A Epopéia Ignorada - Oto Marques da Silva - corrigido

A EPOPÉIA IGNORADA (A Pessoa Deficiente na História do Mundo de Ontem e de Hoje) Autor: Otto Marques da Silva Editada pelo CEDAS-1987 Copyright de Otto Marques da Silva Direitos reservados do CEDAS--Centro São Camilo de Desenvolvimento em Administração da Saúde Rua Barão do Bananal, 1111 --05024--São Paulo--SP. Capa de Júlio Braga Estela egípcia da XIX Dinastia: o porteiro de nome Roma faz oferendas à Deusa Astarte Síria (acervo da Glyptotek Ny Carlsberg--Copenhague, Dinamarca). Dados Catalográficos SILVA, Otto Marques da A EPOPÉIA IGNORADA--A Pessoa Deficiente na História do Mundo de Ontem e de Hoje São Paulo--CEDAS, 1987. 470 páginas - 2 partes - 5 anexos - 17 ilustrações Relações bibliográficas Conteúdo: I Parte-- Deficiências e pessoas deficientes nos seguintes Períodos ou Épocas: PréHistória, História Antiga (Egípcios, Hebreus, Gregos e Romanos), Advento do Cristianismo, Império Bizantino, Idade Média, História Moderna e História Contemporânea (Até 1981, Ano Internacional das Pessoas Deficientes). II Parte-- Causas da marginalização das pessoas portadoras de deficiências, o significado da integração social, a questão da adequação da adequação pessoal como objetivo último da reabilitação, o preparo para a vida de trabalho, as equipes de reabilitação, a avaliação e o controle das atividades dos centros e programas de reabilitação. Para Nely Ana Maria Otto, Filho José Gustavo pela força que sempre me transmitem. Para Jary Maria Pela enorme lição de vida ("in memoriam") ÍNDICE A Oração da Pessoa Deficiente... Apresentação... Introdução... PRIMEIRA PARTE A POSIÇÃO DAS PESSOAS DEFICIENTES NAS SOCIEDADES DE ONTEM E DE HOJE Capítulo Primeiro A Pessoa Deficiente no Mundo Primitivo... O homem neolítico no Brasil de hoje - As primeiras civilizações do mundo... 1. O Alvorecer da Humanidade... Os males incapacitantes de sempre - O ambiente físico - Os desafios para a vida do homem primitivo. O cuidado para com doentes e a incipiente medicina - As fraturas na Pré-História - O que nos ensinam os ossos pré-históricos -- Freqüência do reumatismo -- A origem dos males que afetavam os homens - O tratamento primitivo e as deficiências – O destino das pessoas deficientes na Pré-História. 2. Culturas Mesolíticas e Neolíticas mais Recentes... O porquê das atitudes face a grupos minoritários Atitudes de aceitação, apoio e assimilação - Causas das atitudes de abandono, segregação ou destruição - O extermínio de pessoas deficientes - A pessoa deficiente como objeto de ridículo - O povo inca e as trepanações cranianas. As deficiências físicas há mais de 20 séculos na Califórnia. Capítulo Segundo A Pessoa Deficiente dentro das Culturas Antigas... 1. Os Egípcios e seus Vizinhos... A atenção médica no Egito Antigo - A medicina egípcia e os males incapacitantes - Os famosos papiros e os problemas de deficiências – As deficiências físicas no Antigo Egito Os males que levavam a deficiências físicas - Casos concretos de lesões incapacitantes - A incidência de fraturas e outros problemas - Os anões na vida e na arte egípcias - Uma estela votiva dedicada à deusa Astarte da Síria por um porteiro - As especialidades médicas e o problema das deficiências no Egito - Conceitos da medicina egípcia na Odisséia de Homero - Anisis, faraó cego da IV Dinastia: século XXV a.C. - A deficiência visual na mitologia egípcia - Um coral de homens cegos para Amenhotep IV - As penas mutiladoras no Egito Antigo - Médico egípcio especializado em males da visão na corte de reis persas - Gaumata, um famoso mago de orelhas amputadas - Zópiro: tudo pela vitória de Dario I em Babilônia A Escola de Anatomia da cidade de Alexandria: século IV a.C. - Os egípcios sob os olhos críticos de um Imperador romano. 2. O Hebreus... Noé: a primeira pessoa com deficiência? -- As deficiências físicas entre os hebreus -- A cegueira de Isaac por 80 anos - Moisés e suas sérias dificuldades em falar com clareza -As leis criadas no deserto do Sinai – O Código de Hamurabi: severidade vizinha dos hebreus Sedecias, rei de Judá: cego por Nabucodonosor - O preço da paz: um olho de cada habitante - Mais normas e o papel do médico - As causas das deficiências entre os hebreus - A medicina dos hebreus - Tobias fica cego e recupera a visão: caso de leucoma? - Os cegos na cultura hebréia antiga - Zacarias castigado por não ter acreditado em Gabriel - As pessoas deficientes nos Evangelhos - Os milagres de Jesus e as pessoas deficientes - A cegueira de São Paulo, Apóstolo. 3. Os Gregos... As deficiências na mitologia grega - Lenda e realidade: Hefesto na vida dos gregos - Outros seres mitológicos e as deficiências físicas e sensoriais - As deficiências físicas na realidade da vida militar grega – As principais causas de deficiências na Grécia Antiga - Tirteu, poeta lírico com deficiência física - As leis que favoreciam as pessoas deficientes - A medicina grega e as deficiências físicas - A medicina de Hipócrates e as deficiências - Hipócrates e suas idéias quanto à epilepsia – Adaptações para prevenir deformações em crianças Cláudio Galeno e sua importância - Demócrito e Homero: homens cegos e muito famosos Demóstenes e seus pouco conhecidos problemas - Pessoas deficientes trabalhando citadas em obras gregas - Creso, o mais feliz dos homens – A importância dos oráculos e adivinhos na vida grega - A história de um adivinho famoso que era cego - As próteses de Hegesístrato, adivinho grego - Peste Ateniense: o terror generalizado – A atenção a soldados feridos ou doentes: Anábase, de Xenofonte - Homens com sérias luxações nas pernas: sapateiros, ferreiros, seleiros - Alexandre, o Grande: sua atenção a soldados com deficiência - Asclepéia de Epidauros: seu significado para pessoas deficientes - As famosas instalações de Epidauros - O sistema de funcionamento de Epidauros - Plutão, deus da riqueza, curado por Asclépios - Os testemunhos das muitas curas - "Apothetai" do monte Taygetos, em Esparta - Como era o ambiente de Esparta - Outras formas de eliminar crianças defeituosas na Grécia Antiga - A história de Labda, mãe de um rei de Corinto - Os costumes em Atenas face a deficiências físicas – O legado da Grécia Antiga. 4. Os Romanos... O problema da forma humana no direito e nos costumes de Roma - O destino das crianças deficientes em Roma -- O deus da medicina: Esculápio--Horácio Cocles, um herói com deficiências--Ápio Cláudio, Censor: século IV a.C - Amputação como penalidade nas legiões romanas--Caio Júlio César: atitudes face a seus males--Ferimentos graves e deficiências físicas em batalhas -- Cláudio I, um imperador bastante controvertido -- Galba, imperador romano com diversas deficiências - Othon, um imperador nascido com malformações - Vitélio, imperador romano por oito meses--Os milagres de Vespasiano - As deficiências citadas por Plínio, em sua "História Natural" -As automutilações para dispensa do serviço militar--Males incapacitantes e soluções paliativas - O problema da surdez na opinião de Cícero--Deficiências múltiplas e morte - A medicina grega e sua infiltração no Império Romano - Médicos romanos famosos e os males incapacitantes - Os serviços médicos e os hospitais militares romanos - As "valetudinaria" descobertas em estudos arqueológicos - Os auxiliares de médicos nas legiões romanas O sistema hospitalar romano O ensino da medicina no Império Romano Categorias de médicos em Roma - Implantação de serviços de assistência médica - A higiene e os banhos públicos—As pessoas deficientes nas artes romanas - Valores espirituais em pessoas deficientes. Capítulo Terceiro O Cristianismo, o Império Bizantino e a Idade Média face as Pessoas Deficientes ... 1. O Advento do Cristianismo ... As perseguições aos cristãos nos primeiros séculos - Sétimo Severo, o sábio e firme imperador - "Praecepta Medica" e os males incapacitantes - Galério, imperador que morre com deficiência séria—Mutilações em cristãos: a Língua de São Romão - Alterações substanciais provocadas pelo Cristianismo -- Um bispo com deficiência: Castigo de Deus? - Dídimo, teólogo cego: Diretor da Escola de Alexandria -- Os primeiros hospitais cristãos e as pessoas deficientes - Fabíola e Pammachius associados num hospital de caridade - A hospitalidade cristã e o papel dos bispos - Notícias de organizações para pessoas deficientes - A questão das deficiências físicas em sacerdotes cristãos - Papel dos mosteiros na assistência aos miseráveis. 2. O Império Bizantino e as Deficiências... Constantinopla, o "Reino de Deus na Terra" - A pompa e a circunstância na corte bizantina - As grandes e poderosas famílias do Império - A miséria na capital bizantina e as pessoas deficientes - As doenças e as deficiências físicas e sensoriais - Os miseráveis no "Reino de Deus" - As organizações assistenciais de Constantinopla - O imperador Justiniano e as pessoas enfermas e deficientes - O desenvolvimento da medicina e dos hospitais - A mutilação nas leis bizantinas - Períodos principais do Direito Penal Bizantino - A moderação nas penalidades impostas no tempo de Justiniano - As "Novas Constituições" de Leão III: "leis mais cristãs" - A defesa de um direito dos cegos: fazer testamento - Penalidade prevista para o vazamento dos olhos de outrem - Crime de rapto e sua condenação nos tempos de Leão III - General Belisário: lenda e realidade de sua carreira - Notícia sobre uma prótese no século IV -- Abrigos para cegos e outros refúgios para doentes e deficientes - Assistência a soldados a partir do século VI - Os primeiros hospitais da Terra Santa e de Bagdá - Castigos bárbaros levam a deficiências no Império Bizantino - A Imperatriz Irene e sua luta para conquista do trono - Os primeiros castigos contra conspiradores dentro da família - Punições severas continuam na corte bizantina - A selvageria de uma imperatriz na defesa de seu trono - Mutilação documentada em pintura do século IX -- Barbáries que levaram a deficiências físicas - Constantino VIII: "a violência dos fracos e dos poltrões" - Miguel V: imperador bizantino por apenas 132 dias -Constantino IX, Monômaco: limitações físicas muito sérias -- Romano IV, Diógenes: presa de um soldado com deficiências - Enrico Dandolo: "doge" veneziano cego - Isaac II, Angelus: olhos vazados, volta a ser imperador Outros eventos que levaram a deficiências físicas e sensoriais - Ato friamente planejado instala a Dinastia dos Paleólogus -- O dilema de João V, Paleólogus (1319 a 1389). 3. As Pessoas Deficientes na Idade Média... A criação de hospitais e abrigos para pobres - Um santo cego na história da Bretanha do século VI - Santo Egídio, padroeiro dos deficientes - Assistência aos pobres pela Igreja - A mutilação como castigo no século VII - O milagre de fazer um mudo falar – Amputações como penalidade por crimes cometidos - A evidência de dupla amputação: século VII - Os hospitais criados pela Igreja na Europa - A profissão de massagista no Japão do século IX Bispo Hincmar, vítima da crueldade de seus algozes - Deficiência física na mitologia germânica - As deficiências em sacerdotes cristãos na Idade Média - Luiz III, o "Cego", rei da Provença e da Itália - Deficientes físicos impedidos de participar da Primeira Cruzada - Barbeiros-cirurgiões na Idade Média - A evolução dos hospitais medievais e as eficiências - O estigma da hanseníase durante toda a Idade Média - Ricardo Coração-de-Leão e sua vingança - Hospitais proliferam no Oriente Próximo: século XIII - Os progressos da medicina até o século XIV - Epidemias na Idade Média e suas conseqüências: "Castigo de Deus"? - A medicina qualificada e a falta de assistência geral - As soluções populares e as crendices - O destino das pessoas deficientes na Idade Média - O significado das eficiências na Idade Média - Os privilégios para cegos durante a Idade Média - Dois heróis históricos com deficiências nos séculos XIII e XIV – Os hospitais face às pessoas deficientes nos séculos XIV e XV. Capítulo Quarto A Pessoa Deficiente do Renascimento até o Século XIX ... O problema dos hospitais e abrigos ao início da Renascença - Os problemas dos deficientes auditivos no século XVI - A pintura renascentista e as pessoas com deficiências - Ambroise Paré: os primeiros passos da futura "ortopedia" - Antonio de Cabezón: compositor cego – Goetz von Berlichingen, o "Mão de Ferro" - O problema da mendicância organizada nos séculos XVI e XVII - A grande malha organizacional dos miseráveis na França - O problema da mendicância organizada em outros países - Deficientes mentais no século XVI: entidades não-humanas - A "Lei dos Pobres" e as pessoas deficientes na Inglaterra – O atendimento às crianças deficientes na Inglaterra: século XVI – O "Grand Bureau des Pauvres" da França Classificação de indigentes na França no século XVI – Luiz de Camões, o poeta épico português por excelência - Pintor mudo decora El Escorial, na Espanha – Continua a epopéia dos hospitais nos séculos XVI e XVII - Galileo Galilei, matemático, astrônomo e físico - O contínuo problema dos soldados mutilados - Os trabalhos com os deficientes auditivos no século XVII - Johannes Kepler, astrônomo alemão - Padre Lejeune, maior pregador do século XVII - Novas formas de utilizar os hospitais - As deficiências físicas em peças de Shakespeare - A superação de deficiências no século XVII: um exemplo - John Milton: o significado de sua cegueira - São Vicente de Paulo: suas obras face às tendências do século XVII - A "Velha Lei dos Pobres" da Inglaterra - O nascer da ortopedia como especialidade -- Quatro cegos brilhantes: Sauderson, Metcalf, Euler e Blacklock Alexandre Pope: um poeta com deficiências físicas - A reformulação hospitalar inglesa - A "Ortopedia" de Nicholas Andry - Maria Tereza von Paradis: pianista e compositora cega - A assistência aos cegos: final do século XVIII - Valentin Haüy, "Pai e Apóstolo dos Cegos" -Educação dos deficientes auditivos no século XVIII - Os primeiros sinais de assistência nas Américas - O desencontro de atitudes na Europa - Inovações nas "Leis dos Pobres" Bloqueios ao sacerdócio para pessoas deficientes - Hospitais públicos na França: final do século XVIII -- Progressos no campo do atendimento à cegueira: século XIX - Ludwig van Beethoven: a trágica surdez -Nelson, herói da Marinha Britânica - Os progressos nos Estados Unidos da América do Norte - Os sinais de melhor compreensão dos problemas dos deficientes - Uma iniciativa de Napoleão Bonaparte - Madre Agostinha, fundadora das Irmãs Irlandesas da Caridade - Lord Byron, poeta e satirista inglês - Antônio Feliciano de Castilho, um dos maiores literatos portugueses - Outros cegos do século XIX que ficaram famosos - A ortopedia do século XIX e as deficiências físicas - Atendimento mais especializado aos cegos - A pessoa deficiente vista com potencial para o trabalho - O problema dos surdos e dos surdos-mudos e suas soluções – Proteção ao acidentado de trabalho por legislação recente – A modernização da cirurgia ortopédica e as pessoas deficientes - Reabilitação desabrocha num Centro de Atendimento, em Cleveland - Helen Keller, cega, surda e muda: um marco indelével. Capítulo Quinto A Pessoa Deficiente no Brasil Colonial e Imperial... Os primeiros hospitais do Brasil Colonial - Anchieta e seu exemplo de assistência aos doentes -- Males incapacitantes nos primeiros anos de Brasil -- Cegueira noturna no Brasil dos séculos XVI e XVII -- Os problemas médicos nos séculos XVI e XVII no Brasil --Médico com deficiência física na História de Pernambuco - O problema das paralisias no Brasil do século XVII -- A medicina do século XVIII entre nós – Males limitadores que afetavam muito os negros escravos - Deficiências físicas e sensoriais entre nossos índios --Antônio Francisco Lisboa, o "Aleijadinho" -- Uma primeira tentativa em projeto de lei: ajuda a cegos e aos surdos -- O problema das amputações do século XVI ao XIX – A influência européia no Brasil -- Organizações para pessoas deficientes criadas por Dom Pedro II. Capítulo Sexto O Século XX e os Caminhos da Reabilitação no Mundo... O panorama europeu da assistência a deficientes no início do século--EUA: um primeiro congresso mundial de deficientes auditivos--A gradativa implantação da reabilitação--As tentativas iniciais para a solução do problema de trabalho--Implantação de serviços de naturezas diversas--Os esforços de pós-guerra--Surge a "Easter Seal Society" - O Código de Direito Canônico e os bloqueios a homens deficientes--Reconhecimento das verdadeiras necessidades das pessoas deficientes—A previdência social e os acidentes de trabalho--A reabilitação de jovens veteranos da Marinha e do Exército--A retração dos anos trinta e as pessoas deficientes nos EUA--A influência da Segunda Guerra Mundial na reabilitação -- A criação de sociedades internacionais privadas - O envolvimento das organizações intergovernamentais -- Centros de demonstração de técnicas de reabilitação--O Instituto de Reabilitação: vida e morte--A evolução mais recente da reabilitação. Capítulo Sétimo 1981--Ano Internacional das Pessoas Deficientes... As declarações de direitos e sua importância --O significado de um "Ano Internacional" -O Ano Internacional das Pessoas Deficientes: trabalhos iniciais -- O conteúdo básico das idéias consensuais para um plano de ação mundial - As recomendações para atividades a nível nacional -- O Ano Internacional das Pessoas Deficientes a nível de Brasil -- A Comissão do Estado de São Paulo e seu relatório - As propostas para ação em São Paulo -As realizações da Secretaria Executiva da Comissão Estadual -- Dois Encontros Regionais discutem as propostas da Comissão Estadual--Conscientização: a meta para 1981 --O apagar das luzes para o Ano Internacional -- Recomendações finais de todas as Comissões: um desafio para o futuro. Bibliografia da Primeira Parte... SEGUNDA PARTE A INTEGRAÇÃO DAS PESSOAS DEFICIENTES NA SOCIEDADE -- O DESAFIO DE NOSSOS DIAS Introdução ... Capítulo Primeiro As Causas da Marginalidade das Pessoas Deficientes ... Normal ou anormal: Eis o problema -- As "diferenças" assimiláveis ou inaceitáveis -- A questão em termos de Brasil -- A visibilidade da deficiência -- O problema do "comum" e do "normal" -- A grande variedade de condições marginalizantes -- Como classificar as condições marginalizantes (desvios intelectuais, desvios motores, desvios sensoriais, desvios funcionais, desvios orgânicos, desvios de personalidade, desvios sociais e problemas de idade avançada) - Outras condições que levam à marginalidade--Deficiência e incapacidade: distinção importante. Capítulo Segundo O Significado da Integração Social das Pessoas Deficientes... . decisão tática) –Controle num centro de reabilitação--Sistemas de controle utilizáveis em centros de reabilitação--Características do sistema de controle.Programas de reabilitação global -Condicionamento físico em reabilitação -. o processo de ajustamento à vida de trabalho. Capítulo Sexto A Avaliação e o Controle nos Programas de Reabilitação.O treinamento profissional em programas de reabilitação-Colocação em emprego--Anexo I (Relatório de Aconselhamento em Reabilitaçãoinstrumental) -. Capítulo Quarto Preparo para a Vida de Trabalho Aconselhamento para a vida de trabalho (Características pessoais. . Os profissionais envolvidos em reabilitação--A falta de especialização e suas conseqüências--Métodos de avaliação em centros de reabilitação. o "público" financiador. trabalho de equipe em reabilitação--As garantias para um verdadeiro trabalho de equipe --A liderança de uma equipe de reabilitação--A ausência da coordenação formal de uma equipe -. Impedimento.. capacidade mental) -. significado para o indivíduo..O trabalho de equipe: perspectivas.Anexo I (Indicativo para Identificação de Comportamentos) -. experiência educacional e profissional.Conseqüências de uma avaliação (decisão política. metodologia de cooperação quase inexistente.O ajustamento psico-social no processo de reabilitação -. atitudes e comportamentos--A adequação pessoal e seu significado -..O Objetivo Último da Reabilitação . interesses.Anexo II (Relatório de Avaliação Inicial-instrumental)--Anexo III (Relatório Evolutivo do Caso-instrumental).A complexidade do desafio--A integração social e seus "porquês" (O elevado número de pessoas consideradas como "deficientes".. decisão estratégica. falta de experiência em trabalho de equipe. Capítulo Terceiro Adequação Pessoal -. jogos de prestígio e de poder e seus malefícios. deficiência e incapacidade -.Ajustamento à vida de trabalho --Hábitos. o "público" das famílias da clientela. o "público" das entidades) .Adequação pessoal-fator decisório na integração social -. a importância dos instrumentais de avaliação) -. o valor econômico da mão-de-obra não utilizada)--Os princípios básicos da reabilitação -. excesso de importância à própria atuação.Modelos de avaliação-Sistemas de avaliação (O “público” em geral. estilo inadequado de relatório.. desconhecimento das demais profissões. capacidade física. comportamentos inadequados numa equipe. ausência de uma boa política de pessoal)--A necessidade de tratamento global do cliente --Superposição de atividades em equipes de reabilitação -.A complexidade do trabalho de equipe em reabilitação--Os programas necessários em nosso meio.Avaliação e ajustamento ao trabalho (potencial do indivíduo para o trabalho. o valor próprio do ser humano. o "público" clientela. falta de atitudes de cooperação sistemática. aptidões e potencialidades.Anexo II (Lista de Comportamentos ou Hábitos Inadequados).As dificuldades principais em coordenar uma equipe--Problemas típicos encontrados num trabalho de equipe (falta de confiança e respeito mútuos.O despreparo nos programas reabilitacionais -. Capítulo Quinto Equipes de Reabilitação nos Programas de Hoje . ....... Foi-me dada a pobreza para eu poder ser sábio...... Mosaico de Lescar (França)--Homem com deficiência física .soldados com deficiências.....Bibliografia da Segunda Parte.. Pedi-lhe ajuda para que eu pudesse fazer coisas grandiosas E foi-me dada a enfermidade para que eu pudesse fazer coisas melhores.. .Long Island-NY EUA) . .. Restos da batalha de Lens .. Eu não obtive nada do que havia pedido.. de Albertson .. ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES Porteiro egípcio com deficiência física ... . Hanseniano e deficiente físico impedidos de entrar em cidade .. A mão artificial do pequeno Lorenense .. Negociações com cruzados--Ancião com muletas.... Pedi riquezas e bens para que eu pudesse ser feliz. E dentre todos os homens Sou o mais ricamente abençoado!...... O transporte de pessoas deficientes no século XVI . Exorcismo de um catecúmeno com deficiências físicas ... para eu poder gozar de todas as coisas... Meios de locomoção e transporte de pessoas com deficiências ...... Inc.. Pedi poderes a fim de receber a admiração dos homens. Mendigos com deficiências no período pós-Renascença.. . Foi-me dada a fraqueza para eu poder sentir a necessidade de Deus. Paralítico de Cafarnaum apresentado a Jesus. . (Autor desconhecido .. deficiente físico e um dos famosos "Sabouleux" ......... Mas recebi tudo o que eu havia almejado.. Minhas silenciosas preces foram atendidas. Soberano assírio cegando prisioneiros de guerra....Texto divulgado pelo Institute of Rehabilitation Medicine da New York University e pela Abilities.. Deficiente físico vindo da Guerra do Paraguai .. Coluna de Trajano--Atendimento a feridos em batalha . A ORAÇÃO DA PESSOA DEFICIENTE Pedi a Deus forças para poder realizar muitas coisas E fui feito fraco para poder aprender humildemente a obedecer. Harpista cego no Antigo Egito .. ... Ulisses consultando o cego adivinho Tirésias.... .... Pedi-lhe tudo o que fosse necessário para eu gozar a vida E foi-me dada a vida.. Castigo na Idade Média: amputação de mão .. A despeito de mim mesmo quase... Cegos...... . Competência para isso o Otto tem: formado pela Universidade Católica de São Paulo e pela Universidade de New York na área de Serviço Social e de Reabilitação. que estão sempre muito desconfiados de porcentagens mal calculadas e por vezes improvisadas para assustar os incautos. físicos e sensoriais. tão completa. Quantas dificuldades teria superado com menos lágrimas e decepções não tantas! E quantas palavras teriam poupado comigo alguns médicos. se é duro constatar que perante a paraplegia. certos catedráticos costumam se apresentar dizendo que têm tantos anos de cátedra. E meus agradecimentos a você.a evitar decepções e conviver dignamente com tais deficiências). nem 10% de nossa população estaria . Esse esforço de divulgação aconteceu devido aos preparativos para 1981. por este importante trabalho. sensoriais. não chegaram a se impressionar. sobretudo. (Aqui ela ensina que. os céticos. o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. psicólogos e fisioterapeutas. talvez. de cadeira. Otto nos leva pela mão através da História da Humanidade e nos faz conhecer gente que. formativa e informativa sobre certas deficiências que acompanham a Humanidade desde seu berço. Comentavam eles. Mas agora chega Otto Marques da Silva com a História na mão. não existiam . os profissionais ligados à saúde. . sem condições físicas. que se essas estimativas mal fundamentadas fossem rigorosamente levadas a sério. contratado pela Organização das Nações Unidas como especialista nesses assuntos. aproveito a oportunidade para convidar meus colegas deficientes físicos e. INTRODUÇÃO Uma boa porcentagem de nossa população ficou muito surpresa com dados divulgados por todos os meios de comunicação ao final de 1980 quanto ao universo das pessoas que viviam as conseqüências de males incapacitantes. a medicina tradicional ainda é aprendiz. Já que me coube a honra de apresentar "A EPOPÉIA IGNORADA". que existem tantos deficientes. direi que tenho quase vinte anos de . . humana. Otto. se também eles tivessem lido obras como esta! Mas obras como esta. Se isto ajuda na apresentação de "A EPOPÉIA IGNORADA". orgânicas e mentais. E a História é mestra. incapazes de conviver mais naturalmente com suas deficiências). por exemplo.APRESENTAÇÃO Para reforçar a credibilidade em torno do que dizem. . e à União Social Camiliana por tê-lo editado. até agora (É por isto. tanto no Brasil quanto no resto do mundo. cadeira de roda! Direi também que este é o livro que gostaria de ter lido logo no início de minha pequena epopéia. a tornarem menos ignorada esta grande epopéia que é a reabilitação e reintegração da pessoa à sociedade. fizeram capítulos importantes da História.e com muito jeito e humanismo . trabalhou em colaboração com programas de 29 países na implantação de projetos para a reabilitação profissional de pessoas deficientes. Até então muito pouca divulgação tinha ocorrido quanto à verdadeira extensão de problemas dessa natureza e de repente atirava-se à população uma assustadora porcentagem: 10% de nossa população têm deficiências! Enquanto muitos espantavam-se com o incrível volume de pessoas envolvidas na questão de deficiências físicas. ensina também . Atualmente Otto é Diretor executivo da SORRI-SÃO PAULO (Sociedade para a Reabilitação e Reintegração do Incapacitado: "uma experiência que deu certo"). Na verdade. sem atinar com as causas dessa espécie de imobilismo. não sendo possível contestar ou confirmar. todas elas detentoras de seus direitos fundamentais como seres humanos que são. abuso de drogas. ceder à evidência e reconhecer que faltam requisitos básicos para o desenvolvimento seguro de programas mais significativos do que aqueles que nossa sociedade tem mantido. neurose. Todos aqueles que sentem na própria carne essa rejeição e que tem parentes ou amigos nessa situação. afasta-se do convívio de um lado. não tem muita relevância. deficiência mental. essas estimativas mundiais. Precisamos. ao tentar seu pequeno lugar ao sol. psicopatia. Alguns trabalham e lutam pela causa das crianças carentes e portadoras de deficiências porque têm um parente com deficiência. Aqueles que trabalham em programas reabilitacionais de caráter global ou que têm uma formação técnica adequada detectam com muita precisão atitudes descabidas. tensão grave. Alega-se sempre falta de informações oficiais. reumatismo. manter algumas organizações que se dedicam ao problema sob pretextos os mais variados. que não passa de uma estimativa internacional para dar o toque inicial a uma campanha de conscientização. E. prostituição. não é só por inexistirem informações precisas que a nossa sociedade quase que ignora o problema. tuberculose. têm alertado muita gente para a existência de um certo percentual de pessoas que são marginalizadas injustamente devido a problemas físicos ou mentais. Há por vezes uma noção deturpada quanto à realidade dos problemas e suas melhores e mais recomendáveis soluções por parte daqueles que são detentores de condições para muito sérias tomadas de posição e que certamente poderiam dar às pessoas deficientes tudo aquilo de que elas precisam para uma participação social efetiva. um sentimento velado de rejeição contra tudo o que é diferente. surdez. tais como alcoolismo. cegueira. falta de um posicionamento político. Pode bem ser verdade que não temos 10% de nossa população com deficiência certamente que poderemos ter mais ou ter menos! Não há dados oficiais a respeito. E justifica-se a falta de um envolvimento maior chamando a atenção para o vasto programa de reabilitação profissional mantido pelo INPS em muitas capitais e cidades maiores do Brasil e seus suntuosos e caríssimos centros de reabilitação que dão atendimento apenas a casos de acidentados do trabalho. outros envolvem-se para recuperar investimentos financeiros em pequenos centros de finalidade lucrativa.que foram divulgadas por documentos formais da ONU e de suas Agências Especializadas. programas . de outro. Dentre esses requisitos inexistentes destacamos o seguinte: não há entre nós uniformidade e solidez de conhecimentos quanto à seriedade da situação. Rejeita-se. e não apenas de figuras abstratas e impessoais de "entidades" ou do "governo". é fundamental que todos saibamos que um bom volume de providências para eliminação das desvantagens que elas sentem depende do envolvimento de cada um. embora em número reduzido. A precisão da cifra. encontraremos também aqueles que se dedicam ao trabalho com pessoas deficientes devido a um posicionamento pessoal sério e muito bem pensado. Há. No entanto. que é "defeituoso" e que causa certo mal-estar. abismam-se com a lentidão incrível de reação da sociedade como um todo em aceitar sua parcela de responsabilidade na solução desses problemas. O que importa é que todos fiquemos muito cônscios das dificuldades sentidas pelas pessoas que não têm a capacidade máxima de uso do seu corpo ou de sua inteligência. mesmo entre algumas pessoas mais envolvidas. falta de condições para o estabelecimento de prioridades por parte dos órgãos do governo. individualmente. outros o fazem devido a uma formação profissional. tantas são as porcentagens alegadas. bem no fundo. câncer. E mais ainda. mas procura-se também.livre de problemas graves ou de estigmas. todavia. na verdade. gregas. pois de acordo . todavia. era exterminado pelo grupo primitivo. vítimas de algum mal por vezes misterioso ou de algum acidente. passavam a não enxergar mais as coisas. velada. secreta. doenças graves e de conseqüências incapacitantes. algumas questões afloram de imediato: O que pensavam nossos antepassados distantes de pessoas que tinham defeitos físicos ou problemas mentais? O que faziam as sociedades hoje inexistentes com pessoas portadoras de deficiências? E talvez as suposições do que seriam as respostas a essas perguntas indiquem uma certa posição nossa cultural. Apresentam como prova eventual o aparecimento e a evolução da medicina. tais como as crianças e os velhos de um lado.superados. Talvez o que realmente poderá nos ajudar seja um olhar demorado para o passado. muito íntima . posicionamentos desastrosos. assimilados e respeitados? Anomalias físicas ou mentais. Ao tentarmos voltar no tempo. hebréias? Como foi possível a alguns poucos homens passar para a História. não por desconhecimento acidental ou por falta de informações. A análise do quadro completo da evolução. levar a um entendimento de certas atitudes e de muitas das preocupações de nossos dias quanto a deficiências que atingem o ser humano. A sobrevivência das pessoas com deficiências aqui no Brasil e em boa parte do mundo. cobrindo desde os tempos sem registro da Pré-História até o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (1981) não teria muita utilidade nem justificativa sem objetivos mais amplos e mais ambiciosos. para abrigo e agasalho.e preconceituosa! Muitas outras perguntas podem ser levantadas. para alimentação. Outros acham que não. apesar de suas deficiências? Mesmo que poucos. a existência de esqueletos com sinais de fraturas solidificadas e o achado de crânios trepanados. ao descrédito e. pois sempre houve pessoas deficientes no mundo e as que sobreviveram fizeram-no de alguma forma com a ajuda de alguém. pior do que tudo. além de um enorme esforço pessoal. Ele poderá. egípcias. deficiente ou portador de um problema sério qualquer. são tão antigas quanto a própria humanidade. se algo de decisivo não for feito com urgência. os grupos humanos de uma forma ou de outra tiveram que parar e analisar o desafio que significavam seus membros mais fracos e menos úteis. Muitos dos que começam a estudar o assunto deduzem apressadamente que o indivíduo doente. Essa epopéia nunca deixou de ser uma luta quase que fatalmente ignorada pela sociedade e pelos governos como um todo-uma verdadeira saga melancólica--assim como o foi em todas as culturas pelos muitos séculos da existência do homem. a não andar mais. ao fracasso técnico. amputações traumáticas. como. a não dispor da mesma agilidade anterior. enquanto que um simples olhar para o futuro poderá nos parecer nebuloso e sinistro. a se comportar de forma estranha. por exemplo. o que tornou esses homens e mulheres diferentes para serem aceitos. e aqueles que. tem sido uma verdadeira epopéia. Através dos muitos séculos da vida do homem sobre a Terra. que levam à confusão. Ignorada. deformações congênitas. do progresso ou do retrocesso no atendimento a pessoas deficientes no Brasil é uma tarefa impossível. ou quem sabe pessoal. ao atendimento falho e inadequado. por exemplo: Qual tem sido o destino de crianças nascidas com deformações entre culturas primitivas que ainda hoje existem? Qual terá sido o destino de soldados com seus braços ou mãos decepados nos violentos combates corpo a corpo das campanhas romanas. a depender dos demais para sua movimentação. O levantamento histórico apresentado na primeira parte desta obra. sejam elas de natureza transitória ou permanente. mas por não se desejar dela tomar conhecimento. na grande maioria dos casos. "o estudo da Antigüidade perde o valor. com milhares de séculos muito obscuros. ao alinhar algumas dessas possíveis razões.com a incisiva afirmação do historiador Will Durant. poderemos dividilas em: -. e outros. isto é. no entanto. esquecidos. historiador judeu do primeiro século da Era Cristã: "Aqueles que se determinam a escrever história a isso nem sempre são levados pela mesma razão". dentre os variados aspectos de toda a questão que não podem de maneira alguma ficar "sepultados no silêncio".uma vastidão de tempo. exceto quando se torna um drama vivo.000 anos antes da Era Cristã até 2.500 a. .C.Idade do Bronze -. bem cuidados e criteriosos da chamada "reabilitação" . Ressaltemos que. a épocas correspondentes a 10.técnicos. ou quando lança luz em nosso viver contemporâneo".. como elemento de classificação das diversas etapas da vida do homem sobre a Terra.para colaborar com essas mesmas pessoas para poderem ser inseridas em determinado contexto. deturpados ou minimizados..Idade da Pedra Polida -. o fazem porque não podem tolerar que coisas dignas de serem conhecidas fiquem sepultadas no silêncio". por fim.Idade da Pedra Lascada -. outros motivos para o trabalho apresentado na primeira parte deste livro. indica como última a seguinte: “. No entanto. não é apenas a curiosa. e dentre eles um poderá ser expresso com palavras escritas por Flávio Josefo. iniciados provavelmente há mais de um milhão de anos atrás. o material principal e mais relevante com que procurava ele fabricar todos os seus utensílios e instrumentos destinados à sua sobrevivência e conforto. A Idade da Pedra Polida já corresponde aos Períodos conhecidos como Mesolítico e Neolítico. Há. E. tocante e por vezes trágica referência histórica que tem relevância neste trabalho sobre as pessoas deficientes no mundo de ontem e de hoje. assumindo seu papel com dignidade e competência. estão aqueles que retratam a maneira como a humanidade de hoje vê as pessoas portadoras de deficiências e também aqueles relacionados com os caminhos novos .Idade do Ferro. A Idade da Pedra Lascada corresponde a uma boa parte do também chamado Período Paleolítico -. ou quando lança luz em nosso viver contemporâneo" (Durant) CAPÍTULO PRIMEIRO A PESSOA DEFICIENTE NO MUNDO PRIMITIVO Se tomarmos. exceto quando se torna um drama vivo. PRIMEIRA PARTE A POSIÇÃO DAS PESSOAS DEFICIENTES NAS SOCIEDADES DE ONTEM E DE HOJE "Toda filosofia depende da História" (Nietzsche) "O estudo da antigüidade perde o valor. foram por vezes atingidos com rapidez por algumas raças. Ainda hoje vemos em zonas tropicais ou temperadas do globo terrestre -. Orlando.* As primeiras civilizações de alguma sofisticação começaram a desenvolver-se nas proximidades dos rios e em especial junto aos grandes rios que banhavam terras planas e de boa qualidade. tais como o Eufrates. as facilidades de vida individual e de grupo conhecidas por nós como civilização foram levadas muito vagarosamente para o Ocidente. hebreus. interpretado como de contentamento e vai para junto de uma árvore. que havia rumado para lá logo que soube do primeiro contato.Os tempos que costumamos chamar de históricos começaram a ser vislumbrados com a Idade do Bronze e definidos com a Idade do Ferro. Solta um grito.situado entre o norte da África e o Oriente Médio -. apesar do corpo volumoso e apesar de quase não enxergar com um olho. Tigre. .logo distinguiram-se muitos grupos humanos que. como homens das Eras Mesolítica e Neolítica. a velocidade do desenvolvimento foi muito menor.povos que vivem vidas altamente primitivas e sem qualquer contato com a civilização. Ergue os braços rígidos e vibra um golpe vigoroso. babilônios. O Alvorecer da Humanidade. os gregos estavam vivendo sua Idade do Bronze e as tribos bárbaras do norte europeu viviam na Idade da Pedra Polida.000 anos de cultura.* "No dia 8 os kranhacãrores estão de volta ao mesmo local. assírios. antes de chegar a Roma.. nos quais alguns poucos povos até hoje existentes encontram-se mergulhados por milênios. 1. tendo afinal chegado ao Novo Mundo e à Oceania.inclusive no Brasil . soltando outro grito. tendo chegado primeiramente à Grécia. Entre a canoa e os kranhacãrores. mesopersas e outros. devido às características de então e ao seu isolamento quase que contínuo. . indo parar perigosamente perto de seu pé". Avança lépido pela picada. no ponto do Oriente conhecido como "Crescente Fértil" . A canoa sai carregada de gente.*O homem neolítico no Brasil de hoje.. Amarelo e Indo. de abril de 1978. apanha os presentes e corre para a canoa. De Roma elas foram levadas também às regiões mais ocidentais da Europa. formaram as primeiras civilizações: egípcios. enquanto os egípcios já viviam na Idade do Ferro. "E se o kranhacãrore se ferir e interpretar aquilo como uma artimanha dos brancos? é o que a maioria pensa.*As primeiras civilizações do mundo. 100 metros de água e 30. Esses graus de desenvolvimento. A pancada ecoa pela mata e o kranhacãrore dá o grande salto da Idade da Pedra para a Idade do Bronze" (in "Realidade". Os kranhacãrores estão na outra margem. o que sucedeu diversos séculos depois. Essas Idades ou Períodos indicam graus de desenvolvimento e não necessariamente períodos cronológicos da história do homem sobre a Terra. O machado escorrega de suas mãos. reportagem e texto de Luigi Mamprin). Nova correria no acampamento. Ganges. Mas nada acontece. a 100 metros. Em regiões onde a natureza sempre foi mais pródiga e o tempo mais acolhedor e ameno. É o homem que já ronda as estrelas. O kranhacãrore ergue o machado novamente e encaixa um golpe profundo no tronco. Nilo. atrás do seu irmão da Idade da Pedra Polida" . fenícios. Para ilustrar essa disparidade de momentos de desenvolvimento basta lembrar que. além de um incontido receio pelo desconhecido. "entre os presentes há um machado que o kranhacãrore mais jovem apanha e examina com curiosidade. . Foi exatamente ao longo desses grandes rios que. Do Oriente. operado de catarata. são impossíveis de serem estabelecidos. .Desordens neurológicas diversas -. ou para sua integração ao seu grupo principal como elemento participante: -. desde os primeiros dias do homem sobre a Terra.Gota em suas manifestações mais graves -. apenas para ajudar nossa imaginação e nosso raciocínio. É evidente que fatos concretos ou situações comprovadas de vida.Queimaduras em vários graus e localizações -.Paralisia cerebral de intensidades diversas -. hemiplegia) . Muitos deles por muitos milênios foram fatais devido à falta de recursos no seio das populações primitivas.Paralisias (paraplegia.Defeitos de nascimento ou malformações -. elaborando um pouco quanto às hipotéticas situações a serem enfrentadas por um eventual portador de alguma deficiência limitadora de suas funções básicas daquelas mesmas épocas. do velho e do doente nos primeiros nebulosos e muitas vezes enigmáticos milênios da vida do homem sobre a Terra.Doenças mentais das mais variadas intensidades -.Desordens cardíacas de gravidades diversas -.Câncer nas muitas de suas caracterizações -. sim.Surdez ou reduções graves de audição -.Esclerose múltipla -. tetraplegia.Epilepsia -.Distrofia muscular -.*Os males incapacitantes de sempre* Lembremo-nos de início que muitos dos males incapacitantes de hoje sempre existiram.Diabete -.Problemas cerebrais -. a não ser supostas situações que estão baseadas em indícios extremamente tênues.Cegueira ou limitações de visão -. anotar mentalmente que os seguintes males sempre foram e sempre serão muito sérios para a sobrevivência do homem.Problemas de abuso de medicamentos ou de álcool -. mesmo com o magnífico concurso dos sábios que dominam muito bem toda a ciência arqueológica e áreas afins.Problemas renais -.Artrites em suas várias caracterizações -.Deficiências mentais nos variados graus -.Fraturas e problemas ortopédicos os mais variados -. Apesar de nos encontrarmos diante da impossibilidade de citar com segurança os males que rapidamente deterioravam a vida do homem pré-histórico. Poderemos.Afasia ou problemas de comunicação oral -.Nada de concreto existe quanto à vida de pessoas com deficiências físicas ou mentais.Problemas respiratórios e/ou pulmonares -.Fibrose cística -.Desordens sanguíneas graves -. em toda a fase pré-histórica da História da Humanidade. tentar imaginar o ambiente de então e o que ele poderia significar para a sobrevivência dos grupos humanos como um todo. ainda achamos válido.Amputações em vários níveis e membros -. pois aos poucos tinham conseguido explorar e descobrir locais mais longínquos de seus abrigos originais. ossos. de mais de 40. habitando em abrigos naturais de pedra ou em cavernas. o que levava à formação gradativa de camadas de depósitos de detritos.Hanseníase -. mesmo para os dias de hoje.Doenças venéreas -. do calor e do frio. . como em casos de ósteoartrite. Os homens hoje conhecidos como Cro-Magnon. por paralelos ou comparações que fazemos com populações de cultura primitiva ainda existentes. permanentemente ameaçados por tribos rivais. que viveu há uns 70.Síndromes incapacitantes diversas -. os animais que caçavam ou que os ameaçavam nas caçadas sem fim.Hemofilia -. Existe evidência de sua ação não só no esqueleto de um homem de Neanderthal. Em boa parte dos casos estudados. É praticamente certo que as melhores e mais protegidas cavernas foram sendo ocupadas e defendidas por muitas gerações de um mesmo grupo. Uma delas é que em geral tratava-se de grupos humanos que adotavam cuidados básicos muito rudimentares com tudo. Lá eles se sentiam não só protegidos do vento. eram seres humanos pouco dados à ordem ou à limpeza de seus ambientes. Esses foram os homens que começaram a documentar o mundo que os cercava. escuras e um tanto tenebrosas. como bem o demonstram os estudos arqueológicos.Fissuras lábio-palatais -. mas também de sua devastadora existência em dinossauros do período Mesozóico. Mas seus ocupantes viviam apenas nas áreas próximas à entrada.*O ambiente físico* Há muitos milhares de anos o homem vivia desprotegido num mundo hostil. da chuva. cinzas de fogueiras destinadas ao aquecimento ou ao preparo de alimentos. . como também das incertezas da noite.Idade avançada Para vários dos males indicados poderemos de alguma forma imaginar as soluções dadas durante aquelas longínquas épocas. devemos destacar o Homem de Neanderthal. Pelos achados ocorridos em cavernas da Europa utilizadas naquelas épocas.Incapacidades múltiplas -. começaram a povoar esparsamente diversas partes da Europa. incluindo neles pedaços de armas. surgidos ao final da Idade do Gelo há mais ou menos 30. Dentre os primeiros habitantes de cavernas que povoaram esparsamente a Europa préhistórica. Tinham aprendido a construir abrigos provisórios de peles de animais abatidos e tinham também descoberto sítios mais adequados para caçadas mais promissoras. podemos chegar a algumas conclusões. Algumas das cavernas utilizadas pelo homem primitivo eram grandes. Praticamente tudo o que utilizavam ou que deixavam de usar por ser considerado como inútil. das grandes tempestades.Doenças dermatológicas transmissíveis -. O número dessas cavernas era exíguo para toda a humanidade francamente em expansão e às vezes imobilizada por invernos rigorosos.Paralisia infantil -. e mesmo restos de animais devorados eram jogados fora em cantos das cavernas habitadas. Para alguns males é muito difícil elaborarmos qualquer quadro. dos animais ferozes e dos inimigos que continuamente procuravam desalojá-los.-.000 anos atrás.000 anos e muito parecidos com algumas raças de homens da atualidade.Doenças crônicas -.000 anos. não há dúvida que os requisitos básicos para a atividade principal. inclusive nos tetos das cavernas. enquanto que durante os meses de inverno a caça tornava-se rarefeita e ele mesmo dispunha de poucas condições para sobreviver por longos períodos de tempo fora de seus abrigos. pedaços de osso. mamutes. durante os longos invernos. ele dependia quase que exclusivamente da caça de certos animais muito cobiçados.muitas mãos --inclusive diversas com dedos visivelmente em falta! . E. Ele não dispunha de meios para manter em bom estado de conservação para consumo a carne dos animais caçados nos dias de muito calor. Foi ele também que começou a solidificar o grupo familiar. Dessa forma. a capacidade de atuar em grupos bem coordenados e criativos e . é muito difícil imaginarmos como um homem ou uma mulher poderiam sobreviver naquelas remotas eras com uma deficiência física muito limitadora. redes. entalhados e mesmo pintados com pormenores de cores vivas em pedras. chegando mesmo a construir represamentos de riachos para obtenção mais fácil de peixes para seu consumo. . florestas e rios.*Os desafios para a vida do homem primitivo* Dentre os principais problemas enfrentados pelo homem pré-histórico para poder sobreviver. ursos. sem o que não conseguiria expor-se por longo tempo ao frio para matar animais atentos e muito velozes. paredes e tetos das cavernas. mas também as dificuldades. em pontos de difícil acesso até para os nossos recursos de hoje. eram a sua inteligência muito superior à dos animais cobiçados. Junto aos desenhos desses bisões e demais animais da época. Foi exatamente o homem neolítico que conseguiu tornar a caça muito mais racional. inventou armas de mais longo alcance. num esforço de grupo. Foi igualmente esse primitivo homem neolítico que tornou mais . que poderiam ser sacrificados para resolver o problema da falta de caça para alimentar o grupo. Mas o homem primitivo aprimorou suas condições de vida e já na época Neolítica (há aproximadamente 10. que acabou por se tornar uma unidade social básica. em parte graças ao gradativo término da chamada Idade do Gelo e à progressiva e amena mudança de temperaturas nas várias regiões do globo terrestre. O homem das Épocas Paleolítica e Mesolítica praticamente não plantava e não dispunha de animais domesticados. durante muitos milênios dominando apenas armas de curto alcance. que era a caça. força e domínio do corpo eram fundamentais. notamos que ele começou a ter melhores condições para explorar por muito mais tempo territórios jamais trilhados. velozes javalis e ágeis cervos foram desenhados. tais como os bovinos e eqüinos. para obter alimento fresco. montando armadilhas. se quisesse garantir peles quentes e adequadas para cobrir seu corpo e proteger seus pés durante o inverno.000 anos). não estão nem foram encontradas na boca das cavernas. mas em pontos bem mais afastados do ambiente habitado. o supersticioso homem primitivo certamente precisou primeiro vencer o medo que sentia pela escuridão sempre povoada por seres tenebrosos e o próprio ambiente mais profundo e misterioso das cavernas que refletiam sombras confusas à luz de tochas fumarentas. avanço muito significativo. e às vezes à beira de grandes buracos. Bisões. O interessante é que essas obras. quase que diárias durante as épocas mais quentes do ano. . com suas campinas. existem contornos de mãos -. Esses desenhos e peças entalhadas são encontradiços principalmente nas cavernas ao sul da França e ao norte da Espanha. Além disso. em quase sua totalidade. Para lá trabalhar nas muitas horas e dias de dedicação à obra. Assim. estavam não apenas o abrigo e o aquecimento durante os meses de inverno ou durante as intempéries. uma capacidade física total.para as quais plena agilidade. amputações de pés. O homem primitivo que se dedicava à arte de aliviar dores. e com o surgimento da consciência social. Provavelmente dessas não registradas épocas da vida do homem sobre a Terra foram surgindo os primeiros passos para uma medicina não só de medicamentos provenientes de plantas. o que talvez tenha levado o homem primitivo a melhor considerar as pessoas adoentadas. as acidentadas em atividades de caça e pesca. mas marcante. Facas. propagando-se e enriquecendose continuamente.ainda de caráter punitivo e severo. depois chamados de feiticeiros. com cuidados bem maiores. com a comprovada sobrevivência do "operado". da vida e da própria terra. foram realizadas. Essas experiências foram sendo acumuladas por alguns homens considerados como especiais. a absoluta solidariedade dos elefantes para com seus membros feridos). serras. não se sabe por que causas. divisão das carnes em pedaços menores e mesmo preparo de algumas armas. Na Época conhecida como Neolítica. além de seus auxiliares e foram sendo passadas de geração para geração. de seu relativo bem-estar e de seu futuro. de mãos e também a incrível cirurgia craniana conhecida como "trepanação". talvez com surpresa. usá-los para intervenções cirúrgicas. tinha seus conhecimentos de anatomia derivados exclusivamente da observação constante e da contínua e necessária atuação e experimentação. mas com o despertar dos vínculos mais fortes de ordem familiar. tenha surgido a idéia de. estancar sangue e mesmo curar males. Talvez que de sua contínua utilização para esquartejamento de caça. novos grupos de homens e com eles misturou-se. ou seja. pajés. de milênio para milênio.elaborada a idéia de um Deus ou das muitas divindades. Já havia a linguagem falada em plena evolução e mais. Dedos das mãos amputados.*O cuidado para com doentes e a incipiente medicina* Como das demais Épocas. conforme indicam achados da época. de grupo para grupo. já haviam surgido por milhares de anos em desenhos das cavernas habitadas.ou seres superiores . foi o homem neolítico que se organizou em grupos mais heterogêneos e que certamente começou a desenvolver uma primitiva. Ao final da Época Mesolítica. O homem tornou-se dono de sua vida. Assim. consciência social. a não ser presumirmos que. embora ainda vivendo em situações bastante precárias. o homem começou a atuar diferentemente. passando aos poucos para a Neolítica. mas também as primeiras tentativas cirúrgicas mais sérias. o homem descobriu muitos dos segredos básicos da natureza. instrumentos pontiagudos haviam surgido para utilização nas atividades principais relacionadas à alimentação e vestuário de todo o grupo. retirada e preparo de suas peles. a idéia de um ser superior . como diversas das raças primitivas de hoje que ainda vivem como homens neolíticos. frutos e alguns minerais. a vida de cada grupo foi-se tornando cada vez menos difícil e menos perigosa uma vez que esse domínio maior do ambiente que o cercava acabava por não exigir grandes riscos de vida para garantir a sobrevivência pela caça quase que diária. druidas. aproximadamente 8. magos. Em suas explorações longínquas encontrou. . . comparar e também estudar o comportamento animal (por exemplo. tais como a domesticação de animais e a agricultura. não só com um paciente e sempre muito curioso olhar.000 anos atrás. desta Época Neolítica também não temos dados ou sinais de qualquer significado quanto ao problema causado pelas eventuais incapacidades físicas ou mentais em membros dos vários grupos humanos. e mesmo de seu culto e das religiões. Segundo nos relatam especialistas no assunto. as vitimadas por ciladas ou agressões de grupos rivais. citado por Agüero. Esses ossos solidificados e com evidentes sinais de fraturas anteriores foram estudados meticulosamente por cientistas diversos que notaram a ocorrência maior e mais significativa de fraturas do ante-braço (radius). seja de animais acuados durante uma caçada. mas seriamente deficientes. Em sua obra "La Médecine chez les Peuples Primitifs (Préhistoriques et Contemporains)". em algum tipo de cerimônia religiosa. patadas. que podem ser notados nos desenhos das cavernas habitadas. seja pelos dedos amputados. solidificada à extremidade baixa do pedaço superior do fêmur. Como sobreviveu esse homem de perna com fratura solidificada com sério desvio? Como conseguiu integrar-se ao seu grupo. seja pelo exemplo da incrível calosidade óssea com grande desvio da linha do fêmur e evidente encurtamento da perna.. fraturas por golpes de clavas. No entanto. Nessas atividades perigosas e muitas vezes imprevisíveis. de tíbia (encontrados em dólmens da África do Sul e em Meudon). daí resultando um considerável encurtamento da coxa. a própria vitima ou seus companheiros aliviariam o membro atingido com uma primitiva imobilização. mas com grande desvio. do húmerus. das atividades . assim. Nas diversas cavernas pesquisadas pelos arqueólogos. seus ossos não estariam na caverna em que foram encontrados. os homens préhistóricos reuniam-se ao redor do fogo. por meio de pedaços de ramos de árvores ou pequenos arbustos atados por tiras de couro de animal.. Viviam com seus membros imobilizados . na linha áspera e quebrada. Provavelmente ainda na Era Paleolítica.Bick. Stéphen-Chauvet afirma que um grande estudioso dos achados pré-históricos.*As fraturas na Pré-História* Membros fraturados certamente que eram tratados à semelhança da forma como animais superiores o fazem. Nesses esqueletos pré-históricos encontrados e analisados até hoje. E certamente devido a essa freqüência. abrigos e casas primitivas de então os acidentados já deveriam contar com homens mais idosos que tinham experiência e que sabiam como tratar com certo sucesso casos dessa natureza. descansando a parte afetada ou deixando de utilizá-la. tufos ou cordas de capim. nas cavernas. Edgard M. podemos citar sinais de fratura tratada em ossos de omoplata (em Vendreste). transitórias. Todas essas fraturas mesmo a do metatarso chegavam a impedir o homem primitivo da participação em atividades de caça ou de guerra praticamente durante meses. pois se não tivesse sido integrado. do fêmur (bastante comum). da clavícula e mesmo do metatarso. e que apresentava um forte deslocamento. o homem pré-histórico que inventou a imobilização de um membro fraturado mereceria a mesma honra e teria os mesmos méritos que aquele que idealizou a roda ou que descobriu a forma de fazer e de controlar o fogo. e com que tipo de papel? Sim. pôde estudar um fêmur direito encontrado numa gruta do vale Petit-Morin que havia sido fraturado em seu terço inferior.ou pelo menos não usados . o conjunto é envolvido numa calosidade óssea de aproximadamente 20 cm de circunferência. que certamente demonstrava a importância e o significado do empreendimento. de cascas de árvores ou de outra natureza. o Dr. Segundo o Dr. seja de inimigos portadores de armas contundentes. vários ossos apresentam-se com fraturas solidificadas e bem tratadas. muito mais por instinto do que por conhecimento de causa ou raciocínio. Assim.. Eram. e nos locais onde foram encontrados muitos esqueletos pré-históricos. pelo resto de sua longa vida. tivemos na Pré-História pessoas deficientes que sobreviveram por muitos anos. quedas e mesmo pelos azares do dia-a-dia eram freqüentes. Como participou. O fragmento inferior tinha sua ponta. durante a qual o homem esteve mais do que nunca sujeito a grandes quedas e a pancadas violentas.sobrevivendo na dependência dos demais. Raymond. Logo antes de partir para uma caçada ou para uma operação guerreira. do perônio (terço superior). Havia casos que iam desde a chamada osteopatia peri-articular. Praticamente toda a especialidade aqui referida volta-se para achados que indicam a existência de patologias incapacitantes. d) Homem Cro-Magnon -. num ponto perdido da Pré-História. Há. coxeando pelos agrestes e perigosos caminhos. relevos. além da análise sistemática de ossos que apresentam anomalias. pois a espinha dorsal em geral fica com uma curvatura bastante acentuada. estatuetas.A espondilose foi encontrada num esqueleto de homem préhistórico conhecido como Cro-Magnon. quase todos. na França. foi descoberto por Raymond na gruta de Baye. no úmero esquerdo. O fêmur apresenta uma espécie de tumor ósseo bem volumoso no terço superior. da mesma forma como certas dores reumáticas podem ter sido aliviadas com o calor das fogueiras ou das pedras aquecidas ao seu redor nas primeiras cavernas habitadas pelos grupos humanos. Além das providências de imobilização para os casos de fraturas.Existem poucos ossos do tipo conhecido por esse nome científico: uma calota craniana. permanecerá sem maiores explicações em nossa imaginação. Seus estudos não podem desconsiderar desenhos. essa afecção apresenta-se como um real obstáculo à boa solidificação de uma fratura. descoberto em Krapina. A nova ciência da paleopatologia nos ensina que a doença e a deficiência física são tão antigas quanto a própria vida sobre a Terra. especialistas constataram sinais claros de articulações coxo-femurais com artrite seca e com poli-artrite.e lesões traumáticas ou infecciosas. próximo à sua cabeça. Um exemplo marcante é encontrado em ossos do Homem de Neanderthal. Pela análise dos mesmos. na Espanha e na Argélia.Há ossos do chamado Homem de Neanderthal que apresentam traços de traumatismo. existe um sinal de fratura solidificada na clavícula.O fêmur com grande desvio citado mais atrás. uma cicatriz que corresponde a uma lesão séria. No esqueleto desta espécie. . por exemplo. até a total imobilização do homem primitivo. c) O esqueleto analisado por Raymond . a cabeça inclinase para a frente e as coxas flexionam-se. É interessante notar que ossos provenientes dessa mesma caverna apresentam. atribuído pelos estudiosos a uma fratura ou a um aneurisma. Trata-se de um mal de efeitos muito limitadores. Pois bem. três dentes e um fêmur.*O que nos ensinam os ossos pré-históricos* Os homens que se dedicam ao estudo de ossos pré-históricos têm desenvolvido denodados esforços para a criação de uma nova especialidade: a paleopatologia. Vejamos alguns exemplos mais marcantes: a) Pythecanthropus Erectus . Na Era Neolítica a presença média do reumatismo é estimada em 20% dos esqueletos ou ossos encontrados. existe mais de uma centena que apresenta anomalias.O reumatismo foi muito freqüente e devastador na PréHistória. A incidência do mal talvez esteja relacionada à má qualidade da . é a paleopatologia que nos diz que ossos de animais de todas as épocas indicam a presença de distrofias . membros ou partes do corpo atingidos por um golpe devem ter sido instintivamente socorridos por massagens do próprio indivíduo. O esqueleto de La Chapelle-aux-Saints mostra sinais de artrite deformante. sinais de osteoartrite de natureza reumática. b) Homem de Neanderthal -.sejam elas congênitas ou adquiridas . Segundo alguns especialistas. descobertos em La Chapelle-aux-Saints. Dentre os ossos encontrados na França. e) Freqüência do reumatismo -.de sua família ou de seu grupo? Seu vulto. Guthrie. las tribus Bere-Bere. el hombre invocaba lo ignoto y misterioso. hoje sabemos que os produtos naturais indicados acima contêm uma espécie de elemento protetor quase tão eficaz quanto a penicilina. Afirmam Graña. Rocca e Graña Jr. juzgada" como la operación más antigua de la cual existen huelas comprobadas". bien lo sabemos. em "Las Trepanaciones Craneanas em el Perú en la Época Pré-Hispánica": "Se considera una doctrina plenamente confirmada que el hombre primitivo. "Elocuente demonstración de estos hechos ofrecen ciertas prácticas quirúrgicas registradas en la história de los pueblos más antiguos. a eficácia de muitos tratamentos é fato inquestionável. Data. Assim. Ignoradas las causas reales. Bolivia y Colombia". mais de ordem demoníaca ou resultante de atitudes punitivas das divindades ou seres superiores. realizadas desde muchos milenios anteriores a nuestra era. de tempos imemoriais a utilização de uma lama especial para muitos casos de afecções cutâneas. entre los "Chaouias" de la Algeria. A doença e os acidentes aconteciam. "Y así. observó las mismas creencias. os casos de reumatismo não aconteciam apenas em faixas etárias mais elevadas. iguales supersticiones y atravesó por semejantes etapas de cultura". bem como o uso de teias de aranha em cortes e feridas. Desde este punto de vista el folk-lore médico es el mismo en todas las civilizaciones primitivas". Apesar de podermos duvidar da profundidade ou da diversidade de conhecimentos dos aplicadores da primitiva medicina. e uma primitiva medicina -. concurren a una interpretación común las leyendas y tradiciones más remotas sobre el origen de las enfermidades. en diversos paises de la América Del Sur. por exemplo. Embora ainda não fosse do conhecimento do homem primitivo. que la practican aún hoy. en diversos paises del Mediterráneo. en el Archipiélago de las Bismark. cada vez mais eficaz. En Inglaterra y Austria. podemos aducir que dicha intervención en el pasado lejano se llevó a cabo en las regiones más distantes de la tierra: Africa y Asia. a través de todos los tiempos y en todas las regiones del globo. o sea.*A origem dos males que afetavam os homens* A rude e muito difícil vida do homem em seus primeiros milênios de existência sobre a Terra não admitiam fraquezas. Se han descubierto cránios horadados en Herzogovina. por meio de homens observadores. devido a infecções e também devido à exposição à umidade e ao frio. Como demonstración palmaria de las ideas enunciadas antes. en las Islas Canarias y.ajudava com um socorro paliativo. Tahiti. Certamente que são surpreendentes para todos nós . sin duda. y una de verdadera significación y importância es. Stephen-Chauvet e Dastugue). Montenegro Y Albania. En Nueva Bretaria. É indiscutível que o homem pré-histórico procurava a origem das enfermidades em crendices de natureza mística ou fantasiosa. Polinesia. ocorriam também muito antes dos 30 anos de idade (Ver Goldstein. el concepto de los espíritos y la influencia de la divindad. Perú. Gonzales.se assim poderá ser chamada -. Francia. el caso de las trepanaciones craneales. muitas vezes avassaladores e de muito rápido desfecho. Convém que lembremos ter o homem primitivo vivido muito exposto às alterações do clima. la Malasia. lo invisible e palpable. igualmente em las islas del Pacifico. . com resultados positivos. muito voltados para os recursos da natureza e para os misteriosos segredos do "desconhecido". mas por vezes o homem vencia. Itália. Ya en el período neolítico se realizaba con extraordinaria frecuencia esta grave y dificil intervención. muitas vezes em cavernas cheias de umidade.alimentação (que pode também ter causado muitos casos de cegueira). por experiências acumuladas e por observações próprias.à semelhança do que fazem certos animais em momentos de dor -. que o abrigavam ou cuidavam dos ferimentos por meios rudimentares e naturais. a castigos de divindades ou mesmo por motivos utilitários. espinhos. Os primeiros auxílios prestados pelos homens primitivos foram relacionados a lesões do tipo traumático.pelos companheiros. garras ou presas de animais caçados.pode ter levado a alívios pouco esperados. O uso eventual de uma erva -. tanto por não apresentar condições de sobrevivência. como o calor. porretes. além de cerimoniais com evidente simbologia. A compressão normalmente feita pelas mãos e as proteções por ataduras primitivas estavam incluídas nessas providências iniciais. levava – como sempre levou -. A própria trepanação -. assim como os nativos de certas tribos existentes hoje em dia. Assim. e o levavam de volta ao núcleo de habitação. seja durante um ataque ou uma operação de defesa contra inimigos racionais. era socorrido --como não poderia deixar de ser -. flechas. certamente descoberta por mero acaso num momento perdido de dor na história do homem. a sucção. conforme as circunstâncias. desde que do sexo masculino. . foi desenvolvendo seus próprios meios de tratamento de males. Por uma questão de sobrevivência da raça apenas. o homem atingido por uma flechada. dentre muitos outros meios que apenas podemos imaginar. a sangria. assim também a proximidade com o calor do fogo. todas elas provocadoras de perda de sangue ou de fraturas. a abertura de um orifício em alguma parte do crânio -indica uma crença primitiva quase que demonológica ou maligna de origem desconhecida de certos males físicos ou mentais. os dilaceramentos causados por pedras. onde recursos maiores deveriam existir.ou seja. por uma pancada mais forte ou por garras afiadas. lanças.a uma sensação de alívio. o tratamento dos feiticeiros ou mágicos daquelas épocas incluía. Conforme referimos anteriormente. como as feridas. porque não há dúvida de que de alguma forma eles existiram.conhecimentos primitivos quanto à eliminação da dor. os banhos. a massagem. sendo a maioria delas de efeito contundente (bastões. ou o amortecimento em contato com o gelo ou neve. o frio. cuidados um pouco diferenciados podem ter sido dados às mães e aos recém-nascidos -. ou mesmo durante uma caçada. muitas vezes hoje utilizadas em tratamentos de urgência ou tratamento médico regular. ao estancamento de sangue. à assepsia ou às técnicas operatórias. No entanto. Em alguns casos o indivíduo gravemente ferido não falecia. Essas armas e seu uso contra outros homens também levavam à existência de contusões ou de ferimentos sérios que nem sempre causavam a morte. As circunstâncias da ocorrência desses fatos ou acidentes certamente levaram os companheiros ou a própria vítima a buscar na natureza que os cercava os remédios necessários. É quase certo que uma criança nascida com aleijões ou aparentando fraqueza extrema terá sido eliminada de alguma forma. Cada povo ou cada tribo.*O tratamento primitivo e as deficiências* Comprovadamente tanto a existência quanto o tratamento de males diversos no seio das populações primitivas e pré-históricas sempre estiveram ligados à magia. . marretas. tanto para caçar como para se defender. Ressaltemos que os homens pré-históricos. quanto por crendices que a vinculavam a maus espíritos. mas podia ficar vitimado por uma seqüela qualquer e se tornava limitado para a atividade principal da qual originalmente participara: a caça ou a guerra.desde que perfeitos e. dispunham de armas de curto alcance. providências de natureza objetiva. tacapes ou algo semelhantes). que determinavam a eliminação de crianças nascidas com deficiências físicas. seja por real utilidade. certas funções começaram a existir: os fabricantes de cestos ou de armadilhas. apoio e assimilação e uma outra. . No entanto. seja devido a uma projeção das tendências subjetivas de cada um. mais idosos ou defeituosos. Culturas Mesolíticas e Neolíticas mais Recentes Muitos daqueles que se interessam por pessoas deficientes ou por grupos minoritários em culturas pré-históricas e em culturas primitivas dos dias de hoje. Só conjecturas podem ser feitas e talvez com boas oportunidades de estarem certas. Muitos dos hábitos e costumes adotados em culturas muito mais antigas que a nossa são até hoje aceitos por povos bastante primitivos que vivem uma vida praticamente ao nível dos antigos homens das épocas conhecidas como neolíticas. Isso nos indica que desde épocas as mais remotas as deficiências e mesmo as deformidades de nascimento ou adquiridas por traumatismos e doenças já eram um verdadeiro flagelo da humanidade. consideram inevitável generalizar a aplicação de procedimentos adotados por muitos séculos e defendidos até em uma lei básica de Roma ou em costumes adotados em Esparta. Alguns deles referem-se aos seus componentes mais fracos. não poderia ter sido usado para esses fins. pode-se observar basicamente dois tipos de atitudes para com pessoas doentes. anões e amputados. na Era Neolítica. respeitado e útil ao grupo. coxos. seja permanentemente? Dos períodos mais adiantados da Pré-História para os dias de hoje. Por que um homem brioso..*O destino das pessoas deficientes na Pré-História* O que sucedia a esse homem? Ele fora valente. vasos e urnas foram sendo decorados das mais variadas maneiras e com os mais incríveis motivos. Exemplos concretos. lutador. 2. dentre muitas outras coisas. Seria ele mantido pelo grupo na esperança de voltar à atividade? Seria ele utilizado em funções menos exigentes de perfeito domínio da força e do físico? Seria ele levado às planícies ou às armadilhas para. de eliminação. podem de fato ser citados às dezenas. Lembremo-nos que. num último gesto de colaboração com o grupo. os preparadores de peles para vários fins. para merecer sua representação num utensílio permanente e de vital utilidade para os grupos sociais de então.*O porquê das atitudes face a grupos minoritários* Na abalizada opinião de antropólogos e mesmo de historiadores da medicina. Foram encontrados em alguns desses vasos ou urnas homens com evidentes sinais de deformidades de natureza permanente. valente. ao lado de mulheres e crianças? Nada disso sabemos. sendo algumas delas conseqüentes de mal-formações congênitas: corcundas. os fabricantes de esteiras e de vasos para armazenamento de água. seja por motivos de superstições. corajoso. seja por falta de maiores informações. . menosprezo ou destruição. seja provisoriamente. esses procedimentos não foram e nunca poderiam ter sido generalizados ou generalizáveis. coletados por antropólogos pacientes. idosas ou portadoras de deficiências: uma atitude de aceitação. de acordo com o progresso lento da humanidade e o gradativo domínio dos ambientes e da natureza. Indicam-nos também esses objetos da primitiva arte neolítica que esses homens sobreviviam até a idade adulta e poderiam ter algum valor. servir de isca para animais ferozes? Aceitaria ele funções menos briosas. tolerância. mas a partir de então não tinha mais utilidade. numa ilha conhecida como Elmolo. -. Assim. os cegos mantêm relação direta com o sobrenatural e os espíritos do sobrenatural moram no fundo do lago salgado e previnem diretamente os cegos quanto aos locais onde há peixe. observa-se também que a partilha de alimentos nesses mesmos grupos parece ter declinado em importância com os gradativos progressos verificados na agricultura e no pastoreio. . todavia. Essa atitude é bem diferente daquela da destruição habitual e sistemática adotada por grupos primitivos mais complexos dedicados à agricultura e também ao pastoreio e uma incipiente pecuária. De nômades que eram. por exemplo. apoio e assimilação* Vejamos.Ashanti: Habitam a parte sul de Gana. pescar e caçar era que. Na verdade. Esses mensageiros com deficiência física eram destacados para missões delicadas. em seus primeiros sintomas. dedos adicionais nas mãos ou nos pés são bastante comuns e eles se orgulham de os possuir. o grupo maior tinha necessidade de livrar-se do peso que significavam as dificuldades na movimentação geral quando do escasseamento da caça. ao recebimento de honrarias e à obtenção de um papel relevante na comunidade. No entanto. face à quase inutilidade das mesmas. -. povos primitivos que adotam atitudes de apoio. Segundo eles acreditam. de um modo especial na garantia da alimentação. A causa principal da destruição das pessoas era evidentemente. a iminência . Quando constituíam um reino próprio era costumeiro enviar à corte crianças com defeitos físicos para serem treinadas como arautos do rei. econômica. chegando até ao tratamento carinhoso. da pesca e dos outros tipos de alimentos. incluindo-se desde o abandono à própria sorte em ambientes agrestes e perigosos. Problemas muito sérios surgiam com a mudança para regiões mais férteis e mais promissoras. a oeste da África. no Quênia. até a morte violenta. levando em consideração a lança atirada por eles que são sempre bem tratados e respeitados. Esses mesmos antropólogos e historiadores observam que as encontradiças atitudes positivas e de aceitação não correspondiam necessariamente a raças mais cultas. experimentadas ou evoluídas. os cegos sempre participam das pescarias primitivas. Foi exatamente nesses grupos que aos poucos começou a surgir a caridade organizada. acidentes. Não lhes falta carinho dos pais ou de parentes mais próximos. problemas mentais ou velhice: -. aceitação ou tolerância para com pessoas portadoras de deficiências. caracterizando-se pelo seu nomadismo esporádico.Azande: Trata-se de um povo muito primitivo que habita as florestas situadas entre o sul do Sudão e o Congo.Aona: Os Aona residem ainda hoje à beira do lago salgado de Rudolf. transformaram-se em pescadores. assimilação. Segundo antropólogos estudiosos de seus costumes.*Atitudes de aceitação. a morte por inanição ou o próprio banimento. o que sucedia com os grupos que precisavam coletar alimentos.Na primeira. Todos os componentes dessa raça acreditam muito em feitiçaria. como. Na segunda. incluindo-se a tolerância pura e simples. por exemplo. essas mesmas pessoas são destruídas também de formas variadas. não chegam a relacionar defeitos físicos e anomalias com intervenções sobrenaturais. velhice ou defeitos físicos são em geral aceitas das mais variadas maneiras. Crianças anormais nunca são abandonadas ou mortas. totalizando mais de um milhão de membros. as pessoas que estão à margem do grupo principal devido a doenças. apesar de haver um bom tratamento para com doentes e deficientes e mesmo para com os mais idosos de seus membros. No entanto. era que acabava morrendo à míngua. Segundo crença popular. poderei ser morto agora mesmo". No entanto. os maus espíritos habitam nessas pessoas e nelas se aquietam e se deliciam. localizado na África Ocidental. o que equivalia a uma declaração de guerra.Macri: Pessoas deformadas ou portadoras de deficiências não são mortas nem abandonadas nas aldeias dos Macri. Ficava sem comer se assim o desejasse. Elas sobrevivem. esses aborígenes não tomam qualquer providência para sua segregação ou eliminação. crianças com defeitos físicos ou evidentes sinais de retardo mental sempre foram bem tratadas como se fossem normais. o que torna a normalidade possível a todos os demais.Xagga (ou Chaggal): Nas fraldas do monte Kilimanjaro. Essas pessoas eram responsabilidade do próprio grupo familiar. -. é que são procuradas para conselhos ou para decidir disputas. nativos da Nova Zelândia. habitantes de parte da Malásia. que lhe seria fornecido pelo tempo que achasse necessário.são consideradas como supérfluas. Foram também usados como espiões. No entanto. Trata-se de uma tribo Negrito. pois segundo acreditam. que ainda vive em cavernas ou em abrigos de folhas. Em várias aldeias do país crianças nascidas com anomalias físicas sérias eram tidas como protegidas por agentes sobrenaturais especiais.Pés Negros: Tribo praticamente extinta da América do Norte. pois não encontram muito apoio e chegam mesmo a receber tratamento ou apelidos de natureza desagradável.de guerras com tribos vizinhas. No entanto. mesmo que pelo resto de sua vida. ao norte da Tanzânia (leste da África). parece que isso não acontecia. -. só pessoas que se movem com o auxilio de um bastão ou de uma muleta. Em geral a mensagem do rei Ashanti era incisiva e terminava com um recado do arauto: "se esses termos não forem aceitos. de caça ou devido a acidentes da vida na floresta era deixado à vontade em sua cabana.Truk: Para os nativos da ilha Truk -.Dahomey: Entre os habitantes mais antigos do Dahomey atual. devido a um defeito físico ou à cegueira. No seio dessa tribo primitiva ninguém se atreve a prejudicar ou a matar crianças ou adultos com deficiências. em tempos passados.Semang: Entre os nativos da raça Semang. essas crianças existem para trazer sorte à aldeia. -.Entre os nossos antigos índios da grande raça Tupinambá do século XVI. -. porém. Além dessa perigosa missão. mesmo que isso chegasse a acarretar sacrifícios. -. o adulto doente ou deficiente por ferimentos graves de guerra. por posicionamento do guerreiro ferido. os arautos eram também utilizados como inspetores sanitários ou coletores de impostos. praticamente sem contato algum com o restante da tribo. Eram igualmente usados como bufões e tinham o privilégio de dizer a seus mestres o que bem entendiam. . -. pois limitavam-se os inimigos a cortar um dos dedos do arauto. o destino de muitas delas dependia de alguns sinais supostamente sobrenaturais que podiam decretar seu abandono à beira de um rio.as pessoas portadoras de deficiências das mais diversas naturezas e também as pessoas muito idosas que não podem prover seu próprio sustento ou que dependem necessariamente dos outros -. entre os Pés Negros cuidava-se bem de familiares com deficiência.Tupinambás -. -. sempre foi considerado como fato costumeiro -. -.Ponapé: Nas ilhas Carolinas Orientais. entre seus primitivos habitantes pertencentes à tribo dos Ponapé.uma das Carolinas -.apesar de singular na grande maioria dos povos primitivos – que as autoridades conhecidas como "condestáveis do Estado" fossem selecionadas principalmente entre pessoas portadoras de deficiências físicas ou sensoriais. muito primitiva. pois podia pedir alimentos. O que em geral acontecia. vivem os nativos do grupo Xagga. embora com dificuldades. é a pressão pela sobrevivência que determina certas tomadas de posição quanto a pessoas idosas. doente ou portador de deficiência séria. num local mais propício e próximo dos pontos onde todos sabiam ser a área de convergência contínua e de aparecimento de ursos brancos.Os índios Ajores vivem ainda hoje como nômades. Os velhos Ajores. albinas. entre os rios Otuquis e Paraguai.Esses índios são seminômades e de língua Guarani.*Causas das atitudes de abandono. Em alguns casos pesquisados. Segundo acreditavam. o abandono e a morte por opção do próprio indivíduo idoso. todos os recém-nascidos com deficiências. as pessoas idosas ou deficientes eram deixadas. indicava o extermínio como solução para o problema de crianças ou adultos com deficiências físicas ou mentais. ou mesmo aqueles não desejados. Vejamos alguns casos mais marcantes: -. Existem relatos de abandono mais evidente e aberto. sua pele mantinha-se também em ótimo estado para. Por vezes. nos isolados confins da Bolívia e do Paraguai. segregação ou destruição* Alguns dos povos primitivos a respeito dos quais obtivemos informações não se preocupam ou não se preocupavam (conforme o caso) com as pessoas deficientes em termos de vida ou de morte. em região pantanosa.eles habitam as matas colombianas e mudam-se com facilidade ou de acordo com as exigências para sobrevivência do grupo. quando mortos. retardadas. por sua própria orientação e muitas vezes por sua própria escolha e vontade. no entanto. É o que acontece com os índios Chiricoa -. Esses índios. Devido ao nomadismo. na Indonésia. Assim. e que é considerado como estritamente necessário. no entanto. hansenianas. e habitam nas selvas da Bolívia.Os nativos da ilha de Bali. O abandono intencional ocorre com os Siriono . podem levar ao abandono e mesmo à morte com certa freqüência. bem agasalharem a população. -.-.Entre os esquimós mais antigos que mantiveram contatos com missionários franceses nos séculos XVII e XVIII nos territórios canadenses de hoje. mas tomavam atitudes discriminatórias contra elas. bem como a velhice. ou um tanto velado. também acontecem. para serem por eles devoradas. por não poderem se movimentar ou por não serem consideradas como fundamentais para a sobrevivência do grupo. que são destruídos pelo fogo. os ursos brancos eram considerados como animais sagrados e de grande utilidade para a tribo e que deviam manter-se sempre bem alimentados. ao nascer. doentes ou deficientes. como nos casos ainda hoje verificados dos habitantes da ilha de Bali -. Para eles a doença e a incapacidade física. devido a constante movimentação da tribo. são enterrados juntamente com a placenta. Essas pessoas deficientes ou muito velhas e doentes terminam seus dias abandonadas nos antigos sítios de morada da tribo. e em geral com pessoas portadoras de defeitos físicos sérios ou problemas mentais.*O extermínio de pessoas deficientes* A maioria dos povos primitivos. próximo ao Brasil. são . Cada membro da comunidade carrega tudo o que pode levar e transportar pela selva.Ajores -. tanto quanto certas tribos do Caribe antigo também o faziam. O mesmo sucede com os pertences ou com a cabana de alguém que morre. estão tradicionalmente impedidos de manter contatos amorosos com pessoas muito diferentes do normal. ou seja. abandonam pessoas muito idosas ou incapacitadas por doenças ou por mutilações por ocasião de suas mudanças. ou aqueles que devido às circunstâncias ficaram deficientes. São índios orgulhosos do Gran Chaco. acima indicado. É o caso observado entre os Esquimós -. como no caso dos Tupinambás. para benefício da tribo ou mesmo da raça. aparentados dos Apaches e formadores da maior raça indígena norte-americana. o que levava a tribo a matá-las.enterrados vivos. Eles costumam dar a morte aos fisicamente deficientes por serem considerados como elementos claramente marcados por espíritos malignos.Entre os índios Dene. Em quase todas as tribos da Austrália os velhos são respeitados como líderes e como conselheiros. por solicitação própria ou mesmo contra sua vontade. Os demais idosos sempre foram respeitados e mesmo reverenciados por todos os componentes da tribo. no passado distante não permitiam que uma criança com defeito físico sobrevivesse.Ojibwa -. Ela era asfixiada ou afogada.Os índios Navajos.Jukun -. a pretexto de sua limpeza e também .Dene -. ainda no ventre da mãe. do Noroeste do Canadá. por alguns segundos. -. -.Saulteaux -. na qual as crianças que nascem com deformações não sobrevivem. -. Consideram alguns esse tipo de morte altamente desejável. mantinham-se pacificados e contentes. por espíritos malignos. com sua morte.Os nativos da raça Masai são os sempre elegantes. Mesmo hoje em dia os Navajos não se sentem muito à vontade diante de pessoas com deficiências.Creek -. Essas pessoas com deficiências podiam ser acusadas de feitiçaria e se fossem condenadas eram mortas a pauladas. -. -. pois a terra os protegerá contra tudo e contra todos. bem como junto aos esquimós da região e algumas tribos da Sibéria antiga. magros e muito altos componentes de uma definida origem nilo-hamítica nômade. mas também. o recém-nascido era sempre submerso num riacho próximo à sua aldeia. o respeito pelos idosos é constantemente citado pelos antropólogos que se dedicam ao seu estudo.O infanticídio acontece com freqüência na tribo dos Dieri que ocupa algumas regiões do Centro da Austrália.Segundo costume observado pelos integrantes dessa tribo do alto Amazonas. em extinção. -. por motivos de ordem social.Velhos doentes e vítimas de males crônicos eram mortos por misericórdia. Elas são abandonadas nas matas ou nos lugares ermos onde logo encontram a morte. Pensavam esses índios que as pessoas com deficiências físicas eram possuídas por espíritos malignos. na região dos Grandes Lagos e também do lago Winnipeg. por considerar em seu íntimo que elas estão fora da harmonia das forças da natureza e que o contato com elas acabará trazendo desarmonia na vida de cada um. era costume eliminar pessoas incapacitadas seja por idade.Navajos -. -.Dieri -.Trata-se de uma tribo da Nigéria.Pertencentes à grande raça dos Ojibwa.Nas matas fechadas da selva amazônica vivem os índios Sálvia. Acreditam os nativos Jukun que as crianças com defeitos físicos são tomadas. a sudeste da Colômbia e nas proximidades do Peru. os filhos de mães solteiras. Eram abandonadas nas planícies geladas de seus imensos territórios. nessa e em várias outras tribos australianas. Eram também consideradas como verdadeiras ameaças aos deuses que.Sálvia -. -.Conhecido grupo étnico de índios norte-americanos. seja devido à deformidade apresentada. No entanto. Eles tiram a vida das crianças recém-nascidas que se apresentam muito fracas ou que já apresentam deformações ao nascer.Masai -. abandonada no meio do mato ou ocasionalmente queimada viva. Dele são vítimas não apenas crianças que nascem com defeitos físicos. -. os Saulteaux estão espalhados tanto pelos Estados Unidos quanto pelo Canadá. Acreditavam os Creek que esses velhos ou doentes poderiam acabar por cair nas mãos do inimigo e sofrer muito mais. existem famílias Ojibwa residentes ainda hoje nas ilhas Parry (Canadá) que acreditavam (e que talvez ainda acreditem) que pessoas com defeitos físicos eram feiticeiras e que sofriam com seus problemas físicos porque os seus poderes de cura acabavam voltando-se contra elas mesmas.Uitoto -. -. *O povo Inca e as trepanações cranianas* Embora não possa absolutamente ser considerada como primitiva. as crianças com deformidades físicas eram enterradas logo após o seu nascimento. no próprio ato do nascimento. Tenochtitlán (hoje México.Xagga . -. nem de caráter mesolítico ou neolítico. onde eram apupados. o feiticeiro da tribo declarava abertamente que ela havia sido vítima de algum mau espírito. tinham o direito de tomar uma decisão quanto à vida ou a morte de um bebê nascido com deformidades. anões. provocados e ridicularizados. A esse pretexto ela acabava sendo eliminada.*A pessoa deficiente como objeto de ridículo* Um exemplo da pessoa deficiente como objeto de ridículo nos é citado por Wolfensberger: Entre os Aztecas da época de Montezuma (1466 a 1520) havia uma espécie de jardim zoológico na capital do Império. -. deformados. se a deficiência ocorresse durante a vida. devido ao inusitado e surpreendente conhecimento que conseguiu acumular e que vale a pena aqui lembrar.000 anos antes de Cristo. Estudos feitos por diversos especialistas da cultura Inca concluem que. as vítimas eram tratadas com cuidado e mesmo com carinho.para verificar sua resistência física. com os povos originais que formaram a cultura Paracas. mesmo antes da descoberta da América. -. No entanto muito raramente a rejeição ou a morte ocorriam devido a atitudes de ostracismo ou de discriminação intencional que. corcundas. Segundo acreditavam. se as circunstâncias assim o recomendassem. devido à fraqueza ou à deficiência física. Infelizmente em quase todas as culturas que indicamos restavam às pessoas marcadas pela incapacidade ou pela idade apenas duas alternativas: resignação à situação ou a morte. No caso específico de ser portadora de alguma deformidade durante seu crescimento. ou por medo das divindades vingativas que poderiam estar envolvidas ou mesmo interessadas. -. D. segundo nos parece. ou o próprio pai. com sinais evidentes de terem sido objeto .Entre esses primitivos habitantes da Nova Guiné. conforme vimos anteriormente. tinham atitude diferente face ao nascimento de uma criança defeituosa. a cultura Inca será aqui inserida como uma nota especial.F. A parteira.). melhor seria morrer naquela hora do que passar uma vida toda de atribulações para si e para sua família. O povo Inca habitou regiões do atual Peru desde épocas que certamente datam de 1. porém.Muito embora os Xagga jamais procurassem se livrar de uma criança ou de um adulto com defeitos físicos ou problemas mentais. que chegou a impressionar os homens do conquistador Cortés pela sua organização e variedade de animais.Wageo -. Um dos indicativos mais sérios a esse respeito está no enorme acervo de crânios encontrados nos túmulos de várias cidades Incas daquelas épocas. No entanto. caso a criança não fosse suficientemente saudável e bem constituída. Nota-se nessas várias culturas aqui citadas que muitas vezes a não-sobrevivência ocorria mais devido à pressão causada pelas dificuldades na obtenção de alimentos ou mesmo de auto-suficiência e agilidade para cuidar de si mesmo em hora de perigo. quando não devido a questões de utilidade do componente do grupo. Há vários casos de eliminação de velhos ou de deficientes devido à ignorância das causas dos males considerados como misteriosos. albinos. foi o fato de Montezuma ter em instalações separadas homens e mulheres defeituosos. esse povo já desenvolvia um incrível padrão de medicina e de cirurgia. são produtos de civilizações mais sofisticadas. O que mais chocou os homens espanhóis. podendo causar malefícios para toda a aldeia. segundo nos provam especialistas no assunto. possam ser inseridos os procedimentos de tratamento usados nas intervenções cirúrgicas. as convulsões e outros males incapacitantes. e muitos deles com sinais de sobrevida. o vômito. agravados pela falta de tratamento. principalmente devido ao fato de os antigos habitantes da Terra desconhecerem as causas dos males. achem tratar-se de simples meios para facilitar a saída de espíritos malignos e prejudiciais que tinham entrado na cabeça da vítima. de um certo conforto psicológico para o doente. ao se debruçar sobre crânios trepanados com muita cautela e muito espírito científico. ou uma solidamente arraigada crença de origem misteriosa que indicava como certa a localização de maus espíritos na cabeça do individuo. o fetiche. Num interessante artigo a respeito. pelo crescimento centrípeto do osso perfurado. James G. o que não passava. Na cultura Inca nota-se que incisões muito bem feitas denotam um conhecimento quase perfeito do mapeamento do sistema nervoso. apesar de não dominarem o conhecimento das causas de certos males. nas trepanações. São Francisco. Nota-se pelo raciocínio lógico que. as dificuldades de deambulação.200 anos. a afasia. a cegueira. a vertigem. pois cirurgias efetuadas do lado esquerdo do crânio destinavam-se a resolver problemas de paralisias do lado oposto do organismo.de trepanação ainda em vida.e seus indícios surgem em todos os quadrantes da Terra -. quando se analisa os procedimentos e os métodos curativos de alguns povos como é o caso dos Incas verificamos que essa posição não pode ser generalizada. Muito embora alguns dos estudiosos que analisam as cirurgias cranianas antigas e genericamente reconhecidas como trepanações. Dentre eles cumpre destacar os traumatismos cranianos por armas contundentes. o estudo das doenças conforme ocorreram na vida das populações passadas. sim. a 70 quilômetros aproximadamente ao norte de Golden Gate. os curandeiros ou os feiticeiros dominavam para seu próprio uso os procedimentos e as técnicas incipientes de tratamento físico.tantos cuidados na recuperação do doente.Roney Jr. Supõe-se que muitos dos povos que praticavam a trepanação -. na maioria dos casos. os tumores internos e as infecções. As trepanações entre os Incas das épocas anteriores ao descobrimento estão ligadas.como ainda hoje demanda -. Sem esses sintomas é muito difícil imaginarmos a ocorrência de uma cirurgia dessas proporções e que demandava -. nas correções de defeitos congênitos. há cientistas que. o amuleto. No entanto. a males incapacitantes. em grande parte. como verificamos anteriormente. o palavreado misterioso. sempre existiu desde épocas pré-históricas. a fumaça cheirosa. admitem como causas dessas cirurgias tão sérias quanto perigosas. Não há muita lógica nas suposições de que nesse conceito cheio de mistério da origem dos males como castigo. levavam a situações de incapacidade naquela região de natureza litorânea. -. a dor.eram levados a ela por dois tipos básicos de motivos: devido a um problema de perigo de vida causado por um traumatismo craniano. ou por maus espíritos. por exemplo. maldição. São esqueletos de 44 indivíduos que fazem parte de um acervo de achados arqueológicos de aproximadamente 2. Usavam. nas amputações. Essas informações preciosas foram levantadas graças aos especialistas em paleopatologia que é. dá-nos informações como estas: . A crença de que males ou enfermidades eram causados por deuses vingativos ou enfurecidos. magia negra. quanto à forte incidência de certos males que.*As deficiências físicas há mais de 20 séculos na Califórnia* No Museu de Antropologia da Universidade da Califórnia existem ossos descobertos na região de Bodega Head. Eles nos trazem dados de um passado surpreendente e muito distante. básica para a sobrevivência do grupo. as armas de médio e longo alcances. talvez devido a quedas nas rochas escorregadias muito características daquela região de beira-mar da Califórnia. Tinha também fraturas solidificadas do quarto e quinto metatarsos direitos". Não nos resta dúvida de que diversos adultos do grupo analisado viveram anos a fio com dores atrozes e limitações de severidade variada. Quais eram esses males? Artrite. fraturas e anomalia congênita. -. as cerâmicas utilitárias. os ombros.-. e também as residências mais seguras e mais confortáveis. O homem dominou igualmente os primeiros passos na utilização de alguns poucos metais básicos. 20 (ou seja. tinha osteoartrite na espinha cervical. osteomielite. as fraturas ocorriam basicamente devido a atividades de caça e de pesca. a utilização prática da roda. Talvez esse dado nos indique que os males aqui mencionados fossem conseqüentes a atividades de caça e pesca.. e suas lesões nos esqueletos em pauta atingem não só a área lombar. Apesar de tantos problemas -. mas também eventualmente o tórax. as embarcações. cestos para transportar e armazenar bens. Segundo Roney. No entanto. Dentre essas quase que "invenções" é necessário que destaquemos a utilização e o controle do fogo.e com eles tantos e tão fortes sofrimentos -. o homem conseguira já nas várias fases de eras muito remotas e sem memória da chamada Pré-História.. com três costelas em forma de cunha e com a característica formação encurvada da espinha dorsal.foi um indivíduo que alcançou uma faixa etária elevada para o grupo em questão.. Mas vale a pena ressaltar que muitos dos esqueletos sem qualquer sinal de males incapacitantes eram de indivíduos abaixo de 19 anos (são 11 ao todo) e abaixo de 1 ano (6 ao todo)."Apresentava duas anomalias congênitas: uma costela bífida e espinha bífida no sacro. Todas elas são encontradas nos esqueletos dos indivíduos adultos de mais de 20 anos de idade presumíveis. os joelhos. O mesmo estudo indica que um dos esqueletos apresenta sinais evidentes do mal de Pott.. 45% do total) apresentam sinais de condições patológicas parcial ou totalmente incapacitantes para uma vida plena. incluindo nelas até as lançadeiras de pedras. periosteíte.C. Vejamos algumas observações a respeito de um dos esqueletos estudados: "Número 7969: Adulto do sexo masculino.Dos 44 esqueletos encontrados e analisados. os dedos das mãos e dos pés e mesmo a área cervical. CAPÍTULO SEGUNDO A PESSOA DEFICIENTE DENTRO DAS CULTURAS ANTIGAS Muito embora seja difícil encontrarmos traços de civilização ou de sociedades melhor organizadas em épocas anteriores ao ano 4000 a. as armadilhas para prender animais selvagens. a região sacro-ilíaca. essas adaptações.A artrite. segundo Roney. toráxica e lombar e nas juntas sacro-ilíaca e nos joelhos". descobertas e verdadeiras invenções muito criativas ocorriam de um modo geral em pequenos grupos de famílias e nem todas elas eram . 35-39 anos de idade ao morrer. as roupas para melhor proteção de seu corpo. trabalhar em criações e descobertas que foram de extremo valor para o estabelecimento de facilidades na vida dos grupos humanos."Além disso ele tinha periostelite em ambas as tíbias nas superfícies medial e lateral" . Tabuinhas assírias e papiros egípcios de aproximadamente 3. os ofícios e o que poderia ser chamado hoje de primeiros ensaios da ciência surgiram aos poucos e se firmaram. por exemplo. E ainda por cima surgia um elemento que o deixava sempre medroso: o desconhecido. do sol. ao abrigo e à defesa dos seus componentes. Os primeiros indícios da cultura grega . à ordem. A idéia de divindade e de seu significado como origem de tudo foi deixando a magia de lado. da luz. os que formaram as incipientes civilizações do Egito e da Mesopotâmia são muito mais antigos do que quaisquer outros de que tenhamos notícia. Dentre os grupos de homens mais evoluídos e dominadores de maior volume de conhecimentos das Eras Pré-Históricas. das nuvens. Esses grupos eram de alguma forma organizados e capazes de rápidos progressos. muito lentamente tornou-se notória a diferença entre os artífices e aqueles indivíduos mais qualificados por funções consideradas como vitais para o grupo: os que cuidavam das construções. que o homem conseguiu documentar sua evolução e transmitiu melhor aos demais os segredos que ia desvendando no mundo que o cercava. talvez 5. males incontroláveis e outros eventos foram levando o homem na direção daquilo que hoje conhecemos genericamente como "magia". a magia nada mais é do que uma errônea associação de idéias e suas leis não se baseiam em observações muito precisas. ou seja. do fogo. ao método cientifico. Por volta do quarto milênio antes da nossa Era começaram a surgir grupos bem maiores de homens nas regiões da Mesopotâmia. Sua existência era muito sofrida e repleta de problemas que não tinham soluções fáceis. Muito embora a preocupação básica com a sobrevivência levasse todos os grupos ao desenvolvimento de trabalhos relacionados à alimentação.000 anos que antecederam a Era Cristã. cada vez melhor elaborada. E foi por meio da escrita. está fora de dúvida que neles também as artes.conhecidas e bem dominadas em todos os grupos espalhados pelas muitas regiões ocupadas pelo homem. Segundo autores diversos. que estão fora de seu alcance. Mas nem tudo estava necessariamente ligado à natureza ou a suas manifestações na vida diuturna do homem. da lua. Baseiam-se. em observações eventuais e também no desejo existente nas pessoas de concretizar atos ou fatos em geral. Este tipo de encadeamento de pensamentos acabou levando à ciência. embora esta não tenha desaparecido até os dias de hoje. os que se dedicavam aos elementos da natureza. no Egito e também no vale do famoso rio Indo.000 anos antes da Era Cristã nos dão algumas informações sobre incipientes profissões e sobre normas e regulamentos que o povo devia obedecer. sendo imaginados de acordo com esses mesmos elementos. à criação das crianças.eram animadores. os observadores e entendedores dos corpos celestes e todo o seu significado misterioso. da terra. os que entendiam das doenças ou dos ferimentos. à troca de bens. o raciocínio filosófico. sim. Fenômenos da natureza. essa mesma divindade transformada em seres de boa ou de má índole -. tanto em sua organização básica quanto no aprimoramento das habilidades manuais. aos mistérios do mundo. verdadeiros donos e gestores do céu. A invenção da escrita. foi de notável utilidade e deve ter sido contemporânea com a instalação dos primeiros grupos mais civilizados no Egito. E os deuses -. dos ventos.ou seja. da chuva. à defesa e também aos seres superiores. Fator de mais rápido e seguro progresso do homem primitivo foi o estabelecimento gradativo de alguns códigos de comunicação e de armazenamento de informações. ou seja. dos trovões e raios. da água. Esta foi aos poucos sendo transformada em "religião" e desta foram surgindo pensamentos mais elaborados. No caso da Mesopotâmia sabemos que ela se transformou quase que imediatamente num ponto de forte atração para essas trocas vitais de bens e de informações. os que cuidavam de animais. a terra era muito fértil. monarca. os tributos. não importa o nome) parte de sua produção. Lutas começaram a ocorrer pelo domínio de terras férteis e dessas lutas surgiram domínios cada vez maiores e suas conseqüências: escravos. Além delas. o arroz e outros cereais e frutas. os escravos ou subjugados. Além disso. o que beneficiou evidentemente os moradores fixados nos aglomerados ou cidades. Os poderosos senhores defendiam-se com homens armados que aos poucos foram se definindo em unidades organizadas e essas em exércitos. Por que a humanidade evoluiu mais e com rapidez maior no Egito e na Mesopotâmia? Por uma série de razões bastante concretas. Cereais eram trocados por prata ou cobre. Da mesma forma sucedeu com o mundo dos comerciantes. levando à acumulação de conhecimentos e ao domínio de invenções e de idéias novas. No ligeiro passar por esses tão distantes tempos vividos na história dos povos que tiveram significado na definição de nossa própria cultura e civilização. a cevada. Surgiram então os aglomerados de casas ou de abrigos. e o que eles podem ter significado para as pessoas e para as sociedades de então.ou seja. muitas vezes para proteger seus interesses.C.C. tecidos eram trocados por marfim. Havia também o próprio esforço dos povos que ali habitavam. A fertilidade do solo na região da Mesopotâmia. Peixes eram de uma fartura sem par. talvez pelo ano 2000 a. jamais poderemos nos esquecer do muito que herdamos dos gregos e dos romanos.surgiram muito depois. todos sujeitos a entregar ao senhor (rei.começou a florescer. Algumas referências são esporadicamente encontradas quanto ao problema que esses males representavam e . Os meios de troca não eram suficientes para a variedade oferecida. Uma das conseqüências desses contatos de homens vindos de muitas paragens estranhas foi a troca de informações. emir.em muitas de suas fases de desenvolvimento. ao estudarmos as culturas mais significativas da antigüidade e que mais se relacionaram com a formação de nossa própria cultura. não poderemos deixar de ressaltar as provenientes dos milênios de experiência do Egito e da Mesopotâmia -enfatizando principalmente o povo hebreu -. imperador. chefe absoluto. o comércio -. os artífices. faraó. anteriores ou posteriores a Cristo. além de muitos males limitadores ou causadores de marginalidade. o que levou à criação de outros meios de pagamento. E as classes sociais foram aos poucos também sendo definidas: potentados e seus protegidos diretos de um lado. a troca de bens -. melhor utilizando o fluxo das águas vindas pelos canais naturais de irrigação. Não é difícil deduzir que. A cultura romana por sua vez apenas floreceu a partir do século VIII a. ou seja. principalmente ao longo dos caminhos ou à beira dos rios navegáveis. por exemplo. levando o homem a cultivar com facilidade o trigo. madeira por utensílios usados em casa. muitas vezes marcados como tal. sendo a mais significativa a fertilidade das terras banhadas por rios generosos. aves das mais variadas espécies habitavam a região e animais ali viviam em grandes manadas. Nessas condições de certa segurança. provocada principalmente pelo degelo das neves que cobrem as montanhas de grandes altitudes do interior do Oriente Médio. era sempre assegurada pela cheia de seus rios. construindo diques. A religião floreceu sob a proteção desses donos de imensas glebas. procuraremos voltar nossa atenção de um modo todo particular para os problemas decorrentes de deficiências físicas ou mentais. e do outro os lavradores. sacerdotes. na Era Neolítica. do envolvimento da medicina e de outras ciências. contemporâneos e posteriores a Cristo. Diminutos principados. Como na Mesopotâmia. O desenvolvimento da civilização egípcia acha-se fortemente vinculado a fatores geográficos e climáticos favoráveis e relacionados à região onde ela se instalou. de palácios. Quando falamos de Egito Antigo é bom que frizemos estarmos nos referindo a quase 5.o vale do rio Nilo --localizada entre o Mediterrâneo. o reino do Sul conquistou o do Norte. das armas para a caça. eram médios e pequenos servidores.quanto ao tratamento a eles dispensado. Essa civilização apresentava uma organização social e econômica muito própria e com uma sociedade toda hierarquizada. considerado a própria encarnação do deus Hórus. por sua vez. Documentos das mais variadas naturezas referem-se a eles sob ângulos variados e por vezes incomuns. dos instrumentos que facilitavam o trabalho com a terra. Estes últimos eram. procurando deixar ao leitor a liberdade de análise dos usos. Seus descendentes lá se fixaram.000 anos de evolução anteriores. como os de Amon. Das classes sociais a dos sacerdotes era a mais poderosa. de templos. pois era ela que defendia a pretensa divindade do faraó e a sua intocabilidade. em geral. evidentemente. um faraó. Por volta do ano 3000 a. a construção de diques. para o ataque pessoal ou para defesa do grupo. Assim. mas mantinham-se firmes em sua posição devido à sua imprescindibilidade na sociedade egípcia. Com o passar dos séculos. foram as incipientes comunidades espalhando-se devido ao domínio da agricultura. pequenas propriedades começaram também a se agregar em propriedades mais extensas. ajudados pelos escravos. começaram a existir. de fatos históricos. escribas. sendo estabelecida uma liderança única de um rei absoluto. separados uns dos outros. 1. Tinham posição invejada pelas camadas mais baixas da sociedade. o Mar Vermelho e o deserto de Saara que foi ocupada muito vagarosamente por tribos que viviam da caça. dos hebreus. diminutos reinos independentes. com os privilégios decorrentes. Coube aos escravos trazidos pelos guerreiros em suas inúmeras campanhas de conquista. das obras de arte. durante muitos séculos. e nele. As atividades ligadas à produção de bens eram desenvolvidas por artífices e por camponeses. lavradores e escravos. é das mais antigas da humanidade. Os grandes templos. de pirâmides. mercadores. dois grandes reinos surgiram: o do Norte e o do Sul. povos mantidos em cativeiro ou prisioneiros de guerra. sob o domínio absoluto de seu líder. chegaram a ter milhares de sacerdotes e terras úteis que chegaram a representar quase um décimo de toda a terra fértil do Egito. sendo que o faraó . de personalidades famosas que conseguimos coletar por esse rápido passar pela história dos egípcios. chamados "nomos". Essa situação toda era mantida pelos guerreiros que. tinham uma das melhores posições na sociedade egípcia. guerreiros. conforme comentamos. as classes sociais foram representadas pelos nobres. A estes cabiam os trabalhos mais pesados para evitar o desgaste rápido dos bois.C. Os escribas. Trata-se de uma extensa área -. como é fácil de se deduzir. nossas citações e informações deverão limitar-se aos mesmos sem muitos comentários. dos gregos e dos romanos. Os Egípcios e seus vizinhos A civilização egípcia.deus entre os vários deuses ficava bem acima da pobre humanidade. artesãos. das leis. de . agrupados em famílias que dominaram aos poucos as peculiaridades da região e a natureza por vezes hostil. Muitas atividades artesanais sempre foram desenvolvidas no Egito. circunscreveu-se aos membros da nobreza. Os mercadores. sendo um dos piedosos exercícios dos candidatos a médicossacerdotes. Os numerosos e estranhos instrumentos descobertos nos templos pelos egiptologistas deviam pertencer a esses locais de atendimento à pobreza. Era através dessa clínica ambulatorial incipiente que os jovens sacerdotes colocavam em prática os conhecimentos contidos nos livros e aprendiam a prática da arte da medicina . cerâmicas. por alguns documentos. sabe-se. utilizados tanto pelos detentores da mais alta sabedoria quanto pelos experimentados médicos-sacerdotes da deusa Sekhmet. jóias e muitos outros produtos. Quanto ao atendimento médico às camadas menos favorecidas da população. Nesses sacerdotes inferiores. entretanto. Esses sacerdotes. Dependiam também de algumas pessoas que pela vida afora . sandálias de papiro.exclusividade sua. os artesãos e os escravos. E quando seus mestres julgavam que estava pronto para a iniciação independente. não é de admirar que muito poucos conseguiam ter um médico para cuidar de seus males. cuidar das platibandas dos templos. Todos eles podiam ser objeto das atenções dos sacerdotes especializados nos chamados "Livros Sagrados" sobre doenças e suas curas. eram também usados para bombeamento de água para os canais de irrigação durante a época das secas muito severas. fossem elas conseqüentes a malformações congênitas. incluindo nelas a fabricação de diversos tipos de tecidos. E era nessas clínicas para os pobres que também treinavam a arte da cirurgia. -. dispunham de pouquíssimos recursos e ficavam à mercê de improvisadores. Para o novo sacerdote o ensino da arte médica podia durar muito tempo. fogo e ar). predominava uma notória experiência. todas elas plantadas com flores ou arbustos de poderes curativos. durante sua formação. Membros das classes de rendimento médio precisavam contentar-se com alguns charlatões ligados à seita da deusa Sekhmet e que faziam parte de um clero inferior. A produção artesanal de maior significado. mostrando-se dessa forma indignos e incompetentes. aos guerreiros e seus familiares. os templos egípcios sempre foram cercados por verdadeiros jardins botânicos. Assim. sempre foi a de rolos de papiros. por muitas dinastias da História Egípcia a atenção a pessoas que apresentavam indícios de males graves ou de deficiências físicas e mentais.monumentos. haviam tentado inteirar-se da ciência dos livros sagrados. especialmente do linho. em geral.*A atenção médica no Egito Antigo* Apesar de não existirem referências muito expressas sobre o assunto. em oficinas próprias ou no lar. Os médicos-sacerdotes que conseguiam chegar ao final desses estudos e da prática requerida neles e passar pelas provas finais eliminatórias contra os quatro elementos (água. que em dias prefixados os doentes eram transportados ao templo. provocando trocas por mercadorias não produzidas no Egito com nações vizinhas e amigas. aos sacerdotes. dependendo do interesse e da própria inteligência do aluno. Seus serviços eram muito caros. De um modo geral as camadas mais pobres da população do Egito. o novo médico-sacerdote jurava solenemente não ensinar a ninguém os segredos dos livros sagrados. acidentes ou infortúnios das guerras. transformavam-se numa importante personalidade: faziam parte do alto clero. Além disso. de exorcistas ignorantes que vendiam amuletos e feitiços aos trabalhadores e suas famílias. onde sacerdotes mais jovens ou em formação davam seu atendimento gratuito. no entanto. sem o conseguir. tais como os lavradores. terra. podiam usar a peruca de Osíris e o manto branco dos sábios. Como nos casos da China e da Índia. negociavam a grande produção armazenada nos anos de fartura. por sua vez. o sistema de medicina pré-científica que mais vestígios deixou foi o egípcio. Dessa maneira não podiam ser debelados a não ser pela intervenção dos deuses. como males dos olhos. A rica e muito diversificada experiência dos médicos-sacerdotes egípcios. dos vasos. acabou sendo um produto importado da Mesopotâmia. os banhos. revela-se que os egípcios chegaram a tentar operações cranianas. tais como os enterros. em grande parte. sangrias e medicamentos naturais. mel. além de uma indispensável fé nos deuses invocados. a limpeza das casas. incluindo algumas que podem levar ao estabelecimento de uma deficiência física ou sensorial. óleo de cedro. inclui tópicos importantes sobre ferimentos. linimentos. inclusive da medicina cirúrgica. pomadas. queimaduras. A medicina egípcia muito colaborou para garantir ambientes mais limpos e mais sadios nas aglomerações urbanas. aliados a orações. Contém numerosos pequenos tratados que remontam a quinze séculos antes de Cristo. problemas de ouvido. tem o comprimento de pouco mais de 20 metros -.haviam acumulado certos conhecimentos quanto aos efeitos de poções. que imediatamente o traduziu. Segundo os médicos do Antigo Egito as doenças graves e as deficiências físicas ou os problemas mentais graves eram provocados por maus espíritos. Na verdade. apesar da medicina daquelas eras ter sido quase que totalmente empírica. sacrifícios. É provavelmente o mais considerável de todos os documentos escritos sobre a medicina egípcia. Em papiros recentemente descobertos e decifrados. pelo egiptólogo Ebers.). entre outros produtos. Seus médicos-sacerdotes usavam poções.*Os famosos papiros e os problemas de deficiências* O papiro de Ebers. Além disso. da cabeça. dos membros. Mas o povo egípcio foi um dos primeiros a se preocupar em fazer.talvez o correspondente a 110 páginas -. fraturas e outros. com fórmulas para tratar doenças as mais variadas. que era sempre acrescida de novidades provenientes de reinos e estados da Mesopotâmia. cascas de árvores. os encantamentos. -. na necrópole de Tebas. por demônios ou por pecados de vidas anteriores que deviam ser pagos. chifre de veado. somados a poções. operações no rosto e até na coluna vertebral. o de Edwin Smith e o de Brugsch. ou pelo poder divino que era passado aos médicossacerdotes que às vezes tinham meios para chegar a esse desiderato. -. os exorcismos. elementos ou também a eventuais cirurgias. tal a sua competência. A medicina egípcia pairava entre o místico e o prático. nunca chegava às camadas mais pobres da população. Uma série de princípios mágicos e falsos o informava. E dentre eles cumpre que destaquemos o Papiro de Ebers. além de haver nele inserida uma série de normas de higiene impostas a todos os habitantes. sal. o chamado "Pai da História".e foi descoberto no Egito em 1873. pois dela emanavam orientações para quase tudo o que poderia afetar a saúde pública e privada. cataplasmas. Heródoto (484 a 425 a. ungüentos. a disposição e eliminação dos dejetos humanos e outras mais. Em sua terapêutica usavam as preces. oferendas.*A medicina egípcia e os males incapacitantes* A medicina só surgiu no Egito no final do Velho Império e. excrementos.C. comenta com frases de muito respeito sobre os médicos-sacerdotes de Tebas e de Mênfis. que hoje é patrimônio da Universidade de Leipzig. na História do Mundo. óleo de camomila. um registro de sua medicina. Há receitas contra a . Existem alguns papiros que são excelentes referências quanto à arte médica egípcia e quanto à forma como ela cuidava de alguns problemas incapacitantes. os remanescentes das múmias. e nele existem 204 prescrições de remédios. embora contenha matéria já conhecida no Egito há mais de 4.*As deficiências físicas no Antigo Egito* Se de um lado os ossos pré-históricos nos dão certeza da existência de males incapacitantes nos muitos milênios de vida do homem primitivo. é nele indicada.1 Planta "ma" . conforme vimos antes. como também da maneira como alguns ferimentos eram cuidados e das várias formas adotadas para o tratamento das doenças.C. pertence à Sociedade Histórica de New York e tem apenas quatro metros e 68 centímetros de comprimento. Tem sido exatamente nesses corpos embalsamados que os cientistas têm podido reconhecer ferimentos graves. foi copiado há 3. No entanto. Esse papiro. onde mais do que em qualquer outra parte do mundo. Seu autor parece ter sido um hábil cirurgião. incompleto como foi achado. fala sobre redução de deslocamentos da bacia e sobre sutura de ferimentos. em casos de sérios problemas ortopédicos.600 anos atrás. de outro.1 Gordura animal Dos três papiros relacionados à arte médica no Egito o mais importante é o de Edwin Smith. Acham alguns autores que o papiro de Edwin Smith foi escrito pelo médico Imhotep. exame. Nenhuma outra cirurgia. além de um perfeito observador. fraturas e várias outras lesões que fornecem abundante material sobre a medicina egípcia. do pescoço e do peito. mas o fragmento encontrado analisa apenas cirurgias da cabeça. propriedade do Museu do Estado (Berlim). devido à sua dieta vegetariana e também à amplidão de seus muitos dias ensolarados. diagnóstico e veredicto.000 anos. O autor menciona fraturas tratadas com talas. O Egito chegou a ser conhecido por muito tempo como a "Terra dos Cegos".1 "Plast" . Nesse famoso papiro de Ebers existe um tratado chamado de "Livro de Uchedu" no qual há trechos que falam com clareza a respeito da surdez. Segundo seus analistas. que fala sobre cirurgia no Antigo Egito. entretanto. processos degenerativos. e mesmo no deus da medicina. A paleopatologia tem tido um campo muito fértil nas terras do Egito. Os casos e exemplos são citados sistematicamente nesta ordem: queixa. Uma delas é pomada para uso local. tal foi a extensão e a gravidade desse problema . Segundo muitos autores. o exame patológico de algumas múmias tem comprovado que várias doenças graves chegaram a atingir duramente o povo egípcio e uma delas era uma infecção dos olhos que muitas vezes levava à cegueira. as técnicas de embalsamamento conseguiram sucesso na conservação dos corpos. Foi adquirido em Luxor. foi descoberto nas proximidades de Zaqqarah. cuja fórmula é a seguinte: Planta "ank" . pelo próprio Edwin Smith. hemorragias do globo ocular e esquimoses perioculares. que séculos após sua morte foi transformado no padroeiro egípcio da arte de curar. em especial da cirurgia dos ossos. Supõe-se que o tratado original lidava com a cirurgia de todo o corpo. os papiros e a arte dos egípcios apresentam-nos indícios muito seguros não só da antigüidade de alguns males. Data do século XVI a. O papiro de Brugsch. o leitor encontrará algumas contra dores nos olhos e também contra a surdez. dentre as muitas receitas. no ano de 1862. . provavelmente o povo egípcio foi o mais saudável da antigüidade. Há indicações de operação de catarata. Ali. -.1 Bálsamo .conjuntivite. com o pé esquerdo visivelmente deformado. . levando o homem a tornar-se temporária ou permanentemente limitado em suas atividades: --artrite crônica --espondilite deformante --Mal de Pott --pé varo eqüino --hidrocefalia -.).C. com forte incidência na coluna lombar.*Casos concretos de lesões incapacitantes* Vejamos alguns exemplos de lesões provocadoras de deficiências físicas que chegaram até nossos dias devido à existência das mesmas em múmias. O corpo apresenta indícios claros de ter sido vítima do Mal de Pott. Dois deles são de anões mumificados que se encontram em Beni-Hassan.C. localizada num belíssimo túmulo de Beni-Hassan.). -.C. podemos observar uma pintura mural na qual há um nobre com lesões nas regiões dorsal superior e lombar. em outro túmulo (XVIII Dinastia--aproximadamente século XIV a. cumpre que destaquemos aquelas que provocam em suas vítimas lesões mais limitadoras. Ao escrever a respeito de suas conclusões afirmou: "As lesões que descrevemos não poderiam ter sido produzidas em povo não-civilizado.Casos de pés tortos ou caídos existem diversos.*Os males que levavam a deficiências físicas* Dentre as lesões descobertas através dos exames feitos em múmias ou em esqueletos do Egito Antigo.No ano de 1910 vários cientistas estudavam e descreviam a múmia de um sacerdote do deus Amon.C. século XIII a. Sir Armand Ruffer. com forte arqueamento. Há no Museu do Cairo a famosa múmia do faraó Siptah (XIX Dinastia. Existem também figuras de anões com os dois pés tortos (varos eqüinos) em outro túmulo de Tel-el-Amarna.). existente em Tel-el-Amarna. uma reconhecida autoridade no assunto. como segue: Múmia de um nobre (XII Dinastia . analisou múmias nos museus de Alexandria e do Cairo e notou diversas lesões sérias em algumas delas. dentre os quais salientamos alguns registrados na arte egípcia.Em Beni-Hassan podemos também admirar a estátua de um anão com as pernas defeituosas. pois os doentes morreriam de inanição antes que as mesmas chegassem ao ponto que chegaram e sua existência é a melhor prova do alto grau de civilização atingida pelos antigos egípcios" (Apud Riad).).C.gota --osteosarcoma --fratura --amputação Convém ressaltar que em boa porcentagem do vasto material estudado pelos paleopatologistas. esqueletos ou obras de arte de naturezas várias: . ou seja. as lesões em esqueletos revelam de um modo todo especial a presença da artrite crônica. com lesões que indicam o atingimento das regiões cervical inferior e dorsal superior.aproximadamente século XIX a. num túmulo existente em Tebas (XIX Dinastia-aproximadamente século XIII a. da XXI Dinastia (aproximadamente século X e XI a.-. com um forte deslocamento da coluna vertebral. .) podemos admirar uma pintura que representa um jardineiro com evidentes sinais do Mal de Pott levando água a um elevador do liquido. Registre-se que vários outros casos do mesmo mal foram igualmente identificados. . mas basicamente como gênios bons. Ela retrata um momento muito significativo na vida de um homem portador de deficiência física que viveu no Egito aproximadamente 1. -.*Uma estela votiva dedicada à deusa Astarte da Síria por um porteiro* Uma placa de calcáreo com ilustrações e palavras em símbolos hieroglíficos e hoje em dia muito famosa entre os ortopedistas e profissionais de reabilitação.*A incidência de fraturas e outros problemas* Quanto à incidência de fraturas. inferiores aos outros homens. Existe no Museu do Cairo um sarcófago da época Saita (1150 a 336 a.. Um dos deuses do imenso panteão egípcio é representado como um anão disforme de pernas arqueadas e aparência feroz. dos jogos e das danças. ou segurando um macaco preso. membros curtos. cabeças grandes. Afrescos existentes nas paredes e outros recantos dos túmulos por vezes magníficos e algumas estatuetas sugerem-nos que havia um elevado número de anões no Egito. há autores que afirmam que a fissura lábio-palatal chegou a ser atendida. existe um estudo de aproximadamente 6. um pouco gordos. Servia de amuleto contra todos os males devido à sua feiúra. Fraturas da clavícula e mesmo do fêmur chegam a mais de 10% dos casos (Apud Salib. um em cada 32 indicam a existência de fratura solidificada corretamente. -.300 anos antes da Era Cristã e que tinha uma profissão de alta responsabilidade no mundo egípcio de então: era porteiro. Os anões da raça Dang. Eles são em geral representados com fidelidade: corpos musculosos. Trata-se de Bés. A mais comum delas é a fratura do ante-braço (31% dos casos estudados).Uma estátua da XI Dinastia (por volta do século XXI a. certamente devido a atividades desportivas ou conseqüentes a acidentes das mais variadas ordens.C.. Muito embora a cirurgia egípcia não tenha podido se voltar para casos de malformações congênitas. representado na tampa como um anão que realmente era em vida. por exemplo. A inscrição cita sua piedade."ele dançará como um anão diante de Osíris" (Apud Riad).*Os anões na vida e na arte egípcias* Na cultura egípcia antiga os anões jamais foram olhados como seres marginalizados ou desgraçados. Um indício desse atendimento é encontradiço numa das muitas múmias examinadas. pernas por vezes arqueadas e muitas vezes corcundas.C. Bés personificava os sentimentos que os homens deficientes suscitavam. Dastugue e Wells). e seu nome era Roma. -. caçando pássaros. deus dos combates. Segundo os resultados apurados. Segundo alguns autores. pois dançava magnificamente em festas religiosas. Há textos hieroglíficos que a eles fazem menção: .. que tem uma prótese rudimentar ligada aos molares por fios de ouro. Aparecem levando um cão para passear. Os de classes mais elevadas podiam aspirar a qualquer cargo que fosse. Em algumas obras de arte os anões aparecem aos pés de seus mestrês ou cuidam de animais favoritos. eram os mais procurados por serem excelentes dançarinos. os provenientes de classes mais pobres eram por vezes adquiridos por grandes somas por faraós ou ricos senhores.) deixa muito claro o problema de elefantíase nas pernas do faraó Mentuhotep. .000 esqueletos de todas as idades e de todos os períodos da História do Egito Antigo. outras vezes são representados fazendo trabalhos de ourivesaria ou de joalheria.) com a famosa múmia de Talchos. Devido à multiplicidade de versões quanto ao significado da cena ali retratada. usualmente representado por um homem com a cabeça de Ibis. veste uma túnica pregueada. Ciro.). como veremos mais adiante. Tendo sua parte superior côncava. No entanto.C. para problemas com dentes. Já naquelas remotas eras havia especialidades.Ao alto da estela está inscrita sua dedicatória com hieróglifos coloridos de azul: "À Deusa Astarte".apresentando um pão num vaso de pé alto. a primeira entre os deuses. São obras muito importantes relacionadas à arte médica e atribuídas ao deus Toth. num campo separado. expressa seu pedido à deusa nestes termos: "Receba estes bens para a tua alma". talvez devido a paralisia infantil. da XIX Dinastia e originária de Mênfis. Havia também médicos para problemas de ossos.27 cm de altura por 0. O grupo leva oferendas à famosa e muito conceituada deusa originária da Síria. -. para dores no ventre e regiões vizinhas e para males internos. citando para cada um dos capítulos uma planta. Homero fez referências a seus médicos e tanto Ciro quanto Dario tinham médicos egípcios. que é a proprietária da citada obra de arte. Abaixo da cena. que contém 24 capítulos e apresenta um manancial muito importante de conhecimentos.boa. pois havia médicos para males da cabeça. como era costumeiro. -. de cabeça zelosamente raspada. um pássaro e um peixe que reúnem suas virtudes para combater os males neles discutidos. Procura voltar às tradições de Zoroastro. Praticamente todos eles aprendiam e exercitavam a arte da cirurgia. E no campo principal. logo abaixo. amputações e paralisias.*As especialidades médicas e o problema das deficiências no Egito* Segundo Heródoto. de Copenhague (Dinamarca). a Hermes Trismegisto. nada melhor do que o próprio museu onde a peça se encontra para estabelecer com clareza o seu sentido. e considerado o patrono da medicina. uma pedra. em caracteres negros semi-destruídos: "Que o rei esteja de acordo e conceda.. a medicina egípcia era muito sábia. por exemplo.Trata-se de uma estela votiva classificada como AAEIN 134. Todo estudioso da História Egípcia já ouviu falar em "Livros Herméticos". segundo alguns médicos contemporâneos. também esteja favorável e conceda. Não pode andar com firmeza sem seu bastão de apoio que durante a pequena cerimônia permanece preso a seu corpo por meio de seu braço esquerdo. Quanto a problemas que levam a deficiências são citadas as seguintes pedras com propriedades terapêuticas: o berilo alivia ataques de epilepsia e . Segundo a Ny Carlsberg Glyptotek... estes são os dados principais a seu respeito: -. pouco nos é relatado quanto a problemas relacionados a males deformantes. -. Dentre os famosos "Livros Herméticos" há um conhecido como "Livro dos Cyranidos". Roma aproxima-se de uma pequena mesa coberta de alimentos e de flores que ele molha com água benta. temos a prece básica e motivo da própria estela. O porteiro Roma. a medicina egípcia era famosa e a mais conhecida por séculos em todo o mundo civilizado de então. mandou buscar o melhor especialista em problemas da visão com o Faraó de nome Ahmasis (560 a. a soberana do céu.alegria e felicidade e um bonito enterro no deserto ocidental de Mênfis à alma do porteiro Roma" (Apud KoefoedPetersen). sua esposa "Amaô" e seu filho "Ptahemheb". para que Astarte Síria.. ela mede 0. ou seja. curta e parcialmente transparente. Sua perna esquerda apresenta anomalia de musculatura e o pé está atrofiado ("pés eqüinus")..A esposa leva um recipiente com alguma fruta (ao que parece são bananas) e conduz um antílope seguro pelos chifres. a senhora das duas terras. Apesar de suas falhas e de seu empirismo todo.. Com uma postura muito digna. vemos o "porteiro Roma".18 cm de largura e sua coloração natural está parcialmente conservada. os mais hábeis do mundo. Demócrito. graças a conhecimentos adquiridos nos templos de Ptah ou de Imhotep. Platão e Eudóxio. Heródoto acrescenta que "assim que Sábados" . de Homero). em Mênfis. fértil em trigo."deixou o Egito. médicos como Galeno e Dioscórides. por exemplo.*A deficiência visual na mitologia egípcia* O mesmo historiador refere-se a mais dois faraós que ficaram cegos. lançou de súbito uma droga.C. que ia acumulando em mistura com a terra" ("História". o âmbar e a esmeralda são poderosos e muito eficientes nos males da visão. ele lhes pedia um pouco de cinza. com os quais se preparam misturas.também a nefrite. -. país onde a terra. Todos ali são médicos. Segundo a mitologia egípcia Péon era considerado como o próprio médico dos deuses. nem diante dos olhos seu irmão e filhos fossem mortos pelo bronze. Helena. Seu sucessor foi Phéron. Em breves palavras o Pai da História informa que durante seu reinado o Egito foi invadido pelos etíopes--vizinhos do sul . que viveu muitas atribulações como rei dos egípcios em época localizada aproximadamente 2. dentre os quais estão Heródoto. foi bastante exaltado. Bastaria que alguém a tragasse para que em todo o dia as lágrimas lhe não corressem pelas faces. Trata-se de Anísis. escrita cinco séculos antes do nascimento de Cristo. conforme bem o demonstraram viagens de alguns dos maiores sábios da antigüidade. um calmante da dor e do ressentimento.o rei dos invasores . que fazia esquecer todos os males. sem citá-lo como lendário. de Heródoto). mencionavam medicamentos e métodos de tratamento egípcios e faziam prescrição de remédios usados no Egito. Anísis (o cego) saiu da região pantanosa onde se refugiara e retomou as rédeas do governo. faraó cego da IV Dinastia: século XXV a. tais as drogas engenhosas e salutares que a filha de Zeus recebera em dádiva de Polihamna. concebeu novo plano. Diz o seguinte em seu Canto IV: "Neste momento. que ficou cego logo após assumir o poder. De volta ao Egito com uma multidão de cativos. filha de Zeus. nem mesmo que morressem sua mãe e seu pai em sua presença. umas benéficas.* Heródoto fala-nos de um faraó cego. Tinha permanecido 50 anos numa ilha por ele próprio formada com cinza e terra.*Anísis. Apesar de diminuir em importância com o surgimento da medicina grega no cenário mundial. outras nocivas.não restando ao faraó outra alternativa a não ser a fuga.*Conceito da medicina egípcia na Odisséia. O então jovem rei fugiu através dos pântanos e ali viveu refugiado durante a longa ocupação inimiga por nada menos do que 50 anos. Thales de Mileto. No vinho da cratera donde bebiam. Homero faz menção expressa a isso na Odisséia. de Homero* Os egípcios não gozaram apenas de merecida fama de sábios e eruditos. durante séculos a medicina greco-romana socorreu-se da medicina egípcia. Por vários séculos desfrutaram também da fama de constituírem um povo que possuía os melhores médicos do mundo. O primeiro deles é Sesóstris. -. nascida no Egito. porque todos descendem do sangue de Péon" ("Odisséia". mas seus nomes são um tanto lendários. -. mulher de Ton. A narrativa de Heródoto leva nos a analisar fatos bastante fantasiosos: "Conta-se que tendo o Nilo .500 anos antes da Era Cristã. Pitágoras. pois quando os egípcios lhe iam levar víveres. fez construir muitos monumentos e mandou executar muitas obras de utilidade pública. cada um de acordo com as suas posses. que dividiu o Egito em 36 "nomos" e conquistou pelas armas todo o mundo conhecido. produz também símplices em abundância. Ficou cego em sua velhice e acabou suicidando-se. cujos poderes nenhum outro possui! Criastes a terra de acordo com o vosso coração" (Apud Encyclopaedia Britannica). ou seja. só admitia cantores cegos no coral masculino do templo do palácio. para não haver testemunhas oculares de suas crises quando em palácio. Akhenaton.. o que. talvez explique o rosto triste da rainha em contraste com sua beleza pura. obteve do deus Nilo a promessa de recuperar a visão. Contam alguns deles que em sua nova capital ele cultuava esse seu deus único não só em público.*Um coral de homens cegos para Amenhotep IV* Na XVIII Dinastia de faraós egípcios. um revolucionário..numa cidade abandonada e mandou incendiá-la. Fez mais. Em sua homenagem Amenhotep IV alterou seu próprio nome para Akhenaton (ou Ikhnaton). Agradeceu ao deus Nilo com oferendas e tomou uma providência adicional: reuniu todas as mulheres infiéis aos seus maridos . até que um dia recuperou a visão. segundo Neubert. Foi considerado um idealista. Durante os 18 anos de seu reinado combateu duramente toda a plêiade de deuses e deusas. O deus único. retratado numa famosa estatueta de 34 cm de altura. Phéron. nenhum herdeiro do sexo masculino. nos ataques de epilepsia.. O novo deus era representado pelo sol e seu nome era Aton. numa louca temeridade. mas também particularmente e em especial quando sentia a iminência da "aproximação de Aton". ou seja. Pouco depois seus olhos eram acometidos de um mal súbito e ele ficava cego. -. tendo o casal gerado seis filhas.correspondem a mais de onze metros acima de seu leito original . incluindo o mais forte de todos eles: Amon.C. Permaneceu dez anos nesse estado" ("História". viveu duzentos anos depois de Moisés ter deixado o Egito com seu povo também monoteísta. Haveria alguma ligação entre uma idéia e outra? O tema da vida de . desde que lavasse os olhos com a urina de uma mulher que nunca tivesse tido contato com outro homem senão com o seu próprio marido. Esse coral de homens cegos cantava em tons severos a exaltação a Aton. em um hino que passou para a posteridade e do qual destacamos o seguinte belo trecho: "Quão vastos são os vossos trabalhos! Eles estão escondidos em nossa frente. de Heródoto). então considerados como evidentes sinais de contatos com o seu deus. Vários historiadores dedicaram-se a esse estranho faraó monoteísta. Amenhotep IV destacou-se pelas suas fortes e persistentes tentativas de introduzir no Egito o culto a um deus único. E. mudando a sede imperial de Tebas para uma nova cidade planejada para homenagear Aton: Akhetaton (hojeTel-elAmarna). A experiência com a urina de sua própria esposa não deu resultados. que todos conhecem."submergindo todos os campos vizinhos. nome que significa "aquele que torna Aton feliz" ou algo semelhante. o primeiro rei monoteísta e o que mais se destacou no Egito em termos de idéias religiosas. no século XIV a. Foi casado com Nefertiti. agitando as vagas com violência. O clero voltado ao deus Amon considerava-o evidentemente um herético. O infeliz faraó continuou a fazer tentativas. No décimo primeiro ano. Logo em seguida casou-se com a mulher que lhe devolvera a visão. Akhenaton era um homem doentio e sofria muito com ataques epiléticos.transbordado dezoito côvados nessa ocasião" . já muito arrependido. começou a soprar um vento impetuoso. matando a todas elas.inclusive a sua . tomou de um dardo e lançou-o no meio do turbilhão das águas. um pacifista. historiador grego radicado em Roma. garantiu a presença contínua de médicos egípcios em sua corte.a servidão . o Grande (reinou de 558 a 529 a.sem muita diferença do Egito . era um rei considerado "bondoso". tomou conhecimento preciso de seus crimes. o Egípcio". portava até a morte uma indelével marca que. da língua ou das orelhas) .a infâmia .o flagelo .a morte .a multa Eram penas freqüentemente aplicadas e não há indícios confiáveis de que os faraós se voltassem de um modo especial para sua amenização. no Sinai. Reunindo todos os condenados do reino. mas não os deixava sem punição. depois transformado em magnífico filme. segundo Diodoro de Sicília.os trabalhos forçados . A cidade de Rhinocolura ficava próximo ao ponto em que hoje se localiza El-Arish. nas costas do Mediterrâneo. por exemplo. . combatendo a alta incidência de casos que corriam riscos sérios de ficar cegos. Diodoro de Sicília. O conquistador etíope Actisanos. os criminosos em geral e os bandidos que punham a população sob contínuo terror. E devido a graves problemas com doenças dos olhos que levavam muitos de seus súditos à cegueira . mostrava-se muito severo para com os assaltantes. Cortava-se também a língua do espião delator.a mutilação (das duas mãos. Essa bondade transparecia principalmente durante anos de fartura e prosperidade.