A irrelevância prática da agricultura familiar para o emprego agrícola_Claus Germer

March 29, 2018 | Author: Lucas Turmena | Category: Capitalism, Economics, Market (Economics), Agriculture, Capital (Economics)


Comments



Description

Resumo O conceito de agricultura “familiar”, na versão norteamericana atualmente predominante no Brasil, é meramente descritivo e teoricamente inconsistente, embora remetaao problema teórico relevante da interpretação das formas de produção presentes na agricultura capitalista desenvolvida. Sugere-se alguns elementos essenciais à sua abordagem teórica, formulando a noção da produção “familiar/assalariada” como forma incompleta de produção capitalista. Demonstra-se a irrelevância do modelo “familiar/assalariado” para o emprego agrícola, pois a sua dominância provoca desemprego e êxodo rural em escala idêntica à grande agricultura empresarial, sendo equivocada a adoção, pelas organizações de trabalhadores rurais, de um modelo agrícola baseado na produção “familiar”. Abstract The north-american version of the concept of “family” agriculture, presently dominant in Brazil, is merely descriptive and theoretically inconsistent, although relating to the relevant theoretical question of interpreting the forms of production present in advanced capitalist agriculture. Essencial elements to its theoretical analysis are suggested, introducing the notion of “family/salaried” production, as an incomplete form of capitalist production. The irrelevance of the “family/salaried” model to agricultural employment is demonstrated, since its dominance generates unemployment comparable to the large agricultural enterprise. Thus, it would be a mistake for agricultural workers’ organizations to adopt a “family” model of agricultural production. A irrelevância prática da agricultura “familiar" para o emprego agrícola1 1. Introdução Este artigo inspira-se na recente difusão, na literatura brasileira sobre a agricultura, da versão norteamericana da noção popular de agricultura “familiar”, que substituiu a versão de origem chayanoviana, anteriormente mais utilizada. Procura-se, em primeiro lugar, indicar a correspondência entre esta sucessão de representações e as grandes etapas do desenvolvimento capitalista da agricultura brasileira. Em seguida, empreende-se a crítica teórica da versão norteamericana, apontando o seu caráter convencional e destituído de fundamento teórico, e a sua irrelevância prática como base de uma proposta de política de desenvolvimento agrícola para o Brasil. Neste sentido, demonstra-se que mesmo o modelo denominado “familiar” provocará, no Brasil, a expulsão da imensa maioria dos atuais pequenos agricultores e assalariados rurais. Finalmente, apresenta-se os elementos de uma interpretação teórica alternativa, que exige a retomada do já longo debate sobre a natureza precisa da questão agrária no capitalismo. O caráter polêmico desta discussão é inevitável, mas o seu objeto é extremamente relevante. Mesmo que se possa lamentar a feição aparentemente inconclusiva do debate sobre o tema, no aspecto teórico, isto não se resolve substituindo-o por uma abordagem baseada na mera constatação de evidências empíricas unilaterais e na descrição da sua evolução histórica, mas destituída de sentido teórico. A recusa em discutir o caráter social definido do processo produtivo agrícola recai sempre em explicações ad hoc do predomínio da produção “familiar”, seja dando ênfase aos aspectos técnicos próprios da agricultura - que em nada afetam o seu caráter social -, ou na preferência ideológica ou cultural, entre outros. 1 GERMER, C.M. (2002). A irrelevância prática da agricultura ‘familiar’ para o emprego agrícola. Reforma Agrária, v. 31, nº 1, jan/abr, pp. 4762. com o qual eles se parecem no aspecto exterior -. O protótipo do produtor familiar chayanoviano é o camponês semi-independente na transição entre o feudalismo e o capitalismo. tanto que também é frequentemente denominada “empresa familiar”. utiliza principalmente o trabalho da própria família. o enfoque teórico marxista na análise da questão agrária. em ascenção após a independência deste país.ou esperança utópica . há uma noção popular. segundo se postula. Isto é. e de certo modo é seu oposto: a virtude do produtor “familiar” chayanoviano consiste em resistir à transformação inovadora do capitalismo. portanto. Esta concepção desenvolveu-se basicamente nos países europeus continentais. pois ingenuamente associa os pequenos agricultores brasileiros à imagem chayanoviana do produtor familiar tradicional . nem é concebida como estando em choque com a expansão do capitalismo. a partir dos anos 70. o conteúdo do conceito norte- americano atualizou-se. 1969). em particular na França e na Polônia. É essencial enfatizar a evolução sofrida pelo conceito. de modo assistemático. e a ela sobrepõe a imagem do moderno farmer norte-americano . aspectos dos dois enfoques mencionados acima. a sua sobrevivência e expressão econômica são atribuídas precisamente à sua capacidade de acompanhar o desenvolvimento dos padrões técnicos e econômicos do sistema capitalista (Nikolitch. nas últimas décadas. Não se atribui a sua existência a características de tipo não-capitalista. nos EUA. o pequeno industrial inovador e assim por diante. no pensamento crítico brasileiro. no Brasil. Ao contrário do conceito chayanoviano. O culto da produção “familiar” é.segundo a qual os atuais pequenos agricultores tradicionais poderiam ser preservados no interior do capitalismo. presente principalmente no movimento sindical brasileiro vinculado aos pequenos agricultores e trabalhadores rurais. situação característica da agricultura russa no fim do século XIX. A segunda linha baseia-se em uma tradição originada nos Estados Unidos. entre os quais destaca-se Nikolitch.que eles sonham ser. Sobre as origens do conceito de “agricultura familiar” Até o início da década de 70 foi bastante influente. Além destes enfoques formalizados. que tendia a encarar a agricultura como espaço de uma produção “familiar” entendida como um tipo de organização produtiva dotada de uma lógica própria e por isto capaz de resistir à transformação capitalista. de dois pontos de vista diferentes e em certa sequência cronológica. uma linha de interpretação na tradição de Chayanov. Não se identifica. acompanhando a evolução das bases tecnológicas e financeiras da produção capitalista na agricultura. o homem da fronteira. Sinteticamente. desde que apoiados por uma política agrícola adequada. representado na agricultura pelo farmer. deles derivada. um culto ao pequeno capitalista da fase heróica do capitalismo e uma expressão do radicalismo liberal pequeno-burguês que está presente desde o início da colonização norteamericana. sendo depois substituído crescentemente por teorias calcadas na hipótese da predominância da chamada produção “familiar”. Esta linha de interpretação é representada pelos autores norte-americanos que. cujo contéudo se cristalizou na figura historicamente ultrapassada do camponês semi-feudal. Isto é. O chamado produtor “familiar” representava o pequeno empreendedor ousado. ela existe por ser uma empresa capitalista mais eficiente que outras na agricultura.2.melhor seria dizer “mito”que tem em mente grande parte dos sindicalistas rurais quando pensam e falam em . De certa maneira esta noção acolhe. desenvolveram a análise da agricultura norte-americana centrada