A História Social da Escravidão na Paraíba; Um Estudo de Caso: Sumé-PB (1873-1888); 2006

May 24, 2018 | Author: Ivandro Batista de Queiroz | Category: Slavery, Abolitionism, Brazil, Economics, Science (General)


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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBADEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA CENTRO DE EDUCAÇÃO – CEDUC A História Social da Escravidão na Paraíba; Um Estudo de Caso: Sumé-PB (1873-1888). Orientador: Josemir Camilo de Melo. Campina Grande, dezembro de 2006. 7 INTRODUÇÃO O principal objetivo deste trabalho foi investigar o lugar de agente histórico do escravo, consciente de sua condição e possibilidades, que soube estabelecer espaços de autonomia em seu cotidiano e até mesmo conquistar sua liberdade, na relação com seu senhor. Com essa proposta de escrever uma história social da escravidão, observando a subjetividade e as estratégias de liberdade dos escravos, estivemos diante de um problema ao analisarmos os documentos encontrados em cartório: as informações sobre a vida de nossas personagens eram poucas e fragmentadas. Isso devido ao tipo de documentos encontrados em maior quantidade serem escrituras de compra e venda algumas procurações, outras poucas cartas de liberdade, etc. Esses documentos referiam-se aos escravos, na maioria dos casos, apenas em seu aspecto comercial – citando dados como nome, cor, idade, estado civil, preço e origem.Porém algumas informações passageiras, observadas sistematicamente, nos deixavam várias interrogações. As “explicações economicistas” não serviram como modelo explicativo para essa suposta lacuna deixada pela “ausência” do negro na história e nas fontes documentais. A maioria das obras mostra a versão dos fatos apresentada pelo senhor, até mesmo o discurso de época dos senhores transformam-se em discurso historiográfico. Pretendemos evitar esse problema. A obra de Sidney Chalhoub,Visões da Liberdade,uma história das últimas décadas da escravidão na Corte, revelou-se referência para a compreensão dos problemas que surgiram nos documentos.O próprio autor pesquisou fartamente vários tipos de documentos, mas creio que os mais ricos em informações foram os processos criminais, pela precisão de detalhes.Não tivemos acesso a esse tipo de documento, mas adotamos sua proposta de reunir todas as fontes primárias e analisá-las à luz de referências bibliográficas, pois:(...) “O historiador, portanto, através de um esforço minucioso de decodificação e contextualização dos documentos, pode chegar a descobrir a ‘dimensão social do pensamento’”.(CHALHOUB, 1990, p.16) No primeiro capítulo – Em busca da liberdade: presente ou conquista? – discutimos teoricamente como os senhores pretenderam representar a liberdade dos escravos e o que a liberdade realmente significou para os escravos. A escravidão brasileira é apontada em suas características mais essenciais, como seu alto índice de mortalidade e conservadorismo, além de ser uma instituição que servia de base para relações sociais desiguais e de exclusão, etc. As relações estabelecidas entre senhores e escravos são percebidas dentro de um contexto de 8 conflito, com os escravos buscando a liberdade e os senhores usando da “força e favor” para controlá-los. No segundo capítulo – A escravidão na Parahyba do Norte – discutimos o papel do escravo na economia das diversas regiões da Paraíba, buscando analisar em que condições o escravo exerceu seu trabalho. Também pretendemos discutir qual foi o papel do trabalho escravo no Cariri, bem como os motivos de decadência da escravidão na Paraíba e as diversas ações promovidas pelos escravos para conseguir sua liberdade. No terceiro capítulo – Experiências escravistas em São Thomé – analisamos no âmbito local os negócios da escravidão, em meio aos costumes e ao cotidiano da povoação, com especial destaque para as atitudes senhoriais ao dispor de seus escravos e as atitudes destes para conseguir a liberdade ou mais espaços de autonomia. Tentamos traçar um perfil simples do movimento das vendas e dos escravos envolvidos. 9 CAPÍTULO I EM BUSCA DA LIBERDADE: PRESENTE OU CONQUISTA? (...) “E os próprios negrinhos – os libertados! – disfarçam, não apreciam muito alusões à famosa data, sobem positivamente a serra se são chamados de 13 de maio ... Ora, eis no que dá a gratidão !” Trecho da coluna A Semana, por Carmem Dolores,Jornal do Commercio. 1912¹ 1.1.Características da escravidão brasileira. Ao estudarmos a escravidão brasileira nos deparamos com algumas características marcantes. Chama à atenção o número de escravos que entraram no Brasil na fase do escravismo pleno (1550-1850): dos 9 a 15 milhões de escravos vindos da África para a América, o Brasil absorveu cerca de 40%(MAESTRI, 1988, p.33).Embora os números sejam imprecisos, é certo que entre os escravos do Brasil houve grande mortandade. Nos Estados Unidos a pequena população escrava aumentou significativamente ao longo dos anos, devido às experiências de “reprodução” de escravos e boas condições de sobrevivência dos recém- nascidos (CONRAD,1975,p.44), enquanto no Brasil essa população manteve-se a custo do tráfico internacional. Os senhores de escravos no Brasil, desdenhavam seus escravos, sobretudo as crianças e outros não-produtivos, deixando-os em situações precárias na alimentação e vestimenta. Os escravos eram o segmento populacional com maior mortalidade, mais susceptível às epidemias; ou devido ao desgaste provocado pelo trabalho excessivo e as torturas.Não conseguiam manter seus números através da reprodução natural. Assim era essencial para o sistema escravista no Brasil a constante reposição de escravos, que em sua maioria eram homens adultos. Esse contexto de desprezo pela vida e suas condições mínimas, nos dá indícios do caráter atroz da escravidão no Brasil. _________________________ ¹ Esta epígrafe foi retirada de um recorte do Jornal do Commercio, colado no livro chamado “Miscellanea” do Padre Emilio Cabral do Crato ,no Ceará,em 1912. 10 Em uma segunda fase do escravismo, pós 1850, os escravos passam a ter um tratamento melhor (CONRAD, 1975, p.36) e com algumas concessões legais. Mas ainda não estão livres da violência e das arbitrariedades dos seus senhores. O tráfico interprovincial é tão cruento quanto o que lhe deu origem, pois desenraizava o escravo, e o deportava em maior quantidade para as plantações de café, onde a exploração do trabalho era maior, com jornadas diárias de trabalho em torno de quinze a dezoito horas (PINSK, 1994, p.35). Esse movimento deslocou milhares de escravos para o sudeste do país, intensificando os conflitos entre senhores e escravos nesses lugares. O tráfico interno contribuiu também para a crise do escravismo, pois provocou a insatisfação dos escravos diante de uma mudança tão radical em suas condições de vida e trabalho. Houve, na ocasião, da parte dos escravos, uma pressão por um “cativeiro justo”², tendo por base as experiências anteriores: (...) “o escravo crioulo, negociado no tráfico interno, trazia toda uma bagagem de práticas costumeiras, sancionadas na fazenda onde antes habitara, e encontrava-se diante de uma situação marcada pela total ausência de prerrogativas”.(CASTRO, 1997, p.356). Na opinião de Robert Conrad (1975, p.5) a escravidão brasileira foi uma instituição social com raízes profundas, que mesmo com a independência política e o fim da era colonial, ainda caracterizava muito bem a sociedade brasileira no século XIX.Nas suas palavras “a escravatura penetrava a vida brasileira” (1975, p.17), pois nenhuma atividade econômica no Brasil, nesse período, poderia prescindir do trabalho escravo.A escravatura era fundamental para a manutenção de uma estrutura social desigual no Brasil, em que não só os escravos estavam excluídos, mas também os ex-escravos e homens livres e pobres, pois viviam submetidos aos potentados rurais – que controlavam o acesso à terra, justiça, religião,e todo o aparelho estatal.De todos os países da América Latina, o Brasil e Cuba foram os países mais inflexíveis na defesa da escravatura até o século XIX.O Brasil foi a última nação a abolir o cativeiro no continente americano e a que importou o maior número de escravos.A escravidão foi uma forma de organização social característica do conservadorismo da elite brasileira, relutante até os últimos dias em fazer a abolição. ________________________ ² Esse conceito foi usado cada vez mais pelos escravos, a partir da década de 1870 para comparar as condições entre um cativeiro “aceitável” de um cativeiro inaceitável e totalmente opressor.A esse respeito ver Sidney CHALHOUB, Visões da Liberdade, passim. 11 e nem tampouco em rebeldes valorosos e indomáveis”. nem em passivos receptores de valores senhoriais. expressa também pelo autor de Casa-Grande & Senzala. 1994. Sem dúvida. e se fossem considerados “excessivos” poderiam dar margem para uma ação judicial em favor da liberdade ou um plano de fuga. Prova disso é que.52). sobre o que decorriam muitas discórdias entre ambas as partes. todavia nem sempre foi um método seguro de controle social dos escravos. A idéia de que a escravidão africana no Brasil foi amena constitui um ponto polêmico a ser contestado. foi que abriram mão das formas mais usais de tortura dispensadas aos escravos.421).42) 2. até os mais íntimos. 1981. (CASTRO. Sem dúvida. então. os senhores escravistas determinavam torturas de extremo sadismo: castração. p. (CHALHOUB. para com os africanos. amputação de seios. SLENES. perpassando os seus efeitos aos escravos em geral. salgamento de feridas e emparedamento de pessoas vivas. só após a abolição do tráfico. quanto para conquistarem a liberdade. 1990.. pacientes ou tolerantes. Em caráter excepcional. tem sido definido por estudos que se inserem na recente tendência historiográfica inaugurada nos anos de 1980 e tem modificado a compreensão acerca da escravidão no Brasil. Ainda a violência praticada contra os escravos não embotou a sua consciência ou retirou-lhes a vontade de resistir. O senhor controlava todos os atos da vida dos escravos. em seu cotidiano. (PINSK. extrapola as condições de vida do chamado escravo doméstico e da intimidade que estes desfrutavam com seus senhores (FREYRE. sobretudo aos destinados ao trabalho produtivo dos engenhos. Não faz sentido levar a sério a defesa do argumento da brandura escravista. quebra de dentes a marteladas.. A violência é outro aspecto inerente ao sistema escravista no Brasil. O uso de torturas nos escravos poderia causar a insubordinação. Anula. Chalhoub chama à atenção para o perigo de dois extremos ao considerar a situação do negro frente à violência: (. p. 1997.) “A violência da escravidão não transformava os negros em seres ‘incapazes de ação autonômica’. 12 . a grande maioria dos senhores escravistas não foram bondosos.1 O relacionamento entre os senhores e os seus escravos. Os laços de dependência que os senhores mantinham ao longo de anos com seu escravo. p. parece ter sido mais importante para a manutenção de seu domínio moral. O pressuposto de que escravizados criaram estratégias tanto para enfrentarem o cativeiro. os conflitos que resultavam das relações senhor-escravo. porém. Os senhores souberam usar a distribuição dessas funções para legitimar o seu poder diante dos escravos. onde se estabeleciam vínculos que acabavam por ir além de interesses econômicos. a exemplo do que fazemos neste trabalho. CONRAD. pajens. Os escravos poderiam ser explorados de múltiplas formas e em diversas atividades pelos seus senhores. p. 1997. Os escravos domésticos – cozinheiras. mucamas. como observa Slenes: “(. como morar numa casa à parte da senzala e juntar uma renda extra para juntar seu pecúlio. Essa escala de importância do escravo e sua função parece indicar também a quantas estava a proximidade dele para com a liberdade. se firmou a idéia de que os escravizados foram agentes históricos que.1997. mesmo com os limites e a violência do sistema escravista. é que a própria distribuição dessas ocupações ‘melhores’ feita pelo senhor já refletia um compromisso entre as partes no campo da representação da ‘dependência’”. em geral. dependiam muito das ocupações que desempenhavam. Nem mesmo uma relação de maior proximidade com o senhor seria uma garantia contra suas arbitrariedades e o uso de seu poder. às vezes vivendo longe de seus senhores. Fatos deste tipo estavam ligados muito mais à tradição do que a legislação vigente sobre o trabalho escravo. pois era comum que eles circulassem sem amarras – exceto nos canaviais . Ao pensarmos a relação entre escravos e senhores como uma relação que ultrapassava quaisquer formas de utilitarismo. podendo ser escravos de ganho ou de aluguel.272). (SLENES. construíram uma lógica de sobrevivência e resistência. então. com o uso de cartas de alforria e escrituras de compra e venda de escravos. As condições de vida e de trabalho dos escravos. resultantes de variadas fontes documentais. poderíamos apontar para a idéia de que outros símbolos os sustentavam. a idéia de que os escravos haviam se submetido passivamente à política de domínio senhorial e o ponto de partida analítico passa a ser o escravo. entretanto.e trabalhassem para si aos domingos e dias santos para ajuntamento de pecúlio. era impossível aos senhores ter o controle total sobre seus escravos para que os impedissem de fugir. Nesta perspectiva.possuíam melhores condições de vida por estarem mais próximos de seus senhores. . Abandona-se. Estas fontes falam sucintamente dos escravos. Uma escrava que pretendesse usar de 13 . mas analisadas em conjunto oferecem importantes informações sobre os escravos e seus proprietários. diferentes e complexas experiências históricas da escravidão têm sido recuperadas.. 