*Médico egípcio especializado em males da visão na corte de reis persas* Conforme referimos anteriormente o rei Ciro. Em geral a mutilação atingia os membros ou a parte do corpo com os quais o condenado havia cometido seu crime. Era costumeiro no Egito Antigo mandar-se cortar o nariz da mulher adúltera. escritor finlandês. devia impedir outros de agir contra a lei" (Apud Thonissen). especialmente quando revelava segredos de Estado.Ciro solicitou também ao faraó Ahmasis que lhe enviasse o seu melhor especialista. fez então cortar o nariz dos culpados. mandando-os para os confins do deserto e fixando-os numa cidade que.C). das partes genitais. do nariz.o confisco de bens . afirma que cada um "pela punição da parte do corpo com a qual o crime havia sido cometido. enquanto que seu cúmplice recebia mil golpes de vara.Akhenaton foi bem explorado por Mika Waltari. no romance "Sinuhe. No entanto.*As penas mutiladoras no Egito Antigo* Durante os muitos séculos de sua interessante história os egípcios conheceram as seguintes penalidades por crimes: . -. pela divulgação desse castigo. com o título de "O Egípcio". contemporâneo tanto de Augusto quanto de Caio Júlio César. tomou o nome de Rhinocolura (de "rhinos" = nariz e "koluros" = cortado)" (Apud Thonissen).o jejum forçado . -. O faraó atendeu imediatamente e o médico especializado em problemas da visão atuou na Pérsia durante vários anos. para lembrar essa mutilação. O famoso historiador grego afirma que "ele não condenava os culpados à morte. Sete líderes das melhores e mais fortes famílias persas decidiram cautelosamente esclarecer o assunto e na tentativa final participou uma jovem de nome Fédima. filho e sucessor de Ciro. Cambises aos poucos começou a desconfiar seriamente de Smérdis. disfarçou muito bem sua deficiência infamante. pois na verdade ninguém ficou sabendo do hediondo crime. uma das concubinas do falso rei da Pérsia. Houve tentativas frustradas para desmascarar a fraude levada a efeito por um homem que poderia estar marginalizado devido às suas orelhas cortadas. onde ficara longe de sua esposa e filhos e de seu próprio ambiente. Ao vencer Ahmasis e tomar posse de todo o Egito. verificou no meio da noite. jovem e audacioso nobre persa que até então fizera parte da guarda pessoal de Cambises. um famoso mago de orelhas amputadas* O mesmo Cambises. logo ao início de seu reinado de sete anos. E foi exatamente nesse ponto importante da História Persa que surgiu a vivaz figura de Dario. pois. que se tratava de Gaumata (ela viu que suas orelhas eram realmente amputadas) que continuamente disfarçava o problema com os cabelos longos usados então.*Gaumata. sabedor das intenções de Cambises e achando inaceitável mandar sua filha para viver. sem qualquer surpresa. Enviou-me ele a vós com estas ricas indumentárias em lugar de sua filha. tal sua parecença com o rei assassinado. enviou em seu lugar a filha de Apries. Smérdis (na verdade. O faraó.C. Apesar da forte marca pelo resto de seus dias. conforme relata o historiador Heródoto. Como sucedeu o logro? Heródoto conta-nos que durante a ausência da Pérsia em campanha no Egito. enquanto o falso rei dormia. Gaumata. como concubina do novo monarca. senhor. encerrou a XXVI Dinastia e introduziu os faraós da XXVII Dinastia. que assumiu rapidamente a liderança do grupo dos sete líderes que sempre havia desejado livrar o Império daquele impostor. começou a trabalhar o jovem rei Cambises (reinou de 529 a 522). no qual permaneceria até sua morte. faraó por ele destronado. para poder vingar-se de Ahmasis e eventualmente voltar ao Egito. irmão de Cambises. acabou levando-o a usurpar o trono persa. O castigo era inusitado para os magos. . que jamais conseguira perdoar seu faraó por tê-lo mandado à Pérsia. Meu pai chamava-se Apries. No entanto. como Cambises a saudasse pelo nome do pai. Ela pertencia a uma das sete famílias interessadas e. pois a circunstância de ser bastante parecido com Smérdis. instigada pelo pai. Chamou sua atenção para a beleza da mulher egípcia e convenceu-o a pedir a filha do faraó para casar-se com ela. -. mandara um dia amputar as orelhas de um mago de sua corte devido a faltas muito graves. Deixou governando a Pérsia seu irmão mais novo. o mago castigado. por ele destronado e morto pelos egípcios que se sublevaram sob seu comando" ("História". o mago de orelhas amputadas) foi morto pelo próprio Dario. de Heródoto). cujo nome era Gaumata. Cambises ficou enfurecido e pouco depois invadiu o Egito (em 525 a.À morte do grande fundador do Império Persa. Mas logo Cambises ficou sabendo do engano. o que foi feito sem qualquer comoção junto às tropas persas ou junto à nobreza. o esperto Gaumata soube do evento e apareceu em cerimônia da corte como o próprio Smérdis. que havia deixado como ocupante provisório do mais alto mandato para governar a região em sua ausência prolongada.) como desforra pela deslealdade de que se sentira vítima. Smérdis. tendo conseguido permanecer por sete meses no trono como soberano persa. ela replicou: Ahmasis. seu irmão. "algum tempo depois. Sob um forte esquema sigiloso mandou seus oficiais de confiança matar seu irmão. A linda jovem Nitétis chegou a Cambises com vestidos caríssimos e cheia de jóias. pois eles eram membros importantes da casta sacerdotal persa. vos enganou. esse médico egípcio. Dentre eles cumpre que chamemos a atenção para o último da fila. Na verdade. colaborou forte e decisivamente na feroz batalha pela tomada da sempre cobiçada Babilônia. a oeste do Iran. conhecida pelo nome de "magofonia" (de "magos" = mago e "phonia" = matança). mil vezes dizendo. Luís de Camões faz menção ao feito heróico de Zópiro com os seguintes versos: . E em reconhecimento pelo seu feito heróico e de lealdade fora do comum.C. de Camões). -.C. gravado em pedra a mais de 100 metros de altura.* Ainda durante a vida de Aristóteles. ocorreu uma verdadeira chacina geral dos magos na cidade de Persópolis. cujo imperador era Nabucodonosor III.) graças a um truque denotador de sua criatividade e vivacidade. fundou no delta .*A Escola de Anatomia da cidade de Alexandria: século IV a.C. tudo pela vitória de Dario I em Babilônia* Dentre os sete magnatas persas que colaboraram para a eliminação de Gaumata. Alexandre. da qual se livrou graças a um médico grego. -.C. o Grande. concessão essa garantida a seus descendentes. conforme veremos mais adiante ao nos referirmos à expansão da medicina grega e seus famosos médicos. Zópiro viabilizou diretamente a queda de Babilônia por meio de um truque único na História do mundo: Fez com que seus servos o chicoteassem até o sangramento e logo em seguida amputassem seu nariz e suas orelhas. "Que mais o Persa fez naquela empresa Onde rostos e narizes se cortava? Do que ao grande Dario tanto pesa Que. Dario I deu-lhe o governo de Babilônia. face ao ódio que Zópiro demonstrava contra Dario. capital do Império Assírio.. e considerando sua experiência militar.. aparece Dario pisando o prostrado Gaumata. Subiu ao trono o jovem Dario I (reinou de 521 a 485 a. Foi então instituída a grande festividade persa que foi comemorada por muitos séculos.*Zópiro. com dizeres em três línguas diferentes e em caracteres cuneiformes. o grande sábio ateniense. Mais do que isso. de chapéu ponteagudo à cabeça. ele próprio abriu o acesso às forças de Dario que conquistaram Babilônia em 519 a. suspirava Que mais o seu Zópiro são prezara Que vinte Babilônias que tomara" ("Os Lusiadas".O evento foi imortalizado num famoso e estranho monumento nas montanhas de Behistun. Nesse alto-relevo. agregaram-no logo ao próprio sistema de defesa das muralhas. Eles acreditaram e o aceitaram em seu meio. Nesse lamentável estado apresentou-se às forças assírias e culpou Dario I por aquele "castigo". concluído em 516 a. encarregando-o da guarda de dois portões que davam acesso à maravilhosa cidade. ou seja. Nessa privilegiada condição de comandante. e que devido a um acidente logo ao início de seu reinado quase foi vítima de uma bastante séria limitação física. o mago de orelhas cortadas de que falamos acima.. No ano de 332 a. o rei Phaortes II que foi duramente castigado por sua resistência às forças de Dario: teve seu nariz. Em conseqüência do desmascaramento do falso monarca Smérdis. Zópiro foi o que mais se sobressaiu.C. tendo à sua frente mais oito reis por ele vencidos. praticamente conquistou o mundo ocidental conhecido em sua época e fundou cidades cujos habitantes falavam grego e adotavam costumes gregos. tendo marcado sua existência por uma extremada amizade por Dario I. suas orelhas e sua língua amputados e seus olhos vazados. Embora fosse sátrapa (governador) de uma das províncias persas. Um dos primeiros médicos a desenvolverem exames post-mortem. canais subterrâneos para dejetos humanos e para água servida em cada uma delas. inserida na Academia de Ciências. e foi um grande protetor e promotor da sabedoria e da cultura. -. O imperador viajou durante vários anos por quase todos os quadrantes do vasto Império e no ano 130/131 esteve no Egito não só como imperador mas também como estudioso dos usos e costumes do Egito. Alexandria era uma cidade moderna. face às estreitas ligações que com eles temos mantido através dos séculos. todos se ocupam em algum mister" ("História Universal". nem mesmo os cegos. foi também um renomado anatomista e fisiologista. Um sopra o vidro. esse conhecimento torna-se muito importante para nós. que era a epilepsia. Dentre seus diversos estudos ressalta-se aquele que demonstra o valor curativo da ginástica e dos exercícios físicos. No caso dos hebreus. Seus estudos levaram-no a sugerir que o excesso de sangue no corpo (chamava de "pletora") era a causa de muitos males. E nela. igualmente do século IV a.C. Existem autores que chegam a fazer uma relação entre sua adoção pelos hebreus e as tentativas do já citado faraó egípcio Ikhnaton. e pessoa alguma está ali ociosa. E dentre suas diversas unidades destacou-se desde logo a Escola de Anatomia. duas avenidas principais com mais de 60 metros de largura e o Grande Farol -. com suas ruas em forma de xadrez de linhas paralelas. de Cantu). Sob seu reinado foi criada a mundialmente famosa Escola de Alexandria. inclusive a problemas de ossos e dos olhos.uma das sete maravilhas do mundo -. "A sua cidade é de tudo abundante. Ptolomeu Soter. que foi por muitos anos o maior centro de cultura do mundo. A medicina egípcia -.*Os egípcios sob os olhos críticos de um imperador romano* Adriano (Publius Aelius Hadrianus -. ao lado de Herophilus. co-fundador da Escola de Anatomia. que levavam a muitas deficiências físicas e sensoriais -.C. dois nomes destacaram-se face à importância de seus estudos para melhor compreensão dos males incapacitantes. aqueles tecem. pôde estudar em muitos pormenores o globo ocular e os males que levavam à cegueira. Adriano afirma: "Tenho estudado bem os egípcios de que me falaste". Dentre elas. O povo hebreu adotou-o em meio a uma tendência generalizada ao politeísmo. reinou no Egito de 323 até 285 a. .C. em uma carta escrita a seu cunhado Serviano. inclusive de um mal considerado como sagrado. E. Ele é considerado como o "Pai da Anatomia".Erasistratus de Kéos.do rio Nilo a cidade de Alexandria.fez rápidos progressos científicos após a instalação da Escola de Anatomia.. a mais significativa é o monoteísmo. muito típico das culturas mais antigas.76 a 138 d. outro faz papel. por exemplo. Os Hebreus Analisar os usos e costumes de um povo multimilenar sem conhecer um pouco de sua história é tarefa inviável.C.) foi imperador de 117 até o ano de sua morte. como a catarata. É considerado como o "Pai da Fisiologia".que procurava dar cobertura a males que afetavam duramente o povo e as classes privilegiadas.eram algumas das características marcantes da famosa cidade. O sucessor de Alexandre. Sua terapêutica preferida era também o exercício físico. que pregava a existência de um deus único a seus adeptos de . 2. e um dos fundadores da Escola de Anatomia. .. Durante sua gestão o Império Romano viveu anos de grande desenvolvimento.Herophilus foi um anatomista que viveu no século IV a. Herophilus de Chaludônia e Erasistratus de Kéos. vejamos alguns que se relacionam com pessoas portadoras de deficiências e identifiquemos alguns de seus líderes que viveram sob o impacto de limitações variadas. E foi provavelmente no reinado de Tutmés I. Foi esse mesmo Deus Único (Javé) que se transformou no mais forte elo de ligação das doze tribos do povo hebreu através dos séculos.C. mudando seus hábitos e passando do nomadismo para atividades de um povo mais fixado à terra. tão sonhada durante todos os anos de permanência no Egito. os filisteus. sobejamente conhecidas pelos mercadores e caravaneiros. Aquele povo buscava um retorno à sua terra original.. migrações forçadas. Como surgiu esse sofrido povo hebreu? Originalmente alguns grupos de famílias nômades de origem hebraica. homem honesto (e sua arca tão universalmente comemorada). aspirantes ao sacerdócio.*Noé: a primeira pessoa com deficiência?* Noé. iniciaram seu êxodo na direção da Terra Prometida. sob o forte comando de um líder que conhecia muito bem as altas esferas governamentais egípcias e seu sistema de funcionamento. Todas essas lutas. Duas tribos ficaram mais ao sul. -. tratava-se de um povo que havia abandonado circunstancialmente o nomadismo dos pastores há poucas gerações. opções. onde poderia se instalar em definitivo. desterros e conseqüentes sofrimentos fizeram os hebreus viverem por milênios em ambientes rudes e situações por vezes muito cruéis. entre outros. o monoteísmo hebreu vem de épocas bem anteriores à própria migração das várias tribos ao Egito. E lá entraram quase ao mesmo tempo que os povos hicsos.Akhetaton.. especialmente da visão e da palavra. dez tribos instalaram-se ao norte da Palestina. em contraposição a outras figuras a ele anteriores. Na verdade. A maioria certamente nem imaginava que ficaria perambulando pelo deserto durante mais de 40 anos. De lá foram tangidas pela escassez de alimentos e de bons pastos para seus rebanhos. As doze tribos uniram-se para fazer frente às dificuldades e combateram os moabitas. os hebreus perderam seu ponto principal de sustentação e começaram a ser considerados como indesejáveis. persas e pelos macedônios de Alexandre. passando a identificar-se como Reino de Israel.. é uma das primeiras figuras muito humanas a nós repassadas pela Bíblia. O culto ao Deus Único e Verdadeiro dos hebreus foi estruturado por Moisés e a própria elaboração do decálogo leva à sua sustentação.. na busca da sua terra. constituindo o reino de Judá. terra de seus ancestrais. o Messias. Após toda a migração pelo deserto os hebreus tiveram que enfrentar a resistência natural daqueles que tinham passado a ocupar seus antigos territórios. o Grande. normas e leis que formaram o importante acervo cultural e religioso do povo hebreu.C. Gradativamente dirigiram-se para as férteis terras do delta do rio Nilo. Moisés. Após a morte do rei Salomão. com sua capital na Samaria. desde o patriarca Abraão. ou seja. No entanto. dominações. E dentre esses usos e costumes. dedicando-se à vida agrícola. o décimo descendente de Adão segundo as palavras do Gênesis. Essas imensas dificuldades vividas por um povo tão sofrido e sonhador num futuro libertador. mas sob escravidão. e que se via de certa forma forçado a voltar a um quase que indesejável nomadismo. Ali viveram por 430 anos. Nota-se neles também a absorção de práticas adotadas por outros povos com os quais foi forçado a se relacionar. com sua capital em Jerusalém.C. Após a expulsão dos hicsos pelos exércitos do faraó. que os hebreus. Com o passar de muitos séculos os hebreus foram combatidos e dominados pelos assírios. pelo ano de 1570 a. Caíram finalmente sob a possessão romana em 63 a. provenientes da Mesopotâmia. fugas. transparecem em seus códigos de leis e costumes antigos. com as de um . habitaram a Palestina por muitos séculos. os amoritas. também afastados de suas terras pela falta de alimentos. babilônios. morto em 1512 a. "Depois de algum tempo meu filho Matusalém escolheu uma esposa para seu filho Lamec. inclusive a falta de orelhas. se tiver um pé quebrado ou a mão. se for corcunda ".Adão meio ingênuo. No tratado de Bekhorot são citados oito tipos de defeitos. Lamec. A . E essa diferença deve ter sido considerada problemática o suficiente para levar o avô Matusalém. ou torcido. se tiver nariz pequeno ou grande. É um documento proscrito pela Igreja Católica. alternativamente e ainda menos plausivelmente. de fato. comenta que Lamec e sua esposa eram primos em primeiro grau. Foi procurar seu pai. de um Caim vilão e fratricida e de um Matusalém muito elevado em anos. nesse livro o nascimento de Noé é relatado em termos mais ou menos místicos e nos dá conta de alguns problemas bem humanos e concretos. como o sol. a empreender uma viagem longa e cansativa para procurar seu pai. Pois bem. mas dos anjos". é de natureza diferente da nossa. indicava um certo grau de impureza ou de pecado.. e mesmo qualquer deformação por menor que fosse. a casa toda ficou cheia de luz".. sendo no todo diferente de nós". filho de Lamec. ou também. a quem devemos os textos acima do "Livro de Enoc. nem se aproximará de seu Ministério. "parece o fruto dos anjos do céu. -. Tanto isso é verdade que chegou a ser determinado por Moisés no seu livro "Levítico" (conjunto de normas e orientações para os sacerdotes): "O homem de qualquer das famílias de tua linhagem que tiver deformidade corporal. O autor citado conclui com certa dose de ironia britânica: "A possibilidade de Noé ter herdado o albinismo de um anjo caído não necessita ser considerada com seriedade. 600 anos após. se coxo. o patriarca Enoc. o velho patriarca. Matusalém voltou sabendo que o bebê era. o bebê devia realmente ser muito diferente dos primos.*As deficiências físicas entre os hebreus* Para os antigos hebreus tanto a doença crônica quanto a deficiência física ou mental.. retirado do mundo "nas extremidades da terra". o Profeta". como impedimento para os serviços do templo. de um Abel sonhador. a quem descreveu o menino. todos morenos e de olhos escuros. Ao discutir a eventual origem do albinismo de Noé.a esposa de Lamec . no entanto. um documento escrito em linguagem "apocalíptica" (repleta de sinais) conhecido como "Livro de Enoc."ele parece não ser meu. que o albinismo é mais dominante nos anjos do que nos homens" ("Noah--an Albino". avós e demais parentes. informando dentre outras coisas: . não oferecerá pães ao seu Deus. Essa hipótese levanta consideráveis dificuldades genéticas."e o anjo seriam portadores não-relacionados do gens numa época em que não deveria estar amplamente espalhado. Quando os abriu iluminou toda a casa. se for cego. Com as características básicas de um albino. Ela engravidou e deu à luz uma criança cuja pele era branca como a neve e vermelha como uma rosa.. analisou a questão com a sabedoria de seus muitos anos de vida. O nascimento de Noé nos é descrito pela Bíblia (Gênesis) em palavras muito breves. bisavô do recém-nascido. já com 369 anos de idade. Enoc. Matusalém. ficou intrigado com a aparência do recém-nascido e no fundo da alma deve ter duvidado da fidelidade de sua esposa. que parece ter sido escrito um ou dois séculos antes do nascimento de Jesus. o Profeta". sendo "o tipo comum de consangüinidade em albinismo". Uma delas teria que postular que BT'NWS" . pai do rebento.. com o seu misticismo nato e informado por seus alegados contatos diretos com Deus. que ele deveria ser chamado de Noé (Consolo da Terra) e com isso ser preparado para os eventos que culminariam com o dilúvio. Sorsby.. Existe. cujo cabelo era comprido e alvo como a lã e cujos olhos eram lindos. seu tamanho ou formato defeituoso. de Sorsby). tios. afirmando taxativamente: "Todo homem da estirpe do sacerdote Arão que tiver qualquer deformidade (corporal). A bonita e por vezes empolgante história de Isaac indica-nos que se casou com uma linda jovem da Mesopotâmia. que lhe gerou dois filhos do sexo masculino somente 20 anos após o casamento: Esaú e Jacó. apenas pelo tempo que durar. protegendo-o sempre e mal imaginando que ele se transformaria no maior patriarca hebreu e que um dia receberia de Deus o nome de Israel ("O que luta com Deus"). como diz o Gênesis. Um defeito temporário desqualifica um sacerdote para sua função e um animal. tendo Esaú nascido em primeiro lugar. enquanto que Jacó era um homem simples e. até invalidar um contrato de casamento". -. aberta e manifesta nas próprias leis. "habitante de tendas". Embora primogênito. um defeito físico do marido ou da mulher pode. Mesmo desconfiado. além de apresentar relatos às vezes elaborados na própria época. Rebeca. Eram gêmeos. muito embora se mantivesse desconfiado e estivesse muito atento àquele importante momento da vida de seu clã. Rebeca dedicava sua atenção e carinho a Jacó. existem doze defeitos físicos aparentes.discriminação contra pessoas portadoras de qualquer deficiência era. 21:16-23).Termo bíblico referente a um defeito físico ou ritual. sobre os preconceitos contra pessoas e mesmo contra animais defeituosos. O pai preferia seu primogênito pelo que era e pelo que trazia das caçadas. nem pães ao seu Deus. qualquer um dos quais desqualifica um sacerdote para o desempenho de suas funções (Lev. O mesmo livro conta-nos em pormenores marcantes o verdadeiro golpe tramado por Rebeca para obter as bênçãos formais de Isaac ao seu filho Jacó. porque tem defeito e não deve contaminar o meu santuário" (Lev. O Levítico é contundente quanto aos homens portadores de deficiências físicas. que excluía uma pessoa do serviço do templo e tornava um animal impróprio para ser sacrificado. para o sacrifício. E certos livros da Bíblia dão-nos algumas indicações de costumes ou de ambientes. Será interessante saber que no verbete "defeito" da Enciclopédia Judaica lemos o seguinte texto: "Defeito (Heb. Esaú não titubeou em vender seus direitos a Jacó sem muitos questionamentos. É desta forma que o Gênesis o relata: "Ora. não se aproximará a oferecer hóstias ao Senhor. Isaac acabou dando sua bênção solene a Jacó que se disfarçara com peles de carneiro pelo corpo e nas mãos e vestira as roupas de Esaú. 22:20-25) e aumentados para setenta e três na Lei Rabínica. 21:21-23).*A cegueira de Isaac por 80 anos* Segundo nos é colocado pelo Gênesis. . o grande patriarca hebreu Isaac ficou cego por muitos anos. Mais ou menos à época em que estava com 100 anos de idade Isaac ficou cego. mas era um homem rude. cheio de pêlos no corpo e nas mãos. Talvez seja ele o homem que mais tempo viveu numa situação de deficiência. que não entre do véu para dentro. o primeiro livro da Bíblia. porém. comerá todavia dos pães que se oferecem no santuário. Esaú era considerado como primogênito. mas a "Halachah" aumenta essa lista para cento e quarenta e dois. 27:1). Segundo a Lei Rabínica. mum) -. Segundo a Bíblia. Os defeitos físicos que desqualificam um animal para o sacrifício também são enumerados (Lev. Isaac envelheceu e a vista escureceu--se-lhe e não podia ver" (Gen. contanto. em certas circunstâncias. que se tornou caçador. portanto. Para tanto foi fundamentalmente importante o fato do velho Isaac estar cego. por exemplo. nem chegue ao altar. dedicado às atividades do campo e da guerra. os líderes hebreus e a corte do faraó. A reação de Moisés. ouviu uma voz que.Mais tarde Isaac explicaria a Esaú o engano e daria o veredito final: "Eu o constituí teu senhor e sujeitei à sua servidão todos os seus irmãos. já antigo em sua vida. como me ouvirá o faraó?" Deus continuou com a mesma orientação operacional até então adotada. Conseguiu ele. ele conseguiu sair-se bem da missão. Foi um grande legislador. com a ajuda permanente de seu irmão Aarão e foi. o vidente e o cego? Sou eu?". mas sem queimar. Aarão. Mas Deus contra-argumentou.*Moisés e suas sérias dificuldades em falar com clareza* De acordo com afirmações inseridas no livro de sua autoria. Senhor. Aliás a figura de Aarão foi vital para o sucesso de todo o ambicioso projeto.. uma vez que os planos. morador no deserto por muitos anos. o homem rude. o "Êxodo". Depois disto que te posso eu fazer. Após diversas tentativas frustradas de tirar o povo de uma escravidão cada vez mais opressora. Esse problema. uma das mais fortes figuras de toda a História dos Hebreus. Deus procurou encorajá-lo também por outros meios para enfrentar os desafios que se punham à sua frente. No meio da noite calma viu uma grande touceira de sarça pegando fogo. chamando-o para a grande missão de sua vida: tirar os hebreus do Egito e conduzi-los à Terra Prometida. o que levou Deus a indicar uma solução: o irmão de Moisés. Isaac viveu até os 180 anos de idade e dessa vida toda passou 80 anos na dependência de Rebeca e de seus criados. segundo Moisés. Moisés foi vítima de um sério e perturbador distúrbio da comunicação."e desde que falaste ao teu servo sinto-me com mais dificuldade e mais atrasado em minha língua". Apesar dessa deficiência funcional de ordem bastante grave face ao papel indicado e assumido por Moisés. com a superação de sua deficiência . segundo suas informações. ou seja. o abençoado e herdeiro na grande família teria sido Esaú. aos líderes hebreus e ao povo. e mesmo os novos argumentos eram diretamente transmitidos por Deus a Moisés e este os repassava a Aarão. Mesmo assim Moisés continuou cônscio de suas limitações quanto à desenvoltura em falar. eu não falo bem desde ontem e antes de ontem" quer dizer. sem dúvida. deve ter-se agravado num momento de forte tensão em que ele. os comentários. foi no mínimo cuidadosa. mediador dos hebreus e grande líder daquele povo que conseguiu tirar da mais negra escravidão. com o seguinte e forte questionamento: "Quem faz a boca do homem? Ou quem faz o mudo e o surdo. Não fôra a vivacidade de Rebeca e de Jacó. Por sua vez este não dispensava nunca a carismática presença de Moisés e tudo transmitia ao faraó e sua corte. o caçador. Aproximando-se com cautela. profeta. o guerreiro. as novas ações e providências. naquele momento. . tanto para convencer os líderes hebreus quanto para falar ao faraó nas horas aprazadas. indicando Aarão mais uma vez como seu porta-voz: "Tu lhe dirás tudo o que te mando e ele falará ao faraó". Eis o que está registrado no Êxodo: "Perdoa. estabeleci-o na posse do trigo e do vinho. decidiu levar seu rebanho ao monte Horeb para pastar. tendo desempenhado essa missão por muitos anos. A história do povo hebreu teria sido diferente e não teria evoluído da forma como evoluiu sob a inspirada liderança de Jacó. há muitos anos . era do próprio Deus. seria seu companheiro de todas as horas. Moisés queixou-se com seu Deus: "Eis que sou incircunciso dos lábios. -. meu filho?" Nem o fato de ser cego e de ter-se enganado devido à deficiência visual levou Isaac a mudar sua posição anteriormente assumida. .. chegando a demonstrar que Ele estaria efetivamente ao seu lado. E exatamente como no Egito e outros países da Mesopotâmia ele colocava a responsabilidade da medicina sob os cuidados dos sacerdotes. "Eu."Se alguém apagar a marca de ferro em brasa de um escravo. também seu olho será tirado.*O Código de Hamurabi: severidade vizinha dos hebreus* No Museu do Louvre. segundo seus estudiosos. A lei de talião. É a coleção mais antiga de leis que se conhece -.*As leis criadas no deserto do Sinai* De acordo com o "Êxodo". de espantar que apenas sobre a hanseníase haja capítulos inteiros do "Levítico". introduzi a verdade e a eqüidade por todo o país e dei prosperidade ao povo. e toda escrita em caracteres cuneiformes. portanto."Um olho por um olho.. Moisés elaborou com muito cuidado os preceitos relacionados à higiene e à saúde de seu povo..bem mais antiga que o Decálogo de Moisés e que as normas por ele traçadas no "Levítico". . que conquistei as cidades do Eufrates. se ele quebrou o osso de um patrício. no cenário grandioso do deserto. Trata-se de uma pequena coluna de 2."Se um médico operar um patrício com faca de bronze e causou-lhe a morte. durante a épica migração de todo o povo hebreu do Egito para a Terra Prometida. que certamente já conhecia o Código de Hamurabi. Algumas dessas severas normas lavradas em pedra muitos anos antes de Moisés existir passaram para o código dos hebreus quase que com as mesmas palavras. num baixo-relevo bastante claro. terá as mãos cortadas". existe o original do Código de Hamurabi. -.600 linhas escritas. de magia e também a respeito de diversos assuntos de medicina. com o qual existem pontos de similaridade eventual. porque eu sou o Senhor") não surtiram os efeitos esperados. terá seus dedos cortados". reinante em alguns países de então. de cor negra. Na legislação dos hebreus daquelas eras violentas e muito problemáticas nas quais era fundamental manter o povo unido. que eram os Levitas."Se um escravo disser ao seu dono: "Tu não és meu Senhor".. seu senhor provará que o é e cortará sua orelha". Vejamos alguns pontos que indicam. Se ... ou abriu-lhe a órbita do olho e causou-lhe a destruição. De hoje em diante". um dente por um dente.. Hamurabi. não apresenta nenhuma divisão a não ser esta: sua primeira parte relaciona-se a propriedades e sua segunda parte a pessoas. regulamentos e leis adicionais que se destinavam a pôr um fim às mazelas de um povo volúvel e a tentar ordenar sua vida. terá sua mão cortada". quando estacionado por anos a fio no sopé do monte Sinai. apenas argumentos relacionados à vontade expressa de Deus ("temerás o Senhor teu Deus.. o deus do sol e das leis. -.. Moisés elaborou não apenas o Decálogo. foi também introduzida pelo líder maior. de homicídios e seus castigos. Moisés.. além de um profundo conhecimento do deserto."Se um homem bater em seu pai. com 3.. de seduções.25 m de altura. seu braço será quebrado. amputações.. Se um homem tira um olho de um patrício. onde nunca entrou.e com um indispensável carisma pessoal. O texto. onde havia sido educado bem próximo à nobreza e aos sacerdotes. realizar a grande proeza de levar mais de meio milhão de hebreus com seus pertences e criações das terras do Egito até as fronteiras da Terra Prometida a Jacó. de roubos. chefe designado pelos deuses.. em Paris. As classes inferiores da sociedade também merecem compensações. o grande monarca da Babilônia apresenta-se em atitude de adoração diante de Shamash. Trata-se de justiça sem piedade. em forma de cone. Essa obra está dividida em 46 pequenas colunas em toda a sua volta.. mas muitas outras determinações. . mas também disciplinado. de conflitos e suas soluções. lembrando muitas daquelas normas que ele conhecia muito bem do Egito. Não é. Rei dos Reis. Há semelhanças também no "Deuteronômio". Bem ao alto. Assim é que havia leis e normas a respeito de escravos. como punição.. . -. soldados eram por vezes castigados por combaterem os grandes poderosos e levavam consigo pelo resto de seus dias as marcas impostas pelos vencedores. bem informado das pequenas conspirações e traições. E quando o enorme exército movimentou-se de volta a Babilônia. em Riblah. No entanto. dente por dente. Sedecias é também citado em diversos documentos e crônicas da Babilônia que relatam os principais acontecimentos políticos. mão por mão. E tirou os olhos a Sedecias. pé por pé". pagará metade de seu preço". rei de Judá: cego por Nabucodonosor* Sedecias foi o último rei de Judá. Sedecias. assim como fez. e levado à presença do temido rei da Babilônia. já sem pão por muito tempo. Sedecias. e matou também a todos os príncipes de Judá em Riblah. levando as últimas levas de prisioneiros de Judá. Eis um deles: "Se alguém ferir o olho de seu escravo ou de sua escrava e os deixar cegos de um olho. ele deverá pagar uma miná de prata..C. qual for o mal que tiver feito. Terminou seus dias numa prisão da Babilônia. Nabucodonosor. sob o ponto de vista babilônico. generais. e o carregou de ferros e o rei da Babilônia o conduziu a Babilônia e o pôs na casa do cárcere até ao dia de sua morte" ("Jeremias". que matavam e que espalhavam o pânico para todos os lados.*Sedecias. A mesma linha de pensamentos encontramos no "Êxodo": "Olho por olho. 52:10/11). nem sempre a deficiência ou deformação física ou sensorial correspondiam a uma demonstração de castigo por feitos delituosos ou à "troca" por males cometidos a outrem. Sedecias tinha apenas 21 anos de idade ao iniciar seu reinado e sua intenção era empreender uma guerra geral contra o monarca conquistador.... deixa-los-á ir livres pelo olho que lhes tirou". olho por olho. líderes. No "Levítico" há textos e palavras tão semelhantes que parecem pura cópia. que incendiavam. Apesar de ter sido indicado e empossado por Nabucodonosor. como substituto ao destronado Joaquim. Sedecias logo começou a conspirar contra o poderoso rei. dente por dente. como aconteceu com Sedecias. E segundo todos os documentos. Nabucodonosor.. ciente do perigo. se foi de um escravo. No entanto. O Livro de Jeremias assim relata o infortúnio de Sedecias: "E degolou o rei da Babilônia os filhos de Sedecias ante seus olhos. refém mantido na capital do reino babilônico.ele tirou o olho ou quebrou o osso de um plebeu. sofreu todo o impacto da fúria dos soldados invasores que buscavam tesouros. -.C. Segundo todos esses documentos e relatos. fazendo contatos pessoais com diversos monarcas dos minúsculos países e também com o faraó egípcio.*O preço da paz: um olho de cada habitante* . Seus filhos ainda novos foram mortos em sua presença. fugiu pelos jardins dos fundos do palácio. Mandou todo o seu exército cercar Jerusalém e lá se plantou durante dois anos. colocou Sedecias no trono do reino de Judá. cego e amargurado."O que ferir qualquer de seus compatriotas. famoso rei da Babilônia. Em 586 a. mas foi preso. carregado de ferros. no nono ano do reinado de Sedecias. tal será o que há de sofrer". tomou providências enérgicas. o exército sitiante conseguiu abrir uma brecha na muralha externa da cidade e o povo. quebradura por quebradura. Além de mencionado na Biblia (Segundo Livro dos Reis e Jeremias). Reis. religiosos e guerreiros dos séculos VI e VII a. ao lado de Jerusalém. assim se lhe fará a ele. empreendeu a mesma caminhada. Para nós torna-se óbvio que tanto entre os babilônios como entre os antigos hebreus sempre houve muitas pessoas marcadas por crimes cometidos. Sedecias teve seus olhos vazados ali mesmo. que foi Saul. do Talmud) encontramos o seguinte trecho que nos é transmitido por Heiman: "Se alguém pegar um homem e lhe soprar a orelha.Os Amonitas. Muitos dos conselhos e dos preceitos deixados por homens dessa natureza levaram o povo a moderar seu modo de agir. povo habitante a leste do rio Jordão. Os anciãos da vila sitiada conseguiram.. ao Talmud e aos escritos de Flávio Josefo. chegavam mesmo a realizar milagres. No Tratado de Kidushin (sétimo e último tratado da Ordem de Mishnah Nashin. porque o Altíssimo foi quem o criou. em épocas que beiram a um milênio antes da Era Cristã. no entanto. Segundo o "Livro da Sabedoria" de Sirac. Os anciãos da vila foram os portadores da seguinte mensagem: "Toma-nos como aliados e nós te serviremos". mas personalidades que se preparavam muito bem para sua missão. conforme nos é contado no "Primeiro Livro dos Reis" ao relatar a história de Saul). Poucos são os documentos da antiga cultura dos hebreus que nos falam sobre o progresso da medicina. por exemplo. Além de material escrito. prevalecia entre os hebreus pelo ano 200 a. Lá encontramos afirmações como esta: "Honra o médico. estudando muito e tornando-se verdadeiros sábios. e que. Da mesma forma. Com esse impressionante contingente bateu decisivamente o exército inimigo que apavorava o pacato povo de Yabesh-Guilead. a importância da medicina e do papel do médico para o povo hebreu. foi nessa oportunidade que Saul foi confirmado como tal. notaremos que gradativamente elas foram entrando em pormenores bastante indicativos das muitas ocorrências que levavam a necessidade de sua criação. respondeu: "A aliança que eu farei convosco será tirar-vos a todos o olho direito e tornar-vos o opróbio de todo o Israel". ao sitiar a vila de Yabesh-Guilead. pois em conseqüência do ferimento. uma vez que essa é a idade presumível do livro "Eclesiástico”. cumpre que façamos menção a alguns livros da Bíblia.. um exército de trezentos mil homens das tribos próximas de Israel e mais trinta mil das tribos de Judá. encontradiço em diversas culturas. Esses foram os casos de alguns reis e de diversos profetas. Najash Amonita. inimigo cruel ao extremo. como. o apoio de um famoso herói da Bíblia.C. E com a fé que despertavam. era bem alto o conceito dos médicos na cultura hebréia. Ao que parece pelos relatos contidos na Bíblia. o agressor será punido de acordo com a lei. quem golpear seu pai na orelha e assim provocar a surdez. O Primeiro Livro dos Reis conta-nos que Najash Amonita. a alterar seus costumes e a respeitar tudo aquilo que julgava vir de Deus.*Mais normas e o papel do médico* Ao analisar as muitas normas que orientaram a vida do povo hebreu pelos seus muitos séculos de existência. para não ser dizimada. Esse mesmo conceito. Porque toda a medicina vem de Deus e receberá donativo dos reis. Ele conseguiu juntar. em especial na sua "História dos Hebreus”. Já anteriormente ungido por Samuel como primeiro rei de Israel. A ciência do médico exaltará sua cabeça e será louvado na presença dos grandes". ou seja. porque ele é necessário. muito mais conhecido como "Eclesiástico". Dentre eles. foram contínuos inimigos dos hebreus (na verdade aqueles que compunham as tribos de Israel e não as de Judá) em épocas bem anteriores aos anos de problemas com o cativeiro da Babilônia. recebeu uma preocupada proposta da população sitiada. daí resultando a surdez.. na base de violentas ameaças àqueles que não aderissem. será condenado à morte. . alguns líderes e homens especiais que sempre tiveram influência sobre o povo hebreu também influenciaram quanto ao desenvolvimento de sua medicina. uma gota de sangue penetrou no interior da orelha" (Apud Heiman). os profetas de Israel não eram meros homens que previam acontecimentos (em certas épocas conhecidos como "videntes". -. exatamente por esse motivo e pela sua bondade. desfrutavam da total confiança do povo hebreu. como eu fiz. o vazamento dos olhos era um castigo severo. na luta pela segurança do povo hebreu. puxados pelo próprio rei para perto de si por meio de um fio preso aos lábios dos infelizes por argolas. Segundo o próprio Moisés que elaborou muitos deles. 25:11/12). assim Deus me fez" (Juízes. ou então. a surdez. e não te moverás de compaixão alguma por ela" (Deut. e a mulher de um querendo livrar seu marido da mão do mais forte. Vejamos alguns exemplos: O livro da Bíblia conhecido como "Deuteronômio" corresponde a uma espécie de repetição ou reformulação de leis e normas para o povo. tema" (Deut. Mas. apanharam-no e cortaram-lhe as extremidades das mãos e dos pés. Nesse relato menciona-se. "o povo da cidade a apedrejará e ela morrerá. Barac. também de sua autoria. tema e não torne mais a fazer coisa semelhante a esta" (Deut. dedos ou a mão decepados.. tais como Otoniel. estender a mão e lhe pegar pelas partes vergonhosas. Havia também as deficiências que eram marcas da própria escravidão: orelha ou nariz cortado. É o Livro dos Juízes que nos relata fatos que demonstram claramente que. num severo castigo aplicado a um líder cananeu por uma das tribos de Judá que atacara Bezec e lá matara 10. "indo eles ao seu alcance. às vezes era indispensável "passar a fio de espada" todos os homens aprisionados. . e também de punições previstas em lei. Pois bem. Moisés foi seu autor. de participação em lutas armadas contra inimigos do povo. um tanto em moda naquelas regiões. cortar-lhe-ás a mão. muito conhecido. existe o relato de um caso de evidente "desencorajamento" permanente aos ataques aos hebreus. E Adonibezec disse: Setenta reis a quem tinham sido cortadas as extremidades das mãos e dos pés. Jefté e Sansão. O "Deuteronômio" é uma espécie de testamento do velho Moisés às bordas da Terra Prometida. de pé. o "Levítico". por exemplo. um deles ajoelhado e os outros dois. a paralisia. ouvindo isto.-. entre os hebreus havia também aquelas provenientes de acidentes. no entanto. Eles procuraram libertar o povo da opressão constante dos inimigos e tentaram fazer com que esse mesmo povo observasse as leis estabelecidas. ou seja.000 homens. Foi o que sucedeu com um dos fascinantes heróis da Bíblia: Sansão. os preceitos contidos tanto no "Êxodo" quanto no próprio livro de normas para os sacerdotes. é uma obra que procurava levar o povo hebreu a melhor conhecer seus grandes heróis. 13:11). da Bíblia. nele repetindo e elaborando melhor depois de muitos anos do Decálogo e do Levítico. de agressões. sem causar maiores limitações ou dificuldades para trabalhos pesados. Gedeão. nesse livro encontramos um castigo severo (amputação da mão) para um procedimento considerado altamente pecaminoso por parte da mulher: "Se se levantar alguma pendência entre dois homens e um começar renhir com o outro. 28:28/29). Existe um baixo-relevo da cultura assíria. de sorte que andes às apalpadelas nas trevas e não acertes nos teus caminhos" (Deut. Eles correspondiam a alguma necessidade da própria época em que foram estabelecidos. que nos mostra um soberano vazando os olhos de três prisioneiros. Conforme vimos anteriormente. apanhavam debaixo de minha mesa os sobejos da comida. Débora.. 21 :21). "a fim de que todo Israel. O Livro dos Juízes. Os castigos ou penas por faltas contra as leis de Deus e mesmo de Israel eram por vezes muito cruéis e de caráter extremo. 16:21). para que tires o mal do meio de vós e todo Israel. olhos vazados. a fuga do líder Adonibezec.*As causas da deficiências entre os hebreus* Além das deficiências ou das deformações consideradas como conseqüências diretas de pecados ou de crimes. tais como a cegueira. No entanto. Esse castigo desencorajava as fugas. Maldições sem fim são indicadas para os que não seguiam os preceitos e uma delas era esta: "O Senhor te fira de loucura e de cegueira e de frenesi. Aod. Na verdade significa "segunda lei". ouvindo isto. e imediatamente recobrou a vista" (Tobias. 2:1 0/1 1 ). tirou-a de seus olhos. nem embrulhado com toalhas. que a cirurgia ocorria basicamente para a circunstância da circuncisão. Ele procurava dedicar todos os seus dias à misericórdia. nas suas normas e leis relativas à santidade. que na verdade era o anjo Rafael disfarçado. o ódio. "os Filisteus. pegando nela. pouco nos é relatado pelos diversos livros da Bíblia a respeito da medicina. evitar a idolatria. e sararão" (Tobias.*A medicina dos hebreus* Conforme nossos comentários anteriores. Trata-se de uma verdadeira jóia de delicadeza e de arte que chegou até os nossos dias graças aos trabalhos de São Jerônimo . ao lado de Azarias. Quanto ao tratamento de problemas ortopédicos.*Os cegos na cultura hebréia antiga* O "Levítico". Tobias aprendeu dele que o fel de peixe poderia ser usado com sucesso como ingrediente para remédios. 11:13 a 15). Diz ele em seu quarto oráculo contra o Egito: "Quebrei o braço do Faraó. Tobias tomou-o e fez a tentativa que lhe havia sido indicada: untou os olhos do pai. Temendo estar próxima sua morte. tendo recobrado as forças.*Tobias fica cego e recupera a visão: caso de leucoma?* Um dos juízes da tribo de Nephtali. Em certa ocasião."como a película de um ovo.que é uma espécie de membrana opaca sobre a pupila . E "começou a sair de seus olhos uma belida" . pudesse manejar a espada" (Ezequiel. tendo guardado o fel de um enorme peixe que o havia atacado quando da travessia de um rio. Em sua viagem. Sabemos. nem atado com panos. para que. Outras informações são quase inexistentes. rei do Egito.C. enquanto dormia. -.Conforme é ali relatado. 30 :21). -. e sua história nos é narrada por um dos livros da Bíblia. Segundo a narrativa. eram colocados a trabalhar em serviços pesados. tendo-o tomado. 6:9). o furto. com uma lâmina de sílex. cansado de cavar para enterrar secretamente os mortos. dos quais não conseguiam jamais se afastar. a fim de minorar os sofrimentos dos seus compatriotas. sempre houve cuidados caseiros com bons resultados. guardar o sábado. O velho Tobias viveu até a idade de 102 anos sem maiores problemas com a vista. Há uma citação de Ezequiel que mostra ter havido na cultura hebréia antiga plenos conhecimentos dos tratamentos indispensáveis para pernas ou braços quebrados. -. "e o fel é bom para untar os olhos que tem algumas névoas. Não seria exagerado depreender que da mesma forma eram tratados os mais perigosos ou mais fortes inimigos e prisioneiros de guerra em muitos dos pequenos ou dos grandes reinos da antigüidade. tiraram-lhe logo os olhos e levaram-no a Gaza. a vingança. à caridade e à justiça. atado com cadeias e. Em sua volta. no reino dos Medos. 16:21). Tobias era um dos muitos hebreus desterrados em Nínive. o fizeram girar a mó" (Juízes. Depois de marcados pela mutilação estigmatizadora e cerceadora de movimentos. E Tobias. caiu-lhe dum ninho de andorinhas um pouco de esterco quente sobre os olhos e ficou cego" (Tobias. Tobias viveu no século VII a. esperou meia hora. e eis que não foi tratado para se lhe restituir a saúde. sim. "deitou-se junto duma parede e adormeceu e. mandou seu filho que também se chamava Tobias resgatar o pagamento de uma dívida na cidade de Ragés. Segundo a Bíblia. recomendava a todo o povo hebreu não apenas respeitar os pais. encerrando-o no cárcere. mas também que fossem respeitados os surdos e os . Por sua vez. ou seja. Ele reagiu como qualquer outro homem reagiria: duvidou. Segundo o Evangelista Lucas. posto em pé ao lado direito do altar do incenso". nem porás tropeços diante do cego. a garantia da propriedade e algumas outras práticas relacionadas a sexo e também a traições. segundo o costume que havia entre os sacerdotes.cegos.). Êxodo. Eram os dois considerados como justos e harmoniosos em seu modo de viver e não tinham filhos. a condenação da idolatria. que se hão . O anjo tranqüilizou o velho sacerdote e anunciou que sua esposa engravidaria. Esta foi aos poucos compilada pelos sábios e desse esforço surgiu o Talmud. o cego viveu praticamente por muitos séculos em absoluta degradação social. -. 19:14). colocando essas atitudes positivas diretamente ao lado e em pé de igualdade com o amor aos pais. Todavia será interessante saber que. Levítico. corroborando a idéia de que as doenças e as deficiências estavam fortemente relacionadas a castigos ou penitências para pagamento de faltas ou pecados. -. de "saguí Nehor" (ricos em luz. porque eu sou o Senhor" (Lev. na verdade foi por castigo.*Zacarias castigado por não ter acreditado em Gabriel* Um parente de Jesus foi vítima de uma deficiência passageira.*As pessoas deficientes nos Evangelhos* . "que assisto diante de Deus. Zacarias ficou assustado e não sabia o que fazer. Dentre as limitações de atuação a eles impostas. nascido João Batista . Não tinham também nenhuma obrigação de ir até Jerusalém para suas orações. Diz o chamado Livro da Segunda Lei de Moisés. mas temerás o Senhor teu Deus. tocou-lhe por sorte. e toda a multidão do povo estava fazendo oração na parte de fora.)) fala de quando em quando sobre a sabedoria de alguns mestrês e mesmo de alguns juízes cegos. pois Isabel era estéril. O Talmud referia-se a esses sábios mestrês e juízes cegos por meio de um apelido afetuoso. entrar no templo do Senhor e oferecer o incenso. Vejamos o que nos diz Moisés em suas orientações: "Não amaldiçoarás o surdo. que é o “Deuteronômio”: “Maldito o que faz o cego errar num caminho: e todo o povo dirá: Assim seja” (Deut. a certeza da justiça. o "Deuteronômio" recomendava aos hebreus que garantissem a proteção e o bom tratamento aos cegos. Números e Deuteronômio) nem oficiar serviços religiosos públicos. E eis que ficarás mudo e não poderás falar até o dia em que estas coisas sucedam.primo de Jesus . E perguntou o óbvio: "Como conhecerei que isto acontecerá? Porque eu sou velho e minha mulher está avançada em anos". Lucas conta-nos: Sucedeu que. mãe de Jesus.Zacarias indicou numa tabuinha o nome que o menino deveria ter e imediatamente voltou a falar. apesar dessa forte ênfase nas várias normas de conduta do povo hebreu. fui enviado para te falar e te dar esta boa nova. Nove meses depois.C. 27:18). prima de Maria. que só começou a ser combatida sob o reinado do príncipe Judah-haNasin (135a 217 d.de cumprir a seu tempo". visto que não acreditaste nas minhas palavras. Zacarias era sacerdote e casado com Isabel. ou videntes). exercendo Zacarias diante de Deus o cargo de sacerdote na ordem de sua turma. com seus dois livros principais: O Mishnah (aprendizado) e o Guemara (esclarecimento). não lhes era permitido ler o Torá (Gênesis. O anjo identificou-se como Gabriel. nem de cumprir obrigações religiosas que demandassem o uso da visão. Cumpre notar que a literatura sobre o Talmud ((O ensinamento de toda a cultura hebréia tem alcançado todas as gerações por dois canais: a lei escrita (a Bíblia) e a oral (a Tradição). E apareceu-lhe o anjo do Senhor. à hora do incenso. Se continuarmos a folhear esse documento sagrado que é a Bíblia. descobriram o teto pela parte de baixo da qual Jesus estava e. habitam ali. e não encontra.. demonstrando que estava errada a forma como eram tratados. No Evangelho escrito por Mateus encontramos estas frases: "E tendo-se estes retirado. ao saber da existência ou da presença de um rabino miraculoso nos arredores. anda por lugares secos. "Então vai e toma consigo outros sete espíritos piores do que ele e... Elgood. Podemos imaginar a aflição de parentes e amigos desses doentes ou deficientes que. falou o mudo" . apenas enfermidade. Os cegos. Passando os olhos por alguns episódios anotamos frases que eram destinadas a leitores daquelas épocas e que certamente aceitavam os posicionamentos expostos. mas que naturalmente media as palavras face ao público. e cegos e coxos". ou mesmo das atitudes do próprio Jesus para com eles. conta-nos: "E foram ter com ele conduzindo um paralítico que era transportado por quatro. ao povo que precisava ler suas páginas ou interpretar os fatos que pretendia repassar. . apresentaram-lhe um homem mudo. E. os paralíticos pelas mais variadas causas. o Evangelista médico. Detectamos costumes. afirma que a medicina contida nos Evangelhos e mesmo nos Atos dos Apóstolos aceitava basicamente três tipos de causas para as doenças e para as muitas limitações e deficiências que afligiam os homens: o castigo pelos pecados. a interferência dos maus espíritos e finalmente as forças más da natureza. O Evangelista Marcos. inclusive no tempo de Jesus Cristo. E pelo que se lê. Esse mesmo Evangelista escreveu: "Quando o espírito imundo saiu de um homem. Na Judéia Antiga. procuravam alcançá-lo por todos os meios. arriaram o leito em que jazia o paralítico". No entanto. encontraremos também as narrativas relacionadas ao Novo Testamento que retratam uma Judéia muito viva. ruas e praças. o ambiente de exposição da pessoa para esmolar era um fato concreto e percebemos isso em sua afirmativa: "Vai já pelas praças e pelas ruas da cidade e traze cá os pobres e os aleijados. Essas palavras são de Lucas. . estás livre de tua enfermidade" . a movimentação externa ou a simples mudança de lugar de um caso mais sério de paralisia ou de enfermidade grave sempre era dramaticamente mais difícil.. nem castigo . Depreendemos isso das parábolas de Jesus. estudioso dos usos e costumes dos povos do Oriente Médio.. mesmo sem expressar esse modo de pensar. Mateus corrobora a impressão ao dizer: "E eis que dois cegos que estavam sentados junto à estrada". possesso do demônio. e o último estado daquele homem torna-se pior do que o primeiro". por exemplo. E como não pudessem apresentar-lhe por causa da multidão. entrando. Nem demônio. Como não poderia deixar de ser. Percebemos também repetidamente a crença arraigada no povo de que a maioria dos males de então era tida como conseqüência da interferência de maus espíritos ou como um castigo para pagamento de pecados antigos.. na mesma passagem. Uma dessas frases que nos chama a atenção é esta: "E eis que veio uma mulher que estava possessa de um espírito que a tinha doente há 18 anos.. ele coloca na boca de Jesus palavras que demonstram um enfoque diferente: "Mulher. contra os quais o poder divino era o único remédio . e andava encurvada e não podia absolutamente olhar para cima"..ou pelo menos era assim considerado. muito real.. buscando repouso. ficavam expostos nos caminhos. deviam ser apenas tolerados. o destino dos deficientes era esmolar para conseguir sobreviver. atitudes e encontramos diversas considerações sobre pessoas deficientes ou com doenças muito sérias. Então diz: Voltarei para minha casa de onde saí" .. Eis alguns pontos citados nos Evangelhos que ilustram essa assertiva: . expulso o demônio. Segundo o Evangelista Lucas. os amputados. tendo feito uma abertura. Eles mostram. segundo todos acreditavam. por exemplo.Mulher com espinha curvada .Lucas 13:11-13 .Cego de nascimento .Marcos 10:46 e Lucas 8:35-43 .Leprosos de Cafarnaum .Mateus 15:29-31 . ou como Betsaida na língua hebraica.Lucas 14:1-6 .Mateus 20:29-34 .*Os milagres de Jesus e as pessoas deficientes* Dentre os muitos documentos antigos que nos falam sobre deficiências ou sobre pessoas deficientes. muito tenso. Segundo seus relatos.Cego Bartimeu de Jericó .Coxos na Galiléia .10 leprosos .Mudo de Cafarnaum .Surdo-mudo na Decápole . mas também à busca de soluções naturais e sobrenaturais. Era.Cegos na Galiléia .Marcos 8:22-26 . a despeito dos objetivos principais. João 9:2 -. Em Jerusalém dos tempos de Jesus Cristo. quem pecou: este homem ou seus pais. As suas bordas. para sua eliminação.Mateus 9:27-31 .Dois cegos de Jericó .Surdo-mudo de Cesaréia .Mudos na Galiléia . Marcos 3:1-6 e Lucas 6:6-11 . achou-o Jesus no templo e disse-lhe: Eis-te curado! Não torna a pecar para que não te suceda algo pior".Homem de "mão seca" . cegos e paralíticos porque."Mestre. para que nascesse cego? Jesus respondeu: Nem ele nem seus pais pecaram mas foi para se manifestarem nele as obras de Deus". havia bem ao lado do templo uma piscina ou tanque destinado à purificação de animais que eram sacrificados e que era por esse mesmo motivo conhecida como "piscina probática" (do grego "probatikón"."Depois. a saber: . pelo menos 21 são relacionados a pessoas portadoras de deficiências físicas ou sensoriais. Jesus fez mais de 40 milagres notórios."Mestre.Marcos 7:31-37 . Foi exatamente nesse ambiente que Jesus realizou um dos seus famosos milagres. Marcos 1 :40-45e Lucas 5:12-14 . rogo-te para que olhe para meu filho.Mateus 12:22 .Mateus 8:1-4.Lucas 1 7 :1 3-1 9 . mantinha-se verdadeira multidão de enfermos.Cego em Betsaida . que o povo hebreu -.e com ele quase todos os povos ao seu redor – estava acostumado não apenas à existência das doenças e das deficiências que levavam o homem a uma vida de quase certa indigência ou total dependência.Marcos 9:16-26 e Lucas 9:37-43 . Esse foi um dos muitos milagres a nós transmitidos pelos evangelistas. porque é o único que eu tenho e um espírito imundo se apodera dele e subitamente dá gritos e o lança por terra e o agita com violência.Cego e mudo (endemoniado?) .Hidrópico .Dois cegos de Cafarnaum .Mateus 15:29-31 . Deles todos.Mateus 12:9-13.João 5:14 -.Mateus 9:32-34 .João 9:1-7 . Lucas 9:38-39 -. por exemplo. ou seja. pois apenas o primeiro que ali se banhasse teria seus males curados. -. carneiro ou relativo a ovinos em geral). quando possível. como se pode bem imaginar. um momento muito esperado. coxos. beneficiando um homem paralítico há 38 anos e que nunca havia conseguido ser o primeiro a chegar às águas de Betsaida por não ter pessoa alguma que o ajudasse.Mateus 15:29-31 . várias vezes ao dia um anjo de Deus ali descia para "movimentar as águas". fazendo-o espumar". os mais explícitos são os Evangelhos. ele aguardava os primeiros sinais da paisagem de seu destino quando.Outros deficientes na Galiléia . Saulo teve que ser "levado pela mão" à cidade à busca de ajuda. como era costumeiro no seio do povo hebreu.Mateus 8:5-13 . Cego ao levantar-se. ouvindo uma voz que se identificava como de Jesus Nazareno. muito embora estejamos acostumados a visualizar um Saulo de Tarso caindo de fogoso cavalo.Paralítico de Cafarnaum . Para uma análise objetiva do que sucedeu. conversou com ele.*A cegueira de São Paulo.Mateus 9:1-8. Saulo foi severamente atingido. física e psicologicamente.Paralítico em Betsaida . Essa viagem. Ela teve seu início com um evento universalmente conhecido que o deixou cego por três dias. Alguns acham que ele foi vitima de um ataque epilético. segurando os mantos dos apedrejadores para melhor executarem sua tarefa. Esse tipo de cegueira acontece devido aos reflexos do sol na areia branca do deserto ou aos reflexos na neve. pois estava doente e não podia nem beber nem comer por três dias. devido às dores nos olhos. sob sol ardente e muito brilhante. Apóstolo* A conversão de São Paulo tem sido considerada por todos os cristãos como um fato decisivo na história do Cristianismo. Este é um efeito biótico e a recuperação do estágio agudo requer vários dias de convalescença. tocou-o e ele recuperou sua visão. não pode abrir seus olhos e sofre com muitas dores e ansiedade. A vitima fica temporariamente cega. Na verdade. considerada então uma verdadeira heresia na Sinagoga Judaica. deles emergindo como um novo homem. Virtualmente fechado em ambiente escuro por todo esse tempo. "O efeito no olho é cumulativo e Paulo deve ter recebido mais do que suficiente radiação. O que parece certo é que.foi apedrejado. Marcos 2:1-12 e Lucas 5:17-26 . Cansado e tenso. além de um convicto perseguidor dos adeptos da nova seita do Nazareno que se afirmara Filho de Deus. é de pouco mais ou menos 200 quilômetros.Paralítico servo do centurião . entre Jerusalém e Damasco. intervenção miraculosa à parte. segundo seus relatos. o que não corresponde à realidade daqueles tempos. Saulo havia sido por diversos anos um fervoroso fariseu. podendo a intensa luz por ele relatada ter sido a aura que antecede esses eventos médicos. quando o primeiro mártir da incipiente religião -. Diversos médicos e estudiosos escreveram a respeito do fato que modificou drasticamente a vida de Saulo de Tarso. especialmente quando olhou para o céu. demandava de seis a sete dias de marcha. Ao final dessa cansativa viagem. A caravana cruzou o deserto pelas colinas da Samaria. esteve não só presente como também indiretamente ajudou na execução da pena. Pode ter parecido a ele um verdadeiro milagre quando Ananias entrou.Santo Estêvão -. com certeza muito abalado com sua cegueira que provavelmente associava a um castigo divino. é preciso conhecer um pouco as circunstâncias por ele vividas. O que deve ter acontecido com os olhos de Saulo de Tarso? Autores categorizados acham que sua cegueira temporária foi causada pelos efeitos nocivos de muita irradiação solar sobre os olhos.João 5 :5-9 . Há outros que especulam em torno de problemas relacionados a uma artrite ou mesmo malária. tão envolvido estava Saulo que.. Fica inutilizada e é compelida a . é natural que Saulo estivesse preocupado com sua missão. causando alguma queimadura da córnea por raios ultravioletas. numa caravana de camelos. a ele confiada pelo sumo sacerdote através de cartas às sinagogas de Damasco. Em primeiro lugar é básico considerar que a distancia percorrida por Saulo.Mateus 15:29-31 -. quase toda ela coberta por um deserto de areia branca e de natureza inóspita. viu uma luz muito forte e caiu ao chão. Saulo foi inicialmente atendido por solícitos adeptos da "seita do Nazareno". num calor fortíssimo. malária. Na confusão estabelecida. não se sabe) indefinido e marcante que não diminuiu em nada o seu entusiasmo na transmissão da doutrina de Cristo. escrever e mesmo reconhecer pessoas a certa distância.. A tradução corresponde às palavras na Vulgata. 3. de Manchester e Manchester). E foi considerado irreverente pela mais alta autoridade da Sinagoga Judaica. um dos quais seria sua própria informação quanto à sua letra provavelmente maior ou diferente do que a costumeira: "Vejam com que letras eu lhes escrevi com minhas mãos" (in Epistola aos Gálatas) e "Minha saudação da mão de Paulo: que é minha marca em toda carta. irmãos. com os quais convivera bastante: "Sabeis que ao princípio vos preguei o Evangelho com enfermidade na carne: e sendo eu a vossa provação na minha carne. em grego).conforme comenta o Apóstolo Paulo -acabou não se esquecendo de um ser portentoso prejudicado por uma deficiência física séria.. Para os cristãos o fato concreto é que. São Paulo tinha algumas dificuldades para ler. ele foi questionado se estava maldizendo o sumo sacerdote. o homem grego. A variedade de deuses e deusas que habitavam o portentoso e. Relembremos uma pequena frase sua inserida na carta aos cristãos de Gálata. por exemplo. que era o sumo sacerdote". artrite. chama de "espinho da carne". . Neste ponto ele afirmou: "Não sabia. Todavia. Paulo reagiu e qualificouo de "parede caída". Os Gregos Em grande parte devido à inexistência de bases científicas para melhor compreender a vida e a natureza. Vejamos. "nevoso Olimpo". como o epitélio se regenera com rapidez. conseqüentemente por centenas de deidades.manter-se no leito. Na fantástica mitologia de tantos deuses de vários escalões e de tantos seres fantasiosos. o que talvez indique grave redução de sua acuidade visual. mas que sempre foi de certa maneira ridicularizado. por ordem de Ananias. a sensível córnea nua volta a ser coberta e então o paciente vive uma brusca e dramática recuperação como viveu Paulo" ("The Blindness of Saint Paul". logo após o evento que levou Saulo de Tarso a três dias de cegueira. o deus do fogo. Parece também evidente que São Paulo foi vítima de um mal crônico e desagradável que. o homem grego antigo sentia-se envolvido por muita fantasia e por uma infinidade de pequenas crenças e. Paulo olhou o aglomerado de sacerdotes e não distinguiu a presença muito importante do sumo sacerdote Ananias. ou que o haviam abandonado em busca de mais tranqüilidade e da proximidade dos ambientes a eles dedicados. além de envolvido pela estrondosa risada da maioria de seus fisicamente magníficos colegas do Olimpo. Conviveu o resto de seus dias com alguma deficiência parcial da visão e certamente com algum outro mal (epilepsia. é bem indicativo desse estado de espírito. São Paulo viveu todo o resto de sua vida com algumas seqüelas do mal e isso é perceptível ao analista cuidadoso por alguns sinais. A tradução aqui também leva em conta a Vulgata latina. bastante competente em seus misteres. que era filho de Zeus e de Hera. vós não me desprezastes nem rejeitastes" (Gal. da metalurgia e das indústrias. ele mudou drasticamente e foi um dos maiores esteios da Cristandade. das artes manuais. o fato narrado nos Atos dos Apóstolos (23:1 a 6): Levado diante do Sinédrio para esclarecer graves acusações feitas contra ele. tanto assim que recebeu uma bofetada na boca tão logo começou a falar. 4:13/14). Tratava-se de Hefesto (Hephaestos. Assim escrevo" (in Eprstola aos Tessalonicenses (2a ). em suas cartas. nas palavras de Homero. mas que acabou influenciando seus pensamentos e suas pregações. em latim. ao final). além de dedicar altares a um Deus Desconhecido -. "Debulhada em lágrimas Tétis respondeu: . Ao pé dela. para encostar à parede. pois. logo após Heitor. e por ter com elas aprendido um verdadeiro ofício. Eu teria.. É Tétis que observa: "Mas tuas belas armas estão nas mãos dos Troianos. e que certamente viveu em épocas anteriores ao século VII a. que queria esconder-me porque eu era coxo. que me acudiu quando o sofrimento me acometeu. sua presa". a deusa Tétis. em torno de uma sala bem construída". de sua deficiência física nas pernas e de suas altíssimas habilidades em metalurgia e artes manuais. Tétis...*As deficiências na mitologia grega* Homero. além de presilhas. depois da longa queda provocada por minha mãe de olhos caninos. o mais famoso dos grandes poetas gregos. além de todos os demais acessórios invejáveis pela sua beleza e perfeição e que eram propriedade de Aquiles. vem como estás. Ele pede o auxílio de sua mãe. o próprio Heitor de fúlgido capacete tem-nas sobre os ombros e com elas se paramenta".. com tais palavras."Hefesto. dizendo: ". perca a vida e pague por Pátroclo. segundo relatos baseados na tradição e em diversos escritores antigos.Morra eu neste instante. então. Após acomodar a veneranda deusa Tétis em um trono cravejado de prata. durante nove anos. que foi cego. Hefesto. sofrido muito. de alígeros pés: . é autor dos poemas épicos Ilíada e Odisséia. Quando chegou ao Olimpo. é uma deusa temida e veneranda que está em minha casa. a menos que Heitor.. o momento fatal soará para ti".. Eurínome. esposa do insigne coxo"). mostra-se mais do que disposto a pagar pelo imenso favor recebido durante anos a fio. suado.C. ferido primeiro por minha lança.. notou nas oficinas um deus trabalhador. visto que não fui capaz de proteger da morte meu companheiro". . a deusa da primavera. a formosa Cáris. No Canto XVIII desse famoso poema ele narra uma das mais conhecidas intervenções desse deus portador de deficiência: o quase invulnerável Aquiles. No entanto. cálices de flores e colares". espirais de formosas curvas. elmo. muito chocada com a tragédia de seu filho-herói. de fato Aquiles não tinha mais armas.. escudo e espada.Rápido será teu destino. filha do Oceano. agradecido por ter sido amparado e amado. "Encontrou-o suando. filho de Menetes. um verdadeiro operário da metalurgia com deficiência física. que volta sobre si mesmo. "respondeu o ilustre coxo:--Sim. Homero apresenta neste poema Hefesto casado com a belíssima Cáris ("Cáris de brilhante toucado. considerou a determinação de Aquiles e foi à procura do único "imortal" capaz de fazer armas próprias e dignas para ele: Hefesto. forjei muitas jóias bem feitas em profunda gruta. empenhado no fabrico de nada menos de vinte trípodes. nem a ficar entre os homens. meu filho. durante o cerco de Tróia encontrava-se muito abatido com a morte de seu amigo Pátroclo e ao mesmo tempo enfurecido com o líder troiano Heitor não só por tê-lo morto como também por tê-lo despojado de armadura. se Eurínome e Tétis não me tivessem recebido em seu seio. pois o corpo de Pátroclo havia sido despojado de todos os magníficos apetrechos de guerra que tornara o filho de Tétis um incrível herói. Na Ilíada ele nos revela algumas particularidades interessantes a respeito de Hefesto. "Acabrunhado retrucou Aquiles. não me incita a viver meu coração. Tétis precisa de ti". Cáris chama o marido: -.-. tuas armas de coruscante bronze. apressando-se à volta dos foles.. feito com arte. sem qualquer apelação. Hefesto planejou com muito cuidado a armadilha para o estabelecimento de um flagrante incontestável: fabricou uma rede quase invisível. Sabedor do adultério de sua mulher. uma vez que as deusas. foi um escritor cego. Naturalmente que estamos apenas analisando cenas de pura ficção.) Na Odisséia. "Vestiu uma túnica. ao passo que eu sou defeituoso de nascença.todos eles do sexo masculino. de Homero. Hefesto fabricou então um escudo que Homero chega a descrever com muitos pormenores. Homero apresenta Hefesto casado com Afrodite. que melhor teriam procedido se não me houvessem gerado". habitantes do Olimpo" (trechos do Canto VIII da "Odisséia". como agora aconteceu: este cambeta Hefesto. debaixo dele agitavamse-lhe as pernas finas" . surgiu uma observação de alta valorização das habilidades de Hefesto. Eram forradas interiormente de couro e amarradas à perna por correias. A pedido da desesperada mãe de Aquiles. segundo Homero. Mas a culpa não é minha. A parte externa era de bronze ou de estanho. segundo a tradição.. mesmo que porta dor de uma séria deficiência e na justa explosão desse mesmo homem face à traição e à desonra de que foi . sem qualquer possibilidade de escapar. de Homero). pai. bem-venturados e sempiternos. belo. lento como é. mas que foram escritas diversos séculos antes da Era Cristã. a deusa do amor (a Vênus dos romanos). mais brilhante do que o esplendor do fogo. furiosamente ciumento. Não deixam de ser palavras de certa forma indicativas da crença na utilidade de um homem competente. deus da guerra (Marte para os romanos). de fato. por eu ser coxo. apenas de meus genitores. havia-se enamorado de Afrodite e começara a encontrar-se com ela em sua própria casa. vinde aqui presenciar uma cena ridícula e monstruosa. O que havia sucedido para tanto? De fato o assunto era sério. logo após Hefesto sair para trabalhar em suas oficinas. para que neles ficassem retidos os dois amantes". e fabricou-lhe "cnêmides".. Hefesto. magoado e ardiloso. presos na rede invisível que os puxara para o alto. ela ama Ares.. Afrodite. encimando-o um penacho de ouro. por pudor. mas de "laços inquebráveis. coxeando"."Zeus. pois Ares. Pode ser bela. sendo observados por outros deuses -. apanhou com seus artifícios a Ares. mas não tem vergonha". E continuando com a descrição das fabulosas peças de armamento. inextricáveis. de contínuo me cobre de desonra. fabricou-lhe espesso capacete adaptado as têmporas. afirma: "E depois de ter forjado o escudo grande e robusto.". ( * “Cnêmides” eram perneiras usadas pelos gregos. enorme. com o estanho que se modela bem ("Ilíada". E. Acresce a isso dizer também que Homero. da bigorna ergueu-se manquejando o ser monstruoso.. o mais veloz dos deuses. empunhou um grande cetro e encaminhou-se para a porta. sentia-se vilmente traído devido à sua deficiência física e explodiu para todo o Olimpo ouvir: -. que havia acionado a armadilha por suas próprias mãos. haviam preferido ficar fora. Todos eles riram muito dos dois amantes e no meio dos comentários bastante humanos para os portentosos imortais."De que aproveitam as más ações? Um coxo alcança o que é ágil. Homero entra em alguns pormenores quanto ao vexame imposto a Ares e Afrodite. e todos os deuses restantes. fabricou para Aquiles uma couraça. a rede foi colocada cuidadosamente sobre o leito e prendeu os dois na hora exata. o destruidor. filha de Zeus. o artífice deficiente: -. trechos do Canto XVIII).. pois o engenhoso Hefesto preparara tudo para a invisível rede ser puxada para o alto. "a minha rede os reterá cativos até que o pai dela me restitua todos os presentes que lhe dei por sua descarada filha. Protegiam a parte dianteira da perna até o joelho. mostrando todo o seu ressentimento devido à deficiência nas pernas de uma forma bem franca e muito aberta.. porque é belo e tem as pernas direitas. deixou-os debatendo-se no ar. Segundo as lendas Hefesto teve vários filhos e um deles. e mandou que lhe fosse entregue durante uma festa. Cáris. é conhecedor de seus direitos e sabe lutar por eles. Hefesto sempre foi considerado um deus importante. tendo-se considerado no direito de lhe dar uma lição completa. como outros homens jamais poderiam arquitetar. Refinado como era.. com Afrodite. recusou-se a sair de sua gruta e deixou os demais deuses tentar livrar Hera inutilmente. Perifetes foi um bandido. Teseu. Hefesto dava-se importância e sabia o que lhe convinha. Seu casamento com Afrodite foi conseqüência de um ardil muito bem preparado. Perifetes. e muito orgulhosa sentou-se no trono. Logo após. Arquitetou uma terrível vingança contra ela: fabricou-lhe um lindo trono de ouro.o que talvez indique certa crença popular de que alguns defeitos físicos podiam ser hereditários. os braços. Hefesto parece sempre justo. na Odisséia.*Lenda e realidade. Demonstram elas também uma posição já arraigada no seio do povo grego de que crianças com defeitos de nascimento não deveriam sobreviver. conforme verificaremos mais adiante. todo trabalhado. segundo o poema Ilíada. -. como vimos. Vejamos os mais notórios: . devido à apresentação de Hefesto como o deus da metalurgia e das artes manuais. sentiu-se presa. Ao tentar levantar-se. porém. e de um atribulado afeto por Afrodite. que não estava presente. tinha o mesmo problema físico do pai -. e nada mais. Hefesto. Afinal. apoiado num trabalhado bastão que ele mesmo fabricara. ou seja. agarrada por mãos invisíveis. inventara duas estátuas feitas de ouro e que muito se assemelhavam a duas lindas jovens. -. o fabuloso ferreiro e artesão parava para lavar o rosto. mantendo-se a classe dos artesãos sob sua proteção. Desfrutava de um amor tranqüilo de uma linda deusa da primavera.. o deus da cura. impondo uma única condição: casar-se com a mais bela de todas as deusas. Vale ressaltar que na cidade industrial de Atenas. sério. vestia uma túnica limpa e. quando recebia visitas de importância. Hefesto está representado no símbolo da Associação de Avaliação Profissional e de Ajustamento ao Trabalho dos Estados Unidos da América do Norte. terminando com o pavor que rondava Epidauros e os devotos de Asclépios. fortemente competente em sua arte e muito cônscio de seu papel. sendo obrigação dos pais não as deixar viver. Hefesto na vida dos gregos* Quanto a seus traços principais. ia sentar-se em seu trono. E. arrancou-lhe o terrível bastão com que matava suas vítimas. assaltante de estradas. Hefesto concordou. Conquistara o respeito dos deuses pelo seu trabalho e suas obras. tomando para tanto medidas práticas. face à insistência de todos. Analistas dos poemas de Homero têm sugerido que. que se movimentavam e falavam. cuidava de sua aparência com esmero e procurava reduzir as dificuldades provocadas por sua deficiência nas pernas de um modo bastante sofisticado. Primeiramente. Durante os nove anos que passara sob a proteção de Tétis e Eurínome. Hera ficou contentíssima por ouvir a respeito do filho que já considerava morto há anos. Segundo as lendas. Hefesto guardou consigo um profundo ressentimento contra sua mãe devido ao fato de o ter feito cair do alto do Olimpo.vítima. o pescoço e o peito. e que ficavam ao seu lado para tornar mais cômodos todos os seus movimentos! . Diferentemente do pai.*Outros seres mitológicos e as deficiências físicas e sensoriais* Existem diversas deidades e seres um tanto quanto irreais que estão inseridos na mitologia grega e que apresentam algumas anomalias ou deficiências que por vezes são sua característica principal. o destruidor de monstros. a profissão de ferreiro e atividades afins talvez fossem especialmente preferidas por homens com deficiências físicas nas pernas. Preferiu a primeira opção. pois os irmãos da repudiada Cleópatra que faziam parte da expedição dos Argonautas. As amputações traumáticas das mãos. as figuras dos deuses do Amor e da Fortuna são eventualmente apresentadas como pessoas cegas. revelando aos homens as confidências e as intenções dos deuses moradores no Olimpo. e teve um filho. como era facultado aos homens fazer. figura que chegou aos nossos dias e é muito utilizada em nossos meios jurídicos. Tereu começou a prestar mais atenção à sua linda cunhada e ficou apaixonado por ela. sem estar consciente do relacionamento que havia entre eles. e) Fineu. Casado com a filha do rei Bóreas. Foi castigado pelos poderosos imortais a fazer uma opção: viver uma longa vida sem visão ou morrer. Ao descobrir toda a verdade. mandou vazar os olhos dos dois. Mandara. entretanto. Todavia Filomela encontrou um meio convincente de apontar o culpado. Essa proibição ocorreu depois do corajoso rei ter tomado atitudes bastante agressivas contra o mencionado culto. do Amor e da Justiça: Segundo afirmam os especialistas em mitologia grega. outro rei da Trácia: Igualmente mitológico. contando todo o drama. No entanto. o Deus da Riqueza". tanto para o povo quanto para os soldados que procuravam garantir a sobrevivência e a pujança de sua pátria. Com o passar dos anos. Tirésias. As duas irmãs passaram a perseguir ferozmente a Tereu que. Matou o próprio pai para poder casar-se com a mãe. Esta casou-se com Tereu. Serviços médicos na área militar não atendiam apenas a soldados gregos e seus aliados mas também a prisioneiros com problemas de mutilações ou com doenças graves. teve com ela dois filhos. Depois de algum tempo de casado repudiou a esposa. vazaram seus olhos. Um dos mais marcantes exemplos dessas apresentações ocorre com a peça "Plutão.a) Deuses da Fortuna. o famoso construtor das muralhas de Tróia. encontramos muitos indícios de medicina bastante evoluída e da organização de diversos serviços de saúde. rei da Trácia. o rei Édipo arrancou os próprios olhos e viveu o resto de seus dias em total isolamento. braços e pernas ocorriam com . com o auxílio de outros seres mitológicos. deus do vinho e correspondente ao Baco dos romanos. rei mitológico da Trácia: Foi castigado com a cegueira por ter proibido em seu reino o culto a Dionísio. Esta não gostou dos filhos adolescentes de Cleópatra e logo encontrou meios para acusá-los de terem tentado violentá-la. c) Filomela e Procné: a andorinha e o rouxinol: Segundo lendas que cercam essas duas figuras da mitologia grega. e casou-se com Idéia. com a ajuda do adivinho cego. Tendo-a em determinada circunstância forçado a ter com ela relações amorosas e notando sua revolta. sem fazer qualquer averiguação. cujo nome era Itys. em épocas anteriores ao surgimento do Cristianismo. por exemplo. muito furioso e intempestivo. Cleópatra. numa atitude de autopunição e desespero. o castigo prometido pelos deuses chegou quase que imediatamente.*As deficiências físicas na realidade da vida militar grega* Na Grécia Antiga. Nela o temido senhor das profundezas do inferno é um mendigo cego e sobre ele falaremos mais adiante ao analisarmos Epidauros e sua importância na vida grega. cortou-lhe a língua para impossibilitar a formulação de alguma acusação de sua parte. -. b) Édipo e sua tragédia: Uma figura trágica das muitas e coloridas histórias e lendas gregas é aquela de Édipo. Todos nós conhecemos também a apresentação simbólica da Justiça como uma jovem cega. Pandion era rei de Atenas e tinha duas filhas muito belas que eram Filomela e Procné. abusava dos seus poderes de adivinhação. d) Licurgo. arrancar de seu reino todas as vinhas e maltratara pessoalmente o famoso e muito popular deus do vinho. Fineu. Bordou uma toalha com figuras. de autoria de Aristófanes. conseguiu transformá-las em pássaros para sempre: Procné tomou a forma de um rouxinol e Filomela de uma andorinha. filha de Dárdano. poeta Lírico com deficiência física* Nascido na Ática em meados do século VII a. competia ao Estado proteger os pobres. e em seu pedestal mandou gravar estas palavras reconhecidas que só foram descobertas muitos séculos após.freqüência nos campos de batalha devido aos combates corpo-a-corpo e ao uso de armas cortantes. ou também por acidentes os mais variados. A ele a deusa sugeriu um misterioso tratamento que deveria ser aplicado no famoso arquiteto acidentado. Mnésicles não ficou paralisado pelo resto de seus dias por mera sorte.os mutilados ou deficientes devido a ferimentos ou a acidentes próprios da guerra e de atividades afins.. Para as pernas havia algumas proteções por meio das já citadas "cnêmides". os miseráveis e. de maneira direta. na Grécia Antiga havia três tipos de pessoas com deficiências: . Não só para Aristóteles. estancar o sangue ou outras providências que poderiam salvar vidas em perigo. Ocorriam também ferimentos com pancadas violentas e armas penetrantes.os prisioneiros de guerra com deficiências físicas. Lâminas ameaçadoras que eram colocadas nos eixos dos carros de combate eram um dos perigos de amputações ou ferimentos sérios.. . que certamente impediam muitos ferimentos mais sérios em guerreiros importantes. que àquela oportunidade comandava os destinos da cidade-estado de Atenas. cuja mutilação ou deficiência era causada por uma pena ou castigo. quase sempre no meio deles. tão vital para a glória da poderosa Atenas. Um caso que passou para a História Grega ocorreu com o famoso arquiteto Mnésicles. caiu de um dos andaimes. Segundo nos relatam os historiadores e analistas da História Grega.C. -. Às vezes ferimentos graves eram tratados na retaguarda com óleo fervendo e alguns escapavam com vida a tais tipos de tratamentos. Péricles mandou erigir uma linda estátua de bronze da deusa salvadora no próprio lugar da queda. Dentre os acidentes da vida civil (na vida industrial e também na forte construção civil gregas) os acidentes de trabalho ocorriam com bastante freqüência devido à falta de medidas de segurança ou de proteções especiais. Hemorragias eram estancadas por vezes com ferro em brasa ou com o cobre superaquecido. ou os detentos criminosos civis. que no ano 435 a. . Médicos destacados para servirem nos exércitos de então acumulavam rapidamente larga experiência. Entretanto o misticismo grego conta-nos uma história interpretativa diferente. pois ela apareceu num sonho a Péricles.os deficientes civis por doenças congênitas ou adquiridas. apesar de disporem de parcos recursos para aliviar dores. os portadores de deficiências devido a qualquer causa. mas para muitos pensadores e políticos gregos. devido às escavações: THEY ATHENAI HIGIEIAI (A Athena Salvadora) -. Com a sua recuperação miraculosa.*Tirteu. ao inspecionar as obras de construção da monumental propiléia da Acrópole de Atenas. Segundo alguns autores. Tirteu é identificado pelos historiadores como um dos poetas líricos elegíacos iâmbicos mais expressivos da Grécia Antiga. Aristóteles já indicava que "é mais fácil ensinar a um aleijado a desempenhar uma tarefa útil do que sustentá-lo como indigente". .C.*As principais causas de deficiências na Grécia Antiga* Na antigüidade clássica praticamente todos os povos chegaram a desenvolver atividades de assistência pública devido à insuficiência daquelas prestadas pela população. Na abalizada opinião do Professor Pournaropoulos. afirmando que quem o salvou foi a deusa Athena (Minerva para os romanos). cuja figura física seria inaceitável nas elites de Esparta. Existiam provisões especiais relacionadas à alimentação. de Plutarco). citado pelos historiadores como inimigo ferrenho dos chamados Trinta Tiranos. o deus dos oráculos e também do canto. o que o tornou muito aceito nos meios atenienses mais cultos. não lhe dando. Mas os espartanos respeitaram a indicação. Lysias faz comentários a respeito de diversos problemas das pessoas que tinham mutilações ou que apresentavam algum tipo de deficiência. em Atenas e em Esparta .rivais famosas . mesmo naquelas épocas surgiam elementos viciosos que procuravam tirar proveito das situações e tentavam indevidamente se enquadrar nessas vantagens. Conta-nos sua quase lendária história que durante a Segunda Guerra Messênica os espartanos foram obrigados a fazer aos atenienses um pedido incomum: precisavam de um general para comandar suas forças. pois viram naquele homem. . Nesse discurso. e essa mesma lei foi usada mais tarde para uma outra semelhante. O historiador grego afirma que essa famosa determinação legal "foi promulgada devido ao fato de Térsipo ter ficado inválido. como as que eram conseqüentes a uma lei de Sólon (640 a 558 a.determinações oficiais que davam aos soldados feridos e seus familiares vantagens de diversas naturezas.) que determinava: "Soldados feridos gravemente e os mutilados em combate serão alimentados pelo Estado". nas cidades de Atenas e de Esparta. por exemplo. de Pisistrato" ("Sólon". embora sofresse bastante com as limitações físicas marcantes que o obrigavam a claudicar significativamente. historiador e moralista grego. Havia. Plutarco (45/50 a 125 d. Eis um de seus cantos que chegaram até nós: "Que honra para o jovem valente ser morto pelo seu país com a espada em sua destra" (Apud Pournaropoulos).). mas que tais provisões não tinham sua origem tanto na sensibilidade de Sólon a respeito do problema geral dos soldados mutilados durante as muitas batalhas nas quais Atenas estava continuamente envolvida.Trabalhou no inicio de sua vida como professor de uma escola ateniense.C. No entanto.). maiores qualificativos.*As leis que favoreciam as pessoas deficientes* Na História Grega existem citações relativas à assistência destinada a pessoas deficientes que são muito mais claras e específicas do que aquelas encontradiças em culturas anteriores. E faz referências irônicas . sem nenhum conhecimento de vida militar e um mero poeta. No entanto. a compreensão mais aguda do problema que o grande estadista demonstrara originara-se do conhecimento que tivera das dificuldades vividas por alguém que Plutarco chega a identificar em sua obra apenas pelo nome.C. Os atenienses ironicamente mandaram aos espartanos o poeta Tirteu. como podemos deduzir de um interessante discurso de Lysias (459 a 380 a. Houve. Na prática Tirteu provou ser muito competente em sua missão inusitada. determinações que davam aos soldados e seus familiares vantagens que todo o povo considerava como justas.C. Explorou a interpretação indicada e as diversas conotações da mesma. Adotou uma linha de valorização da coragem dos soldados espartanos em todos os seus cantos de guerra. Na verdade. porém. conduzindo-os dessa forma à vitória final contra seus inimigos. mas devido a uma clara indicação do sagrado oráculo de Delfos. manco como era. contemporâneas ou posteriores. orador extremamente eloqüente. não porque inexistissem homens capazes na aguerrida Esparta. um verdadeiro sinal de Apolo. afirma que esse tipo de lei favorecia pessoas consideradas incapacitadas para obtenção ou a garantia de seu próprio sustento. por muitos séculos. o poeta Tirteu viveu numa época em que a poesia era muito valorizada. Existe.*A medicina grega e as deficiências físicas* A Grécia Clássica foi a pioneira dos movimentos de assistência médica à sua população civil. e os médicos gregos. Nomes famosos como os de Asclépios (Esculápio para os romanos). A cidade-estado de Atenas tivera meio século após o discurso de Lysias para achar uma fórmula mais objetiva de atendimento aos deficientes.000 pessoas alimentadas às expensas do governo ateniense. seja examinado pelo Conselho e que seja concedido a cada um deles. Demócedes de Crotona. já havia mais de 20. Um pequeno exemplo poderá muito bem ilustrar essa procura e ao mesmo tempo a velada disputa existente entre médicos egípcios. Nota-se pelo estudo da História Grega que esse beneficio foi aos poucos sendo estendido a outras pessoas portadoras de deficiências ou de incapacidade para o trabalho. médico renomado que muitos anos após sua morte foi transformado no próprio deus da medicina. no qual médicos egípcios pontificavam. . Esse discurso chegou até nossos dias e é intitulado. durante muitos séculos. afirmou taxativamente aos membros do Conselho Ateniense: "O Conselho passará agora a examinar o problema dos deficientes. Defendia-se. devido a muitos tipos de deficiências e doenças. que quase levou um rei famoso a uma séria deficiência física. E existe um tesoureiro dos deficientes. um direito adquirido pela prestação de serviços à Pátria. Hipócrates e Cláudio Galeno. que não se tratava de mero paternalismo nem de esmola oficializada pelo Estado.).aos pseudo-deficientes perante o Senado Ateniense. pois seus mais famosos e competentes homens eram avidamente procurados por reis e pela nobreza de vários paises vizinhos. "Uper tou Adunatou" (Em favor do deficiente). designado para tal" ("Constitution d'Athène". independentemente da causa do problema. de Aristóteles). dois óbulos por dia para sua alimentação. um dos maiores sábios de todos os tempos. devido ao fato de por muito tempo terem sido considerados como os mais competentes e mantenedores de renome soberbo. fez com que a medicina grega penetrasse no Império Persa. correspondendo a 20% da população total de Atenas. na língua grega. Aristóteles (384 a 322 a. de fato. A questão deve ter deixado as autoridades e mesmo o povo ateniense bastante preocupados não só com o franco desmascaramento dos falsos deficientes. O indivíduo tinha seu caso estudado antes de receber os óbulos estabelecidos e ao início da aplicação desses planos não ocorreram muitas fraudes.C. portanto. Em seu trabalho relativo à constituição de Atenas. intitulado no grego "Athenáion Politéia". Pérsia e outros mais. enriqueceram o cabedal de estudos sobre medicina e também sobre questões ligadas direta ou indiretamente a deficiências físicas e sensoriais. Na época em que Aristóteles chamou a atenção do Estado para o problema. . Um acidente na área da ortopedia. mas também com a necessidade de garantir a sobrevivência dos heróis atenienses do presente e do passado e daqueles outros que certamente iriam se prejudicar fisicamente em defesa de Atenas. abrangendo eventualmente os pobres em geral. Roma. também muito famosos por séculos. Percebe-se. Dentro dos objetivos deste trabalho. na verdade. É do conhecimento geral que a medicina grega não conheceu fronteiras. tais como do Egito. uma lei que estabelece que todo ateniense cujos bens não ultrapassem três "minás" e cujo corpo esteja mutilado ao ponto de não lhe permitir qualquer trabalho. procuraremos restringir a pesquisa às atividades ou personalidades de alguma forma relacionadas a deficiências físicas ou mentais sérias e também ao eventual tratamento dispensado aos portadores de algum tipo de deficiência na Grécia Antiga. às expensas do Estado. Eródicos. Segundo estudiosos dos trabalhos de Hipócrates. médico grego nascido em Crotona. e além disso. lá estabelecendo-se com o mais absoluto sucesso e abrindo caminho para muitos outros médicos gregos no Império Persa. perguntou aos gritos se ele pelo menos entendia um pouco de medicina. irritado sobremaneira pelo seu próprio problema e pela decepção face à sua esperança naquele médico grego sobre o qual seus auxiliares vinham falando há dias e que poderia tirá-lo daquela desconfortável situação de incapacidade física. quando todos aos seu redor já sentiam que a irritação do soberano persa poderia fazer rolar algumas cabeças. orgulhoso soberano persa. para depois. que vivera em Atenas e na ilha de Samos onde havia aprendido e praticado medicina.também uma antecessora da fisioterapia.).Heródoto que nos relata que Dario I (521 a 486 a. fraturas. foi ele que deu início à árdua tarefa de separar a superstição e o misticismo da realidade dos fatos em medicina. apresenta em muitos de seus trabalhos várias descrições e análises sobre males incapacitantes ou limitadores. Demócedes. todo inchado e dolorido ao extremo.C. Mal vestido. mandasse seus servos buscar açoites e instrumentos de tortura. tendo sido um dos fatores decisivos na finalização dos planos de Dario I para a invasão da Grécia à qual sempre pretendeu voltar e nela se radicar. sujo e cheirando mal devido às circunstâncias de sua verdadeira caçada para ser levado ao rei. Demócedes. Diante da negra perspectiva. Além disso o grande mestre da medicina indicava como fazer o tratamento por meio de massagens. Demócedes tornou-se muito rico e famoso desde então. respondeu que não. inclusive de assustados médicos egípcios. Segundo a opinião de alguns estudiosos da história da medicina. No oitavo dia ele não suportava mais as dores e o desconforto de não poder nem dormir e. já limpo e sem grilhões. especialmente no tratamento de alguns males misteriosos para aqueles afastados séculos. Hipócrates. uma incipiente fisioterapia . luxações e males afins e acabaram piorando o problema de Dario. foi um dos principais mestrês de Hipócrates (460 a 377 a. foi Eródicos o primeiro médico mais famoso que começou a utilizar técnicas de tratamento que ele mesmo chamava de "ginástica médica".e fazê-lo voltar a andar. médico grego de vastíssima experiência. às pressas e também à força. Dario. Mesmo assim o desesperado Dario fez questão de ficar sob seus cuidados.C.). Os médicos de sua corte . Dentre eles destacamos a espondilite. não causou boa impressão.todos eles egípcios por preferência e exigência do próprio monarca eram adeptos de técnicas um tanto violentas para casos de deslocamento. Usou ungüentos e remédios que conhecia graças à sua experiência na Grécia. de seu lado muito preocupado em poder voltar à Grécia. mas que seus conhecimentos eram muito limitados e jamais poderiam chegar aos pés daqueles dos médicos-sacerdotes egípcios ali mesmo presentes. Sua famosa máxima . arrastando ruidosa e acintosamente seus grilhões de prisioneiro. que antes ouvira falar de sua vasta competência em medicina. O médico grego transformou-se no médico favorito de Dario.*A medicina de Hipócrates e as deficiências* Eródicos. tendo tomado antes a sábia decisão de fazer o irritado Dario dormir. começou por usar métodos mais suaves para recuperar o dolorido pé do monarca persa. a escoliose. de calor e de sua "ginástica terapêutica" . recuperá-lo . . Por sete dias e sete noites ele ficou sem dormir devido às fortes dores no pé. confessou que entendia um pouco de medicina e que vivera um pouco com um outro médico grego. por um tratamento mais prolongado e menos traumatizante. o deslocamento congênito da bacia. foi levado à sua presença. Demócedes.impedindo uma eventual amputação . ao descer num salto arrojado de seu cavalo durante uma caçada. por seu lado. O que ele não esperava é que Dario. torceu violentamente o pé. curandeiros e charlatões dos nossos tempos. o medo.*Cláudio Galeno e sua importância* Nascido mais de cinco séculos após a morte de Hipócrates. portanto. Hipócrates dedicava-se à medicina como um todo. que certamente deu relevante contribuição ao assunto graças à sua vasta experiência. .. tão comum nos oráculos. na minha opinião. a importância já dada a medidas preventivas generalizadas. muitas vezes até sugerida ou confirmada por homens dedicados à medicina. como em geral a de todas as doenças mais graves.. a epilepsia. Dentre eles destaquemos cerca de 30 doenças relacionadas à visão. Os gregos e muitos outros povos que viviam no século IV a. que conhecesse bem uma infinidade de problemas médicos e seus remédios. Sobre esse assunto Hipócrates diz textualmente: "Na minha opinião pessoal. Foi exatamente sua relevância que o levou a fazer dela menção expressa em uma de suas obras mais importantes. a superstição e a crendice que levavam o homem a crer em sua sobrenaturalidade. com a mesma causa que dá origem a cada uma das doenças". Lidou. tem usado aparelhos mecânicos que fortificam seus membros" ("Politics". possui a mesma natureza das demais. "Sua origem. Não sabendo e não possuindo medicamento algum que os possa auxiliar. com males que levavam também a deficiências físicas ou sensoriais. a fim de que sua profunda ignorância não chegasse a manifestar-se".C. um outro médico grego que teve grande influência no desenvolvimento da medicina como um todo e que também . como a de outras."O fato é que a causa dessa afecção. homens que se gabam de possuir grande devoção e não menor sabedoria.. ou seja. de Aristóteles). escondiam-se e abrigavam-se por detrás da superstição. portanto. a fim de preservar seus frágeis membros de defeitos. A afirmação taxativa do grande filósofo grego é esta: "Todos os movimentos aos quais as crianças podem se sujeitar em idade tenra são muito úteis. entretanto. pois tinha causas naturais. É de se ressaltar. não sendo nada estranho. A tradução do grego para o inglês utiliza as palavras "mechanical appliances". "Mas essa doença. não passava de um mal que não era nem sagrado nem divino. Hipócrates insistia que o famoso "mal divino".*Hipócrates e suas idéias quanto à epilepsia* Com relação a um dos principais e mais misteriosos problemas causadores de muito séria marginalização. a adoção de medidas preventivas de defeitos físicos em crianças de pouca idade. reside na hereditariedade" .. nos sacerdotes e mesmo nos imperadores da antigüidade nas mais variadas culturas e povos.*Adaptações para prevenir deformações em crianças* Já era do tempo de Hipócrates. Eram a ignorância. principalmente por não saberem como tratá-la. . reside no cérebro" (Apud Tavlor). usavam certos tipos não identificados de recursos artificiais que são citados por Aristóteles meio século após a morte de Hipócrates. aqueles que primitivamente deram a essa doença um caráter sagrado eram feitos mágicos."divinum opus est sedare dolorem" (aliviar a dor é uma obra divina) durante muitos séculos levou muitos homens dedicados à ciência de curar a continuamente procurar métodos mais humanos e menos dolorosos durante procedimentos cirúrgicos. exorcisadores. enquanto que a versão francesa adota a palavra "machines" para o mesmo vocábulo grego. não é mais divina do que qualquer outra.. Mas. segundo afirmação de Aristóteles. chamando a essa doença de sagrada. de um modo especial nas amputações causadas por lesões de origem traumática. .. durante os quais acumulou enorme experiência. por exemplo. o deus da metalurgia. na Grécia. então. Seus poemas são verdadeiros quadros: que lugares. mas que podem ser superados graças à força de cada um: "Homero era cego. "skoliosis". passando a maior parte de sua vida em Roma e outras paragens do Império Romano .o que não era de estranhar nos séculos do apogeu romano. de Cícero). Posteriormente. mas não se poderá sê-lo sem dominar idéias verdadeiras. já notamos a grandiosidade de suas obras Ilíada e Odisséia . devido à sua competência. afirmou Cícero quando analisava os males que aparentemente podem tornar uma vida miserável. o útil do inútil. que estratégias de batalhas. "sobre a tranqüilidade da alma". de Cícero). o que ele mesmo não havia nunca visto! O que é. dentre vários outros. Dele.). fazendo incidir seus raios sobre seus olhos (Apud Cabanès). Seus trabalhos e sua relatada experiência sobreviveram a ele e foram quase dominantes em medicina durante muitos séculos da Idade Média. após. para melhor meditar. o justo do injusto. o grande do pequeno. o leitor certamente apreciará a lembrança de Demócrito e de Homero.C. escreveu-as com títulos interessantes. o honesto do desonesto. Trabalhou muito em fisiologia experimental. segundo a tradição.) foi um físico e filósofo grego. não podia mais distinguir o branco do preto. tais como: "kyphosis". na cidade de Pérgamo. Foi primeiramente médico de arena dos famosos circos romanos. devemos procurar tudo de bom que o mundo pode ter. que praias. . Sempre muito envolvido no atendimento a casos de ortopedia. "lordosis". mas distinguia o bem do mal. Em seu modo de ver. que se notabilizaram e passaram mesmo para a História. Pode-se ser feliz sem distinguir a verdade das cores. que manobras navais. Embora suas obras mais famosas não tenham chegado até nós. que faltou a esse grande gênio não mais do que a outros homens verdadeiramente sábios. Diz a lenda que. foi promovido para médico imperial e também para professor de medicina. "sobre a natureza do homem". quase quatro séculos após sua morte. Demócrito (470 a 360 a. como.C. Esse homem acreditava até que a visão era um obstáculo às operações da alma" ("Tusculanae Disputationes". Escreveu sobre várias paralisias. .trabalhou com situações de deficiências físicas foi Cláudio Galeno (131 a 201 d. pois expusera à luz do sol por muito tempo uma placa de cobre brilhante. após perder a visão. que movimentos de homens e de animais são tão fielmente retratados pelo autor. "sobre as causas da harmonia celestial" e outros. A respeito desse grande poeta grego. para aproveitar todos os prazeres de que a alma é capaz?" ("Tusculanae Disputationes". Demócrito havia inutilizado seus próprios olhos. que parece nos colocar sob os olhos. dentro de um otimismo moderado e sem esquecer dos problemas inerentes a ele. foi o primeiro a utilizar certos termos médicos identificadores de males e que são até hoje empregados.ao falar de Hefesto. como é fácil de imaginar pela sua vida juntos aos circos romanos e a legiões diversas. que tipos de combates. que paragens da Grécia. chegando a ser usados em diversas escolas de medicina até o século XVII.*Demócrito e Homero: homens cegos e muito famosos* Dos homens gregos portadores de deficiências ou de limitações. tendo estudado a fisiologia patológica de maneira mais cientifica do que a anteriormente conhecida. Quanto a Homero. foi destacado para ser médico de várias legiões romanas por muitos anos. escreveu Cícero: "Demócrito. muito famoso. mas um castigo também. Retratando ou não a viabilidade da função de adivinho ou oráculo ter sido bastante desempenhada por pessoas deficientes. . Trata-se de duas cabeças do grande orador que nos dão a nítida impressão de que ele tinha lábio leporino do lado esquerdo. conforme tivemos oportunidade de ver anteriormente: um ser superior com deficiência nas pernas e indicado como exímio artífice e magnífico ferreiro. Segundo as lendas. a um tempo. .*Demóstenes e seus pouco conhecidos problemas* Homem famoso e importante do século IV a. lá enchendo sua boca com pedrinhas para discursar acima do barulho das ondas. ressaltemos que o esforço para a superação dos problemas que afetavam Demóstenes duramente foi bem maior do que o imaginado por muitos séculos já passados após sua morte. um pouco mais adiante citaremos casos reais que comprovam essa possibilidade. segundo os historiadores. o garoto perdeu seus pais muito cedo e sua fortuna foi malbaratada pelos seus tutores. Lenda provavelmente indicativa dos costumes e usos da sociedade de então. . Gaguejava muito. As lendas acrescentam que mesmo após a morte. seja qual for o assunto que seu coração lhe inspire" . do próprio Hades (mansão dos mortos) para onde foi. . proveniente da vila de Tebas. anexando uma cópia de foto da peça em questão e afirmava àquela ocasião. Há uma terceira figura citada por Homero na Odisséia: Tirésias.*Pessoas deficientes trabalhando citadas em obras gregas* Homero faz diversas citações de pessoas portadoras de deficiências desempenhando funções com grande sucesso. o privara da visão e lhe concedera o melodioso canto" ("Odisséia". Demóstenes. Homero afirma também que Demódoco era "entre todos querido da Musa. pois. De fato. obteve uma grande vitória sobre os problemas de comunicação que o afligiam. entre outras coisas: "Lembrando que Demóstenes costumava descer à beira-mar. chamando sempre a atenção de seus concidadãos para o perigo contínuo dos espartanos. Inserido em diversas outras obras. Bien. foi Tirésias que colaborou com o rei Édipo na descoberta das origens e circunstâncias de seu nascimento. foi o orador e político ateniense. de Homero). Outra figura citada pelo mesmo autor relaciona-se a um contador de histórias e de rapsódias. Saul M. cinco séculos antes da época de Hipócrates.C. do Instituto Gugenheim de Pesquisa Dentária da Universidade de New York. Se a hipótese de Bien estiver correta. a fim de vencer a dificuldade. Ao que parece ele colocava pedrinhas na boca e gritava ao arrebentar das ondas. ocorreu-me que com toda a certeza o objetivo era conseguir uma pedra lisa e plana que serviria como um obturador para uma possível fissura palatal associada com presumível defeito no desenvolvimento labial". a história de Tirésias confirma a crença de que a cegueira não era só um mal. "ao qual. Ele ficara cego por ter revelado à humanidade os segredos do Olimpo. o bem e o mal. no entanto. a qual lhe dera. mais do que a ninguém.. Tirésias continuou a fazer adivinhações. publicou na revista médica The Lancet uma interessante carta ao editor. além de cantor de voz agradável: Demódoco. Era um adivinho cego. a divindade outorgou o dom de deleitar com seus cantos. de Londres. conforme vimos em páginas anteriores. algumas dúvidas quanto à extensão dos males que de fato afetaram Demóstenes durante toda a sua vida e a mais séria delas nos é sugerida por duas obras de arte existentes no Museu Britânico. Embora tenha nascido de família bastante abastada. pois chegou a tornar-se um dos mais enfáticos oradores atenienses. O jovem Demóstenes tinha sérias dificuldades para falar correntemente. Existem. o que levou o infeliz monarca a arrancar os próprios olhos. Uma dessas citações fala de Hefesto. Heródoto fala-nos a respeito de diversos adivinhos. apesar dos extremos cuidados do pai por muitos anos. considerou outros homens já mortos como mais felizes do que Creso. eclipses do sol ou da lua. tremores de terra. o mais feliz dos homens* Creso é uma figura conhecida na História dos povos que gravitavam ao redor da Grécia. como os ventos. que são apenas uma ilustração retirada das obras de Homero. O próprio Homero é um incrível exemplo de competência. sendo por ele condenado à morte.*Creso. Apreciou tanto seu modo de ser que o recomendou a Cambises. rei dos persas. ninguém poderia afirmar com segurança que este ou aquele homem era o mais feliz durante sua vida. superando a deficiência que o mantivera mudo até então. nos anos 480 a 479 a. sendo vítimas da epilepsia (o famoso "mal sagrado") ou de cegueira. o filho de Creso. soberano dos persas.). Deveria ser decapitado na presença do filho surdomudo e de sua corte. de espada levantada. ou mesmo dando interpretações instantâneas a alguns sinais da natureza. consultando-o antes de movimentar suas tropas para um combate.C. desde que exercendo funções à sua altura. ia desferir o golpe mortal. . do Egito e de outros países mais fortes e pujantes do século VI a. pitonisas e adivinhos. quer examinando as entranhas de animais sacrificados. O outro filho. dois problemas seríssimos que provaram a teoria de Sólon. Muitos deles tornaram-se famosos no exercício de sua função. conforme comentamos anteriormente. considerava-se para todos os efeitos o homem mais feliz de todo o mundo. trovões. Foi em certa ocasião visitado por Sólon (640 a 558 a. Os exemplos citados acima. empanando de vez a sua felicidade: teve dois filhos. logo a seguir. por exemplo. deixam-nos a impressão de que pessoas deficientes tinham seu lugar na sociedade produtiva grega. Raramente decisões de importância eram tomadas sem que esses canais de comunicação com os deuses fossem consultados. durante a fortíssima campanha do rei Xerxes. seu sucessor. do qual já falamos. de Herodoto). Segundo o velho legislador ateniense.C. Foi rei da Lídia entre 563 e 548 a. quase todos eles verdadeiros recados cifrados dos deuses consultados que admitiam algumas interpretações. não mate Creso!" Ciro ficou tão impressionado com a reação do garoto e com a coragem demonstrada por Creso que mandou soltá-lo e recebeu-o como um de seus conselheiros. embora impressionado com a sua riqueza. na maior parte dos casos.. A infelicidade sempre poderia surgir repentinamente.As aplicações da vida prática nas obras literárias são muito comuns e certamente influenciaram também os escritores gregos. O costume era tão arraigado e tão levado a sério que cada comandante mantinha ao seu lado um adivinho incorporado e pago pelo governo. . No momento em que o carrasco. quer analisando o vôo dos pássaros. sendo Megístias um . Alguns desses adivinhos eram portadores de deficiências as mais variadas. contra a Grécia. um dos sete sábios de Atenas. já com mais de 75 anos de idade que. num emocionante gesto de amor filial.*A importância dos oráculos e adivinhos na vida grega* Todos os historiadores gregos transmitem-nos uma nítida impressão da crença que todo o povo e mesmo todas as autoridades depositavam nos oráculos e nas mensagens transmitidos por sacerdotes.C. E Creso teve de fato. da Pérsia. tido como riquíssimo. morreu acidentalmente durante uma caçada em companhia de amigos e nobres da corte de seu pai.C. e. "um dos quais vitimado por uma desgraça de nascença: era surdo-mudo" ("História". Creso teve também a infelicidade de ver seu reino invadido e dominado por Ciro. raios. gritou: "Soldado. Conta-nos Heródoto: "O adivinho Megístias. que eles deviam perecer no dia seguinte. em vista da advertência de um oráculo cercavam esses rebanhos do maior cuidado. fazendo. de Apolônia. Heródoto continua a narrativa. Disseram que eles próprios tinham enviado os lobos e que continuariam a vingá-lo até que os Apolonitas reparassem a sua injustiça para com ele. vá dizer aos espartanos que aqui morremos em obediência às suas ordens" . com a intenção de adquirir outros animais para substituir os que haviam sido devorados pelas feras. quer pelas suas posses. Seguia esse adivinho o heróico grupo dos 300 espartanos de Leônidas que. . tendo consultado as entranhas das vítimas. Despertando e vendo o que acontecera. Tomando assento ao seu lado. cidade situada no golfo lônio.deles. de nome Deifono. A credibilidade do adivinho era tal que Leônidas ordenou às suas tropas de apoio (4. Passavam eles a noite numa gruta afastada da cidade. guarda dos rebanhos sagrados. a fim de sondá-lo quanto à sua maneira de sentir com relação à pena que lhe fora imposta. Mas depois que lhe vazaram os olhos. Durante o dia esses rebanhos pastam às margens de um rio que desce do monte Lácmon.. Os lobos. eles próprios concederiam a Eveno um dom que o faria parecer a muitos um homem verdadeiramente feliz". puseram-se a falar-lhe sobre coisas banais. devoraram cerca de sessenta animais.*A história de um adivinho famoso que era cego* Outro adivinho mencionado por Heródoto na mesma obra. Contudo. que lhes foi dada sob sigilo. filho de Eveno. que passo a relatar. condenando-o a perder a vista. e na manhã do dia seguinte realizaram sacrifícios aos deuses. sendo-lhes favoráveis os augúrios deduzidos do exame das entranhas das vítimas.. nas palavras do próprio Heródoto. Os emissários foram encontrar Eveno sentado numa cadeira. Eveno resolveu ocultar o fato. informando: "Ante essa resposta. comunicou aos gregos que guardavam o desfiladeiro das Termópilas. ao romper da aurora" ("História". Eveno.000 homens de cidades aliadas à causa) para se retirar naquela noite mesmo. cegando Eveno. escolhido todos os anos entre os cidadãos da mais alta categoria. Os profetas. mas à noite são guardados por um habitante da cidade. de Heródoto). aos poucos. recair a conversa sobre a desgraça que o atingira. indignados. chegou a bloquear por vários dias o imenso exército do poderoso Xerxes. entrando na gruta. adivinho muito mais famoso e que era cego. tendo sido escolhido para essa missão. os Apolonitas incumbiram alguns de seus concidadãos de irem à procura de Eveno. Essa calamidade lhes havia sido predita pelo oráculo de Dodona e de Delfos. no estreito das Termópilas. a quem aconteceu estranho fato. responderam constituir aquilo uma punição pela injustiça que haviam cometido. terminando por perguntar-lhe como receberia uma reparação dos . os rebanhos deixaram de procriar e a terra cessou de produzir frutos. na Ilíria (hoje Albânia). seus trezentos espartanos e o próprio Megístias que não quis abandonar seu rei. submeteram Eveno a julgamento. era filho de Eveno. quer pelo nascimento. Quando isso se desse. Existem na cidade de Apolônia rebanhos consagrados ao sol. E lá deixaram uma mensagem famosa e tocante que hoje está inscrita no belo monumento ali existente: "Caminhante. os Apolonitas vieram a ter conhecimento da verdade e. A história de Eveno. dormiu quando devia velar. consultados sobre a causa de tamanha desgraça. atravessa aquela cidade e desemboca no mar perto do porto de Órico. é esta: "Durante todo aquele dia os combatentes gregos mantiveram-se em repouso. permanecendo no local apenas ele. Tinham eles por adivinho Deifono. com mais de três milhões de soldados. originário de Apolônia. pois os Apolonitas. por ter dormido quando devia estar vigilante. aparecendo como agregado às tropas de Xerxes. em muito boas relações com Esparta. tendo conseguido escapar à perseguição dos lacedemônios. todavia.. lhe concedessem terras. deixando aos gregos a sensação de que finalmente Leônidas havia sido vingado. Gostaria também que lhe dessem a mais bela casa da cidade. Na terceira noite de caminhada chegou a Tegéa. se eles se mostrassem dispostos a assim proceder. ao final da grande luta contra os gregos. cujos nomes citou. na opinião de Heródoto. . depois de ter examinado se poderia libertar dos entraves o resto do pé. devia ser executado após inimagináveis torturas. general comandante dos persas na Grécia. Achava-se com os pés presos em entraves de madeira guarnecidos de ferro. os deuses lhe concederam o dom da adivinhação. passou a usar pés de madeira e tornou-se inimigo declarado dos lacedemônios" ("História". Posto. com o que ele adquiriu grande celebridade" ("História". a "Peste Antonina" e uma outra. Servindo-se de um instrumento cortante. apesar das buscas dos lacedemônios. e qual a que ele considerava mais justa no caso. que alguém. Logo depois. por volta de 479 a. . seccionou a parte do pé acima dos dedos. Hegesístrato trabalhou como adivinho de seus exércitos sendo muito apreciado e admirado por Mardônio. que não se mantinha. Eveno. lhe havia trazido. respondeu que. "Eveno . adivinho grego* Hegesístrato de Eléia é considerado como o adivinho "mais célebre das Telíadas". praticou um ato de incrível temeridade. obedecendo às ordens do oráculo. se os Apolonitas. de Heródoto). Eveno mostrou-se bastante contrariado por haver sido enganado. ocorrida a invasão de Xerxes. caminhando durante a noite e escondendo-se durante o dia nos bosques. mantendo com isso o exército persa parado por 10 dias.os Apolonitas lhe concedem. que ocorreu no século III d. refugiou-se em Tegéa. como a prisão estava guardada. Com tais compensações ficaria satisfeito. "Assim Hegesístrato. não lhe deu ouvidos. Os persas retiraram-se para a Tessália de onde prosseguiram. fez um buraco na parede e fugiu. Vaticinara maus resultados para a batalha de Platéia. Diversos anos após.*Peste Ateniense: o terror generalizado* Dentre as epidemias graves. ou "pestes" como foram muitas delas conhecidas.C. em reparação ao mal que lhe causaram. podemos destacar três na antigüidade: a "Peste Ateniense". Curando-se dos ferimentos praticados em si próprio. então. Posto a ferros. mas os seus desejos foram satisfeitos.C. até a Pérsia. consideradas as melhores de todo o país. . Mardônio. entretanto. sem dúvida. que se mostraram bastante espantados com a audácia do fugitivo ao verem nos entraves a parte dos pés mutilados". pois os Apolonitas adquiriram as propriedades que ele havia escolhido e fizeram-lhe presente delas. sem nome. naquela ocasião. que ignorava a resposta do oráculo. entrou na batalha e foi morto. Depois de ter praticado a mutilação e retirado o pé. a reparação que exiges pela perda da visão". de Heródoto). em retirada.disseram os emissários . cessando as suas queixas contra os seus concidadãos". Vários anos antes disso. Heródoto nos conta que "encontrando-se em tão triste situação e tendo antes de ser executado de sofrer ainda os mais cruéis tormentos. escolheria as de dois de seus concidadãos.*As próteses de Hegesístrato. ao corrente dos fatos que se seguiram à sua punição.Apolonitas. os espartanos haviam capturado Hegesístrato que era apenas um rebelde que combatia continuamente a Lacedemônia. Deixou um elevado número de vítimas com deficiências físicas. de Xenofonte). Podia-se também impedir os pés de congelar movimentando-os. No enorme esforço coletivo para viabilizar o retorno de todo aquele infeliz exército.*A atenção a soldados feridos ou doentes.). a famosa obra de Xenofonte (430 a 355 a. ). Anábase. que começou em Cunaxa. tido como o mais brilhante dos historiadores gregos. Podia-se proteger os olhos do brilho da neve colocando diante deles um objeto negro enquanto se marchava. ficaram totalmente privados da memória" ("Histoire de la Guerre du Péloponèse".A "Peste Ateniense" teve uma testemunha ocular muito precisa no historiador Tucídides (471 a 395 a. onde Ciro foi morto em acirrada batalha. Esses homens eram sempre colocados e protegidos na retaguarda e ocasionalmente participavam das escaramuças com as tribos de montanheses. uma vez que as circunstâncias da marcha contínua não permitiam deixar ninguém para trás. cita os suprimentos e bens abandonados e imediatamente capturados e repartidos com um grande alarido pelos bárbaros que os perseguiam muito de perto. Ela ocorreu no ano 428 a. pelo menos com seus gritos furiosos e com o barulho infernal que podiam fazer batendo espadas e lanças contra seus próprios escudos.C. Essa famosa "marcha para o norte".000 mercenários gregos contratados por Ciro.um relato pormenorizado sobre a retirada de 10. mantinham as marcas da sua passagem. os dedos das mãos e dos pés. e que poderão ser ilustrativas quanto ao tratamento e à atenção dispensados aos soldados fisicamente prejudicados em batalha. . podemos imaginar a dramática situação vivida pela totalidade de seus homens e acompanhantes. de Tucídides). como um de seus comandantes. muito embora as batalhas fossem sempre sanguinolentas e os tipos de armas então utilizadas levassem a incontáveis riscos não só de perfurações graves ou fatais. e nela tomou parte o próprio Xenofonte. de Xenofonte* Raros são os autores gregos que analisam ou mesmo fazem qualquer menção ao problema dos feridos ou doentes nos exércitos da Grécia Antiga. atacava os órgãos sexuais.C. enfim. outros pela perda dos olhos: outros.C. Tucídides nos conta com muita clareza: "Se se escapava dos problemas mais graves. Muitos livraram-se dela com a perda desses membros. sempre perseguidos por destacamentos das forças de Artaxerxes II ou pelas tribos habitantes das montanhas do Turquistão e da Armênia por onde passaram. nesse caso. como também de cortes profundos e de amputações. e matou mais de 20 mil dos 100 mil habitantes de Atenas. Faz menção àqueles que haviam ficado cegos ou que tinham tido membros amputados devido ao congelamento. durou cinco meses entre 401 e 400 a. cobertas de neve. . que disputava com seu irmão Artaxerxes II a coroa do Império Persa. não os deixando em repouso e tirando o calçado antes de dormir" ("Anábase". Em sua narrativa cristalina Xenofonte fala de relance no sério problema dos soldados doentes ou feridos. Descrevendo a pressa em subir as montanhas e em escapar dos desfiladeiros perigosos.C. que a relatou em sua obra "A Guerra do Peloponeso". o mal atingia as extremidades que. "Deixamos também para trás os soldados que a neve havia cegado ou que o frio havia congelado os dedos dos pés. É nessa obra que podemos encontrar algumas referências à questão dos feridos e dos doentes. O drama ficou muito mais forte quando tiveram que enfrentar os perigos das montanhas próximas ao nascedouro do Eufrates. Encontramos em "Anábase". uma séria luxação. mas nem todos os autores o confirmam. Alexandre foi filósofo. . Tanto isso é verdadeiro. para as tarefas de sapateiro.). cabia às mulheres lutar e aos homens. Alexandre III. o Grande: sua atenção a soldados com deficiência* Um dos maiores gênios militares que a Humanidade já conheceu. Foi educado por Aristóteles. sem dúvida. nessa estranha e semi-fantasiosa cultura comentada por vários autores. Na verdade. melhores condições para manuseio do arco e da flecha. Ignoro se a referência é verídica.e dentre eles estavam os que podiam ser considerados como deficientes . se as crianças fossem mutiladas durante a infância" (Apud Moreno).*Homens com sérias luxações nas pernas: sapateiros. mas o que é certo é que as coisas aconteceriam mesmo assim. Enquanto ela não chegava para transportar os 8. criou o chamado Império Grego que ia desde os limites da Índia. Além de monarca e comandante militar."os soldados com mais de 40 anos.C. A etimologia da palavra não é muito segura. rei da Macedônia de 336 a 323. seu pai. . Eventualmente encontramos informações de que Alexandre sofria de epilepsia. "embarcamos os doentes" . as mulheres e a carga supérflua". ferreiro e outros ofícios sedentários. em sua obra sobre as articulações tece comentários bem específicos e muito claros quanto a deformações provocadas pelas Amazonas em seus filhos do sexo masculino que excepcionalmente ficavam com as respectivas comunidades. mas também feito muitos amigos e aliados. ferreiros. especialmente contratado por Felipe da Macedônia. ao Norte. em outras nações e terras distantes. transformá-los em coxos. após cinco meses de marcha para o Mar Negro. até a Cítia. habitavam a região da Capadócia.600 homens e seus acompanhantes que haviam sobrevivido à travessia. .Nota-se em certos pontos do livro IV a preocupação e o carinho para com esses homens feridos ou doentes. os primeiros a embarcar para a pátria nos navios ali mesmo disponíveis foram os doentes e alguns outros componentes das forças gregas. Heródoto e mesmo Hipócrates. havia não apenas conquistado terras e reinos. Diz o grande sábio: "Contam que as Amazonas provocam. Ao Sul atingia o Egito e o Golfo Pérsico. e de impedir que os homens conspirem contra as mulheres. dificultando com isso o seu crescimento e dando a cada uma delas. Eram mulheres guerreiras que. que. servem-se elas depois desses deficientes como trabalhadores. desde a infância. em seus filhos do sexo masculino. As histórias relatam que as mães superaqueciam metais e outros objetos para deixá-los durante longo tempo bem próximos ao seio direito das meninas. homem que respeitava os usos e costumes dos povos subjugados e repleto de dignidade. para ser criada. as crianças. tendo chegado às costas e se instalado com certa tranqüilidade por um mês. Morreu com apenas 33 anos de idade e ao final de sua curta vida. quando adultas. uma vez que toda criança do sexo masculino praticamente era levada ao próprio pai. sapataria e ferraria nos são transmitidas por Hipócrates ao comentar sobre a sociedade das Amazonas. segundo algumas lendas. tais como Homero. mas há os que afirmam tratar-se de antiga composição grega para o correspondente a "sem seio".*Alexandre. decidiuse buscar a ajuda dos navios gregos. Hipócrates. a Leste. desenvolver trabalhos manuais sedentários em situações especiais. o Grande (356 a 323 a. com objetivo de. Segundo palavras de Xenofonte. seja nos joelhos seja nos quadris. seleiros* Informações interessantes sobre a utilização de homens com deficiências físicas nas profissões de selaria. sempre foi muito apreciador dos esforços e dos sacrifícios feitos por seus soldados. perdendo as forças. escreveu ao seu lugar-tenente Antípater. com todo um aparato de segurança. porém. Finalmente desferiram-lhe um golpe de cacete na nuca. Asclépios. caiu de joelhos: aquele que havia desferido o golpe correu depressa com a cimitarra desembainhada na mão. juntamente com os demais companheiros. Foi durante violento ataque a uma fortaleza de tribos conhecidas como "malianas". por todos os recursos à sua disposição. o Grande". discorda dessa tradução. no auge da batalha. o Grande". por meio de uma escada. foi um caso todo especial e que merece toda a nossa atenção. deixando-o atordoado" ("Alexandre. quando ela cedeu fragorosamente. segundo ele. "após lhes haver dado magníficos presentes. de Plutarco). enquanto o próprio Alexandre matava o bárbaro com suas próprias mãos. tendo em certa ocasião ficado quase cego devido ao seu envolvimento. tornar o seu deus específico o mais eficaz e o mais poderoso possível. o Grande. Tanto isso é verdade que. coroados de flores e quis ainda que as crianças órfãs dos que haviam falecido. de Plutarco). dentro do tema que estamos . e daquele ponto mesmo enfrentaram a multidão de inimigos e seus golpes violentos. Limneu morreu na hora e Peceutas enfrentou-o. Com o barulho do guerreiro e de suas armas batendo fortemente no chão. atualmente em território da Índia. mas logo voltaram-se para verificar se ele ainda vivia. Forrest. uma vez que.*Asclepéia de Epidauros: seu significado para pessoas deficientes* Conforme analisamos anteriormente. depois de ter recebido várias feridas pelo corpo todo. Alexandre passou alguns dissabores com seus principais comandantes devido a esse plano. reconhecido como o deus da cura e da medicina. mas acabou por fazê-los retornar todos à pátria. Pois bem. ao seu serviço. É Plutarco que nos conta com pormenores coloridos o acontecimento. que apagou sua visão por um bom tempo" (Apud Forrest) Alexandre foi salvo pela imediata afluência de soldados macedônios. e mesmo depois de instalado o Cristianismo. próximos que estavam de uma grande árvore.. recebessem o soldo de seus pais" ("Alexandre. os sacerdotes e sacerdotizas procuravam. que em todas as assembléias de jogos e de divertimentos públicos. um ano antes de morrer procurou mandar de volta à Macedônia. mas Peceutas e Limneu lançaram-se à sua frente e foram ambos feridos. "os doentes e os inválidos. agarrado que já estava ao alto da muralha. eles fossem preferidos e se sentassem nos melhores lugares. Alexandre. Alexandre e apenas dois companheiros encostaram-se contra a muralha. mas permaneceu muitos dias entre a vida e a morte. devido a uma corruptela de pronúncia. O destemido rei dos macedônios estava tentando galgar um dos lados da muralha que defendia as instalações. . que os romanos. todos fugiram para os lados. ali permaneceu e não teve outra alternativa a não ser saltar no meio dos inimigos que contra ele atiravam setas e pedras. "O golpe foi tão forte que ele. a influência dos deuses foi marcante em praticamente toda a vida da Grécia Antiga.Alexandre sempre foi muito participante da vida e das agruras sentidas por seus comandados. esse inimitável herói da história greco-macedônica que foi Alexandre. Mais do que ninguém conhecedores disso.. Chegaram a ferir seriamente Alexandre com um golpe que furou sua armadura na altura do peito. que haviam perdido algum membro na guerra" . "Alexandre recebeu um violento golpe na nuca com uma pedra. muito mais tarde passariam a chamar de Esculápio. E o ataque sobre ele foi feroz. . no próprio grego. Em sua grande maioria os templos de Asclépios localizavam-se em pontos de alta salubridade devido ao ar muito puro. da escritora norte-americana Taylor Caldwell. a mais de doze quilômetros do porto de Palaia Epidhavros. não é de admirar que eles fossem sempre médicos muito experimentados que guardavam em segredo fechado um verdadeiro e surpreendente monopólio de conhecimentos passados muitas vezes de pai para filho. E o visitante não pode deixar de ficar admirado com a extinta pujança daquilo que por séculos diversos foi reconhecido como a "Asclepéia de Epidauros". Quanto ao templo e às diversas instalações adjacentes de Epidauros. uma descrição minuciosa de Epidauros do século I a. Lemos no estudo biográfico romanceado sobre a vida de Marco Túlio Cícero. do ginásio que contava até com piscina. de males misteriosos e tidos como incuráveis e de deficiências das mais variadas naturezas. Ali surgiam continuamente pessoas com artrite. Baseou-se também em muitas discussões com sociedades históricas e arqueológicas gregas. de uma construção adjacente ao templo e conhecida como "abaton" e também de um hospital. cegos.do estádio esportivo. podemos admirar apenas suas ruínas. vitimas de paralisias. chegou a representar um campo de observação e de prática da medicina antiga dos mais sérios de toda a Grécia Clássica. Por essa razão. reumáticos. em consonância com documentos históricos sobre o assunto. muitos outros templos e alguns deles considerados como muito importantes. o santuário recebia continuamente pessoas portadoras de males os mais variados e muitos de natureza grave. e muitas de suas instalações. de um muito sofisticado e complexo templo circular conhecido como "tholos". para pessoas vítimas de doenças crônicas. ilhas e mesmo nações as mais diversas que recebiam a influência grega. de Tricca e de Cós. Vários pontos dessa descrição dos ambientes são muito importantes para melhor entendermos o real significado do conjunto de construções chamado de Santuário de Asclépios. do próprio templo de Asclépios. Segundo a autora. e era o último recurso para aqueles que haviam sido abandonados ou desenganados pelos médicos como casos incuráveis ou sem qualquer possibilidade de solução. casos de gestação difícil. mudos.procurando analisar. Diz ela em seu famoso livro que o "santuário de Asclépios. mas quase que totalmente inserido num ambiente fechado e muito místico no qual a fé nos poderes de Asclépios desempenhou um papel de fundamental importância. A escritora valeu-se de uma vasta documentação.C. Tratavam os casos não apenas com atenção e carinho de um sacerdote ou autoridade religiosa. mas com avançados conhecimentos de medicina. contando com templos em cidades. tais como o de Pérgamo. às águas termais e algumas outras condições que hoje caracterizam em geral as "estações hidrominerais". mas toda uma comunidade". surdos. e levando-se em conta o cerimonial adotado pelos sacerdotes para permitir a aproximação ao famoso deus da cura e da medicina. Foram escavadas. Epidauros. vítimas de picadas de aranha ou de cobra. visitas aos locais e conhecimentos acumulados por estudiosos especializados nas ruínas e no antigo funcionamento de Epidauros. intitulado "A Pilar of Iron". no entanto. parcialmente restauradas e tombadas as ruínas de seu teatro – famoso e muito bem conservado. Seu templo mais famoso foi aquele localizado em Epidauros. vítimas de acidentes com seqüelas graves e muitos outros. de uma espécie de hotelaria. ao sul da Grécia de nossos dias. deficientes mentais. ou "hiéron". não era apenas um templo religioso e miraculoso. devido ao seu movimento contínuo e permanente afluência de casos médicos que durou mais de quatro séculos. casos de doenças degenerativas. sendo considerado como um dos melhores de toda a Grécia de hoje . conhecido em todo o mundo civilizado. vila situada a nordeste do Peloponeso. Havia. eram elas consideradas como o próprio símbolo do deus Asclépios. a pretexto de regras do culto.após um período de preparação já citado e que poderia durar alguns . O templo de Asclépios. Cuidavam para que tudo corresse bem para os fiéis. A seus pés. No nível inferior ficavam os casos de pessoas impossibilitadas de andar ou que provocavam sérios empecilhos para seu transporte e no superior havia acomodações para os casos menos graves. No frontão do templo havia uma vistosa estátua de Niké. Após esses trabalhos iniciais e caso o devoto cumprisse todos os requisitos iniciais. conforme poderá ainda hoje ser observado nas próprias ruínas ali expostas. era de um estilo dórico puro. Há alguns estudiosos de Epidauros que afirmam ser a separação em níveis correspondentes à distribuição por sexo. dietas especiais. E ao fundo. ficava um trono no qual estava a bela imagem de Asclépios. orando ou entoando cânticos sacros. caso o devoto tivesse condições de cura. ajudando os enfermos ou as pessoas devotas. Os médicos-sacerdotes ficavam conhecendo todos os casos com antecipação e. para sacrifícios de animais). Dentre esses ambientes físicos especiais é necessário destacar o chamado "abaton" e o próprio templo do deus Asclépios. Serpentes sagradas e não-venenosas eram olhadas com extremo respeito em seus raros e ocasionais passeios pelos cantos do templo ou pelo arvoredo que o cercava . eram ali mantidos para a vigilância e salvaguarda do templo. todo construído em colunadas praticamente ao lado do templo. Para todos os fiéis que desejavam uma aproximação a Asclépios havia condições previamente estabelecidas pelos sacerdotes tanto para entrada no templo como para utilização do "abaton". pois além de serem considerados animais sagrados. com uma das mãos segurando um bastão e a outra pousada sobre a cabeça de uma serpente sagrada. A entrada principal do templo era bem ampla. com cinco colunas dóricas e contava com uma rampa de acesso. todo cercado de colunas. um cão sagrado. sacrifícios ao deus. do "abaton" e da "propiléia" do famoso templo. medindo 25. conforme podem ainda ser notadas nas ruínas existentes em Epidauros. a meio caminho da nave. ele era aceito para passar uma noite no "abaton". sendo internamente dividido em dois níveis. O devoto portador de um mal ou de uma deficiência.*O sistema de funcionamento de Epidauros* Desde a entrada do templo até o trono de Asclépios. em marfim e ouro. iniciavam um tratamento prévio através de ritos purificadores incluindo neles os banhos medicinais.*As famosas instalações de Epidauros* Analisemos um pouco suas instalações. Seu teto era todo forrado com táboas de cipreste. em ambiente intencionalmente misterioso. . dormindo sobre uma pele de animal sacrificado ao deus ou sobre um catre. evitando zelosamente para que ali dentro não sucedessem nem mortes nem nascimentos.50 metros de comprimento e 13 metros de largura.. Eventualmente alguns cães cruzavam o local. em Epidauros. sacerdotes e auxiliares espalhavam-se por todo o ambiente. Rampas de acesso eram também usadas nas instalações do edifício conhecido como "tholos". O piso da nave do templo era acabado em mármore branco e preto. em ambiente suavemente rebaixado e cercado por leves degraus. possibilidades eventuais de volta ou necessidade de orientações para cura mais demorada. O altar interno do templo (havia o altar externo. e em geral desenganado por médicos . Suas paredes eram construídas de pedra rebocada de branco. rosto sereno. a deusa da vitória. O primeiro é um amplo pórtico. jejuns. era de mármore branco. levemente iluminado por lamparinas. O recinto sagrado propriamente dito ("hiéron") contava com algumas áreas especiais.ou deles desiludido . donativos ao complexo sagrado e outros tipos de intervenção que procuravam ligar intimamente aos ritos de aproximação ao "abaton". .Ele é. Vejamos. procurando um oráculo para encontrar a riqueza." (Apud Edelsteinl Carion. como se fossem mensagens diretas do próprio Asclépios. dormia uma noite no local conhecido como "abaton". descuidar das medicações ou das providências que vinham adotando desde a chegada do devoto ao santuário.