na categoria da produção ou empresa “familiar”. Embora não tenha expressão teórica nem prática relevante. na realidade. mas com menor custo social. teoricamente. com as idéias de Chayanov. pois a corrente norte-americana define a produção familiar explicitamente como uma produção capitalista. representada pela suposição . pode-se dizer que a agricultura “familiar” foi focalizada. em que o produtor “familiar” era visto como uma espécie de protótipo do pequeno capitalista arrojado. mas ao grande (e pequeno) fazendeiro capitalista que. Em primeiro lugar. Pelo contrário. é provavelmente este “modelo” . ao passo que a do norte-americano é de promovê-la. a imagem ideológica do produtor designado pela expressão “familiar” evoluiu tecnica e economicamente e hoje não mais corresponde à figura do pioneiro aguerrido. tecnologicamente atualizado. Esta sequência de teorias corresponde. Assim. Isto significa. Todavia. ao modo pelo qual a sequência evolutiva da agricultura brasileira se refletiu nas percepções que delas elaboraram os pesquisadores. mas a manutenção da família. a modernização tecnológica e econômica da agricultura brasileira só se tornou contundente no início dos anos 70. a virtude da produção “familiar” provem de dispensar o lucro. constituindo a base material necessária para a difusão acadêmica. ao lado do pequeno produtor tradicional há um novo tipo de produtor “familiar” no Brasil. na linha norte-americana. da produção capitalista. e é com base neste mito que assessores bem (outros talvez mal) intencionados exploram a boa-fé deste público. paralelamente ao surgimento do capitalista agrícola do tipo farmer. pois implica que todos os pequenos agricultores atuais poderiam transformar-se em prósperos ‘farmers’. de modo que os pequenos agricultores brasileiros podiam ser identificados a tipos não capitalistas com base na pequena expressão do trabalho assalariado. em particular. e além disto a expressão numérica do proletariado rural não é pequena (Germer. a grande propriedade exportadora tradicional renovouse tecnica e economicamente e manteve a antiga hegemonia da produção em grande escala. embora capte uma parte da realidade agrária brasileira. Portanto.“agricultura familiar”. as versões do tipo chayanoviano pareciam ter certa correspondência com a situação brasileira. principalmente devido à sua capacidade de combinar alta eficiência técnica com a aceitação de uma taxa de lucro eventualmente menor. na complexa estrutura agrária brasileira atual são mais expressivos o grande empresário capitalista (renomeado para “patronal”) e o proletário agrícola típicos. pode-se dizer que o enfoque europeu da questão agrária baseada na superioridade da produção “familiar” predominou. Os dois primeiros enfoques diferem frontalmente. Finalmente. no Brasil. as concepções dos dois modelos são opostas: no primeiro. A agricultura capitalista . da versão norte-americana da produção “familiar”. precedida por um longo período de crise da agricultura exportadora tradicional e de multiplicação de formas da pequena produção agrícola mercantil em bases tecnológicas tradicionais. tanto em termos da tecnologia quanto do tipo de produto. o faz apenas parcialmente e com uma conotação ideológica inconfundível. A diferença essencial entre ambos é que o primeiro nega que a própria produção agrícola tenha caráter capitalista. Consequentemente. da capacidade de gerar lucro. sem que uma parte expressiva tivesse que ser expulsa da agricultura. tradicionais. ao contrário. Com o surto econômico e tecnológico agrícola a partir do início dos anos 70 tanto a pequena produção quanto a grande produção exportadora. 3. Os pequenos agricultores brasileiros. 1994). a produção “familiar” possui caráter nitidamente capitalista. que a produção “familiar” resiste à competição da produção capitalista porque não tem como motivação básica a obtenção do lucro. foram ofuscadas pela expansão de uma forma de produção capitalista próxima do farmer norte-americano. Mais que isto. são induzidos a lutar por um objetivo ilusório e impossível de ser alcançado. Portanto. Para o enfoque norte-americano. parecendo mais coerente com a nova realidade dizer. embora se adapte ao capitalismo. em certa medida. no Brasil. mas nunca nula. ao qual não se pode associar a noção chayanoviana. ela seria a forma mais típica de produção na agricultura capitalista desenvolvida. durante os anos 70/80. que o novo produtor agrícola moderno é um capitalista “familiar”. ao adotarem tal enfoque. mas ambos pressupõem que a agricultura “familiar” está imersa em um sistema capitalista e subordinada a ele. enquanto o enfoque “norte-americano” passa a prevalecer a partir do início dos anos 90. Assim. a partir dos anos 70. nas suas motivações e resultados. não existiam ou não se destacavam no cenário. mas com base no trabalho assalariado. e no segundo. Ela continuaria tendo um caráter “familiar” no sentido de ser qualitativamente diferente. a noção norteamericana. O grande capitalista agrícola moderno típico. assim como o proletariado agrícola típico. Portanto. com tecnologia avançada e elevada produtividade do trabalho. estas expressões designam não a agricultura. em contingentes geralmente numerosos. segundo a interpretação mais difundida das evidências disponíveis. também emprega assalariados. Tanto o termo “patronal” quanto o “familiar” são teoricamente inadequados.para fins de discussão . i) Produção tipicamente "empresarial desenvolvida" capitalista ou apresentando as mesmas tendências gerais do capitalismo. pois os resultados da predominância de um ou outro tipo de empresa são essencialmente idênticos. como é costume. uma estrutura produtiva “empresarial/familiar”.em particular como causa de acentuada redução do nível de emprego na agricultura -. que é capitalista. o mais importante é que são de gestão profissionalizada e de trabalho coletivo.que a constituem. seria mais correto denominá-las “empresas capitalistas agrícolas desenvolvidas”. em regime de cooperação ou divisão técnica do trabalho sob coordenação especializada. ou seja. mas os dois tipos de empresas . 2 As aqui denominadas unidades “empresariais desenvolvidas” têm sido. Assim. à grande empresa industrial. do qual pretende distinguir-se. As unidades de produção "empresariais desenvolvidas" apresentam todas as características essenciais da empresa capitalista típica: a produção é de grande escala. e o trabalho é inteiramente realizado por assalariados. apresenta-se como uma combinação de dois tipos de unidades produtivas consideradas típicas. do ponto de vista do emprego. ambas capitalistas. é nestas empresas que se pode melhor avaliar o potencial de desenvolvimento da força produtiva social do trabalho e do caráter social da produção. que possui a impropriedade adicional de ocultar o fato de que o produtor “familiar”. sob configuração capitalista. na agricultura. ambas de grande porte e tecnologia avançada2. . como é o caso do termo “patronal”. mas em bases coletivas e não individuais. portanto também é “patrão”.A agricultura dos países capitalistas desenvolvidos é obviamente capitalista e. isto é. recentemente. É este segmento que representa o estágio mais avançado da agricultura. portanto. O segmento "empresarial desenvolvido" corresponde. portanto. na fase atual do capitalismo. o que significa que. Assim. do ponto de vista social e econômico. é o potencial produtivo deste setor que permite