A dor em dobro da rejeição reabertaO ideal seria a exigência de um sério processo preparatório para a adoção 14 de junho de 2009 | 0h 12 Leia a notícia • Email Imprimir A+ A• Compartilhar Lidia Weber* - O Estado de S.Paulo Recentemente uma notícia sobre a adoção de uma criança perturbou o imaginário de todos que refletem sobre parentalidade e filiação. Um casal conheceu uma menina de 8 anos em um abrigo, fez visitas por seis meses e pediu sua adoção. O casal ficou com a menina, cujo nome foi trocado sem autorização judicial - durante oito meses e a devolveu ao juizado sem apresentar justificativa. A menina, que já chamava o casal de pai e mãe, voltou ao antigo abrigo sem saber explicar o que aconteceu e confusa em relação ao seu nome e identidade. Uma ação pública foi impetrada pelo Ministério Público e a Justiça deferiu que o casal será obrigado a pagar pensão para a criança no valor de 15% dos seus vencimentos mensais, a qual será utilizada para custear o tratamento psicológico particular da criança. Infelizmente, apesar de a adoção ser legalmente irrevogável, esse tipo de "devolução" não é incomum no Brasil, e ocorre durante a guarda provisória ou após a adoção ter sido concretizada. Inéditos foram o pedido do Ministério Público e o deferimento da Justiça, apesar de esta ter demorado dez meses para sua decisão. Será que esses adotantes foram preparados de maneira correta? Será que essa menina teve algum apoio psicológico antes, durante e após a devolução? A rejeição de um amor parental é uma das maiores dores do ser humano. Sabemos que isso não ocorre somente com famílias por adoção. As famílias geneticamente constituídas não "devolvem", mas podem maltratar (90% da violência contra a criança ocorre em casa), abandonar, machucar emocionalmente, negligenciar... Aliás, contrariando o senso comum, dados antropológicos mostram que maus-tratos em famílias por adoção ocorrem com muito menor frequência do que em famílias biológicas. A adoção é uma instituição com séculos de existência. Desde as primeiras civilizações, costumava-se adotar uma criança como uma forma de manutenção da família ou para perpetuar o culto ancestral doméstico. O objetivo principal não era necessariamente "proteger a criança"; a adoção tinha somente o objetivo de ser um instrumento para suprir as necessidades de casais inférteis e não como um meio que pudesse dar uma família para crianças abandonadas. Essa modalidade de adoção é conhecida como "adoção clássica", e ainda hoje, no Brasil, predomina em detrimento da chamada "adoção moderna", cujo objetivo é garantir o direito a toda criança de crescer e ser educada em uma família. O Brasil herdou o modelo português das Santas Casas de Misericórdia em relação à "proteção" de crianças. Durante séculos o nascimento de um filho "ilegítimo" foi ostensivamente reprovado, ocasionando inúmeros abortos e infanticídios. Tentou-se criar um mecanismo social, embora hipócrita, que solucionasse esses escândalos - a roda dos enjeitados ou dos expostos, que permitia o abandono anônimo de bebês. As "rodas" existiram no Brasil até a década de 50 e fomos o último país do mundo a acabar com elas. A história mostra que, até final do século 19, havia famílias - ditas beneméritas - que criavam as crianças como agregadas. No entanto, tais famílias nem sempre eram tão beneméritas, pois acabavam retirando as crianças das instituições para que elas servissem como serviçais domésticas em suas casas. Muitos séculos se passaram, mas uma pesquisa que realizamos há alguns anos revelou que ainda existem pessoas que acreditam que "é possível adotar uma criança mais velha para que ela ajude nos serviços de casa". Em algumas culturas existem poucas crianças abandonadas, mas no Brasil milhares de crianças vivem em instituições e dezenas de recémnascidos são abandonados em lugares públicos e não há sequer estatísticas oficiais para saber os número corretos. A implementação do Cadastro Nacional de Adoção, há cerca de um ano, mostra pouca eficácia, ausência de recursos e treinamento e passou a esconder ainda mais as crianças que vivem em abrigos, pois somente são colocadas no cadastro aquelas cujos pais foram destituídos do poder familiar, que não passam de 10% das crianças abrigadas. Quais são os antecedentes que nos revelam o descaso pela criança, apesar de termos o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990), considerado um dos mais avançados do mundo? Em países desenvolvidos os adotantes devem passar obrigatoriamente não apenas pela parte burocrática, mas por um longo e sistemático processo de preparação para a adoção. Em caso de adoções tardias, comuns em outros países, a preparação e apoio psicológico também se estendem à criança. No Brasil, raros são os Juizados da Infância que oferecem essa real preparação aos adotantes e à criança e há muitos que nem sequer possuem equipe técnica para a questão. Simplesmente "examinam" e "selecionam", o que pode significar simplesmente aprovar os documentos solicitados e realizar uma visita à residência dos candidatos. Quando existe algum tipo de "preparação", geralmente são realizados poucos encontros e quem os faz é parte da sociedade civil, membros de grupos de apoio à adoção, associações geralmente formadas por voluntários que doam seu tempo com o objetivo de fomentar uma consciência para o papel social da adoção no País. Alguns juizados nem reconhecem essa tentativa heroica e altruísta dos grupos de apoio, enquanto outros, mais engajados, fizeram-na parte obrigatória do processo. Uma preparação para a adoção vai além de uma educação para a parentalidade genética, mas a engloba completamente. Quem deseja adotar uma criança deve aprender a lidar com a frustração da infertilidade (se esse for o motivo da adoção), conhecer outras famílias adotivas, tolerar a espera do processo, adquirir habilidades para lidar com preconceito, saber falar da origem da criança, entender as dores do abandono, especialmente em uma adoção de criança mais velha, etc. A educação para ter um filho, genético ou adotivo, refere-se a uma reflexão sobre as próprias motivações, riscos, expectativas, desejos e medos. Filhos, genéticos ou por adoção, não estão no mundo para atender às necessidades dos pais, não são cópias nem massa de modelar, não devem servir nem como expiação à culpa nem como instrumentos de caridade. Filhos são seres únicos cujos pais assumiram o compromisso de guiar, socializar e auxiliar o seu desenvolvimento, que inclui a noção de afeto que levará durante toda sua vida. Preparar-se não quer dizer somente o momento que antecede o ''ter um filho'', mas a consciência de que essa educação deve ser contínua, pois pessoas estão sujeitas a mudanças e estão sempre em um processo dinâmico de construção e reconstrução. Educar-se para ter um filho é estar pronto para acolher e ter a função de um porto seguro. Para sempre. *Psicóloga, professora e pesquisadora da UFPR, pós-doutora em Desenvolvimento Familiar e autora de Pais e Filhos por Adoção no Brasil (Ed. Juruá) Tópicos: , Suplementos, Aliás . Adotado ou Rejeitado? Adoção é o Ato jurídico que cria, entre duas pessoas, uma relação análoga, que resulta na paternidade e filiação legítima, mas mais do que um ato jurídico, é um ato de amor. Existem dois tipos de adoção na legislação brasileira: Uma, quando o adotado é maior de 18 anos, prevista no Código Civil Brasileiro, art. 368 e seguintes, dentro do Direito de Família, deferida no interesse dos casais, que é a adoção contratual. Aperfeiçoa-se com a lavratura de escritura, averbada no registro civil de nascimento do adotado. Sanguessuga Emocional Famílias Descartáveis Outra, é a prevista no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei 8.069/90 de 13 de julho de 1990, que cuida dos interesses dos menores, desassistidos ou não, sem qualquer distinção. Cabem aqui, os casos em que, apesar dos adotados já terem completado 18 anos, já estavam sob a guarda dos adotantes, esperando apenas o desfecho da ação. No Brasil, é comum um tipo de adoção, que é chamado de "adoção à brasileira" que consiste em registrar uma criança em nome dos adotantes, sem o devido processo legal, isso é considerado crime. O maior requisito para adotar uma criança, é a disponibilidade de amar. Ser pai ou mãe não é só gerar, é antes de tudo amar (Vera Helena Vianna do Nascimento). Quando pensamos em adoção não podemos falar só sobre a questão jurídica, mas pensar também nas questões emocionais que a criança e os pais passam. Atendi um homem de 28 anos que não conseguia se dar bem na vida, formado em engenharia, não conseguia emprego e estava prestes a entrar em uma depressão, tudo que começava não conseguia terminar, nem seus relacionamentos. Em tratamento conversamos sobre a questão de que ele havia sido adotado e tinha uma grande frustração de não conhecer os pais biológicos, e os pais atuais estavam separados, além disso, não conseguia aceitar a pessoa do pai. Esse homem tinha uma grande pergunta: ?Porque meu pai me rejeitou? Depois de alguns meses de tratamento conseguimos um resultado excelente, ele pode conhecer seus pais biológicos e saber o porque da rejeição, também aceitou e perdoou os dois pais, dois meses depois conseguiu emprego e hoje está vivendo muito bem. Os especialistas dizem que se uma criança cresce sem a presença dos pais ele desenvolverá algum transtorno psicológico, pois não terá referências, nem o modelo feminino e masculino e nem a vivência do amor materno e paterno. Falamos aqui. psicanalista clínico. segundo a qual as relações interpessoais ocorrem de uma forma harmônica e complementar. a imaginação. Toda criança tem direito de ter uma família.Uma pesquisa feita nos USA relata que as crianças adotadas podem apresentar distúrbios de comportamento. doutor em aconselhamento e cuidado de família. isso ajudará a criança adotada a ter saúde integral. nós não podemos nos esquecer que também fomos adotados por Deus. terapeuta de família e comunitário. não no sentido aritmético. É o filho que dá sentido ao casal. “O filho é a resultante esperada da relação homem-mulher. Gálatas 4:5. Essa observação vem a propósito da tentativa de entender o sentido do filho para a pessoa humana. é da interação dessas três forças – que oferecem. o conjunto” (Cf. mas. E se nos sentimos rejeitados. podemos nos confortar com esses textos e afastar a possibilidade da rejeição. Pelo contrário. assim como a semelhança pressupõe a diferença. mesmo que. Schettini). Essa realidade pode atrapalhar na adoção. é como se o equilíbrio se completasse a partir de um terceiro referencial. O sonho não é antagônico à realidade. Sem dúvida. apoio e harmonia no sistema de dar e receber – que surge a verdadeira unidade. Presidente do "Conselho Metropolitano de Pastores e Ministros da Baixada Santista". É oportuno lembrar que a unidade pressupõe a diversidade. mas no sentido de uma dimensão ética. a idéia compõem o cenário da montagem da realidade. mas avisam que não são motivos para pararem a adoção. Luiz Henrique de Paula é pastor. Aliás. todo ser humano não sabe trabalhar bem com perdas. reciprocamente. Efésioa1:5. que na grande maioria convivem com a perda de não poder ter filho. está incrustado na sua origem. nesse caso. Para que haja uma boa adoção precisa haver uma vida pessoal saudável emocionalmente e no relacionamento dos pais adotivos. principalmente quando os pais acabam superprotegendo a criança ou até vivendo frustrações e medos de que seu filho um dia vá embora. ás vezes. de uma triunidade. por isso quero aqui incentivar a adoção e o investimento de pais cristãos na vida dessas crianças. O filho será sempre um sonho. as diferenças – que marcam o caráter na individualidade – aproximam e deixam transparecer o todo. O pensamento. se torne um pesadelo diante das fantasias e dos desejos que acalentamos em nosso psiquismo. Do outro lado da adoção estão os pais. UMA PSICOLOGIA DA ADOÇÃO Luiz Schettini Filho Na experiência humana a realidade será sempre precedida de um sonho. o maior causador disso é o mau trato nos cuidados peri-natais ou os genes dos pais de nascença. . Sonho e realidade se complementam no processo de geração e interação com o filho. portanto. Romanos 8:15. aplica-se aqui a observação de Ilya Prigogine: “O possível é mais rico que o real”. As relações entre as pessoas se deterioram muito mais pelo “não-dito” do que por aquilo que. precisamos mais de expressões de afeto do que de pressões pedagógicas. que o amor vem antes do conhecimento. Há alguns pressupostos que devemos examinar para compreender como o filho biológico de uma pessoa torna-se verdadeiramente filho de outra pessoa através das ligações de afeto. Temos o direito de construir fantasias a respeito de nossos filhos. porém. todos os filhos precisam. mais ainda. O filho adotivo é engendrado dentro de quem o adota. sem exceção. ser adotivos. As dificuldades nas relações interpessoais poderão surgir muito mais pela manutenção dos segredos do que pela revelação da verdade. é imprescindível que não se perca a dimensão da realidade histórica. O amor é a conseqüência de uma disposição interna que se estabelece independente de termos um arsenal de informações a respeito do filho. se inscreve em um contexto de impossibilidades. O filho adotivo não é uma prótese que venha substituir uma deformidade. A criança adotiva precisa ouvir a sua história para poder ouvir a si mesma. precisamos rever o conceito de maternidade/paternidade. A verdade é o fundamento de uma relação de afeto duradoura. Não se trata de montar um sistema operacional que leve a localizar uma criança para torná-la filho. Outros os geram. A adoção. permanecemos amando quando sabemos quem ele é verdadeiramente. O filho adotivo não vem de fora. é imprescindível estabelecer uma relação afetiva. tanto quanto acontece com aquele que o gera biologicamente.A busca do filho resulta. de uma conjunção ética e não simplesmente de uma conquista genética. necessariamente. E isso nos leva. Nós o amamos apesar de não saber como ele será e. vem de dentro. não interfere na relação de afeto que já se estabeleceu. Em primeiro lugar. mas não temos o direito de exigir deles que realizem a arte-final dos esboços que concebemos. até porque não existe o homem real sem uma história. A experiência clínica nos mostra. “Sem confiança. na interação com o filho. às vezes. gerados por nós ou não. É dentro do âmbito da relação ética que se constrói a real parentalidade. Amamos o filho muito mais por suas possibilidades do que pela garantia que possa nos dar da realização de nossas fantasias. à exposição da verdade biográfica. Isso nos leva a pensar que a verdadeira parentalidade se fundamenta no vínculo afetivo. a verdade não machuca quando vem acondicionada no afeto. mas esbarram na impossibilidade de criá-los. Sobretudo. portanto. para alguns pais que incorporaram a parentalidade adotiva. o que se realiza através do conhecimento de sua origem. É nesse ambiente que se processa a adoção. Uns adotam filhos por não poderem gerá-los. Por essa razão. o filho que se adota é o filho que. Na relação adotiva o apego afetivo cresce de importância pela inexistência da ligação biológica na parentalidade. O filho adotivo transita dentro dessa conceituação do “possível”. aos poucos. Manter em segredo as coisas que estão ligadas à vida é decretar. Schettini). Em terceiro lugar. não podemos dissociar a relação parental adotiva das vinculações de afeto. o amor ao filho. cabe lembrar que o conhecimento de características pessoais e informações históricas da vida pregressa do filho adotivo. ser adotados afetivamente. precisam. isto é. Não precisamos conhecê-lo para que o amemos. que ao filho amamos antes de conhecê-lo. precisamos mais do que gerar. Por essas razões. torna-se necessário uma incursão na dinâmica psicológica da adoção. Quem gera filhos é genitor. Em segundo lugar. morte e destruição” (Cf. Para atingirmos a condição de pais. O não-dito torna-se uma crueldade. inevitavelmente. Com certeza. O grande desafio que temos diante de nós é transformar o puramente biológico em marcadamente afetivo. A essa altura. A adoção não pode ser encarada apenas como um fenômeno operacional. É a convivência afetiva que dá . afetivamente. conduzida pela convivência afetiva. Poderíamos dizer até. É como se a verdade histórica revelada pudesse destruir o afeto entre pais e filhos. é “gestado” no psiquismo de seus novos pais. O poder de uns se impõe ao não-poder de outros. com certeza. dizemos. isto é. colocando todos os filhos no mesmo nível de importância. O alicerce da consciência parental está no sentimento de que adotar um filho implica um processo de “incorporação”. a convivência entre as pessoas se torna uma farsa e. Sem dúvida. como de dentro vem o filho biológico. por conseqüência. a criança adotada necessita estabelecer ligações com sua história pessoal. produz interferências nas relações interpessoais de pais e filhos adotivos. que o apego afetivo. Essa questão. agressão e injustiça. os filhos. Aqui vale considerar. quando não um motivo de pânico. como continuamos amando apesar de chagar a conhecê-lo. não temos o direito de mutilar sua biografia. Assim. Isto é. que se estabelece através da criação – que não se confunde com “educação” – faz da relação parental adotiva uma peça inconsútil. Por essa razão. Dizer a verdade sobre a origem à criança adotada tem sido um desconforto. entretanto. mas reservamos um espaço final para fazer uma referência a alguma coisa inacabada que fica no psiquismo da pessoa adotada que não teve a oportunidade de conhecer sua mãe de origem. pelo menos por um período do seu desenvolvimento. temos observado que aqueles que se tornam adultos e geram os seus próprios filhos. independentemente da causa pela qual não a “adotou” como filha. Do seu ponto de vista. 1991. Em quinto lugar. Il Figlio Altrui. Não existe interação pai-mãe-filho sem que haja uma relação de amor. Quando Tudo não é o Bastante. A “contigüidade afetiva” nos garante o embasamento para uma comunhão parental. de um modo geral. Porto Alegre. não podemos ignorar que a criança adotada vive. Ao longo de trinta anos. porém. Le Problematiche Psicologiche dell´ Adozione Nacionale e Internazionalle. Essa síndrome de rejeição se resolve ao longo da convivência afetiva durante a primeira infância. As dificuldades que encontramos na relação com os filhos adotivos não diferem na sua essência das mesma que enfrentamos com aqueles que não têm uma história de adoção. Recife. As diferenças não são deficiências. mesmo que não consigam identificá-las.. no sentido das ligações que “garantem” sua existência em uma comunidade familiar. Bagaço. Essa é a primeira fonte de rejeição. Em quarto lugar. Françoise. Trad. Livraria Nobel S. procriar é uma condição dada pela natureza. que resulta em uma responsabilidade. que apresentam. que compõem nosso patrimônio de pessoa. Sem dúvida. difícil de assumir. Percebemos.. Referências bibliográficas: BARLETTA. DOLTO. Luiz Filho. Alguns outros aspectos da psicologia da adoção poderiam ser considerados. SCHETTINI. é interpretada como a existência de uma fragilidade ou mesmo como uma declaração de incompetência. uma certeza de que no filho há o registro de sua história genética. criar é uma responsabilidade no âmbito da ética entre os homens. no entanto. Milano. Harold Kushner lembra: “Nenhum de nós consegue ser verdadeiramente humano em situação de isolamento. como todos a temos por conta do nosso caráter de individualidade. Artes Médicas. Elizabeth e Djalma Mello. Há. Segredo e Revelação. Bagaço. ela se sente rejeitada pela mãe de origem. criar é um processo. Adoção: Origem. naquele filho que geraram. Essa característica. 1988. acompanhando processos de psicoterapia de crianças e adolescentes com uma história de adoção. que os adotivos têm uma história peculiar. Recife. 1995. Società Editrice Internazionalle. Trad. são marcas pessoais. Tillich).sentido à relação de parentalidade. de Alceu Edir Fillmann e Doris Vasconcellos. Françoise Dolto diz de forma incisiva: “O sujeito morre de não ter relação”. Giuffrè Editore. quando expressam de formas muito pessoais a descoberta de que. Ser aceito torna-se uma carga. . e mesmo uma mudança de comportamento. uma “tríplice rejeição”. Harold S.A. Procriar é fisiológico. 1987. SCHETTINI. Torino. Novamente nos encontramos com uma questão para a qual a saída é o estabelecimento de uma relação de afeto. Annamaria. ao invés de indicar fragilidade. A aceitação. Amar aquele que tem dificuldade de ser amado seria a suprema demonstração da humanidade dos humanos. que muitas vezes existe. Dificuldade de Viver. alguma dificuldade de aceitar a aceitação (Cf. a experiência nos mostra que há pessoas com uma história de adoção. Gaetano. demonstram satisfação. Procriar é um momento. 1986. para essas pessoas. criar é afetivo. S. mesmo que a impossibilidade tenha decorrido de sua morte. do receio que os pais adotivos têm de não ser aceitos pelo filho adotado. Italia. As qualidades que nos fazem humanos só emergem através das maneiras pelas quais nos relacionamos com os outros”. KUSHNER. O amor é a única emoção que precisa ser alimentada continuamente para que possa subsistir. muitas vezes. PE. Compreendendo o Filho Adotivo. A segunda surge como decorrência de seu medo de não ser aceita como filha pelos pais adotivos. Luiz Filho. A terceira resulta do reflexo. existem características genéticas dos pais de origem. Italia. Que semelhanças tem ela com a mãe que a gerou? Parece que fica um hiato na construção de sua imagem física. Paulo. aponta para sua importância e mostra que a vida exige uma participação vigilante para que se mantenha com sentido. DELL´ANTONIO. . Cúmplices do destino . 