual é ou quais são a ou as qualidades distintivas da literatura é colocar a pergunta da literariedade: qual é ou quais são os critérios que fazem de algo literatura? Apesar do caráter aparentemente central desta pergunta acerca dos estudos literários, temos de confessar que não se chegou a uma definição central de literariedade. Northrop Frye, em seu livro Anatomia da Crítica, tem razão quando declara que “não dispomos de verdadeiros critérios para distinguir um estrutura verbal literária de uma que não é” (1966,13). Há várias razões para isso. Se refletirmos um momento, nos damos conta de que há dificuldades de princípio assim como dificuldades empíricas. Existe uma imensa variedade de obras literárias e um romance determinado, por exemplo, Em busca do tempo perdido ou Jane Eyre, pode parecer-se mais com uma autobiografia do que com um soneto, ainda que uma poesia lírica de Burns, de Heine ou de Verlaine se pareça mais com uma canção do que uma obra de teatro de Sófocles. Assim, um primeiro problema consistiria em saber se existem propriedades interessantes que estão presentes em todas as obras que denominamos literárias e que as distinguem dos objetos não literários aos quais se parecem. Mas esta pergunta se torna mais difícil em uma perspectiva histórica, por puco que seja. Segundo um célebre perito em poesia, “a fronteira que separa a obra poética da que não é poética é mais instável que a fronteira dos territórios administrativos da China” (JAKOBSON, 1973, 114). Podemos pensar em alguns poemas modernos que em outras épocas não seriam considerado como literatura. Os talk poems do poeta norte-americano David Antin, por exemplo, manifestam um discurso que não pode ser mais comum, sem rimas nem ritmos, sem figuras especiais, e que possui todas as vacilações e repetições da fala cotidiana. Quando do auge do nouveau roman francês, muitos críticos e leitores achavam que essas construções sem personagens a sem as intrigas tradicionais tampouco podiam ser consideradas literatura. Esses textos não poderiam levar o nome de “romance” no século XIX. Nessas condições, poderíamos chegar à conclusão de que a literatura não é nada coisa além do que aquilo que uma determinada sociedade trata como literatura: quer dizer, um conjunto de textos que os árbitros da cultura – professores, escritores, críticos, acadêmicos – reconhecem que pertence à literatura. Esta conclusão não é muito satisfatória, mas nos servimos de outras categorias da mesma natureza mediante as quais os critérios de definição e delimitação dos objetos culturais nos remetem às opiniões mutáveis de um grupo, grande ou pequeno. Neste sentido, a literatura seria uma categoria como a das más ervas (Ellis, 1974). As ervas más são um simplesmente um tipo de plantas que uma sociedade não trata cultivar, mas sim de eliminar quando brotam em um lugar em que deve florescer outra coisa. De forma que não haveria qualidades de forma ou de fundo que as más ervas possuiriam. Não há nenhuma essência de “má erva” ou nenhum critério pertinente de delimitação. Aquele que se interessasse por esta categoria, o que teria de fazer não seria buscar a natureza botânica das ervas más, mas levar a cabo investigações históricas, sociológicas e talvez psicológicas, sobre as diferentes espécies de plantas que estão catalogadas com ervas más por grupos ou sociedades diferentes, sem por isso chegar a estar jamais seguro de encontrar um critério geral, nem sequer para uma época determinada. Se a literatura fosse uma categoria desse tipo, a literariedade não seria objeto de análise de um teórico, mas unicamente objeto de uma investigação histórica que pretenderia tornar explícitos os critérios utilizados por diferentes grupos que se interessam pela literatura. Mas em geral, as respostas às perguntas sobre a literariedade não se formulam desta maneira. As próprias dificuldades de definição e de delimitação inspiram e fazem que seja a psicologia. não porque queira saber que discursos querem excluir ou incluir na literatura. Roman Jakobson colocava o problema da seguinte maneira: “O objeto da ciência literária não é a literatura. utilizavam a vida pessoal do autor. mas a idéia moderna de literatura data de apenas dois séculos.2 mais interessante a reflexão sobre a natureza da literatura. publicadas a partir de 1759. teríamos de compreender o contexto que promoveu a pergunta sobre a natureza da literatura. mas porque se perguntam quais são so aspectos mais importantes da literatura porque querem determinar o que é estudar um texto como parte integrante da literatura. não porque se quisesse distinguir o que é literário do que não é. “Se os estudos literários querem se converter em uma ciência – declara Jakobson – têm que reconhecer o procedimento (priem) como o seu „personagem” único. em contrapartida. apontaram a literariedade (literaturnost) e formularam algumas das grandes linhas do debate sobre esse problema. Haja vista que nem uma nem outra implicam uma resposta historizante. o estudo da literatura não era uma atividade realizada de maneira independente: estudavam-se os poetas antigos ao mesmo tempo em que se estudavam os filósofos e os oradores – os escritores de todo tipo – e os escritos que chamamos literários formavam parte de um todo cultural mais vasto. 