1990). CHALHOUB. os escravos que viviam na cidade tinham maior liberdade de locomoção. Por exemplo. No eito o trabalho pesado da roça não concedia benefícios e sua jornada de trabalho era intensa. quase sempre sem o controle e a interferência de seus senhores.. Em geral.) A verdade. Assim. 1975. etc. Aqueles que tinham uma profissão conseguiam alguns benefícios por isso. Diante da possibilidade de perderem seus espaços de autonomia ou frente às arbitrariedades e violências da parte de seu senhor. um caminho para sua liberdade. 1990.relações amorosas para obter a liberdade. Os senhores conheciam as aspirações e insatisfações de seus escravos e por isso dosavam “a força e o favor”. Com o maior peso recaindo sobre o escravo. 1990. Os escravos poderiam influir em seus destinos ao demonstrar sua opinião sobre as circunstâncias da venda. A venda era um momento de indefinição e mudanças. os escravos tomaram atitudes radicais para conseguir sua liberdade como a fuga ou o assassinato de senhores e feitores. sofre diversas “bordoadas” dadas por vários escravos (CHALHOUB.350). a “peça”. Nesse caso específico é o que Hebe Mattos chamou de “intimidade hierárquica” (1997. para o qual relutava em seguir. 1990. como forma de resgatar seus espaços de autonomia retirados pela ganância comercial. A maioria dos escravos chegou ao Rio de Janeiro pelo tráfico interprovincial. no dizer de Robert Slenes. Devia sempre ter em conta os custos de risco-benefício. um momento bastante oportuno para os escravos influírem no processo de transmissão de sua posse (CHALHOUB. mesmo com uma proximidade maior.Um grupo de escravos articulou-se para surrar Veludo e depois se entregar à polícia. corria o risco de ter seus planos frustrados ou sofrer represálias. p. José Moreira Veludo.Mas os escravos também souberam cultivar no cotidiano e nas pequenas ações. que estaria diante de um novo trabalho ou lugar. Quando lhe era conveniente. por sua função. Aqueles apresentados como escravos desobedientes ou fugitivos costumeiros. onde o comerciante de escravos na Corte. tivesse uma maior proximidade com o senhor. ele irrompia num ato de revolta. p. Um caso sintomático desses novos tempos de insubordinação dos escravos é relatado por Sidney Chalhoub. no qual o escravo seria avaliado em todas as suas condições físicas e morais. Robert Slenes aponta para os laços que sobreviveram dentro da escravidão. o que faziam quando fugiam ou cometiam algum crime nesses momentos cruciais de sua vida (CHALHOUB. p29).52). p.32). Outro escravo que. afirmando estar na permissão da formação familiar “uma importância 14 . não seriam uma boa opção para o novo senhor. Havia ainda o “período de teste” com estes novos senhores. também não estava livre do jogo do poder e das interferências senhoriais na sua vida privada. ao comentar os revezes a que estava sujeita essa relação. e negavam-se a seguir para as fazendas de café. Ao estudar a família escrava. como todos os outros escravos em suas intenções de liberdade. Se o senhor não cumprisse o acordo. Alguns disseram ainda que o senhor era mau e pretendia surrá-los em breve. o escravo procurava moldar seu comportamento para ganhar favores. para ambos os lados. em particular). com freqüência.. sobre a condição dos libertos americanos após a Reconstrução e os desafios da libertação.ANPUH. c) passando carta de alforria. se revelava precondição daquela. 1997). e evitar sua fuga. 1988. dentro das incertezas e inseguranças do sistema escravista. compadres. ou seja. para maior validade e se evitar contestação judicial tornou-se hábito registrar tal documento em cartórios e de lançá-los nos livros de notas. torná-lo obediente. poderia representar um “favor” concedido pelo senhor. na hora do batismo. por outro lado as relações familiares serviam de base para os cativos buscarem a liberdade nos instantes decisivos formando uma rede de solidariedade³. de uma maneira geral e para as mulheres. que deveria conter a assinatura do senhor ou de terceiros (a rogo. constituía variável tão fundamental quanto a proximidade da família senhorial para o acesso à alforria e.p. ficando o vigário com a função de registrar no livro de batismo. havia três modos do senhor outorgar a alforria ao escravo: a) em pia batismal. um casamento entre escravos. como observa Hebe Castro: (.Sobre esse assunto ver texto de Eric Foner. Por um lado a constituição de uma família. pelo fato de poucas pessoas saberem ler e escrever). O projeto de liberdade. Estas medidas se firmaram na lei costumeira. parentes. A união da família escrava serviu de base para a conquista da liberdade. prática muito comum. e outros brancos simpatizantes. em nome do senhor. b) em testamento. o senhor poderia declarar que “forrava” a pessoa e o motivo pelo qual lhe fornecia a libertação do cativeiro.central para a política de domínio dos senhores e para os projetos dos escravos” (SLENES.) “o acesso a relações familiares (mais fácil para os crioulos. pois não havia uma legislação regulando a prática de libertar escravo. documento em que um indivíduo indicava como se deveria proceder a partilha de seus bens e ao cumprimento de suas ultimas vontades. e até mesmo uma forma de prender o escravo..” (CASTRO. ________________________ ³ Contudo as relações familiares não foram garantia contra a separação e a violência imposta pelo sistema escravista.in :Revista Brasileira de História. 1997).350) Na sociedade escravista..nº16.. O significado da liberdade.1997. 15 . nem sempre foi uma atitude individual – como no caso da fuga – mas que acionava uma rede de solidariedade envolvendo libertos.(SLENES. a união familiar foi um importante argumento utilizado pelos escravos. etc. outrossim. de 28 de setembro de 1871. e nenhum 16 . a discordância relativa aos valores e condições para a compra da liberdade. sob a proteção dessa pessoa – um depositário (CHALHOUB.(CONRAD. que pudesse lhe adiantar o valor requerido. agora havia as determinações legais de proteger o pecúlio e forçar a venda de escravos contra a vontade senhorial. entregando-a muitas vezes em momentos especiais e festivos para a família senhorial. mediante o consentimento do senhor e aprovação do Juiz de Órfãos”. Outras vezes. Para conseguir a liberdade. o cativo precisava corresponder a lealdade esperada por seu senhor. A intervenção da Justiça que antes somente se justificava em caso de impasse. a negociação entre o escravo e o senhor para o acerto do preço da carta de liberdade continuava privativa das partes. parágrafo 3º.) A Lei do Ventre Livre procurou. juntamente com o registro do pecúlio constava quase sempre a preocupação do senhor em fazer anotar a benevolência do seu ato. contudo. mas com algumas modificações importantes. 1975 p. Muitas vezes os pleiteantes procuravam incluir argumentos capazes de sensibilizar o juiz.Toda concessão deveria parecer emanar das mãos do senhor. como veremos em seu artigo 4º. inclusive. parágrafo 8º: “Se a divisão de bens entre herdeiros e sócios não comportar a reunião de uma família. o escravo buscava um homem livre. batismos. não se restringiam aos termos do negócio.Por isso. Após a promulgação da Lei 2. na troca de benefícios às demonstrações de lealdade. permitido ao escravo. isto é. elas carregavam consigo a mensagem de retribuição e reciprocidade. A alforria e o pecúlio partilhavam um aspecto importante como instrumento de negociação entre senhores e escravos. Por meio dessa aproximação. o cativo lograva executar tarefas envolvendo rendimentos monetários. em favor de sua liberdade. 368). colocando-se em troca. em seu artigo 4º. onde lemos: “E.166. Sob esse aspecto. o senhor fazia da entrega da alforria um momento de cerimônia. contratar com terceiro a prestação de futuros serviços por tempo que não exceda de sete anos. de suas relações. legitimar tais práticas. 1990. Entre as justificativas.A indissolubilidade da família foi. p. as notas cartoriais de liberdade extrapolavam uma simples troca comercial. O escravo para obter as somas necessárias à compra de sua liberdade mantinha-se estreitamente ligado aos seus senhores. Os autores das ações de liberdade. Na política de dominação senhorial esses dois itens se mostraram eficazes para diminuir a insatisfação dos negros com seu cativeiro. Todos os atos relacionados à alforria deveriam ser representados como provenientes da vontade privada do senhor.040. formaturas. Todavia. mediante o pagamento do valor do escravo em juízo. Antes. como casamentos. inclusive usada como princípio para o reconhecimento do pecúlio pela Lei do Ventre Livre. visto que estimulava o bom comportamento do cativo para concorrer a uma carta de liberdade. O historiador Sidney Chalhoub (1990). Tais relações ultrapassavam. em seu livro Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. em uma pesquisa ampla em que utiliza- se de vários processos crimes. mostrando as complexidades e ambigüidades das relações escravistas que vigoraram no Brasil. eram aqueles que prestavam bons serviços. por exemplo. 1975 p. ou mesmo como resultado das relações senhor/escravo. a esfera do econômico e estabeleciam obrigações morais outras. Eles tinham “uma concepção mais ou menos clara da reciprocidade de obrigações e direitos que os ligava”. As ações cíveis de liberdade que se espalharam pelo país durante a escravidão (CHALHOUB. eram obedientes e pelos quais se desenvolvia algum tipo de afeição em troca de proteção de subsistência e até mesmo liberdade. mediante reposição da quota-parte dos outros interessados. as batalhas travadas pelos escravos em ações jurídicas que poderiam durar anos. Bons escravos. Nas relações entre escravos e senhores no Brasil no século XIX. o convívio “pacífico” entre eles era definido pela troca recíproca de obrigações morais (CASTRO. Umas das questões mais investigadas nos estudos de alforrias tem sido o respeito da motivação dos proprietários em conceder a carta de alforria. Para Chalhoub. tanto senhores como escravos sabiam como proceder para não se desagradarem reciprocamente. acabaram por desgastar a imagem da escravidão diante da sociedade. assim. Cabia ao escravo a obrigação de trabalhar e servir o seu senhor e ao senhor cabia dar aos seus escravos garantias de vida e subsistência. afirma que havia concepções muito precisas a respeito da legitimidade e dos limites do domínio exercido pelo senhor em relação aos seus escravos. 368). 67). utilizando-se de um conceito novo: o de 17 . como um instrumento paternalista que contribuía para a manutenção da escravidão. aos olhos dos senhores. Contudo. (CHALHOUB. de fidelidade e de proteção. No campo do Direito. nos idos de 1870. p. ações cíveis de liberdade e livros de registros de cartas de alforria. 1990. será a mesma família vendida e o seu produto rateado”. (CONRAD. 1995). os escravos passaram a questionar a legitimidade de sua própria escravidão na justiça. como.deles preferir conservá-la sob o seu domínio. Alguns estudiosos destacaram as influências econômicas na concessão de alforrias. por este último ter conquistado a afeição de seu dono. 1990) servem como demonstrações de que a relação entre escravos e senhores se deu muitas vezes de forma conflituosa e que em tais momentos rompiam-se os vínculos primeiramente morais e posteriormente contratuais da relação. outros. havia aproximadamente 779.Isto era praticamente o dobro do número de escravos nas oito províncias da região nordeste. conservadores e liberais discutiam propostas de encaminhamento de abolição gradual (CONRAD. A cada dia cresciam nos tribunais de justiça processos de ação de liberdade (CHALHOUB. como o Sudeste. muitos fatos foram de fundamental importância para a concretização deste movimento. com 301. Nos centros urbanos.346). emancipacionistas e abolicionistas debatiam suas idéias e operavam a favor da libertação dos homens escravizados. Nas últimas décadas do oitocentos o sudeste escravista se agitava em movimentos sociais de ordem diversa. muitas vezes deixando para trás um rastro de destruição e morte. 1. A criminalidade praticada por mancípios contra os senhores. O movimento e as preocupações não eram menores na Corte. 1995). 1995) as fazendas onde anos a fio haviam sido escravizados e tomavam a direção do porto de Santos.p. No parlamento. A concentração da população escrava em uma única região foi um dos fatores que provocaram o desequilíbrio da escravidão no país.175 escravos nas quatro Províncias que compunham a região sudeste do Império: Rio de Janeiro. enquanto outras regiões caminhavam já para a transição com o trabalho livre. casa grande e senzala viviam a expectativa daqueles anos melindrosos. Nas grandes propriedades agrícolas. 1975). os trabalhos mal executados ou não cumpridos eram formas de manifestações dos negros que esbarravam em uma legislação rígida e um aparelho repressivo bem constituído que sufocavam as revoltas e impediam a concretização dos ideais de liberdade dos escravos.470 escravos (CONRAD.3 Algumas questões sobre a liberdade. familiares e seus prepostos também era crescente em todo sudeste. comprometendo algumas regiões com a continuidade da instituição. Minas Gerais e Espírito Santo. As rebeliões. a segunda colocada. principalmente aqueles relacionados à questão do elemento servil e das formas de transição da mão-de-obra. os quilombos. as fugas. fato demonstrado nas ações de insubordinação dos escravos e no crescimento do movimento abolicionista.