1999. A ADOÇÃO E O INCONSCIENTE: UMA ABORDAGEM SIMBÓLICA DA PSICOLOGA ANALÍTICA Antonieta Maame Zimeo “Entre a raiz e a flor há o tempo” (Carlos Drummond de Andrade) Falar sobre a adoção é sempre uma vivência carregada de muita emoção para mim.PE. Este é um trabalho de pesquisa teórico-prático que se iniciou na década de 80. E é com a linguagem da alma que exponho a presente elaboração. apenas três tópicos. A Coragem de Ser. Trad. Paulo. a saber: 1. entre tantos outros aspectos analisados.A. S. 1976. de maneira sintética. Expressões simbólicas 2. Mitos e deuses 3. TILLICH. e que ainda continua. Editora Paz e Terra S. Eglê Malheiros. por eu estar envolvida com esse tema até a minha própria alma. neste momento serão abordados. Paul. sendo que. os casos a serem citados se referem à adoção mal sucedida. sabe porém inconscientemente. tendo assim iniciada esta jornada de busca. dicotomizado e cindido a nível psico-emocional. são em última instância manifestações do inconsciente. ou seja. O abandono é uma condição que geralmente antecede a adoção. não chegaram ao consultório. sendo aqui em específico focalizados os casos de não conhecimento consciente da adoção por parte do adotivo. pessoas não adotadas podem também apresentar expressões similares a estas. não intento levar ao descrédito a adoção enquanto alternativa mais válida para as crianças sem família ou institucionalizadas. e quando não se torna consciente da sua condição. uma vez que são incontáveis os casos de adoções bem sucedidas. Esclareço que. dentro das relações que se estabelecem no processo de adoção também ocorre a interferência de fatores inconscientes. talvez por isso. e que. podendo ser considerados como “entrelinhas” do processo de adoção. mediada. Entretanto. Faz-se mister esclarecer que. e uma série de acontecimentos “coincidentes” ao tema circundaram a minha vida profissional.No decorrer da minha prática psicoterápica observei que muitos casos atendidos eram de adotados. portanto. uma vez que os temas abandono e rejeição são universais. o inconsciente sabe da . que denomino “pseudoadoção”. A experiência tem me mostrado que quando o adotivo não sabe conscientemente que o é. 1. tanto por fatores conscientes quanto inconscientes e. mas sim. cujo reconhecimento e conscientização promovem a saúde psíquica. uma vez que os aspectos sutis a serem citados. uma adoção parcial frente à qual o adotivo vê a si próprio parcialmente. Parto do princípio de que toda a relação humana é organizada. e sendo o abandono e rejeição arquétipos. um olhar simbólico. o que me levou a indagar o “porquê” e o “para que” desse tipo específico de paciente. Expressões simbólicas A explanação do material clínico a seguir não tem por base uma postura interpretativa. o seu processo de individuação pode ser obstruído desde a infância. são arquétipos. A maneira como o consciente da criança adotiva (que não sabe que o é) reage. exatamente através dele que ocorre o conhecimento inconsciente da díade abandono-adoção. Caso nº 1: Uma menina. Durante a anamnese os pais me relataram que além deles eu era a única pessoa que então passava a saber sobre a adoção. não é de verdade. etc. na sessão. O inconsciente vai estar incessantemente fornecendo “avisos” de algo oculto para a consciência. é semelhante ao de qualquer outra criança. Na fase do psicodiagnóstico. as tentativas da consciência de entrar em contato com os complexos são inicialmente do tipo mágicoapotropáico. de 8 anos de idade. a criança espontaneamente me contou esse sonho e lhe solicitei que o desenhasse. fantasias. ou seja. porém nesses casos sem poder atuar conscientemente. um estado de sofrimento psíquico. o casal decidiu adotar uma criança. retornando para a cidade anterior quase dois anos depois. é só bobagem da minha cabeça”. isto é. estórias. Segundo a Psicologia Analítica. encaminhada pela escola para o atendimento psicológico. chamando-os de “imaginações”. . considerando-os como não existentes. pois aquilo que se nega a existência não existe. que se depara com situações não informadas acerca de sua pessoa. O símbolo é uma espécie de instância mediadora entre a incompatibilidade do inconsciente e do consciente. constituindo assim uma forma de assimilação. e ela me respondeu: “ah! foi só um sonho. Nesse mesmo dia. tentativas de exorcizá-los. portanto. através dos símbolos manifestos em sonhos. não adotiva. com uma menina que para todos era filha biológica deles. Mudaram para outra cidade. desenhos. entre o oculto e o revelado. e na seqüência lhe perguntei o que achava do mesmo. é.condição da adoção mesmo que a consciência não saiba. a mãe me telefonou em desespero contando o sonho que a menina lhe relatara: “eu ontem sonhei que você não podia ter nenê e foi pegar um numa casa que tinha um monte para escolher e você escolheu eu”. uma forma de negação. Após a confirmação da esterilidade materna. dado que nem o próprio pediatra. devido a problemas de aprendizagem. parentes e amigos sabiam. porém tudo foi planejado para que ninguém soubesse. ocasionando um conflito. .. mantém-se uma espécie de furo na . A. Geralmente.] nos casos de perda de uma figura parental em tenra idade em que não houve uma substituição adequada. muito triste. portanto... e as estórias versavam sobre o tema do abandono. reaparecendo como sintomas muitas vezes neuróticos. Nos testes projetivos como o HTP. e não pela adoção mal sucedida em si. essas crianças pareciam ter um enorme “buraco” afetivo emocional interno incapaz de ser suprido. Sobre isso. o desenvolvimento de uma pessoa. porque a mamãe passarinho abandonou o ninho. (Zimeo. ela não viu que o ovo com o filhote tinha caído no chão. porque quando foi levar comida para o filhote. era comum a árvore ser desenhada com um buraco no tronco. Caso nº 2: Uma menina de 9 anos de idade. o crescimento. e uma cobra vai comer ele”. Após fazer o desenho da árvore com um buraco no tronco. manifesto pelo isolar-se socialmente. p. assimilando-a.Entretanto. resultantes das informações antagônicas entre o consciente e o inconsciente. M. o encaminhamento ao psicólogo é feito devido aos sintomas-distúrbios.. estando sempre muito insatisfeitas”. essas manobras vêm a falir e então insurge um estado de descompensação e deslocamento. Nas entrelinhas da adoção. “Na sua maioria. A consciência não é mais em condição de negar e lentamente é o complexo que se apropria da consciência. como no caso acima exemplificado. com o decorrer do tempo. ela conta: “esta é uma estória triste. a energia psíquica que se direciona para o inconsciente não consegue se transformar saudavelmente. simboliza a evolução.. o buraco nela inscrito representa simbolicamente um “furo” psíquico nesse desenvolvimento. Sem o conhecimento consciente. Edinger diz: [. A árvore de um modo geral. o ninho estava vazio e ela foi embora. pela inexistência ou deficiência afetiva da relação parental. encaminhada pela escola por apresentar comportamento depressivo.99) Este “buraco” era simbolizado nos desenhos de diferentes maneiras. quanto da dinâmica interpessoal pais-filhos adotivos. que correspondem a atributos constitutivos da emoção presente. Na fala e na escrita era comum a criança não utilizar o pronome possessivo.psique: uma importante imagem arquetípica não sofreu personalização. “a mãe da mulher” ao invés de “minha avó”. encaminhado pela escola por comportamento social agressivo e distúrbios de aprendizagem. ou a criança não se . (Anatomia da Psique. retendo por conseguinte. Em crianças acima de 9 anos de idade.. que nos exemplos supracitados. nas “entrelinhas” existem lacunas. e quando chegavam a desenhá-la. Muitas dessas crianças. quando estes inconscientemente negam que a criança é adotiva. p. ou então usar vocábulos gerais para as relações familiares. um poder primordial e ilimitado que ameaça inundar o ego caso este dele se aproxime. Tanto a palavra falada quanto a escrita retratam imagens que são configurações seja de um processo simbólico intrapsíquico. o distanciamento afetivo era o mesmo quando se referiam à criança. é um coração”. “a mulher/a mãe” ao invés de “minha mãe”. quando solicitadas. como por exemplo: “o homem/o pai” ao invés de “meu pai”. Correspondentemente na fala dos pais. pois a noção de família não foi internalizada. como assim desenhar uma família? Não sei como é!”. me perguntavam: “Família. ao desenhar a si próprio ele diz: “ esse sou eu e aqui tem um buraco. e que são inconscientemente repassados para a criança através da relação com esta. são frutos da defesa. um filho adotivo. Por detrás disso. se observou freqüente e acentuada dificuldade em desenhar a família.. No desenho da figura humana. por não ter sido de fato vivenciada afetivamente. Caso nº3: Um menino de 8 anos de idade. etc. “buracos” afetivos não elaborados concernentes à pessoa de cada um dos pais adotantes. da recíproca negação inconsciente do vínculo filial-parental. dizendo por exemplo: “o menino/a menina” ao invés de “meu filho/minha filha”. 114) Essa imagem arquetípica que não sofreu personalização é a mãe arquetípica que não pode ser constelada na mãe ou no pai adotantes. negando em última instância que é um filho. De acordo com Jung: O termo “individuação” pode [. o vazio. como conota Jung. boca.incluía no desenho. distante dos outros membros.. quando raramente se incluía. (CW.. § 465) O processo de individuação. “. O adotivo por não saber de suas origens. Dessa forma. processar a sua individuação se a sua identidade foi negada ou distorcida? Se para ocorrer o processo de individuação se faz preliminarmente necessária a integração dos conteúdos inconscientes á consciência.. se torna um ser alienado de si mesmo. § 304) 2. manifestando a ausência.. ou se desenhava numa folha a parte. porém. esse processo já no período da infância tem um obstáculo intransponível. a não identidade familiar também é expressa simbolicamente nos desenhos através de rostos sem olhos. o vazio do eu. senão daquilo que se é. Ninguém pode viver de outra coisa.. é a tomada de consciência da própria individualidade. do “eu-pai/ eu-mãe/ eu-filho”.” (CW. 14/1. 8/2. era comum desenhar a si e aos pais com rostos sem face. que faz do homem aquele ser singular que é. ou seja. conscientemente ao invés somente na medida na qual subsiste o conhecimento de um peculiar modo de ser.] A individualidade psicológica existe inconscientemente à priori. o fazer-se indivíduo psicológico. Face a isso como poderá esse ser alienado de si próprio. (CW. § 174) [. 6. Mitos e deuses . e se o adotivo não sabe conscientemente que o é. Ou ainda.] indicar somente um processo psicológico que realiza destinos individuais dados.. e o destino de “ser quem é” não se cumpre. ou se localizava na mesma folha. nariz. são inúmeros os personagens míticos que viveram essa jornada. a qual deu de beber para Perséfone. A jornada do herói (ou da individuação).As fronteiras do processo de individuação da pessoa adotiva se expandem na mitologia. Contudo. deuses terrenos. Ao terminar a gestação. o que nasceu duas vezes. indo perambular pelo mundo ao . Perséfone engravidou e novamente deu a luz a Dionísio. um percurso arquetípico e portanto. a qual não suportando a visão do deus circundado de clarões. rei dos deuses. constitutivo de todo e qualquer ser humano a nível simbólico. Zeus. Sabese que muitos heróis foram abandonados e adotados. Dionísio nasceu. e a elaboração desta tragédia constelada concretamente em suas vidas. deus da luz e do êxtase. é uma jornada míticahumana. e a persuadiu a pedir que o marido se mostrasse em todo o seu esplendor e glória divina. abandono. Dionísio foi atingido pela loucura de Hera. Hera continuou a perseguir a estranha criança de chifres. dupla-mãe. Convocado por seu pai. o mensageiro dos deuses. Será comentado o mito de Dionísio. Dionísio. para viver na terra junto com os homens e compartilhar com ele as alegrias e sofrimentos dos mortais. Por esse motivo. Zeus conseguiu resgatar o coração da criança que ainda batia. também chamado de o deus nascido duas vezes. junto com sementes de romã. ainda grávida. Na mitologia grega. era chamado de Dionísio-Iaco. princesa de Tebas. deus das trevas e da escuridão e que se tornaria sua esposa. ou seja . a costurasse em sua (Zeus) coxa. por nele residirem aspectos simbólicos capitais similares à jornada heróica da pessoa adotiva. colocando-o para cozinhar. o renascido das trevas. como por exemplo: Zeus. que acabara de ser raptada por Hades. e de Sêmele. Asclépio. fazendo-o em pedaços. enfurecida com a infidelidade do marido. Contando um pouco sobre o mito: Dionísio. e ordenou aos Titãs. mais precisamente no “mito do herói”. porém mortal. Zeus satisfez a vontade de Sêmele. a deusa Hera. disfarçou-se em ama-seca e foi ao encontro de Sêmele. vivo e perfeito. exposição. nostalgia. A esposa imortal de Zeus. era filho de Zeus. que matassem o menino. requer o esforço psíquico para o percurso simbólico do “nascimento-morterenascimento”. tombou fulminada. transformando tudo numa poção mágica. como os temas: duplo-nascimento. Páris e tantos outros. Zeus retirou a criança que ela gerava e ordenou que Hermes. Apolo. onde tomou seu lugar à direita do rei dos deuses. quer por não saber conscientemente de suas origens. que no adotivo ocorre quando a mãe e/ou o pai adotantes inconscientemente não o aceitam como filho. remete ao esquema clássico da iniciação: nascimento-morte-renascimento. através de Zeus (deus) e de Perséfone (deusa) se configura a sua mãe arquetípica a qual é projetada em quem cuidou dele. os adotivos também foram rejeitados. Dionísio mantém. só que desta vez dentro do próprio contexto da adoção. Deu à humanidade o vinho e suas bênçãos. . dos loucos e dos animais. a mãe má. permitiu-lhe retornar ao Olimpo. a possibilidade do renascimento a nível psíquico. Nesse período. pois ela não aceita a sua existência. Assim como Dionísio. e que constelará esta última na primeira. vindo a ter uma segunda mãe. porém. e concedeu ao êxtase da embriaguez. sendo que mítica e psicologicamente o mesmo ocorre com o adotivo quando tomado pelo arquétipo do abandono-rejeição. que tem uma mãe real e uma simbólica. Dionísio fica possuído. L. (Síntese extraída de: Sharman- Burke. depois quando nasce de Perséfone. que quer dizer também dupla-gestação. A deusa Hera comporta a mãe-bruxa. Dionísio conseguiu resgatar sua mãe Sêmele e revivê-la. adotivos ou não. O mesmo se observa com o adotivo. Sêmele foi sua mãe mortal. quer por não se sentir afetivamente filho dos pais adotantes.. p. uma conexão negativa com a mãe arquetípica representada por Hera (deusa que tudo fez para o aniquilar). 19-20) A afabulação do duplo-nascimento. tomado pelo aspecto negativo do arquétipo materno. pois assim como Dionísio é tomado pela loucura engendrada por Hera. A dupla-mãe refere-se a uma mãe humana e a outra arquetípica. o que compõe o complexo materno terrorífico. Aliás. que simboliza desde aqui. Greene. representado por Hera. como qualquer um de nós. A conseqüência é trágica. a adotiva. repetindo-se novamente o abandono na vida da criança. por um certo tempo. simbolicamente a face materna da rejeição. O Tarô Mitológico. o adotivo psiquicamente também se dissocia. Por fim. seu pai celestial. a redenção espiritual a todos que decidiram abandonar e renunciar à riqueza e ao poder material.lado dos sátiros selvagens. o duplo nascimento de Dionísio configura-se seja quando é gestado na coxa de Zeus e. No mito. J. o deus da transformação. E Hillman diz: Esta é a figura clássica do Puer Aeternus: o componente eternamente jovem de cada psique humana [.Zeus que sempre interfere a seu favor. ou melhor. vive esta eterna busca. Esta recomposição também ocorre quando Dionísio. (Mitologia grega.] que está sempre ansiando.. p. e nossos anseios e viagens errantes pelo mar são efeitos. É como se Zeus simbolizasse o constante chamado de quem Dionísio realmente é. qualificado de “touro” pelos poetas. o que é que morre e renasce no adotivo? Algo que ele perde e reencontra... Esse processo envolve uma busca para o interior de si mesmo. Segundo Brandão: [. Ele busca a si através da mãe.] Dionísio é o deus da metamorphosis. em nossas vidas pessoais.. I.] De fato. no sentido de que matam o neófito. Assim. Dionísio representa a criança divina que. 137 e 135) Mas afinal. é dilacerado pelos Titãs e sua carne devorada pelas Bacantes.] despedaçando animais e devorando-os. os Titãs comportam-se como mestres de iniciação. Nosso pothos refere-se a nossa natureza angelical.. a fim de fazê-lo “renascer” numa forma superior de existência [.. e que em última análise está ligado à mãe arquetípica. vol. podendo assim o adotivo recompor quem ele de fato é. A conscientização (Zeus) desses conteúdos cindidos ou dissociados é a alternativa para a reintegração psíquica do adotivo sendo o ponto inicial para que o ego possa comungar com o Self.. os devotos de Dionísio integram-se nele e o recompõem simbolicamente. em todos nós. quer dizer. ser filho dele e herdar seu trono individuacional. a sua identidade.. pode ser entendido como a consciência de algo que é seu por direito. é a regressão da energia para o inconsciente a fim de resgatar a mãe arquetípica com quem perdeu o elo. configura a conscientização de conteúdos divididos [. que não pode ser configurada nos mãe/pai adotantes.. o que consoante Jung. das imagens transpessoais que nos . para então poder se orientar para onde vai. cujas carências e temores remetem a um Deus-Pai para consolo. 3. com o olhar voltado para o futuro. O conflito está presente e é constitutivo do ser humano. só é possível se os pais e a criança aprenderem juntos a compreender esses dados. Numa das vezes que estive na Itália. A restituição do que a criança viveu permitirá o sentimento de sua continuidade e de sua identidade. A criança adotiva. neste trabalho importa refletir sobre estes mecanismos no adotado. Dionísio executa essa busca descendo até o fundo do Hades para de lá arrancar sua mãe Sêmele e conferir-lhe a imortalidade. Cúmplices do destino Confesso ser cúmplice de tudo que foi exposto. obtive a confirmação de que meu bisavô paterno tinha vivido em um . Se trata de um processo que reconstrói o passado em função do presente. indaga sobre de onde veio. Mas. naturalmente. A integração do que a criança adotiva traz de suas origens e de seu passado. em algum momento de sua vida. O adotivo poderá então cumprir o seu destino: o “quem sou” e o “para que sou”. 67 e 77) É nesse sentido que podemos dizer que somos todos adotados. pois nele reside a origem de tudo. p.solicitam. do sentimento de fraqueza. em 1989. através da minha ancestralidade. Meu sobrenome paterno foi inventado há três gerações passadas. A busca das origens é um tema universal (arquetípico). mas clama pela vingança do abandono. Hades pode simbolizar o inconsciente coletivo nas suas profundezas. um motivo mítico presente em todos nós. que em cada um de nós habita um adotado. ao longo do seu desenvolvimento individual. nos impelem e nos forçam a imitar os destinos míticos (Estudos de psicologia arquetípica. e só um mergulho profundo neste vasto e infinito oceano é que nos fará re-significar a própria vida. sobre quem abandono e sofrimento foram recair. como qualquer outra criança. sendo adotado por um casal. dentre tantas outras. quando falo em destino considero ambos os princípios. mesmo que nada pronunciassem e principalmente sentir o que sentiam no seu coração. porém nenhum adotivo chegou ao consultório através dessa divulgação. mas sim a concomitância entre dois fatos que não são regidos pela causalidade. que assim como ele. Compreendi então. “porquê” e “para que” por obra do destino. e assim que recomecei o atendimento psicoterápico procurei um orfanato na nova cidade para prestar um trabalho psicológico voluntário.orfanato no início de sua infância. com um sentido (Sinn). Em 1990 comecei a ministrar palestras e a publicar artigos sobre o tema da adoção. que habitava no orfanato coordenado por ela. por inúmeras vezes eu conseguia entender o que essas crianças queriam me dizer. que me sucederam. Não é uma causalidade mágica. esses são eventos sincronísticos sendo a sincronicidade compreendida como um “princípio de conexão acausal”. Essas situações supracitadas são algumas. Após três meses. desconhecia sua origem biológica. foi criada pela própria mãe como sendo adotada. Como podem ser entendidas essas sucessivas “coincidências”? Conforme Jung. minha avó também italiana. supondo que o marido lhe trouxera uma outra criança em seu lugar. Não acredito em coincidências. Uma conexão que ocorre entre a psique pessoal e o mundo material. mas não localizei nenhum. porque aquela acreditava que a filha morrera durante o parto. enquanto uma possibilidade a porvir. Anos depois. me mudei de São Paulo para o Paraná. a qual eu não conhecia. ambos considerados apenas como diferentes formas de energia. Por parte materna. e acreditei que o meu encontro com os adotivos se romperia. a vizinha do consultório. justamente por serem regidos pelo arquétipo. pediu que eu atendesse uma menina órfã. É importante esclarecer que. mas exatamente como antes eles continuavam vindo sem o conhecimento prévio da minha experiência profissional com a adoção. entretanto ressalto a visão simbólica desse termo. causal (“porquê) e final (“para que”). sucederam comigo tantos encontros com os adotivos. Na palavras de Jung: . ] a psicologia é o “fazer-se consciência” do processo psíquico mas não é uma explicação de tal processo. Assim. Parece-me que os fenômenos sincronísticos apontam nesta direção. 8/2. 8/2. o conceito de arquétipo. segundo Jung. ou seja. uma profunda convergência de perspectivas entre a Física e a Psicologia. a sua psicologia desemboca inevitavelmente no mesmo processo psíquico. Quanto mais se alarga o campo de seus objetivos. Ele busca recursos de apoio na Física por acreditar que em certas zonas de contato entre o físico e o psíquico fosse operativo o princípio de sincronicidade..] (CW. dizendo: [. O efeito é o seguinte: o processo retoma a consciência e [. § 429) OBS: O grifo é meu e proposital. e mais lhe falta um ângulo visual distinto do seu objeto. na sua irrepresentabilidade constitutiva – que porém está ligada com o seu operar “indireto” sobre a consciência – é que mais se beneficia.. § 418) Em Reflexões Teóricas sobre a Natureza da Psique. Em particular. Não pode traduzir-se ou reconhecer-se que em si mesma.] não apenas é possível mas até bastante provável que psique e matéria sejam dois aspectos diferentes de uma só e mesma coisa. É quando a complexidade retoma a própria complexidade do homem empírico. Jung compara. mas torna-se o processo idêntico.[. porque cada explicação do fato psíquico não pode ser outra que o próprio processo vital da psique. o recurso de uma analogia entre a Física Quântica e a psique. [..] comparada a outras ciências naturais. e vice-versa. pois mostram que o não psíquico comporta-se como psíquico. a Psicologia se encontra em uma situação crítica porque lhe falta uma base colocada ao externo do seu objeto. mais estes se fazem complexos. sem que haja qualquer conexão causal entre eles.. (CW. de forma sistemática. conforme Jung: . das vantagens provenientes da correspondência estabelecida com certos setores de pesquisa da Física... E é exatamente nesse ponto que Jung cita a analogia entre a Física Quântica e a psique... Não é mais em condições de distinguir-se desse. Existem. mesmo que distante..] (CW. e a interpretação do símbolo é pessoal. só mudança. os fatos estão sempre interligados mas depende do “olhar” do observador para perceber a concomitância e qual o significado (subjetivo) da mesma.[. e portanto tudo o que está no bolo (como por exemplo. A energia quântica se move por ondas. as quais transportam informações. sendo que tudo o que se encontrar numa mesma faixa. Por isso para compreendermos o Universo não precisamos buscar fora. ou seja.) está também em cada fatia. tem a mesma informação. mas sim dentro de nós mesmos.]Também a Física apresenta uma situação análoga.. a existência de certos fatores psicóides irrepresentáveis. um processo contínuo. E o fato do indivíduo perceber a concomitância propicia favorecer o significado. corresponde a uma construção do gênero [. subjetiva. onde não há começo e não há fim. Daí advém a idéia de macrocosmo e microcosmo interligados. leite. Assim como o todo contém as partes. com base nas suas observações.] Quando a Psicologia hipotetiza. Esse olhar é em última instância simbólico. na Física.. farinha. .. onde o todo e suas partes mantém uma recíproca inter-relação e similaridade. § 417) A sincronicidade é quântica pelo fato de existir uma concomitância entre o físico e o psíquico. ou entre o psíquico e o psíquico. Assim. 