visualizar as possibilidades produtivas e sociais de uma agricultura socializada e gerida coletivamente pela sociedade. Ao invés disto. esta pode ser transferida aos próprios trabalhadores. os capitalistas não trabalham na produção e tampouco na gestão ou administração. apresenta uma estrutura produtiva mista. pois a base tecnológica delas é que reflete o máximo desenvolvimento alcançado pelas forças produtivas na agricultura no momento. pois se por um lado são de propriedade empresarial desenvolvida. desenvolvimento da produção em grande escala. ao invés de apenas “familiar”. É nele que se evidenciam as potencialidades reais de intensificação tecnológica e elevação da produtividade do trabalho na agricultura.ambas capitalistas . com os trabalhadores integrados em organismos de produção coletivos. não havendo razão convincente para propor um nome diferente do habitual. se a gestão se profissionaliza e separa-se da propriedade. que a agricultura. entregue a especialistas. Assim sendo. Neste texto argumenta-se que esta distinção não é significativa. este texto dará ênfase às variantes "familiares" e suas consequências. Isto é. estas expressões são frequentemente utilizadas para designar dois "modelos" de agricultura supostamente distintos. porque formada por unidades de dois tipos. denominadas “patronais” e o termo adotado em recente relatório conjunto FAO/INCRA (1994). quando elas designam apenas dois tipos diferentes de empresas. Deveria-se dizer. em número significativo. respectivamente. denominando as unidades em que predomina o trabalho assalariado de suprafamiliares (larger-than-family farms).do segundo. Como não há dúvida sobre o caráter capitalista deste segmento e sobre seus efeitos sociais . Os autores norte-americanos são neste aspecto mais criteriosos. e adiante se justificará a rejeição do primeiro e a aceitação . que aqui serão denominadas “empresarial desenvolvida” e "familiar/assalariada". neste artigo. pois se baseia em um critério puramente convencional 4. O mesmo ocorre no que se refere ao termo “patronal”. até o limite de 50% de trabalho assalariado 3. ambas são apresentadas como "formas de produção" distintas! O inócuo desta distinção pode ser ilustrado com o exemplo trivial mas plausível de uma fazenda “familiar” hipotética. 531). cujas proporções respectivas não são teoricamente relevantes. por utilizarem não apenas trabalho familiar. embora este não tenha.ii) Produção capitalista incompleta. estes enfoques deixam de focalizar a circunstância mais importante a condicionar a unidade ou setor de produção individual. às vezes fantasioso. origem norte-americana. por exemplo?). seja por representar o resultado de uma paralisação do processo evolutivo normal. portanto não especializada e pouco eficiente. em segundo lugar. O caráter meramente descritivo e convencional deste critério é óbvio. realizada pelos próprios capitalistas. estes autores erram ao denominá-la simplesmente “familiar”. Nesta medida. uma distinção formal ou de grau (mas não de conteúdo) que é teoricamente relevante. 1061-3. 2). do ponto de vista descritivo. seja porque representa apenas uma fase retardatária da evolução normal da agricultura capitalista. em proporções variadas. 1969. é teoricamente insubsistente. em comparação com a unidade "empresarial” típica. por que se admite manter. a designação de “empresa familiar/assalariada”. ou "empresa capitalista familiar/assalariada" Os autores norte-americanos também designam a produção “familiar” agrícola como “empresa familiar”. se ambas são capitalistas? É que há. 4 Nos textos brasileiros que adotam o conceito “familiar”. pois reconhecem que. como por exemplo as virtudes intrínsecas da "família" ou as características biológicas próprias da agricultura. Na literatura sobre a agricultura. como definição de uma forma diferenciada de produção. entre elas. cujas causas deveriam então ser determinadas. intensivas em tecnologia e produzindo em grande escala e. O relatório FAO/INCRA apresenta uma tabela de características comparativas dos dois “modelos” (p. seria mais correta. pode ocorrer que esta fazenda “familiar” passe repentinamente a ser “patronal” caso o filho vá estudar fora e seja substituído por um assalariado adicional. embora o sejam. O conceito de "produção familiar". por exemplo. Assim. aparentemente. a literatura norte-americana. Assim. destituída de conteúdo teórico. a variante “familiar/assalariada” caracteriza-se por um desenvolvimento técnico-gerencial incompleto: a força de trabalho é numericamente insuficiente para assegurar a equiparação qualitativa do trabalho individual ao trabalho social médio. e pelo mesmo motivo a cooperação técnica é pouco desenvolvida. p. são considerados produtores “familiares" aqueles que empregam no máximo 50% de trabalho assalariado (por que não 43% ou 58%. mas ele é frequentemente atribuído a um ou outro fator isolado. 49% de trabalho assalariado e outra que utilize 51%! No entanto.5 assalariados anuais. a administração é individual. mas uma combinação de trabalho de familiares dos próprios capitalistas e de assalariados. plenamente desenvolvida. ao invés de simplesmente “familiar”. que é a rede de relações sociais globais na qual as unidades agrícolas 3 A justificação e o método de estimação do número de unidades “familiares” encontram-se em Nikolitch (1962. expressão mais adequada à caracterização que dela fazem como empreendimento capitalista de pleno direito. ela utiliza tanto o trabalho de pessoas da família quanto de assalariados. também neste aspecto. de modo geral. uma distinção entre unidades “empresariais desenvolvidas” e “familiar/assalariadas”. . devendo-se presumir que seguem. Por estes motivos a "empresa familiar/assalariada" pode ser considerada uma unidade de produção capitalista incompletamente desenvolvida este um ponto teoricamente relevante -. p. operada por pai e filho. do ponto de vista prático. sob diversos aspectos. não se encontrou uma definição precisa. Esta distinção reside no fato de que. as causas do caráter capitalista incompleto da empresa familiar/assalariada são polêmicas. Com o retorno eventual do filho e a dispensa do operário. Entretanto. Sendo assim. O termo “familiar” apenas expressa a interpretação ideologicamente tendenciosa de uma observação empírica. em primeiro lugar por se tratar essencialmente de empresas capitalistas. complementados por 1. pois ele não indica nenhuma diferença essencial entre uma produção que utilize. ela voltaria a ser novamente “familiar”! Levando em conta este critério. mas não que possa ser interrompida indefinidamente. resultante da ação de um bloco de interesses politicamente expressivo. embora incompletamente desenvolvida. Deste ponto de vista. em segundo lugar. a sua configuração atual reflete uma fase necessária do processo do desenvolvimento capitalista na agricultura. segundo algum critério arbitrário. correspondente a condicionamentos específicos e normais. São estas. é mais significativa a que atribui a preservação da produção “familiar” ao papel conservador da pequena burguesia rural como aliada da burguesia dominante. se há um padrão cujo desenvolvimento progressivo pode ser atribuído. que mais plausivelmente definem e condicionam as unidades individuais. às leis objetivas do desenvolvimento capitalista. deve ser considerada como um dos elementos mais significativos (embora não único) da explicação da sua existência e