*Plutão. .Ouça. . . Portanto.Mas agora ele virá. Ela nos fala de perto a respeito dos problemas das pessoas com deficiência à busca de cura para seus males. o Deus da Riqueza". ao perseguir e dominar um mendigo cego.Não seria melhor chamarmos um médico? Cremilos . levando o homem muito infeliz então. sendo preparado por alguns métodos hipnóticos ou pelo consumo de alimentos ou poções soníferas receitadas pelos médicos-sacerdotes.Pensemos um pouco.). curado por Asclépios* Aristófanes (450 a 388 a. deus da riqueza. Logo após. numa tradução em prosa.Restaurar a visão. Essa espécie de "retiro espiritual" para o qual havia uma série de orientações.O que? ! Ele é realmente cego? . no qual Aristófanes indica a já consagrada fama de Asclépios: "Cremilos . do modo que pudermos! Blepsidemos .dias. e pela manhã os sacerdotes anotavam e interpretavam todos eles. faça alguma coisa.. Usa uma linguagem pitoresca e por vezes muito irreverente.. "Carion (dirigindo-se à esposa) . Blepsidemos . mas tão feliz e tão rico agora.Não há mais nenhum. Vejamos um trecho em verso. Cremilos . . portanto.. Era durante essa noite que aconteciam visões ou sonhos.Estou certo de que é melhor mesmo. . dos pés até a cabeça". não há especialistas! Blepsidemos . Cremilos . Imediatamente levamo-lo até o mar e lá o . Cremilos . volta muito feliz de sua viagem e conta à esposa como havia ocorrido a cura.C. os pontos que mais nos interessam em sua narrativa e lembremo-nos de que ela foi escrita quatro séculos antes do nascimento de Jesus Cristo. Blepsidemos . era conhecida como "noite de incubação". encarregado de levar Plutão até então disfarçado em mendigo cego ao templo de Asclépios. "Logo atingimos o templo do deus. .Existe neste instante algum médico em toda a cidade? Não há pagamentos e. Restaurar a visão de quem? Cremilos .. se for o desejo dos céus.. Cremilos . . percebe tratar-se de Plutão. fala-nos pormenorizadamente do ritual utilizado em templos de Asclépios.Não há nenhum! Blepsidemos .Restaurar a visão de "Riqueza". em sua peça "Plutão. . pobre e honesto. todavia. .. Trata-se de uma trama bem desenvolvida na peça na qual vemos Cremilos. outro personagem da comédia. será melhor fazermos aquilo que eu já pretendia: Fazê-lo dormir no templo de Asclépios a noite toda. o próprio deus da riqueza. .. . e considerada como elemento essencial para o culto do deus e a eventual efetivação da cura. eu vou lhe contar todo esse negócio incrível. Blepsidemos .Então. para os quais os médicos de então não encontravam soluções.Ah! Porisso é que ele jamais veio a mim. . realmente! Blepsidemos . deixe de vadiar: Rápido.. sem. hoje. o ar. em pergaminhos. bolos de mel e guloseimas eram oferecidos.. ó homens. só em Epidauros e sem considerar outros templos. devido a intervenções cirúrgicas das mais variadas naturezas. ocorreram.. Lá.Depois.. Acreditem-me. algumas colunas votivas que citam muitos casos. sobre o altar. sem nos movermos ou falarmos a qualquer barulho que ouvíssemos. tão belo. Panacéia. destaque-se que em todos os casos que recorreram a Asclépios existiu por parte dos beneficiários uma fé muito forte em seu poder de cura. o sagrado.Neocleides era um deles. .. Este sol tão grande. devido a banhos especiais. em ex-votos especiais. colocando-as todas num saco. sentou-se ao lado de Plutão e primeiro apalpou a cabeça do paciente e depois. No entanto. estudando cada um deles. Sua fama ultrapassava em muito o Mar Egeu e o Adriático. muito calmo. conta o aparecimento de Asclépios. levamo-lo ao recinto sagrado. O belo. em colunas votivas. Perto do cego Neocleides um servente coloca ao lado do deus um pequeno pilão e uma caixa de medicamentos. querida. com um manto vermelho. cobriu seu rosto e sua cabeça. E. a escuridão que me envolvia em minha compreensão e que de mim escondia todas essas coisas. em placas de agradecimento. . sem curá-lo. tomando um lenço de linho. tal era. homens! Agora. antes mesmo que você pudesse tomar dez cálices de vinho. Eis um testemunho eloqüente relativo à cura de um mal indefinível. devido a massagens e certos tratamentos ligados àquilo que hoje podemos chamar de fisioterapia.. o mau eram todos semelhantes para mim. Carion. estive morto durante todos os anos que eu já havia vivido. Uma pequena parte dessas curas mais misteriosas foi para sempre registrada em pedras votivas. muito irreverente e muito curioso do que ali poderia suceder.*Os testemunhos das muitas curas* Segundo arqueólogos e historiadores especializados no assunto. Mas agora que aqui vim. (Apud Edelstein) . E escondidas sob o manto vermelho. como se eu tivesse dormido no templo de Asclépios e tivesse sido salvo. agora por mim descoberto pela primeira vez. dá atenção ao cego Plutão: "Carion . o deus faz a mistura com vários ingredientes e coloca-a nos olhos de Neocleides. o teatro. incluindo mais de cem curas consideradas hoje como inexplicáveis e tidas como miraculosas. elas lamberam seus olhos. Logo o servidor do templo apagou as luzes e mandou-nos dormir. alimento para a chama de Hefesto". "Esposa . mais para castigá-lo por seus furtos do que para livrá-lo da cegueira parcial. a acrópole. recomecei a viver pelo resto da minha vida. vê na penumbra do "abaton" a figura de um sacerdote coletando e levando as oferendas que estavam sobre o altar.. E muitos outros. sob o céu claro!". segundo me parece. Existem. A seguir. o pobre cego que durante seus furtos havia furado seu próprio olho. mas de natureza grave: "O lugar está deserto e não há ninguém ao meu redor para ouvir minhas palavras. limpo e branco. e também devido à sugestão. limpou seus lábios e os secou. doentes com todas as formas de doenças. deitamo-nos num repouso tranqüilo". acompanhado das deusas Panacéia e laso. Plutão levantou-se e enxergou" (Apud Edelstein). Assim sendo. O deus vai de paciente a paciente.. por exemplo. hoje localizados em diversos museus e no próprio acervo histórico de Epidauros.Não havia outros para serem curados?" "Carion . eu vejo vocês. Então. curas verdadeiras devido a medicações corretas e bem dosadas. o deus assobiou e duas grandes serpentes saíram do santo altar. segundo me parece."Depois. muito observador..banhamos". E após algumas peripécias no ambiente de recolhimento pretendido pelos sacerdotes. o invocado deus! Como poderei ir ao teu templo se tu mesmo não me conduzires a ele. o deus de todos os milagres. a) Nicanor . pois começara a enxergar as coisas. ferindo gravemente os olhos. ao entrar no recinto sagrado. que um dos cães sagrados do santuário havia chegado perto dele e começara a lamber seus olhos. De repente. Ali sentado. Salva-me. corria de cá para lá. Ao seu lado. no meio da noite. entretanto. Suplicou perdão pela sua curiosidade. não tem sido viável à ciência médica fazer julgamentos objetivos das curas por não ser mais possível contar com qualquer base cientifica para análise quanto aos males alegados que afetavam as pessoas beneficiadas e muito agradecidas ao deus da cura e da medicina.homem cego por ferimento recente: Com este homem aconteceu algo desagradável. de Harmione . graças a ti Diofanto não andará mais como um caranguejo. no meio da noite. gritou pelo pai. esperava pacientemente. O galho. levantou-se para perseguir o garoto.homem cego: Este homem cego. d) Eschino . Um pouco depois levantou-se muito feliz. Vejamos. ó misericordioso deus. tendo de lá saído curado. Diz ela: "Ó Asclépios. sem que os vigias ou os sacerdotes percebessem. dirigindo-se na direção da saída. pega de surpresa e aterrorizada com uma serpente sagrada que descia de uma árvore. é que notou que estava curado de sua limitação física. alguns casos de pessoas que haviam levado ao templo de Asclépios em Epidauros problemas de deficiências sérias. Procurou um galho que lhe desse acesso ao muro perto das colunadas do "abaton".deficiência nas pernas: Segundo uma das colunas votivas acima indicadas e que mais parecem compilações de dados a respeito de curas miraculosas. . Ao chegar o dia saiu curado. pedindo socorro. De súbito um misterioso e travesso menino passou correndo ao seu lado e tirou-lhe a bengala. Em lamentável estado. surpreso e aborrecido. existe a história de uma menina muda que. Curioso por saber o que poderia estar acontecendo no "abaton". mas terá bons pés como tu o quiseste" (Apud Montanelli). orando em preparação para a sua "noite de incubação" no "abaton". à procura do menino. este menino cego estava no templo de Asclépios para pedir sua cura e nada mais. Nicanor era um homem que sofria séria limitação nas pernas. ó desejado. Ó piedoso deus. e) Menina muda: Não identificada. É indicado como manco.Outro caso citado por vários autores está retratado numa invocação muito fervorosa que mostra a imensa fé e o forte conceito de Asclépios no seio do povo. para poder ver melhor. não suportou seu peso e ele caiu fragorosamente sobre umas estacas existentes no jardim. com tantos doentes ali dormindo e as histórias de que Asclépios aparecia em pessoa. As primeiras coisas que enxergou. ó invocado deus que superas o esplendor da terra primaveril! E esta é a oração de Diofanto. c) Lyson.menino cego: Como milhares de outros casos. muito embora o incidente seja bastante interessante. Só quando chegou ao lado externo do templo. de Haliéis . na terra e no céu. e as circunstâncias de sua cura. enquanto o deus manipulava seus olhos. b) Alkétas. Nicanor. subiu numa das grandes árvores que davam sombra ao recinto. a bengala que era forçado a usar. dificuldades de locomoção e outros. um tanto surpreso. Estava recolhido e sentado no interior do templo de Asclépios. Ficou também curado. foram as sombras das árvores do lado de fora do santuário. Na maioria dos casos considerados como inexplicáveis e milagrosos. tais como a cegueira. foi socorrido. a título de ilustração. Em certo momento sentiu. curiosa e muito irriquieta. A partir desse momento voltou a falar. somente tu. durante a noite que passou no "abaton" teve um sonho: viu o próprio deus Asclépios chegar até ele e abrir-lhe os olhos com seus dedos. Depois dos primeiros cuidados foi recolhido ao "abaton" para uma noite de preces. f) Menino mudo não identificado: Também sem identificação, este menino mudo chegou ao templo de Epidauros acompanhado pelo pai, com o objetivo evidente de recuperar a voz. Após ter feito os sacrifícios e passado pelos ritos iniciais, como era costumeiro para todos os casos, estava sentado no templo, aguardando, em oração, ao lado do pai. O servente do templo, que acendia as lamparinas para sua iluminação interna, olhando para o pai do menino sugeriu que ele deveria prometer trazer, dentro de um ano, a oferta de agradecimento pela cura do filho, caso o garoto obtivesse aquilo que viera buscar naquele templo de Asclépios. Mas foi o próprio menino mudo que de repente respondeu: "Eu prometo". O pai, espantado, pediu que ele repetisse. O garoto respondeu sem hesitação - e depois disso ficou curado. O leitor talvez tenha curiosidade de saber a natureza de mais algumas dessas fantásticas curas, consideradas como milagrosas, ocorridas em Epidauros, da mesma forma como aconteceram em muitos outros dos templos de Asclépios. Apenas nas colunas votivas citadas acima pudemos constatar: 12 curas de oftalmias sérias, incluindo a cegueira total 9 curas de defeitos nas pernas, incluindo paralisias 3 curas de afasia 2 curas de casos de surdez 1 cura de tuberculose 1 cura de convulsões (talvez epilepsia) 2 curas de casos de gota 2 curas de enxaquecas 1 cura de picada de tarântula 1 cura de infecção por piolhos. Além disso, há citações de diversos casos de gravidez problemática, que era uma verdadeira especialidade de Epidauros, de partos difíceis e também de diversos casos curados por intervenções cirúrgicas que chegam a totalizar mais de uma dúzia. Naturalmente que os casos mais graves ou que não poderiam encontrar solução nem pela fé nem pela intervenção dos médicos-sacerdotes, abrigavam-se pelas imediações em alojamentos ou, muito mais próximo do aparecimento do Cristianismo como nova força, num "hospital"construído por Antonino Pio (86 a 161 d.C. e lá, depois de muito sofrimento ou de um definhar continuo, muitos deles acabavam morrendo. O problema da grande afluência de mulheres em adiantado estado de gravidez e também de doentes desenganados por médicos e à beira da morte levaram também à construção de uma espécie de hotel ou abrigo. Essas instalações ficaram conhecidas como "Katagógion", tendo mais ou menos 160 quartos. Existem ainda hoje alguns trechos da estrada entre as ruínas de Epidauros e o porto da Palaia Epidhavros que fazem parte do chamado "caminho sagrado", todo ele ladeado por túmulos daqueles distantes séculos. De acordo com alguns autores, Epidauros e alguns outros templos de Asclépios tiveram durante séculos a influência talvez correspondente àquela que hoje em dia tem Lourdes, na França e vários outros lugares considerados como milagrosos. Os tratamentos nesses templos de Asclépios funcionaram da mesma forma como ainda hoje funcionam os tratamentos ministrados em templos na ilha grega de Tenos, que são prescritos através das interpretações de sonhos ou de visões ocorridas durante a noite num recinto considerado sagrado do templo. A forte influência de Asclépios, seja em Epidauros, seja em muitos outros templos espalhados pelo mundo greco-romano, só foi cedendo muito vagarosamente aos ataques do Cristianismo que procurava sistematicamente anular o significado da miríade de deuses e deusas do mundo pagão. - *"Apothetai" do monte Taygetos, em Esparta* Todos aqueles que trabalham em reabilitação já ouviram de alguma forma falar a respeito de um certo costume espartano de lançar crianças defeituosas em um precipício, em épocas anteriores ao advento do Cristianismo. Pessoalmente sempre tivemos curiosidade a esse respeito e chegamos mesmo a fazer contatos diretos e visitas, procurando das autoridades de reabilitação da Grécia algum esclarecimento a respeito do assunto. Talvez que ajude no entendimento dessa questão - que, segundo os espartanos de hoje em absoluto relaciona-se exclusivamente a Esparta antiga - a menção a ele feita claramente por Plutarco, em sua obra "Licurgo". Segundo nos conta o escritor o que sucedia era isto: O pai de qualquer recém-nascido das famílias conhecidas como "homoioi" (ou seja, "os iguais") e que eram a nata de Esparta, não tinha o direito de criá-lo, pois o Estado subordinava a todos. Pelas leis vigentes, ele era obrigado a levar o bebê, ainda bem novo, a uma espécie de comissão oficial formada por anciãos de reconhecida autoridade, que se reunia para examinar e tomar conhecimento oficial do novo cidadão. Segundo Plutarco, eles se reuniam num local conhecido como "leschi" (correspondendo certamente a "edifício", "órgão oficial", "repartição") para esse fim. Se nesses locais os autorizados anciãos anotavam ou não os dados pessoais de identificação, de paternidade, de maternidade, de local e de data do nascimento, de sexo e outros, o historiador não nos indica. Pelo seu relato sabemos que, se fosse um bebê normal e forte ("se o achavam belo, bem formado de membros e robusto") ele era devolvido ao pai que passava a ter a incumbência de criá-lo. Depois de certa idade entre os 6 e 7 anos - o Estado tomava a si a responsabilidade e continuava sua educação, que era dirigida para a arte de guerrear, como podemos comprovar pelos estudos da História Grega Antiga. No entanto, "se lhes parecia feia, disforme e franzina", como refere Plutarco, esses mesmos anciãos, em nome do Estado e da linhagem de famílias que representavam, ficavam com a criança. Tomavam-na logo a seguir e a levavam a um local chamado "Apothetai", que significa "depósitos". Tratava-se de um abismo situado na cadeia de montanhas Taygetos, perto de Esparta, para lá a criança ser lançada e encontrar sua morte, "pois, tinham a opinião de que não era bom nem para a criança nem para a república que ela vivesse, visto como desde o nascimento não se mostrava bem constituída para ser forte, sã e rija durante toda a vida" ("Licurgo", de Plutarco). - *Como era o ambiente de Esparta* Não nos é fácil nem tranqüilo entender esse costume - ou outros adotados em Atenas, Roma e outras cidades - a respeito do qual o leitor poderá encontrar menções também em alguns escritores e filósofos antigos, tais como Platão e Aristóteles, citados um pouco mais adiante neste mesmo capítulo. Talvez ajude nossa compreensão o conhecimento dos usos e costumes, das circunstâncias e do ambiente que imperavam em Esparta ao redor do século V ou IV a.C.. O próprio Plutarco, ao comentar a vida de Licurgo, poderá nos dar uma idéia aproximada dessas características, especialmente quando considera as tentativas que fazia para tornar os espartanos um povo inexpugnável. Separemos alguns trechos dessa famosa obra: "XXV - Quanto à educação das crianças, que ele estimava ser a mais bela e a maior coisa que poderia estabelecer, ou introduzir um reformador de leis, começando de longe, considerou primeiro os casamentos e a geração das crianças. Pois, quanto ao que diz Aristóteles, que ele ensaiou reformar as mulheres e disso desistiu incontinenti, ao ver que não podia consegui-lo, por causa da enorme licença que elas haviam usurpado na ausência dos maridos, porque estes eram constrangidos a partir constantemente para as guerras, durante as quais os homens se viam obrigados a deixá-las senhoras de suas casas, honrandoas e acariciando-as além da medida, chamando-lhes damas e senhoras - isso me parece falso: a verdade é que tratou de regulamentar-lhes e ordenar-lhes a maneira de viver, assim como a dos homens, de acordo com a razão. Primeiramente, pois, ele quis que as moças enrijecessem o corpo, exercitando-se em correr, lutar, jogar a barra e lançar o dardo, a fim de que o fruto que concebessem, vindo a tomar forte raiz num corpo disposto e robusto, germinasse melhor; e também para que, reforçadas por tais exercícios, suportassem com mais vigor e facilidade as dores do parto. E para tirar-lhes toda a delicadeza e ternura feminina, acostumava as mocinhas, assim como os rapazes, a freqüentar as procissões, dançarem nuas em algumas festas e sacrifícios solenes e cantarem na presença e à chegada dos rapazes, aos quais, muitas vezes, ao passarem, dirigiam algum brocardo apropriado, tocando ao vivo aqueles que em alguma coisa tivessem esquecido seu dever; e não raro também recitavam em suas canções os louvores dos que destes eram dignos" ... "XXVI - Mas, quanto ao fato de se mostrarem inteiramente nuas em público, não havia nisso vilania alguma, pois, a exibição era acompanhada de toda a honestidade, nem lubricidade nem dissolução; antes pelo contrário, trazia consigo o costume da simplicidade e, entre elas, a vontade de possuir o corpo mais robusto e melhor disposto" ... “XXX - Pois, em primeiro lugar, Licurgo não queria que as crianças pertencessem a particulares, mas fossem comuns à república, desejando, assim, também que aqueles que tivessem de ser cidadãos fossem gerados não por todos os homens, mas somente por gente de bem" .."Não obstante guardavam as mulheres encerradas debaixo de chaves com medo de que elas concebessem de outros que não eles, mesmo quando desmiolados, doentios e velhuscos, como se não fosse primeira e principalmente por culpa dos pais e mães, e dos que as educam, que as crianças nascem viciosas e defeituosas, quando filhas de pessoas taradas"... No item XXXII Plutarco fala das crianças defeituosas e da solução que a sociedade espartana havia encontrado para elas no "Apothetai" da cadeia de montanhas Taygetos, conforme comentamos um pouco acima. O livro continua, porém, a nos dar indicativos muito ricos do ambiente que imperava em Esparta, onde uma pessoa deficiente de fato não conseguiria sobreviver. “XXXIII - ... e assim, não era permitido aos pais educar os filhos à sua moda, como bem lhes parecesse. Pois, logo que estes chegassem à idade de sete anos, ele os tomava e as distribuía por grupos para serem educados e se habituarem a brincar, aprender e estudar uns com os outros; depois, escolhia em cada grupo aquele com aparência de ser o mais avisado e o mais corajoso no combate, ao qual dava a superintendência do grupo todo. Os outros sempre tinham a vista voltada para ele e obedeciam às suas ordens, suportando pacientemente as punições que ele lhes ordenava; de maneira que quase todo o estudo era aprender a obedecer" ("Licurgo", de Plutarco). - *Outras formas de eliminar crianças defeituosas na Grécia Antiga* No antigo Peloponeso, sob a liderança guerreira de Esparta, havia também outras formas de dispor de crianças malformadas ou doentias. Não ocorria necessariamente a morte, mas a "exposição" (* tal exposição dava-se em local onde a criança podia ser encontrada. No entanto, o chamado “abandono” correspondia a deixar à própria sorte para morrer. Princípio genericamente aceito na Grécia, não era todavia aceito na sociedade de Tebas, igualmente “civilizada”). Recorriam os seus habitantes a lugares considerados como sagrados, tais como as florestas, os vestíbulos dos templos, as beiras dos rios, as cavernas, onde as crianças eram deixadas bem embrulhadas numa grande panela de barro ou num cesto, com roupas que continham seus símbolos maternos ("Xymbola metrós"). Elas podiam sobreviver ou não. Os símbolos bordados nas roupas e nas cobertas poderiam inclusive levar à identificação da família original. Caso uma criança assim exposta morresse, a manta e vestidos acabavam servindo para adorno em seu funeral. No entanto, alguns filósofos dos mais renomados chegaram a alimentar a idéia do extermínio das crianças defeituosas, sendo um deles um dos maiores e mais conceituados pensadores gregos: Platão (428 a 348 a.C.). Ao filosofar sobre uma utópica república completamente nova para a Grécia, Platão afirma:. . . "e no que concerne aos que receberam corpo mal organizado, deixa-os morrer". Afirma ainda o insigne filósofo: "Quanto às crianças doentes e às que sofrerem qualquer deformidade, serão levadas, como convém, a paradeiro desconhecido e secreto". ("República", de Platão). Assim, na famosa república idealizada por Platão, só os bem formados de corpo e de espírito é que teriam qualquer papel. A criança ou adulto deficientes estariam, nessa hipotética realidade, fadados a morrer. Em seu conceito, e em suas próprias palavras, "estabelecerás em nossa república uma medicina e uma jurisprudência, como acabamos de dizer, que se limitem ao cuidado dos que receberam da natureza corpo são e alma formosa". E é certamente deste pensamento e desta frase de Platão que se originou o ainda hoje usado moto característico de programas esportivos ou de bom condicionamento físico: "Mens sana in corpore sano" - Mente sã num corpo sadio. De sua parte Aristóteles escreveu o seguinte: "Quanto a saber quais as crianças que se deve abandonar ou educar, deve haver uma lei que proíba alimentar toda criança disforme" ("Politics", de Aristóteles). Existem relatos de afogamentos de recém-nascidos defeituosos, ou de abandono dos mesmos às margens do rio Eurotas, que corta o sudeste do Peloponeso, na Lacônia, indo desaguar no Mediterrâneo, após banhar a cidade-estado de Esparta dos séculos anteriores a Cristo. Algumas das circunstâncias que teriam levado governantes a adotar medidas tão difíceis de aceitar hoje foram mais ou menos as seguintes: os cidadãos espartanos não eram nem a totalidade nem mesmo a maioria dos habitantes de Esparta, mas uma elite da população local que habitava aquela região. Eles eram conhecidos como os "homoioi" (os "iguais"), conforme referimos anteriormente. Dedicavam-se às guerras e suas obrigações giravam em torno de estar preparados para enfrentar não só as eventuais convulsões internas provocadas pelas demais facções da sociedade espartana, como também os inimigos externos da grande e poderosa Esparta. Assim, a cidade-estado não contava, como também não queria contar, com cidadãos fracos, doentios e imperfeitos. No entanto, a sobrevivência eventual de uma criança defeituosa podia perfeitamente ocorrer, como ocorria, uma vez que as leis de extermínio diziam apenas respeito aos filhos dos "homoioi", que eram os descendentes diretos dos dórios. Nas outras classes sociais não ocorria esse tipo de restrição. Tais eram os casos dos "periecos", dedicados aos trabalhos da lavoura ou cuidado com o gado, ou dos "ilotas", escravos que eram obrigados a manter-se vinculados à terra, sem qualquer tipo de privilégio. - *A história de Labda, mãe de um rei de Corinto* Os costumes que imperavam em Esparta não foram necessariamente universalizados por todas as cidades-estado da Grécia dos seis últimos séculos antes da Era Cristã, pois cada uma delas, bem como cada uma das pequenas ou grandes nações ao seu redor, desenvolvia seu próprio sistema de leis e de governo, e seus próprios usos e costumes. No tocante às atitudes face a crianças nascidas com deficiências físicas e ao trato a elas dispensado, encontraremos na história de Corinto, uma das mais fortes e melhor conceituadas cidades-estado da Grécia dos séculos VII e VI a.C., indícios interessantes inseridos no livro "Terpsícore", parte integrante da obra intitulada "História", de Heródoto. Lá encontraremos referências à filha de um dos importantes membros da oligarquia dos Báquidas, dominante em Corinto há muitos anos, e que formava uma enorme família devido ao fato de todos os seus membros casarem entre si. Acontece, porém, que em época não bem determinada, Anfíon, um dos seus membros, teve uma filha que nasceu com malformação congênita, ao que parece, pois tinha uma das pernas mais curta que a outra, o que a levava a claudicar sensivelmente. Seu nome era Labda. O costume de casamentos consangüíneos, entretanto, não funcionou no caso dessa jovem, pois nenhum Báquida queria casar-se com ela devido a sua deficiência física. Assim, casaram-na com um jovem do burgo de Petra, aparentemente de poucas qualificações, embora de sangue nobre, cujo nome era Eécion, filho de Echacrates. Depois de algumas dúvidas quanto à fertilidade de Labda, o que levou o jovem marido a consultar uma pitonisa, ela engravidou e deu à luz um menino. Segundo o oráculo ele governaria Corinto e esmagaria os déspotas Báquidas. Sabedores do oráculo, os Báquidas aguardaram o nascimento e dez deles receberam a missão de ir a Petra e matar o garoto. A gentil Labda, ao receber a visita dos dez homens de Corinto - de certa forma seus parentes - singelamente achou que se tratava de visita de cordialidade, após tantos anos de desprezo e marginalidade. Passou o filho aos braços do primeiro visitante, ignorando completamente o propósito criminoso do grupo: esmagá-lo contra o chão. Mas naquele mesmo instante a criança de poucos meses sorriu para o estranho, "deixandoo tão comovido que não teve coragem de matá-la, passando-a para as mãos do outro companheiro. Este, também tocado de piedade, transferiu-a para as mãos de um terceiro e assim passou ela de mão em mão, sem que nenhum se animasse a sacrificá-la. Devolvendo o recém-nascido ao carinho de sua mãe, deixaram a casa" ("História", de Heródoto). Diz-nos mais o historiador que Labda teve que tomar providências que denotaram extrema vivacidade e sangue frio para salvar o menino, uma vez que os dez revistaram a casa toda após terem voltado para consumar o crime para o qual tinham sido destacados. Apesar de tudo, conseguiu sozinha ludibriá-los. O filho dessa jovem mãe portadora de deficiência recebeu o nome de Cípselo; ele, chegando à idade adulta, angariou bens e reuniu homens, atacou Corinto e dela se apoderou. Tornou-se logo após seu rei e, após ter vingado sua mãe e muitos dos injustiçados pelos Báquidas, reinou por 30 anos. Terminou bem seus dias. - *Os costumes em Atenas face a deficiências físicas* No que diz respeito a Atenas - a grande rival de Esparta - quando nascia uma criança, o pai celebrava uma festa conhecida como "amphidromia" (de "amphi" que significa "ao redor" e "dromos", para "volta"). Os costumes exigiam que ele tomasse a criança em seus braços, dias após o nascimento, e a levasse solenemente à sala para mostrá-la aos parentes e amigos e para iniciá-la no culto dos deuses. A festa terminava com banquete familiar. Caso não fosse realizada a festa, era sinal de que a criança não sobreviveria. Cabia, então, ao pai o extermínio do próprio filho. Durante sua vida, entretanto, os cidadãos atenienses tinham ampla proteção das leis para manterem-se livres de agressões provocadoras de lesões que os pudessem incapacitar para a vida normal. Segundo Plutarco, Sólon estabeleceu normas bem claras para proteger também cidadãos atenienses enfraquecidos por doenças ou vitimados por deficiências. Em Atenas essas normas, além de garantir a alimentação, davam ampla liberdade para que qualquer agressor fosse processado por atos de injúria ou de ataques físicos, caso algum desses cidadãos deficientes fosse assaltado, espancado ou sofresse qualquer tipo de violência. "Qualquer homem que fosse poderia processar o malfeitor" ("Sólon", de Plutarco). Acresce considerar também que as leis atenienses ordenavam que os filhos tinham obrigação de amparar e sustentar seus pais, seja devido à velhice, seja devido a deficiências físicas (Apud Durant). - *O legado da Grécia Antiga* Para quem vive em pleno século XX na cidade de Esparta, ou visita o produtivo e poético vale do rio Eurotas, torna-se muito difícil imaginar que as palavras de Plutarco ou os fatos relatados por historiadores sejam verdadeiros. No entanto, a eliminação de crianças disformes foi uma constante na História dos povos guerreiros de toda a antigüidade. Foi o Cristianismo que levou a Grécia, em suas múltiplas sub-divisões em cidadesestados, a muito vagarosamente alterar esse e outros costumes, que já vinham sendo modificados pelos séculos afora por diversos governantes e por diversos dos filósofos que enriqueceram sua cultura e sua tradição. A implantação do Império Romano do Leste, posteriormente transformado no Império Bizantino, encontrou a Grécia organizando instituições mais e mais voltadas para problemas específicos: lares para deficientes ("paramonaria"); lares para pessoas cegas ("tuflokoméia"); instituições para pessoas com doenças incuráveis (arginoréia "); e também organizações para pessoas muito pobres e para mendigos ("ptochéia"). Apesar das histórias sobre Taygetos e sobre o rio Eurotas, a Grécia deixou para o mundo um saldo muito positivo de leis e costumes que valorizam a bravura e a dedicação à pátria, ao preço da própria integridade física ou da vida. Deixou também muitos conhecimentos relacionados à medicina, além de vários exemplos de organizações que, muito embora de caráter segregativo e assistencialista, chegaram a tornar-se um claro demonstrativo do reconhecimento do indivíduo como um ser repleto de valores. 4. Os Romanos O legado de Roma ao mundo tem sido de extremo valor através dos séculos em praticamente todos os campos. Dentre eles cumpre que destaquemos a arquitetura, a saúde pública, as artes, as leis, a literatura e a medicina. Dos assuntos que mais nos interessam neste estudo e rápido passar pela História, o das leis é dos mais relevantes. Ninguém jamais poderá negar que uma significativa porcentagem de todo o acervo de leis que chegou até nós e foi por nós de certa forma absorvido, derivou do cuidadoso e muito esmerado trato que os romanos sempre deram ao assunto. Nem tudo, porém, foi bom ou aceitável para nós na legislação romana; nem tudo foi adaptado ou seria adaptável à nossa realidade ou ao nosso sistema de leis. O mundo de então era bem diverso daquele em que hoje vivemos. mês de gestação) quanto os que apresentavam sinais da chamada "monstruosidade". não é fácil encontrarmos referências precisas. reconheceremos também um famoso censor romano que foi cego. rede de esgotos) garantiram a prevenção de muitos males incapacitantes.C.mas também a mutilações ou falta de membros. .De Jure Patrio et Jure Connubii Lex III . latrinas públicas. por exemplo. Alguns abalizados estudiosos deixam a nítida idéia de que ela não se limitava à eventual similaridade com algum animal . recens sibi natum.). Segundo o autor citado. Veremos. ou se fosse considerada como monstruosa. Em sua linguagem original. exceto no caso de a criança ter nascido mutilada. não tinham condições básicas de capacidade de direito. Moreira Alves afirma que a solução dada pelas leis romanas. cito necato". tanto os bebês nascidos prematuramente (antes do 7º. costumes.106 a 43 a. dentre as faculdades a ele outorgadas pelo poder paterno (pátria potestas). a famosa lei dizia o seguinte: "Tabula IV .. desde que antes de o fazer tivesse mostrado o recém-nascido a cinco vizinhos. E ficaremos espantados ao reconhecer dentre os Césares. uma alternativa: poderia expor a criança às margens do rio Tibre ou em lugares sagrados. De acordo com ela. para que fosse de certa forma certificada a existência da anomalia ou da mutilação. dois com sérias deficiências físicas. encontraremos não apenas leis. A obra "De Legibus".. havia para o "pater famílias". Para casos dessa natureza a lei previa a morte ao nascer.No que diz respeito a pessoas com deficiências. Além de não encontrarmos uniformidade nos pontos de vista de autores quanto aos requisitos básicos para o reconhecimento dos direitos de um ser humano recém-nascido. que tanto a história da evolução da medicina romana. abundância de água potável. de Cícero (Marcus Tullius Cicero .*O problema da forma humana no direito e nos costumes de Roma* No Direito Romano havia leis que se referiam ao reconhecimento dos direitos de um recém-nascido e em que circunstâncias esses direitos deveriam ser garantidos ou poderiam ser negados. quanto a dos gradativos progressos em termos de saúde pública (por exemplo. dentro do Direito Romano.principalmente no rosto ou devido a malformações de membros .Sobre o Direito do Pai e Direito do Casamento . comenta que nas Leis das Doze Tábuas havia uma determinação para o extermínio de crianças nascidas com deformidades físicas ou sinais de monstruosidade. Em nossa língua: "Táboa IV . os sinais indicativos da "monstruosidade" eram um fator decisório para sua negação. a chamada "vitalidade" e a forma humana eram as principais. e leremos páginas que nos falam da competência de pessoas deficientes.Pater filium monstrosum et contra formam generis humani. estava proibida a morte intencional de qualquer criança abaixo de três anos de idade. Como exemplo poderemos mencionar que. advinha especificamente de uma lei régia atribuída a Rômulo nos primórdios da vida formal de Roma. mas se nos dispusermos a exercícios cuidadosos de estudo da História Romana. Dentre as condições para negação de direito. que àquelas épocas não contavam com a medicina ao seu lado ou com mais sólidos princípios de defesa da incipiente vida humana. tão intimamente ligada à medicina grega. obras de arte que nos surpreenderão. mas também fatos. monstruoso. terminai com seus crimes do único modo viável. no neutro plural. cortam-se as cabeças das ovelhas enfermas para que as demais não sejam contaminadas.Lei III . Face à legislação vigente desde os tempos dos primeiros reis de Roma. a 65 d. touros. eram bastante óbvios para os romanos daquela época. fazermos tudo.. portentosos fetus extinguimus. seja por afogamento. Matam-se cães quando estão com raiva. devido a causas não identificadas..C.. trata-se de um rigor salutar. Publícola. muito diferente. um temor supersticioso tinha invadido toda a cidade. para tentar . Analisa apenas a necessidade de. que lhe tenha nascido há pouco". quando o Cristianismo começava a desabrochar e seus principais apóstolos atingiam Roma pela primeira vez. "Não se sente ira contra um membro gangrenado que se manda amputar. foi aplicada. Sêneca usa o termo "inutilia". talvez o uso do neutro neste caso relembre-nos que mesmo ao nascer.. então. de Sêneca). matamos os fetos e os recém-nascidos monstruosos. a palavra "debilis". eliminando da obrigação o aspecto ódio. mesmo antes de completado o nascimento com o corte do cordão umbilical. sem ódio. pode significar tolhido de algum membro ou de alguma parte. para distinguirmos as coisas inúteis das saudáveis" ("De Ira". Houve em épocas bem precisas da História Romana muitos nascimentos de crianças ou abortos de fetos com deformações congênitas. segundo deduzimos. o deus das profundezas do Inferno. O grande pensador e filósofo romano não analisa. não o cortamos por ressentimento. ovelhas. exterminam-se touros bravios. membro gangrenado). Presume-se que eram considerados como "monstros" todos os recém-nascidos que tivessem características bem diferentes dos normais.O pai imediatamente matará o filho monstruoso e contrário à forma do gênero humano. Vejamos o que afirma Sêneca: ". pois. mesmo as coisas desagradáveis e chocantes. como era costumeiro fazer ao acontecer fatos misteriosos e causadores de grandes desgraças. porque as mulheres grávidas davam à luz crianças quase todas elas defeituosas e imperfeitas em alguma parte do corpo. que era cônsul de Roma. a sanis inutilia secernere" ("De Ira". mergimus.) indica que os recém--nascidos com deformidades físicas eram mortos por afogamento. Ele cita alguns exemplos que. a validade da lei em si mesma. si debiles monstrosique editi sunt. seja por outros meios. afogamo-los.C. em nossas vidas. referindo-se a "fetus" e aos demais itens mencionados no mesmo texto (cães. de Plutarco). em seus comentários. se nascerem defeituosos e monstruosos. Segundo Sêneca. Riscai.e podia ser eliminado. mandou consultar os livros Sibilinos. com membros a mais ou a menos. sem ainda ter o cordão umbilical cortado (ato dos mais importantes no estabelecimento do direito da pessoa nas leis romanas) o recém-nascido era apenas um ente sem direitos . nec ira sed ratio est. mas fazei-o sem ódio" . de Sêneca). não devido ao ódio. O trecho latino pertinente é o seguinte: ". e também aqueles que apresentassem alguma deformidade muito séria. Fez a população romana oferecer sacrifícios especiais a Plutão. No entanto.4 a.. segundo o autor Plínio. não se deve nutrir qualquer dúvida quanto ao destino desses recém-nascidos: a lei de extermínio da vida incipiente. liberos quoque. Segundo Plutarco "no ano 280 de Roma.. devemos fazer tudo o que precisamos fazer com naturalidade. mas à razão. sem ira. O termo "portentosus" significa extraordinário. e não havia nenhuma que viesse a termo" ("Publius Valerius Publicola". do número dos vivos a todo culpado que ultrapasse o limite dos demais. Sêneca (Lucius Annaeus Seneca . eram mantidos nas vilas ou nas propriedades das abastadas famílias patrícias. a tavernas. remando rio acima. . que de lá voltou com um símbolo vivo do deus. É o historiador Durant que nos informa ainda sobre este assunto ".). não correndo eles mais o risco de se tornarem mendigos e de terem seus corpos deformados.. Asclépios. para a construção de instalações para doentes e para o culto. . Acontece. deficientes físicos e outros tipos de pessoas nascidas com malformações eram também de quando em quando ligados a casas comerciais. deficientes mentais. anões. não se tem notícia e nem Plutarco entra em maiores considerações. porém. a bordéis.C. De providências práticas e próprias para resolver a situação. Certamente foi por motivos dessa natureza que durante a decadência do Império. a serpente escapou e foi nadando até a "Insula Tiberina".*O destino das crianças deficientes em Roma* Mesmo com a anuência da lei. Na Roma dos tempos dos Césares. nas praças e nas ruas de Roma e das outras importantes cidades do vasto Império Romano. surdos. obtendo esmolas volumosas. como protegidos do "pater familias".C. o mais famoso desses templos era localizado numa pequena ilha do rio Tibre. de três olhos. Os romanos consultaram os Livros Sibilinos e resolveram mandar uma delegação oficial a Epidauros. Tomando o acontecimento como um verdadeiro sinal do deus. a "Insula Tiberina". lá os romanos erigiram um .. deficientes mentais. com o deus da cura e da medicina. criando-as para mais tarde servirem como meio de exploração do compadecido e por vezes muito culpado coração romano. uma serpente sagrada. de Durant). além das instruções para a organização do templo.*O deus da medicina: Esculápio* A exemplo do que ocorrera na Grécia desde o século V a. Crianças malformadas. costume esse que foi adotado por muitos séculos na História da Humanidade. existia em Roma um mercado especial para compra e venda de homens sem pernas ou braços. em séculos mais sofisticados e menos bárbaros. quando não eram usados simplesmente para esmolar. sabedores dessas histórias. que quando a delegação estava chegando à cidade de Roma. abandonadas em cestinhas enfeitadas com flores às margens do Tibre. além de rapazes cegos como remadores. os patrícios que ocasionalmente tinham filhos defeituosos. Na verdade foi tão rendoso que houve épocas em que foram realizados raptos de crianças patrícias muito novas. sob a chefia de Caio Ogúlnio. o infanticídio legal não foi praticado com regularidade. os romanos também dedicaram templos a um deus semelhante (e importado da Grécia. surgiu em conseqüência de violenta epidemia ocorrida no ano 293 a. passaram a usar das prerrogativas dadas pelo instituto do "patria potestas" para eliminar a vida desses recémnascidos. em seu próprio modo de ver muito mais específico para o tratamento de males instalados do que a deusa Salus (significa "saúde"). O interesse dos romanos pelo deus da cura e da medicina. isto é. Foi extremamente notória em Roma também a utilização de meninas e moças cegas como prostitutas. bem como a atividades dos circos romanos. A esmola chegou a ser um negócio muito rendoso em Roma Antiga. ou seja. para serem mutiladas ou deformadas a fim de se tornarem pedintes nos templos. entretanto. numa espécie de Epidauros romana. E os escravos ou as pessoas empobrecidas que viviam de esmolas ficavam na espreita e atentos para eventualmente se apossarem dessas crianças. doentias ou consideradas como anormais e monstruosas eram.. Cegos. para serviços simples e às vezes humilhantes. em geral tratados como "bobos". gigantes..eliminar o problema que afligia a todos. no máximo. hermafroditas" ("História da Civilização". E uma delas é o aqueduto conhecido como Aqua Appia. Mais tarde foi ali construída a igreja de São Bartolomeu. Segundo tudo indica. devido à sua importância para a manutenção do comércio e da segurança interna. Consideravam-no os romanos como de certa maneira associado a Vulcano.C. não só parte do revestimento da igreja. Foi ele responsável direto por obras famosas das quais existem ruínas notórias. com apenas dois companheiros. . o correspondente a Hefesto na cultura romana. consagrada no ano 1000 com a presença do imperador Otto III. representando-o como coxo e cego de um olho.*Ápio Cláudio. estrada que a época de sua construção tinha quase 200 quilômetros.C. Mais tarde. tendo logo após sido atingido num olho. De todas as originais proteções laterais hoje podemos ver alguns blocos de pedra travertina no lado leste da famosa ilha. uma deidade correspondente à Higiéia dos gregos (deusa da Saúde). Ali foi também construído um hospital. os romanos resolveram "casá-lo" com a deusa Valetudo. mas também sua escadaria foram executados com pedras retiradas das ruínas dos templos e do acabamento lateral da ilha. em consideração pelos bons resultados obtidos com esse novo deus. O Cristianismo. Depois de muitos anos. . Elevaram-lhe depois de sua morte uma estátua na antiquíssima praça Vulcanal da velha Roma. lançando-a às águas do rio Tibre. um herói com deficiências* Horácio foi um famoso guerreiro romano da "gens Horatia" que viveu nos primórdios da vida de Roma. A ilha Tiberina hoje comunica-se com ambas as margens do rio Tibre. Nas instalações sagradas da ilha Tiberina havia acomodações para os que procuravam a ajuda do deus da medicina e também para os sacerdotes. fez desaparecer o templo de Esculápio e todas as demais instalações ligadas ao seu culto. ressaltando-se que sua ligação com a margem esquerda é feita por meio de uma antiga ponte construída no ano 62 a. novo nome de Asclépios graças a uma diferença de pronúncia. a ponte Fabrício.* Conhecido na História de Roma como Appius Claudius "Caecus" (ou seja.templo a Esculápio.*Horácio Cocles. Censor: século IV a. Horácio lançou-se ao Tibre com suas armas e a muito custo foi nadando até a margem onde foi socorrido pelos companheiros de armas. A refrega no meio da ponte foi muito violenta e Horácio ficou gravemente ferido numa das coxas. ficando esses inimigos impedidos de penetrar em Roma. Recebeu o cognome de Cocles que significa "cego de um olho". o Ospedale di San Giovanni di Dio. que é a mais antiga de toda Roma. Conta a história desse valente homem de armas que. dirigido pelos Fatebene Fratelli. conseguiu defender a ponte Sublício por ocasião da pretendida invasão dos exércitos etruscos comandados por Porsena. originalmente com 15 quilômetros de comprimento e que conduzia a água potável por meio de canais subterrâneos até Roma . que combateu duramente as crenças ligadas ao paganismo. indo de Roma até Campania (Cápua). que ficava localizada ao pé do Capitólio. Sangrando muito devido aos ferimentos recebidos. De acordo com gravuras da época havia instalações magníficas das quais nada restou. O acabamento externo dava à ilha a forma de um portentoso barco. Outra obra é a famosíssima Via Appia. Ápio Cláudio "Cego") este grande homem público foi um dos mais célebres censores de Roma. Na grande confusão da luta os dois companheiros de Horácio tiveram tempo suficiente para cortar a golpes de espada os tirantes da ponte.. ela foi ampliada até o "salto" da bota italiana (Brindisi). . dizendo que "às vezes. mas ao contrário. que contraíra pela primeira vez. de dar consideração e guarida a um eloqüente apelo feito por Pirro. de Cícero).*Caio Júlio César: atitudes face a seus males* Certamente um dos romanos mais importantes que a História registrou."ele não se serviu da fraqueza de seu corpo. sempre em número de dois. já velho e cego" (et caecus et senex).. Além de magro e de estatura bastante medíocre. As punições não se limitavam.483 a 565) chegou a ordenar a amputação do nariz de soldados incriminados em faltas graves contra a disciplina. alto e sem problemas que muitos imaginam ao analisar seus feitos. seus filhos o veneravam e todos o queriam bem. dormindo ordinariamente ao relento. nos tempos de guerra. Mantinha um espírito tão tenso quanto um arco e não se deixava subjugar pela velhice para se transformar num homem sem energia.. e também pela eliminação de uma letra que considerava dispensável: o "Z". como se diz. com a mutilação do punho. com a exposição a animais ferozes. cidade da Espanha" ..Ápio Cláudio havia sido cônsul duas vezes antes de ser censor. de epilepsia. faziam a relação dos senadores. como de um pretexto para delicadeza e comodismo em sua vida. já avançado em idade. com a crucificação e até com o afogamento. sempre esteve sujeito a fortes dores de cabeça e. além de uma grande mansão e toda a sua clientela.. . Na abalisada opinião de Bubois. na escrita latina. seu De Senectute Dialogus". "abandonar o estandarte era um sacrilégio. sofria do famoso "mal divino". a maior parte das noites.de Dubois). em termos de fonética. tornou as agruras da guerra como um remédio para fortificar sua pessoa. Diversos séculos após o imperador Justiniano I (Flavius Anicius lustinianus . Mantinha também autoridade e poder sobre os seus: os escravos temiam-no. Contam os historiadores que Ápio Cláudio. todavia. ou seja. em Córdova. através de seu enviado especial. combatendo contra a doença. segundo muitos historiadores. É importante lembrar que os censores. para fazer a paz. em seu lar reinavam os costumes dos ancestrais e a disciplina" ("Cato Major. Sempre esteve fortemente interessado em questões de gramática da língua latina. esse crime era punido. com a decapitação. é considerado como o responsável pela distinção entre o "R" e o "S". atacado de epilepsia.. pois. Caio Julio César não era o tipo atlético. Caio Júlio César (Caíus Julius Caesar .C. caminhando sempre. dissuadiu o Senado Romano por meio de um inflamado discurso.) confessa em sua obra "De Bello Gallico" que aplicava essa pena em seus próprios soldados nos casos de faltas muito graves contra a disciplina militar ou de deserções. . "responsabilizava-se por quatro filhos robustos e cinco filhas. conforme a gravidade do caso. Plutarco faz algumas afirmações a respeito de suas atitudes face ao mal. Dele Cícero escreveu: "Ápio Cláudio. A desobediência às ordens dos superiores era punida com a mesma pena". a essas amputações estigmatizadoras. a mutilação do nariz e das orelhas foi muito utilizada como castigo ou como vingança contra inimigos capturados pelas legiões romanas. eram eleitos por cinco anos e detinham a magistratura mais elevada. . Cineas. A mesma penalidade foi aplicada em soldados envolvidos com mulheres dos países cruzados ou dominados por legiões romanas (Apud Mitton). "O roubo era também punido com a mutilação do punho direito" ("Histoire du Droit Criminel des Peuples Anciens". estabeleciam os parâmetros do orçamento público e eram os responsáveis pelas obras públicas. vivendo sobriamente. Encarregavam-se eles do recenseamento e do inventário dos bens. grande estudioso do direito criminal dos povos antigos.*Amputação como penalidade nas legiões romanas* Segundo Mítton. .102 a 44 a. em lugar de lançar longe seus dardos. Concluem que Caio Júlio César foi vitima de um tumor cerebral benigno e não de epilepsia. Essas desgraças marcaram muitos homens pelo resto de seus dias. no ardor das batalhas. matando os inimigos. . como o fez Plutarco. No entanto. como não podia deixar de ser. "nada resistia à impetuosidade de seus ataques. 20 séculos após. teve sua mão direita decepada. de Plutarco).C. "as seis coortes que César tinha colocado atrás de sua ala direita avançaram contra a cavalaria e. e ferir a golpes de espada as pernas e as coxas dos inimigos. a 54 d. Cláudio era aparentemente tolo.dormia num carro ou dentro de uma liteira. segundo seu costume. a sensação de que a vida com deformidades ou com amputações conseqüentes à guerra era algo a ser muito temido pelos jovens romanos. ponderam diferentemente da quase totalidade dos historiadores que consideram o grande imperador romano como o mais famoso epilético da História. Socorrem-se para isso da própria informação de Suetônio de que nos últimos tempos de sua vida César teve dores de cabeça e vários desmaios. golpeavam os olhos e procuravam ferir-lhes os rostos.*Cláudio I. sacrificando sua juventude e beleza e evitariam com todo o cuidado essa espécie de ferida. reconhecido na História Romana apenas como Cláudio I. era a ordem que haviam recebido de César que duvidava que esses cavalarianos.10 a.). não sustentando esse gênero de combate. .C. entretanto. surpreendeu a todos com as muitas demonstrações que deu de inteligência. quando se encontravam nos mais graves perigos". se deixassem desfigurar. de Plutarco). Muitos feriam-se gravemente e sobreviviam com deficiências sérias. como a deformidade no futuro" ("Caio Júlio César". pois sabia inspirar afeição e muito ardor. Levam em conta o fato dele não ter tido nenhum parente próximo com indicações de males convulsivos. Plutarco narra cenas pormenorizadas de batalhas e numa delas mostra-nos com clareza esse temor dos soldados mais jovens e inexperientes.*Ferimentos graves e deficiências físicas em batalhas* As atividades guerreiras sempre tiveram como conseqüência natural muitas mortes e muitos casos de ferimentos de todas as naturezas e gravidades. tão noviços nos combates e pouco acostumados às feridas. empregando sempre o descanso em fazer alguma coisa" ("Caio Júlio César". talvez por ter sido considerado muito mais manobrável do que qualquer outro "pretendente" ou "herdeiro" ligado a grupos que vinham de há muito se locupletando devido aos enormes desmandos existentes na corte imperial. foi elevado ao trono por imposição da forte Guarda Pretoriana. Cláudio (Tiberius Claudius Caesar Augustus Germanicus . Autores atuais. ainda na flor da idade.. num ataque a um navio inimigo. . Deixa no leitor de hoje. são por vezes relatados em cores muito vivas por uns poucos autores latinos e gregos. já citado. E conta-nos a história de Acílio que. . Nas legiões romanas havia homens que lutavam por absoluta dedicação ao seu líder ou general. Chega o historiador a aludir a problemas dessa natureza quando estuda a vida de Caio Júlio César. Plutarco também nos relata como César conseguia levar seus homens a atos de bravura insuperáveis. ao considerar que César teve suas primeiras convulsões aos 52 anos de vida e a segunda apenas três anos após. Segundo ele. um imperador bastante controvertido* Com a morte de Calígula em 41 d. Segurando a espada com a esquerda.C. . Os feitos heróicos. mas apenas alguns deles fazem menção aos problemas supervenientes. . continuou a luta. inofensivo e inconseqüente. tendo a temer tanto o perigo atual. assim que assumiu o poder. não se atemorizou" ("Les Césars". de Sêneca). tinha problemas físicos de bastante seriedade para aqueles tempos. de um modo todo especial. Segundo eles. E. feições agradáveis. era advogado. no qual aparecem três homens que sobem ao poder e dele são afastados com bastante rapidez. a respeito de seus imperadores. Falam. Esse tipo inacreditável como imperador chegou a declarar ao senado romano que se fizera passar por tolo e inconseqüente durante todo o governo calamitoso de Calígula apenas para salvar a própria pele. segundo informação de Durant. pois abana continuamente a cabeça. trabalhador e inteligente mesmo. Todavia. Ocelina.). construiu grandes obras públicas. Apresentava-se com andar claudicante sobre pernas compridas e finas. Seus pais haviam-no considerado. Suetônio e Tácito são os historiadores que mais pormenorizadas informações nos dão quanto à vida dos grandes homens de Roma. do que se pensava também das pessoas deficientes em Roma. o pai. uma espécie de retardado mental e sua mãe chegara a ele se referir como um "monstro inacabado". cabelos quase brancos: Não deve ter boas intenções. Uma paralisia ("paralisia infantil". Na verdade foi tão severo na administração . fisicamente ele não correspondia à imagem que o povo romano poderia fazer de seu imperador. envenenado por Agripina. nos anos 821 e 822 de Roma (68 e 69 d. afirma: "Anunciam a Júpiter a chegada de alguém. mantinha a cabeça oscilante sobre o pescoço longo e fino. haviam-no quase que deformado. Cláudio desenvolveu um governo controvertido durante o qual reformulou leis. uma vez que era. . Achava ser sua obrigação. "o pai de Galba. sua própria esposa. ao fazer uma alegoria sobre seu destino após a morte. doentio e disforme.) era originário de família nobre. de Lissner). tendo tido em sua família um sério problema de deformidade física indicado por Lissner. Segundo o historiador. garantiu maior proteção aos escravos. Quando a rica e bela Lívia Ocelina quis casar com ele para compartilhar a antiga nobreza dele. Galba. Galba (Servius Sulpicius Galba . por via de dedução. de fato. gaguejava e sofria muito com as dores provocadas pela gota. apresentando um perfil bastante indicativo dos problemas físicos de Cláudio e. um tipo muito estranho: apesar de alto e bem forte. quando pequeno.*Galba. instalou novos serviços. a História Romana mostra-nos um quadro assaz confuso. Todos são unânimes em afirmar que Galba foi muito severo na aplicação da justiça. tinha cabelos quase brancos aos 51 anos de idade. a 69 d. entretanto. traços bastante marcantes. Em sua obra "Apokolokyntosis" ironiza com o imperador após sua morte.C.sagacidade administrativa e cultura. e coxeia do pé direito" ("Apokolokyntosis". emancipou a Gália. mostrou-lhe sem pejo suas deformidades. São eles: Galba. É sobre Galba que vamos encontrar nos renomados historiadores romanos indicados. que se seguiram à morte trágica de Nero. por ter favorecido como seu herdeiro a Nero em detrimento de seu filho Germânico. conquistou a Bretanha e efetivou sua romanização. estatura normal. Sêneca foi seu contemporâneo e preceptor de Nero. Terminou seus dias num emaranhado de disputas e de intrigas palacianas. além disso. dentre as quais todos os historiadores destacam a epilepsia. ativo. Othon e Vitélio. sem intenções maldosas. o futuro imperador.C. imperador romano com diversas deficiências* Plutarco.3 a.C. segundo o historiador Durant) e algumas doenças. graças à força dos militares que não desejavam ver os senadores proclamando a república. recebendo. depois de ter mandado assassinar o imperador Galba: "No dia 28 de abril do ano 32 d. a excentricidade de Vitélio . de origem aristocrática.. para ensinar o jovem Calígula a mesma arte. sendo a família de origem aristocrática.. de Lissner). Esse defeito físico não prejudicou tanto seu conceito quanto o de ser o maior e mais famoso glutão que Roma já teve. . com mais de setenta anos. Plutarco apresenta-o como "doce e humano por natureza: a velhice aumentou ainda a opinião que se tinha dele.C.C. Segundo Tácito. em conseqüência. revela-nos o historiador Lissner algo surpreendente sobre Othon. uma excrescência de carne tão volumosa que apenas conseguia contê-la com uma faixa" ("Vie des Douze"). nem desenrolar ou mesmo segurar uma missiva. um sério ferimento na perna. a tal ponto que não podia nem agüentar um calçado. Durante sua vida dissoluta foi protegido por quatro imperadores também dissolutos: Tibério. todavia. esse grande personagem da História Romana poderia ter sido considerado ótimo para o Império. Acabou ficando com uma lesão permanente que o faria mancar bastante pelo resto da vida. "A estatura de Galba era mediana. . como governador dos lusitanos que ocupavam território que mais tarde seria transformado em Portugal. devido à cobiça e à inconseqüência de outro homem que.C. imperador por três meses. apesar da verdadeira adoração que suas legiões tinham por ele.que lhe dariam mais tarde condições para a busca de cargos importantes e muito rendosos. Exemplo dos mais marcantes foi o seu casamento com Popéia por solicitação de Nero que dela se enamorara e dela queria se aproximar sem chamar muito a atenção de toda a corte imperial.das despesas públicas que acabou desgostando não apenas o povo mas também os diversos escalões do sistema militar romano. imperador romano por oito meses* Vitélio (Aulus Vitelius . Segundo os historiadores Othon não conseguiu demonstrar o quanto podia.). seus olhos. nasceu em Lucéria e morreu em Roma. Nero e Cláudio. Muito embora diversos autores não façam nenhuma menção. Ele tinha também. de um azul escuro. suas mãos e seus pés. como hábil condutor de carros que era. Othon suicidou-se ao perceber que fora a causa primeira de uma guerra civil.*Vitélio. por coincidência. se não tivesse sido imperador. no flanco direito.32 a 69 d. um imperador nascido com malformações* Othon (Marcus Silvius Othon . colocou no mundo uma criança do sexo masculino cujas pernas tortas constituíam uma malformação incurável" ("Les Césars". incluindo bigas aquadrigas. O defeito físico não impediu Marco Silvio de procurar os ambientes e as amizades inclusive a de Nero . Calígula. ele foi o sucessor de Othon.) era filho de Lúcio Othon e de Álbia Terência. seu nariz aquilino. sua cabeça. Álbia Terência. a esposa de Lucius Othon. Esse velho general foi imperador romano por apenas sete meses. por escolha das legiões romanas sediadas no Reno. Foi no exercício dessa função que teve um acidente e sofreu violenta queda. portanto. Ainda bastante jovem foi empregado. de Plutarco). completamente calva. de que era tímido" ("Galba". inteiramente deformados pela gota. Foi portador de sérias limitações físicas tanto nas mãos quanto nos pés. Sofria muito com as dores artríticas.*Othon. Foi em conseqüência dessa situação e de seus desmedidos desejos que Nero mandou Othon em missão especial para bem longe de Roma.15 a 69 a. Muito obeso e vermelho. também apresentava limitação física muito evidente: Vitélio. *Os milagres de Vespasiano* Tanto Suetônio quanto Tácito informam que Vespasiano (Titus Flavius Vespasianus . por sugestão do mesmo deus. ocorreram muitos milagres ("multa miracula evenere". escreve a respeito de alguns males bastante notórios que podem levar as pessoas a situações limitadoras e mesmo a deficiências físicas sérias. epilepsia e outros. responderam que dos dois doentes. deus ao qual aquele povo. Quanto à elefantíase. enfim. Esses dois milagres. já eliminada. de Tácito) Suetônio. Além de pequenas circunstâncias ligeiramente diferentes. um não tinha a força visual. os médicos recomendavam banhos em sangue humano. Cercado pela multidão que já se aglomerara. o outro tinha as articulações desviadas e. Obedecia. Dentre eles cumpre notar citações sobre a elefantíase. paralisia. E Tácito finaliza: "Imediatamente a mão retomou suas funções e o cego de novo viu o brilho do dia. em sua obra sobre os doze Césares. se fosse exercida sobre elas uma pressão saudável. aos médicos para verificar se a cegueira e a paralisia poderiam ser vencidas por meios humanos.23 a 79 d. em sua monumental obra "História Natural". O problema passava . gota. Vespasiano zombou deles naquele momento e os afastou.C. que acabava de tomar o poder. Em sua extensa obra de trinta e sete volumes aborda assuntos de grande valia. quase que linchado pela plebe furiosa devido a seus desmandos.). às ordens de Serápis. honrava mais do que a qualquer outro. e.aumentava conforme era obrigado a andar. ele altera a deficiência de um dos suplicantes diante de César: um era cego. Um habitante de Alexandria. Vespasiano deixou-se levar e mostrou-se feliz.7 a 79 d. . Foi um dos imperadores mais lamentáveis de Roma e morreu tragicamente. em sua "História Natural"* Plínio (Caius Plinius Secundus . conta o mesmo fato. por exemplo. testemunhas oculares lembram-nos ainda hoje". segundo informava. começou a hesitar. de um lado por acreditar estar sendo vaidoso e presunçoso e do outro por confiança. após alguma discussão. pertencente à classe modesta. mas o outro tinha um problema de paralisia na perna e não em sua mão. e ele suplicava ao príncipe que se dignasse umedecer-lhe o rosto e ao redor de seus olhos com a secreção de sua boca. Ordenou.. O fato envolve duas pessoas com deficiências físicas diferentes. a glória seria dele". pois ficou absolutamente persuadido de que tudo seria possível à sua boa fortuna. nas próprias palavras de Tácito. Um outro tinha sua mão defeituosa..*As deficiências citadas por Plínio. ("Histoires". e que ela voltaria se o obstáculo fosse removido. entregue a superstições. devido à sua insistência. conhecidamente vítima de uma degeneração da vista. Plínio afirma que quando reis e príncipes eram as vítimas do mal. acedeu ao pedido dos dois doentes. pois. mas.. finalmente. Os médicos. que os deuses tinham talvez desejado essa cura e que haviam escolhido o príncipe para essa divina missão. ao dissertar sobre a vida de Vespasiano. época na qual os ventos de verão vinham regularmente garantir a boa navegação.. que se o remédio desse certo. . poderiam retomar a posição normal. o que sucedeu na cidade de Alexandria: "Durante os meses em que Vespasiano esteve em Alexandria.C. ajudada pelos soldados de Vespasiano. mas de quando em quando transmite informações fantasiosas e sem qualquer base na realidade.) participou de um evento estranho e que nos é transmitido como um "milagre". no original latino) que manifestaram o favor celeste e a simpatia dos deuses para com Vespasiano. as veementes preces daqueles dois doentes e os elogios de seus cortesãos inclinavam-no à esperança. Vejamos. pedia a César para pisá-la com a planta de seu pé. lançou-se aos seus pés e pediu-lhe gemendo que o curasse da cegueira. ombros musculosos. Por absoluta falta de conhecimento mais profundo Plínio acreditava nas chamadas "panacéias": remédios preparados com o concurso de várias plantas medicinais. braços fortes. pés e barrigas da perna com tendões fortes" (Apud Penn). No seu livro XVI (item LXIV) afirma que "a alfavaca-de-cobra diminui e cura varizes sem dor. Plínio. Assim. peito amplo. mas principalmente dos homens escravizados que precisavam submeter-se a sangrias ou à própria morte. de Plínio). Um dos exemplos registrados quanto à reação dos governantes contra as automutilações que dispensavam o jovem do serviço militar. Sua frase é incisiva: "Comitiales sanant panacis". o Velho. afirmando acreditar-se que a betônica e o mastruço-bravo curavam a paralisia ou os membros entorpecidos. Afirmava categoricamente que elas curavam até a epilepsia. raiz de pãode-porco. Para eliminar o calor da gota prescreve-se raiz de espadana.C. Prescreve-se contra a gota raízes de panacéia com uva-passa. mastruçobravo aplicado conforme explicado anteriormente. usara mão feita de metal para disfarçar amputação ocorrida em campo de batalha. não apenas na época de nossos pais e avós. postura ereta. cujo cozimento também é bom para frieiras. almirante da frota de Miseno. Para as paralisias Plínio recomendava igualmente o uso de plantas medicinais. é o caso de um certo Caio Vatieno que durante a chamada "Guerra Social" amputou sua própria mão . durante os anos do Império. tendo aproximado seus navios para salvar habitantes em fuga. pois se ele tivesse sido freqüente na Itália teria um nome latino. durante a erupção famosa do Vesúvio que sepultou Pompéia e Herculanum sob espessas camadas de cinzas e lava. semente de zaragota. os jovens romanos que viviam nos anos de decadência do Império Romano odiavam o serviço militar obrigatório e de duração por vezes indefinida.. Vegetius (citado por Cotrell em "The Great Invasion") afirma que existia a seguinte recomendação no recrutamento de soldados em todo o Império: . bisavô de Catalina. Na obra "De Re Militarii".*As automutilações para dispensa do serviço militar* Na douta opinião de Ammiano Marcellino. é bastante analisada. pois tem desaparecido em muitas pessoas e em muitas tem havido sua cura. escórdio com vinagre. por ele citada com o nome de "podagra". ventre modesto. verbena moída com gordura. escrita em 390 d. cicuta com picumã ou gordura e sempre-noiva.C. A gota. por não poderem usar a espada. É Plínio que cita algo interessante e curioso para a época (primeiro século de nossa Era) sobre membros artificiais. os olhos. .. citado por Lucchini. faleceu no ano 79 d. se colocada sobre a parte doente. A gota é muito rara. ao primeiro acesso do mal" ("Histoire Naturelle". além de não estarem de acordo com a qualificação física mínima de um recruta. pois com essa deficiência estariam dispensados de ingressar nas legiões romanas. Não se deve acreditar que é incurável. Esse mal é estrangeiro. mas ainda em nossos dias. chegando até a evitar a amputação de membros. Também conhecido como Plínio. além de ser uma espécie de elemento estimulador da circulação. Segundo ele. suco ou sementes de meimendro com farinha. Afirma-nos que Estérgio.. um jovem eventualmente adequado para a guerra deverá ter olhos brilhantes. a argêmona tinha a mesma virtude. Alguns moços chegavam até a amputar o próprio polegar da mão direita. a forma toda do homem para ver se ele poderá ser um bom lutador. "quem estiver alistando recrutas deve primeiro olhar para o rosto.a ser não apenas deles. aproveitou a oportunidade para estudar os fenômenos mais de perto e morreu asfixiado. dedos longos. porém. cônsul romano e contemporâneo de Caio Júlio César. que sofria de gota e mal podia andar. Público Cornélio Dolabella. na Grécia.*Males incapacitantes e soluções paliativas* Romanos abastados sempre encontravam soluções. Lúcio-Júlio César sofria de reumatismo muito sério que o mantinha praticamente paralisado. Uma delas era a mais contundente: aquele que amputasse os próprios dedos para não servir nas legiões imperiais seria "queimado vivo" e seu "senhor" (pai ou responsável) que não o impedira de tal ato. como as águas termais e sulfurosas. levavam muitos a situações de contínuo desconforto. Um dos casos mais notórios que são citados por Cícero foi o de Lúcio-Júlio César.321 a 375 d.52 a 117 d. Amputações para evitar o engajamento no serviço das legiões romanas tornaram-se freqüentes do século II ao século IV. Plínio afirma que algumas pessoas. aprovou determinações muito mais severas. . e . cita Cneo Otávio. Com o passar dos anos. ao ponto de comprometer a própria vida. Águas termais e sulfurosas que brotavam do próprio chão tornaram-se a causa do surgimento de muitos centros populacionais. corroborando as ordens de Constantino. por serem mal controlados.C.C. face aos abusos freqüentes. Ele cita Caio Sexto Calvísio.esquerda. Vejamos o texto original latino dessa forte determinação: "Si quis ad fugienda sacramenta militiae fuerit inventus truncatione digitorum damnum corporis expedisse. que tinham problemas muito sérios e que procuravam tais recursos para aliviar seus males. mesmo que apenas de caráter paliativo. bebiam as águas sulfurosas em excesso. àquela época. de fato. foi até Nápoles (Pompéia). Usavam-nas como um recurso básico para qualquer problema de dores musculares ou articulares e chegavam a beber grandes quantidades. por exemplo. Sabiam que elas podiam ser muito úteis e benéficas para o tratamento dos males das articulações. conhecidos seus. et ipse flammis utricibus concremetur et dominus eius. pois era com ela que os soldados seguravam seu escudo. sofreria uma grave condenação. De fato.270 a 337 d C. os romanos conheciam muito bem as virtudes de certos recursos naturais. desejosas de apressar a cura das dores que levavam às dificuldades de movimentação. conforme relata Cícero em uma carta dirigida a seu genro. para qualquer outro serviço para o qual fosse capaz. amputasse seus dedos ou o deformasse de alguma forma grave (Apud Lucchini) . coberto de medicamentos.) também assinou um decreto em 367 d. "Lúcio César. Pompéia contava com recursos naturais significativos.) mandava punir com a deportação o pai que. gravi condemnatione feriatur" (Apud Costa). que sofria de dores nas articulações e vivia envolto em faixas. ao saber da convocação de seu filho para a vida militar..) assinado um decreto determinando que qualquer pessoa que tivesse provocado sua automutilação para fugir ao serviço militar deveria ser encaminhada. para certos males que. enquanto que alguns chegavam a ficar parcial ou totalmente incapacitados para uma vida ativa e independente. Foi o que sucedeu com Epidauros. qui non prohibet. dentro da realidade das forças armadas romanas. pois Cícero afirma que "muitos cidadãos abastados procuram esses lugares por motivos de saúde" (Apud Menière).C. O imperador Valentiniano (Flavius Valentinianus . porque estava muito oprimido por dores em todo o corpo" . Cícero menciona também alguns grandes oradores romanos. tendo Constantino I (Caius Flavius Valerius Aurelius Constantinus .. O imperador Trajano (Marcus Ulpius Trajanus Crinitus . Como castigo o Senado mandou vender todos os seus bens e rebaixou o jovem cidadão à categoria de servo. 234 a 149 a. E a Grécia foi uma das maiores colaboradoras do Império Romano. "De uma vez por todas. eles juraram entre si matar a todos os bárbaros à custa da medicina". devemos também consolar os surdos com os prazeres da visão" ("Tusculanae Disputationes". que surgira com o nome de "Dicaearcha". "É uma raça perversa e indócil. Marcial (Marcus Valerius Martialis . "Agora você é gladiador. devido aos seus poços de águas termais e medicinais. detestava os gregos.*Deficiências múltiplas e morte* Cícero continua com suas considerações e suas análises sobre os mais sérios problemas que podem atingir um ser humano. Catão.. o Censor (Marcus Porcius Cato . A medicina grega. tanto nas ciências quanto na arte. por exemplo. E será bem pior se ela nos mandar seus médicos. pelo ano 522 a.*A medicina grega e sua infiltração no Império Romano* Todos aqueles que estudam a História de Roma sabem que ela foi uma continua emprestadora. por falta de sorte. é verdade. . .. na Província de Nápoles. Finaliza dizendo: "Assim como consolamos os cegos a todo o instante com os prazeres da audição.C. eles chegarem a se prolongar. . sendo depois reconhecida como Puteoli (Poços) pelos romanos. colocando-nos diante da morte" ("Histoire Naturelle".C. fazendo um comentário que só é compreensível para aquela época: "Reunamos agora todos esses males num só indivíduo.tantos outros lugares considerados como miraculosos. foi levada a Roma aos poucos.40 a 102 d. mas ouvia o suficiente para saber tudo o que dele se falava de mal. e se. mas não sentem seus ouvidos dilacerados pelo ruído da serra quando é afiada.e lá Cícero mantinha também uma vila. ou pelo grunhido do porco quando está sendo degolado". de Plínio). Para lá romanos abastados acorriam em verdadeiras multidões . Afinal qual é o mal que há na surdez? Segundo seu depoimento e suas considerações quanto às misérias humanas. creia que um oráculo te fala quando digo: Todas as vezes que essa nação trouxer seus conhecimentos. tanto numa quanto noutra área. por que suportá-los? A morte é um refúgio seguro onde esse indivíduo estará ao abrigo dessas horrendas misérias" ("Tusculanae Disputationes".. Crasso.) foi um mordaz autor latino que num dos seus muitos e irreverentes epigramas ironizou da seguinte forma com um médico de problemas visuais. era meio surdo.C. . meu filho" . de Cícero). de Marcial). por exemplo.*O problema da surdez na opinião de Cícero* "In surditate vero quidnam est mali?" pergunta Cícero em seus Debates Tusculanos.ele será logo consumido por esses sofrimentos. No entanto. por alguns médicos gregos que deixaram de lado seus princípios éticos e passaram de imediato a explorar os abastados romanos. Que ele seja surdo e cego e que prove atrozes dores . eu te proíbo os médicos" (Apud Laignel-Lavastine). conhecido como "Agelastos".). Foi o que aconteceu com Pouzzoles. quando antes você era médico dos olhos. Em sua obra "Praecepta ad Filium" diz: "Falarei dos gregos no tempo e no lugar. eles aprendem com o nosso sofrimento e fazem experiências. "Os surdos não ouvem a música. ela a tudo corromperá. Como médico você fazia o que faz hoje como gladiador" ("Epigramas". de Cícero). Plínio comenta em sua História Natural: "É uma pena que não haja uma lei para punir médicos ignorantes e que a pena capital nunca é ditada para eles. indicando textualmente tratamentos de massagens. apesar de grego de nascimento.. planta medicinal até hoje utilizada para problemas neurológicos. também o ungüento de Euthycléa deve ser empregado" .42 a.*Médicos romanos famosos e os males incapacitantes* Não há dúvida de que havia muitos médicos dedicados e competentes.. como parte de seus pertences. "De Matéria Médica" (Sobre Matéria Médica). sempre viveu e trabalhou em Roma. nascido em 124 a. Tanto assim que por muitos séculos os soldados levavam consigo.C. semelhantemente ao que sucederia séculos depois com Cláudio Galeno. de calor e de exercícios físicos. afirmando textualmente: "Nas lesões da medula da espinha há paralisia ou movimentos convulsivos e privação de sensibilidade. e que. Em seu livro V Celso indica remédios para dores articulares. incluindo neles doenças e alguns problemas que levavam a deficiências. hervas e bandagens para a eventualidade não descartável de serem feridos. a 37 d. destaquemos dois famosos médicos que pela sua inquestionável competência passaram para a História da Medicina. Falaremos sobre apenas três daqueles que lidaram com problemas de deficiências e que são citados por historiadores. Além disso o doente devia evitar tensões e cansaço. o esperma."quando é preciso combater a imobilização das articulações provocada por uma cicatrização recente. a hidroterapia e os exercícios físicos. competente e reconhecido por muitos séculos como o "Cícero dos Médicos" devido à sua interessante obra "De Re Medica" (Sobre a Medicina). Asclepíades estabeleceu a prática médica com base na chamada "teoria da modificação corpuscular". sendo necessário raspar a cabeça e tomar duchas de água salgada.). incluindo as paralisias e males de extremidades. recomendando lavagem intestinal com heléboro negro. O primeiro deles é Asclepíades de Bitínia. No mesmo livro Celso dá uma descrição sucinta que demonstra amplo conhecimento da paraplegia e de suas características quando da sobrevivência de paraplégicos. conforme verificamos quando discutíamos alguns aspectos de procedimentos precursores da reabilitação na Grécia. Alem de Dioscórides. A carne de porco devia ser a ele proibida. tanto gregos quanto romanos. . Para alguns casos Celso recomendava exercícios e massagens. segundo a qual qualquer doença resultava de uma certa movimentação de corpúsculos no corpo humano de uma forma não-harmoniosa. Celso discute também a epilepsia num capítulo bastante longo de sua obra.C.C. Em seus trabalhos procurava restabelecer a indispensável harmonia através de dieta acompanhada de alguns procedimentos terapêuticos reconhecidos hoje em fisioterapia. estado que os gregos chamam de "ankylose" ("De Re Medica".. Foi Asclepíades de Bitínia o primeiro médico a usar a música no tratamento e na recuperação de pessoas afetadas por doenças mentais. Segundo ele a alimentação do epilético devia ser leve. O segundo nome é o de Celso (Aulus Cornelius Celsus . pomadas. . famoso. a urina e as matérias fecais são eliminados involuntariamente". de Celso).*Os serviços médicos e os hospitais militares romanos* Nos primeiros tempos da História de Roma o tratamento dos doentes e dos feridos em batalhas era deixado aos próprios companheiros de armas. tais como a massagem. afirmando o seguinte: "Os ungüentos são bons principalmente nas afecções dos tendões e das articulações. ao final de algum tempo. Nessa obra Celso descreve um número bastante elevado de doenças e seus sintomas principais. autor de um compendio sobre assuntos de medicina. *As "valetudinaria" descobertas em estudos arqueológicos* Estudos arqueológicos têm revelado ao mundo muito das características dos exércitos romanos através dos séculos. isto é. Uma receita popular e muito divulgada entre os soldados que nos é transmitida por Samônico é esta: cozer estrume de cavalo com cascas de ovo trituradas.Os soldados mais experimentados dominavam por vezes conhecimentos estranhos para um dos principais problemas enfrentados pelos soldados: o do estancamento do sangue em ferimentos profundos. que mantinha em suas imediações duas legiões permanentemente estacionadas. no sistema de corredores. médico de Cláudio I durante a invasão da Bretanha. fala-nos sobre a existência de tendas para doentes e feridos nos acampamentos romanos. principalmente com a chegada dos médicos gregos a Roma. em Perthshire. Ao seu redor havia uns 60 quartos pequenos. em pleno campo de batalha. "valetudinaria" construídas dentro de planos mais cuidadosos e materiais muito mais duráveis. Sabe-se também que por séculos os soldados gravemente feridos e amputados eram deixados para maiores cuidados em cidades romanas. médico militar nos tempos de Nero. claramente delimitadas e que muito mais tarde se transformariam em hospitais de campanha. Tácito. após terem recebido algum tipo de atenção em sua própria legião. sob a custódia de cidadãos responsáveis e suas famílias. inclusive seus hospitais militares de retaguarda e mais permanentes. A preocupação estendia-se à eventualidade da perda de um membro e à morte devido à hemorragia. . Existem outros locais escavados e que correspondem a hospitais militares romanos.000 habitantes. de Dioscórides. incluindo um hospital conhecido como Pinnata Castra.000 homens armados). incluindo a localização das chamadas "valetudinaria". nos casos de acampamentos permanentes. para dar cobertura a 6. O hospital militar romano de Carnuntum tinha um saguão principal que levava a uma sala de recepção.000 m2 (Apud Penn). pujante cidade de aproximadamente 100. sabe-se que sempre houve preocupação com a assistência aos casos de doenças e de ferimentos mais sérios nas legiões romanas. O local era conhecido como Carnuntum. elas já existiam em todas as legiões. por exemplo. perto de Dusseldorf na Alemanha. Borcovicus. de Cláudio Galeno.C. Sabe-se que os comandantes e oficiais mais graduados tinham o privilégio de serem atendidos por seus médicos. e vários outros que passaram para a História da Medicina. atrás do qual havia uma sala especial para cirurgias ou curativos para ferimentos graves.. a respeito do qual já falamos. ao final do século I d. Existem em alguns autores menções quanto à distribuição das áreas nos acampamentos de guerra. São os casos de Scribonius Largus. Com a gradativa penetração e divulgação da medicina grega chegaram as legiões romanas a contar com 40 médicos em cada uma delas (ou seja. Embora haja poucas referências. sendo certo que sob Trajano. de Jápide. Um dos pontos escavados situa-se a 30 quilômetros de Viena.C. às margens do rio Danúbio. médico que atendeu a Enéas ferido. tais como Novaesium. perto de Housestead e vários outros na Inglaterra. preocupação essa que muito vagarosamente foi requerendo algumas providências. . colocando a pasta sobre o ferimento. especialmente contratados para segui-los e estar ao seu lado nas batalhas. uma enorme construção de 7. provavelmente construído pelo ano 100 d. uma espécie de enfermaria para os "grandes feridos". E houve também médicos das casernas que acumularam tanta experiência que se tornaram famosos. Ao que parece aos historiadores as "valetudinaria" foram inicialmente instaladas durante o governo de Augusto. levando-os imediatamente a cavalo para a retaguarda. tendo antes feito uma cuidadosa seleção entre civis muito vivos e cheios de iniciativa. Ficavam a mais ou menos 50 metros de distância. durante uma batalha. Como acontecia esse incipiente serviço de socorro volante? Cada general colocava oito ou dez "deputati" atrás das linhas de combate direto com o inimigo. elementos delegados que não faziam parte dos contingentes guerreiros e que eram obrigados a seguir numa pequena distância a coorte à qual estavam destacados. ou seja. Suspenso à sela levavam também um recipiente com água para poder reanimar um ferido desmaiado. no Império Bizantino foram conhecidos como "deputatoi"). Para bem desenvolver sua tarefa eles levavam cavalos com selas especiais que tinham dois estribos suplementares. dos curativos e dos remédios dos soldados gravemente feridos e alojados nas "valetudinaria". Dentre eles cumpre chamar a atenção primeiramente para os "Optiones valetudinarii". onde por vezes havia carroças e meios mais seguros para seu transporte às "valetudinaria". Os médicos que serviam nessas legiões não lidavam apenas com ferimentos. Havia. muitos dos quais com membros decepados a golpes de espada ou com seus olhos vazados.*O sistema hospitalar romano* Na medicina pura os romanos não realizaram muito. Para cada soldado ferido transportado o "deputatus" recebia uma certa quantia de dinheiro. com os quais conseguiam remover até dois feridos por vez. uma das maiores contribuições de Roma à História da Medicina foi iniciar uma espécie de sistema de atendimento hospitalar para a população civil. sobreviveram graças a um socorro médico de urgência que era viabilizado por certos tipos de auxiliares lotados nas legiões romanas em épocas difíceis de determinar. Sua organização estava muito relacionada com a experiência vivida e acumulada por centenas de anos de lutas e de dificuldades das legiões romanas em várias partes do mundo. um tipo especial de auxiliares diretos dos médicos das legiões que eram conhecidos como "deputati" (mais tarde. Esse sistema foi gradativamente sendo melhorado nas legiões romanas tendo sido continuamente adotado sob o imperador bizantino Mauricio que o menciona em sua obra "Stratégicon". Muitos desses médicos passavam a dar atendimento à população em .*Os auxiliares de médicos nas legiões romanas* Soldados gravemente feridos. incluindo o atendimento a pessoas com sérios problemas incapacitantes. Seu objetivo básico era prestar socorros a feridos que tombavam ao chão.Graças aos médicos e seus auxiliares das legiões e dos navios de guerra romanos muitos homens feridos foram salvos da morte certa. E. mas também com febres. agindo com rapidez a fim de que os feridos que tombavam ao chão não fossem pisoteados nos casos de retirada ou de avanço de uma segunda ala de combatentes de sua própria legião. conforme veremos mais adiante. acumulando com isso uma vasta experiência. no entanto. . . da alimentação dos acamados. doenças graves e corriqueiras. Julius Pollux em sua obra "Onomásticon" recomenda inclusive que esses "deputati" exercitem seus cavalos a dobrar as pernas dianteiras para facilitar a um soldado ferido montar ou ter acesso aos estribos (Apud Cabanès). sem sombras de dúvida. No entanto. muitos também sobreviveram após amputações ou com algum outro tipo de problema incapacitante e voltaram para a vida civil. Eram meros funcionários administrativos aos quais cabia cuidar da limpeza local. ajudantes ou auxiliares de enfermaria. ou seja. às custas do Império. segundo Cláudio Galeno de Pérgamo. Assim é que. organizou-se com certa regularidade e critério o ensino médico. os médicos do imperador e do palácio imperial. . . quando os direitos de todos os cidadãos foram reconhecidos e aprovados.havia cinco categorias de médicos: "Archiatri suori palatini". e os médicos das vestais.C. Mas com o resultado satisfatório do tratamento que era dispensado nas "valetudinaria".C. com o subsídio financeiro do poder central e pessoal pago pelo Império.146 a 211 d. "Archiatri municipales populares" que eram os indicados para servir. era necessário que o aprendiz de médico trabalhasse por 11 anos até poder ser considerado um verdadeiro médico. os que atuavam nos circos e que deviam ser também bons cirurgiões. "Archiatri scholares" que dirigiam as escolas de medicina ou nelas participavam no preparo de novos médicos.. dependiam da existência de recursos para treinamento. o que tornou viável a organização desse incipiente sistema hospitalar.C. em pleno século I d.ou seja. No ano 46 a. anatomia e cirurgia. O imperador romano Sétimo Severo (Lucius Septimius Severus .geral. e estes existiriam na medida em que houvesse boas oportunidades de adquirir conhecimentos e experiência. tão logo deixavam os serviços nas legiões ou nos navios de guerra. Os patrícios e todos os demais cidadãos romanos que tinham posses suficientes para pagar médicos eram tratados em suas próprias vilas ou residências. aquele liderado por Roma . Foi em Roma que surgiram também as primeiras organizações separadas que cuidavam e davam abrigo a doentes crônicos e incapacitados. aqueles que serviam nas termas e banhos públicos. sensorial ou algum mal crônico dependia da existência de médicos bem preparados. E. por sua vez. Lúcio Júnio Moderato Columella cita em seus trabalhos as "valetudinaria" para escravos doentes e incapacitados. Nas escavações de Pompéia existem locais que parecem indicar que médicos mantinham instituições como se fossem casas de repouso ou de convalescença. terminados os estudos de botânica. especialmente quando vítimas de males crônicos ou de problemas físicos limitadores. nas grandes cidades das províncias romanas e nos arredores importantes de Roma. nas províncias do Império Romano estabelecimentos de cuidados médicos acabaram tornando-se hospitais para atendimento a doentes graves e pessoas mutiladas.) conseguiu locais para as incipientes escolas de medicina e para suas indispensáveis bibliotecas. romanos livres aos poucos começaram a usar esse novo tipo de recurso de tratamento médico. Inicialmente o ensino das várias áreas conhecidas da medicina era feito em bases puramente individuais. Tessalo achava que 6 meses eram suficientes para praticar os rudimentos da medicina. .*Categorias de médicos em Roma* No final do Império Romano do Ocidente . O ensino destinado à preparação de médicos não foi organizado em Roma a não ser na fase áurea do Império. Estes.*O ensino da medicina no Império Romano* O atendimento melhor qualificado às pessoas doentes e àquelas limitadas por alguma deficiência física. ou seja. os aprendizes da ciência médica recebiam o título de "Medicus a Republica" (médico pela República). As outras duas categorias englobam os médicos dos ginásios esportivos. Na severa opinião de Cláudio Galeno. ressaltemos a gradativa implantação de serviços médicos mantidos pelos seus governantes desde os primeiros tempos do Império. sob o Império. bastante ferido e que mal consegue manter-se em pé. como vimos anteriormente. de porte médio. famosos reis de Roma.*A higiene e os banhos públicos* Desde o século VI a. A ela ligavam-se encanamentos de esgoto e de água servida. Inicialmente separados por sexo. tanto em Roma como nas vizinhanças e também nas suas mais longínquas províncias. Os romanos.provavelmente do Século IV a.*As pessoas deficientes nas artes romanas* No museu do Louvre. . Ela se apóia num bastão e utiliza um pilão na parte inferior da perna direita. em Paris. dispor de 500 litros de água por dia cada um! A cidade recebia mais de um bilhão de litros diários de água potável.C. por exemplo. As adutoras de água foram objeto de um grande esforço dos romanos mais civilizados. Na época imperial Roma chegou a contar com 14 aquedutos. . impedidos de os freqüentar. onde era mostrado um luxo refinado. Gradativamente latrinas públicas foram instaladas. em forma de espiral ascendente. sempre esteve em bem melhores condições junto às legiões romanas do que nas cidades. Na época de Constantino existiam aproximadamente 850 banhos públicos em Roma. Roma contava com uma obra que até hoje é testemunha do zelo de alguns de seus governantes pela saúde publica: a Cloaca Máxima construída pelos Tarquínios.. é uma obra de arte "sui generis" e muito interessante. A coluna de Trajano. recebe. Nota-se. tendo sido essa uma das causas da depravação dos costumes de Roma. pois até o ano 300 a.no qual está representada uma pessoa com deficiência motora. Um dos trechos dessa famosa ilustração seqüencial mostra-nos com bastante clareza o atendimento a feridos nos campos de batalha. Médicos (archiatri) eram indicados para diversas cidades ou para instituições existentes na ocasião. Os banhos públicos tornaram-se. um soldado fazendo curativo num colega de armas. nas últimas décadas da República Romana.C. os banhos tornaram-se comuns. rigorosa e continuamente combatidos pelos cristãos. puderam. acima da Cloaca. que se contentavam anteriormente em lavar os braços e as pernas todas as manhãs e o resto do corpo uma vez por semana.*Implantação de serviços de assistência médica* Dentre os fatos que aos poucos foram afetando a vida das pessoas deficientes ou portadoras de males que normalmente podem levar à instalação de uma situação incapacitante. e na época de Constantino havia 150 delas. Roma ainda não era alimentada por fonte alguma de água. no Império Romano todo. . vitórias e dificuldades do imperador Trajano e suas legiões. existe um vaso de origem romana . . incluindo os portadores de deficiências de ordem física. a não ser o próprio Tibre. Água potável e de boa qualidade certamente ajudou também os romanos na luta contra epidemias e contra muitos males. verdadeiros lugares de prazer. Ela apresenta numa seqüência ininterrupta. volume que nenhuma cidade moderna. Nota-se também o seu pé esquerdo numa posição deformada. devido a uma deformidade de origem poliomielítica talvez. toda a vida de lutas.C. enquanto dois outros ajudam um terceiro. como se fosse um pé eqüino. O sistema de assistência aos doentes. onde permaneciam estacionados servidores públicos provenientes da Capital do Império e suas legiões. em Roma. o jurisconsulto.. "O velho Ápio. . o que poderia parecer impossível sem a visão.. de Sêneca). não apenas dava seus pareceres no senado e ajudava seus amigos com conselhos. demonstrando com clareza a seus alunos como traçar linhas. Sêneca. a 5 quilômetros da vila de Pau. ele se aplicou mais do que nunca à filosofia. não tem o pé e o homem usa uma espécie de pilão para apoiar o joelho. sem distrações outras a não ser tocar o alaúde à moda dos pitagoreanos. A mais importante de suas antigas construções é sua catedral. públicos ou privados. dois sábios romanos chegaram a expressar com muita clareza o que pensavam de pessoas portadoras de deficiências de seu conhecimento.. a nordeste dos Pirineus. em ser mutilado?" . . o que me faz crer que a natureza produz essas pessoas a fim de que se perceba que a virtude pode nascer em qualquer lugar" . Tive em minha casa por muito tempo o estóico Diodote. Cícero é bem explícito quanto a um problema incapacitante na vida de uma pessoa. continuou a ensinar geometria. Em outra de suas obras. Num passado bem remoto ali estava localizada Beneharnum. sem faltar em nada a qualquer de seus deveres. "Se você imagina que. bastante conhecido entre os homens de Eritrícia. sendo.. Depois que perdeu a visão. diz você. exercia a mais elevada magistratura. filósofo. apesar de cego depois de longo tempo. respondeu a alguém que lhe havia perguntado o que lhe incomodava mais com a perda da visão: . Druso. formando uma primitiva e eficiente perna de madeira. se eu considerar nosso amigo Clarano. por terem sido pouco clarividentes em seus negócios. deve-se às vezes amputar membros que não poderiam . Liam para ele dia e noite. São eles Cícero e Seneca. muito aprazível cidade galo-romana que foi mais tarde destruída pelos sarracenos. em ver seus filhos cair na miséria. e morreu em 65 d.. Num de seus mosaicos parcialmente destruídos percebe-se a figura de um homem dando uma larga passada à frente de um animal. Fala sobre a adequacidade de alguns homens cegos famosos. mas que o corpo recebe certos brilhos pela beleza da alma" ("Lettrês à Lucilius". alguns anos antes de Cristo e mesmo à época da vida de Jesus. "é que me falta um criado para me acompanhar" ("Tusculanae Disputationes de Cícero). fica o vilarejo de Lescar.. mais de 100 cartas ao seu amigo Lucílio. contemporâneo de Jesus Cristo. como remédio. em ser marcado pela calúnia. e.. Sêneca também comenta a respeito da importância de compreender os problemas que nos afetam. estava sempre cheia de clientes que.. ele me parece belo e tão reto de corpo quanto de espírito. em enterrar sua mulher. apesar de ter perdido a visão. Cneo Aufídio. Em minha infância.Nas poéticas paragens do vale do rio Gave. neste contexto. todavia. "Parece que Clarano existe expressamente para nos ensinar que a alma não é manchada por deformidades do corpo.C.. em ser mandado para o exílio. ou seja. mas também escrevia sobre história grega e era versado em literatura. Diz ele: "Finalmente. ali tomavam um cego como guia.. escreveu muitas obras de grande interesse até nossos dias e dentre elas cumpre destacar. pois Lescar já foi sede de bispado. ou de seu conhecimento face à vida.. mas sem com Ele ter tido qualquer contato.D. . mesmo que sejam deficiências físicas sérias: "Existe alguma vantagem. que havia sido pretor. portanto. Diz-se que Asclepíades. A perna direita da figura. A casa de C.*Valores espirituais em pessoas deficientes* Em Roma. quanto à cegueira. o grande pensador e filósofo romano que nasceu no ano 4 a. Numa delas ele analisa o problema das deficiências físicas de ordem mais grave e os valores espirituais existentes nas pessoas deficientes. Um grande homem pode sair de um lar pequeno e uma grande alma pode ser encontrada num corpo pequeno e disforme. os oprimidos. ou seja. surgiu e colocou-se face à humanidade para iniciar uma substancial transformação que alteraria todo o curso da História do Mundo.enfim. e seus muito pomposos governantes desfrutando de muita autoridade. E não podemos nos esquecer do fator que talvez tenha sido dos mais relevantes àquela época. Essa paz que passou para a História não foi garantida apenas pelas armas muito superiores dos romanos e de seus "aliados". sem ter-se provado antes". direitos esses que eram conseqüentes do esmero com que eram tratadas as leis em Roma. da simplicidade de vida e da humildade. de Sêneca). ela não pode ser considerada como o único. mas também por um aceitável sistema administrativo nas províncias e nações conquistadas e por boas estradas. você se deixará convencer que certos males são vantajosos para aqueles que os sofrem" ("De Providentia". O conteúdo da doutrina cristã que era toda voltada para a caridade. muito mais do que eles. não chegava a atinar com o verdadeiro significado dos problemas que atormentavam continuamente certas camadas da população. O IMPÉRIO BIZANTINO E A IDADE MÉDIA FACE AS PESSOAS DEFICIENTES 1. "Ninguém conhece o que pode. com seus mais de sete séculos de lutas e muitas vitórias. todos aqueles que compunham a massa dos pobres do glorioso Império Romano.ficar unidos ao corpo sem causar sua destruição. em absoluto. "O importante não é o que você sofre. ou seja. CAPÍTULO TERCEIRO O CRISTIANISMO. sempre garantida pela força de legiões bem treinadas e bem armadas. fator que de certa forma viabilizou inicialmente a divulgação do novo modo de ser e pensar "cristão". Embora a própria origem da nova doutrina tivesse sido um dos principais fatores diretos de seu sucesso. sem cultura e de origem judaica. Mas.que. os servos e outros mais . Houve também fatores indiretos que deverão ser levados em conta. mas como você sofre". O Advento do Cristianismo Se analisarmos as circunstâncias que cercaram o aparecimento do Cristianismo no mundo. convém ressaltar aqui o lamentável estado moral da sociedade romana como um todo . Eis alguns outros pensamentos desse sábio pensador romano: "Ninguém. para a valorização e compreensão do significado da pobreza. coordenadas num imenso Império cujo poder central localizava-se em Roma. conteúdo esse pregado por Jesus Cristo e . tais como os escravos. Esses fatores todos . E havia um outro fator ponderável: pelo fato de haver duas línguas básicas em quase todo o Império.por mais estranho e irônico que possa parecer apresentaram-se no início da vida cristã como agentes facilitadores. me parece mais infeliz do que o homem ao qual nada de infeliz aconteceu jamais". ou seja. e um dos mais significativos foi a consagrada "Pax Romana": a paz garantida a vastíssimas e muito diversificadas regiões do mundo conhecido. o latim e o grego. ficaremos muito admirados. para o perdão das ofensas. que um grupo de homens muito simples. a uniformidade de direitos garantidos a todos os seus habitantes.especialmente a mais favorecida . para o amor ao próximo. além dos desmandos quanto a usos e costumes. pois foi precisamente quando o Império Romano apresentava-se a todas as nações como uma realidade imbatível e de sólidas raízes. No entanto. outros mantiveram-se alienados como sempre. Marco Aurélio. tais como os portadores de deficiências físicas e mentais. Problemas graves e muito sérios surgiram desde os primeiros anos e mantiveram-se por três séculos. E houve. Maximino. hebréia ou de qualquer outra natureza. grega. um novo e mais justo posicionamento quanto ao ser humano em geral. Trajano. sem dúvida. egípcia. inúteis. para desencorajar sua expansão: as famosas perseguições aos cristãos. Sétimo Severo. Décio. antes considerados como meros pecadores ou pagadores de malefícios feitos em vidas passadas. Foram elas decretadas por diversos imperadores romanos: Nero. Aos poucos. muito beneficiou os escravos e todos os grupos de pessoas sempre colocadas de lado e menosprezadas na sociedade romana. . ou simplesmente como seres que. a História nos conta que as conquistas do Cristianismo não aconteceram nem com facilidade nem com tranqüilidade. como também recusava-se a reconhecer a pretensa característica de divindade no imperador romano. aqueles que eram vítimas de doenças crônicas. deveriam continuar sendo eliminados ao nascer. No meio deles. estabeleceu as bases para transformar o Cristianismo incipiente em uma religião de caráter absolutamente internacional. Domiciano. Iniciaram as autoridades romanas a repressão violenta. a feroz perseguição de Galério). tendo sido extremamente fácil descobrir aspectos "negativos" na audaciosa religião de um só Deus. Essa característica chamou imediatamente a atenção dos governantes romanos. não aceitavam em hipótese alguma essa espécie de organização judaica que se instituía e que afirmava manter uma religião "não licenciada" pelas autoridades de Roma à busca de adeptos em qualquer das nações integrantes do Império. Tiveram como conseqüência muitas mortes provocadas por sentenças injustas e por vezes . que respeitavam (ou ignoravam) as religiões e crenças locais ou nacionais dos povos conquistados. franca. alguns começaram a posicionar-se favoravelmente a esse novo modo de ver o seu semelhante. Foi dessa maneira que o Cristianismo começou a ser olhado pelas autoridades como movimento ilegal. muitos reagiram ferozmente contra tudo o que se relacionava com cristãos ou sua doutrina. possuídos por maus espíritos. com um destino imortal . que não apenas desprezava deuses sem conteúdo e "surdos-mudos". A minoria cristã foi aos poucos adquirindo mais e mais adeptos para se transformar em pouco mais de três séculos maioria absoluta. como talvez fosse a intenção inicial. com a implantação e solidificação do Cristianismo. não importando em nada sua situação social ou mesmo sua nacionalidade. conquistou a grande horda dos desfavorecidos em primeiro lugar. principalmente na Europa e no Oriente Médio. fosse ela romana. universal. em vez de tentar inutilmente manter-se como parte da religião dos judeus. ressaltando a importância devida a cada criatura como um ser individual e criado por Deus. O próprio Concílio de Jerusalém. em muitos casos.divulgado com nuances cada vez mais convincentes. Aureliano e Diocleciano (e sob seu nome. segundo as leis e costumes de Roma recomendavam há séculos.*As perseguições aos cristãos nos primeiros séculos* A nascente Igreja Cristã foi primeiramente desalojada da Sinagoga e depois perseguida pelos judeus devido às profundas divergências existentes. Nos primeiros tempos da Igreja Cristã houve um significativo impulso ao sentimento fraternal entre os cristãos. o que levou seus primeiros líderes e adeptos (muitos dos quais haviam conhecido Jesus em vida) a procurar montar sua própria organização. Tudo isso deixou perplexos todos os que deles viviam despreocupados.o que. Valeriano. pois o Império e seus mandatários. citado nos Atos dos Apóstolos. como afirmavam seus líderes. de defeitos físicos ou de problemas mentais. dependendo sempre dos tipos de homens encarregados de sua vigilância. "por um ato de clemência do imperador".de Allard). pela da mutilação corporal e finalmente o governo mandou adicionar à pena das minas. . o seguinte: "De 308 a 310. bispo de Cesaréa.que depois tornou-se imperador com o cognome de Caracala. A grande tragédia das violentas perseguições. Marco Aurélio Antonino. assassinado pelo próprio irmão em 212. De sua parte Allard nos diz. começou a ocorrer a dispersão violenta. Depois. Esta foi a humanidade e esse lhes pareceu um gênero brando de suplício contra nós. Mommsen afirma que "na perseguição aos cristãos que teve lugar sob Diocleciano. de maneira alguma seria possível contarmos o número daqueles aos quais foi primeiramente extraído o olho direito e depois cauterizado com um ferro. se estivermos bem informados. testemunha o seguinte ao falar dos cristãos perseguidos e condenados: "Ordenou-se que a partir de então vazassem nossos olhos e aleijassem uma de nossas pernas. cuja intenção principal era desencorajar as afrontas dos cristãos aos usos. na África. Alguns desses imperadores. sob o ponto de vista do Código Penal Romano. condenação sumária ao suplício ou apenas perpétuas e mesmo à morte durou 129 anos. organizou uma campanha contra os caledônjos revoltados. levando consigo seus dois filhos e herdeiros. ou daqueles aos quais foi estropiada (a musculatura) a barriga da perna esquerda com um ferro em brasa. de Eusébio de Cesaréa). desenvolveu um governo bastante firme. seguidas de aprisionamento. . E durou tanto tempo com certos imperadores que seus juízes chegaram a ficar literalmente cansados de não obter resultados satisfatórios. o sábio e firme imperador* Nascido em Leptis Magna.C. sendo imediatamente após condenados às minas existentes na província. Por vezes os algozes desses muitos cristãos que estavam condenados às minas pelo resto de seus dias permitiam que se reunissem para orar e mesmo para formar pequenos grupos que foram sendo chamados de "igrejas". em seu pormenorizado estudo sobre a implantação do Cristianismo no Império Romano. as pedreiras da Tebaida. Segundo os historiadores. Sétimo Severo foi imperador dos romanos de 193 a 211 d. da Palestina e do Chipre.*Sétimo Severo.. e Lúcio Sétimo Geta. Já no final de sua vida. viam chegar longas cadeias de cristãos. bem como da produção das diversas minas.muito cruéis. deixava-se inicialmente a cada tribunal. preocupados em manter uma certa imagem de clemência e de humanidade. e morto na Bretanha (hoje Inglaterra). a liberdade de agravar as penas como bem lhes parecesse. todavia. após a morte do pai. Uma séria mancha em seus dezoito anos de imperador foi uma acirrada e forte perseguição contra os cristãos. que viveu entre 267 e 340 e foi um religioso que gozava da mais absoluta confiança de Constantino I. o Grande. resolveram mudar de tática: os juízes passaram a receber ordens para não mais condenar os cristãos à tortura e à morte.. o vazamento do olho direito e a amputação do pé esquerdo" (" Le Droit Pénal Romain". Ao comentar a questão das mutilações impostas aos cristãos. Dessa forma. quase todos coxos e cegos" ("Le Christianisme et l'Empire Romain". de Mommsen ). incluindo sempre os portadores de deficiências sérias e limitadoras da capacidade de trabalho. as minas da Cilícia. não tanto para trabalharem mas para serem atormentados" ("História Eclesiástica". Eusébio. costumes e autoridades estabelecidos. sua transferência de mina para mina e finalmente a decapitação dos condenados enfermos e menos produtivos. por causa dessa brandura dos homens ímpios. com 62 anos de idade. A respeito de sangramentos ou hemorragias por cortes profundos ocorridos em acidentes ou em campos de batalha. tais como a gota. Diz. no ano 212. "o próprio Esculápio lembrava que as pessoas concebidas durante o tempo da lua (cheia) estarão sujeitas a ataques epiléticos".C. tais como a gota.000 obras que continuamente consultava. Sétimo Severo. a elefantíase. o sábio Samônico: "Vários. . . assumiu o poder seu filho cognominado Caracala (Marcus Aurelius Antoninus Bassianus . quiseram proclamar Antonino imperador. Para compreendermos o significado de seu nivel de cultura.000 homens importantes que considerava seus críticos e opositores.. É sobre a epilepsia que ele faz uma alegação pouco aceitável. superando a dificuldade de movimentação de varias maneiras.C. Através dela passou para a posteridade receitas de muitos remédios e orientações quanto ao combate de certos males bem específicos. mesmo para aquela época:. Verifica-se.188 a 217 d. os males das articulações. imperador que morre com deficiência séria* . para a qual poucos remédios surtiam efeitos reais.C. da qual o deus de Epidauros enumerou 30 espécies. todavia... numa seqüência macabra. a epilepsia. Samônico indica um preparado popular que devia ser muito utilizado . É o historiador Lissner que nos conta sobre o grave problema físico desse grande imperador romano. portanto. manteve-se sempre muito ativo.. de Lissner). Para garantir-se no poder. então. Embora tenha sido escrita no início do século III d. basta que saibamos o seguinte: Samônico tinha uma biblioteca com mais de 60. cozido com casca de ovo.. são os remédios próprios para a cruel podagra. eliminou primeiramente seu irmão Lúcio Sétimo Geta e. Neles vemos inseridos algumas doenças ou problemas que podem levar a deficiências físicas ou sensoriais. Dentre eles iremos encontrar o grande sábio Samônico (Quintus Severus Samonicus) que foi assassinado durante uma festa por ordem direta do imperador.*"Praecepta Medica" e os males incapacitantes* Quando da morte de Sétimo Severo no ano 211 d. as doenças da visão e da audição e outros. a menos de dez anos após a morte de Cláudio Galeno.). de Sammonicus).. fez-se transportar em liteira" . e que já mencionamos anteriormente: "O esterco de cavalo. exceto seu filho. Escreveu uma interessante farmacopéia em versos que chegou até nossos dias e intitulada "Praecepta Medica". certa objetividade face a problemas graves.por soldados e por civis sem qualquer distinção. é ainda um remédio de maravilhosa eficácia para estancar a saída de sangue" ("Praecepta Medica". Severo fez-se transportar ao tribunal. nota-se na obra de Samônico progressos muito pouco significativos na medicina. e declarou: Sabeis agora que se governa com a cabeça e não com as pernas" ("Les Césars". "os soldados. durante a campanha da Inglaterra. Ele próprio afirmou que impor o repouso ao paciente será correto para pelo menos mitigar sua triste dor". mandou matar mais de 20. compadecidos com os sofrimentos de Severo. levado de um lado para o outro pelos seus soldados ou escravos.Devido a atrozes dores provocadas pela gota em seus pés e pernas.e com sucesso . No entanto.*Galério. puniu implacavelmente os responsáveis por essa iniciativa inoportuna. informando: "Sofrendo atrozmente de gota. Há conceitos baseados apenas em crendices e há indicações de alguns preparados inócuos. Sétimo Severo não conseguia mais andar. vendo-se em verdadeiro perigo de vida ao tratar o imperador. usou de absoluta sinceridade. Para outros o severo castigo deixaria as marcas impostas pelo imperador ou em seu nome. foi ele o primeiro imperador que. Embora pareça irônico. O mal caracterizava-se por ulcerações muito sérias e que. essa liberação só aconteceu devido a uma gravíssima moléstia que o atingira e que o havia incapacitado de andar no último ano de sua vida. a crueldade dos juízes e das mais altas autoridades nas diversas Províncias do Império Romano era por vezes incompreensível e assustadora. no qual já haviam sido iniciadas as providências concretas para não mais perseguir os cristãos e para libertar os que estavam presos e condenados à morte ou ao suplício. levando Galério a perder muito sangue. simplesmente por não quererem se curvar ou reverenciar o imperador Diocleciano como . de resto. pela segurança da república e deles mesmos.. pelo qual liberava a religião cristã. um deles. formalmente permitiu à religião cristã sair da clandestinidade em que vivia.No ano 311 falecia Galério (Caius Galerius Valerius Maximianus) imperador entre 293 e 311 d. . muito irritado com a falta de bons resultados. Sua grave enfermidade e sua morte trágica foram consideradas por todos os cristãos como um verdadeiro castigo de Deus. Para uma infinidade a morte foi o destino imediato. um dos integrantes da tetrarquia romana e dos mais cruéis perseguidores dos cristãos por um longo periodo de doze anos. chegou a Antióquia e interpelou um juiz chamado Asclepíades. resolveu o imperador desesperado publicar um édito imperial de caráter geral. Disse-lhe que ele se enganava em esperar que os homens pudessem livrá-lo de um mal que lhe fora mandado por Deus.como era rotina . E as decisões quanto à imposição de torturas eram sumárias. mandou executar diversos médicos que não haviam conseguido minorar seus males ou que não haviam suportado o mau cheiro de suas úlceras. e sem mais poder mover suas pernas devido à deformação de seus pés. Galério. As feridas chegaram a atingir seus intestinos. Chegou até a recorrer a Apolo e a Esculápio. na Palestina. que estava condenando os cristãos a diversos tipos de tortura. indicando com isso onde poderia estar a solução.. ao final de sua vida. a fim de que a república prospere de todos os lados. No entanto. de acordo com esta graça que nós lhes fazemos. considerando nossa mui doce clemência e o costume que temos sempre observado de perdoar a todos os homens. e restabelecer seus lugares de reunião. tudo o que deverão observar. por outra carta. cremos dever dessa forma estender nossa ampla indulgência sobre eles (os cristãos) de tal maneira que possam ser cristãos como antes. Mutilações ocorriam em muitos casos. faremos cientes os juízes. apud Rohrbacher). No entanto. e que eles possam viver seguramente em suas casas" (Citação de Santo Eusébio. o cruel imperador mandou vir médicos de todos os recantos de seu Império. que era cristão. Galério morreu pouco depois da divulgação de seu decreto em todo o Império Romano. eles serão obrigados a rezar ao seu Deus por nossa saúde. conforme indicamos antes. Portanto. um corajoso diácono da igreja de Cesária. Acreditando em tudo o que lhe sugeriam. Durante a perseguição conhecida como de Diocleciano. E lembrou Galério sobre os muitos anos de perseguição feroz dos cristãos. por meio de um édito especial. mas seu problema não só continuou como piorou.*Mutilações em cristãos: a língua de São Romão* Conforme nos relata o historiador Rohrbacher. sem qualquer tipo de resultado.reabriam sempre. Enfraquecido ao extremo. Mas colocou algumas restrições aos cristãos: ". pelo ano 303 aproximadamente. na condição de que não façam nada contra as leis..C. apesar de serem tratadas com ferro em brasa . os criminosos . Um desses fatos está inserido na vida de São Miles. pés presos ao chão. . relacionando-as com manifestações superiores. tornar-se eterna. cujo temperamento. arrogância e orgulho haviam causado sérios problemas ao clero a ele subordinado. Constantino taxou esses costumes de "parricídio" e tomou providências para que o Estado colaborasse para a alimentação e vestuário dos filhos recém-nascidos de casais mais pobres. inclusive os detestados cristãos. Esse médico. como uma espécie de relíquia. o juiz mandou aprisioná-lo e torturá-lo. Ariston.dentre os quais os cristãos estiveram inseridos por longo tempo. E assim mesmo.embora não generalizados . Segundo a história. dentre muitos.*Um bispo com deficiência: Castigo de Deus?* Há fatos narrados por historiadores da Igreja que falam sobre deficiências físicas. pois condenava abertamente muito do que o sistema vigente aprovava. conhecido como Romão. Essa lei considerava os costumes arraigados . E ele respondeu com clareza. como a libertinagem das pessoas solteiras. havia um bispo chamado Papas. O juíz e o próprio Diocleciano.divino. dessa forma. .de mais de cinco séculos. durante as torturas o bravo diácono não deixava de reprovar o que estava acontecendo. os bispos reuniram-se num sínodo no ano 314. fizesse morrer o recém-nascido que ele não queria que sobrevivesse.*Alterações substanciais provocadas pelo Cristianismo* O Cristianismo foi muito relevante na mudança da mentalidade imperante no século IV. Asclepíades mandou amputar sua língua. Foi o imperador Constantino que. levando a verdadeiro cisma na Igreja da Selêucia e de Ctésiphon. principalmente entre São Miles e Papas. mandado de volta à prisão. Diocleciano passou a temer tanto a influência desse loquaz cristão aprisionado que mandou colocá-lo com os pés presos ao chão por argolas de ferro. Diante da seriedade do problema. mas que não havia suportado o martírio. no Império Romano. indicando por vezes castigo de Deus por faltas cometidas. No entanto. a perversão do casamento. bispo de Susa. foi barrado por um soldado que perguntou seu nome. usou instrumentos próprios para essa operação e guardou consigo a língua decepada. que não só permitiam como também exigiam que o pai de família. Exigiu que essa nova lei fosse publicada em todas as cidades da Itália e da Grécia. Devido à óbvia inconveniência da palavra desabrida daquele cristão. foi enforcado no mesmo dia em que Diocleciano celebrava a festa do vigésimo aniversário de seu Império. foi chamado um médico ali presente. devido a defeitos ou a mal-formações congênitas. editou uma lei que bem demonstra a influência dos princípios defendidos pelos cristãos de respeito à vida. . condenando em altos brados a vaidade da idolatria e ressaltando a excelência do Cristianismo. senhor absoluto de tudo e de todos no lar. em sua própria cela. Ocorreram discussões apaixonadas. Para tanto. ocasião em que mandou soltar muitos prisioneiros. O castigo infligido a Romão é um pequeno exemplo das muitas mutilações de que foram vítimas. O mártir. a morte de crianças não desejadas pelos pais devido a deformações. em 315. que também era cristão. prevalecentes em Roma e em Esparta principalmente. e que fosse em todas as partes gravada em bronze para. Diante do desafio público. apesar da língua amputada. Ariston mostrou a língua decepada e disse-lhes que Romão era um homem protegido por Deus. presente em Antióquia. suspeitaram do médico e mandaram-no chamar. em vez de se alegrar de ter o que os santos e os apóstolos tinham. assustado e ao mesmo tempo chocado com aquela atitude questionadora. não desdenhe aprendê-las do Evangelho do Senhor que aqui está" . Seu ardor pelo estudo não o fez parar nesse ponto de conquista. das Sagradas Escrituras do Antigo e do Novo Testamento. Mas Santo Antão repetiu a pergunta uma segunda vez. pois tomou o livro entre as maos e olhando-o ferozmente gritou: "Fala. Gravou o alfabeto em madeira e depois aprendeu pelo tato as letras. Evangelho.. a fim de tomar conhecimento dos melhores livros. Era estimado e respeitado pelos mais santos monges e eremitas do Egito. Miles. adormeciam. Segundo seus biógrafos. e à falta da resposta perguntou uma terceira. Aprendeu as regras de línguagem e da gramática. Pelo contrário. Em seguida. No mesmo instante Papas sentiu a metade de seu corpo sem movimento e sem vida. tirou-lhe o Evangelho das mãos. teólogo cego: diretor da Escola de Alexandria* Dídimo perdeu sua visão aos 4 ou 5 anos de idade. Quando chegou a Alexandria.Procurando descobrir a causa do ódio com que Papas agia para com seus sacerdotes. Dídimo confessou que sim. o bloqueava. Dominava a dogmática da Igreja Católica. a geometria. Miles perguntou se ele afinal considerava-se um Deus.*Dídimo. É mais importante preocupar-se com a alma do que com esses olhos dos quais um só olhar poderá perder o homem eternamente".. a cegueira o afligia. atraiu muito a atenção e recebia muitas visitas de pessoas que queriam ouvi-lo. Tornou-se um ótimo conhecedor das letras sagradas e de assuntos humanos. a música. trecho por trecho. ele meditava muito sobre o que acabara de ouvir e assim gravava o assunto em sua memória. num tom profético e inspirado disse ao bispo irreverente: "Já que em teu orgulho ousaste falar dessa maneira contra as palavras de vida do Senhor. Tinha amigos importantes. portanto. e conseguiu ajuda de pessoas que se prontificavam a ler para ele. fala!" . e sobre os dogmas discutia com precisão e muita propriedade. os mais belos trechos dos poetas e dos oradores.talvez o mais famoso dos eremitas . No entanto. Conhecia a filosofia de Platão e de Aristóteles. Miles colocou-o sobre a mesa dos debates e lhe disse: "Se menosprezas aprender coisas de minha parte. que conseguia explicar. que acabou indicando seu nome para Diretor da Escola de Alexandria. Papas não conseguiu conter-se mais. . cansados. . a astronomia e as diferentes opiniões dos filósofos. Quando seus ledores. as sílabas. Tombou sobre um lado e assim permaneceu. Recebeu um dia a visita de Santo Antão . não expirarás: a vida ser-te-a conservada como um milagre de punição". Santo Antão lhe disse nessa oportunidade: "Admiro-me muito que um homem sábio como voce se aflija de haver perdido aquilo que as formigas e as moscas possuem. as palavras e depois as frases inteiras. por eu ser um mortal. esse problema não diminuiu sua vontade de saber.. Tomava providências para ouvir professores célebres. Viveu assim por mais doze anos.que lhe perguntou se a cegueira o incomodava. das mais variadas maneiras. Dídimo teve vergonha de responder e de confessar sua fraqueza. quando já era moço. No calor das discussões Papas respondeu muito irritado: "Insensato! Tu queres me ensinar coisas como se eu não as conhecesse?" Tomando o livro dos Evangelhos que trazia consigo.. até sua morte no ano 326. quando começava a aprender a ler. eis que seu anjo está pronto para secar metade de teu corpo para inspirar o terror a todos. dentre os quais cumpre citar Santo Atanásio. parece que até a inflamou. beijou-o com respeito e aproximou-o dos olhos. e também noções de retórica. . Há historiadores da Igreja Católica. na Capadócia.Dídimo foi Diretor da Escola de Alexandria do ano 345 até 395. na Síria. ano anterior à sua morte. vítimas da carestia de víveres e também de vários outros males. o primeiro hospital cristão de que se tem notícia foi aquele criado por São Basílio. cidade hoje conhecida como Urfa. marcados pela finalidade expressa de abrigar viajantes enfermos de um lado. os ricos cristãos de Edessa argumentaram que não tinham podido até aquele momento decidir qual deveria ser a pessoa honesta à qual poderiam confiar dinheiro para uma justa distribuição ou uso. Naquele ano (370).*Os primeiros hospitais cristãos e as pessoas deficientes* Sob a influência da religião cristã e graças aos seus preceitos de mansidão. Sozomen (* Sozomen foi um historiador da Igreja Católica que viveu no século V. Rufino e Paládio. que havia saído de sua reclusão no deserto para censurar todos os cidadãos ricos da cidade devido à sua falta de caridade face à situação. e as riquezas e comodidades dos mais poderosos continuavam intactas. Dentre seus alunos mais renomados podem ser citados São Jerônimo. tanto naquelas épocas quanto durante toda a Idade Média. Efraim não duvidou e lançou a pergunta: "E qual é a vossa opinião a meu respeito?" Os apaniguados cidadãos responderam que ele certamente era um homem honesto e a ele entregariam de bom grado as contribuições para uma aplicação justa. de caridade e de respeito a todos os semelhantes (motivos bastante sérios para dedicação a uma beneficência ativa e voltada à população mais pobre) começou logo a ocorrer o surgimento de hospitais em algumas localidades. e doentes agudos ou crônicos (e dentre estes muitos casos de pessoas deficientes) de outro lado. e que acabou sendo aceito para designar "abrigo para doentes". o Grande (329 a 379). Ali começou a ser dada atenção a todos os que sofriam de doenças graves conseqüentes à falta de gêneros ou à alimentação deficiente (Apud "Encyclopaedia of Religion and Ethics"). . hoje Turquia. pois estais perdendo vossas almas. que reinou entre 76 e 88 como Bispo de Roma. que afirmam ter sido o papa Anacleto. Efraim lhes disse: "Essa riqueza que acumulais com tanto cuidado. todavia. que valem mais do que todos os tesouros da terra".. quando na verdade pela sua derivação do grego significa "abrigo para estrangeiros" ("xenós" para estrangeiro e "dócheion" para abrigo e proteção). célebre autoridade da Igreja Cristã. Edessa recebeu a intempestiva visita do eremita Efraim. numa ala de sua propriedade. assolada por uma terrível onda de carestia de víveres e de males decorrentes. termo muito utilizado. no ano 375. entretanto. servirá apenas para condenar-vos. Dídimo escreveu diversos estudos e deles os mais famosos são "Sobre o Espírito Santo" e "Sobre a Trindade". Muito aborrecido com essa falta de envolvimento cristão. o primeiro a organizar um abrigo para as vítimas de uma violenta peste que assolava toda a região. Esse hospital teria sido construído às portas de Cesaréa. Era conhecido pela genérica e famosa designação de "xenodóchium".. com o qual encomendou imediatamente trezentas camas que foram instaladas no vestíbulo de um edifício público cedido pelos poderes locais. Segundo alguns outros autores. na cidade de Cesaréa. Isso aconteceu em 76 e deve ter sido o primeiro exemplo de um hospital cristão. Assustados e persuadidos por essas contundentes palavras do anacoreta. pois as que conheciam eram pouco honestas e confiáveis e seriam capazes de desviar o montante coletado dos seus fins originais. recebeu Efraim um significativo volume de dinheiro. Os pobres morriam sem receber ajuda. Efetivada a coleta. consistindo de vários edifícios separados. Uma das suas obras mais conhecidas é a “História Eclesiástica) relata-nos a fundação do chamado "Hospital de Edessa". ela distribuiu e alienou. ornamentada com todos os esplendores do culto triunfante e servida por uma comunidade de monges. com instalações reservadas para males humilhantes que arrastam consigo o contágio e a vergonha. edificando a todos pelo seu zelo. multissecular e muito abastada família patrícia dos Fábios. o que era conhecido pelo nome de "xenodóchium". que era considerável e proporcional à sua linhagem. inspecionando tudo. ou seja. Naqueles três primeiros séculos da Igreja Cristã os doentes de famílias mais abastadas continuavam a ser tratados em suas próprias residências. São Basílio passava a toda hora. sobre um terreno antes deserto. que nascera fora do Cristianismo e a ele se convertera quando já era casada pela segunda vez. uma carta de São Jerônimo (347 a 420) a um cristão de Roma.. Nas imediações todas movia-se uma multidão de auxiliares.. conforme poderá ser constatado em um documento daquela época. dos quais o próprio São Basílio era o superior. de Broglie). com caracteres gregos em sua carta original. Ao centro desses edifícios elevava-se uma vasta igreja. indica-nos a inexistência de um termo próprio em latim para o novo tipo de organização de caridade na qual Fabíola e seus . como vimos. destinando o dinheiro aos mais necessitados dos pobres. falando com todos. Um século depois. todo esse lugar de Cesaréa ficou conhecido como "Basilíada" ("L'Eglise et l'Empire Romain au IVe Siècle". Ao analisarmos os termos utilizados pelo famoso santo da Igreja Católica. "et prima omnium "nosokómeion" instituit" ( e antes de mais nada criou um "nosokomeion"). Oceanus. de carroceiros. que recebia também doentes e miseráveis da própria localidade e seus arredores. não podemos nos esquecer de que aproximadamente à mesma época surgira a primeira tentativa bem sucedida de cristãos na aplicação prática dos preceitos da caridade. Num certo ponto da missiva São Jeronimo afirma: "Todo o seu patrimônio. ou seja. Verificamos que no texto original latino São Jerônimo utilizou estas palavras: . ao escrever essa carta. cuidando das coisas necessárias à vida. no meio dessa população animada. um grande e bem organizado abrigo para peregrinos e estrangeiros doentes ou com problemas. ele mesmo. no seio da famosa. Lá ela recebia pessoas com os mais severos males. é uma análise sintética da vida dessa mulher muito dedicada. A famosa e muito inspiradora carta. uma notável mulher de nome Fabíola dedicou toda a sua fortuna e todo o seu tempo e energias para organizar o que é reconhecido como o primeiro hospital de caridade do Império Romano. Ali havia um lugar de repouso para o viajante. e logo em seguida ela fundou um hospital para nele abrigar os doentes abandonados nas ruas e mitigar os sofrimentos dos infelizes acometidos por doenças ou consumidos pela fome". E. Era a hospitalidade sob todas as formas. dando-se a essa palavra toda a acepção que lhe fez tomar a língua cristã. considerando todo aflito em geral como hóspede de Deus e da Igreja. . E eram essas instalações que São Basílio visitava mais vezes. de fornecedores. ou seja.. elevava-se como por encantamento toda uma comunidade edificada pela esmola e habitada pela caridade. aos braços dos leprosos.Num trabalho escrito no século passado Broglie apresenta a seguinte descrição desse verdadeiro conjunto hospitalar: "Às portas de Cesaréa. criando em Cesaréa. da mesma forma como sucederia por séculos mais. O uso do termo grego. um hospital para o doente.C. Era o próprio movimento de uma cidade populosa. que procurava incentivar a comunidade cristã local a dedicar-se cada vez mais ao próximo dentro dos princípios básicos da caridade cristã.*Fabíola e Pammachius associados num hospital de caridade* Na Roma do século IV d. um abrigo para o velho. de enfermeiros. lançando-se espontaneamente. o empreendimento foi concretizado e fortificado com o concurso de outras fontes de dedicação pessoal e financeira.. Ressaltemos que o esforço de Fabíola não foi isolado. E conforme foi dito foi feito. o concílio da Calcedônia (em 451) adotou a diretriz com ênfase e em seu cânone oitavo deu aos bispos a responsabilidade de organizar e prestar assistência aos pobres e aos enfermos. aos doentes crônicos e também aos portadores de deficiências físicas graves. Aqui. esses eram os tipos de doentes e de pessoas deficientes que Fabíola por vezes chegava até a carregar em seus braços para levar ao hospital. por exemplo. sobre Paulina. Essas precisas informações e os comentários que a elas estão relacionados poderão ser encontrados na íntegra no volume intitulado "Lettrês Choisies de Saint Jérome". Um é hidrópico que traz a morte dentro de si. mãos enfraquecidas. pés inchados?" Na verdade. ventrês tumefeitos. tais como. A ele São Jerônimo escrevera uma carta. Ao tentar convencê-los da necessidade de uma atuação prática. é hoje herdeiro de Paulina e co-herdeiro de Pammachius. como veremos a seguir. E é nessa carta que o leitor poderá encontrar esta pergunta: "Ouvi dizer que voce construiu um hospital no porto romano?" E se for analisar de perto os originais do documento famoso. segundo a grande autoridade da Igreja. pernas enfraquecidas. mas não para si". o Egito e Parthus souberam na primavera". pés mutilados. bem como ao novo hospital.colaboradores cuidavam apenas de doentes. em que as deficiências são expressamente citadas: "Aquele cego que estendia a mão e que muitas vezes pedia esmola a quem não o podia socorrer. perceberá que São Jerônimo. ainda pouco informado sobre todo o empreendimento. olhos vazados. Repare o leitor neste outro trecho que se relaciona à faustosa vila da família de Pammachius. associaram suas vontades. Aquele homem deformado e forçado a arrastar seu corpo. pois ao que tudo indica.. nariz decepado. recebendo também pessoas deficientes. sobre Fabíola. é necessário lembrar que ela colocava a hospitalidade como a virtude mais importante dos bispos. Fabíola e Pammachius. ou seja. São Jerônimo fala expressamente delas em algumas considerações adicionais que faz a Oceanus: "Mencionarei agora algumas calamidades humanas. . no texto latino usou a palavra grega geralmente adotada para tal fim: "xenodochium". As palavras de São Jerônimo deixam-nos a impressão clara de que verdadeiramente algumas riquezas existentes nos primeiros séculos do Cristianismo haviam-se voltado à causa dos mais miseráveis dos pobres. Foi construído um hospital e a ele a multidão acorreu e não há mais aflições em Jacó nem dor em Israel" . A Bretanha ficou sabendo no verão. Aquelas portas que vomitavam uma multidão de cortesãos. mas que as solicita de maneira mais tocante por não ter língua para a pedir. são hoje assediadas pelos pobres. "O mundo todo ouviu quase ao mesmo tempo que um hospital havia sido construído no porto romano. "uniram seus bens. com o expresso intuito de consolar esse importante cristão pela morte de sua esposa Paulina. . e a Pammachius. mas quatro anos antes daquela outra a respeito de Fabíola. um defeituoso de nascimento pede esmola. outro não tem língua e é mudo. como a de Pammachius. a mão de uma jovem ampara.*A hospitalidade cristã e o papel dos bispos* Para melhor compreendermos a prioridade que a Igreja Cristã deu às atividades que garantiram a assistência a pessoas pobres e marginalizadas nos seus primeiros séculos de existência. a fim de aumentar pela sábia inteligência o que a rivalidade poderia ter dissipado. sem a faculdade de pedir esmolas. destacandose as cartas a Oceanus. Esta construção foi reconhecida e confirmada no concílio de Orléans (549). 511) contou com a autoridade interessada de Childebert. Éfeso (431) e Calcedônia (451).*Notícias de organizações para pessoas deficientes* Como resultado prático de muitas recomendações conciliares a História da Humanidade nos mostra que várias organizações de caridade ou de assistência a pobres. visando uma atuação prática. o rei franco Childebert construiu um hospital de caridade na cidade de Lyon. Na verdade. durante esses três ou quatro primeiros séculos. foram elaborados no correr dos três primeiros séculos da Era Cristã. Foi levado a isso pela pressão da Igreja Gaulesa e de um modo especial do bispo de Lyon. porque "eles são homicidas de si mesmos". com mutilações de ordem sexual principalmente.. Para a Igreja surgiam problemas sérios. Constantinopla (381). para o pobre e para o enfermo que devido a seus males estejam impossibilitados de trabalhar por sua conta". Tanto isso é verdadeiro que já no 5º concílio da Igreja Gaulesa (ano 549). mutilações sexuais eram muito comuns. convencido das prementes necessidades dos pobres impossibilitados de se cuidar. os "Cânones Apostolorum". . existem restrições claras ao sacerdócio para aqueles candidatos que tinham certas mutilações. indicam o seguinte: "Que não se coloque dificuldade em sagrar como bispo. conhecidas popularmente e impropriamente como "xenodochium". seja como pretexto para "fuga do pecado". dentro da possibilidade de suas posses. O papel dos bispos no atendimento aos mais carentes da população foi aos poucos sendo delineado.Os primeiros indícios de regulamentação dessa assistência surgiram em alguns concílios da Igreja Gaulesa. do cânone vigésimo primeiro ao vigésimo quarto. O cânone décimo sexto dizia: "O bispo proverá alimentos e roupas. dando-lhes comida e roupas" (Apud "Encyclopaedia of Religion and Ethics"). através de seu cânone décimo quinto. de Guérin). . com recursos e instalações que de alguma forma se assemelhavam àquela primeira e bem sucedida experiência de Cesaréa. iniciada quase dois séculos antes.. ou que se tornou eunuco por malícia dos homens ou por crueldade dos tiranos" . aquele que for eunuco por natureza. seu afastamento das funções sacerdotais. foram estabelecidas já a partir do século V por influência direta da Igreja. já nos chamados "Canones Apostolorum". o cânone vigésimo primeiro determinava: "Os bispos devem cuidar especialmente dos leprosos. O primeiro desses concílios (Orléans. Logo a seguir o cânone vigésimo segundo declara como "irregulares" os casos de sacerdotes que se automutilavam. Tentando disciplinar a questão e esclarecer os bispos quanto à seriedade do problema. seja em conseqüência de castigos impostos pelos tiranos daqueles distantes séculos. Para casos de sacerdotes que tomavam essas medidas. no entanto.