25). ou ainda como declaração filosófica é. é dizer o que faz de uma determinada obra literária”(1921. Até o século XIX. para o analista. grupo de jovens lingüistas e “poeticistas” de Moscou e Leningrado. a filosofia. 2) a dependência do texto as relações. mediante a separação do “peculiar” da literatura. Antes de fins do século XIX. mas porque se queria promover. convenções e seus vínculos com outros textos da tradição literária. concentrar sua atenção no uso de algumas estratégias verbais. Os críticos literários e os historiadores da literatura. Temos que considerar que a pergunta se colocou. com a fundação dos estudos especificamente literários que o problema do caráter distintivo da literatura se implantou. é necessário proporcionar previamente algumas indicações históricas. Estudar um texto como texto literário em vez de valer-se dele como documento biográfico e histórico. os que. o que é esta qualidade suscetível de definir o “literário”. Por um lado. postulava [Jakobson]. Assim. mas como instrumentos de orientação teórica e metodológica que trazem à luz os aspectos fundamentais da literatura e que finalmente orientam os estudos literários. Obras que denominamos literárias foram criadas há vinte e cinco séculos. que marca o estabelecimento do sentido moderno.11). pois. reflexão esta que é perseguida pelos teóricos. não porque queiram explicitar critérios que tenham regido as inclusões e exclusões de outras culturas ou momentos históricos. a palavra toma um sentido precocemente moderno que designa a produção literária contemporânea. inicialmente. não seriam essenciais em outras obras. como discurso fictício ou imitação dos atos da linguagem cotidiana. Depois. mas a literariedade. Em suma. Nas Briefe die neueste literatur betreffend [Cartas sobre a nova literatura] de Liessinga. a literatura e termos análogos em outras línguas européias significavam de uma maneira global “os escritos” e até o “saber livresco”. e 3) a perspectiva da integração composicional dos elementos e dos materiais utilizados em um texto. . estas duas respostas devem ser analisadas separadamente e detalhadamente. no início do século XX. Para explicar o que é literariedade. Embora coincidam em alguns pontos. Mas foi somente com a instituição da crítica literária e o estudo profissional da literatura que a pergunta sobre a especificidade da literatura. foram os formalistas russos. as definições de literariedade não são importantes como critérios para identificar aquilo que põe em evidência que há literatura [em um texto]. 1927. Portanto. O problema essencial consiste em encontrar particularidades específicas das obras literárias que sejam suficientemente genéricas (gerais) para manifestar-se na prosa assim como na poesia. Por outro lado. a pergunta principal é a da aplicação. Esta literariedade possui três características fundamentais: 1) os procedimentos do foregrounding (evidentes. Os formalistas tinham “como afirmação fundamental que o objeto da ciência literária deve ser o estudo das particularidades específicas dos objetos literários que os distinguem de outra narrativa” (Eichenbaun. a da justificação do procedimento. de primeiro plano) da própria linguagem. pode se estabelecer. ao que aponta é para determinadas propriedades da linguagem. É sobretudo o livro de Mme Staël. em vez de vislumbrar uma ciência literária. métodos de análises que permitiriam fazer avançar a compreensão deste objeto e deixar de lado os métodos impróprios que não levavam em consideração a natureza deste objeto. a literariedade se define em termos de uma relação com uma realidade suposta. e portanto da literariedade. a questão da literariedade serve para a atrair a atenção para as estruturas que seriam essenciais nas obras literárias e. De la littérature considerée dans ses reports avec les institutions sociales (1800) [Sobre a literatura considerada em relação às instituições sociais]. Foi. Finnicius Revém.” (Fleubert.. o relato é narrado por um cavalo e é por meio dele que os objetos tornam-se singulares graças a esta percepção inusitada e à tematização da linguagem e da interpretação: o narrador observa. Assim. As obras Le Voyeur (1955). “meu ar” e “minha água”. que as palavras “meu cavalo”. as repetições de categorias sintáticas que criam paralelismo. de Sarraute. de modo que o leitor não receba o texto como um simples meio transparente de comunicar uma mensagem.. por exemplo. ou. nem por sua afetividade. 32). a linguagem literária (obraz) que pretende criar uma nova percepção colocando o objeto em uma perspectiva insólita. (N. Até o romance realista serve-se de imagens novas para mostrar: “os tetos de palha. e Le Planetarium (1959). como Michel Butor. Tradução de Donaldo Schüler. em inglês e outras línguas. o nouveau roman 2 1 Finnegans Wake. Madame Bovary). uma linguagem figurativa que exige esforço de interpretação serve também para significar a literariedade. São Paulo: Editora Perspectiva. Campos. ISBN 85-273-0207-5. pela subversão dos processos tradicionais da narrativa. Haroldo de. Em Portugal. a assonância e a aliteração criam o efeito de um objeto muito estruturado como nos versos de Valéry: Dormeuse. / teu repouso terrível está carregado de tuas dádivas. um dos fundadores da escola de Praga que se situa na continuidade do formalismo russo. que produz a percepção dos signos enquanto tal. na sua solidez e pureza de conceito. as