8/2. Poderíamos comparar o Universo (macrocosmo) como sendo um bolo e cada um de nós (microcosmo) como sendo as fatias. A representação arquetípica. Dessa forma. Quando falamos em Universo nos referimos ao infinito a nível de espaço e tempo. partículas que por si não são perceptíveis. capazes porém de efeitos em base à cuja natureza podemos construir um determinado modelo.. por destino compreende-se algo organizado sincronisticamente com uma direção. A sincronicidade seria como uma pedra que lançada num lago forma vários círculos.[. Para a Física Quântica o Universo é como um mar de ondas quânticas. etc. ovos. o assim chamado motivo ou mitologema. Isto porque a energia quântica que é uma energia primitiva. cada parte contém o todo. interligando tudo no Universo. unificados. se comporta do mesmo modo que a Física quando constrói um modelo de átomo. tem seu deslocamento mais rápido do que a velocidade da luz.. ou seja. que permanece como um constructo teórico. dentro de cada ponto de nós mesmos. Essa interconexão transcende todos os nossos sentidos. 8/3. Esse além. numa interpenetração de universos. pois são na realidade uma construção do pensamento. Portanto. dentro de cada ponto do Espaço (Universo). [.] Em si. ou como se existissem por si mesmos e fossem “produzidos” pela consciência.Nesse sentido. Esse além sempre existiu e existirá além de nós e em cada um de nós. e entre o lá e o aqui.. de maneira natural. mas certamente ser vivenciada através dos encontros com o “outro” e “consigo mesmo”. da consciência. desde que este seja definido no modo mais amplo possível: [. . ou seja. essa consciência superior. fruto da consciência.. jamais poderá ser atingida em sua plenitude.] Nas experiências com o tempo e o espaço. São conceitos hipostasiados.. o “estado psíquico” . de origem essencialmente psíquica [.. o espaço e o tempo consistem em nada. é imensurável. num todo único e continuum.] (CW. respectivamente. se poderia atribuir a estes um caráter simbólico de “pontes” uníssonas entre o antes e o depois. como ulterior elemento determinante. sabem apenas que existe algo além.. O além do espaçotempo não é físico. Jung tenta ampliar a relatividade espaço-temporal dos eventos. esses dois fatores reduzem-se mais ou menos a zero. Mas o que está além do espaço-tempo está dentro de todas as coisas. Em outras palavras. dentro e fora simultaneamente. o que permanece aqui como uma questão em aberto é o fato de que tanto a Psicologia Analítica quanto a Física sabem que existe algo que não é o espaço-tempo.. e também por infinitas vezes virá ao nosso encontro. para neles incluir. o tempo e o espaço não são absolutos. como se o espaço e o tempo dependessem de condições psíquicas. mais e além do que uma tentativa da consciência de explicar o que é espaço e tempo. mas não sabem o que é. São. § 840) Assim. para que cumpramos o nosso destino. nascidos da atividade discriminadora da consciência e formam as coordenadas indispensáveis para a descrição do comportamento dos corpos em movimento. portanto. e toda e qualquer explicação se apresenta como um mero constructo teórico redutivo. E assim como um poema esse além é inesgotável. pela arte da amizade. pelos minutos que precedem o sonho. pelo fato de que o poema é inesgotável e se confunde com a soma das criaturas e jamais chegará ao último verso.Graças quero dar ao Divino labirinto dos afetos e das causas pela diversidade das criaturas que formam este singular Universo. pela linguagem. que pode simular a sabedoria. pelo valor e a felicidade dos outros. pelo fulgor do fogo que nenhum ser humano pode olhar sem um assombro antigo. pelo amor que nos deixa ver os outros como os vê a divindade.” . misteriosa forma do tempo. pela razão que não cessará de sonhar com um plano do labirinto. pela música. pelo pão e pelo sal. pelo mistério da rosa que prodiga a cor e que não a vê. pela manhã que nos depara a ilusão de um princípio. HILLMAN. CW. CW. Rio de Janeiro. 6. EDINGER. JUNG. (1985 a). 14/1. (1996). Achiamé. 8/2. Tipos psicológicos. Petrópolis. CW. Petrópolis. G. (1991). Cultrix. C. Estudos de psicologia arquetípica. _____. Vozes. J. (1990). J. CW. (1995). F. Anatomia da psique. São Paulo. Mysterium coniunctionis. Petrópolis. _____. (1981). E. 8/3. Sincronicidade. Vozes. I. Vozes. Vozes. vol. _____. S. A natureza da psique. (1985 b). Mitologia grega.(Jorge Luís Borges) Referências Bibliográficas BRANDÃO. Petrópolis. Vozes. Petrópolis. . SHARMAN-BURKE, J.; GREENE, L. (1988). O tarô mitológico. São Paulo. Siciliano. ZIMEO, A. M. (1994). Nas entrelinhas da adoção: uma abordagem psicológica. In: FREIRE, F. Abandono e adoção. vol. 2, p.98-104. Curitiba. Terre des Homes. Psicologia: Reflexão e Crítica Print version ISSN 0102-7972 Psicol. Reflex. Crit. vol.14 no.1 Porto Alegre 2001 doi: 10.1590/S0102-79722001000100006 Adoção Tardia: Altruísmo, Maturidade e Estabilidade Emocional Surama Gusmão Ebrahim 12 Universidade Federal da Paraíba Resumo A pesquisa teve por objetivo executar um estudo acerca das adoções tardias, comparando pais que realizaram adoções de crianças maiores de dois anos com pais que efetuaram adoções de bebês. Os principais elementos abordados foram: estado civil; idade; escolaridade; renda; presença de filhos biológicos; e motivações para a adoção. Investigaram-se também o altruísmo, a maturidade e a estabilidade emocional dos adotantes. A amostra consistiu de 27 adotantes tardios e 55 adotantes convencionais, participantes ou não de Grupos de Apoio à Adoção. O instrumento utilizado constou de um questionário sobre adoção; de questões sobre maturidade e estabilidade emocional; e de uma escala de altruísmo. Os resultados indicaram distinções referentes aos aspectos destacados. Os adotantes tardios apresentaram um nível sócioeconômico superior, um estado civil mais diferenciado, uma maior presença de filhos biológicos, e uma maturidade e estabilidade mais elevada. Quanto às motivações e ao altruísmo, apareceram diferenças significativas entre os dois grupos. Palavras-chave: Adoção; abandono; altruísmo; maturidade e estabilidade emocional. Late Adoption: Altruism, Maturity, and Emotional Stability Abstract This research work aimed at carring out a study on late adoptions, comparing parents who adopted children over two years old with those who adopted babies. The main elements focused on were: civil status; age; education; level of income; presence of biological children; and motivations for the adoption. Altruism, maturity, and emotional stability of the adopters were also investigated. The sample consisted of 27 late adopters and 55 conventional adopters, regardless of their participation in Groups of Support for Adoption. The instrument used consisted of a questionnaire about adoption; questions about maturity and emotional stability; and of a scale of altruism. The results indicated distinctions to the emphasized aspects. The late adopters, compared to the conventional ones, featured a higher social and economic level, differences in their marital status, a higher proportion of biological children, and a higher maturity and stability. Regarding both motivations and altruism, the two groups presented significant differences. Keywords: Adoption; abandon; altruism; maturity, and emotional stability. A adoção é, em si, um tema bastante complexo, sendo a adoção tardia, de acordo com algumas pesquisas (Weber & Cornélio, 1995; Weber & Gagno, 1995), revestida de muito preconceito. Como afirmam Vargas e Weber (1996), a maior parte das publicações brasileiras - que são bem poucas - descrevem casos clínicos e psiquiátricos, criando uma clara distorção, que leva à associação da adoção com problemas e fracassos. Entretanto, especialmente nos últimos anos, com a maior divulgação do tema, através da difusão dos Grupos de Estudos e de Apoio à Adoção, e o fortalecimento do movimento voltado para a disseminação do mesmo, novas publicações, em grande parte através dos boletins informativos destes mesmos grupos (Informativo GEAD, GIAARO, GEAF, entre outros), começaram a efetivar-se, procurando desmistificar os conceitos errôneos existentes. A finalidade precípua, na atualidade, é a de difundir uma "cultura da adoção", para proporcionar um lar para crianças que não o têm, sem valorizar demasiadamente condições de saúde, cor, gênero, raça, idade. Porém, a adoção no Brasil, ainda é comumente vista como solução para a infertilidade, constituindo uma das razões para a procura maciça de bebês. Em geral, somente as crianças de até três anos conseguem colocação em famílias brasileiras. A partir dessa idade a adoção torna-se mais difícil. Grande parte das crianças, consideradas mais velhas, ou é adotada por estrangeiros ou permanece em instituições (Weber & Kossobudzky, 1996; Weber & Mafessoni, 1996). Os conceitos dos adotantes quanto à adoção de crianças mais velhas, e que surgem como forma de justificar a preferência por bebês, relacionam-se, fundamentalmente, com a dificuldade na educação. Segundo as famílias adotivas, dificilmente uma criança adotada tardiamente aceitaria os padrões estabelecidos pelos pais, pois estariam com sua formação social iniciada. As pessoas, portanto, adotariam bebês para obterem uma melhor adaptação entre pais e filhos e uma adequada socialização, onde as crianças fossem capazes de atender aos anseios da família (Weber, 1996). As pesquisas revelam (Weber, Gagno, Cornélio & Silva,1994; Weber & Cornélio, 1995; Weber & Gagno, 1995) que a maior parte da população apresenta preconceitos quanto à adoção tardia, como: a) o medo de adotar crianças mais velhas pela dificuldade na educação; b) o receio de adotar crianças institucionalizadas pelos maus hábitos que trariam; c) as crianças que não sabem que são adotivas têm menos problemas, por isso deve-se adotar bebês e esconder deles a verdade, imitando uma família biológica. É usual, portanto, que sejam confundidas a aceitação e a inserção completa da criança na família, com o desejo e a tentativa de apagar suas origens (Motta, 1995). A adoção, desta maneira, termina por não ser um processo simples, especialmente aquela relativa a crianças mais velhas. Mas, como questionam Weber e Kossobudzki (1996, p. 124), "será que a sociedade não é capaz de mudar, de preparar as pessoas e proporcionar de fato o encontro de pais para todas as crianças?". A importância do presente estudo baseia-se, assim, no fato de que grande quantidade de crianças maiores continua sem família, enquanto os cadastros de candidatos à adoção pleiteiam bebês. As crianças maiores ficam à espera de pais, e os pais à espera de bebês. São relativamente desconhecidas em pesquisas, a extensão e a variabilidade do fator adoção tardia e dos elementos motivadores de tal tipo de adoção. O objetivo geral deste trabalho é, então, realizar um estudo empírico acerca da adoção tardia. Mais especificamente, pretende-se verificar se existem diferenças e/ou semelhanças entre os grupos que realizam adoções convencionais (bebês) e os grupos que realizam adoções tardias (maiores de dois anos). Na inexistência de estudos similares3, tanto no Brasil como no exterior, que comparem adotantes tardios e convencionais, são levantadas hipóteses quanto à diferença entre os dois grupos, acreditando-se que ocorrem, basicamente, ao nível das características de personalidade. Supõe-se que as pessoas que adotam crianças maiores são mais altruístas, maduras e estáveis emocionalmente. Segundo Serra e Zacares (1991), a maturidade psicológica vem como conseqüência de um processo que se estrutura durante o ciclo de vida do indivíduo, na interação entre traços biológicos, psicológicos e sociais, e na progressão de um ótimo equilíbrio entre o conceito de si e as mudanças de papel inerentes à vida. As características desenvolvimentais específicas da maturidade emocional incluem o desenvolvimento do afeto, da perspectiva de tempo, da autonomia, independência, responsabilidade, e o reconhecimento de coerências e dissonâncias entre as emoções e os comportamentos. O indivíduo emocionalmente sadio é aquele que consegue ter controle emocional sem suprimir a emocionalidade, experimentando impulsos carregados de emoção, mas com apropriado equilíbrio entre a sensação e a expressão (Hilgard, Atkinson & Atkinson, 1971, citados por Pisani, Bisi, Rizzon & Nicoletto, 1989). A estabilidade emocional implica na capacidade de tolerar as frustrações decorrentes de condições insatisfatórias, sem esquivarse destas, vendo-as e enfrentando-as de forma realista, com constância e equilíbrio do comportamento (Andrade & Alves, 1993). Francis (1997) coloca que os indivíduos mais estáveis emocionalmente são aqueles que mantêm um bom conceito próprio, o que parece indicar uma relação entre elevada maturidade, estabilidade emocional e uma visão pessoal positiva. Similarmente, os dados de Perez San Gregorio, Roldan, Cabezas e Roldan (1993) e os de Jha (1995) demonstram uma ligação entre estabilidade emocional, auto-estima e altruísmo. O altruísmo é classificado por Korsgaard, Meglino e Lester (1996) como um comportamento designado a atender às necessidades de outros, envolvendo escolhas em que os indivíduos colocam menos valor em resultados pessoais e demonstram pouca disposição em se ocupar de cálculos racionais que abrangem custos e benefícios. Mulligan (1996) enfatiza que a composição familiar, o tamanho da família, a ordem de nascimento e algumas variáveis da infância, trazem implicações na formação do altruísmo e na transmissão de sentimentos de igualdade ou desigualdade entre as pessoas. Ma e Leung (1995) julgam que a educação informal oferecida pela família, além da educação formal dos programas sociais, favorece orientações altruísticas. Os resultados do estudo mostram uma relação positiva entre ambiente familiar e altruísmo. Uma forte orientação altruística está substancialmente associada com um ambiente familiar coeso e harmonioso, onde há ênfase constante em atividades intelectuais e culturais. Sob estes pontos de vista, as pessoas que realizam adoções tardias talvez ajam seguindo uma orientação altruística, facilitada pela estabilidade e maturidade emocional, onde as situações familiares, as experiências de vida e a idade podem ser significativas, influenciando o modo como os indivíduos respondem às necessidades dos outros. Ademais, os adotantes tardios podem, na sua maioria, ser casais com filhos, que já vivenciaram a experiência de criar uma criança, não tendo mais a necessidade ou disponibilidade de começar com um bebê. Ou pessoas sozinhas, como solteiros, divorciados e viúvos, que não têm tempo e condições de cuidar de um recém-nascido, mas querem constituir uma família. Ao passo que, os adotantes convencionais são casados e sem filhos biológicos. Pretende-se ainda verificar diferenças sócio-econômicas entre os grupos. Os estudos de Weber (1995) indicam que as pessoas de classes sociais A amostra foi composta por casais. adotando. pessoas solteiras. viúvas e separadas/divorciadas. e 36 do masculino (42. com questões abertas e fechadas. constituída por 84 sujeitos. A escala foi aplicada na população em geral. para tanto. possam contribuir com maiores esclarecimentos sobre a adoção tardia. quando a escala de altruísmo já estava sendo construída. com a finalidade de verificar a factorabilidade das matrizes de correlação. Afora isto. retiradas das formas A e B do Questionário de Dezesseis Fatores de Personalidade (16PF) de Cattell (traduzido e adaptado por Andrade & Alves. com a amostra. pois seria inviável realizar a elaboração e a validação de dois instrumentos. foram . simultaneamente. pois somente seis pais adotivos enviaram resposta ao instrumento. e complementada com questões formuladas sob a teoria.9%). para posterior validação.baixas fazem menor número de exigências em relação à criança. A escala de altruísmo foi elaborada com base na sub-escala de altruísmo da Escala de Filosofias da Natureza Humana de Wrighstman (1964). participantes ou não de Associações e Grupos de Apoio à Adoção.1%). Para avaliar a maturidade e a estabilidade psicológica dos pais adotivos escolheu-se o Fator C do Questionário 16PF. sendo 48 do sexo feminino (57. por ser este o único instrumento de medida encontrado. em conformidade com estas hipóteses. na temática acerca do altruísmo. crianças maiores. possibilitando a estruturação de planos de intervenção voltados para conscientizar a população e reduzir os preconceitos sobre o tema. livros. teses) e fontes secundárias de informação (sistemas informatizados de identificação bibliográfica). Espera-se que os dados coletados. tinha a facilidade de ser validado no Brasil. e os dois últimos. 1993) e de uma escala de altruísmo. Instrumentos O instrumento de pesquisa constou de um questionário sobre adoção. pertinentes ao tema da pesquisa. O questionário foi concluído com questões relativas a dados pessoais. Método Participantes O conjunto de participantes foi composto por adotantes que realizaram adoções tardias (27) e adoções convencionais (55). É importante considerar que apenas os instrumentos respondidos pelas mães adotivas foram considerados na análise dos dados. Para determinar a validade de construto da referida escala. através de fontes primárias (artigos. foi constituído por questões fechadas sobre maturidade e estabilidade emocional. Como resultado. com mais freqüência. perfazendo um total de 82 sujeitos. que abordava. ajudando crianças mais velhas a encontrar famílias que as acolham. construída e validada pela autora. os dois fatores. utilizou-se a Análise Fatorial para a extração dos componentes principais. Além disso. A escala ficou composta por cinco itens. sendo os três primeiros baseados na adaptação da escala de Wrigsthman. 30. onde se constatou a existência de um único fator com eigenvalue de 1. e a profissionais (assistentes sociais. como da forma de analisá-los. que possibilitaram a comparação entre as duas amostras citadas. Mas. por apresentarem correlações acima de 0. avaliou-se a distribuição das freqüências.mantidos os cinco itens. tomou-se como parâmetro o teste de qui-quadrado. ou remetidos via correio. em relação à população em geral. com a medida do KMO (Kaiser-Meyer-Olkin) total de 0. em oito estados brasileiros.25. Na análise do altruísmo e da maturidade e estabilidade emocional. e na ausência de significância dos dados. juntamente como uma carta explicativa sobre os objetivos do estudo. Os itens apresentaram cargas fatoriais acima de 0. psicólogos. Em seguida. professores. para facilitar o retorno e ocorrerem menos perdas. e com coeficiente de precisão (alfa de Cronbach) de 0. os parâmetros puderam ser transpostos. tanto em termos de formulação dos itens. entre outros) que serviam de intermediários entre os adotantes e a pesquisadora. As características das amostras dos adotantes convencionais e dos adotantes tardios apresentam-se distintas em alguns aspectos. explicando 29% da variância. apenas 38% dos instrumentos postos em aplicação retornaram. como o estado civil e a idade (Tabelas 1. A partir da conclusão da avaliação dos dados da escala. Procedimentos Os instrumentos de pesquisa foram entregues pessoalmente.64. . 2 e 3). realizou-se uma segunda análise fatorial. como era esperado. para a aplicação às amostras dos adotantes (tardios e convencionais). Resultados No estudo relacional das variáveis do questionário. com o método PAF (Principal Axis Factoring).69. utilizou-se a razão t e a prova de Mann-Whitney. Os envelopes para resposta foram enviados selados e endereçados. aos coordenadores dos grupos e associações de apoio à adoção.46. A média de idade das mães adotivas de bebês é de 35 anos e a dos pais.1% das mães que adotaram crianças maiores têm nível superior . que as mulheres que realizaram adoções tardias possuem um nível de escolaridade mais elevado do que os homens. Para as mães de crianças maiores. a média de idade é de 38 anos.É interessante observar que entre as mulheres que realizaram adoções tardias há uma maior variância nas respostas. e entre os pais. que 52% das mães adotivas de bebês e 74. enquanto apenas 66.7% das mães que adotaram crianças maiores o são. de 42 anos (Tabelas 2 e 3) Apesar da diferença entre as médias de idade dos adotantes tardios e convencionais ser pequena. o primeiro grupo apresenta uma idade média mais elevada. entre os dois grupos de adotantes.9% são casadas. Entre as mães que adotaram bebês. de 38 anos. Quanto ao nível de escolaridade. Vê-se pelas Tabelas 4 e 5. 91. percebe-se pelos resultados das Tabelas 4 e 5. 3% dos pais adotivos convencionais e 50% dos pais adotivos tardios. os dados encontrados podem ser visualizados na Tabela 6. Em relação à renda familiar. 40. o grupo de adotantes tardios demonstra uma condição econômica melhor do que a do grupo de adotantes convencionais. nos grupos dos adotantes tardios e dos convencionais. e entre os pais. o que ocorre em 49.1% das famílias com adoções de bebês. Na Tabela 7 é possível verificar a presença ou ausência de filhos biológicos nas famílias adotivas. e entre os adotantes tardios. A renda salarial familiar dos adotantes convencionais fica acima de 20 salários mínimos para 36. têm este mesmo nível de formação. o que revela uma contradição na direção dos resultados previstos. a Tabela 8 abaixo lista os elementos mais citados como motivadores para a realização da adoção.7% recebem mais de 20 salários. Quanto à motivação para a adoção. Desta forma.completo. A Tabela 7 demonstra que 63% das famílias com adoções tardias são compostas também por filhos biológicos. . 54.7% da amostra. 3%). indicam uma tendência a diferenças significativas entre os dois grupos. gl=1. dp= 2. foi uma média maior entre os adotantes tardios em comparação com os adotantes convencionais. .349. com os adotantes tardios apresentando índices mais elevados de maturidade e estabilidade emocional. Observa-se uma diferença significativa quanto à situação de abandono (X² = 5. o que pôde ser percebido. na comparação entre os dois grupos.05) e a ausência de filhos biológicos (X² = 5. respectivamente).Os resultados relativos aos motivos elencados pelos adotantes para efetuar as adoções revelam que os adotantes tardios adotam mais por se sensibilizarem com a situação de abandono das crianças (51.50). na maior parte das vezes.9%). p<0.32 e m= 20. A respeito do altruísmo.89.61. conforme pode ser visualizado na Tabela 9.71.05) favorecendo as adoções.33 (dp= 3. por não ter os próprios filhos (46.65 (dp= 3. p<0.956. enquanto que as pessoas que adotam bebês o fazem.39) e entre os adotantes convencionais. Estes resultados. de m = 12. com os adotantes tardios atingindo um escore médio mais elevado que os adotantes convencionais (m= 21. A média encontrada entre os adotantes tardios foi de m = 13. surgiu uma diferença significativa entre as duas amostras. gl = 1. Em relação à questão da maturidade e estabilidade emocional. ao nível de 8%. dp= 2. que coloca pouco valor nos resultados pessoais e nos custos de suas escolhas.3% dos pais desfrutam de nível superior completo e 36. viúvos (3. O fato da maior parte dos adotantes de bebês ser casada e não ter filhos fundamenta os principais motivos descritos por estes para a realização das adoções.7% apresentam uma renda salarial acima de 20 salários. solteiros (25.9%). os adotantes tardios compõem uma amostra mais ampla. o que se opõe aos adotantes convencionais. estão se dispondo às adoções tardias.7%). adotando freqüentemente crianças maiores. sendo casados (66. inter-raciais e de crianças com necessidades especiais. Logo. os adotantes tardios mostram-se mais altruístas do que os adotantes convencionais. seria importante recordar que se estabeleceu. como uma das hipóteses. pois.7% possuem uma renda salarial familiar acima de 20 salários. casados na sua quase totalidade (91.1% das mães e 50% dos pais que realizaram adoções de crianças maiores. 