“cativeiro justo”. Na Província paulista os cativos abandonavam em massa (CASTRO.1978. São Paulo. procurando estender sua atuação às zonas rurais. O processo de emancipação aspirado pelos negros só ganhou força a partir da segunda metade 18 . No caminho que se percorreu até a abolição da escravatura. como foi o caso do Nordeste. A escravidão perdia cada vez mais sua legitimidade. usado para referir-se aos excessos dos senhores no seu campo de domínio privado ou pela ausência das obrigações mínimas dos senhores. Em 1884. ou mantê-los consigo até os 21 anos. foram libertados 22.660 escravos.351). devido à resistência dos fazendeiros escravocratas que eram a base de sustentação política da monarquia. Nas províncias de grande concentração de escravos como Rio de Janeiro e São Paulo. a escravidão foi abolida no Ceará e no Amazonas. Fato que contribuiu para que em 28 de setembro de 1884 fosse sancionada pelo imperador a Lei Saraiva-Cotegipe. quermesses. e a urbanização intensificaram o movimento abolicionista que estava mais concentrado nas cidades onde moravam os abolicionistas. os fazendeiros que em um primeiro momento atacaram a lei.do século XIX quando o protesto de alguns setores da classe dominante se juntou à luta dos negros. Na verdade. profissionais liberais e estudantes universitários. José do Patrocínio e André Rebouças. clubes e associações encarregadas de difundir suas idéias. em 1884. devemos levar em conta que essa política emancipacionista ocorreu de forma progressiva. quando poderia entregá- los ao Governo e receber uma indenização. e principalmente intelectuais. tomou corpo o movimento abolicionista. Mudanças sociais como a introdução do trabalho assalariado. porque perderam boa parte de seus escravos no tráfico interno (CONRAD. conhecida também como Lei dos Sexagenários. Fundaram jornais. quando foi aprovada a Lei do Ventre Livre. esta lei só beneficiava de fato os senhores de escravos já que estes proprietários deveriam criar os menores até os oito anos.2000). acabaram defendendo-a depois.por volta de 1890 chegava a 522. Somente em 1878. p.Os abolicionistas promoviam conferências. foram libertados em todo Brasil apenas 18. o Clube Abolicionista dos Empregados do Comércio e a Sociedade Libertadora da Escola de Medicina. liderado por pessoas como Joaquim Nabuco. que concedia liberdade aos escravos com 60 anos ou 19 . pois poucos escravos eram libertados. p. as tensões entre senhores e abolicionistas aumentavam. ou seja. estabelecendo que os filhos de escravos nascidos no Império seriam considerados livres.Além disso.900 escravos (VILLA. utilizando seus serviços como retribuição pelos gastos que tivera com seu sustento. pessoas que tinham participação dos setores agrários não vinculados à escravidão e da classe média urbana. em dezesseis meses de campanha abolicionista. como a Sociedade Brasileira contra a Escravidão.000 pessoas só no Rio de Janeiro (VILLA. já que estas eram províncias menos vinculadas ao sistema escravista. 1975.No Ceará.Mas. festas beneficentes e comícios em praças públicas. enquanto que em doze anos de vigência do fundo de emancipação da Lei do Ventre Livre. fazendo com que a situação dos negros continuasse a mesma e por isso.27). as atividades industriais e o crescimento da população livre . 2000. Um importante passo para o processo de liberdade ocorreu em 1871. A questão é que esta lei não foi cumprida na realidade. Existem outras respostas submersas no discurso dos senhores em torno do argumento dos “bons serviços prestados”. assinou a Lei Áurea. os escravos foram ativos na conquista de sua liberdade. é que na maioria dos casos o escravo usou de seu trabalho. medidas paliativas para sustentar a instituição decadente. a abolição mais especificamente para os negros não significou liberdade efetiva. garantia ou assistência e a grande maioria deslocou-se para as cidades. Os negros foram atirados no mundo dos brancos sem nenhuma indenização. que libertava “incondicionalmente” em torno de 750.mais (mas estes eram obrigados a trabalhar para os senhores durante três anos ou até completarem 65 anos) e previa um aumento do Fundo de Emancipação. Os planos dos abolicionistas em relação à integração do escravo não se concretizaram. Ele não tinha condições de concorrer com o imigrante. que a todo o momento procurava se beneficiar dessa situação. 2000). pois ela se transformou. em algumas “cartas de liberdade”. onde os aguardavam o desemprego e uma vida marginal. melhor qualificado tecnicamente. e nas pesquisas históricas. a concessão de alforria a escravos produtivos e de alto valor. pecúlio e a ajuda de outras pessoas para conquistar a sua liberdade. Portanto. Os dois breves artigos desta lei apenas extinguiram a escravidão no Brasil e revogaram as disposições contrárias. A regra geral para os ex-escravos foi a não-integração à sociedade. O que observamos nas poucas “cartas de liberdade” a que tivemos acesso. não fazendo nenhuma concessão para garantir a integração do ex-escravo à sociedade. o que vemos é que em termos sociais. E somente no dia 13 de maio de 1888 a princesa Isabel. Na realidade. cerca de um décimo da população negra do país (VILLA.000 escravos. ou um momento para sua redefinição? A liberdade estava sendo “dada” de forma livre e desinteressada? É intrigante observarmos. 20 . entre outras coisas. em preconceito racial e exclusão social. mesmo que para isso devessem ceder às determinações de seu senhor. que substituía o imperador. Esta lei previa ainda a suspensão do tráfico interno de escravos e o tabelamento do preço dos escravos. O que significava para as relações entre senhores e escravos à concessão da liberdade? Seria o fim do vínculo. sendo aos poucos reduzida: 21 . Outras províncias. a população escrava é reduzida ainda mais. SÁ. década após década.000 escravos (CONRAD. Após a extinção do tráfico internacional em 1850. a variação da população escrava. uma quantidade de escravos muito superior à da Paraíba.Década após década a proporção de escravos diminui. O atraso técnico no plantio e fabrico do açúcar condicionava o aumento da produção à expansão da área cultivada e do número de trabalhadores. 1975. (MEDEIROS.II. V.210). Os escravos foram poucos para o trabalho na lavoura. enquanto a população livre aumenta em evidência.1. com economia mais dinâmica no Nordeste. em que os senhores de engenho já pobres pagavam caro por escravos que desembarcavam na Capitania vizinha. como Pernambuco e Bahia. A dificuldade de transporte foi um empecilho para o desenvolvimento econômico da Paraíba. p. Ao longo do século XIX a população escrava declina. p. 50). tornando oneroso o transporte e retirando o lucro dos produtores. Os escravos eram o esteio da economia.A tabela abaixo mostra. e os reclames constantes dos proprietários e presidentes da província evidencia a carência de trabalhadores. p. um aumento súbito de escravos talvez devido ao progresso do algodão. a força de trabalho que gerava tantas riquezas. mas é interessante observar que os dados de Robert Conrad referentes a 1864 colocam a Paraíba com 30. isoladamente. 1977. CAPÍTULO II A ESCRAVIDÃO NA PARAHYBA DO NORTE 2. acentuada no período pós-1850 (PINTO. pois corta-se a renovação de escravos africanos. possuíam. 1999. os produtores se vêem obrigados a utilizar algumas modalidades do trabalho livre.À medida que a população livre aumenta tanto e os escravos são reduzidos. se comparada à proporção da população livre.346). A escassez da mão-de-obra ocorria por conta de “seu estado de pobreza crônica” e da subordinação econômica a Pernambuco.Os poucos braços de nossa lavoura arcaica Desde o período colonial a quantidade de escravos na Parahyba foi baixa. porque era realizado em péssimas estradas e a longas distâncias. 43% 212. depois ser a força para a tração das moendas.279 = 79.358 1811 104.168 = 79.835 1805 39.448 1823 102. Eram empregados em outras atividades de manutenção do engenho.Os proprietários consideravam o trabalho escravo fundamental à sua produção agrícola.407 = 83.42). . pp. p. 1979.40% 122.61). 1979.894 1802 40.36% 219.407 1820 79.60% 17.633 = 14.Em uma produção agro-exportadora lucrativa o que importava era produzir cada vez mais.1999.66% 20. p.58% 10.34% 90. TABELA: I POPULAÇÃO ESCRAVA DA PARAÍBA. Essa parece ser o máximo de escravos que um senhor de engenho paraibano podia sustentar: 20 escravos.000 = 16.25% 28.104 Fonte: (Medeiros.75% 206.2 O trabalho escravo e suas produções Os escravos que trabalhavam nos engenhos sofriam com uma pesada jornada de trabalho. cortar. 2. em detrimento da condição de seus trabalhadores.479 = 86.33% 122.774 = 85. 55) Os donos de engenhos foram os que concentraram mais escravos em seus plantéis. .667 = 21% 50.466 .952 1851 183. tendo em vista que desconfiavam da capacidade de disciplina do homem livre de submeter-se ao rigor do trabalho imposto ao escravo.56% 28.66% 16.Os homens livres pobres viam com aversão o pesado trabalho nos engenhos. (1798 a 1851) ANOS POPULAÇÃO LIVRE POPULAÇÃO TOTAL ESCRAVA 1798 30. e transportar a cana.723 = 17. Consistia em plantar. 41. um número baixo comparado à média de setenta escravos em Jaboatão no Pernambuco de 1857(GALLIZA.63% 18. Mas a alimentação era pobre.920 = 86. - 1870 200.03% 39. etc. 22 .327 = 8.077 = 20.777 = 91.473 = 13.42% 49.897 = 22. baseada em charque e bacalhau (GALLIZA. como a pesca e a agricultura de subsistência.989 = 77.546 = 13.70% 8.407 1850 178.00% 10.725 = 82. contudo a maioria deles tinha menos de vinte escravos. O trabalho escravo se adaptou a diversas situações.. os escravos também produziam uma vasta variedade de exportações menores em quase todas as regiões do país. bem como a sua baixa qualidade frente a seus concorrentes internacionais (GALLIZA. os escravos faziam todos os trabalhos no Brasil. Além desses dois itens voltados para o mercado externo. tais como o transporte de cargas e pessoas.Acerca da abrangência da escravidão no Brasil .” (CONRAD. todos os 643 municípios do Império dos quais havia estatísticas ainda continham escravos.23). de modo que era quase impossível não utilizar o trabalho escravo na sociedade oitocentista brasileira (CONRAD. Na fase de entressafra havia a preocupação em manter o escravo ocupado em outras ações. mesmo que estas não significassem lucro. Conrad assim se expressa : “(. Essas produções não são 23 . No segundo meado do século o algodão. inserindo-se às vezes numa produção voltada para o consumo interno. desenvolve-se na Paraíba oitocentista outras produções voltadas para o mercado interno. p. situação que poderia suavizar as condições de trabalho do escravo ou endurecer a vida do homem livre. traz lucros para os produtores e receita para a província. como ficou consagrado na história oficial. Mas essa não foi a única função do escravo. É o caso da agricultura de subsistência praticada em maior escala no agreste e no brejo. 1979. carregadores. A economia agro-exportadora sofria com os altos e baixos do preço do açúcar. ferreiro. Estabeleceram-se outras relações no interior e o escravo exerceu outros papéis. além da agricultura exportadora do litoral. etc. Os escravos não só eram um elemento quase universal na população.. sobretudo no primeiro meado.o que parece depender mais da atividade econômica desempenhada e seus lucros que outro contexto. trabalhador de eito.1975. e da atividade criatória nos sertões.23).) Na década de 1870. produzido no agreste e outras partes do interior.. Os escravos eram usados nos trabalhos mais penosos e considerados degradantes. etc. carapina. Além dos principais produtos. O trabalho do escravo poderia ser usado em outras áreas além do litoral. a construção de obras. desde criados domésticos.. onde também poderia exercer diversas funções como criado doméstico. Na primeira metade do século XIX o açúcar constituía o principal produto de exportação da Paraíba. o reparo de estradas.. mas também eram usados em quase todos os tipos de trabalho . em que encontrou melhores condições de vida. Muitas vezes o escravo trabalhou ao lado do homem pobre e livre.. a quase todas as atividades manuais. No século XIX. 6). p. 1975.p. ..7% do total da população. O aumento da exportação de algodão para suprir a demanda externa inglesa superou os lucros com o açúcar em 1850.526 escravos.Conforme afirma Marc Hoffnagel: (. e na década de 60 deu-se o “boom” do algodão. já que essas demandas vinham do exterior. principalmente no interior da província. Os preços do açúcar e do algodão eram vulneráveis aos altos e baixos. nos sítios. O aumento da exportação de algodão para suprir a demanda externa inglesa superou os lucros com o açúcar em 1850.45). Foi no agreste onde a cultura do algodão se expandiu. Ao lado da produção de algodão. No Sertão. e não necessitava de muita mão-de-obra. de forma que suas atividades agrícolas dependeram grandemente da exploração do trabalho livre”. torna-se mais rara a sua presença. pois parte da plantação servia de ração para o gado. de maio a dezembro. por conta da Guerra Civil norte-americana. requerendo menos trabalhadores. Os preços do açúcar e do algodão eram vulneráveis aos altos e baixos. mais estável. p.As condições de trabalho mais amenas e uma melhor alimentação atraíram em grande quantidade homens livres e pobres. chegando a tornar- se a principal fonte de renda da Paraíba.) “Comparando com outras regiões da província. que representavam apenas 5.