combinações insólitas de palavras. Há várias maneias de tornar perceptível a linguagem de.”1. o mais expandido da literariedade. característica da produção literária de romancistas franceses da década de 1950. Em outro plano a perspectiva realista eleita é o elemento que vai atualizar o efeito de desfamiliarização. tentando. tornaram-se exemplos bem aceites pela crítica desta tendência literária. de Tolstoi. entre os quais se encontram Nathalie Sarraute e Alain Robbe-Grillet. Pôr em evidência os signos lingüísticos e os meios de representação pode fazer da literatura uma crítica dos modelos semióticos mediante o costume que temos de fazer o mundo inteligível. publicado em 1939. nem por sua singularlidade. a eleição de estruturas não gramaticais ou aberrantes no plano semântico – são formas de “pôr em evidência” que se utiliza. archunsitslike. na sua escrita. (2001) Panorama do Finnegans Wake. contêm muitos dos fundamentos teóricos desta tendência. Com efeito. mas pela sua manifestação (aktualisace. regulares e irregulares. parecem-lhe tão estranhas como “minha terra”. na tradução brasileira. de Robbe-Grillet. Outros escritores. De modos vários. The onesomeness eas alltonely. a rima.. quando se referem a ele. Porto Alegre: Ateliê Editorial. Joyce. também designado por «anti-romance». como no início de Finnegans Wake: “Eins within a space and a wearrywide space it was wohned a Mookse. como gorros enterrados até os olhos. reunidos em Pour um Nouveau Roman (1963). O fim e o resultado desta forma de evidenciação é o que os formalistas russos chamam de desfamiliarização [estranhamento] (ostraniere) ou desautomatização da linguagem. O desvio ou aberração lingüística – a criação de neologismos. (1999) Finnegans Wake/Finnicius Revém. Os ensaios deste último escritor. Claude Ollier e Marguerite Duras foram também associados ao nouveau roman. nem por seu caráter metafórico. Além disso. o enredo e a subjectividade inerente ao trabalho do autor. mas que surja envolvido pela materialidade do significante e outros aspectos da estrutura verbal. pois.4). 1972. muitas vezes se toma como o elemento mais comum. os escritores do nouveau roman procuraram eliminar as personagens. a linguagem poética não se define por sua beleza. mas que se encontram também na prosa. and a Mookse he would walking go. e um dos grandes marcos da literatura experimental por ser escrito em uma linguagem composta pela fusão de outras palavras. fazem perceptível e linguagem em outros meios. Augusto de. nem por seu ornamento.] Os ritmos. 1o volume. buscando uma multiplicidade de significados. James. No plano do significante. todo tipo de estribilhos e de estruturas fechadas.. ISBN 85-85851-97-X. e se considera que expressam que se trata de um discurso bem construído em que cada detalhe deve ser levado a sério.T) . apresentar o mundo como uma «coisa em si mesma».3. Para o checo Mukarovský. construção “escalonada”) produzem efeitos herméticos. Isto se pode obter mediante o recurso a diferentes classes de paralelismos e de repetições.T) 2 Nouveau roman: Forma experimentalista. Ton repos redoutable est chargé de tels dons… (“La Dormeuse”) [Dormente cúmulo dourado e sombras e abandonos. Em Jolstemer. o formalista russo Shklovski declara que “a língua poética difere da língua prosaica (cotidiana) pelo caráter perceptível [oshchutimost] de sal construção” (Eichenbaum. aproximaram-se deste tipo de romance escritores como Nuno Bragança e Artur Portela Filho. amas doré d’ombres et d’abandons. As estruturas do relato (paralelismos. sobretudo.3 No que se refere ao primeiro ponto. Referências Campos. repetições e detalhes. foregrounding) (1977. broadyoval. na poesia. é o último romance de James Joyce. (N. em textos não literários. em parte. o caminho que regressa sobre si mesmo” (1919. Livre das delimitações do discurso cotidiano. que a mensagem não esteja destinada a nada mais. por exemplo. no tom e no movimento do poema. ou seja. 115). o contexto no qual se insere a mensagem é o contexto de um gênero literário. a mensagem seja emitida com seriedade por mim e vá destinada a ele pessoalmente. No ônibus escutam-se brincadeiras baseadas nas mesmas figuras nas quais a poesia mais sutil. de fazer do ato de linguagem que o texto pretendo cumprir (como o convite) um procedimento literário e situá-lo em um contexto de textos e de procedimentos literários. mas como o protagonista. históricos e práticos. o sujeito do discurso literário. de manhã.. No plano lingüístico. o texto nos conta uma aventura puramente literária (formal). Em contrapartida.T). uma visão dos valores que sustentam o modo de vida que se evoca. ou a de um discurso portador de um sentido oculto. Na realidade. o que mais importa é a estrutura das imagens e dos ritmos no texto. de um discurso polivalente.. o que é essencial é que. às afirmações de Jakobson para quem os estudos literários farão do procedimento seu personagem único: qualquer discussão que se centra na literariedade não considerará o procedimento como um meio de expressar uma mensagem qualquer. às seis da tarde. Não obstante. Shklovski fala da literatura como do “caminho no qual o pé sente a pedra. Se agendo uma entrevista com um amigo. a literatura destaca-se não só por figuras ou combinações insólitas. portanto. mediante os quais interpretamos o mundo quase sem saber. por