74. tendo havido uma diferença significativa entre os dois grupos. e valores religiosos". Entretanto estes não foram os resultados encontrados. Meglino e Lester (1996). os dados colhidos mantêm-se na direção esperada.9%) e sem filhos biológicos (50. onde há maior presença de filhos biológicos e a situação civil é mais diferenciada. ao contrário. na medida que. ao passo que entre os adotantes de bebês. Entre os adotantes tardios.9%). pois. quanto à escolaridade. que as pessoas de nível sócio-econômico baixo estariam mais abertas à adoção. pena. como se supunha. muitas pessoas sem filhos ou casais com filhos. como presumido. o nível sócio-econômico dos adotantes tardios não corrobora o previsto. Como mencionam Shapiro e Gabbard (1994) e Korsgaard. 52% das mães e 54. Em relação às outras hipóteses estabelecidas. .7%) ou divorciados (3. Um ato é definido como altruístico a partir da motivação do sujeito. o altruísmo é um comportamento que não se limita a ganhos ou interesses próprios. A respeito do altruísmo. Como afirmam Ferreyra (1993) e Prowler (1990). têm nível superior completo e 40. tendo havido um aumento considerável de adotantes solteiros que se sentem com tempo e afeto suficiente para acolherem uma criança maior. tendo os adotantes convencionais uma condição social e financeira inferior. 1997). este emerge como um componente a influenciar as escolhas dos adotantes. Deste modo. o estado civil e a presença ou ausência de filhos biológicos relaciona-se com os dados encontrados em termos das motivações para a adoção. em sua maioria com filhos biológicos (63%). caridade. amor ao próximo.Discussão Inicialmente. ao menos na amostra estudada. 1996.7%). a partir de pesquisas de Weber (1995. como: "não ter os próprios filhos" e "para se sentir mais completo". aparecem como fatores explicativos: "a situação de abandono das crianças. Desta maneira. como acreditam Frydman. a proposta primeira da pesquisa foi cumprida. 1993) são provenientes dos Estados Unidos. do que dedicados aos adotantes. Kleban. entretanto. mas de procurar formas de impulsionar novas adoções. Verhulst & Verhulst. O estudo tem seu valor pela carência de trabalhos que examinem as experiências e motivações próprias dos adotantes tardios. ou estabelecendo comparações entre grupos de adotivos e não adotivos. Roldan. nas adoções convencionais. de uma preocupação em atender às necessidades do outro como mobilizadora das adoções. pela idade dos adotantes. Partridge. permitindo compreender melhor quais são os elementos favorecedores da adoção de crianças maiores para poder trabalhálos em prol da concretização de novas adoções deste tipo. Perez San Gregorio. De Fries & Fulker. Shaughnessy & Evans. pode-se desenvolver e/ou aumentar comportamentos prósociais na população. estabilidade e maturidade emocional. 1995. Cabezas & Roldan. achando que somente eles seriam capazes de realizar uma adoção tardia com sucesso. Jha. que outros. Wadsworth. 1993). um elemento de diferenciação entre os dois grupos. nas adoções tardias e a ausência de filhos biológicos. A questão da maturidade pode ser um outro fator importante na determinação da decisão dos indivíduos adotarem bebês ou crianças mais velhas. e como estas atuam nas escolhas dos adotantes. Por outro lado. 1996. Rajagopal & Dean. A maturidade e a estabilidade emocional compõem. com os adotantes tardios mostrando-se mais maduros e estáveis emocionalmente do que os adotantes convencionais. 1992. O altruísmo. sendo realizados mais com adotados. Pinderhughes. mais elevado entre os adotantes tardios. através de programas multidimensionais de educação social. A maior parte dos estudos (Eldred. e pensamento altruístico (Eisenberg. 1991. Isto pode ser determinado. Hofmans e Molinier (1995) e Stark (1996). o que não impede. especialmente no Brasil. . traz uma maior justificativa para a motivação apresentada por estes. como se imaginava. em parte. A intenção não é de excluir aqueles que não possuem estas mesmas características. Conclusão Como exposto no princípio deste trabalho. há uma escassez de pesquisas relacionadas à questão da adoção. 1995. 1987) e uma relação entre idade. com o levantamento das principais diferenças e semelhanças encontradas entre adotantes tardios e convencionais. quanto à situação de abandono. Esta é uma possibilidade que se abre para todos os que estão interessados na questão do abandono e institucionalização de crianças e adolescentes. já que os adotantes tardios apresentam uma idade média mais elevada do que os adotantes convencionais e a literatura indica haver um progresso similar da idade com a maturidade (Lawton. nem tão maduros nem tão altruístas adotem crianças maiores. mesmo com pessoas que dispõem de caracteres diferenciados. Conclui-se que as motivações para as adoções tardias são beneficiadas pelas características de personalidade dos adotantes. 1976. 1996. favorecendo a tomada de decisão dos adotantes.Isto explica a diferença significativa encontrada em relação às motivações. Ledruc. J. G. Organizational Behavior and Human Decision Processes. & Dean. . C. C. 65-70. . 1-6. & Roldan. N. 197-208. [ Links ] Francis. P. 26(2). Parental Priorities and Economic Inequality. M. M. B. M. Rajagopal. & Lester. 61(2).. 16PF Manual abreviadonormas brasileiras. M. (1992). Roldan. C. Rio de Janeiro: Capra. Factores sociales y psicologicos que influyen . 89-100. (1995). A. D. M. (1996). Kleban. M. [ Links ] Lawton. Meglino. 23. The relation of altruistic orientation to family social environment in chinese children. (1996). The development of altruistic attitudes. 1. 38(2). (1993). [ Links ] Mulligan. B. APA Monitor. (1976). 22(1). Personality correlates of machiavellians. 7(2). E. M. (1991). 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O objetivo deste estudo foi investigar algumas características psicossociais de mães adotivas. perceived control. controle percebido e motivações à adoção: características psicossociais das mães adotivas Social reflection. à exceção do apoio social percebido. Os resultados sugerem novas direções às pesquisas sobre os fatores moderadores da adaptação psicológica das famílias adotivas. psicol. and motivation to adopt a child: psychosocial characteristics of adoptive mothers Caroline Tozzi ReppoldI. A amostra foi composta por 20 mães adotivas e 20 mães biológicas. Universidade do Oeste de Santa Catarina e Centro Universitário Feevale II Universidade Federal do Rio Grande do Sul RESUMO A literatura mostra que a adoção é associada no imaginário social ao altruísmo e ao hedonismo dos adotantes. Os resultados revelaram que 60% das participantes relacionaram a adoção a problemas de fertilidade. Os dados foram coletados utilizando um questionário com itens psicossociais.8 no. como as motivações à adoção. as crenças de locus de controle e a percepção de apoio social. (Natal) vol.Print version ISSN 1413-294X Estud. 2003 doi: 10.1 Natal Jan./Apr.1590/S1413-294X2003000100004 ARTIGOS Reflexão social. reforçam o estigma de que a adoção é associada à vulnerabilidade psicológica ou à filantropia dos pais adotantes. controle percebido ABSTRACT The literature points out that the social imaginary of adoption is associated with altruism and hedonism of adopters. Neste sentido. 2000. Brodzinsky. . Christensen. and Levenson's Multidimensional Locus of Control Scale. Motivações para a parentalidade adotiva Os fatores que determinam as motivações para a adoção são um tema bastante polêmico entre os pesquisadores da área. somadas à diversidade dos resultados encontrados na literatura sobre o ajustamento psíquico dos filhos adotivos (Fu I & Matarazzo. tais como as motivações para a parentalidade. a indeterminação temporal da "gestação" adotiva. Grotevant & Dulmen. o desconhecimento da história pregressa do adotado e a excessiva valorização social dos laços consangüíneos (Brodzinsky. Fan. The results suggest new directions for studies about the moderator factors of psychological adaptation of adoptive families. The participants were 20 adoptive and 20 biological mothers. perceived control A adoção pode ser definida como a criação de um relacionamento afiliativo que envolve aspectos jurídicos. a presente pesquisa visa à investigação de alguns aspectos psicossociais da maternidade adotiva. such as the motivation to adopt. Tais contingências. Miller. as crenças de locus de controle e a percepção de apoio social recebido. Data were collected using a questionnaire of psychosocial items. 1999. locus of control. Schechter & Henig. 2001. sociais e afetivos que a diferenciam da filiação biológica. 1998). moral judgment. Contudo.Palavras-chave: adoção. Dentre tais distinções. pouco se sabe até então sobre a extensão na qual o enfrentamento destes fatores relaciona-se a atributos pessoais dos pais e à motivação para a adoção. Reppold. Grotevant & Kohler. 1993. julgamento moral. there were no significant differences between the type of maternity and the variables investigated. Sharma. the present study aimed to investigate some psychosocial characteristics of adoptive mothers. However except for perceived social support. The results indicated that 60% of participants related adoption to fertility problems. Key words: adoption. entre outros. o nível de reflexão social. and perceived social support. pode-se citar a exposição a um processo avaliativo realizado para fins de habilitação à adoção. 2001). Smith & Brodzinsky. 1998. Thus. moral judgment. McGue & Benson. the Sociomoral Reflection Objective Measure. contraindicando a adoção. Isto porque o luto a ser elaborado pode ser um obstáculo para a criação de uma rede de apoio que ajude o filho a constituir um autoconceito positivo e a enfrentar as perdas advindas do processo adotivo. 1998). Gagno & Silva (1995) realizaram uma pesquisa que evidenciou não haver correlações significativas entre as motivações para o exercício da parentalidade adotiva e o sucesso da adoção. que concluiu que o fato de a perfilhação ser impulsionada por questões altruístas ou pela infertilidade dos pais não se relaciona a dificuldades educacionais ou de vinculação afetiva do adotado. Cornélio. A partir da pesquisa realizada por Weber (1999). Em contrapartida. Ou seja. 20). explicita uma motivação centrada no interesse superior dos adotantes e não propriamente do adotado. Gaiger & Rodrigues. Por outro lado. membros da comunidade acadêmica e judiciária discutem os critérios referentes à habilitação dos pais adotivos e à legitimidade de suas intenções. 1998. o propósito reparador da adoção. por exemplo. alguns técnicos subestimam a capacidade de adaptação dos adotivos. Outro exemplo no qual se observa uma situação em que a criança ou adolescente passa a ser vista como um meio e não como um fim é o tipo de adoção que ocorre em decorrência da crença de que a inclusão de uma criança na família aumentaria a probabilidade de fecundação dos casais com problemas de fertilidade. 1997). tais como o distanciamento da família biológica e da cultura de origem.. Este dado é corroborado por Weber (2001) em outro estudo. Desde então. A fim de avaliar a eficiência do processo de seleção dos adotantes. constata-se que esta idéia parece ser bastante difundida na sociedade. Tabajaski. o qual descreve que "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos" (p. Weber. Weber. coadunam com o intento de utilizar uma criança adotiva para diminuir a ansiedade frente às dificuldades de reprodução e aumentar as chances de concepção. que as adoções motivadas pela perda recente de um filho ou de um parente próximo implicam potenciais dificuldades de adaptação decorrentes da fragilidade em que os pais se encontram naquele momento. Coimbra. sem oferecer aos candidatos espaço para reflexão e preparação para mudanças1. Na percepção destes autores. há pesquisadores que questionam se a investigação das motivações à adoção deva fazer parte do processo de habilitação dos adotantes realizado pelos profissionais do Judiciário (Casellato. 1999. Estes pesquisadores afirmam. Reppold . 1998.especialmente após a promulgação do artigo 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente (13/07/1990). Alguns autores expressam que a investigação dos interesses dos pais ao efetuar uma adoção é um aspecto fundamental. Neste caso. Os resultados apresentados no estudo que investigou os estigmas da perfilhação revelam que 44% dos entrevistados concordam que a adoção pode ter uma função instrumental de facilitar a realização do desejo parental de ter um filho biológico. visto que esta variável é um indicador da qualidade da interação entre pais e filhos (Brodzinsky et al. como a utilização de técnicas de amostragem não-probabilísticas e a desconsideração de que as famílias adotivas tendem a ser menos omissas às dificuldades dos filhos. portanto. Possivelmente isto ocorre porque a representação social da adoção é vinculada. incluídos em famílias que convivem com a esterilidade masculina. especialmente à maior incidência de problemas de externalização e de déficit de aprendizagem. Observa-se que o pai incapaz de gerar filhos congênitos. à prevalência de dificuldades psicológicas. tendem a perceber seus pais como mais negligentes que os demais. a crença de atribuição de causalidade e a percepção de apoio social recebido. Uma pesquisa de campo realizada por Weber (2001) demonstrou que a adoção ainda é associada. como o nível de reflexão social. verifica-se.(2001) demonstra que os adolescentes adotados. frente à crença de que a adoção implica maior risco pessoal e social de desajustamento. muitas vezes. apresenta maior dificuldade em estabelecer um ambiente familiar que suporte a exploração das questões relativas à adoção e a sustentação de uma auto-imagem positiva. que deve renunciar a sua capacidade reprodutiva ao optar pela adoção. que não há consenso entre os profissionais da área sobre a associação entre os fatores que impulsionam os pais a adotar um filho ou sobre a qualidade da relação estabelecida entre estes. quanto da mãe. à caridade e à filantropia. Provavelmente. a motivação parental) é pouco efetiva frente à diversidade de variáveis envolvidas na saúde emocional dos membros de famílias adotivas (Reppold & Hutz. nesta direção apontam vários estudos sobre a adaptação dos adotivos. Porém. 2001). conforme revela a meta-análise realizada por Wierzbicki (1993). Frente à disparidade dos dados apresentados. bem como sua companheira. o baixo envolvimento com a criação do filho pode ser entendido como uma estratégia de esquiva frente a questões de identidade pessoal e sexual mal resolvidas. Todavia. 2002). deve-se considerar que as motivações expressas pelos pais repercutem na representação que as pessoas têm sobre os adotantes. Desta forma. pode-se pensar que haveria uma relação entre as motivações para a parentalidade adotiva e algumas variáveis psicológicas dos pais. o que pode estar associado a uma confusão cultural que existe entre fecundação e virilidade (Maldonado. o que a aumenta a representatividade dos adotados nas populações clínicas (Reppold. De fato. observa-se que . Em vista disto. isto ocorra porque a avaliação de um aspecto isolado da adoção (no caso. Em geral. a percepção social sobre o que leva os indivíduos a adotar uma criança ou um adolescente centra-se em dois pólos antagônicos: o altruísmo (comportamento prósocial que visa a atender as necessidades alheias em detrimento de benefícios ou interesses particulares) ou o hedonismo (busca da satisfação dos próprios desejos). 1995). deve-se considerar que muitas pesquisas que conduzem a esta conclusão apresentam sérias limitações metodológicas. no imaginário social. De qualquer forma. tanto por parte do pai. a qual buscava a salvação pessoal através de ações que denotavam. em geral. aqueles que adotam por motivações altruístas. Diversos estudos nacionais e internacionais indicam que a maioria das famílias adotantes busca. Casellato. por problemas orgânicos ou psicológicos. a partir do século XVII. uma forma de suprir seu desejo de parentalidade quando. Rizzini. então. ao encontro do interesse pessoal dos pais em . as quais as crianças não encontrariam nas ruas. 2001).. 2001. o desejo de promover o bem-estar infantil é descrito por alguns adotantes como uma de suas principais intenções. Em comparação aos pais inférteis. Provavelmente. uma gravidez biológica não é viável (Brodzinsky et al. atribuindo-lhes mais predicados negativos. Apesar das mudanças observadas ao longo dos séculos na perspectiva das políticas de atendimento social. na perfilhação.7% de sua amostra. Grotevant & Kohler. pena e amor ao próximo. Ebrahim. De fato. esta postura reflita a visão assistencialista que fomentou as práticas de proteção infanto-juvenil na Europa. Já os pais que recorrem à adoção em razão de sua incapacidade reprodutiva tendem a ter uma visão mais positiva de seus filhos e a fazer mais exigências quanto às características da criança/adolescente a ser adotado.muitas pessoas interpretam a inserção das crianças ou adolescentes em lares substitutos como um ato de altruísmo e abnegação daqueles que os acolhem. ao mesmo tempo. às crianças abandonadas não se restringia à oferta de cuidados referentes à saúde física destas. p. prioritariamente. e dois séculos depois no Brasil. 1999. 1997). 92). 1998. a colocação de uma criança ou adolescente nestas famílias parece vir. Portanto. 1993). fraternidade. A diretriz que norteava estas ações era a benevolência cristã. compaixão diante da miséria humana e a expectativa de uma submissão agradecida (Marcílio. Isto porque muitos consideram a perfilhação um ato de solidariedade que afasta órfãos e enjeitados dos vícios e infrações por meio da disponibilidade de um ambiente regenerador e da imposição de práticas disciplinares. A assistência oferecida. 1997. são mais críticos em relação aos filhos. 1998. Campos & Vargas. como caridade. Uma enquete realizada por Weber (1999) revela que a maioria dos entrevistados (67%) acredita que são os valores religiosos. virtude. o que pode ser percebido a partir de respostas como: "a adoção é um caminho para resolver o problema social". que levam as pessoas a adotar. são mais comuns nas famílias de menor poder aquisitivo e naquelas onde já existem filhos biológicos. Outro estudo confirma a indicação de que a relevância social é considerada o principal motivo para a adoção entre os grupos de diferentes níveis de escolaridade (Gatti. relatadas por 36. 1998. Weber (2001) ressalta que as adoções impulsionadas por razões solidárias. "queríamos colaborar e dar um lar para uma criança" (Weber. 1993. especialmente nas instituições asilares de caráter religioso que abrigavam órfãos e desamparados. Weber. a associação entre caridade e proteção infantil continua a repercutir atualmente junto à cultura da adoção. pois grande ênfase era dada a sua formação moral e humanitária. Portanto. Conforme se constata. a adoção ocorre com o propósito de que o filho adotivo seja capaz de ajudar nos afazeres domésticos. como é conhecida a adoção que ocorre alheia ao ordenamento jurídico e que não garante qualquer direito ao adotado). pela possibilidade de enviar o filho adotado para o serviço militar. e não como um membro da família de fato) e. ou de responder à pressão social que sofrem para que tenham filhos. a eqüidade. na criação dos irmãos menores ou no cuidado e atendimento às necessidades do adotante no futuro (Brodzinsky et al. Entretanto. o altruísmo. embora muitos casos de adoção informal possam também decorrer de motivações altruístas. a adoção tinha um caráter reversível. 1998. assistência etc. o presente estudo também investigou os níveis de julgamento moral apresentados pelas mães adotivas e biológicas. este tipo de interesse pela criação de crianças/adolescentes. até hoje vigente (especialmente nos casos de "adoção informal". estes dados devem ser compreendidos sob uma perspectiva histórica. Observe-se também que a adoção não implicava igualdade de direito entre os filhos. é. como. muitos pais biológicos reivindicavam novamente a guarda de seus filhos quando estes já se encontravam aptos ao emprego. a afetividade e o bem-estar subjetivo. poupando. pesquisadores têm proposto diferentes concepções teóricas sobre a obtenção e evolução da maturidade humana. As principais diretrizes divergem ao abordar a moralidade em termos da maturação cognitiva do indivíduo ou da internalização de valores culturais (Turiel. muitas adoções realizadas por casais eram motivadas pela expectativa dos serviços domésticos que o adotado iria prestar como sinal de retribuição ou respeito (o que os colocava na situação de "criados" da casa. de perpetuar algumas tradições familiares através do legado a seus filhos. privilegiando. 1997). Fonseca (1995) relata que. Desde a década de 60.atender a um anseio de ser um cuidador. Julgamento Moral A aquisição de valores morais tem sido enfatizada pela Psicologia em vista da estreita relação deste construto com o desenvolvimento de características essenciais à adaptação psicológica. na época. Nestes casos. principalmente. pode-se pensar que haveria uma diferenciação dos níveis de reflexão social entre famílias adotivas e biológicas. Estes eram tratados na condição de bens. como a empatia. Seja pela hipótese de maior hedonismo ou de preocupação com o respeito aos direitos e necessidades básicas das crianças colocadas em adoção (proteção. no início do século XX. guiado por uma intenção instrumental e por uma perspectiva individualista e concreta. muitas vezes. a reciprocidade. cujos retornos eram esperados a médio e longo prazo.). 1982). pode-se apontar também aquelas que centram suas intenções em uma relação de submissão. 1998). gratidão e reconhecimento a ser estabelecida com o adotado.. aspectos afetivos. entre outros. um filho consangüíneo desta obrigação. Dentre as motivações hedonistas. assim. cognitivos ou comportamentais deste complexo fenômeno (Kohlberg. . Novamente. Marcílio. Piaget. Além disso. um dos principais teóricos da moralidade. Schlagman & Adams. Tais estruturas possibilitam maior articulação do raciocínio e promovem diferentes estágios de consciência moral. 1932/1994). o senso de justiça e as ações morais decorrem da aprendizagem de contingências de reforçamento e punição. 