(HOFFNAGEL. 1979. já que essas demandas vinham do exterior. Na segunda metade do século XIX veio a decadência da indústria açucareira e o avanço da produção de algodão. a Paraíba contava com 21. (GALLIZA. requerendo menos trabalhadores. 1990. chegando a tornar-se a principal fonte de renda da Paraíba. por conta da Guerra Civil norte- americana.voltadas para as demandas externas.. Quando ocorreu o primeiro censo do Império em 1872. e não necessitava de muita mão-de-obra. essa cultura foi complementar à criação. Na segunda metade do século XIX veio a decadência da indústria açucareira e o avanço da produção de algodão. (GALLIZA. mas após a extinção do tráfico. de maio a dezembro. p. mandioca. Mas nesse período desenvolvia-se uma produção voltada para o consumo interno. essa cultura foi complementar à criação. Mas nesse período desenvolvia-se uma produção voltada para o consumo interno. O cultivo realizava-se em um curto período. principalmente no interior da província. pois parte da plantação servia de ração para o gado.45). feijão.84 e 24 . etc. e na década de 60 deu-se o “boom” do algodão. No Sertão. mais estável. pp. O cultivo realizava-se em um curto período. portanto oferecem condições mais estáveis para seus trabalhadores. 1979.O braço escravo foi freqüente nos plantios de algodão no início do século XIX. o agreste tinha a menor proporção de escravos. em que cultivavam milho. fazia-se uma agricultura de subsistência. sendo de uso freqüente o trabalho escravo no termo dessa comarca.Os homens livres preferiam prestar serviços temporários e vagar de fazenda em fazenda. para uma sociedade patriarcal e arbitrária.Mesmo nessas condições. essenciais para a manutenção das fazendas do criatório. nas obras estruturais da fazenda (cercas.) Embora nas primitivas fazendas sertanejas tenha ocorrido a utilização da mão-de-obra índia ou mameluca. lavouras de subsistência. Os documentos de São João do Cariri fazem referência a diversas localidades. no Sertão e Cariri da Paraíba.111). devido a sua predominância na região e ao nomandismo típico do pastoreio. como nos trabalhos domésticos. etc. já havia homens livres encontrando emprego remunerado nas plantações de cana-de-açúcar – devido ao esvaziamento de escravos provocada pelo tráfico interno. curtição de couro. etc. desde o tempo colonial os escravos foram usados em vários tipos de trabalho.(GALLIZA.. do Cariri. de rígida disciplina e sob duras condições. o trabalho do negro não foi omisso no criatório. como na criação do gado.O trabalho do negro foi importante e se inseriu na economia do interior. relutavam em usar o trabalho dos homens livres como alternativa ao problema da mão-de-obra. 2. 24).).Os escravos eram usados nos trabalhos mais penosos. Ao realizarmos pesquisas nos documentos da Igreja e do fórum de São João.A população livre cresce no século XIX. dos quais o homem livre preferia não tomar parte. como conseqüência da melhoria nas condições de vida .86). na Paraíba e em outras províncias do Norte. nos tempos coloniais”. controlando o acesso à terra e ao poder local. tão adequado à índole indígena. Os escravos foram utilizados em diversas funções.etc.(CONRAD.auxiliando o vaqueiro. p. cacimbas. 1979. pudemos perceber que os escravos se inseriam na economia da região do Cariri já no segundo meado do século XVIII.Como o trabalho escravo era o modelo. A historiadora Diana S. ou viver precariamente no campo..Mas os proprietários. A intensificação do povoamento no interior a partir do final do século XVII esteve atrelada à criação de gado como principal atividade econômica.3 O trabalho escravo no Cariri. sujeito às imposições dos donos das terras. açudes. Galliza enfatiza que o trabalho do “negro” esteve presente no sertão desde os tempos coloniais: “(. O livro nº 01 da freguesia de Nossa Senhora dos Milagres de 1778 já traz registros acerca dos 25 . o trabalho livre fazia-se a duras penas. por isso eram taxados de vadios e preguiçosos. Para além do litoral. p. pela experiência profissional de alguns. 1975. de Manuel Monteiro do Nascimento. Há uma citação no inventário sobre 04 escravos que por alguns anos haviam fugido juntos. os homens representam o dobro da quantidade de mulheres. A senhora Izabel e seu marido o capitão mor Domingos de Farias Castro tinham grande escravaria porque eram muitos ricos. Este português foi dono de vários escravos. os escravos Manuel “do Gentio de Guine” e Thereza “do Gentio da Costa”. 8 nascidos no Brasil e apenas 01 é mestiço. bancos e cadeiras eram rústicos. é o escravo mais caro. As fazendas de criatório necessitavam ser auto-suficientes. nas plantações dos alimentos básicos.br/cariri do pesquisador genealógico Tarcísio Dinoá Medeiros. um aprendiz de ferreiro. O inventário de Izabel Rodrigues de Oliveira. exercendo profissões ou funções específicas. entre eles: o escravinho Felix que morre em 1º de agosto de 1798.persocom. envolto em tafetá vermelho e sepultado na Capela de Santa Ana. uma delas localizada em Cabaceiras. Também era importante nesse contexto o trabalho doméstico das escravas que produziam tecidos. como tamboretes e malas. mostra-nos fatos muito interessantes relativos à colonização. fundador de Monteiro. O negro Vicente. que morreu em 1739. que se casam em 11 de agosto de 1778. costuravam. Em seu inventário constam 22 escravos. Quase tudo deveria ser produzido ali. Nele há diversas notas sobre o português Francisco Duarte Pinheiro. e quase tudo era feito de couro. atividades produtivas e o trabalho escravo no lugar . 26 . 2002). com diversas fazendas. e de tempos em tempos os tropeiros traziam novidades para vender ou trocar pela produção local. avaliado em 120$000.com. sendo que 14 deles são africanos. cozinhavam ou exerciam outras atividades para manter a fazenda. pela distância dos lugares de distribuição e isolamento em que viviam. Os utensílios domésticos como mesas.escravos. onde produziam gêneros para sua sobrevivência na lavoura e com suas engenhocas. Também foi freqüente o uso de escravos africanos na fazenda Alagoa no início do século XIX. Como estava ainda no auge do tráfico de escravos africanos. 1 As informações desse inventário foram retiradas do site www. residente na fazenda Roncadeira da povoação de Santa Ana do Congo. O trabalho do negro entra como auxiliar do vaqueiro ou mesmo como vaqueiro. e não se sabia onde estavam no momento que se procedia ao inventário dos bens. onde se praticava a atividade criatória como principal fonte de renda (RIETVELD. influenciavam de um modo geral o trabalho livre depreciando-o e impondo-lhe duras regras (SÁ. p. Na opinião de escritores paraibanos há divergências quanto ao papel do negro na economia criatória do sertão. É evidente na afirmação de Irinêo Joffily o preconceito racial para com o negro. e os poucos que existiam eram indígenas. pois foi diminuta ou quase não existiu no sertão (ALMEIDA. não foi a principal atividade dos escravos nessas fazendas. 2005. p. a africana era inteiramente incapaz. 77. época em que o trabalho índio foi muito usado. que segundo Irinêo Joffily. p. no período colonial (GALLIZA.. até mesmo pelos riscos de fuga que havia nas criações extensivas dos amplos sertões. pp. 238). mais relevante. entre os escravos da fábrica alguns africanos.63. Mas isso ocorreu mais por uma questão estratégica. há evidências em documentos que mostram a presença regular do negro no sertão. nas principais. seu trabalho no criatório foi importante pelo suporte que davam à manutenção da fazenda. que eram recompensados recebendo uma parte do rebanho. de manter os escravos sob o controle e vigilância. A atividade de pastoreio.64).Mesmo que ele se refira ao século XVIII.. 1977. no sertão a maioria dos escravos tinha uma profissão 27 .De acordo com as pesquisas de Diana Galliza em nove municípios paraibanos.(JOFFILY.Para Horácio de Almeida a escravidão não teve importância nessa região.) Para semelhante modo de vida só era adaptada a raça americana. 1975. para a organização das fazendas sertanejas. e por isso a maior parte do pessoal de uma fazenda era de raça indígena. os escravos e as relações que estabeleciam com seus senhores. p.estes tinham mais importância numérica no trabalho do pastoreio: (. Mesmo sendo em pequena proporção. em si.238). Suas funções principais parecem ter sido os trabalhos domésticos e agricultura de subsistência.58). porque a criação não necessitava de muitos braços. VII.”(JOFFILY.24).Os poucos escravos que se inseriam. 1979. As pesquisas mais recentes têm mostrado que o lugar do escravo foi outro. Participavam ainda desses trabalhos alguns agregados e índios.Ambos atribuem pouca importância ao escravo na organização da economia sertaneja. havendo somente para o serviço doméstico. entravam como trabalhadores domésticos. Embora os escravos fossem em número reduzido. acreditando na sua incapacidade de exercer tal função. atribuindo-lhe uma incapacidade que seria própria da raça.Para Irinêo Joffily a atividade criatória no sertão foi desenvolvida em sua maioria pelo vaqueiro e seus auxiliares (homens livres). que poderiam fugir ou praticar “atos de rebeldia”. devido às oscilações de preço do açúcar no mercado externo.como cercas. pela vigilância e controle permanentes a que estavam submetidos os escravos.ou função específica (agricultor.201).currais.. as fugas que se acentuam na seca 1877-79.Os escravos eram responsáveis pelo cultivo de uma lavoura de subsistência. na participação da sedição Quebra-Quilos em 1874. a depender da lucratividade.Os municípios da zona canavieira foram bastante influenciados por essa evasão. ou outros 28 .II. a maioria dos escravos no Sertão não eram escravos produtivos mas de consumo.Isto significa que devem ser incluídos na categoria de escravos domésticos. 2.bem como as obras estruturais necessárias à criação de gado.etc.açudes. etc.A concentração de escravos no Sertão foi significativa e aumentou nos últimos anos da escravidão (ver anexo).. Na Paraíba não foi diferente. pois os proprietários deslocavam seus escravos para outras fazendas em outras produções.Em 1884. às vezes maior que os municípios da área canavieira. enquanto os municípios de economia canavieira concentravam pouco mais de 30% dos escravos e a capital detinha 1. pedreiro.SÁ.(GALLIZA.Essa resistência se deu de diversos meios: a formação de quilombos.77) Apesar da proclamada escassez de escravos no Sertão. Um ponto que deve ser levado em consideração é a mobilidade.).V. nos instantes finais da escravidão. pois no século XIX percebemos ações.976 escravos.89). de resistência à escravidão (ALMEIDA.88. propício para se desfazer dos escravos.1978.Para as historiadoras Maria do Céu Medeiros e Ariane Norma de Menezes Sá. costureira.p. municípios como Souza e São João do Cariri chegaram a concentrar um número significativo de escravos.1999.” (MEDEIROS. sendo imprescindíveis ao bom funcionamento da fazenda.1979.As revoltas foram mais difíceis de organizar. os escravos no Sertão se enquadram numa categoria diferente : (. Era oneroso e preocupante para os senhores manterem uma vigilância permanente sobre seus escravos. cozinheira.4 Uma instituição em ruínas.) “Sob tais contingências. curiosamente os municípios pecuaristas concentravam a maior quantidade de escravos.p.972 escravos. poucos mais de 40% dos cativos da província (ver anexo).pp. e São João aparecia com 1. O escravo também deu importante contribuição para que a escravidão chegasse ao fim no Brasil. em primeiro plano individuais e depois coletivas. p. mostra muito bem a delicada relação entre senhores e escravos e expressa o medo contra o “perigo negro”. quando foram presos 25 escravos. Fingia obedecer ao seu senhor com ar de humildade. que foi arrasado pela polícia da província da Parahyba em 1851. SÁ. do pouco que produziam e dos assaltos na vizinhança. algumas delas bem embutidas. que foi desbaratado no começo do século XVIII. sendo possível até os dias atuais identificar seus descendentes. e eram formados por escravos que fugiam sozinhos e partiam para lá como ponto de apoio.20). Surgiram grupos armados de escravos. os escravos aparecem reivindicando sua liberdade. e já em 29 . No seu cotidiano o escravo desenvolveu muitas práticas de resistência à escravidão. (Sá. a maioria deles voltou ao trabalho e outros fugiram.precariamente. p.43). 43). 1999. (CONRAD. no livro As vítimas-algozes. e sua família em troca da posse do livro de classificação de escravos. pág.A fuga significou um desgaste constante para a escravidão. Cerca de 400 escravos juntaram-se na cidade. Em meio a uma revolta de homens livres pobres. E nas proximidades de Princesa Isabel. existiu o Quilombo do Livramento. mas na verdade imaginava ações que pudessem prejudicá-lo. outro no engenho Espírito Santo. 77). (MEDEIROS. exigindo que lhes fosse entregue o “livro da liberdade”. Os jornais brasileiros no século XIX estavam cheios de anúncios de senhores dando recompensas em busca de seus escravos fugidios. identificados também como pessoas expropriadas de todos os direitos. conscientes de sua condição de escravizados. 2005. as novelas – libelo de Joaquim Manoel de Macedo. p. Entre os principais quilombos da Paraíba estavam o do Cumbe (SÁ. Esses quilombos localizavam-se em áreas de difícil acesso.Nesses lugares viviam à margem da sociedade. Porém como o padre declarou que não havia documento contra a liberdade deles. 