exemplo – 3 eufônicos: que produzem sons harmoniosos (N. como também são as relações com outros convites emitidos por mim e por outras pessoas antes desta. Em um determinado nível. não está submetido a quaisquer fins utilitários. um certo lirismo do cotidiano. nos expomos a um importante obstáculo quando tratamos de limitar o efeito de literariedade de um texto à presença de um repertório de procedimentos lingüísticos. O próprio Jakobson reconhece que “as aliterações e outros procedimentos eufônicos3 são utilizados. antes de tudo.. no qual todos os sentidos de uma palavra (sobretudo as conotações) podem entrar em jogo. mas possui o que Kant em sua Crítica da razão denomina a “finalidade sem fim” (Zweckmässigkeit ohne Zweck). do poeta inglês Ben Johnson. pois todos esses elementos e procedimentos podem ser encontrados em outra parte. e que a hora e o lugar do encontra estejam fixados em referência a um contexto geográfico e temporal em que nos situamos. Assim. Esta liberdade é que põe em jogo algumas idéias mestras da literariedade: a idéia. pois. . pode constituir-se como estrutura autônoma ligada ao exercício da imaginação do autor e do leitor. Então temos de nos perguntar: o que faz aqui este encadeamento? Em que se converte o soneto? Em que consistem as combinações de imagens e quais são os seus efeitos? Em vez de tratar um elemento formal – a forma do soneto. a obra se refere a seus próprios meios. que consiste. Mas há uma ressalva a fazer em relação à literatura como desfamiliarização. Que quer dizer isto? Esta definição retoma em parte a noção tradicional de que o objeto estético tem um valor em si. em um café. nem de um exemplo gramatical.4 foi reconhecido por sua crítica aos modelos romanescos tradicionais. A forma da frase e as palavras específicas de que me sirvo são menos importantes.” (1960. quer dizer. em utilizar fórmulas que perderam sua força inovadora: “the azure vault of heaven” [“a abóbada azul do firmamento”] percebe-se de imediato como literário porque o emprego do adjetivo ativa no leitor a idéia da literatura enquanto enunciação elegante e perifrástica de sentimentos elevados. em um poema como “Convidando um amigo para jantar”. tais como os de personagem e os do princípio de causalidade. Dizer “quarenta velas” em vez de “quarenta navios” é uma figura literária convencional. de fato. a obra literária situa-se de outra maneira (como veremos mais adiante) e pode produzir ambigüidade. mas também pela linguagem “elevada”. e os boatos freqüentemente estão compostos de acordo com as leis que regem a composição das narrativas curtas. do que se desprende. o que se produz é todo o contrário: aqui. Cada língua possui algumas palavras e convenções que pertencem a uma linguagem arcaica e elevada e que indicam que têm a ver com a literatura.. que não se trate de uma brincadeira. pela linguagem falada no cotidiano. . a evidência da linguagem em um texto literário é uma maneira de desprendê-lo de outros contextos (do momento e as circunstâncias práticas do enunciado). mesmo quando a paródia ou destruição desta mesma linguagem seja também discurso literário. Voltamos agora. mas como uma relação específica com outros elementos constituintes da situação lingüística. 353). A obra na está dirigida a um fim. contemplamos mais de perto a noção a função poética da linguagem como o tom da linguagem por sua própria conta. mas isto não quer dizer que careça de determinações. indireto e complementar. da mesma forma que a poesia tem tratado muitas vezes de romper as associações que considera “normais”. Não se deve compreender tal coisa como uma autonomia. que seria o sentido mais importante. as repetições de sons e de estruturas rítmicas Produzem aproximações nos níveis semântico e temático: Les sanglots longs Des violons De l’automne Blessent mon caeur D’une langueur Monotone [Os grandes soluços/ Dos violinos/ Do outono/ Ferem meu coração/ com uma languidez/ Monótona. Mas é pouco freqüente encontrar um só motivo que encarne a literariedade deste modo. Neste contexto. sintática ou semântica) e para o leitor. Na “Chanson d’automne”. 1973. Em um poema. São os três níveis ou os tipos de integração que devemos contemplar. a forma da obra está determinada pelas formas literárias preexistentes. melhor dizendo. Shkolovski demonstra que “a convencionalidade mora no miolo de toda obra. Ali onde domina a ficção poética da linguagem. o contexto como o contexto específico da literatura. em conseqüência. Esse aspecto da literatura se põe em evidência de . 145). 1931) e a que. os soluços e talvez os ventos violentos que podem gemer como violinos. de Verlaine. 118). A integração em segundo nível é a da obra de arte completa: a convenção pela qual a obra literária há de ser um todo orgânico (Ingarden. a idéia de uma relação entre a languidez da estação.5 como um meio para expressar a visão de um amante. que escolhe e reúne os elementos em virtude de qualquer similaridade (fonológica. “a similaridade se converte no procedimento constitutivo da seqüência” (Jakobson. por exemplo. É. As comparações criam a idéia. é uma das noções fundamentais da literariedade. de um outono relacionado com os violinos. na forma de minha mensagem se pode ignorar uma assonância. por oposição. escrever é inscrever-se na tradição literária. Este aspecto da literariedade. significa em vários níveis de análise. 