expressividade. entre as demais. ignorando a noção de níveis progressivos de desenvolvimento do caráter propriamente capitalista das empresas. mas só na medida que revelem possuir eficácia técnica e econômica compatível com o ritmo e a intensidade da acumulação em termos agregados. de modo teoricamente rigoroso. ressalta na literatura a que sugere que a aceitação. Daí a legitimidade da caracterização da “empresa familiar/assalariada” como uma empresa capitalista. seria teoricamente mais consistente encarar a estrutura interna das empresas como uma característica que deve desenvolver-se em correspondência com o desenvolvimento das composições técnica e orgânica do capital em termos globais. A concepção da produção “familiar/assalariada” como expressão de uma interrupção temporária da evolução capitalista “normal”. Ao contrário. Assim. como se houvesse “modelos” alternativos entre os quais se poderia optar do ponto de vista da política econômica e agrícola. forma uma barreira temporária de contenção à expansão da produção “empresarial desenvolvida” na agricultura. No presente caso isto parece possível porque a natureza sequencial/sazonal da agricultura admite altos índices de mecanização em módulos de poucos trabalhadores. Portanto. considerando o condicionamento das partes pelo todo. pode-se admitir que a trajetória evolutiva da agricultura seja mais ou menos rápida. é impróprio concebê-la como alternativa opcional. mesmo nos países capitalistas mais desenvolvidos.estão imersas. nesta linha. mas do modo mais compatível com a preservação e reprodução da estrutura social em que estão imersas. ao mesmo tempo que se reconhece a evidência empírica da grande expressão numérica da empresa “familiar/assalariada”. as suas formas de produção específicas não podem ser instituídas arbitrariamente. a empresa “familiar/assalariada” é aqui concebida como forma e momento transitórios de um processo social em curso. Efetivamente. A abordagem baseada na ideologia da produção “familiar”. isto é. como se indicou. Entre as hipóteses plausíveis.da reprodução material da sociedade. as quais devem produzir mercadorias. em conjunto. mas que possui ao mesmo tempo uma direção e um sentido dados pela natureza do sistema em que se insere. finalmente. não leva em conta esta circunstância. constata-se que a agricultura. Um exemplo ilustrativo disto é a extensão das restrições opostas à atuação das sociedades anônimas (corporations) na agricultura dos .das tendências subjacentes. de uma taxa de lucro inaceitável para capitais mais desenvolvidos. que a condiciona e determina. o que viabiliza a produção “familiar/assalariada” capitalista. a configuração específica apresentada pela empresa familiar/assalariada é mais plausivelmente uma resultante complexa de um conjunto de possibilidades e limites impostos ao desenvolvimento das forças produtivas agrícolas pelo sistema de poder vigente. que expressam as tendências imanentes à natureza do sistema capitalista.que a agricultura é . pela produção “familiar/assalariada”. e menos ainda como forma que possa ser perpetuada com abstração da rede de relações que a condiciona. etc) à materialização . não atingiu na plenitude o padrão empresarial em direção ao qual é impelida pelas tendências imanentes à produção capitalista. sociais. A linha de argumentação aqui exposta pode ser sintetizada do seguinte modo: em primeiro lugar. como componente fundamental .que poderia ser mais rápida . incluindo barreiras de várias origens (políticas. necessariamente. independentemente da proporção do trabalho assalariado. Em outras palavras. Esta equivalência é o valor e a sua base é o trabalho social. . uma vez que mesmo as correntes da agricultura “familiar” admitem a produção mercantil como base. expressas tanto na proibição de que façam investimentos em empreendimentos agrícolas. através de cuja venda ele próprio se reproduz como indivíduo e como produtor. em torno da identificação da proporção do trabalho assalariado no trabalho total. de modo geral e predominante. O trabalho assalariado e o capitalismo na agricultura Na literatura marxista a discussão teórica e política sobre o caráter da agricultura nos países capitalistas desenvolvidos foi sempre um tema delicado e relevante. pois desta definição decorre. O debate girou. a oposição entre o capitalista empregador e um numeroso proletariado empregado não constitui a regra. em princípio a inserção desta produção agrícola simplesmente mercantil no mercado capitalista A exposição mais completa e consistente sobre o caráter da economia mercantil é a de Marx nos Grundrisse. Somente neste caso o produtor está apto a transformar a sua mercadoria em dinheiro. expresso no preço em dinheiro. dentro da qual cada produtor especializa-se na produção de uma ou poucas mercadorias. Após a II Guerrra Mundial também neste campo a polêmica voltou-se para a importância adquirida pela produção “familiar”. vendê-la. a sua sobrevivência depende de que seja capaz de submeter-se inteiramente a ele. como de que empresas agrícolas se constituam em sociedades anônimas (Harl. ao qual todo produtor está necessariamente subordinado. como exemplo no Brasil. Não se deixou de brandir argumentos a favor e contra a caracterização da agricultura nos países capitalistas como uma produção mercantil simples6. em média. é regulada pela lei do valor. Mas é preciso admitir também as suas consequências. na qual. 1969). Aqui pretende-se apontar as razões pelas quais o caráter capitalista explícito da empresa “familiar/assalariada” pode ser postulado. Dizer que a lei do valor regula a produção é o mesmo que dizer que esta é regulada pelo mercado. para o mercado e não para o consumo próprio. supostamente necessário para definir o caráter capitalista da produção. Não parece haver objeção a esta definição. com a receita da venda do seu próprio produto. cada produtor deve ajustar o seu tempo individual. mas não se examinou as consequências do fato estrito de se admitir o seu caráter mercantil. O primeiro é a caracterização da economia capitalista como uma economia mercantil5. que a produção agrícola. o valor das mercadorias corresponde ao tempo de trabalho social a elas incorporado pelos seus produtores. Portanto. A relevância de tais restrições pode ser avaliada pelo fato de que a SA constitui a principal forma jurídica das empresas nos Estados Unidos e demais países capitalistas desenvolvidos. pois produz-se não o que se deseja consumir mas o que pode ser vendido mais vantajosamente. 4. o artigo de Nakano (1981). o produtor individual não pode sobrepor a sobrevivência da família . Isto implica que. e que lhe determina o quê e quanto produzir. e da estratificação das unidades de produção segundo a escala desta proporção. No debate marxista parece que pouca atenção foi dada à necessidade de identificar de modo mais preciso os pressupostos essenciais da economia capitalista presentes na agricultura. 6 Pode-se citar. em termos individuais e agregados. segundo as determinações do mercado e os meios de produção disponíveis. isto é. I.Estados Unidos. Isto significa que há uma divisão social do trabalho bastante desenvolvida. a segunda implicação é que o produtor obtem a maioria dos meios de consumo e de produção no mercado. Isto significa que o critério de troca entre as mercadorias é a equivalência dos trabalhos nelas contidos.segundo a postulação de Chayanov .