*A questão das deficiências físicas em sacerdotes cristãos* Segundo alguns historiadores da Igreja Católica. No ano 542. Todos os envolvidos rei e bispos . filho de Clóvis e Clotilde. considerados como dos mais importantes) a dar abrigo e ajuda aos pobres e àqueles doentes que eram abandonados pelos seus parentes. Finalmente o cânone vigésimo quarto "priva da comunhão pelo período de três anos o leigo que fez a automutilação sexual" ("Les Conciles Généraux et Particuliers".viam-se quase que forçados pelas decisões conciliares (na verdade a Igreja havia já organizado os concílios de Nicéa (325). o cânone vigésimo terceiro castiga com sua deposição. se o candidato for considerado capaz. cuja antigüidade todos desconhecem e que. a deficientes abandonados e a doentes graves ou crônicos. . Vejamos os dois acima citados: Primeiramente o concílio realizado em Angers. de faca em punho ameaçou cortar a própria língua na frente deles. Assim sendo. é de se ressaltar que a posição dos concílios nunca foi dissonante. todavia. reafirmou a mesma orientação de Hilário e do Concílio de Roma contra a aceitação de sacerdotes com deficiências.André. Tiveram. Encontraremos. foi revista e ampliada por M. nem o que não tivesse alguma parte de seus membros (Apud Thomassin). que se trata de um desses louváveis costumes que a Igreja emprestou da Sinagoga" (Apud Thomassin). "propisciendum ne duo simul sint in Ecclesia sacerdotes: nec literarum ignarus. muito generalizados no seio da população. um santo eremita que ao se perceber praticamente "ameaçado" pelo povo de ser elevado à dignidade do bispado. em sua obra "Ancienne et Nouvelle Discipline de l'Église" analisa em muitos pormenores diversas situações relacionadas aos bloqueios que as deficiências físicas ou sensoriais significavam para um homem ser aceito como sacerdote da Igreja Católica desde o início de sua criação até o final do século V. dados mais atualizados sobre o assunto. na conhecida Epistola II. Encontramos ocasionalmente pequenos relatos relacionados ao problema aqui analisado. que "se trata de uma antiga tradição e um costume observado desde muito tempo em Roma. Todavia. Gelásio I. Um deles. ou que deceparam algum membro" (Apud Guérin). Caso tivesse efetivado sua ameaça. que a publicou em sete volumes em 1865. muito convicto dessas justificativas para essa atitude de bloqueio a pessoas com defeitos ou problemas físicos. um também famoso doutor em direito canônico. Esse mesmo papa afirmava ainda. muito resoluto em sua posição de humildade. acostumada com barbáries sem conta: "São proibidas as violências e as mutilações de membros". pois o eremita. na Igreja Católica não deveria haver dois tipos de sacerdotes: nem o analfabeto. mais tarde canonizado pela Igreja. que foi escrita e publicada entre os anos de 1678 e 1679. Ou seja. Mas ainda no século V houve posicionamentos de dois concílios. diz com clareza: "Deve-se também excluir das ordens aqueles que não sabem ler. aut carens aliqua parte membrorum". De acordo com as próprias palavras do papa. Segundo esse famoso autor. conseguindo dessa forma dissuadi-los. estabeleceu em seu cânone terceiro uma forte medida contra sacerdotes que adotavam procedimentos cruéis. Já o concílio realizado em Roma no ano 465.O Padre Louis Thomassin (1619 a 1695). Assim. um dos primeiros papas a se manifestar abertamente a esse respeito foi Hilário. Amônio estaria incapacitado inclusive para ser sacerdote. ao afirmar em sua carta ao bispo de Lucânia que candidatos ao sacerdócio não poderiam ser nem analfabetos nem "ter alguma parte do corpo incompleta". em 453. as pessoas que o haviam procurado na tentativa de fazê-lo bispo. tomou uma providência extrema: cortou uma de suas orelhas. confirmando inclusive a posição do papa Hilário. voltaram a insistir com o mesmo propósito. destinada a caracterizar uma irregularidade. ficaram sabendo posteriormente que aquela mutilação seria apenas válida dentro da religião judáica e não para os cristãos. aprovou por aclamação cinco cânones. mais do que isso. mais adiante neste trabalho. portanto. A Igreja Católica dos primeiros cinco séculos sempre procurou demonstrar pelos mais diversos meios que essas restrições ao sacerdócio davam-se para benefício maior da Igreja e não por considerar as pessoas deficientes como indignas ou manchadas pelo pecado. A obra de Louis Thomassin sobre a disciplina na Igreja. Ressalte-se também que quando as deficiências ou males incapacitantes ocorriam "após a . Existem histórias até de automutilação. reunido sob a autoridade do papa Hilário. o de número três. uma surpreendente decepção. como no caso de Amônio. papa que reinou de 492 a 496. que reinou entre 461 e 468. ordenação sacerdotal". doentes ou deficientes físicos e mentais. Não nos é difícil imaginar a extensão dos problemas das pessoas portadoras de deficiências pelas causas usuais. alguns senhores feudais sentiram-se também obrigados a cuidar dos menos afortunados. já engajados por determinações conciliares. de bom ou mau grado.C. isto é. do Império Romano do Leste.que caíram nas mãos da justiça. a existência legal de punições de mutilação de membros ou do vazamento dos olhos das muitas vítimas .culpadas ou não . apoiados ou não nas leis. abrigando também eventualmente mendigos aos quais distribuiam a alimentação disponível. Foram onze séculos pujantes. uma vez que diversos de seus imperadores destacaram-se em sua história não apenas por suas lutas. roupa e algum dinheiro.*Constantinopla. ano em que Constantinopla tornou-se uma possessão dos turcos otomanos liderados por Maomé II. por Constantino I.e durante toda a sua duração estabeleceu com clareza sua característica fundamentalmente cristã. o Grande (274 a 337). a Igreja usava do máximo de benevolência e em geral não impedia o sacerdote de suas funções básicas. somando aos esforços dos bispos. quando a elas eram acrescentadas todas aquelas outras cegas e amputadas devido a penalidades impostas pela lei ou pelo poder absoluto dos imperadores. os mosteiros constituiram-se numa nova força impulsionadora da assistência social como pura expressão da caridade. ocasião em que inaugurou a nova capital imperial com o nome de Nova Roma e para lá transferiu o governo. Essas punições foram generalizadas e atingiram tanto a nobres senhores quanto a membros das camadas mais pobres da população. . No entanto. Neste trabalho sobre deficiências e pessoas deficientes o Império Bizantino tem um lugar especial. Instalado no ano de 330 d. utilizando as instalações dos chamados "xenodóchium" ou "nosocomium". Marca registrada da realidade bizantina foi. intensamente vividos na mesma época em que a Europa mergulhava numa etapa obscura e problemática da História que foi a Idade Média. Praticamente durante a Idade Média inteira.*Papel dos mosteiros na assistência aos miseráveis* Conforme verificamos anteriormente. Durante vários desses onze séculos foi uma notável unidade política que manteve muito viva a cultura clássica de gregos e de romanos . o "Reino de Deus na Terra"* . De outra parte. de fato. um grande impulso foi dado às diversas formas de assistência aos necessitados. conforme nos é transmitida nos países do mundo ocidental. espalhados por toda a Europa e Oriente Médio. com o advento e o fortalecimento do Cristianismo. por ser a caridade a própria essência da nova religião. os mosteiros eram de fato os únicos lugares que possuiam alojamentos destinados a recolher enfermos. incluindo integrantes das forças armadas. O Império Bizantino e as deficiências A História da Humanidade. . minimiza e chega mesmo a deturpar a importância eventual do Império Bizantino. responsáveis pela vida e bem-estar de seus súditos. caiu apenas em 1453. como também pela severidade dos castigos e penalidades que infligiam. 2. conquistas e intransigente defesa do Cristianismo. desde que dentro de seu feudo. que durou nada menos do que onze séculos. Eram outorgados através de cerimônias faustosas durante as quais o imperador entregava títulos. Angelus. mas principalmente os turcos. Constantinopla foi por muitos séculos considerada pelos seus habitantes como o verdadeiro "Reino de Deus na Terra".*A pompa e a circunstância na corte bizantina* Não é de admirar que as autoridades existentes no palácio do imperador e que com ele mantinham contatos próximos tinham permanente e inquestionável importância. E o historiador ou o . Dukas. Brilhou como estrela solitária no mundo durante toda a Idade Média e significou para muitos potentados um sonho impossível. que foram muitos. . havia na corte bizantina muitos títulos. pois havia sido estabelecido por ordem direta de Deus e questionar sua existência ou seu sistema de governo estava totalmente fora de cogitação. Exclusivamente para a família do imperador havia títulos honoríficos especiais. Todos os titulares tinham o direito de serem tratados como "majestade imperial". Além de tudo. Sua população. Briennes. por exemplo. localizada em ponto privilegiado e banhada pelas águas azuis do Chifre Dourado. búlgaros. dos inumeráveis palácios e das incontáveis cúpulas douradas. árabes. constituída de gregos. Commenus. Lascáris. "nobilíssimo" e "curopalato". Constantinopla era um verdadeiro bastião fortificado da Cristandade que desafiou durante todo um milênio o mundo bárbaro após a queda de Roma. a maravilhosa cidade das muitas mansões senhoriais. maravilhados pelo que conseguiam ver por cima das muralhas: suas cúpulas douradas e os seus palácios. sendo respeitados como tal. latinos e asiáticos (todos reconhecendo-se como "romanos") não conseguia imaginar o mundo além do horizonte das muralhas. São os Phocas. Os bizantinos aceitavam e defendiam o seu império como "sui generis". sendo o mais elevado dentre eles o de "magister". sendo que alguns deles eram honoríficos e não estavam ligados a funções específicas.Capital do Império Bizantino. mongóis. tártaros. localizada e concentrada no palácio imperial. E dentro desses palácios e igrejas as inimagináveis riquezas. atacaram-na. A imensa influência desses fortissimos clãs nos assuntos de Estado está evidenciada nas muitas páginas da vida de todo o Império Bizantino. Tzimisces. Diógenes e Argiros principalmente. títulos correspondentes a funções oficiais (de trabalho propriamente ditas) eram confirmados por éditos do imperador. Nesse universo limitado seu imperador sempre foi considerado como o representante de Jesus Cristo e sua figura autocrática era o próprio coração e a força propulsora de toda sua administração. No entanto. tais como "césar". Paleólogus. do Bósforo e do mar de Mármara. Séculos após séculos. correspondiam a verdadeiras sinecuras. a vida de Constantinopla era enclausurada nos tempos de guerra. toda cercada por aproximadamente 20 quilômetros de muralhas inexpugnáveis. Muitos outros títulos havia para os nobres ou as personalidades importantes do Império. que correspondiam ao de "césar" em termos de sua importância. desejamos destacar algumas famílias que muito significaram na vida bizantina e a respeito das quais faremos menção mais adiante.*As grandes e poderosas famílias do Império* Em boa parte dos fatos que passamos a relatar e que se relacionam a deficiências físicas ou sensoriais graves. Numa clara demonstração da importância dessas autoridades. . Com o correr dos séculos e mesmo com a criatividade de algumas dinastias outros títulos foram a eles adicionados: "sebastocrator" e "déspota". diplomas e ensígnias. Mas elas todas respeitavam ao preço da própria vida uma linha hierárquica muito rígida e garantida por leis de muita severidade. interessado nessa realidade conhece também o evidente perigo que eles podiam constituir para determinado imperador, conforme circunstâncias que mais adiante pretendemos expor. Os palácios dessas enormes e fortes famílias nobres na capital e principalmente nas províncias (por séculos conhecidas pela designação de "temas") eram verdadeiras cidadelas e cortes em miniatura. - *A miséria na capital bizantina e as pessoas deficientes* O vasto triângulo de terras cercado por imponentes muralhas que compunha o cenário de Constantinopla nunca foi uniformemente povoado. No século VII, por exemplo, nele viviam com certeza cerca de 500 a 800 mil pessoas, compondo uma sociedade diversificada não só em termos de raças e origens, como também em termos de poderio econômico: havia a nobreza dominante, a nobreza oprimida, as famílias ricas, as remediadas, as pobres e as miseráveis. "O número de pessoas miseráveis em Constantinopla durante o citado século era de pelo menos 30.000 e o número de ladrões e outros criminosos não pode ter sido muito menor. É dificil imaginar que, numa cidade na qual a polícia era extremamente ativa e uma organização municipal das mais apuradas, que supervisionava a imigração e cuidava dos empregos, esses elementos possam ter excedido a cinco por cento da população total, mesmo considerando terem sido os pobres reconhecidos como uma parte integrante e socialmente importante de sua composição" ("Cambridge Medieval History", de Hussey). A vida de Constantinopla, é fácil imaginar, mostrava muitas situações contrastantes, nas quais cumpre que enfatizemos as suas misérias e tragédias. Além de toda a população pobre e pedinte e dos portadores de deficiências por causas naturais ou por acidentes que àqueles séculos pupulavam pela cidade, havia a presença incômoda de ex-criminosos ou de traidores mutilados (olhos, nariz ou orelhas atingidos por carrascos frios cumprindo as sentenças previstas por lei) mostrando a quem quisesse olhar os cotos de mãos amputadas ou seus olhos vazados, deixando uma desagradável impressão de tudo. Ressaltemos neste ponto que o segmento comercial da sociedade bizantina não era composto apenas de prósperos negociantes. Havia também um grande número de pequenos comerciantes, lojistas, artesãos e seus assemelhados. E, procurando sobreviver a duras penas, abaixo deles surgiam os braçais que trabalhavam por dia e aqueles que, devido a circunstâncias, estavam em condições piores, ou seja, braçais não-qualificados, mendigos, ladrões e prostitutas. No meio dos mendigos havia sempre pessoas com deficiências ou vítimas de males crônicos, todos vivendo de esmolas que lhes garantiam condições mínimas de sobrevivência. Mas mendigar era por vezes uma atividade muito rendosa. Numa pequena comparação existente na obra de Hussey, já citada, as prostitutas recebiam à época do reinado de Romano I, o Lecapeno (919 a 944), uma certa quantia de dinheiro por mês para deixarem a prostituição, enquanto que muitos dos mendigos mais prósperos ganhavam bem mais do que elas, pois a renda de um ponto estratégico de coleta de esmolas poderia levantar importâncias muito significativas. Esta não se caracterizava, no entanto, como uma situação comum e muito menos generalizada. O mais encontradiço mesmo era, no inverno, ver-se mendigos em condições de extrema miserabilidade, esquálidos, tremendo de frio em casebres mal cobertos com palha em muitos pontos da cidade. A realidade de Constantinopla e das grandes cidades do Império Bizantino mostrava que longe dos palácios e das grandes mansões, havia as áreas mais miseráveis da cidade, com seus becos sujos e escuros. Mas mesmo essas enormes áreas de Constantinopla eram insuficientes para abrigar toda a população mais pobre e suas multidões de mendigos, de soldados estropiados pela guerra ou pelas penalidades impostas pelo regulamento militar, aos quais adicionavam-se camponeses fugitivos e aqueles que procuravam na grande capital uma oportunidade para se refazer das suas desgraças. Dormiam ao relento ou sob as arcadas existentes nos muitos pontos das grandes avenidas, em instalações do famoso e soberbo Hipódromo e nos átrios das muitas igrejas. Às vezes juntavam-se grupos durante o inverno para se aquecer ao redor de uma estufa ou de uma esterqueira, à falta de outros locais mais saudáveis (Apud Hussey). - *As doenças e as deficiências físicas e sensoriais* A quase totalidade desses infelizes sem condições de trabalhar para sua subsistência e para garantia de uma habitação menos infecta, ficava exposta a males endêmicos e epidêmicos que em geral eram provocados pela total ausência de condições mínimas de higiene e de saneamento. Algumas doenças graves e muitos males considerados como misteriosos levavam à instalação de limitações físicas e de males sensoriais severos, sendo a grande maioria deles considerada como sacrifícios para aperfeiçoamento da vida espiritual e também para pagamento de males feitos anteriormente. Mesmo na mais alta nobreza, todavia, a alta morbidade, a mortalidade infantil e a existência de deficiências físicas não eram incomuns. Um marcante exemplo poderá ser dado com a família do Imperador Basílio I, o Macedônio (867 a 886). De seus cinco filhos homens, apenas um sobreviveu e depois foi coroado como Leão VI. Este, por sua vez ficou viúvo três vezes e morreu com apenas 45 anos de idade. Dos seus filhos, um morreu logo após o batismo e o outro teve uma séria deficiência por toda a vida. Se esse podia ser o destino de uma família da mais alta nobreza, que vivia protegida na limpeza, na boa alimentação e no luxo, imagine-se a dificuldade para o restante da população em termos de morbidade, mortalidade, longevidade e deficiências, vivendo em ambientes menos saudáveis, alimentando-se mal e abrigando-se mal. - *Os miseráveis no "Reino de Deus"* Mas com certeza uma das mais surpreendentes características da vida de Constantinopla foi a aplicação prática que sua população deu à caridade cristã, insistente e aguerridamente defendida pela Igreja. "Os benefícios espirituais da prestação da caridade naturalmente dependiam da existência de uma classe à qual essa caridade poderia ser dedicada. Os "pobres", portanto, eram uma parte integrante da sociedade" . "Ao pedir esmolas os mendigos gritavam: "O paraíso bate à sua porta" ... e esmolas eram dadas com liberalidade. Mendigar era uma profissão reconhecida, da qual, como de outras profissões, os intrusos eram expulsos. Os pontos mais valiosos eram preservados ciumentamente. Cada átrio de igreja era cercado por mendigos, cuja inoportunidade garantiria um suprimento liberal para seu pão de cada dia. Mas a caridade organizada transcendia de longe os limites da ajuda meramente casual. A cidade era com justiça famosa pelos seus hospitais, seus orfanatos e seus abrigos para idosos e para carentes" ("Cambridge Medieval History", de Hussey). Nos trabalhos de organização e de manutenção dessas instituições a família imperial e a nobreza mais refinada tomavam parte ativa. Os seus membros do sexo feminino dedicavamse ativamente à ajuda aos doentes. Algumas mulheres chegaram mesmo a adquirir o hábito de visitar as prisões, que eram os ambientes mais degradantes da miséria humana na esplendorosa capital. E a Igreja era a principal responsável por essas organizações várias, desempenhando um papel de auxiliadora. Ressalte-se que somas fabulosas, levantadas em banquetes ou por meio de doações e legados, eram continuamente destinadas aos cofres da Igreja para distribuição aos pobres e, segundo os historiadores, essa distribuição era sempre feita com justiça, conhecimento de causa e pontualidade dignos de nota. - *As organizações assistenciais de Constantinopla* A Igreja e o Estado deram-se as mãos desde a época de Constantino I para prover os serviços assistenciais básicos, muito antes de existir qualquer serviço ou esforço organizado na Europa ocidental e cristã. Assim é que foram gradativamente estabelecidas entidades diversas que acabaram sendo classificadas em nove categorias, a saber: "brephotróphium" - lar para recém-nascidos; "gerontotróphium" - lar ou abrigo para pessoas idosas abandonadas ou sem condições familiares de sustento contínuo e seguro; "lobotróphium" - abrigo e internato para pessoas vítimas de limitações físicas crônicas e muito severas; "nosokómeion" - criado para tratamento e abrigo de doentes agudos e crônicos sem posses nem condições para tratamento domiciliar; "orphanotróphium" - abrigo e alimentação para crianças órfãs ou abandonadas pela família ; "pandóchium" - abrigo polivalente destinado indiscriminadamente a todos os tipos de desamparados não enquadrados nas demais organizações; "ptochotróphium" - abrigo e alimentação para mendigos e pessoas pobres e abandonadas sem condições de sustentação própria; "typhlokómeion" - abrigo e alimentação para pessoas cegas pobres e desprovidas de condições famíliares para garantir seu sustento; "xenodóchium" - organização destinada - pelo menos no início - a viajantes e peregrinos estrangeiros adoentados ou em sérias dificuldades de abrigo. A eventual "latinização" das palavras não disfarça de maneira alguma sua origem grega. Os radicais "kómeion" e "dócheion" correspondiam a abrigo, proteção, cuidado, recipiente, enquanto que o radical "trópheion" relacionava-se à idéia de alimentação e de educação. Observe-se que o "Orphanotróphium" de Constantinopla foi tão importante e tão magnificamente construído e montado que levou o Império a manter o título honorífico de "orphanotróphus" para seu diretor, geralmente outorgado a um sacerdote ou bispo da Igreja. - *O imperador Justiniano e as pessoas enfermas e deficientes* Em uma de suas muitas leis (Nova Constituição n°. LXXX) o imperador Justiniano (482 a 565) tratou dos problemas dos mendigos que não tinham doenças graves ou deficiências. E nessa norma fica muito patente a preocupação da sociedade bizantina em ocupar essas pessoas em algum tipo de trabalho ou atividade. O imperador deu à mais alta autoridade judicial do Império, o questor, a responsabilidade de não deixar essas pessoas à mercê da sorte e da esmola. "Convém que ele as faça comparecer imediatamente aos diretores de trabalhos públicos, aos chefes das padarias, aos encarregados do correio, aos diretores dos jardins ou das demais oficinas existentes, nas quais elas possam ao mesmo tempo trabalhar, ser alimentadas e também passar de uma vida ociosa para uma vida mais útil. Mas se algumas delas não quiserem trabalhar nas oficinas para as quais tiverem sido encaminhadas, o questor as expulsará desta cidade real”. A orientação do imperador Justiniano era para que o questor usasse sempre de indulgência para com as pessoas pobres encaminhadas de acordo com a lei; a preocupação expressa era que a preguiça não levasse as pessoas em dificuldades para atos ilícitos e com isso fossem condenadas pela justiça civil. Ainda sobre mendigos ou sobre pessoas pobres em dificuldades existia uma distinção importante que levou a sociedade bizantina a manter e mesmo ampliar sua organização de socorro aos necessitados. Afirmou o imperador Justiniano, ao final de sua Nova Constituição n°. LXXX: "Não obstante, é nossa vontade que as pessoas de um ou de outro sexo que não sejam sãs de seus corpos" (ou seja, pessoas portadoras de condições incapacitantes) "ou que sejam gravemente enfermas, não sejam molestadas em nossa cidade; queremos, pelo contrário, que elas sejam atendidas por pessoas piedosas”. - *O desenvolvimento da medicina e dos hospitais* No ambiente criado em conseqüência de um governo autocrático com fortes pinceladas de teocracia e ampla aceitação, havia muitos contrastes entre ricos e pobres, entre palácios e casebres paupérrimos em ruas cobertas de imundícies, conforme vimos anteriormente. E, segundo especialistas, tudo, absolutamente tudo, inclusive a miséria, a doença, a mutilação, a cegueira, tudo era considerado como motivo para se pensar no pagamento de pecados cometidos, no cerceamento dos impulsos carnais, na purificação da alma e no seu aperfeiçoamento. E esse modo de ver o mundo sempre foi considerado como uma positiva influência do Cristianismo. Não é de estranhar que tenha havido uma forte proliferação de entidades assistenciais e caritativas de um lado, e certa estagnação na ciência médica, de outro. Houve, entretanto, o cuidado de se estabelecer uma pormenorizada compilação dos conhecimentos já acumulados de medicina na realidade grega anterior à construção e à consagração de Constantinopla como capital do Império Bizantino. Essa mesma realidade, influenciada pelo Cristianismo tão marcante, considerava o enfermo, o acidentado, a vítima da justiça, o portador de uma deficiência congênita ou adquirida, como "santos" em potencial. Para todos os que sofriam, o melhor e mais certo remédio era a oração orientada e dosada por sacerdotes; o melhor hospital que poderia haver deveria estar funcionando em ambiente da Igreja; o melhor e mais seguro "curativo" era o próprio Jesus Cristo. Do milênio de existência do Império Bizantino não podemos dar relevância especial a quase nada, em termos de medicina, a não ser aos nomes universalmente conhecidos de Cosme e Damião, santificados pela Igreja. - *A mutilação nas leis bizantinas* A uma análise superficial a lei criminal bizantina mostra-nos alguns traços de uma positiva influência cristã, embora haja categóricas afirmações em contrário. Vindos de um sistema de penalização muito severo em que a pena de morte prevalecia para muitos crimes, os sistemas introduzidos por Justiniano e por Leão III, o Isauriano (680 a 741), foram amenizando as penas, graças à influência do Cristianismo. A "Écloga" (Código de Leis) de Leão III restringe a pena de morte a alguns crimes apenas: assassinatos, alta traição, deserção das forças armadas e práticas sexuais não-naturais. Além disso, prevê diversas penas por mutilação ou por vazamento dos olhos que não existiam no Código de Justiniano, em vigência desde o século V. Muito embora a "Écloga" e as legislações posteriores tenham significado, para aquela época, uma amenização de parte do sistema penal, o fato concreto é que, com as penas de mutilação e de vazamento dos olhos provocava uma verdadeira e desagradável regressão a épocas anteriores a Constantino I, que proibia mutilar o rosto humano que era "feito à imagem da beleza divina". A suposta amenização não ocorreu em todas as linhas, porém, de cominações estabelecidas no Código de Justiniano em simples multas, verificou-se na "Écloga" um forte endurecimento para a pena máxima. No entanto, a Cristandade do Império Bizantino não questionava nada do que vinha do imperador e para ela, a substituição da pena de morte por mutilações podia até ser justificada no próprio Evangelho. Era questão de se tomar a palavra de Mateus ao pé da letra: ... "se tua mão ou teu pé te escandalizam, corta-os e atira-os fora" ..."e se teu olho te escandaliza, arranca-o e atira-o fora". Havia também outro fator de extrema importância: ao criminoso, ao pecador, seria dada a oportunidade de arrepender-se de seus pecados e se regenerar na penitência, na dor, na fome, na miséria, muitas vezes confinado num mosteiro. Ressalte-se, todavia, que o imperador bizantino, representante de Cristo na Terra, em seu juramento de coroação, obrigava-se a ser misericordioso e humano para com seus súditos, evitando a pena capital e a mutilação tanto quanto possível – isso nos interesses da justiça e da propriedade, e em fidelidade à verdade e à retidão. No rolar dos séculos, porém, o que sucedeu nas muitas histórias de mutilações e vazamentos de olhos foi que essas punições aconteceram, numa grande variedade de casos, devido a meras vinganças políticas e para afastar sérios pretendentes ao trono. A Igreja colaborava dentro dessa realidade muito concreta com o banimento a um de seus muitos mosteiros retirados da civilização, demonstrando com isso a sua influência no sistema penal em vigor. Ela tomava em suas mãos tanto a execução de partes das penas, como também a reabilitação de muitos desses criminosos. A profanação de sepulturas, a rapinagem de igrejas, a pederastia, as fraudes de funcionários eram reprimidos pela mutilação. "Pergunta-se como esse costume atroz, cuja crueldade refinada supõe uma perversão do senso moral, pôde ser introduzido na sociedade bizantina", comenta Bréhier ao analisar as mutilações. Segundo o famoso historiador, o gosto pela mutilação pode ter sido o resultado do ambiente que cercava a sociedade local, ao redor do século VII, e a influência da imigração de consideráveis contingentes de turcos, árabes, sírios e outros, dentre os quais o suplício era prática corrente desde muitos séculos (Apud Bréhier). - *Períodos principais do Direito Penal Bizantino* Para que bem entendamos a questão das penalidades impostas pelas leis imperiais que redundavam na instalação de limitações físicas e sensoriais, é fundamental que distingamos pelo menos dois períodos na história desses castigos. O primeiro vai do século V até o século VII, notando-se um esforço para o estabelecimento de alguma humanização do corpo geral da legislação romana pertinente, esforço esse feito principalmente sob Justiniano e expresso em seu Código, aprovado em 534. Esse Código, somado à legislação aprovada e codificada anteriormente pelo mesmo imperador, teve o enriquecimento de mais de 150 "Novas Constituições" que foram assinadas entre os anos 534 e 565, formando o famoso "Corpus Juris Civilis" de Justiniano. O segundo período vai do século VII em diante. Nota-se nele, especialmente pela aprovação da "Écloga" de Leão III, o Isauriano, uma tendência a certa humanização (ou pelo menos amenização) da drasticidade da pena de morte, surgindo em seu lugar maior incidência de penas de mutilação ou de castigos corporais. Note-se que no estudo das leis todas, tanto de Justiniano e de imperadores que ocuparam o trono depois dele, quanto de Leão III, deve-se ressaltar a relevância da existência de uma verdadeira universidade, criada no ano 425 em Constantinopla, na qual estudava-se mais profundamente assuntos leigos (não-religiosos), dentre os quais a Filosofia e as Leis. - *A moderação nas penalidades impostas no tempo de Justiniano* Inserida numa de suas "Novas Constituições" (a de nº CXXXIV, ou seja, assinada quando Justiniano estava no final de sua vida) encontramos uma orientação geral do velho imperador a todos os governadores e autoridades judiciais do Império, na qual fica evidente uma séria tendência à humanização, com determinações explicitas de moderação na aplicação de penas corporais. Diz o imperador: "Como precisamos proteger a fraqueza humana, diminuimos uma parte das penas corporais e abolimos a amputação de duas mãos, de dois pés e o suplício da separação das juntas, que é ainda mais grave do que a amputação das mãos". "Mas se a espécie de crime comportar a amputação de um membro, limitar-se-á à amputação de uma só mão. Proibimos que seja indicada a amputação de um membro por um simples furto, ou que o culpado sofra a pena de morte, mas desejamos que ele seja punido de outra maneira". Ao final dessas considerações e determinações relacionadas à moderação que as autoridades deveriam observar na aplicação de penas corporais ou pena de morte, Justiniano procura garantir a severidade da pena para aqueles que ameaçavam a estabilidade da coroa imperial, afirmando: "Mas ordenamos que a força das antigas leis seja conservada para os indivíduos condenados por crime de lesa-majestade". - *As "Novas Constituições" de Leão III: "leis mais cristãs"* As chamadas "Novas Constituições" editadas pelo imperador Leão III, o Isauriano (717 a 741), após a publicação da "Écloga", são verdadeiras ordens imperiais. São leis escritas num linguajar quase coloquial, expressas em todos os seus termos na linguagem própria da época. Trata-se de um total de 113 "Novas Constituições", das quais desejamos aqui fazer menção a algumas que estabelecem a precisa condenação por certos crimes, incluindo o açoitamento, a amputação do nariz, da língua ou das mãos, o vazamento dos olhos e também a pena do "raspamento" de cabelos e barba, considerada como difamante. Essas Constituições procuravam impedir a criminalidade por meio de cominações severas; buscavam também desencorajar que o povo imitasse os imperadores ou as autoridades maiores do Império que, no uso (e no abuso) de seu direito supremo derivado de Deus, mandavam vazar os olhos ou amputar as mãos dos traidores do Divino Império. Procuravam também garantir direitos, estabelecer penas corporais ou pecuniárias e regulamentar alguns assuntos relacionados ao clero. Poderá nos parecer irrelevante nessa legislação, por exemplo, a preocupação com os cegos poderem ou não fazer testamento de seus bens, uma vez que não havia provisão alguma que garantisse direitos básicos a esses mesmos cegos, mas a preocupação da nobreza (das fortes e grandes famílias que já mencionamos) era compreensível face à realidade do que continuamente sucedia: o problema de muitos dignatários, militares ou nobres, que tiveram seus olhos vazados, seja por crimes de traição (sob a ótica do imperador reinante), seja por falsas acusações, seja mesmo por pertencerem à família de um indiciado traidor, não poderem legar seus bens. como nesse caso a igualdade da pena não traria nenhum proveito para o que perdeu a visão (pois qual a vantagem que pode achar um cego em um outro também ser cego?) e que a pena do talião. se para confirmação do testamento for necessário recorrer a juramento. Vejamos como o imperador considerou a questão: "Levantam-se muitas vezes dúvidas quanto à questão de se saber como os cegos podem fazer testamento. podem fazer seu testamento na forma mística. serão despojados de seus bens se forem ricos. declararão ter escrito o que o testador lhes ditou. Estuda também o problema que poderia ser criado com o fato de o malfeitor ter os dois olhos vazados por crime semelhante.Será interessante ressaltarmos que das 113 Novas Constituições de Leão III três nos interessam diretamente neste trabalho. permite às mulheres e às pessoas iletradas fazer testamento na forma mística. Há uma lei que proíbe aos cegos de fazer um testamento secreto e estabelece que tal testamento não terá força a menos que testemunhas confirmem ter ouvido o testador proferir de viva voz as disposições por ele guardadas. Nesse estado de coisas. feitos na forma mística.. que jurarão atestar e confirmar a coisa" (Apud Bérenger).*A defesa de um direito dos cegos: fazer testamento* O próprio texto da Nova Constituição n°. seria muito cruel para o culpado (pois nada é mais triste do que a cegueira).. . antes de as testemunhas serem ouvidas."os dois olhos. . os costumes estabelecem que os testamentos das mulheres. Ela analisa a aplicação direta da lei do talião. se souberem escrever. Outra lei.extirpado. e não as sujeita a outras formalidades. ordenamos que os testemunhos secretos dos cegos ou de quaisquer outras pessoas tenham um pleno e inteiro efeito e adicionamos a essa disposição que. pois se as mulheres e pessoas desprovidas de toda instrução. e também dos costumes existentes sobre esse assunto: não é nem inconveniente nem difícil para mim. como acontece freqüentemente. Adicionamos mais que. capaz de garantir alguma compensação à vítima. a não ser assiná-los. ou se não souberem. mesmo que merecida. estão ainda mais com os costumes. É assim que concebemos a lei: qualquer pessoa que tiver vazado os dois olhos de um indivíduo. o testemunho por si só não pode fazer fé de sua vontade. decidimos que ele não a sofrerá e que será punido de outra maneira. arrancado ou mesmo vazado são termos correspondentes . LXIX é suficiente para compreendermos a totalidade do problema e a solução encontrada. Essas duas leis estão evidentemente em contradição sobre o mesmo objeto.*Penalidade prevista para o vazamento dos olhos de outrem* A segunda Nova Constituição de Leão III que nos interessa neste trabalho procura coibir frontalmente os crimes de vazamento dos olhos de alguém. a fazê-los assinar por um terceiro. os que lavraram o testamento e que a ele aporão as suas assinaturas. os que o lavraram deverão estar concordes com as testemunhas. ao contrário. não podem ter força alguma. Essa norma específica está intitulada no documento original como "Qual deve ser a pena para quem cega alguém voluntariamente". esclarecer e decidir sobre o assunto. "se ele tiver tirado" . e se logo em seguida for reconhecido que cometeram alguma falha. Leão III pondera e decide da seguinte forma: . fazendo menção expressa desse procedimento. terá um . de pessoas iletradas ou de cegos. ou então serão açoitados e exilados se forem pobres. e essas dúvidas são originárias das leis que decidiram em contrário. De fato. Para tanto o legislador imperial estabeleceu penas severas e bastante desencorajadoras. por que um cego não o poderia? Mas se essas leis estão em oposição entre si. que sabem apenas o que desejam. A respeito delas comentamos a seguir. como um abrandamento de sua miséria. David e Gérard. famoso compositor e cantor francês.*Crime de rapto e sua condenação nos tempos de Leão III* Dentre os diversos crimes citados nessa legislação coberta pelas Novas Constituições de Leão III. .vazado e. Sua figura magnífica de general adorado pelos seus subalternos e pelo povo em geral. raspados e exilados". . Após alguns anos de glórias e vitórias à frente dos exércitos que combatiam os muitos inimigos de Constantinopla. apesar dos incontáveis atos de fidelidade de seu general maior. Terror dos Vândalos e dos Godos. levou alguns pintores a criar obras de arte que ficaram famosas. então o raptor não será punido com a morte.estava intitulada: "Da pena pronunciada contra o raptor de uma jovem e seus cúmplices". o que era considerado como um castigo estigmatizador e difamante. E conforme indicamos acima ser raspado correspondia a ter os cabelos e a barba cortados à força. já estabelecida séculos antes no Código de Justiniano. No ano 562 Belisário foi envolvido numa conspiração e injustamente deposto de seu cargo. mas a mão armada.*General Belisário: lenda e realidade de sua carreira* Belisário foi um general bizantino nascido na Trácia aproximadamente em 505. Seus contínuos sucessos. Um dos versos musicados da obra intitulada "Belisário" relata-nos o seguinte: "Seguro o capacete do guerreiro. Mas o que sucedia se o malfeitor fosse uma pessoa pobre ou sem recursos suficientes? Neste caso. que será entregue àquele que teve seus olhos vazados. no final do século XVIII. ou que tenham tomado qualquer parte em seu crime. Levou também o escritor Nepomuceno Lemercier a escrever um romance em versos que foi musicado por Dominique Pierre Jean Garat. XXXV confirmava a pena de morte. A lenda mostra-nos Belisário cego por ordem direta de Justiniano. acabaram por despertar em Justiniano os sentimentos de ciúme e de desconfiança.de n°. pobre e mendigo.. somada à perda de seus proventos de todos os seus bens. todavia. transformado em mendigo. não podendo o criminoso cumprir o estabelecido em termos de compensação. . Essa Nova Constituição . tendo um olho vazado e em seguida perdendo seus bens no lugar de sua mão" (Apud Bérenger). era condenado a experimentar idêntico mal infligido à sua vítima: tinha os olhos vazados. Dessa maneira este será consolado e o culpado será punido. Ela é clara. como mereceria perder a mão que cometeu o crime. "terão o nariz decepado e serão açoitados e raspados". Quanto ao autor desse crime de rapto de uma mulher solteira a mão armada. A mesma Constituição estabelece que todos os que ajudavam nesse tipo de rapto.. porque ele não manifesta a intenção de a provocar. "Se o rapto for cometido sem o uso de armas. Mas terá a mão cortada e aqueles que o ajudaram. serão açoitados. Salvatore Rosa. o rapto de uma jovem solteira merece nossa atenção especial.. seriam punidos da seguinte maneira: . o imperador Justiniano transformou Belisário no primeiro general de todo o Império. pagará em seu lugar uma indenização igual à metade de seus bens. mendigando com o auxílio de um garoto para poder sobreviver. incisiva e não desperta qualquer dúvida. sofreu a pena usual amenizada: perda da visão.. XXXV . Acusado do crime de lesa-majestade. . a Nova Constituição n°. destacando-se dentre eles Van Dick. tendo falecido em 565. após ter vivido seus últimos anos cego. causou distúrbios nas cidades e instou com a população para se levantar contra o imperador de Constantinopla. pernas de madeira e até mesmo casos de nariz ou de orelhas artificiais. de nome Basílio.Siècle"). foram encontradas algumas referências a próteses.Caminhou. . na Síria atual. Em algumas culturas européias de hoje o nome Belisário é muito utilizado para fazer referência simbólica a uma pessoa cega de boa educação e de refinadas maneiras. Depois de sua libertação da prisão. . Esses abrigos eram compostos de pequenas cabanas onde os internados viviam por sua conta e graças à caridade das pessoas que garantiam seu sustento. todas elas ligadas a ricas famílias da região. colocou no lugar do braço cortado um outro artificial feito de cobre e. Afirma esse famoso santo da Igreja que "atendem os mendigos e os aleijados que vêm a eles às refeições e para abrigo". filho de Dukas. tendo sido aprisionado por um general chamado Elefantino. reuniu-a ao seu redor e. segundo nos relata São João Crisóstomo. fazendo uma enorme espada. Essa experiência foi levada a efeito no século V. impeditivas de atividades rentáveis. A noite cobre para sempre os olhos Do triste e pobre Belisário" (Apud "Larousse du XXe. escritor grego do século XI.*Abrigos para cegos e outros refúgios para doentes e deficientes* Segundo alguns biógrafos de São Basílio. o cuidado dos pobres em geral e das pessoas deficientes no meio delas. conhecido pela genérica designação de "tuphlokómeion". ele patrocinou a criação e inaugurou um abrigo especialmente destinado a cegos em Constantinopla. viajando a pé. No final do século IV.. principalmente dos turcos. narra-nos o seguinte caso que nos informa da fabricação de uma importante prótese: "Uma pessoa da Macedônia. perambulou pelo país ludibriando outra vez os cidadãos mais ingênuos" (Apud Pournaropoulos). "um dos irmãos cuida das feridas de um mutilado. Tendo maliciosamente persuadido muita gente a segui-lo. .*Assistência a soldados a partir do século VI* . dizem.*Notícia sobre uma prótese no século IV* Nos muitos documentos encontrados na pujante nova capital do Império Bizantino. afirmava falsamente que era Constantino. o Grande. bem nos primórdios da vida monástica que foi muito pujante no Império Bizantino. outro cuida de um homem cego. E. foi condenado a ter um dos seus braços cortado. e que escaparam à fúria destruidora dos seus muitos invasores. passou a ser uma preocupação básica e continua dos mosteiros. e levado ao imperador bizantino.. No mesmo século. Outro famoso santo da Igreja no Império Bizantino foi São Lineu que chegou a organizar e manter outros abrigos para cegos na cidade de Syr. São João Crisóstomo fez construir alguns abrigos para doentes crônicos e pessoas que apresentavam condições incapacitantes de seriedade. entre os anos 400 e 403. Mencionam essas citações eventuais casos de braços de metal. sem escudo Contra a fatal impostura. Um tirano fez queimar seus olhos Que velavam sobre toda a terra. enquanto que um terceiro apóia alguém que perdeu uma perna" (Apud French). George Kredinos. Usou para tanto as esmolas que coletava e os excedentes que juntava de seus proventos como arcebispo de Constantinopla. Em um trabalho escrito pelo imperador Mauricio Flávio Tibério (539 a 602) e intitulado "Strategikón". e uma delas conta-nos em poucas palavras e sem maiores comentários . No mesmo trabalho consta uma referência quanto à idade de incorporação às forças armadas. .O Império Bizantino. Esses hospitais e todos os demais 34 que foram organizados até o final do século X recebiam não apenas doentes mas também portadores de deficiências sérias e limitadoras. sob o governo do califa Al-Muktadir.citados como "ambulanciers" na versão original francesa . nesse mesmo trabalho. pisaduras. Um terceiro foi construído no mesmo século (ano 970). tendo estabelecido severas penas para aqueles que os maltratassem. os "deputatoi". quando eram mutilados em atividades guerreiras. sempre bastante criativo. queimaduras e outros traumatismos. foi o co-patrocinador da construção do primeiro hospital ("nosokómeion") separado dos abrigos para peregrinos e estrangeiros ("xenodóchium") construído na Terra Santa. Afirma o imperador Mauricio o seguinte: "Durante as batalhas um corpo de auxiliares volantes" . Segundo seus biógrafos. também em Bagdá. salvando-os de morrer devido a hemorragias. encontraremos esta frase: "Cuidados especiais devem ser prestados para proteger os feridos após a guerra" (Apud Pournaropoulos). indicando que todos os súditos abaixo de 40 anos de idade eram obrigados ao serviço militar. rei dos Francos e chamado de "Imperador do Ocidente". Existem outras referências também quanto ao assunto. .. os detentores de bens militares que ficavam inválidos continuavam a gozar de suas rendas a título de pensão"."a cavalo. Recebiam eles um "nomisma" por guerreiro salvo" ("Les Institutions de l'Empire Byzantin". pancadas. mantinha atendimento separado para soldados feridos ou deficientes. dando-nos assim uma idéia da eventual incidência de lesões graves por ferimentos inclusive em homens com família formada e quase no final da vida. estava encarregado de recolher os feridos e de os transportar à retaguarda para serem tratados. muito cruéis para os nossos dias eram as penalidades aplicadas por alguns imperadores ou potentados bizantinos. é uma das mais impressionantes figuras da História da Idade Média. antes do início da Idade Média no mundo europeu ocidental. o Porfirogeneta. Uma referência a benefícios estabelecidos para soldados que voltavam com sérias deficiências físicas ou doenças graves dos campos de batalha também é mencionada pelo autor na mesma obra: . ressalte-se que elas estavam perfeitamente bem estabelecidas em lei e o mundo . de Brehier) . No entanto.*Castigos bárbaros levam a deficiências no Império Bizantino* Conforme tivemos oportunidade de verificar anteriormente. Aliado ao famoso califa Haroun-al Raschid com o fito de intimidar o Império Bizantino. de ensino e de treinamento dos médicos. Uma de suas características principais era sua habilidade de administrador.*Os primeiros hospitais da Terra Santa e de Bagdá* Carlos Magno (742 a 814). Carlos Magno protegia também os cegos. de observação. contando com 25 médicos. em contraposição aos imperadores bizantinos que eram por vezes conhecidos como imperadores do oriente. Sua vida toda esteve repleta de lances importantes.. "sob Constantino VII.como se estivesse falando de assunto sobejamente conhecido . Foi no século X que surgiu na cidade de Bagdá um segundo hospital do mundo islâmico. Garantiam os exércitos bizantinos um sistema de recolhimento desses feridos e de seu atendimento na retaguarda. Caracterizava-se este último hospital como entidade de tratamento.o que sucedia com os feridos em campos de batalha. De suas selas pendiam estribos duplos que lhes permitiam erguer os feridos e os fazer montar. reformava e melhorava as já existentes. dizem que em vez de criar organizações novas. levando-as a funcionar bem. e tão notórios e importantes que passaram para a História . de Bréhier. com uma belíssima jovem ateniense de 18 anos de idade. Nas províncias os governadores e autoridades da justiça procuravam seguir o exemplo do imperador. ou seja. em pleno século XX. a História Bizantina relatanos algumas amputações de língua e vazamento de olhos na mais alta nobreza de Constantinopla durante a vida da famosa imperatriz Irene. Fez mais o imperador: mandou açoitar publicamente a maior autoridade da Igreja que não lhe tinha sido fiel. Vazar os olhos é prática corrente". movimento contrário à adoração de imagens no culto cristão . De fato. mas sobretudo vaza-se os olhos. o roubo. fez reunir à força todos os monges e religiosas daquelas terras numa praça de Éfeso. há uma introdução escrita por uma das maiores autoridades no assunto. um ano e pouco após esses eventos Constantino V retornou e conseguiu retomar o trono com as forças armadas ainda à sua disposição.parte do chamado movimento iconoclasta. durante um curto espaço de vinte anos. por exemplo. Para nós. Logo em seguida. seus filhos. que foi Henri Berr.queimase com ferro em brasa. entre os anos 780 e 800. que era plebéia e órfã de pai e mãe. filho de Constantino V. aprisionar e mesmo mutilar um imenso número deles.foram praticados contra membros da nobreza mais alta do Império. O governador da Trácia. No entanto.vazamento dos olhos de um modo todo especial. E poderá ser iniciada com o jovem príncipe herdeiro do trono. de nome Irene. a língua. de "suplícios refinados": arranca-se os olhos. durante toda a duração do Império Bizantino. Já reafirmado no poder. embora estejamos todos muito certos de que inúmeros outros casos poderão ser coletados pelos estudiosos do assunto. contra príncipes herdeiros. mas de torturas as mais diversas.poderíamos citar mais de trinta. o patriarca Anastácio. Todos eles . Esse famoso historiador chamanos a atenção para um fato que caracterizou o Império Bizantino. Logo em seguida castigou severamente a traição do cunhado. encontramos diversos fatos que ocorreram após 741. a menção não apenas de assassinatos. obrigando-os a fazer ali mesmo uma opção: deviam escolher o casamento ou perder a visão (Apud Bréhier). tendo para tanto se ausentado longamente de Constantinopla. . Entrou vitorioso e sem maiores resistências na capital do Império e foi coroado e abençoado pelo patriarca Anastácio.oriental vivia séculos que demandavam fortes providências para cercear o crime. demonstrando um quase que incontrolável ódio contra os monges.e. ou seja. Alguns exemplos serão apresentados deste ponto em diante quanto à aplicação de diversas dessas penas. Só no século VIII. por exemplo. seu cunhado Artavasde conspirou contra ele e chegou mesmo a ser proclamado imperador por suas tropas. ano em que Constantino V (718 a 775) procurava combater com muita força os povos árabes nas terras da Ásia. as mutilações: "Temos encontrado sem cessar nestas páginas. ou seja. Na obra intitulada "Vie et Mort de Byzance". a traição e a deserção das forças armadas. o estupro. ou mesmo para incapacitar certos pretendentes ao trono ou a postos importantes . contra imperadores aprisionados ou destronados. para garantir sua sucessão. ou seja. encetou vários anos após uma violenta e pertinaz campanha contra o culto das imagens na Igreja .*A imperatriz Irene e sua luta para conquista do trono* Ainda no século VIII. só de acontecimentos importantes e muito notórios . mandando vazar seus olhos e de seus pretensos herdeiros. tao corrente é essa prática que. porém. com 25 anos de idade. Durante seu afastamento da corte. mas incluindo mutilações como penas por crimes e traições. casando-se numa faustosa cerimônia realizada na igreja de Santa Sofia. associou seu filho mais velho ao trono. . mandou exilar. trata-se de uma história no minimo bizarra. Leão. Mas aplicou penas "suavizadas". prendada. mas o imperador estava doente e era muito inexpressivo em contraposição a uma imperatriz saudável e muito vivaz. mesmo após a subida do filho ao trono como Constantino VI. Muito embora as forças armadas tivessem a intenção de afastar a má influência da mãe sobre Constantino VI. cinco anos antes do velho imperador falecer. O estado sacerdotal forçava as pessoas a manterem uma atuação a tempo integral e proibia o envolvimento em assuntos alheios àqueles próprios da função. foi perdoada pelo imperador enfermo. que já colocava toda a sua esperança de sucessão adequada no filho herdeiro do trono e em sua jovem. Ja estava casado com Irene e seu filho Constantino já havia nascido. Queriam o poder. entretanto. mas contundente: os cinco irmãos foram forçados a assumir o estado sacerdotal. Os títulos de "césar" e de "nobilíssimos" que haviam recebido do falecido pai não lhes interessavam mais. aprisionando-a e garantindo a plena autoridade de Constantino VI. restaurou-a ao poder com o título de imperatriz e com poderes para governar ao seu lado. arrependido. o que se tornava cada vez mais evidente conforme a visitava na prisão. na verdade. Irene perdeu a paciência e mesmo na qualidade de regente considerou-se atingida por crime de lesa-majestade. A penalidade imposta por ela foi suave. Foi face a essa situação que os cinco começaram uma trágica seqüência de conspirações. Poucos anos depois. tinha encontrado Irene com as rédeas do poder nas mãos na qualidade de regente. inteligente e belíssima esposa. "convidou-os" a oficiar os solenes ritos do Natal na igreja de Santa Sofia. Esse acerto prévio esperado que tinha o intuito de garantir a coroa para o filho. não agradou aos cinco irmãos de Leão IV. pelo imperador Constantino V. No entanto. a fim de que ele governasse em toda a sua plenitude. abortada. . além de uma certa dependência do jovem imperador para com sua mãe. a glória e as riquezas sem fim. A conseqüência não demorou quase nada: Irene foi libertada por Constantino VI que. Em circunstâncias normais poderiam ter reconhecido o direito do sobrinho. A segunda. segundo alguns historiadores. a situação vivida pelo Império levou o general Mouselen a destronar a imperatriz. . como também do sogro. E para que toda a nobreza e todo o povo soubessem da realidade do castigo. provocando com sutileza e malícia o fracasso de seus projetos. começara muito antes quando negligenciara com sagacidade e muita perspicácia sua preparação para o trono. face à perspectiva da pena de morte: mandou amputar a língua dos quatro "nobilíssimos" e vazar os olhos do "césar" Nicéforo. distribuindo inclusive a comunhão aos fiéis. Irene fora escolhida exatamente assim. o que presumivelmente deixaria Irene e o filho Constantino sossegados. antes e depois da morte de Leão IV. Irene conquistou com extrema facilidade não só o amor e a confiança do marido. A primeira tentativa de golpe. Seu plano. que aconteceu alguns anos após. entretanto.*Os primeiros castigos contra conspiradores dentro da família* A morte de Constantino V levou Leão IV ao trono. Leão IV faleceu logo.*Punições severas continuam na corte bizantina* Com o evidente intuito de continuar com a totalidade do poder em suas mãos. sem maiores castigos. então com 10 anos de idade. . ocorreu nova e séria conspiração dos cinco irmãos. não contaram com o afeto natural.Explica-se: a escolha de algumas imperatrizes ou de esposas de governadores e de alguns nobres dava-se em verdadeiros concursos de beleza e de talento. deixando Irene como guardiã de seu herdeiro ao trono. mas jamais poderiam permitir que a plebéia Irene assumisse o posto de imperatriz. Irene procurou sistematicamente abafar qualquer iniciativa dele. de costas para ele. devido à sua intransigente luta pela restauração do culto das imagens nas igrejas do Império Bizantino. diversas das quais registram fatos ligados à história de Basílio I. foi preso e teve seus olhos vazados. seu poder e mesmo em sua aceitabilidade antes muito questionada na corte. já cego. teve seus olhos selvagemente vazados por ordem de Irene. E lá mesmo.Ano após ano Constantino provou ser um imperador fraco e Irene foi crescendo em sua influência. No ano 797 Constantino percebeu que sua sustentação era precária e que sua vida corria sério perigo dentro da corte. E o desentendimento havia ocorrido pouco antes da batalha. . mas foi preso em curto espaço de tempo e levado de volta. comandante da revolta que a levara à prisão vexatória. enquanto seus comandados. vivendo ainda muitos anos verdadeiramente oprimido pela corte e esquecido pelo seu povo (Apud Gibbon). logo após exilou os cinco para longe.*Mutilação documentada em pintura do século IX* Se o leitor tiver oportunidade de visitar o Museu Nacional de Espanha. poderá admirar muitas miniaturas que foram pintadas com esmero por monges da Sicília. com esse ato. Trata-se da execução das penas impostas pelo imperador. aparecendo Basílio I de dedo em riste e o ar preocupado de Leão. Sobreviveu à violência do ataque que o inutilizou para o trono. Irene foi destronada e exilada para a ilha de Lesbos alguns anos após. sendo que dois deles nos interessam sobremaneira neste estudo sobre deficiências e pessoas deficientes. E foi por sua influência (e talvez exigência) direta que o general Mouselen. Para a nobreza e para o povo esse ato demonstrou uma impressionante ingratidão do imperador.*A selvageria de uma imperatriz na defesa de seu trono* Com o ambiente propício criado pela dualidade do poder de comando. também de confiança de Basílio. a quarta conspiração dos infelizes irmãos de Leão IV aconteceu e Irene. Vemos o infeliz condenado com os braços amarrados . aparecendo ao centro o general bizantino Procópio mortalmente ferido por um magote de soldados inimigos. de nome Leão. levando Leão a não colaborar com Procópio na hora necessária. em Madri. vingava-se da vergonha que lhe fora imposta. O primeiro retrata uma encarniçada batalha. as intrigas foram crescendo no palácio imperial. O episódio retrata uma derrota bizantina causada por um desentendimento entre o citado general e um outro. . sem maiores considerações. batem em retirada. Anos após. agora infestado por eunucos e por religiosos venais. Segundo a Encyclopaedia Britannica. tal o nível das intrigas e das conseqüentes e esperadas suspeitas. a Igreja Ortodoxa Grega elevou-a à categoria dos santos. Nessa verdadeira história em quadrinhos nota-se momentos muito importantes da vida desse surpreendente imperador. por ordem da mãe. ali morreu trabalhando com suas próprias mãos e muito pobre. no meio da noite. plenipotenciária e despótica. imperador bizantino que reinou entre os anos 867 e 886. Mas há algo mais que impressiona neste quadro de reduzidas proporções: são as duas cenas pintadas em seu lado esquerdo. demonstrou também a evidente força de Irene que. não teve dúvidas em aplicar a pena que considerou como definitiva para eliminar de vez suas pretensões ao trono: mandou vazar os olhos dos "nobilíssimos" já de língua anteriormente amputada e mandou amputar a língua do "césar" Nicéforo. Sorrateiramente fugiu do palácio. foi trancado. Tendo tomado conhecimento do fato o imperador mandou prender o general Leão e leválo à sua presença. após Leão ter sido destituído de seu alto posto de general. E é exatamente isso que o segundo quadro nos mostra em seu lado direito. no mesmo quarto onde nascera 26 anos antes. 000 segundo o próprio Finlay . que era o rei Samuel. "Seu inimigo principal e mais persistente. e nesta condição enviou os desgraçados cativos para procurar seu rei ou para perecer no meio da jornada. matador de búlgaros. o golpe de misericórdia que aniquilou a resistência dos patriotas e dos soldados búlgaros e que terminou a guerra. Nicéforo Xiphias.*Barbáries que levaram a deficiências físicas* Notícias de barbáries sem precedentes . os bizantinos venceram as forças búlgaras. Reinou entre os anos 976 e o ano de sua morte. caiu desmaiado ao . um boato de que os prisioneiros haviam sido libertados levou Samuel a sair ao seu encontro. mas para um em cada cem. Basílio II fez seus homens parar e deu ordens para que o governador de Philipópolis. Sua desumanidade amedrontadora forçou a História a despresar sua conduta e a quase enterrar no esquecimento os relatos de suas conquistas militares. E a mais chocante de todas relaciona-se a um imperador cristão considerado como um dinâmico líder bizantino. Muito irritado. Conta-nos ele que "no dia 29 de julho de 1014 o imperador bizantino e seus generais estavam analisando a situação da campanha contra a Bulgária e considerando tudo na mais perfeita ordem para a completa rendição da Esclavônia" (parte da Bulgária). o historiador inglês George Finlay apresenta alguns pormenores mais. Quando chegaram a Achrida. Basílio II subjugou-a completamente. E numa ação conjugada. ou seja. Dentre suas campanhas militares mais significativas para a História Bizantina. Finlay afirma neste ponto o seguinte: "O ato de vingança de Basílio II foi terrível. na versão inglesa) "deixando um só olho para o lider de cada cem. Nascera ele em 958. à frente de considerável força militar".às costas e deitado no chão. mas exilado e na mais negra miséria. Quando tomou conhecimento da extensão da tragédia toda. Trata-se de Basílio II. de Gibbon). Foram privados de sua visão. com um bem aparelhado contingente de soldados. levando os inimigos de Constantinopla à rendição total daquele país (qual bomba atômica daqueles tempos) foi uma ação de crueldade fora do usual. desse a volta numa das montanhas para assim atingir o exército búlgaro por um dos flancos. um só olho foi deixado. tendo falecido em 1025. Nesta ocasião. no final do primeiro milênio da Era Cristã. mas não tiveram a oportunidade de prender Samuel que escapou ileso. para que pudesse conduzir a sua centúria cega à presença de seu rei.ou pelo menos conhecidas em países cristãos são relatadas no século XI. E mais à esquerda vemos ainda o mesmo prisioneiro com o braço estendido sobre um pedaço de madeira enquanto o carrasco está com um machado a meio caminho para decepar-lhe a mão. que recebeu apelido histórico e muito sugestivo: "Bulgaroctonus". a nação toda ficou traumatizada com esse terrível exemplo" ("Histoire de la Décadence et de la Chute de l'Empire Romain". destaca-se a que empreendeu em 1014 contra a Bulgária. E ao citar o fato o historiador Gibbon nos diz: "Sua crueldade infligiu uma vingança fria e estranha a 15. No entanto. ordenou que os olhos de todos os seus prisioneiros" 15."fossem arrancados" ("taken out". Contam os historiadores que esse comandante deposto não morreu devido a esses castigos e viveu até idade avançada. opôs-se ao seu poderoso exército num desfiladeiro. Ao escrever sobre esse mesmo episódio vergonhoso da vida de Basílio II. .000 cativos que haviam sido culpados apenas de defender seu país. Dizem que seu rei faleceu de pesar e de horror. com o carrasco imobilizando-o com suas pernas e cegando-o com um ferro em brasa seguro firmemente com ambas as mãos. tragédias que aconteceram devido aos seus casamentos. Romano Argiro casou-se com Zoe no dia 8 de novembro. muito forte e de crueldade renomada. de Bréhier). tomado de excessiva ira e dor.chão. cronista bizantino do século XII. Em 1028. de Bréhier) . resolveu casar urgentemente pelo menos uma das filhas. Constantino VIII (960 a 1028). convocou ao palácio o candidato mais indicado pelos eunucos e por alguns nobres de seu círculo mais próximo: Romano Argiro. nos primeiros dias de novembro. sem o mínimo discernimento e "punia faltas veniais com a ablação dos olhos" ("Vie et Mort de Byzance". . que o odiava de longa data porque ele havia por diversas vezes denunciado seus desmandos e atos indignos a Basílio II. que não tinha filhos. Muito embora os dois cônjuges fossem parentes. foi o primeiro dos três maridos de Zoé. . Mas ela é também lembrada pelas diversas tragédias acontecidas durante seus 20 anos de imperatriz. Para assegurar um casamento condigno. Dava-se a isso. Diversos são os historiadores que relatam fatos indicativos do uso e do abuso do poder por parte de Constantino VIII. a mais velha das princesas ingressara num convento e as duas outras .*Miguel V: imperador bizantino por apenas 132 dias* A imperatriz Zoé é lembrada na história bizantina tanto por sua vaidade quanto por suas aventuras amorosas. cujo pai havia sido detentor do mais elevado dos títulos existentes fora da família imperial: o de "magister".*Constantino VIII: "A violência dos fracos e dos poltrões"* A morte de Basílio II. Romano III. Embora não fosse considerado à época um tirano cruel. Sobre Constantino VIII e as penas de vazamento de olhos por ele aplicadas. Ele utilizou continuamente durante seu reinado esse terrível suplício para reduzir a nada uma multidão de homens eminentes. relevou a dificuldade no interesse do Estado" ("Vie et Mort de Byzance". ou teria os olhos vazados. afirma: "Ele tinha verdadeira predileção por esse tipo de suplício que imobiliza a vítima e a torna incapacitada. Vejamos o que aconteceu: Constantino VIII tinha três filhas e nenhum herdeiro do sexo masculino. Colocado aos pés do leito do imperador moribundo. foi "intimado a se divorciar dela e a casar-se com uma das princesas. deixando-as logo após em liberdade. tinha "a violência dos fracos e dos poltrões". apressouse em mandar vasar seus olhos. Era um homem frívolo ao extremo. Argiro. O imperador. O caso mais flagrante e que provocou uma mudança de rumo na História do Império Romano do Leste. um nome repleto de dolorosa ironia: a divina clemência do imperador" (Apud Schlumberger). sem a fazer perecer. podendo dessa forma passar seguramente o trono a ela e a seu príncipe consorte. ele fazia vazar os olhos de pessoas importantes das quais suspeitava. Segundo Bréhier. levou ao trono o seu irmão que era "coimperador" desde seu nascimento. tendo ao lado sua esposa. o patriarca de Constantinopla. relacionou-se à sua sucessão. em Constantinopla. já em seu leito de morte após três anos de lamentável reinado. três dias apenas antes da morte de Constantino VIII. Tendo Teodora se recusado ao casamento. de Finlay). Entre as mais lamentáveis vítimas desse imperador os historiadores destacam o nobre Constantino Boutzès. Zonaras.Teodora e Zoé já com seus cinqüenta anos de idade. Acolhia com facilidade qualquer tipo de calúnia. . não haviam casado. Alexius. e faleceu dois dias depois" ("History of the Byzantine Empire from DCCXVI to MLVII". traços finos. segundo os historiadores. Para que tenhamos uma idéia viva das limitações físicas que atingiram o imperador bizantino é importante que analisemos os escritos de um contemporâneo seu: Miguel . o que logo a imperatriz descobriu foi que seu amado era doente e sofria de ataques epiléticos cada vez mais constantes. Estamos. bajulador e sem caráter. de Diehl). uma irradiação de graça espalhava-se sobre toda a sua figura. mãos finas e bonitas" ("Choses et Gens de Byzance". Monômaco: limitações físicas muito sérias* Levado ao trono bizantino graças à sua boa estrela. Constantino era um homem especial. um sorriso delicado. bem conservada e saudável. "Miguel e Constantino fugiram por mar para o mosteiro de Stoudios onde. subindo ao trono Miguel IV. falando de um imperador que viveu muito intensamente uma seriíssima deficiência física. pois ele e Constantino conseguiram fugir e procurar a segurança de um mosteiro. No dia seguinte a esses acontecimentos a revolta popular e das forças armadas estava montada e o palácio completamente cercado. pois teve seus vistosos e bem cuidados cabelos loiros cortados por ordem do imperador. Transformou-se dessa forma em seu terceiro marido e príncipe consorte. esquecendo as atenções que poderia dar à sua imperatriz que ainda era uma mulher bonita. a glória terminou numa negra tragédia pessoal. Morto Romano. No dia 18 de abril de 1042. a imperatriz casou-se imediatamente. . por ordem de Teodora. ele com 62 e ela com 64 anos de idade. que recebera o título de "nobilíssimo". O motivo de Zoé: estava profundamente apaixonada por um novo amante seu e queria transformá-lo em imperador. Constantino Monômaco (980 a 1054) iniciou a parte mais conhecida de sua vida após o casamento com Zoé. com o titulo de Constantino IX. sofrendo muito com os problemas decorrentes de um mal que os historiadores identificaram como gota. que reinou por pouco mais de 4 meses. havia convencido Zoé a adotar um sobrinho seu como herdeiro do trono.*Constantino IX. Em fins de 1041 o imperador foi substituído pelo herdeiro que assumiu o cargo com o nome de Miguel V. Mas sua história não termina aí. vazaram seus olhos e internaramnos cada um num mosteiro diferente ("Vie et Mort de Byzance". por exemplo. No dia 21 de abril Miguel V estava deposto. Lá foram localizados. o que a imperatriz fez com poucas hesitações face à paixão que a consumia. Ele é assim descrito logo ao início de seu governo: "Seu rosto era encantador: tinha a tez clara. Miguel V irradiava uma antipatia tão forte ao seu redor que logo se tornou intolerável para a imperatriz e para a corte toda. Antes disso. foi vítima de supremo ultraje. foi trazida às pressas de volta a Constantinopla e coroada como "basilissa" na igreja de Santa Sofia. porém. seu primeiro marido. de Bréhier) . Constantino. que passou para a História como um imperador muito voltado aos interesses do Império. Antes. teve sua morte por ela encomendada no ano de 1034. Admiravelmente bem proporcionado. as intenções de Miguel V e de seu tio confidente vieram à tona: Zoé foi presa e internada num convento. hipócrita. irmã da imperatriz destronada. Tanto isso é real que logo se desinteressou da imperatriz e retirou-se a um mosteiro longínquo. Em tudo Miguel V procedia de acordo com orientações recebidas de um tio seu. entretanto. porém. mas que poderá ter sido artrite reumatóide ou artrite deformante. No entanto. Teodora. Miguel procurou bajular e agradar em público a imperatriz. Para este jovem imperador leviano. Em julho de 1042 Zoé casava-se com Constantino Monômaco. Percebendo o perigo que corria. depois de ocupar o trono por seis anos.Romano Argiro. tinha um talhe elegante e bem dosado. no entanto. na línguagem própria da época e com os limitados conhecimentos de medicina de então. também inchados. A partir daí. resultando em desequilíbrio e enfraquecimento. de Psellos). depois movia-se e mudava de lugar sozinho. ao ponto de aqueles que o viam não ficarem muito seguros de que vivia entravado pelas dores e minado pela doença" (Chronographie". impedindo-o imediatamente de andar. o seguinte: "Os elementos essenciais desagregaram-se e embaralharam-se e. Que outras providências eram tomadas nessas procissões solenes para reduzir a um mínimo suas dores e dificuldades? Cobriam todo o trajeto com tapetes a fim de evitar que seu cavalo escorregasse nas lajotas das avenidas entre o palácio imperial e a basílica de Santa Sofia.. "Uma certa arte. Em sua vida de todo o dia e dentro do palácio.. tornar-se incapazes de segurar não importa o que. tão repletas de cores e de fausto. retorcidos e desalinhados. para tornar o sono possível. o auxiliava e mantinha sobre a sela. como era seu dever. fazia-se preparar e arrumar para tal fim" ("Chronographie". apoiandoo daqui e dali. passava a maior parte do tempo no leito e quando desejava dar audiências. professor de filosofia. muito pelo contrário. muito embora seja certo que tudo era feito para diminuir as dificuldades do imperador. seus pés ficaram totalmente inchados e dobrados sobre si mesmos. a tal ponto que não eram capazes de assegurar sua marcha. seguravam-no como um fardo e transportavam-no para onde deveria ser levado. viravam-no com cuidado no leito e com isso conseguiam acertar almofadas e adaptações não especificadas mas citadas na obra de Psellos. de Psellos) . o povo tinha o direito e ansiava mesmo pelas cerimônias e procissões imperiais. Psellos entra em pormenores preciosos quanto à vida diária do imperador e sua deficiência física tão séria. e.Algumas providências eram tomadas para reduzir a um mínimo as dores do imperador. Para repousar à noite com um mínimo de desconforto. O mal não atingiu de imediato o corpo todo. No entanto. ". escritor renomado e Secretário de Estado de Constantino IX. tão bem feitos. como um fardo. mas seu sofrimento aumentava muito nessas ocasiões. no palácio. mesmo no meio de tantos males. os elementos da harmonia deslocaram-se. negar sua própria forma e. E eu vi seus dedos.. Movimentava-se apenas com a ajuda dos outros. respirava com dificuldade e as rédeas eram supérfluas. escudeiros vigorosos e de boa estatura sustentavam-no de ambos os lados e assim.o fluxo de imediato atingiu suas mãos e depois seus ombros. Em sua notável obra "Chronographie" ele nos refere. não deixava de lado suas características básicas. Com o passar dos anos Constantino IX sentia dores até na língua . formavam uma saliência como um cotovelo. depois. uma vez a cavalo.. Mas ele. com as fibras e ligamentos embaralhados. impossibilitado de manter-se em pé por longo tempo. todo membro inundado por esse fluxo terrível perdia sua energia e. autor de 125 trabalhos escritos. a dos cavaleiros. levado por sua montaria. ele compunha com elegância sua aparência. tanto nos pés e no âmago das juntas. pois privava muito com ele. e acabou atingindo o corpo todo. seus joelhos. pois qualquer posição lhe era incomoda e diante disso seus camareiros ajudavam-no a procurar posições. quanto nas mãos. O grande cronista bizantino não faz qualquer comentário quanto à intervenção de médicos ou ao uso de medicamentos.Psellos. Seus pés foram os atingidos em primeiro lugar. a menos que houvesse a incidência de um forte ciclo de dores. sempre carregado de um lado para o outro. afluíam para dali inundar os músculos e os ossos da própria região lombar". para se movimentar de ambiente para ambiente ele era carregado por camareiros bastante fortes sem maiores dificuldades. Constantino reconhecia isso e participava. a dificuldade crescia. Afirma ele o seguinte: "Enquanto a esperança sobrevivia. esse soldado com sérias deformidades físicas teve um destacado papel a fim de possibilitar que seu importante prisioneiro chegasse ao dia seguinte com vida. levou suas tropas contra o sultão turco Alp Arslan. a estação imperial. meu corpo sofre. Voltando a Constantinopla. Romano tentava reagrupar e salvar o restante de seu exército. com o qual acabou assinando um tratado de paz que os bizantinos consideraram vergonhoso. Eles caíram ao seu redor. que era um general muito competente. partiu no comando de um grande exército para combater sarracenos e turcos Seljuk. Muito embora tenha lutado com extrema valentia e competência. em Proti. no mar de Mármara. o imperador foi ferido. O próprio historiador Gibbon afirma que. das suas jóias e do seu manto de púrpura. manteve a luta até o final do dia. Apesar disso ele se manteve só e intrépido até que foi dominado e imobilizado pela força das multidões. Diógenes: presa de um soldado com deficiências* Este imperador bizantino permaneceu na liderança do Império de 1067 até 1071. Romano. Romano IV foi destronado. Psellos informa também que Constantino. Assim. Romano IV passou uma noite muito perigosa para sua vida no devastado campo de batalha. já despojado de suas armas. Eudóxia. por ordem do césar João Dukas. Nesse evento. sendo-lhe um suplício mudar de lugar. No mais recôndito de seu ser Constantino IX aceitava suas dores e a limitação física como uma punição pelos seus pecados passados e como freio de sua natureza. afirmava ele (Apud Psellos). no ano de 1067 e mal investido da autoridade e da dignidade de imperador. cercado por uma multidão quase sem controle que saqueava tudo o que podia. mas os impulsos desordenados de minha alma são assim controlados". ele ficava aborrecido e mandava a pessoa se retirar. Na última delas. Logo que se casou com a imperatriz viúva. apesar da verdadeira batalha com dores e problemas delas decorrentes.*Romano IV. foi internado num mosteiro. E se alguém vinha se queixar dos próprios sofrimentos. às vezes pessoas deficientes eram consideradas aproveitáveis nos exércitos em funções que pouco ou nada demandavam quanto ao uso de armas. capitulam diante dos sofrimentos do corpo. às vezes até usando de palavras rudes. . E no caso do aprisionamento de Romano IV. queremos chamar a atenção para uma pequena informação do historiador Gibbon sobre as circunstâncias de seu aprisionamento. Quando o centro. A glória por essa ilustre presa foi disputada por um escravo e por um soldado: um escravo que o havia visto no trono de Constantinopla e um soldado cuja extrema deformidade havia sido relevada face à necessidade de serviços de sinalização" ("Histoire de la Décadence et de la Chute de L'Empire Romain". Como podemos muito bem notar por essa informação. em três diferentes campanhas. jamais deixou escapar uma palavra contra Deus. todavia. "Como meus instintos não cedem à razão. ao sul de Constantinopla. seu cavalo foi morto. à testa dos bravos homens que haviam aderido ao seu estandarte.e um imperador era um caso altamente excepcional que levava não só a resgates a peso de ouro. Romano IV foi feito prisioneiro e levado à presença de Alp Arslan. preso e teve seus olhos vazados. de Gibbon).ao falar. como a tratados diversos. Assinale-se que havia prêmios altamente compensadores por prisioneiros resgatáveis . ficou sem proteção de todos os lados e cercado pelos turcos vitoriosos. . ainda com desesperada coragem. ele. ele acabou paralisado num lugar só praticamente. com ele defrontando-se na grande batalha de Mantzikert. cargo supremo daquela república .*Isaac II.e desta vez seu próprio irmão Alexius – liderou outra revolta no ano de 1195. Esses eventos envolveram a Dinastia Angelus e levaram à introdução de algo totalmente novo na história tumultuada de Constantinopla: os imperadores latinos. desafiando acintosamente os direitos reclamados e mesmo o cumprimento dos tratados assinados entre o Império Bizantino e a República Veneziana. foi eleito "doge" . um parente seu. E na primeira oportunidade fugiu e foi buscar a colaboração de nobres europeus que em Veneza procuravam organizar uma cruzada à Terra Santa e ao Egito. que vai de 1185 a 1195. . o novo imperador soltou o sobrinho. apelou para a tortura refinada e cruel. Angelus. Sempre muito hábil e corajoso em suas atividades comerciais e guerreiras. Constantino Angelus. apesar de cego. Levaram também à partilha do grande Império entre os nobres cruzados e a República de Veneza. Foram essas condições básicas e as circunstâncias relacionadas a negócios de Estado que o levaram a Constantinopla. No entanto. . havia aprisionado navios e tripulações de Veneza e recusava-se a devolvê-los. Dizem os historiadores que Dandolo ficou completamente cego. O que o velho embaixador certamente não havia imaginado era o tipo de reação do imperador bizantino que. Com o passar dos anos. O objetivo era resolver uma pendência muito séria no ano de 1171 quando Dandolo já estava com 66 anos de idade: Manuel Comnenus (1143 a 1180). típica de sua corte: mandou colocar próximo aos seus olhos vasos de metal incandecente que acabaram comprometendo seriamente sua visão. que tinha também o nome de Alexius. um outro parente . que era muito importante àquela época. Angelus: olhos vazados. Dandolo foi extremamente importante nos eventos que transformaram por completo a História Bizantina e a História de Veneza. procurando afastar o incompetente e alienado imperador. Dandolo. Dandolo foi incisivo na corte bizantina e expressou com extrema clareza e em termos convincentes a indignação sentida pelos venezianos face às atitudes do imperador quanto aos navios e suas tripulações. imperador bizantino. enfurecido ao extremo e ofendido com as argumentações fortes de Dandolo. Alexius assumiu o Império com o nome de Alexius III e imperou de 1195 até 1203. Foi vencido e destronado pelas forças de Isaac II. excelente orador e dono de um soberbo nome de família romana das mais antigas tradições que o tornaram muito influente na República de Veneza.*Enrico Dandolo: "doge" veneziano cego* Enrico nasceu perto de Veneza no ano de 1105 e faleceu com exatamente 100 anos de idade na grande capital do mundo oriental daquele século: Constantinopla. O jovem príncipe mantinha-se inconformado e fazia planos para voltar a Constantinopla e conquistar o trono que por herança teria sido seu. A sentença: vazamento de seus olhos.alguns anos após o incidente na corte de Manuel Comnenus. Dandolo foi um ótimo político e um hábil negociador. fazendo-o participar de campanhas militares ao seu lado.. De volta a Veneza foi reconhecido como fiel intérprete da opinião do governo e do povo veneziano e. porém. mantendo seu irmão na prisão ao lado do filho e pretenso herdeiro do imperador destronado. Desta vez Isaac II foi preso e teve seus olhos vazados por ordem do irmão a fim de eliminar suas pretensões de volta ao trono do Império Bizantino. em missão oficial e na qualidade de enviado das autoridades da poderosa República de Veneza. como veremos a seguir. volta a ser imperador* Durante a primeira parte do reinado do questionado imperador Isaac II. sob a forte liderança do "doge" cego. tendo sido julgado de acordo com as leis. proclamou-se imperador bizantino com o apoio de suas tropas. Andrônico Comnenus liderou revolta contra o imperador Alexius II. pois de acordo com a tradição bizantina. general bizantino do século XI. foi proclamado imperador ao lado de seu irmão.*Outros eventos que levaram a deficiências físicas e sensoriais* Muitos outros eventos aconteceram no milênio de existência do Império Bizantino que levaram nobres e imperadores a terem seus olhos vazados ou corpos mutilados.Filípico .Heracleonas . Foi nomeado duque da Bulgária em 1075. Mas foi um impasse curto. . Foi um imperador cruel. obteve o título de "augusto". não poderia mais ocupar o trono bizantino e de que Alexius seria. como de fato era. Comnenus. destronando-o. cego como estava. segundo os historiadores foram mutilados e banidos para a ilha de Rhodes. sendo originário da Armênia. Dessa forma. . pois pai e filho. Entretanto. imperador Heraclius. 60 anos após a derrocada provocada por Basílio II. por influência direta de sua mãe. No ano de 1077 proclamou-se imperador da Bulgária mas foi derrotado por Nicéforo Botoniate em 1078. era originário de importante família. . conversaram muito e Isaac II acabou aceitando as condições negociadas pelo filho. general bizantino . os habitantes de origem grega libertaram Isaac II e colocaram-no no trono como imperador de fato. Dentre eles cumpre destacar: . Constantino III. E a empreitada foi aceita na presunção líquida e certa de que Isaac II. seu herdeiro. Ficou logo claro que não seria possível pagar os cruzados e cumprir o prometido. por ordem do imperador Miguel VI.Bryenne. Foi logo após destronado e preso.imperador de fevereiro a setembro de 641.foi imperador entre 711 e 713. Foram ambos afastados do trono. Enquanto se manteve precariamente no poder mandou cegar o "protosebaste". cujo titular tinha importância correspondente à de um primeiro ministro.inimigos externos além de enfrentar internamente os problemas com os ortodoxos e com os que pressionavam em favor da Igreja vinculada a Roma. Quando o jovem Alexius e os cruzados chegaram ao palácio imperial tiveram a surpresa do fato consumado: o trono estava ocupado pelo velho imperador cego. Ao final do governo de seu pai. teve seus olhos vazados. após o reencontro. No entanto. inaugurando-se então a fase de investidura dos imperadores latinos. a cegueira incapacitava um homem para ser imperador" ("Cambridge Medieval History". "Multidões reuniam-se para ver o desfile ou a imolação de alguns traidores ou . E o velho imperador cego estava certo. suas lutas acabaram por garanti-lo no trono de 1183 até 1185. Foi infeliz em seu governo por ter que lutar contra búlgaros e árabes .Andrônico I .Com o aval do papa Inocêncio III conseguiu convencer o grupo de nobres a viajar para Constantinopla a fim de derrubar Alexius III e de garantir sua instalação no trono. quando Alexius III foi afastado do trono. A morte prematura deste levou a corte a suspeitar de Heracleonas e de sua mãe. enquanto os garbosos cruzados avançavam deslumbrados pelas avenidas de Constantinopla. Havia condições muito pesadas para tanto: pagar o aluguel dos barcos usados para todo o transporte dos cruzados e seus exércitos.cognominado de Bardane . de Hussey). embora deixando claro que duvidava de sua viabilidade. . ajudar financeiramente na organização de uma cruzada ao Egito e submeter a Igreja Ortodoxa a Roma. teve seus olhos vazados. "O choque foi muito grande para Alexius e para os cruzados. Deposto finalmente. sob a custódia dos cruzados Os imperadores do ocidente europeu. preso e.Nicéforo Bryenne. mandou cegar vários nobres recalcitrantes e inconformados com a situação. e as ferozes execuções ordenadas por Andrônico I foram o prelúdio natural para seu terrível fim. para tanto. resta-nos falar de algumas figuras históricas que viveram nos séculos XIII e XIV: destaquemos. em sua obra anteriormente citada. com apenas 11 anos de idade. em 1230. de Gibbon). O jovem príncipe João Lascáris (1250 a 1300 aproximadamente) que passou para a História Bizantina como João IV. tendo então recebido o titulo honorífico de "déspota" e algum tempo após o de "imperador-adjunto". excomungou Miguel Paleólogus por esse ato . Foi por ele derrotado na batalha de Klokotnika.o que de fato provocava uma situação especial. os nomes famosos de Miguel Paleólogus e de João V. pois o imperador era considerado o representante de Cristo. Para efeitos desse segundo titulo. No ano seguinte. o czar búlgaro João Asen. Lascáris. Paleólogus. Arsenius Autorianus. Teodoro Dukas. influindo decisivamente nas tomadas de decisão de seu irmão Manuel e de seus dois filhos. falecido em 1259. Para finalizar os relatos de eventos históricos ou de fatos relacionados a personalidades que marcaram o Império Bizantino. Com apenas 8 anos de idade o herdeiro do trono bizantino teve como tutor o próprio patriarca de Constantinopla. Fez algumas tentativas para conquistar Constantinopla e para tanto procurou atacar a cidade pelo norte. Miguel Paleólogus resolveu destronar o príncipe e com isso afastar a dinastia dos Lascáris. . Para tanto mandou cegá-lo. era muito dinâmico e sagaz. no entanto. provocou um sério atrito com antigo amigo seu. ele suportou com uma valentia muito própria" ("Cambridge Medieval History".Teodoro Dukas . E. após muita insistência do imperador e da corte. Arsenius Autorianus. João e Demétrio. graças a tramas muito bem urdidas e contando com o total apoio da grande família dos Paleólogus. Acabou reconquistando a amizade de João Asen e foi posto em liberdade. Miguel VIII. Esse proceder desumano ocorreu no início do século XIII. o patriarca foi trocado e a excomunhão revogada. não ocorrendo a revogação do ato punitivo. todavia. de Hussey). Além de cegar João IV.*Ato friamente planejado instala a Dinastia dos Paleólogus* Um ato muito frio e cruel nos é relatado por diversos historiadores e em especial por Gibbon. que. Andrônico I morreu mutilado. "A perda da visão incapacitou o jovem príncipe para as atividades do mundo: em vez da violência brutal de arrancar os olhos. considerada um perigo para seus exércitos. ex-tutor de João Lascáris.criminosos horrivelmente mutilados. conseguindo inclusive lançar o chamado Império Grego da Tessalônica em violentas lutas. . Com isso. por ordem do "amigo" czar. Voltou incontinenti à Tessalônica e viveu uma vida de contatos políticos muito intensos. o nervo ótico foi destruído com o intenso brilho de um vaso incandescente. No entanto. onde passou muitos anos na privacidade e na obscuridade" ("Histoire de la Décadence et de la Chute de l'Empire Romain". tendo lá sido preso. e João Lascáris foi levado para um castelo distante. teve seus olhos vazados.Foi imperador da província de Tessalônica e era irmão de Miguel Angelus Comnenus. No entanto. não quis "dar as costas" à Bulgária. Paleólogus. estando João IV. Miguel foi apontado como tutor do jovem príncipe. era filho de Teodoro II. ele foi coroado na cidade de Nicéa em 1260. No entanto. patriarca da Igreja Ortodoxa. . os dois mandatários foram depostos e encerrados na mesma torre da qual os dois príncipes foram retirados para ocupar os seus respectivos tronos (Apud Gibbon). mergulhada num generalizado estado de ignorância. pois forçou o imperador bizantino a se manifestar. confrontando-o com o aspecto "traição". do lado otomano. à exceção de Constantinopla fortificada. Paleólogus. caso a cidadela fosse tomada e saqueada. o que ocorreu em 1376.*O dilema de João V. numa situação bem diversa daquela encontradiça na Europa. uma leve e quase imperceptível chama de cultura clássica era conservada na Europa e em muitos pontos do Oriente Médio. querendo punir seu secretário Manuel Holóbolus por ter-se apiedado da sorte do infeliz João Lascáris. após ter ele os olhos vazados" ("Les Institutions de l'Empire Byzantin". que se mantinha intocada devido a um certo receio que os tão aguerridos otomanos tinham dos cruzados e das reações da Europa Cristã. procuravam desvendar todo o mistério de conteúdo da propalada sabedoria grega e dos seus mais renomados filósofos e cientistas. Os dois jovens pretendentes aos respectivos tronos começaram a conspirar contra seus pais logo após Andrônico ter sabido que João V o havia afastado da sucessão em beneficio de seu irmão Manuel. a menos que ele infligisse a mesma punição a seu filho. o imperador bizantino procurou manter com os turcos um relacionamento cordial. os povos árabes. Mourad I descobriu a conspiração dos dois príncipes e tomou uma decisão drástica contra a traição de seu filho primogênito: mandou vazar seus olhos. Paleólogus tremeu e obedeceu. de Gibbon). e para Bayazet. filho mais velho e eventual sucessor de Mourad I. igualmente invasores e expansionistas. e uma precaução cruel envolveu na mesma sentença a infância e a inocência de João. Mas a operação foi feita tão brandamente ou tão imperitamente que um manteve a visão de um olho e o outro foi vítima apenas do mal do estrabismo" ("Histoire de la Décadence et de la Chute de l'Empire Romain". de Bréhier). fez amputar seu nariz e seus lábios. As Pessoas Deficientes na Idade Média Dos anos 500 até o final do século X."Em 1261 Miguel Paleólogus. enquanto que no Oriente Médio. Tanto isso é verdade que Andrônico. Mas o rigoroso sultão não deixou o assunto morrer aí. do lado bizantino. filho do criminoso. E no meio do caos do destroçado Império Romano. o sultão turco colocava a sua na cidade de Adrianopla. próximo às fronteiras da Bulgária e da Grécia e a pouca distância da capital bizantina. Paleólogus (1319 a 1389)* Durante o governo de João V. Havia visitas cordiais à corte do sultão e as famílias ficaram se conhecendo bem. Dois anos após a aplicação da pena. fez uma boa amizade com Saoudj. Praticamente todo o território do Império Bizantino já havia sido tomado pelos turcos. "O otomano ameaçou seu vassalo com o tratamento de um cúmplice e de um inimigo. Enquanto João V mantinha sua capital na inexpugnável Constantinopla. Os dois príncipes conspiradores foram presos na famosa torre de Anema e a sucessão aos dois poderes ficou garantida para Manuel. a Igreja Cristã demonstrava sua pujança e sua rigidez: ela passou a ser quase que o único baluarte capaz de manter a cultura . sob a quase total custódia do sultão otomano Mourad I. o filho mais velho de João V. Os povos invasores e desmanteladores do antes inexpugnável Império Romano mantinham-se em franca e obscura atitude contrária aos ensinamentos deixados pelos grandes pensadores gregos e romanos. 3. . passando o menino a viver confinado no mosteiro. No seu dia-a-dia o jovem Herveu movimentava-se com a ajuda de um guia chamado Guiac'han. de acordo com orações de sua mãe. na França. Bem mais tarde a mãe também deixou o filho com um monge conhecido pelo nome de Arzian. além de todos os salmos que sua mãe . Herveu aprendeu muito com a escola existente no mosteiro de Arzian.cantava com límpida voz. Herveu nasceu no ano 520 na Bretanha continental. hospitais e abrigos para doentes e pessoas portadoras de deficiências mais pobres eram criados por vezes por senhores feudais ou por governantes de aglomerados urbanos mais fortes ou de burgos mais significativos. uma piedosa jovem que cantava os salmos com excelente voz. sempre ajudados pela cooperação de esforços provenientes da Igreja. Transformou-se logo em professor. menos sonhador e muito mais prático. muito debilitada pelos jejuns e pelas penitências. peço de minha parte a Deus todo poderoso. que foram a tônica da cultura das populações menos privilegiadas e mais empobrecidas durante muitos séculos da Idade Média. renuncio desde agora a todas as vaidades deste mundo para servir apenas a Deus pelo resto de meus dias". muito inquieta com os perigos do mundo. apesar da cegueira. Dizem os poucos biógrafos desse pouco conhecido santo bretão que sua jovem e inexperiente mãe.clássica que ela preservava com segurança nas bibliotecas dos mosteiros e dentro de seus fortes muros organizacionais. E para que minha prece seja atendida. o monge cego. em muitas partes da Europa e do Oriente Médio. pediu a Deus que seu filho nascesse cego. Isto é verdadeiro não só quanto à Europa Cristã mas também a todo o leste islâmico. incluindo em suas preferências também as ciências profanas.*A criação de hospitais e abrigos para pobres* Apesar de todas as concepções místicas. Com a ajuda do eremita. significa "amargo". nasceu cego. o grupo visitou o bispo de Houardon que quis . dizendo: "Ó mulher. Além disso tivemos no século VII a criação de uma instituição para cegos perto de Pontlieu. mágicas e muito misteriosas. não é cruel por parte de uma mãe pedir que seu filho seja privado da luz da vida? Se ele deve nascer assim. os casos de doenças e de deformações das mais diversas naturezas ou causas passaram aos poucos a receber mais atenção.ele recordava muito bem . num local próximo ao convento onde sua mãe vivia confinada. ficou atemorizado com essa prece e repreendeu-a. de muito baixo padrão. Herveu acabou encontrando sua mãe. Um dos sintomas dessa atenção mais humanizada foi a continua criação de hospitais. pois está repleta de poesia e de crendices. por humildade afastou-se e começou a peregrinar de mosteiro a mosteiro. Foi um projeto diferente daqueles usualmente encontrados na mesma época. Segundo ela. No entanto. que essa criança já daqui desse mundo tenha visão dos esplendores do céu.*Um santo cego na história da Bretanha do século VI* A história de Santo Herveu. Rivanone. sem ter chegado a ver o filho que. Nessa espécie de peregrinação constante. O pai. No leste da Europa. por exemplo. Seu pai foi o bardo (cantor e poeta) Hoarvian e sua mãe. seguido por grupos de alunos seus. O nome Herveu. todavia. recebido no batismo. . Foi durante sua adolescência que deixou o mosteiro de Arzian e foi em busca do retiro do eremita Urfold. . E o pai acabou partindo de fato. São Bertrão. é típica do início da Idade Média. por iniciativa do bispo de Le Mans. Sua festa é celebrada no dia primeiro de setembro. Seus restos mortais foram transferidos para a catedral de Nantes em 1002. Sentiu-se uma indignação geral contra o bispo que. O famoso santo é representado tendo ao seu lado uma flecha e uma corça. em latim) é patrono da pequenina cidade de Saint Gilles.*Santo Egídio. . num local posteriormente conhecido como Lanhouarneau. caiu cego ao chão. umedeceu os olhos da vítima que logo a seguir voltou a enxergar (Apud Le Berre). E foi o concílio de Tours. levados a Toulouse no século XVI. devido à sua cegueira e à sua humildade. Apesar de não ser sacerdote. após ter visitado o mosteiro de São Cesário de Arles. em 545. ao sul da França. Dizem que essas águas têm virtudes um tanto misteriosas para a cura de males dos olhos nelas lavados. passou a viver como eremita no meio do bosque. em procissão solene realizada no dia de sua festa.. foram transladados para Saint Gilles apenas em 1862. pelo ano 543. os doentes e os deficientes físicos e mentais foram objeto de uma norma da Igreja Católica em pleno século VI. Foi ferido acidentalmente pelo rei Flavius dos Godos quando este perseguia uma corça e ela procurara segurança aos pés de Egídio. não aceitou a ordenação. Foi para esperar esse ceguinho que perdemos um dia todo?". Existe na vila uma antiga abadia que chegou a ser expressamente protegida por Carlos Magno e que hoje guarda as relíquias de seu santo padroeiro.ordenar Herveu sacerdote. Recebeu finalmente as chamadas "ordens menores" e o poder do exorcismo. Arrependido com o engano. É ele considerado na França como um dos dez santos que mais ajudam à população desamparada e sempre foi venerado na Europa como o padroeiro dos mendigos. Os restos mortais de Santo Egídio. ."O que? ! . Segundo lendas do século X Egidio era um jovem aristocrata de origem ateniense que. entre a Baía de Biscaia e o Canal da Mancha) são sempre usadas para a benção das águas da Fonte de Santo Herveu. que lá viveu no século VI. Suas relíquias ainda hoje existentes no mosteiro de Lanhouarneau (distrito de Finistère. explodiu o prelado. Santo Herveu é considerado o patrono dos cantores populares e é festejado em 17 de junho. castigado no próprio ato. o que irritou sobremaneira um dos bispos presentes. a oeste da França. as margens do canal do rio Rhone-à-Sète. dos ferreiros e das pessoas com defeitos físicos. . na Bretanha. realizado nos anos 566 e 567 que decretou pelo seu cânone quinto o seguinte: . Contase que os participantes ficaram o dia todo esperando por ele para iniciar o conclave. Mas. Flavius mandou imediatamente construir uma abadia naquele bosque e nomeou Egídio seu abade. Fica situada no Departamento de Gard. padroeiro dos deficientes* Santo Egídio (Gilles. Sua fama foi tão importante no passado que os peregrinos agradecidos chegaram a contribuir para a melhoria da vila e da abadia.*Assistência aos pobres pela Igreja* Os pobres. em francês e Aegidius. Herveu aproximou-se e tomando de um pouco de água que começara a brotar de seu bordão. norma essa que pretendia assisti-los e ao mesmo tempo circunscrever seus movimentos a um determinado território. recebeu o título de abade de sua congregação e nessa qualidade foi convocado para o concílio que ia ser realizado em Menez-Bré.. Fundou um mosteiro próprio pelo ano de 540. Durante os primeiros séculos da Idade Média essa punição tanto podia ser aplicada diretamente pelo senhor como. Os sacerdotes da zona rural e os habitantes também alimentarão seus pobres. aos cuidados do bispo. pronunciando uma a uma as várias letras do alfabeto. de um modo indireto. praticamente todos tinham o direito .*A mutilação como castigo no século VII* Desde épocas imemoriais. cognominado “o Venerável”. “proíbe aos bispos e aos sacerdotes maltratar os empregados da igreja pela mutilação e manda que. mesmo que fosse. não causaria impacto maior hoje em dia ou mesmo há dois ou três séculos atrás. em diversos países europeus. no ano 666 que procurou cercear esse bárbaro costume. aprovado nesse concílio. já um tanto distanciados dos preceitos da caridade. No campo da comunicação dos deficientes da palavra falada esse é um fato totalmente isolado ocorrido no início da Idade Média. vindo a falecer em 735. e não deixarem que sejam marcados com ignomínia” (Apud Guérin). O cânone décimo quinto.de punir severamente seus criados. que sejam entregues aos juízes seculares. se forem eles considerados culpados de qualquer crime. seus escravos ou empregados. Escreveu muitas obras dentre as quais não podemos deixar de chamar a atenção para a História Eclesiástica da Nação Inglesa a qual cobre período que vai desde os primórdios da Igreja Cristã na Inglaterra até 731. Daí por diante o prelado começou a inserir sílabas.“Cada cidade alimentará os seus pobres.*Amputações como penalidade por crimes cometidos* Embora não disponhamos de dados muito precisos. Foi o concílio de Mérida. em Portugal. O moço obteve pleno êxito e não parou mais de falar. . por meio de juízes. tem sido considerado nos meios católicos ingleses não só como um homem santo. Segundo São Bedo.C. existem evidências de penas severas para crimes considerados graves durante toda a Idade Média. pelo menos para os bispos moderarem a pena à qual serão condenados. a fim de lhes impedir a liberdade para serem vagabundos em outras cidades” (Apud Guérin). tido como santo e miraculoso. em seu último cânone. dedos. mas também como um sábio e grande historiador.. nariz. Consta nessa obra que em 685 um bispo católico chamado João. pelo menos com relação aos bispos e sacerdotes. palavras curtas mesmo frases simples. etc. .ou viam-se investidos desse direito . Apesar do Santo historiador inglês citar o fato como um milagre. o bispo João pediu ao jovem para mostrar sua língua e soltar o som já. membro sexual. . A partir desse ponto. em quase todas as culturas espalhadas pela Europa e por todo o resto do mundo conhecido até o século VII d. A gravidade da situação poderá ser bem retratada por uma decisão tomada num dos concílios particulares da Igreja. ensinou um jovem que nunca havia pronunciado palavra alguma a falar. pela mutilação de parte de seus corpos: orelhas. uma vez que só ouviremos falar sobre o ensino de surdos e de surdos-mudos pelo final do século XV (Apud Muller). a fim de impedir os mendigos vagabundos de correr as cidades e as províncias” (Apud Guérin). É também relevante saber que o concílio de Lyon (583) aprovou. Nasceu em 675. o que foi feito aparentemente sem maiores dificuldades. o bispo orientou o jovem a repeti-las. . conforme as circunstâncias.*O milagre de fazer um mudo falar* São Vedo. a seguinte medida relacionada aos hansenianos: “Os leprosos de cada cidade e de seu território serão alimentados e abrigados às expensas da Igreja. levava o povo cristão a ter oportunidade de fazer caridade. Dentre os diversos crimes que podiam ter como pena a amputação das mãos. . tendo todos eles sido submetidos a torturas... mas ao que parece não houve dificuldades na fase de cicatrização sem inflamações.Na maioria dos casos o objetivo dessas penas . embora bem solidificadas. Como no caso do braço esquerdo. . Vejamos a sua opinião: “Com certeza somente um ou dois anos antes de sua morte foi realizada a amputação de sua mão esquerda a 10 mm acima do punho e do seu pé direito aproximadamente a 50-60 mm acima da junta do tornozelo. um deles (bastante específico para determinado fato ocorrido na História) sucedeu em Milão em 630. É que lá haviam sido descobertos diversos túmulos . Eram os restos mortais de um homem de 40 a 50 anos presumíveis ao morrer que. conforme nos é mostrado em estampa existente no Welcome Medical Historical Museum. mas deformá-lo. Como as vítimas dessas penalidades quase sempre se viam impedidas de trabalhar. Um dos castigos a eles aplicados foi a amputação de uma das mãos. a extremidade áspera correspondente ao ponto da mutilação ficou arredondada e quase lisa e uma espécie de calosidade óssea uniu as duas pontas do rádio e do cúbito num único osso..principalmente as mutilatórias . Com a sobrevida de mais de um ano. Há leves sinais de infecção. As mutilações indicadas pelos dois autores provavelmente não foram feitas sem conhecimento de causa.C. durante uma violenta peste.não era matar o criminoso. restava-lhes o recurso de esmolar. o coto está arredondado. As autoridades e o povo deram caça aos mesmos. amputações e mesmo à morte. Eis os dados que nos são repassados por dois cientistas: . Segundo Broththwell e Moller-Christensen. sendo a mutilação um meio visual destinado a amedrontar outros criminosos. Essas mutilações não foram provavelmente feitas com uma serra . De acordo com muitas acusações baseadas em observações e também em crenças de natureza pseudo-científicas. a sudoeste da Inglaterra) mereceu toda a atenção dos cientistas do Departamento de Arqueologia PréHistórica da Universidade de Edinbourgh. apresentava algo bastante inusitado. . Cuidavam os aplicadores das penas mutilatórias que os condenados não morressem devido à hemorragia ou a eventuais complicações. como no Império Bizantino.talvez do século VII d. por exemplo.O braço esquerdo apresenta sinais da amputação da mão a 10 mm acima do punho. tendo a amputação cortado 50 mm da tíbia e do perônio.A perna direita apresenta mutilação do pé.e um dos esqueletos apresentava peculiaridades bem marcantes.*A evidência de dupla amputação: século VII* Foi em 1956 que uma área desabitada na ilha de Tean (uma das Scilly. de Londres (Apud Brothwell e Muller-Christenseln).métodos sabidamente empregados como punições na Inglaterra durante a Idade Negra.. que de certa forma. mas foram o resultado de uma remoção intencional por machado ou faca pesada e martelada com um malho . acrescente-se a esses problemas o fato de que vários anos antes o mesmo indivíduo havia fraturado a clavícula e uma vértebra toráxica que. além de ter sido vítima de um processo artrítico sério. a peste era espalhada por um certo ungüento que era esfregado nas paredes das casas por indivíduos criminosos. com a união de ambos os ossos num só. provocaram alguma deformidade. . (Médico-Historical Aspects of a Very Early Case of Mutilation de Brothwell e Muer-Christensen). o príncipe Hitoyasu. passou a ser um verdadeiro modelo. o bispo Landry. Duzentos anos antes desse concílio. Esse verdadeiro privilégio foi-lhes garantido devido à circunstância de o filho do imperador japonês. . organizou um lar para inválidos e para peregrinos doentes num local bem perto de sua igreja. No entanto. enquanto que muitos foram se aparelhando e alterando seus serviços para um atendimento próprio de um “nosocómium”. que não mantivesse seu “xenodóchium” devido ao espírito de caridade e de hospitalidade cristãs. Do século VII ao século XII os hospitais mantidos nas propriedades dos mosteiros e das abadias ou mesmo das poucas instituições especialmente preparados para tanto foram praticamente as únicas organizações européias que mantiveram como seus objetivos básicos cuidar do doente agudo e em muitos casos também do crônico.*Os hospitais criados pela Igreja na Europa* No ocidente europeu hospitais continuaram sendo organizados graças à iniciativa e à contínua ação de segmentos da Igreja Católica. Além disso. tendo as ordens monásticas dado uma relevante contribuição. mas ainda hoje percebemos resquícios deles. já no ano 845. com apenas 20 anos de idade. pois a experiência dos religiosos enclausurados em tratar seus irmãos feridos ou doentes.*Bispo Hincmar. uma vez que é notória a presença muito numerosa de cegos como massagistas não só no Japão como em muitos outros países que recebem ou receberam sua influência. durante a Idade Média.. Foi dessa experiência do século VII que surgiu o nome de “Hôtel Dieu” para hospital de caridade na França. ter perdido a visão e ter fortemente influenciado seu pai em favor dos cegos que não tinham trabalho digno e que podiam perfeitamente bem desenvolver aquelas atividades. não só como casas destinadas à assistência aos peregrinos ou a viajantes doentes. vítima da crueldade de seus algozes* Hincmar (830 a 882) foi um dos bispos mais jovens de que se tem notícia na História da Igreja Católica. como também abrigos aos inválidos. por . o concílio de Meaux referiu-se ao que chamou de “Hospitia Peregrinorum” (Abrigos dos Peregrinos) e de “Hospitia Scotorum” (Abrigos dos Escoceses). bem como os pobres e desvalidos portadores de sérias limitações físicas.*A profissão de massagista no Japão do século IX* Segundo documentos históricos existentes no Japão do século IX os cegos passaram a dominar completamente a profissão de massagista. Era já o resultado de uma experiência multissecular desenvolvida por mosteiros espalhados pela Europa e pelo Oriente Médio. eram os cegos os quase que exclusivos aplicadores de certas técnicas especiais de acupuntura. Foi sagrado bispo de Laon. na França. considerada desde então como de sua exclusividade absoluta. além daqueles localizados na África. . queixando-se que eles haviam sido desviados de seus propósitos originais de hospitalidade e pedindo sua reinstalação em moldes diferentes. Esses privilégios para cegos prevaleceram praticamente por dez séculos. de Paris. Convém aqui voltar a ressaltar que não havia propriamente nenhum mosteiro ou abadia de porte. Serviram também de abrigo para pessoas impossibilitadas de prover seu próprio sustento devido a sérias limitações físicas e sensoriais. considerando que era uma obrigação quase que funcional dos bispos dar abrigo e proteção a peregrinos e a doentes pobres. não significando. Logo após. depois de 21 anos de bispado. Hincmar foi deposto e aprisionado. o único herói teutônico assimilado pela cultura e pelo folclore de diversos países europeus. Dentre essas peças imortais é importante destacarmos que. esse mesmo papa autorizou Hincmar a celebrar missa. depois de anos de paciente planejamento e da espera de um momento mais adequado. A lenda principal relacionada a esse fantasioso ser fala a respeito de sua vingança contra o rei que o havia aprisionado. Chegou a fabricar peças famosas que passaram para diversas histórias da avantajada mitologia do norte da Europa dos meados da Idade Média. Hincmar foi liberto por influência direta do papa João VIII. E. tendo ele sido deixado sob violentos maus tratos de seus algozes que vazaram seus olhos. que logo lhe confiou duas missões diplomáticas na Germânia. um fato singular na história da disciplina da Igreja Católica. utilizando-se de um par de asas por ele mesmo fabricadas. Essas violências desumanas aconteceram. As condições da cela e do próprio ambiente para onde o bispo deposto foi mandado eram terríveis. durante o concílio de Douzy. já citado e inserido em muitas histórias da mitologia grega. Esse rei havia mandado quebrar seus joelhos para torná-lo incapacitado de se mover com destreza e rapidez. matou os dois filhos do rei Nipopr. todavia. aquelas de Gelásio que excluem do clero todos os que são mutilados de qualquer parte do corpo. o muito sagaz Wayland. de Thomassin).indicação e por influência direta do rei Carlos. . por ordem direta do arcebispo Hincmar de Reims. Wayland. o problema das deficiências físicas e sensoriais nos sacerdotes ou nos bispos é citado por Thomassin. aparece em histórias lendárias tanto na Alemanha quanto na Escandinávia. dos quais o primeiro é irregular e o outro não o é: enfim. portanto. pois havia ocorrido após sua ordenação. Wayland também era um excelente artesão e ferreiro. No que diz respeito a alguns dos primeiros séculos da Idade Média essa autoridade da Igreja informa: “O Concílio de Tribur (Cânone XXXIII) alega as decisões do Concílio de Nicéia sobre os eunucos.*As deficiências em sacerdotes cristãos na Idade Média* Questão permanentemente discutida por autoridades eclesiásticas. o ferreiro. Esse concílio confirma em seguida todas essas ordens e a elas acrescenta que aqueles que se tornaram coxos por qualquer enfermidade corporal não devem ser impedidos das santas ordens” (“Ancienne & Nouvelle Discipline de l’Église”. O objetivo era retê-lo no reino e com isso garantir seus serviços de alta qualificação. Não necessariamente uma réplica nem cópia de Hefesto.*Deficiência física na mitologia germânica* Wayland. Passados cinco anos. aquelas do papa Inocêncio I sobre quem amputou seu próprio dedo. ou a quem se cortou o próprio dedo acidentalmente. inclusive pela mitologia inglesa. Wayland fabricou a espada de Siegfried (Nothung) e a do rei Artur (Excalibur). que reinou entre 872 e 882. segundo os historiadores. No entanto. . segundo as lendas. o Calvo. por ter considerado que sua cegueira não era impeditiva. nenhuma irregularidade. é um herói mitológico famoso na cultura germânica. presidido por um arcebispo que tinha o mesmo nome e que era seu tio. Fez mais para dar mais peso à sua vingança: deflorou a princesa. empreendeu uma fuga espetacular. . sua filha. tendo já merecido o posicionamento de papas e concílios e um lugar permanente no Código de Direito Canônico. que levara o sobrinho prelado à prisão. tendo completado todos os atos que havia premeditado. No entanto. À morte de seu pai em 887 foi protegido pelo . e que a lei civil possibilitava àqueles que haviam perdido a visão gozar de sua antiga posição de juíz ou de senador. apesar de não permitir o acesso a outro tipo de magistratura (Apud Thomassin).*Luís III. o que. rei da Provença . Encontramos no século XII. durante um reinado de 22 anos. porém. mas muito real: “São as manchas da alma e não os defeitos do corpo que nos afastam dos divinos mistérios”. podiam ser ordenados e até mesmo elevados ao bispado. . teria sido impeditivo dos mais sérios. Foi Inocêncio III também que chegou a determinar a deposição de um abade. se descoberto a tempo. o "Cego". elas tornavam uma pessoa “irregular” para o sacerdócio quando essas dificuldades fossem de tal monta que seria impossível exercer as funções sacerdotais sem provocar escândalo ou problemas. não foram por causa disso privados de sua dignidade.Nesses primeiros séculos da Idade Média a Igreja Ortodoxa Grega seguia basicamente as mesmas regras. Teodoro Balsamon. epístolas e regras. os que já haviam sido ordenados podiam continuar exercendo o sacerdócio sem maiores dificuldades e não perdiam de maneira alguma a dignidade ou os benefícios e proventos que recebiam. Ocorreram casos de sacerdotes parcialmente impedidos de ordens devido a deficiências físicas e sensoriais. Segundo seus lideres e autoridades maiores. rei da Provença e da Itália* Luís III.. Esse mesmo papa. O motivo: o alegado escândalo que já àquela época correspondia a algo chocante e que chamava muito a atenção. Os textos latinos. o papa Alexandre III esclarecendo que. quanto a mutilações e deformações do corpo. Um outro motivo alegado pelo papa foi a dissimulação do referido abade: ele havia muito habilmente escondido o defeito durante sua eleição para o cargo de superior (talvez tivesse usado uma prótese). sendo mais condescendente para com candidatos ao sacerdócio que apresentassem deficiências.. conhecido pelo cognome de o “Cego”. tendo-se tornado surdos ou cegos. Inocêncio III. e se tivesse sido constatado antes de sua ordenação. padres e mesmo bispos que. decidiu que não incidira em qualquer impedimento às suas funções. O motivo alegado era contundente para a época. analisou o assunto em maiores detalhes. entre os anos de 1159 e 1181. por ter perdido metade de uma das mãos. utilizam o termo indicado: “nec sine scandalo propter deformitatem membri”. indicando que os mesmos defeitos e mutilações que tornavam impedido um homem para as chamadas ordens maiores não precisavam necessariamente excluir das ordens menores. por meio de cânones apostólicos. cegos e surdos eram considerados como impedidos ao sacerdócio porque essas deficiências os incapacitavam para exercer as funções múltiplas da vida sacerdotal. uma vez que o acidente ocorrera após sua ordenação. ao julgar o problema de um sacerdote que fora atingido por um assaltante e com isso perdera um dedo da mão esquerda. que os coxos e mesmo os que haviam perdido um olho. permissões. Vários papas foram aos poucos tornando o assunto mais e mais esclarecido através de decisões. canonista grego do século XII. reinando ao final do século XII e entrando no século XIII até o ano de 1216. afirma ter conhecido diáconos.hoje parte Sudeste da França. pois estas expunham muito menos os candidatos já clérigos à vida pública. pois o mesmo não tinha uma das mãos (a esquerda). Esses impedimentos incluíam: sacerdotes proibidos de celebrar a missa. Essa facção da Igreja decidira mesmo. nasceu em 880 e era filho de Boso. sem ser impedidos das demais funções de seu ministério. No entanto. ou seja. comia muito pouco. Essa posição do papa foi sacramentada pelo concílio de Clermont. ocasião em que recebeu a coroa real das mãos de Benedito IV. convocado para discutir a questão das Cruzadas no ano de 1095. Pedro. Com essa ordem do chefe máximo da Igreja Católica os portadores de deficiências físicas foram bloqueados de lutar também pelos próprios postulados da Cruzada. por motivos de alegada traição. bem dentro do espírito pregado pelo papa Urbano II. Deixou os negócios de sua coroa aos cuidados de um primo seu. acabou em total tragédia nas proximidades de Nicéa e de Constantinopla. mas sem os deveres da penitência (que seria a peregrinação guerreira. Esse movimento quase espontâneo acabou levando à organização precária de uma Cruzada do próprio povo contra os infiéis. E esse foi o seu mérito maior. cruzou os Alpes com suas forças. mesmo à custa da própria vida. sob o forte apoio do papa Estêvão V. o Eremita. o Gordo. o papa tomou uma posição de energia: proibiu que participassem dessa peregrinação guerreira desordenada os velhos. depôs o monarca após muita luta e reclamou sua coroa. No entanto. em fevereiro de 901.*Deficientes físicos impedidos de participar da Primeira Cruzada* Apesar de ter sido Urbano II o papa que verdadeiramente inventou as Cruzadas e que estimulou fortemente a realização da primeira delas. acabou derrotando também as forças deste odioso Hugo. Luís III. Mas o jovem rei tinha deixado em seu rastro um feroz e muito cruel inimigo: Berengar. procurando ordenar um pouco a incontrolável horda que já se movimentava antes mesmo de os nobres terem se organizado. No correr do ano 900. mandou vazar seus olhos. Ele teve muita influência no surgimento da chamada “Cruzada Popular”. alimentando-se de peixe e vinho unicamente. quando estava com 20 anos de idade. Hugo.imperador Carlos. . Levado de volta à sua Provença. que bem mais tarde tornou-se rei da Itália. por insistência e muita pressão dos inimigos de Berengar. . a imediata reconciliação do pecador com a Igreja por meio da confissão. o Eremita. que aconteceu entre 1096 e 1099. que se caracterizava por bandos de pessoas do povo interessadas em peregrinar até Jerusalém e ali lutar pela libertação da cidade santa. é muito importante que ressaltemos e prestemos a devida atenção ao papel de um típico pregador daqueles dias que ficou muito famoso no centro da Europa: Pedro. Foi coroado rei dos lombardos na cidade de Pávia e rei da Itália em Roma. conseguiu surpreender Luis III em Verona e lá mesmo. com muito ódio. Após poucos meses de reorganização de suas forças e de insistente luta. A Cruzada Popular. papa que ocupava então o trono da Igreja Católica. embora não tão surpreendente na corte bizantina: mandou vazar os olhos de seu irmão Lamberto.). rei da Itália. duque de Provença. Luís foi reconhecido como rei da Provença com 10 anos de idade. em 945. como alguns historiadores a intitulam. e de não ter coincidido com o esforço guerreiro dos nobres latinos de diversas partes da Europa. Na vida deste personagem da História da Provença e da Itália há um registro lamentável e raro nos países da Europa. as mulheres solteiras e os deficientes físicos. vivendo por mais de 26 anos uma vida atrapalhada devido à cegueira. marquês de Toscana. que havia derrotado e vazado os olhos de Luis III. rei da Itália.. Berengar. sob a liderança de um delegado papal. o “Cego”. graças à incompetência de seus chefes. andava descalço e apoiado em longo bastão.. lá permaneceu em Arles. Vestido com uma longa túnica de lã parcialmente coberta por um manto escuro com capuz. . Não há notícia de tentativas bem sucedidas na construção ou mesmo na simples instalação de entidades com finalidades muito específicas no atendimento aos portadores de deficiências. sendo a mais indicada a do barbeiro porque desde 1031 havia obrigatoriamente barbeiros nos mosteiros e abadias. que conforme vimos eram organizados e mantidos por religiosos recolhidos em mosteiros ou abadias. ainda misturavam pessoas doentes com as que não tinham meios de subsistência e dentre estas ficavam sempre os portadores de deficiências físicas e sensoriais mais graves. da falta de cuidados básicos com a saúde e da . A primeira das Congregações Religiosas que surgiu para dar atendimento direto só de enfermagem. E por que motivo? Foi precisamente em 1163 que o concílio de Tours proibiu todo o clero derramar sangue.. O uso de navalhas e tesouras recomendava o barbeiro para funções de sangria. sempre temidos e marginalizados em todo o mundo. entretanto. dando assistência a um mais amplo número de pacientes. foi a Congregação das Irmãs de Santo Agostinho. . “todos os que forem empregados em funções eclesiásticas portarão tonsura e terão a barba feita”. sob a custódia ou a manutenção de serviços de enfermagem por parte de diversas ordens religiosas. sem qualquer esperança de cura.*Barbeiros-cirurgiões na Idade Média* Os clérigos e monges que viviam em mosteiros e abadias eram os detentores dos melhores conhecimentos a respeito de doenças e doentes. entretanto. Após a total desintegração do Império Romano Ocidental. Esses hospitais foram a pouco e pouco sendo secularizados e.*A evolução dos hospitais medievais e as deficiências* As Ordens dos Cavaleiros que se preocupavam de um modo especial com doentes e com peregrinos. Do século XII em diante os hospitais. os acidentados. lancetamentos e curativos. a partir desse ano todos os monges e sacerdotes deviam respeitar um cânone do concílio de Bourges: . os hospitais de diversos feudos e reinos da Europa foram sendo instalados em cidades melhor organizadas ou mais ricas e aos poucos. todavia. seja em hospitais (“Ecclesia abhorret a sanguine”). “lázaros” e outros apelidos. foram melhorando de padrão. àquela época e por vários séculos futuros reconhecidos por “leprosos”. a não ser nos casos de cegos e também dos hansenianos. onde esses pobres acabavam abrigando-se até a morte. sob a forte pressão dos invasores bárbaros.. no ano de 1155. os portadores de males mais graves e as vítimas das intempéries à época dos rigorosos invernos. E as cidades mais pujantes e dinâmicas passaram de certa forma a competir para montar hospitais cada vez mais sofisticados. serviam também para socorrer as vítimas de ciladas. Com o documento papal a função passou aos poucos a outras pessoas. sempre. A iniciativa tinha a intenção de evitar ou pelo menos de minorar as dificuldades causadas pela superlotação perniciosa que estava ocorrendo nos hospitais. seja em lutas. com a ajuda de comerciantes abastados. salvo raras e muito honrosas exceções. Durante os últimos séculos da Idade Média encontra-se noticias de associações especialmente criadas que tentavam levantar e manter fundos para a assistência a doentes e aos permanentemente deficientes que eram mais pobres e que se mantinham alojados nas instalações dos hospitais. bem como de médicos formados em algumas das novas unidades de ensino chamadas de universidades. e das limitações físicas que sempre levavam as pessoas a situações de miserabilidade e dependência. Logo após 1163. devido às conseqüências cada vez mais sérias da concentração urbana. surgiria um outro grupo de pessoas que muito se envolveu por séculos: os barbeiros. . mendigando por comida e por bebida. é mistério maior ainda o seu quase desaparecimento ao redor do século XVII na Europa. Nessa comissão estavam obrigatoriamente incluídos um médico e um hanseniano.tocar ou ter relações sexuais com qualquer pessoa. Os casos de ergotismo.lavar as mãos ou o corpo em qualquer riacho ou fonte (devia saciar sua sede usando uma caneca de sua propriedade exclusiva). mas com ela confundiam-se a psoríase. moinhos. Para tal fim a sociedade armava-se de certas cautelas.comer ou beber na companhia de qualquer pessoa que não fosse leprosa. Era-lhe proibido: . rezava-se uma missa de Réquiem sobre o doente. Era então conduzido para fora da cidade e no caminho o sacerdote. repassando as proibições que iriam marcar sua vida futura. Já existia no Egito e na Índia muitos séculos antes da Era Cristã e foi conhecida dos gregos e dos árabes. sempre causou muitas mutilações e outros tipos de deficiências. um volume muito mais expressivo de doentes levou ao aumento substancial de seu número. face à periculosidade que apresentava e ao pavor de suas conseqüências. a escabiose e o ergotismo. . Dentre eles destacavase evidentemente a hanseníase. Muitos casos foram vítimas de diagnósticos mal formulados. o que correspondia a um sepultamento simbólico.*O estigma da hanseníase durante toda a Idade Média* A lepra. matracas ou pequenas cornetas. hoje mundialmente conhecida como hanseníase. Para combatê-la durante toda a Idade Média. inclusive sua própria esposa. por exemplo. quando um homem era declarado “leproso” tinha apenas um destino: banimento da sociedade e do convívio de seus familiares pelo resto da vida. apavorando por milênios a humanidade. apresentavam mutilações seriíssimas nos dedos devido à gangrena. mercados. Com alguma sorte e com o apoio de sua família poderia conseguir um lugar num “lazareto” ou “leprosário”. . dos quais 217 eram destinados às vítimas da temível “lepra”. Caso contrário passaria a vida toda espalhando o terror da doença.tocar em objetos que desejava comprar (devia apontar com um bastão). . espalhou-se mais ainda durante a época das Cruzadas. sendo uma delas o estabelecimento de uma comissão responsável pelo reconhecimento do mal.tocar os beirais das pontes ou batentes de portas (devia ter as mãos cobertas). por exemplo. Do século XII ao século XV. Levada para toda a Europa pelos soldados romanos. Era um mal causado pelo uso continuado de farinha de centeio com fungos venenosos e que em sua forma gangrenosa levava a amputações muito sérias dos dedos. Na Idade Média. . Se o resultado do exame do doente suspeito de “lepra” fosse positivo. Muitas vezes identificando-se por roucos gritos de “impuro.inexistência de medidas de saneamento básico e outras. impuro” o temido “leproso” era também reconhecido por sinetas. dava orientações básicas ao doente. . A esmola a eles destinada era colocada às carreiras no meio das vielas ou dos campos. só a Inglaterra chegou a organizar 750 hospitais. Nos tempos bíblicos e nos primeiros dez séculos da Era Cristã já havia uma certa variedade de males dermatológicos considerados como contagiosos. padarias ou qualquer lugar público. acompanhado de um acólito que tocava uma matraca. foram tomadas muitas providências concretas por todos os povos.entrar em igrejas. .sair às ruas sem as vestes identificadoras do leproso e sem calçados. . Embora até hoje permanece como um verdadeiro mistério o surgimento da hanseníase no mundo. Na Europa inteira. . que procurava a todo custo desalojar os ingleses da Normandia. Deviam usar chapéus ou capuzes e às vezes faixas vermelhas.*Hospitais proliferam no Oriente Próximo: século XIII* Prosseguindo seus esforços para dar assistência aos doentes mais necessitados. muito envolvido com as Cruzadas e com diversos feitos heróicos que se tornaram lendários. tal a quantidade de lendas e de histórias a seu respeito.000 desses abrigos. todos separando duramente seus doentes da sociedade e deixando que morressem sem qualquer assistência. havia aproximadamente 19. Segundo historiadores como Finlay. Ricardo mandou que trezentos cavaleiros franceses fossem atirados ao rio Sena com suas armaduras. Ricardo era valente. diretor do Instituto de História da Medicina da Universidade de Istambul. nas cores cinza ou preta. chegou aos turcos por influência dos egípcios (Apud Unver). . foi um costume comum em toda a Europa. à sua entrada. Ainda dentro do século XIII surgiram os hospitais-escola de Sivas. Felipe Augusto não se deixou ficar atrás: tratou quinze cavaleiros ingleses aprisionados da mesma forma.000 “lazaretos” que se destinavam apenas à segregação e nunca ao tratamento dos doentes. Quando em guerra com a França. É interessante notar que os hospitais estabelecidos em Kayseri e Çankiri colocaram. A. Konya. portanto. em 1235 e outros mais. em geral. Um dos traços característicos desse rei famoso dos ingleses era sua crueldade. no ano de 1214. aventureiro. a figura de uma serpente. tem sido citado como personagem quase que de ficção. Ricardo Coração-de-Leão chegou a praticar um dia uma barbaridade inacreditável. Çankiri. ao encontro do rei Felipe Augusto (1165 a 1223). os mais antigos desses estabelecimentos de ensino teórico e prático foram os de Kayseri (1206) e de Amasya (1205). por diversos séculos.Foram por séculos marcados e a marca mais forte e evidente ficava nas roupas que eram obrigados a usar. mas muito cruel e vingativo. e para melhor desenvolver os conhecimentos médicos de então. Segundo o Professor Dr. devido à extensão do problema. . Finlay comenta em sua obra que vazar os olhos de soldados ou de pessoas culpadas. Ainda não satisfeito. rei da Inglaterra.*Ricardo Coração-de-Leão e sua vingança* Ricardo Coração-de-Leão (1157 a 1199). Devido ao extermínio de um grupo de seus melhores homens pelos franceses. mandou vazar os olhos de 15 outros cavaleiros que foram mandados de volta. em 1219. imitando de certa maneira a brutal atitude de Basílio II. como o fazemos hoje. Só na França dos séculos XII e XIII havia em torno de 2. apesar de grego em sua origem. Este símbolo. durante o reinado de Henrique IV.*Os progressos da medicina até o século XIV* . Era visto. destemido. graças aos templos de Asclépios. o governante turco Seljuk e seus sucessores (turcos otomanos) criaram diversos hospitais e escolas de medicina. Na Inglaterra foi apenas em 1403. para ali morrerem afogados. imperador bizantino. sem exagerado horror. que o Parlamento inglês aprovou um ato que considerava como crime as penas de cortar a língua ou de vazar os olhos das pessoas (Apud Finlay). Épocas houve na Europa durante as quais eles eram obrigados a levar ao peito um tecido vermelho com desenhos característicos. guiados por um cujo olho direito havia sido poupado.Süheyl Unver. as incapacidades físicas. E por muitos séculos. o trabalho do médico mais qualificado.*A medicina qualificada e a falta de assistência geral* Durante todo o período medieval. Evidentemente esses progressos todos beneficiaram toda a humanidade. ocorreram diversas epidemias de gravíssimas conseqüências. Na Itália e na França a cirurgia começou a dar passos interessantes. difteria.Por volta de 1250. durante toda a Idade Média praticamente . isto é. mas com sérias seqüelas. influenza e outros males devastaram diversas vezes a Europa durante os vários séculos da Idade Média e deixaram um significativo saldo de pessoas que sobreviveram. como não podia deixar de acontecer. Mondino De Luzzi escreveu uma obra intitulada “Anathomia” no ano de 1316. e como nos relatam todos os historiadores. E. daquele formado pela prática ao lado de outros médicos ou daquele que depois do século XI começou a ser formado pelas universidades.o mundo europeu viu decrescer muito os cuidados básicos com a saúde e com a higiene na imensa maioria das cidades. . as epidemias. Muitas delas conseguiram salvar-se. os sérios problemas mentais e as malformações congênitas eram considerados como verdadeiros sinais da ira celeste e taxados como “castigos de Deus”. quase todos extraídos da cultura grega clássica. grandes incidências de males não controlados pelos médicos que nem chegavam a atinar com suas causas ou não dispunham de meios para debelá-los com sucesso. Hanseníase. A dissecação de cadáveres. com capacidade para 1. muitos deles portadores de males incuráveis ou defeitos físicos bastante limitadores.*Epidemias na Idade Média e suas conseqüências: "Castigo de Deus"?* É preciso aqui relembrar que dos anos 500 até o século XVI . peste bubônica.000 vagas. A anatomia teve também seus progressos marcantes com o médico italiano Mondino De Luzzi (1270 a 1326). com exceções não levantadas mas que certamente devem ter ocorrido. e essa obra tornou-se padrão para ensino por mais de duzentos anos na Europa. só na cidade de Florença havia. de um modo especial pessoas que sofriam as conseqüências das doenças crônicas ou que provocavam limitações na plena utilização do corpo. foi retomada. na grande maioria dos casos continuava não sendo desenvolvido dentro dos hospitais. foi um fato comprovado e verificado em . especialmente com o concurso de Guy de Chauliac (1300 a 1368) que chegou a fazer operações de catarata com sucesso. Devido à ignorância imperante. e dentro dela. Os aglomerados urbanos menores também não tinham qualquer infraestrutura ou recurso voltado para a saúde de sua população. um pouco em decorrência do seu contínuo crescimento. . os habitantes das cidades medievais viveram sob o permanente receio das epidemias ou das doenças mais sérias. como era de se esperar. A proliferação dessas casas especialmente destinadas a recolher os doentes provenientes de famílias sem recursos. Um dos resultados práticos da formação de médicos em universidades foi uma pequena ampliação do número de hospitais mais dedicados a tratamento do que a abrigo. trinta hospitais gerais e uma verdadeira rede de assistência a doentes e deficientes pobres. para ver o resto de seus dias passar em situações de extrema privação e quase que absoluta marginalidade. pelo ano de 1300. a Europa Ocidental e suas novas organizações ou associações de ensino programado (universidades) começaram a absorver os conhecimentos e as experiências médicas acumulados pelos árabes. deixada de lado por aproximadamente dez séculos. as doenças mais graves. De acordo com o cronista italiano Giovani Villani.portanto. uma vez que os médicos tinham apenas noções de anatomia retiradas das obras de Galeno. Assim. tudo isso fazia parte da medicina popular. era às vezes levada a extremos. Muitas delas eram multi-seculares. . quer pelas mezinhas ou pelos curativos feitos em outros ambientes.traziam sorte e afastavam os demônios . Os exemplos de anões e de corcundas inseridos na sociedade medieval com certo destaque são significativos. enriquecidas com a experiência de certos núcleos populacionais mais adiantados. mas empobrecidas pela falta de registro de seus segredos. divertidos e inconseqüentes. do mau-olhado e mesmo das pragas e das epidemias. por exemplo. quer pelos serviços do médico. não é nada difícil imaginar que esses doentes não tinham a mínima condição de pagar. em Londres. sem família e sem amigos. as camadas mais pobres da população tinham suas soluções para doenças. E para nós. A crença generalizada nas maldições e nos feitiços. exorcismo e ritos misteriosos de outro. que começou a funcionar no ano de 1123. . à beira da morte. . sob o comando direto de bruxas. temidos por serem manipuladores de situações embaraçosas e conhecedores de segredos delicados de alcova. pois eram supostamente tolos.podendo alguns inclusive participar de todas as conversas e falar o que bem entendessem. aos seus trejeitos e também a uma propalada sabedoria de que não dispunham.todos os países europeus. devido às crenças e às histórias fantásticas transmitidas pelas mulheres que praticavam a função de curiosas ou aparadeiras. e mesmo das cortes de muitos reis. ou como resultado da atuação de maus espíritos e do próprio demônio. Os médicos continuariam também por séculos como profissionais muito caros e muito raros em muitas partes da Europa para a população mais pobre e desprovida de recursos mínimos para encontrar soluções aos problemas decorrentes de enfermidades ou de acidentes a não ser aquelas advindas da medicina caseira ou dos charlatães. devido à sua aparência grotesca. essas pessoas disformes foram sendo objeto da diversão das grandes moradas e dos castelos dos nobres senhores feudais e seus vassalos. na existência das doenças e das deformidades físicas ou mentais como indícios da ira de Deus. na maioria dos casos acabaram não passando de pessoas simplórias. ou vitimadas por males crônicos e defeitos físicos graves que lá ficavam até morrer. segundo os historiadores. entremeados pelo uso de medicamentos extraídos de produtos naturais. Benzeduras de um lado. extravagantemente vestidos. mesmo tão distanciados da Idade Média.corcundas e anões – começaram aos poucos a ter livre acesso a todos os ambientes . As superstições da época medieval levavam a atribuir a essas pessoas poderes especiais para uma espécie de contra-ataque aos efeitos deletérios de feitiços ou de maldições. que a epilepsia era conseqüência de uma possessão instantânea por um espírito maligno e o remédio era o exorcismo por ritual ou pela tortura. Esses tipos de pessoas deficientes . Construções especiais eram raras e dentre elas cumpre destacar o Hospital de São Bartolomeu.*O destino das pessoas deficientes na Idade Média* Durante toda a Idade Média e principalmente durante seus séculos mais obscuros crianças que nasciam com seus membros disformes tinham pouca chance de sobreviver. hospitais continuariam por séculos sendo verdadeiros depósitos de pessoas pobres. Os famosos indivíduos deformados e por vezes repelentes. Acreditava-se.