358) – procedimento constitutivo no momento para o autor. visto que há repetições e aberrações também em outros textos. em outros discursos não têm função alguma. isto nos ajuda a ver o papel das estruturas lingüísticas e retóricas que tratamos anteriormente em nossa análise da literariedade como evidência da linguagem. Constatamos que o foregrounding [primeiro plano] apenas pode chegar a ser um critério suficiente do literário. inclusive confrontá-los. Os formalistas russos falam da “dominante” que se apresenta em forma de um elemento ou de uma estrutura unificadora (às vezes uma figura. que tende a isolar o texto dos contextos práticos e históricos da sua produção. morfológica. Em suma. Toda obra literária se cria em referência e em oposição a um modelo específico que fornecem outras obras da tradição. mas porque está vinculado a uma situação de comunicação peculiar. o sabor da interpretação consista em buscar e demonstrar essa unidade. Precisamente porque o texto literário não é um discurso que comunique informações práticas. e tem-se que explicar as obras de acordo com esta única perspectiva. 1960. As obras estão determinadas por estruturas convencionais – por exemplo. O essencial é que se suponha esta unidade e engendre um esforço para perceber como um momento ou um elemento do texto pode relacionar-se com outros.] O resultado desta estruturação – efeito propriamente literário – consiste em fazer funcionar a capacidade da linguagem para produzir pensamento. Como indicamos. À medida que a literatura. posto que as situações estão livres de suas relações cotidianas e se determinam segundo as leis de uma trama artística dada!” (1911. é um comentário ou uma reflexão sobre a literatura. que deve considerar em que medida uma espécie de equivalência se transforma em outra. Em um primeiro nível está a integração das estruturas ou das relações que. e criar uma estrutura de conjunto. Quando marco um encontro. transforma-los. pode-se contemplar este conteúdo como o meio de explorar ou de fazer avançar ou desviar o soneto. qualquer paralelismo coloca a questão das relações semânticas entre seus componentes. o estabelecimento de uma interdependência funcional e unificadora de acordo com as normas da tradição do contexto literário – o que caracteriza a literatura. os procedimentos para estabelecer a intriga. uma aliteração ou um paralelismo. a primeira classe de integração é a produção de efeitos semânticos e temáticos mediante estruturas formais. em seus vínculos com outros discursos literários. como o quiasmo) localizável em todos os níveis (Jakobson. redefine. o modo de integração destas estruturas – é dizer. na qual reina a convenção da importância dos detalhes e das estruturas lingüísticas. Mas é a presunção de unidade – este segundo nível de integração – que faz que surjam as dissonâncias e se produzam muitos efeitos literários deste gênero.wikipedia. Um exemplo célebre: o verso do poeta norte-americano Archibald Macleish. sobretudo na primavera. através disso. Na realidade. conta algo interessante sobre sua própria atividade significativa. a natureza da linguagem e dos fenômenos culturais exige essa alternância de perspectivas: só em relação a um conjunto de convenções. por exemplo. e nisto. Isto não quer dizer que se explique o texto inteiramente ou se domine plenamente: pelo contrário. em um o outro nível. as lacunas do poema acabam funcionando como signos da ausência. Por uma parte. declara um ilustre representante do New Criticism4 norte-americano (Brooks./ Too long…/ Gongola… [Primavera…/Muito tempo…/Gongola…] As convenções da literariedade incitam os leitores a conferir uma totalidade formal a este texto e a outorgar uma significação às “ausências” que se revelam nele. em um ou outro nível.org/wiki/New_Criticism (N. Não obstante. Rompe com biografismo da crítica de então.T) . Estas duas perspectivas não são de modo algum idênticas. implicitamente (por causa de sua situação de comunicação adiada). com os gêneros literários. Se se toma um fragmento de prosa periodística e se dispõe em uma página em forma de poema. mas a suposição da unidade faz que apareçam tensões e até contradições entre os elementos ou entre as estruturas em diferentes níveis. contrapõe ser e significar e.. nem tampouco se pode supor que estejam em contradição. é como uma série de marcas ou uma seqüência sonora estão dotadas de propriedades.3): a literatura. da carência. freqüentemente citado pelo New Criticism. A linguagem da poesia procura os meios para o questionamento de proposições simplistas. a literariedade é um tipo de reflexividade. com os códigos e modelos pelos quais a literatura permite aos leitores interpretar o mundo. essa perseguição do absoluto literário é de certa maneira o fracasso (Blanchot.6 maneira surpreendente em textos de aparência fragmentária que exigem um esforço especial do leitor. Neste sentido. o texto literário oferece sempre um comentário sobre uma leitura implícita (Iser. 1972) ou pode se interpretado como uma alegoria da leitura. Colhida em: http://pt. 1979). 