às imposições do mercado. em grande medida. contrariamente ao que o enfoque marxista previa. mesmo em uma hipotética economia mercantil simples. ao tempo de trabalho socialmente necessário. Ao contrário. Em primeiro lugar a característica essencial da economia 5 mercantil é que a produção destina-se. Portanto. Isto é o que se faz agora. Isto tem duas implicações: a primeira é que o que se vende não é o “excedente” que resta após satisfeitas as necessidades de consumo do próprio produtor. Disto devese concluir que o salário tende a uniformizar-se. a destruição em massa da produção “familiar” tradicional e em pequena escala reflete precisamente o processo de seleção. Os ramos agrícolas e industriais de produção são segmentos de uma complexa estrutura de divisão social do trabalho que se interconectam através de intenso intercâmbio. que a força de trabalho é predominantemente . Requer-se apenas que. Isto significa que. que a produção agrícola não fosse capitalista. Isto significa ademais que. que o respectivo capitalista não faça qualquer trabalho produtivo. em segundo lugar. mesmo admitindo. pois argumenta-se que. conforme já se mencionou. quer os trabalhadores sejam assalariados ou familiares. mas da equivalência das taxas de lucro por elas geradas. Dos pressupostos teóricos alinhados até aqui pode-se extrair as seguintes conclusões inteiramente válidas: em primeiro lugar. de uma condição: que o trabalho assalariado pode representar até 50% do trabalho realizado7. convém lembrar que. para que uma economia seja caracterizada como capitalista. se o trabalho assalariado não é predominante na agricultura. por menor que seja. a evidência de que o mercado de trabalho é basicamente unificado ou se unifica crescentemente. a produção seja realizada por trabalhadores assalariados. a economia capitalista não é simplesmente uma economia mercantil. A definição norte-americana da produção “familiar” não postula a dominância da produção baseada exclusivamente no trabalho familiar. Este é o ponto seguinte a focalizar. a força de trabalho também está transformada em mercadoria . Pelo contrário. tal como ocorre no restante da economia. em função da equivalência dos trabalhos nelas contidos. existe um expressivo contingente de trabalhadores assalariados na agricultura. região. e que expresssa em termos médios o custo de reprodução da força de trabalho. é admitida pacificamente. admitidas as variações próprias das condições específicas de cada segmento. mas agora regulado pela equivalência dos lucros. dos produtores aptos ao exercício da produção em moldes capitalistas. Também não se postula que os mercados de trabalho urbano e rural constituam compartimentos estanques. apesar da grande expressão proporcional atribuída ao trabalho de familiares dos capitalistas nas empresas “familiar/assalariadas”. Consequentemente o salário dos trabalhadores rurais coincide também. Este é o ponto da discórdia no debate sobre a produção “familiar” na agricultura. devem não apenas ajustar-se ao trabalho socialmente necessário. O primeiro é o fato de que a agricultura não é um sistema econômico em si.senão exclusivamente assalariada. basicamente. e que existe um mercado de trabalho basicamente unificado a nível nacional. a própria demonstração da suposta predominância do trabalho familiar na agricultura. a sobrevivência do produtor individual depende da sua possibilidade de submeter-se ao mercado. a nível nacional. Ademais. mas apenas um segmento de economias nacionais integradas. Pelo contrário. O segundo elemento consiste em que. para que uma unidade de produção seja caracterizada como capitalista. na proposição dos autores desta tese.produtora de mais-valia -. depende. corresponde ao custo de reprodução da força de trabalho segundo a média nacional ajustada 7 A fragilidade teórica deste critério é óbvia. os valores dos produtos agrícolas são regulados pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção. com este custo de reprodução. que constituem primeiro as “empresas familiar/assalaridas” e em seguida as empresas capitalistas plenas. Para esta discussão é preciso introduzir dois elementos geralmente ausentes do debate. o valor da força de trabalho aplicada à produção agrícola. Também não se requer. seja assalariada ou familiar. pelo menos de modo explícito. dado seu caráter meramente convencional. Todos admitem que a economia urbana dos países capitalistas é majoritária e explicitamente capitalista.não encontraria uma dificuldade intransponível. uma vez que. etc. seria necessariamente mercantil e consequentemente regulada pela lei do valor. e o fato de ser “capitalista” implica que a produção é regulada pela lei de valorização. hipoteticamente. Todavia. . como regra geral no conjunto da economia. pela concorrência. esta não pode ser caracterizada como capitalista. não é necessário que nenhum capitalista trabalhe na produção. Neste sentido. ao contrário da economia mercantil simples. isto é. tal como no caso anterior. pela lei do valor subordinada à produção de mais-valia. setor. e as mercadorias. para serem vendáveis. que os setores não-agrícolas é que extraem maisvalia da agricultura. Por exemplo. Frequentemente os proponentes da noção de produção “familiar” familiarizados com a teoria de Marx postularam exatamente o contrário. se um investimento de US$ 300 mil permite auferir US$ 30 mil de lucro anual. como regra geral. deve-se demonstrar que a produção “familiar/assalariada” nos países capitalistas desenvolvidos necessariamente gera lucro. no capitalismo. uma teórica e outra empírica. cap. em terceiro lugar. não há incompatibilidade. inferior ao valor do seu produto na jornada normalmente vigente (caso contrário a produção capitalista seria inviável). 1984). mesmo assim. expresso no valor crescente do 11 Este fato não se altera se o produtor preferir utilizar o excedente sobre o custo de reprodução da sua força de trabalho . aplicando a taxa média observada pelos produtores ao seu capital total. o seu rendimento é determinado socialmente pelo salário médio. A demonstração teórica baseia-se no fato de que os preços das mercadorias. III. Em consideração a estas objeções. em uma longa série histórica. seja qual for a proporção de trabalho assalariado utilizada por cada produtor individual9. se o investimento médio por unidade é de US$ 300 mil. indiferentemente do que a respeito pensem os próprios produtores. mas obteria. não correspondem ao valor mas ao preço de produção. Poder-se-ia objetar que. e constitui. A evidência que suporta esta proposição. por exemplo a partir da II Guerra Mundial. a agricultura norteamericana apresenta um processo nítido e intenso de acumulação de capital. dado o ínfimo número de assalariados em muitas unidades “familiar/assalariadas’. acima. A inconsistência teórica desta tese reside na contradição entre uma agricultura que se pressupõe ser nãocapitalista mas à qual mesmo assim se atribui a capacidade de gerar mais-valia. em média. 8 a 12. de o trabalho ser familiar ou assalariado em unidades individuais. a produção de mais-valia seria insuficiente para gerar um rendimento satisfatório. a mais-valia gerada pelos capitais agrícolas seria insuficiente para a obtenção da taxa média de lucro. um investimento de US$ 600 mil deverá proporcionar US$ 60 mil e assim por diante. calcula-se do modo habitual. baseada em dados das estatísticas agrícolas norte-americadas. Consequentemente. 