1975. A participação dos escravos na revolta do Quebra-Quilos em Campina Grande em 1874 foi muito relevante.44). 2005. Bento Gomes Pereira Luna. chegaram a ameaçar o presidente da Câmara. Na literatura da época.pelos prejuízos decorrentes e o medo da violência negra. p. em terra hoje do município de Santa Rita.meios que os escravos encontravam em suas experiências cotidianas para fugir do julgo da escravidão. e com a eminente perseguição armada dos proprietários. com o objetivo de tornarem-se livres a partir do que dissesse o Vigário Calixto e apoderando-se do livro de classificação de escravos (SÁ. Os escravos que fugiam para os remotos sertões da Parahyba encontravam lá refúgio junto aos fazendeiros que lhe acolhiam para aumentar o número de trabalhadores. A fuga parece ter sido no Brasil a primeira forma de resistência dos escravos. 2005. etc. porque cessa a reposição dos escravos. como forma de abrandar os interesses conflitantes entre senhores e escravo.rábulas e até outros brancos simpatizantes da causa. Outros. nas décadas finais da escravidão. A lei de 7 de novembro de 1831 foi uma “lei pra inglês ver”. São as histórias de Maria e Bernardo. as mulheres. os velhos e as crianças. em maior quantidade. e a Paraíba foi uma das províncias nordestinas que mais perdeu escravos no tráfico interno (CONRAD.Acerca das diversas possibilidades do escravo conseguir sua liberdade. esses escravos souberam tecer uma rede de solidariedade. ao estudar as ações de liberdade promovidas pelos escravos em Campina Grande. tendo em vista que a escravidão tornava o escravo perverso e traidor – além de corromper a moral da sociedade.p. após anos de exaustivo trabalho.tornando o tráfico de africanos ilegal e declarando livres os escravos que chegassem a partir dessa data.Aproveitaram-se de uma contradição legal do sistema. para questionar sua própria escravidão.1869 diante do aumento das fugas e assassinatos de senhores.Luciano Lima assim se expressa: “(. entre os principais citamos: o tráfico interprovincial. as concessões de alforrias.Na difícil busca pela liberdade. numa província pobre que já possuía poucos escravos. as epidemias e as secas. 1975.) Alguns. destaca dois casos especiais. envolvendo desde seus companheiros de cativeiro. criaram um campo fértil para que o próprio escravo lutasse por sua liberdade. apoiados numa extensa rede 30 . para trabalhar nas lavouras de café. Quais foram os principais motivos da decadência da escravidão na Paraíba?Após 1850 a lei Eusébio de Queiroz anti-tráfico a escravidão no Brasil começa a minar... em que ambos ousam desafiar a legitimidade de seu cativeiro. Isso se deve a vários aspectos.que nesse período tinha maior receptividade na justiça.Aqui ficaram. propõe uma emancipação gradual e sem prejuízo para os senhores. alegando serem livres porque entraram no Brasil depois de 1831.412 escravos paraibanos entre 1874-1884 para o sul do país. A Paraíba que historicamente sempre teve poucos escravos. as ações do movimento abolicionista. feita pelo governo brasileiro.351). vemos que o tráfico interprovincial deslocou aproximadamente 3. no início da década de 1870. tem seus escravos reduzidos drasticamente.libertos. No segundo momento. O quadro da escravidão por ele construído tenta convencer da necessidade urgente de emancipação dos escravos. enquanto a maioria dos homens em idade reprodutiva era vendido a altos preços. O historiador Luciano Lima. As leis que o Estado Imperial baixou. Esse é o primeiro golpe. usaram de muita paciência e astúcia para conseguir a tão sonhada carta de alforria.O fato é que esses escravos passaram a usar a lei. despovoado de escravos e com escravos de menor qualidade produtiva. Para Sidney CHALHOUB (1990). com os produtores indo em busca dos enormes lucros com a venda dos escravos. muitas vezes no fio da navalha. já era em sua maioria favorável à transição para o trabalho livre. 1979. de última hora. (CONRAD. 352). porque a lavoura cafeeira no Oeste paulista e o “mercado de escravos” no Rio de Janeiro compravam escravos por todas as partes do país a preços altíssimos. com a crise no setor açucareiro e no comércio do algodão da Paraíba. depois viram os perigos que este movimento representava.412 escravos para fora da província entre 1874 a 1884.83).(LIMA. Talvez uma tentativa. 351. 1975. de 25.165. (GALLIZA. p. p. espaços de autonomia econômica. Até chegar a sua formulação definitiva de próprio punho do senhor e o posterior registro em cartório. muito maior de que as concedidas pelo fundo de emancipação. 31 . A reação conservadora vinha de províncias que mantinham altas porcentagens de escravos. mesmo nos instantes finais. Os mais afoitos fugiram .p. Minas Gerais e Rio de Janeiro – estas concentravam agora a maior parte dos escravos do país . de preservar parte de seu poder com os ex-escravos. As declarações de alforria ocorreram com freqüência na Paraíba. foram às barras dos tribunais litigar a liberdade com seus senhores. O Norte.817 para 19. de solidariedade. social e cultural no horizonte do próprio sistema escravista”. pp. O tráfico interprovincial atinge seu auge na década de 1870. e influíram positivamente para a decadência da escravidão. O tráfico interprovincial de escravos. Curiosamente percebe-se na década de 1880 um aumento considerável de alforrias. segundo Robert Conrad (1975. Nesse período o número de escravos diminuiu em 25%.o tráfico provincial foi responsável por aprofundar as contradições do sistema escravista. 118). aumentando sobretudo a pressão exercida pelos escravos nas províncias do sudeste. que vai resultar na sua ruína total. cometeram pequenos furtos e até atentaram contra a vida de seus senhores. Estas foram mais comuns nas décadas de 1870 e mais ainda na de 1880. quando se sabia que era inevitável o fim da escravidão. criou uma divisão regional no país em relação ao comprometimento com a escravidão. foi um processo que envolvia um jogo de interesse de ambas as partes. e apenas o tráfico interprovincial contribui com a metade dessa redução. e passaram a impor altas taxas sobre os escravos exportados ou importados. Se no início as províncias permitiram e incentivaram o tráfico.48) O tráfico interprovincial de escravos deslocou 3. O tráfico já ocorria há algum tempo desde 1830. como São Paulo.2003.A maioria buscou estabelecer cotidianamente. tornando o processo de libertação doloroso e cheio de revezes.052 Fonte: (Galizza.Mas boa parte dos escravos toma parte ativa na busca por sua liberdade.6 CONDICIONAIS 199 19 FUNDO DE EMANCIPAÇÃO 44 4. Guarabira e Piancó.em sua maioria autocompra .143).João do Cariri. chegando a 199 cartas. informação que oferece um panorama das manumissões na Paraíba.2 AÇÃO JUDICIAL 17 1.e as alforrias condicionais também foram consideráveis.5 COMPRADAS 270 25. seja em trabalho ou em dinheiro. 143). (GALLIZA.A maioria dos escravos consegue a alforria como uma “concessão” senhorial (45. p.Mamanguape.6 TOTAL 1. Com menos importância aparecem outros meios de conseguir a alforria: o fundo de emancipação (com 44).Bananeiras. Fica claro que os senhores querem obter algum benefício ao perderem seus escravos. 1979.Os proprietários queriam retirar dos escravos o que pudessem de lucro e diminuir os prejuízos com a perca de seus escravos. 142. Que inferências podemos ter com essas informações? Que mesmo ao conceder a alforria gratuita o senhor tinha interesse em manter a fidelidade do escravo para continuar trabalhando consigo.2 POR TESTAMENTO 30 2.Pombal. por testamento (30). sem dados precisos (13) e por ação judicial (17). 32 .2%). Destas cartas quase a metade foram gratuitas (479). 1979.Areia. Estes dados são relativos aos municípios de João Pessoa. 270 foram alforrias compradas . pp.5%).Pilar.052 cartas de alforrias no período de 1850 a 1888 em nove municípios paraibanos .9 SEM DADOS PRECISOS 13 1. Em seu estudo sobre a decadência da escravidão a historiadora Diana Galliza contabilizou 1. ao comprá-la ou brigando na justiça (27.S. TABELA II ALFORRIAS ARROLADAS EM NOVE MUNICÍPIOS PARAIBANOS 1850-1888 TIPO DE ALFORRIA Nº DE ALFORRIAS % GRATUITAS 479 45. Esse movimento emancipatório na Paraíba começa no interior. 1979. 1979. Acreditamos que o fenômeno das alforrias gratuitas e sem condições. A seca afetou com mais intensidade o sertão. para depois chegar à capital. 1979.4% do número de escravos existentes em 1852. e até mesmo os roubos provocados por escravos em busca de comida. (GALLIZA. 196). vendendo-os no tráfico interprovincial. pp. 119). de onde partiram milhares de pessoas com destino ao litoral. que atingem a Paraíba com mais intensidade após a década de 1850. Areia e Mamanguape). a abolição era eminente e o escravo não era mais lucrativo. p. Na década de 1880. anos em que o tráfico interprovincial atinge o seu auge (GALLIZA. 130). concedidas em massa. foram tentativas de os senhores manterem os escravos ao seu lado e reforçarem o seu paternalismo com a gratidão. As epidemias. As condições de vida dos escravos não eram boas. a Emancipadora Areiense promoveu a emancipação gradual e sem desrespeitar o “direito à propriedade”. p. ou simplesmente se desfazerem de seus escravos. em um momento que o preço do escravo sobe ao topo para mais de dois contos de réis (GALLIZA. 112). que constituem “sociedades emancipadoras” e sofrem influências político-culturais do Recife. p. Desde a década de 1870.000 retirantes ocuparam a capital (GALLIZA. de modo que não se reproduziam rápido como a população livre. também vem reduzir o número de escravos. 1979. e os indivíduos em idade não-produtiva como crianças e velhos eram desprezados pelos seus senhores. Foi comum nesse momento senhores abandonarem seus escravos. Os escravos eram a parcela da população mais susceptível às moléstias. suas propostas encontram um campo fértil. 139). foram momentos de crise social e desorganização da produção. O presidente da província em 1878 Ulisses Machado Viana. (GALLIZA. pois nesse período as cartas de alforria dobram para 214 em Areia (1884-1888) em relação ao período de 1872-1880 que teve 72 33 . 1979. em Areia. alimentação insuficiente e as longas jornadas de trabalho. O surto epidêmico de cólera matou 2. como a cólera. como no restante do Brasil. mas também incentiva as fugas e divulga as suas idéias em jornais. 195. muitos senhores se desfizeram de seus escravos. as fugas dos escravos. Nesse momento de crise. momento de crise econômica em Areia. sobretudo na última década da escravidão. Na Paraíba o movimento abolicionista atua com mais intensidade na década de 80 e encontrava-se restrito a três centros urbanos (a Capital. já que agora tinham baixo preço. p. Em particular nos interessa a seca 1877-79 nesse momento de decadência da escravidão. devido às más condições de higiene. calculou que nesse ano 35. o que significava 10. e o tráfico interprovincial estava proibido.982 cativos na Paraíba. o movimento radicaliza propondo cartas de alforria. As secas desestruturaram a economia paraibana em vários períodos. 190). (GALLIZA.alforrias. forçou os donos de terras a habituar-se ao trabalho de homens livres. Mesmo com uma população reduzida de escravos. Porém o esvaziamento de escravos. conseguindo promover alforrias em massa com a ajuda do representante da Igreja Católica. provocado pelo tráfico interprovincial. Como em outras partes do Brasil houve na Paraíba reações conservadoras. a cidade de Areia tem um movimento abolicionista atuante. Até os últimos instantes tentaram obter lucros ou outras concessões de seus escravos. 34 . sendo cada vez mais esvaziada pelo tráfico interprovincial. ainda assim alguns representantes políticos não se empenharam em defender o fim da instituição escravista. Por causa da crise econômica da cana-de-açúcar e das idéias emancipacionistas. p. de senhores que não admitiam perder os seus escravos. 1979. pelas secas e leis imperiais. indicando haver uma maior tendência para o trabalho doméstico nas fazendas.Por isso os registros abrangem uma área que vai desde lugares circunvizinhos do Cariri até vilas do Pajeú e outras mais de Pernambuco. O tráfico interprovincial havia retirado da região preferencialmente os homens. barragens. 1975. 1997. há citações recorrentes a disputas judiciais. As principais atividades econômicas da região foram a criação de animais. CAPÍTULO III EXPERIÊNCIAS ESCRAVISTAS EM SÃO THOMÉ 3. para registrar a compra no cartório de São Thomé e para matricular seus escravos na coletoria de São João. as 35 . etc. com uma porcentagem de 6. casas de taipa. Do total de escravos pesquisados as mulheres representaram 60% do total. p. enquanto os poucos homens entravam como auxiliares nas obras estruturais (cercas. à qual o distrito de paz de São Thomé estava ligado. em sua maioria registrados no cartório de paz de São Thomé.Esses negócios realizados entre moradores da povoação de São Thomé e pessoas desses lugares demonstram uma certa ligação comercial. Todas essas atividades não necessitavam tanto do trabalho escravo. a vila da Alagoa do Monteiro. encurtando as distâncias em direção ao Recife” (NUNES. Essa quantidade considerável de escravos na vila era devido à prosperidade com o plantio do algodão e por ser “passagem obrigatória de caravanas de almocreves que cortavam caminho.891 pessoas e 611 escravos. desde suas fazendas até as povoações. p.62).Os senhores percorriam longas distâncias.61. agregados. Em um mundo rural como este.2% de escravos (GALLIZA.oriundos de cidades pernambucanas ou de São João do Cariri. Existe outra explicação para a maior proporção de mulheres no conjunto de escravos pesquisados. usando-se com maior freqüência diversas formas de trabalho livre como: vaqueiros. meeiros. sitiantes ou trabalhadores sazonais. De acordo com o primeiro censo do Império em 1872. por causa de empréstimo de animais (cavalo. teria uma população livre de 9. 