1947. a obra significa muito em relação ao contexto literário: em sua relação com os procedimentos e convenções. de Ezra Pound. Em um terceiro nível de integração. but be” [“Um poema não deveria significar mas ser”]. A possibilidade de ler um texto literário como uma reflexão sobre sua própria natureza e sobre a natureza da literatura. mas que são uma função das novas convenções que se aplicam a ele: 4 O New Criticism é um movimento inicial da teoria literária surgido nos anos 20 nos Estados Unidos. Ele propõe a separação do texto e do autor a fim de que o texto que seja objeto em si mesmo. um discurso que. consiste em três versos fragmentários: Spring. se trata de definir a relação entre as dimensões constatativas e performativas do texto – a relação entre o que ele diz e o que ele faz -. faz da literatura um discurso auto-reflexivo. Se tomamos “Gongola” como um nome próprio e se supomos uma relação entre Gongola e o que fala.. . está claro que a noção de literariedade é uma função das relações diferenciais do discurso literário e de outros discursos. 1955). “Papyrus”. Por isso dizemos que se enquadra na Corrente Textualista dos estudos literários. as investigações recentes indicam que há sempre aspectos do funcionamento do texto que escapam à reflexão ou à definição. Quando. Não é que sempre se encontra a unidade que se busca. faz que se sinta até que ponto toda a redução a uma posição ou a uma visão monológica baseia-se em simplificações. leitura analítica e minuciosa do texto preconizada por Elliot. significa: faz que se veja que a oposição entre ser e significação é mais complicada do que se supunha anteriormente. mediante o jogo das conotações e a apresentação irônica dos discursos (os discursos do cotidiano e os discursos da literatura anterior). esta é uma crítica da literatura – da noção de literatura que ele herda-. essa alternância de perspectivas cria problemas para uma delimitação da literatura. vemos surgir algumas qualidades que estão no texto. “A poem should not mean. “A linguagem da poesia é a linguagem do paradoxo”. uma reflexão sobre as dificuldades da interpretação (De Man. o tema profundo da literatura sempre é a impossibilidade da literatura. Um dos conceitos mais conhecidos destes teóricos é o Close Reading. Mas para voltar às formas mais familiares que traduzem a prática mediante a qual os autores buscam renovar e fazer progredir a literatura. mais que uma qualidade intrínseca. é freqüente tropeçar em dificuldades. mas rejeita também a análise literária a partir de contextos sociais ou culturais. O atual debate sobre literariedade oscila entre uma definição das propriedades dos textos (da organização do texto) e uma definição das convenções e pressupostos com os quais se aborda o texto literário. Neste nível. mas um sujeito criado no e pelo poema: “J‟ai plus de souvenirs que si j‟avais mille ans”5. mas com todos os “ontens” e. põem a tônica em uma relação particular do discurso com a realidade: estas proposições referem-se a pessoas e acontecimentos imaginários mais que históricos. Precisamente porque isso é possível. se poderia na eleição do tema um comentário sobre o lirismo hoje. representada por velhos lemas como a fórmula de Sir Philip Sydney segundo a qual “o poeta não afirma nada e portanto não mente”. o papel constitutivo no funcionamento da psique de uma lógica da significação mais diretamente observável na poesia. “Lançou-se” adquire uma nova força. um “eu” de um poema não designa tampouco um indivíduo empírico em um dado momento. terrestre/celeste. don Quixote e Hans Castorp não existam. em conseqüência. Os estudos de Sigmund Freud e de Jacques Lacan demonstraram. Estas interpretações literárias são o resultado de uma orientação crítica que contempla esse discurso como se fosse literatura. encontram-se também em outros discursos. Mas estas observações não minimizam a importância dos esforços para definir as relações da literatura com a realidade. como se o carro tivesse vontade própria. “I Like Ike” [Eu gosto do Ike]: há aqui uma repetição paronomástica muito acentuada na qual o sujeito do gosto e o objeto do gosto estão inteiramente envoltos pelo ato de gostar (Like contém I e Ike). Enunciados que pertencem à lingüística e à filosofia põem em cena personagens fictícios – Le roi actuel de la France est chauve. conota um acontecimento freqüente. Esta constatação seria desesperante se o objetivo das investigações sobre a natureza da literatura consistisse unicamente em distinguir a literatura do que não é. “Ontem” já não se relaciona somente com uma data. (Genette. mas à medida em que a finalidade consiste em identificar o que é importante na literatura. a busca da literariedade nos mostra até que ponto a literariedade pode iluminar outros fenômenos culturais e revelar mecanismos semióticos fundamentais. Não é [dizer] unicamente que Anna Karenina. até quando não se trata esse discurso como se fosse literatura. como se fosse inevitável. lógica que se parece com o jogo de oposições (macho/fêmea. é necessário refletir sobre o que é literariedade.7 Hier sur la Nationale sept Une automobile Roulant à cent à l’heure s’est jeteé Sur un platane Ses quatre occupants ont été Tués.] Os diversos dados mudam de aspecto. situações e acontecimentos imaginários. inscrito até na língua. Claude-Levi Strauss descreveu uma lógica do concreto que atua nos mitos e no totemismo. não extraordinário. Em outro nível. por exemplo.357). a filosofia e a história . É como se cada procedimento e cada espécie de estrutura que poderiam parecer essencialmente literários. na estrada nacional sete. 150) [Ontem. A ficcionalidade não se limita a personagens. Jakobson mesmo cita como exemplo da função poética da linguagem um lema norte-americano da campanha presidencial de Eisenhower em 1954. se constata que estes tipos de organizações encontram-se em outros discursos.têm encontrado uma certa literariedade em fenômenos não literários. Temos que observar que em toda uma série de investigações teóricas atuais – em campos tão diferentes como a antropologia. Este caminho não consegue captar o critério distintivo da literatura haja vista que no discurso há outras instâncias da ficção.a psicanálise. sol/lua) da temática literária. 