9 Já se procurou demonstrar. de ser formada por unidades altamente mecanizadas que podem ser operadas por pequeno número de 8 trabalhadores. ao lado da taxa de lucro. aplicada ao capital variável que teria que ser gasto se todos os trabalhadores fossem assalariados. Isto significa que os ramos de produção cuja composição orgânica é superior à média produzem um montante de mais-valia inferior ao lucro médio. ao invés de utilizá-lo como lucro e reinvestí-lo no todo ou em parte. de modo que “importam” mais-valia dos ramos de produção de menor composição orgânica. argumentase que as unidades “familiar/assalariadas” devem a sua sobrevivência ao fato de dispensarem o lucro. Assim. sendo a taxa de lucro média de 10%. 10 Esta demonstração foi feita por Marx e encontra-se em O Capital. Este argumento não necessita ser aqui repetido.como condição de sobrevivência -. A demonstração empírica de que a produção agrícola “familiar” deve gerar lucros . neste aspecto. considerando que o custo de reprodução da força de trabalho é sempre. Por outro lado. resulta que toda produção agrícola gera uma mais-valia correspondente à taxa de mais-valia média. é simples: em primeiro lugar. entre a pequena quantidade de trabalho pressuposta na produção “familiar/assalariada” e a obtenção de uma taxa de lucro próxima da média da economia. uma das motivações da acumulação de capital. e independentemente das motivações subjetivas dos produtores. A imagem da produção “familiar/assalariada”. portanto. e independem. ou seja. mesmo que ele se atribua um valor maior. o lucro médio anual visado será de cerca de US$ 30 mil.regional e setorialmente8.para complementar o seu consumo. o preço contém não a mais-valia efetivamente produzida mas o lucro médio10. Há duas maneiras de demonstrá-lo. foi feita pelo autor em outro texto (Germer. Como trabalhador. isto é. O valor absoluto do lucro não é irrelevante. o lucro médio com a complementação de maisvalia procedente dos setores não-agrícolas da economia11. sugere capitais com altíssima composição orgânica. Disto se deduz que o lucro esperado das unidades agrícolas. Sendo isto verdade. . O fato do montante absoluto deste lucro ser relativamente pequeno é uma das causas do aumento da concentração e da centralização de capitais na agricultura dos países capitalistas. que o custo da força de trabalho e a geração de mais-valia decorrem na natureza do sistema. em termos agregados. portanto que expandem sistematicamente o investimento e inovam as técnicas de produção. só sobrevive o produtor capaz de conduzir-se como capitalista. pois limita-se à descrição de uma situação. ele não possui significado teórico definido. dão continuidade ao artigo pioneiro de Nakano (1981). Se se toma terras em arrendamento. como uma demonstração triunfal de que o capitalismo agrícola não segue os padrões da antinomia capitalista-proletário previstos pela teoria marxista. objetivando o lucro e a acumulação. Como conceito descritivo e convencionalque é. com a novidade de que abandonam a imprópria combinação. em textos brasileiros recentes. As implicações do conceito de produção “familiar” podem ser abordadas sob dois aspectos: o teórico e o prático. além das próprias. e de concomitante aumento da área e do capital médios por empresa. ou seja. Neste sentido. Há neste enfoque um único aspecto positivo. as mais “familiares” em termos do trabalho aplicado). o arrendamento capitalista é um fenômeno expressivo na agricultura norte-americana13. sendo a agricultura um conjunto de ramos de produção de mercado. tecnológicamente atualizada e competitiva. que se deve também à sua matriz norte-americana: a enfática . refletido na rápida redução do número de empresas (principalmente as menores. 12 Somente sobrevivem os produtores que administram a sua produção como empresários. e se se paga renda é porque a produção proporciona não apenas lucros normais mas um excedente sobre eles. sem fundamentar a sua existência teoricamente. além de cobrir os custos. 5. a agricultura norte-americana mostra. que é uma das condições que permite compatibilizar o forma capitalista incompleta da produção “familiar/assalariada” com o processo global de acumulação. Consequentemente não se indica tendências consistentes.capital investido nas empresas agrícolas 12. isto é.para a expansão do investimento. Ou. postula-se que algo a que se denomina produção “familiar” predomina na agricultura dos países capitalistas desenvolvidos. Se há acumulação. gera o lucro médio e a renda da terra. isto é. feita por aquele autor. etc. 13 O arrendamento aparece principalmente sob a forma dos chamados “part-owners”. isto é. entre o enfoque de Chayanov e o de Nikolitch. é porque o negócio agrícola é lucrativo. produzindo um excedente . isto é. um intenso processo de centralização de terras e de capital. e esta depende. o que reflete o fato corriqueiro de que as empresas sobreviventes (geralmente as maiores) obtêm lucros superiores às outras e as absorvem. da taxa de crescimento da economia nacional (abstraindo o comércio externo). Isto é apenas outro modo de dizer que a dimensão da produção agrícola é função do processo global de acumulação de capital. . é porque o valor da produção anual supera. no mesmo período. Mas este enfoque paga um considerável preço teórico.e correta . alternativamente. cuja produção.rejeição da suposição habitual de que a produção “familiar/assalariada” seja sinônimo de “pequena produção”. pobreza. os gastos realizados nos capitais constante e variável (este último indiferentemente em salários ou na manutenção dos trabalhadores da família). a sua dimensão agregada e a sua taxa média anual de crescimento dependem da demanda por produtos agrícolas. proprietários que complementam a área própria com o arrendamento de terras próximas. da produtividade do trabalho. segundo a sua melhor conveniência em termos do cálculo da rentabilidade. atraso tecnológico. apenas uma justificação histórica insustentável. refletindo uma elevação significativa e contínua da composição técnica do capital. ou seja. A crítica que lhe pode ser endereçada é comum a todas as Também o valor do capital por trabalhador aumentou acentuadamente. Para tanto exploram o trabalho de outros ou o seu próprio. Em todos os aspectos relevantes. A produção “familiar/assalariada” é concebida como uma forma de produção moderna. já foi dito. e obviamente financiam tal absorção com os lucros obtidos da produção agrícola. Em terceiro lugar. da taxa de acumulação. estas formulações refletem a adoção integral do enfoque norte-americano. Em segundo lugar. Isto é. A irrelevância prática da dualidade “empresarial desenvolvida X familiar/assalariada” A constatação fantasiosa do predomínio da produção “familiar” na agricultura capitalista desenvolvida apresenta-se. Por outro lado. e é pago com o excesso da receita da produção sobre os custos. persistentemente. mas não há explicação teórica para ela.o lucro . a produção “familiar/assalariada" é a forma de empresa predominante na agricultura dos países capitalistas mais desenvolvidos. E o que se constata é que em todos estes países têm avançado velozmente os processos de centralização da produção e do capital e de concentração da terra. deve-se concluir que as tendências de evolução observadas nesta agricultura são produzidas precisamente pela predominância da empresa “familiar/assalariada”. Se a chamada agricultura “familiar" produz todas as tendências