*As soluções populares e as crendices* Como em épocas mais antigas da História da Humanidade. chantagistas e confidentes de seus senhores. Essas crianças cresciam separadas das demais e eram ridicularizadas ou desprezadas. Com o tempo. para com isso ganhar seu sustento.. aos quais deviam servil obediência. restou ao portador de defeitos físicos ou sensoriais a posição de elemento marginalizado e o recurso à esmola diária.todos temerosos dos invisíveis e fantasiosos poderes malignos que esses seres deformados poderiam ter. o reverso da medalha: . Qual o motivo? Está ainda subjacente a crença de que um corpo defeituoso apenas pode abrigar um espírito malévolo? Ou será para ir condicionando nossas crianças e nossa sociedade ao repúdio do mal. notaremos que algo de medieval e. ligando o às idéias de deformidade? . de dar aos males deformantes uma conotação diferente e misteriosa. Bandidos. bruxas. mantendo-os longe de si em todas as ocasiões e por vezes até pagando por isso com comida ou com esmolas. muito mais diabólica e vexatória do que em qualquer outro sentido mais positivo. defendiam-se como podiam para garantir seu infeliz sustento. por falta de conhecimentos mais profundos quanto às doenças e suas causas. de muito cruel existe em nossa sociedade pretensamente cristã e humanista. De seu lado. E apesar dos esforços eventuais dos grupos religiosos . as ilustrações em histórias de quadrinhos e sem dúvida alguma muitos dos desenhos animados apresentados em nossa televisão para entretenimento de nossos filhos além de peças teatrais e filmes. justificar a não aceitação de pessoas com deficiências ao sacerdócio com estas palavras que bem mostram a atitude imperante. bem como os comerciantes e homens enriquecidos pela sorte ou pela aventura . O bufão corcunda hindu conhecido por "Vidusala" (significa atrevido) é certamente um dos primeiros a aparecer com destaque na literatura. os pés deformados. por meio dos preceitos canônicos. faziam de tudo para os afastar. as orelhas desproporcionais. membros retorcidos. pois logo nos primeiros séculos da Era Cristã ele aparece em trechos de dramas e mesmo em eventos da antiga sociedade da Índia. O significado religioso ou sobrenatural das deformidades mais marcantes..ocorria na Idade Média uma verdadeira necessidade no seio do povo e mesmo das classes mais abastadas. com seus membros deformados ou suas feridas à mostra. corcundas.. ou seja. Pelas estradas e caminhos mais importantes da Europa Medieval. por vezes são apresentados com seus corpos ou alguns de seus membros deformados. tanto os espíritos malignos da hierarquia imaginária de Satã quanto os seres lendários e de comportamento malévolo e desumano são invariavelmente representados por seres com os rostos monstruosos. sistemática.e mesmo da própria doutrina cristã o povo em geral acreditava que um corpo deformado somente poderia abrigar uma mente também deformada..e mesmo o povo mais simples . aos reis e à nobreza toda.E a História do mundo conta-nos casos em que esses "bobos da corte" cumpriam ordens criminosas de seus senhores. Se nós observarmos. Neles. no fundo.) Dentro desse ambiente e devido ao fato de não poder contar com meios para garantir sua sobrevivência de maneira digna. as cabeças enormes ou muito pequenas. (* Na verdade algumas dessas situações não são de todo diferentes hoje... "essas restrições ao sacerdócio davam-se para benefício da Igreja e não por considerar as pessoas como manchadas ou indignas" (Apud Thomassin).*O significado das deficiências da Idade Média* Conforme verificamos anteriormente. gente perversa ou mesmo pervertida. a população ligada aos vassalos e seus senhores. . por onde passavam de quando em quando nobres cortejos e os bem ajaezados cavaleiros e cruzados. falta de educação generalizada e o receio do desconhecido e do sobrenatural. o nariz aquilino muito comprido. sujos e por vezes asquerosos seres humanos. pode ser perfeitamente notado em alguns quadros pintados durante o seu transcorrer. . Caso contrário certamente não teria havido necessidade das autoridades da Igreja Católica. Chegaram a organizar-se em verdadeiras redes para angariação de esmolas e de donativos. por exemplo. durante essa época. Rutebeuf. Quando o local foi descoberto pela coroa e pelo povo em geral. um dos tecidos mais dispendiosos da época. o dia inteiro. à base de vinte por dia durante quinze dias. por ordem direta do sultão.. ou talvez um sacrilégio. como. na Itália. conhecido como São Luís de França. principalmente para aqueles que viviam na França durante o século XIII. de uma corruptela para as palavras "Champ des Pauvres" (Campo dos pobres). quando Luís IX foi aprisionado pelos sarracenos durante sua primeira Cruzada. não há nenhum deles que os lidere" (Apud French). trovador e satirista francês do século XIII. Já ao final do século XI e início do século XII.*Os privilégios para cegos durante a Idade Média* Sob diversos aspectos a situação era bem diferente para os cegos. . pedindo esmolas incessantemente. reuniam-se no Bosque de Garenne. Entre os reinados de Luiz IX e Luiz XVI os cegos emanciparam-se e receberam privilégios tanto de reis quanto de bispos da Igreja Católica. havia abrigos que aceitavam os cegos mais pobres. cantava ironicamente pelas ruas de Paris: "Eu não sei porque o rei juntou trezentos cegos em uma casa. Sob o reinado de Luís IX (1214 a 1270). pois. Os primeiros bispos que deram as famosas autorizações exclusivas tanto para mendigar nas portas das igrejas quanto para comercializar flores foram o de Paris e o de Chartres. por eles estabelecidas. em Rouen. mas dirigidas às corporações dos cegos. trezentos de seus soldados tiveram seus olhos vazados pelos inimigos. à falta de outro local. por exemplo. Sua criação chegou a beneficiar fortemente uma confraria pobre de cegos cujos membros. a Congregação de Santa Maria dos Cegos.. foi criado um novo abrigo chamado "Hospice des Quinze-Vingts". A Igreja ajudou significativamente dando-lhes permissão expressa e exclusiva para esmolar nas escadarias e nas portas das igrejas. Eles dão encontrões uns com os outros. machucando-se. em Chálons e perto da cidade de Orléans. O rei foi muito atacado ainda durante sua vida por ter dedicado tanto esforço oficial aos cegos. Era uma verdadeira comunidade criada por Renaud Barroult e conhecida como "Les Six-Vingts". por iniciativa direta do rei no ano de 1260. chegando mesmo a acumular riquezas enormes e a vestir-se de veludo. Não é difícil imaginar que idéias de emancipação dos cegos nesses 500 anos da História Francesa fossem tidas como uma espécie de questionamento da autoridade da poderosa Igreja Cristã. em Paris. por exemplo. Tinham também autorização eventual para vender grinaldas e flores dentro de suas naves. enquanto aguardava os resultados da demorada negociação para pagamento do pesado resgate exigido para libertação do rei da França. Não foram autorizações individuais. Uniam-se esses cegos sob a liderança de um mestre. confrarias ou associações não ocorria apenas na França. Qual teria sido o interesse direto de Luís IX para dedicar tempo e dinheiro na criação de uma organização dispendiosa só para cegos? Segundo consta.. observando regras próprias e muito severas. ficou conhecido pelo apelido de "Champovri". a proibição de dizer palavrões e blasfêmias. o incidente alegado para justificar o interesse de Luís IX nos cegos não é confirmado por vários de seus biógrafos. A organização dos cegos em corporações. Entretanto. só para eles saírem às ruas de Paris. Quando de sua volta São Luís dedicou-se com seriedade e muito empenho ao problema do abrigo dos cegos e mandou construir a famosa entidade para dar assistência de morada e alimentação pelos menos a 300 cegos. No ano de 1337 surgia em Pádua. Também na cidade de Chartres havia um recurso para atendimento aos cegos. considerada indispensável pelas religiosas que dentro deles trabalhavam. alta funcionária da Organização das Nações Unidas e ex-diretora do Centro das Nações Unidas para Assuntos Humanitários e Sociais de Viena. para a vida futura. uma na Europa e a outra África. Uma outra iniciativa interessante ocorreu na Espanha. tais como o amor ao próximo e a fé na outra vida. em muitas partes da Europa. Parece. Mesmo cego. estabeleceu as bases de um novo e mais poderoso império Mandingo. filho de Henrique VII. ou seja. pois foram considerados como muito úteis para o atendimento imediato e a conseqüente salvação de vidas em grave perigo. continuou a participar de diversas campanhas militares. . apesar dos relatos transmitidos pelos historiadores menos avisados. rei da França. não havia na quase totalidade dos hospitais medievais qualquer conhecimento científico ou preparo técnico. devido a um mal não identificado pelos médicos de sua corte. mas outros ingredientes. que médicos treinados em universidades.receberam o nome de "ambulâncias". todos os pacientes internados em hospitais europeus de certa qualidade. mandou montar verdadeiros hospitais em localidades próximas às frentes de combate. no Oeste Africano. Essa coleta ajudou efetivamente na redução dos custos tanto dos hospitais quanto dos remédios. menos para alívio do corpo e de suas dores do que para assistência da alma e sua preparação. recebiam mais cuidado profissional do que o imaginado. também conhecido como João. o chamado "Império Mali". lutando em prol de Felipe.o que seguramente muito significou para pessoas que sofriam as conseqüências de males limitantes. Durante o cerco de Málaga . nascido em 1296.*Os hospitais face às pessoas deficientes nos séculos XIV e XV* Apesar dos tropeços sem fim e da heterogeneidade das situações encontradiças nos diversos países europeus que se formavam com o gradativo esfacelamento do sistema feudal. seja por deficiências muito graves. seja por doença. Eram hospitais transitórios e foram quase que institucionalizados desde então. Sundiata era um homem com ambas as pernas paralisadas. Dentre providências marcantes no sentido de ampliar o atendimento nos hospitais existentes podemos citar aquela tomada por Carlos VI. Dessa forma podemos também imaginar que.. um líder negro Mandingo que. sempre imbuído de um vivo espírito aventuresco que o caracterizou fortemente até sua morte. em Crécy. na vida após a morte. João de Luxemburgo ficou cego em 1340. eles existiam mais para o cuidado do que para a cura das pessoas. São elas: Sundiata. era rei da Boêmia. segundo depoimento de N'Kanza. eram muito mais comuns de se encontrar nos hospitais da época do que se poderia supor.talvez a primeira experiência desses hospitais de campanha . todavia. seja por pobreza atroz. principalmente as inglesas. o atendimento médico de um modo geral progredia . de pobres sem família e sem condições de sobrevivência e também de pessoas com deficiências permanentes. a Católica (1451 a 1504). João de Luxemburgo. em pleno século XIII. da França (1368 a 1422). no ano de 1346. e ambas com deficiências físicas sérias. Na verdade. Foi morto em plena batalha. por ocasião dos casamentos. A rainha Isabella. após ter conquistado Gana. Uma observação final quanto aos hospitais existentes na Idade Média: Segundo diversos autores.*Dois heróis históricos com deficiência nos séculos XIII e XIV* Podemos destacar duas personagens históricas. e na construção de alguns novos hospitais para dar atendimento e abrigo a um maior número de doentes. . Assinou uma ordem real estabelecendo uma coleta obrigatória em beneficio dos hospitais. com 44 anos de idade. o Cego. O que sucedia era que o homem estava vivendo num mundo difícil e repleto de problemas no qual os homens ligados ao poder espiritual taxavam muito do que era "natural" e relacionado ao dia-a-dia . Segundo sabemos. purgatório e inferno. pelos mendigos. No final do século XV os problemas específicos das pessoas deficientes ainda não eram nem entendidos nem atendidos com propriedade. alguns utilizaram-se da pintura. com o surgimento do chamado "espírito científico". e com o parcial desmoronamento das concepções muito tradicionais de "natureza". bens e/ou comportamentos . dos passos decisivos da medicina na área de cirurgia ortopédica e outras.como desprezível. o fato é que o aceno do paraíso como recompensa por uma vida mortificada. do estabelecimento de uma filosofia humanista e mais voltada para o homem. miserável.por que não? . Inseridos no contexto estavam todos aqueles que eram. além de pobres.também das coisas tidas como proibidas. bonitos e agradáveis essas coisas e esses comportamentos considerados como proibidos e pecaminosos. pecaminoso face ao destino imortal do homem. sacrificada e miserável. da cultura.época dos primeiros direitos dos homens postos à margem da sociedade. Há um versinho popular do século XII que expressa muito bem esse forte conflito vivido pela humanidade e que diz: "Vita mundi. . muito afastadas que eram da realidade. deficientes e impossibilitados de se sustentar.De outra parte pode-se também afirmar que ao final da Idade Média as sociedades existentes na Europa deram seus primeiros passos no sentido do reconhecimento de sua responsabilidade face aos pobres em geral.ou seja. enquanto uns poucos procuraram derivativos na arquitetura. Evidentemente que essa ambivalência é multissecular. continuavam a deixar na alma do homem medieval grandes e doloridas dúvidas. Ela marcou e chegou mesmo a caracterizar os ambientes das cidades e dos campos europeus do final da Idade Média. sua vida eterna e as idéias de paraíso. uma vez que faziam essas pessoas parte de um grupo bem maior e de uma problemática mais séria ainda. pelos enfermos. e também da sedimentação de atendimento mais científico ao ser humano em geral. Na penosa história do homem portador de deficiência começava a findar uma longa e muito obscura etapa. No entanto o homem. Iniciava a humanidade mais esclarecida os tempos conhecidos como "Renascimento" . no fundo de seu coração. res morbosa. das coisas novas e desconhecidas e . não podia negar que achava bons. e dela alguns homens da Idade Média procuraram escapar sem ferir seus princípios e seu modo de viver cristãos das mais variadas maneiras. O mundo europeu foi sentindo de várias maneiras que era necessário alterar essa situação e dar um corajoso mergulho na direção da luz. e a contrapartida das ameaças do inferno e do castigo eterno. CAPÍTULO QUARTO A PESSOA DEFICIENTE DO RENASCIMENTO ATÉ O SÉCULO XIX Todas as pessoas que estudaram um pouco de História Universal sabem que entre os séculos XV e XVII ocorreu no mundo europeu cristão uma paulatina e inquestionável mudança. ou seja. outros da poesia ou do canto. aquela representada pelos pobres. mais frágil que a rosa. filósofos humanistas e homens voltados para a religião.Magis fragilis quam rosa.*O problema dos hospitais e abrigos ao início da Renascença* Dentro desse contexto. " (Apud Taylor) Ou seja: Vida terrena. não mais um mero escravo dos poderes da Terra. E dentre eles. mas graças à invenção da imprensa. por Gutenberg. Raffaelo. sempre e sem sombra de dúvidas.era o Humanismo que surgia e se fortificava. passou logo para a França. dos marginalizados. Esses fatos de inegável valor foram . Giotto e Petrarca. A cultura.os verdadeiros incentivadores da nova onda intelectual e cultural que. o homem se sentiria mais livre. escritores. a imensa legião dos pobres. Pensadores começaram a ser mais popularizados e a se impor. com a contínua chegada de sábios de Constantinopla. Inglaterra. Por meio dele. ignorância e superstição. Cum sis tota lacrimosa. sensoriais ou mentais. Alemanha. Erasmo. muito famosos e praticamente esquecidos pelo povo. E com ela chegou também a sede pela sabedoria dos clássicos gregos e latinos. enfim. Camões e muitos outros escultores. Espanha. os portadores de problemas físicos. o reconhecimento do valor do homem era a nota dominante . Bocaccio. Cervantes. que foram os séculos da Idade Média. dos enfermos. Cur est mihi gratiosa? . depois universalmente aceita e batizada como "Renascença". verificamos que os cuidados prestados em muitos casos mostravam também sinais de um indisfarçável e novo modo de ver e de considerar o ser humano atingido por algum mal e não apenas os . pelo menos no campo das idéias. foi sendo espalhada por toda a Europa. ao analisarmos o desenvolvimento dos hospitais e de muitos abrigos destinados a enfermos pobres ao se encerrar a Idade Média. nomes destacados e muito representativos foram os de Donatello. Além disso tudo. Ariosto. arquitetos. Leonardo da Vinci. mesmo que por meio de modinhas ou versinhos populares de um latim também popular um tanto universalizado. com a proteção que reis e nobres davam aos artistas da época. Revolucionário sob muitos aspectos. Michelangelo. outras alterações caminhavam celeremente pela Europa com a descoberta de novas terras no final do século XV e início do século XVI. não graças aos arautos que sempre se limitaram a ler aos berros as ordens régias ou as imposições dos senhores e dos governantes. pintores. menos oprimido. Montaigne. . divulgados cada vez mais. . mais valorizado. que não suportavam a pressão dos turcos invasores. por que me parece tão graciosa. se és toda lacrimosa? Conforme a incômoda situação do homem medieval ia sendo definida. iniciada na Itália. esse novo modo de ser alteraria a vida do homem menos privilegiado também. coisa doentia. nem mesmo preso à crença de que tinha que fazer o bem para merecer o céu ou simplesmente para escapar às torturas do inferno. ou seja. Nesse movimento novo e muito renovador. Nomes famosos que antecederam imediatamente esse período foram os de Dante. . tão confinada que era e tão restrita a certas áreas especiais do mundo feudal.somados a muitos outros de menor e menos significativo vulto . Holanda e alguns outros países. Machiavel. surgiam contos em verso ou em linguagem corrente. e que acabaram se transformando numa espécie de paixão dos estudiosos. A Renascença surgia no mundo para tirar o homem de uma era de trevas. Calvino. Durante essa importante onda de mudanças e de progressos. muitos esforços começaram a ser desenvolvidos para compreender os problemas vividos por seres humanos deixados à margem da sociedade por milênios. questionando um princípio defendido por Aristóteles (o pensamento é impossível sem a palavra). enfermarias em conventos e mosteiros e também de casas montadas para abrigar pessoas necessitadas de tudo para poder sobreviver. Os poderes comunais. O cuidado médico começara a ser prestado através desses hospitais. começava a se definir em pontos isolados do mundo. Desse ponto ele partiu para . quanto aos homens de maior posse e suas respectivas famílias. médico.resultados de novas técnicas médicas em experimentação ou em vias de aperfeiçoamento. com a publicação da obra "De Inventione Dialectica". Dentre esses esforços e movimentos destaquemos os relacionados aos deficientes da audição e da palavra. No século XVI foram dados alguns passos decisivos no atendimento de pessoas portadoras de deficiências auditivas que até então eram consideradas como ineducáveis. . jogador e ardiloso egomaníaco de origem italiana surgiu no panorama. continuou a prevalecer o costume de serem tratados em suas próprias casas. os surdos-mudos. No entanto. matemático. de Rudolph Bauer (1433 a 1485). é verdade . No entanto. em geral por meio de médicos contratados ou pagos pelo poder público local. foi apenas um século após que Jerônimo Cardan (1501 a 1576). procuravam cuidar dos doentes agudos e crônicos. Nessa obra o autor faz menção a um surdo-mudo que se comunicava por escrito. à semelhança do futuro código de escrita e leitura Braille para os cegos que surgiria apenas no século XIX. e nunca nos hospitais. apesar da baixa qualidade dos serviços.*Os problemas dos deficientes auditivos no século XVI* Com o aparecimento e fortalecimento de novas formas de ver o homem. Na verdade a luta chamara a atenção já no final do século XV. Defendia um outro princípio de Aristóteles (o homem é um animal social com habilidade para se comunicar com os outros homens). surgindo por meio de providências bastante práticas. os mosteiros e abadias que já acumulavam experiências das mais variadas naturezas. firmaram-se e permaneceram como uma responsabilidade de cada comunidade e não do Estado como um todo. na Europa. O cuidado para com as pessoas deficientes como um grupo especial e sempre marginalizado. as paróquias. diferente da significativa massa atingida e marcada pela pobreza. durante os séculos XVI e XVII. ou seja. Foi Cardan quem influenciou as idéias do monge beneditino espanhol Pedro Ponce de Léon (1520 a 1584). muito dedicado à educação dos deficientes auditivos e que nunca escreveu sobre seu método de trabalho. Corresponde a uma verdade histórica e não há exagero algum em assinalar o desenvolvimento dos hospitais e a gradativa humanização das atenções para com os doentes ou pessoas deficientes. como um dos marcantes feitos do final da Idade Média. Tanto a provisão de serviços individualizados quanto a indispensável garantia e manutenção permanente de serviços de saúde para as cidades. astrólogo e. nos últimos decênios da Idade Média a Europa estava praticamente coberta por uma verdadeira rede . segundo alguns contemporâneos. que vinham no próprio bojo do movimento renascentista. Cardan inventou um código para ensinar os surdos a ler e escrever. quando não possuídas por maus espíritos. Ainda no século XVI o médico francês Laurent Joubert (1529 a 1582) inseriu todo um capítulo sobre o ensino de surdos-mudos em sua obra "Erros Populares relativos à Medicina e ao Regime de Saúde". prestando-lhes serviços de ordem cada vez mais eficiente.desarticulada.de hospitais. casas de abrigo a doentes. Fato que não pode ser desmentido é que. de Rubens (1577 a 1640). "A Ceia na Casa dos Fariseus". perto de São Pedro e de São João em seu trabalho de assistência a enfermos. um dos pintores mais célebres da Renascença. de Tiepolo ( 1693 a 1770). pois da mesma forma como uma criança aprende uma língua estrangeira poderá aprender a se comunicar em seu próprio ambiente se ela for surda. é autor de um quadro muito famoso que se encontra na Capela de Nicolau V. b) Anões inseridos em cenas variadas: "Os Anões". É de autoria de Pieter Bruegel (1530 a 1569). a) Anões retratados individualmente ou inseridos em grupos: "Retrato da família da Marqueza de Mãtua". de Moretto da Brescia (1490 a 1555). o Inglês" e "Menino de Vallecas".de Johann Van Kessel (1626 a 1679). de Georges La Tour (1593 a 1652). de Mantegna (1431 a 1506). inclusive um amputado da perna direita com guizos na perna esquerda. "Estudo sobre Anões". . O mestre dessas crianças deveria agir com paciência e cuidado. Ela nos mostra um homem paralítico na porta de um templo. Rafaello (1483 a 1520). de Moro (1512 a 1578). de Rubens (1577 a 1640). E acrescentava sua enfática opinião: a criança com deficiência auditiva aprenderia a falar mesmo sem se ouvir. do Período Pré-Renascentista. "O Anão de Carlos V" e "Retrato do Bufão Péjéron". "Combate entre o Carnaval e a Quaresma" do mesmo pintor.*A pintura renascentista e as pessoas com deficiências* Muitos pintores do conhecido Período Renascentista retrataram em suas obras cenas em que aparecem pessoas portadoras dos mais variados males incapacitantes. que retrata uma cena em que vários cegos Vão caindo numa valeta. Nele aparecem diversas pessoas com deficiências: um amputado bilateral das pernas usando apoios para as mãos e um cego usando um longo bastão. de Paulo Veronese (1528 a 1588). outros ressaltam cenas que deixam patente a inadequacidade de atitudes. "O Tocador de Alaúde". de Velazques (1599 a 1660). mesmo nas nascidas surdas ou que mais tarde viriam se tornar surdas. como era costumeiro. c) Pessoas com deficiências físicas ou sensoriais: No tocante a deficiências físicas.desenvolver todos os postulados que defendia: a habilidade existia em toda e qualquer criança. "Cilene como a Bacante". desenhou uma interessante gravura que se encontra no Museu de South Kensington. Nele são retratados diversas figuras com deficiências físicas. "Núpcias de Caná". no qual o pintor retrata um tocador de alaúde cego. . "Conde Tomás Alveo e sua mulher". sempre devotado à arte sacra. reforçando sempre as expressões faciais. Devia o mestre começar por palavras simples e pequenas. Alguns dos quadros mostram-nos com clareza a situação de miserabilidade em que viviam. Alguns exemplos serão aqui citados para propiciar ao leitor mais curioso algumas indicações caso deseje aprofundar-se no assunto. "Retrato de Dom Antônio. Fra Angelico (1387 a 1455). Outros quadros relevantes que conhecemos e que podem ser melhor estudados são os seguintes: "Parábola dos Cegos". "O Anão de Felipe IV". no Vaticano. desde que ensinada com paciência (Apud Mullett). intitulado "São Lourenço distribui bens aos pobres". e vários outros são retratos encomendados. Ambos levam grandes sacolas destinadas às esmolas angariadas. Paré teve oportunidade de observar seus pacientes passando muito melhor. o Hôtel Dieu e lá permaneceu trabalhando como auxiliar durante três anos. . ou seja. teve um papel relevante. conseguiu a custo superar todas as . "O Pé Aleijado". Quando não ocorria o óbito ocorria em geral um acervo de seqüelas que podiam levar a deficiências físicas. Usava igualmente obturadores para defeitos causados pelas armas de fogo. quadro de Ribera. prática que havia sido abandonada e quase que esquecida pelos poucos médicos que faziam cirurgia naquele século.*Ambroise Paré: os primeiros passos da futura "ortopedia"* Foi nos meados do século XVI que a luta pelo estabelecimento de uma especialidade médica que tratava de ossos se iniciou. em Paris. O tratamento original consistia na aplicação de azeite fervendo para sua desinfecção e cicatrização. Cego desde a primeira infância. dono de notável experiência. junto ao coto. introduziu muitas inovações. Paré começou a preparar-se para a medicina com um barbeiro de Angers e continuou em Paris com um barbeiro-cirurgião. "São Pedro cura os enfermos com sua sombra". pintado por Lucas Cranach. Caso ocorresse a necessidade de amputação do membro atingido. em 1546. mostra-nos com clareza alguns meios de transporte de pessoas deficientes. Nessa luta Ambroise Paré (1510 a 1590). de amputações ou mesmo de males neurológicos. Mostra um sorridente jovem com seu pé direito e sua mão direita com evidentes deformações. de ordem sifilítica ou congênita. para recobrir a superfície da amputação. no qual aparecem dois cegos sendo curados por Jesus. Nas muitas amputações de membros que fez. . Paré teve oportunidade de tentar também o uso de retalhos da pele do doente. botas especiais para pés tortos. Sempre lutando pela melhoria das condições de seus pacientes com seqüelas de problemas ortopédicos. de autoria de Masaccio (1401 a 1428). das quais duas são mais relevantes no tratamento de ferimentos por projéteis que no século XVI provocavam muitas mortes. "Os Cegos de Jericó". o estancamento do sangue demandava o uso de ferro em brasa. também do período que antecedeu a Renascença nas artes. Por ver-se em certa ocasião em dificuldades por não haver "azeite fervendo" à sua disposição. de autoria de Nicolas Poussin e pintado no ano de 1651. O pintor retrata em sua obra duas pessoas deficientes e seus aparelhos para locomoção ao lado esquerdo do quadro. do mesmo pintor e no qual podemos ver o mesmo tocador de alaúde do quadro anterior numa violenta briga com outros mendigos.*Antonio de Cabezón: compositor cego* Um dos maiores e mais conceituados compositores de música para órgão da Espanha. Logo que sentiu ter adquirido experiência suficiente procurou emprego no hospital de atendimento geral da população parisiense. Ambroise Paré chegou a propor o uso de coletes reforçados com tiras de aço para problemas ocasionados pelos desvios da coluna vertebral."A Briga dos Mendigos". homem evidentemente mais experimentado. o Velho. Acresce também lembrar que Paré foi o cirurgião que lançou a expressão "Bec de Lièvre" (entre nós "lábio leporino") e chegou a preparar obturações palatais para perfurações traumáticas. Esses tipos de ferimentos eram tidos como "queimaduras envenenadas". "A Fonte da Juventude". Cabezón nasceu em Castrillo de Matajudios no dia 30 de março de 1500 e morreu em Madri no ano de 1566. pintado em 1642 e exposto no Museu do Louvre. Engajado como cirurgião no exército do Marechal Montejan. Experimentou a ligação das artérias e vasos. dentre vários outros aparelhos. Alemanha. Ela foi tão bem planejada que podia ligar-se com absoluta segurança e firmeza ao seu antebraço e tinha a característica principal de poder manter sua espada firmemente presa em posição de ataque ou defesa. Trata-se de um famoso cavaleiro alemão apelidado de "Mão de Ferro". Logo após sua recuperação tomou todas as providências com pessoas entendidas no assunto e principalmente com armeiros para a fabricação de uma mão de metal que mais tarde o imortalizaria. Os mais ágeis e menos escrupulosos chegavam a tirar vantagens muito acentuadas. . foi designado organista e clavicordista da Rainha Isabel da Espanha. como o furto e o dolo. muito embora como cavaleiro lutador tenha sido muito valoroso e útil para seus senhores. na prática as situações de vida continuavam muito abaixo do mínimo aceitável. Complicações que se seguiram ao acidente ocorrido durante a sangrenta luta levaram à necessidade de amputação de sua mão. ao passo que os doentes e os deficientes socorriam-se apenas das esmolas e muito sofriam com a desleal concorrência dos falsos mendigos e falsos doentes.dificuldades que se lhe interpunham e em 1521 conseguiu iniciar seus estudos em Palencia. mas estava francamente à busca de um modo de viver mais humano. Alguns anos após. Estava então com menos de 30 anos de idade. pagando taxas pré-estabelecidas. nascido em 1480 e morto em 1562. ou seja. tornando-se quase lendário. o "Mão de Ferro"* São poucas as referências históricas a membros artificiais durante a Idade Média e primeiros tempos da Renascença.início e meados do século XVI . Foi um verdadeiro mestre da polifonia e influenciou decisivamente vários organistas de seu tempo. Holanda e Inglaterra. na Inglaterra. tendo obtido um sucesso enorme e feito muitos amigos e admiradores.*Goetz von Berlichingen. . já com 26 anos de idade. A necessidade de sobrevivência continuava levando muitos a recorrer não apenas à esmola como a expedientes menos honestos. Casou-se duas vezes e teve diversos filhos. .durante a qual boa parte do mundo não estava mais preocupada com valores predominantes na Idade Média. Não terminou seus dias sem antes escrever sua biografia. Em 1548 passou a prestar serviços semelhantes ao próprio rei da Espanha Felipe II. Viveu ele numa região da Europa que procurava manter um sistema feudal absolutamente decadente e uma cavalaria em extinção. Havia para todos a obrigatoriedade estabelecida pelo imenso grupo dos mendigos de se vincular a organizações ou a confrarias de miseráveis. seu contemporâneo.*O problema da mendicância organizada nos séculos XVI e XVll* Muito embora a teoria do humanismo renascentista procurasse valorizar o homem. Uma delas diz respeito a uma prótese parcialmente funcional que foi utilizada durante muitos anos por uma figura um tanto fora de moda em sua própria época . O apelido de "Mão de Ferro" deve-se ao fato de Goetz ter recebido uma profunda ferida na mão direita durante o cerco de Landshut. Viajou com a Capela Real da Espanha para a Itália. intitulada: "Vie de Gotz von Berlichingen. dit Main de Fer". Foi sem dúvida um dos últimos cavaleiros medievais e da incipiente Renascença de soberbo renome. inclusive o famoso Thomas Preston. Por muitos anos mais Goetz envolveu-se em campanhas militares e escaramuças. tal a sua competência na execução da música sacra nesses dois instrumentos. da Capela de Windsor. Goetz von Berlichingen. *A grande malha organizacional dos miseráveis na França* Liderados por um personagem conhecido pelo título misterioso de "Grand Coesre". "Narquois" e muitos outros.cada qual trazendo em seus alforges ou debaixo dos braços algum alimento ou bebida. Lá muitos abandonavam suas muletas ou bengalas. enquanto que nas maiores cidades da França havia seus lugares-tenentes.pedintes em feiras. cegos. conhecido pelo nome de "le jargon". alguns tipos de artistas e integrantes do mundo boêmio.cobertos de andrajos. fazendo-se passar por comerciantes arruinados. em que a esmola pública foi explorada dentro de uma forte organização na qual a figura do doente crônico e do deficiente físico teve um relevante papel. Podemos verificar a veracidade dessa afirmação pelo relato objetivo de historiadores. mercados e igrejas. . aos apelos ao público e à linguagem da Confraria.mendigos com deficiências físicas.los "Malingreux" . "Polissons". que eram logradouros mal iluminados e infectos da mais triste memória. inteiravam-se das novidades e divertiam-se um tanto grotescamente naqueles famosos e comentados "Pátios dos Milagres" ("Cours des Miracles"). assaltantes de estrada.Houve épocas. locomoviam-se com muletas ou pequenos aparatos para as mãos e joelhos. autor de importante série de obras sobre usos e costumes da Idade Média e da Renascença. É ele que nos informa que na França existia a Ordem de Argot que congregava diversos tipos de indigentes. tais como: . simulavam ataques e convulsões. "Millards". "Francs Mitoux". literato e erudito francês. Reuniam nelas malfeitores. andavam vestidos com um gibão velho mas de qualidade. comiam. Esses grupos reuniam-se diariamente. o "Grand Coesre". transformando-se em pessoas bem dispostas que dançavam todo tipo de música e que bebiam à vontade. rolando pelo chão e conseguindo polpudas esmolas.mendigavam chorando pelas ruas das cidades. é importante destacar alguns.los "Piètres" . Em Paris todos eles pagavam uma taxa fixa por ano ao rei dos mendigos. . paralíticos.os "Orphelins" . além de serem os responsáveis diretos pelo treinamento dos novos mendigos quanto à apresentação. "Coquillards". "Ruffés". Paul Lacroix (1806 a 1884). mostravam suas feridas e chagas (falsas muitas vezes) e pediam dinheiro para uma pretendida viagem de peregrinação a um templo milagroso para sua cura. muitos grupos de mendigos (falsos e autênticos. apresenta-nos pormenores muito interessantes sobre os mendigos e miseráveis. bebiam.errantes. À noitinha aos poucos iam aparecendo os mais variados tipos de verdadeiros e de falsos mendigos: amputados. epiléticos . bandidos. -os "Sabouleux" . Eles usavam um linguajar muito seu. na História da Europa. Havia também outros grupos de mendigos filiados e especializados em seu modo de se apresentar ou de atuar em determinados ambientes para angariação de esmolas em dinheiro ou em espécie: "Callots". além dos pobres autênticos. no correr dos séculos XVI e XVII. reuniam-se em grandes confrarias em diversos países europeus. fartando-se sem a mínima preocupação com eventuais . . conhecidos pelo título generalizado de "Cagoux". Dentre esses grupos que mantinham identificação própria. "Hubins". "Convertis". repleto de gírias exclusivas e matreiras. espumando pela boca graças a um pequeno pedaço de sabão. ladrões. que coletavam as taxas. nos quais estavam invariavelmente inseridos pobres com deficiências evidentes. .os "Marcandiers" . e o retardado morreu um ano depois". Lutero chegou a afirmar que estava convencido de que aquele retardado de doze anos de idade era apenas massa de carne ("massa carnis") sem alma. . Exemplo dos mais marcantes foi o de Martinho Lutero que negou a própria natureza humana de uma criança com retardo mental de alguma seriedade. a Alemanha e todo o resto da Europa viviam situações quase que inteiramente semelhantes durante diversos séculos e que. eu levaria essa criança ao rio Malda. usava seus olhos e todos os seus sentidos de tal maneira que a gente poderia pensar que era uma criança normal. muito demoraram para ser sanadas. Ela comia. E é surpreendente verificar que mesmo intelectuais do mais alto nível acreditavam sem qualquer sombra de dúvida nesses postulados. mas que não o eram. ela tomou uma providência que iniciou os primeiros passos no sentido do equacionamento do "modus vivendi" dos miseráveis daqueles séculos: foi organizado o "Grand Bureau des Pauvres". a Itália. . Eis o que Martinho Lutero relatou a respeito desse caso: "Há oito anos atrás havia em Dassau uma dessas crianças que eu. Se alguma coisa ruim acontecia. que passa perto de Dassau e a afogaria. Havia a crença generalizada principalmente entre alguns religiosos que essas crianças ocupavam o lugar e chegavam a substituir mesmo crianças normais. recusaram-se a seguir meus conselhos. os "Allacrimanti" (apresentavam-se chorando muito suas desgraças). Eu disse. com restos de algemas nos punhos e nos tornozelos).dificuldades no dia seguinte. Dentre eles cumpre destacar os "Affrati" (vestidos com hábitos sacerdotais. Sua diretriz maior era alimentar-se e divertir-se no Pátio dos Milagres "ni foi ni loi" (sem fé nem lei). que estavam presentes. "O demônio possui esses retardados e fica onde suas almas deveriam estar" (Apud Wolfensberger). tinha os seus mendigos e indigentes (conhecidos pelo apelido de "Bianti" e também de "Ceretani") subdivididos em mais de quarenta grupos reunidos numa só organização. Mas o príncipe de Anhalt e o príncipe da Saxônia. através da atuação e interferência diretas de maus espíritos. ela gritava. por exemplo. Tinha doze anos de idade. e mais.*Deficientes mentais no século XVI: entidades não-humanas* Até o século XVI as crianças com retardo mental profundo eram consideradas em certos meios como entidades que se assemelhavam a seres humanos. Mas ela só sabia fartar-se tanto quanto quatro lavradores. devido ao alheiamento da nobreza. da burguesia e dos governantes. ela chorava. Assim. vi e examinei. E assim foi feito diariamente em Dassau.*A "Lei dos Pobres" e as pessoas deficientes na Inglaterra* Passos muito importantes foram dados durante os séculos XVI e XVII na Inglaterra quanto ao atendimento a alguns grupos especiais de pessoas incluídas num grupo muito . os "Felsi". defecava e babava e se alguém tentasse segurá-la. os "Morghigeri". Dentre os que obtinham mais e melhores esmolas sempre estavam os mendigos com deficiências físicas mais sérias ou que mais tocavam a população. . A Itália. os "Vergognosi" e muitos mais (Apud Lacroix).*O problema da mendicância organizada em outros países* A Espanha. eu disse ao príncipe de Anhalt: se eu fosse o príncipe. roubavam as esmolas das igrejas e santuários). então os cristãos rezarão o Pai Nosso nas igrejas e pedirão que Deus leve o demônio embora. a Inglaterra. de bruxas ou de fadas maldosas e de duendes demoníacos. então: Bem. Martinho Lutero. os "Accatosi" (pareciam cativos recém-libertos. Embora a França não fosse a única nação européia a viver esse problema. No ano seguinte a pressão continuava a mesma. uma vez que continuaram com suas características básicas de abrigo ou de mero asilo para doentes até a sua morte. O pauperismo na Inglaterra agravou-se com o fechamento dos mosteiros e abadias. logo após seus desentendimentos com o Vaticano. autorizando juízes a dar licenças para velhos abandonados e para pessoas portadoras de defeitos físicos sérios pedir esmolas. mosteiros e abadias. no máximo. pela qual todos os súditos eram obrigados a recolher o que foi chamado de "taxa da caridade". . para o atendimento separado dos pobres devido a incapacidades físicas ou mentais e pobres devido a circunstâncias de vida.*O atendimento às crianças deficientes na Inglaterra: século XVI* As crianças inglesas abandonadas. uma obrigação social em toda a Inglaterra. de tal forma que fundos privados foram organizados para de certa maneira forçar a participação do povo na solução do problema. A deterioração das condições de vida das populações mais pobres. Estavam incluídos nessas considerações os pobres por mero desleixo ou por falta de condições para a necessária auto-suficiência. em áreas circunvizinhas. sendo uma delas a inserção dos pobres "sem deficiência física" em trabalhos que eram pagos pela Coroa Inglesa. a Inglaterra já vinha estudando as miríades de ângulos da questão da pobreza e montava instituições em diversos centros urbanos dos mais pujantes. A contribuição para a necessária ajuda aos pobres passou a ser. dos enfermos e dos doentes ou deficientes em geral levou o próprio Henrique VIII a promulgar a primeira "Lei dos Pobres". pois foi exatamente nesse ano que surgiu um primeiro ato oficial. Mesmo antes dessa contribuição decorrente de uma determinação legal. tais como acidentes e doenças. . doentes ou portadoras de males incapacitantes começaram então a ser assistidas por organismos vinculados à Coroa Britânica e também por iniciativa das comunidades que procuravam manter seus esquemas com alguns objetivos mais ou menos bem definidos e que por vezes chegam a surpreender-nos em pleno século XX. pelo menos na teoria ou nos seus postulados. ou também para deficientes físicos sem condições de sobrevivência e mesmo para velhos abandonados. porém. Com o esfacelamento do regime feudal e a posterior dissolução dos conventos. senão maior do que antes. todos os religiosos foram expulsos da Inglaterra. mas apenas em suas próprias comunidades ou. A maioria desses edifícios religiosos foi sendo ocupada e utilizada para outros fins. Essa contribuição.a obtenção de trabalho para essas crianças ao chegarem à idade requerida para uma atuação rentável. o seguinte: . por expressa determinação do rei Henrique VIII (1491 a 1547). O problema dos pobres passou a ficar tão sério na Inglaterra que em 1535 iniciaram-se discussões gerais para encontrar soluções aos seus múltiplos aspectos. bem como de assistência vigente e organizado pelo catolicismo sob a forma de caridade. Durante esses séculos da Renascença muitos hospitais não sofreram alterações substanciais na Inglaterra. então. estabelecida no ano de 1576. As famosas "Leis dos Pobres" da Inglaterra começaram a ser aplicadas na prática apenas no ano de 1531. pois já no século XVI incluíam.maior: o dos miseráveis. Houve uma parcial paralisação e mesmo destruição do sistema de abrigo e de tratamento de doentes. Entre essa época (1536 a 1539 aproximadamente) e o século XVII poucos estabelecimentos hospitalares foram criados no Reino Britânico. levou ao desaparecimento do caráter voluntário daquela anteriormente existente. além de muito voltado para as inovações da Renascença na Europa. Assinou um decreto em 1547 através do qual impôs aos parisienses uma coleta em favor dos indigentes. O "Grand Bureau" era composto de burgueses ocupantes das mais importantes posições em Paris e ficou conhecido pelo apelido de "Aumône Générale" (Esmola Geral). dando alguma cobertura aos desamparados em geral quando em situação de doença ou de impedimento contínuo para ganhar a própria vida. Mas acabou por transformá-lo em um galanteio com o seguinte verso dirigido à mimosa dama: "Sem olhos vi o mal claro Que dos olhos se seguiu: Pois cara sem olhos viu Olhos que lhe custam caro. ela se referira a ele como "cara sem olhos".. classificados em três categorias principais: "Robustes" . Ali perdeu um de seus olhos em escaramuças com os marroquinos.. . . a segunda recebia ajuda em seu próprio domicilio. Luís de Camões. casado com Catarina de Médicis. atendendo a doentes pobres. . um monarca seguidor de uma filosofia aparentemente humanista. Pois quereis que olhos não sejam Vendo-os. olhos não são" . caso nenhuma dessas duas alternativas chegasse a se concretizar ou a se mostrar viáveis. "Invalides" .. incluindo aqueles com paralisias. Com as contribuições que recolhia conseguia manter os hospitais da Trindade e das "Petites Maisons". Segundo amigos mais próximos do poeta. .a dos inválidos sem lar .*O "Grand Bureau des Pauvres" da França* No ano de 1544 foi fundado o "Grand Bureau des Pauvres" na França. sob o reinado de Francisco I (1494 a 1547). "Invalides sans feu ni lieu" . Tendo lá chegado.*Luís de Camões. servindo em Marrocos entre os anos de 1545 a 1548. em seus 25 anos. rei da França.internação definitiva em orfanatos. deformações e cegueira. A primeira categoria tinha direito a empregos sem dificuldades. De olhos não faço menção.com problema sério de invalidez. ficando aos cuidados de famílias que delas se dispusessem a cuidar por baixo custo para o governo ou para instituições privadas bem organizadas. Organizações semelhantes existiam em diversas importantes cidades francesas.*Classificação de indigentes na França no século XVI* Henrique II (1519 a 1559). o poeta épico português por excelência* O "cavaleiro-fidalgo" Luís de Camões (1524 a 1580) engajou-se na vida militar. sentiu a agulhada do comentário. àquela época. Eles eram. olhos sobejam. Não vos vendo. Pouco depois voltou a Lisboa e aos ambientes da corte. tomou a sério e resolveu prosseguir os esforços de Francisco I.deficientes sem abrigo nem domicilio. . amputações. a terceira .os que não eram doentes ou deficientes e podiam trabalhar . a notória deficiência passou logo a ser motivo de algumas brincadeiras e zombarias por parte de uma jovem por quem Camões sentia forte atração.era recolhida a um abrigo. mas com domicílio.a definição de alguma proteção para elas fora dos orfanatos e dos abrigos provisórios. apesar dos muitos esforços feitos pelas ordens religiosas. Havia enorme falta de higiene. matemático. como passaram depois de muitos anos a ser reconhecidos.A deficiência. ilhas de Malásia. na Espanha* Navarrette.*Galileo Galilei. que poderia ter arruinado a vida de um jovem galante. conhecido pelo cognome de "El Mudo" foi pintor da Escola Espanhola. astrônomo e físico* Nascido em Pisa no ano de 1564. negligência e às vezes até crueldade por parte de atendentes mal preparados. Trabalhou inicialmente com doentes crônicos internados no Hospital de São Tiago para Incuráveis. escreveu a epopéia portuguesa que intitulou de "Os Lusíadas". . Índia. que o tornaram parcialmente deficiente até o final de sua vida. E foi nessa situação que surgiu no cenário dos hospitais a figura de Camilo De Lélis (1550 a 1614) que com 25 anos de idade resolveu devotar-se a doentes hospitalizados. . a passar gradativamente para o controle dos governos locais. Meca. Foi nesses hospitais gerais da França que pessoas deficientes foram também atendidas e passaram a ser objeto não só de abrigo e alimentação. Era uma teoria muito . .*Continua a epopéia dos hospitais nos séculos XVI e XVII* Ainda dentro do século XVI a situação dos hospitais continuava extremamente ruim nos países do continente europeu. Com raras e honrosas exceções muitos hospitais da Alemanha e da França começaram. provou que a terra não era o muitas vezes pretendido "centro do universo". alguns esforços especiais foram coordenados pelo governo francês para colaborar na solução ou pelo menos na diminuição dos sofrimentos e das dificuldades vividas pelos mendigos e pelos doentes pobres e incuráveis. através dos vários séculos de sua existência. o Maior". Calabar. Outra obra sua muito conhecida é o quadro "Martírio de São Tiago. Os "Camilianos". contribuíram muito. Cita-se entre suas obras mais famosas o quadro intitulado "São João Escrevendo o Apocalipse". após infindáveis viagens para Goa. como de assistência médica. já no século XVII. A incapacidade de falar não o inibiu em seus múltiplos relacionamentos durante o empreendimento.*Pintor mudo decora El Escorial. Galileo foi o primeiro homem a usar um telescópio. mas bem melhor organizados e onde os serviços médicos estavam sempre presentes e a medicação era melhor controlada e administrada. Nasceu em 1526 em Logroño e faleceu em Toledo em 1579. os chamados Hospitais Gerais (Hôpitaux Généraux) que eram uma combinação de asilo e de hospital. e que ela girava em torno do sol. Moçambique e outros lugares. Após anos de contínuos e dedicados estudos. nem a vida literária de Luís de Camões que muitos anos mais tarde. Ele mesmo foi mais tarde vítima de ulcerações malignas numa das pernas. Foram também criados na França. Sob a firme orientação do cardeal francês Jules Mazarin (1602 a 1661). Recebeu lições de Ticiano e com 42 anos de idade foi convidado pelo rei Felipe II (o mesmo rei que tinha um organista cego) a decorar El Escorial. em 1656. para a melhoria dos padrões de atendimento nos hospitais e nas casas de saúde onde tiveram oportunidade de atuar. e no meio deles sempre inseridos por não terem outro destino os deficientes físicos e mentais. a fim de dar a requerida atenção ao corpo e à alma do doente. Fundou uma congregação de religiosos para o serviço hospitalar que preparava ministros para os enfermos. Málaca. em Roma. não prejudicou nem a vida guerreira e aventuresca. China. Concluiu que havia basicamente duas causas para o mutismo: a primeira e mais importante era a surdez. achava que seria entre 6 e 8 anos. no conceito de muitos iria atingir duramente a posição até então assumida e defendida pela Igreja e seus doutores.*Os trabalhos com os deficientes auditivos no século XVII* As idéias defendidas no correr do século XVI sobre os surdos e surdos-mudos não eram na maioria dos casos passadas para a prática e foi Juan Pablo Bonet que deu os primeiros passos nesse sentido. Face à gravidade das suas afirmações que. cego: o outro. meu senhor. No entanto. Encontro-me acamado há cinco semanas . de sua gente e de seu rei. seu antigo companheiro. oh dor!. sob custódia. Galileo foi preso e formalmente acusado na Inquisição. baixá-la. . mantém-se ainda sem o pouco uso que dele poderia fazer se o operasse. levantando questões a respeito das causas das deficiências auditivas e dos problemas da comunicação oral. curvá-la para a direita e para a esquerda. colocá-la para fora da boca em posições diversas. por ordens diretas de Henrique IV. da França. na qual se queixava: " . Além disso Bonet condenava métodos brutais de gritarias e de enclausuramento em caixas que provocavam ressonância.ousada para a época da incipiente Renascença e principalmente para as autoridades da Igreja Católica. Chegou a indicar qual a idade mais recomendável para crianças mudas poderem se beneficiar do aprendizado para falar.*O continuo problema dos soldados mutilados* No atendimento ao soldado doente ou mutilado devido a atividades relacionadas às lutas armadas ou em atividades afins. que era e é imperfeito. ditando seus trabalhos e suas cartas a dois de seus alunos: Viviani e Torricelli. si muove" (no entanto. Continuou. atritá-la ou raspá-la contra os dentes. apesar de reconhecer as dificuldades de fazer as crianças exercitar-se para tornar a língua mais ágil para articular palavras: elevá-la até o palato. foi condenado a se desdizer e a passar seus últimos oito anos de vida em casa.. Escreveu sua obra intitulada "Reducción de las Letras y Arte para Enseñar a Ablar los Mudos". Devidamente julgado.. um abrigo para os soldados franceses de todos os níveis. continuava a crer em sua teoria e morreu em 1642 balbuciando suas famosas últimas palavras: "Eppur. enfim. defendendo sempre a necessidade de se garantir a compreensão dos alunos quanto ao que deles se esperava. estudando e mantendo correspondência científica..).. uma vez que um lacrimejar contínuo me tira a possibilidade de fazer qualquer qualquer qualquer das funções que se espera da visão" (Apud Germani). Quanto à melhor idade para a criança surda aprender. sabe-se que. Achava que o mestre e o aluno deviam ficar a sós e num ambiente bem iluminado porque a instrução exigia toda a concentração possível e o aluno precisava também observar bem a boca de seu mestre tanto do lado de fora quanto do lado de dentro. . Acrescente-se. todavia. foi organizado na Maison de la Charité. Galileo sofria de um problema reumático sério e em conseqüência dele acabou ficando cego nos últimos quatro anos de sua vida. todas as posições indispensáveis para alguém falar. ela se move . em Paris.. que reinou entre 1589 e 1610. trabalhos gloriosos! Ele está agora. . a perda total de meu olho direito que é aquele que fez tantos tantos e tantos.. a segunda era algum eventual defeito na língua. No dia 4 de julho de 1637 o grande cientista escreveu uma carta a Donati. entortá-la. seja-me lícito dizer. Era uma das primeiras e notórias tentativas européias destinadas a dar cobertura de assistência aos problemas daqueles homens que arriscavam sua integridade física e sua saúde em benefício de sua terra. O que poucos sabem. astrônomo alemão* Nascido em 1571 e falecido em 1630. que muito ajudaram na elaboração das bases modernas da astronomia. o padre Jean Lejeune foi o mais célebre pregador de seu século. é que Kepler tinha uma séria deficiência visual. apesar das doenças. entretanto. ou pelo menos de organizações destinadas ao atendimento de pessoas com problemas crônicos ou gravemente incapacitadas para a vida independente. Provando aparentemente que um homem nascido surdo e mudo pode ser ensinado a ouvir o som das palavras com seu olhar e de aprender a falar sua língua" (Apud Mullett). refletia o crescente papel que o Estado assumia para encontrar soluções para problemas sociais e econômicos de sua população. na época da Renascença. John Wallis. muito ativo e muito vivaz. Kepler legou ao mundo três leis básicas da astronomia. causada pelo sarampo contraído aos quatro anos de idade. apesar de ter escrito também sobre a linguagem dos sinais. superou os problemas e mil dificuldades que se interpunham aos seus propósitos e trabalhou muito. com sua obra intitulada "Philocophus" e que tinha como sub-título elucidativo a pouco modesta intenção do autor: "O amigo dos homens surdos e mudos mostrando a verdade filosófica da sutil arte que pode capacitar alguém com olhar observador a ouvir o que qualquer homem fala pelo movimento de seus lábios. não afetaram sua forte vontade de aprender e de estudar. maior pregador do século XVII* Nascido em Poligny (França. Apesar de pobre.*Johannes Kepler. Há outros autores e educadores que atuaram com determinação e competência nesse campo no correr do século XVII e dentre eles cumpre chamar a atenção para Kenelm Digby. John Wilkins e Francis Mercury van Helmont. . .*Novas formas de utilizar os hospitais* A permanente luta para a criação de entidades hospitalares. A solidez de suas idéias e o seu estilo levaram o prelado e ao mesmo tempo grande pregador das cortes de Luís XIV e Luís XV. Perdeu a visão aos 43 anos de idade quando pregava durante a quaresma na cidade de Rouen. As dificuldades causadas pela severa redução da acuidade visual. ou também de algumas entidades privadas em muitos países europeus.Outro autor que marcou época no século XVII no campo da surdez foi o inglês John Bulwer (1600 a 1650).*Padre Lejeune. entre 1662 e 1676. Bulwer foi um dos primeiros educadores que defendeu um método de ensino da leitura labial. passou durante muitos anos para as mãos das corporações municipais. das quais a mais popular é esta: "As órbitas dos planetas são elipses. a responsabilidade pela manutenção de hospitais. a recomendar a muitos seminaristas e jovens sacerdotes o estudo de seus maravilhosos sermões publicados em dez volumes sob o título de "Le Missionaire de l'Oratoire". Massillon. Devido à precariedade de recursos para o aprendizado da medicina. Mas a cegueira não diminuiu sua competência de grande orador nem sua alegria sempre muito natural. conhecidas pelo seu nome.. Na Alemanha. William Holder. Kepler desenvolveu importantes estudos sobre o movimento dos planetas. por exemplo. segundo seus biógrafos. tendo o sol como um dos seus focos" . todavia. além das dificuldades dos médicos em adquirir experiência de ordem mais significativa na proximidade e mesmo .. após a reforma protestante. Lejeune morreu aos 80 anos de idade. . Na tragédia Otelo. neurologia. o que sucede também na peça Tróilus e Créssida. com a indefinível figura de Térsites. Shakespeare associa o defeito congênito com maldade. mas como uma organização destinada ao tratamento e à cura das pessoas doentes. e reconhecendo a necessidade de poder contar com médicos melhor preparados. fisiologia e outras áreas afins. estas duas frases: ."Minha perna foi cortada em duas" . malícia.*As deficiências físicas em peças de Shakespeare* Nascido no ano de 1564 e morto em 1616.. Ricardo III (rei que existiu de fato. liderando o ainda mal definido movimento. com uma inegável possibilidade de se tornarem centros de estudos de casos e de treinamento prático de estudantes de medicina. e nas quais o genial escritor insere personagens com deficiências. o que sem dúvida acabou levando a medicina a prestar muito maior atenção não apenas aos doentes vitimados por males curáveis e comuns."lago? Oh! . tais como Romeu e Julieta. . Já na tragédia Ricardo III. dando cores muito vivas a todas as cenas em que Lavínia aparece. Lavínia. .. Um dos personagens. Esse realce é mais evidente na cena em que. o primeiro sistema de treinamento prático e bem orientado de médicos nos hospitais. teve seus braços cortados e sua língua decepada em dramáticas circunstâncias. Tróilus e Créssida. Da boca de Cássio temos. mesmo sem ter mãos para escrever ou língua para falar. Vejamos alguns exemplos ilustrativos. Como todos sabem. mas também por males ainda pouco conhecidos que levavam à permanente vinculação ao leito. de certa forma imitando a lenda de Filomela. Há diversas que são pouco conhecidas entre nós e que têm muita importância em sua imensa obra literária. Em diversas de suas obras o leitor poderá encontrar casos de fraturas graves. O autor explora muito bem o fato narrado e suas circunstâncias.. na cidade de Leyden. Trata-se de uma tragédia de proporções vastas. William Shakespeare foi o maior poeta e dramaturgo inglês de todos os tempos. Ao leitor não fica muito clara a extensão da lesão. iniciando pela peça Titus Andronicus."Estou aleijado para sempre! Socorro! Assassino!". Tal é sua versatilidade que para muitos ele dá a impressão de ter formação médica. como em Ricardo III. perfídia. ou ainda a problemas incapacitantes do físico e do mental. . embora algumas frases dos diálogos que seguem sejam bem indicativas.. a Tempestade. Sonho de uma Noite de Verão. Lavínia consegue indicar os culpados pela sua situação.. Titus Andronicus. Henrique VI.. mas certamente sem muitas das aberrações alegadas por Shakespeare) é identificado na peça como "montão de ódio". "tão disforme de maneiras quanto de corpo". de deformidades congênitas ou adquiridas. aniquilado por vilões" . colocados em diversas de suas peças. "rochedo fatal e disforme" e "sapo". A Holanda. por exemplo.. Rei Lear.. Mácbeth e outras. devido à demonstração que faz de seus conhecimentos de anatomia. . Péricles e Otelo. O volume de citações que faz de males incapacitantes é bastante expressivo. "massa ignóbil e disforme". instalou no ano de 1626. uma importante e muito auspiciosa tendência começou a surgir no século XVII: a de considerar os hospitais não mais como meros depósitos de doentes pobres e nos quais os médicos quase nem compareciam ou davam atendimento.convívio com colegas de profissão e de trabalho. de mutilações. Hamlet. o personagem Cássio é ferido traiçoeiramente na perna pelo pérfido lago e grita desesperado na escuridão de uma rua cipriota: . Fui inutilizado. Henrique IV. Shakespeare escreveu peças imorredouras. Henrique VIII. filha de Titus. pois bem. enviado por ela antes do tempo para este mundo dos vivos. Dentre . muletas.*John Milton: o significado de sua cegueira* Alguns autores têm escrito sobre a cegueira desse grande escritor inglês e têm arriscado um diagnóstico da causa desse grave problema que mudou a vida de John Milton. toda de madeira. Pela metade do século XVII. Milton (1608 a 1674). Conseguiu ajuda e continuou suas obras. E quanto a Dídimo. diversos casos de pessoas portadoras de deficiências foram até passados para a imortalidade da História. foi ele "o primeiro a se locomover numa cadeira de rodas. grosseiramente feito e sem a majestade do amor para pavonear-se diante de uma ninfa de lascivos meneios. Era uma cadeira baixa. Conforme percebemos até este ponto da existência do homem. No entanto. uma vez que o problema sempre foi considerado como puramente individual e não dos governantes. macas e camas móveis. dentre tantos. com duas rodas atrás e uma na frente. onde ficou exposta até 1945. Ele utilizava essa cadeira não apenas em casa. ocasião em que o veículo foi levado à Biblioteca Municipal de Nuremberg. eu. desprovido de todo encanto pela pérfida natureza. . ficou cego com aproximadamente 45 anos de idade. Outros homens do século XVII superaram sua deficiência e deixaram legados brilhantes. inacabado. quando um bombardeio a destruiu" ("Minha Profissão é Andar". que não fui talhado para habilidades esportivas nem para cortejar um espelho amoroso. . que. por milênios.a utilizar-se de um recurso até hoje muito usado pelos cegos que pretendem estudar ou manter-se atualizados: os ledores. cadeiras especiais. Bengalas ou bastões de apoio.Essa peça é iniciada com um monólogo muito revelador desse rei controvertido a respeito de cuja figura histórica surgem muitas dúvidas: . de Dídimo de Alexandria."Mas eu. exceto espiar minha sombra no sol e dissertar sobre a minha deformidade" (Apud Miller e Davis). privado dessa bela preparação. na Europa. O primeiro. ele mesmo a idealizou e construiu quando tinha 22 anos. pequena. não acho delícia em passar o tempo. coletes. E um dos homens inventivos e de grande iniciativa foi o alemão Stephen Farfler. próteses.também cego . A da frente era acionada por duas manivelas giratórias. aos 56 anos.*A superação de deficiências no século XVII: um exemplo* Por toda a história do homem na Terra certamente que esforços individuais de naturezas as mais variadas foram desenvolvidos para a eliminação dos bloqueios e das muitas dificuldades causados por limitações físicas e sensoriais. após a instalação da cegueira. eu. Paraplégico desde os três anos. especialmente nos casos daquelas que tinham posses e podiam pagar pela criatividade dos artesãos. carros adaptados. alguns homens notáveis procuravam também solucionar problemas de ordem prática para pessoas portadoras de deficiências físicas sérias. trabalhava e passeava. mas saia com ela. Relembremos aqui os nomes de Homero. disforme. O próprio Stephen a movimentava. essas adaptações e criações não causaram maior impacto sobre os homens detentores do poder ou do dinheiro. terminado pela metade e isso tão imperfeitamente e fora de moda que os cães ladram para mim quando paro perto deles. neste tempo de serena e amolecedora paz. em 1655. apesar de cego escreveu fabulosos poemas épicos que integram até hoje o acervo dos melhores trabalhos já produzidos pelo homem. Segundo nos conta Pecci. chegando o ilustre diretor da Escola de Alexandria . tendo escrito o monumental "Paraíso Perdido" e outras obras mais. um dos maiores poetas ingleses. também foi um exemplo digno de nota. Usou-a até a sua morte. calçados especiais. que havia sido vítima de algum tipo de paralisia nas pernas. de Pecci). liteiras e muitas outras idéias devem ter surgido em muitas ocasiões. *São Vicente de Paulo: suas obras face às tendências do século XVII* Nas muitas tentativas de atendimento à vasta população mais pobre em diversos países da Europa. Dentre os muitos ângulos abordados pelo escritor cego.. pensando que só pode obter a luz de seus próprios olhos. na França. e também "fraqueza natural". Porque se. preparou uma história da Inglaterra para publicação e chegou a publicar um estudo muito sério sobre a doutrina cristã. albinismo. nascido em Pouy. por que um homem não pode realmente aceitar isso. Milton respondeu: "Não posso julgar pelas cores. Milton trabalhava com a ajuda de secretários e amanuenses. é muito menos opressiva do que a mortal escuridão à qual se alude. o homem não vive só de pão. como os Padres Lazaristas e as Irmãs de Caridade. lazer e a bondosa conversação de meus amigos. Milton tornou-se bem mais ativo e sua atividade de trabalho cresceu como nunca antes ocorrera. Conforme nos diz Snyder. já que Ele prevê as coisas e me dá cobertura.esses diagnósticos cumpre destacar os seguintes: castigo de Deus devido à sua participação na revolta de Cromwell. o fato de Milton ser lembrado pelos seus escritos quase desconhecidos nos dias de hoje não é tão significativo. como faz. Milton. no século XVI I começara a brilhar muito tenuemente um pouco de justiça para pessoas fisicamente limitadas. já que esse parece ser o Seu prazer?" Na verdade. todavia. A fonte mais preciosa de informação quanto às reações de Milton à perda da visão é uma carta que ele mesmo escreveu a seu amigo Leonard Philaras. Sua atuação levou à criação de congregações religiosas que se destinaram ao cuidado do doente pobre. descolamento de retina. sempre manteve extensa correspondência. durante os 22 anos de sua cegueira. suficientemente iluminado pela orientação e providência de Deus? Portanto. complicações de miopia. conseguiu no seu mundo de escuridão o que muito poucos homens que vivem na luz conseguiram sequer igualar. minha escuridão. bem como para toda a parcela da humanidade que se encontrara até então subjugada pela miséria e pela doença. Dizem que quando o Lord Buckingham comentou com ele que considerava que ele havia casado com uma verdadeira rosa. glaucoma agudo devido a crises emocionais. e me leva para diante e para trás pela Sua mão. convém ressaltarmos as belas frases em que mostra a forma como aceita sua cegueira. Lord. conforme está escrito. não poderei eu dar uma folga a meus olhos. começaram a surgir novidades e alterações significativas. quando em 1634 apareceu um abnegado e obscuro sacerdote: Padre Vicente de Paulo (1581 a 1660). . pois durante quase toda a sua duração o mundo caminhou com firmeza para melhores condições de vida. mas dona de um temperamento difícil e muito violento. Além disso. como Secretário para Línguas Estrangeiras. John Milton casou-se três vezes. doentes e defeituosas e que em muitos casos estavam sendo exploradas para mendigar.. Sua terceira esposa era uma mulher muito bela. Diz ele: " . catarata. com a ajuda de estudos. glaucoma crônico. Os primeiros oito anos de sua vida como cego ele os dedicou a Cromwell. Assim como em outras áreas do desenvolvimento humano e científico incrementado durante a Renascença. por singular misericórdia de Deus. como era costumeiro. . que sempre se sentiu nas mãos de Deus. mas de cada palavra que vem da boca de Deus. O fundamental é nos lembrarmos que suas lindas declarações de fé foram compostas por um homem que era cego. neuroretinite de origem sifilítica congênita. Organizou um dicionário de latim. mas sinto-o pelos espinhos". Fundou instituições para crianças pobres e abandonadas. julgando-se. como se o fizesse pela vida toda. Traduzia cartas do latim para o inglês e vice-versa. a usar em sua roupa externa (casaco. os pobres sem deficiência foram encaminhados para empregos. pois era notório o fato de que. Quando estabelecida e ratificada pelo juíz local. que levou muito em consideração os incapacitados devido a qualquer tipo de mal. formalizou-se na Inglaterra a estigmatização dos pobres velhos. praticamente em conseqüência do que vinha sendo feito desde vários séculos antes. As especialidades médicas começaram também a se definir. Dessa maneira. deficientes . O preâmbulo dessa "lei de localização e de remoção" dizia que pessoas pobres não eram impedidas de se mudar de uma paróquia para outra e podiam assim estabelecer-se naquelas em que havia melhor estoque de matéria prima (para os trabalhos destinados aos pobres). onde esquemas assistenciais funcionavam bem. órfãos. Na França. sob a rainha Elizabeth I (1533 a 1603). Essa nova legislação dava às paróquias até poder para remover pessoas idosas. As leis iniciais indicavam que o direito à assistência era local e da comunidade.a partir de 1697 . defeituosas e incapacitadas. toda a legislação relacionada aos pobres que "infestavam" a Inglaterra. no ano de 1662. foi determinado pela coroa real que cada cidade deveria criar o seu próprio hospital. Essa função adicional aos trabalhos da Igreja coube a supervisores designados por juízes locais que tinham a função de avaliar o montante de contribuição destinada a cada pobre e o volume de ajuda que cabia a cada cidadão. as paróquias foram reconhecidas definitivamente como unidades básicas para sua administração e coordenação.*A "Velha Lei dos Pobres" da Inglaterra* Conforme verificamos anteriormente. de 1662. nas paróquias muito distantes e onde a supervisão tornava-se impraticável. a menos que houvesse autorização especial de um juíz. Foi iniciado um sistema centralizado de cobrança de providências a nível local. por exemplo. . seguidos de dados de identificação. crianças pobres receberam treinamentos.*O nascer da ortopedia como especialidade* Dentre os muitos progressos e melhoramentos ocorridos no século XVII. foi com esses fundos que os velhos e os deficientes foram atendidos e receberam abrigos em áreas pouco povoadas. desde o seu aparecimento. Assim. Esse acervo de leis e de normas. O período de vigência da "Lei dos Pobres" (Poor Law) que vai até o ano de 1644 foi muito importante. os maiores terrenos para construir barracos e o maior volume de madeira para queimar durante o inverno e também para outros usos. a primeira a . tendo a partir daí sido reconhecido como "A Velha lei dos Pobres". essa ajuda tornava-se obrigatória para a comunidade. eram obrigados . Pois bem. Ao final do século XVII. definindo melhor o papel de cada paróquia. sem qualquer dúvida.pois aqueles que eram "autorizados" a receber ajuda mensal das paróquias. nenhuma ajuda poderia ser dada aos pobres. tendo a ortopedia sido. Os nomes desses pobres. Nessa codificação nova. manta. as paróquias tinham que se prevenir contra a presença de estranhos ou de pessoas que poderiam se beneficiar de mais de um programa assistencial ou dispensarial. com menos de três anos de residência. abrigo) um grande "P" vermelho ou azul. eram lançados num livro especial que era revisto cuidadosamente uma vez por ano. Houve também uma chamada "lei de localização e de remoção". muitas vezes os pobres eram assistidos sem qualquer relação aos preceitos da lei que forçava a isso. aos aleijados e aos mendigos quando fora de suas paróquias. foi revista e re-editada em 1601.. foi de certa forma codificado no ano de 1623. mesmo onde não havia pressão de trabalho. é de se ressaltar o que sucedeu na área da medicina. capa. pequeno mas totalmente individualizado. reconhecida pela nomenclatura de "ortopedia". Temos hoje. inclusive Sir Stephen Fox. A proteção a soldados mutilados ou inválidos pelos azares das batalhas mereceu a atenção de toda a Europa Renascentista. dentre as quais destacamos "Elementos de Álgebra". desde as remotas épocas clássicas grecoromanas. ser mais apreciados ali. um monumento do passado que é ainda hoje um orgulho dos franceses. Tratava-se do Hospital Real de Chelsea que teve suas instalações concluídas em 1692. O arquiteto que planejou e construiu o Hospital Real de Chelsea não conseguiu disfarçar a forte influência das idéias contidas no Hôtel des Invalides e no Hospital de Kilmainham. O imprevisível Carlos II mandou abrir uma lista de subscrições para a construção. Dentre os muitos motivos que podem ter levado à definição de uma especialidade médica que cuidava dos problemas de ossos e de mutilações. Certamente dentro dessa linha de pensamentos e de preocupações. que foi nomeado pelo rei como administrador geral dos edifícios. Metcalf. expostos no espaçoso salão de entrada da organização. . e por certo para não ficar numa posição de desequilíbrio de prestígio com a França. Cada homem tinha e tem até os dias de hoje um alojamento (quarto) próprio. podendo abrigar até seis companhias. broken in the wars" (velhos valorosos soldados. Euler e Blacklock* Nicolas Saunderson (1682 a 1739). de "worthy old soldiers. de fotos. foi durante a Renascença que ficou registrado um dos primeiros avanços muito sérios na medicina. Troféus e bandeiras capturados durante as muitas batalhas em que pensionistas participaram não podem. na Irlanda. O primeiro volume desta obra expõe um método que ficou conhecido como "aritmética palpável" e que permite ao usuário fazer todas as operações de aritmética com o uso do tato. o famoso "Hotel des Invalides". por determinação do rei Luís XIV (o Rei Sol). conforme pudemos observar. em ato assinado no dia 15 de abril de 1670. mandou construir um verdadeiro palácio (Hôtel. da Inglaterra (1630 a 1685). Dessa forma. desde tempos os mais remotos.ser estabelecida como tal. num total de 558 pensionistas. chegou a inventar uma prancheta de calcular e publicou várias obras. no centro de Paris. entretanto. o rei Carlos II. não se deve menosprezar o fato de a ortopedia ter se desenvolvido mais rapidamente devido à obrigação de o Estado manter serviços médicos para seus soldados feridos ou amputados em batalha. uma vez que foram todos devolvidos às unidades de origem dos homens ali internados. de Dublin. dedicando-se de um modo todo especial às teorias da luz e das cores. em francês) para alojamento e tratamento de seus oficiais e soldados feridos e inválidos para o serviço militar. de medalhas e de condecorações. Diretor Geral das Finanças do Reino. de início. em sua linguagem pitoresca. batidos pelas guerras). fundou em Chelsea um lar para o que chamava. apesar de não ter sido. e de um modo especial da França que. Os pensionistas enfermos eram alimentados e medicados na enfermaria que foi completamente destruída durante um bombardeio alemão na Segunda Guerra Mundial. . Saunderson tornou-se professor brilhante na Universidade de Cambridge e foi um dos grandes expositores das teorias de Newton. para a qual cedeu o terreno. ter uma deficiência física e ser auto-suficientes em seus cuidados pessoais. O visitante desse antigo abrigo e hospital para soldados portadores de deficiências físicas poderá ainda hoje apreciar uma interessante coleção de quadros.*Quatro cegos brilhantes: Saunderson. apesar da cegueira. Compõe-se ele de dois edifícios principais. Muitos contribuiram. Desde a sua criação até os dias de hoje os pensionistas devem ter mais de 55 anos de idade. cavalgar e em nadar.000. de acordo com a moda de então. Desenvolveu muito bem seus estudos e chegou a se formar na Universidade de Edinbourgh. feita por um brilhante pintor inglês. de Homero. Escreveu também: "Consolações Tiradas da Religião Natural e Revelada". Thomas Blacklock deu também apoio a poetas mais jovens. cabe notar que Alexandre era portador de sérias limitações físicas desde o nascimento. Sua genialidade levou-o a dedicar muito de seu tempo à construção de pontes e de estradas. com acentuada curvatura da espinha dorsal. Pope traduziu o poema épico Ilíada. foi a mais nobre versão de poesia épica que o mundo jamais apreciou. Thomas Blacklock (1721 a 1791) perdeu a visão aos 6 meses de idade devido ao sarampo. Dizem seus biógrafos que a amargura de suas poesias e a agressividade de muitos momentos seus são devidos a essas deformações. e os músculos que lhe corriam pela face eram tão fortemente marcados que pareciam pequenos cordéis" (Apud MacNalty). Sempre doentio. o "Tratado sobre a Crítica". Sir Joshua Reynolds: "Ele tinha aproximadamente 4 pés e 6 polegadas de altura" (1. Ele foi o mais famoso poeta de seu tempo na Inglaterra. tendo sido considerado por todos que o conheceram um poeta nato. Na infância sofreu severamente com raquitismo e por causa desse mal ficou corcunda. Tinha olhos grandes e bonitos. . escrevendo um artigo sobre a cegueira. a "Floresta de Windsor". Além de suas obras originais (as "Pastorais". Sua competência comprovada na remodelação de estradas em péssimas condições e na construção de pontes tornou-o uma figura imortal na história das estradas em todo o mundo. Segundo diversos críticos. tendo mostrado forte predileção pela crítica mordaz. dando vazão à sua agressividade. Pope teve um dia os tendões de dois dedos da mão direita gravemente prejudicados durante um acidente. .*Alexandre Pope: um poeta com deficiências físicas* Alexandre nasceu em Londres no ano de 1688. A Academia de Ciências de Paris chegou a premiar várias de suas obras. sua vida. o "Tratado sobre o Homem" e várias outras). dizia que sua musa ajudava-o na sua longa doença. Adaptou-se bem à nova situação e prosseguiu com extremo afinco em suas atividades científicas. Existe a seguinte descrição de Pope.37 m). Leonhard Euler (1707 a 1783) foi um geómetra suíço que perdeu a visão aos 58 anos de idade. tornou-se financeiramente independente. "muito corcunda e deformado. No entanto. que é a parte da física que estuda a luz de acordo com os elementos que atravessa. Tornou-se ministro evangélico em 1759 e destacou-se nas letras como um dos melhores poetas escoceses. sua boca tinha aquelas marcas peculiares que sempre são encontradas nas bocas de pessoas falsas. de pais católicos e bastante idosos. com a qual agredia seus desafetos.John Metcalf (nascido em 1717) perdeu a visão aos 7 anos. Adicionando aos seus problemas já tão graves. com o que ganhou mais £3. Sempre foi muito hábil e de quando em quando as pessoas desconfiavam que não era cego devido à sua extrema facilidade em se movimentar. É conhecido como "O Poeta Cego". O sucesso foi tão grande que Pope traduziu também a Odisséia. Usava um casaco preto e. Com isso. usava uma pequena espada. Foi conhecido nos meios oficiais ingleses como "Blind Jack". o poema épico "Graham" e "Observações sobre a Liberdade". Escreveu "Elementos de Álgebra" e três volumes sobre dióptrica. e um nariz longo simpático.000. Redigiu diversos tratados de teologia e foi colaborador da Enciclopédia Britânica. ou seja. A parte da frente da caixa toráxica também era deformada e um dos lados do corpo era afetado por uma forte contração. sendo Robert Burns o exemplo mais marcante. pelo que recebeu um total de £5. Foi mais ou menos por essa época que outras áreas da medicina começaram a melhor definir-se como especialidades médicas também na Inglaterra. tratava-se de uma nova "arte de prevenir e de melhorar nas crianças as deformidades do corpo". dentro da especialidade que recebia esse nome existiam já muitos de seus diversos componentes. das amputações e dos males deformantes. Tratava-se do Hospital Saint Luke. que corresponde a "criança". após uma continua e heróica luta contra doenças e dificuldades causadas por suas deficiências físicas. mas a "educação" (da palavra "paidéia". e nos muitos outros autores. segundo vimos em épocas anteriores ao século XVIII. E foi exatamente esse produto de sua inteligência. financiadas pelo poder governamental. em grego). paidós". sendo o representante principal de seu classicismo. as vítimas de problemas mentais graves. as noções fundamentais já eram encontradiças em trabalhos egípcios. ou seja. que significa "direito" ou "reto". sob o reinado de Henrique VIII. essa nova e jamais anteriormente utilizada palavra derivava de "orthos". quando Londres contava apenas com 7 hospitais gerais. atos esses iniciados aproximadamente nos anos de 1536 a 1539. Um deles passou a servir pessoas que até hoje são marginalizadas da sociedade maior. em adição àquela que cuidava dos problemas dos ossos. de todas as idades. No atendimento à população civil. mantiveram a mesma designação para a especialidade mas questionaram a derivação proposta para composição daquele neologismo pelo seu criador. surgiram algumas instituições em diversos países europeus. porque doenças e acidentes que deformam o homem e o desviam de sua aparência original sempre existiram e já tinham recebido muita atenção por parte daqueles que se dedicavam à arte médica desde os primeiros tempos da vida do homem na Terra. criatividade e sentimentos que lhe garantiram um imorredouro lugar na literatura inglesa.*A reformulação hospitalar inglesa* Ainda no início do século XVIII. ou mesmo por doações avulsas e eventuais de ricas famílias ou nobres abastados. Outros autores e médicos que viveram muito mais tarde. alguns hospitais especializados foram construídos ou montados em instalações adaptadas. poucos hospitais existiam. um professor da Universidade de Paris. Tanto isso é verdade que. verificando o alcance da especialidade e notando que ela não se limitava a atender apenas crianças mas a adultos também. como sucedeu no caso do Conde Baden. e "pais. seguindo exemplo na Inglaterra. Sua vitória maior está retratada em sua poesia. A maioria deles encontrava-se localizada em Londres e quase todos dispunham de instalações muito precárias. . que no ano de 1722 criou um lar para inválidos em Pforzheim. O que nos resta como certo é que muitos séculos antes de surgir a palavra "ortopedia". adotou um neologismo para identificar a mais antiga das especialidades médicas: "Ortopedia". uma vez que fora de suas instalações não conseguiriam sobreviver. Pela metade do século XVIII. Nessa situação continuavam eles a receber doentes crônicos e pessoas seriamente incapacitadas por deficiências físicas e por problemas mentais. .Pope morreu em 1744. Segundo seus esclarecimentos. . Segundo o próprio Andry. em tratados de Hipócrates. em conseqüência dos atos que levaram ao confisco e à destruição dos mosteiros e conventos e à expulsão dos religiosos que estavam vinculados à Santa Sé. em Roma. somando esforços com muitas contribuições obrigatórias. na língua grega. Achavam que a raiz adequada não estava relacionada a "criança".*A "Ortopedia" de Nicholas Andry* No ano de 1741 Nicholas Andry. Procurava pautar bem suas atividades e restringi-las a problemas passíveis de uma correção por meio de aparelhagem simples e de natureza prática.*A assistência aos cegos: final do século XVIII* Um opúsculo interessante intitulado em sua versão original de "Lettre sur les Aveugles à l'Usage de Ceux qui Voient" (Carta sobre os Cegos para Uso daqueles que Enxergam) surgiu na França em 1749. . filósofo e homem de letras. por exemplo. Maria Tereza conheceu Valentin Haüy em Paris e manteve com ele sólida correspondência a respeito dos problemas dos cegos. em 1781. um médico de Genebra. ao encerrar-se o século XVIII. na Suíça. dois irmãos . percorreu toda a Europa e foi ouvida em diversas oportunidades pelo público de Paris. No entanto. como também para o desenvolvimento mais aprimorado da cirurgia ortopédica. Diderot. lançou o marco mais importante não só para o desenvolvimento mais criterioso e pormenorizado de técnicas de aparelhagem e de correção. dedicando-se exclusivamente ao cuidado de crianças. que essas idéias a respeito de religião e de .muito contribuíram para o desenvolvimento e para o aprimoramento da cirurgia ortopédica.*Maria Tereza von Paradis: pianista e compositora cega* Maria Tereza von Paradis (1759 a 1824) foi uma música austríaca que nasceu e morreu em Viena. Seu autor foi Diderot (1713 a 1784).os Hunter . o primeiro centro especializado de atendimento ortopédico. Sua famosa e discutida "Carta sobre os Cegos" foi muito importante também devido à sua proposição para o ensino do cego a ler pelo uso do tato. Ainda no que diz respeito a deficiências físicas vale a pena ressaltar que. A partir de então a fabricação de próteses e de aparelhos de suporte e outros mais alcançou o esplendor de seu desenvolvimento. . o mais importante testamento da era do iluminismo. fundou na vila de Orbe-deVaux. acometidos por males das mais variadas origens. "Ariane e Baco" e "O Candidato Instrutor".De sua parte. A esse instituto de tratamento ortopédico acorriam não apenas crianças mas adultos também. No ano de 1751 publicou também uma carta a respeito dos surdos e dos mudos. Nicholas Andry procurava sempre atender bem os seus doentes. Tendo aprendido piano e se transformado numa excelente concertista. Afirma. Quando. mas adicionava a essa atitude prevista no código de ética médica uma perfeita e fortemente humana compreensão dos males que levavam a uma deformidade do corpo humano. Diderot procurou mostrar em sua "Carta sobre os Cegos" que as idéias dos cegos quanto a assuntos ou mesmo quanto a coisas de natureza abstrata são diferentes daquelas dos videntes. Chegou a ficar confinado na prisão de Vincennes por três meses devido a esse corajoso trabalho. foi um dos mais brilhantes pensadores de sua época e foi o editor da "Enciclopédie". Jean André Venel. A grande massa dos pobres continuava à parte e sem qualquer acesso a esses melhoramentos ou benefícios. Três óperas dessa compositora cega devem ser ressaltadas: "Ariane em Naxos". com estudos especiais a respeito da estrutura das juntas e do crescimento dos ossos. que tanto tem contribuído desde aquela época para a eliminação ou para a redução de deficiências físicas. no qual enfatizava a dependência do homem das impressões sensoriais e dava um audacioso passo na direção do ateísmo. Ficou cega aos 5 anos de idade. cumpre ressaltar que todos esses progressos e indicativos de aprimoramento técnico e científico atingiam apenas a pessoas ricas ou àquelas que dispunham de meios para cobrir as despesas enormes incidentes sobre os mesmos. sem maiores repercussões. Ao voltar a Viena dedicou-se à composição. tendo a Academia de Ciências de Paris examinado e aprovado os tipos em relevo que o Instituto utilizava. Ressaltemos que muitas outras máquinas eram também destinadas a produzir cópias para que os cegos pudessem ter acesso à leitura pelo tato (Apud "Encyclopaedia Britannica"). uma após a outra. mas procurava ensiná-lo a ler. o Hospice provê uma pensão mensal a mais de 2. ou de ajuda mais concreta a cegos. sugerindo daí que as idéias religiosas daqueles que enxergam e não sentem a limitação causada pela perda da visão são conseqüentes às convenções estabelecidas pela sociedade. . no prédio do Hospital dos Mosqueteiros Negros. Além desse abrigo.dos dois sexos. tentando executar música na rua para chamar a atenção dos transeuntes e com isso angariar esmolas. Siècle"). da Inglaterra.Deus não são idênticas às das pessoas videntes. A causa principal dessas reações foi esta: o Instituto não asilava simplesmente o cego. setenta anos após a rainha Ana. mantendo-se com seus próprios recursos. Solteiros ou casados ocupam instalações separadas mas mobiliadas por eles mesmos. Inicialmente dependente do Ministério do Interior. com mais de 40 anos de idade. "Pai e Apóstolo dos Cegos"* Surgiram na mesma época dos eventos citados acima os primeiros esforços sistemáticos para a melhor educação dos cegos. em 1784. como na escrita”. o homem que mais tarde seria reconhecido como "Pai e Apóstolo dos Cegos" teve sua atenção atraída para as questões ligadas à educação dos deficientes visuais.*Valentin Haüy. Entretanto. fez uma comparação entre apresentações musicais da pianista e grande concertista e compositora Maria Tereza von Paradis de um lado. ter concedido uma patente a Henry Mill. que lá vivem. Foi em suas instalações que em 1880 foi montada uma clíniCa nacional de oftalmologia (Apud "Larousse du XXe. Essa organização provocou reações muito positivas e fez um grande sucesso desde o seu início. Em termos de trabalho prático de assistência mesmo que segregativa. um pouco antes da eclosão da Revolução Francesa que desacelerou ou eliminou muito do que fizera antes a França com o apoio da nobreza. "por uma máquina ou método artificial para a impressão ou transcrição de letras separadamente ou progressivamente. e de outro. engenheiro inglês. muito inadequados em seu modo de trajar ou se comportar. fundou em Paris uma nova organização que levou o nome de "Institute Nationale des Jeunes Aveugles" (Instituto Nacional dos Jovens Cegos). depois de estudar muito bem o problema. que viveu um pouco mais tarde e a respeito do qual falaremos no tópico seguinte. foi inventada na França uma outra máquina para imprimir letras especialmente para cegos. Abriga aproximadamente 300 cegos . a não ser talvez influenciar os pensamentos e as preocupações de Valentin Haüy. em Paris. Com o passar dos anos o seu sucesso foi tão grande que Haüy acabou sendo convidado a comparecer à corte de Luiz XVI para fazer uma detalhada exposição quanto ao empreendimento.000 cegos franceses com pelo menos 21 anos de idade. o preocupado trabalho de Diderot não levou a nenhuma conseqüência prática detectável. não só graças ao estudo das idéias de Diderot. No ano de 1784.de acordo com seus objetivos originais . . Valentin Haüy (1745 a 1822). os entristecedores e grotescos espetáculos dados por alguns cegos. sobreviveu esta organização até os dias de hoje. devemos ressaltar que no ano de 1780 o famoso e antigo "Hospice des Quinze-vingts" foi transferido de sua localização original no Faubourg de Saint-Honoré para instalações mais amplas e melhores no Faubourg de Saint-Antoine. Um momento decisório surgiu em sua vida quando. levado pelas circunstâncias. Haüy. aperfeiçoando a linguagem por sinais como meio para instrução e comunicação de seus alunos.início do século XVIII . Fato importante na gradativa definição da realidade em que viviam os surdos-mudos foi a publicação de Diderot intitulada "Carta sobre o Surdo e Mudo para Uso daqueles que Ouvem e Falam". Ressaltemos. é natural. no México.*Os primeiros sinais de assistência nas Américas* Enquanto todos esses desenvolvimentos ocorriam na Europa. . Na verdade. Os exemplos mais positivos dessas escolas foram as de Liverpool em 1791. que recebeu em inglês um título enorme: "Uma dissertação sobre a fala. inglesa e portuguesa. podem aprender como corrigir suas dificuldades". Fundou uma escola para educação dos surdos em Paris.*Educação dos deficientes auditivos no século XVIII* De outra parte. e aqueles que falam imperfeitamente. E no começo do século XVIII encontraremos o nome de John Conrad Amman (1699 a 1724) publicando sua "Dissertatio de Loquela".Mas logo após a regularização da vida do país novas escolas para cegos foram abertas. com forte subsídio da coroa espanhola. De fato. pela audição. quase todas elas seguindo o novo modelo apregoado por Haüy. já no século XIX. . Em 1755 o abade Charles Michel Epée (1712 a 1789) reconhecia que a psicologia do surdo era diferente daquela da pessoa que ouvia. entretanto. notaremos a marcante evolução dos sistemas montados para a educação dos deficientes auditivos em geral. os hospitais haviam há tempos surgido nas Américas. Esses recursos primitivos foram organizados pelos religiosos que haviam acorrido ao Novo Mundo (às Índias Ocidentais) para a ingente tarefa de catequização dos selvagens. a mais antiga organização de assistência médica do continente. que só dois séculos após é que podemos localizar nas Américas um primeiro esforço de organizada assistência médica e hospitalar. seguir mais ou menos os padrões estabelecidos e encontradiços na Europa. mas são descritos os meios pelos quais aqueles que são surdos e mudos desde o nascimento podem conquistar a palavra. Assim é que já em 1524 havia surgido o Hospital Jesus de Nazaré. envolvendo diferentes segmentos da sociedade mais esclarecida. holandesa. Os conquistadores espanhóis procuraram. Acreditava que era necessário fazer entrar pelos olhos dos surdos tudo o que o restante da sociedade absorvia por meio do som. com sucesso absoluto. Grande colaboração foi dada para a definição do alfabeto manual por membros da família Wren. nas Américas as mesmas tendências eram reconhecíveis com facilidade uma vez que todos os núcleos de colonização recebiam direta influência da respectiva Pátria-Mãe. O abade Sicard (1742 a 1822) ampliou as idéias de Epée no trabalho intitulado "Relato sobre um Menino Nascido Surdo e Mudo". O mesmo sucedeu nas colônias mais tarde estabelecidas pelas coroas francesa.que os educadores concluíram que era necessário um alfabeto manual para que o surdo pudesse melhor se comunicar e melhor entender o que precisava ser a ele repassado. na qual não só a voz humana e a arte de falar são analisados desde a sua origem. de Londres no ano de 1799 e. de Viena em 1805 e de Berlim em 1806. nos seus esforços de criação de casas de tratamento e mesmo de hospitais. Foi por essa época . . E isso aconteceu também em diversos outros países da Europa. da Inglaterra. logo após o descobrimento por Cristóvão Colombo ocorreram diversos esforços para dar cobertura à população colonizadora. segundo o mesmo autor. Tlaxcala e na sua mais importante cidade. É bastante válido chamar a atenção para o fato de que os descobridores e colonizadores espanhóis já encontraram verdadeiros hospitais em nosso continente. no Peru. organizava-se para continuar a dar cobertura cada vez melhor. . Como sucedia na Europa. Dessa forma. embora não homogeneamente. foram aprovadas algumas alterações operacionais nas conhecidas "Leis dos Pobres". de Londres. Foi autorizado. da sua aparência ou das deficiências que apresentavam. pelo menos de abrigo e de alimentação mais humanos àqueles que não dispunham de meios para se manter vivos fora dos hospitais. alguns já com os primeiros indícios de valorização real do ser humano. mas relativamente poucos foram os hospitais criados na América do Norte. Tlescoco. popularmente conhecido na época pelo apelido de "Bedlam" (que significa manicômio ou confusão) muitas pessoas de baixa cultura e possuidoras de doentia curiosidade chegavam a pagar algumas moedas a vigias ou a atendentes do hospital para observar e para rir de certos doentes acorrentados. Poma de Ayala. Abrigos e asilos mais modernos foram organizados. devido ao fato de haver muito poucas comunidades de porte suficiente para mantê-los com a indispensável propriedade. como não poderia deixar de acontecer. esses hospitais das colônias caminhavam para a implantação de especialidades médicas e dentro de algumas delas ocorriam os atendimentos às pessoas deficientes. ao terminar o século XVIII foi inaugurado o Hospital de New York. que cada paróquia construísse e colocasse em funcionamento casas de trabalho ou oficinas ("workhouses") e que recusasse prestar ajuda aos pobres que dela não participavam. todavia. No Hospital Real de Bethlehem. Segundo nos conta De La Vega. e que não apresentavam mais problemas de natureza médica. à mesma época. segundo nos relata Wolfensberger.*Inovações nas "Leis dos Pobres"* No ano de 1723. seja pelos ingleses. a situação das pessoas portadoras de deficiências físicas ou sensoriais deteriorou muito. inaugurado no ano de 1751. Passaram a ficar bloqueadas dessa participação através do trabalho. Ele acrescenta que. a despeito das suas malformações. conheceram hospitais mantidos pelos Aztecas nos locais conhecidos como Cholula. De um modo geral. loucos. afirma: "Nas grandes cidades havia verdadeiros hospitais que admitiam os anões. os hospitais destinavam-se também a peregrinos.*O desencontro de atitudes na Europa* Durante o século XVIII atitudes as mais desencontradas são relatadas por estudiosos do desenvolvimento hospitalar em alguns países da Europa. a sociedade do século XVIII dos países europeus. de seus gritos e dos seus rostos desfigurados e contorcidos. citado por De La Vega. seja pelos franceses. . uma vez que a prioridade para atuar nessas casas de trabalho recaia sobre os pobres com dificuldade de obter trabalho. as expedições espanholas comandadas por Cortés. velhos e desvalidos (Apud De La Vega). especialmente quando apresentavam deformações sérias ou deficiências físicas e mentais.Tratava-se do hoje conhecido Hospital de Pennsylvania. Falando sobre a mesma questão junto aos Incas. por exemplo. na Inglaterra. Tinham eles também hospitais destinados a doentes incuráveis ou enfermos de aspecto repugnante. na Philadelphia. os corcundas e os indivíduos com lábios leporinos". Cidade do México). Finalmente. mas sem . antes do século XVIII. Tenochtitlán (hoje. a Sagrada Congregação. solicitou ao bispo a dispensa da irregularidade para exercício das funções sacerdotais e para celebrar a missa numa capela privada. na França. Outros casos poderiam ser acrescentados. depois de haver submetido o assunto à consideração pessoal do papa. . da Diocese de Borgo San-Sepolcro. na Ligúria. porém. que foi necessário amputar parte do braço para evitar sua morte. . citados ao final do capítulo sobre as irregularidades relacionadas aos defeitos de nascimento.André. perdeu o uso do braço e da mão esquerdos. entretanto. da Diocese de Vincennes.*Hospitais públicos na França: final do século XVIII* Na segunda metade do século XVIII os hospitais públicos da França haviam decaído tanto na qualidade de seus atendimentos que já estavam sendo abominados até pelos pobres. essas oficinas degeneraram completamente e com grande rapidez. esquecer algumas tentativas válidas para tornar as casas de trabalho um recurso útil para o atendimento à pobreza generalizada do século XVIII na Inglaterra. na Toscana. O bispo da Diocese foi consultado a respeito e opinou que haveria graves inconvenientes em promovê-lo às sagradas ordens. ou seja.O padre François Pujol.O sacerdote Philippe Maggiorani. Seu eventual sucesso. mas os citados acima mostram a posição quase que inalterada da Igreja Católica na aceitação de pessoas portadoras de deficiência para o exercício do sacerdócio até o século XVIII. No ano de 1787 apresentou uma nova e humilde solicitação.qualquer tipo de deficiência. teve sua mão esquerda de tal forma mutilada pela acidental explosão de espingarda excessivamente carregada. Alguns dos mais significativos. são os seguintes: . É . os velhos e as crianças. durante uma caçada. foi efêmero e sem muito significado. No entanto. manteve a recusa à dispensa de irregularidade por um decreto de 7 de julho de 1787.O seminarista Ambroise Lamberti. abrigar as pessoas realmente enfermas. tendo sofrido um acidente vascular cerebral. tornando-se verdadeiros depósitos de pessoas em situação de miserabilidade. a Sagrada Congregação recusou o pedido no dia 19 de agosto de 1797. A experiência foi um fracasso. Solicitou dispensa da irregularidade para prosseguimento de seus trabalhos como sacerdote e esta lhe foi negada em 18 de junho de 1785. Embora seu bispo tenha apoiado sua consulta. . Alguns exemplos práticos nos são relatados por M. no que foi apoiado pela Sagrada Congregação no dia 20 de janeiro de 1798. . pois não eliminou nem a mendicância nem a pobreza.No dia 20 de janeiro de 1789 a Sagrada Congregação recusou concordar com a ascensão às santas ordens de um clérigo "manco" da Diocese de Albenga. e dar trabalho real aos fisicamente habilitados. tinha um problema de movimentação da perna esquerda. acompanhada do parecer favorável de seu bispo e do total apoio de seus paroquianos. de tal forma que precisava andar com o apoio contínuo de uma bengala. da Diocese de Albenga. em adição à obra de Thomassin ("Ancienne & Nouvelle Discipline de l'Église") que fora escrita ao final do século XVII. doutor em direito canônico e membro de diversas sociedades de sábios do final do século XIX. Esse fragoroso insucesso não nos permite. Apesar do objetivo original ter sido bom. eliminar a inatividade e dependência da assistência prestada pela comunidade. .*Bloqueios ao sacerdócio para pessoas deficientes* Os bloqueios interpostos pela Igreja Católica para pessoas deficientes se tornarem sacerdotes continuavam inabaláveis durante o século XVIII. selecionar melhor os candidatos ao recebimento de ajuda. números. de Paris. usando letras comuns em relevo. etc. Foi nessa mesma época que os doentes mentais eram acorrentados em suas celas. A Piedade. A surdez o isolara do restante do mundo. Caridade desse tipo pavoroso faz-nos sentir horror. o que não era muito inovador. que nascera em 1770 e que se transformara num dos maiores gênios da música erudita. Desde o século XVIII havia máquinas de escrever em relevo essas mesmas letras comuns. na Inglaterra. Mas isso não convenceu os doentes e os inválidos pobres que se escondiam em casa para morrer. com uma novidade que esperava ser útil aos seus professores e alunos. Adotava um alfabeto idealizado pelo educador Frielander.*Progressos no campo do atendimento à cegueira: século XIX* Em 1819 um oficial do exército francês de nome Charles Barbier procurou o Institute Nationale des Jeunes Aveugles. Barbier pretendia adaptar o que chamava de "sonografia" para o uso dos cegos. Louis Braille garantia noventa e seis símbolos para letras comuns e acentuadas. amontoados uns sobre os outros. No entanto.Philippe Pinel (1745 a 1826) tomou uma iniciativa revolucionária entre os anos de 1792 e 1826: quebrou as correntes que prendiam esses doentes às celas. A adoção do novo sistema em toda a França só ocorreu em 1854.Voltaire que comenta a respeito no ano de 1768: "Temos em Paris um Hospital ("HôtelDieu") onde reina o perpétuo contágio. O Bom Pastor. . onde inválidos pobres. que podiam não apenas ser lidos como também produzidos com facilidade pelos cegos com instrumentos bastante simples. em seus últimos anos de vida. também de pontinhos em relevo. já pelo ano de 1825. Louis Braille. dizendo: "Os doentes pobres e os prisioneiros ali confinados eram geralmente considerados como condenados. apesar de ter sofrido imensamente com a gradativa perda da audição. .Louis Braille (1809 a 1852) . Na combinação de apenas seis pontinhos em relevo. dois anos após a morte de seu idealizador. O historiador francês Michelet também comenta a respeito do mesmo problema. havia informações de que o primeiro livro para cegos surgira já em 1827. pontuação e outros mais. Foi alguns anos mais tarde que um jovem professor cego do Institute Nationale des Jeunes Aveugles . pois acreditava-se que eram possuídos pelo demônio. Em 1833 surgiu nos Estados Unidos da América do Norte o primeiro livro para cegos de que se tem notícia. chegando a ter representados os 36 sons básicos da língua francesa. substituindo o chocante tratamento anterior por um trabalho cientifico onde prevalecia uma enorme dose de bondade e de doçura. na verdade. mas não o impedira de continuar sua obra criadora. tão horrorizados estavam face à possibilidade de serem levados pela força para esses lugares" (Apud "Encyclopedia of Religion and Ethics"). Fora idealizado pelo oficial para ser usado na transmissão de mensagens no campo de batalha à noite. sem chamar a atenção do inimigo pelo uso de qualquer ponto de luz. cujo primeiro dever era expiar seus pecados e eram sujeitos a tratamentos cruéis. O Dr. Era. . De outra parte.baseado na idéia de Charles Barbier e na experiência acumulada com a utilização diuturna daqueles pontinhos em relevo. contagiam seus vizinhos com a praga e com a morte". A Caridade. um processo de escrita codificada e expressa por pontos salientes. atingidos pela mão de Deus. A idéia interessou sobremaneira alguns professores do renomado Instituto de cegos e logo começou a ser adaptada para uso dos alunos ali internados.*Ludwig van Beethoven: a trágica surdez* Em 1827 morria Ludwig van Beethoven. foi feita uma tentativa para eliminar a sensação de pavor dos hospitais: começaram a dar-lhes nomes sugestivos: Hotel de Deus. desenvolveu um sistema seu. Mas foi exatamente nessa batalha que Nelson foi atingido por um projétil que fraturou sua espinha dorsal. mas seguia sua evolução pela partidura em suas mãos. Próximo ao final estava alguns compassos atrasado e não notou quando a orquestra terminara. tornou-se fortemente deprimido.*Os progressos nos Estados Unidos da América do Norte* As primeiras providências observadas nos Estados Unidos da América do Norte com relação à assistência mais organizada aos soldados feridos ou mutilados parece terem acontecido em 1811. Ele era mais do que um brilhante dominador de táticas da guerra naval . Sinfonias n° 3 até 6. Em qualquer outra profissão isso poderia ser mais tolerável. A surdez gradativa influenciou o próprio estilo de Beethoven. em 1804.... Não ouvia nada de toda a execução da magnífica peça musical. minha audição. Foi na fase inicial de sua perda de audição que o grande mestre compôs suas obras mais românticas e de melodia da mais alta suavidade: "Apassionata" e "Sonata ao Luar". o Visconde Horácio Nelson tornou-se o mais famoso e talvez o mais querido dos heróis ingleses. se tivesse sobrevivido Nelson provavelmente teria sido vítima da paraplegia por secção da medula.A surdez de Beethoven começara em seu ouvido esquerdo quando estava com 27 anos de idade. Um dos solistas veio imediatamente até ele e virou-o para a platéia que aplaudia delirantemente a obra e seu compositor. "meus ouvidos assobiam e fazem barulho sempre. Com a plena consciência de sua surdez total próxima. principalmente ao Dr. Em algumas de suas cartas a amigos e confidentes. tem piorado muito . quando o Congresso autorizou o Secretário da Marinha a construir um lar permanente para seus oficiais. Sinfonia. nota-se sua aflição pelo mal que o atingia. Há uma famosa frase de Nelson que passou para a História da Inglaterra e que é a seguinte: "A Inglaterra espera que cada homem cumpra o seu dever". . esse problema causa-me as dificuldades menos significativas ao tocar ou ao compor e as maiores quando em contato com os outros" . E aos 52 anos de idade estava surdo. .era um líder sob todos os aspectos. mas na minha.. Esse novo recurso logo começou a aceitar marinheiros e fuzileiros navais com problemas físicos sérios e outros problemas limitadores da independência individual. dia e noite. de 1804 a 1808. por sinais. Sem recursos médicos de grande monta que talvez pudessem ter salvo pelo menos sua vida.. A estratégia tática que Nelson imprimiu na luta contra a esquadra dos poderosos navios das forças napoleônicas (os franceses e os espanhóis) consagrou-o para sempre. herói da Marinha Britânica* Nascido no ano de 1758. minha faculdade mais nobre. Segundo alguns autores. Usava o grande compositor o auxílio de trompas de ouvido e outras adaptações próprias para seu trabalho quando ao piano. Posso lhe dizer que vivo uma existência miserável" (Apud Landon). . Parece até ter pensado no suicídio. principalmente os sons de alta freqüência. a toda a frota que navegava para a grande batalha de Trafalgar. Franz Gerhard Wegeler.*Nelson.. Ela não foi dita por Nelson em reuniões ou em pronunciamentos a seus subalternos. Contam seus biógrafos que ele foi o maestro honorário na primeira apresentação de sua 9°. Com 31 anos de idade escrevia o seguinte: " . Ela foi transmitida de seu navio capitania. o "Victory". Logo a perda se transformara numa dificuldade bi-lateral de ouvir bem. mantendo-se sentado ao lado do maestro regente. essa condição é verdadeiramente atemorizante. o grande herói inglês faleceu no meio do fragor da batalha que se desenrolou no dia 21 de outubro de 1805. a Revolução Intelectual fez com que a sociedade de muitos países europeus pensasse um pouco nos seus grupos minoritários e marginalizados como uma de suas muitas responsabilidades e não apenas como objeto de promoções caritativas e de caráter voluntário. dando ao indivíduo atingido um restante de vida mais tranqüilo. de simples atenção e tratamento. há mais de 15 séculos. Os exércitos franceses passaram. aos doentes crônicos e aos deficientes de um modo mais amplo. Chegou-se à conclusão de que a solução para esses problemas não era apenas uma questão de abrigo. Até o século XVI. desafortunado e coitado para aquela época. . exigia de seus generais que olhassem os seus soldados feridos ou mutilados como elementos potencialmente úteis. desde que fossem garantidos meios para isso. de esmola ou de providências paliativas similares. tão logo tivessem seus ferimentos curados. aos cegos. todavia. lares para as crianças com defeitos físicos e muitas outras organizações separadas dos hospitais gerais oficiais ou particulares. Precedida pela Revolução Industrial. mas também para estudo de seus problemas e dificuldades. E no ano de 1867 surgiu um outro recurso: o Lar Nacional para Soldados Voluntários Deficientes. assim que terminou a Guerra Civil Americana. sem lembrar talvez que Constantinopla havia acenado para essa posição desde o alvorecer do Cristianismo.*Os sinais de melhor compreensão dos problemas dos deficientes* Foi no século XIX que a sociedade começou a assumir a responsabilidade sobejamente reconhecida para com as pessoas portadoras de deficiências. o mundo já se acostumara a examinar fatos em termos mais práticos e naturais. ou seja. das diversas crendices dominantes e do sobrenatural. aos mutilados de guerra. por exemplo. a utilizar esses soldados nos esforços de guerra de tal forma que conseguiam ainda tornar-se produtivos e diretamente ligados às suas unidades. o que tornaria seu cuidado e seu atendimento mais racional e menos dispendioso. do século XVI em diante. (Apud "Encyclopaedia Britannica").. Mas. com o seu primeiro núcleo na cidade de Togus.*Uma iniciativa de Napoleão Bonaparte* Pensando mais avançada e utilitariamente. o arguto Napoleão Bonaparte. Essas novas organizações. chegou-se a pensar que eles na verdade não precisavam tanto de hospitais de caridade ou de casas de saúde. fundou algumas entidades especializadas. desde que possível. mas de organizações separadas. Para um bom volume de casos a questão acabava restringindo-se à redução de uma situação de miserabilidade a um mínimo suportável. durante o fortalecimento da Renascença. Me. aos surdos. que nasceu em 1769 e morreu em 1821. em muitas de suas unidades.Foi construído na cidade de Philadelphia e só entrou em funcionamento em 1831. para o estabelecimento de algumas alternativas de atendimento e também para o tratamento de situações concretas. Ao se dar maior volume de atenção. aos velhos. é evidente) dono de seus sentimentos e capaz de viver ou de pretender levar uma vida decente. . quase que exclusivamente por iniciativa de particulares.. em geral) e para velhos (asilos). ele passou a ser visto como ser humano (infeliz. . Foi em boa parte devido a esse tipo de raciocínio e à troca de experiências que a sociedade de alguns países europeus. Embora no século XIX ainda não se pensasse na integração do homem deficiente à sociedade aberta ou mesmo à sua família. como sucedera até então. Surgiram abrigos para crianças (orfanatos. não se destinavam apenas à assistência e à proteção desses grupos marginalizados. os homens em geral ainda relacionavam muito do que acontecia ao ser humano à força das superstições. poeta e satirista inglês* George Gordon (1788 a 1824). Já prestes a finalizar seu curso em Coimbra. por solicitação do bispo Murray. prosador.*Outros cegos do século XIX que ficaram famosos* Embora numa brevíssima nota. e o seu nome leigo para todos os demais contatos externos. publicou em 1821 seu primeiro trabalho de verdadeira importância: "Cartas de Eco e Narciso". Nela estiveram envolvidos nomes famosos. A cegueira não impediu Antonio Feliciano de Castilho de se transformar num dos mais respeitados nomes de toda a literatura portuguesa. despertou nos meios literários lusitanos uma violenta polêmica que ficou conhecida como "Questão Coimbrã". Dedicou muito de seu tempo e fortuna à causa da libertação da Grécia e lá morreu. de acordo com suas capacidades físicas. mas é. cuidando dos equipamentos. muitas vezes relacionados a amores inatingíveis. De um lado era profundamente melancólico e de outro era um homem repleto de aspirações políticas. um dos maiores literatos portugueses* Castilho (1800 a 1875) tem sido indicado como poeta. de limpeza de animais e outras atividades. Dirigia sua comunidade mesmo com a desvantagem da deficiência que a bloqueava e impedia de uma participação maior e mais efetiva. ajudou-o a estudar e a inteirar-se do mundo que o cercava. percebendo sua incrível memória. Com a publicação de seu livro de poesias "O Outono". na Irlanda. E foram usados em serviços de manutenção montados na retaguarda. . As irmãs religiosas não eram enclausuradas e visitavam famílias pobres em suas próprias casas. . Devido às características de desenvolvimento daquela época. durante a qual não havia a emancipação dos católicos na Irlanda.Napoleão procurava utilizar seus esforços conforme as circunstâncias o permitiam. teve uma vida que cativou a imaginação de toda a Europa. alimentou sua mágoa com poemas de profunda tristeza. Perdeu a visão aos 6 anos de idade. Mary adotou o nome religioso pelo qual ficou sendo conhecida (Madre Agostinha) apenas para contatos com outras religiosas. como Antero de Quental. Tratado como "garoto aleijado" por uma linda jovem da qual estava enamorado. uma das mais importantes figuras literárias nascidas em Portugal. no ano de 1858.*Madre Agostinha. . . barão e o sexto Lord Byron. Um dos trabalhos mais notáveis dessas religiosas ainda durante a vida de Madre Agostinha ocorreu durante uma epidemia de cólera. Nasceu com um problema físico (pé torto) e sempre foi muito afetado por essa deficiência. fundadora das Irmãs Irlandesas da Caridade* Mary Aikenhead (1787 a 1858). após uma viagem ao Brasil e seus anos em Açores. de alimentação. Foi considerado e até hoje muitos o consideram um"herói nacional grego". Camilo Castelo Branco e outros.*Antonio Feliciano de Castilho. é importante que nos lembremos de três cegos que ficaram famosos pela sua competência em pleno século XIX: . conservando fardamentos. Madre Agostinha ficou muito enferma em 1831 e impossibilitada de se locomover até a sua morte. fundou a congregação religiosa conhecida como Irmãs Irlandesas da Caridade. mas seu denodado irmão Augusto. trabalhando em selaria. escritor e pedagogo. ensaísta. sem dúvida.*Lord Byron. de Dublin. Em Lübeck. defenderia a idéia de que as pessoas que apresentavam deficiências físicas deveriam receber. Vejamos alguns progressos mais significativos: 1812 – Johann Georg von Heine criou um hospital só de atendimento ortopédico na cidade de Würzburg.*Atendimento mais especializado aos cegos* Verifiquemos alguns desenvolvimentos adicionais ocorridos no século XIX no campo da cegueira: . Essa base. levou a uma atenção muito mais apropriada a males diretamente relacionados a deficiências físicas. França.São construídos em Berlim. 1817 . além dos cuidados médicos de que precisassem. . enquanto que no mesmo ano em Paris dois outros são também organizados. Petrogrado e New York. Alemanha. muito maior e melhor volume de atendimento médico-cirúrgico e/ou ortopédico surgiu em poucos anos na Europa e em diversas outras partes do mundo. autor de "Manual de Economia Política" e catedrático na Universidade de Cambridge. 1828 . foi também fundado um hospital destinado a pacientes que apresentassem males ortopédicos. As outras duas foram organizadas em 1832 e 1833. aliada a outras áreas do atendimento médico. 1821 .Foi fundado na cidade de Bar-le-Duc.Inaugurado na cidade alemã de Hannover o famoso Stromeyer Hospital. historiador inglês. Praga. e dentre eles cumpre que destaquemos os de Haia. um hospital semelhante. nas cidades de New York e Philadelphia respectivamente.Três escolas destinadas ao atendimento especializado de cegos foram organizadas nos Estados Unidos. um hospital dedicado apenas a casos de ortopedia. Foi casado com a famosa Millicent Garrett. deformações e outros males do esqueleto.*A ortopedia do século XIX e as deficiências físicas* Já nos primeiros decênios do século XIX foi surgindo a própria base da reabilitação de pessoas portadoras de lesões físicas. serviços especiais para poder continuar uma vida de acordo com suas aspirações e a própria dignidade do homem .*Jacques Nicolas Augustin Thierry* (1795 a 1856) um grande renovador da ciência histórica francesa e autor de "Narrativas dos Tempos Merovíngios". Este avanço fulminante da ortopedia. "Considerações sobre a História da França" e "Ensaio sobre o Terceiro Estado". sendo a mais famosa delas a New England Asylum for the Blind. inaugurada no ano de 1832. na Prússia. o chamado Orthopaedic Hospital.conceito esse derivado da filosofia humanista somada às experiências práticas advindas do forte progresso da ciência médica. . Dentro dessa corrente de raciocínio. hoje reconhecida no mundo todo com o famoso nome de "Perkins School for the Blind". economista e político inglês. ainda não estabelecida. amputações. Londres.Um hospital ortopédico é inaugurado na cidade de Montpellier. não só na Europa como nos Estados Unidos.Foi criado na cidade de Birmingham. Alemanha. na França. Copenhague. Está localizada em Boston. Florença. por influência do médico Lesthof. 1818 . 1826 . destinado exclusivamente ao atendimento de casos de ortopedia. dois hospitais para ortopedia. na Inglaterra. conseqüentes a fraturas. *William Hickling Prescott* (1796 a 1859). 1830 . ou seja. Masachussets. . Muitos outros evidentemente surgiram à mesma época ou durante a segunda metade do século XIX. autor de "História do Reino de Fernando e Isabel" e "Conquista do México". *Henry Fawcett* (1833 a 1884). mais humanas no mundo todo mais atualizado. Como resultado prático dessa preocupação. A Dinamarca também entrou na luta para um melhor aproveitamento da mão-de-obra em potencial das pessoas deficientes. 1888 . mais em concordância com as características individuais. da Sociedade Escocesa da Bíblia. Em alguns países nórdicos surgiram preocupações muito sérias quanto ao aspecto do potencial da pessoa deficiente para a produção de bens e para desenvolvimento de serviços. portanto. com a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos. 1882 .Criada em Buenos Aires. Portugal. no ano de 1854. seguindo praticamente exemplo sueco que.Foi criada em Londres a Sociedade de Prevenção da Cegueira . pelo menos para cobrir as próprias necessidades de sobrevivência. A tradição. Sobre essa experiência daremos pormenores no capítulo seguinte. foi iniciado o ensino profissionalizante para alunos cegos. tornando-se. em 1872. 1876/1880 . a Sociedade e Lar para Defeituosos (Society and Home for Cripples). . no ano 1868. Ainda no atendimento a cegos. Hoje essa mesma sociedade foi transformada no New York Hospital for Special Surgery. ou seja. fundando uma organização especial para atendimento social e profissional. aceito em todas as regiões da vasta China onde o Mandarin era falado. um dos melhores do mundo todo no atendimento a casos de deficiências físicas das mais variadas ordens. Um pouco antes disso. um alemão que em 1885 organizou uma sala de aulas para ensino de um ofício para crianças deficientes. 1866 – Na Cidade do México foi criada e instalada a primeira escola para cegos mexicanos. no Castelo de Vide. no Rio de Janeiro.Em Lisboa. um grupo de pessoas influentes da sociedade novaiorquina criou a New York Society for Relief of Ruptured and Crippled. segundo parece. por iniciativa do missionário William Hill Murray. havia sido divulgado alguns anos antes de seu estabelecimento.Em Santiago de Chile foi também criada uma escola para cegos.*A pessoa deficiente vista com potencial para o trabalho* A partir da segunda metade do século XIX houve um forte incremento às atenções destinadas às pessoas portadoras de males limitadores de sua atuação. a Escola para Cegos e para Surdos. Outro exemplo de tentativa para encontrar uma solução de trabalho para pessoas portadoras de limitações físicas surgiu com a iniciativa do Pastor Hoppe. dentro do Continente Asiático. De uma certa forma o Brasil foi pioneiro nas Américas Central e do Sul. em plena Segunda Avenida. ocorreu o início da primeira escola para cegos da China em 1876. Sua . no Japão. mais tarde substituído pelo Braille Union Mandarin. Murray dedicou-se muito a esse empreendimento e chegou mesmo a inventar um sistema Braille para a língua chinesa. 1890 . durante a restauração Meiji. Argentina. no dia 1º de maio de 1863.Em outros países o atendimento mais específico e mais cuidadoso de cegos gradativamente se implantava: 1863 . porém. os privilégios especiais até então dados aos cegos para se dedicarem com exclusividade à massagem e a certas áreas da acupuntura foram suspensos. manteve-se e até hoje o número de massagistas cegos é muito grande no Japão e em muitas outras partes do mundo.entidades semelhantes foram também organizadas em outros países logo após.Em Kyoto e em Tóquio foram criadas duas modernas escolas para receber somente alunos cegos. no distrito de Manhattan. Francis Green de Boston já fizera juntamente com alguns religiosos protestantes. Moritz Hill (1805 a 1874) desenvolveu um método próprio de educação para crianças surdas. uma tentativa de recenseamento de surdos em todo o Estado de Masachussets. O governo inglês finalmente assumiu a responsabilidade pelo ensino oficial dos surdos e dos cegos em 1893. aprovou no ano de 1884 o que é considerado como a primeira lei do mundo que protegia o acidentado no trabalho. Era uma das primeiras providências objetivas relacionadas a trabalhadores civis. . pois toda aquela escola foi transformada num lar para pessoas com deficiências aprenderem profissões diversas. Eram escolas particulares e a pagamento. como parte integrante do ensino oficial. Masachussets e a Institution for the Impaired Instruction of the Deaf. em 1803. em Londres (Old Kent Road) mudando-se mais tarde para Margate. foi organizada uma sociedade para a instrução de surdos que tomou a sábia iniciativa de levantar fundos para mandar o jovem professor Thomas Hopkins Gallaudet à Europa para aprender métodos comprovados de ensino para surdos. em Hartford. Connecticut. pelo seu levantamento. em Northampton.Na Alemanha. usando a comunicação oral e seguindo exemplo do educador alemão Samuel Heinicke (1727 a 1790). em Paris. A primeira escola para surdos pobres havia já sido aberta em 1792.*O problema dos surdos e dos surdos-mudos e suas soluções* O atendimento aos surdos e aos surdos-mudos também progrediu muito no século XIX. tornando-se obrigatório entre os 7 e 16 anos de idade. ao final do século XVIII e início do século XIX. No ano de 1815. . Chanceler do Império Alemão. que tiveram o condão de despertar a atenção para o problema dos surdos e para as soluções que se apresentavam viáveis. levando gradativamente às programações de recuperação física e de reabilitação. Durante o século XIX muitas outras escolas para surdos foram organizadas na Inglaterra. . Hill sempre foi considerado um dos melhores educadores de surdos de todos os tempos. Chegou a estudar o método de sinais na escola do Abade Sicard. encontrando 75 surdos. tanto assim que em 1870 havia dez escolas residenciais dessa natureza. com tentativas de readaptação ao trabalho e reaproveitamento daquela mão-de-obra prejudicada. hoje chamada de Lexington School for the Deaf. . que no país todo deveria haver bem mais do que 500 surdos.Na Inglaterra. No dia 15 de abril de 1817 foi aberta a Escola Hartford para Surdos que começou a utilizar tanto os sinais quanto o alfabeto normal e a própria escrita. o educador Thomas Braidwood (1715 a 1806) organizou uma escola para surdos em Edinbourgh e logo após uma outra em Londres. e em 1816 voltou aos Estados Unidos com um professor surdo: Laurent Clerc. Foi em 1818 que foi criada a New York Institution for the Deaf. Exemplos desse progresso são os seguintes: . Elas usavam métodos de comunicação oral em contraposição ao de comunicação por sinais. O ano de 1867 viu surgirem duas escolas de importância nesse campo: a Clarke School. Supondo.iniciativa encontrou um sucesso muito grande. em New York. no que foi imediatamente imitado por muitos outros países europeus.Nos Estados Unidos. graças à influência marcante e ao interesse direto do Reverendo John Stafford. . sugeriu a criação de escolas especiais.*Proteção ao acidentado de trabalho por legislação recente* Otto von Bismark. usado nos primeiros cinqüenta anos do século XIX. F. Little.*Reabilitação desabrocha num centro de atendimento. durante e depois de sua própria cirurgia foram providências muito significativas para o desenvolvimento da cirurgia ortopédica. Dentre os cirurgiões ortopédicos mais famosos cumpre que separemos o nome de Stromeyer. G. que tanto tem a ver com o mundo das pessoas deficientes. Foi a ele que um novo pioneiro da cirurgia ortopédica . na Inglaterra. já havia movimentos bem conscientes no Alabama quanto aos problemas de pessoas deficientes. na redução ou na prevenção de deformidades físicas. William J. relembremos que as deformidades podem ser adquiridas ou congênitas. Essas são algumas das intervenções mais conhecidas da cirurgia ortopédica que avança continuamente para uma atuação cada vez mais primorosa. em 1880. Seus estudos sobre as causas do pé torto e a introdução.William J.O Thomas. H. de Hannover.Stromeyer. no ano de 1893.Little. lembremos as mais significativas: a cirurgia reconstrutiva da coluna vertebral e das extremidades é da mais real importância. da Inglaterra . foi organizada na cidade de Boston uma entidade chamada Boston Industrial School for the Crippled and Deformed.Boa parte da pressão por soluções que visualizassem a volta ao trabalho como um ideal a ser atingido partiu de companhias de seguros. Um pouco depois. na segunda metade do século XIX. À época do nascimento de Helen Keller. a cirurgia ortopédica pode ser preventiva ou reconstrutiva. fraturas mal solidificadas ou mal restauradas são tratadas por procedimentos cirúrgicos dentro da cirurgia ortopédica. Venceu barreiras. que não só oferecia alguns treinamentos profissionalizantes mas também vários outros serviços que o individuo necessitasse. E apenas para que possamos ter uma idéia do escopo amplo dessa especialidade médica dentro da ortopedia. Dentro do vasto campo para suas intervenções. da tenotomia. amputações a níveis adequados e com técnica cirúrgica que permita o uso de próteses são possíveis. Havia profissionais que . O Dr. muitas doenças do esqueleto humano podem ser resolvidas pela cirurgia ortopédica. a prevenção de deformidades por procedimentos cirúrgicos é também perfeitamente viável. e façamos justiça aos médicos que têm procurado dedicar-se a essa especialidade. . sobre a qual tanto aprendera com Stromeyer antes. diferenças nos tamanhos das pernas podem ser acertadas. não se pode deixar de mencionar nomes como os de John Hilton.*A modernização da cirurgia ortopédica e as pessoas deficientes* Ao se especular sobre cirurgia ortopédica e seu significado na eliminação. . Ele havia desenvolvido uma operação conhecida por tenotomia (corte dos tendões). envolvidas no processo devido às determinações legais de proteção ao trabalhador. pela qual conseguia corrigir com menos dificuldade alguns tipos de deformidades. em Cleveland* Os primeiros indícios de reabilitação aplicada como tal surgiram nos Estados Unidos no ano de 1889 com a criação de uma organização especial para o atendimento de pessoas deficientes e que utilizou o nome de Cleveland Rehabilitation Center. Paremos por um instante apenas em nosso desenrolar histórico e meditemos sobre a importância que teve e tem a cirurgia ortopédica em problemas relacionados aos portadores de deficiências físicas. e com o tempo este havia ficado deformado.Little havia nascido com uma paralisia no pé. na Alemanha. enfrentou ambientes e formou-se médico.recorreu no ano de 1836. Como é sobejamente sabido. tendões podem ser reparados por transplantes e outros procedimentos específicos. Sir Robert Jones e outros. *Helen Keller. Marthe Obrecht. Marie Heurtin nasceu cega e surda e ao ser encaminhada a uma escola especial em Notre Dame de Larnay. Ela foi um verdadeiro marco nos esforços para melhor compreensão das potencialidades do ser humano para superar problemas considerados insuperáveis.começavam a expressar sua preocupação com o conteúdo e com a própria metodologia (ou ausência dela) dos programas que se iniciavam em diversas áreas. Desse ponto em diante sua vida foi marcada por uma plena dedicação à causa de pessoas vítimas de múltiplas deficiências. Eugênio Malassi. Mas o reconhecimento da pessoa humana como um indivíduo de méritos próprios e de potencial a ser melhor aproveitado passava a ser irreversível. A assistência a Helen Keller resultou de uma combinação de esforços de várias organizações que levaram a jovem a ler. Segundo Pierre Villey. e também o surgimento de outros grupos de profissionais mais voltados para problemas sociais ou para dificuldades individuais do ser humano num contexto familiar e comunitário.. autor cego dos mais categorizados. ativa. Inocêncio Juncar y Reyes. fornece a prova irrefutável que apenas as impressões do tato são suficientes para emancipar uma alma e para liberar seu eco para os mais altos cimos que o espírito humano tem explorado" ("Le Monde des Aveugles". que raciocina bem". ambos dos EUA. tomou forma no final do século XIX. "Laura Bridgman. graças a uma sugestão de Alexander Graham Bell. consultado pelos Keller quanto a uma solução para os problemas de Helen.. que não tinha apenas a visão e a audição. poderemos citar alguns nomes que fortalecem a crença no potencial do ser humano e na criatividade de muitos profissionais que levam a verdadeira ciência do atendimento para melhores e mais objetivos resultados: Laura Bridgman (que só tinha o sentido do tato e que mesmo assim recebeu uma educação metódica) e Richard Clinton. Em 1900 Helen entrou no Colégio Radcliffe. da Espanha. e . mas também o paladar e o olfato. Logo a seguir não conseguiu mais falar. mas vivendo situações de vida bem diversas. cega. perto de Poitiers. escrever e até falar. Algumas organizações continuaram e continuam a manter uma tônica custodial. Lutando com problemas semelhantes à mesma época. mas como um todo. no ano de 1895. . graduando-se em 1904 "cum laude". alegre. dentre os quais não podemos deixar de mencionar a preocupação de algumas sociedades com o homem em seu sentido mais profundo. assistencialista. Um dos sintomas claros dessa preocupação foi a criação da American Association of Workers for the Blind (Associação Americana de Trabalhadores com os Cegos. as tendências humanísticas em algumas profissões. caritativa e segregacionista.todos com deficiência visual e auditiva. Foi com 7 anos de idade que começou a receber a ajuda de Anne Sullivan. da Itália e Marie Heurtin. cordata.. que escreveu sua interessante obra "Le Monde des Aveugles" em 1914. da França . em Washington. da França. de Villey). O conceito de reabilitação em seu sentido amplo e de atendimento às necessidades do ser humano com deficiências. devido a fatores múltiplos. Marie Heurtin "é hoje uma jovem de 25 anos. surda e muda: um marco indelével* Ao final do século XIX (1880) nascia Helen e com 19 meses ficou cega e surda. tais como a medicina psiquiátrica. rolava na terra e grunhia como um pequeno animal.. . CAPÍTULO QUINTO A PESSOA DEFICIENTE NO BRASIL COLONIAL E IMPERIAL Conforme tivemos oportunidade de verificar no rápido passar pelos muitos séculos da História do Homem. . nas casas de campo ou nas fazendas de suas famílias.uma mera colônia de Portugal . sem entretanto poder destacálos por quase absoluta falta de dados específicos. ou então. Essas pessoas deficientes menos pobres acabaram não significando nada em termos de vida social ou política do Brasil. como era usual em todas as demais partes do mundo. pela sociedade ou pelos governantes. os acontecimentos nefastos e os muitos infortúnios que sempre levaram às situações de deficiências físicas ou sensoriais jamais deixaram de existir.a situação não foi e nem poderia ter sido muito diferente. a tendência foi criar as Casas de Misericórdia. voluntária ou involuntariamente. com recursos provenientes da comunidade e com o fim específico de atender aos doentes necessitados de assistência médica. Seguindo modelo português. da Holanda e da Espanha. permanecendo como um "peso" para suas respectivas famílias. da França. também no Brasil a pessoa deficiente foi considerada por vários séculos dentro da categoria mais ampla dos "miseráveis". E nesse sentido notaremos que não existe concordância entre os autores quanto à criação de uma primeira entidade hospitalar no Brasil. talvez o mais pobre dos pobres. não podemos deixar de prestar a devida atenção à evolução das ciências e de um modo todo especial à evolução do atendimento médico.*Os primeiros hospitais do Brasil Colonial* Comecemos por verificar como nossos ancestrais enfrentavam os problemas de saúde. em nossa realidade geral. durante os primeiros três séculos de nossa História. de entidades de beneficência para pobres. assim como na velha Europa. escondidos. "cegos". E se formos pesquisar as atividades de organizações de épocas remotas em diferentes cidades (principalmente entre os séculos XVI e XVIII) certamente que acharemos referências várias a "aleijados". Na verdade. em qualquer época. "enjeitados". Ela é válida também para todos os períodos da História do Brasil. as doenças graves. tanto para os nossos aborígenes ou para os negros escravos que para cá foram trazidos como carga humana em navios infectos e superlotados. Essa verdade sempre foi válida em todos os quadrantes da Terra. certamente passaram o resto de seus dias atrás dos portões e das cercas vivas das suas grandes mansões. . É fácil depreender que no Brasil . à existência de recursos de assistência hospitalar das mais variadas naturezas e à manutenção. poderemos surpreender-nos com normas ou decretos que chegaram a abordar os problemas de pessoas com defeitos físicos. Os mais afortunados que haviam nascido em "berço de ouro" ou pelo menos remediado. a quase totalidade das informações sobre pessoas defeituosas está diluída em comentários relacionados aos doentes e aos pobres de um modo geral. sem ter condições de pagar por esses serviços especiais. pois as pessoas deficientes sempre estiveram inseridas nesses reduzidos contextos. Se buscarmos nos arquivos de nossa História. como também para os nossos muitas vezes bravos colonizadores provenientes de Portugal. é muito importante que tentemos encontrar meios para visualizar. Sempre que analisamos o problema das pessoas deficientes em épocas passadas da História do Mundo. "surdos-mudos" e outras mais. os problemas das pessoas com males incapacitantes. Assim. "mancos". No entanto. Há autores que discordam da data e do local de instalação do primeiro hospital brasileiro. ali foi organizada. a primeira Casa de Misericórdia do Brasil. no mesmo ano. só mesmo no dia 24 de março de 1582 é que foi determinada a construção de diversas palhoças de pau-a-pique cobertas de sapé. E foi socorrida. prepararam pomadas e mezinhas todas elas extraídas de nossa muito rica flora. a data é bastante incerta para a alegada criação da Casa de Misericórdia de Olinda. 1590 .Data das primeiras instalações da Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Anchieta. próximo ao morro conhecido com o nome de Pão de Açúcar. retomadas em 1582 com a construção de palhoças para a tripulação e soldados embarcados com Dom Valdez. Dom Diogo Flores Valdez.Data considerada incerta mas provável para a criação da Casa de Misericórdia de Santos. Segundo Zarur. Segundo vários autores. onde o padre José de Anchieta instalou. com 23 naus e 5. 1549 . todavia.Instalação da Casa de Recife. eis algumas datas de fundação de nossos hospitais de misericórdia no século XVI: 1543 . mas de construir ali. terceiro Governador Geral do Brasil e sobrinho de Mem de Sá. Segundo esse renomado professor de medicina. o Barão do Rio Branco afirmava ter ocorrido no dia 24 de fevereiro de 1583 um violento combate entre dois galeões ingleses e três espanhóis em pleno porto de Santos. A cidade recebeu o nome de São Sebastião. ainda que precariamente. 1540 . o rei determinava a construção de uma casa para abrigar a Confraria da Misericórdia e seus serviços. Devido a esse combate e aos seus desastrosos resultados em termos de destruição de casas e ferimentos em muitos marujos e habitantes da vila. instalados na baía da Guanabara. faleceu. 1570 . A volumosa esquadra havia surgido na baía da Guanabara muito cautelosamente. Era o indicativo de peste a bordo. na vila de São Sebastião do Rio de Janeiro. pois no ano de 1567. Ao que parece. não só para expulsar os franceses de Villegaignon. Mas Estácio de Sá não teve muito tempo para se dedicar à completa construção da nova cidade.Ano de criação da Casa de Misericórdia da Bahia. A construção fora acelerada para poder dar abrigo urgente à tripulação e aos soldados da esquadra de um corajoso almirante espanhol. uma cidade. a fim de lá construir fortificações e povoados. praticamente à frente de São Vicente. os soldados e marujos espanhóis. trouxera orientações diretas do rei de Portugal. uma visão bem mais ampla de todo o assunto.Instalada a do Espírito Santo.000 homens armados. Estácio de Sá (1520 a 1567). Anchieta e os outros jesuítas auxiliados por colonos de boa vontade e por índios amigos. com apenas 47 anos de idade. 1595 . Nela. um dos maiores jesuítas que atuaram no Brasil. dentre os recursos essenciais. Alojados. o que foi depois conhecido como Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. As informações de Santos Filho dão-nos. com a temida cruz negra no alto dos mastros de todas as naus. enquanto que outros falam do ano de 1567. esteve presente à sua morte. após ter passado semanas com alta febre e com seriíssima infecção causada pelo ferimento. . todos atacados por escorbuto e por febres malignas durante sua longa viagem da Espanha para o Estreito de Magalhães. em homenagem ao rei.Embora anterior a todas. vítima de uma flechada no rosto.Alguns historiadores defendem como ano de fundação da primeira Casa de Misericórdia o de 1545. por exemplo. Ao descer a serra para São Vicente.