1969. em que a tragédia adquire esta forma banal. cada vez que se identifica uma certa literariedade. A outra concepção da literariedade. . moreno/loiro. João está ansioso por agradar] – como fazem toda parábola e todo cenário hipotético. e se escuta o “esmagamento” do plátano./Um automóvel/ A cem por hora lançou-se/Contra um plátano/Seus quatro ocupantes foram/Mortos. Mas. por outro lado. O estilo de reportagem e a escassez de detalhes podem inclusive indicar uma atitude de resignação. Jacques Derrida mostra a centralidade inquestionável da metáfora no discurso filosófico. o primeiro 5 SPLEEN Eu tenho mais recordações do que há em mil anos. que “I like Ike” (1960. John is eager to please [O rei atual da França é calvo. O novelista “faz crer que escreve uma biografia. . em vez de dizerem que a obra se refere a um mundo de ficção. em um romance. diários. histórias e até coleções de cartas. . que conta feitos etc. a obra literária é imitação de um ato de linguagem “sério”. Esquecida no mapa. 1978. Os romances seriam as instâncias fictícias de diversos tipos de livros . mas o que faz é fabricar uma” (Smith. é o ato de narrar os acontecimentos. Nada iguala o arrastar-se dos trôpegos dias. Neste sentido. as condições de trabalho dos trabalhadores das minas. A dormir nos confins de um Saara brumoso. Como ato de linguagem. e cujo áspero humor Canta apenas os raios do sol a se pôr.crônicas. a obra literária é um acontecimento semântico: projeta um mundo imaginário. É uma pirâmide. Sou como um camarim onde há rosas fanadas. Quando. 6 Observamos uma situação peculiar na qual os teóricos da literatura ou da literariedade como ficção definem a literatura como imitação de um discurso não fictício. pelas promessas que fez. Mas esta concepção de literatura como ficção não é de todo exata. O tédio. Em meio a um turbilhão de modas já passadas.8 verso de “Spleen” de Baudelaire. 1978. 30). A inteligibilidade da história não dependerá da uma causalidade científica.81). como remorsos. querem dizer que o ato de referência é em si fictício. O romance representa o ato de alguém que descreve.br/edterranova/baudelapoe76. “A ficcionalidade essencial das obras literárias não se há de descobrir na ausência de realidade dos personagens. O teórico espanhol Martinez-Bonati vai mais longe que os signos chamados lingüísticos de uma obra na realidade são imitações fictícias. mas na verdade fabrica Uma cômoda imensa atulhada de planos. A mimese da literatura não consistiria tanto na imitação dos personagens e dos acontecimentos como na imitação dos discursos “naturais”. etc. Assim. não é uma proposição sobre o Charles Baudelaire que escreveu Flores de Mal.com. Com grossos cachos de cabelo entre as faturas. mas na realidade do próprio ato de referência” (Smith. Smith entende que ao escrever A Morte de Ivan Ilich Tolstoi “faz crer que escreve uma biografia. Há romances que efetivamente “nos levam a crer” que são biografias ou coleções de cartas. E jazigo não há que mais mortos possua. vermes atrevidos Andam sempre a irritar meus mortos mais queridos. mas da maneira que os elementos do relato se sucedem e se vinculam para formar um todo segundo os modelos do gênero literário. o sentimento de ciúmes de um menino mimado etc. dos atos de linguagem “sérios”.htm em 16/3/2006. ou que põem em cena um personagem que simula contar sua vida. objetos e acontecimentos aos quais se referem. a ficção se entende em relação com o “discurso natural” ou não fictício o qual imita6. sob o rigor das brancas invernias. cartas de amor. 11). Para expor melhor as implicações desta ficcionalidade. Onde os tristes pastéis de um Boucher desbotado Ainda aspiram o odor de um frasco destampado. Guarda menos segredos que o meu coração.Doravante hás de ser. Este é outro exemplo de um campo em que os discursos literários funcionam segundo estruturas e procedimentos que se manifestam mais explicitamente na literatura. alguns teóricos. por exemplo) mostram que temos de compreendê-los em relação ao discurso literário. Assume as proporções da própria eternidade. biografias. ó pobre e humano escombro! Um granito açoitado por ondas de assombro. de descrever os personagens e de referir-se aos lugares é que é fictício. e não verdadeiramente lingüísticas. Onde. um fantástico porão. romances escrituras.Eu sou um cemitério odiado pela lua. memórias. Uma esfinge que o mundo ignora. ma na maior parte dos casos o texto literários. descuidoso. dos signos propriamente lingüísticos (1981. Fonte: http://geocities. a batalha de Waterloo. Por esta perspectiva.yahoo. . a ficcionalidade não é de modo algum a qualidade essencial que distingue um romance de uma biografia. e os analistas