1991. Smetana. reafirmaram a universalidade cultural dos processos cognitivos e morais2. Piaget analisou o desenvolvimento moral considerando o modo como as experiências de vida dos sujeitos influenciavam a formação de julgamentos sobre regras e relacionamentos sociais. propõe que a capacidade argumentativa dos indivíduos torna-se gradativamente mais complexa à medida que emergem novas estruturas lógicas. A partir dessas idéias. que se distinguem pela apreciação de valores básicos. segundo a Psicanálise. Suas pesquisas endossaram o paralelismo entre a lógica e a moral e reformularam os métodos de estudo nesta área. Seus estudos revelaram que a moralidade se inicia pela coação de um adulto (heteronomia e realismo moral) e se encaminha para a autonomia.As teorias psicodinâmicas postulam que o processo de internalização dos padrões normativos de socialização implica obediência às regras morais diante da ausência de incentivos ou sanções externas e decorre da identificação com as exigências e interdições parentais. trazendo importantes contribuições para a compreensão da moral entre jovens e adultos. embora designe um papel menos significativo à relevância das influências sociais (Kohlberg. tais como o direito à vida e à liberdade. Kochanska. o que lhe possibilita auto-regular seu comportamento a partir da internalização de regras (Bandura. A abordagem Cognitiva-Desenvolvimental aproxima-se do modelo Sócio-Cognitivo de Bandura em sua perspectiva interacionista. A classificação dos estágios é baseada na avaliação do raciocínio utilizado como justificativa de uma ação hipotética diante de um dilema moral (perspectiva deontológica). 1993). ou com outros modelos relevantes ao longo da vida. Para o Behaviorismo. Portanto. 1964. Kohlberg descreveu essa seqüência como invariante. Kohlberg (1964). do controle exercido pelo ambiente social (Skinner. 1983). 1999. As teorias de Piaget e Kohlberg tratam a questão da moralidade como uma seqüência regular e universal de estágios que se diferenciam pela reorganização qualitativa dos padrões de raciocínio dos indivíduos. lançou seu próprio modelo sobre o desenvolvimento moral. as reações punitivas que ocorrem frente à transgressão de padrões culturais são a base dos pressupostos morais (Biaggio. reciprocidade e solidariedade. Assim como Piaget. O modelo de Kohlberg (1964). Já a Teoria da Aprendizagem Social compreende que a moralidade é fruto da interação entre o meio em que o indivíduo está inserido e suas capacidades cognitivas. segundo a Psicologia do Ego. Tanto para a Psicanálise quanto para as abordagens comportamentais. embora considerasse que nem todos os indivíduos atinjam a maturidade dos níveis mais elevados. formulado a partir da noção de um sujeito epistêmico. 1997). Ou seja. cooperação. para a . à assistência ou à justiça. O modelo de Kohlberg pressupõe que os sujeitos podem manifestar justificativas características de estágios adjacentes. A busca de transformação social nesse nível ocorre através de uma interpretação relativista da lei em prol da promoção do bem comum (estágio cinco) ou de princípios individuais de consciência (estágio seis). Há várias formas de avaliar o nível de julgamento moral. sendo cada um destes subdividido em dois estágios. a revisão apresentada por Koller e . e pelo respeito à autoridade e à manutenção do sistema social. o sistema de codificação de Kohlberg representa uma média do nível de raciocínio moral apresentado pelo indivíduo com certa freqüência. há dois instrumentos objetivos formulados a partir da concepção Kohlbergiana: o Defining Issues Test e o Sociomoral Reflection Objective Measure. Em relação à prevalência do nível de julgamento moral. voltando a ser defendida pelo autor pouco antes de seu falecimento (Kohlberg. Contudo. 1999). característica do estágio três. que são orientadas para a esquiva de punições (estágio um) ou para o prazer hedonista. O nível pós-convencional é característico de uma minoria de adultos (em torno de 5%). Boyd & Levine. mas suas limitações cognitivas os impedem de utilizar um raciocínio lógico próprio de dois ou mais estágios adiante daquele que lhe é dominante (Koller & Bernardes. características do estágio quatro. No nível pré-convencional. Monteiro. A moralidade pós-convencional refere-se a princípios éticos universais. Cabe ressaltar que níveis mais elevados de raciocínio moral são esperados quando comparados os escores obtidos em testes objetivos a medidas subjetivas (Koller et al. Além do Moral Judgment Interview. O nível convencional pode ser definido a partir da internalização de normas sociais e morais vigentes. Vargas. criado pelo próprio Kohlberg. a validade conceitual deste último estágio foi questionada e refutada por Kohlberg durante a construção de sua teoria. Em vista deste reduzido percentual. os resultados de pesquisa têm indicado que o nível convencional é alcançado pela maioria dos adolescentes e adultos de sociedades ocidentais (Biaggio.. 1990). a argumentação racional e os motivos alegados pelo indivíduo como parâmetros de sua conduta são mais importantes do que o conteúdo ou a direção de suas respostas. tais como o direito à vida. 1997). Kohlberg (1982) distingue três níveis de desenvolvimento moral. Ao considerar o raciocínio expresso nas diferentes respostas.determinação do nível de reflexão do indivíduo. O conformismo ao papel convencional que o distingue pode ser observado pela busca de aprovação social. 1994). em geral. Souza & Tesche. maior de 25 anos. a moralidade resume-se a um conjunto de normas externas. a satisfação de necessidades individuais e o utilitarismo (estágio dois). de sociedades não industriais ou de culturas não ocidentais.1992). percepção de rede de apoio social e depressão) e às estratégias de ação utilizadas. 3 e 3/4. 1996). Eisenberg. observa-se que o domínio. de uma maneira geral. o controle e a compreensão que os sujeitos têm das causas que determinam seus eventos de vida relacionam-se à motivação. Enquanto alguns indivíduos acreditam ser responsáveis pelos acontecimentos de sua vida. aos níveis de saúde emocional (bem-estar. muitos estudos têm procurado associar a moralidade a variáveis psicológicas. vide Turiel. 1988. como o destino. Tal relação seria explicada pela autoconfiança e boa expectativa de desempenho dos sujeitos capazes de criticar a moral vigente e desejar modificá-la. outros os percebem como controlados por fatores externos. Nucci. traços de personalidade e fatores demográficos (Araújo.Bernardes (1997) revela ser esperado uma menor incidência dos níveis convencional e pós-convencional entre os sujeitos provenientes do meio rural. Murphy & Van Court. O modelo que descreve as crenças de locus de controle enquadra-se na Teoria de Controle Percebido. Haidt. 1993. Locus de Controle Locus de controle é um conceito referente a crenças que os sujeitos estabelecem sobre a fonte de controle dos comportamentos e eventos cotidianos que ocorrem consigo ou no ambiente em que estão inseridos (Rotter. a sorte e a influência de outras pessoas ou entidades. 2000. realizado por Biaggio & Guazelli (1984). ao desempenho de competências e habilidades. é particularmente importante por revelar que a tendência dos indivíduos que atingem o nível pós-convencional à internalidade de locus de controle também ocorre no contexto brasileiro. Em relação aos efeitos que produz sobre o desenvolvimento. as inferências causais atribuídas pelos indivíduos e as suas conseqüências sobre a adaptação psicológica. Monteiro (2000) avalia que a maioria dos adultos não clínicos se encontra entre os estágios 2/3. Desde a formulação do modelo de Kohlberg (1964). 1998) e aqueles que evidenciam uma associação significativa entre a crença de locus de controle e o nível de reflexão social do indivíduo (Bachrach. Um estudo sobre julgamento moral e locus de controle. Carlo. 1995. os indivíduos que atribuem seus sucessos a esforços e atributos pessoais tendem a desenvolver mais afetos positivos e . Koller & Dias. 1991. Koller. que se caracteriza por abordar. Camino & Sapiro. 1966). Murk & Addleman. 1977. Konchaska. escolaridade e maturidade de julgamento moral (para revisão. Dentre os estudos que interessam à presente pesquisa. autoconceito. Huesmann & Peterson. No Brasil. o que revela uma orientação para a moralidade interpessoal e uma preocupação em manter a confiança e a aprovação social. destacam-se aqueles que apresentam uma correlação positiva entre idade. Ou seja. tendem a sentirem-se culpados. A literatura distingue três áreas que são substancialmente afetadas pelo controle percebido: o comportamento.. amedrontados. como também em seus pressupostos teóricos. Worchel. Wigfield & Schiefele. Já aqueles que justificam seus fracassos através da inaptidão e falta de capacidade. Weiner enfatiza que a interpretação das pessoas sobre os eventos de vida é mais importante para a tomada de decisão do que disposições motivacionais ou os resultados reais do evento em foco. As dimensões do modelo de Weiner (1983) referem-se ao locus de causalidade (interno ou externo). 1990) difere do modelo de Locus de Controle de Rotter (1966). 1999. 1994). o desamparo aprendido e o estilo atribucional. à natureza temporal das causas (estável ou instável) e à possibilidade de controle volitivo (controlável ou incontrolável). Uma destas diferenças refere-se às dimensões que envolvem a descrição da causalidade. além de locus de controle. Enquanto Rotter (1990) afirma que as crenças de locus de controle apresentam duas variações (internalidade e externalidade). 1998.melhores expectativas de desempenho do que aqueles que os atribuem a outras dimensões. Weiner acrescenta duas novas dimensões ao processo atribucional e afirma haver uma tendência individual para um determinado tipo de inferência causal. Os autores que trabalham com a noção de causalidade diferem não apenas quanto à direção de suas pesquisas. A partir dos fundamentos cognitivistas do controle percebido. 1998). 1997). estável no tempo. em diferencial à proposta de Rotter. Cooper & Goethals. Portanto. ansiosos. . este autor destaca que. 1973) ou motivacionais (Graham. outros pesquisadores indicam que tais crenças envolvem fenômenos perceptivos (Levenson. e as negativas. Situações positivas tendem a se relacionar a causas internas. a apresentarem menor rendimento acadêmico e a serem mais ambivalentes diante da necessidade de tomadas de decisões (Eccles. outros três construtos correlacionados que constituem a base dos estudos sobre controle percebido: a auto-eficácia. Silva. um modelo teórico de Atribuição de Causalidade foi elaborado por Weiner (1983). expostos por Rotter (1966). Furnham & McCarrey. a atribuição de causalidade não é meramente racional e depende também da natureza valorativa dos eventos. Todavia. 1999). As investigações que determinam tais associações consideram. Dela Coleta (1982) demonstra que as pessoas que sofreram graves adversidades em sua história de vida (inclusive a incapacitação física) tendem à externalidade. Entretanto. Ao afirmar a existência de predisposições atribucionais como traços cognitivos. o estilo atribucional (tendência a um tipo de percepção causal) descrito por Weiner e endossado por outros autores (Silva. Weiner (1983) enfatiza que o processo de explicações causais envolve uma variável de personalidade. definidas em termos de uma perspectiva cognitiva. às externas (Xenikou. devido à manifestação de mecanismos defensivos. as capacidades cognitivas e as expressões afetivas (Eccles et al. Nessa perspectiva. Como Rotter. pessimismo e depressão (Abramson. portanto. O crescente interesse da literatura em compreender os mecanismos envolvidos na determinação dos estilos atribucionais produziu muitos estudos na área criticando a visão estática deste construto (Collins. a um maior repertório de habilidades sociais. Dell'Aglio & Hutz. Frente a estes resultados. desalento. Segundo estes autores. Ingle & Dixon. É preciso ressaltar. Nesta direção. visto que avalia as crenças de controle em termos situacionais. 1974. como Glasgow. conseqüentemente. alguns autores. Contudo.. parece ser um dos eixos mais adequados da abordagem de Controle Percebido. Adkins. maior passividade. Seligman & Teasdale. imutável. e não a partir de uma tendência estável. a qual considera a dimensão perceptiva do conceito. 1998. Neste sentido. 1978). contribuiu para a análise descontextualizada das inferências causais.que propõe que cada evento implica uma avaliação situacional específica. em parte. Steinber e Ritter (1997) categorizam os estilos atribucionais como uma característica de personalidade funcional ou disfuncional. todavia. Tal reducionismo teve origem no uso de escalas de . um padrão disfuncional seria caracterizado pela dificuldade do indivíduo confrontar-se com seus dolos e. Weiner. Nesta perspectiva. que historicamente a constituição do modelo pressuposto de Locus de Controle. um padrão funcional estaria vinculado à apresentação de um comportamento exploratório. a teoria de Locus de Controle descrita por Levenson (1973). 2002. Findley & Cooper. Além disso. que. Em contrapartida. 1996). Welton. a avaliação das inferências causais enquanto um traço de personalidade implica um julgamento descontextualizado da situação que a suscitou. igualmente. à maior autonomia e autoconfiança e à disponibilidade de assumir as conseqüências dos atos praticados. pela delegação de responsabilidade a fatores externos. desconsidera a assertividade do comportamento emitido e as possibilidades viáveis de ação perante a magnitude da adversidade que se impôs. determinante de estilos atribucionais mais saudáveis e adaptativos (Eccles et al. 1988). Dornbusch. sendo. O pressuposto caráter individual do estilo de atribuição de causalidade e as dimensões internalidade e estabilidade que compõem o modelo de Weiner (1983) também são observados na teoria de Desamparo Aprendido concebida por Seligman (1970). a abordagem de Seligman inclui a globalidade como uma nova propriedade das causas. Este modelo propõe que os indivíduos que tendem a classificar os eventos aversivos que lhe ocorrem como algo incontrolável. Troyler. outras pesquisas também demonstram que a associação entre internalidade e controle relaciona-se a maiores índices de bem-estar subjetivo. maior dificuldade em discriminar as contingências ambientais e menor crença de auto-eficácia. generalizável a outras situações e determinado por deficiências individuais são mais propensos a desenvolver um quadro de apatia. a criação de uma tipologia sugere uma apreciação valorativa das crenças formuladas pelos indivíduos. 1983. menor engajamento em situações desafiadoras. mas distingue-se pela forma de apresentação (tipo Lickert). citado por Dela Coleta. Presson. Levenson equacionou o construto de externalidade de Rotter em duas dimensões independentes: a casualidade e o poder de terceiros.avaliação supostamente unifatoriais.3 e dp = 4. análises fatoriais demonstraram sua unidimensionalidade. No Brasil. A percepção de controle pelo acaso relaciona-se às maiores diferenças entre os subgrupos avaliados pela autora. proposta por Rotter. 1974. o instrumento não foi construído como um inventário de avaliação geral. destaca-se o estudo de Levenson (1973). Observa-se. a Escala Multidimensional de Locus de Controle de Levenson foi adaptada por Dela Coleta (1987).3 e dp = 5. mas como uma medida de expectativa referente a várias áreas. tornando esse teste num instrumento de avaliação global. Contudo.6). cujo resultado distribui-se entre duas polaridades: a internalidade e a externalidade. realizado por Pasquali. Connell. Originalmente.. Ao supor que as pessoas que acreditam no poder de outros sobre si diferem daquelas que percebem os acontecimentos como imprevisíveis. 1996). Dentre estes.6. Em vista destes resultados. Alves e Pereira (1998). ainda. Os resultados de Dela Coleta evidenciaram maiores escores na escala internalidade. 1985. o inventário de Levenson considera como fatores analisáveis a internalidade. 1981. 1987. também encontrou evidências de que a internalidade correlaciona-se positivamente com o nível de escolaridade. o presente trabalho propôs-se também a analisar a relação existente entre as crenças de locus de controle e as demais variáveis consideradas. Levenson (1973) desenvolveu uma escala multidimensional de locus de controle.4 (dp = 4. cujo escore médio foi 28. que a idade e o grau de escolaridade dos participantes relacionaram-se negativamente à crença de controle em outros poderosos. Portanto. Clark & Benassi. Outro estudo nacional. outros poderosos: M = 18. o acaso e a influência de outros poderosos. Welton et al. uma vez que a percepção de controle externo pode corresponder à realidade de uma situação específica. 1997. 1989). Ao considerar que a externalidade não é um indicativo de características depreciativas do sujeito. Dela Coleta. Os fatores acaso e outros poderosos apresentaram valores médios aproximados entre si (acaso: M = 19. A Escala de Locus de Controle Interno-Externo. Esse instrumento é baseado teoricamente em Rotter (1966). pela distinção pessoal-ideológica realizada e pela separação das dimensões de controle externo. tal qual ocorre em amostras norte-americanas (Levenson. . foi um dos primeiros testes psicométricos elaborados nessa área e o mais difundido. como a escala criada por Rotter (1966) no início de sua pesquisa (Tamayo.9). 1987). Diversos trabalhos subseqüentes ao estudo de Rotter (1966) criticaram a imprecisão do termo externalidade e foram mais adiante para elucidar as especificidades e o significado psicológico que o conceito implica (Collins. No grupo adotivo. escolaridade. alguns itens relativos ao histórico da adoção realizada. sem significado semântico. O grau de escolaridade mais freqüente da amostra foi o nível superior (60%).Método Participantes Participaram desse estudo 40 mulheres. A faixa etária dos grupos variou entre 30 e 71 anos e a média de idade foi 42. elaborado originalmente por Gibbs. 1987) e a adaptação brasileira do Sociomoral Reflection Objective Measure (Biaggio & Barreto.2 anos (dp = 9. Em geral. . Cada item é constituído por alternativas que expressam respostas típicas dos diferentes estágios de desenvolvimento moral propostos por Kohlberg. a importância social (10%). 20 mães adotivas e 20 mães biológicas. existe ainda uma opção de "resposta alienada". Quanto aos motivos da adoção. Ressalte-se que as categorias de escolaridade foram agrupadas de modo abrangente. seguido pelo ensino médio (25%) e fundamental (15%). A maioria das participantes era casada (55%). As mulheres solteiras. a perda de um filho (5%) e o acolhimento de um parente (5%). é composto por dezesseis itens baseados em dois dilemas morais hipotéticos. entre outros. a fim de garantir maior representatividade dos diferentes níveis de instrução. Em cada questão. a ficha descritiva incluía. 1991). viúvas e separadas ou divorciadas distribuíram-se igualmente no restante da amostra. O Sociomoral Reflection Objective Measure (SROM) é um instrumento unidimensional de investigação do nível de maturidade moral dos indivíduos. familiares e sócio-econômicas. visto que três ou mais respostas deste tipo invalidam o protocolo.25). 60% das adotantes relacionaram-na ao fato de não poder ter filhos biológicos. Na amostra adotiva. 25% das mulheres já haviam se submetido a processos de inseminação artificial. Arnold e Burkhart (1984). bem como à percepção do apoio social recebido após o nascimento ou adoção do filho. Os demais instrumentos utilizados neste estudo foram a Escala Multidimensional de Locus de Controle de Levenson (Dela Coleta. situação conjugal e número de filhos. Instrumentos Os dados sócio-demográficos das participantes foram coletados através de um questionário contendo informações referentes a características pessoais. cuja finalidade é excluir da amostra os indivíduos descomprometidos com o estudo ou cognitivamente limitados. Os demais motivos citados foram o desejo de maternidade de mulheres solteiras (10%). Ambos grupos foram emparelhados em relação à idade. ainda. as participantes eram mães de um único filho (60%). O inventário. 82. A soma dos escores obtidos pode variar de 100 a 500 pontos. A validade fatorial do instrumento adaptado foi também corroborada pelo trabalho de Tamayo (1989) que demonstrou que a consistência interna das subescalas varia entre 0. adaptada por Dela Coleta (1987). Também a adaptação do instrumento para população brasileira. A Escala Multidimensional de Locus de Controle de Levenson. demonstrou que o inventário apresenta propriedades psicométricas adequadas à sua aplicação. realizada por Dela Coleta (1987). . Inicialmente. Quanto maior o escore obtido. A validade de construto do instrumento foi avaliada através de correlações com as variáveis idade. acaso (C) e outros poderosos (P). Quanto às características psicométricas do instrumento. Isto ocorre devido à desconsideração do estágio 6 (princípios universais de consciência). As respostas referentes ao teste ocorrem através de uma escala tipo Likert de cinco pontos. realizada por Biaggio & Barreto (1991). os índices de fidedignidade e consistência interna obtidos na versão original foram satisfatórios (fidedignidade do tipo temporal = 0. Procedimentos A seleção das participantes ocorreu em dois momentos.84 e 0.77 em duas amostras). A correlação entre as respostas apresentadas ao SROM e a outra medida de avaliação de julgamento moral (as Situações de Julgamento Moral de Kohlberg) revelou um resultado igual a 0. três mães adotivas foram contatadas a partir do cadastro de um grupo de adotantes. na qual os participantes devem indicar o grau de concordância com a questão apresentada.69. baixos escores em uma subescala não são indicativos de que o participante atribua controle a outras fontes. Os resultados de cada subescala estendem-se em um intervalo de oito a quarenta pontos. evidenciou que a escala apresenta características psicométricas satisfatórias.As respostas dos participantes indicam sua avaliação sobre a conduta das personagens das histórias e os argumentos que norteiam seu julgamento. Expressam apenas descrença naquela fonte controladora. maior é a crença do participante de que o fator correspondente àquela subescala é o responsável pelo controle de seus eventos de vida.45. informadas sobre os objetivos do estudo e convidadas a participar da pesquisa e a indicar outras mães adotivas não pertencentes a grupos de apoio à adoção. composta por 24 itens. Trata-se de uma medida multidimensional. Alpha de Crombach = 0. é um instrumento objetivo de auto-relato que visa à investigação das explicações causais formuladas pelos indivíduos para justificar a ocorrência dos eventos descritos. referentes às crenças de internalidade (I). escolaridade e nível de inteligência (QI). para viabilizar o emparelhamento de variáveis demográficas em ambos grupos. indicando bons resultados. A adaptação do instrumento para a população brasileira.57 e 0. Entretanto. l. sendo lidos e respondidos pela própria participante.81. A aplicação dos instrumentos realizou-se na residência da participante. = 38. Resultados Não foram encontradas diferenças significativas entre o nível de julgamento moral de mães biológicas e mães adotivas (t = 0.44.l.66). = 38. Da mesma forma. O questionário e as escalas foram aplicados de forma individual.88. selecionadas em escolas.94). g. .94. Em ambos os grupos.Após a realização do levantamento demográfico da amostra adotante. p < 0. os escores obtidos nas subescalas de locus de controle não apresentaram diferenças entre os grupos em nenhum dos fatores avaliados (internalidade: t = 0. Para tanto. p < 0. O anonimato e a confidencialidade das informações foram garantidos. após combinação prévia. coletaram-se os dados entre as mães biológicas correspondentes. Foi disponibilizada aos grupos a oportunidade de uma devolução individual da avaliação realizada.l. p < 0. p < 0. Os resultados referentes às médias obtidas pelos grupos nas escalas de julgamento moral e locus de controle são apresentados na Tabela 1. solicitou-se que as interessadas registrassem um dado pessoal de sua escolha que possibilitasse a identificação dos instrumentos correspondentes. = 38. = 38. outros poderosos: t = 0. acaso: t = 1. g. a ordem de aplicação dos testes foi aleatória para cada participante.l.10. Incluiu-se na amostra apenas as mães que preencheram de forma completa todos instrumentos e que entregaram um consentimento informado da sua participação na pesquisa. g. g.28. p < 0.01). Neste grupo. p < 0. nesta amostra. Também quanto ao nível de internalidade do locus de controle encontrou-se uma diferença significativa relativa à situação conjugal [F(3. observou-se que a percepção da amostra adotiva quanto ao apoio recebido quando . O fator que mais se aproximou de um índice significativo (p < 0. Uma das diferenças significativas estabelecidas ocorreu entre as mulheres casadas e as separadas ou divorciadas (p < 0.01). o Teste de Tukey indicou que as diferenças ocorrem entre os subgrupos 1o e 3o grau (p < 0. A análise das diferenças entre o estado civil das participantes e os escores obtidos nas escalas utilizadas indicou a rejeição da hipótese de independência no que se refere ao julgamento moral [F(3.Na amostra total.05].48. Os resultados não revelaram diferenças significativas entre maturidade de julgamento moral e locus de controle nos grupos com e sem experiência de fertilização artificial.08] e internalidade [F(2. foi encontrada uma correlação positiva e significativa entre o nível de julgamento moral e a crença de internalidade de locus de controle (r = 0. encontrou-se uma diferença significativa entre os grupos de diferentes níveis de escolaridade quanto aos escores de julgamento moral [F(2.05].05). Quanto à relação existente entre as variáveis sóciodemográficas e os índices referentes à raciocínio moral e às crenças de locus de controle. 