essenciais do capitalismo em expansão. conclui-se inequivocamente que se trata de uma forma de produção capitalista idêntica. Se. p. em essência.9 milhões de agricultores existentes em 1944 foram reduzidos a apenas 2. em que o progresso técnico é a principal arma da concorrência entre os capitalistas (daí a destruição dos menores pelos maiores) e destes contra os trabalhadores (daí o desemprego). contra 300 mil em 1982)) respondiam por 72. o conceito é francamente irrelevante. como se afirma. portanto. os 5. à produção “empresarial desenvolvida” (ou “patronal”) típica. expõe o processo do seu surgimento e consolidação no interior do capitalismo já constituído. Assim. isto é. é porque as causas são idênticas. Se a superioridade e prosperidade da chamada produção “familiar” são demonstradas com base nas evidências da agricultura atual dos países desenvolvidos. identificando estas tendências.5% do total respondiam por 72. Portanto. Se as mesmas tendências ocorrem na agricultura predominantemente “familiar”. ou seja da empresa capitalista “familiar/assalariada”. É significativo. Assim. que a força de trabalho ocupada na agricultura. e apenas 8. no que diz respeito às perspectivas. estas tendências são próprias da produção capitalista em geral. Os dados da agricultura norte-americana ilustram isto convincentemente.5% da renda líquida agrícola. grifos acrescentados). e muitas dependem de trabalho assalariado em tempo integral " (US Congress. a demonstração das suas possibilidades e efeitos sociais deve ser feita sobre a mesma base. Devese iniciar. das indicações que pode fornecer em termos de política agrícola. por exemplo. independentemente da controvérsia teórica. como se procurará demonstrar. Estas consequências podem ser comprovadas empiricamente de modo inequívoco. nestes países. A maioria requer um ou mais trabalhadores em tempo integral. Como atualmente se trata da versão norte-americada da produção “familiar”.6% das vendas e 98. Ora. portanto o caráter “mais familiar” dos pequenos parece mais uma desvantagem do que uma vantagem. Neste último ano os maiores produtores . deveria-se examinar as consequências práticas da vigência deste modelo na agricultura dos países desenvolvidos. o conceito de produção “familiar” interpreta ideologicamente um aspecto da realidade. a tendência histórica de longo prazo demonstra que desaparecem mais "produtores familiares" do que sobrevivem.1% das vendas (US Home Page). no que diz respeito às tendências do emprego agrícola em termos agregados. para se avaliar os efeitos econômicos . em um país como o Brasil.2 milhões em 1982. Todavia. devido ao desaparecimento das pequenas unidades. ou seja.abordagens que analisam o capitalismo como uma realidade sem história. Consequentemente. é a agricultura dos Estados Unidos que deve ser tomada como base.9 milhões. Assim sendo. No Censo de 1997 o número de agricultores já havia caído para 1. em relação ao futuro. da massa majoritária de pequenos e médios agricultores. tal conceito é ambivalente. paralelamente à expulsão dos pequenos agricultores e à redução do número de trabalhadores ocupados. Do ponto de vista prático. e que os pequenos produtores “familiar/assalariados” são destruídos pelos grandes produtores “familiar/assalariados”! É curioso que os adeptos do conceito não percebam que os pequenos produtores expulsos são "mais familiares" que os grandes que sobrevivem. "A grande maioria destas fazendas é de propriedade e trabalho familiares. e nos Estados Unidos reduz-se a cerca de 2%.da adoção do suposto “modelo familiar” no Brasil. mas nada pode dizer sobre as tendências subjacentes que esta forma de produção expressa.e principalmente sociais . apenas 13. se produtores “familiar/assalariados” grandes e pequenos apresentam trajetórias econômicas antagônicas.cerca de 300 mil. não . situa-se geralmente em uma faixa inferior a 5% da força de trabalho total.2% deles (cerca de 156 mil produtores. 9. Entretanto. o emprego agrícola seria de 1% da força de trabalho total. pois neste aspecto se igualam. vencem-nos na concorrência. ou seja. o resultado será de reduzí-lo gradualmente até 5% ou menos. Neste caso a diferença entre os dois “modelos” reduz-se a apenas 4. ou aproximadamente 19 milhões de trabalhadores. os grandes produtores. Isto significa que aproximadamente 15 milhões de trabalhadores atualmente ocupados serão expulsos da agricultura. no caso da agricultura brasileira. revelada pelo Censo de 1995-96. em uma hipótese otimista.pode ser o seu caráter “familiar” o fator causal da divergência de trajetórias. cerca de 23% da força de trabalho do país. se as grandes empresas “familiar/assalariadas” e as “empresariais desenvolvidas” apresentam trajetórias coincidentes. Como o emprego rural absorve atualmente. Por outro lado. ou seja. adotando este “modelo”. mas em nada contribuem para garantir o 14 Estes dados são de 1996. o que parece significativo. Sendo assim. respectivamente. são mantidos porque. do ponto de vista do emprego agrícola ou dos trabalhadores. os argumentos deste artigo. por serem "mais capitalistas" que os pequenos. os produtores que se caracterizam como empresas “familiar/assalariadas” deslocam os produtores simplesmente “familiares”. Isto significa que os defensores brasileiros do “modelo familiar” norte-americano manipulam um problema hipotético e omitem o problema real: procuram garantir o emprego de 400 mil em um futuro indefinido. mesmo sob a dominância das unidades “familiar/assalariadas”. da força de trabalho total). Poder-se-ia objetar que. Aparentemente os pequenos produtores “familiares” deveriam sentir-se melhor por serem expulsos por grandes produtores “familiares” do que por produtores “patronais”.4 milhões teriam este destino. a evidência indica que o decisivo para a sobrevivência ou morte das empresas agrícolas no capitalismo é o ‘grau’ de desenvolvimento capitalista. nos Estados Unidos. De fato. do total de cerca de 80 milhões. a tendência no Brasil. três anos depois. podem ser projetadas facilmente. Estes dados. ao passo que no “modelo familiar” nada menos que 17. que é precisamente o seu caráter capitalista mais avançado. ao revelarem uma drástica e imprevista redução do emprego agrícola desde 1985. A forte redução do emprego agrícola a partir de 1985. há algo que as identifica. supondo que se pudesse provar que. e as grandes empresas “familiar/assalariadas” deslocam as pequenas empresas deste tipo. O problema atual é que no “modelo patronal” 18. para simplificar o exemplo). do ponto de vista dos pequenos agricultores e trabalhadores rurais brasileiros atuais. colhidos em 1996. de modo contundente.3%! É isto que. Em síntese. sob o modelo “patronal”. na situação do Brasil de hoje é preciso examinar o problema de um ângulo diferente. o emprego agrícola absorveria cerca de 1.2 milhões de trabalhadores seriam expulsos. no presente texto. se denomina “irrelevância prática” da noção de agricultura “familiar”. de distinguir entre dois “modelos” de agricultura cujos resultados são idênticos? Tendências idênticas às observadas nos Estados Unidos ocorrem em todos os países capitalistas desenvolvidos e no Brasil. As consequências disto. será inevitavelmente de o êxodo rural prosseguir até atingir idêntico nível de emprego. ou seja. apenas a metade do emprego atual. Diante disto. a proposta de que adotem o "modelo" da agricultura “familiar” capitalista implica sugerir que aceitem