*Anchieta e seu exemplo de assistência aos doentes* Ressaltemos que bem antes dos empreendimentos acima indicados outras iniciativas de assistência a enfermos. por aqueles agrestes e muito difíceis anos do início da maior metrópole brasileira. pois que ao clero é proibido derramar sangue. respondeu que a caridade se extendia a tudo ("História do Brasil". fez curativos. Santos Filho informa-nos incisivamente: "Eram raríssimos os aleijados e as deformações reconheciam origem traumática". o dormitório. afirmando: ". tratou de cancros. Em carta datada de 1554. O termo "barbeiro" relaciona-se aqui à função de cirurgião e não à de cortador de cabelos e aparador de barbas. neste tempo que estive em Piratininga servi de médico e de barbeiro. ele chegou a preparar mezinhas. a doentes crônicos e enjeitados vinham sendo levadas a efeito. permanecemos algumas vezes mais de vinte em uma pobre casinha feita de barro e paus. ele narra o seguinte: "De janeiro até o presente tempo. .. combateu pestes. Isso ocorreu com a presença dos jesuítas desde o começo da fundação de São Paulo. fez partos. consultado Loyola. Cuidou também de problemas decorrentes de flechadas. operou. sangrou. exumou cadáveres.*Males incapacitantes nos primeiros anos de Brasil* Falando sobre nossos indígenas. Ao referir-se às atividades de José de Anchieta quando "sangrava" portugueses e índios. pois conforme verificamos anteriormente. . assistiu a velhos. curou feridas bravas.. o refeitório. ainda no ano de 1554. golpes de tacape. moribundos e loucos. enquanto ainda estava em Piratininga. chegou até a descrever males desconhecidos à época e diversos tipos de doentes. Doentes e acidentados acorriam a esse incipiente recurso polivalente surgido em São Paulo de Piratininga no próprio ano de sua fundação. a enfermaria.Lembremo-nos que quase todas essas pobres Casas de Misericórdia mantinham a tristemente famosa Roda dos Expostos. O mesmo autor afirma também que Anchieta dispunha apenas de um canivete de afiar penas de escrita para realizar essas famosas sangrias. infecções. Anchieta escreveu uma carta especial para os seus irmãos jesuítas doentes em Coimbra. o padre José de Anchieta. tendo catorze passos de comprimento e apenas dez de largura. crianças. por serem mortos muitos daquelas enfermidades" (Apud Rodrigues). uma vez que. de acordo com seus próprios escritos. E cita-nos uma frase de Anchieta a esse respeito: "Achava-se raramente um cego. curando e sangrando a muitos daqueles índios dos quais viveram alguns de que não se esperava vida. um mudo ou um coxo. . tendo eles sido criados em orfanatos ou nos conventos. onde estão ao mesmo tempo a escola. nenhum nascido fora do tempo" (Apud Santos Filho). na qual muitos recém-nascidos com deformações foram colocados por mães desesperadas. coberta de palhas. como elementos à margem da sociedade. de Southey). febres e até suicídios. Não nos é difícil imaginar que Anchieta tenha lutado fortemente contra a desabusada e muito aceita atuação de benzedores ou feiticeiros. a cozinha e a dispensa" (Apud Rodrigues). o historiador Robert Southey (1779 a 1843) afirma: "suscitaram-se escrúpulos a respeito desse ramo de sua profissão. Nada melhor do que buscarmos as palavras de quem realmente esteve ali presente. ou seja. um surdo. feridas de guerra. durante vários séculos as sangrias e certas intervenções hoje inseridas em cirurgia eram praticadas por esses profissionais. Segundo seu relato. Afetavam-nos muito também os males próprios dos trópicos e característicos de uma terra nunca desbravada. "Untavam as partes que mais expostas andavam a esta praga. fruta que em nossa terra é parecida com a castanha. Havia. Nela ele nos fala de severos males dos olhos. Por felizes se deram os franceses quando souberam desse preservativo. mais robustos. Aos poucos foram os europeus também seguindo seu exemplo. muito encontradiço nas primeiras pousadas ou fazendas que se dedicavam à produção de cana de açúcar. no entanto. Robert Southey. Pison não coloca esses males como epidemias. muita gente chegou a perder os pés de uma forma pavorosa. à época intitulada "História Naturalis Brasiliae". analisando peculiaridades do Brasil nesse incrível e muito difícil século XVI. o brasileiro exibiu casos de deformidades. de Léry). corcundas" ("História Geral da Medicina Brasileira". por exemplo. palavras que até hoje correspondem a cegueira parcial ou total. Léry conta que. por causa desse inseto. espremido do "courouq". zambros. e no mesmo grau de incidência. por sua vez. disformes. alguns deles de natureza muito grave e que acabavam levando a severas limitações de natureza física ou sensorial.aleijados ou doentios" ("Viagem à Terra do Brasil". E comenta que as vítimas tratavam-se com "guabiraba" ("História Natural do Brasil Ilustrada". evidentemente. Chegava a afetar muito seriamente algumas juntas do corpo. E diz que "entre as calamidades do Brasil. Para feridas e contusões era o mesmo óleo soberano ungüento" ("História do Brasil. chegaram a extrair dele mais de vinte "chiguas" num só dia.*Cegueira noturna no Brasil dos séculos XVI e XVII* O naturalista holandês Guilherme Pison viajou em companhia de outro amigo das ciências. Entre os portugueses. não conseguia. com um azeite vermelho e espesso.Sobre os nossos índios dos meados do século XVI Jean de Léry. Foram comuns os coxos. Pison chama o problema médico de "gota-serena" e também de "amaurose". Infestava também outras regiões. a situação era outra e não era tão serena. de Pison). Os nossos índios e nossos mamelucos sabiam de uma segura solução para o problema dos "chiguas". congênitas ou adquiridas. citado por diversos autores da época. Santos Filho. de Southey). são. e "outros a perdem com o crepúsculo matutino". E. pois a semelhança de seus comentários é óbvia quando diz: . mais entroncados. atacando mais que todos os soldados e os oprimidos pela miséria". de acordo com Southey. de Santos Filho). diz ele. mas culpa as pessoas vitimadas pelo mal devido à sua vida desregrada e corrupta. porém. Essa espécie de inseto pólvora introduzia-se entre as unhas e as carnes dos dedos das mãos e dos pés. Era de proporções reduzidíssimas. os colonos sofriam muito com a quantidade de insetos nocivos à sua saúde e bem-estar. No início da colonização brasileira. Margraff. ao Brasil no início do século XVII e escreveu sua principal obra em 1648. que os viu muito de perto e com os mesmos conviveu muito enquanto aguardava navio para voltar à França. mencionando-os como oftalmias de muita seriedade e muito comuns aos moradores de nossa Terra. cegos. afirma que após anos de colonização "tal e qual como entre os demais povos. . um inseto chamado "chigua". O historiador inglês parece terse baseado na opinião de Pison. uns perdem a vista quando o sol se põe". não sendo por eles muito molestados. "Desses. mais bem dispostos e menos sujeitos a moléstias. mais fortes. afirma: "Não são maiores nem mais gordos que os europeus. por maior cuidado que tivesse e por maior esmero que procurasse empregar para deles se livrar. analisa o mesmo problema. havendo entre eles muito poucos coxos. não ocupam o último lugar as doenças dos olhos. pela vila de Olinda e seus arredores. levou João Fernandes a mandar um pequeno grupo de soldados a Santo Amaro. cujos porões andavam cheios de escravos da África. cuja causa básica deve ter sido alimentação com perniciosa falta de vitamina A. os remédios eram o fumo de tabaco. Nessas horas só se apresentavam para dar algum atendimento à população mais pobre os improvisadores e também os muito experimentados curadores. casos de fraturas expostas ou complicadas. ainda pior. "Chegaram as ruas a estar despovoadas. ou mesmo de deslocamentos e. herói da guerra contra os holandeses que haviam invadido o Brasil. da seguinte forma: "A "bicha" era a febre amarela. Trouxera-a da Ilha de São Tomé para o Recife um brigue negreiro. sem exceção. Participou valentemente das duas batalhas de Guararapes. não só morrendo de vinte a trinta todos os dias. apesar de séria deficiência física que o impedia de muita movimentação pelo local. em sua "História do Brasil". o calor. No entanto. . no original da obra). a mais freqüente era essa meia cegueira que os europeus freqüentemente experimentam entre os trópicos. favoreceram a expansão da epidemia. . durante muitos anos organizou planos para a libertação de toda a região ocupada do Nordeste. para dali raptar um médico francês conhecido como Mestrola.*Os problemas médicos nos séculos XVI e XVII no Brasil* Não resta dúvida que a situação deve ter sido incrivelmente difícil e muito problemática durante os séculos XVI e XVII. como se vitimados pelo ar empestado. Pedro Calmon. a "amaurose" ou a "gota-serena" devem corresponder à xeroftalmia. de que já morreram dois". Diante de situação de tal seriedade podemos imaginar o abandono a que foram relegados os infelizes que padeciam de males crônicos ou que carregavam consigo a dificuldade própria de uma deficiência física ou sensorial. João Fernandes teve que se haver com descontentes e traidores em potencial. tendo sido um forte aliado de Vidal de Negreiros. É Southey que nos conta: "Ao ver-se nas mãos de tal gente clamou o pobre cirurgião que era cristão católico romano. a falta de higiene.. dois marítimos.. Tendo tomado posição em Covas com um improvisado exército mal treinado e sem qualquer disciplina. Dias houve em que morreram na cidade duzentas pessoas" . casos que provocavam lesões permanentes e de natureza incapacitante. Camarão e Henrique Dias. como participou Vieira ao Conde de Castanheira em 1º de julho de 1686. para casos de doenças mais sérias.. Quando surgia uma epidemia nesses terríveis duzentos anos da História do Brasil. A sordície dos sobrados. e o mal se espalhou pelo porto. . homem devotado ao seu mister. Abertas duas barricas com carnes salgadas. era um verdadeiro "salve-se quem puder"."Moléstias dos olhos eram tão vulgares.*Médico com deficiência física na História de Pernambuco* João Fernandes Vieira (1613 a 1681). sem haver medicina que o atalhasse.. então muito empregada como medicinal" ("História do Brasil". mas não havendo casa em que não houvesse muitos enfermos e em algumas todos" ("História do Brasil". logo morreram. A meia cegueira citada ("evening blindness". carvão de casca de guabiraba ou alvaiade em leite humano. . a cegueira noturna dos nossos dias. relata-nos a epidemia da febre amarela. de Calmon). em pleno século XVII. Feria de preferência os brancos. mormente entre soldados e pobres. os menos adaptados ao clima. de Southey). "novo gênero de peste nunca visto nem atendido dos médicos. utilizando-se de medidas bastante severas para contê-los. agravada pelo número crescente de negros mercadejados nos bairros da praia. Verificou-se na Bahia o primeiro caso de doença em abril. e sempre curava os portugueses com o maior cuidado e carinho. o problema da falta de assistência médica que afetava a todos. as ruas sujas. Ao final de sua permanência no Nordeste Brasileiro. fazendo-lhe primeiro nelas uma esfregação com pano quente perfumado com alfazema.colônia portuguesa .. assim como também se acharmos a parte ofendida com quentura. depois de ter passado sérias frustrações em Portugal.se aqueles fidalgos queriam levá-lo para as matas e lá assassiná-lo. ou com calor. a que os médicos chamam atrofia". limitando-se Morão a registrar o que pode ser usado em determinadas circunstâncias como medicamento. O médico com a séria deficiência na perna conseguiu o cavalo e não teve outro remédio a não ser aderir ao pobre e valente exército de João Fernandes. ao qual prestou bons serviços. é o das caldas. mencionada inespecificamente. onde algum bom cristão o enterraria pelo amor de Deus. O trabalho destinava-se principalmente às pessoas que improvisavam na área da medicina. se à paralisia sobrevier tremor não é ruim sinal. de Southey). o Dr. donde os mais deles saem com manifesta melhoria". Um dos tratamentos mencionados é defendido por outro médico e cientista português do século XVII. em muitos pormenores por julgar inoportuno e devido ao fato de no Brasil . Percebe-se nas entrelinhas a inexistência de maiores preocupações com o problema familiar ou social causado pelo mal. . senão bom. O autor menciona outros tratamentos por meio do que chama de "rubificantes". que tinha ele a perna doente. suplicava-lhes a bondade de o matarem antes ali mesmo perto da igreja. caso não ocorresse a melhora. precisamente no ano de 1677.. porque com isso nos dá esperança de melhoria. E nesses casos. Tomem de óleo de lírio e de arruda de cada um uma onça. Morão não entra. e a experiência tem mostrado infinitas melhoras. resolveu escrever aquilo que intitulou pouco sutilmente de "Queixas Repetidas em Ecos dos Arrecifes de Pernambuco contra os Abusos Médicos que nas suas Capitanias se Observam Tanto em Dano das Vidas de seus Habitadores". Um pouco mais adiante Morão começa a desfiar idéias suas e de outras autoridades médicas daqueles tempos quanto à cura eventual da paralisia.*O problema das paralisias no Brasil do século XVII* Simão Pinheiro Morão foi um médico português que viveu muitos anos no Brasil em pleno século XVII. " . E aqui se advirta. e muito melhor se à paralisia sobrevier febre... Nesse extenso manuscrito que ficou perdido por séculos. todos os enfermos desta enfermidade e de outras muitas igualmente rebeldes. auxiliada por boticários experientes. lhe dessem um cavalo. que as partes paralíticas se não carreguem com coberturas". o que devia fazer? "Seja a primeira mezinha untarem a nuca e o espinhaço todo com óleos seguintes. cozidas em . E também podemos fazer ruim prognóstico quando a parte ofendida se for secando. o paciente devia continuar os cuidados intensivos.. Mas a medicina. Destaquemos aquilo que chama de "paralisia". já demonstrava sua criatividade e supria a falta das águas termais por "suores de salsaparrilha ou de pau-da-china". nos meses destinados a isso. Mas se queriam que ele tratasse dos portugueses feridos. mas dando a entender tratar-se das seqüelas de um acidente vascular cerebral ou de alguns outros males que podem levar à perda eventual da sensibilidade.. Henrique de Quintal: “. de aguardente do Reino meia onça com enxúndias de ganso e uns pós de mostarda pisados se faça linimento. tomar folhas de mostarda bem pisadas. Após esse tratamento inicial de "suores" abundantes. e com ele quente se untarão as partes ofendidas.não existirem então estações de águas termais. ele arrola diversos males. aonde acodem todos os anos. Eis algumas delas: "O mais eficaz remédio para este acidente de paralisia de que todos os autores fazem particular menção. com que não podia andar" ("História do Brasil". todavia. nossas endemias.. negros experimentados. No entanto. José Mariano Leal procurou organizar algumas aulas para demonstração e para tratamento cirúrgico.. encontradiça com maior facilidade. dos utilizadores de ventosas e sanguessugas e dos charlatães em geral. dando alguns pormenores quanto às nossas doenças. homens supostamente bem informados. Embora toda a situação fosse muito primitiva e nosso país não contasse com recursos significativos. bastante melhora ou pelo menos algum alívio em pessoas que eram vítimas de algum tipo de paralisia nos primeiros séculos de Brasil. mulheres habilidosas e curiosas. Morão chega a discutir o problema da paralisia na eventual clientela pobre e que jamais poderia ter acesso a ingredientes dispendiosos como a salsaparrilha e o pau-da-china pareciam ser. Em 1768. até que tome forma de papas. Para o povo em geral e para os pobres prevalecia a experiência dos sangradores. custasse o que custasse. por exemplo. manjerona e arruda. na Província de Minas Gerais. Com esse avanço os charlatães e os barbeiros foram sendo acuados para pontos menos desenvolvidos do Brasil. alguns médicos procuraram documentar cientificamente o problema. misturadas e cozidas em óleo para "untar as vértebras do espinhaço". Portugal. Não licenciados para essas funções. na verdade tratava-se de padeiros.urina fresca de meninos. índios e europeus predominavam no Brasil do século XVIII. além dos sempre famosos curandeiros. vinda do reino depois de muito tramitar pelos corredores da corte. incluindo sempre a mostarda e muitas vezes a salva. Em seus sonhos profissionais havia também a preocupação de combater mais sistematicamente a temida "lepra". No ano de 1741 o médico João Cardoso de Miranda escreveu um pequeno tratado intitulado "Relação Cirúrgica e Médica".*A medicina do século XVIII entre nós* As crendices passadas de geração a geração pelos escravos. foi lacônica e desagradável ao extremo: "Não convém". Aqui em nossa Terra havia reduzido número de formados em Coimbra e todos eles localizados nas melhores cidades. a fim de repassar a colegas seus as experiências que conseguira acumular durante toda a sua vida de médico. Havia variações no uso de ervas. os vereadores de Sabará. a inquestionada liderança de Coimbra entre nós. A resposta. Só atendiam à elite portuguesa ou aos homens mais ricos daqueles tempos. De lá emanava todo o saber lusitano (Apud Calmon). O substitutivo por ele indicado era a salsa-da-praia. pediram ao rei de Portugal permissão para a fundação oficial do que chamavam "Casa de Aulas". os contágios relacionados a males trazidos pelos negros escravizados e infecções várias. O rei procurava preservar. E tentativas para melhorar o padrão de atendimento médico e ampliar o campo de conhecimentos da medicina ocorreram em vários pontos do país.*Males limitadores que afetavam muito os negros escravos* . o Dr. para ensinar anatomia e cirurgia. bloqueios muito sérios ocorriam e a grande maioria deles oriundos da PátriaMãe. tanto na teoria quanto na prática. E no final do século XVIII. . e estas moderadamente quentes se ponham nas partes paralíticas". As pormenorizadas informações de Morão e de outros autores já citados indicam-nos que sem a menor sombra de dúvida alguns procedimentos indicados por eles provocavam algumas curas. exatamente em 1796. barbeiros. . Doenças. Em nota explicativa à informação de von Martius. um caitetu ou taitetu e transmite a desgraça a quem o avista. ou seja. das síndromes mais sérias denotadoras de carências alimentares. Por essa época já tinha que ser carregado. Cavalga. de escorbuto (também conhecido como "mal de Luanda"). voltado para trás. Von Martius confirma ainda que "às vezes aparecem paralíticos e coxos. provavelmente devido . o Dr. Sigaud nos esclarece que "com o fito de provocar a erupção e de evitar tanto quanto possível os acidentes provocados pelo seu atraso. apelidado pela população que o conhecia mais de perto e reconhecido por todos como o "Aleijadinho". mandava fazer fricção na pele com certo óleo extraído do corpo de lagartos brancos" ("Du Climat et des Maladies du Brésil". de Santos Filho). que o índio representa o curupira. João Alves de Moura. de Sigaud). anão de um pé só. o "Aleijadinho"* Um exemplo muito importante de trabalho de alta qualidade de uma pessoa portadora de deficiência física muito séria e progressiva aconteceu na metade do século XVIII e alvorecer do século XIX.Muitos dos africanos que foram trazidos à força para o Brasil como escravos aqui sofreram muitos castigos físicos. porém a catarata só raramente os ataca". Vejamos algumas referências do cientista: "Escoliose. A respeito da surdez o botânico alemão afirma que "os autóctones brasileiros sofrem mais dos ouvidos que dos olhos. ou de uma banda só. ou também pelo surgimento de pústulas nas mucosas e em alguns Outros órgãos (casos de cegueira foram muito comuns. sacrificam as crianças aleijadas. de von Martius). que tantos enigmas nos oferece. o assombro da mata. Medicina e Remédios dos Índios Brasileiros". chegando mesmo a terem o corpo marcado pelos maus tratos a eles infligidos. sua deformidade é sempre de origem traumática". Além disto é singular. Sacy-pererê é outro gênio maléfico". Carl Friedrich von Martius (1794 a 1868) escreveu um interessante trabalho: "Natureza. Diz mais. Em 1800 Antônio Francisco Lisboa (1730 a 1814). Muitas vezes eram vítimas de raquitismo.*Deficiências físicas e sensoriais entre nossos índios* Como resultado da profícua viagem de uma comissão cientifica ao Brasil durante três anos (1817 a 1820). ao nascer. sempre mau e hostil ao homem. . mais numerosos ainda eram os casos de meia surdez" ("Natureza. "pied-bot" e deformações outras do esqueleto não observamos em parte alguma. produto de sua superstição. quando essas deformidades são hereditárias. o gnomo. especialmente entre os negros). Observamos muitos homens e mulheres completamente surdos. e se poderá apresentar como característica da história dos costumes daquela raça. quanto à cegueira: "Por causas traumáticas ficam muitas vezes cegos.*Antônio Francisco Lisboa. com "pied-bot" ou pé torto. com setenta anos de idade acertava um contrato para a execução em pedra dos doze profetas no adro da igreja do Bom Jesus dos Matozinhos.. "Foram portadores de defeitos físicos provocados por castigos e desastres nos engenhos" ("História Geral da Medicina Brasileira". . o que é admissível. saindo do tórax". médico do Rio de Janeiro. de beribéri. Medicina e Remédios dos Índios Brasileiros". às vezes. Nessa obra do botânico alemão encontraremos algumas afirmações interessantes quanto a deficiências entre nossos índios do norte do Brasil. Provavelmente. Falando sobre os efeitos da varíola sobre os escravos negros. Doenças.. o tradutor Pirajá da Silva acrescenta que o curupira "é gênio silvestre. Foi um homem competente em sua arte considerada hoje como genial. o que na certa já ocorrera em anos anteriores por meio da iniciativa privada. Estavam na maior das desordens e absolutamente impróprios para a mais vulgar das intervenções.à tromboangeíte obliterante. Os demais ferros de cirurgia eram mal conservados e guardados em qualquer lugar. . seu autor. será criada uma classe para surdos-mudos e para cegos". . e incontestável. a conotação dada naqueles séculos à cirurgia como técnica mutiladora. como eram conhecidos os médicos. golpes violentos. muitos dos quais reconheceram sua arte e seu valor por muitos anos. meio paralisado e cego. nem chegou a ver seu projeto devidamente discutido em plenário. Apesar da restrita distribuição da notícia. não nos é relatado pelos historiadores nem pelos cronistas. Naturalmente as amputações ocorriam devido a acidentes. mas o leitor interessado poderá encontrar nos Anais da Câmara de Deputados do Rio de Janeiro. Santos Filho relata-nos ilustrativamente que o cirurgião-mor do Hospital Militar de São Paulo. surdas e surdas-mudas. "é a melhor que possuo e ninguém mais aqui é capaz de realizar tal operação" ("Notas sobre o Rio de Janeiro e Partes Meridionais do Brasil". de Luccock). Infelizmente a idéia não foi concretizada. O que sucedia com os amputados. em 1804 dispunha para amputações de uma única serra de carpinteiro. porém. que em 1809 visitou um cirurgião alemão em São Pedro do Rio Grande do Sul. e os barbeiros que tinham licença para ser cirurgiões. dessa forma.*A influência européia no Brasil* .*O problema das amputações do século XVI ao XIX* Durante os primeiros quatro séculos de nossa História. .Na Capital do Império. as amputações foram a mais séria e a mais comum das cirurgias. "Por que não?". O apelido de "Aleijadinho" provavelmente indica a comiseração de seus contemporâneos. Ele "praticava tanto a cirurgia como a medicina e de uma feita os instrumentos que usava caíram sob os meus olhos. Muitos morriam em conseqüência da cirurgia. perguntei-lhe se se atreveria a amputar um membro com semelhante instrumento. Morreu aos oitenta e quatro anos de idade. replicou. Os nossos "físicos". um projeto de lei datado de 29 de agosto de 1835. que em seu caso se caracterizava por ulcerações nas mãos e nos pés. Tomando de uma serra enferrujada. Não é de estranhar que isso acontecesse.*Uma primeira tentativa em projeto de lei: ajuda a cegos e a surdos* Desde 1835 surgira formalmente no Brasil a idéia de se fazer algo sério em favor dos cegos. O Deputado Cornélio Ferreira França. como nos principais lugares de cada Província. que está assim redigido: "Art. chegou a chamar a atenção da sociedade para o assunto e despertar o interesse dos familiares das pessoas cegas. Basta ler um pequeno trecho de Luccock. sozinho e esquecido. entre diversas outras causas. gangrena. em grande parte devido a infecções pósoperatórias. 1°. dispunham de poucos e mal conservados instrumentos cirúrgicos. no entanto. . tendo sido já tentado em alguns pontos mais civilizados de nossa jovem pátria. Seu mérito. Com alguns dedos das mãos perdidos ou imobilizados. mandava que seus auxiliares ou empregados amarrassem o martelo e o cinzel às suas mãos. devido a motivos políticos não esclarecidos. tumores. Compreende-se. E com a presença da rica colônia portuguesa que aqui se radicara em definitivo. O Imperador. entre nós.e as pessoas apelidadas de "aleijadas". com o propósito de incentivar essas iniciativas e também aquelas que levavam à criação e à manutenção das Santas Casas de Misericórdia. "manetas". não encontramos nada de relevante. "loucas". a) Imperial Instituto dos Meninos Cegos Em termos de empreendimentos concretos. (* Mesmo hoje. bem preparados e interessados em sua Terra Natal. começou também a surgir nas cidades mais importantes do Império as chamadas "Beneficências Portuguesas". bolsistas.. "paralíticas". Mas no dia 17 de setembro de . com a distribuição das revistas atrasadas. alguma deformação congênita. com a própria Independência do Brasil já havia ocorrido um inegável bloqueio à influência científica de Coimbra em nosso meio. A pessoa vítima de alguma paralisia. aproximadamente dez milhões de pessoas deficientes. sustentadas por taxas diversas cognominadas de "impostos da vaidade". De outra parte.. "zambras". acabaram provocando o esperado avanço brasileiro no sentido da modernização. Foi por esses anos de renovação cultural e de ânsia de modernização que foram criadas três organizações por iniciativa de Dom Pedro II. As condições delas no Brasil do século XIX não era outra. ou estudantes das mais variadas origens lá iam estudar e. Ou antes. ao voltar. algum tipo de amputação ou em conseqüência de alguma doença mais grave. com os livros publicados meses antes nos países mais adiantados e influentes e também com o contínuo retorno ao Brasil de homens inteligentes. "mancas". Foi também o que sucedeu no campo de atendimento a pessoas com deficiências. A elas nos limitaremos neste capítulo. alemãs e austríacas. E a civilização francesa principalmente começou a invadir o Brasil sedento de cultura e de modernização. Nossos estudiosos começaram a procurar as escolas e as universidades francesas.). Foi o que ocorreu com a medicina entre os anos de 1824 e 1854. digno de alguns países europeus bem adiantados. o problema continua pouco alterado.No ano de 1841 Dom Pedro II mandou construir um hospital de misericórdia ligado à corte. Temos. Onde estão elas? Nos quartos dos fundos da casa? Nos quintais cercados por altos muros? Institucionalizadas? Longe dos olhos curiosos do povo? Essa população "continua" sendo responsabilidade de suas famílias. Alunos jovens de famílias ricas. a não ser algumas iniciativas privadas de mero alojamento. certamente acabava por se tornar responsabilidade de sua própria família. "cambaias". "bobas" e defeituosas de um modo geral ficavam sendo problema de seu grupo familiar e nunca do Estado ou da sociedade.*Organizações para pessoas deficientes criadas por Dom Pedro II* No campo da assistência à população prejudicada por alguma deficiência em épocas anteriores aos meados do século XIX. mas não as vemos. . asilo ou segregação dos cegos em instituições mal organizadas. começavam a criar o nosso próprio ensino e o nosso próprio meio técnico e cultural. O estilo da nova construção adotava uma mistura do gótico com o neoclássico. As tendências européias que chegavam ao porto do Rio de Janeiro com o atracar dos navios de passageiros. chegando a dominar nossos usos e costumes por aproximadamente um século todo. "pernetas". aqui no Brasil. homem público que esteve sempre muito voltado para as conquistas da civilização européia para a solução de problemas cruciais da população. estudiosos. "ceguinhas". O edifício era portentoso. certamente que era outra e bem pior do que hoje . honrava-as com títulos e condecorações. a fim de substituir as superadíssimas e sujas enfermarias da praia de Santa Luzia. nada havia sido feito no Brasil Imperial em favor dos cegos até 1854. tendo sido uma doação pessoal do Imperador ao novo Instituto.Xavier Sigaud comentou com a família imperial e com o próprio Imperador sua felicidade. considerar como sacerdócio. As primeiras regletes. o jovem brasileiro José Álvares de Azevedo. médico da família imperial. e decidira.1854 foi inaugurado por Dom Pedro II o primeiro recurso de iniciativa da coroa brasileira. uma instituição que seguia quase que até no próprio nome aquela onde Azevedo havia estudado. A nova organização levou o nome de Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Sigaud e ofereceu seus serviços para a educação especial da jovem Adélia. ainda modesto mas bastante significativo: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos. o Dr. chapas para escrita e os primeiros livros de pontos combinados em relevo chamados de "escrita pelo método Braille" foram encomendados e chegaram ao Brasil em 1856. seu primeiro passo no sentido de sua internacionalização. os trabalhos de ensino de sua filha e os evidentes e rápidos progressos observados. ou seja. Dom Pedro II percebeu logo a importância de um apoio oficial a essa causa e mandou organizar.Xavier Sigaud. Adélia. tinha uma filha cega. o Institute des Jeunes Aveugles. foi indicado para seu primeiro diretor pelo Imperador Dom Pedro II. De onde surgira a idéia? Por que a corte brasileira poderia estar interessada em manter uma organização especialmente dedicada aos garotos deficientes da visão? Por que o próprio Imperador havia se envolvido a ponto de dar o peso da autoridade do governo a essa nova organização? Dentre os fatos mais relevantes que cercam a criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos cumpre que destaquemos que no ano de 1853 desembarcara no Rio de Janeiro. Como era de se esperar. E vale a pena relembrar e enfatizar aqui que esse sistema de escrita em relevo recémestabelecido e reconhecido na França apenas naqueles anos. surpreendentemente generosa e interessante. A oferta. seu pai. deixando toda a família muito contente. ligada à corte brasileira. com essa encomenda de Dom Pedro II. ficou sabendo que o Dr. Muito animado com o progresso que sentira em sua própria educação e especialmente com as alterações positivas verificadas em sua vida pessoal. onde até hoje encontram-se as portentosas e muito conhecidas instalações do Instituto. com apenas 17 anos de idade. O Dr. sua pupila aplicada e inteligente. foi aceita e acabou dando ótimos resultados em muito pouco tempo. antes mesmo de pisar a terra natal e ser recebido pelos seus familiares. em sua busca de autoridades brasileiras que poderiam se interessar e apoiar o que considerava sua missão. de Paris. dava. foi professora do Imperial Instituto dos Meninos Cegos e atuou no ensino de cegos até sua aposentadoria. comunicar a outros brasileiros também cegos tudo o que havia aprendido. Adélia Sigaud aproveitava ao máximo os ensinamentos práticos transmitidos pelo jovem Azevedo. punções. embora por muito pouco tempo. como missão de sua vida. Animado e instigado por sua idéia de organizar no Rio de Janeiro uma instituição semelhante àquela que lhe dera tanto durante anos em Paris e que pudesse ser realmente útil aos cegos brasileiros.Xavier Sigaud. no Rio de Janeiro. Por sua vez. Foi dezoito anos após sua instalação que o Imperador fez a doação de um vasto terreno ao Instituto. esse jovem pensara muito durante seus estudos e durante sua longa viagem de volta ao Brasil. O pedido brasileiro foi executado com esmero e foi o primeiro em uma língua que não a francesa. E pouco tempo após sua volta. pois faleceu no dia 17 de março de 1854. . proveniente da França onde havia ido estudar no já famoso Institute des Jeunes Aveugles de Paris. O jovem idealizador não teve a ventura de ver o Instituto instalado e em funcionamento. à avenida Pasteur. procurou a residência do Dr. e o governo republicano rebatizou o Instituto em sua homenagem com o seu nome atual: Instituto Benjamin Constant. que começara em 1872. o ex-diretor do Instituto conseguiu rapidamente o decreto para sua reforma. que o Instituto mudou de nome e teve seu regulamento aprovado. Como diretor do Instituto procurou chamar a atenção das autoridades imperiais para o estado lamentável em que o Instituto se encontrava. No entanto. pelo Decreto 408. já naqueles anos algumas preocupações básicas transparecem no relato indicado acima: "O ensino pela palavra articulada e leitura sobre os lábios. Diz o Decreto: "O chefe do governo provisório. Elevado ao poder na qualidade de Ministro de Estado. de uma organização especial. Este homem de sérios propósitos tinha uma filha que havia casado com um jovem professor de matemática que lecionava no Instituto desde 1861: Benjamin Constant. Muitos desses mestres chegaram a ser nomeados sem qualquer qualificação para sua missão. está a cargo de um professor . à época de sua criação. Correios e Telégrafos. não foi levada muito a sério entre nós. "Em uma palavra: uma escola que se limitava a preparar apenas seus próprios professores" ("Les Aveugles au Brésil". e de tricô para as meninas. que assim o faça executar. sobre o Instituto dos Surdos-Mudos. A afinação de pianos. constituído pelo Exército e pela Armada. Benjamin Constant faleceu logo a seguir. e que se caracterizava como um estabelecimento de educação que tinha como finalidade a educação literária e o ensino profissionalizante para garotos surdos-mudos. Este era excessivamente técnico e as oficinas ali montadas limitavam-se às de tipografia e de encadernação para rapazes. hoje conhecido como o Instituto Nacional de Educação de Surdos .No entanto. Embora não houvesse o volume de conhecimentos relacionados à surdez como ocorre hoje. Era um centro vinculado à coroa brasileira. tão comum como atividade profissional bem remunerada para cegos em muitos países. segundo Silvado. A construção do prédio definitivo. nem o Imperial Instituto dos Meninos Cegos deu a ela qualquer ênfase. sempre sob a custódia imperial. Palácio do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil. de Silvado). Os poucos casos de sucesso aconteceram mais devido aos esforços pessoais de alunos mais aplicados e inteligentes do que ao sistema de ensino adotado. por indicação do Imperador. assinado pelo general de brigada Benjamin Constant Botelho de Magalhães. que a este acompanha. propondo diversas soluções. Cláudio Luiz da Costa foi o segundo diretor do Instituto. Tratava-se. Durante os anos que dedicou à direção do Instituto dos Meninos Cegos participou ativamente e foi um dos líderes na preparação das idéias para a Proclamação da República. resolve aprovar o regulamento para o Instituto Nacional dos Cegos. foi concluída em parte e suas novas instalações foram ocupadas apenas após a Proclamação da República. Ministro da Instrução Pública.2ºda República". dirigindo-o por vinte anos seguidos. ou seja. por Decreto de Dom Pedro II. sem ter obtido qualquer decisão. Foi no dia 17 de maio de 1890. durante muitos anos o Instituto só foi um mero asilo e não passou disso. também criada e inaugurada por Dom Pedro II. em nome da Nação.INES. no ano de 1890. em 1891. Este sucedeu o sogro na direção do Instituto. Com a Proclamação da República parece que conseguiu seu intento. assinado pelo Marechal Deodoro da Fonseca e por Benjamin Constant. b) Instituto dos Surdos-Mudos Existe também um relato publicado em 1887 por Tobias Leite. 17 de Maio de 1890 . móveis. aparelhos e estampas que enriqueciam seu museu escolar."Na escolha do ofício ou arte a que o surdo-mudo deve aplicar-se. (* Algumas instituições existentes ainda hoje lançam mão apenas dessas duas áreas de treinamento)."Em geral.expressamente habilitado na Europa. apenas do sexo masculino. globos e mapas geográficos e outras mais. impressor e encadernador. lãs. . Viviam em regime de internato. já existente no final do século XIX. e era escriturada nas cadernetas individuais de cada aluno. são indústrias que muito lhe convém". "os que não se deixam levar pelas exterioridades e encaram as situações pelo lado utilitário entendem que o objetivo da educação dos surdos-mudos é dar-lhes uma profissão de que subsistam nobremente. "meios de locomoção terrestre desde o burro até o trem de caminho de ferro". Ao final do curso cada um retirava o capital somado aos juros. Nenhum deles pagava qualquer tipo de contribuição para ali ser internado e educado. à sua aptidão e até à posição ou gênero de vida de seu pai". para o qual o estabelecimento contava com coleções européias de objetos. calçados. instrumentos. à localidade em que tem de residir. para dá-lo aos surdos-mudos nas condições de recebêlo". meios de navegação. materiais para construção. Princípios básicos da programação do Instituto já eram bem estabelecidos e de certa forma bem aplicáveis para nossos dias. A maior parte desse material fora trazido da Europa. o autor da obra aqui analisada fazia algumas considerações quanto à futura vida profissional do ex-aluno surdo-mudo. Numa orientação aos pais e à sociedade em geral. utensílios para a vida nas cidades e nos campos. as artes e ofícios convêm mais aos habitantes das cidades e a agricultura aos dos campos"."É inquestionavelmente de máxima importância e conveniência que o surdo-mudo tenha um ofício. ."Os ofícios de carpinteiro. pedreiro e outros que exigem comunicações simultâneas com o trabalho. de Leite). convém atender-se à sua constituição física. oleiro. cidade ou pequenos povoados. correeiro. . não lhe são tão convenientes". A educação profissional mantida pelo Instituto dos Surdos-Mudos do Rio de Janeiro era dada em oficinas de sapataria e de encadernação. chapeleiro. c) Asilo dos Inválidos da Pátria .. embora tivessem sido formulados há cem anos atrás: .. . habitações. Sapateiro. ou arte de que subsista". Havia nesse Instituto ensino da linguagem escrita. O rendimento pela venda dos produtos era dividido em 2 (duas) partes: uma pagava o custo do produto e a outra era recolhida à Caixa Econômica. alfaiate. instrumentos de caça e pesca. Nesse Instituto eram admitidos alunos entre 7 e 14 anos de idade. E dentre as orientações mais interessantes cumpre destacar as seguintes: . torneiro. sem qualquer distinção de tratamento ou de instalações entre garotos ricos ou pobres."Das artes e ofícios devem ser preferidos os que podem ser exercidos em qualquer parte. como era costumeiro em quase todas as áreas do ensino em todos os níveis. e habilitá-los a comunicar-se com os seus concidadãos pelo meio que lhes for mais fácil e mais cômodo" ("Notícia do Instituto dos Surdos-Mudos no Rio de Janeiro". tintureiro. coleções essas bem completas que cobriam assuntos relacionados a substâncias alimentares. fios para roupas. A Grécia tinha sua organização com o nome de "Tephonomeisda" na cidade de Atenas. em Londres. ao estilo da época imperial. Na Itália existia o Ricovero dei Veterani. apresentando ambientes e circunstâncias que cercaram a criação e principalmente a inauguração de um abrigo oficial (esse o verdadeiro sentido da palavra "asilo") para os soldados que estavam lutando uma guerra sangrenta e muito difícil contra o desafiador vizinho nosso que era o Paraguai. mas talvez correspondessem mais aos bons sentimentos daqueles que haviam patrocinado sua edificação. ou seja. também conhecido como Hospital de Runa. na própria capital Buenos Aires. para a grande maioria dos governantes e da população. "O luxo foi inteiramente banido dos edifícios em que os bravos abrigam-se. nos Estados Unidos da América do Norte em várias de suas unidades federadas. publicado no ano de 1869 pela Typographia Americana. . É um relato bem elaborado. o Asilo famoso tinha 99 metros de frente. Havia outros exemplos. um leitor curioso poderá encontrar nessa interessante obra. Orgulho. às vezes emotivo. que havia sido uma quinta e fora adaptado para os fins acima. reconhecimento patriótico a seus heróis. em Constantinopla. No entanto. ufania. o Invalidenhaus. na cidade de Thyrnan que hoje fica na Hungria. dentre os quais o mais famoso do mundo todo era o "Hôtel des Invalides" (Palácio dos Inválidos) de Paris. de autoria de Manoel da Costa Honorato e intitulado "Descripção Topográphica e Histórica da ilha do Bom Jesus e do Asylo dos Inválidos da Pátria". comiseração. O nosso Asilo dos Inválidos da Pátria. caridade. mas suas obras haviam sido concluídas pomposamente apenas no século XIX. e muito mais. mas também. por 61 metros de fundo e era acabado em mármore. em Berlim. o Uruguay contava com o Asilo de Invalidos na cidade de Três Cruces e a Argentina com o Asilo de los Invalidos. Muito mais perto do Brasil. localizado em Milão. surgiu em nossa terra. Trata-se de um edifício em um só andar. A Áustria já organizara o Kund Iz Invalidenhaus. não só devido a uma necessidade premente da segunda metade do século XIX. pois. mas bastante imponente. segundo Honorato.Outro relato de extrema importância para análise de atitudes predominantes no Brasil Imperial com relação a pessoas portadoras de deficiências diversas é o que se relaciona com o "Asilo dos Inválidos da Pátria". um pouco antes do empreendimento brasileiro. o luxo não é decência". tanto para o serviço militar quanto para atividades da vida civil. que durante o governo de Dom José I (entre 1750 e 1777) fundara o Asilo dos Inválidos Militares. enquanto que na Turquia havia o Malja El-Kuçah. organizado e inaugurado pela princesa Dona Maria Francisca Benedicta. como o Chelsea Hospital. entretanto. Luís XIV mandara edificar esse monumental abrigo para soldados desde o século XVII. Muito mais próximo à cultura brasileira havia também o exemplo dado pelo reino de Portugal. junto à igreja de Atocha. destinada ao abrigo e à proteção dos soldados brasileiros mutilados em guerras ou em operações militares. alguns lances literários e pouco práticos sobre integração à família e à sociedade. A idéia da criação do Asilo dos Inválidos da Pátria encontra vários similares na Europa do século XIX. em Madri. o forte orgulho de uma jovem Nação do Novo Mundo que não pretendia ficar muito atrás das nações civilizadas da Europa. Só a título de curiosidade. curioso. era composto de edifícios mais simples do que aqueles que Luís XIV mandara construir para seus soldados. e que poderiam voltar para o Brasil doentes ou incapacitados. emoção. interesse genuíno. nota-se nas entrelinhas de crônicas da época um outro motivo. A Espanha mantinha o conhecido Cuartel de Invalidos. Esta organização. as Soldier's Homes. por uma questão de gratidão e de justiça para com os jovens soldados feridos ou "inutilizados" para a vida militar e talvez até para a civil. Eram empreendimentos puramente militares e de questionável qualidade. repiques de sinos e salvas". quando o Brasil se empolgava numa resposta efetiva a provocações e a incursões paraguaias e marchava para a guerra. lutavam abertamente contra o inimigo. não se omitindo. numa festa engalanada e completamente dedicada aos heróis mutilados ou paralisados na guerra contra o Paraguai. e também por falta de experiência e de conhecimento de causa.Analisemos. "Escolheu o lugar que melhor lhe pareceu para que os inválidos tivessem liberdade sem obstáculos da massa popular e gozassem de melhor clima. que muitas vezes transparecem no linguajar inflamado e colorido do autor. recebera um pormenorizado regulamento para seu funcionamento e para que um soldado fosse ao mesmo admitido. por doença. foi aclamado seu presidente nato o nosso Augusto Monarca o Senhor Dom Pedro II". nenhuma dessas medidas havia sido implantada. também presentes estavam todos os seus ministros de estado. de seguir pessoalmente as providências necessárias. ou no conteúdo dos documentos e dados transcritos na mesma obra. Já em 11 de março de 1840 Dom Pedro II havia criado na corte brasileira e nas Províncias do Pará. criara-se nas imediações da corte brasileira um asilo de inválidos que. O imperador deve ter apreciado muito a idéia. pouca gente era ali recolhida. Conta-nos Honorato que "às 9. ordem e asseio. asilos para receberem soldados incapacitados para o serviço militar. "Sem disciplina. O fato é que louvou os planos todos e nomeou um delegado seu para a missão. O Asilo foi construído numa pequena e muito aprazível ilhota conhecida como a ilha do Bom Jesus. E Dom Pedro II. alguns pontos desse precioso documento para nele buscarmos indicativos do modo de ver a pessoa deficiente e das atividades dominantes. Todavia. Em 30 de novembro de 1841. as autoridades eclesiásticas e também os oficiais de navios de guerra americanos. No dia 25 de fevereiro de 1865. que de todas as partes se ouvia. franceses e espanhóis que com a sua presença demonstravam apoio formal à causa . aniversário de nascimento de sua filha e herdeira do trono brasileiro. apesar dos esforços e dos investimentos para garantir no Brasil os indícios de civilização no estilo europeu. Dom Pedro II mandou ali recolher também os marinheiros deficientes. que talvez tenha até brotado de seu espírito estudioso e interessado ou de algum colaborador recém-chegado do Velho Mundo e conhecedor das experiências ali mantidas. o corpo diplomático em peso.Thereza Christina. a Princesa Isabel e o Conde d'Eu. porém. em plena Baía da Guanabara. a Princesa Isabel. pois por um Decreto de 1843. o corpo consular. ou em vias de baixa da ativa. inaugurou o Asilo no dia 29 de julho de 1868.. a fim de que não houvesse retardamento. Pelo que se pode deduzir. deixando tudo. os filiados.30 horas era recebido Sua Majestade o Imperador ao som do Hino Nacional. segundo Honorato. diretores e membros mais proeminentes da Comissão da Praça do Comércio do Rio de Janeiro reuniram-se no Palácio Imperial e. também por Decreto Imperial. mandou fundar os edifícios e ativou aos trabalhadores. Com ele estavam a Imperatriz Da. animando-os com sua presença quase diariamente". eram essas companhias mais centros de distúrbios e focos de vícios do que asilos protetores de mutilados da pátria". Rio Grande do Sul e Mato Grosso. ansiosos para colaborar de alguma forma com os esforços do governo e dos homens que. resolveram defender a idéia de angariar fundos e tomar providências para criar um "asilo para os que se invalidassem pela pátria".. por deficiência ou por idade. A idéia da criação do Asilo não foi novidade no Brasil. porém. graças a uma Resolução da Assembléia Geral."e em sessão solene desse mesmo dia 25 de fevereiro. ingleses. da Marinha Brasileira.. como não podia deixar de ser. e certamente muita gente vibrou com o foguetório. E. ". ao notar a finalização das manobras de atracação do barco que trazia o Corpo dos Inválidos. os heróis assim recebidos. a todos os que desembarcavam dava a mão.. 1 coronheiro. foram os que viram para sempre a estrela fagueira. 6 cornetas. "com sua Imperial família e sua corte pôs-se no lugar do desembarque a fim de receber os infelizes que eram objeto da solenidade". a aglomeração do povo. tudo eles expuseram. Bandeiras tremulavam por todas as partes. rico em tudo. com a "pompa e circunstância" toda que fora armada na ilha do Bom Jesus. havia sido provisoriamente instalado na Ponta da Armação. e. e no dia da inauguração do Asilo correspondiam a "29 oficiais. como podemos notar nas entrelinhas de alguns documentos transcritos no livro de Honorato que aqui estamos analisando. da indústria. 7 músicos. Os inválidos são pobres. e por atos de tanta generosidade são credores de tudo quanto em seu favor se possa fazer". por amputações ou por doenças sérias.segundo relato da época . . desaparecer". o Brasil.010 soldados e 1 tambor". será também nobre de sentimentos. a fadiga do cansaço. quase todos mutilados ou sem maiores possibilidades de atuar no serviço militar ativo. no mesmo lote de doentes e deficientes do exército brasileiro. que lhes acenava para o futuro.e não tinham qualquer chance de receber da sociedade brasileira do final do século XIX muita coisa. "havia também 42 prisioneiros paraguaios nas mesmas condições físicas". quebrou o protocolo e dirigiu-se à prancha de desembarque. porém. porém. em seu traje de gala. e a Imperatriz parecia atravessada por tantas setas quantos eram os mutilados que passavam". 1. enfim... arcos triunfais estavam montados desde o cais até a capela onde seria cantado um solene "Te Deum" e todos estavam colocados em alas para a passagem dos"mutilados de guerra". o Brasil já não deve estar tão atrás da civilização. O Corpo dos Inválidos era composto de oficiais.. é verdade. Pela narrativa de Honorato. Todos eles estavam voltando da frente de batalha contra os paraguaios e recebiam .o carinho de seu Imperador e de toda a multidão presente. E deve ter sido comovente também à família imperial. a não ser talvez compaixão. ajudava-os a subir a escada de desembarque e recomendava aos demais que facilitassem-lhes a passagem. a demora do desembarque não o incomodaram.pelo menos naquele dia . "Os raios do sol. A chegada do Corpo dos Inválidos. são nobres. havia muita gente representativa do comércio. parece que foi muito comovente ao Imperador que tanto havia acarinhado aquele projeto e que tanto apreciava o sacrifício feito pela Pátria Brasileira. durante a guerra contra o Paraguai. Num comentário empolgado Honorato analisa com ênfase o sentimento brasileiro naqueles exatos momentos: "Quando pensaram nossos antepassados que o Brasil possuiria um estabelecimento tão importante. que transmitirá às gerações vindouras a idéia do verdadeiro reconhecimento aos que por ela sacrificaram-se? Pois bem. eles deram em favor da pátria tudo quanto tinham. 67 sargentos. Esse corpo de soldados prejudicados por ferimentos graves. como era conhecido o grupo de oficiais e soldados mutilados. E eram todos pobres . a saúde. com o semblante risonho. foram os bravos que regaram os campos de batalha com o sangue de suas veias. ajudando-os em seu caminho.. sob salvas de palmas e vivas misturados a marchas militares. O próprio Imperador. com o repicar dos sinos. na manhã ensolarada da baía da Guanabara. "eram infelizes" e à Pátria restava amenizar seus dias para viverem em paz. 239 cabos e semelhantes. cadetes e soldados. a vida. O Imperador brasileiro.brasileira. Aqueles homens foram os que inutilizaram-se pela Pátria. das corporações e muito povo. E havia mais . aliás. seguindo paralelo ao antigo convento.Mas vale a pena conhecer um pouco do cenário da festa toda. O Asilo dos Inválidos da Pátria estava localizado na ilha do Bom Jesus. o da direita continha em seu andar térreo as oficinas destinadas às atividades dos asilados. sob a responsabilidade do Capelão.e eram remunerados pela atividade . O pavimento superior servia para recreação e lazer dos asilados. fica bem claro que tanto os oficiais quanto os praças considerados como inválidos poderiam exercer no Asilo os empregos que seriam compatíveis com suas forças físicas . se quisesse integrar-se na sua própria comunidade. conforme suas aptidões e forças físicas". quem sabe. cumpre destacar que não era vedado ao internado trabalhar no próprio Asilo e ganhar algum dinheiro extra. nas quais os soldados ali recolhidos eram de certa forma "obrigados" a atuar. desde logo principia a ver os edifícios que constituem a encantadora vista do Asilo dos Inválidos. deviam contribuir com a metade do soldo de sua reforma.alguns dos que eram casados poderiam viver com suas mulheres e filhos. havia outro prédio para abrigo de outras companhias de "inválidos". tanto de horta quanto de oficinas. sendo até possível às mulheres trabalhar no próprio Asilo com as irmãs de caridade. Terreno havia bastante na ilha para hortas e para diversos tipos de plantação mais extensa. Cremos não ser muito de espantar essa autoridade para obrigar os soldados a fazer isto ou aquilo. cada soldado ou oficial ali recolhido por invalidez ou doença deveria contribuir para as despesas do estabelecimento com as pensões que recebiam do Tesouro Nacional. no que se referia aos da horta. Na realidade.referiase a dois edifícios. No entanto. em quartos próprios. um servia para cozinha e como refeitório.o da esquerda do cais . a aquisição de conhecimentos profissionais suficientes para o individuo poder deixar o Asilo. Na verdade. obrigatoriedade de participação e de colaboração também nos aspectos financeiros. pois só no dia da inauguração o Corpo dos Inválidos contava com aproximadamente 1. cercados todos da bela verdura que orna esta aprazível ilha. vê uns à beira da praia entre dois elevados morros. e a descrição de Honorato é esta: " . que já na fase de planejamento havia sido considerado. portanto. por exemplo.500 homens. um em cada lado do ancoradouro. O próprio Regulamento do Asilo diz: "Compete ao Comandante do Asilo: . Veja-se. . os que não recebiam pensões. Mais para trás e para o interior da ilha. e com suas imponentes perspectivas atraindo a atenção de quem para aí se dirige".. Havia. O outro edifício . enquanto que no inferior residiam as irmãs de caridade que eram as responsáveis pelos serviços de enfermagem da entidade. Havia na ilha também um antigo convento franciscano que o Asilo utilizava como escola primária para os asilados. uma vez que o Artigo 8º das Instruções para o Asilo diz muito claramente: "O Asilo fica sujeito ao regime e disciplina militar".. o Regulamento estabelecia que eram todos destinados ao proveito do estabelecimento. O andar superior do primeiro prédio era destinado apenas a uma espécie de museu militar. o fator ocupação e. Dos edifícios localizados nas elevações. nas oficinas. permitido pelo Regulamento. E. por exemplo. por serem idosos. como era. pelo Regulamento já indicado. Pelo Artigo 19. como em vários projetos similares europeus.era também de dois andares e servia para enfermaria e acomodação dos mais doentes no andar superior. havia também o local onde se abrigavam os prisioneiros paraguaios.6º Obrigar os inválidos a que trabalhem na horta.irreconhecível no Rio de Janeiro do século XX . de acordo com sua capacidade física. a "aprazível vista" . Quanto aos produtos.. separado de todos. Algumas frases do jornalista serão suficientes para que compreendamos a fraqueza da organização e a debilidade do interesse. afirma textualmente: "É hoje na velha Europa questão duvidosa a eficácia dos asilos para os inválidos.Quanto aos da oficina. dois terços destinavam-se aos indivíduos que os haviam produzido e uma terça parte era creditada em favor do Asilo. porém. então.. Seu relato. Mas. E continua o interessante relatório: "Que o inválido deve ser livre em recolher-se ou não ao asilo é questão que nos parece liquida e jamais pensamos que.talvez bem pior do que isso. Nem o Império soubera manter o Asilo dos Inválidos da Pátria. dez anos de República. sustentando muitos a preferência de se deixar o inválido livre na escolha de sua moradia e trabalho. .. com a presença de Dom Pedro II.. Senhor General Santiago. Terminada a guerra contra os paraguaios e os envolvimentos brasileiros em ações armadas. ou seja.há mais de um século atrás: "O inválido da pátria que aqui vier descansar à sombra de seus louros. Efetivamente eram justas e mereciam ser de pronto sanadas. terminou também a euforia e o projeto caiu no rápido esquecimento do governo e do povo.. a julgar pelo estado cada vez mais deplorável em que se acham aqueles servidores da pátria. Era Ernesto Senna. "Repetidas queixas chegaram à redação do Jornal do Comércio sobre o estado de abandono em que se achava o Asilo. idéias que já brotavam naquelas épocas em ambientes mais cultos e seletos . resolvemos hoje publicar . não. terá ainda o honroso direito de tomar parte na vida ativa da sociedade: o seu trabalho continuará a enobrecer sua existência".. Repugnava-nos. Tantas foram elas que há tempos enviamos à ilha do Bom Jesus um nosso representante para "de visu" conhecer a realidade das queixas. em seu relatório datado de 31 de agosto de 1869. de tantas autoridades e dos beneficiários do novo Asilo. Logo após a proclamação de nossa República. A burocracia ministerial acabara deformando o empreendimento. amigos da vida social ou da família. dar publicidade minuciosa do estado do Asilo. Essa liberdade de vida e esse amor da família não dispensa a criação do asilo. em cores muito vivas e realistas. o sonho não durou muito tempo. No ano de 1899. embora ali se veja obras soberbas para esse fim. encontramos palavras que representam vislumbres de total compreensão daquilo que é integração social. criando o asilo.. A sorte dos mutilados de guerra passara a ser problema deles mesmos. recebendo do estado a pensão e socorro que as leis criaram ou criarem". como o dos Campos Elíseos em Paris e do Greenwich em Inglaterra. contando com as providências que se esperavam fossem tomadas pelo Quartel Mestre General. e que assim preferirão a mais humilde choupana ao mais deslumbrante palácio. a situação na ilha do Bom Jesus já estava péssima. nem a nova República por ele se interessara. Presidente da Comissão Central da Praça do Comércio do Rio de Janeiro. um ano após a inauguração do Asilo. deixa-nos a sensação de um sonho desmoronado . Como. José Joaquim de Lima e Silva. se faça dele uma morada forçada para o inválido e principalmente quando atendendo para o caráter dos nossos homens vemos que eles são essencialmente e em grande número. que será sem dúvida procurado por muitos que nele acharam os cômodos que não podem encontrar em outra parte e para quem o sentimento ou o amor da família não e dominante". que havia visitado o estabelecimento e que mostrava-se interessado em melhorar a situação dos inválidos ali recolhidos. contanto que ali encontrem o prazer da família que aqui não podem ter. fossem improfícuas as medidas tomadas. um jornalista resolveu tirar tudo a limpo e foi à ilha famosa. Do esmerado sermão proferido na cerimônia religiosa de 29 de julho de 1868 pelo Cônego Joaquim José da Fonseca Lima. ." . Ela foi inserida nos imensos trabalhos de aterro da ilha da Cidade Universitária.. que ameaçam ruínas" . todos pertencentes ao Estado. pois. Galqando a escada da ala direita. . apenas existe uma meia dúzia em ruínas. Não tem o Asilo mesas dignas de figurarem no refeitório. . precisam de guarnições e de pronta pintura". está no pavimento térreo do alojamento dos casados e consta de um grosso paredão de tijolos com 36 bocas. "Latrinas foram colocadas nos alojamentos unicamente por luxo.. Os inválidos construíram à sua custa.. apesar de serem de mármore.... imundas.... "Velhas camas de ferro enferrujado.."dos 46 prédios que existiam em 1869. Sua área original. Reformas muito sérias foram empreendidas e alguns dos edifícios em piores condições foram demolidos e substituídos. porque as duas que vimos. orgulho de um Brasil progressista. O capim cresce com abundância e o local que se prestava para um belo e formoso jardim apenas ostenta vistosas palmeiras enfileiradas em frente do edifício enegrecido pela ação do tempo.. e isto mesmo em péssimas condições" ..as notas que colhemos em uma recente visita.. depois de uns ligeiros reparos que foram feitos no edifício. por toda a ilha.. onde habitam com suas famílias.. já por falta de acomodações no Asilo.. graças ao abandono e à indiferença. . A ilha do Bom Jesus não existe mais. É nesta ala do edifício que se acham os quartos reservados aos oficiais" . apenas 30 anos após a festiva inauguração do Asilo dos Inválidos da Pátria.. No entanto.. as pontas e contornos das ilhas do Fundão e do Bom Jesus permaneceram inalterados. no segundo pavimento.. pois que não existe encanamento para o serviço das mesmas. . . após os prédios relacionados à agronomia. "Logo ao desembarcar na ilha notamos o abandono em que está a instituição acobertada com o pomposo título de Asilo dos Inválidos da Pátria. deixando à mostra os montantes laterais do estuque sem reboco e os ferros azebrados pela umidade que se escoa pelas paredes e onde existem faltas de táboas. pertencente ao . precisará saber o seguinte: 1.. "O estabelecimento não fornece ao oficial nem um acessório de cama ou de quarto.. que os heróis mutilados ou gravemente enfermos vindos da Guerra de Canudos para lá foram encaminhados no ano de 1897/98. sente certa opressão ao reparar nas escadas velhas.. com as molas partidas e sem táboas e sobre elas colchões imundos e travesseiros que reclamam de muito um lugar na ilha da Sapucaia". No entanto. 36 casinhas (ranchos). o visitante sente as exalações das imundas latrinas sem água. que eliminou algumas ilhas e as uniu num bloco só.. O artigo de Ernesto Senna entra em pormenores suficientemente claros quanto ao estado de coisas.. Se o leitor desejar conhecer algumas das instalações do Asilo dos Inválidos da Pátria. sem tampas e sem a menor atenção aos preceitos de higiene. pela falta de pinturas e de consertos externos e internos".. "As praças não têm um banheiro e o fogão para as que tem família é comum... A antiga ilha do Bom Jesus fica ao sul. sem portas. "Mas quem transpuser a entrada principal de uma ou outra ala do edifício. embora ligados à ilha principal da Cidade Universitária. de maneira que para lavar o próprio rosto é preciso que comprem bacia" . . já para evitar a morada em velhos pardieiros. Tanto é verdade que o Governo Republicano com ele se preocupava. o que escapou ao arguto jornalista é que o Ministério da Guerra já iniciara providências muito sérias para a devida recuperação do Asilo. A igreja do Bom Jesus. a medicina . Existem alguns prédios originalmente inaugurados por Dom Pedro II. foi desativado no ano de 1976. olhando a baía da Guanabara há mais de dois séculos.e por que não o dizer. 2. Esse incremento não ocorreu apenas em razão de uma filosofia social mais voltada para a valorização do homem em alguns países mais proeminentes. tem na frente tres arcadas. os dois edifícios são vistosos. sendo ministro da guerra o conselheiro João Lustosa da Cunha Paranaguá. no alto de uma elevação. Há alguns descendentes dos "inválidos" nela instalados no final do século passado. Lá dentro estão enterrados os restos mortais do Marechal Osório. e de vários outros soldados que ficaram mutilados em operações militares mais recentes. A linda igreja do Bom Jesus lá está.Pedro II. pintados e limpos.. Além de se beneficiar dessa tendência geral. sem alterações em sua forma original. durante todos os anos até agora vividos do século XX. é ocupada pela Cia. Segundo informações obtidas no próprio local. o visitante deverá ficar atento para o fato de que o Asilo dos Inválidos da Pátria não funciona mais. erigio-se este edifício em 1868.. uma para o lado direito e outra para o esquerdo". 3. quanto forão aquelles que o faustoso Luiz XIV fez edificar para os seos soldados. verá que se trata de uma "ilha" de contornos agradáveis. no alto deste môrro não podia ser edificada em melhor posição. em todos os campos. no patamar da qual. mas também devido ao engajamento de muitos setores da sociedade no bem-estar comum . fronteira à porta. . houve um incremento substancial de assistência a pessoas portadoras de deficiências no mundo todo. Mesmo nos países sub-desenvolvidos. após restauração bastante significativa. portanto. após sua festiva inauguração por Dom Pedro II. com uma escadaria de sete degráos de pedra. De fato. ao estilo da época. não tão elegantes. . e muito sólidos.D. muitas áreas receberam o impulso no sentido da modernização e do avanço técnico. E terá a surpresa de encontrar quase que exatamente o que é descrito por Honorato em 1869 quando diz: "Collocado em frente ao desembarque o visitante vê dous edifícios. no alto de um pequeno morro. vê-se gravada em uma pedra mármore a seguinte legenda: No reinado do Sr. e uma porta que dá entrada para o interior". E se o leitor chegar até lá... além de residências de militares e funcionários civis do Ministério do Exército. em conseqüência dos evidentes progressos das ciências e suas aplicações práticas. A igreja também está intacta.Exército Brasileiro. E é exatamente isso que o visitante interessado lá irá encontrar. de Comando da Primeira Região Militar. Elevada a uma altura proporcional. Estão atualmente muito bem conservados. ... como diremos. "Passemos agora à igreja. "Sobe-se por uma espaçosa escada com os corrimãos e balaústrês envernisados.Dahi partem duas escadas em sentido inverso à primeira. 107 anos. sobre as quaes vê-se outras tantas janellas que ficão no côro da mesma igreja. No entanto. fundada em 1705. mas tão singelos quanto podem ser os bons sentimentos daqueles que os fizeram fundar". ocupados pelo Comando da Companhia ali sediada. CAPÍTULO SEXTO O SÉCULO XX E OS CAMINHOS DA REABILITAÇÃO NO MUNDO Como em quase todas as áreas de atendimento à população mais pobre. Além disso. desde a época da Renascença. Os avanços cada vez mais acelerados da medicina começaram a surtir efeitos surpreendentes. a atenção para com as crianças portadoras de deficiências físicas foi se concentrando efetivamente em seu melhor cuidado e em sua educação especial. procurando resolver os seus problemas básicos de vida. Em várias das nações mais civilizadas do mundo ocorreram nesses períodos de pós-guerra melhorias consideráveis nos sistemas de bem-estar social. O mundo comercial e industrial muito colaborou . levaram a grandes programas assistenciais de caráter internacional. e a troca mais fácil de experiências devido aos meios de comunicação mais penetrantes e convincentes. de fiscalização de alimentos. mas em especial devido a duas guerras mundiais e várias outras de âmbitos mais restritos que assolaram o mundo. A crescente migração de segmentos populacionais deslocados ou tangidos pelo sofrimento das guerras e suas conseqüências amedrontadoras.progrediu muito também em todos os seus setores especializados. na ortopedia e na traumatologia . pelos doentes e pelos mutilados nos conflitos. começou a ser de fato implantado em diversas entidades. Esforços especiais foram criados para lutar pela normalização da vida desses grupos populacionais vítimas das atividades de guerra. Princípios já defendidos há séculos na Europa. mais conscientes de seu papel na garantia do bem-estar de todos. algum treinamento profissionalizante. da assistência para prevenir o abandono e a criminalidade. às atividades totalmente voltadas para a saúde publica. Além da simples proteção. O humanismo filosófico. não tivessem atuado com eficiência na implantação de melhores sistemas de tratamento de água. aumentando a expectativa de vida. as imensas dificuldades encontradas pelos refugiados. foram efetivamente melhor definidos e postos em prática no início deste século. por outro lado. de um modo todo especial. à assistência pública. reduzindo o número de mortes por acidentes ou por doenças. Antes dos conflitos armados. à promoção social e também. E com ela vieram outras ciências e outros grupos de profissionais ou de voluntários interessados e muito vinculados a uma população de classe média politizada e mais consciente da necessidade de beneficiar a todos os que precisavam de ajuda. os serviços públicos. levou a todos os quadrantes do mundo novas tecnologias e novos sistemas para análise e tratamento dos problemas sociais. numa sociedade produtiva devidamente reconstruída. e da educação. Os problemas múltiplos de grandes contingentes populacionais desabrigados ou simplesmente desalojados pelas ações destruidoras da guerra. no que concerne às medidas relacionadas diretamente aos portadores de deficiências de países mais evoluídos. de vacinação contra males contagiosos e muitos mais. de tratamento de esgotos. sem dúvida que ajudou na ênfase a ser dada a esse grupo marginalizado. Esses resultados não teriam sido viabilizados se. desde a primeira década do século. tais como na cirurgia ortopédica. chegando ao seguro social. o contato direto com elevados contingentes de população que apresentavam problemas especiais teve como conseqüência melhores e mais precisas providências de ordem prática para o encontro de soluções que incluíam a completa reintegração dos mesmos à vida normal. porém. diminuindo a taxa de mortalidade e morbidade infantil e quase extinguindo as epidemias avassaladoras. em constante ascensão. para o atendimento de órfãos e de crianças carentes e deficientes. e ao seguir os seus princípios fundamentais. a orfandade e o abandono quase que generalizados. a medicina mais especializada encontrou o caminho ideal para um completo engajamento.áreas que mais nos tocam neste estudo .devido a muitos fatores. através do qual a criança ao chegar à idade adulta poderia obter meios para sobreviver. o método oral de comunicação foi combatido pelos seguidores do método de comunicação por sinais. especialmente nos campos da educação. que desde seus primórdios tem procurado levar para uma atuação de cunho técnico velhos e superados conceitos muito diluídos e por vezes até desacreditados de toda a área correspondente ao bem-estar social situação que mesmo ao final do século XX persiste em muitos países do mundo em desenvolvimento. enquanto que outras. . O Dr. de proteção aos velhos. mais de 20 instituições destinadas ao exclusivo atendimento de pessoas que apresentavam problemas de deficiências físicas já existiam. com carradas de razão já afirmara certa vez que "a medicina adicionou alguns anos à vida do homem. dentro do século XX. Por exemplo.Bernard Baruch. No mesmo ano. nos Estados Unidos. que brotara nos Estados Unidos. Vejamos alguns dos pontos mais relevantes dessa evolução toda nos programas de assistência às pessoas deficientes. como as de ajuda aos pobres.era o Congresso Mundial dos Surdos. em 1904 ocorrera já a organização da Primeira Conferência sobre Crianças Inválidas. a garantia de certa dose de qualidade de vida. mais modernas. que havia aprovado uma resolução incentivando programas de preparo das crianças institucionalizadas para sua futura integração na sociedade (Apud Agüero). chegando ao ponto de assegurar a vida aos casos antigamente considerados como fatais. como das atividades civis . Profissões voltadas para o atendimento aos problemas de pessoas em dificuldades foram surgindo e se fortificando. entre muitas. que tentava com isso aquilatar a extensão do problema. . o chamado "oralismo" foi seguido por escolas particulares e por semi-internatos. causou na Europa um movimento bastante dinâmico e coerente. nos Estados Unidos. No entanto. De outra parte. havia também sido organizada a Primeira Conferência da Casa Branca sobre os Cuidados de Crianças Deficientes. ou mesmo dos primeiros anos do século XX. combinando sua . e aumentando a expectativa de vida ao homem idoso. de assistência à criança desamparada. a ajuda a pessoas deficientes . em Londres. ou seja.começou a se firmar em bases novas. e agora depende da educação adicionar vida a esses anos". Nesse conclave.não só as provenientes das fileiras militares.*O panorama europeu da assistência a deficientes no início do século* Entre os anos de 1902 e 1912. seguindo a mesma tendência de dar cada vez maior atenção aos portadores de deficiências. incorporando-se a vários empreendimentos vindos do século XIX. foi organizado um primeiro congresso destinado a estudar todos os problemas das pessoas surdas . um primeiro censo de pessoas deficientes foi levado a efeito na Alemanha. em razão da inegável valorização do ser humano. Nesse contexto é interessante ressaltar o delineamento de profissões como a do serviço social (que muita gente até hoje chama de "assistência social"). na cidade de Saint Louis. em acréscimo às campanhas e aos levantamentos de dinheiro que já vinham ocorrendo para causas anteriormente absorvidas pela sociedade. a fim de dar condições essenciais para o homem progredir.. Esse novo tipo de ênfase no atendimento. Mas a medicina sem dúvida que antecedeu no atendimento ao portador de problemas incapacitantes ou de lesões conseqüentes a doenças graves. por iniciativa de Bielaski. algumas delas como verdadeiro desdobramento da medicina. na Europa. levantando fundos e fazendo campanhas para garantir sua manutenção e para incrementar sua causa. No ano de 1909..*EUA: um primeiro congresso mundial de deficientes auditivos* No ano de 1904.também para definições mais precisas daquilo que era preocupação de todos. na Grécia.mesmo que separado. a Widener Memorial Training School for Crippled Children.*A gradativa implantação da reabilitação* O desenvolvimento de atividades coordenadas que chegariam a ser genericamente reconhecidas como "reabilitação" (e não apenas um nome de centro. criava-se a Primeira Comissão Estadual para o Cego. Não se dedicava ao problema geral das pessoas deficientes nem se preocupava com problemas de ordem médica ou social que elas pudessem apresentar. da cidade de New York. haviam também dado passos importantes ao finalizar o século XIX e iniciar o século XX. por meio de professores da Escola de Horace Mann. . até hoje mundialmente famosa.*As tentativas iniciais para a solução do problema de trabalho* Em 1907 surgia na cidade de Boston a Goodwill Industries. Essa organização foi uma iniciativa da Igreja Metodista. tornando-se posteriormente dela desvinculada e sem qualquer cor religiosa. como o de Cleveland à época de sua fundação. o primeiro Estado norte-americano a fazer uma provisão específica para tal fim foi o Estado de Minesota que em 1897 já havia feito uma dotação para assistência a "crianças defeituosas" e com necessidade de tratamento médico. cuidando a Goodwill Industries de vender todos esses artigos por preços muito módicos à população mais pobre. a par com muitos esforços do continente europeu. baseada na experiência localmente acumulada por pessoas interessadas no problema. Essa velha escola é hoje conhecida como Centro de Educação e Reabilitação. No campo da assistência a deficientes mentais. Dedicava-se intencionalmente aos aspectos de envolvimento da pessoa deficiente em atividades de trabalho remunerado . destinada a implementar programas pela primeira vez financiados pelo governo federal. O plano original era dar às pessoas deficientes sem emprego ou sem qualquer rendimento.. e pelo ano de 1914 classes . no Estado de Masachussets. sapatos. na pequena cidade de Kallithéa. quase que conseqüente à impotência dos médicos Face à multiplicidade de problemas que afetavam diretamente as pessoas mutiladas ou portadoras de outros tipos de deficiências. como viria a ser conhecido.*Implantação de serviços de naturezas diversas* Foi também no ano de 1906 que. isolado das outras empresas. móveis descartados como velhos e outros artigos. institucionalizado ou "protegido". no ano de 1908. Foi exatamente por essa época que Helen Keller recebia suas primeiras lições de linguagem falada. surgiu uma primeira escola para cegos. Programas equivalentes para surdos e também para cegos espalharam-se pelo país todo. uma das mais importantes do gênero durante muitos anos. no Estado de Pennsylvania. Focalizando o ângulo de treinamento para o trabalho melhor definido e qualificado. surgiu no ano de 1906. criando organizações de atendimento a deficientes mentais. Mas as primeiras organizações norte-americanas a estudar o problema geral das pessoas com deficiências e desse ponto partir para programas destinados à melhoria de sua condição física e social foram a Fundação Russel Sage e o Bureau do Deficiente da Sociedade Organização de Caridade.). com as iniciativas de Horace Mann e Samuel Howe. . Já fazendo parte de um programa de assistência ampla a pessoas deficientes e que logo se transformaria num esquema de reabilitação. nos Estados Unidos. Enquanto isso.. aconteceu lentamente e sua implantação foi um tanto indecisa. E isso ocorreu logo após a Primeira Guerra Mundial. uma oportunidade de ganhar a vida pelo recondicionamento de roupas. os Estados Unidos. .técnica com a dos sinais. que foi criada em 1919. o Saint Dunstan's Hostel for the War Blinded foi organizado e iniciou seus valiosos serviços. com o volume de pessoas mutiladas. se fossem ocupadas. de cuidados médicos. New York e também em Philadelphia. os problemas das deficiências eram tão generalizadamente conhecidos que muitos esforços isolados existiam. . onde. uma entidade que desempenharia no futuro da reabilitação um dos papéis mais marcantes: a chamada Red Cross Institute for the Crippled and Disabled Men. precisa e objetiva. fazia e faz até hoje parte desse direito. mais tarde redenominada de Institute for the Crippled and Disabled. A prioridade para obtenção de empregos na área civil. surgiu nos Estados Unidos. Também devido aos seus muitos envolvimentos em guerras. Hoje é conhecida essa organização como ICD Rehabilitation and Research Center.*Surge a "Easter Seal Society"* Enquanto essas necessidades começavam a ser cobertas em vários países. . apesar de todas as dificuldades econômicas e sociais causadas pela guerra que assolara o mundo. Como conseqüência da guerra que eclodira no continente europeu.*Os esforços de pós-guerra* Após o ano de 1918. no ano de 1917. acidentadas. todo militar ferido na guerra ou portador de uma deficiência devido às suas atividades de soldado e que se tornasse incapacitado para o trabalho civil ou militar. pois muitos esforços foram surgindo para a elas dar todo o atendimento requerido. de aparelhos ortopédicos e de cadeiras de rodas gratuitas. Essa entidade de caráter nacional. Soldados de Colônias de toda a Comunidade Britânica também eram atendidos. os países mais evoluídos aumentaram substancialmente seus esforços para a sua ajuda. passaria a ser de importância fundamental no desenvolvimento de uma reabilitação muito mais técnica. . funções essas que. E como não poderia deixar de ser. Devido ao quase que contínuo envolvimento da Inglaterra em guerras nas mais diversas partes do mundo. por lei assinada em 2/1/1918. existe até os dias de hoje e tem um relevante papel na manutenção de programas os mais variados. Detroit. em Londres. no ano de 1915. Criou-se então a Comissão Central da Grã-Bretanha para o Cuidado do Deficiente. na cidade de New York.muito mais conhecida como a "Easter Seal Society". era criada nos Estados Unidos uma associação já de caráter nacional que. já atendendo a civis. graças à cooperação de diversas outras organizações. não poderiam ser extintas pelo Governo. não só na área militar mas também na civil.especiais com pessoal especificamente preparado existiam nas escolas públicas de Baltimore. de muita influência para definição dos programas de reabilitação foram os esquemas montados para dar assistência completa a soldados que voltavam mutilados de guerras em diversos países do mundo. bem melhor e mais completo do que por meio das tentativas anteriormente adotadas. deslocadas ou refugiadas bem à mostra. ou seja. a Associação Nacional para Crianças e Adultos Deficientes . atendendo os soldados cegos provenientes dos campos de batalha. tendo em vista a necessidade de sua readaptação para o trabalho e sua colocação no mercado competitivo. tinha o direito de inscrever-se gratuitamente numa escola profissionalizante. assim que terminou a Primeira Guerra Mundial. direito de preferência para certas funções no Estado. mas que requeriam uma certa coordenação. Uma lei de 30 de janeiro de 1923 deu aos mutilados de guerra e também às conhecidas como viúvas de guerra. Exemplo interessante disso foi o que sucedeu na França. Impulso dos mais significativos foi dado à reabilitação de pessoas deficientes na Inglaterra. puderem ser exercidos convenientemente" ("Compêndio de Moral Católica".*O Código de Direito Canônico e os bloqueios a homens deficientes* O Código de Direito Canônico continuou mantendo seus bloqueios a candidatos ao sacerdócio católico que apresentassem defeitos. considerado como o Olho do Canon. se o sacerdote conseguir fazê-lo . a irregularidade não é um castigo. os que estão desfigurados por mutilações ou por outra causa (por agenesias de qualquer natureza ou por defeitos causados por males degenerativos). ao analisar o Código de Direito Canônico e jurisprudência encontrada.Por defeito dos pais 4º .. de um modo direto. os que têm corcunda muito grande que provoque riso ou que os impeça de se colocar em posição ereta. Seu Artigo Primeiro fala sobre as Irregularidades por Defeito e indica que existem oito espécies de defeito que podem tornar um candidato impedido de chegar até o sacerdócio: 1º . são "irregulares" aqueles que não têm um dedo polegar ou um indicador. a falta da vista esquerda não caracteriza casos de irregularidade. além dos casos citados mais acima. de Jone-Fox). aqueles que tremem tanto que poderiam "derramar o preciosíssimo Sangue". se o defeito for disfarçado por uma prótese ocular. Quem se torna defeituoso depois de legitimamente ordenado.Por defeito de idade 5º . Segundo a disciplina da Igreja Católica.Por defeito de espírito 2º . As normas relacionadas a defeitos corporais entram em pormenores quanto a problemas de visão. e que não conseguem ficar no altar sem bengala ou muleta. O olho esquerdo. Enquanto a irregularidade é permanente. só pode ser impedido no exercício de suas funções se o defeito for notável. apesar dos defeitos.Por defeito de sacramento 7 º . Dentro dos regulamentos e normas vigentes na Igreja. é necessário para o sacerdote ler o Canon da Missa. Vamos nos limitar. que usam uma perna mecânica ou que estão impossibilitados de usar as mãos. da mesma forma que o faz o Padre João Pedro Gury em sua memorável obra "Compêndio de Teologia Moral". todavia.Por defeito de fama.Por defeito de liberdade 6º. a uma pequena análise dos chamados "defeitos corporais" e seu relacionamento à irregularidade ou impedimento canônico que torne ilícita a recepção do sacramento da Ordem. os que gaguejam de tal maneira que provoquem riso e desprezo. atos que. O Capítulo Segundo do Código versa sobre as chamadas Irregularidades em Particular e analisa em pormenores o assunto. são considerados como irregulares. Não se proíbem. porém. Segundo eles. os casos de surdez que não consigam ouvir a voz do ajudante de um ato litúrgico.Por defeito de mansidão 8º . os que são vítimas de paralisias ou deformações que causem o andar típico de um "coxo". Os mesmos autores enumeram com exemplos pormenorizados os defeitos que tornam um candidato ao sacerdócio "irregular". ou ambos.Por defeito de corpo 3º . Assim. os cegos ou que tenham deficiência visual tão grave que não conseguem ler o conteúdo do missal. os "corporalmente defeituosos que por fraqueza não podem exercer as funções do altar com segurança ou que por deformidade não o puderem fazer com dignidade. mas um dos meios encontrados através dos séculos para preservar a dignidade do estado sacerdotal e para a exclusão daqueles que não tem capacidade ou aptidão para o mesmo. de um modo indireto. o impedimento é transitório. ou o exercício das funções sacerdotais. sua palavra e os atos litúrgicos. .. ou que puder assim permanecer apenas com o uso de muletas ou apoio especial. . só poderá celebrar missa privadamente e nunca em público. Graças a programas parecidos desenvolvidos nos Estados de New York e de Ohio.e fora disso tudo. asilos ou instituições de diversas naturezas. Lembro-me perfeitamente bem quando chegou de volta a paróquia sem o braço esquerdo. desenvolvia todos os atos requeridos .Quem estiver quase cego. segundo Jone-Fox. Ficou muito claro que o que era necessário compreender era que tanto crianças quanto adultos com deficiências necessitavam não só dos cuidados que instituições especiais pudessem lhes prover.) . Celebrava missa. continuou da mesma forma atuante. Colocado o braço artificial. seguindo um exemplo de legislação que vinha sendo promulgada na Europa. o firme propósito de não levar os fiéis a se distrair ou a desconsiderar seus serviços. ainda guiava automóvel por algumas ruas do bairro. mas também de atenção pessoal. . amputado por um tumor maligno. Em diversas cerimônias litúrgicas da Igreja Católica é fundamental no sacerdote poder ajoelhar-se e levantar-se diversas vezes.Nos casos de epilepsia e de psicopatias ocorre também a irregularidade. Na . Isso também é verdadeiro para o sacerdote que sofrer de hanseníase ou doença grave. É evidente que existe nesses regulamentos da Igreja Católica grande preocupação pela aparência física de seus ministros. e de um modo todo especial nos Estados Unidos da América do Norte. durante os primeiros trinta anos deste século. Se um sacerdote ficar completamente cego. dependendo do bispo local ou das autoridades eclesiásticas constituídas a permissão do exercício de suas funções sacerdotais. poderá obter do Papa dispensa para celebrar a chamada missa "de Beata". só poderá rezar a missa com a assistência de outro sacerdote. desde o final do século XIX.sem maiores problemas.*A previdência social e os acidentes de trabalho* As primeiras leis de compensação a trabalhadores que se acidentavam nas atividades industriais aconteceram a partir do ano de 1911 nos Estados Unidos.. (* Quando em meus dez ou doze anos fui "coroinha" de um sacerdote que pessoalmente considero um mártir do câncer: Pe. Ainda para casos de ocorrência de uma deficiência após a ordenação as normas são bastante condescendentes. a irregularidade poderá ser dispensada. não fica proibido de celebrar os atos litúrgicos. houve progressos bastante significativos no cuidado à pessoa deficiente porque mostraram que a solução de seus problemas não dependia apenas de providências na área médica nem de esquemas educacionais mantidos em hospitais. usando o braço mecânico para segurar o cibório na distribuição da comunhão a seus paroquianos. ou a missa cotidiana dos defuntos. em atos de adoração. mas muito mais do que isso. e iniciados no ano de 1917 com a colaboração de comissões locais com a ajuda dos governos estaduais. é básico também que tenha a mão direita para distribuir a comunhão ou para dar a bênção. como qualquer outra pessoa.*Reconhecimento das verdadeiras necessidades das pessoas deficientes* Uma centena de leis que reconheciam os direitos e favoreciam às crianças portadoras de deficiências surgiu em diversos países. Luiz Alves de Siqueira. Vejamos alguns casos: .O sacerdote que não consegue ficar de pé junto ao altar. depois de curados ou de terem o mal sob controle. Quem se torna surdo "depois da recepção das ordens". de carinho. de relacionamento familiar e de um ambiente que possibilitasse alguma participação na vida comunitária. A maioria dessas leis referia-se a cuidados médicos e a programas educacionais. No entanto. ou apresentava-se como de caráter paliativo e muito superficial. Todos os progressos até então feitos para empregar adequadamente as pessoas deficientes acabaram caindo a quase zero. pois abriu uma grande avenida para a compreensão da problemática global das pessoas deficientes e reconhecimento da necessidade de se implantar programas mais abrangentes. como hoje está ocorrendo com órgãos ligados ao nosso sistema nacional de previdência social e vários de seus programas. E nesse movimento todo. especialmente quando mantidos por companhias de seguro e outras organizações privadas. ou eram atingidas por alguma enfermidade grave ou malformação congênita. muito bem recebidos. .verdade essa legislação acabou significando um passo à frente na fixação da responsabilidade que o governo deve assumir face ao problema de deficientes provenientes da indústria. já na década de vinte. Ao se findar a Primeira Guerra Mundial. cujas necessidades de emprego pareciam à primeira vista mais urgentes do que aquelas das pessoas deficientes que sempre haviam sido consideradas como objeto de caridade e comiseração e não tanto como potencial humano sério a ser considerado para o mercado de trabalho fez com que o valor de seu trabalho fosse subestimado. eram vítimas de acidentes domésticos. A enorme avalanche de desempregados que não tinham qualquer deficiência. de trânsito e de outras naturezas. Esta legislação procurou enfatizar soluções de trabalho e descuidou-se excessivamente dos aspectos de recuperação ou de restauração física. quer do Exército. Em 1920 o chamado Fessenyon Civilian Vocational Rehabilitation Act autorizou o atendimento de civis com deficiências físicas. de abrigo ou de compensação por danos sofridos pelos soldados nas fronteiras em litígio aberto ou nos conflitos armados. mas esses programas provaram logo não ser muito eficientes. . a legislação de aposentadoria ou de compensação financeira para os acidentados no trabalho civil foi sendo introduzida com mais regularidade e foi se tornando cada vez mais comum no mundo ocidental. Esses programas iniciais limitavam-se aos acidentados no trabalho. devido especialmente à retração econômica que varreu o país norte-americano. O atendimento às vezes não era nem completo nem adequado. vendo-se as pessoas forçadas a comparecer às atividades programadas para poder receber os proventos a que tinham direito.*A retração dos anos trinta e as pessoas deficientes nos EUA* A década de trinta constituiu-se num período dos mais obscuros para pessoas deficientes.como acontece na década de oitenta em nosso Brasil. o que de fato acabou se definindo como programa de reabilitação profissional. As pessoas que. foi de alto significado. Acabou por se transformar em um dos mais sérios fatores que chegaram a levar muitas nações a aprovar extensos programas de volta das pessoas aposentadas à vida de trabalho. como parte do programa.*A reabilitação de jovens veteranos da Marinha e do Exército* O ano de 1918 foi aquele que viu aprovada a lei conhecida nos Estados Unidos da América do Norte como Vocational Rehabilitation Act. mesmo pelo sistema oficial de seguro social. a experiência acumulada por centenas de empreendimentos de assistência financeira. . Essa lei dava condições de reabilitação para o trabalho a veteranos portadores de deficiências. não podiam ser atendidas em sua reabilitação . de início. ressaltando-se o programa de reabilitação profissional mantido pelo Instituto Nacional da Previdência Social. vindos quer das fileiras da Marinha. e em muitos casos. Benefícios acarretados aos trabalhadores foram. foi uma grande colaboração aos programas de reabilitação. orientação para treinamento profissionalizante. No entanto. sustentando sua própria vida através de um emprego remunerado. com o objetivo principal de manter . voltadas para toda essa imensa problemática legada pela Primeira Guerra Mundial. Estudiosos do assunto "reabilitação" acabaram provocando no início do século o intercâmbio de informações e de sugestões entre todos os que se interessavam pelo problema. um paraplégico por poliomielite. na Presidência do país. Cada esforço novo tem sido sempre inspirado em sucessos de esforços semelhantes ocorridos em países ou cidades vizinhas. assistência psicológica e por vezes psiquiátrica. com aconselhamento para o trabalho. contribuinte à economia geral de um país. eleito em 1932. foi sendo reforçada a impressão que havia de que a pessoa deficiente não precisa nem ser carga pública nem dependente. estabelecendo uma espécie de organização internacional de caráter informal. desde o século XIX. no início do século. Além disso. tanto as mulheres quanto os portadores de deficiências foram aproveitados aos milhares nas indústrias. pois logo ao terminar o segundo conflito. . Ficou evidente que uma pessoa deficiente poderia realizar perfeitamente bem até uma função de natureza executiva de alto nível. já existiam serviços de reabilitação tanto para civis como para militares.*A influência da Segunda Guerra Mundial na reabilitação* Quando a Segunda Guerra Mundial foi deflagrada. Foi a Sociedade Escandinava de Ajuda a Deficientes congregando entidades que atendiam pessoas deficientes na Suécia. participante na formação da riqueza nacional. Dessa época de anos difíceis do pós-guerra é que foram se definindo preocupações cada vez mais marcantes como o ajustamento psico-social das pessoas portadoras de deficiências. . A mais antiga dessas sociedades internacionais surgiu na Escandinávia. mas de caráter internacional. que a pessoa deficiente pode ser útil. Mas a herança deixada pelo colapso econômico norte-americano foi muito amarga. foi a presença de Franklyn Delano Roosevelt. nas vagas daqueles que haviam sido incorporados às forças armadas. serviços globais de saúde.*A criação de sociedades internacionais privadas* Quase sempre serviços de assistência a grupos minoritários são organizados e desenvolvidos por entidades da área privada. Noruega e Dinamarca. conforme o caso. Mas a situação era bem diferente daquela deixada pela Primeira Guerra Mundial. e uma dessas heranças foi a criação das chamadas agências de bem-estar social. havia claramente a necessidade de existir organizações do tipo não-governamental. nos EUA. funcionavam agências que já haviam trabalhado por anos a fio com esse assunto. graças à escassez de braços e à premência de desenvolver os esforços de guerra. o problema dos soldados vítimas de deficiências causadas pela guerra atraiu novamente a atenção do mundo.Apesar da depressão econômica. Para atender a esses problemas de deficiências. Durante a Guerra. muito se aprendeu quanto ao atendimento social das pessoas deficientes através de serviço social bem orientado. O que contribuiu grandemente para obter melhores condições para o desenvolvimento de reabilitação mais completa. Essa tendência é encontradiça em reabilitação e em esquemas de assistência a pessoas deficientes em todas as partes do mundo. nas quais havia atendimento individualizado. A sociedade internacional que hoje é conhecida mundialmente como a Rehabilitation International surgiu como uma das primeiras e mais importantes organizações voluntárias interessadas no ângulo internacional do problema. Um dos grandes resultados da atuação de profissionais que cuidavam dos problemas de deficiências foi o avanço incontestável da Medicina Física e da Terapia Ocupacional. foi fundada a International Society for Crippled Children. na Suíça. desde o ano de 1945. incluindo nessa verdadeira família de organizações o Fundo de Emergência das Nações Unidas para as Crianças (UNICEF). o envolvimento das organizações internacionais de caráter inter-governamental. Programas muito mais amplos precisavam ser garantidos para dar assistência não só aos deficientes do aparelho locomotor. havendo muito pouca gente que duvidava que problemas sérios das pessoas deficientes só poderiam ser cobertos com sua aplicação. Interessadas na Pessoa Deficiente. muitas sociedades caminhavam para a plena conscientização quanto à sua necessidade. Evidentemente que existem hoje diversas organizações conhecidas como "nãogovernamentais". ao observar movimentos semelhantes aos que eram organizados nos EUA para crianças deficientes. compararam-nos a outros movimentos em outras partes do mundo.Confederação Mundial de Fisioterapia . mas também que apresentavam dificuldades sensoriais e mentais. que se dedicam aos problemas de pessoas deficientes.contato com o progresso mundial na ajuda a pessoas deficientes. graças a interessados no problema que participavam de uma reunião do Rotary International. a Organização das Nações Unidas para Refugiados e a Organização das Nações Unidas para . no ano de 1919. Um dos fatores mais significativos na divulgação dessa nova técnica de trabalho foi. ou seja. O primeiro Congresso Mundial dessa sociedade internacional que já adotara o nome de Sociedade Internacional para o Bem-Estar dos Aleijados (International Society for the Welfare of the Cripples) foi na cidade de Genebra. a Organização Mundial de Saúde (OMS). a "Easter Seal Society for Domestic Action" e a "International Society for the Welfare of Cripples".Federação Mundial dos Veteranos . Existem versões diferentes para a criação da Sociedade Internacional para o Bem-Estar dos Aleijados. expandira-se muito a compreensão daquilo que vinha insistentemente sendo chamado de "reabilitação". Ela foi fundada em 1922 com o nome inicial de Sociedade Internacional para a Criança Deficiente. comandadas pela Organização das Nações Unidas.Conselho Mundial para o Bem-Estar dos Cegos Todo o esforço de muitas das organizações não-governamentais é atualmente coordenado pela Conferência de Organizações Mundiais. E com essa compreensão.*O envolvimento das organizações inter-governamentais* Desde o final da segunda guerra que assolou o mundo no século XX. que têm características internacionais. a Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Rotary International acabou patrocinando a idéia de formar uma federação para coordenar e estimular atividades destinadas a pessoas deficientes. sem dúvida. Tendo seu nome sido alterado para "International Society for Rehabilitation of the Disabled".Federação Mundial de Terapeutas Ocupacionais . graças a alguns interessados pertencentes ao Rotary International que. ou seja. na década de cinqüenta. conta com 115 organizações do mundo todo a ela filiadas. incluindo nisso 64 países de todos os continentes. Dentre elas cumpre destacar as seguintes: . Segundo uma delas. no ano de 1929.Sociedade Internacional de Medicina Física . ela é hoje conhecida como "Rehabilitation International". . na cidade de Elyria (Estado de Ohio EUA). mas no ano de 1922 ela foi dividida em duas outras organizações internacionais. e do qual participamos como Secretário-Técnico. aplicável quase que "in totum" à realidade de hoje. que iniciou seu funcionamento quando a ONU ainda trabalhava em Lake Sucess. mas também as organizações mundiais de caráter não-governamental que iam proliferando em diversos campos. pela Organização Internacional dos Refugiados e pelo Fundo de Emergência das Nações Unidas para as Crianças. sendo nossa missão apresentar pontos relevantes que justificavam a necessidade de coordenação a nível internacional. de 18 de julho a 5 de agosto de 1966. "A prevenção das deficiências e a reabilitação de pessoas deficientes são problemas nos quais a ONU e um certo número de Agências Especializadas têm demonstrado grande interesse muito antes de 1950. Dentro da estrutura do Bureau foi inserida uma Unidade de Reabilitação de Pessoas Deficientes.Educação. pela Organização Mundial de Saúde. na Europa e na América do Norte. dentro do Secretariado da ONU. O verdadeiro envolvimento dessas organizações internacionais iniciara-se mesmo antes da própria criação da ONU. Ciência e Cultura (UNESCO). sua Assembléia Geral adotou uma resolução que estabelecia o primeiro passo para um programa de consultoria em diversas áreas do bem-estar social. em Copenhague. tendo em mira obter uma atuação bem coordenada nesse campo. é relevante no contexto deste capítulo. os programas da já antiga Organização Internacional do Trabalho continuavam. Enquanto isso começava a acontecer a nível da nova Organização das Nações Unidas. pela Organização Internacional do Trabalho. organizado pela ONU e pelo Governo da Dinamarca. quando o organismo de congregação das nações do mundo era ainda a Liga das Nações. O grupo reuniu-se em Lake . Nesse ano. datado de 1929 e publicado sob a responsabilidade da Liga das Nações. envolvendo não só as organizações inter-governamentais. Alguns trechos parecem-nos relevantes: . gradativamente surgiu a necessidade de um sistema de coordenação internacional.. apresentado na ocasião. nos arredores de New York. um bem coordenado programa internacional para a reabilitação das pessoas fisicamente deficientes. Planos para esse programa foram inicialmente discutidos por um grupo técnico de trabalho composto de especialistas indicados pela ONU. Foi montado o Bureau of Social Affairs. um passo decisivo para um maior envolvimento da ONU e de suas Agências Especializadas ocorreu quando. Esse documento apresentou um resumo analítico da evolução dos serviços de proteção e de assistência aos cegos. Durante o Seminário Internacional sobre Administração de Programas e de Centros de Reabilitação nos Países em Desenvolvimento. O trabalho escrito.. pois já haviam sido montados há alguns anos. Logo envolveram-se as outras organizações e devido ao volume surpreendente de atividades e ao estabelecimento de áreas específicas de atuação para cada uma delas. pela UNESCO. nele incluindo a reabilitação das pessoas deficientes. Fizemo-lo em nome da Unidade de Reabilitação de Pessoas Deficientes do Bureau de Assuntos Sociais. como uma das principais áreas com possibilidades de captar recursos financeiros para assistência técnica a ser colocada à disposição dos países sub-desenvolvidos e interessados no assunto. no mês de dezembro de 1946. face à importância que a ONU e suas Agências Especializadas têm tido no desenvolvimento da reabilitação no mundo de hoje. o Conselho Econômico e Social da ONU solicitou ao Secretário-Geral para planejar “inter-alia”. No entanto. da qual éramos funcionário técnico. juntamente com as Agências Especializadas e em consultoria com as organizações não-governamentais interessadas. tivemos oportunidade de analisar a questão da coordenação em um painel de especialistas. Um exemplo desse envolvimento está no documento intitulado"Report on the Welfare of the Blind in Various Countries" (Relatório a respeito do Bem-Estar dos Cegos em Vários Países). com sua sede em Genebra. males incapacitantes. seu papel é prevenir. Quanto a atividades de reabilitação. c) A competência técnica da UNESCO no campo da reabilitação cobre o que é conhecido por todos nós como educação especial. e desenvolver programas em cirurgia ortopédica e protética. nesse sentido. em medicina física. em educação especial. e por garantir. e centros de reabilitação industrial. tais como treinamento de re-condicionamento. em junho de 1955.Success e em Genebra. Aspectos Sociais. alguns programas para cegos." Coordenação prática dessas atividades . de avaliação e de atividades pré-profissionais (como eram conhecidas àquela época). emprego protegido e organização de oficinas protegidas. e) O papel do UNICEF em reabilitação. aumente durante os anos futuros.o tópico principal das primeiras reuniões continuou a constituir-se no foco de discussão através dos anos. Os problemas colocados por essas áreas "cinzas". em enfermagem especializada. A UNESCO inclui. e o novo programa internacional. começou a existir. a Unidade de Reabilitação ficou responsável por manter um controle sobre todas as providências tomadas com relação a projetos práticos. a seguinte alocação de responsabilidades foi aceita: a) A Unidade de Reabilitação de Pessoas Deficientes das Nações Unidas ficou encarregada de aspectos de Planejamento. Aspectos Psicológicos e Próteses. . Administração. tanto quanto possível. que as Agências Especializadas se mantivessem em dia e estivessem perfeitamente informadas das atividades umas das outras. que foi devidamente liberado pela ONU antes de sua apresentação quanto ao seu conteúdo e análise das atuações das Agências citadas em seu corpo. contratando eventualmente a assessoria de especialistas mundialmente renomados ou de organizações nãogovernamentais especializadas). (Isto era verdade à época em que o documento foi apresentado e discutido . O UNICEF normalmente coordena seus próprios planos com os planos da ONU e de suas Agências Especializadas e somente dá assistência a projetos que tenham a aprovação técnica da relevante Agência das Nações Unidas". Além disso. planejamento e revisão. continua. poderiam ser resolvidos apenas por meio de uma eficiente coordenação que. em contrapartida. dependeria de uma precisa definição de responsabilidades. d) A responsabilidade da Organização Mundial de Saúde em geral é promover a saúde de todas as pessoas. sempre que possível. O trabalho em pauta. é prover equipamento e transporte. e espera-se que atividades de assistência técnica dessa Agência Especializada. bem como em outros campos de assistência. em próteses e órteses na prática médica. mas na prática havia diversas áreas nas quais a sobreposição de responsabilidades persistia. medidas especiais para garantia de emprego para a pessoa deficiente. Em tese parecia haver uma clara divisão de responsabilidades.hoje em dia o UNICEF mantém seus próprios programas e suas próprias consultorias. Legislação. Deve-se notar aqui que os princípios gerais da reabilitação profissional sempre estiveram baseados na Recomendação nº 99 da OIT. para surdos e em geral para os deficientes físicos e mentais. em fisioterapia. Depois de muita discussão. Uma Resolução sobre educação especial foi adotada pela Conferência da UNESCO de 1964. aprovada pela Conferência Internacional do Trabalho. b) A responsabilidade da Organização Internacional do Trabalho cobria todos os aspectos profissionais da reabilitação. dinâmico em sua forma e baseado em princípios sólidos. . a freqüente troca de informações e também as publicações conhecidas como "Summary of Information on Projects and Activities in the Field of Rehabilitation of the Disabled Throughout the World" (Sumário de Informações sobre Projetos e Atividades no Campo da Reabilitação do Deficiente através do Mundo). e tantos problemas mais! Olhando daquele prisma que costumávamos olhar (ou seja. ocorriam bloqueios velados a projetos . e que caracterizavam as organizações inter-governamentais. na qualidade de funcionário público internacional. pesquisas e outras publicações). cursos intensivos e viagens de estudos. estudos. uma vez que foi nossa responsabilidade direta sua elaboração do volume V (relacionado a atividades de 1963) até o volume IX (sobre atividades de 1967). de dentro da ONU para fora). Pessoalmente vivenciamos não só a preparação dessas publicações mas também seu significado para as organizações Inter-Governamentais e as Não.. d) elas organizam seminários inter-regionais ou internacionais. sempre foi levado a efeito por meio de um trabalho burocrático silencioso e persistente (e por que não o dizer. atitudes de ciúme de antigos funcionários internacionais barravam o dinamismo de pessoal mais novo. Foram anos muito difíceis. Para obter a almejada coordenação. procurando dar ao barco de tantas velas desencontradas um rumo que era de fato esperado por todos os que se envolviam em reabilitação. b) essa assistência técnica tanto poderia ser dirigida a órgãos ou programas oficiais. esses pontos comuns eram os seguintes: a) todas as organizações internacionais de caráter inter-governamental. sendo que uma boa parte delas ainda prepara literatura básica (monografias. em New York. nos dois últimos parágrafos que dizem o seguinte: "Por todos esses meios e outros que podem surgir no correr do tempo. surgiam pruridos por "avanços" milimétricos nas conhecidas e muito disputadas "áreas cinzentas". e no trabalho que citamos há um desabafo velado nas entrelinhas. até hoje cabe à ONU uma série de providências práticas. com a eliminação de toda a duplicação desnecessária. estavam e estão preparadas para prestar assistência técnica.estudando os fatores comuns encontradiços em seu trabalho. correspondendo exatamente aos cinco anos de trabalho nosso na Unidade de Reabilitação das Pessoas Deficientes da O N U. por vezes extremamente desoladores. Personalidades envolvidas dificultavam muitas vezes o andamento usual de processos. c) todas elas praticamente prestam serviços de consultoria de técnicos especializados ou provêm bolsas de estudos para o treinamento de pessoal local. mas apenas quando fossem apresentadas solicitações pelos governos. considerávamos um verdadeiro prodígio ninguém de fora perceber o drama que significava lutar sob a égide da bandeira azul e branca da ONU. paciente) do qual percebíamos os resultados por vezes promissores. tais como a organização periódica de Reuniões Inter-Agências.Governamentais envolvidas. espera-se continuamente que a plena coordenação torna-se-á útil na manutenção de um programa internacional de reabilitação para todos os tipos de pessoas deficientes. inseridas na família de Agências das Nações Unidas. O chamado "programa internacional coordenado" que havia sido recomendado pela Assembléia Geral da ONU ao seu Secretário-Geral. quanto àqueles da área privada.mesmo que de boa qualidade elaborados por alguma cabeça de origem "ocidental" quando a cabeça "oriental" estava no poder. sobreposições ou . e) elas de um modo geral procuram envolver outras agências internacionais nos programas desenvolvidos em determinado país. e também por meio da experiência acumulada. Só para informação do leitor. conforme programação aprovada com antecipação e notificação aos governos. e vice-versa . que normalmente surgem devido à ignorância quanto às atribuições e às atividades dos outros". mas muito ilustrativo. foi transferida para alguns andares do Chrysler Building. Anos após. no campo da reabilitação apenas. Os bolsistas eram oriundos de 17 países e tiveram uma duração entre 3 e 14 meses seus respectivos treinamentos. de um plano claro e objetivo que possa ser seguido desde agora". onde se localiza hoje. A grande maioria dessas missões internacionais foram de curta duração e destinadas a pesquisas iniciais para que o governo pudesse tomar uma posição face à problemática das pessoas deficientes. através de seu Executivo. num audacioso momento de decisão do Secretário Geral Kurt Waldheim. pois delas participamos num trabalho diuturno. No entanto.A ONU concedeu 45 bolsas de treinamento para estudos de diferentes aspectos de reabilitação. Foram também concedidas 96 bolsas de treinamento para a participação de profissionais de alto nível em seminários internacionais ou viagem de estudo. no campo da reabilitação. não tem a mínima idéia do montante de atividades que são programadas e desenvolvidas para o benefício da humanidade que vive nos países em desenvolvimento. já pertencente ao passado.antagonismos. especialmente nos campos de fisioterapia e de próteses. Com essas bolsas de curta duração. Oriente Médio e Europa. com a presença de 32 participantes de 26 países em desenvolvimento na América Latina. No entanto. a ONU mantém. 45 países em desenvolvimento foram beneficiados. África.Vinte e oito técnicos em reabilitação em diversos aspectos foram enviados pelas Nações Unidas para missões em vinte e dois países em desenvolvimento. "Certamente que muitos anos deverão passar antes que tal programa – e outros que possam ser organizados no futuro . algumas dessas missões. que é o Secretariado (funciona no prédio que todos conhecem. no qual se ressaltam dois constantemente citados setores: a Assembléia Geral e o Conselho de Segurança. Toda a área de Desenvolvimento Social. Defesa Social. de 5 de julho a 15 de agosto de 1964 (um curso intensivo. às margens do East River.traga completo alivio para a pessoa deficiente no mundo todo. duraram mais de um ano. Os . Muita gente que se diz conhecedora da Organização das Nações Unidas faz dela a idéia de um órgão político. organizados pela ONU ou contando com sua colaboração. Muitos. que levou a uma descentralização inicial. Foi realizado em Copenhague. Cada ano esperamos ver grandes progressos na direção de nosso objetivo último em reabilitação. dentro da própria cidade de New York. portanto). dessa forma. e que é todo envidraçado em todos os seus 38 andares) uma incrível programação em contínua expansão. *Seminários internacionais* a) Seminário Internacional das Nações Unidas sobre Próteses para Pessoas Deficientes Este Seminário foi organizado pelas Nações Unidas com a cooperação da Sociedade e Lar para Aleijados na Dinamarca (Society and Home for Cripples in Denmark) e do Comitê Internacional de Próteses e Órteses da Sociedade Internacional para Reabilitação do Deficiente (hoje Rehabilitation International). Período de 1964 a 1966 apenas: *Técnicos* . durante um curto período de tempo. Responsabilizamo-nos pessoalmente pela informação. *Bolsas de treinamento* . esses assuntos todos passaram para o Centre for Social Development and Humanitarian Affairs (Centro para Desenvolvimento Social e Assuntos Humanitários). Reabilitação da Pessoa Deficiente e outras. Gostaríamos de documentar a pujança das programações e o seu inquestionável alcance. localizado em New York. na Áustria. Ásia. em Viena. participantes foram selecionados entre candidatos designados pelos governos e, em sua grande maioria, eram diretores ou gerentes de importantes oficinas de próteses em seus países. Do Brasil tivemos dois participantes de São Paulo, ligados a projeto do Centro de Demonstração a que nos referimos um pouco mais adiante, neste mesmo capítulo. Participamos na qualidade de Diretor, em nome das Nações Unidas. Durante este Seminário - organizado como um curso intensivo e com firmes propósitos de elevar os conhecimentos dos participantes - foram dados certificados de sua conclusão apenas para aqueles que tivessem passado nos exames finais. Ao encerrar-se o Seminário, diversas recomendações foram aprovadas. E a mais relevante foi, sem dúvida, aquela que indicava a necessidade de se organizar outro Seminário da ONU para o estabelecimento de padrões mínimos para treinamento de pessoal. A recomendação foi aprovada logo em seguida pela Comissão Social do Conselho Econômico e Social da ONU, e incluída no programa de trabalho da Unidade de Reabilitação para 1968. b) Viagem de Estudos das Nações Unidas para Recursos de Reabilitação na Polônia e na Rússia, organizada pela ONU em estreita colaboração com os países visitados. Foi realizada em setembro de 1965, com 34 participantes de 24 países em desenvolvimento, incluindo pessoal de alto nível em seus respectivos países, mas envolvidos em reabilitação. Tiveram oportunidades de observar as várias modalidades de programas para resolver os problemas dos deficientes, todos eles baseados em vastos programas de seguro social. Enquanto a viagem era realizada, permanecemos em New York na direção da Unidade de Reabilitação. Brasil com dois participantes. c) Seminário Internacional das Nações Unidas sobre Administração de programas e de importantes Serviços de Reabilitação em Países em Desenvolvimento. Foi realizado em Copenhague, sob a égide da ONU, com o patrocínio do Governo da Dinamarca, de 18 de julho a 5 de agosto de 1966. Foram 31 participantes de 26 países em desenvolvimento, tendo o Brasil participado com dois profissionais, sendo um da Coordenação da Reabilitação Profissional do INPS e o outro, o Diretor de um Centro de Reabilitação da Bahia. Também na forma de um curso intensivo, foi um Seminário bem agradável aos participantes, pois incluiu viagem a várias cidades dinamarquesas e à bonita cidade de Oslo, na Noruega, mas com compromissos de aulas e conferências em todas elas. Os assuntos tratados cobriram aspectos médicos, sociais, psicológicos e profissionais da reabilitação e suas tendências mais atualizadas. Participamos deste Seminário na qualidade de Secretário Técnico, em nome da ONU. É evidente que muitos outros Seminários Internacionais, cursos ou viagens de estudos empreendimentos que envolvem grupos - foram patrocinados ou organizados tanto pela ONU quanto pelas agências de sua família organizacional, no campo da reabilitação, com resultados que só poderão ser dimensionados com o tempo. Se formos analisar os resultados dos Seminários aqui indicados, com informações eventuais que temos recebido, poderemos afirmar sem susto que para 50% dos participantes eles devem ter significado apenas uma viagem às custas das Nações Unidas e seu Programa Ampliado de Assistência Técnica, de um país sub-desenvolvidos para os extraordinariamente belos países escandinavos. Aprenderam muita coisa, é óbvio, pois a freqüência às atividades dos mesmos era obrigatória e eventuais distrações ou atividades sociais ocorriam apenas aos sábados ou domingos. Esses Seminários caracterizavam-se por atividades muito bem programadas pela manhã e à tarde - e às vezes à noite. E o local de concentração, conferências, trabalhos em grupo, refeições e alojamento para dormir não era perto de Copenhague. Mas sempre era a Dinamarca, a Suécia, a Noruega e aquele povo por vezes indiferente, por vezes formal, por vezes gentil e correto, mas quase sempre bem diferente das realidades encontradiças nos países africanos, asiáticos ou latino-americanos ... Para esses 50% certamente que os melhores momentos estiveram ligados a recordações que nada têm a ver com os Seminários em si: Tivoli, "smorebrods", gramados e jardins floridos, a sereiazinha triste, restaurantes, bicicletas, bandeiras, muita gente loira, uma língua impossível, planuras imensas com plantações de cereais quase sem fim, nenhum rio, nenhuma montanha, ferryboats e as gaivotas em seu encalço, palácios reais, museus - enfim, a Dinamarca propriamente dita. Mas houve o restante dos participantes - os 50%, que devem ter aproveitado e muito, ouvindo, discutindo, estudando, escrevendo. E para esses o programa de reabilitação deve ter aproveitado muito. Saldo positivo deve haver, sem a menor sombra de dúvida! O que nos fica muito patente é que assegurar resultados imediatos não está nem poderia estar relacionado ao conteúdo desses eventos, mas aos tipos de participantes que nem sempre foram (ou são) os mais indicados ou os mais competentes para tirar o devido proveito de encontros tão cuidadosamente preparados. Uma boa porcentagem das atividades destinadas à transferência de tecnologia de reabilitação dos países mais evoluídos para aqueles em estágio menos avançado de desenvolvimento, na ONU e em suas Agências Especializadas, sempre se concentrou na preparação e na distribuição de bibliografia relevante. Não são apenas relatórios de missões de consultores em áreas pouco evoluídas do mundo, ou missões de caráter regional e interregional, que às dezenas enriquecem o acervo de informações relacionadas ao desenvolvimento da reabilitação no mundo, mas também estudos especiais. A maioria das publicações da ONU e de suas Agências Especializadas leva em consideração as discrepâncias culturais e sociais do mundo, e respeitam os processos implantados nos seus diversos Estados-Membros. Preocupação das mais relevantes ocorreu na década de sessenta, quando a Unidade de Reabilitação de Pessoas Deficientes da ONU iniciou uma série muito interessante intitulada: "Serviços e Material Básicos para os Centros de Reabilitação". Visava a série transmitir idéias, programas, exemplos dos serviços básicos existentes em centros de reabilitação, com o propósito de chegar aos diretores de programas, de atingir os profissionais, de alertar os governos. A série chegou a incluir números sobre fisioterapia, terapia ocupacional, serviço social, psicologia, próteses em geral, próteses para hansenianos. E seu grande alcance levou a Organização das Nações Unidas a traduzir cada volume (de aproximadamente oitenta páginas cada), em várias línguas. Essa série chegou a contar com suas publicações em inglês, espanhol, francês, russo e árabe. Na relação bibliográfica deste volume o leitor poderá ter uma diminuta idéia de publicações da ONU sobre reabilitação. Muitos outros trabalhos foram publicados, é evidente, sendo impossível a apresentação de uma relação completa. A mesma observação relacionada a publicações é aplicável à Organização Internacional do Trabalho, e em menor escala à Organização Mundial de Saúde e UNESCO nos assuntos de reabilitação. Outros esforços muito sérios foram desenvolvidos pela família de Organizações das Nações Unidas para divulgar, implantar ou fortificar programas de reabilitação em todas as partes do mundo. Um deles, quase esquecido entre nós, é o Centro de Demonstração de Reabilitação, a respeito do qual algumas explicações precisarão ser feitas, a fim de que seja feita justiça - tanto à ONU, OIT e OMS, quanto àqueles que a esse plano dedicaram seus esforços, suas inteligências, seu gabarito técnico, em quatro pontos diferentes do mundo. - *Centros de demonstração de técnicas de reabilitação* No início da Década de Cinqüenta a ONU, em decorrência de uma deliberação de caráter inter-organizacional da qual participaram os seus representantes e aqueles da OIT, OMS e UNESCO, resolveu adotar uma estratégia mais efetiva para a implantação de projetos de reabilitação nos quatro continentes: provocar a organização de centros de Demonstração de Técnicas de Reabilitação, que acumulassem a responsabilidade de não só dar atendimento qualificado, mas também de desenvolver cursos para a formação de pessoal básico nessas mesmas técnicas. O plano contava com o apoio das organizações envolvidas, mas de um modo todo especial da própria Organização das Nações Unidas, da Organização Internacional do Trabalho e da Organização Mundial de Saúde. As três organizações haviam estabelecido prioridade em programações de assistência técnica, dentro de certas condições, e haviam igualmente combinado as condições fundamentais para montagem de centros dessa natureza. Além de ser necessário manter um em cada continente, seus especialistas internacionais levaram a campo e indicaram aos governos visitados os critérios para escolha dos países, estados e cidades onde esses novos recursos poderiam ser instalados. Esses critérios resumiam-se nos seguintes: a) A existência de uma realidade universitária pujante que desse cobertura à formação de pessoal destinado aos programas do centro, ou seja, médicos, assistentes sociais, enfermeiros e psicólogos. Essa mesma realidade universitária deveria estar apta a, com esforço adicional, cobrir ainda a necessidade de formação de profissionais faltantes numa equipe de reabilitação (fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, técnicos em próteses e órteses e conselheiros de reabilitação), com a montagem de cursos ainda não existentes no país, mas básicos para programas reabilitacionais. b) Existência de uma realidade industrial, comercial e de serviços em franca expansão, devido ao seu significado na montagem de programas de aconselhamento e de colocação da mão-de-obra das pessoas deficientes adultas em programas de reabilitação. c) Disponibilização de instalações, se possível nas proximidades de um complexo hospitalar que contasse com serviços de ortopedia e neurologia, suficientes para localização de todos os serviços e espaço para internamento de adultos de ambos os sexos. d) Preferência seria dada a país que já contasse com alguns profissionais que tivessem experiência no campo da reabilitação, e com recursos institucionais já instalados de treinamento profissional. e) O compromisso formal e o interesse direto do governo federal e do local (estadual) para a organização do centro de reabilitação e para sua manutenção como projeto de demonstração de tecnologia e de aproveitamento dos novos profissionais em formação. f) O compromisso adicional do governo central de dar prioridade aos pedidos de assistência técnica à família de organizações da ONU, não só pedindo especialistas nas áreas necessitadas de cobertura, mas também bolsas de estudos para a preparação adicional dos profissionais que trabalhassem como assistentes dos consultores das Agências Internacionais, se de todo necessário. Após exaustivos estudos e muitas consultas, os quatro pontos foram escolhidos de comum acordo com os governos interessados. Os Centros de Demonstração de Técnicas de Reabilitação foram instalados na lugoslávia (Skopje), Egito (Alexandria), Índia (Bombaim) e . . . Brasil (São Paulo). Criava-se em nossa Pátria um recurso altamente promissor que deveria ser o elemento catalítico do desenvolvimento da reabilitação em nosso meio: o Instituto Nacional de Reabilitação (INAR) da Universidade de São Paulo! - *O Instituto de Reabilitação: vida e morte* Analisemos, pelo menos superficialmente, o esquema de assistência técnica montado em termos de São Paulo para a implantação de um centro de reabilitação de natureza demonstrativa, padrão de atendimento, voltado para a formação de pessoal especializado. No ano de 1956 o Governador Jânio Quadros assinava decreto criando na USP, o Instituto Nacional de Reabilitação, algum tempo depois transformado em Instituto de Reabilitação. Foi instalado na Clínica Ortopédica do Hospital das Clínicas (1° Andar), sob a direção forte do Professor Doutor Francisco Egydio Godoy Moreira. Conforme instalado, já contando com alguns profissionais que haviam se beneficiado de bolsas de estudos nos Estados Unidos, tornou-se o Instituto, o primeiro centro de reabilitação global do Brasil, um verdadeiro modelo para futuros empreendimentos. Havia outros esforços no Brasil, não se pode negar, como aquele desenvolvido por um grupo dedicado e aprimorado de médicos e assistentes sociais do antigo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários; havia também as tentativas de um grupo do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários. Outros nomes de organizações daquela época podem ser relembrados pelos imensos esforços feitos, sem contar com as vantagens de assessoria de técnicos internacionais, como a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação, o Instituto Baiano de Reabilitação, o Hospital Arapiara, a Associação de Assistência à Criança Defeituosa, o Lar-Escola São Francisco, o Serviço de Reabilitação do SESI e outros mais. E já em 1958/59 a nascente Brasília, tão nova e tão surpreendente, contava com um singular e moderníssimo prédio muito bem instalado e equipado – mas sem clientes - que era o Centro de Reabilitação Sarah Kubitschek. Os técnicos especializados da ONU, indicados para o projeto do Instituto de Reabilitação da USP, enfatizavam continuamente em seus relatórios confidenciais às suas organizações de origem que aquele novo centro piloto de reabilitação deveria ser um paradigma para toda a América Latina - pretensão extremamente alta, tanto para as Organizações Internacionais que demonstravam pouco conhecer a realidade latino-americana, quanto para o próprio Brasil e em especial São Paulo, pois todas as autoridades envolvidas haviam se embalado naquela suave e hipnotizante melodia e na utópica vanglória de estar montando um recurso para todo um continente, esquecendo-se de se voltar para uma realidade bem própria e bem nossa - nada, ou quase nada, estava sendo feito em reabilitação pelos milhões de deficientes brasileiros. Conforme foram chegando, os especialistas internacionais foram cobrindo as áreas de consultoria geral e administração de reabilitação, aspectos especiais de reabilitação de cegos, aspectos profissionais de reabilitação, fabricação de próteses e treinamento de seu pessoal, organização dos departamentos de fisioterapia e terapia ocupacional e montagem dos cursos específicos. Bolsas de estudos foram concedidas em número bem reduzido nas áreas de enfermagem, medicina física, administração de centros e aspectos profissionais de reabilitação. Uma bolsa especial foi concedida na área de locomoção de cegos, um dos aspectos enfatizados pelos consultores da OIT. Após diversos anos de funcionamento, contava o Instituto de Reabilitação com uma equipe especializada, tinha um bom número de leitos para casos que precisavam de internação, atendia um bom volume de clientela e dava cursos de preparação dos técnicos em fisioterapia, em terapia ocupacional e no campo de próteses e órteses. Além disso, o Instituto aceitava profissionais formados ou alunos dos últimos anos para estágios de especialização, organizava congressos, seminários e dava uma expressiva cota de contribuição ao desenvolvimento dos ideais da reabilitação em nosso meio. Os problemas internos, seja de ordem financeiro-administrativa, seja de ordem técnica, eram discutidos, e os caminhos eram encontrados. Tratava-se de um centro de reabilitação que era o real detentor de um papel de alta relevância. O sucesso dos centros da Iugoslávia, do Egito e da Índia poderá, sem qualquer sombra de dúvida, ser medido pelos frutos gerados nesses países. Entre nós, porém, o final dessa promissora tentativa foi no mínimo lacônica: o Instituto de Reabilitação da Universidade de São Paulo, apesar de contar com bons profissionais e de ter potencial para atendimento de clientela adulta diversificada, acabou fechando suas portas ao final da década de sessenta, devido a problemas muito sérios. Seus cursos de Terapia Ocupacional e de Fisioterapia, acrescidos de um curso de Fonoaudiologia, foram absorvidos pela Faculdade de Medicina da USP. As instalações ocupadas foram devolvidas integralmente ao Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Seus profissionais, por anos a fio sem ter clientela para atender, sem verbas para atuar, dispersaram para outros serviços do Hospital das Clínicas ou pediram demissão. E, o mais terrível desse desfecho todo, as pessoas deficientes adultas ficaram sem um importante centro de reabilitação que procurava oferecer serviços globais - aliás, à época de seu fechamento, era o único centro fora da Previdência Social que atendia a adultos em São Paulo - lacuna essa até hoje não preenchida condignamente. - *A evolução mais recente da reabilitação* Houve um incremento tão grande a programas de reabilitação de pessoas deficientes que seria tarefa impraticável tentar relatar a história da evolução mais atualizada dessa técnica no mundo todo ou mesmo entre nós. Injustiças muito flagrantes poderiam ser cometidas com a citação de alguns nomes e a omissão de outros. Só na capital paulista estão cadastradas hoje mais de setenta entidades privadas que trabalham em prol das pessoas deficientes, seja em termos de abrigo, seja em termos de tratamento, seja em termos de reabilitação. Procuramos, através do reconhecimento das muitas atuações das organizações intergovernamentais filiadas ao Sistema Nações Unidas, compensar por essa lacuna. Façamos justiça à Organização das Nações Unidas, à incansável Organização Internacional do Trabalho, à inovadora Organização Mundial de Saúde, à batalhadora Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura - UNESCO, e também ao tão prestigiado UNICEF em sua contínua luta pela infância carente do mundo atribulado de hoje. Essas organizações desenvolvem um trabalho silencioso e continuo, e sempre anônimo, que se tem mantido na sua meta original, ou seja, fazer com que a reabilitação e serviços afins cheguem a todos os recantos do mundo. Mas façamos também justiça àquelas organizações que não estão na família organizacional da ONU, ou seja, as Não-Governamentais voltadas para os problemas dos cegos, dos veteranos, dos surdos, das pessoas deficientes de um modo geral. E não nos esqueçamos daquelas que, apesar de não serem destinadas especificamente a esses propósitos, desenvolvem atividades que beneficiam as pessoas deficientes. E mais uma vez para não fazer qualquer injustiça, sem mencionar qualquer nome em especial, limitando-nos a prestar nossas homenagens à Conferência das Organizações Mundiais Interessadas nas Pessoas Deficientes, que as congrega desde o final da década de cinqüenta. Essas organizações todas, sejam elas Inter-Governamentais ou Não-Governamentais, continuam seus trabalhos cada vez com maior ênfase e grau mais elevado de especialização, face a uma problemática que agora todo o mundo desenvolvido ou em desenvolvimento conhece, ou seja, a dos quase quinhentos milhões de pessoas portadoras de deficiências, das quais apenas menos de um terço tem possibilidade de receber algum tipo de serviço. Esse novo despertar para um problema tão grave aconteceu também por iniciativa da Organização das Nações Unidas, com o mais completo apoio das entidades não-governamentais, através do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. CAPÍTULO SÉTIMO 1981 - ANO INTERNACIONAL DAS PESSOAS DEFICIENTES Desde os primeiros dias do estabelecimento da Organização das Nações Unidas tem havido uma ênfase especial a programas destinados a encontrar soluções para toda a gama de problemas sociais sérios causados pela guerra e pelo sub-desenvolvimento, conforme vimos anteriormente. E, como analisamos no capítulo anterior, o problema de deficiências ocasionadas pelas atividades de guerra era tão significativo que demandou a concentração de esforços em programas de reabilitação das pessoas deficientes, quer tivessem elas sido envolvidas na guerra como integrantes das forças em conflito, quer como vítimas civis. No entanto, os esforços internacionais dirigidos para esse objetivo acabaram sendo muito pouco eficazes devido à sua falta de coordenação - na verdade não havia um plano mundial para dar cobertura a toda a magnitude de dificuldades. E descobriu-se rapidamente que, devido à dispersa - apesar de grande - quantidade de esforços na tentativa de remediar problemas de deficiências instaladas, pouca atenção estava sendo devotada à prevenção de outras deficiências - situação que perdurou por vários anos do pós-guerra. Assim, hoje em dia não é muito de espantar que o mundo tenha um total de aproximadamente 500 milhões de pessoas que sofrem com algum tipo de restrição séria à sua atuação, devido a deficiências de naturezas variadas. Percebemos hoje que as guerras, apesar de serem uma das causadoras mais sérias de deficiências, certamente que não são nem jamais foram as únicas. As sociedades continuam, talvez por falta de atenção ou por mera negligência, a produzir as pessoas com deficiências físicas e mentais, e aquelas que sofrem com os bloqueios de problemas sensoriais, orgânicos, comportamentais e sociais dos mais sérios. Ações preventivas são imperativamente importantes - talvez sejam mesmo tão importantes quanto a própria reabilitação. E uma importante razão para dar ênfase à prevenção de males é evitar o desperdício de recursos humanos, que são um componente básico de qualquer processo de desenvolvimento, somados que devem ser aos recursos naturais e financeiros. - *As declarações de direitos e sua importância* Com esse tipo de raciocínio dominante, a Assembléia Geral da ONU tem mantido muitos esforços para dar cobertura a esse problema social de alto significado, tendo sempre sua atenção voltada para a grande variedade dos demais problemas de desenvolvimento. Assim é que no ano de 1971 a Assembléia Geral proclamou a aprovação de uma resolução de alto significado a respeito das pessoas deficientes: a Declaração dos Direitos das Pessoas com Retardo Mental. No ano de 1975, por sua vez, aprovou a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes. serviços de colocação e outros serviços que lhes possibilitem o máximo desenvolvimento de sua capacidade e habilidades e que acelerem o processo de sua integração ou reintegração social. a obter e manter um emprego ou a desenvolver atividades úteis. o ambiente e as condições de vida nesse local devem ser. aconselhamento. sexo. em suas capacidades físicas ou mentais. 6) As pessoas deficientes têm direito a tratamento médico. 