37) = 1. p < 0. p < 0. 37) = 4. No que se refere à descrição de apoio percebido (qualquer forma de assistência.07) é o que se caracteriza pela atribuição dos eventos de vida à influência de outros poderosos. p < 0. 36) = 2. menor é sua tendência a explicar os eventos de sua vida a partir do controle externo de outros poderosos. p < 0.30. Na amostra de mães adotivas. Entre as mulheres que se submeteram à fertilização artificial prévia. verificou-se que os motivos alegados para a adoção não diferenciam as mães quanto a seus níveis de reflexão social ou controle percebido.73. p < 0. Outra correlação significativa ocorreu entre os fatores acaso e outros poderosos (r = 0. optou-se por um teste não paramétrico (Mann-Whitney) para fins desta avaliação. devido ao reduzido tamanho da amostra adotiva. Conforme se observa na Tabela 2. diferenças significativas entre os fatores acaso [F(2.99. Os dados apresentados na Tabela 2 indicam ainda que o nível de escolaridade não implicou. Os resultados são apresentados na Tabela 3.05).01]. Quanto maior o grau de instrução do indivíduo.63. 36) = 3. analisou-se também se elas apresentavam níveis de julgamento moral e de locus de controle distintos das que não realizaram tal procedimento. conforto ou informação provida) dos grupos sociais a que pertence a participante.60.29].50. 37) = 13. 37) = 2.01) e 2o e 3o grau (p < 0. A única diferença encontrada refere-se à crença em outros poderosos [F(2.02]. p < 0.42. quanto àquelas que realizam adoções atípicas (tardias. maiores de dois anos de idade ou portadoras de necessidades especiais esperarem por uma família substituta por um tempo substancialmente maior do que as crianças brancas e recém-nascidas (Chaves. justificar as dificuldades de adaptação dos adotados (Brodzinsky et al. ou o menor apoio social percebido pelas mães adotantes. inférteis ou não. ou de portadores de necessidades especiais). nem regida pela lógica de alcançar o interesse do outro em detrimentos aos seus próprios. p < 0. p < 0. Por um lado. é possível que as causas mencionadas sejam uma resposta "politicamente correta". é preciso enfatizar que a maioria das famílias adotantes apresenta como principal motivação à adoção a infertilidade. g. em termos de fisionomia. Portanto. que pareçam. os resultados evidenciaram a grande freqüência das situações de preconceito a que as famílias adotivas são expostas. filhos saudáveis. Sobre a percepção do estigma da adoção. 2000) revela que a adoção. Visto que o . Discussão Os resultados não revelaram diferenças significativas entre os níveis de julgamento moral e locus de controle entre mães adotivas e biológicas.48). faz-se necessário considerar que 40% da amostra alegou outras motivações para a adoção que não a infertilidade. o que pode.l. = 2. Além disso.01). = 2.l. O fato de as crianças negras. Por outro. parentes: χ ² = 1. mas não possuía filhos biológicos. ou mesmo uma esquiva frente à frustração da impossibilidade de gerar filhos congênitos. 2001). p < 0.43. é interpretada por algumas pessoas como uma forma de viabilizar aos pais. esses dados apontam para a necessidade de desmistificar as afirmações do senso comum que indicam uma expectativa de maior filantropia ou maior hedonismo entre os adotantes. 2002). inclusive. Embora alguns estudos relacionem a adoção ao altruísmo (Ebrahim. g. = 2. esses achados repercutem sobre a compreensão da dinâmica das famílias adotivas e dos mecanismos que determinam as motivações à parentalidade adotiva. Weber.45. impõe alguns requisitos sobre os atributos pessoais da criança ou adolescente a ser perfilhado que demonstram que a aceitação não é incondicional. De qualquer forma. interraciais. 1998.66. Reppold & Hutz.l. na amostra adotante. Ainda em relação à discriminação associada à adoção. 70% das mães relataram já ter vivenciado episódios de discriminação em razão da situação adotiva de seus filhos. 2001. muito próximos de seus adotantes.da colocação da criança na família difere significativamente do grupo das mães biológicas (χ ² = 8. g.. afirmando que esta é uma característica comum tanto às famílias que já possuem filhos. Já em relação ao apoio do marido ou companheiro e dos parentes próximos não houve diferenças significantes (marido ou companheiro: χ ² = 0.71. ainda hoje. a média estabelecida neste estudo caracteriza a amostra no subestágio 3/4. ambas relativas à crença de controle em fatores externos ao indivíduo. Outro dado interessante encontrado neste estudo foi a diferença significativa obtida entre mulheres casadas e separadas ou divorciadas a propósito da maturidade de julgamento moral e da internalidade de locus de controle. observou-se que os escores de locus de controle aproximam-se dos resultados encontrados em outra amostra brasileira (Dela Coleta. esposa e trabalhadora (Tholman. provavelmente reflitam uma característica da cultura brasileira: a valorização das relações interpessoais. a promoção de redes de apoio emocionais e instrumentais é uma forma de oportunizar contingências para um melhor ajustamento das famílias adotivas.apoio recebido é um importante fator protetivo à adaptação psicológica. pode-se pensar que talvez a situação de separação seja propulsora do desenvolvimento de autoconfiança e independência. 1994). Ressalte-se que a manutenção das boas relações no casamento. ou mesmo conseqüência da autonomia destas mulheres. As análises mostraram ainda uma correlação entre as subescalas acaso e outros poderosos. A partir destes achados. Estes dados. 1995). Enquanto os resultados apresentados por Monteiro (2000) variaram entre os estágios 2/3 e 3/4. Uma vez que a assistência e responsividade social de terceiros podem repercutir diretamente sobre a saúde emocional das crianças recém colocadas em novos lares substitutos (através do cuidado que disponibiliza) e também de forma indireta. em nossa sociedade. os dados apresentados deveriam ser considerados pelos profissionais de saúde envolvidos nos processos de adoção. Um estudo comparativo sobre o ajustamento psicológico e o estado civil de norte-americanas demonstra que as mulheres que apresentam melhores índices de adaptação psicológica. entre estes locus de controle. 1988). as relações estabelecidas entre os sujeitos. Como este achado contradiz a ortogonalidade dos fatores que compõem a escala . a resolução de conflitos preconiza. que sugere que. é possível pensar que as mulheres separadas conseguiram romper a busca de aprovação social. uma vez que a predominância deste estágio ocorre também entre o sexo masculino (Biaggio. são as que têm menos conflitos em desempenhar seus papéis de mãe. para a qual a autoconfiança pode ter sido fator essencial. No que refere às demais medidas investigadas. que indicam uma orientação para o nível convencional (intermediária entre o estágio da afetividade e da manutenção das leis). característica do estágio três. O mesmo ocorreu em relação ao nível de raciocínio moral. essencialmente. a fim de trabalhar com as famílias a constituição de redes de apoio que contemplem suas necessidades. em detrimento aos direitos individuais. não deve ser confundida com passividade e submissão. 1987). Esta idéia é endossada por Da Matta (citado por Koller et al. No que tange à distinção do nível de julgamento moral.. por meio do aumento do bem-estar e autoconfiança da mãe. obediência à autoridade e adequação à expectativa social). Pode-se considerar que isto esteja ligado à associação que se estabelece no Brasil e em outros países em desenvolvimento entre o nível de escolaridade e a classe social dos indivíduos. trabalho. Ou seja. segundo os padrões avaliativos de Kohlberg. com o grau de instrução das participantes.). Uma diferença significativa foi obtida entre o grau de instrução das participantes e seu nível de julgamento moral.de Levenson. ainda. que demonstra uma tendência à externalidade pelas vítimas de infortúnio. Pode-se cogitar que o ambiente acadêmico oportunize acesso a discussões que envolvem dilemas morais. de modo a desenvolver a maturidade da reflexão social dos graduandos. apresentam mais respeito aos superiores e às normas vigentes e maior engajamento em empreendimentos coletivos. Sob esta perspectiva. A expectativa de controle por outros poderosos relacionou-se. Enquanto a ética da comunidade estaria relacionada ao nível convencional de Kohlberg (caracterizado pela coletividade. visto que este é um construto situacional que deve ser analisado em diferentes dimensões (família. 1998. Por outro lado. as diferenças culturais apontadas na pesquisa podem fomentar as discussões sobre a existência do pluralismo moral. muitos estudos indicam a eficácia dos programas de educação moral (Biaggio et al. uma hipótese que poderia justificá-la é a situação de vulnerabilidade em que as mulheres se colocam frente ao conhecimento técnico e à manipulação de seu corpo. os quais assumem direções antagônicas. A propósito da tendência à crença de controle por outros poderosos.. Nesta direção. encontrada na amostra com experiência malsucedida de fertilização artificial. atividades acadêmicas etc. a ética da autonomia estaria mais próxima do nível pós-convencional (marcado pela auto-regulação e livre arbítrio). Outra possibilidade não excludente de interpretação das diferenças nos escores de julgamento moral determinadas pelo grau de instrução é que o melhor desempenho das participantes com maior nível de escolaridade deva-se à melhor compreensão dos itens que compõem o instrumento. o presente estudo suscita novamente as discussões sobre as dimensões consideradas quanto à busca de explicações causais para os diversos eventos e comportamentos experienciados. Camino. 1999. Os estudos que seguem este modelo de moralidade postulam que os indivíduos pertencentes a culturas menos providas economicamente tendem a ser mais sensíveis à ética da comunidade. Shweder (1990) sugere que é possível distinguir pelo menos duas variantes da ética: a ética da comunidade e a ética da autonomia. 1999). Este resultado pode ser comparado ao estudo de Dela Coleta (1982). o que os classificaria. Dias. de forma negativa. cabe ressaltar que a subordinação econômica não deveria ser sinônimo de menor autonomia psicológica. . Todavia. entre os estágios três e quatro. [ Links ] Biaggio. F. Portanto. Os resultados deste trabalho exploratório e suas implicações requerem a realização de outros estudos que o corroborem utilizando amostras maiores e situadas em outros contextos. M. Em vista das relações estabelecidas na literatura entre internalidade.. & Barreto. A. [ Links ] Biaggio. os achados apresentados lançam novas direções às pesquisas subseqüentes relacionadas a uma área ainda incipiente no Brasil: os fatores moderadores da adaptação psicológica das famílias adotivas. M. L.. 48. ocorreu uma correlação positiva entre a internalidade de locus de controle e a maturidade do nível de julgamento moral. E. (1999).Conforme esperado. Nova York: W. B. M. quanto maior a maturidade da reflexão social do indivíduo. 107-119. (1984). Arquivos Brasileiros de Psicologia. pode-se afirmar que. 137-153. Psicologia: Reflexão e Crítica. Findley & Cooper. 1983. Cognição. (1978). R. 1340-1352. H.. Glasgow et al. 6069. (1991). V. Self-efficacy: the exercise of control. E. [ Links ] Bachrach. ao desenvolvimento de competência e a outras medidas de saúde emocional.. B. [ Links ] Biaggio. Adaptação brasileira de uma medida objetiva de julgamento moral. R. M. Learned helplessness in humans: critique and reformulation. 87. J. motivação e bem-estar (Eccles et al. Huesmann. A. & Peterson. [ Links ] Bandura. 1998. A. 26. S. é provável que a reflexão social se vincule também à expectativa de desempenho.. Y. Apesar de suas limitações. A. P. 49-74. 2. D. M. (1997). L. [ Links ] Araújo. 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(1988).. convenções sociais variam conforme as normas estabelecidas em determinado tempo e espaço.11. Pacific Grove: Brooks/Cole. 530543. 53-69.02 Aceito em 06. Ingle. Attribution theory in education. M. B.. 1. 88. Attributional styles for negative events: a proposition for a more reliable and valid measure of attributional style. A. Gagno. 13-25. 447456. 4.01 Revisado em 22. Some methodological pitfalls in attributional researches. Journal of Clinical Child Psychology. 119-164. A. (1995). 2 Ressalte-se a diferença existente entre a universalidade cultural dos processos cognitivos e morais e a unicidade transcultural das convenções sociais. M.03 Notas 1 Contudo.03. M. [ Links ] Welton. 21-25. N. R.. (1997). G. Nucci (2000) afirma que a moralidade pode ser definida a partir de concepções subjacentes do indivíduo sobre a garantia de bemestar e tratamento justo a seus pares. a fim de promover a melhor organização desse. é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul . doutoranda do Programa de Pósgraduação em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. foi montado um questionário que foi aplicado a 60 pessoas de diferentes idades e profissões. repercussões da doação na vida de quem doa e na vida da criança. doutor em Psicologia pela University of Iowa/EUA. Claudio Simon Hutz. pontos positivos na doação de um filho. Fone: (51)3316-5076 Fax: (51)3330-4797 E-mail: hutzc@ufrgs. Mestrado em Psicologia Clínica da UNICAP II Endereço para correspondência RESUMO Este trabalho tem como objetivo investigar como os indivíduos percebem a pessoa que entrega um filho para adoção e as circunstâncias que envolvem este ato. UFRGS. justificativas para a doação de um filho e direito ao reencontro entre doador e o filho. após a categorização das respostas por temas afins.UFRGS. 2 I Psicologia do UNIPÊ Departamento de Psicologia. é professora da Universidade do Oeste de Santa Catarina e do Centro Universitário Feevale. Cristina Maria de Souza Brito DiasII.br Percepção de homens e mulheres acerca de quem entrega um filho para adoção Ivana Suely Paiva Bezerra de MelloI. 90035-003. embora ainda permeado de contradições e ambivalências. Caroline Tozzi Reppold. 1. RS.convenções se referem a padrões de conduta estabelecidos por um determinado grupo social. Ramiro Barcelos 2600. As variáveis analisadas foram as seguintes: características de quem doa um filho. motivos que levam à doação. Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia. sendo 30 de cada sexo. Concluímos por uma maior abertura para com o tema. foram entrevistados 10 adultos e. Porto Alegre. tendo . Para tal. as mulheres se mostrado um pouco mais severas na percepção sobre os doadores e sobre a possibilidade do reencontro com o filho. No entanto. Parents who donate. Although many ambivalences and contradictions were found. uma vez que se acredita que. On the other hand. men significantly pointed out that the donation takes place due to the lack of concern with a child. sendo tal resultado significativo. sendo o pai omitido nesse processo. destacaram-se ao assinalar que a doação se dá por falta de preocupação com o filho. Adoption. Adoção. estigmatizada. the consequences of this act in the life of the one who made the donation and also in the child`s life himself. their motivations. Specifically we observed that women tend to be more severe in their perception about the donors and the possibility of future meeting. bem como de grupos de estudo e apoio à adoção em todo o Brasil. the justification for the donation of a child and the right of a future meeting between the parents and the child. Os próprios profissionais que lidam com essas mães não as escutam ou tendem a classificálas segundo estes estereótipos. geralmente. por sua vez. So. algumas vezes. delinqüente e de comportamento sexual indesejável (Hartman. de má conduta. the positives aspects of this donation. Alguns trabalhos que se detiveram na mãe doadora tendem a vê-la. Os homens. we made up a questionnaire containing these themes which were applied to 60 (30 males and 30 females) people of different ages and professions. Esta entrega geralmente é feita pela mãe. Temos constatado um aumento da literatura existente sobre adoção. Gore e Taborda 2001). que é a entrega ou doação de um(a) filho(a) para adoção. existem ainda poucos estudos no que se refere à outra face da adoção. we concluded by a wider view of this problem. Keywords: Donation/delivery. In order to do that 10 adults were interviewed and their answers classified by similar themes. ABSTRACT The objective of the present paper is to investigate how people see the attitude of those who give away his/her child for adoption and what circumstances this action involves. 1994). Palavras-chave: Doação/entrega. ele nem sabe da gravidez ou então abandona a companheira e o filho. The following variables were analyzed: the personal characteristics of the parents. Pais que doam. como uma pessoa excluída. que os protegem de uma escuta mais espontânea para compreenderem o que de fato as está levando àquele ato (Giberti. As autoras . Sabe-se menos ainda sobre os pais biológicos de crianças adotadas. Freston e Freston (1994) realizaram um trabalho sobre a doação de recém-nascidos atendidos na enfermaria de Obstetrícia e Neonatalogia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher. isto é considerado um ato de amor. Na sua experiência de lidar há vários anos com as mães doadoras. o fazem para protegê-los da violência que as habita.salientam que “a cegueira social que omite a existência das mães doadoras como pessoas as enquadra na posição de provedoras de filhos para outros” (p. . com idade acima de 21 anos. Segundo a autora. pela qualidade desses desejos. se as mães decidiram se separar definitivamente de seus bebês desde o seu nascimento. com baixos salários e necessidades básicas insatisfeitas. Santos (2001). Gonzales e Albornoz (1990) também admitem que a doação se dá por ser a única saída de proteger o filho do desamparo vivido por elas. Dessa forma. sem outras fontes de renda e que engravidou de relação eventual. O perfil que emergiu da mãe doadora corresponde ao de uma mãe solteira ou sem companheiro no momento do parto. pois isso fará com que a criança possa ter um desenvolvimento adequado em direção à independência e à autonomia. é permitida à criança uma chance de existência. Isso pode ser observado. pois as mães se identificam com as necessidades da criança. como se tivesse que se continuar assim. que levam essas mulheres à doação e chama a atenção para que se evite uma leitura moralizadora ou ideologicamente tendenciosa acerca dessa questão. Assim. embora admitindo que os fatores de ordem sócio-econômica são importantes para justificar a entrega de um filho para adoção. da Universidade Estadual de Campinas. por si sós. sendo importante que os profissionais que lidam com essas pessoas adotem uma postura de respeito e convivência com as diferenças culturais. as mães. e. com educação primária incompleta. inclusive. através da doação. 178). O trabalho de Bonnet (1991) trouxe uma outra visão sobre aquilo que a nossa sociedade chama de abandono ao afirmar que a ruptura da filiação é um ato de amor para proteger a criança. (2001) também encontraram que as mães doadoras são mulheres que pertencem ao setor mais desfavorecido. subjetivas. então renunciam aos filhos para que sejam cuidados por outros. eles não são suficientes. O amor que elas não tiveram nas suas vidas não poderão dar. como também nem todas sofrem a dor da perda e da impossibilidade de maternar os filhos. A autora supõe que existam motivações interiores. além de serem jovens e migrantes. Dessa forma. Giberti et col. não é questionado seu papel. trabalho incerto como empregada doméstica. a autora constata que nem todas são pobres e excluídas. tendo examinado os fatores que contribuem para a decisão materna de doar um filho. por sua vez. Leão (1990) comenta que o melhor para o sujeito é que ele encontre alguém que o deseje. principalmente. ideológicas e individuais dos grupos atendidos. acreditando que a normalidade da pessoa é determinada pelos desejos. através da História. salienta que. motivos que levam à doação de um filho. como também foi realizadoo Qui-quadrado (χ 2) para observar se havia diferenças entre os sexos. Fem. A tabela 1 apresenta os resultados referentes às características percebidas na pessoa que entrega um filho para adoção. Após a categorização das respostas por temas afins. Metodologia Sujeitos Inicialmente. pontos positivos na doação de um filho. percebem a pessoa do doador e as circunstâncias que envolvem o ato de entregar um filho para adoção. O questionário foi aplicado a 60 pessoas. por ser um questionário de múltipla escolha. repercussões da doação na vida de quem doa. bem como na universidade. 