voluntariamente a sua própria destruição. mesmo assim. motivando os pequenos agricultores a procurarem outra alternativa. o “modelo patronal” reduziria o emprego ainda mais. qual é a utilidade ou relevância. Este cálculo é irrelevante porque nada tem a ver com o problema atual do emprego na agricultura brasileira. cerca de 4 milhões 14. ano em que a primeira versão deste artigo foi redigida. apenas confirma. no Brasil. a publicação dos dados do censo agrícola de 1995-6 confirma contundentemente os argumentos deste artigo. conclui-se que o “modelo familiar” proporcionaria o dobro do emprego do “modelo patronal”. Admitindo que a agricultura brasileira chegue à situação norte-americana (e admitindo que a população total permaneça a mesma.6 milhões de trabalhadores no “modelo familiar” e cerca de 800 mil no “patronal” (2% e 1%. . Se o nível do emprego agrícola nos países onde predomina a agricultura “familiar” capitalista é inferior a 5% da força de trabalho total. Assim. como uma forma de produção capitalista incompleta. o conceito descritivo da produção “familiar” e a distinção descritiva “patronal/familiar”. serão progressivamente expulsos da agricultura. e estão sendo expulsos pelo desemprego tecnológico. pois possuem áreas insuficientes. e serão. pois uma agricultura sob dominância da produção capitalista “familiar/assalariada” provoca êxodo rural e desemprego tecnológico em uma escala que não difere significativamente do que faria uma agricultura baseada em grandes unidades tipicamente capitalistas. as unidades “empresariais desenvolvidas”. na maioria. Neste sentido. são pequenos e médios produtores. pois são ambas apenas variantes da produção capitalista. Neste sentido. Conclusões As conclusões alcançadas neste trabalho podem ser sintetizadas em dois blocos. em aproximação grosseira. só se justificaria se ela fosse capaz de assegurar a sua sobrevivência. É nesta camada que se situa o segmento dominante do capitalismo agrícola. é óbvio que a defesa da agricultura capitalista “familiar/assalariada" no Brasil. Nestas condições. e constituem a base necessária a uma transição para um economia baseada na propriedade social dos meios de produção.mas não reconhece e não analisa . eliminados pela concorrência. a necessidade de superar a falsa disjuntiva “patronal/familiar”.um problema teórico da maior importância. são irrelavantes do ponto de vista prático. Sendo assim. na faixa intermediária. e não as “familiar/assalariadas”. tanto na variante “familiar/assalariada” quanto na "empresarial desenvolvida". na linha do já longo debate no interior da tradição marxista. Na agricultura brasileira a maioria das empresas capitalistas mais desenvolvidas situa-se. além de serem teoricamente insubsistentes. demonstrou-se que os conceitos de produção “familiar” e “modelo de agricultura familiar” são irrelevantes. do ponto de vista do nível do emprego. que são. pelos pequenos agricultores. é que expressam a forma socialmente mais avançada de produção. Os cerca de 30% restantes. ‘simples’ ou capitalistas. realisticamente. As possibilidades de sobrevivência dos demais segmentos são pequenas. Assim. que diz respeito à interpretação das particularidades das formas capitalistas de produção presentes na agricultura dos países capitalistas desenvolvidos. para indicar uma alternativa aceitável para a maioria dos produtores “familiares” brasileiros atuais. 268). em um país como o Brasil.2 milhões de trabalhadores que. Em primeiro lugar. por parecer teoricamente mais consistente e mais relevante na prática. porém. esta possibilidade não existe. e têm extrema dificuldade em atualizarem-se tecnologicamente. embora sob configuração capitalista. situam-se em posição desfavorável na estrutura agroindustrial e financeira. Portanto. derivou-se destas proposições a noção da agricultura impropriamente denominada “familiar”. Como se acabou de demonstrar. Em contrapartida. na maioria. merece consideração. além de ideologicamente tendencioso. essencialmente assalariados ao invés de produtores de mercadorias. Em segundo lugar. é equivocada a eventual . na versão recentemente introduzida no Brasil. no seu “modelo”. Este modelo aponta. o conceito de agricultura “familiar”.emprego dos atuais 18. ele aponta . Assim. p. 1994. na faixa de mais de 100 ha de área total . Neste artigo procurou-se sugerir alguns elementos considerados essenciais para a abordagem teórica deste problema. pois dá ênfase à produção associativa/coletiva no interior de uma estrutura combinada agrícola-agroindustrial.cerca de 10% do número total de estabelecimentos agrícolas. visando superar algumas das suas dificuldades. Todavia. na extremidade oposta da estrutura fundiária situa-se mais da metade dos agricultores recenseados (constituindo a maioria dos estabelecimentos com menos de 20 ha de área total e uma área média de cerca de 4 ha) (Germer. origina-se no conceito homônimo elaborado nos Estados Unidos. Procurou-se demonstrar que este conceito é teoricamente inconsistente. a forma “familiar/assalariada” não difere da "empresarial desenvolvida" nos efeitos. que pode ser denominada “familiar/assalariada”. o modelo vizualisado pelo MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra -. sendo meramente descritivo e convencional. adoção. de um modelo de desenvolvimento agrícola baseado nesta versão do conceito de produção “familiar”. A atração que ele exerce nestes movimentos só pode ser atribuída a uma incompreensão do real sentido e das sérias implicações do mesmo. . pelos movimentos organizados de pequenos agricultores e assalariados rurais. p. and the Changing Structure of American Agriculture”. “A ‘produção familiar’ e o suposto fim do lucro e da renda da terra na agricultura dos Estados Unidos”. (1962). Journal of Farm Economics. v. “Family-operated farms: their compatibility with technological advance”. GERMER. “Do legal and tax rules favor largescale agricultural firms?” American Journal of Agricultural Economics. 44. R.Teil 1. A questão agrária hoje. 4. NIKOLITCH. (1984).M. Y. v. R. 51. U. (Coord. n.1. In: STÉDILE. . jul-set. “Family labor and technological advance in farming”.M. (1994). n. (1969). N. v. Public Policy. Versão resumida do relatório final do Proj. 5.P. 1381-92. Band III / Mit einem Nachwort von H. Diretrizes de política agrária e desenvolvimento sustentável. U. Washington : US Government Printing Office. 1. GERMER. “Technology. 233-58. p. p. v. Agriculture Census. (1857/58). MARX. 259-284. n. 9. NIKOLITCH. “A destruição da renda da terra e da taxa de lucro na agricultura”. (Grundrisse I).S. “Perspectivas das lutas sociais agrárias nos anos 90”. (1976). (1969). Curitiba (PR). Kritik der politischen ökonomie. (1894). K. p. HARL. K. de Cooperação Agrícola. 24 p. J. Berlin : Dietz Verlag. 1997 Census of Agriculture. Table 1. (1981). Nac. UTF/BRA/036. 5. December. (3):3-16. 3. Office od Technology Assessment (1986). 51.E. Brasília. Porto Alegre : Editora da Universidade / Assoc. NAKANO. Das Kapital. Ökonomische Manuskripte 1857/58.Referências FAO/INCRA (1994). Karl Marx Friedrich Engels Gesamtausgabe (MEGA). American Journal of Agricultural Economics. Gerfin und R. Frankfurt/M : Ullstein Materialien (1980). HOME PAGE. II/1. November. n. C. County Summary Highlights. CONGRESS. p. August. História: Questões & Debates. MARX. Text . C.). 1061-8. Hickel.S. 530-45. n. Revista de Economia Política.
Copyright © 2024 DOKUMEN.SITE Inc.