dos discursos não fictícios (o relato da Historia. taciturno exílio da vontade. Versos. na qual o locutor é responsável pelas proposições que emite. Podemos então dizer que a obra se refere mais a um mundo possível entre vários mundos possíveis do que a um mundo imaginário. posto que as obras literárias também põem em cena realidades históricas e psicológicas – Napoleão. que abarca os narradores e os leitores implícitos. Tradução: Manoel Francisco Guaranha. naturalmente vemos o mundo segundo o seu ponto de vista. Mary Louise Pratt. que se opõe à idéia de uma linguagem literária distinta. Martinez-Bonati refere-se também a modos de discurso da ficção que não são a imitação de um ato cotidiano supostamente “real” (1981. Mas em literatura. complexo. contar uma história. Käte Hamburger (1968) distingue a literatura dos demais discursos pela capacidade que ela tem de apresentar um mundo. Nesta classe. Quando o relato literário parece que não obedece às regras da comunicação eficaz. por exemplo. Ilich está escrito em terceira pessoa e. mas um ato de linguagem específico como. às vezes decidimos [coisas] muitos apressadamente que os detalhes e as digressões do relato que alguém nos faz não são pertinentes e que nosso interlocutor viola o princípio da cooperatividade. em particular. Em suma.9 uma”. se relaciona com condições específicas. não encontramos um critério distintivo o suficiente que possa definir. aqui. Marc et alii. e nos quais se consideraria que o destinatário reconhece que a pertinência do relato não está nas informações que este propõe. você) estão definidos em relação a uma subjetividade (do personagem) que está situado no passado ma no presente da enunciação. lá. ensino – que criam. há boas razões para supor que a literatura não é uma imitação fictícia dos atos de linguagem não fictícios e “sérios”. pois em literatura até a impertinência dos detalhes pode ser um componente significativo da arte. Em nossas relações cotidianas. Madrid: Siglo veintiuno editores: 1993. a partir do ponto de vista de um personagem que está representando em terceira pessoa. . Teoria Literaria. 36-50. qual é a relação entre estes atos de linguagem do relato literário e dos relatos não literários? Pergunta essencial para uma literatura vinculada à ficcionalidade. Por este caminho chegamos a uma conclusão que já foi abordada no princípio de outra forma: que o discurso literário para possuir condições de enunciação diferentes de outros atos lingüísticos. Mas quais são essas condições e. pressupõe-se que nosso interlocutor se coloca em uma atitude de cooperação e que sua resposta será pertinente com respeito à questão proposta (se me convidam ao cinema e eu respondo “faz um bom dia”. O indício desta literariedade é um tipo de frase propriamente literária. 104). na qual os elementos dêiticos (manhã. Tolstoi vale-se de procedimentos que seriam ilegítimos em uma biografia e que são próprios do romance. In ANGENOT. “um princípio de cooperatividade hiperprotegida” [hyper-protected cooperativa principle] e permitem ao leitor acreditar que podem resultar dele uma comunicação interessante. os relatos literários se beneficiam dos mecanismos da seleção . Isto não quer dizer que tenhamos resolvido o problema da literariedade. “Morgen war Weihnachten” [Amanhã era natal]. é que está a serviço de uma comunicação diferente e indireta. crítica literária. no sentido de que pressupomos a pertinência e o valor dos momentos obscuros. vemos que uma discussão sobre a ficcionalidade dos atos literários de linguagem nos levam a essas pressuposições da literariedade que nos fazem buscar e encontrar na obra uma organização complexa e intensa da linguagem. o princípio de cooperatividade nos autoriza a encontrar a pertinência dessa resposta). classe que abarcaria a todo relato de acontecimentos apresentados como insólitos.edição. destinados a divertir. Assim. anormais e digressivos. ontem. interessantes. incluída a experiência anterior. o que distingue A Morte em Veneza do relato da morte de um homem mais velho que desejava um rapaz é sobretudo que temos boas razões para supor que o primeiro relato será mais rico. insiste na importância que teria contemplar as narrações literárias como membros de uma classe de “textos narrativos de exibição” [narrative display texts] . 148). temos que notar que se pressupõe uma cooperação que sustenta e faz possível a comunicação comum: assim. frente a estes relatos. e seguimos o ponto de vista do protagonista no momento de sua morte. terá uma unidade e demais propriedades da literariedade das quais nos ocupamos anteriormente. “valerá a pena” ouvi-lo ou lê-lo. o que significa simplesmente que todas as buscas que procura isolar os elementos e as convenções determinantes para produzir literatura coincidem e propõem juntas meios importante para os estudos literários. embora ao contrário Tolstoi não simula nada. Para compreender este princípio de cooperatividade. mas no fato de que seja “contável” [tellable] (1977. Longe de fabricar um escrito que pareça uma biografia.Teríamos que acumular uma imensa soma de incompreensões e de frustrações frente a um texto para que podermos decidir que não há solicitação de comunicação cooperativa. em geral. pp. Portanto. este princípio está “hiper-protegido”.
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