30 de cada sexo. com idades variando entre 21 a 77 anos. Denominamos os sujeitos do grupo masculino G. com vários níveis de escolaridade e profissão. e os do grupo feminino. foi realizada uma entrevista semi-estruturada com 10 pessoas de ambos os sexos. Instrumento O questionário utilizado compreendeu os dados sóciodemográficos e as questões pesquisadas que correspondem às seguintes dimensões: características de quem doa um filho. repercussões da doação na vida do filho. tendo-lhes sido explicado o objetivo da pesquisa e solicitada sua colaboração. justificativas para a doação e direito de o doador reencontrar seu filho. Vale salientar que.Tendo descortinado um pouco a complexidade que envolve o tema doação/entrega de um filho para adoção. Masc. Todos os sujeitos tinham filhos e residiam na cidade de João Pessoa. interessamo-nos em realizar uma pesquisa com o objetivo de investigar como homens e mulheres. o percentual em cada variável pode ultrapassar 100%. G. Procedimento Os sujeitos foram procurados em ambientes de trabalho. foi montado um questionário contendo 7 questões fechadas e de múltipla escolha. . Resultados Os dados da pesquisa foram tratados em termos de freqüência e percentual. entre as mulheres encontramos 17% com essa percepção. afirmam que a doação se daria devido ao fato de o doador considerar que outra pessoa cuidaria melhor de seu filho. O item imatura ficou com 23% para ambos os sexos como característica da mãe que doa. sendo que nesse item os homens se abstiveram. Esse resultado foi significativo a favor do grupo masculino (X² = 5. num percentual de 57%.05) e chamou-nos a atenção. A imaturidade ainda se apresenta como um dado .Como podemos observar na tabela acima. Este foi seguido da por falta de preocupação com o filho para 53% dos homens. o item incapaz de criar um filho devido à situação financeira aparece em primeiro lugar. na percepção dos sujeitos. consideram que o principal motivo para essa atitude é acreditar que outra pessoa cuidará melhor de seu filho. Na tabela 2 encontramos os motivos que levam uma mãe a doar um filho. Já 33% dos homens e 27% das mulheres consideram-na irresponsável. tanto nos homens (53%) como nas mulheres (60%). A falta de condições financeiras apareceu para 57% das mulheres como fator relevante para esse ato. num percentual de 57%. enquanto que. Tanto os homens como as mulheres.67 p < 0. já que os mesmos homens. importante para ocorrer a doação (20% para os homens e 33% para as mulheres). estão dispostos os resultados acerca das repercussões da doação na vida da pessoa que doa um filho. Excesso de egoísmo apareceu em 20% nas mulheres. ficando em segundo lugar o oferecimento de condições de sobrevivência e cuidados mais adequados à criança (40% para os homens e 53% para as mulheres). sendo ausente no grupo masculino. De acordo com a tabela 3. e faz outras pessoas felizes para 17% dos homens e 27% das mulheres. A tabela 3 apresenta os resultados acerca dos pontos positivos na doação de um filho. Na tabela 4. podemos constatar que 47% dos homens e 37% das mulheres consideram como ponto positivo na doação de um filho a continuidade de uma vida. Ainda encontramos como pontos positivos não foi praticado um aborto para 20% dos homens e 30% das mulheres. a ignorância foi apontada por 16% dos homens e 17% das mulheres. . Finalmente. seguida de sentimentos de vazio e rejeição (37% para os homens e 33% para as mulheres). (13% para os homens e 33% para as mulheres). desajuste emocional. seguido de preocupação com o futuro do filho. e desespero e amargura em 30% das mesmas. em primeiro lugar. . tristeza/baixa auto-estima (7% para homens e 17% para mulheres). 33%. viria a preocupação com o futuro do filho. ou seja. encontramos percepções semelhantes. que elas dependem da idade em que a criança foi adotada (67% para os homens e 47% para as mulheres). Já o item culpa e remorso foi detectado em 47% das mulheres. e impossibilidade de ser feliz. Quanto às repercussões da doação na vida do filho. depois dos sentimentos de perda e vazio. 7% para homens e 3% para mulheres. podemos observar que. 37%. encontramos. assim encontramos 33% dos homens e 23% das mulheres pensando dessa forma. Na tabela 6. sentimentos de culpa e remorso (20%) e desespero e amargura aparecem com percentagem menor (17%). Nos itens arrependimento e dúvida sobre seu ato. foram encontradas as seguintes percepções: 37% dos homens e 47% das mulheres acreditam que a repercussão na vida de quem doa é um sentimento de perda e de vazio. Já nos homens. Chama a atenção que o item alívio por se livrar da responsabilidade só foi assinalado pelas mulheres (23%). 20% para ambos os sexos. A tabela 5 apresenta os resultados das repercussões da doação na vida do filho. com uma percentagem bem baixa. encontramos os resultados acerca das justificativas para a doação de um filho.Como podemos visualizar na tabela 4. como doenças. observamos os homens (23%) mais favoráveis do que as mulheres (13%). só é justificado o encontro em casos extremos. deparamo-nos com uma percentagem de 23% para os homens e 10% para as mulheres. No que se refere a atender os interesses dos pais adotivos. tanto para os homens (40%) como para as mulheres (47%). Para 17% dos homens e 10% das mulheres. na tabela 7 encontramos os resultados acerca do direito do doador de reencontrar o filho. No item deve-se permitir o reencontro. concordando que é direito da criança conhecer seus pais biológicos. A imaturidade dos pais foi percebida apenas pelos homens. Na percepção dos respondentes. com uma percentagem de 7%.Como podemos observar. encontramos 47% dos homens e 53% das mulheres. Finalmente. a doação só deve ocorrer em casos extremos. com 40% para os homens e 30% para as mulheres. . ficando risco de vida por parte dos pais biológicos com 30% para os homens e 37% para as mulheres. Isso foi seguido da falta de condições financeiras do doador. Isso foi seguido de depende do contexto para 37% dos homens e 50% das mulheres. O item não se justifica obteve 33% para ambos os sexos. que é a doação. “o mal menor”. assinalaram o excesso de egoísmo das pessoas que entregam os filhos para adoção. citado em Hartman. sendo este um dos fatores mais relevantes para a criação dos orfanatos. e apenas 10% do grupo feminino não concorda com o reencontro. As mulheres. encontramos que os sujeitos percebem as pessoas doadoras como incapazes de criar o filho devido à situação financeira. uma vez que assinalaram que o motivo seria achar que outra pessoa cuidará melhor do seu filho e. Nos dados apresentados na tabela 2 sobre os motivos que levam à doação de um filho. Isto nos remete à história da adoção. para ambos os sexos.. verificou a existência de preocupação com o futuro do filho. arrependimento e dúvidas sobre seu ato. Gore e Taborna (2001). por sua vez. à imaturidade e à irresponsabilidade. desespero e amargura. Relacionados a esse item. temos as categorias oferecer cuidados e condições de sobrevivência à criança e não foi praticado um aborto. Esta constatação talvez explique os resultados encontrados. Hartman (1994). os homens assinalaram que é por falta de preocupação com o filho. 1994). Na análise da tabela 3. Discussão dos Resultados Ao analisarmos a tabela 1. podemos constatar a contradição e a ambivalência dos respondentes. culpa e remorso. segundo Vargas (1996). preocupação com o futuro do filho.transplantes etc. A tabela 4 apresenta os resultados acerca das repercussões da doação na vida do doador. Estudos realizados com pais doadores (Deykin. Estudos como os de Giberti. o fato de dar continuidade a uma vida foi um ponto positivo bastante assinalado. especialmente a mãe. Os demais resultados foram semelhantes para os dois sexos e confirmam o que foi visto na tabela 1 ao atribuírem a doação à falta de condições financeiras. o que também ocorreu na percepção de . ao entrevistar pais doadores. da última alternativa para a sobrevivência da criança. lançando mão. Brodzinsky (1990. Campbel e Patt 1988. uma vez que a doação daria possibilidade para pessoas que não podem gerar seus próprios filhos constituírem suas famílias. Weber (1998) e Marcílio (1998). mostram que grande parte das mulheres que doam seus filhos são adolescentes de classe social desprivilegiada. Ainda encontramos o item fazer outras pessoas felizes como ponto positivo. sendo este resultado significativo. 1994) encontraram respostas similares às contidas na nossa pesquisa. apud Hartman. As categorias que se destacaram foram sentimentos de perda/vazio. onde se observa que era praticado o infanticídio como forma de os pais se livrarem das crianças indesejáveis. vazio e efeitos negativos em suas vidas. ao mesmo tempo. ignorância e imaturidade dos doadores. portanto. como sentimento de perda. Gonzales e Albornoz (1990). constatamos que. principalmente da mãe adotiva.nossos respondentes. Sem dúvida. Para a autora. semelhante ao que ocorre com o filho biológico. que listou as justificativas para a doação de um filho. vimos que a maioria dos sujeitos concorda que é um direito da criança conhecer seus pais biológicos. a evolução . existem possibilidades de a criança adotiva desenvolver a capacidade de apego. conforme foi assinalado pelos sujeitos no item depende da idade da criança. esses resultados mostram maior abertura na percepção dos respondentes. gerando. 1995). Uma minoria assinalou que a criança entregue para adoção fica impossibilitada de ser uma pessoa ajustada e feliz. a idade da criança e a disponibilidade. uma vez que a minoria assinalou que ela fica impossibilitada de sê-lo . Isto parece indicar uma severidade maior no julgamento feito pelas mulheres. Maldonado. Apenas o grupo masculino assinalou o item imaturidade dos pais como uma justificativa para a doação. para desenvolver relações afetivas são elementos essenciais para a superação das fases críticas da adaptação da criança na família adotiva. 1994. 1994. Uma minoria acredita que o reencontro deve atender ao interesse dos pais adotivos e que só deveria ocorrer em casos extremos. Em menor freqüência apareceram as respostas sentimentos de vazio e rejeição. seguida da resposta depende do contexto. Embora a presença dos sentimentos citados tenha sido reconhecida por estudiosos da adoção (Eliacheff. acompanhando. com a intervenção precoce e um ambiente familiar propício. desajustamento emocional. De acordo com os resultados da tabela 6. Isto confirma a percepção de que há possibilidade de essa criança ser feliz e ajustada quanto mais cedo for sua inserção no lar adotivo. observamos que os sujeitos assinalaram que a doação só é justificada em casos extremos. Finalmente. por sua vez. o que está de acordo com o que foi assinalado quanto ao excesso de egoísmo por parte do doador. Para Berthoud (1997). talvez. acerca do direito ao reencontro do doador com o filho (ver tabela 7). Houve uma parcela de respondentes que não acha a doação justificável. tristeza e baixa auto-estima. por falta de condições financeiras e em casos de risco de vida por parte dos pais biológicos. Schettini. Novamente as mulheres mostram-se mais severas ao indicarem que não se deve permitir o reencontro. que foi assinalado apenas por algumas mulheres. tudo isso favoreça o bom ajustamento da criança adotada. Hartman. A tabela 5 focalizou as repercussões da doação na vida do filho. na qual se verifica que a maioria dos sujeitos assinalou que elas vão depender da idade da criança. talvez abalizadas na crença de que o amor materno é inato e no ditado que diz que “mãe que é mãe não abandona sua cria”. Chama a atenção o item alívio por se livrar da responsabilidade. assim mesmo em um percentual inferior. aliado a uma condução adequada do processo de adoção. 1995. é possível que. É animador constatar que os respondentes acreditam na possibilidade de a criança adotiva ser um indivíduo feliz. demonstrando contradição ao indicarem também que essa pessoa doaria o filho por considerar que outra cuidaria melhor dele. Desde então. op. e os mesmos. Salientamos que nosso interesse foi realizar um levantamento inicial. por sua vez. os quais temem perder o amor do filho. cit. 1994). Conclusão O presente trabalho teve como objetivo investigar como as pessoas. no estado de Michigan. de reencontrá-las. Os pais biológicos também desejam ser encontrados. como também a maior divulgação que o tema adoção vem usufruindo junto ao público em geral. caso o reencontro venha a se concretizar. Ao analisarmos a tabela 7. Notamos maior severidade por parte das mulheres para com o doador ao considerá-lo egoísta e não concordarem com seu reencontro com o filho doado. que acreditam ser necessário um programa de preparação para todos os participantes desse evento: os pais biológicos.). Concordamos com a posição de Eliacheff (1995) e Vargas (1998). No entanto. apesar da grande pressão social para que o fato não ocorresse. Reconhecemos limitações na nossa pesquisa ao não controlarmos variáveis como nível sócio-econômico. Concluímos que parece estar havendo uma maior abertura para com o tema da doação. enfocando apenas algumas variáveis mais estamos conscientes da necessidade de aprofundamento do assunto. Um exemplo disso é que. Na nossa opinião. se os pais adotivos encaram com naturalidade o desejo dos filhos irem em busca de sua origem e até os auxiliam nessa busca. escolaridade. o bebê a ser adotado e os pais postulantes à adoção. isto não deixa de revelar uma preocupação para com o bemestar do filho. especialmente a mãe. O assunto reencontro ainda é um tabu que precisa ser enfrentado pelos pais adotivos. acharam que o motivo que leva uma pessoa a doar um filho é a falta de preocupação com o mesmo. foi facultado o direito de as mães biológicas deixarem informações para seus filhos doados. a . estudos têm indicado que. Recomendamos. isto é um fator de maior proximidade entre eles (Hartman. de maneira geral. parece-nos que há uma predisposição a romper um pouco o silêncio que tem prevalecido acerca do tema adoção ao não se negar a presença de alguém que gerou o filho que outros não puderam ter como alguém participativo desse processo. 98% das mães deixam informações (Hartman. embora ainda permeado por contradições e ambivalências. embora isto tenha ocorrido por parte de uma minoria. especialmente a mãe biológica. caso queiram. ao atingirem a maioridade. percebem o fato de se entregar um filho para adoção e o doador. portanto. Os homens.dos tempos. terem direito. em 1980. idade dos sujeitos. Abandono e adoção II. S. Gonzales. Schettini. pp. os Vários Lados dessa História. pp.. uma Outra Perspectiva. Pais e Filhos Adotivos. Curitiba: Terra dos Homens. L. M. C. Marcilio.Infância. pp. (1990) . São Paulo: Hucitec. C. In F.). Segredos na adoção. Tradução de Maria Antonieta Pisano Motta (on line). Maldonado.Os Caminhos do Coração.Corpos que Gritam. pp. In F.).25-28. Terra dos Homens. Bonnet. & Freston. Rio de Janeiro: Imago. B. F. Gore. L. E. São Paulo: Saraiva. C. M. (1997). Disponível: omotto@mcharm. Curitiba. 177-186. Leão. 94-112. Freire (Org.Filhos do Coração. Contribuições para uma Cultura da Adoção III.O Abandono ao Nascer. (1995). Mulheres que Entregam seus Filhos para Adoção.br.Taborda. (1995). pp. M. L. Pediatr. (1994). (1998). Hartman.. São Paulo: Casa do Psicólogo. Abandono e Adoção. Adoção Páginas Brasileiras. M. Latência e Adolescência. ( 1998). São Paulo: Cabral Editora Universitária. In F.). Segredos na Família e na Terapia Familiar. Rev. Vargas. (1994) A Mãe Biológica em Casos de Adoção: um Perfil da Pobreza e do Abandono. Porto Alegre: Artes Médicas. Albornoz. da Família Sonhada à Família Possível. T. Curitiba: Terra dos Homens. (2001). Giberti. Eliacheff. Recife: Bagaço.).Adoção Tardia. 189-196.. C. (2001).com. 2ª edição.Compreendendo os Filhos Adotivos. São Paulo: Ática. C. (1990) Niños Entregados en Adoptión: Factores Desencadenantes. Referências bibliográficas Berthoud. In E. Y. M. 81-94. S. Freston.continuação de pesquisas que possam acrescentar outras variáveis ou aprofundar as que foram estudadas como forma de conhecermos cada vez mais esse tema complexo e fascinante. L. Imber-Black (Org. (1995).C. A. S. Mães Excluídas. Abandono e Adoção. Santos. 61 (1). . (1991).História Social da Criança Abandonada. Child. Contribuições para uma Cultura da Adoção III. Freire (Org. Freire (Org. P. Weber.038-580 J. Endereço para correspondência Ivana Suely Paiva Bezerra de Mello Rua Vigolvino Florentino da Costa. L. Curitiba: Santa Mônica.1590/S0103-56652008000100007 SEÇÃO TEMÁTICA A narratividade da experiência adotiva Fantasias que envolvem a adoção Narration of the adoptive experience .Laços de Ternura: Pesquisas e Histórias de Adoção . vol.Fantasies that involve adoption Daniela Botti da Rosa .1 Rio de Janeiro 2008 doi: 10. Pessoa. 1054. (1998). clin. PB Recebido 23/07/01 Aprovado 22/11/02 Psicologia Clínica Print version ISSN 0103-5665 Psicol.20 no. D. M. Manaira 58. Buscamos um olhar além da visão romantizada da adoção. literatura. Through the narrativity of the clinical experience. mas de inscrever uma criança em uma simbologia familiar. fantasias. atua na Clínica Interdisciplinar Eunice Toledo Maceió/AL RESUMO O presente artigo visa esclarecer os lutos e fantasias que envolvem o processo de adoção. understood not only as a legal process. Procuramos dialogar sobre sintomatologias neuróticas freqüentes em pessoas adotadas. having as our guide psychoanalytic theory and the notion of unconscious fantasies. for the biological parents. and leaves in the blackness the fantasies that are also implied. fairytales and other literary characters. inconsciente. narratividade ABSTRACT The present article aims to clarify the mourning and fantasies that involve the adoption process. We look to investigate the neurotic symptom in adopted children. para os adotivos e para as crianças adotadas. Psicóloga clínica com Pós-graduação em Psicologia Clínica pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (CESMAC). que vê apenas o ato de amor envolvido. We search to look beyond the romantic vision of adoption that only sees the act of love involved. Através da narratividade da experiência clínica. entendido não apenas como o processo jurídico de adotar. we can make the interface between these fantasies. Keywords: adoption. e deixa na obscuridade as fantasias que também estão implicadas para os pais biológicos. tendo como referencial teórico a psicanálise e a noção de fantasias inconscientes. the adoptive ones. unconscious. narrativity . podemos fazer a interface dessas fantasias com contos de fadas e outras histórias literárias. but one that inscribes the child in a familiar symbology.Mestranda em Letras e Lingüística pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Palavras-chave: adoção. and the adopted children. literature. fantasies. da concepção do sujeito (fantasia da cena originária. giram em torno. fica difícil perceber que. Freud distingue aquelas que chama de "originárias". brincando com outras histórias e seus respectivos contadores. AS HISTÓRIAS INFANTIS NA CLÍNICA PSICANALÍTICA Ora. criando novas tramas a cada recontagem de sua própria história. para além (ou aquém) desse imaginário. e que geralmente a gama de emoções em jogo é muito maior do que possamos imaginar em um primeiro olhar. de que tratamos aqui. de uma família especial. idealizada. existem famílias e processos adotivos singulares. Para tal. Por um lado. que se relacionam com questões da origem do sujeito. Partimos da idéia de que. existem fantasias inconscientes sendo ativadas em cada membro de uma família adotiva. de um amor abnegado dos adotantes. (Lacan. Segundo Chemama (1995). No entanto. 1995: 71). [1953-1954]1986: 23) Ao pensar sobre adoção. empunhando um lápis. o de que se trata é menos lembrar do que reescrever a história. "No vazio do papel em branco outra história podemos escrever. Por outro. ou da diferença entre os sexos (fantasias ligadas ao Complexo de Édipo e à Castração). é comum que as pessoas tenham em mente idéias pré-concebidas. a visão preconceituosa da adoção. por trás das aparências. de forma mais ou menos disfarçada" (Chemama. as crianças retomaram o . onde reina o amor e o respeito. argumento imaginário. de um sentimento de gratidão por parte dos adotados. por exemplo. consciente (devaneio). Estes fantasmas atualizam. outra história podemos contar. tomando a palavra" (Teixeira. Dentre as fantasias.Direi . que coloca em cena um desejo. pré-consciente ou inconsciente. pensamos poder reconhecer. da sexualidade (fantasia da sedução). utilizamos o conceito psicanalítico de fantasia inconsciente (ou fantasma.afinal de contas. implicando um ou vários personagens. de que um acerto desse tipo nunca poderá formar uma família "real" e que as crianças adotadas geralmente se tornam "problemáticas". Ao nos aproximarmos dessas fantasias. a partir das demandas clínicas e da literatura pertinente. algumas fantasias que se atualizam e se ressignificam em grande parte dos casos. ainda segundo Chemama (1995). romances familiares). também trazemos como pressuposto que as histórias literárias auxiliam tanto na construção da identidade e da narratividade própria de um sujeito.adotivas ou não se ressignificarem suas fantasias. para Lacan). fantasia para Freud seria "representação. Diante desse antagônico imaginário social. diretamente implicadas no tema da adoção. 1998: 39). como na possibilidade das crianças . Isso porque os contos falam de tudo sem nada ameaçar e. Partimos da idéia lacaniana de que a história de vida de um indivíduo é uma história sendo contada. Talvez o mais conhecido seja o estudo de Bruno Bettelheim (1980). mas que. agitação e irritabilidade. serão sempre uma oportunidade de movimentar as fantasias que fazem sofrer as crianças e suas famílias.seu fio narrativo e relacional. constantemente atualizada pelas conexões significantes. alterações e criações são mais que bem-vindas. Os contos se tornam uma potencialidade não ameaçadora para a criança resolver ou buscar soluções para seus dilemas. Pensamos que qualquer história que a criança use para enganchar suas fantasias pode ser aproveitada pelo terapeuta infantil para auxiliá-la a colocar em palavras suas angústias inomináveis. patológicas.. A nosso ver. nos quais ela pode projetar-se.. e nisso nos contrapomos a Bettelheim (1980). volta e meia. 2006: 164). prendem o sujeito em uma trama paralisante e sintomatizante. As histórias de fadas falam por metáforas. 