1979. esta característica também se observa na Paraíba com uma maior proporção feminina entre sua população escrava na década de 1880 (CONRAD. p.1 Uma primeira abordagem Os documentos referem-se a cerca de 70 escravos.347). principalmente com São João e as vilas pernambucanas de Ingazeira e Flores.34).) e no trabalho de campo. o plantio de algodão e a agricultura de subsistência. égua) para viagem e a não devolução ao dono (livro de protocollo do juízo de paz). bem como do espólio de inúmeros herdeiros. perderem a posse legal de seus escravos. ano de criação da Vila de Alagoa do Monteiro. sobretudo. Até mesmo os senhores detentores de mais posses.Todas as trajetórias aqui analisadas se inserem nesse período da escravidão. por determinação imperial. 3. procuração para vendas interprovinciais. apressando-se em vendê-los nos momento de crise.A partir dessa data. os trabalhos domésticos de suporte às produções principais. em que vigoraram as imposições legais da Lei do Ventre Livre e seus efeitos na relação senhor-escravo. e até mesmo uma escritura de ratificação. outra de Engenho. parecem ter sido os trabalhos desenvolvidos pelo escravo no lugar. com muitas terras e prestígio social tinham em média cinco ou seis escravos. sob pena de um ano após o encerramento do alistamento. os senhores têm a obrigação de matricular seus escravos nas coletorias.p.1º da Lei 457 de 28 de junho de 1872(NUNES. mostram a criação como uma das principais vocações do lugar. 1997. Em 1873. Entre os anos de 1873 a 1887 foram em torno de setenta escravos. de acordo com o Art. Há ainda citações a “roçado de mandioca” ou a propriedades bem equipadas com “caza de morada. pelo Art. p. 36 . um cercado e mais bemfeitorias” (escrituras de compra e venda).2 As vendas de escravos. procuração para permutar. porém a maioria foi vendida para outros lugares da Parahyba do Norte. de Pernambuco ou no tráfico interprovincial. As escrituras de compra e venda de escravos foram os documentos mais abundantes na nossa pesquisa. papel de dote. e também quando começam os registros com a criação do juizado de paz de São Thomé.8° da Lei do Ventre Livre(CONRAD. Mas também vimos documentos diferentes com o intuito de transmitir a posse dos escravos tais como: procurações para vender ou matricular.referências à venda de couro de animais e a “fazendas de criar” nos documentos.369). apontando uma considerável produção de algodão e a necessidade de trabalho braçal no fabrico e prensa da lã. Havia na povoação em 1876 uma “Bulandeira Machina Prensa” (escritura de compra e venda). De tal modo que foram poucos os escravos masculinos registrados no cartório de paz de São Thomé que ficaram na povoação.1975. destinados ao consumo próprio. um Assude. e. escritura de doação. De tal maneira que estas práticas de compra e venda de escravos faziam parte do cotidiano das pessoas em São Thomé.As casas de farinha e os engenhos de rapadura. a qual foi vendida uma metade por 300$000 réis.57). O escravo era um alto investimento. do qual não se tinham garantias. 1878 800$000 METADE DE UM SÍTIO. TABELA COMPARATIVA DE PREÇOS ITEM PREÇO ESCRAVO CANUTO.encontramos alguns com idades entre vinte a trinta anos. O preço pago pelo escravo representava um alto valor investido. valia mais que uma parte de um sítio e equivalia ao valor de várias casas ou animais (veja tabela abaixo). 1873 1:600$000 TRÊS CARGAS DE LÃ 250$000 UM BOI 100$000 UMA VACA E TRÊS CRIAS 120$000 ALUGUEL DA VIAGEM DE UMA ÉGOA 20$000 ALGUMAS PEÇAS DE FAZENDA 14$200 Quadro organizado a partir dos documentos cartorais de São Thomé. muitas vezes. mas disponível como bem de reserva nos tempos de crise. veremos que. Se compararmos o valor do escravo em melhores condições com os outros bens. quantia bastante significativa para a época. 1873 250$000 DUAS PARTES DE UMA DATA. __________________________ 37 . um escravo valia a metade de uma grande propriedade de terras com muitas benfeitorias. Na década de 1870. EM 1873 500$000 CAZA DE TIJOLO NA POVOAÇÃO. 19 ANOS. com o aumento do preço dos escravos (ver anexos). avaliados em torno de um conto de réis. alguns eram vendidos daqui para fora. com toudos os seus achaques novos e velhos. em primeiro lugar. A mobilidade dos negócios da escravidão era enorme. o que logo lhe foi entregue pelo dito comprador em moeda corrente deste Império. que ele é senhor e possuidor de hum escravo pardo de nome Ponciano de quarenta e oito anos de idade. por preço e quantia de quientos[sic] mil réis. e pelo mesmo vendedor foi dito. vendi. sobretudo no tráfico interprovincial. da vila de Ingazeira e Flores em Pernambuco. e nem por seus herdeiros. o que nem sempre se fazia ou nem sempre esses documentos estavam regularizados – por exemplo. O vendedor deveria apresentar os documentos do escravo. os anos de 1877-79 foram onde as vendas se intensificaram (39 escravos vendidos em apenas três anos). eram originários.Visões da Liberdade. Ao passar uma escritura de compra e venda o vendedor dava a posse definitiva para o comprador. A maioria desses escravos não permaneceu na povoação de São Thomé. diante do alto preço dos escravos na década de 1870. Mas ambos não estavam livres de outras obrigações legais. natural d`esta Província e por que o possui livre e desembaraçado de qualquer embargo. como de facto vendido tem de hoje para sempre por meio desta ao comprador Saturnino Bezerra dos Santos. com uma que diz: (. e assignadas. no caso das escrituras são detalhes de interesse comercial.) “como vendedor Francisco José Pereira e como comprador Saturnino Bezerra dos Santos moradoures neste Destricto. em presença de duas testemunhas abaixo nomeadas. Há poucas referências aos escravos nas escrituras e em outros documentos.. penhora ou hypotheca. e segundo plano de São João e de Monteiro. Uma parte considerável dos escravos que por aqui passavam ou até mesmo ficavam. 38 .1990.p. solteiro. tais como escritura de compra e certidão de matrícula. outros tinham no cartório de paz do lugar apenas um ponto para registro de sua negociação (com ambos os senhores sendo de outros lugares) isso talvez ocorresse pelo baixo poder aquisitivo dos moradores da povoação. Para se ter idéia dos altos preços que os escravos atingiram nesse período ver Sidney CHALHOUB.. e que toda posse e domínio e senhorio. a matrícula poderia estar ainda em nome do senhor anterior. De acordo com o período. e devido aos efeitos da terrível seca de 1877. pelo que lhe dava plena e geral quitação de pago e satisfeito para mais em tempo algum lhe não ser pedido por si. reconhecidos pelos próprios de que faço menção. deveria pagar os emolumentos (em sellos com a efígie do Imperador) e a meia siza de escravos para a Thesouraria Provincial na coletoria da vila de São João.74. O comprador por sua vez. ” Essas descrições breves da vida dos escravos. a fazenda Riachão: uma grande e confortável casa de vivenda. Então. vende um lote com três escravas. O único casal registrado em escritura de compra e venda. A venda acontece dentro dos preceitos da lei de 1871. A maior negociata de todas. Deixando de lado as personagens e analisando a transação em si. os escravos Basílio e Manoela. analisadas em conjunto. uma grande várzea com um quilômetro de algodão plantado. então vivia na povoação. cultivo de cana de açúcar e a pretensão de construir uma coudelaria. por quantia de hum conto e duzentos mil réis todas três. que no dito escravo tem tido todo sede e transpassa para a pessoa do comprador. a Carlos Gonçalves da Costa Lima. mãe de Francisca com doze anos e Margarida com sete anos. que o gozara como seo. Este grande proprietário de terras e homem de influência na povoação é citado por Irineu Joffly em suas crônicas de viajem ao sertão.398-9). vícios e doenças do escravo. poderia ser usado nas produções agrícolas e nos trabalhos domésticos da fazenda. vendido em 1873. A maioria das uniões entre os escravos foi informal. (JOFFILY.pp. o vendedor não poderia ter nenhum impedimento legal ao dispor de sua “propriedade móvel”. eram pertencentes ao padre Francisco de Ananias de Farias Castro. morador na povoação. Em 1877 o senhor passa uma procuração para “assignar a escriptura de venda 39 . apenas um representante da igreja faria questão de manter uma união estável e sacramentada. Outro aspecto que chama à atenção na venda são as palavras “com toudos os seus achaques novos e velhos”. foi feita por Veríssimo de Souza Lima ao vender um seu “escravinho”. Sendo assim. o que demonstra que ao aceitar os termos da escritura o comprador aceitava os possíveis defeitos morais. sendo Veneranda com trinta e dois anos.(Livro de Notas Nº1. o comportamento do escravo e as suas condições físicas seriam pontos considerados pelos senhores no momento da compra. o escravo Ponciano.1873). por um negociante de escravos local de nome Francisco José Pereira. mantendo a mãe junto a suas filhas menores. para depois ser escravo do Major Saturnino. Em algumas negociações notamos a consideração dos senhores pelas relações familiares dos escravos e a observância das questões legais. podem nos levar a algumas inferências. já com idade média. notamos que o escravo foi classificado em alguns inventários como “bem semovente” e que para a boa realização da venda do escravo. Como em 1877 o senhor Victorio José Leitão. ele com quarenta e sete anos natural de Pernambuco e ela com vinte e sete anos natural do Ceará.1977. morador em Bom Jardim de Pernambuco. No caso do escravo Ponciano. Em sua descrição Irineu mostra as atividades da principal fazenda do major. p. 1979.319) tentando por duas vezes vender alguns escravos seus. também citado por Irinêo Joffily como grande produtor de rapadura (JOFFILY..119). As procurações feitas pelos senhores serviram para representá-los em algumas situações ou até conceder permissão a outrem para vender seus escravos e passar escritura de venda. de idade 24 anos. e não sendo bem sucedidos. crioulo. Durante a seca de 1877 na povoação de São Thomé as pessoas 40 . para busca de escravo fugitivo.. Em outra ocasião. Em 1875 este senhor passou duas procurações.1877). para assistir aos termos de uma permuta de escravos..(Livro de Notas Nº3. etc.. uma em fevereiro e outra em outubro para vender o escravo “de nome Roque. acontece o mesmo e Marcolino tenta por duas vezes vender uma escrava. solteiro de idade 18 anos como conta da matricula que acompanha”. o senhor Marcolino de Freitas Barros. e não sendo bem sucedido recorre a uma rede mais ampla de negociantes: (. p. No mesmo documento existem pistas para duvidar da idade do escravo. aos senhores Thephilo Rodrigues de Freitas e na cidade do Recife a João Nepomuceno da Silva e João Pedro de Mello para em nome dele outorgante venderem a sua escrava de nome Vicência de côr parda. vendendo o escravinho para o seu próprio filho. sendo que na primeira procuração seu representante é Manuel Ferreira da Silva e na segunda é o nosso conhecido Francisco José Pereira quem assume o negocio da venda. podendo ditos seus procuradores assignarem a escritura de venda da dita escrava”. pois “sendo dito escravinho Pastor filho de sua escrava de nome Luzia que elle outorgante não possui mais quando deo a matrícula dito escravinho”. matriculada no município de São João.) Disse que pela presente constituíam seus bastantes procuradores aonde com esta se apresentarem. primeiro através do negociante local de escravos Manuel Ferreira da Silva no mês de agosto. já em 1878. recorre aos negociantes que fazem parte da rede do tráfico interprovincial. para requerer ou dar baixa em matrícula de escravo na coletoria.Um caso exemplar é do proprietário do sítio Carnaúba no termo do Monteiro. solteira.de um escravinho de nome Pastor de nove annos”. 1977.Os senhores passavam procurações nas mais diversas situações: para a venda de escravos na região ou no tráfico interprovincial. A ânsia por vender os escravos se devia aos efeitos da forte seca 1877-79 e aos autos preços oferecidos pelo trafico interprovincial (GALLIZA. Estamos diante de um caso de reescravização de um “ingênuo”. percebe-se que o senhor tenta vender seus escravos primeiro no âmbito local. Neste caso de sucessivas tentativas de vendas. Esse movimento representava a violência do sistema contra o escravo.(Livro de Notas Nº4. 1979.121). Augusto Octaviano de Sousa. a Domingos Alves Guimarães Cutia. na cidade do Recife.43.) “Disse que pela presente constituía seus bastantes procuradores aonde com esta se apresentarem aos senhores Francisco José Pereira. Foram inúmeras as procurações de tráfico interprovincial citando os negociantes locais. Gedeião de Araújo Jacobina.44). pp. como a Aguiar Iglesia e Cia do Rio de Janeiro que mantinha importantes negócios na Paraíba (GALLIZA. A operação envolvia varias pessoas e companhias especializadas na venda de escravos. Os donos de escravos pernambucanos não pagavam nenhum imposto para venderem seus escravos. frente às quais ele pouco poderia resistir. como o direito de procuração e o direito de exportação. A maneira como Sidney Chalhoub descreveu o tráfico interprovincial foi como uma sucessão de vendas. de cor pardo. Em alguns casos esses senhores pagavam impostos para vender seus escravos para fora da província. 