12) As organizações de pessoas deficientes poderão ser consultadas com vantagem em todos os assuntos referentes aos direitos de pessoas deficientes. no direito de desfrutar de uma vida decente. a reabilitação médica e social. religião. o procedimento legal aplicado deverá levar em consideração sua condição física e mental. abusiva ou degradante. nascimento ou qualquer outra situação que diga respeito ao próprio deficiente ou e sua família. . além daquele requerido por sua condição ou por sua necessidade de recuperação. criativas e recreativas. congênita ou não. têm os mesmos direitos fundamentais que seus concidadãos da mesma idade. treinamento profissional e reabilitação. origem social ou nacional. todos os regulamentos e tratamento de natureza discriminatória. Estes direitos serão garantidos a todas as pessoas deficientes sem nenhuma exceção e sem qualquer distinção ou discriminação com base em raça. psicológico e funcional. 3) As pessoas deficientes têm o direito inerente ao respeito por sua dignidade humana. total ou parcialmente. tão normal e plena quanto possível. próximos da vida normal de pessoas da sua idade. estado de saúde. natureza e gravidade de suas deficiências. 9) As pessoas deficientes têm direito de viver com suas famílias ou com pais adotivos e de participar de todas as atividades sociais. Se forem instituídas medidas judiciais contra elas. qualquer que seja a origem. 11) As pessoas deficientes deverão poder valer-se de assistência legal qualificada quando tal assistência for indispensável para a proteção de suas pessoas e propriedade. língua. em decorrência de uma deficiência. Nenhuma pessoa deficiente será submetida em sua residência. de acordo com suas capacidades. 8) As pessoas deficientes têm direito de ter suas necessidades especiais levadas em consideração em todos os estágios de planejamento econômico e social. tanto quanto possível. incluindo-se neles os aparelhos de próteses e órteses. educação. As pessoas deficientes. Se a permanência de uma pessoa deficiente em um estabelecimento especializado for indispensável. 4) As pessoas deficientes têm os mesmos direitos civis e políticos que outros seres humanos: o parágrafo sétimo da Declaração de Direitos das Pessoas com Retardo Mental aplica-se a qualquer possível limitação ou supressão desses direitos para as pessoas mentalmente deficientes. as necessidades de uma vida individual ou social normal. cor. 10) As pessoas deficientes deverão ser protegidas contra toda exploração. produtivas e remuneradas. opiniões políticas ou outras.Este documento internacional é fundamental e o leitor não poderá em absoluto deixar de conhecê-lo pelo menos em seus postulados principais que são os seguintes: 1) O termo pessoas deficientes refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma. 5) As pessoas deficientes têm direito a medidas que visem capacitá-las a tornarem-se tão auto-confiantes quanto possível. e a participar de sindicatos. o que implica antes de tudo. 7) As pessoas deficientes têm direito à segurança econômica e social e a um nível de vida decente e. a tratamento diferencial. 2) As pessoas deficientes gozarão de todos os direitos estabelecidos a seguir nesta Declaração. assistência. justo lembrarmo-nos que os princípios que lastreiam os chamados "Anos Internacionais" podem ser resumidos num único: Que a comunidade internacional tome conhecimento da existência de um certo problema que afeta segmentos da população. questiona-os sob um ângulo apenas: fala-se muito daquele assunto durante um ano todo e depois tudo cai no esquecimento e quase nada de concreto é feito. E o problema que estamos analisando é. Esta Resolução foi aprovada pela Assembléia Geral da ONU.13) As pessoas deficientes. o intolerável problema de "meio bilhão de pessoas" . Apenas uma ação de caráter nacional e internacional.que se vê à margem de tudo e não desfruta de seus direitos. poderá garantir qualquer sucesso aos ideais do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. o Conselho Mundial . Para tanto. bem coordenada. proclamando o ano de 1981 como o Ano Internacional para as Pessoas Deficientes (International Year for Disabled Persons). Essa mudança requererá a interação de todos esses esforços. composto de representantes de vinte e três países. procurando soluções através de consultas internacionais. As primeiras demonstrações de apoio à proposição do Ano Internacional das Pessoas Deficientes começaram logo a chegar à ONU. de fato.sim. ação conjunta e cooperação. em fevereiro de 1978. entretanto. era necessário que a própria ONU preparasse um plano de ação mundial de atuação. Uma das primeiras veio da Organização de Unidade Africana que já aprovara uma resolução de apoio ao Ano Internacional. regional e mesmo local. foi aprovada a Resolução n° 31/123. no dia 9 de dezembro de 1975. de fato. As necessidades são tão grandes e tão desproporcionais aos recursos disponíveis que a mudança jamais poderia ocorrer com a mera soma de esforços individualizados de cada país. Muita gente que ouve falar de Anos Internacionais. dentre os quais o Brasil não estava incluído. como nos é relatado pelo Boletim n° 1/79 sobre o assunto. suas famílias e comunidades deverão ser plenamente informadas por todos os meios apropriados sobre os direitos contidos nesta Declaração. através da conscientização do mundo todo quanto à problemática das pessoas portadoras de deficiências. estamos falando de "meio bilhão de pessoas" . haverá pelo menos o início de uma mudança gradativa nas condições de vida dessas pessoas marginalizadas devido à deficiência. indicando a possibilidade de organizar um Seminário a nível regional para encontrar meios destinados a implementar os objetivos do Ano. no dia 16 de dezembro de 1976. . um problema sério para a comunidade das nações concentrar toda a atenção de que puder dispor. Caso. nacionais e internacionais. Será. através de um Ano Internacional. a ONU consiga obter um nível de conscientização internacional bom. ou das instituições oficiais ou privadas. .*O Ano Internacional das Pessoas Deficientes: trabalhos iniciais* Aprovada a idéia do Ano Internacional. Estava muito claro o propósito dessa última declaração universalmente conhecida: dar condições para a implementação das resoluções anteriores. dando-lhe a possível prioridade durante um ano todo. privados e oficiais. existe. em sua trigésima sessão. um Comitê Consultivo foi criado pela Assembléia Geral.*O significado de um "Ano Internacional"* Um ano depois. Neste caso particular do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. levando o número XXX/3447. a Organização Internacional de Padronização. O Centro Europeu para o Treinamento e para a Pesquisa em Bem-Estar Social. "22. a menos que as necessidades de pessoas deficientes fossem levadas em consideração nos estágios de planejamento. está inserido. tendia a criar barreiras novas e adicionais.para o Bem-Estar dos Cegos e a Federação Mundial dos Veteranos indicaram seu apoio irrestrito. e que devem ser desenvolvidas atividades para remover essas barreiras. . sociais. ao desenvolver seus ambientes modernos. e que os representantes de pessoas deficientes deveriam desfrutar de plena participação não apenas no planejamento de programas a elas relacionados. Foi também reconhecido que a sociedade.*O conteúdo básico das idéias consensuais para um plano de ação mundial* Desse relatório decisivo do senhor Secretário-Geral Kurt Waldheim é que muito daquilo que tem sido citado como básico. aprovado pela Assembléia Geral ao ser apresentado como parte integrante do próprio relatório do Secretário-Geral da ONU. Alguns membros sugeriram que essa tendência deveria ser encorajada. O Comitê Consultivo apresentou seu relatório ao Terceiro Comitê da Assembléia Geral da ONU em 1979 (34ª Sessão). Foi reconhecido que os obstáculos mais significativos à participação plena eram as barreiras físicas.Com relação ao programa de ação a longo prazo. Pessoas deficientes devem ter o mesmo direito que todos os outros cidadãos de se beneficiar dos serviços postos à disposição pelo Estado e pela sociedade em geral a seus cidadãos. Diversos membros do Comitê enfatizaram a necessidade de levar em conta as necessidades e os problemas das pessoas deficientes no processo de planejamento do desenvolvimento nacional. a respeito do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. econômicas. Poucos problemas poderiam vir a ser resolvidos durante o Ano e era também necessário considerar medidas baseadas em prazos mais longos de tempo. Vejamos alguns trechos: "16. Participação plena deve ser entendida como participação em todos os aspectos da vida comunitária: nas atividades políticas. Medidas que forem necessárias para tornar essa participação possível devem ser adotadas e colocadas em prática. alguns representantes enfatizaram que o Ano deveria marcar o início de um esforço internacional nesse campo e que o programa deveria ser preparado pelo Comitê baseado nas sugestões dos países-membros. culturais e esportivas. Foi também sugerido que as organizações internacionais deveriam dar exemplo nesse sentido”. Elas estavam assumindo cada vez mais o papel de um grupo consumidor que tinha seus próprios pontos de vista quanto à forma como as melhorias de suas condições de vida deveria ser efetivada e desejavam que esses pontos de vista fossem conhecidos daqueles que tomavam decisões. seja verbalmente seja por escrito. O relatório do Comitê Consultivo. Pessoas deficientes devem ser consideradas como cidadãos comuns com problemas especiais em vez de uma categoria especial de pessoas com necessidades diferentes daquelas de outros cidadãos. os preconceitos e as atitudes discriminatórias. prossegue . “17. Alguns membros afirmaram que estava ocorrendo uma dramática mudança nas atitudes das próprias pessoas deficientes. das agências especializadas da ONU e das organizações não-governamentais próprias. para assegurar ao máximo possível a concretização dos objetivos do Ano em todos os países". Acabou tendo a satisfação de ver o substancioso documento inserido no próprio Relatório do Secretário-Geral da Organização. no curso de 1980 e 1981. mas também no planejamento do desenvolvimento social e econômico da sociedade em geral. E a maioria de seu conteúdo é de fato consideravelmente importante. enfatizando a necessidade de medidas preventivas de males incapacitantes, bem como de envolvimento das próprias pessoas deficientes para a garantia de seus direitos. Havia, no entanto, membros desse mesmo Comitê que queriam saber de resultados práticos, de programas objetivos e de medidas exeqüíveis. "24. Diversos membros expressaram sua preferência por programas práticos para o Ano Internacional, que deverão incluir o uso de tecnologia apropriada para a reabilitação do deficiente, a concessão de bolsas de estudos para especialização, o desenvolvimento de um banco de equipamentos e outros programas que possam trazer benefícios diretos para as pessoas deficientes e assim tornar a observância do Ano mais significativa. 25. Alguns membros indicaram que pessoas deficientes, de fato, formavam um grupo bastante variado, dentro do qual havia pessoas com deficiências diferentes e que havia, em conseqüência, grandes diferenças nas necessidades e nos requisitos para serviços. Foi sugerido que o programa para o Ano deverá levar em conta diferentes deficiências e prover meios para assegurar a implantação dos objetivos do Ano para todas as pessoas deficientes". "29. O representante da Organização Mundial de Saúde referiu-se particularmente a certos levantamentos recentes indicadores de que, presentemente, apenas uma pequena porcentagem de pessoas deficientes nos países em desenvolvimento recebiam os serviços de que necessitavam; o sucesso dos esforços para melhorar as condições de vida da maioria das pessoas deficientes da zona rural dos países em desenvolvimento depende da descoberta de novos meios para estender a prestação de serviços básicos necessários, a nível de comunidade, meios esses que devem estar em consonância com os recursos já colocados à disposição para tal finalidade nos países em desenvolvimento, ou que podem ser disponibilizados para tanto". - *As recomendações para atividades a nível nacional* Depois de discutir assuntos relacionados à cobertura de secretariado para o Ano Internacional, e de analisar algumas proposições que não chegaram a ser aprovadas, o documento apresenta suas Recomendações que, devido à sua relevância, transcrevemos. "III. RECOMENDAÇÕES A - Introdução - Princípios básicos adotados para as recomendações 57. A finalidade do Ano Internacional das Pessoas Deficientes é promover a concretização de objetivos de "participação plena" de pessoas portadoras de deficiências na vida social e no desenvolvimento das sociedades nas quais vivem, "igualdade" significando condições de vida iguais àquelas de outros cidadãos na sua sociedade e uma participação igual na melhoria das condições de vida que resultam do desenvolvimento social e econômico. Esses conceitos são aplicáveis da mesma maneira e com a mesma urgência em todos os países, independentemente de seu nível de desenvolvimento. 58. Problemas de pessoas portadoras de deficiências deverão ser apreendidos em sua totalidade e levados em consideração em todos os aspectos de desenvolvimento. Todavia, deve-se notar que, em vista dos muitos problemas de alta prioridade e de meios e recursos insuficientes, os países em desenvolvimento têm-se visto impossibilitados de alocar os necessários recursos para resolver os problemas de pessoas deficientes". "B - Atividades a nível nacional 68. A Comissão Consultiva recomenda que os Estados-Membros sejam convidados, em conformidade com seus direitos e responsabilidades, a determinar com plena liberdade seus objetivos de desenvolvimento e prioridades, e, à luz de suas próprias circunstâncias, considerar a adoção das seguintes medidas para a implementação e verificação dos objetivos do Ano Internacional, conforme estabelecido pela Assembléia Geral em sua resolução n.°31/123. Os Estados-Membros são convidados a: a) Fazer uma proclamação no início do ano (1981) contendo as medidas prioritárias a serem implantadas para a plena participação de pessoas portadoras de deficiências na sociedade. b) Estabelecer como medida preparatória, Comissões Nacionais ou Grupos semelhantes para o Ano, cujo nível de representação deverá ser de tal natureza que possa assegurar a implementação de suas metas, com a finalidade de planejar, coordenar e executar, ou encorajar a execução de atividades de apoio aos objetivos do Ano Internacional a nível local e nacional; dentre os que participam de Comissões deverão estar incluídos representantes de Ministérios, organizações governamentais e organizações não-governamentais e grupos voluntários, inclusive aqueles que representam a juventude e a comunidade econômica. A participação de representante de organizações de ou para pessoas portadoras de deficiências em tais Comissões deverá ser considerada como prioritária. c) Preparar, ao final de 1981, planos nacionais para o prosseguimento dos objetivos do Ano, tendo em vista a revisão e a avaliação de resultados do ano, previstos para 1991. d) Promover campanhas de divulgação para disseminar informações sobre os objetivos do Ano Internacional e esclarecer o público, aumentando seu conhecimento quanto aos direitos das pessoas deficientes de participar e de construir para a vida econômica, social e política de sua sociedade, elevando também a consciência da comunidade para o potencial das pessoas portadoras de deficiências de assim o fazer. e) Integrar os serviços destinados a pessoas portadoras de deficiências nos programas de desenvolvimento geral da comunidade e adotar o conceito de reabilitação integral em todos os serviços de saúde, de educação e de serviços sociais. f) Treinar pessoal profissional e técnico nos números e nos níveis que garantam a implementação de programas nacionais relacionados a todos os aspectos da reabilitação integral, através, por exemplo, da inclusão no currículo das escolas, universidades e outras instituições educacionais, do conceito de reabilitação integral. g) Prestar atenção especial à coordenação e fornecimento de serviços governamentais no que diz respeito a pessoas portadoras de deficiências, particularmente nas áreas de prevenção, cuidados de saúde, educação, habilitação e reabilitação social e profissional. h) Estabelecer mecanismos apropriados governamentais para coordenação de toda a política relativa às pessoas portadoras de deficiências, particularmente nas áreas de prevenção, de cuidados com a saúde, de educação, de habilitação e de reabilitação social e profissional. i) Rever a legislação existente para eliminar possíveis práticas discriminatórias com relação à educação e ao emprego de pessoas deficientes. k) Tornar o planejamento para desenvolvimento e programação de prevenção e serviços de reabilitação uma parte integrante no processo de planejamento nacional. l) Concretizar programas existentes relativos a medidas profiláticas de moléstias, como importante passo na prevenção de deficiências. m) Desenvolver todo o esforço para analisar com seriedade a incidência de deficiências, por exemplo, por pesquisas preliminares em residências, a fim de capacitar as organizações que determinam a política de atuação a conhecer a natureza e a extensão das necessidades que os serviços devem atender. Os órgãos de planejamento econômico e social deverão estar envolvidos num nível mais elevado em questões relacionadas a deficiências, prestação de serviços de reabilitação, e a estimulação do treinamento de especialistas de planejamento neste campo. m) Rever seus serviços e benefícios para assegurar que ajudem e encorajem as pessoas portadoras de deficiências a permanecer e/ou a tornar-se uma parte integrante da sociedade onde vivem, em vez de provocar segregação e isolamento. n) Quando do estabelecimento de política para as pessoas portadoras de deficiências, dar ênfase ao desenvolvimento de suas habilidades e promover informação para o deficiente a respeito de serviços e benefícios que estão ao seu dispor. o) Iniciar investigações quanto a restrições discriminatórias que limitam a liberdade da pessoa deficiente em participar plenamente da sociedade, e tomar as medidas que forem necessárias para remediar a situação. p) Promover condições adequadas, inclusive acesso sem obstáculos a instalações, para a plena participação de pessoas portadoras de problemas físicos em educação, trabalho, esportes e outras formas de recreação. q) Manter-se alerta para a necessidade de introduzir legislação que assegure que todos os edifícios novos e edifícios nos quais adaptações de grande monta estejam sendo iniciadas, garantam acesso pleno para pessoas com deficiência, e reconhecer formalmente que pessoas deficientes tenham o mesmo direito de acesso a todos os prédios públicos e sociais das demais pessoas. Isso deveria incluir também medidas para criar e aumentar o acesso à informação pública para pessoas surdas e aquelas que têm deficiência auditiva e visual, através, por exemplo, do aumento de literatura gravada em cassetes ou transcrição em Braille e com a provisão de equipamentos auxiliares de audição em edifícios públicos e serviços de intérpretes para surdos. r) Com relação à habitação para as pessoas portadoras de deficiências, evitar programas de reabilitação segregados que provocam um ambiente semelhante ao da vida institucionalizada e, em países onde instituições estão sendo reduzidas, transferir recursos de cuidados institucionais para cuidados relativos à integração e assegurar apoio adequado para pessoas portadoras de deficiências, em casa e junto à família. s) Rever e quando necessário revitalizar, programas destinados a prevenir a ocorrência de deficiências. t) Promover a saúde no contexto de "cuidados básicos com saúde" para a prevenção de deficiências, particularmente aquelas que são de origem pré-natal e natal, ou que ocorrem na primeira infância, pela adoção de atividades destinadas a melhorar os programas de reabilitação, nutrição, serviços de saúde maternal e infantil, assistência adequada durante a gestação e durante o parto, controle da doença microbacteriana e o controle de doenças crônicas, tanto transmissíveis como não-transmissíveis. u) Dar ênfase às normas de segurança no trabalho como medida preventiva, e adaptar sua aplicação à pessoa portadora de deficiência no trabalho às necessidades individuais. v) Tornar o ambiente de trabalho acessível à pessoa com mobilidade restrita, àquelas com problema de orientação e àquelas com problemas alérgicos. Atenção devida deverá também ser dada a fatores psicológicos no ambiente de trabalho e à influência das condições de trabalho sobre a saúde mental da pessoa. w) Possibilitar a isenção de taxas alfandegárias e de taxas sobre equipamentos, maquinaria, adaptação e outros materiais usados por e para benefício de pessoas deficientes, devido às suas incapacidades, e prover também a necessária licença de importação e alocações de câmbio para moeda estrangeira, quando aplicáveis. x) Assegurar, conforme for recomendável, que organizações não-governamentais estejam adequadamente envolvidas na preparação e implantação de programas nacionais no campo de serviços sociais para pessoas deficientes. y) Dar alta prioridade às atividades iniciadas por pessoas deficientes e encorajar o estabelecimento de organizações de pessoas deficientes. z) Indicar, se possível, representantes de pessoas com deficiência, para delegações que participem de encontros internacionais, particularmente quando os assuntos se relacionem a elas e ao Ano Internacional. aa) Proclamar o Dia Nacional das Pessoas Deficientes.” (Extraído do Documento n°. A/34/158, de 13 de junho de 1979 "International Year for Disabled Persons - Report of the Secretary-General" - United Nations, New York). - *O Ano Internacional das Pessoas Deficientes a nível de Brasil* Foi através de uma carta datada de 25 de outubro de 1979 que Esko Kosunen, Oficial Encarregado do Ano Internacional para as Pessoas Deficientes e Chefe da Unidade de Reabilitação da ONU, remeteu-nos longos comentários e material farto e relevante quanto a 1981, até então conhecido como o Ano Internacional para as Pessoas Deficientes. Trabalháramos um ano e meio juntos na ONU, em New York, no final de nosso período de cinco anos de atuação na Organização, e sabíamos muito bem que a preocupação dele era que alguém, fora de âmbito oficial federal, pudesse dar um primeiro impulso a nível de Brasil, para que o evento internacional surtisse efeitos em nosso meio. Por remessa postal separada, enviou-nos também o seguinte material inicial, depois complementado por outros mais atualizados: - Resolução da Assembléia Geral da ONU, n° 31/123, sobre o Ano Internacional para as Pessoas Deficientes, datada de 2 de fevereiro de 1977; - Relatório do Secretário-Geral da ONU, datado de 11 de novembro de 1977, sobre o Ano Internacional; - Resolução da Assembléia Geral da ONU, n°. 32/133, de 28 de fevereiro de 1978, também sobre o Ano Internacional; - Relatório evolutivo do Secretário-Geral da ONU sobre Prevenção de Deficiências e Reabilitação do Deficiente, datado de 19 de fevereiro de 1978; - Relatório do Secretário-Geral da ONU juntando a minuta do Programa Internacional para os anos de 1980/81, para consideração da Assembléia Geral; - Anexo II do Relatório sobre a Situação Social do Mundo, contendo medidas relacionadas à Implementação dos Direitos das Pessoas Deficientes; - Circular n°. 3/79, de comunicação sobre o ano Internacional das Pessoas Deficientes; - Relatório do Secretário-Geral da ONU à Assembléia Geral, adotando o relatório da Comissão Consultiva, e apresentando-o na íntegra para aprovação contendo todas as proposições sobre o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (transcritas em parte neste capítulo). De posse dessa documentação, tomamos providências pessoais para tradução dos trechos mais relevantes para o português, com o intuito de iniciar uma série de discussões sobre seu conteúdo, e de chegar ao final do ano de 1980 com algumas idéias bem estabelecidas. A primeira oportunidade surgiu em maio de 1980 quando um incipiente movimento de São Paulo, até então conhecido como "Coalizão de Pessoas Deficientes" e hoje conhecido como "Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes" reuniu-se numa manhã de sábado e discutiu as "proposições a nível nacional", contidas no documento. Os quase trinta participantes da reunião distribuíram-se em quatro grupos de trabalho e discutiram as vinte e sete proposições, elaborando propostas novas para aplicação local daquilo que, no documento original, parecia mais uma colcha de retalhos de idéias. A segunda oportunidade para estudar essas proposições surgiu durante o Segundo Congresso Brasileiro de Reintegração Social, organizado em São Paulo, no mês de julho de 1980. O tema "Ano Internacional das Pessoas Deficientes" foi incluído no programa para debates durante uma tarde toda de trabalhos. O congresso aprovou uma série de conclusões dos grupos de trabalho, bem mais profundas e mais incisivas do que as primeiras, devido à heterogeneidade dos grupos, à diversidade de sua composição, ao acervo de experiências de seus debatedores e também devido ao fato de estar contando com os resultados das primeiras discussões durante o mês de maio, o que muito ajudou os membros integrantes dos grupos de trabalho. Também no início do mês de julho de 1980 surgiu em São Paulo um grupo conhecido como "de apoio e estímulo ao Ano Internacional das Pessoas Deficientes". Logo após sua primeira reunião, convocada por Dona Dorina de Gouvêa Nowill, foi tomada a deliberação de remeter ao Senhor Presidente da República ofício co-assinado por entidades participantes, para que ele desse ao Ano Internacional o nome correto, ao assinar o decreto criando a Comissão Nacional ao mesmo destinada. Ouvia-se falar de traduções inaceitáveis, tais como "Ano Internacional do Incapacitado", "Ano Internacional do Excepcional" e outros nomes que estavam sendo fortemente tentados. A mensagem, juntamente com outras de locais e iniciativas diferentes, parece que chegou ao destino, pois em 16 de julho de 1980 o Presidente da República assinava decreto criando a Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, vinculando-a ao Ministério da Educação e Cultura. Seus membros foram nomeados por Portarias do Senhor Ministro da Educação em 28 de agosto e 17 de setembro de 1980. - *A Comissão do Estado de São Paulo e seu relatório* A Comissão Estadual de São Paulo foi criada apenas no dia 5 de março de 1981, uma vez que a Secretaria de Estado da Casa Civil do Governador ficara aguardando orientações da Comissão Nacional até então. Foi criada com o nome de Comissão Estadual de Apoio e Estimulo ao Desenvolvimento do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, por meio de um decreto datado de 5 de março de 1981 e teve em sua presidência o próprio SecretárioChefe da Casa Civil do Governador. Recebeu o prazo de sessenta dias para apresentar seu relatório final. Prazo cumprido, o relatório foi impresso e amplamente distribuído para informação de todos os interessados no assunto, além de servir de base para discussão de seus temas nos mais variados níveis. Trata-se de um documento "que representa um consenso de opiniões de todos os seus componentes, analisa em cores adequadas a extensão dos problemas das deficiências entre nós e apresenta sugestões de naturezas várias, não só para 1981, mas para toda a Década de Oitenta, conforme indicado em suas considerações", segundo nota introdutória do documento em questão. - *As propostas para ação em São Paulo* A Comissão Estadual de Apoio e Estímulo ao Desenvolvimento do Ano Internacional das Pessoas Deficientes inseriu em seu relatório uma série de propostas para ação, a curto, médio e longo prazos. A primeira dessas proposições dirige-se ao Governo Estadual e a todos os Governos Municipais do Estado, indicando pontos básicos para o estabelecimento de uma política de ação para toda a Década de Oitenta. Assim, o relatório sugere medidas quanto à prevenção de males incapacitantes e à redução das conseqüências das deficiências já instaladas; sistemas municipais simples para a detecção precoce das deficiências, com o propósito de atender, tratar e reabilitar, levantando dados e adequando programas e ações futuras; acesso de pessoas deficientes de todas as idades à educação e à profissionalização; pesquisas das mais variadas naturezas nessas áreas; revisão de normas e padrões de funcionamento das entidades de atendimento; revisão tanto do Código de Obras quanto daquele relacionado a Normas Técnicas, e muitos outros pontos de relevância. Nesse importante documento a Comissão Estadual defende também a criação de um órgão de coordenação, a fim de verificar que a política de ação seja efetivada, assumindo a responsabilidade de planejar, incrementar e coordenar as atividades de atendimento às pessoas deficientes e seus familiares. Segundo os postulados da Comissão Estadual, esse órgão deverá ser de caráter inter-secretarial, contando com representação não só das Secretarias de Estado envolvidas, mas também de entidades de/para pessoas deficientes. Indica também a Comissão Estadual a necessidade da criação de um Fundo Especial de desenvolvimento, com dotação orçamentária própria para subsidiar programas reabilitacionais. Esse Fundo, considerado um programa coordenado, só poderá ser gerido pelo Órgão de Coordenação já indicado. Logo a seguir a Comissão Estadual entra em pormenores quanto a outros objetivos, tais como Educação, Prevenção, Reabilitação Global, Trabalho, Conscientização, Acesso e Eliminação de Barreiras, Materiais e Equipamentos, e Legislação. Documento inédito em termos de Brasil, o relatório da Comissão Estadual de São Paulo foi amplamente distribuído para todas as Comissões Estaduais/Territoriais ainda em setembro de 1981, com o intuito de dar subsídios e de ajudar na discussão dos problemas. - *As realizações da Secretaria Executiva da Comissão Estadual* A Comissão Estadual para o Ano Internacional das Pessoas Deficientes que foi organizada em São Paulo entregou seu relatório dentro do prazo estabelecido, e no ato de sua entrega ela encerrou as suas atividades. Decidiu, entretanto, seu Presidente, manter em atuação sua Secretaria Executiva, cabendo a ela prosseguir os entendimentos até então mantidos e assumir a responsabilidade de continuar todos os esforços viáveis para o objetivo fundamental de levar a uma conscientização mais completa possível quanto à problemática das pessoas deficientes. Do mês de julho até setembro foram distribuídas mais de quinze mil cópias do Relatório da Comissão Estadual, tendo cada Comissão Estadual ou Territorial recebido cinqüenta cópias para seu uso e como subsídio da Comissão Paulista aos esforços que estavam sendo feitos a nível de cada Unidade Federada. Além disso, dentro do mesmo período de tempo, foram remetidas cópias para vários organismos internacionais, tais como a ONU e seu escritório central para o A.I.P.D., em Viena, a Organização Mundial de Saúde, a Organização Internacional do Trabalho, a Organização Pan-Americana de Saúde, a UNESCO, o UNICEF, a Rehabilitation International, o Conselho Mundial para o Bem-Estar dos Cegos, a Federação Mundial dos Veteranos e diversas outras organizações não-governamentais de caráter internacional, envolvidas no assunto. *Conscientização: a meta para 1981* Mantendo-se na linha de garantir como prioridade para o Ano Internacional das Pessoas Deficientes o objetivo de conscientização.000 foram distribuídas até dezembro de 1981. Um volume de 500 cópias foi também remetido para o Secretariado Nacional de Reabilitação de Portugal. foi muito maior e mais efetiva do que foi o caso ao redor da maior parte do mundo".I Seminário Regional de Habilitação e Reabilitação das Pessoas Deficientes. . . organizado pela Comissão Municipal de Bauru em colaboração com a Comissão Estadual. pois pretendia estudar seu conteúdo com cuidado. em São Paulo. como também para entidades que congregam pessoas deficientes. com o uso de tecnologia apropriada. a Secretaria Executiva traduziu e conseguiu que fossem impressas 50. à base de 500 cópias cada. A Organização das Nações Unidas solicitou cópias adicionais. chegou a se expressar da seguinte forma. Além disso. e o trabalho de elaboração dos projetos de reabilitação a nível comunitário.000 cópias da "Carta para a Década de Oitenta . e eu sei que você deve ter uma sensação de grande satisfação porque a atuação de vocês. manteve também a Secretaria Executiva compromissos de palestras e conferências sobre o Ano Internacional em vários pontos do território nacional. Esses conjuntos de gravações têm sido usados em Centros de Reabilitação e têm sido muito importantes para a discussão dos problemas de pessoas deficientes nos mais variados ambientes. com o intuito de futuramente preparar documento para impressão e distribuição. a vida afetiva. para transmissão em ondas curtas e longas. trabalhado por São Paulo. Recebido o conjunto de gravações. Ambos os projetos foram preparados para .*Dois Encontros Regionais discutem as propostas da Comissão Estadual* O Relatório da Comissão Estadual foi discutido em dois Encontros Regionais organizados especificamente para esse fim: .Encontro Regional sobre Integração das Pessoas Deficientes. seminários. por meio de uma correspondência atenciosa. com a ampla participação de pessoas deficientes discutindo informalmente temas de alta relevância. Este foi um exemplo extremamente interessante dos tipos de coisas positivas que aconteceram durante o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. e de cooperação e assistência técnica em reabilitação. as barreiras atitudinais e arquitetônicas e vários outros. organizado pela Comissão Municipal de Ourinhos com a estreita colaboração da Comissão Estadual. a realidade de trabalho. tanto para Comissões Estaduais e Territoriais. Norman Acton: "Prezado Otto.Declaração". Atuação das mais marcantes. . De ambos os Encontros conclusões interessantes foram encaminhadas à Secretaria Executiva da Comissão Estadual. como a necessidade de conscientização. A Rehabilitation International. palestras. entretanto. das quais 40. providenciou também a Secretaria Executiva sua transcrição para o papel. A Secretaria Executiva da Comissão Estadual também coordenou a gravação de quinze mesas redondas na Rádio Cultura de São Paulo. Com a maior sinceridade quero que me desculpe porque até agora não me foi possível responder pessoalmente à sua carta de 11 de agosto e todas as informações que mandou com ela. foi a pormenorização do projeto de órgão de coordenação para sua apresentação aos órgãos competentes. mas também proposições para sua implementação a nível local e/ou regional. faculdades e outros pontos. contendo não só uma análise do relatório em discussão. por meio de seu Secretário-Geral.Reações as mais diversas ocorreram a esse documento básico. ao lado de Belo Horizonte avaliou as atividades desenvolvidas e aprovou algumas recomendações fundamentais para toda a Década de Oitenta.de esquecimentos e de desvalorização pudessem ser suplantados em um ano apenas. com realizações marcantes.I.serem colocados em prática tão logo o governo paulista se definisse quanto ao órgão coordenador. E finalizamos este trabalho com sua transcrição.*Recomendações finais de todas as Comissões: um desafio para o futuro* "Irmanados na luta em prol da melhoria de condições de vida das pessoas deficientes. enfatizam sobretudo o esforço conjunto para a consecução dos ideais de Igualdade e Participação Plena. parece que demonstrou com clareza que ela não se justifica. a partir das seguintes considerações: 1) As resoluções aprovadas pela Assembléia Geral da ONU. para ser mais preciso . Minas Gerais.P.I. e que precisam de uma solução agora. .D. reuniramse em Contagem. a Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. hoje .e não no século XXI. em condições de igualdade de direitos e deveres.*O apagar das luzes para o Ano Internacional* Embora alguns artigos de jornal ou revista procurassem martelar uma certa sensação de vazio quanto a realizações concretas do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. o que foi amplamente evidenciado neste Encontro. esperando que não tenhamos todos nós passado por um Ano Internacional das Pessoas Deficientes sem dele termos saído convencidos de que precisamos interiorizar a extensão e a gravidade desses problemas todos que afligem gente semelhante a cada um de nós. 2) Há necessidade de mudança de atitudes visando a eliminar os estereótipos e preconceitos que impedem a consecução dos ideais acima mencionados. sem o qual pouca coisa poderia ser feita ordenadamente. muito embora sem qualquer divulgação externa. os representantes das Comissões Estaduais/Territoriais e do Distrito Federal. Na verdade.D. mudanças de atitudes. tiveram o bom senso de trabalhar com o objetivo de "conscientizar" o mais possível a sociedade quanto ao problema e quanto à necessidade de todos nos voltarmos para essas pessoas marginalizadas que aspiram uma participação adequada. Este Encontro chegou a algumas conclusões fundamentais para o prosseguimento dos trabalhos ao longo da década. a menos que se procurasse chegar apenas a realizações concretas. com o lançamento de sementes que são de fundamental importância no futuro desenvolvimento de programas de reabilitação no Brasil.P.milênios. . de Entidades não-governamentais de assistência às pessoas deficientes e de organismos que congregam essas pessoas. A totalidade das Comissões Estaduais e da própria Comissão Nacional para o A. adaptação de meios de transporte. elevação de prioridades governamentais. . a Secretaria Executiva da Comissão Estadual do A. rebaixamentos de guias e eliminação de barreiras.D. ninguém em sã consciência poderia esperar que séculos .P. médio e longo prazos.I. relacionadas que devem estar a projetos a curto. de 23 a 26 de março de 1982. Assim. o Encontro Nacional das Comissões Estaduais para o A. Poucas foram as realizações concretas. em São Paulo demonstrou que muito pode ser feito sem alarde. O Encontro Nacional realizado na cidade de Contagem . quando o nosso País estiver melhor desenvolvido e houver recursos específicos para atender a todos os males. concretizadas na Carta para os Anos Oitenta. construção de centros. " . na medida do possível. Para que essas recomendações se efetivem ao longo da década. portadores de qualquer tipo de deficiência. em sua conotação mais ampla. 5. Esta medida virá responder ao anseio das Unidades federadas que. não teve a finalidade e nem a pretensão de solucionar a problemática em que se debate a pessoa dita deficiente. 4) Torna-se premente a cooperação técnica internacional no sentido de intensificar e divulgar estudos e pesquisas nas diferentes áreas do conhecimento humano com o intuito de prevenir deficiências ou reabilitar pessoas tornadas deficientes. constatou-se. 4. a necessidade da criação de um Órgão Nacional para dar continuidade à coordenação desenvolvida pela Comissão Nacional durante o A. a educação e a saúde são direitos inalienáveis de todo ser humano e que tantas vezes são negados às pessoas portadoras de deficiências. de atendimento materno-infantil. pela insistência de muitos em conceitos obsoletos. adolescentes e adultos.I. 6) Os legisladores devem estar atentos para que as pessoas ditas deficientes usufruam dos mesmos direitos assegurados aos demais cidadãos. prosseguirem. A intensificação das medidas de imunização. 2. A crescente ampliação do atendimento em educação especial a crianças.D. os esforços em prol das pessoas ditas deficientes. O desenvolvimento de esforços para a adequação dos cursos profissionalizantes existentes e a criação de outros. assim.D. através de órgãos já criados para os fins propostos ou em vias de criação. 5) Os ideais visados pela ONU realmente se efetivarão quando todo aquele que sofrer de limitações de ordem física. recomenda-se: 1. ao lado de Centros Regionais de Reabilitação e dinamização de programas de reabilitação a nível comunitário com utilização de tecnologia simplificada e aproveitamento de recursos locais. Com base nas premissas acima enunciadas. ultrapassados e claramente preconceituosos. 7. 3.I.3) O trabalho. tanto uma sensibilização cada vez mais crescente de todas as camadas da população como uma mobilização das pessoas ditas deficientes e suas famílias. bem como um maior incremento à capacitação de recursos humanos. A implantação gradativa. mas objetivou sobretudo ser um grito de alerta para a consciência de todos nós. a um ambiente livre de barreiras de qualquer natureza. 7) O A. sensorial e mental. 6. neste Encontro. ao mesmo tempo em que se intensifiquem não só a conscientização do empresariado como também trabalhos integrados para o encaminhamento a empregos condizentes. a nível estadual. diagnóstico e tratamento precoce. tiver acesso.P. iniciados durante o Ano Internacional das Pessoas Deficientes que ora se encerra. para aprofundamento e intercâmbio de tecnologia específica e treinamento de pessoal. as pessoas portadoras dos vários tipos de deficiências. promovendo. de Centros de Reabilitação. Maior estímulo a projetos de pesquisa e construção e medidas práticas visando a melhoria de acesso das pessoas ditas deficientes a edifícios públicos e sistemas de transporte. bem como programas de prevenção de acidentes e de proteção ao meio-ambiente. Gestão junto ao poder legislativo para a elaboração de novos projetos de lei visando eliminar a discriminação de que ainda são vítimas as pessoas ditas deficientes. A utilização sistemática e continua dos veículos de comunicação de massa para disseminar e realizar o intercâmbio de idéias e temas relativos as pessoas ditas deficientes.P. Lecoffre . ARISTÓTELES .Histoire des Persécutions .in Oeuvres Complètes de Celse . BERENGER e outros .M.Malati. P.V.in Danish Medical Bulletin . .L. .De Re Medica . de . . S. CALDER. S..Medicine and Man . P.in The Basic Works of Aristotle . 1958.Larousse du XXe.Cambridge.Catavento .C. .A Note on Medical Care in Mediaeval English Hospitals . BARKER.Doubleday .Os Lusíadas . CELSUS. AUGÉ.A.New York. 1963.A. ALVES.Britannica . BENTON. F. 1925.A.Les Curiosités de la Médecine . CABANÈS. J.The Story of the Art and the Science of Healing Menton Books .Paris. . BIEN.Hoelpi . 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WEINFELD. seus familiares e todos os que de alguma forma trabalham ou se dedicam ao seu atendimento e à sua assistência sabem muito bem que tem havido uma inacreditável lentidão da sociedade e do governo em aceitar .Paris.F. ZARUR. UNITED NATIONS .J. .Syphilis and Neanderthal Man .Medical Vignettes from Turkey .International Year of Disabled Persons .Report of the Regional Technical Meetiny and Regional Seminar on Preparatory Activities for the International Year of Disabled Persons .Summary of Measures Concerning Implementation of the Declaration on the Rights of Disabled Persons .NewYork. .Itambé .. 1975. Mas todos aqueles que têm algum tipo de problema limitador que pode levar em muitos casos à deficiência. estimativas mundiais só começaram a ser profusamente divulgadas durante o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Temos visto e ouvido muito em nosso meio que as famílias "atingidas" acabam sentindo o problema como exclusivamente seu.tem sido na melhor das hipóteses limitada. Face a esses fatores é muito importante chamarmos a atenção para o fato de que. que é muito ponderável nesse panorama todo que envolve pessoas com deficiências no mundo de hoje. todos aqueles que não estão diretamente envolvidos tentam ignorá-lo. nossas organizações privadas. Na pior. As conseqüências da falta de conhecimento e de convicção quanto à gravidade da situação e à dimensão do problema.salvo raras e mui distintas exceções . Os documentos das organizações internacionais mais categorizadas indicam-nos que pelo menos 10%. a inviabilidade de melhor ajudar a família que literalmente vive a dificuldade permanente. quando o General Lott ocupava provisoriamente a Presidência do Brasil. a fim de evitar também situações sociais embaraçosas.as reais dimensões do complexo de situações enfeixadas nas deficiências físicas. lamentando-se de quando em quando. evitá-lo ou simplesmente pretender que ele não existe. bem ou mal preparadas para a tarefa. a preterir a adequada assistência a pessoas deficientes por outros programas e a não apoiar qualquer tipo de ênfase nesse campo. Existe uma certa dose oculta de rejeição. nossas repartições públicas e nossa população em geral a não dar atenção própria. Acresce a tudo isso que. por estarem mal informados ou desinformados por completo sobre a verdadeira natureza do problema. mas sem o menor vislumbre de sucesso. elucidações quanto a este ou àquele médico especializado que resolveu casos semelhantes e tantas mais. levará fatalmente nossos planejadores de governo. seus direitos. ou de órgãos governamentais. poderá ser inadequada. Muitas delas procuram esconder seu membro deficiente. gestões tem sido feitas para tal fim. De outra parte. esclarecimentos quanto a providências já tomadas. a eliminar possibilidades de estabelecimento de qualquer nível de prioridade. sensoriais. Quase toda a responsabilidade pelo atendimento dos casos concretos tem ficado nas mãos de algumas entidades privadas. deveres e aspirações. ao se deparar com situações mais chocantes. Nossos recenseamentos nacionais não têm inserido estudos dessa natureza em seus questionários. de tal maneira que precisam de serviços especiais de alguma natureza. consciente ou não. verificaremos que a maioria . exatamente por haver desconhecimento quanto às verdadeiras dimensões dos problemas relacionados a deficiências entre nós. da população de qualquer país do mundo em tempos de paz sofrem as conseqüências de algum tipo de problema físico ou mental ou da combinação de males. tais como contínuas interpretações quanto à natureza e gravidade do mal. mesmo por pessoas altamente envolvidas. talvez inócua. e por ocorrer uma evidente rejeição das pessoas que são diferentes devido a uma anomalia física ou mental. se fizermos uma superficial análise da distribuição geográfica das populações no mundo e dos recursos disponíveis para ajudar as pessoas portadoras de deficiências. No entanto. Mas não é somente por falta de dados que a sociedade em geral e nossos governantes tem se omitido. orgânicas e mentais. a maneira como o Brasil está encaminhando programas e atividades voltadas para pessoas deficientes . quando não contra-producente. irrelevante e mal fundamentada. que foi expressamente criado pela Organização das Nações Unidas para alertar o mundo todo a respeito da existência de um certo percentual de pessoas marginalizadas por problemas físicos ou sensoriais. Podemos imaginar que essa atitude quase de imobilidade prevaleça devido à inexistência de dados entre nós. Diga-se de passagem que desde o ano de 1959. os círculos de vizinhança ou de amizade. incluindo nele serviços com tecnologia mais simplificada ou serviços baseados em recursos já existentes na comunidade. preconceitos e também à discriminação. A Rehabilitation International. oportunidades para superar o complexo de problemas que os afligem e passar a ser muito mais “eficientes” na sociedade. estigmas. ao transporte. Estaremos dessa forma dando àqueles que chamamos hoje. o pão. sabemos que por causa da deficiência física ou mental. dirigida a cada uma de suas origens. E um dos motivos é que a maioria das deficiências ocorre nas áreas mais pobres com muita probabilidade de complicações adicionais devido à falta de assistência. que não são poucos os segmentos da sociedade diretamente atingidos por deficiências físicas ou mentais. aos recursos relacionados à recreação e ao lazer. que são mantidos consciente ou inconscientemente para com pessoas que apresentam essas limitações. participação na vida social ou colocação em empregos. do povo.delas. de uma maneira ou de outra. tanto a vida daqueles que são diretamente atingidos. comportamentos. conforme indicamos anteriormente. Como pensar em reabilitação quando não há dinheiro para a alimentação ou vestuário? As dimensões verdadeiras e realistas das deficiências no Brasil não podem ser estabelecidas apenas por números de pessoas atingidas. mas também nas atitudes e no comportamento das pessoas – tanto aquelas que são deficientes quanto as que não são portadoras de deficiências – quer individualmente. orgânico ou mental numa "deficiência". quanto a de alguns dos membros de seu grupo familiar. afirma categoricamente que as modernas e por vezes palacianas instalações que costumamos chamar de "centros de reabilitação" ficam tão distanciadas de suas vidas quanto um carro de luxo de último tipo. não teve. sensorial. o teto e não as aspirações "mais altas". de “deficientes”. Nessas realidades o que conta é a sobrevivência. Um olhar para o futuro poderá nos sugerir que o volume de . a bem da verdade. da comunidade e da sociedade em geral. em sua farta documentação para o Ano Internacional das Pessoas Deficientes e também para a Década de Oitenta. O claro estabelecimento da verdadeira extensão desses problemas deverá levar em conta os efeitos das deficiências sobre a vida das pessoas. a comunidade. Analisarmos o quadro completo de evolução dessas situações no Brasil é tarefa impossível nos dias de hoje. adicionais que sempre são às barreiras de acesso a edifícios. É evidente que existe o reverso da situação. Como exemplo vale lembrar um maior provimento de serviços adequados de reabilitação para pessoas deficientes. receios. geram problemas que tornam sua solução cada vez mais difícil. têm uma reconhecida influência no eventual agravamento da situação. não tem e não terá qualquer oportunidade de acesso aos mesmos. Por estudos realizados em países mais avançados que o nosso. com uma certa despreocupação e sem medir bem o significado da palavra. Ressaltemos. As dificuldades que cada um de nós individualmente cria para a sua educação. por estarem localizadas em países sub-desenvolvidos. A sociedade. Uma redução objetiva dessas conseqüências poderá ser garantida por uma ação conjunta. cujos profissionais não trabalhem apenas no físico. o grupo de referência familiar. 1/4 da população de uma nação poderá estar. na transformação daquilo que é um "impedimento" físico. É fundamental que tenhamos programas de reabilitação mais dinâmicos. E isso ocorre devido a atitudes. ou seja. limitada ou bloqueada quanto à plena utilização de suas capacidades e de seu potencial. Adicione-se que há outros que são responsáveis pelas conseqüências negativas das limitações acima referidas. quer em grupo. Continua existindo a migração de pessoas provenientes de regiões mais pobres para áreas mais promissoras. considerados tão dispendiosos para nossa sociedade. tão aparentemente fora de nossa realidade. sem a menor sombra de dúvida. mas tão fundamentais para aqueles que precisam de serviços especiais para terem condições mínimas a fim de tentar a grande aventura da integração completa na sociedade. É por meio dela que a pessoa poderá ter condições suficientes para sair de uma situação de dependência e marginalidade para uma outra de auto-suficiência na sociedade em que vive. pois é a adequação pessoal o objetivo último do processo reabilitacional. sem qualquer exceção . mostra-nos com muita clareza que a sociedade dos homens. ou seja.problemas trazidos pelas deficiências continuará existindo e estará sempre vinculado às tendências mais gerais de evolução social e humana de nosso país. ou em outros tipos de habitações infra-humanas. O que é que significam essas palavras bonitas em termos práticos? Como é que podemos traduzi-las para o nosso dia-a-dia? Analisaremos a importância do ajustamento do indivíduo portador de deficiência como pessoa. E finalmente iniciaremos pontos de discussão com o objetivo de dar uma visão de como poderá ser viável a avaliação e o controle das atividades de nossos centros e de nossos programas de reabilitação. ou seja. volta-se para ocupações não qualificadas do meio urbano. analisar a situação das pessoas chamadas deficientes. CAPÍTULO PRIMEIRO AS CAUSAS DA MARGINALIDADE DAS PESSOAS DEFICIENTES A ignorada epopéia de parcelas da população mundial. Por não podermos de forma alguma desconsiderar a importância de uma consagrada ação que. desde os seus primórdios se caracterizou como um trabalho multi-profissional que extrapola em muito às atuações de um só profissional. tangida pela ambição de obter melhores condições de vida. em todas as partes do mundo e em todas as épocas. a adequação da pessoa portadora de deficiência a uma situação concreta de produção de bens e serviços. pois têm o direito de desfrutar de tudo aquilo que está implícito nos temas básicos do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. teremos um capítulo especial de discussão quanto às características e as dificuldades do trabalho de equipe nos programas reabilitacionais de hoje. Boa porcentagem da população. Tentaremos iniciar discussões quanto aos motivos que poderão levar pessoas portadoras de deficiências a uma situação de marginalidade. Essas tendências nos dias que correm mostram-nos taxas assustadoras de desemprego e num crescendo quase sem barreiras. que existe entre a nossa população que possui bens daquela população que não os possui. o imenso acervo de pessoas sobrevivendo em situações de sub-emprego. em continua expansão. Procuremos. Elaboraremos também um pouco quanto ao verdadeiro significado e às implicações daquilo que é verbalizado muito facilmente como "integração social das pessoas deficientes". "participação plena e igualdade". Focalizaremos também um pouco mais pormenorizadamente os componentes do ajustamento à vida de trabalho. dentro do final do século XX e dentro de nossa realidade brasileira. A tudo isso acrescentemos o imenso abismo. em cortiços que se encontram superpovoados. o que deixa – aparentemente – as pessoas deficientes numa dificuldade ainda maior para serem absorvidas pelo mercado aberto de trabalho. caindo quase sempre em favelas. deste ponto em diante. através dos muitos séculos da História do Homem sobre a Terra. em vez de estar trabalhando em produção de alimentos. ser diferente é bem próprio da natureza humana e as diferenças são de caráter universal. Para todos os efeitos. não se apresenta como exceção.A Psychological Approach" de B. será de grande valia conscientizar-se das características aproximadas da normalidade. Na verdade. apesar de ser notória a pretensão que tem de muito aberta à integração de todos. que não é nada igual ao costumeiro. Na tentativa de analisar com cuidado este tema. Preconceitos e medidas discriminatórias existem concretamente contra quase todos os tipos de "anormalidades" ou de "anomalias". da inteligência fora do comum. que alimenta contra certos grupos religiosos. colocou e continuará colocando por muito tempo mais à margem de sua correnteza principal certos tipos de indivíduos que dela poderiam fazer parte. muito embora essas atitudes apresentem tonalidades de ênfase diferente. ou então. que foge à normalidade. porém: as atitudes discriminatórias existem entre nós e com elas suas conseqüências mais lamentáveis. ou aqueles que estão diretamente relacionados ao comportamento face ao grupo. pouco aceitável. em nossos grupos sociais. A nossa sociedade. como nos casos de beleza excepcional. há vagos limites de tolerância para essas diferenças individuais entre os homens. sem adotar qualquer medida preconceituosa. A verdade dos fatos é outra. de Telford e Sawrey). sem muito pensar. É importante compreender com alguma segurança quais os fatores que determinam ser o indivíduo assimilável.alguns indivíduos devido a motivos vários e definidos. em seus múltiplos segmentos. colocando-o de lado. No entanto. pois "a maioria das pessoas não tem contra os deficientes a mesma espécie de preconceitos. . retira da correnteza principal . que são as situações reais de marginalidade social. Essa preocupação levar-nos-á. mas de um modo todo especial ela é quase universal com relação às características físicas e/ou mentais dos indivíduos. uma das primeiras e cruciais dúvidas aflora: quais os motivos que levam as pessoas ou os grupos a tomar uma atitude discriminatória e muitas vezes repleta de idéias pré-concebidas. em detrimento de outros indivíduos? Que tipo de raciocínio ocorre para alguém. pode significar rejeição. da forma física perfeita.ou seja. Tudo aquilo que é muito diferente. a lembrar primeiramente que não existe um indivíduo sequer que seja idêntico a outro.. Quando elas ocorrem para o lado positivo. "ser diferente" é ser "colocado de lado". mas cumpre que coloquemos em relevo aqueles que se relacionam à apresentação visual. Para todo aquele que procura melhor compreender as origens deste problema de ponderável complexidade. Essa verdade é aplicável a várias situações. Com isso ela demonstra que existem alguns padrões de aceitabilidade. "Muitos escritores têm também atribuído a rejeição de uma pessoa deficiente ao fato dela ser diferente. Wright). em seu sentido sociológico.. elas causam deleite àqueles que com elas se defrontam. a tal ponto e de tal maneira que o grupo social poderá chegar mesmo a bloquear aquele seu membro "excessivamente diferente". chama a atenção. . procurando especular um pouco quanto às características que o ser humano precisa apresentar para ser considerado como "normal". o que em linguagem de relações inter-pessoais. um dos mais sérios e significativos mostra-nos que a sociedade marginaliza . O "ninguém quer ser diferente" é aceito como uma lei óbvia do homem" ("Physical Disability . simplesmente eliminar de sua vida e de seu meio uma pessoa por apresentar um tipo qualquer de anomalia? Embora muitos pontos possam ser colocados à consideração do estudioso do assunto. sem dúvida. raciais ou desfavorecidos" ("O Indivíduo Excepcional". que é raro.praticamente. A diferença e a "excepcionalidade" podem existir tanto para melhor quanto para pior. *Normal ou anormal: eis o problema* Será muito difícil para um estudioso afirmar com segurança que consegue indicar tudo aquilo que é "normal" ou "anormal" num ser humano. Dependendo de valores culturais predominantes. seja em termos de comportamento.É a excepcionalidade positiva que estimula o homem a se aproximar ou a almejar o ideal perfeito. sempre sonhado e nunca atingido. sua composição. O único ponto de conhecimento generalizado e que todos sabemos que existe um limite indefinido para as diferenças do "normal" serem assimiladas pelo grupo social. Acontecimentos excepcionais catastróficos. e outros fatores. eventualmente ao controle das pessoas afetadas por esses males e aos programas que levem à sua reabilitação global. Segundo cada realidade social e cada cultura podem ocorrer claras delineações quanto aos desvios da normalidade que são ou não aceitáveis. sua realidade política. em dada realidade. procura também tomar sua posição. seu nível de conscientização. Ninguém sabe. o sentido de estética. seja em termos de desenvolvimento pessoal. além das respectivas famílias ou grupos de relacionamento. a harmonia. Da mesma forma chamam a atenção os comportamentos irracionais e os padrões de desenvolvimento físico ou de aparência anormal do ser humano. até que ponto uma diferença dos padrões da aceita "normalidade" poderá ser assimilada sem maiores dificuldades pela sociedade onde ocorre. seu modo de ver o indivíduo. as comunidades às quais pertencem. ela age através de atividades assistenciais que podem levar à compreensão do problema. assiste-o financeiramente. à prevenção de males. pois ela sabe muito bem que esses eventos ou situações precisam ser contornados ou resolvidos . a segurança pessoal e a familiar. guerras ou revoluções como solução de disputas são acontecimentos que polarizam a atenção. As condições de divergência do usual atingem o homem como indivíduo e como membro de um grupo. Com isso ela "extermina" o mal. dependendo sempre dos resultados práticos provocados pela "anormalidade" e do papel que os indivíduos afetados possam ter na sociedade. por meio de grupos os mais diversificados. "elimina" a excepcionalidade. . como também ameaçam a tranqüilidade. E chamam a atenção porque.e mesmo eliminados . na verdade. suas necessidades globais. para a grande maioria dos membros ativos ou passivos de nossa sociedade. Assim como no primeiro exemplo. num certo sentido não só desagradam. Nesses casos a sociedade mais consciente. Vejamos um exemplo prático: Na época em que atuamos na Unidade de Reabilitação do Deficiente .sempre que possível com a colaboração dos mais diversos setores da comunidade. ou parte para sua completa integração em bases equânimes. quando não da sociedade maior. que podem até ser considerados como vantajosos. o bem-estar. todos sabemos muito bem que há exceções que nos levam para o lado negativo e são essas as que mais causam dificuldades. as famílias envolvidas. separa o contingente atingido. grandes desastres coletivos. Com essas providências ela se desenvolve cada vez mais e procura garantir melhores condições de vida e maior índice de segurança para o povo. No entanto. Essas anomalias ou exceções preocupam as pessoas atingidas. seu grau e capacidade de desenvolvimento. criando eventuais dificuldades para a posição social das pessoas afetadas.Departamento de Desenvolvimento Comunitário e Bem-Estar Social da Organização das Nações Unidas - . abriga-o ou segrega-o do restante da sociedade. Quando ocorrem catástrofes naturais ou situações anormais de caráter geral a sociedade mobiliza-se. neste também ela se sente ameaçada. os poderes constituídos e a própria estruturação da sociedade. embora repleta de cautela. o que restaria àquela aldeia fazer para merecer a felicidade que só a caridade trazia?. a ter suas plantas. Aparentemente não havia motivo algum. suas cabras e sua própria cabana?". entretanto. No grupo de negros de características muito puras. todos foram recebidos muito bem e após os cumprimentos sorridentes sentaram-se ao redor do chefeancião. Rodava milhares de quilômetros para garantir o desenvolvimento contínuo de programas e para fazer os indispensáveis contatos oficiais. foi feita uma visita especial à aldeia em questão. Na comunidade em si ninguém apresentava qualquer explicação. em programa de assistência técnica num país africano de antiga vinculação com a Inglaterra. a cuidar de si mesmos. os velhos. sorriam e não diziam nada. O governo federal dessa nação mantinha uma equipe volante de bem-estar social que passava parte do mês em viagens pelas aldeias da região norte do país.tivemos um dia a oportunidade de entrar em contato com uma situação "sui-generis". Um dos objetivos desse programa volante era também entrevistar pessoas deficientes e seus familiares para estabelecer um bom clima de relacionamento com os mesmos e com isso gradativamente encorajá-las a participar de um programa de capacitação para o trabalho rural. que são cegos. apoiados em seus bastões. Mas só aquela que tivesse motivos para ajudar seus próprios membros é que poderia ser uma aldeia feliz. . A resposta veio clara. O chefe não dizia um "não" categórico e os cegos. do café. toda aldeia poderia ter motivos para ser valente e muito aguerrida. um velho e indecifrável chefe de aldeia protelava indefinidamente a viagem de três cegos. de legumes e de hortaliças. O Centro em si era muito simples e adaptado à realidade do país e todo o treinamento era custeado por verbas federais. cuidando por si mesmos de suas plantas e seus animais. da mandioca. E foi ele quem fez a pergunta direta que nenhum outro havia feito antes. que estava embaraçando um consultor geral de reabilitação. mas também aquelas relacionadas ao cultivo do milho. Segundo os ancestrais daquela tribo.. vestuário e abrigo. seja por respeito às decisões do chefe. as mulheres sem seus maridos significavam uma bênção dos deuses e dos ancestrais.. além dos cuidados com animais domésticos. Se eles fossem levados a um centro para voltarem independentes. os cegos. não viajam para nosso centro para ali poderem aprender a ser independentes. Numa certa aldeia localizada às margens de um sereno lago. Como sempre. mas as características próprias dos tipos de preconceitos e das diversas formas de discriminação a elas relacionadas dependem diretamente dos padrões culturais de cada povo. seja em conseqüência de uma posição cultural: "Por que esses três jovens.*As "diferenças" assimiláveis ou inaceitáveis* Situações que fogem aos padrões normais existem no mundo inteiro. Numa das últimas viagens empreendidas pelo especialista da ONU com a equipe de campo. Quase sempre a equipe volante retornava à base com alguns cegos dispostos a residir por alguns meses nas instalações do centro e aprender não só habilidades da vida de todo dia. que mantinha programações práticas para nativos que quisessem se dedicar a atividades próprias da aldeia. pois todos eram muito bem cuidados por todas as famílias que repartiam entre si a responsabilidade pela sua alimentação. . No caso em pauta o objetivo principal era garantir o encaminhamento de pessoas adultas cegas para um centro de reabilitação dos arredores da capital. Têm elas significado bastante variável de povo para povo e só poderão ser bem compreendidas no contexto social onde ocorrem. O relacionamento com o chefe da aldeia era fundamental sempre. a tez clara do estrangeiro sobressaía. Ora. muito mais do que a atividade agrícola ou pastoril. Dessas vítimas poucas são as que sobrevivem.Numa cultura primitiva. Numa outra realidade hipotética. observa-se também que em geral as pessoas com menor capacidade física e mental. na qual a qualidade de vida. a falta de condições para o desenvolvimento de atividades artísticas são muito pouco relevantes. E muitas vezes eles são quase que imediatamente atacados por tubarões. Será o grupo social. enquanto que em regiões mais pobres e menos desenvolvidas há camadas da população que ainda não chegaram a entrar em contato direto com o mundo moderno. todavia. quer a contragosto. a velhice. as demonstrações de medo. Nessa realidade vastíssima. as aptidões individuais correspondentes a um físico ágil e forte são as mais relevantes para o grupo social. sempre cercada por cardumes de vorazes tubarões. Analisemos um outro exemplo concreto: Numa ilha do Oceano Pacífico. O homem amputado é ali olhado com respeito e admiração. . sempre poderá ser muito útil para o desempenho de diversas tarefas. pois todos sabem que aquele homem enfrentou o inimigo mortal durante a luta pela sobrevivência do grupo. com menor e menos atualizado conhecimento das implicações da vida moderna. a deficiência corresponde à garantia de uma inquestionável posição de prestígio na comunidade. tão cheia de contrastes. com realidades bem evoluídas de um lado. apesar de atividade vital. a debilitação geral. o excessivo cuidado com a segurança do corpo são graves desvantagens. a incapacidade para ler e para escrever. distribuindo-se por um território de tamanho continental. como o de cidades. podendo constituir-se num membro bastante produtivo da família ou do grupo social. a atividade de pesca. na dependência de membros mais ativos e produtivos. que irá estabelecer quais as divergências que poderão ser consideradas como prejudiciais ou como vantajosas e quais as que provocarão depreciações ou valorizações do ser humano. é sempre muito perigosa. que é incapaz de ler ou de escrever. Nessa mesma sociedade primitiva a inabilidade para falar desembaraçadamente. o indivíduo mentalmente retardado ou aquele socialmente desajustado não oferece preocupações relevantes para o grupo maior. vão sendo gradativamente marginalizadas. a deficiência física. Com o desenrolar do tempo e com a real impossibilidade desses indivíduos conseguirem superar os problemas que os atiram à margem da sociedade atuante. quer de bom grado. é a fonte principal de alimentos de toda a população. Ocorrem de quando em quando acidentes com os pequenos barcos de pesca que atiram às águas seus ocupantes.*A questão em termos de Brasil* Qual a situação que encontramos no Brasil de nossos dias a esse respeito? Todos sabemos muito bem que existem no Brasil situações as mais díspares e costumes os mais estranhos. enquanto que num ambiente mais competitivo e desafiador. escassamente habitada e de características agro-pastoris. a situação seria bem diversa. acabam caindo. Devido às circunstâncias próprias. Muito pelo contrário. A criança de uma região dessa natureza. As diferenças individuais e que caracterizam cada um dos seres humanos serão encontradas sempre. E há o contingente populacional de tamanho significativo que acaba como beneficiário dos bem ou mal definidos programas assistenciais mantidos pela comunidade. Nele. o bem-estar geral e o relativo conforto podem depender em grande parte dos resultados da caça. ou para fazer cálculos. por exemplo. Nessa perdida ilha o fato de um adulto não ter um braço ou uma perna não leva a depreciação alguma. . pois temos uma sociedade que no geral fala a mesma língua. portadora de algum tipo de deficiência mais facilmente perceptível .e não o são! Nessa mesma linha de exemplificação prática de raciocínio. Provocam em contrapartida menor índice de boa vontade por parte do público em termos de causas. aparentemente um dos motivos mais ponderáveis para que se desencadeie um processo marginalizante é um certo desvio dos padrões da normalidade aceita pelo grupo. a palavra "normal" deveria estar sempre incluindo todas as condições conseqüentes aos direitos básicos previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem. A visibilidade das alterações do padrão médio de normalidade física. usuais e sem maior importância. enquanto que os males orgânicos. no qual não existem mais barreiras de comunicação. O comum em termos de Brasil. dignas do homem. Há receios ocultos quanto às prováveis conseqüências das vinculações ou da convivência com o ser humano deficiente.e ambos diferentes do que é encontradiço e considerado comum no Nordeste.*O problema do "comum" e do "normal"* Conforme analisado. corriqueiras. . alguns sensoriais. seja tratado ou seja simplesmente mantido longe. de programas ou de campanhas. E uma das perguntas mais cruciais é esta: "Até que ponto poderá uma criança diferente . a sociedade em geral confunde aquilo que é "normal" com aquilo que é "comum". a ausência de recursos para ensino ou saúde. Em qualquer sociedade do mundo civilizado de hoje. escondidas ou reduzidas. Embora seja muito importante a compreensão exata das implicações da "normalidade". existem diferenças que via de regra levam as pessoas a depreciar o indivíduo. a paralisia cerebral. As amputações de membros superiores (e em alguns casos as de membro inferior também). São situações comuns. quando essas diferenças são muito evidentes. pode ser um no Estado do Amazonas e outro bem diverso no Rio Grande do Sul . essas situações anômalas são tantas vezes tomadas como naturais. É comum a subnutrição. acabam provocando reações que determinam providencias especiais para que o indivíduo seja separado. a hemiplegia. E nas eventualidades dessas diferenças consideradas desagradáveis não serem pelo menos disfarçadas. como em muitas outras sociedades do mundo moderno.Entre nós.*A visibilidade da deficiência* A visibilidade de uma diferença física menos agradável sempre dificulta tentativas de integração da pessoa humana atingida ao seu grupo.beneficiar-se de uma escola segregada ou de uma escola integrada?" . os desvios psicológicos e sociais chamam muito menos a atenção e levam a menos significativas reações. que ficam sendo consideradas como normais . todas tem grande visibilidade. principalmente devido às dúvidas e à ansiedade que ela provoca. Em algumas regiões brasileiras é comum vermos o homem analfabeto vinculado a situações quase que escravizadoras de trabalho. enquanto que "normal" é o desejável. "comum" é aquilo que é encontradiço. A maioria das pessoas ditas normais não se sente à vontade na presença de pessoas gravemente deficientes que passam a ser tratadas como gente estranha e numa razoável distância social. mas não são normais. por exemplo. No entanto. aceitáveis. às vezes precisa ser muito bem ponderada e cuidadosamente considerada por pais e educadores quando formulam planos educacionais para uma criança. . Sob o ângulo prático de análise dos termos. a paraplegia. o "normal" é e sempre será o desejável e aquilo que está em plena concordância com a natureza humana e com a dignidade do homem. as deformações congênitas em geral. "excepcionais".e que passaremos a chamar de "pessoas deficientes" . Poderemos ter dessa maneira.recebem salários injustos e insuficientes para seu sustento e para manutenção de seu grupo familiar. entretanto. uma idéia mais clara da verdadeira extensão dos problemas daqueles que são muitas vezes conhecidos como "deficientes". . .pois se formos levar até as últimas conseqüências a consideração do problema das deficiências. aquele que tem os órgãos e os sentidos funcionando bem. que podem levar o indivíduo a um tipo de marginalidade mais difícil de ser superada sem o concurso de serviços especialmente organizados. Mantenhamos em mente que para nossa cultura o indivíduo normal é o que tem um corpo praticamente perfeito e sem aberrações.habitam de forma infra-humana. Uma das mais claras e mais felizes é aquela que analisa o problema sob o ângulo do desvio básico dos padrões de normalidade. . deveremos considerar como indivíduos colocados à margem da correnteza principal da sociedade todos aqueles que: .passam fome ou alimentam-se inadequadamente por não terem condições financeiras para adquirir alimentos. de receber instrução básica. Limitemo-nos. . com uma inteligência pelo menos em nível adequado. inclusive pela nossa própria. "incapacitados" . . Na bibliografia existente encontraremos vários tipos de classificação dessas diferenças ou situações de excepcionalidade. ou conseqüentes a doenças mentais ou à idade. sem dúvida. a alarmantes conclusões quanto à situação da maioria dos países do mundo . Isso jamais poderá significar que elas possam ou devam ser aceitas ou consideradas como "normais". . na prática. orgânicas.e do seu desafio para programas que pretendem ter como meta a sua integração plena na sociedade. que vemos de quando em quando situações realmente desumanas de natureza muito comum que acabam sendo assimiladas e aceitas por grupos da sociedade.*Como classificar as condições marginalizantes* Mas estamos aqui procurando analisar somente o problema das pessoas que sofrem o estigma das deficiências físicas.É muito difícil eliminarmos qualquer um dos direitos previstos nessa Declaração. adicionando a ela declarações subsidiárias relacionadas à mulher. mentais. às pessoas com retardo mental. procuremos uma forma de classificar as diferenças dos padrões de normalidade considerados usuais e por ela idealizados. Quase tudo que escapa desses padrões passa a ser visto com certa dificuldade e poderá levar o indivíduo a situações de certa marginalidade. às pessoas deficientes. . sensoriais.são impedidos. que aceita tranqüilamente uma Declaração Universal dos Direitos do Homem. Para podermos dimensionar e avaliar concretamente o desafio apresentado por esse estigmatizado segmento da sociedade. pois cada um deles focaliza aspectos de inquestionável importância na vida do homem sobre a Terra. adotada também por Telford e Sawrey.não conseguem livrar-se dessas situações apesar de tentarem. dono de um acervo de hábitos e de comportamentos que não chegam a causar preocupações e dentro de uma faixa etária considerada como produtiva e não muito avançada. é nesse mesmo mundo de hoje.*A grande variedade de condições marginalizantes* Esse ângulo da questão leva-nos. conforme referido acima. a discutir os desvios de normalidade de natureza mais agravante.inclusive do Brasil . sob esse prisma. . Entretanto.não têm acesso aos benefícios da previdência social estabelecida. apesar de poderem ser arroladas as muitas exceções que acabarão por confirmar a regra. o ser humano que se vê privado de um só deles pode facilmente ser vítima de séria marginalização se não souber como superar o problema vivido.*Desvios motores* Agrupados sob este tipo de desvio de normalidade encontraremos todos os casos de amputações. incluindo-se nos mesmos os casos de tuberculose. dentre os casos mais notórios. Na verdade são os problemas que mais chamam a atenção quando se fala em reabilitação ou quando se menciona o problema das deficiências de um modo genérico. . . Vários males relacionados à saúde mental podem também levar as pessoas a situações de marginalização.*Desvios de personalidade* Este tipo de dificuldade está diretamente ligado a problemas emocionais ou distúrbios mais graves como as neuroses e as psicoses. . A perda ou redução de outros sentidos como o olfato. incluindo os limítrofes. nos casos de deficiências mentais de vários graus. o paladar e o tato não é comum nem causadora de sérias dificuldades sociais. em poucas palavras. os problemas ortopédicos de gravidade e provocadores de seqüelas incapacitantes. A preocupação básica de nossa sociedade. incluiremos os problemas de personalidade e os sociais mais sérios. os treináveis e todos aqueles que não conseguem ser absorvidos pela sociedade devido a um rebaixamento intelectual. os educáveis.É nesse sentido que poderemos citar os desvios intelectuais. ou seja. e não deixaremos de lado as dificuldades encontradas por pessoas de idade avançada. partindo sempre de um ponto médio.*Desvios sensoriais* Sendo normal o uso de todos os sentidos. .*Desvios orgânicos* Dentre os desvios orgânicos que mais trazem problemas ao homem estão aqueles ocasionados por vários tipos de cardiopatias sérias e por males da respiração. entretanto. além disso. os funcionais e os orgânicos. tanto para o lado positivo quanto para o negativo. por uma doença ou por um acidente poderão trazer sérios problemas para o indivíduo. conhecidos como deficientes auditivos. dentre os muitos que poderiam ser aqui inseridos.*Desvios funcionais* Certas funções do organismo. quando prejudicadas por um defeito. Assim é que. Assim temos o caso dos afásicos ou daqueles que têm dificuldades de comunicação que é o tipo mais facilmente encontradiço neste grupo. as malformações motoras congênitas ou adquiridas. com diminuição ou gradativa perda do sentido da audição. . Procuremos analisar um a um. os sensoriais. tem-se centralizado nos desvios para menos. temos os cegos ou deficientes visuais. . esses diversos tipos de desvios de que falamos acima. os surdos e casos afins. os males neurológicos com os mesmos tipos de conseqüências. os motores. . dentre muitos outros.*Desvios intelectuais* Existem estudos muito interessantes a respeito de problemas intelectuais que levam a certos desvios. o evidente descompasso existente entre a educação e o desenvolvimento tecnológico. São também muito ponderáveis os problemas causados por certos tipos de rótulos estigmatizadores aplicados a indivíduos ou a populações que vivem em condições diferentes daquelas consideradas como aceitáveis. Nos casos de desvio motor. Apesar de em outros tipos de situações encontrarmos eventualmente certas superposições sempre agravantes. certos tipos de contestadores. por exemplo. As dificuldades. ou seja os "favelados". de inferioridade. eventualmente deve-se também adicionar uma série de situações causadas por fatores pessoais ou sociais. pouco significativa e sem maiores conseqüências para o indivíduo afetado. sensorial. os criminosos adultos. . ou seja.*Outras condições que levam à marginalidade* Cada um desses problemas mencionados separadamente poderá levar uma pessoa menos preparada ou menos protegida a certo grau de marginalização. na velhice e que sempre encontramos a maior incidência dessas superposições que tornam a assistência a idosos muito difícil. não se limitam a essa questões ou a esses ângulos. fisicamente observado e . pela ignorância generalizada. Por exemplo. provocando situações muito mais sérias do que o próprio desvio em si mesmo. os "aleijados".. verificamos muitas vezes que. no entanto. . os "loucos" e tantos mais. . em conseqüência de algum mal. Esse mesmo impedimento. cegos. Muitos deles não têm absolutamente nada em comum e os programas montados para sua assistência são muitas vezes totalmente separados ou alheios uns aos outros. entretanto. orgânico.*Desvios sociais* Os delinqüentes juvenis. temos a instalação de uma deficiência. além dos preconceitos e das atitudes discriminatórias. ou pelo menos a uma série de dificuldades para garantir uma completa integração ao seu grupo. os viciados em drogas. quando. intelectual. os "paralíticos". o ser humano é vítima de um certo impedimento de ordem física. Dentre os fatores pessoais convém que não nos esqueçamos dos males provocados pelo analfabetismo. a falta ou a inoperância dos recursos humanos ou dos equipamentos sociais da comunidade. os alcoólatras. de personalidade e de idade avançada. os fármaco-dependentes são alguns tipos que ilustram o chamado desvio social. Essa deficiência poderá levar ou não a uma incapacidade. a uma situação de desvantagem. São os casos de velhos cardiopatas. no caso de um auxiliar de caminhão perder o dedo mínimo da mão esquerda. pelas crendices e superstições. Claro que um impedimento sempre poderá causar uma deficiência inócua. Dos fatores sociais mais significativos causadores eventuais de situações de marginalização cumpre que destaquemos o crescimento vertiginoso e desordenado de nossas grandes cidades. pela inabilidade de resolver problemas e pela miséria material.*Problemas de idade avançada* Os problemas ocasionados pela velhice são muito próprios e característicos. além de ocorrer uma eventual superposição de dificuldades. pois aos problemas ocasionados pela existência de uma deficiência qualquer ou pela ocorrência de estigmas rotuladores.*Deficiência e incapacidade: distinção importante* Segundo consenso internacionalmente existente. surdos e outros tipos. existe também com muita freqüência a ocorrência de hábitos. de atitudes e de comportamentos inaceitáveis ou inadequados. mas não uma recepcionista. Como indicamos. certas deficiências não podem nem devem ser tidas como "incapacidades". nem baratas. ou mesmo de racionalismos baseamo-nos para dedicarmos tempo e dinheiro destinados ao atendimento a portadores de deficiências? Qual é o verdadeiro significado da integração social das pessoas deficientes? CAPÍTULO SEGUNDO O SIGNIFICADO DA INTEGRAÇÃO SOCIAL DAS PESSOAS DEFICIENTES . imposta pelo impedimento ou desvio (por exemplo. preocupam-se e armam-se para dar cobertura àqueles que sofrem as conseqüências da marginalização. . tornando-se uma incapacidade. a sociedade evita contatos próximos com vítimas de paralisia cerebral. ou quando ela é rejeitada sem que o indivíduo atente para suas conseqüências práticas. um amputado de mão. para um violinista profissional as conseqüências da perda do dedo mínimo da mão esquerda são muito mais contundentes do que para um ajudante de caminhão. sem que haja plena consciência de seu escopo e do seu valor. no entanto. Conforme foi já comentado anteriormente. Uma datilógrafa poderá ter uma feia cicatriz no rosto.a limitação objetiva. Ao analisarmos a história da humanidade descobrimos que o indivíduo deficiente quase sempre foi relegado a segundo plano. ou não. um paraplégico não consegue mais andar e tomar uma condução pública sem a ajuda de muletas ou de uma cadeira de rodas.a limitação que o próprio indivíduo atingido estabelece (por exemplo. quando não apenas tolerado ou exterminado. não poderá ser um violinista). bem como parcelas significativas de nossos programas oficiais de assistência à população. a marginalidade existe entre nós. Fica conosco a dúvida: "Por que existem esses programas"? Em que tipo de raciocínio prático ou de princípios filosóficos. Verificamos. um cego não poderá ler instruções em planilhas de trabalho. .a limitação estabelecida por segmentos da sociedade com os quais o indivíduo se relaciona (por exemplo.diagnosticado. o paraplégico que acha estar liquidado para a vida de trabalho ou a vida social. para um datilógrafo. pois estas são realmente problemáticas e estão presentes sempre que ocorrer a somatória de três tipos de limitações: . trará conseqüências marcantes para um pianista. Consideradas as circunstâncias em que acontecem e muitas vezes as pessoas que atingem. ou procura manter os hansenianos fora de seu alcance). o que também nos leva a raciocinar em termos do desafio que significam atividades às vezes conhecidas como programas de reabilitação. Todos sabemos que essas providências não são fáceis. Em síntese. O que sucede é que quando essa deficiência é tomada como uma desvantagem significativa para com os demais. em geral a pessoa portadora da deficiência começa a agir e a desenvolver hábitos e atitudes tais que o grupo social se vê forçado a deixá-la de lado e cada vez mais à sua margem. os objetivos da vida de cada um de nós é que acabam por determinar se uma deficiência pode ser desvantajosa. por mais hábil que procure ser. programas de reinserção social ou de integração social. para um clarinetista profissional. clubes não aceitam pessoas com deficiências físicas. o cego que não se dispõe a aprender o Braille ou a andar sem a ajuda dos outros por medo de não o conseguir). que segmentos mais esclarecidos e politizados de nossa sociedade. como existe em todos os países do mundo moderno. devemos estar preparados para ajudá-la a compreenderse melhor e a entender sua nova visão de vida. ela é resultante de um complexo processo cuja necessidade e significado pretendemos aqui estudar e discutir . Elas demandam participação total em igualdade de condições.Para muitos de nós o problema de integração de uma pessoa deficiente na sociedade é apenas questão de acomodação adequada. seja na direção da segregação e do isolamento cada vez maiores. individualmente ou em grupos. Antes de mais nada cumpre que notemos o seguinte: há pessoas que hoje têm uma deficiência e que por causa dela sentem-se marginalizadas. ela não é uma "volta". mas em muitos casos elas são simplesmente excluídas da sociedade. As pessoas deficientes protestam e com muito boas razões. Se atuamos no sentido de colaborar para que a pessoa portadora de uma deficiência atinja o grau melhor possível de integração na sociedade. jamais se haviam preocupado com opções. e o grupo social de outro. quando na verdade podem ter vivido e trabalhado em sua comunidade . Algumas resignam-se à situação. assim o decidem. de arranjos práticos.ou seja. Talvez elas mesmas tenham procurado o isolamento. pois move-se continuamente numa direção ou noutra: seja na direção de uma boa integração. de tratamento físico eficiente e muito pouca coisa mais. O contato restrito com os demais (que a pessoa nota pela primeira vez quando adoece ou quando se torna deficiente) acaba associando-se com a presença da deficiência. outras protestam contra isso. com o significado de um bom ajustamento pessoal. percebe que não era tão integrada à sociedade quanto pensava. Assim o processo de integração que a pessoa marginalizada por uma deficiência vive jamais poderá ser estacionário. ele demanda tempo para atingir sua plenitude e a plena consciência de todas as suas implicações. quer o queiram. E todos os que trabalham em reabilitação ou que mantêm contatos com pessoas deficientes influenciam esse processo. quer não.antes da deficiência . é muito importante perceber que uma simples tentativa de fazê-la "voltar" à situação anterior à deficiência muitas vezes não é suficiente.sem ter estado realmente integradas nela. de equipamentos especiais. Viviam independentemente fazendo o que bem entendiam. Claro que esses fatores todos são importantes. E isto é especialmente verdadeiro com aquelas pessoas deficientes que. No entanto. e de repente notam a importância de tomar uma séria decisão face a esses requisitos invisíveis mas muito concretos e inseridos na vida social e familiar. O processo de integração não acontece de repente ou só porque a pessoa deficiente de um lado. antes de se tornarem deficientes. sem se importar com o mundo ao seu redor. Acreditam muitos que a "integração" acontece naturalmente se a pessoa simplesmente voltar ao seu ambiente original com o auxílio dos recursos que a medicina coloca à sua disposição e com a remoção de alguns obstáculos físicos. Em todas as comunidades e em todos os tempos encontramos pessoas que por alguma razão são segregadas. Se desejarmos trabalhar pela integração de pessoas deficientes na sociedade maior. seguindo as tendências mundiais. Outro fator muito importante a ser lembrado é que a personalidade de uma pessoa deficiente não é a mesma antes e depois da deficiência surgir em sua vida. a desejada integração não acontece naturalmente. Há alguns anos atrás o indivíduo portador de uma limitação física ou sensorial cedia à evidência de fazer parte de um grupo marginalizado e marcado. Hoje a situação está ficando cada vez mais diferente entre nós. pura e simples. Quando uma pessoa desse tipo torna-se deficiente. com a existência das limitações impostas pela deficiência. de sua parte a sociedade exige . Os progressos da medicina. para que todos entendam os problemas em sua complexidade e ajudem na busca de suas soluções. Muitas pessoas que são marginalizadas procuram escapar a essa faceta do processo. a canalizar esforços. no domínio da distribuição de bens. enquanto que. Esta ameaça a partir do interior existe realmente quando. . quando os resultados do progresso tocam apenas marginalmente. toda chantagem econômica e política. certos segmentos da sociedade em que vivemos colocam de lado o homem indesejável e que consideram fora dos padrões de aceitabilidade. indo desde a mera assistência segregativa e estigmatizadora. O trabalho de chegar a essa situação integrada dependerá da própria pessoa deficiente. Que motivos poderiam ser tão fortes e tão ponderáveis para levar uma sociedade toda. Dependendo muito do grau de desenvolvimento da área em que as situações concretas acontecem esses pretendidos programas de atendimento podem chegar a ser bastante diversificados. ameaça a existência da sociedade de dentro para fora. comportamento social aceitável e um papel definido. como exigência fundamental. a falta de justiça. voluntariado e outros programas das mais variadas naturezas para o desenvolvimento dessas atividades? Que tipo de raciocínio lógico poderia ser tão convincente para levar autoridades a dar prioridade a programas tão complexos e de tão difícil concretização? Estaria a sociedade apenas investindo em reabilitação devido à sua preocupação com a solidariedade para com seus membros mais fracos? Estaria ela preocupada com a magnanimidade que precisa demonstrar para com os mais fracos? As injustiças que assolam nossa sociedade e a ameaça que elas representam levaram o Papa João Paulo II a assim se expressar em São Paulo no seu famoso encontro com os operários: "O bem comum da sociedade requer. as vastas camadas da população. A sociedade não poderá jamais integrar uma pessoa sequer. comunicação adequada.*A complexidade do desafio* Por mais paradoxal e estranho que possa parecer. os recursos técnicos e a organização de serviços de reabilitação global poderão tornar o processo de integração bem menos difícil. Nesse processo todo é muito importante que haja muita compreensão de todos os lados. ou alguns de seus setores. recursos financeiros. toda força das armas pode ameaçá-la de fora para dentro. responsabilidade da qual jamais poderão escapar. essa integração é um sonho impossível. outros setores da mesma sociedade procuram montar programas de assistência e proteção a esse mesmo homem. mas também a realidade social na qual a integração é pretendida. ou não tocam em absoluto.a contrapartida. independência de atuação. Não é só a pessoa deficiente que deve ser trabalhada. Embora muitos peçam ou exijam mesmo a integração em bases equânimes. ou seja. que a sociedade seja justa! A persistência da injustiça. da mesma maneira que tudo quanto atenta contra a soberania ou procura impor-lhe ideologias e modelos. pois a integração verdadeira só poderá ocorrer como resultado de cooperação entre duas partes. Ela poderá apenas oferecer as possibilidades de integração e ficar disponível para tanto. se confia unicamente nas leis econômicas do crescimento e do maior lucro. ao mesmo tempo e muitas vezes dentro de uma idêntica área geográfica restrita. Por essa razão resolver os problemas apenas em parte ou só de um lado não solucionará a questão. esquecendo-se que apenas elas poderão atingir esse objetivo. competência pessoal e profissional. até modernos e sofisticados centros de reabilitação ou serviços de integração social. ela . institucionalmente.a grupos marginalizados. "cegos". A nossa época é. diante de grandes desastres. mas também com grupos minoritários que acabam sendo prejudicados por atitudes preconceituosas. A sociedade mobiliza-se. "trombadinhas". ameaçam a estabilidade da família e da sociedade. irreconhecíveis e que não correspondem a um mínimo desejável e mesmo esperado. a época dos humanismos e do antropocentrismo. paradoxalmente. "viciados em drogas" e outros mais que. sempre foram verdadeiras e inquestionáveis demonstrações da existência de uma sociedade voltada para os valores do ser humano e também da objetividade de seus propósitos. "surdos" e ainda os "maloqueiros". Os programas destinados à adequada assistência ao homem marginalizado ou em franco processo de marginalização. ou dos assim chamados "carenciados".no Encontro com os Construtores da Sociedade Pluralista. dos dias em que vivemos. em Salvador. nossa civilização tem dado mostras de suas fraquezas e de suas inconseqüências. de acontecimentos especiais ou anormais. "favelados". ou ler estudos muito bem elaborados e louváveis quanto ao valor do homem. "excepcionais". Segundo alguns autores. em "institucionalização"? Por que não a separação pura e simples desses marginalizados ou marginalizáveis. mede-se o nível de desenvolvimento e o grau de cultura de um povo pelo tipo e pela qualidade de preocupação que demonstra para com os seus grupos minoritários e marginalizados. Entretanto. por exemplo. Tem-se a nítida impressão de que o indivíduo é visto por prismas que provocam espectros distorcidos. os interesses de grupos e as pressões que sobre ela são feitas. . "cancerosos". de outro lado. trazem desconforto. é também a época das mais profundas angústias do homem com respeito à sua identidade e destino. Mas por que falarmos em "integração social" que é tão complexa e problemática? Não seria suficiente para a sociedade falar apenas em "assistência social". do rebaixamento do homem a níveis antes insuspeitados. pondo em risco a propriedade. e a maioria dos que vivem na necessidade e na miséria. "pedintes". sem dúvida. com todos os elementos que podem causar perigo ou preocupação séria à sociedade? Talvez a sociedade tivesse muito mais tranqüilidade se pudesse colocar. ou para com os pobres. em "abrigo". A despeito dessa preocupação crescente. internar. "leprosos". aquela em que mais se escreveu e falou sobre o homem. enquanto persiste um abismo profundo entre uma minoria muito grande de ricos de um lado. Todos nós estamos acostumados e mesmo cansados de ouvir palavras ponderadas e altamente recomendáveis.profissionais ou voluntárias . uma vez que a sociedade dos homens mobiliza-se apenas de acordo com as circunstâncias. no dia 7 de julho de 1980). segregar em organizações especiais aqueles que são rotulados como "débeis mentais". "Talvez uma das mais evidentes debilidades da civilização atual esteja na inadequada visão do homem. de catástrofes. como se faz. em contraposição a atuações de caráter aviltante e desumano. As sociedades mais evoluídas têm demonstrado uma crescente preocupação não apenas com seus membros mais problemáticos ou anormais. época de valores humanos espezinhados como jamais o foram antes" (João Paulo II . prefeririam que a sociedade se envolvesse nessas atividades principalmente devido ao reconhecimento quanto ao valor do homem . e à sua integração à correnteza principal da sociedade. porque esses eventos provocam mal-estar generalizado. "tuberculosos".mas isso nem sempre ocorre. sob os olhos dessa sociedade comodista constituem a legião dos miseráveis.existe também. muito embora dispendiosos e de difícil concretização. "paralíticos". Todo aquele que trabalha em programas de promoção humana ou desenvolve atividades de atendimento . e basicamente todos aqueles que vivem uma situação concreta de marginalidade. na verdade.The Social and Economic Implications of Investments for this Purpose". temos mais de doze milhões delas com problemas limitadores e que as bloqueiam de uma plena participação na sociedade. Desinformados quanto à real natureza do problema. fazem parte quase que obrigatória das Declarações Universais de Direitos do Homem. não incluiu nos dados pesquisados qualquer menção ao problema discutido aqui. especialmente os destinados à integração de grupos humanos colocados à margem da sociedade. Dessa forma. "desconhecendo as reais dimensões da deficiência e suas muitas conseqüências. com poucas exceções.*A integração social e seus porquês* Motivos para qualquer sociedade do mundo moderno e progressista valorizar o ser humano existem do sobejo. por meio de sua Assembléia Geral. Há. sendo das formas mais prevalescentes a limitação física. necessidade de mais Declarações de Direitos. não tem dado atenção. em todos os quadrantes de qualquer nação. "pelo menos 10% da população de qualquer país do mundo sofre de algum tipo de incapacidade física ou mental. da Pessoa Deficiente e outras mais. através de seu Conselho Econômico e Social. No entanto. Secretário Geral da Rehabilitation International. Não há. orgânicos ou mentais. Infelizmente a dimensão desse problema não está vivamente impressa e muitas das autoridades brasileiras o ignoram. órgão consultivo da ONU. os motivos de que estamos falando são mais do que suficientes para o surgimento de programas destinados à assistência adequada e à integração social de todos os grupos existentes na sociedade. Segundo depoimento de Norman Acton. para não dispersarmos muito e entrarmos em divagações quanto à miríade de facetas existentes nos grupos especiais até aqui indicados. Ao que nos parece. Existem alguns tipos de considerações bastante convincentes que têm sido decisivas para o estabelecimento de programas objetivos das mais diversas naturezas. Mais recentemente a Organização das Nações Unidas. sensoriais.* Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas e de suas Agências Especializadas. deixando . mesmo que marginalizados. e em conseqüência dos quais vêem-se impedidas de viver plenamente. limitemo-nos a considerar o problema de uma significativa parcela dessa população: os chamados "deficientes". sim. A Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. de forma que precisamos continuar a utilizar as estimativas internacionais. prioridade ou apoio adequados a programas nesse campo. a respeito do qual já se falou e escreveu tanto e tão bem. o problema é dos mais graves. aprovou Declarações dos Direitos da Pessoa com Retardo Mental.. necessidade de colocá-las em prática. podemos destacar as seguintes: a) *O elevado número de pessoas consideradas como "deficientes". Muitos desses motivos. por motivos físicos. pois. o retardo mental e as incapacidades sensoriais". nossas instituições e nossos governos. e pelo qual tão pouco tem sido feito de concreto. já estudados e arrolados. United Nations). pois estamos falando do homem. já que temos uma população de mais de 120 milhões de pessoas. Por "pessoas deficientes" entendemos todas aquelas que estão abaixo dos padrões estabelecidos pela sociedade como de "normalidade". da Criança e da Mulher. nossos planejadores. Dentre as considerações mais relevantes e que têm sido utilizadas em muitas partes do mundo para o estabelecimento de adequados níveis de prioridade e para a montagem de programas. nossos cidadãos tentam ignorá-lo ou evitá-lo. a doença crônica. que ao final de 1980 realizou nosso recenseamento geral. "Há mais de 400 milhões de pessoas deficientes no mundo" ("Rehabilitation of the Disabled . e também aqueles que não conseguem livrar-se dessas situações. sem que se estabeleça ou sem que se possibilite um caminho de retorno. e ainda por cima somarmos aqueles indivíduos que ganham insuficientemente para viver e sustentar a própria família.a responsabilidade nas mãos das profissões e das instituições especializadas. São os orfanatos. os que não tem acesso à educação e à previdência social . certamente que formaremos uma visão desalentadora. é necessário que se faça uma séria parada para um exame crítico. com o estabelecimento de programas objetivos de valorização do homem. na medida em que a sociedade se conscientiza e raciocina concretamente quanto ao valor do ser humano. No entanto. os asilos. de N. chegar a situações de marginalidade tal que só com um preparo extraordinário passará a ter condições de ser assimilado pela sociedade. Por vezes sem conta nossas comunidades lidam com esses problemas. os que são privados da assistência médica. muitas vezes bem verbalizada. as casas especiais e muitos outros "recursos" da comunidade. os desajustados tecnológicos. pelo simples fato de ser um indivíduo dono de um valor intrínseco próprio e inalienável. credo. as colônias especiais que se localizam longe dos núcleos populacionais. ou seja. para uma atuação concreta. pois o homem tem o direito de fazer parte da correnteza principal da sociedade que gera e que consome bens. ou então. os que passam fome crônica. à libertação do homem da dependência odiosa. nas áreas residenciais mais sofisticadas. Além disso. e à sua integração ao grupo social. idade. ela tende a se aparelhar para atendê-lo adequadamente e passa a demonstrar essa preocupação pelo desenvolvimento de programas muito mais destinados à promoção humana. Conforme indicamos no capítulo anterior. não é aceitável. monta seu próprio estilo de ajuda a grupos marginalizados que é muito característico. A idéia de que nossos modernos conceitos de direitos humanos se estendam aos portadores de deficiências físicas e mentais é hoje mais revolucionária do que a própria doutrina de Karl Marx" ("The Global Dimensions of Disability". Embora todos acreditemos no valor próprio do ser humano. atividades políticas ou profissionais. Só mesmo a ignorância maliciosa e o barbarismo primitivo ou ultra-moderno de atitudes chegam a negar a importância que o homem tem como componente da sociedade e como ser individualizado. os que habitam sub-normalmente. ou das prioridades governamentais. de fato. os deficientes sociais. os lares. O ser humano pode. Acton). de caridade piegas. pois apresenta quase que exclusivamente programas de natureza segregativa e assistencialista. A sociedade que assume as atitudes que são demonstrativas de sua posição de comiseração. os internatos das mais variadas naturezas. b) *O valor próprio do ser humano* A idéia de se colocar o ser humano à margem da sociedade. . sexo. Se adicionarmos a ele os grupos de pessoas que são vítimas de outros males de natureza repulsiva ou de desvios de conduta. independemente das diferenças individuais de cor. de assistencialismo. a fim de que passemos todos de uma cômoda posição teórica. o volume de pessoas deficientes já é muito grande na forma como é considerado pelos órgãos internacionais. Ninguém pode se esquecer de que uma das características principais do homem é a sua perfectibilidade. escondendo as pessoas seriamente deficientes atrás dos muros de suas casas. nenhum grupo social pode se arrogar o direito de impedir um de seus membros de atingir o máximo do seu potencial latente. ou seja. sua capacidade de melhorar sempre e de se superar. pois o direito à realização pessoal é muito próprio do homem. por detrás das cercas-vivas dos jardins de rosas. Se realmente pensamos em integrar socialmente o homem marginalizado e prejudicado por certos tipos de deficiências. aproveitamento da mão-de-obra das pessoas deficientes prioritariamente. não estariam apenas consumindo e dependendo de elementos mais produtivos. a dependência econômica. O desemprego. Em termos de realidade brasileira. como se as pessoas deficientes fossem meros cidadãos de segunda classe. se raciocinarmos um pouco. Cremos que talvez a colocação do argumento no sentido inverso poderia ser menos injusta. como também de. excessivamente pequenos para poderem ser levados em consideração. temos a obrigação de nos inteirar de como iremos conseguir essa integração. crianças e pessoas em idade avançada principalmente. segundo Ballester Hoys. Uma das principais tônicas de programas de bem-estar social com populações carenciadas e/ou marginalizadas deve ser a preocupação com o trabalho. inclusive no direito de participar. ao qual elas têm direito. se dos 10% da população que é vítima de males incapacitantes. No entanto. o sub-emprego ou o desemprego ocorrem pura e simplesmente devido à existência de uma deficiência ou incapacidade de natureza física ou sensorial. o mundo dos serviços. Esses argumentos são. por pessoas aposentadas precocemente e por contingentes populacionais marginalizados da força produtiva por muitos motivos e pretextos. apesar de terem potencial para o trabalho. No entanto. sensoriais. funcionais e mentais encontram-se nessa situação. por melhores explicações que possam ser dadas ou encontradas para sua existência. Esse volume é aumentado por pessoas enfermas. As pessoas portadoras de deficiências físicas. ou de limitações orgânicas e mentais. orgânicas. de fato. pelo menos 25% estivessem de alguma forma engajados na produção de bens e serviços. quando o emprego mal remunerado. serem ônus para a sociedade. Se as estimativas das organizações internacionais de inquestionável credibilidade são válidas para a nossa realidade .a nível federal. "parvos".e por que não o seriam? precisamos analisar com muito cuidado em que ponto estamos na assistência adequada a esses grupos especiais de seres humanos que se vêem prejudicados em todos os seus direitos. além do poder público. cujo objetivo principal de vida é trabalhar e sair da desagradável situação de dependência e de contínua frustração. estadual e municipal . Existem especialistas no assunto que se opõem à assimilação da mão-de-obra das pessoas deficientes em detrimento daquelas pessoas|não-deficientes desempregadas. . E. o sub-emprego desumanamente remunerado e atividades muito pouco rentáveis são fantasmas que rondam significativa parcela da população em nossa sociedade repleta de contrastes e injustiças. o comércio. . eles passam a se tornar muito mais injustos e inaceitáveis. recebendo por vezes a contragosto auxílios dos cofres públicos ou da previdência social. verificaremos que. a indústria. com a agravante de não só deixarem de produzir.c) *O valor econômico da mão-de-obra não utilizada* Em qualquer realidade existe elevado percentual de elementos considerados naturalmente como não-produtivos. no mínimo. com direito à sobrevivência após garantida a vida das pessoas consideradas como "normais". Os nossos governos . estando nela também engajados. através da integração social. ou seja. ou seja.*Os princípios básicos da reabilitação* Essas poderiam ser as três pilastras básicas para garantir o desenvolvimento de programações destinadas a minorar toda essa gama de dificuldades. "nenhum país pode considerar-se hoje suficientemente rico para desprezar a mão-de-obra do incapacitado" (Apud Gonçalves). essa mão-de-obra em potencial poderia chegar a mais de 3 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência.têm papel relevante nessa grande batalha de assimilação de mão-de-obra potencialmente produtiva. em idade adulta. pode ter desenvolvido e adotado hábitos inadequados. além da deficiência apresentada. As organizações a respeito das quais comentamos acabam se esquecendo de que a marginalidade do indivíduo ocorre por uma série de motivos e não apenas devido à existência de uma anomalia.O ser humano. consideram que a grande questão está relacionada apenas à eliminação ou redução quando não.intencional ou não . por exemplo. regulamentação da Emenda à Constituição Federal de n°. de “estarfazendo-um-grande-favor”. mesmo portador de deficiência e marginalizado. incluindo ações de prevenção de impedimentos. pois todo homem é perfectível e tem condições de se superar. . Na verdade. porém. financiamento de programas de atendimento especializado. Nessa infeliz somatória de atitudes de esquecimentos. direito a todo o respeito devido a qualquer indivíduo. .percebemos uma velada e latente descrença no homem diminuído. de uma deficiência física ou sensorial. à camuflagem .Ele é único. credo. de orientação simplista ou puramente tecnicista (pseudo-técnica). . por exemplo. Esquecem-se que o indivíduo sem uma perna ou sem um braço. apresentando um comportamento inaceitável. que não pode fazer uso da visão ou da audição.A dignidade do homem independe de sua inteligência. demandando soluções que jamais poderão olvidar o homem como um todo. faz parte (ou deveria fazer parte) de grupos e deseja legitimamente seu lugar na sociedade. feito escravo das situações e das pessoas. de “não-lembrancas”. Mais do que tudo isso. psicológicos. Esquecem-se essas entidades . tem um potencial que deverá ser enfatizado. a maioria de nossas organizações. revisão da Consolidação das Leis do Trabalho. estigmatizado por algum mal ou incapacidade.Muito embora possamos relacionar diversos pontos de partida para o deslanche de programas tendentes a resolver os problemas que levam as pessoas portadoras de deficiências à marginalidade social (como.Todo ser humano faz parte de uma sociedade na qual deverá ter seu papel.O indivíduo. cujos direitos são analisados e avaliados só muito contingencialmente. .*O despreparo nos programas reabilitacionais* Os problemas físicos. Ao trabalhar com a problemática das pessoas deficientes. ele só poderá ser considerado globalmente e nunca em partes estanques. Tem.que esse mesmo indivíduo. 12/78 e muitos outros). sociais. atividades de detecção precoce das deficiências e seu atendimento. organização de esquemas que garantam a profissionalização de pessoas deficientes. que não tem importância em termos sociais.da deficiência. de “a-gente-já-faz-muito-por-você-que-é-um-coitado-e-nãoreconhece” . intrínseco e inalienável. já frustrado e magoado. não há dúvida que o desafio maior estará sempre na interiorização individual e na aplicação de tudo aquilo que pode ser chamado de credo no homem: . . sentindo que tudo isso está fora de foco e ameaçado. sexo. o indivíduo tem também seu valor econômico como colaborador em potencial no processo de produção de bens e de serviços. garantia da formação de pessoal para essa atuação especial. esquecem-se que esse indivíduo deficiente poderá ter algo a dizer e a contribuir quanto à evolução de seus problemas e das perspectivas para sua solução. educacionais e de natureza profissional são aqueles que marcam a grande maioria dos casos de marginalização devido a deficiências diversas. apoiado e fomentado. o estabelecimento de prioridades governamentais nesse campo. . mesmo que marginalizado. a marginalidade surge no momento em que.e os profissionais nelas inseridos . complexo e diferente de todos os seus semelhantes. tem um valor próprio. portanto. ideologia e integridade física. programas educacionais próprios. idade. raça. de seu real sentido de homem. por atitudes de verdadeira e genuína crença no ser humano. da falta. e mais. psicólogos. de fato. desde que se obtenha o pleno envolvimento do indivíduo atingido. sem as quais nenhum programa poderá ser produtivo e útil para quem dele necessita e muito mais do que isso. cuja organização e manutenção não são de natureza nem fácil nem barata. que é vítima do mal. quanto a desvantagem sentida. de seu amor próprio. em centros de reabilitação. para a integração social de um indivíduo que já está colocado à margem dos grupos principais da sociedade. Tanto centros de reabilitação quanto programas que utilizam tecnologia mais simples e menos cara requerem profissionais muito bem preparados que. em sua dignidade.ocorrem limitações de graus e naturezas os mais variados quanto à estabilidade junto ao grupo e. da carência. CAPÍTULO TERCEIRO ADEQUAÇÃO PESSOAL . ou seja. de um modo todo especial.*A complexidade do trabalho de equipe em reabilitação* Conseqüentemente. pesada pelo próprio indivíduo. se desenvolva com ele um trabalho de reaquisição de valores perdidos. tais como médicos. o desenvolvimento de comportamento que a sociedade aceite. por menos agradável que possa parecer. fonoaudiólogos.O OBJETIVO ULTIMO DA REABILITAÇÃO . Trabalho de tal natureza só poderá ser desenvolvido em condições especiais. . face ao nosso nível de desenvolvimento. de sua dignidade. um trabalho que jamais poderia ser responsabilidade de uma pessoa só. A integração social ocorrerá. dominam também uma série de conhecimentos adicionais relativos aos procedimentos e ao embasamento filosófico do processo de reabilitação e da própria integração social. para ajudar cada indivíduo a se definir quanto aos seus objetivos de vida. e de respeito ao indivíduo como ele é e onde ele está ou pretende ficar. em sua perfectibilidade. Essa qualificação adicional e indispensável deverá ser sempre informada e alimentada por atitudes positivas quanto ao trabalho multiprofissional.*Os programas necessários em nosso meio* Trabalho dessa natureza e qualidade poderá ser desenvolvido em organizações especificamente criadas para esse fim. como não poderia se limitar à simples obtenção de um emprego remunerado. requerendo uma atuação integrada e uma ampla e permanente colaboração da comunidade. terapeutas ocupacionais. Estamos caracterizando. da anomalia e de suas conseqüências. tendo sido uma preocupação contínua da Organização Mundial de Saúde desde os meados da década de setenta. enfermeiros. além de educadores e conselheiros diversos. fisioterapeutas. dessa forma. além de seus cursos básicos. é somatória de esforços nos quais dãose as mãos diversos profissionais. incluindo obrigatoriamente atividades que levam à valorização pessoal. com o uso de uma tecnologia menos dispendiosa são também recomendados. é bom também que essas atividades mostrem ao indivíduo a importância que pode ter em sua vida a criação ou a mudança de hábitos e de atitudes. numa situação de plena participação na vida da comunidade. por estar de acordo com aquilo que ela espera de cada um daqueles que dela pretende participar e nela ter um papel definido e digno. a questão não se limita e jamais poderia se limitar à mera solução de um problema físico. Programas de integração a nível de comunidade. . assistentes sociais. Além disso. Na verdade. para aquela pessoa”. uma deficiência. perda ou restrição. olhar. Portanto. o indivíduo não ouve. A guisa de esclarecimento: essa nomenclatura ou classificação terminológica é aqui transcrita: “Impedimento: um dano psicológico. fisiológico ou anatômico. resultante de um impedimento. ou seja. e chegamos à conclusão que os serviços destinados a dar apoio e cobertura de natureza integral a pessoas que vivem em situações dessa natureza não podem deixar de cobrir as necessidades essenciais do ser humano. deficiência e incapacidade* Nunca será demais repetirmos um pouco o raciocínio a respeito dessa questão. verificada a “anomalia”. formulamos alguns princípios básicos sobre os quais programas de assistência a esses mesmos indivíduos podem basear-se.Analisamos anteriormente algumas idéias quanto às dificuldades que podem levar indivíduos a situações sérias de marginalização. permanente ou transitório. delineamos as condições fundamentais para um envolvimento da sociedade face a essa problemática. uma paralisia pós-poliomielite. sexo. poderá também significar uma “desvantagem” . que praticamente todos os desvios da normalidade podem ser considerados negativamente pelo grupo social e muitas vezes pela própria pessoa atingida.ou seja. uma perna amputada. não fala. pontos de semântica. uma incapacidade. a “falta de um membro” (e tudo isso é reconhecido no Brasil como “impedimento”). na forma ou dentro dos limites considerados como normais para o ser humano”. enxerga mal. em conseqüência de um mal. “Deficiência: qualquer restrição ou prevenção na execução de uma atividade. “Incapacidade: uma deficiência que constitui uma desvantagem para uma determinada pessoa. contar e outras . O documento prossegue com esclarecimentos que são relevantes para a diferenciação desses conceitos. ou seja. fatores sociais e culturais. a pessoa deficiente é aquela que vive em situações de bloqueios eventuais ou permanentes. uma vez que não estamos aqui discutindo apenas ângulos de sinônimos. temos instalado algum grau de deficiência. . escrever. ao afirmar: a) Um impedimento pode ser uma parte do corpo. não leva a mão à boca. Assim é que. não tem controle de esfíncteres. . em todos os sentidos. ouve mal. não vê. fala mal. essa anomalia poderá chegar a significar uma “perda”.em cooperação com o UNICEF. anda mal. é o resultado da deficiência somado às conseqüências pessoais e sociais. diminuição da capacidade pulmonar. especialmente quando a anomalia provocadora do desvio não é bem aceita ou bem compreendida. porque limita ou impede o desempenho de uma função que é considerada normal. Na verdade. ou uma anormalidade de estrutura ou função”. o “defeito físico ou mental”. dependendo da idade. Verificamos também. diabetes. “A Deficiência Infantil: Sua Prevenção e Reabilitação”.isto é. “Incapacidade” já e algo diferente. São conseqüências diretas da anomalia no funcionamento da pessoa. Para especialistas em reabilitação. com evidente prejuízo para o ser humano. ausente ou defeituosa. não anda.*Impedimento. uma “restrição” ou um “bloqueio” a atividades usuais tais como andar. No sentido de caminhar para uma uniformidade de conceitos. mas de conceituações que são fundamentais para quem pretende compreender esses problemas e suas soluções. muitos profissionais têm adotado uma nomenclatura próxima àquela publicada pela Organização Mundial de Saúde e que foi inserida num importante documento da Rehabilitation International. aos objetivos de vida da pessoa deficiente. não pode deixar de ser considerado quanto às suas necessidades de ajustamento físico. em débito com ela. E todos os serviços de reabilitação precisam invariavelmente envolver a pessoa deficiente nos programas de tomada de decisão que ocorrem. A solução global é necessária. Um nariz extremamente desproporcional poderá ser uma grande vantagem a um comediante. provocando muitas vezes situações de tal natureza e complexidade que apenas serviços especializados poderão possibilitar sua reintegração na sociedade. ou outra condição anormal. considerados sempre seus direitos. psicológica. visão. relacionar-se socialmente com outras crianças e adultos. como membros da sociedade e não como meros recebedores de serviços. de levantar-se ou de interessar-se em fazer contato com o meio-ambiente. da RI/UNICEF). deformação da face. levam as pessoas atingidas à marginalidade de algum tipo. manifestar seus pensamentos e preocupações. Embora seja possível encontrarmos situações especiais. O objetivo último da reabilitação é a independência dos indivíduos. psicológico. Às vezes uma deficiência quase imperceptível pode ser transformada em incapacidade devido basicamente as expectativas relacionadas aos propósitos. e muitos de natureza neuropsiquiátrica grave. Pormenorizando um pouco e referindo-nos ao que foi expresso no Capítulo Oitavo. a incapacidade (o handicap dos ingleses e norteamericanos) ocorre quando existe a desvantagem .*Programas de reabilitação global* Muitas deficiências. ou grupos sociais. escrita. fala. enquanto que uma pequena cicatriz no rosto poderá determinar o fim de carreira de uma estrela de cinema. Tais problemas ocorrem principalmente nos casos de desvios mais evidentes ou limitadores. conforme o tipo de problema físico ou mental apresentado. pois ela é o agente principal de sua integração social. social e profissional. social e profissional. basicamente o que se deve pretender em reabilitação é uma adequação . de contar. diminuição da capacidade auditiva.miopia. c) A deficiência pode tornar-se uma incapacidade quando interfere com a execução do que seria normal em determinada época de uma vida. retardo mental. nas quais. Crianças com deficiências podem tornar-se incapacitadas para cuidar de si próprias. O objetivo desse trabalho é levar a pessoa deficiente a uma participação mais completa em todos os aspectos de sua vida. objetivamente falando. sensoriais e orgânicos. pois o indivíduo. Esse programa destina-se a prover serviços especiais e especializados para possibilitar à pessoa deficiente superar dificuldades de ordem física. aprender na escola e fora dela e desenvolver a capacidade para atividade econômica independente (A Deficiência Infantil: Sua Prevenção e Reabilitação. ou pela comunidade da qual a pessoa deficiente é oriunda. seus deveres e sua dignidade. e aqueles que o próprio indivíduo estabelece.e esta acontece sempre que exista a somatória de três tipos de bloqueios ou de limitações: os impostos pelo próprio impedimento. b) Deficiência como resultado de um impedimento pode consistir de dificuldade de marcha. como os desvios motores. quando transformadas em incapacidades. ser complexo e potencialmente considerável. . Para situações dessa natureza criou-se aquilo que é convencionalmente conhecido como programa de reabilitação. repleto de respeitabilidade e de valor. sempre através da prestação de serviços de uma forma integrada por meio de equipes multidisciplinares. a tônica do recurso em discussão possa ser ligeiramente alterada. os estabelecidos pelo grupo. audição. Um programa reabilitacional precisará. manter serviços que possam orientar a pessoa deficiente a superar essas dificuldades de ordem física. com rigidez muscular e muitas outras. .e o problema torna-se muito sério em condicionamento físico quando vemos médicos. portanto. de atividades da vida diária. Além disso. poderemos encontrar situações que requeiram assistência especial para membros superiores.ajustamento à vida de trabalho. com membros inferiores paralisados. quer do físico. conforme as necessidades apresentadas pelas pessoas que se submetem ao programa. mas a relacionada a problemas de visão ou de audição. com qualquer tipo de tempo e condução. com vícios de postura. fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais digladiando entre si. paralisias. médicos versados. malformações e outras. ou seja.*Condicionamento físico em reabilitação* Qualquer recurso que seja destinado à reabilitação integral das pessoas deficientes. No entanto. conforme foi já explicado. pensando em termos do indivíduo lançado num ambiente absolutamente hostil e competitivo onde apenas o aspecto mobilidade não chega a ser satisfatório. Conforme o tipo de pessoas atendidas no centro de reabilitação. mas num correto conhecimento do conteúdo de cada área e na sua respectiva coordenação. . por exemplo. fisioterapeutas. Deve-se pensar e programar em termos de uma movimentação diuturna de casa para o trabalho.ajustamento psico-social. deve pretender levar o indivíduo à otimização de seu potencial físico. . poderá ser indispensável a presença de técnicos em aparelhos ortopédicos ou talvez a especialidade médica requerida não seja a fisiatria. e em muitos casos até das vítimas de problemas mentais e sociais. com fraqueza generalizada. na deambulação e movimentação dentro do trabalho. Conforme situações individualmente consideradas. como nos casos de amputações. Um recurso destinado à reabilitação deverá contar com alguns profissionais especialmente preparados para levar a pessoa deficiente a superar dificuldades físicas. para não citar problemas especiais com pessoas que são cegas ou surdas. de fisioterapia.pessoal que poderá ser obtida com o concurso de três áreas principais de atuação técnica. pois. Um centro de reabilitação cuja clientela tenha problemas de ordem física deverá manter seus serviços de medicina física. Problemas surgem também quanto às . mas em um centro de reabilitação toda a equipe de profissionais deverá estar voltada para situações mais complexas e desafiadoras.condicionamento físico. experimentados ou formados em fisiatria. As pessoas deficientes poderão ter ou não capacidade para se locomover para superar as dificuldades materiais de seu meio-ambiente. Dificuldades sem conta têm surgido em programas de reabilitação graças ao eventual despreparo dos profissionais envolvidos . poderemos ter problemas com um ou dois membros inferiores amputados. de terapia ocupacional. terapeutas ocupacionais e técnicos em próteses e aparelhos ortopédicos. teremos sempre a presença de um grupo de profissionais voltados para o melhor condicionamento físico possível das pessoas em atendimento e sua independência pessoal. todo o potencial físico da pessoa deficiente deverá ser melhorado em muito para que ela possa enfrentar a vida em competição que a espera fora do recurso de reabilitação. As dificuldades mais sérias que encontramos neste aspecto dos centros de reabilitação não estão tanto na disponibilidade de pessoal.enfermeiras especializadas em reabilitação. na volta para casa e todas as demais circunstâncias previsíveis ou não. mas que o indivíduo precisará superar. quer do sensorial ou do orgânico.e isso é aplicável não só em condicionamento físico mas em todas as áreas . que podem ser identificadas como: . seja de ordem cultural. de sua vida extra-familiar. O valor de uma adequada avaliação psicológica não pode ser minimizado. procurando afastar eventuais obstruções ao seu progresso. desenvolvem as suas atividades procurando dar à pessoa deficiente condições de iniciar seu processo reabilitacional pela exata compreensão de seu problema e pela assimilação do significado que ele pode ter em sua vida. assistentes sociais e educadores. há um permanente corre-corre e os profissionais ou seus auxiliares envolvidos trabalham suas seis ou oito horas diárias duramente. do regime de sua vida familiar e seu ajustamento ao mesmo. das dificuldades e das barreiras que demonstra como um ser social. Psicólogos. seja escolar. do posicionamento da pessoa deficiente nela. Distorções na organização de muitos centros de reabilitação limitam a atuação de assistentes sociais apenas e tão somente para resolver problemas que nunca saem das dificuldades financeiras. à situação familiar e ao seu grupo de referência. fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. ou listas de clientes que são oriundos de organizações financiadoras ou conveniadas. desse ponto o processo poderá ter condições para uma evolução satisfatória e equilibrada. ao lado de outros profissionais. tanto nos aspectos físicos quanto pessoais ou profissionais. principalmente. Cabe a esses profissionais uma atuação que não só elimine os eventuais bloqueios à participação da pessoa deficiente em seu programa de reabilitação. Contatos mais profundos da pessoa deficiente com o assistente social para discussão de problemas individuais relacionados às dificuldades de aceitação ou de assimilação do processo nunca ocorrem e ficam parecendo esdrúxulos. quer partam de seus amigos e colegas. . Nesses centros todos os problemas práticos ou que possam dificultar a pessoa deficiente e sua família são encaminhados às cegas ao serviço social. não chegam nem a arranhar a problemática que é a própria causa de sua inserção num centro de reabilitação. Envolvem-se aqui alguns profissionais que atuam com uma forte interdependência com as áreas de condicionamento físico e ajustamento profissional. Em centros nos quais assistentes sociais limitam seus papéis a essas funções simples e de meros providenciamentos. De um modo geral assistentes sociais envolvem-se numa avaliação social de triagem da clientela do centro de reabilitação. quer elas partam do próprio cliente. pois uma avaliação psicológica é fundamental a fim de que a equipe atue com propriedade em cada caso. mas não atingem o âmago de sua função precípua. Dentre as funções existentes num centro de reabilitação aquela assumida por assistentes sociais. da pessoa que busca reabilitação como integrante de uma vizinhança ou de um círculo de pessoas com as quais se vincula de alguma forma. teremos uma atuação muito significativa no processo de triagem.*O ajustamento psico-social no processo de reabilitação* Uma das áreas de reabilitação que luta com grandes dificuldades é aquela que tem sob sua responsabilidade o desenvolvimento de atividades destinadas a levar a pessoa deficiente a um bom ajustamento social e psicológico. mas também que as ajude no necessário ajustamento à vida em geral. Além disso. desde que considerada com profundidade e na sua globalidade. Na verdade. pois é através dela que a equipe do centro de reabilitação terá condições de não só selecionar .responsabilidades face à programação usualmente reconhecida como de atividades da vida diária. e com eles entrosados. levar a pessoa deficiente ao aproveitamento máximo da oportunidade que tem. quer partam de algum profissional da equipe. assistentes sociais podem ter um papel muito relevante na interpretação do programa do centro de reabilitação. Quanto ao psicólogo. é das mais difíceis. questões ligadas a problemas de acesso ao centro. Essa avaliação em geral contém estudo e relato objetivo da situação familiar. na qual por vezes chocam-se enfermeiras. procurando. a adequação da pessoa deficiente às exigências de uma atuação produtiva requer um cuidado todo especial. é fundamental que haja um aconselhamento prático que ajude a pessoa deficiente a raciocinar com segurança quanto às perspectivas reais do mercado de trabalho e das possibilidades dela ser por ele absorvida. os vários aspectos e momentos de aconselhamento no centro e fora dele. direta ou indiretamente. o de treinamento profissional. análise de personalidade e seus traços principais. como também de trabalhar bem com eles. e da orientação do que ele necessita para melhorar. e facilitará a compreensão do cliente e a adequação do programa conforme suas características e necessidades. Durante o processo de reabilitação. E em tudo aquilo que se relacionar. Hoje em dia. pelo grau de ajustamento emocional. ajudará o programa de condicionamento físico. Uma boa avaliação psicológica deverá conter tudo aquilo que pode ser conhecido como atividade intelectual. Dentre os múltiplos requisitos para um programa dessa natureza. . com indicativos seguros quanto às aspirações do cliente e quanto às condições psicológicas de natureza positiva ou negativa. com muita clareza. em estreita colaboração com a programação específica do serviço social e da psicologia.bem os casos. Esta observação é de um modo todo especial verdadeira com indivíduos portadores de deficiências físicas ou mentais de alguma severidade. à vida de trabalho. Pode-se perceber. análise dos interesses e aptidões e a opinião do profissional quanto a recomendações e contra-indicações. educadores que desenvolvem programas de treinamento mental para tomadas de decisão ou atividades práticas destinadas a levar a pessoa deficiente a um bom ajustamento pessoal. o de avaliação e ajustamento ao trabalho. Não pode nem deve ser um mero relatório de alta sofisticação a ser inserido no prontuário do cliente. em diversos casos. por meio da educação de base. onde todos os aspectos da vida do ser humano precisam entrar em consideração. Essa atuação de alta necessidade inclui. mas um instrumento de utilização prática para toda a equipe. físico e intelectual que pode provocar. Seu papel é de fundamental importância para o indivíduo obter um meio de vida satisfatório e produtivo. avaliação essa que . o psicólogo poderá estabelecer um programa de assistência psicológica regular para casos que considerar oportunos face a dados em seu poder desde o processo inicial de triagem. global. desde que o trabalhador esteja nele bem ajustado. Estes pontos de reflexão nos chamam a atenção para a necessidade de um programa que nunca poderá deixar de ser completo. devidamente complementada e feita por médicos e assistentes sociais. em centros de reabilitação de orientação mais moderna e objetiva. A avaliação preparada pelo psicólogo. existe uma pequena equipe de ajustamento psico-social que trabalha com o propósito de colaborar com a pessoa deficiente para que ela consiga se posicionar face às exigências da vida em competição e consiga assumir as responsabilidades correspondentes à vida independente. Nem o assistente social nem o psicólogo podem atuar isoladamente em seus papéis na realidade de um centro de reabilitação. ou para casos nos quais pode ocorrer uma solicitação da própria equipe do centro de reabilitação. a extensão com a qual o trabalho contribui para o bem-estar do ser humano.*Ajustamento à vida de trabalho* O trabalho muito contribui para a auto-estima e confiança e para determinar o status da pessoa adulta. Deve ser claro e objetivo. para os quais obstáculos para uma vida útil e feliz no trabalho e na vida social assumem proporções bem maiores do que para outras pessoas que não têm problemas da mesma natureza. é necessário que o centro de reabilitação estabeleça um método próprio destinado à avaliação do potencial da pessoa deficiente para a vida de trabalho. Assim.colocação e seguimento dos casos. ao mundo que nos cerca em todos os momentos de nossa vida. à comunidade. que talvez ele tenha esquecido. as tonalidades da programação de um centro de reabilitação também podem divergir e acabam dependendo não apenas da orientação de seu elemento diretivo. a questão não é apenas dar emprego a um portador de deficiência física que vive da caridade pública. Teremos oportunidade de melhor analisar estes assuntos no capítulo especificamente dedicado a eles. atitudes e comportamentos do indivíduo face à sua deficiência. mas também do tipo. . face à família. da adequacidade e da profundidade de preparo de componentes de sua equipe de reabilitação. dependendo do tipo de centro e da orientação seguida. um centro de reabilitação só poderá atingir esses propósitos com um trabalho muito sério e voltado para a imperiosa necessidade de fazer com que pessoa deficiente seja “integrável” na sociedade. pois elas favorecerão o ressurgimento ou a criação de hábitos. de treinamento profissional para dar à pessoa deficiente armas bastante poderosas para poder enfrentar o mundo competitivo do trabalho. Além disso. mas de um modo geral essas atividades englobam: . atitudes e comportamentos* Como em diversos outros tipos de empreendimentos. Para muitos centros de reabilitação essas atividades podem se confundir numa só. e de colocação e seguimento dos casos colocados. As dificuldades usuais que uma pessoa deficiente que tenha enfrentado o processo de reabilitação poderia encontrar para se integrar na sociedade produtiva. procurando cobrir suas necessidades básicas em todos os sentidos. Para tanto.