41 . desde o negociante local até aqueles que faziam parte da rota que seguia para Recife e o Rio de Janeiro. para em nome dela outorgante venderem o seu escravo de nome Vicente. a Clementino dos Santos Lineu Simente. Comendador Antonio José Rodrigues de Sousa. p. 1990. Aguiar Iglesias e cia e Amaral & Santos. pessoas ou companhias do Recife e do Rio de Janeiro.. As procurações citavam as pessoas envolvidas na rede do trafico interprovincial. De acordo com essa lógica..1879). com procurações substabelecidas por vários negociantes nas quais a finalidade era evitar o pagamento do imposto de transferência (CHALHOUB. solteiro. João Pedro de Mello. em Rio de Janeiro. como uma passada de 1879 pela D.Senhorinha Francisca Xavier. da vila de Ingazeira: (.chegaram a comer o couro das malas e os mais abastados fugiram para a região do Pajeú - única que ainda guardava suprimentos de água. Joaquim Nicoláu Ferreira. entendemos que estas procurações nomeavam vários possíveis negociantes. não sabemos por qual motivo. idade 17 anos. Monteiro & Correia. aptidão boa”. desde o proprietário inicial até o seu destino final. Gratuliano dos Santos Victal. pois além de desenraizá-lo ainda o submetia constantes mudanças de ambientes e atitudes senhoriais. Eram vários donos do mesmo Pedro que pretendiam trocá-lo por um casal.Basilia Rodrigues de Freitas e Joaquina Rodrigues de Freitas. Os senhores também fizeram permuta de seus escravos.Paula Maria do Carmo.(Livro de Notas Nº 4.José Joaquim das Neves. Quando os escravos se transformavam em espólio..realizada no Juizado de Orphãos de São João.. idade dezessete anos. passada em 1879. Trata-se de duas escrituras de ratificação feitas em 1886 por vários filhos e um sogro. de mais idade. para a venda no tráfico interprovincial: (. pertencentes ao Cap. venderem a sua escrava de nome Nazaria de côr parda. João da Santa Cruz Oliveira”.Severino de Albuquerque Barros.solteira. Por fim. E o período da seca não era uma situação confortável para manter escravos. Em novembro de 1875 se procedia os “termos de uma permuta” de escravos.) “Procuração bastante especial que fazem João Albino de Barros.. temos o contrário de tudo visto até agora. também nomeia um representante para defender os interesses dos pequenos. o senhor Manoel Palmeira de Souza.Dario Rodrigues de Freitas. Essa é a situação de uma procuração. que pagou a mentecapita [sic] Delfina Maria do Espírito Santo e seus filhos a importância de vinte e cinco mil réis do direito de procuração para a venda da escrava. Esta senhora vendeu em 1884 duas escravas suas de nome Rosenda e Jovina. Em duas procurações encontramos vestígios dessa negociação. sendo objeto de brigas renhidas ou ficando com senhores condôminos. Tantos herdeiros talvez vislumbrassem no tráfico interprovincial um lucro maior para ser rateado. em nome da falecida D.O tutor dos orphãos também consenhores de Pedro. com os escravos Isabel e Hipólito.Uma das partes enviou dois procuradores para representá-los. que pela presente constituião seus bastantes procuradores aonde com esta se apresentarem. para donos diferentes na vila de São João. poderiam ser divididos por inúmeros herdeiros. tendo em vista a suposta incapacidade mental da mãe.. O 42 .. tal como fez Antonio Pedro dos Santos “como consenhor do escravo Pedro assistir aos termos de permuta do mesmo escravo. por Antônio Aprígio Pereira ... uma negociação má sucedida e incompleta.1879) Na presente situação os herdeiros passaram a gerir o negócio da venda da escrava..Essa negociação talvez fosse a solução para a divisão do capital investido pelos consenhores de Pedro e outros possíveis conflitos dessa posse compartilhada.______________________ Essas informações foram dadas em entrevista. Em 1875 vendem uma escravinha de nome Francisca. o senhor era obrigado a criar o ingênuo até os oito anos.problema a ser corrigido é que em vida a dita senhora não passou escritura de venda das escravas. maiores de vinte anos e. Vimos. não se sabe se a idade era verdadeira. de “uma escrava de nome Maria de cor parda de idade seis 43 .menores de doze annos. Antônia Barboza do Nascimento. libertava todos os escravos nascidos a partir daquela data – eram os chamados “ingênuos”. mães das escravinhas.seus filhos livres.Ao longo de duas décadas (1860-1880) possuíram dez escravos. respectivamente Adriana e Delfina. assegurava a união familiar do escravo. e o mais importante. Os donos de escravos em São Thomé burlaram a lei. p.48).1975. quando deveria optar por uma indenização do governo ou pelo trabalho do menor até os vinte e um anos.p.Antonia em 1876.Contudo essa lei não foi garantia contra as pretensões dos senhores de reescravizar os menores. portanto. passando as escrituras de ratificação para ambos senhores e transmitindo a posse legal das escravas em 1886. venderam vários escravos na povoação. a acompanharão. reconheceram a posse dos outros senhores.367)”.Ainda de acordo com essa lei.366-399). por exemplo.O senhor Francisco Ferreira dos Santos e D. ou de simplesmente burlar a lei. quando registraram os ingênuos com mais idade para serem considerados escravos ou ao separá-los de sua mãe através das vendas.Os herdeiros. 3.Como disse Chalhoub “há muita coisa a destrinchar sobre os negócios da escravidão” (1990.Esta lei determinava um registro nacional de todos os escravos. uma escritura pública de doação feita por Francisco Ferreira e sua mulher D. sendo oito mulheres. p. de comprar a sua liberdade em caso de disputas judiciais. mesmo recebendo os pagamentos e as escravas estando em poder dos novos donos. como sucessores do direito de propriedade.Em 1879 e 1881. são vendidas no tráfico interprovincial.Ao separar as filhas menores de suas mães. várias delas crianças menores de doze anos. 1975. mas em todo caso foi vendida separada de sua mãe.1º. Dentro da política imperial de emancipação gradual.parágrafo 5º: “No caso de alienação da mulher escrava. a lei de 28 de setembro de 1871 foi um importante passo para o reconhecimento legal da liberdade dos escravos (CONRAD. estavam em contradição com a Lei do Ventre Livre Art.A Lei do Ventre Livre garantia ao escravo a posse de um pecúlio. moradores no sítio Suçuarana do termo de São João. com os ingênuos sendo registrados em livro especial.3 Os “ingênuos”. ficando o novo senhor da mesma escrava subrogado nos direitos e obrigações do antecessor(CONRAD. com oito anos. Nesse sentido. para alforriar ou receber indenização do fundo de emancipação. Esses documentos foram um instrumento usado pelos senhores para assegurar sua dominação e a gratidão do escravo. O escravinho.1875).As ações dos escravos variaram entre a busca por maior autonomia dentro dos limites impostos pela escravidão e a resistência total às condições estabelecidas.Encontramos alguns casos parecidos de registro da idade de crianças escravas.4 As cartas de alforria. Uma alforria condicional 44 . Buscamos também nessa pesquisa. Em meio aos negócios da escravidão.Mas estavam em desacordo com a lei. Nestas condições. o qual é concedido em um “papel de dote” por Francisco Braz de Macedo e sua esposa Maria José da Conceição.O dote foi a maneira dos senhores preservarem o ingênuo como patrimônio familiar. ao transmiti-lo para seus herdeiros como se fosse escravo. 3.Estes senhores deveriam ser muito amigos. encontramos algumas “cartas de liberdade” e uma procuração para busca de escrava “que evadio-se da posse do outorgante”. através de cartas de alforria concedidas pelos seus senhores. e seus senhores usaram desse artifício para não concedê-los benefícios como “ingênuos”.É muito provável que fossem mais novos. para Filismina Maria da Conceição de São Thomé. em 1879. Como no caso de “hum escravinho pardo crioulo [sic] de nome Antonio de idade seis annos. investigar os caminhos trilhados pelos escravos para conseguirem sua liberdade. vivendo distante da mãe. surgem diversas relações. no momento em que a abolição era iminente. filho de nossa escrava Maria” (Livro de Notas Nº4. a qual pela idade teria nascido exatamente um ano antes da Lei do Ventre Livre. Como seria a vida desse escravinho ingênuo com seus novos senhores? É muito provável que tenha sido tratado como escravo.1879). o escravo foi apresentado como um valioso bem a ser dado aos nubentes herdeiros. deveria ser entregue ao casal no dia do casamento e entrar no inventário dos doadores.anos filha de nossa escrava Adriana no valor de duzentos mil réis” (Livro de Notas Nº2. a maioria localizada na década de 1880. a seu genro José Pereira da Rocha e filha Feliciana Gomes Barbosa. no valor de duzentos mil réis. sendo oferecido como dote pelo pai da noiva. pois venderam a mãe no tráfico interprovincial e doaram a ingênua como se fosse uma escrava.A maioria (5 escravos) conquistou a sua liberdade dentro dos limites da escravidão. Encontramos poucas cartas de alforria. e mesmo pelas evidências do descumprimento das leis nos negócios senhoriais aqui observados. se não fossem parentes. algumas bem interessantes e diferentes. Outro aspecto curioso é o registro da idade da escravinha. mas continua o problema: o que teria motivado Antonio Leite a comprar um escravo tão valioso e logo em seguida dar-lhe a liberdade sem nenhum contrato de prestação de serviços?Vimos em outros documentos que Antonio Leite Monteiro foi escrivão de notas do cartório de paz de São Thomé e também negociava escravos na região.O recibo foi feito no mesmo dia da carta de alforria.bem assim uma escrava molata de nome Maria de idade mais ou menos trinta anos a qual escrava pelos bons serviços que nos tem prestado a suor e fidelidade com que sempre mostrou serviço por isto concedo sua liberdade de hoje para sempre. pois o escravo é de alto valor e está em idade reprodutiva.O escravo Vicente foi libertado em 1879. sem condição alguma imposta por Antonio Leite Monteiro. entendemos que houve um acordo tácito entre o negociante de escravos Antonio e o escravo Vicente. 1886.O escravo Vicente poderia ter um pecúlio consigo.(Livro de Notas.Até ai nada demais. por muitos anos. no Pernambuco. mas somente foi registrada definitivamente em cartório em 1886. estabelecidos pelo senhor mesmo após a liberdade: (. Essa foi a estratégia do senhor para proteger-se de uma eventual insubordinação de uma escrava que se considerasse “livre” antes do tempo e uma maneira de aplacar a insatisfação da escrava.. Como a alforria que ele passou para Vicente não previa nenhuma condição (ver anexos). e por caridade pode já a dita escrava gozar de sua liberdade como se livre nasceu do ventre materno. o que já causa certa estranheza. pelos questionamentos que suscita.a qual é do teor seguinte digo eu abaixo assignado que entre os mais bens que possui de bom e justo título.) “em meu cartório compareceo Maria escrava de Germano Ferreira da Costa morador no Saco deste termo e pedem que lançasse em notas a carta de liberdade ou alforria. natural de Flores. a angustiante situação de ser liberta e não poder gozar a liberdade de fato. Enquanto isso Maria vivia.em 4 de julho de 1879. e agora estaria diante da 45 . avaliado em setecentos mil réis.expressa bem a permanência dos laços de dependência. conseguindo mais alguns anos de trabalho e fidelidade.” Esta carta de alforria condicional foi escrita pelo senhor Germano em 1879. Uma carta de liberdade em particular chama à atenção.pelo seu escravo Vicente. e nele o senhor Francisco José do Prado Chavier reconhece ter recebido setecentos mil réis de Antonio.2º cartório de São João do Cariri).O recibo de compra do escravo registrado logo acima da carta de alforria fornece indícios para desvendar esse mistério. É a carta de liberdade do mulato Vicente de vinte e sete anos.. somente com a condição de me acompanhar enquanto eu for vivo e quiser obediente como sempre tem sido. 1875)”. resgatarem em juízo ou fora delle a escrava Maria de cor fula de idade dezenove anos que evadio-se da posse do outorgante e bem assim chamar a conciliação os resistentes que pugnarem a entrega da dita escrava. pertencente a Manoel Ricarte Bezerra.) “Por este por mim abaixo assignado.5 Os rebeldes. a carta de alforria abria a possibilidade de Antonia lutar por sua liberdade já legitimada. Manoel Porfírio dos Passos Viana e Serviliano Farias de Castro para em nome dele outorgante como se proprio fosse. continuando junto a sua mãe servido ao major Saturnino..(Livro de Notas Nº2.A 46 . concedo desde já a liberdade. Isso aconteceu em 1875. e faz menção às relações familiares da escrava: (..20). e a carta de alforria para a filha era uma estratégia de conseguir a gratidão de todos e mantê-las servindo-o mesmo após a abolição. mulata de idade de vinte annos. o major Saturnino Bezerra dos Santos alforria a sua escrava Antonia em 1884.. Em uma carta de liberdade incondicional. Alguns escravos partiram para uma resistência mais anunciada.) “Manoel Ricarte Bezerra morador neste districto disse que pela prezente constituía especialmente seus bastantes procuradores na Comarca de Alagoa do Monteiro e no termo de São João a Luis Alves de Araújo. o qual passa uma procuração com a finalidade de trazer de volta a escrava: (.Talvez pouco mudasse na condição de vida da escrava Antonia.possibilidade de morar numa terra nova e juntar dinheiro para pagar o que restava de sua liberdade. com a escrava Maria. declaro que sou Senhor e possuidor de uma escrava de nome Antonia. o problema dos fugitivos impôs um desgaste permanente das energias e bens da classe proprietária de escravos (CONRAD. filha de minha escrava Secundina. 1975. Contudo. Porém não foram todos os escravos que seguiram as regras do jogo estabelecidas pelos senhores. a qual Antonia de minha livre e expontanea [sic] vontade e sem constrangimento de pessoa alguma.. (Livro de Notas Nº7.1883)”. A família devia servir esse senhor há muitos anos. 3. p. Enquanto a escravatura durou. Apenas um mês se passou entre a escrita da carta de alforria pelo senhor e a definitiva confirmação com o registro em cartório. Agostinho Braz de Macedo. Mesmo após a abolição. pagando elle as custas”(Livro de Protocollo do juízo de paz).Para resolver a disputa judicial. como se fossem escravos. vinte anos depois da abolição da escravatura”. após dois anos. deixando-os uma noite inteira no tronco. (NUNES.100). também provocou muita dor de cabeça em seu senhor. pertencente a Francisco Braz de Macêdo.Era a negação total do cativeiro e de sua legitimidade. pois o subdelegado de polícia volante do distrito José Pereira de Gouvêa era “um homem que costumava castigar seus empregados. as práticas de violência e exclusão do negro continuaram presentes nas relações sociais. Um outro escravo. o senhor Francisco de Borja Rodrigues de Freitas trazia citado a Francisco Braz em juízo de paz para que pagasse “huma vacca com três [sic] crias” ou pagasse cem mil réis. de nome João. 47 . O escravo cometeu um ato de desobediência grave. da parte da escrava. p.fuga talvez fosse a solução imediata vista por Maria para um cativeiro violento ou muito arbitrário. dando “huma vacca de oito arrobas e hum novilhote.Como os dois senhores não entraram em acordo.Entre 1875 e1876 o escravo João. matou uma vaca com três crias de outro senhor. entra como curador de seu decrepto pai. em 1878. 1997. causando prejuízo e constrangimento para seu senhor. Em São Thomé não foi diferente. sendo a maior parte dos escravos do sexo feminino – o que indicava uma maior tendência para o trabalho doméstico. Não foi possível apreender em nossa pesquisa o que os negros entendiam por liberdade. e todo o estudo que fazemos deles são reflexos de impressões de brancos brasileiros ou viajantes estrangeiros e seu olhar preconceituoso. A liberdade pode ter significado o direito de ir e vir quando bem quisesse ou de estar junto aos seus parentes. mesmo que a maioria da população julgue nunca ter existido escravos na cidade. Os escravos não deixaram muita coisa escrita de seu próprio punho. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao término deste trabalho. Mostramos que esta instituição fez parte dos costumes da povoação nas vendas locais e até mesmo na rede do tráfico interprovincial. juntando um pecúlio ou mesmo partindo para um rompimento total nas suas relações de dominação com seu senhor. muitas vezes dentro dos limites do próprio sistema escravista.na ótica do próprio escravo.Esperamos que nossa singela pesquisa tenha resultado em alguma contribuição nesse sentido. construindo uma história da escravidão ao avesso . no dizer de Sidney Chalhoub (1990). 48 . para que se possa reunir vários tipos de documentos complementares. seja trabalhando anos e anos. De acordo com os diversos documentos em Sumé a escravidão fez parte do cotidiano da cidade no século XIX. Mesmo assim há muito material a ser pesquisado nos cartórios e arquivos sobre o cotidiano e as relações da escravidão. de servir a quem quisesse ou não servir ninguém. vimos que ainda há muito que se desvendar das relações sociais da escravidão. os escravos lutaram e criaram estratégias contra as violências do sistema escravista. O importante é perceber que mesmo no silêncio. Parece que este foi o caminho da maioria dos escravos pesquisados. mas percebemos que eles contribuíram para conquistá-la. I.1981. Hebe M.De Pombas a Parari – três séculos de história. II.João Pessoa: Editora Universitária. Irinêo. CHALHOUB.João Pessoa:Editora Persona. Sidney. marginalização e manifestações políticas: O homem livre e pó sociedade parabana. Robert. GALLIZA. 1997. FREYRE. Império: A corte e a modernidade nacional. Marc Jay. 1979.In:Revista Ciência Histórica. HOFFNAGEL. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA. Diana Soares de.João Pessoa:Editora Universitária/UFPB.1978. JOFFILY. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira / MEC.V.ed. Gilberto.In: História da Vida Privada no Brasil.Notas sobre a Parahyba.Ed. São Paulo: Companhia das Letras. Rio de Janeiro:Livraria José Olympio Editora. CONRAD.São Paulo: Companhia das Letras. AIRES.1977.José Luciano de Queiroz. 1975.História da Paraíba.Mattos de. 1990.2000. Visões da liberdade. 49 .Laços de família e direitos no final da escravidão. 21ª.Casa Grande & Senzala.1990.João Pessoa. V.nº3.O trabalho livre. Tradução de Fernando Castro Ferro. Os últimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888.UFPB.O declínio da escravidão na Paraíba:1850-1888.Brasília:Thesaurus Editora. CASTRO. Horácio de. José Carlos.8. Porto Alegre: Mercado Aberto. REIS.persocom.In: A Paraíba no Império e na República:estudos de história social e cultural. Inventário de D. 300 anos sem Zumbi dos Palmares. 1995. Luis. NUNES.com.Antônio.1999.Uma porta estreita para a liberdade: as ações cíveis e alguns aspectos do cotidiano escravo na Campina Grande do século XIX.A Epopéia de (mais) um século.1996.Tarcísio Dinoá de. março de 1988. Izabel Rodrigues de Oliveira.Jaime.Fatos históricos de Alagoa do Monteiro. nº16.São Paulo:Ática. MEDEIROS.LIMA.Pedro.Irineu Ferreira.São Paulo:Fundação Rui Barbosa.Rio do Camará.Qual o lugar da história local?In: Revista de História Regional. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB.2003.Datas e notas para a história da Paraíba.As vítimas-algozes.Luciano Mendonça de.São Paulo:Contexto. Revista Brasileira de História. 50 .Joaquim Manoel de.br/cariri.1994. A servidão negra.Guerreiro Togado. Mário. MACEDO.A escravidão no Brasil. MAESTRI. número especial.Quadros da escravidão.2ªed. Revista CCHLA.Passo Fundo : EDIUPF.nº1.Recife:Editora Universitária/UFPE.João Pessoa:Idéia.3. acesso em 29 de julho de 2006.Camalaú:Academia de Cultura Princesa do Cariri. PINSK.1997. ANPUH. Editora Marco Zero.A história entre a filosofia e a ciência. PINTO.V.Vol. V.1977. 1988.1998. REZNIK. Escravidão – número especial organizado por Silvia Hunold Lara.1991. MARIANO.II. http: // www.João Pessoa:Editora Universitária/UFPB. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB. livres e insurgentes Parahyba (1850-1888). _______________________ e Maria do Céu Medeiros.2002.1999.4. Livro de Notas de 1886 no 2º cartório de São João do Cariri-PB.Coleção Sociedade e História do Brasil.5. 1997. 2000. VILLA. SÁ. Livro de Assentos nº 1. Ariane Norma de Menezes. São Paulo: Companhia das Letras. 2005.III.João Pessoa:Imprell. Senhores e subalternos no oeste paulista. 51 . Império: A corte e a modernidade nacional. V.João Pessoa:Editora Universitária.Pe.João Pessoa:Imprell.1999.7. FONTES DOCUMENTAIS Livros de Notas do Cartório de Paz de São Thomé Nº 1. II. __________________Na sombra do Umbuzeiro.2.O trabalho na Paraíba: das origens à transição para o trabalho livre. Duzentos anos de Igreja Católica em Monteiro(1800-2000).Escravos. SLENES. In: História da Vida Privada no Brasil.3.RIETVELD.A Herança de Manoel Monteiro.Brasília: Instituto Teotônio Vilela. Robert W. João Jorge.1778 da Igreja Católica de São João do Cariri-PB.História da Paróquia de São Sebastião do Umbuzeiro. Livro de batismo nº 13 (1867-1871) da Igreja Católica de São João do Cariri-PB.6. Livro de óbitos nº15 (1875-1879) da Igreja Católica de São João do Cariri-PB. V.8 (1873-1888). Marco Antônio.Atualmente guardados no 2º Cartório de Registro de Imóveis Viton Leites Rafael-Sumé-PB. 52 . Laura Braz. Eunice Braz.Alguns inventários no fórum de São João do Cariri-PB. ENTREVISTADOS Antonio Aprígio Pereira. 85 6813 31.Sabugi . 628 490 490 S. 611 51 323 Teixeira .Rocha 1108 1016 791 780 Pombal 915 1182 1031 886 Sousa 3448 1376 743 979 Cajazeiras .L. 339 476 461 Alagoa Nova 1024 419 283 203 Manmanguape 2398 802 1320 1599 Areia 2020 1424 1052 1229 Pedras de Fogo .11 2680 13.19 8084 40.34 6808 36. 611 520 354 Patos 544 830 499 320 Piancó 997 612 1015 616 C.J.02 Pecuária Municípios 1852 % 1872 % 1884 % 1886 % Cabaceiras 1013 587 481 377 Misericórdia . 403 290 87 Total 9561 33. 335 244 219 A.24 Algodoeira Municípios 1852 % 1872 % 1884 % 1886 % Ingá 693 1308 1074 953 Independência 1246 1334 1056 1259 Cuité . 1145 898 940 Total 9733 34.56 Economia Mista Municípios 1852 % 1872 % 1884 % 1886 % Pilar 1982 1191 1128 1326 53 . .87 6487 34. 99 100 Total 1939 6.Monteiro .65 6001 30.55 2635 14.78 3253 15.46 8222 38. ANEXOS TABELA POPULAÇÃO ESCRAVA DOS MUNICÍPIOS PARAIBANOS DISPOSTA EM GRUPOS DE ACORDO COM A ECONOMIA A QUE ESTÁ VINCULADA Açucareira Municípios 1852 % 1872 % 1884 % 1886 % Parahyba 4391 2684 1972 2376 Alagoa Grande .Cariri 1538 642 1976 1399 S. Francisco José do Prado Chavier. pertencente a Antonio Leite Monteiro. de idade de vinte e sete annos.Saibão quantos este publico instrumento de carta de liberdade virem.mulato . nesta povoação de São Thomé de segundo Distrito da Comarca dAlagôa do Monteiro da Província da Parahiba do Norte. por ser verdade mandei passar este no qual me assigno com o meo proprio punho. como abaixo se declara. em meu cartório me foi apresentado um recibo do theor seguinte: Recebi do Senhor Antonio Leite Monteiro a quantia de sete contos mil réis. que no anno do Nascimento do Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e setenta e nove aos quatro dias domes de julho do dito anno.Nada mais se continha em dito recibo aqui fielmente copiado no meo livro de notas do próprio original ao qual me reporto e dou fé. proveniente de um escravo de nome Vicente.23 2736 14. Saibam [sic] quantos este público instrumento de recibo virem.Por este por mim abaixo assignado declaro que sou Senhor e possuidor de hum escravo de nome Vicente. que no anno do Nascimento do Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e setenta e nove aos quatro de julho.São Thomé 24 de maio de 1879. e sem 54 .com o número novecentos e setenta e oito e quatro da relação apresentada e cento e setenta e seis da mesma matrícula.Estava sellado com uma estampilha de duzentos réis imobilisada pelo modo seguinte.56 População Total 28566 21526 19778 18785 Fonte: (Galliza.40) CÓPIA DE RECIBO E CARTA DE ALFORRIA DO ESCRAVO VICENTE.mulato. João Fernandes Vieira de Mello.Theóphilo Rodrigues de Freitas Luindo. p. matriculado no município de Flores da Província de Pernambuco. havido por compra a Francisco Jose do Prado Chavier. de idade vinte e sete anos. “Recibo de compra de um escravo de nome Vicente. como testemunha José Monteiro Leite. em meu cartorio me foi apresentada uma carta de liberdade cujo theor é o seguinte.” E logo abaixo estava registrada a carta de alforria: Carta de liberdade do mulato Vicente escravo que foi de Antonio Leite Monteiro como abaixo se declara. ficando eu obrigado a passar escritura pública todo e qualquer tempo que me faz exigida por ser feita a venda da minha expontanea vontade.25 2935 13.63 3013 15.Bananeiras 1785 639 972 595 Campina Grande 3446 1105 913 815 Total 7213 25. 1979. E para firmeza e segurança mandei passar este que assigno com a minha letra e signal na presença de Theóphilo Rodrigues de Freitas e José Monteiro Leite testemunhas que assistirão. José Monteiro Leite.constrangimento de pessoa alguma.Como testemunhas Theophilo Rodrigues de Freitas Luindo. concedo desde já a liberdade. afim de que desde já possa gosar de sua liberdade. 55 . por qualquer pretesto que seja.E para mais segurança tãobem [sic] as duas testemunhas acima mencionadas que forão presentes a este acto da declaração da minha vontade. e de facto liberto fica de hoje para sempre. sem que ninguem o possa chamar já mais [sic] a escravidão. sem clausula ou condição. pois eu como Senhor que sou do dito Vicente lhe concedo a mesma liberdade.Povoação de São Thomé. e queiro que este meu escripto lhe sirva de prova e lhe seja profícuo em todo tempo. Em testamento de verdade – tabelião de paz. 02 de julho de 1879 Antonio Leite Monteiro. e como livre que é por virtude deste meu presente escripto.Nada mais se continha em dita carta de liberdade aqui fielmente copiada no meu livro de notas do próprio original ao qual me reporto e dou fé. como se fora de ventre livre. João Fernandes Vieira de Mello. 400$000 Maria F 34 PB . 150$000 Fonte: Escrituras de compra e venda de Escravos nos livros de notas do Cartório de Paz de São Thomé. TABELA PREÇO E OUTRAS INFORMAÇÕES SOBRE OS ESCRAVOS NOME SEXO IDADE ORIGEM COR PREÇO Ponciano M 48/58? PB Pardo 500$000 Luiza F 6 PB Preta 425$000 Bemvinda F 5 PB Preta 200$000 Juvina F 14 PB Preta 710$000 Francisco M 14 PB Preto 700$000 Domingas F 14 PB Parda 600$000 Vicente M 27 PB Mulato 700$000 Antonio M 6 PB Crioulo 200$000 Francisca F 8 PB . 450$000 Maria F 16 PB Preta 600$000 Eudocia F 39 PB Preta 300$000 Canuto M 19 PB Crioulo 800$000 Domingos M 30 PB Crioulo 950$000 Maria F 52 PE Preta 200$000 Rosenda F 15 PB . 400$000 Jovina F 14 PB . 56 . 350$000 Alexandrina F 17 . Crioula 500$000 Thereza F 19 PB Crioula 800$000 Pastor M 9 PB .
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