*Hábitos. deixando aos próprios reabilitandos a responsabilidade de obter e manter sua colocação.deverá ser capaz de indicar um trabalho específico que seja adequado não só ao físico prejudicado. torna-se necessário desenvolver programas de ajustamento a situações de trabalho. mas levá-lo a lembrar valores médios e aceitos pela sociedade à qual pertence (ou pretende pertencer). enquanto que certos recursos levam sua programação da área de ajustamento profissional apenas até os aspectos de avaliação e ajustamento ao trabalho. Essas atividades específicas precisam ser criadas. Por que existem os Centros de Reabilitação? Para prover um programa centralizado e individualizado para pessoas portadoras de deficiências que vivem em situação de marginalização e que não conseguem sair dessa situação por seus próprios meios. para garantia de seu sucesso. perdido ou posto de lado face às circunstâncias e à necessidade de sobreviver. O sentido de dignidade e o amor próprio devem também ser trazidos à tona por meio de atividades próprias reforçadas pela atuação de toda a equipe de reabilitação.treinamento profissional. é básico que trabalhe não só com o físico ou com a preocupação de encontrar uma colocação ou re-colocação em trabalho competitivo. No entanto. para com isso levá-las a um nível mais adequado possível de atuação individual e social. de atitudes e de comportamentos que a sociedade pode esperar de cada um daqueles que dela pretendem . . deve-se acrescentar problemas relacionados a atitudes muito pouco adequadas que ela vai encontrar por parte de segmentos da sociedade. mas com a eventual alteração de hábitos. Devido a esses tipos de atitudes a reabilitação não pode deixar de trabalhar com o indivíduo para que ele domine quase perfeitamente as condições que poderão facilitar sua aceitação como um ser normal. . mas às aspirações do indivíduo.avaliação e ajustamento ao trabalho. Os aspectos específicos do processo de reabilitação que se relacionam ao ajustamento profissional estão normalmente divididos em atividades que são variáveis. pois se considerarmos. à sua individualidade. psicólogos. assistentes sociais. Onde quer que essa tecnologia moderna surja só como conseqüência do progresso técnico. fisioterapeutas. Precisamos manter-nos alertas para o fato de que a reabilitação. grandes e modernas construções e que se esquecem do homem portador de deficiência para o qual foi criado o processo de reabilitação. o cansaço. mas também se essa programação funciona concretamente. números. nem sempre ocorre na hora certa. não é apenas o resultado de um processo tecnológico ou do surgimento de grupos profissionais novos no cenário das profissões. seu grau de cultura. Muitos de nós atingimos esses objetivos sem dificuldades maiores e sempre que isso ocorre existe uma automática retomada de equilíbrio que estava provisoriamente suspenso pela presença do problema. ou do interesse puramente econômico de alguns profissionais. estatísticas. E todo ser humano sente necessidade de eliminar ou de minimizar desconfortos e dificuldades. qualquer que seja seu nível intelectual. Há um certo ceticismo a respeito de alguns técnicos inseridos em reabilitação (sejam eles médicos. potencial e direitos inalienáveis. deverá estabelecer como sua meta última a integração social do indivíduo. ou o processo de integração social que todos defendemos. ou na forma planejada. passado para a prática. O humanismo prático depende muito da atitude mental de cada um de nós em dar importância ao homem. é necessário que verifiquemos com critério se o centro ou programa de reabilitação do qual participamos não só mantém programação que esteja de acordo com esses princípios. terapeutas ocupacionais. fonoaudiólogos. seu tipo de personalidade. completamente voltada para o ser humano com deficiência. ou desejável. Precisa também satisfazer sua necessidade de sucesso. às suas faculdades. de repouso.têm dignidade. de segurança. de afeto. Onde quer que esse programa se desenvolva com pujança ele é conseqüência de uma linha de pensamento humanista predominante. mas esta só poderá ocorrer bem se a sociedade estiver conscientizada e se o homem que nela pretende se integrar estiver bem consigo mesmo e se considerar como um membro útil de um grupo familiar e social. ao seu potencial. no entanto. conselheiros de reabilitação . valor. à sua liberdade e ao seu bem-estar. a pobreza. como a fome. a carência. O processo de ajustamento ou de satisfação de uma necessidade. o sono. ela vacila e se descaracteriza no correr de sua implantação. Em poucas palavras: A pessoa deficiente precisa ter meios para tornar-se “competente” para enfrentar as situações que esperam todos aqueles que são integrados a uma vida social. Existe também uma atitude de reserva para com pessoas que apenas visam rentabilidade econômica. . a insegurança. Não é repetição desnecessária voltarmos a lembrar os princípios fundamentais da reabilitação. objetivos a serem atingidos. de “status” e outras mais. que lidamos com pessoas que .*A adequação pessoal e seu significado* Todo ser humano tem necessidades que precisam ser satisfeitas. o fracasso. a raiva. desejada. de fato.apesar da deficiência . da mera importação de conhecimentos sem a indispensável depuração. enfermeiros. Considerada a expectativa que as pessoas deficientes têm quanto à atuação de profissionais que se dedicam à reabilitação . .fazer parte.não importa) que não atentam para a necessidade de se conscientizar e de assumir uma linha de pensamentos básicos quanto ao homem que procuram atender e que nela permanecem apenas pela remuneração ou pela inexistência de opção para outras áreas. sonhos a serem colocados em prática.sejam eles bem preparados ou não .a programação de um centro de reabilitação. Esses mecanismos. a redução do impedimento já considerado. acabam levando o indivíduo a criar hábitos por vezes inadequados. Surgem barreiras diversas que podem impedir . de desajustamento. na diminuição ou na camuflagem pura e simples de uma deficiência. E neste ponto do processo surge uma situação de óbvio desequilíbrio. então? O ser humano utiliza-se de vários meios e de situações para superar essas dificuldades e não é sempre que os meios empregados são os mais recomendáveis ou aceitáveis. que podem ser de fuga. de infração a normas estabelecidas. todavia.e impedem mesmo o indivíduo de eliminar o problema ou de satisfazer a necessidade sentida.pretendida ou sonhada. Considerando que. eliminando completamente ou reduzindo o volume de atividades destinadas a contornar o problema e a atingir o alvo em mira. mesmo que ele traga dentro de si motivos de sobejo para lançar mão de mecanismos de ajustamento os mais variados. É evidente que quando os objetivos são atingidos por meios normalmente aceitáveis a pessoa sente aquela esperada sensação de realização. de ansiedade. em todo ou em parte. voluntários e mesmo profissionais razoavelmente bem preparados acham que a solução dos problemas da clientela de reabilitação poderá encontrar-se na eliminação. a pessoa deficiente revela às vezes comportamentos inadequados. são os comportamentos inadequados e a manifesta incompetência pessoal e social que levam as pessoas a situações de marginalidade. de alívio. de defesa. racionalizações e diversos outros tipos de comportamentos. além das dificuldades ocasionadas por certos tipos de desvios ou de impedimentos. sensorial. pouco aceitáveis ou combatidos pelo meio em que vive ou do qual faz parte. Entretanto muitos são os profissionais de reabilitação melhor conscientizados da profundidade dos problemas que atingem a pessoa deficiente e que acabam se preocupando com o ser humano como um todo. mental ou orgânica e todos os estigmas sociais criados contra ela. O que sucede.tomamos todos os dias diversas providências ou adotamos as mais variadas atitudes para satisfazer necessidades obstaculizadas por problemas vários que se interpõem entre nossos desejos ou necessidades e o bem almejado. Psiquiatras e psicólogos têm estudado abundantemente as causas que dão origem a necessidades e a frustrações para o homem em geral. sublimações. pois são fonte constante de frustrações as mais variadas. dentro dos diferentes níveis de atuação do ser humano integrante de uma sociedade como a nossa. dentre muitos outros. As deficiências podem trazer ao indivíduo tensões emocionais múltiplas. Todos nós – pessoas com ou sem deficiências . Aqui estamos interessados apenas e tão somente naquelas advindas de motivos mais significativos que podem levar uma pessoa a um programa de reabilitação: uma deficiência física. . de quebra de princípios éticos. Isso acontece através daquilo que os psiquiatras e psicólogos chamam de “mecanismo de ajustamento” a situações. com comportamentos considerados normais. a eliminação consciente de comportamentos menos aceitáveis e a conquista de um certo grau de competência pessoal. É teoricamente admissível o enquadramento do homem a uma situação concreta. Ao trabalhar com pessoas deficientes. projeções. Em reabilitação. familiar e social tenderão a gradativamente levar o indivíduo às faixas de normalidade. que percebem ter o problema facetas várias e que é fundamental envolver o cliente para fazer com que ele assuma a responsabilidade de fazer tudo para superá-lo. Há outros que consideram estar a dificuldade resolvida com a solução do problema do trabalho remunerado. com hábitos e atitudes quase sempre rejeitados pela sociedade. Em qualquer compêndio de psicologia encontraremos explicações suficientemente claras a respeito e que nos mostram que mecanismos de ajustamento podem ser evidenciados por compensações. .Não é sem motivo. envolvimento em todas as etapas do dia de trabalho. e a desenvolver atitudes e comportamentos mais próprios à sua realidade e a manter uma atuação aceitável nessa mesma realidade. que na programação de um centro de reabilitação.melhor aproveitamento do tempo de que dispõem no centro. ao desenvolver suas atividades específicas. Concomitantemente a isso. com o intuito de propiciar às pessoas deficientes condições de compreender o completo significado da vida familiar e social. Para que a equipe que trabalha em reabilitação possa. tais como comparecimento pontual e constante. . Dentro desse tipo de ênfase o processo reabilitacional procurará garantir condições para ajudar a pessoa deficiente a alterar.hábitos normais de trabalho. .atuação de trabalho sem atitudes e comportamentos tendentes a interrompê-la. . . conforme o caso. treine e ensine as pessoas deficientes a desenvolver por si mesmas: . . o ponto principal de concentração de esforços poderá estar voltado. . é fundamental que se trabalhe com a pessoa deficiente e sua família. na identificação dos problemas mais significativos de sua vida familiar e social. se necessário. por sua equipe multidisciplinar de trabalho. é preciso que auxilie. higiene pessoal e apresentação adequada ao ambiente.níveis aceitáveis de estabilidade emocional. perseverança no trabalho em todas as suas fases. por meio de entrevistas ou de atividades de grupo. e de analisá-las sem reações impróprias.*Adequação pessoal .habilidades sociais mínimas de acordo com seus objetivos de vida. É muito importante também que seja feita uma clara análise dos problemas que podem causar . apesar de se notar que. para hábitos e atitudes no ambiente de trabalho. . Em primeiro lugar devemos procurar garantir a todos os membros da equipe a possibilidade da observação direta para a identificação de problemas ocasionados por certos hábitos e atitudes das pessoas deficientes e o estabelecimento dos objetivos a serem perseguidos com a sua ampla participação.capacidade de resolver problemas por seus próprios recursos. .estabelecimento ou reaquisição de valores pessoais. e com muita razão.conhecimentos mais claros do processo reabilitacional e de sua importância para atingimento do objetivo de integração social.o melhor condicionamento físico que puderem atingir. . por exemplo. . são vários. . Os componentes indispensáveis de um programa de adequação pessoal desenvolvido num centro de reabilitação global. social e profissional. portanto. Em um centro de reabilitação para o trabalho. atingir esse objetivo. .resistência à fadiga e tolerância às rotinas da vida de trabalho.confiança em seu potencial e aspirações realistas. o enfoque deve ser sempre globalizante.habilidade de ouvir críticas consideradas menos justas.fator decisório na integração social* Adequação pessoal é um objetivo e é conseqüente a um processo sistemático de tratamento e de treinamento em reabilitação que utiliza vários profissionais voltados todos para um trabalho individualizado ou em grupo. nível correto de relacionamento no trabalho e fora dele. o processo de ajustamento pessoal poderá ser desenvolvido com diferentes ênfases e isso ninguém pode condenar. o valor de seu próprio envolvimento e as exigências da sociedade em termos de vida familiar.equilíbrio no reconhecimento de suas limitações e na busca de ajuda. Deverá tal programa ser objeto de constantes estudos por parte da equipe que o adotar. 7. de terapia de apoio e de programações especiais de educação de base. Dificuldades de comunicação. Um programa de adequação pessoal da pessoa deficiente. 6. D = Inaceitável. 8. com o devido critério. B = Deve ser melhorado. 4. CATEGORIAS 1. Vitalidade nas atividades. a equipe poderá tomar como parâmetros orientadores para tal fim. atitudes e comportamentos dos clientes. 9. é possível com a aliança das atividades próprias de cada setor do centro de reabilitação com as atividades destinadas especificamente à melhoria dos hábitos. . como aqui pretendido. podendo a parte relacionada à adequação pessoal ser aplicada e desenvolvida através de entrevistas. 2. um indicativo para identificação de problemas de comportamento. Assim sendo.dificuldades comportamentais e uma definição operacional do programa destinado à sua eliminação. Hábitos irritantes. ou meramente individual. que cada centro deve manter. ANEXO I INDICATIVO PARA IDENTIFICAÇÃO DE COMPORTAMENTOS Nome do cliente: Treinamento na área de: Data do início: Encaminhado por: Observações deste Indicativo válidas na data: Levantamento feito por: CONCEITOS: A = Ótimo. Assiduidade às atividades. C = Deve ser modificado. Dentre vários tipos de material que poderão ser úteis na elaboração de um programa dessa natureza. Toda a equipe. Pontualidade em geral. Capacidade de resolver problemas. durante todo o programa. de atividades de grupo. Aparência pessoal. 5. para avaliação e para controle (V. Resistência à fadiga. anexos I e II). relatando-as com objetividade. sem problemas. é básico que todos os técnicos disponham-se a fazer anotações e observações sistemáticas. deverá voltar-se para ela. 3. Queixas pessoais. com a integral colaboração do cliente. Observação: segue quadro: categorias – comportamento observado – conceito. A preocupação com a eventual mudança de hábitos e comportamentos das pessoas deficientes em programas de reabilitação nunca poderá ser isolada a de um só profissional. Caberá ao setor de ajustamento psico-social do centro de reabilitação a coordenação de programações dessa natureza. usa roupas rasgadas. . 17. 16. Tensão devido à proximidade da supervisão. . . . . Persistência na atividade. .veste roupas necessitando de revisão ou conserto.usa cosméticos inadequadamente. . .tem barba mal cuidada.veste roupas de tamanhos errados. mal cuidadas e sujas. . bolso cheio. Comentários adicionais no verso Assinatura. .tem posturas inadequadas. . . . . 20. . 19. Aparência pessoal . para os que a usam crescida.excesso de gordura. devido ao odor. 12.costuma ter mãos sujas. Organização com equipamentos e materiais.veste roupas inadequadas (formais ou ao contrário).costuma comparecer com a pele ou cabelos sujos. .usa sapatos sujos.veste roupas manchadas. 22. 21. 15.usa roupas soltas que podem causar acidentes. Habilidade social com colegas. . .barba mal feita ou por fazer. Requer supervisão após tarefa nova. Reação à crítica ou pressão da supervisão.costuma ter nariz sujo. não-engraxados ou de má aparência descuidado com vestuários. Comportamentos estranhos. Necessidade de ajuda da supervisão. para os que se barbeiam.usa sapatos muito largos. . . . 11. ANEXO II. Capacidade de seguir regulamentos. 18. .não usa desodorante quando deveria usar. com zíper aberto. soltos e desamarrados. . . que necessitam ser escovados.tem caspa e não cuida do assunto. Reações à monotonia.costuma ter olhos sujos. 13. Aceitação da supervisão. Reações à mudança de tarefas.mantém cabelos mal penteados. .tem odor característico da falta de asseio corporal. LISTA DE COMPORTAMENTOS OU HÁBITOS INADEQUADOS CATEGORIA 1.10. Distração durante atividade.mantém unhas compridas. 14.veste roupas amassadas.tem mau hálito.mantém dentes sujos. gagueja sempre ou ocasionalmente. . .cantarola sempre.vocabulário limitado.falta à atividade várias vezes sem dar a mínima justificativa.usa palavras de baixo calão. .deixa de fazer perguntas na hora certa. CATEGORIA 4.CATEGORIA 2: Hábitos irritantes .encara as pessoas distraidamente. .mantém riso constante. .assobia sem parar ou com muita persistência. .coça a barba ou o cabelo com freqüência. .mantém tons de voz guturais. . . . . . dedos e outros objetos. . sem necessidade.costuma virar os olhos quando conversa.roe as unhas.mastiga goma de modo desagradável.limpa a garganta com freqüência excessiva e desagradavelmente. Dificuldades de comunicação .tamborila sempre com ferramentas.chupa ar barulhentamente pelo nariz. .funga sempre. não dando nomes certos às coisas ou pessoas.usa gíria em excesso. . . . . .fala em linguagem extremamente errada. . . .tosse em excesso e sem necessidade. . .coça partes do corpo com freqüência e ruidosamente. pés.tem respiração funda e sonora. .cospe sempre que limpa a garganta. lápis. Assiduidade às atividades . . . .faz caretas ou palhaçadas constantes e em momentos inadequados.morde a dentadura de modo muito visível.gesticula demais ao falar. . sem dar chance aos outros. . .fala excessivamente rápido.tem fala inaudível.vive pregando peças nos outros. aparentemente. . . .balança o corpo enquanto trabalha ou estuda.canta continuadamente.tamborila os dedos incessantemente.fala demais.costuma coçar o nariz ou o rosto. .fala fanhosamente. CATEGORIA 3.fala alto demais. . . . .estala os dedos com freqüência.fica ausente da atividade diversos dias consecutivos.chupa ar pelos dentes.fica ausente da atividade diversos dias alternados. declarações evidentes de desagrado pelas atividades que desenvolve. boceja. CATEGORIA 5. calafrios.inventa pretextos para se ausentar ou manter-se ausente. equipamentos.queixas de dor de cabeça. .demora-se muito para começar nova tarefa. . de depressão. . . quando a ajuda é indispensável. geme.procura chamar a atenção pelos constantes atrasos.chega atrasado após o intervalo do almoço ou do lanche.falta à atividade por motivos triviais. ferramentas. Pontualidade em geral .grita pelo técnico ou supervisor quando encontra dificuldades.queixa-se de câimbras.indicativos de dores físicas.expressões de doença ou de mal-estar. .interrompe sua atividade e espera ajuda nos mínimos problemas.persiste por mais de uma hora tentando resolver problemas sem pedir ajuda.deixa a área de atividade por meia hora. . cansaço generalizado e sono. . . . . assentos.habitualmente atrasado nas atividades.bate com ferramentas e materiais na bancada para obter ajuda.queixa-se do ambiente onde desenvolve suas atividades: temperatura. . .indiferente a problemas que ocorrem por perto. CATEGORIA 7. manca. . . . . .fica apertando e torcendo as mãos ou fica tremulo quando solicitado a desenvolver trabalho de cooperação com colegas. . CATEGORIA 6.. iluminação.sempre atrasado para entrevistas com pessoal de supervisão. musculares e outras – hipocondríaco. . . tais como colegas. .fica ausente duas horas para uma entrevista de meia hora. bancadas.esquece-se de marcar o cartão do ponto.começa a atividade apenas depois dos outros terem começado. Capacidade de resolver problemas . Queixas pessoais . suspira alto. . .gasta muito tempo nos intervalos para descanso. .verbalizações negativas ou depreciativas por outras pessoas.fica freqüentemente ausente devido a motivos particulares. barulho. técnicos. em várias partes do corpo.é o último a chegar após o intervalo. . . . .inventa motivos graves para faltar. pedindo a colega para justificar-se diante do supervisor ou técnico. .não aceita que o relógio do ponto esteja certo. supervisores e outros.queixa-se constantemente de dores de estômago. sem experimentar resolver o problema por sua própria iniciativa. tem respiração rápida.acusa os colegas de causadores de seus problemas. mentindo ao supervisor. .conversa com os colegas cinco minutos antes de começar. de desconforto: franze a testa.pede ajuda imediatamente. . . . perguntando coisas irrelevantes ao supervisor. .mostra sinais de fadiga no final do dia de atividades.leva duas vezes mais o tempo em tarefas que não aprecia. máquinas ou equipamentos em corredores.atua com ansiedade e grande agitação. .pede para repousar duas ou três vezes por dia. . mortes de membros da família. .deixa de se proteger e de vestir aventais de segurança..tem manifestações repentinas de velocidade por menos de meia hora e então reduz a produtividade para quase zero ao final da hora. CATEGORIA 10. . .expressões de inconformismo ou de remorso por causa de certos infortúnios.descansa a cabeça na bancada em intervalos freqüentes. . . CATEGORIA 8.fica olhando para o vazio durante o dia várias vezes.sente falta de ar e reclama quando colocado em área de trabalho mais pesado.tenta ou arrisca-se a operar equipamento ou máquina potencialmente perigosos.encontra diversas desculpas para interromper o trabalho. .vagueia longe da área de trabalho.faz quatro ou mais intervalos por hora para fumar ou relaxar. .deixa ferramentas. . no chão ou em locais inadequados. sapatos.começa novas tarefas antes de terminar as iniciadas. mostrando maior vitalidade em trabalhos movimentados. .move-se com lentidão e produz abaixo da média de produção na parte da manhã. . .sem permissão e sem supervisão. problemas financeiros. . inadequacidade pessoal. . óculos de proteção e outros.distrai outros que estão trabalhando com o uso de equipamento potencialmente perigoso. .trabalha vagarosamente quando sozinho.gasta uma boa parte de seu tempo de trabalho arrumando e re-arrumando materiais e ferramentas de trabalho. Vitalidade nas atividades . .fuma em áreas proibidas.queixa-se de tarefas pesadas e puramente braçais. . .mostra-se cansado durante todo o dia de trabalho.deixa de colocar em boa ordem áreas de trabalho e não devolve aos respectivos lugares ferramentas e equipamentos utilizados. .mantém postura inadequada na bancada de trabalho.produtividade evidentemente reduzida durante a sexta-feira. CATEGORIA 11. numa bancada.Capacidade de seguir regulamentos .trabalha com maior lentidão no período da tarde do que da manhã. mas recobra velocidade quando colegas e supervisores estão envolvidos.é constantemente apático e indiferente ao trabalho. materiais. . falta de amigos.é lento em atividades ou tarefas que deve desenvolver parado. tais como doenças. CATEGORIA 9.Persistência na atividade . Resistência à fadiga . .comporta-se de maneira exagerada ou é dado ao flerte indiscriminado com pessoas do sexo oposto. . fazendo-o incorretamente.Distração durante a atividade . CATEGORIA 15.faz tentativas exageradas para fazer amigos ao ponto de o indivíduo passar a ser considerado uma praga pelos demais. ..dá as costas ou vai embora quando um colega se aproxima. .adapta-se com dificuldade à maior parte das alterações em suas tarefas.nunca inicia saudações ou conversas.fica confuso com as rápidas e freqüentes alterações nas tarefas.faz brincadeiras de mau gosto com colegas. . pondo em perigo a si próprio e aos outros por não escolher local ou momento adequado.reduz significativamente a velocidade ou qualidade de trabalho.interrompe seu trabalho diversas vezes numa hora.há aumento de distração ou de falta de atenção.reclama constantemente com os colegas.Habilidade social com colegas . . .rejeita sua indicação para alguns trabalhos mas não para outros. . . face ao regulamento em vigor. . . Reações à monotonia . CATEGORIA 13. .leva mais de cinco minutos para retomar uma tarefa interrompida por qualquer motivo. CATEGORIA 14. . . . . deixa de responder adequadamente a perguntas que lhe são dirigidas). . . Reações à mudança de tarefas .aceita com má vontade sua indicação para qualquer tipo de nova tarefa.recusa-se a realizar a tarefa.mantém atitudes viscosas.há aumento de reclamações por motivos físicos.reluta. . .demonstra indiferença quanto ao progresso social dos colegas (por exemplo.lança olhares distraídos pela oficina ou ambiente a intervalos regulares.não consegue concentrar-se quando por perto haja alguém do sexo oposto.foge de todo contato social. .esquiva-se de qualquer tipo de contato social com pessoas do sexo oposto.interrompe conversa dos colegas para poder juntar-se ao grupo.aceita alterações nas tarefas.aceita alterações de má vontade. .cumprimenta cada pessoa que passa pela sua bancada. exigindo encorajamento ou pressão da supervisão. .boceja ruidosamente e sem necessidade.mostra-se inconformado com mudanças de tarefas. exceto com um ou dois indivíduos. .levanta os olhos do trabalho cada vez que um ruído mais alto do que um sussurro é ouvido. mas é necessário uma grande quantidade de apoio e de encorajamento. deixa de responder a cumprimentos.interrompe seu relacionamento com colegas. mesmo que já o tenha feito antes. .olha peia janela a cada dois minutos. . . . CATEGORIA 12. mas tornará sua atuação mais lenta ou sabotará o trabalho propositadamente. . CATEGORIA 18.faz constantes mexericos e é dado às fofocas. . .relaciona-se inadequadamente com todos os supervisores.dá a impressão de reconhecer a autoridade do supervisor. . exceto que venha de certo indivíduo ou de certo tipo de supervisor (por exemplo: que seja homem. . esperando ser tratado diferentemente dos demais colegas de trabalho.precisa de considerável apoio e encorajamento para poder produzir a nível aceitável. . etc. esquece-se de fases do trabalho. .tende a ser descuidado quando trabalha com ferramentas ou com máquinas elétricas.pede freqüentemente e exageradamente a ajuda do supervisor a fim de obter sua atenção. CATEGORIA 19. .. . CATEGORIA 16. .necessita de repetidas explicações com freqüência.tenta freqüentemente incitar discussões.ridiculariza os problemas físicos dos outros. derruba materiais. que dê apoio.dispensa a supervisão de imediato após as primeiras orientações quanto a novas tarefas.fica desajeitado. . .gasta considerável tempo do supervisor na identificação de falhas.solicita supervisão e orientação de colegas para novas tarefas.continua trabalhando em vez de pedir ajuda quando incerto se o trabalho está sendo feito corretamente.parece perder o fio da meada.não muda visivelmente com a proximidade da supervisão. .Necessidade de ajuda da supervisão .interrompe o supervisor quando ele está ocupado ou conversando com alguém. mas faz seu trabalho à sua própria maneira quando ele se ausenta.chama o supervisor aos gritos. de modo a chamar sua atenção.trata supervisores como amigos.agita-se. . ruboriza-se. transpira fortemente.Aceitação da supervisão .fica freqüentemente irritado com seus colegas. .recusa-se a aceitar supervisão. aumenta volume de erros.Tensão devido à proximidade da supervisão . CATEGORIA 17.chama constantemente o supervisor após receber tarefas novas. .reconhece a autoridade de todos os supervisores. . .recusa-se ruidosamente a aceitar a supervisão e mantém atitudes de quem sabe e pode fazer como quiser.pede ajuda aos colegas por receio de parecer pouco inteligente aos olhos do supervisor. . . por puro antagonismo.interrompe completamente a atividade quando o supervisor está próximo.estimula rivalidades entre colegas através de mentiras ou de mexericos. .domina as conversas dos colegas ao ponto deles deixarem o grupo.Supervisão após tarefa nova .). . mas diminui a velocidade. . . ou que seja mulher. deixa de seguir instruções. .mantém uma interação com colegas muito variada devido ao próprio humor. . mas dá a impressão de trabalhar melhor sob supervisão mais permissiva.aumenta a velocidade da atividade com prejuízo de sua qualidade.melhora a qualidade. tremem suas mãos. . . mas fica em tensão que poderá vir a ser prejudicial. períodos de alta produtividade podem ser caracterizados por risadas inadequadas. queixando-se de problemas físicos. . Reação à crítica ou pressão da supervisão .costuma fazer trabalho mal feito.Organização com equipamentos e com materiais . derrubando ferramentas ou materiais. .incapaz de responder.mantém o olhar no vazio por longo período de tempo.há mudanças freqüentes e/ou extremas entre períodos de muita e de pouca atividade. as ferramentas ou o próprio local de trabalho. quando solicitado. Comportamentos estranhos . .mostra sinais de ansiedades ou de temor. . estão gozando de sua pessoa ou por não gostar de sua pessoa. . com riso. olhando diretamente os outros. . .palavreado rápido e inconseqüente. sem alterações perceptíveis. choro ou opiniões negativas a seu próprio respeito. responsabilizando os colegas.costuma furtar material ou ferramentas. . explosão de temperamento ou completa falta de reação.estoca materiais de maneira imprópria ou perigosa. acompanhado de aumento no número de erros. .há um decréscimo imediato na velocidade. .culpa companheiros de trabalho ao receber críticas da supervisão. demonstrada pelas constantes idas ao banheiro para lavar as mãos. choro. CATEGORIA 22.conta estórias ou faz declarações que são evidentemente mentirosas especialmente quando o indivíduo não parece estar alerta quanto às inverdades. choro. . . .períodos de baixa produtividade coincidem com isolamento de contatos sociais.faz freqüentes tentativas de ouvir conversas.CATEGORIA 20. .tem reações inadequadas à crítica.fica desajeitado. com mau humor e recusando-se a continuar no trabalho.faz comentários ou dá resposta totalmente estranhos ao tópico de conversação ou de comentário. . ao ponto de parecer totalmente alheio ao ambiente que o cerca.gasta muito material como resultado de seus descuidos. . .mantém movimentos desnecessários e sem utilidade.barulho.deixa o local de trabalho com freqüência para obter ferramentas ou materiais. . . . pedindo para ser transferido para trabalho diferente.demanda excessivo tempo para ordenar seus materiais e ferramentas. .usa inconvenientemente ou impropriamente ferramentas. ordem e higiene.demonstra resistência ao supervisor. mãos trêmulas. CATEGORIA 21 .passa a trabalhar mais rápido.tem movimentos inadequados. movimentos rápidos e exagerados do corpo. a informar a respeito do que fala ou ri. com mudanças conseqüentes na disposição geral. .tem preocupação excessiva com limpeza. transpiração. . inclusive discutindo. . devido à própria crença de que estão falando de si.fala ou ri consigo mesmo nos momentos em que parece alheiado ao que faz ou ao ambiente que o cerca . incluindo gagueira. . olhando por sobre ombros. . (Esta lista está parcialmente baseada em levantamento contido em trabalhos de Luís Carlos Dutra . .Capacidade mental. é óbvio. De acordo com princípios anteriormente expostos..Características pessoais. . .Ver Bibliografia) CAPÍTULO QUARTO PREPARO PARA A VIDA DE TRABALHO Conforme verificamos anteriormente o programa de ajustamento profissional dentro do processo de reabilitação de pessoas deficientes tem vários componentes que são basicamente os seguintes. . .treinamento profissional.colocação em emprego e seguimento. enquanto que para outros poderá se resumir numa simples tomada de posição quanto a problemas de ordem prática de trabalho. através de avaliações que cobrem os aspectos do potencial físico e problemático correspondente. para alguns clientes o processo poderá significar a inclusão em todas as atividades programadas.Capacidade física para o trabalho. ou estudo.aconselhamento para a vida de trabalho. ou talvez numa simples colocação. O ajustamento profissional pressupõe.*Aconselhamento para a vida de trabalho* O processo de aconselhamento para a vida de trabalho é iniciado logo após a determinação da elegibilidade da pessoa deficiente ao programa reabilitacional.faz freqüentes limpezas na área de trabalho. pois cada caso considerado individualmente apresentará características próprias e demandará soluções específicas. ao ponto de essas atividades ocuparem mais tempo do que a principal. . O conselheiro de reabilitação deverá fazer seu primeiro contato com a finalidade de obter da pessoa deficiente certos tipos de informação e também de formar seu próprio juízo quanto aos seguintes pontos de básica importância em sua vida: .Aptidões e potencialidades. .avaliação e ajustamento ao trabalho. .Interesses.Experiência profissional. pelo simples fato de a reabilitação lidar com seres humanos. . . sua programação deverá ser adaptada às suas peculiaridades e deverá ser flexível. de sua estrutura psicológica e de seus problemas sociais e familiares. .Experiência educacional. Muito embora haja padrões já reconhecidos para o funcionamento dos componentes de um programa dessa natureza. bons níveis de ajustamento psico-social e um bom condicionamento físico. ou atuação. familiar e social da pessoa deficiente. Será necessário também que o profissional analise com cuidado as experiências de trabalho já vividas pela pessoa sob orientação. quando for o caso. a qual. com informações quanto ao tipo de empresa em que trabalhou. A mensuração desses fatores não é nada fácil e o conselheiro de reabilitação deverá. b) Experiência educacional e profissional: A entrevista do conselheiro de reabilitação procurará fazer uma verdadeira análise das experiências relacionadas à vida escolar. podem levar o indivíduo a se sentir em uma posição desvantajosa no mundo do trabalho. Entretanto. todavia. para tanto. porém. o simples fato de viver ou de ter a pessoa vivido uma deficiência física. dos assistentes sociais e de diversos outros profissionais que atuam em reabilitação. As entrevistas com o conselheiro de reabilitação poderão ser um excelente instrumento para a obtenção de um quadro bem objetivo das características pessoais do reabilitando. E para tanto.A finalidade desse estudo é a elaboração de um plano concreto de atuação nos diversos tipos de atividades do programa do centro de reabilitação. ele poderá se tornar simplesmente inconclusivo e muito limitado. ambiente de trabalho. e as contínuas dificuldades encontradas na vida familiar e social. motivo de desligamento e ida para uma nova empresa. com a participação consciente da pessoa portadora de deficiência em busca de sua Integração social. Vale lembrar. fatores muito importantes na determinação da adequação de uma pessoa deficiente para um trabalho em competição no mercado aberto. de extrema valia essa análise quanto à vida educacional e de trabalho. pela prática ou pelo treinamento sistematizado. remunerações percebidas. portanto. atribuições e requisitos para o desempenho de suas funções. que. Vejamos. sua observação poderá dar à equipe condições para trabalhar com mais segurança em seu ajustamento global. alguns importantes ângulos do conteúdo do processo de aconselhamento de pessoas deficientes em reabilitação.e esta observação é válida para toda a equipe . Técnicos bem treinados poderão chegar a posições bem delineadas com relação a esses problemas. ponto por ponto. à forma como a pessoa deficiente vê o problema de sua educação e o que isso poderá significar em sua vida futura. a) Características pessoais: As características individuais e as atitudes da pessoa para com o trabalho são. com a finalidade de obter o seu melhor ajustamento profissional. face a um programa de aprendizado. devido à sua atuação diária e devido às observações que são rotineiramente feitas nas oficinas de avaliação ou de ajustamento profissional. c) Aptidões e potencialidades: A simples existência ou a constatação de uma aptidão revela o fato límpido de a pessoa ser dona de uma facilidade ou de uma habilidade para aprender e para fazer. poderá ser .quando esse quadro de características e atitudes não for informado por um estudo psicológico. Dessa análise poderão ser retirados e utilizados muitos dados e informações de real valia para a pessoa portadora de uma deficiência planejar com a equipe o desenvolvimento de seu programa de atividades no centro de reabilitação. juntamente com a destreza manual. nada melhor do que analisar. é evidente. por exemplo. de atitudes e de comportamentos da pessoa. por melhor e mais tarimbado que o conselheiro de reabilitação seja . Será. os itens acima indicados. bem como de suas atitudes para com o programa do Centro e. tendo em vista o papel que a vivência anterior representa nas atuais atitudes do reabilitando. de sua futura vida profissional e social. dos psicólogos. basear-se em resultados dos estudos ou da atuação dos médicos. Já que as características pessoais são aquelas que mais influenciam na formação e na manutenção de hábitos. pela curiosidade e desejo de aprender mais. As aptidões. a força. devido a circunstâncias várias. pela atitude de permanente colaboração com o instrutor de oficina. principalmente ao se analisar. a memória e outras. conscientes e bem determinados por parte da pessoa. porém. pelo desagrado ao ter que interromper sua atividade na oficina. Essas demonstrações de interesse ficam patenteadas de várias formas. poderá ser consideravelmente aumentado com a obtenção de certas satisfações pessoais. isto é. Se essa atitude for adequada e equilibrada. pela limpeza que demonstra na bancada. manifestam-se de diversas maneiras. conseqüentes à constante participação nas atividades a esse fim destinadas no centro de reabilitação. O interesse não depende. O nível de interesse aumentará conforme crescer o seu prazer diante do trabalho. pela ordem. E ela que faz desabrochar o interesse e o desejo de aprender algo. numa capacidade real efetiva. mas também seus traços de personalidade e análise de seus interesses. por parte de uma pessoa deficiente em processo de reabilitação. todavia. inclusive devido a uma deficiência adicional até então não considerada. É básico esse tipo de conhecimento para todo profissional que trabalha em reabilitação. paladar. além de desenvolver bem as atividades. pela vontade de dedicar mais tempo do que o indicado na tarefa. A pessoa deficiente poderá ter interesse por certos tipos de trabalho ou atividade que não consegue executar com perfeição. a direção. A atitude para com um desafio é de extrema importância no processo de integração social. sendo esse um motivo mais do que suficiente para tentar executá-la bem. ela deve ver essas atividades com resultados que lhes sejam favoráveis. o conhecimento dessas características em cada um dos reabilitandos dependerá de uma avaliação psicológica completa. a precisão. como. a tração. suas atitudes em outras atividades no programa. ela depende de muitos fatores e de esforços de seu detentor. incluindo não só aptidões e capacidades. visão e tato). d) Interesses: O interesse pelo trabalho. No entanto. bem como pelo esforço intelectual e físico dispendido na obtenção de melhorias ou de aperfeiçoar os resultados até então conseguidos. mas é indicativa de alguma facilidade na aquisição de técnicas de atuação e de habilidades no trabalho. Assim é que as aptidões SENSORIAIS dizem respeito aos sentidos (audição. em geral conseqüente a uma tendência ou a aptidões. A aptidão em geral envolve mais do que a simples capacidade de adquirir conhecimentos. O reabilitando demonstra interesse no trabalho pela sua aplicação e dedicação a certos tipos de função. da qualidade do trabalho executado. ou seja. enquanto as MENTAIS são a inteligência. dedicandose ao máximo a ela. pelo cuidado. olfato. normalmente classificadas em sensoriais.transformada em experiência. Mas também uma capacidade poderá não estar ligada a qualquer aptidão e sim a esforços contínuos. por exemplo. a dificuldade de certos tipos de tarefa significa desafio. a atenção. "in totum". a equipe poderá ponderar melhor as suas possibilidades de sucesso na vida após terminado o processo de reabilitação. Notemos. que para uma aptidão ser transformada numa habilidade concreta. Assim. Para alguns clientes de reabilitação. a imaginação. a destreza e diversas outras. Ela não promete à pessoa o sucesso. . a capacidade já é uma habilidade adquirida. em confronto. As MOTORAS são a velocidade. A capacidade retrata um estado razoavelmente estável que precisa de constante prática para se manter. O pessoal que trabalha em oficinas de reabilitação na qualidade de avaliador de atividades precisa ter condições para distinguir o que a pessoa deficiente faz apenas para superar um desafio e aquilo que ela faz por puro interesse. motoras e mentais. uma vez que só o gradativo aumento de sua capacidade física. . f ) Capacidade mental: A capacidade intelectual de uma pessoa deficiente que se submete a um programa de reabilitação global precisa ser conhecida e devidamente considerada por toda a equipe. por meio de um programa constante de melhoria de suas condições físicas. A mesma restrição poderá ser feita se puder trabalhar apenas por limitado número de horas ou de dias. Nesse sentido o conselheiro de reabilitação poderá ser ajudado não só pelos resultados da avaliação psicológica como também pelos trabalhos desenvolvidos no setor especifico do centro de reabilitação. e se a pessoa deficiente não chegar aos níveis requeridos. supervisionado. com a mesma produtividade. sempre que viável. a colocação poderá redundar num grande fracasso. De um modo especial. e) Capacidade física: Ninguém pode medir a adequacidade de uma colocação profissional apenas pela habilidade que a pessoa deficiente demonstra na bancada de trabalho.O conselheiro de reabilitação deve estar informado quanto a alterações nos interesses expressos pela pessoa deficiente e o avaliador de oficina é o profissional mais indicado para discutir o assunto. como. destinado a atividades de avaliação do potencial do indivíduo para o trabalho e de ajustamento a situações concretas de trabalho em competição. por exemplo. Dependendo da cronicidade do mal e das características físicas da pessoa deficiente. especialmente se tiver um preparo especial. pode não ser considerada boa para certa colocação no mercado competitivo de trabalho se não tiver. relacionados com colegas. em seu programa de aconselhamento para a vida de trabalho. após sua passagem pelo centro de reabilitação. Certos empregos competitivos exigem habilidades físicas e mentais de determinada natureza. precisa ser contínua e concretamente lembrada pelo conselheiro de reabilitação. o indivíduo conseguir demonstrar pela sua atuação que pode ampliar o volume de horas de trabalho diário até chegar às oito horas diárias. por exemplo. Quando. pois é fator de preponderante importância na determinação dos planos de trabalho. no que diz respeito a comportamentos durante o trabalho. a capacidade física para o trabalho durante o dia todo. todos os dias da semana e todas as semanas do mês. sem grandes dificuldades e gradativamente. somente um período significativo numa oficina protegida de trabalho poderá determinar com segurança sua resistência à fadiga e demais desafios colocados pela situação de trabalho. Os níveis requeridos de aprendizagem para determinada área diferem muito e chegam mesmo a contrastar marcadamente com os níveis para áreas afins. O processo de avaliação colabora muito com todo o esquema de orientação e expõe muito às claras as capacidades que correspondem aos requisitos da colocação competitiva pretendida. como o de terapeuta ocupacional. na área de trabalho. Problemas surgem também em outras áreas de extrema importância. teremos um resultado significativo em termos de condicionamento físico para o trabalho. é que poderá dar condições dela enfrentar a vida de trabalho competitivo. com superiores e outros mais. no setor de avaliação e de ajustamento ao trabalho. O conhecimento da capacidade mental de um cliente de reabilitação é importante também para o estabelecimento de planos exeqüíveis de colocação profissional. O conselheiro de reabilitação deverá estar perfeitamente a par desses aspectos da atuação da pessoa deficiente em processo de reabilitação. Uma pessoa que possui a indispensável habilidade ou capacidade de trabalho para certos tipos de tarefas. além da habilidade requerida. por fisioterapeuta familiarizado com problemas e características da deficiência. durante os cinco dias da semana. . mas devidamente qualificadas. Isso não significa nem que a oficina deve ter possibilidade de testar o cliente de reabilitação em todas as possíveis funções existentes no mercado de trabalho. Uma oficina de reabilitação organizada para esses fins deve ser parte integrante do processo de orientação de cada caso. Trata-se de um processo que procura ajudar os indivíduos a entender o significado. Esse trabalho poderá ser real ou simulado e através dele procura conhecer melhor o indivíduo e fazer um pouco de exploração profissional. para tanto. . de tal forma que o avaliador de oficina possa fazer um julgamento quanto ao potencial do reabilitando para as oportunidades existentes. como nos casos de cardiopatias ou de males da respiração. ou "avaliação profissional" como é de um modo geral conhecida. sendo um dos mais positivos veículos de capacitação do cliente. Um fato que precisa ser levado em consideração num programa de avaliação do potencial do indivíduo para o trabalho é que no campo das profissões semi-qualificadas. Dentre os aspectos que fazem parte das contínuas preocupações dos sistemas de avaliação e de ajustamento ao trabalho. mas também quanto às exigências do mercado aberto de trabalho. procura também colaborar para que atitudes e hábitos positivos sejam corroborados. . Significa.No anexo I deste capítulo o leitor encontrará uma proposição de roteiro para análise de cada caso que for encaminhado para programas de ajustamento profissional.sua aptidão para alguma das diversas oportunidades de treinamento oferecidas pelo centro ou mantidas pela comunidade. relacionando-as ao potencial desse mesmo mercado quanto às oportunidades de assimilação de pessoas deficientes. os mais relevantes e que jamais poderão ser esquecidos são os seguintes: a) Potencial do indivíduo para o trabalho: Para ter utilidade concreta no programa de reabilitação. nem que a pessoa deficiente deva passar por todas as suas áreas de análise. é um recurso fundamental que todo centro de reabilitação global deveria procurar manter. pois conscientiza-o praticamente do alcance das medidas e do plano de reabilitação. as atividades de avaliação e de ajustamento ao trabalho devem oferecer ao cliente de um centro de reabilitação toda oportunidade possível para demonstrar o seguinte: . Um programa dessa natureza não poderá deixar de levar os clientes a desenvolver hábitos funcionais. É necessário que a oficina de avaliação e de ajustamento ao trabalho esteja planejada sobre bases sólidas não só quanto ao seu papel no processo reabilitacional. Essa avaliação deverá ser processada em unidade física praticamente acoplada a todos os demais aspectos de ajustamento profissional do centro de reabilitação. O problema está localizado muito mais no ambiente de trabalho .*Avaliação e ajustamento ao trabalho* A avaliação para a vida de trabalho. barulho. que as atividades do setor devem ter aplicabilidade ampla e estar bem relacionadas com as oportunidades de emprego. não interferindo muito com o fato de a pessoa ter ou não problemas orgânicos ou deficiências não-aparentes. de um modo geral.e não a terapia.calor. o valor e as exigências do trabalho. isso sim. são os esforços físicos de mediana intensidade e habilidades mais ou menos uniformes que são requeridos. adquiridos ou modificados e que características pessoais ou comportamentos voltem-se para a demanda diuturna do ambiente de trabalho.Usa. após o programa de reabilitação.sua capacidade de preencher todas as condições necessárias para um emprego competitivo. a atividade de trabalho . de organização. pois tem a impressão de que nada mais sabem e de que não tem experiência alguma válida. de atrasos ou ausências constantes. enquanto que o outro extremo pode saber e sair-se muito. com todos os comportamentos que o grupo pode esperar dele. Ao passar por um organizado sistema de avaliação e de ajustamento ao mundo do trabalho. planejar e concretizar um futuro profissional realista e atingível. de pontualidade. enquanto alguns clientes de reabilitação enfrentam um esquema de avaliação na certeza de que dominam tudo. seguir orientações. mas também com os eventuais resultados medíocres ou de má qualidade. um programa de ajustamento às peculiaridades do trabalho a mais longo prazo é indicado para casos de baixa produtividade. Devendo funcionar basicamente como unidade avaliativa e. logo após o término do programa. passará o cliente de reabilitação a notar pessoalmente suas possibilidades de sucesso e a ter mais confiança em seu futuro profissional. ou de que sabem tudo.poeira. concentrar-se. encontrarão o seu momento de verdade. essa posição é conquistada não apenas com o sucesso nesta ou naquela área avaliada. conforme as circunstâncias. manter produção sem reduzir qualidade e outros mais. quanto às suas qualificações e pretensões para o futuro profissional. pois o sistema avaliativo poderá deixar muito claro que o primeiro não é tão bom quanto gostaria de ser. com a ajuda da equipe do centro. Deverá sempre a oficina levar em consideração os pontos indicados pela equipe de técnicos durante todo o programa de reabilitação. O indivíduo precisa absorver o verdadeiro papel do trabalhador. de má reação às ordens da supervisão. Como acontece com a maioria das pessoas deficientes que nunca trabalharam. o cliente de reabilitação vive num mundo de suposições e de fantasias quanto às suas possibilidades. à oficina de reabilitação caberá elevar as possibilidades do reabilitando para as atividades indicadas numa certa situação de trabalho competitivo. É interessante notar que. principalmente. Ambos os tipos. de bom ajustamento pessoal. velocidade . mas que almejam muito uma situação efetiva de atuação remunerada. outros tomarão parte do programa com reservas e com temor de mais um fracasso. de assiduidade. ser cordial. Nesta fase do programa de reabilitação.melhor do que julgava. como unidade destinada ao melhor ajustamento do indivíduo ao trabalho. Em geral. O cliente de reabilitação deve gradativamente dominar tudo aquilo que é comumente indicado como mínimas condições para o trabalho. ao desenvolver as mais variadas tarefas. uma vez que ele só conseguirá vencer na vida profissional se chegar a essas condições mínimas aceitáveis de qualidade. Atividades de avaliação para o trabalho inseridas numa programação mais ampla de ajustamento profissional muito beneficiará as pessoas deficientes na gradativa e indispensável modificação de toda a gama de atitudes e de hábitos inadequados que poderão tornar-se um bloqueio e interferir seriamente em seu sucesso fora do Centro. de dificuldades de relacionamento com colegas. da falta de interesse. tais como: ser pontual.enfim. de quantidade de produção. b) Significado para o indivíduo: A pessoa deficiente em programa de reabilitação poderá beneficiar-se de muitas maneiras de uma boa programação mantida por uma oficina de avaliação e de ajustamento ao trabalho. e todos aqueles que são intermediários. de atitudes . de apresentação pessoal. . passará a sentir melhor a realidade e procurará. Com a melhoria dos hábitos de trabalho. de dificuldades comportamentais.do que no dispêndio de energias físicas para desenvolver a atividade. de adequado relacionamento. tensão. especialmente quando se fala em hábitos de trabalho. . os avaliadores de oficina deverão ter à sua disposição um instrumental adotado pelos mesmos. mantido pelo centro ou pela comunidade.c) O processo de ajustamento à vida de trabalho: Passado pela fase de tomada de contato com o programa por meio das atividades que determinam a elegibilidade para o centro de reabilitação.necessidade de educação complementar. de treinamento profissional e de colocação.todos eles de alto interesse no mundo empresarial.como coordenador da área de ajustamento profissional . para uma análise rápida de seu potencial para atividades de trabalho.desejo e necessidade de um treinamento formal. d) A importância dos instrumentais de avaliação: Os hábitos e atitudes do indivíduo num programa dessa natureza deverão ser analisados e trabalhados de forma sistemática em todo o centro de reabilitação e por toda a sua equipe. desenvolver uma avaliação inicial mais pormenorizada e logo após procurará trabalhar o potencial do cliente para o programa de ajustamento à vida de trabalho e eventualmente para treinamento profissional de algum tipo. . No sistema de funcionamento usual de um centro de reabilitação global. conceituados e trabalhados . . observadas as solicitações e as recomendações do conselheiro de reabilitação. O seu primeiro contato nessa área será com o conselheiro de reabilitação.fazer solicitações especificas à oficina quanto à observação de hábitos e comportamentos. uma avaliação para o trabalho poderá sugerir uma ou várias das seguintes providências: . deverá o cliente adulto iniciar de imediato sua programação no esquema de discussão de seus planos profissionais. Logo após o primeiro contato o cliente de reabilitação deverá ser encaminhado e iniciar imediatamente o programa da oficina. de ajustamento. conforme foi indicado mais acima. O conselheiro de reabilitação deverá manter-se informado quanto ao condicionamento físico e quanto à evolução das programações de ajustamento psico-social do reabilitando. . a oficina procurará. pois será ele o coordenador de sua atuação nas atividades de avaliação. Para tanto. no mundo competitivo de trabalho. ou seja.necessidade de atividades para correção ou alteração de falhas em sua atuação como trabalhador. Assim. Com essa análise inicial será possível ao conselheiro discutir com o reabilitando sua programação a prazo mais curto ou mais longo. Ao ser concluída.outras soluções a critério da equipe do centro de reabilitação. que deverá ser medido pelos avaliadores de oficina através de um formulário próprio. O instrumental de avaliação para o trabalho e de ajustamento aos seus requisitos mínimos . em discussão com o conselheiro de reabilitação.colocação em oficina protegida de trabalho. bem como quanto à observação destinada a determinar o potencial do indivíduo para o trabalho.inclui todos os hábitos e atitudes que deverão ser observados ou . Apresentam aos avaliadores de oficina fatores diversos a serem identificados. caberá ao conselheiro de reabilitação . para um concomitante aproveitamento daquilo que poderá prejudicar a pessoa em sua vida de trabalho e/ou social. Como anexos II e III deste capítulo estão transcritos instrumentais à guisa de orientação para a organização inicial de uma oficina. no qual uma lista de requisitos deverá deixar bem claro o que deve ser observado e/ou medido. . na oficina de avaliação e de ajustamento ao trabalho.corresponde ao anexo III .colocação imediata do indivíduo. revendo conceitos e reformulando idéias. técnicas e métodos seletivos. para tal propósito enfrentando sem maiores regalias os sistemas e os padrões adotados na seleção dos alunos. não corresponde nem a princípios básicos de atuação profissional. poder-se-á pensar no planejamento de cursos especiais de treinamento profissional através de programas. .trabalhados. .desde que adotado pelo centro . nos programas já existentes na comunidade. considerando: . do tipo SENAI e/ou SENAC. O próprio conselheiro de reabilitação. quando não as próprias empresas. Deve ficar muito claro que não caberá jamais a centros ou programas de reabilitação montar sistemas paralelos e segregados de treinamento profissional. Seria sua própria negação manter instalações e programas segregados de treinamento profissional. apelar para o senso humanitário.*O treinamento profissional em programas de reabilitação* Muitos autores de reabilitação consideram fundamental que a pessoa portadora de deficiência deva ter ao seu dispor algumas oportunidades para treinamento em profissões específicas.A necessidade de uma instrução mais individualizada. Para as pessoas deficientes que têm sérias limitações e para as que requerem métodos e técnicas especiais de ensino. nem ao respeito que se deve a cada um. A necessidade da existência de um rol de observações é devida ao fato de o potencial de um reabilitando não poder ser apenas suposto.a organização de cursos profissionalizantes bem selecionados e de maior duração. conforme o caso podendo seu conteúdo ser confrontado com o instrumental relativo à adequação pessoal . "inventar comportamentos de super-heróis". "Sacar informações". mas por serem também inteiramente descabidos e muito dispendiosos. Deve ser medido o mais acuradamente possível. Quando as limitações físicas ou sensoriais assim o permitem. ao fazer contatos com os dirigentes de empresas. dar dados errôneos quanto a um determinado indivíduo ou generalizar comentários quanto à maior seriedade ou produtividade de pessoas deficientes. quando o que o processo de reabilitação busca é a inserção do indivíduo em seu meio. a pessoa deficiente deverá procurar. que podem ser tirados do instrumental acima proposto. ajudando inclusive a pessoa nãodeficiente a se posicionar melhor e eventualmente a se despojar de preconceitos. A experiência de integração da pessoa deficiente com colegas que não têm dificuldades ou limitações físicas. a fim de que tenham possibilidade de lutar por boas condições de trabalho. . como profissionais desses ramos selecionados. ao relacionamento com colegas e supervisores. à rentabilidade. poderá sempre ser válida e útil para adaptação ao trabalho em condições competitivas.para fins de ampliação da análise por parte do avaliador de oficina. à concentração. ao interesse. Tal tipo de linha de orientação está perfeitamente consoante com os princípios da própria integração social das pessoas deficientes. A lista apresentada no instrumental de avaliação retrata uma tentativa de estabelecer com clareza o conteúdo inicial do sistema de avaliação. os recursos da comunidade. usar das amizades. não só por serem segregativos. no entanto. notará a diferença nas reações do empregador entre ser procurado para empregar uma pessoa deficiente (por ser deficiente ou coitada ou algo assim) e colocar uma pessoa deficiente que já passou pela reabilitação global e cujo desempenho observado nas áreas de ajustamento profissional foi de um certo nível quanto à pontualidade. e tantos outros dados pormenorizados de atuação em situações reais de trabalho. à assiduidade. mas também . No entanto. "Análise de trabalho é usada para vários propósitos na empresa. a fim de que obtenham o reconhecimento oficial e para que tenham o nível requerido. funilaria e outras) com os meros adestramentos para algumas funções existentes especialmente no grande e variado mundo dos serviços (tais como telefonistas. ou seja. seus conhecimentos e sua disposição ou preferências. Um estudo . sem perigo para si mesma e sem que se tema um agravamento de suas condições físicas ou suas limitações. uma "análise de trabalho". eletrotécnica. artes gráficas. são freqüentes os casos em que se requer a aplicação de métodos especiais na escolha de empregos para pessoas portadoras de deficiências. não às deficiências do candidato. . o importante é que o cliente de reabilitação aprenda que ele não poderá ser aceito simplesmente pelo diploma ou certificado que tiver em mãos. dever-se-á sempre levar em conta certos fatores particulares que tornam mais difícil a colocação de pessoas deficientes reabilitadas. barbeiros. Seja num. entretanto. Para se determinar o trabalho e as condições mais adequadas para cada pessoa deficiente em situações de trabalho. Seu sucesso estará muito mais na dependência desse tipo de competência pessoa!/profissional do que de outros fatores.e com cuidado todo especial . sapateiros. é necessário que o conselheiro de reabilitação ou o profissional encarregado de promover sua colocação faça a indispensável análise de diferentes postos. também podem organizar treinamentos profissionais válidos em certas funções próprias para tais casos. que vieram à tona e foram posteriormente desenvolvidos durante sua estada nas oficinas de reabilitação. eletrônica. fabricação de calçados. ou seja. aliás. precisarão conter exigências adicionais devido ao fato de serem mais flexíveis em alguns aspectos.Cursos dessa natureza que os centros de reabilitação possam desejar manter. como é feito. e poderá sempre ter sucesso se trabalharmos dentro dos princípios que se aplicam ao emprego de pessoas não-deficientes. Deve se procurar uma colocação que corresponda. mas pela competência como "trabalhador" que domina uma área de conhecimentos específicos que nunca poderá ser dissociada de sua atuação como "pessoa humana". Segundo a Organização Internacional do Trabalho. e pode ser utilizada de maneira mais significativa na área de reabilitação humana e nas oficinas de reabilitação. Será necessário considerar não apenas sua qualificação profissional ou suas qualidades pessoais. Não se pode. com boa parte de todo o contingente de mãode-obra assimilado pelo mundo de trabalho.sua capacidade física para desenvolver o trabalho indicado. seja noutro caso. usando técnicas especiais de comunicação. Centros de reabilitação que dão atendimento a deficientes visuais. porém. Não se deve esquecer que a pessoa deficiente precisa sentir que tem uma tarefa a desenvolver e que poderá fazê-lo com a mesma chance de sucesso que seus demais colegas. confundir o treinamento profissional que prepara profissionais para áreas definidas (como tornearia mecânica. comparando seus requisitos às capacidades residuais e qualidades da pessoa que procura emprego. suas aspirações e seu preparo. dos demais trabalhadores. por exemplo.*Colocação em emprego* A finalização do processo de reabilitação total é a colocação da pessoa deficiente em algum tipo de trabalho condizente com seu potencial. consertadores de eletro-domésticos. mas às aptidões. Seu uso maior é como um instrumento através do qual os atributos e as exigências do trabalho podem ser combinados com os traços comprovados dos clientes. consertadores de rádio e tantos mais) que realmente podem ser mantidos por centros de reabilitação. sedentárias e despidas de maiores envolvimentos.e essa "competência" elas precisam adquirir através de uma educação adequada em casa e na escola. Numa análise de trabalho não podem deixar de constar os requisitos de educação.. ("Análise de Trabalho (Job Analysis)". diretores de produção chefes de seleção e outros elementos categorizados numa empresa não dependerá nunca de campanhas inconseqüentes por meio de programas de comunicação de massa. Uma das causas dos eventuais fracassos na colocação de pessoas deficientes vem do fato muito simples de muitas delas não terem condições de trabalho. da formação. levantaria a questão: "Empregar um deficiente por que? Eu preciso de empregados produtivos e não de deficientes que sempre são problemáticos.no que se relaciona a empregados com deficiências. diretores de relações industriais. com o cuidado de não caracterizá-las como "funções para deficientes". dos planos e aspirações. A conquista dos empregadores e de seus gerentes de pessoal. criadoras de problemas. Essa posição profissional não deixa de ser injusta. cheios de dificuldades. Pessoas incompetentes. de fracasso. demonstrando a descrença no processo de reabilitação. Se qualquer um de nós for um empregador convicto de sua função e do seu papel no mundo da produção de bens e serviços. criadores de problemas" . Dentre os profissionais que atuam em reabilitação. Essa é a imagem que a grande maioria tem de pessoas deficientes . A idéia "empregue um deficiente" é péssima sob todos os ângulos e traz dentro de seus termos a própria condição para seu fracasso. pois o termo "deficiente" em si já é depreciativo e tem conotações de insucesso. resultará em uma colocação melhor e mais satisfatória".até que provemos o contrário por casos bem colocados e de sucesso.cuidadoso dos traços característicos de um dado trabalho ou trabalhos. como sucedeu durante o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. ou que assumam atitudes inadequadas. limitados. ou mesmo do potencial do indivíduo. é um requisito que é válido e é aplicado a toda a mão-de-obra. tais como temperatura. Muitos desses receios e tendências são plenamente justificáveis. exigências físicas ou mentais. pois o mundo empresarial tem seus canais de comunicação formais e informais e os sucessos ou insucessos de pessoas deficientes no trabalho correm muito velozmente. encontramos nas empresas uma atitude de reserva quanto à colocação aberta. ou num centro de reabilitação que não seja apenas um simulacro de centro. aptidões. independentemente do nível intelectual. O envolvimento do mundo empresarial deverá se dar pela competência que as pessoas portadoras de alguma deficiência poderão mostrar . sem . seja devido à falta de condições físicas ou psicológicas para o trabalho. de Vieira). traços de personalidade.. sem qualquer exceção. de perda. há também uma generalizada propensão a julgar que pessoas deficientes têm mais possibilidade de se acidentar no trabalho e que seu rendimento e produtividade sejam menores. através de um canal de televisão no Brasil todo. Ela é também encontradiça entre dirigentes empresariais e predomina entre selecionadores de pessoal. interesses. evidentemente chegam a todos os cantos. barulho e muitas mais. há aqueles que visualizam seus clientes em funções não-qualificadas. e também condições de trabalho. Aliás. sem escolaridade ou preparo de natureza profissional. revoltados. É fundamental que sejam feitos levantamentos de ocupações disponíveis. poluição ambiental. Há temores que elas possam se tornar pontos de atrito na empresa. E nesse sentido é fácil deduzir que más experiências em política de pessoal . seja devido a atitudes inaceitáveis. sem experiência. e os traços característicos verificados no cliente. indiscriminada de pessoas portadoras de deficiências. Apesar de sempre ser trazido à baila o momento de recessão do mercado como fator decisivo para a não-abertura da contratação de pessoas deficientes. pronta para uma atuação normal. Relacionamentos cliente-escola. 4. Endereço Atual. quer não tenham qualquer tipo de deficiência. conhecedora das implicações da vida de trabalho. Cidade. Assim. Curso primário: Escola. Série. 4. Relacionamento cliente-escola. Zona Eleitoral. Planos de estudos: III. I. O problema da absorção da mão-de-obra de pessoas portadoras de deficiências é muito sério e já mereceu estudos profundos em países mais evoluídos que o nosso. ORIGEM DA IDENTIDADE PROFISSIONAL 1. 2. Curso secundário: Escola. CEP. Entre nós mereceria também um estudo crítico. mas a longo prazo temos prejuízos muito mais sérios e lamentáveis para a própria causa da reabilitação. Problema físico: 5. ANEXO I ÁREA DE AJUSTAMENTO PROFISSIONAL ACONSELHAMENTO DE REABILITAÇÃO RELATÓRIO. Por mais incrível que possa nos parecer o grande problema que temos no Brasil é a existência de muitas entidades que trabalham em reabilitação e. Local/Nascimento. Matérias preferidas. pelo descrédito do processo reabilitacional. b) Significado dos estudos feitos. Data de Nascimento. Est. 5. Matérias preferidas. IDENTIFICAÇÃO 1. são pessoas consideradas inaceitáveis. seja devido à verdadeira noção das implicações desse processo complexo de trabalho com o ser humano portador de deficiências. Filiação: Pai. Estado Civil.F. Cidade. C. seja devido a dificuldades financeiras. E entramos num círculo vicioso no qual o elemento mais prejudicado é o ser humano diretamente envolvido numa colocação inadequada que ele logo perde. Título de Eleitor n°. 2. Elas sabem que a reabilitação finaliza o processo com vida de trabalho e fazem a promoção da colocação do indivíduo sem tê-lo realmente preparado para tanto. oferecendo a ela mão-de-obra bem preparada. Comentários sobre: a) Experiência escolar. Bairro.documentação em ordem. 3.P. b) O que o cliente pensa do trabalho dos pais. Documentação: Carteira Identidade RG n°. não conseguem atingir plenamente os objetivos propostos. Est. Profissão/ocupação dos pais ou equivalentes: a) O que os pais pensam do próprio trabalho. n°. Outros. 3. EXPERIÊNCIA ESCOLAR 1. Bairro. quer tenham. Outros cursos: Escola. pois não é em duas ou três páginas de considerações que ele poderá ser dissecado com propriedade. Procedência (encaminhado por): 7. Observações especiais: II. . CEP. Mãe. vislumbramos um caminho apenas: a conquista individual de cada empresa. Situação familiar/social: 6. Carteira de Trabalho n°. E essa conquista individual funciona muito bem sempre funcionou. Relacionamentos cliente-escola. aliás. Localização: Endereço residencial. Dados pessoais: Sexo. EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL 1.Aspectos percebidos como negativos. 5. 3.Como espera atingir o objetivo.Comentários adicionais relevantes. DATA E ASSINATURA. Motivos de saída. 0 que o próprio cliente imagina vir a ser no trabalho: 6. d) Informações sobre "situação de trabalho": e) Significado do trabalho na vida do cliente: f) Situação atual face ao trabalho (fatos): g) Atividades atuais: . 4. Como conseguiu emprego. Observações quanto a: . b) O que o cliente pensa do trabalho dos irmãos. ajust. Remuneração (última). Interesse profissional do grupo de referencia. PONTOS ESPECIAIS A CONSIDERAR: LOCAL. Período de permanência. IV. Opinião do cliente quanto a: a) Trabalho de pessoas deficientes e não-deficientes.Relacionamento com superiores. EVOLUÇÃO NO PROGRAMA . Motivos de saída.Aspectos percebidos como positivos.relacionamento com superiores.. Período de permanência. Caso não consiga atingi-lo. Nome do cliente: VII. Comentário geral sobre vida profissional: 2.2. Horário. Horário. Como conseguiu emprego. Tipo de empresa.Como ocupa o dia da semana. Interesse profissional de amigos/colegas. Endereço. Remuneração (última). j) Conhecimento do universo ocupacional: l) Expectativa a respeito do futuro (global): V. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO CASO a) Síntese interpretativa: b) Planos de atuação para os primeiros 3 meses: VI. Empregos especificados: a) Primeiro local de trabalho: Nome da organização.Aspectos percebidos como positivos. relacionamento com colegas. Função exercida.Fantasias de solução do problema. . b) Trabalho de pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto. após a reabilitação: . O que o cliente pensa a respeito. c) O papel do trabalho na vida do homem. Profissão/ocupação dos irmãos: a) O que os irmãos pensam do próprio trabalho.Como ocupa o fim de semana.Papel atribuído ao progr. . . . Observações quanto a: . . . h) Como vê sua situação atual frente ao trabalho e como procura resolvê-la: . Endereço. b) Empregos intermediários (comentários): c) Último local de trabalho: Nome da organização. Relacionamento com colegas.Aspectos percebidos como negativos. Tipo de empresa. Função exercida. . Como o cliente se vê nessas profissões/ocupações. Profissional. i) Planos para a vida de trabalho. PLANOS PARA O AJUSTAMENTO PROFISSIONAL (EVOLUÇÃO): a) Programa de aconselhamento: Data – observação. V. conhecimento/habilidade no manuseio de materiais/ferramentas. c) Problemas especiais. local. data e assinatura. observações. bairro. Data de início do programa: Local. desempenho quantitativo. tolerância. ASPECTOS FUNCIONAIS Desempenho qualitativo. Anexo II.. organização na atividade. b) Avaliação para o trabalho: Data – observação. IX.. escolaridade. residência. ASPECTOS INTELECTIVOS Atenção/concentração. compreensão/ assimilação. resistência psicofísica. IDENTIFICAÇÃO: nome. cidade. f) Seguimento: Data – observação. ritmo de execução. data de nascimento. iniciativa. intercorrências e outros: VIII. OBSERVAÇÕES FINAIS QUANTO AO CLIENTE: PROGRAMA DE ATUAÇÃO PARA OS TRÊS PRIMEIROS MESES: . diagnóstico. experiência de trabalho. relacionamento. d) Treinamento em área específica: Data – observação. ATITUDES Motivação. II. e) Colocação: Data – observação. IV.a) Condicionamento físico: Data – observação. estado civil. c) Ajustamento à vida de trabalho: Data – observação. utilização de resíduos e/ ou tato. independência. CONCLUSÕES PARA O CASO: Local. III. b) Ajustamento psico-social: Data – observação. data e assinatura. ÁREA DE AJUSTAMENTO PROFISSIONAL AVALIAÇÃO E AJUSTAMENTO AO TRABALHO RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO INICIAL I. observações especiais. Anexo III ÁREA DE AJUSTAMENTO PROFISSIONAL AVALIAÇÃO E AJUSTAMENTO AO TRABALHO RELATÓRIO EVOLUTIVO DO CASO . Atitude perante a vida de trabalho.Nome do cliente: Avaliação inicial em: FATORES A SEREM AVALIADOS – CONCEITO/SEMANA. Organização da bancada de trabalho. Qualidade de trabalho: Habilidade de produzir peças perfeitas e executar tarefas sem erros. B = Bom (quase aceitável. Apresentação pessoal. Aceitação de crítica de seu supervisor: Aceitação e uso construtivo quanto aos pontos criticados pelo supervisor. Cuidado com materiais e ferramentas. . à vontade. AVALIAÇÃO E AJUSTAMENTO AO TRABALHO RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO E AJUSTAMENTO AO TRABALHO (EVOLUÇÃO) PORMENORES QUANTO AOS FATORES AVALIADOS Quantidade de trabalho: Total produzido comparado com o total do mesmo produto a nível competitivo de trabalho industrial. Outros conceitos poderão ser dados por extenso. chamando o avaliador a atenção para o mesmo ponto relevante. P = Péssimo (cliente com hábitos inaceitáveis). Assiduidade. Sociabilidade. Aceitação de crítica de colegas. OBSERVAÇÃO: Outros fatores poderão ser inseridos. Ordem e limpeza no trabalho. Pontualidade. Perseverança nas atividades. 3 E 4) FATORES PROFISSIONAIS Quantidade de trabalho. Vitalidade no desempenho. Embasamento cultural. Habilidades relacionadas à vida diária. Relacionamento com colegas. Relacionamento com superiores. tais como: Persistência na atividade de trabalho. continuamente. Qualidade de trabalho. (1. Resistência à fadiga. Atitude perante a vida como um todo. 2. Conceitos simplificados: E = Excelente (sem maiores dificuldades no trabalho). R = Regular (demonstra algum potencial). Disciplina em trabalho. no verso deste instrumental. mas precisa melhorar). Aceitação de crítica do supervisor. FATORES SOCIAIS E PESSOAIS Comunicação. Trabalho em situações difíceis. é o de prover meios para que o indivíduo satisfaça suas necessidades. nos horários estabelecidos. Relacionamento com colegas: Estabelece bons níveis de relacionamento que acabam contribuindo para melhoria do ambiente de trabalho. Trabalho em situações difíceis: Consegue desenvolver seus trabalhos sem maiores dificuldades. quanto com grupos e com supervisores. Habilidades relativas à vida diária: Mantém-se diária e diuturnamente bem com relação aos componentes da vida de todos os dias. vestido de forma adequada para o trabalho. sem perigos para si e para os outros. Embasamento cultural: Tem nível cultural adequado ao seu potencial e aos seus planos de trabalho. durante os eventuais intervalos e em outras situações. bem barbeado. Apresentação pessoal: Bem penteado. Assiduidade: Inexistência de ausências sem constantes justificativas. Atitude perante a vida de trabalho: Tem atitude positiva com relação ao trabalho e com relação aos seus planos profissionais. mas também nas imediações de seu local de trabalho. que é respeitado universalmente e não apenas em nosso meio. está bem enquadrado e sem tensões aparentes. tanto com colegas individualmente. conforme hoje concebido e posto em prática. Ansiedade no trabalho: Não tem preocupações e receios evidentes. como resultado prático. através dos tempos. Atitudes perante a vida como um todo: Tem atitude positiva com relação à sua vida pessoal e familiar. Sociabilidade: Tem conduta aceitável na área de trabalho. Comunicação: Tem habilidade de se expressar no trabalho e fora dele. os objetivos dos programas estabelecidos e os procedimentos adotados para levá-la a sair da situação de dependência. a pessoa deficiente possa se sentir . Para que esses pontos fundamentais possam chegar a ser concretizáveis num centro de reabilitação e para que. Relacionamento com superiores: Faz contatos adequados que trazem como conseqüência maior produtividade e melhor ambiente. com boa vontade e sem irritação. enquanto que o procedimento reconhecido adota o tratamento global do homem deficiente. em condições consideradas difíceis e fora do normal. Organização da bancada de trabalho: Mantém seu local de trabalho com ferramentas no local certo. O objetivo do processo reabilitacional. Pontualidade: Marca o ponto nas entradas e saídas. O método precisa ser devidamente centrado na pessoa portadora de deficiência e com isso garantir seu tratamento como um todo e nunca em partes estanques. com maior produtividade. O processo de reabilitação.Aceitação de críticas de colegas: Com ou sem discussão de pontos de vista de colegas mais experientes. um único objetivo e apenas um tipo de procedimento que são aceitáveis. CAPÍTULO QUINTO AS EQUIPES DE REABILITAÇÃO NOS PROGRAMAS DE HOJE Na assistência à pessoa deficiente. Ordem e limpeza no trabalho: Não apenas na bancada propriamente dita. podemos reconhecer os diversos métodos de trabalho. reconhece um método apenas. limpo. nas ciências. cada um dono de suas próprias habilidades de caráter profissional. bem coordenado e bem dosado. que somente tornou-se viável após o estabelecimento de uma atuação conjunta de ciências diversas. É também importante notar que um trabalho de equipe. para formar o que todos conhecem como "equipe de reabilitação”. supõe um modo especial de trabalhar em conjunto. é básico que exista e que de fato ocorra a reunião de vários especialistas. orgânica ou mental. E pelo menos alguns dos membros dessa equipe de reabilitação devem compreender e assimilar os princípios básicos e os conhecimentos que são necessários para ajudar uma pessoa deficiente em sua reabilitação. na qual um certo número de representantes de entidades e empreendimentos participa. porém. Em reabilitação das pessoas portadoras de deficiências não existe simplesmente um tratamento físico. É interessante notar que uma equipe de reabilitação é mais complexa do que uma outra formada. somando os esforços dos diversos profissionais. na reabilitação e em quase toda atuação na qual as pessoas trabalham juntas para atingir objetivos comuns. ou apenas um trabalho que leve ao ajustamento psico-social. na educação. a equipe de profissionais nela atuante jamais poderá tornar-se um mero aglomerado de detentores de habilidades específicas e não relacionadas entre si. por definição mesmo. na medicina. Especialistas podem ser agrupados e podem encontrar-se para trabalhar juntos ou em colaboração com outros. no campo da reabilitação. assumindo todas as conseqüências dessa posição.*O trabalho de equipe em reabilitação* O trabalho de equipe tem se tornado cada vez mais importante e recomendado. Verifica-se que em certos tipos de atividades a atuação de equipe é tão fundamental que sua inexistência acaba provocando seu mais contundente fracasso. própria ou impropriamente. social. sem que essa atuação resulte num típico trabalho de equipe. Uma dessas atividades é a reabilitação. com a participação de profissionais pré-determinados que conseguem operacionalizar um programa de atividades indispensáveis ao desenvolvimento do ser humano que é portador de uma deficiência física. para todas as experiências que demandam esforços cooperativos.beneficiada. na acepção correta do termo. . evita duplicações de esforços. e esse trabalho só funcionará se cada um dos profissionais reconhecer o entrelaçamento existente entre seu campo de atuação e os das demais profissões. Consideradas as finalidades da reabilitação. nos esportes. para trabalhos de comunidade. A qualidade de sua atuação e os seus resultados dependem muito da maneira como o trabalho de equipe é desenvolvido. uma vez que. Não é de estranhar que a expressão "trabalho de equipe" tenha sido muito utilizada. nos esforços comunitários. o tratamento deverá ser sempre "global". . com a indispensável integração de todos os que compõem o grupo. psicológico e profissional de cada indivíduo atendido. por exemplo. A equipe multiprofissional de reabilitação no seu sentido mais global é também mais ampla do que uma equipe médica ou do que uma equipe destinada à "reabilitação hospitalar" que é necessariamente limitada em suas possibilidades de bem lidar com as necessidades globais do ser humano. sensorial. conflitos de objetivos e a eventual omissão de um determinado tipo de atendimento pela suposição de que outro profissional já o tenha providenciado. A equipe destinada a centros de reabilitação global não pode deixar de incluir todos os profissionais necessários para cobrir tudo aquilo que for considerado essencial para um bom desempenho físico. uma vez que terá significado e valor quando conseguir funcionar como uma unidade. O trabalho de equipe. Ouvimos falar a respeito desse tipo de atuação em atividades do mundo industrial. dinâmico. . uma atmosfera agradável de trabalho. tenham mentalidade madura e flexível para discutir novas idéias e aceitar novos desafios. todos devem sentir-se seguros em suas áreas de atuação. com bastante persistência. uma vez que enseja atividades de associação de vários profissionais que interagem e que se especializam.a compreensão da linha básica de funcionamento do centro de reabilitação onde atuam. mas três delas são básicas.Considerações importantes quanto aos fundamentos de um trabalho reabilitacional poderão ser levantadas outra vez. com base em suas capacidades. As salas do diversos profissionais de uma equipe de reabilitação devem ficar próximas umas das outras – especialmente aqueles que cobrem áreas afins ou convergentes. o trabalho de equipes multiprofissionais é indispensável. É fundamental também que todos os componentes de uma equipe que se responsabiliza pelo desenvolvimento de um processo complexo como é a reabilitação. funciona à base de interações. ou seja.o reconhecimento dos limites de sua atuação profissional.para o desenvolvimento de um programa de reabilitação que dê um atendimento à pessoa como um todo. talvez mais do que isso. no trabalho de equipe. é claro. conforme deve ser aplicado num centro de reabilitação.o conhecimento essencial das práticas e o alcance das diversas ciências ou técnicas que. como condicionamento físico. há que se considerar em primeiro lugar a própria planta física do centro de reabilitação. A equipe de reabilitação não deixa nunca de ser um grupo distinto em suas partes. que age como uma unidade.*As garantias para um verdadeiro trabalho de equipe* Para assegurar o atingimento dos desideratos acima indicados.o processo de tratamento de reabilitação deve ser dinâmico e suficientemente fluido para se manter na mesma velocidade de evolução e progresso da pessoa em mudança. e não podem jamais ser esquecidas: . Tanto isso é verdade que nenhuma ação importante quanto ao cliente deve ser adotada pelos membros de uma profissão sem que haja a ciência e mesmo a concordância da equipe como um todo. necessidades e aspirações. o tratamento mais completo possível do indivíduo portador de deficiência. . Para que isso venha a acontecer.o ser humano. que virtualmente levem a esse tipo de contato. . o que implica em não apenas haver salas e equipamentos suficientes. . pois as instalações devem ser de tal natureza e distribuídas de tal forma que dêem a todos os membros da equipe de trabalho oportunidades para o estabelecimento fácil de discussões entre si – e. para discutir pormenores que talvez possam ficar omissos ou deixados de lado. . É necessário garantir também. ajustamento psico-social e ajustamento profissional – de modo que eles se encontrem com freqüência durante o dia de trabalho. o conjunto de suas potencialidades e sua participação no processo. democrática e multidisciplinar. mesmo fora de reuniões programadas. mas também: . considerada sempre a globalidade de seus problemas. único e integrado. é a união próxima. sempre muito comuns para quem trabalha nesse campo. perfectível. O trabalho de equipe. caso seja necessário procurar alguém muito distante. se fazem companheiras. mas também . devotada a um propósito comum. Sendo assim. é necessário que todos os que fazem parte da equipe dominem um embasamento técnico que inclua não apenas pontos fundamentais do processo de reabilitação. e há carradas de razão nesse argumento. nenhum profissional conseguiria desenvolver o processo sozinho. necessariamente. No entanto. um responsável. e assim por diante. a grande maioria dos médicos fisiatras acha que não deve haver "um" líder. Qual dos profissionais poderá ser o líder de uma equipe de reabilitação? Existem líderes pré-determinados? Por mais técnicos e objetivos que os profissionais que atuam em reabilitação queiram ser em sua atuação. Outros acham que a liderança ou a coordenação de uma equipe muito tem a ver com questões e padrões de produtividade e essa missão deve caber a um elemento em cargo de chefia ou ligado à administração do centro. que precisa. reconhecem que há um problema que afeta diretamente uma equipe (dentre os muitos que podem afetá-la que se resume nesta pergunta: "quem é o líder do grupo?"). Todos os membros da equipe devem ter a certeza de que. já ficou claro que o trabalho de equipe é essencial. "equipe" tem problemas inerentes e muito característicos. o médico coordena. . um capitão. Essencial como ele é. Pois foi essa mesma analogia que sempre levantou a idéia de que uma equipe necessita de um "capitão". Se a ênfase for médica. ser o médico. e quase todos concordam que deve haver "um" líder. um "líder". respeitada a linha hierárquica e garantidas as normas vigentes na instituição.em manter muito clara e presente a noção de que a cooperação deve ser mútua e constante dentro de um centro de reabilitação. deve ser suficiente democrática para permitir a livre troca de informações profissionais no desenvolvimento do tratamento do cliente. Sem essa liberdade. nesse desejável ambiente de trabalho. sem exceção. até a urgência de se iniciar o processo reabilitacional ainda no hospital. de fato. concordam que é importante estabelecer claramente essa questão de liderança ou coordenação. Há também aqueles que defendem esta posição: deve coordenar a equipe o profissional detentor da ênfase principal no programa do cliente. mas "o" líder. Claro que há motivos sérios para esse posicionamento. o nível ideal de atuação dificilmente poderá ser atingido por uma equipe consciente de seu papel. mas por analogia com atividades esportivas em grupo. é crença generalizada que grupos de pessoas não conseguem atuar e trabalhar juntos sem que haja um líder. mas de alguns outros. que pode ser médico ou não. evidentemente. tanto em reabilitação quanto em atividades as mais variadas do mundo moderno. Há. No caso da reabilitação. sem qualquer exceção. o trabalho de equipe .historicamente surgiu e foi adotado não só em conseqüência de decisões estabelecidas pela observação científica. todos eles. por exemplo. Um outro motivo muito sério que tem sido constantemente alegado é a evidente liderança que muitos médicos têm exercido no desenvolvimento geral da reabilitação em todo o mundo. o conselheiro de reabilitação coordena. se ela for profissional. O questionamento dessa posição de médicos não nasce e nem poderia nascer desses argumentos. motivos esses que vão desde a etiologia dos males e das deficiências.seja em reabilitação. um diretor. A administração do centro. profissionais de reabilitação que defendem a posição de que o ato de coordenar o trabalho de uma equipe ou de liderá-lo depende muito mais de habilidade para fazê-lo do que do cargo ou da formação profissional do líder ou do coordenador . . não há bloqueios aos contatos com a administração do centro e que os problemas por eles analisados serão sempre devidamente considerados. seja em outras atividades . E. Todos.*A liderança de uma equipe de reabilitação* Palavra super-valorizada. Um desses problemas é o de sua "liderança". de grande seriedade. bem como da objetividade das colocações e notamos que. sob a coordenação de alguém que acaba assumindo a função de uma espécie de "arranjador-mestre". e com noção clara das possibilidades e necessidades de entendimentos complexos e objetivos. O tratamento não é. pois partem da pressuposição de que seus profissionais devem ser maduros e muito conscientes de suas obrigações. de forma estática. cada um considerando o cliente sob o seu especializado ângulo de visão.e isso não pode ocorrer em climas de tensão criados por líderes inadequados ou impostos. portanto. que não contam com profissional algum especializado. O autor acima refere-se a certos pré-requisitos para um funcionamento dessa natureza. cuja obrigação é fazer todo o possível para combinar esses pontos de vista.*As dificuldades principais em coordenar uma equipe* O trabalho de equipe em reabilitação não pode ser deturpado. A continuidade dos serviços pode ser mantida sem qualquer direção por parte de uma pessoa especialmente designada para tanto. Não cremos que seja impossível tal sistema funcionar entre nós. de fato.das mais variadas naturezas e objetivos e que funcionam dessa maneira. "Um grupo de profissionais pode. é um sistema viável de atuação em equipe. O grupo em si mesmo.*A ausência da coordenação formal de uma equipe* Há uns poucos centros no mundo que defendem uma linha de atuação mais aberta e mais moderna. embora somente possa ter sucesso e a indispensável continuidade em situações bastante especiais. ou não deveria ser uma questão de passar um cliente de um especialista para outro. através de contatos informais ou reuniões. coordena os serviços e atividades destinadas ao cliente" ("Is the Team Concept Obsolete?". bem como através de contatos formais. de Patterson). À época admiramo-nos da versatilidade e da naturalidade de fluência do processo.o que raramente sucede entre nós. A pressuposição principal para que um centro de reabilitação funcione bem deveria ser a de que toda a sua equipe é composta de profissionais bem treinados e competentes em seu campo . Pessoalmente vivenciamos uma situação de observação e análise de uma equipe de reabilitação que adotava há anos a chamada "auto-coordenação" . Temos em diversas partes do Brasil centros de reabilitação . O fato concreto e irretorquível é que uma equipe precisa trabalhar num bom equilíbrio.. qualquer um dos profissionais poderá ter responsabilidade mais séria de prestar serviços especiais ao cliente. a fim de chegar a uma conclusão. em vários pontos do Brasil.ou organizações que usam esse título . que não mantêm coordenação alguma para suas equipes. Ele acha que cada membro da equipe deve aceitar o outro profissional em bases de igualdade e cada profissional deve ser competente em seu próprio campo de ação. com respeito mútuo. E assim . dependendo das necessidades do cliente. A qualquer tempo. apenas para colecionar opiniões dos vários profissionais. funcionar sem necessidade de supervisão ou de controle.a equipe em questão não dispunha de líder ou de coordenador estabelecido. desde que ela conte com profissionais de boa vivência e muito bem preparados quanto à reabilitação e ao trabalho em cooperação. do início ao fim do processo de reabilitação ou pelo tempo que tiver algo a contribuir. competência e dentro de um ordenamento bem estabelecido que acate todos os procedimentos básicos adotados pelo centro de reabilitação . por exemplo. Existem centros de reabilitação. Cada profissional continua a trabalhar com o cliente. O próprio grupo coordena ou dirige sua atuação e garante os serviços de que cada cliente necessita. Ele não pode existir. . Cada profissional deverá dar sua contribuição em bases quase que equivalentes com os demais colegas.o fazem. os profissionais acabam se prejudicando. quer pela necessidade que algumas diretorias de centros sentem de manter o poder de tomada de decisões em suas mãos. Há também a tendência de algumas diretorias de manter o poder de tomada de decisões nas mãos de um só elemento. ou de um linguajar técnico tão rebuscado. impedir ou dificultar o desenvolvimento das atividades de reabilitação poderemos citar os seguintes adicionais: a) Falta de confiança e respeito mútuos: Às vezes os membros de uma equipe de reabilitação não demonstram na prática as necessárias doses de confiança e respeito mútuos. que se torna quase impossível qualquer tentativa de sumariação. Não se reduz também à simples função operacional de facilitar o diálogo entre profissionais durante as reuniões da equipe. que assume essa função sem apresentar condições básicas de preparo profissional. cronológico e frio dos acontecimentos verificados durante o desenvolvimento do programa. na tentativa de obter vitórias de argumentação quanto a procedimentos e formas de atender a pessoa deficiente. por vezes muito pouco úteis para os demais serviços. considerada a própria posição profissional.*Problemas típicos encontrados num trabalho de equipe* Além das dificuldades características relacionadas à liderança e/ou coordenação de equipes. As equipes assim "comandadas" apresentam. . Em conseqüência. A despeito das dificuldades características desse tipo de trabalho. ou à tentativa de levar a uma assimilação das informações profissionais contidas em relatórios. quer devido à reduzida experiência profissional de alguns membros de sua equipe. nem à re-escalação de clientes para uma reavaliação. os clientes sempre levam a pior de todas as desvantagens. e muito mais do que isso. O difícil papel de coordenador de uma equipe de reabilitação não se reduz à simples cobrança de relatórios ou providências. ou seja. o respeito mútuo e o interesse pelo reabilitando e por seu programa de atividades devem impedir. Dessa forma. uma vez que seus programas perdem a objetividade. irretratáveis diferenças de opinião que podem transformar uma reunião de equipe num verdadeiro campo de batalha. Cabe ao coordenador de uma equipe levar seus profissionais a entender a importância do trabalho multiprofissional bem ajustado às capacidades da clientela e ao andamento da equipe como um todo. considerados os fins propostos pela reabilitação. dentre os problemas que podem bloquear. do coordenador da equipe. ou sem ter condições mínimas de liderança reconhecida pela equipe que com ele atua. Outras vezes agem como se considerassem seus colegas de equipe como meros defensores de um determinado campo de atuação de suas áreas profissionais. um fenômeno característico e muito sintomático: alguns profissionais menos experimentados procuram tornar seus relatórios de um nível tão alto e sofisticado. de um modo geral. sem ter vivenciado outras experiências. Para que isso ocorra é preciso que eles se mantenham alertas quanto à necessidade de elaborar seus relatórios com propriedade. não ocorre a necessária assimilação do conteúdo dos relatórios pela equipe como um todo e os programas dos clientes ficam repartidos e sub-divididos em áreas quase que estanques. sem que caiam no extremo oposto e indesejável de transformá-los num mero relato formal. mantendo-se alertas para eventuais "invasões" de campos alheios. b) Excesso de importância à própria atuação: Para alguns profissionais o longo processo educativo e formativo em sua área profissional leva a uma quase certeza de que o tratamento . para uma tomada de decisão ou julgamento de situações. ou pelo menos refrear. pois eventualmente cada profissional acaba dando maior ênfase à sua atuação por considerá-la a mais importante para o cliente. atividade ou esforço profissional sistematizado deve ser apenas um ponto de referência a mais e nunca um trampolim para diagnósticos isolados e apressados. A cooperação profissional é uma condição básica e insubstituível para o bom desenvolvimento do processo. mas limitadas no sentido de não ter ocorrido trabalho em colaboração com outras profissões. acaba sendo quase que invariavelmente superado. e) Comportamentos inadequados numa equipe: Certos tipos de comportamentos no grupo de técnicos às vezes causam dificuldades ou constrangimento. eliminando tudo aquilo que é característico da relação profissional-cliente. Tem sido notório o engano de imaginar-se o serviço social como uma profissão que só se preocupa com providenciamentos de ordem prática. com pleno sucesso. Conhecemos um profissional participante das reuniões de equipe que contava aos clientes as opiniões dos diversos colegas quanto a assuntos delicados de seus casos. É fundamental que os profissionais de reabilitação conheçam os campos de competência dos demais colegas. não se adaptam com facilidade ao trabalho de equipe. Há também aqueles que são excessivamente permissivos no relacionamento com os clientes. d) Falta de atitudes de cooperação sistemática: Mesmo conhecendo as atribuições ou papéis dos vários profissionais engajados em reabilitação. De quando em quando encontramos em equipes de reabilitação profissionais com um estranho domínio da noção de ética funcional/pessoal/profissional. mantendo-se em constante processo de mudanças e de adaptações. torna-se tarefa sobre-humana procurar atualizar-se com relação a outras profissões. causando com isso situações de sérias dificuldades para a equipe. Na verdade. c) Desconhecimento das demais profissões: É um fato sobejamente conhecido que todas as profissões envolvidas no processo reabilitacional procuram ser dinâmicas. Experiências dessa natureza às vezes dificultam a atuação em equipe. prova. toda entrevista. em qualquer programa de reabilitação. por exemplo. alguns profissionais. embora tais problemas possam ter sido estabelecidos mais por ignorância do que por conhecimento das diversas áreas de competência profissional. Além do mais. tornando a atuação de todos bem mais difícil do que a usual. Além da atitude própria para trabalhar em equipe. Se o profissional consciente de hoje já acha difícil manter-se atualizado com os progressos de sua própria profissão. o conhecimento que adquirimos de um campo profissional alheio ao nosso. Isso ocorre em quase todas as profissões envolvidas. sem que essa preocupação os leve a excessos. O tom de suas informações era de tal natureza que a equipe começou a sentir sérias dificuldades no desenvolvimento de seus trabalhos f) Falta de experiência em trabalho de equipe: Devido ao fato de terem vivenciado apenas experiências de trabalho isolado. mas o que nos importa aqui que saibamos que em muitos centros de reabilitação essas interpretações errôneas ou tendenciosas poderão levar a prescrições ou a recomendações causadoras de mal-estar e mesmo de agressividade. Pensar que fisioterapia limita-se a massagens é também um erro que acontece. Alguns profissionais mantêmse em competição quase que inconsciente para um efetivo "controle" do cliente que estão atendendo.do cliente precisa ser centrado em sua atuação ou em sua profissão. existem aqueles que não adotam atitudes de cooperação sistemática. um técnico que trabalha em reabilitação deve dominar bem seu campo de atuação e ter uma . Alguns outros são excessivamente rígidos ou inseguros no trabalho com outras pessoas. Outro engano usual é julgar que psicólogos só aplicam testes. teste. ao ingressar num centro de reabilitação. Muitos outros exemplos poderiam ser dados. MSE" . do prestigio político ou pessoal. e dos compromissos já assumidos existe muito forte e impregna toda nossa realidade. mas a eventualidade do esforço não o torna consagrado para todas as situações. nenhum grupo profissional dele participante tem desenvolvido qualquer tentativa válida para o ensino de métodos de cooperação com as demais profissões.De um relatório de terapia ocupacional: "Tônus normal. Duplo apoio heterolateral do MSE e MID" . em certas profissões. o sutil e desagradável efeito da atuação de profissionais que não se preocupam ou nunca se conscientizaram quanto a certos princípios éticos.De um relatório de fisioterapia: "Resistência: FC antes da prova 86 bpm. rivaliza-se com as expressões técnicas do serviço social ou da psicologia.. A linguagem precisa e especializada da medicina ou da fisioterapia. Mais do que isso. . A atitudes conseqüentes a esses tipos de expediente afetam seriamente um trabalho que precisa ser desenvolvido em equipe. por exemplo. "Quadrupedia: adota a posição.. podendo com essa atitude educar e ser educados. Estudos desenvolvidos em países mais evoluídos no atendimento a pessoas deficientes mostram que profissionais de formação equilibrada e seguros de sua própria atuação ou de suas posições em geral.. O interesse autêntico de profissionais. a influência do prestígio de certos membros da equipe. Muitos exemplos poderiam ser citados. interpretá-las e elucidar dúvidas. i) Jogos de prestígio e de poder e seus malefícios: Os chamados jogos de poder. a influência indevida de quem controla a situação financeira da entidade mantenedora do centro de reabilitação.. precisam ser reformulados face aos objetivos do processo de reabilitação. termos esses que acabam tornando-se pouco compreensíveis para os que não militam no mesmo campo ou área de atuação. a vitalidade do processo. Exemplos dessas inadequacidades de atuação podem ser facilmente encontrados. a pressão de certos políticos. .. Após a prova a FC não se alterou" .como de fato tem surgido . tendendo à hipertonia do proximal para distal . . j) Ausência de uma boa política de pessoal: Uma administração ou direção de entidade que não adota uma boa política de pessoal pode surgir .como um bloqueio dos mais sérios à atuação da equipe de reabilitação.idéia clara de quais os aspectos de outras atividades por eles desenvolvidas que podem ser mais adequadamente executadas por algum profissional de outro setor ou área profissional. "Sensibilidade: testada bilateral p/MMSS" . as possibilidades de crescimento profissional. em dosagens adequadas. e que com isso procuram manter situações sob seu controle indevido. conotações diferentes.. E muitas vezes ocorrem dificuldades nos termos homógrafos que podem ter.. Alguns profissionais chegam a utilizar-se de termos apenas adotados em circuitos fechados. precisam ser garantidos pela direção do centro. mas apenas alguns são suficientes para alertar quanto ao estilo inadequado de se relatar em reabilitação. h) Metodologia de cooperação quase inexistente: Embora prejudicial para todos os programas destinados ao atendimento global da pessoa deficiente... g) Estilo inadequado de relatório: Por vezes ocorrem situações em que membros da equipe simplesmente "relatam" em vez de "interpretar". Em alguns programas de reabilitação sabe-se de tentativas e esforços isolados de alguns profissionais para fomento dessa indispensável cooperação. e não apenas a reabilitação. "Topognosia: percebeu difusamente no dorso da mão e na região palmar" . conseguem explicá-las.. o envolvimento constante. Claro que são relatórios que precisam ser interpretados para aqueles profissionais que não são versados em terminologia ou abreviaturas de origem médica. como por exemplo. a menos que. Com a complexidade crescente de todas as ciências e a necessidade cada vez maior de especializações. quando não for sanada por atitudes demonstrativas de genuíno interesse e confiança.*A necessidade de tratamento global do cliente* Existe certa uniformidade de conceito . ou pior ainda. Esse conceito é tão universalmente aceito que trabalhos escritos em cada área profissional. O campo a ser coberto é tão vasto que o currículo médico é considerado. sem uma consulta ou troca de opiniões paralelas com outros profissionais. A expansão da reabilitação que colocou uma certa variedade de profissionais em contato com o outro. mesmo que seja com habilidade e grande virtuosismo. e com verdade. seja ela qual for. A falta de tempo. fica sempre mais evidente que. se considerarmos o volume de tempo que tem demandado o preparo de um profissional de medicina de bom nível. não levará nunca à reabilitação e certamente prejudicará o reabilitando. seria um impedimento para tanto.pelo menos em tese . Dentre as várias razões que podem ser alegadas para justificar esse tipo de posicionamento. levando . trabalhar em direções antagônicas. É evidente que a profissão médica não é a única à qual esse tipo de observação é aplicável. Trabalhar em diversas direções. tem adicionado certo impulso a essa tendência na Europa e na América do Norte. acaba gerando conflitos justificáveis ou não. repleta de valores próprios e de aspirações que é o ser humano portador de uma deficiência. A verdade é que nenhum profissional consegue entender outro ramo profissional tão bem quanto possa desejar. por si só. receba um tratamento cada vez mais adequado e de natureza global. Mas.e uma concordância generalizada quanto à consideração da pessoa humana do cliente de reabilitação como um todo. de tal maneira que essa criatura diferente. os diversos técnicos que dela tomam parte se vejam como membros de uma equipe multiprofissional. como um ser global. ficaremos surpresos como esse treinamento tem aumentado através dos tempos e admiraremos o esforço quase sobre-humano que tem sido dado por estudantes de medicina que desejam levar a sério sua profissão.Em resumo. onde cada um tem seu papel específico e um determinado valor. além de dominar com segurança os princípios fundamentais e os propósitos da reabilitação. hoje em dia. tal falha de compreensão. dentro de uma única área. a reconhecer que há problemas que afetam seus pacientes que vão muito além de sua esfera de competência. uma equipe de técnicos de muito boa qualidade individual num centro de reabilitação terá valor apenas limitado para as pessoas deficientes. o médico é muitas vezes educado somente em parte nas muitas das crescentes especialidades e ele poderá muito bem não estar alerta quanto à problemática inserida na faixa de responsabilidade do serviço social ou da psicologia. quase sempre indicam a necessidade de seus profissionais ficarem alertas para os muitos aspectos da natureza humana e para a necessidade de disseminação desse conhecimento às disciplinas componentes da equipe de reabilitação. Surgem nesses países. por exemplo. o profissional não pode trabalhar com alguns sintomas especiais. indevidamente reduzido sob certos pontos de vista Mesmo assim. cumpre destacar aquilo que vem ocorrendo há muitos anos já na medicina: tem-se observado a psiquiatria e a medicina psicossomática procurando levar médicos e outros profissionais que colaboram direta ou indiretamente com a medicina. no entanto. num trabalho de equipe. muitas críticas quanto à profundidade de treinamento de médicos. . dependendo do tipo de profissional que tiver feito o infeliz comentário. . é a temida superposição de atividades que acontece. o profissional precisa entender que a simples alegação de conhecimento de um campo de trabalho alheio ao seu. se um profissional qualquer que não o conselheiro de reabilitação lhe diz: "Você poderá se tornar um joalheiro ou consertador de relógios" .*Superposição de atividades em equipes de reabilitação* Os motivos que acabam provocando desentendimentos e conflitos em equipes de reabilitação não são apenas conseqüentes à parcial ignorância das funções e das responsabilidades de cada um dos profissionais. Desta forma. Essa tendência surge devido a problemas provocados por certos profissionais omissos em suas obrigações para com o cliente. por exemplo. mais efetivo. o prognóstico e o diagnóstico de uma necessidade podem ser elaborados somente por profissionais especificamente orientados por um sistema de formação profissional. vendo seus resultados e ganhando conhecimento em profundidade. Decorrem igualmente da falta de clareza na definição dessas funções. ou expressas devido a uma atividade qualquer. A identificação. claro) ou pela ampliação das funções em seu campo de trabalho. surge também devido ao desejo de colaborar de um modo mais rápido. somada à eventual tendência de algum profissional "resolver problemas práticos" pela simples aplicação da tática do bom senso (subjetivo. menos burocratizado. mas é fundamental ser profissionalmente maduro. . será sempre inadequada. formou-se nele. Apesar de reconhecer que todas as outras profissões são importantes. Só poderá alegar conhecimento e domínio de um campo de trabalho quem vive continuamente nele.inclusive alguns profissionais a invadir a área dos outros. como também pela ação integrada em um plano mais global.*O trabalho de equipe: perspectivas* Considerada a realidade da reabilitação. Evitar problemas dessa natureza é muito importante e a cooperação para esse fim poderá ser intensificada não só pelo respeito sistemático aos limites de atuação de qualquer das profissões envolvidas. Opiniões mesmo que veladas em forma de pergunta. seja através das reuniões de equipe.. e da formação de pessoal que normalmente irá compor suas equipes. podem ser avidamente tomadas. o que ocorre com esses profissionais que avançam nas funções alheias é que eles acham que as necessidades mais relevantes do cliente estão infalivelmente dentro de seu campo de ação e todas as demais profissões acabam consideradas como "auxiliares" de sua própria. Essa verdadeira invasão à custa do cliente bloqueia o trabalho de reabilitação. . por vezes difíceis. ou ainda em planos desenvolvidos juntamente com outros colegas de trabalho. A conseqüência indesejável da ampliação indevida de funções é a ocorrência de superposições e a eventual desorientação do reabilitando. além da experiência e treinamento para assim fazê-lo. um profissional que trabalha dentro dessa linha de raciocínio acaba tentando usurpar a função de outro.. pois o reabilitando fica inseguro em sua definição de vida de trabalho. preocupa-se com ele e nele toma decisões. seja por meio de contatos individuais. qual poderá ser a solução para o tratamento mais adequado do cliente. O mal feito nesses casos poderá ser considerável. minimizando sua importância face ao elemento mais interessado que é a pessoa deficiente em busca de uma solução para seus problemas. Para se trabalhar numa equipe de reabilitação não é necessário apenas ser possuidor de um diploma de curso superior. dificultando a elaboração de planos mais objetivos e concretizáveis relacionados à vida de trabalho. Em decorrência dessa maturidade exigível. b) Há uma incontestável vantagem na combinação dessas áreas. Em nenhuma outra situação temos encontrado maior necessidade de integração de conhecimentos e de combinação de várias profissões do que no campo da reabilitação. ênfase essa que deverá ser adotada e/ou mantida também nos níveis secundário e superior. há muito que se aprender dentro de nossa realidade de atuação.A escola primária precisa enfatizar continuamente os trabalhos em cooperação. as várias áreas funcionais e as respectivas limitações de cada uma delas. Àqueles que trabalham em programas de reabilitação restará o desafio de bem utilizar essas experiências. sejam enfatizados os conhecimentos básicos e as atitudes profissionais para o trabalho de equipe. consideradas as características do programa global que deve procurar levar o individuo com deficiência a um estado de adequação pessoal de acordo com seus planos e realidade. para o bem-estar de todos aqueles que pretendem dedicar-se à reabilitação e para benefício de todas as pessoas deficientes que dela necessitarem. além da indispensável oportunidade da prática de cooperação com profissionais de outras áreas.É muito importante que. considerada a realidade de trabalho inter-profissional de um centro de reabilitação a tendência para um treinamento mais amplo e sem profundidade. deve ser evitada. nos programas de reabilitação.É fundamental que sejam desenvolvidos e sempre encorajados estudos e pesquisas a respeito dos processos de trabalho em colaboração e de caráter multiprofissional. algumas ponderações precisam ser feitas. num trabalho harmonioso desenvolvido por meio de uma equipe multiprofissional. No entanto.globalmente considerado? Estará na obtenção de maior volume de especialização? Estará no aumento do treinamento acadêmico ou na maior profundidade quanto a conceitos básicos? Cremos que qualquer tentativa de resposta não poderá ignorar os seguintes pontos: a) Existem. pois essa realidade mostrarnos-á como é importante um trabalho cooperativo. tais como: . Para chegarmos a soluções que concretamente beneficiam os programas de assistência reabilitacional e muitos outros que dão atendimento ao ser humano através de trabalhos de equipe. que deve ser obtida após o atendimento bem coordenado em cada uma das áreas acima indicadas. Não resta dúvida que o trabalho de equipe num centro de reabilitação é um ideal a ser atingido em sua plenitude. concretamente. podendo levar-nos a uma cuidadosa análise da realidade que nos cerca. . a fim de encontrar soluções cada vez mais complexas às necessidades das pessoas que apresentam problemas inter relacionados. procurando dessa maneira levar as pessoas a trabalhar em grupo. em reabilitação. . teremos o condicionamento físico. dentro dos quais se inserem todos os componentes da equipe de reabilitação. A complexidade da missão de integrar pessoas portadoras de deficiências na sociedade aberta tem levado centros de reabilitação a adicionar serviços novos. ou seja. Assim é que. pois algumas alterações fundamentais precisam ocorrer e algumas delas bem significativas. No entanto. o ajustamento psico-social e o ajustamento profissional. a fim de que treinamentos bem orientados possam suprir as falhas decorrentes da ausência de temas específicos em cursos superiores normais. Experiências já vividas nunca deixarão de ser de valor muito concreto. ou para a especialização extrema.É muito importante que haja em todas as faculdades um ensino realista de métodos e/ou de fórmulas de atuação inter-profissional. sempre informada pela noção objetiva da importância que têm as outras profissões. . . para uma gama de atividades que é de responsabilidade de profissionais devidamente formados. mas também colabora significativamente na avaliação dos clientes para atividades de trabalho. então. ao nos aprofundarmos no estudo de alguns recursos existentes aqui no Brasil. via de regra. Ela não só faz o específico.*Os profissionais envolvidos em reabilitação* Analisemos um pouco o passado de certos serviços que cuidavam de pessoas com deficiências físicas. injeções e serviços menos elevados. é necessário que eles . . No entanto. Aberrações dessa natureza ocorrem à nossa volta com certa insistência. Sabemos muito bem que hoje em dia temos profissionais formados e que a terapia ocupacional integra sempre os centros de reabilitação. Há clínicas de fisioterapia que se intitulam centros de reabilitação. pois assim como certos médicos recorrem à enfermagem para curativos. Encontramos em nossa realidade centros de reabilitação que trabalham muito mais como ambulatório médico para males ortopédicos do que como centro destinado à reabilitação do indivíduo. teria seus convênios com organizações financiadoras cancelados. notamos que há iniciativas que denotam menos uma opção de ênfase técnica do que um real desconhecimento do que seja reabilitação. aplicação da água e da eletricidade e outros recursos. Diga-se de passagem que muita gente que procura atuar nesse campo sem qualquer tipo de curso. Isso tudo é verdade também para a fisioterapia que evoluiu de métodos muito mal definidos de massagem. Embora possa haver uma carrada de razão da parte desses médicos. A ociosidade era o que mais preocupava os voluntários e profissionais de então. enquanto que outros ainda permanecem como grandes dúvidas e são tolerados principalmente devido ao fato de que sem eles a entidade passaria a ser mal conceituada ou.a então chamada laborterapia. por iniciativa própria. recorrem à fisioterapia para o desenvolvimento prático da programação de exercícios que não se preocupam nem em aprender nem em executar. Encontramos. Essa seria uma das poucas razões para manterem seu lugar ao sol. Importou-se a idéia de certa ocupação por atividades de trabalho .tem servido mais aos propósitos de alguns médicos que desejam fazer fisiatria. alguns fisioterapeutas . patenteando um desconhecimento real do assunto. que a terapia ocupacional serve mais para ser mostrada a visitantes do que a propósitos realmente terapêuticos. outras que dão ênfase aos aspectos profissionais da reabilitação. todos os profissionais e serviços usualmente requeridos. entretanto.CAPÍTULO SEXTO A AVALIAÇÃO E O CONTROLE NOS PROGRAMAS DE REABILITAÇÃO Ninguém pode negar que um centro de reabilitação pode determinar. ignorando por completo o que sucedeu de avanço técnico na reabilitação desde 1956 no Brasil. a ênfase que deseja dar aos seus trabalhos. há vários serviços que são óbvios em termos de utilidade prática imediata. De quando em quando vemos com frustração. por exemplo.ou melhor. aplicação de calor. temos verificado que a fisioterapia . procurando levar o indivíduo a um ajustamento significativo em sua vida de trabalho. organizações que dão maior volume de atendimento médico e para-médico. Na verdade. A própria palavra "reabilitação" é utilizada indiscriminadamente pelos próprios profissionais que nela atuam. Em centros de reabilitação de caráter geral encontramos. causando à reabilitação muito mais mal do que bem. ainda batiza a atividade de laborterapia. No entanto. pois não estão. ela tem um papel certo e valioso e não sofre muitas pressões por parte de diretores de centros de reabilitação. concordaremos plenamente. financiamento ou plano de pagamento do tratamento e vários mais.. terapia ocupacional. Reduzindo-se despesa considerada inútil. Assim sendo. No entanto. em seu socorro. cada profissional acha que fez o seu quinhão com o máximo de consciência profissional. mas menos graves. seja por falta de objetivo prático no programa. uma reabilitação estagnada como técnica. para fazer o que os assistentes sociais fazem. entrevista de serviço social. sem se inteirar com seriedade quanto ao que deles poderá ser esperado. em geral. testes de psicologia. dificuldades financeiras do cliente. Vemos. Os profissionais precisam lembrar que o serviço social tem um papel muito sério e complexo num programa de reabilitação e compete a cada profissional lutar por ele. sessão de fisioterapia. O serviço social. certos tipos de estudos que são menos óbvios. bem. escala para remoção dos clientes. a situação tende a generalizar-se. e a leva de clientes a procurar serviços. o que não deixa de ser verdade. chegando mesmo a indicar sua dispensabilidade. Assim sendo. consulta médica. preparo de relações de vagas para pagamento de "per capita" pelo INPS ou Secretaria da Promoção Social. Essas situações são . Mas ficamos por vezes com a dúvida: será que ele sabe por que papel lutar?. etc.. Com psicólogos acontecem situações semelhantes. com certos outros serviços a situação é bem diversa. mais do que todos os demais profissionais. As atribuições que às vezes são passadas a assistentes sociais poderiam ser desenvolvidas por secretárias bem preparadas. Isso tudo não quer dizer que as coisas estejam caminhando corretamente. A psicologia tem.*A falta de especialização e suas conseqüências* Para qualquer área ou ramo profissional o que alarma acima de tudo é verificarmos que certos profissionais procuram emprego num centro de reabilitação.. tem seus testes e o conhecimento técnico indispensável para sua interpretação. ou seja: estudos simples de levantamento socioeconômico do cliente e sua família. Por que não conselheiros de reabilitação? Porque esses surgem de uma das últimas profissões e em geral trazem um bom acervo de conhecimentos específicos. Essa observação é perfeitamente cabível para três tipos de profissionais: médicos. vale aqui lembrar que o psicólogo tem um papel relevante em reabilitação. E se considerarmos o que alguns assistentes sociais fazem ou sujeitam-se a fazer. que acabam sendo apenas aquilo que procuram: serviços. . Assim sendo. que a fisioterapia é fundamental em reabilitação e traz evidentes benefícios aos clientes que recorrem aos centros. por exemplo. isto é. sofre injustiças bem piores e muitas dessas injustiças são causadas pelos próprios profissionais que acabam se sujeitando a um tipo de trabalho um tanto marginalizado no centro de reabilitação. No entanto.reconheçam. pois argumentam diretores que. seja por pressão de outros profissionais. encontramos vários centros que não contam nem pretendem contar com psicólogos. então. uma prótese. cabendo também aos seus profissionais lutar por uma boa definição de sua atribuição. Reabilitação propriamente dita . embora vivendo hoje em dia como profissão auxiliar da medicina e sendo mal interpretada. o máximo que às vezes sucede é o médico tentar questionar o papel do psicólogo como válido. Devido ao fato lamentável de não termos cursos de reabilitação. obtém-se com facilidade o aval de diretores da organização. fonoaudiologia. É com os profissionais de serviço social. pois o mercado de trabalho vai ficando difícil e um profissional de nível superior precisa de emprego. não se requer diploma de curso superior. assistentes sociais e psicólogos. graças a financiamentos do governo ou do sistema previdenciário. que ocorrem os mais sérios atritos por parte da diretoria de centros de reabilitação.. satisfação pessoal. ele tem um início. O centro de reabilitação é entidade “sui-generis” de atendimento a pessoas com sérios problemas marginalizantes. deve ajudar o cliente a escolher metas práticas viáveis. a avaliação poderá ir se transformando num instrumento de apoio para a continuação ou para a expansão dos serviços prestados. afinal. para levar o cliente a um ajustamento global. O objetivo básico da avaliação é fornecer dados e informações que ajudem o centro de reabilitação no processo de tomada de decisão Com isso. pois sua função é descobrir evidências dos resultados dos programas e das atividades. além de quase que infalivelmente inútil. social e profissional para enfrentar a realidade da vida. A maioria de nossos centros de reabilitação faz. estudar o assunto com cuidado para encontrar a aplicabilidade a cada centro que procura desenvolver seus trabalhos de reabilitação. a avaliação colabora definitivamente na melhoria dos serviços. esse deve ser através do estabelecimento de sistemas de avaliação: Avaliar um centro de reabilitação não é e não pode ser o mesmo que avaliar outro tipo de instituição social ou entidade de assistência médica. no melhor aproveitamento e no aprimoramento de seu pessoal técnico e administrativo e na mais adequada alocação de recursos destinados ao seu desenvolvimento. psicológica. basicamente. uma técnica administrativa que se destina a alimentar a direção da organização com a finalidade de aprimorar cada vez mais sua atuação. Conforme as evidências dos resultados denotarem que o centro de reabilitação vai chegando mais próximo de seus objetivos e vai atingindo suas metas. verificamos que muita coisa anda bem fora dos parâmetros corretos e que algo de muito sério precisa começar a ser feito. como todo caminho.tão generalizadas que se torna muito difícil repetir frases verdadeiras como esta: “O centro de reabilitação deve desenvolver seu serviço de forma integrada e coordenada. faz algum treinamento profissional um tanto marginal e conta com alguns profissionais que se debatem e procuram (ou não procuram) seus papéis reais. preservam e desenvolvem a capacidade física. Uma avaliação que transmita a informação pura e simples da adequacidade ou da impropriedade de uma atividade num centro de reabilitação. nas quais haja oportunidade para a independência. Quando relembramos que a reabilitação. fisioterapia. mas precisa ser programada e acontecer periodicamente. ser feito para melhorar a situação de vários de nossos centros de reabilitação? O caminho para situações mais adequadas é bastante árduo e repleto de problemas. para que aqueles que têm a missão de planejar. acaba . portanto. Em nosso modo de ver. A avaliação tem propósitos utilitários. supervisionar ou dirigir. como processo. Esta verdade precisa ser dita e repetida por mais que ela soe inexeqüível. Procuremos. faz terapia ocupacional. possam julgar e tomar decisões adequadas no presente e no futuro. infelizmente. . sim. Ela não é e não pode ser uma atividade isolada. Ela é. . na maior rentabilidade dos investimentos financeiros feitos. Resta perguntarmos: O que pode.*Modelos de avaliação* Não existe nenhum modelo de avaliação que seja adequado a todas as situações. a fim de que tenha condição de se reintegrar à sociedade”. As exceções existem e elas confirmam a regra. oferecendo uma bateria de serviços multidisciplinares que restauram.*Métodos de avaliação em centros de reabilitação* Avaliação é uma formulação de juízos a respeito do sucesso de um centro de reabilitação ou de qualquer outro tipo de empreendimento. contribuição social e outras. E. pode ser o usuário que retribui remunerativamente pelos serviços prestados. Embora entre nós. e esse tipo de responsabilidade precisa ser gradativamente bem estabelecido e enfatizado. b) O "público" financiador . o do claro estabelecimento do grau de responsabilidade perante seus "públicos". qual o grau de responsabilidade de um centro de reabilitação perante seus públicos. O grau de responsabilidade de um centro para com as famílias pode ser facilmente delineado.é aquele do qual provém o numerário destinado à cobertura das despesas de todos os gêneros. estadual. No entanto. Dentre alguns dos sistemas reconhecidos pelos estudiosos do assunto o mais aplicável poderá ser. ser aplicáveis a programas gerais de reabilitação ou a centros de reabilitação como empreendimento isolado. Entretanto. Há diferentes tipos de "público" para um centro de reabilitação: a) O "público" em geral ou seja. as famílias dos clientes de um centro de reabilitação merecem consideração e respeito e assim devem ser tratadas. . doadores.pode parecer espantoso para certos tipos de entidades voluntárias dever satisfações ao público-clientela. ou municipal. A clientela tem direito aos serviços de um certo padrão. ao desenvolvimento dos programas. a sociedade da qual faz parte. ele tem direito a certa atenção e o centro tem definitivamente certo grau de responsabilidade para com ele. . pois muitas vezes encontramos exatamente no seio delas as maiores distorções quanto aos princípios básicos de sua atuação. sócios beneméritos.*Sistemas de avaliação* Não é fácil nem prático indicar qual seria o melhor sistema para avaliar um centro de reabilitação. O que sucede no Brasil é que as entidades sociais acham que pelo simples fato de existirem já fazem muito. não apenas nos casos de crianças como também de adultos das mais variadas idades. A avaliação precisa contribuir com os tipos de dados que dêem aos diretores de um centro de reabilitação a possibilidade de fazer suas opções dentro do contexto em que atuam. e também a entidades sociais afins. em nossa opinião. é ela de considerável importância. Tais considerações a respeito de avaliação podem. Verifiquemos então. à construção ou reformas. d) O "público" das famílias da clientela . Pode ser o governo federal. Assim sendo. No entanto.sendo prejudicial trazendo em geral conseqüências indesejáveis. O "modus fasciendi" brasileiro coloca as entidades sociais e médicas num pedestal inatingível. é aconselhável que o modelo de avaliação adotado e os avaliadores (que devem ser profissionais de alto gabarito e grande vivência de reabilitação) tenham muito mais a dizer e a sugerir do que simplesmente relatar que a atividade está ou não atingindo seus objetivos parcial ou integralmente. achamos tal tipo de posicionamento muito correto. evidentemente. dignidade e potencialidade do ser humano. brasileiros. os componentes da comunidade onde o centro atua. entidades conveniadas.O centro de reabilitação tem uma séria responsabilidade para com as famílias dos clientes. As equipes de profissionais que trabalham em centros de reabilitação precisam se voltar para ela e ficar alertas a esse respeito. c) O "público" clientela . esse tipo de responsabilidade seja um tanto relativa e bastante diluída (indefinida talvez seja o melhor termo) e as entidades sociais não a sintam nem se preocupem com ela. podem ser empresas participantes. por não acreditarmos em reabilitação a não ser que seja sedimentada nos princípios de respeitabilidade. e quais seriam esses públicos. a comunidade merece uma atenção. Seja qual for o público financiador. inquestionável. em resposta a indagações como esta: O centro de reabilitação deverá continuar seus trabalhos ou não? O centro ampliará.Esta decisão relaciona-se com as eventuais opções em termos de "modus operandi". . poderá ter que enfrentar alguns tipos de decisão. ao sistema interno de funcionamento técnico ou administrativo e muitas outras.e) O "público" das entidades .*Controle num centro de reabilitação* Verifiquemos o que é controle para determinarmos sua utilidade num centro de reabilitação. reduzirá ou simplesmente manterá suas atividades? O centro deverá reformular ou manter seus objetivos? b) Decisão estratégica . às atividades rotineiras nele existentes. que usam os serviços do centro. Em palavras diferentes. Controle é uma função administrativa intimamente ligada à avaliação. três tipos de decisão poderão ser tomados: a) Decisão política . que se destina a medir e a corrigir o desempenho das diversas atividades a fim de se assegurar que os objetivos sejam realizados. como atingi-los após sua reformulação. ou dos objetivos vigentes. . Ao tomar alguma atitude séria a respeito do trabalho avaliativo e seus resultados. se analisadas sob ângulo correto. decidida numa tomada de decisão de alto nível? Como interferir para manter os padrões aceitáveis e recomendáveis de atuação técnica? c) Decisão tática . numa comparação intencional com os resultados esperados ou planejados.Esta decisão deverá ser sempre a nível alto. As informações sobre fatos passados podem ser muito úteis. O estabelecimento preciso dos objetivos de um centro de reabilitação. torna mais fácil a tarefa de elaboração de instrumentos próprios de controle. controle consiste em aferir resultados. na política de pessoal. Ressaltemos neste ponto que não é de utilidade tentar controlar fatos passados. Muitas vezes encontraremos profissionais das áreas técnicas achando que o controle em alto nível será mais do que suficiente. na medida em que esses desvios ocorrem. Há providências na vida administrativa.*Conseqüências de uma avaliação* Um centro de reabilitação não poderá nem deverá ficar imobilizado após um estudo avaliativo. Controlase o presente. Assim é que poderemos colocar o centro em situação própria para resolver pendências como estas: Quando analisados os objetivos. na gestão financeira e mesmo na atuação técnica que muitas vezes precisam ser tomadas após uma análise avaliativa. no fluxo de papéis.*Sistemas de controle utilizáveis em centros de reabilitação* Qual poderá ser o melhor sistema de controle num centro de reabilitação? Sem maiores preocupações poderemos afirmar que o melhor sistema de controle que um centro de reabilitação poderá adotar será aquele que indicar com clareza e objetividade os desvios do plano originalmente traçado. para ele encaminhando casos ou dele recebendo encaminhamentos. Conforme o interesse da direção do centro de reabilitação. se tudo está de acordo com os princípios básicos estabelecidos. além de ser uma condição "sine qua non". com a clara presunção de que o controle em níveis .Sejam essas entidades conveniadas ou não. para a elaboração de julgamentos quanto à Situação atual e à formulação de planos que possam eliminar ou corrigir desvios notados no presente. havendo inquestionável grau de responsabilidade para com elas. .Este tipo de decisão diz respeito aos problemas de atuação prática do centro de reabilitação. também merecem respeito. Consiste o controle em verificar cuidadosamente se tudo ocorre corno foi planejado originalmente. de prestar serviços cada vez mais adequados à sua clientela.inferiores passa a ser supérfluo. seus profissionais terão maior e melhor participação. merecem melhor consideração que certamente surgirá se todos estiverem realmente voltados para a perfeita adequação do recurso moderno e muito importante que é um centro de reabilitação. A avaliação pretendida para um centro de reabilitação não é do tipo auditóriocontábil. dessa forma. N. Ela deve estar voltada para as soluções viáveis. c) Dependendo do sistema a ser adotado ou da finalidade ele deve ser efetuado através da própria direção do centro de reabilitação. . As informações sobre os desvios devem fluir com rapidez para o nível que é responsável pela decisão. Evidentemente essa observação não é válida "in totum" para problemas de ordem técnica de cada área profissional dentro da equipe do centro de reabilitação. Mais do que isso. Sua programação melhorará. sendo menos recomendável ainda controles de difícil compreensão.III Congress of the Intl. . 1978.New York.R. ACTON. Não é recomendável montar esquemas caros e sofisticados de controle. (Basel. o controle nos níveis altos só se realiza com adequação quando for bem realizado nos níveis inferiores.D. de ordem técnica e administrativa. Os problemas advindos da inexistência de análises avaliativas num centro de reabilitação sempre foram notórios e não podem perdurar. conforme for o caso.The Global Dimensions of Disability . seus clientes serão os maiores beneficiados. . ou do sistema diretivo do programa. suas famílias. como pura rotina e não como medida especial. assumindo gradativamente o papel de respeitabilidade que merece numa comunidade.*Características do sistema de controle* As características desejáveis de um sistema de controle implantado num centro de reabilitação poderão ser as seguintes: a) Deve refletir sempre a natureza daquilo que é indispensável às atividades do centro. Esses problemas são perfeitamente superáveis. a comunidade onde ele se insere. . Sua simplicidade e clareza são os requisitos básicos de seu sucesso.I. Todos os instrumentos de controle do nível operacional ou dos trabalhos administrativos. Terá condições. sua equipe de profissionais. A avaliação não pode nem deve ser a mera análise crítica das atividades de um centro de reabilitação.Rehabitation Medicine Ass. Swiz. o seu público financiador.S. devem ser específicos àquele nível ou aos trabalhos indicados. Na verdade.) . a fim de que o responsável possa tomar as providências próprias que corrijam os desvios notados eliminando dessa forma a repetição ou mesmo a perpetuação de lapsos. BIBLIOGRAFIA DA SEGUNDA PARTE. por exemplo. deverá ser facilmente compreensível. b) Deve mostrar com presteza os desvios ocasionais. A conclusão lógica que tiramos é que um centro de reabilitação só poderá beneficiar-se da montagem de esquemas de avaliação e do estabelecimento de sistemas objetivos de controle de suas atividades. O ser humano que precisa dos serviços de um centro de reabilitação. d) O controle deverá ser simples e econômico. L. 1978. BRACELAND. . J. 1972.Chicago.A.The Disabled in Developing Countries .D.Gomen Scientific Publications . W.New York. 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