2003: 147). é ainda melhor. através da interpretação de vários contos. tramas. expõem os dramas e fantasias da criança de forma simbólica.. no qual o autor mostra. passamos a utilizar histórias literárias em nossa clínica com crianças e adolescentes. que é o inconsciente. no entanto. a cada instante. Na clínica psicanalítica. era uma vez. Se a criança criar histórias. para auxiliar na elaboração e ressignificação das fantasias que. terão o potencial de oferecer alívio.. reconhecer-se apenas na medida das suas possibilidades. . sempre se lidou com histórias. sustentam tramas relacionadas às suas fantasias. medo. dentro do conto. por permitir que ela tenha certo controle sobre seus dramas internos através das narrativas. que as crianças identificam-se com as personagens. pela forma como a luz de espanto. deixam de ser ameaçadoras (Gutfreind. Mas. produzindo angústia. pois estas expressam ou personificam aspectos de seus dramas internos. em construção. ficam escondidas nos cantinhos escuros da mente. por suas metáforas. Pensamos que a literatura pode ser mais um viés através do qual o sujeito se vê na possibilidade de deslizar de posição e se recontar. toma forma. Então. que não consideramos apenas os contos de fadas como histórias que auxiliam a criança no seu desenvolvimento e na solução de seus conflitos. se essas fantasias encontrarem algum tipo de tradução na narrativa do adulto e no diálogo com a criança. As coisas ruins. podem trazer histórias terríveis. cura e auxiliar no crescimento infantil (Corso & Corso. narratividades. ou seja. Salientamos. Existem muitos estudos em Psicanálise sobre as características que fizeram os contos de fadas atravessarem séculos mantendo intacto o seu poder de atração. As histórias infantis sempre tiveram o poder de auxiliar as crianças a nomear e suportar seus conflitos básicos. identificar-se. adotados ou não. João e Maria são filhos de um lenhador muito pobre. Atualiza nas crianças o temor do abandono e a fantasia auto-acusatória de que mereceram o abandono. OU "JOÃO E MARIA" Se existem temas repetidos. O abandono de João e Maria na floresta costuma provocar angústia e busca de esclarecimentos. parece sempre haver uma demanda de amor. Para a criança adotiva.Como disse o próprio Lacan: "o fato de que o sujeito revive. "Eles fizeram alguma coisa errada?". A madrasta das crianças o convence a abandoná-las na floresta para que não morram todos de fome. Muitas crianças adotadas. ficando aquém de suas possibilidades. tocam especialmente as crianças adotivas. Nisso se junta o social. difícil. espécie de invariantes. prossegue pensando que "eu não faço nada direito". com ou sem abandono (Gutfreind. A busca dos personagens por alimento remete a uma busca constante de amor. achando que foram colocadas para adoção porque havia algo de errado com elas. Na vida adulta. ao contrário. Algumas histórias. no sentido intuitivo da palavra. "contentando-se" com qualquer coisa. MEDO DO ABANDONO. rememora. Ou então. essa imagem pode representar o abandono sentido. em contos populares e também nos modernos. idealizando muito as pessoas. tão importante. Achando que era um bebê ruim. trazendo ao trabalho questões bastante profundas. se autodepreciam. pode exigir muito dos outros e de si mesmo. 2003: 175). 2004). Essa crença pode provocar uma dificuldade na formação de uma visão positiva de si mesmo como alguém que merece ser amado. escondendo sentimentos desagradáveis. pois fizeram algo ruim. e a falta de confiança naqueles que se propõem a alimentá-la. O que conta é o que ele disso reconstrói" (Lacan. pode exigir pouco de si por acreditar que não pode oferecer muito. que não consegue mais alimentar sua família. os eventos formadores da sua existência. para parecer o filho perfeito. em especial as figuras femininas. como já dissemos. conforme temos verificado na clínica. em si mesmo. e cada dificuldade soa como uma sentença: "por que eu nunca consigo aprender a andar de bicicleta?". O medo de ser difícil demais de lidar. que trata essencialmente da questão do abandono das crianças e de como elas lidam com ele. e de que os pais desistam. relacionadas à fantasmática própria de uma situação de adoção. Nada ou ninguém parece ser bom o bastante. não ocupando o seu lugar no mundo por acreditar não ter valor. "Por que os pais abandonaram eles?". que exige gratidão dos adotados e reprime a mais leve manifestação de sentimentos . um deles é a separação. até explodir em crises de raiva. Uma dessas histórias é João e Maria (Tatar. [1953-1954] 1986: 22). o indivíduo pode se tornar perfeccionista. pode também fazer com que a criança faça tudo para agradar. não é. para tentar reparar a sua história cuidando de seus filhos. provoca o abandono para parecer que tem algum controle sobre ele. Tomaso. ou acreditaram sofrer. um aluno da educadora Torey Hyden (1982). após passar por vários lares adotivos chega à classe perguntando: "Você me odeia?".podem fazer o indivíduo criar diferentes estratégias contra novas perdas: uma delas seria a indiferença emotiva. não precisar contar com ninguém. para ver se vamos ou não desistir dela. um ciclo incessante de ausências e presenças para garantir que estaremos sempre lá. já que estes "salvaram" a criança de uma vida de órfão. as perdas na infância . querendo na verdade perguntar "Você não vai esquecer de mim?". dependendo deles emocionalmente ou. e sim fantasmático. pois inconscientemente acredita não merecer. nos pergunta certo dia: "O que você faz para lembrar de tudo isso que eu falo?". então. essa é uma tentativa de identificação com a mãe biológica. Ou então busca fazer tudo o que puder de ruim para testar o amor de seus pais adotivos. jogado fora. e uma terceira saída seria a autonomia prematura. como origem de sua história . outra estratégia seria a necessidade de cuidar dos outros como resgate. Para não depender de ninguém. assim como um dia uma mãe desistiu de seu bebê. Uma forma comum de "testar" a família adotiva pode ser através do exercício de uma sexualidade precoce e desenfreada. sem retribuir. Uma sintomatologia comum entre indivíduos que sofreram. Segundo Viorst (2005). se tornando pessoas prestativas em cuidar dos outros da forma como gostariam ou deveriam ter sido cuidadas. mas isso não em nível consciente. O sujeito não consegue apenas receber algo. Uma adolescente adotada. entre outras coisas. Aqui. o indivíduo procura abandonar para não ser abandonado. rejeição são os "problemas de memória".ambivalentes em relação aos pais. . pois não confia que o outro não irá abandoná-lo. ele destrói toda a sala e os trabalhos dos colegas. não há sofrimento em perder aquilo que não se ama. repetem a história de abandono com seus próprios filhos. inclusive algumas meninas engravidando ainda adolescentes. o sujeito torna-se independente precocemente. que vem para atendimento com essa problemática da memória. cuidando de si mesmo para não sofrer decepções. 1982: 65). No nível fantasmático. ficando eternamente em dívida. Por essa via. Alguns "compensam" tornando-se pais ou mães muito apegados aos filhos. perdido. o trabalho com as histórias. vem a necessidade de retribuir sendo um bom filho. você me odeia não é?" (Hyden. E inicia um processo de parar e retomar a terapia. Nessa mesma linha sintomatológica está a tendência a perder coisas e a desistir muito fácil dos seus objetivos. pela qual não se investe os objetos de amor para não correr o risco de perdê-los. Após a resposta negativa da professora. Ao menos duas dessas estratégias se referem a proteger-se de outras perdas passando de uma posição passiva para uma ativa. no extremo oposto. o esquecimento de pequenas ou grandes coisas reflete o sentimento de sentir-se esquecido. e então retoma a pergunta: "E agora.nas quais incluímos o abandono implicado no imaginário da criança adotiva. Eles têm medo de água. Indivíduos que querem se proteger de novas perdas podem tentar fugir de emoções fortes. O PATINHO FEIO. muitas vezes. em especial para crianças que são adotadas tardiamente (quando já não são mais bebês). a criança idealiza a família adotiva e. implicam de certa maneira a derrubada de parte da casa de doces. e o ciclo continua. quando percebe que nesse novo lar também existem regras e restrições. se diga à criança que "você não nasceu da minha barriga. nas amizades. mas da barriga de outra pessoa. As regras e o comprometimento no ato educativo de uma criança. evitando relacionamentos profundos. O DIFERENTE. 1995: 106). apesar de a cena inicial de abandono ser a que mais prende a atenção e as associações das crianças adotivas. mas certamente não a chegada da bruxa má. no ato paterno e materno de filiação. É preciso que os pais estejam preparados para lidar com essas decepções. Além de tratar novamente da questão da confiança que é quebrada . visto que "ele já passou por tanta coisa". enfim. Uma vez também me fizeram de boba. você acredita? Não entraram no fosso de jeito nenhum. tem também objetivo profilático de não perpetuar a fantasmática do abandono através das gerações.procurando auxiliar a elaboração e a reescritura da própria história pessoal. em lugar da verdade "você não nasceu da minha barriga. por sua vez. Esqueça esse ovo.. não inscrevendo a criança na fantasmática familiar. Como bem disse Gutfreind: "Narrar pode ser. ou não se "aproprie" do próprio filho. Voltando à história de João e Maria. deixando-a insegura como mãe. O ESTRANHO NO NINHO Deixe-me ver o ovo que não quer se partir disse a velha pata. se escondem atrás de um muro de afastamento que. Isso. não se "aproprie" da educação do filho. Após um tempo vivendo provavelmente em abrigos. você não imagina o que passei com aqueles filhotes. Aposto que é de perua. melhorar" (Gutfreind. de inscrição.. tendo dificuldade de se envolver verdadeiramente no casamento. é sentido novamente como rejeição pelo filho. Essa bem intencionada frase nega o . é sentido pela mãe adotiva como rejeição. também o encontro com a casa de doces traz algumas reflexões. temendo ser muito dura.a casa que prometia ser acolhedora e se revelou ameaçadora . vá ensinar seus outros filhos a nadar! (Andersen. A insegurança faz com que a mãe. sente-se traída. segundo Filho e Schettini (2006).. e nada. Ainda crianças. É comum que. Grasnei e gritei tudo o que sabia. remete ainda à idealização da família adotiva. na terapia. 2003: 111). pois é fácil entrar conjuntamente com a criança nesse imaginário idealizado da casa de doces e permitir a ela que devore essa casa. sua mãe biológica". é filho do meu coração". e a partir daí nós pudemos trabalhar sobre esses significantes: ver a automutilação como a raiva que ela sentia por não ser igual. ser filho do coração carrega uma mensagem de afeto. . Para o adulto. mas a criança pequena não é capaz dessa abstração.nascimento como fruto da sexualidade. fruto apenas do amor. nesse discurso. há a curiosidade em saber como seria o pai ou a mãe. ao uso de drogas ou álcool pela mãe biológica durante a gravidez. essa pele de cor diferente que ela queria arrancar a mordidas. doença cardíaca? Houve casos de loucura na família? Não apenas as crianças se interrogam dessa forma. Quem não gostaria de saber de que morreram seus antepassados? Com que idade? Sofriam de alguma doença genética. tecendo novas narratividades para a mesma trama. rompe com as questões da sexualidade. mas também os pais adotivos. Engendra-se pela palavra uma nova forma de ser filho. Tudo o que ela não quer é ser diferente dos outros. quando se consolidam as identidades masculino/feminina. se os problemas de agressividade ou de aprendizagem do filho não estão relacionados à sua herança genética. em especial figuras femininas com a idade que teria sua mãe. pois não era a mesma pele de sua família. Também há a preocupação com o histórico médico da família. esse corpo que agredia o olhar cada vez que ela parava diante de um espelho . e de sentir que sempre lhe falta algo que precisa buscar. e não na barriga. ao invés de permanecer no pensamento de que ela trazia uma marca negativa à família.mordia os braços até arrancar pedacinhos da pele. Podem se perguntar. Particularmente na adolescência. e é inevitável que olhem de vez em quando para pessoas desconhecidas na rua e se perguntem se não poderia ser seu parente. enfim. certa vez. por exemplo. O Patinho Feio lida com a sensação de estranhamento. de seus pais. E pudemos trabalhar a ressignificação do patinho feio em cisne romper com essas fantasias. de sentir-se um "estranho no ninho". lidam com dúvidas a respeito das origens. ela pôde ver a sua diferença como possibilidade de trazer novos dizeres a essa família. para saber como poderão ser enquanto homens e mulheres. dentro ou fora.d] 1995). que não sabia da sua origem de cisne. um amor (des)sexualizado. recontando a história de outra maneira. fui adotado". com um problema de autodepreciação. tinha chegado até a automutilação . pois é no coração.o espelho dos olhos -. fazia isso "distraidamente". que "localizamos" o amor (localização simbólica). como o Patinho Feio da história de Hans Christian Andersen ([s. Algumas vezes os adotados se questionam com quem se parecem. que se sentia como o Patinho Feio . Romper. Uma adolescente adotiva em atendimento se achava feia. A jornada do Patinho Feio é a jornada para dentro de si mesmo. não do desejo. raiva desse corpo que só mostrava a diferença. A cada impasse na vida ou na educação dos filhos. com um destino e. Foi ela quem nos disse. do fato de que uma criança é sempre fruto do sexo dos pais. Novamente isso vem nos dizer de uma inscrição dessa criança na fantasmática familiar. para descobrir o que fazer com a sua história de vida descontínua. há um silenciamento. é comum ouvir-se que "eu não nasci. câncer. mas sentia-se diferente de todos. qual seja: a maioria dos pais adotivos deseja e assimila seus filhos como pertencentes ao seio familiar (Queiroz. HARRY POTTER E OS ROMANCES FAMILIARES Nessa fantasia [o Romance Familiar do Neurótico]. estrangeiro em sua família. a fantasia de não serem filhos dos seus pais. em seu lugar. que nos amam pouco ou mal e.em que vive? A nova realidade de Harry Potter lhe parece um sonho. em devaneios. a que gostamos ainda de nos apegar. amado e protegido.. 2000). demonstramos que nossos pais não estão à altura do que sonhamos. convocamos. e faz com que se envolvam em algum processo de busca. no sentido de procurar a família biológica para preencher os espaços vazios. em determinado momento. que os pais possam percorrer o caminho entre o filho ideal e o filho real. de entender "quem sou" e "a que lugar pertenço". o sentimento de estranhamento é projetado para fora e passam a viver o fantasma de rejeição social." (Freud. e não se apropriando da história do filho. É o que os especialistas em adoção chamam de "dissonância cognitiva". que. Esse sentimento pode dar ao indivíduo uma sensação de irrealidade e uma necessidade muito grande de recorrer à fantasia. de pertencerem a uma outra . imaginamos sermos filhos adotivos. Muitas crianças têm. algumas pessoas adotadas têm a sensação de que alguma coisa dentro delas está faltando. Com isso. Como o famoso bruxinho Harry Potter (Rowling. por não pertencer ao mundo familiar. por fantasia. a criança [. ou pode ser uma busca simbólica. [1919] 1996: 253). É preciso. ou melhor. 2004: 106).] é estranhada pelos pais adotivos.financeira ou emocional . realiza seus sonhos mais secretos. porque na verdade pertenceríamos a uma família em algum aspecto melhor do que aquela na qual crescemos. seja de um amigo. de uma obra de ficção ou ainda criada puramente na fantasia (Corso & Corso. Que criança desamparada já não criou um dia a fantasia de que alguém chegaria e a tiraria do mundo de miséria . Esse modo de ver o problema não anula um outro lado da questão. Como nos fala Freud ([1919] 1996): "Há também todos os futuros. Segundo Eldridge (2004).. se tornando órfão.. o da consangüinidade. 2006: 258) . mais pro-ativo e promissor. segundo Queiroz (2004). Às vezes.colocando o acento sobre a adoção. outra família idealizada.. e a sua insuficiente realidade faz com que se abram as portas de um mundo mágico. vai morar com os tios. para que esse último não fique colocado na posição de estranho. onde ele é importante. não cumpridos mas possíveis. que pode ser literal. pode provocar. buraco. Nos devaneios da criança. o mito fundante da criança. cada qual na sua lógica própria. social . mais nobre. em uma palavra que falta. Segundo Viorst (2005) essa decepção é sentida como a perda dos heróis da infância. mas especialmente do adolescente adotivo.família. uma gesta. ainda que a adoção seja comentada com a criança. altamente decepcionantes. portanto. idealizados. O desconhecimento. [1908] 1976: 220). ou de viver em um mundo de fantasia. Quando a adoção não é comentada. concreto. já que existem lacunas na história. percebendo que eles não são tão onipotentes. como Harry Potter. como ela sentia antes. A respeito dessa mitologia familiar estruturante. familiar. permitindo vôos imaginativos para dar conta da explicação das origens. Ou. ou seja. As dificuldades na formação da identidade passam também pela existência de duas configurações de pais (os biológicos e os adotivos). ainda que se fale. em sua condição de hiância. os não-ditos ou as "revelações" que envolvem o processo educativo da criança adotiva servem para manter algum espaço de mistério a respeito da origem. É necessário deixar morrerem estes pais perfeitos para poder aceitar a imperfeição do mundo. é algo mais palpável. seja ela qual for. uma fase em que a criança precisa se decepcionar com seus pais. nos quais "a imaginação da criança entrega-se à tarefa de libertar-se dos pais que desceram em sua estima. . falha e.e fica alguma coisa por entender. ou o conhecimento desnaturalizado. O não-dito é muito mais desestruturante que a verdade. uma identidade dual. muitas vezes cai na armadilha da "revelação". e uma história de vida descontínua. que pudesse substituir a sua. Os tios. e mesmo novas formas de amor. e os pais que morreram ficam inatingíveis. nem tão perfeitos. como em Harry Potter. Além disso. se torna mais presente para o sujeito do que se tivesse sido enunciada. tanto consciente como inconscientemente. a sensação de ser irreal. então. quando os pais assumem um tom solene e desnaturalizado ao falar disso com os filhos. uma perda necessária para que a criança encontre novas pessoas para amar e imitar. Muitas vezes pode ser difícil atingir uma identidade integrada. É o que Freud ([1908] 1976) chama de Romances Familiares. ficando no registro do não-dito. pode existir um lugar privilegiado para as narrativas que apresentam esses romances familiares. do inominável. que Lacan chamou o Real. Para os adotados. o assunto é um tabu . e de substituí-los por outros. o sonho de uma família perfeita. figuram aqui nesse sentido como os pais reais. existe uma possibilidade. que é precisamente a manifestação do que chamo o mito individual do neurótico" (Lacan [1953] 2008: 25). idealizada.individual. mostrando que. que o criaram. Há. no nível psíquico. esbarra em um segredo. em geral de uma posição social mais elevada" (Freud. vazio. que sempre se baseia no mito estruturante da família. e é preciso passar a vida em torno de descobrir "quem sou". Lacan fala: "Esse roteiro fantasístico apresenta-se como um pequeno drama. mas que nesses casos se revestem de configurações especiais. mas com a disponibilidade emocional destes. um desejo inconsciente. com medo de serem rejeitados pelo filho em nome de alguma ligação maior que ele teria com os pais biológicos. não têm relação com o fato da adoção.desses laços de filiação. Os pais temem ficar órfãos dos seus filhos. e muitas vezes as dificuldades de uma criança. podemos pensar a preferência por recém-nascidos como o desejo .. o que reacende a luta que muitos travaram em torno da infertilidade. referenciando a todo instante o filho real ao filho ideal. Quando algo não vai bem na família adotiva. que os pais adotivos tenham criado. 1996: 125). para não deixar na vida familiar esse espaço como não-dito. na possibilidade de construção . ou a dificuldade dos pais em educar.ou reconstrução. por mais que os pais mantenham uma relação aberta com os filhos em torno do tema da adoção e que se preparem para o dia em que eles vão querer procurar a família biológica. em si mesmos. reformulação . É preciso. mas não são esses casos que nos chegam na clínica. na qual as fantasias preenchem os pedaços que faltam. é comum que a "culpa" seja colocada em cima da adoção. no espírito dos pais adotantes em dificuldade. reafirma-se a rejeição sentida pelo filho. Quanto ao tema da relação entre pais adotivos e biológicos. (Penot. um espaço de desejo para o filho.entre os "abandonadores indignos" e os "ladrões de crianças". um desmentido violento do valor suposto dos genitores de sua criança. Como vimos. portanto. uma grande parte dos pais adotivos consegue criar um espaço de desejo e inscrição familiar para seus filhos. não se enxerga que toda família tem seus problemas e conflitos. quando chega essa hora eles se sentem ameaçados. BEM X MAL: OS PAIS ADOTIVOS E AS MÃES QUE ABANDONAM sabe-se que freqüentemente prevalece.. Uma gestação simbólica só pode ser realizada com sucesso depois que o luto pelo filho biológico que não veio for trabalhado internamente. o que tende a instaurar uma espécie de efeito narcísico negativamente em bumerangue . É preciso que algo rompa com essa cadeia homogênea de repetições patogeneizantes e proponha a heterogeneidade. logo. Nosso trabalho se refere a uma mediação entre pais e filhos adotivos. Articulada à idealização dos pais. a aceitação íntima da diferença e do filho real. Seguindo essa mesma linha.interrompida. É a antinomia psicanalítica entre a vontade consciente e o desejo inconsciente. e o ciclo continua. Convém salientar novamente que essas dificuldades não são exclusivas do processo de filiação por adoção. que não se confunde com a vontade de adotar ou ter um filho. em nível fantasmático.poucas .recobrindo essa dupla configuração paterna. era "do bem". nas histórias criadas por um paciente. As que recusam de algum modo este destino biológico e social são consideradas exceções e recebem com freqüência o rótulo de anormais (Motta. A ideologia da maternidade vivida nos nossos dias e nascida com a sociedade burguesa patriarcal confere a todas as mulheres a faculdade natural de amar sem restrições e de cuidar da criança que concebeu sob quaisquer condições. Há ainda a esperança constante de rever o filho. . podemos dizer que esse "lugar" no texto também reflete o lugar social das mães que abandonam ou entregam seus filhos para adoção. A fantasia de reparação leva ao apego e superproteção dos outros filhos e à crença de que elas próprias não merecem receber amor. é comum também que essas mulheres entrem em um ciclo de "gravidezes de repetição" para tentarem preencher a falta que o filho perdido deixa. como coloca Motta (2005). existem poucos estudos sobre seus motivos e suas questões ao abandonar um filho. ele nos contava que a bruxa na verdade não era má. mas se tornou "do mal" quando alguém lhe roubou seus bebês.bem X mal . as mães continuando a sonhar com os filhos. Por lealdade aos pais adotivos. a criá-los em sua imaginação. como se fosse criada. ou mães abandonadas. já que não foram capazes de oferecê-lo. para que possa se formar única e exclusivamente a partir dos pais adotivos. muitas vezes só buscam ativamente após a morte dos pais adotivos. melhor. Por outro lado. que sempre giravam em torno de uma bruxa má ou um feiticeiro do mal que faziam "coisas ruins" com as crianças e as deixavam passar fome até que alguém surgia na história. Ainda segundo Motta (2005). que se acredita não ter história. algum personagem salvador. São abandonadas porque delas não se quer falar. por exemplo.histórias. As crianças percebem inconscientemente a rivalidade nos sentimentos dos pais adotivos em relação aos biológicos. e por essa fantasia de reunião fica mais difícil dizer adeus. falando das bruxas más. O maior amor do mundo seria o da mãe pelo filho. portanto a sociedade nega e repele quem ousa desafiar esse aforismo sagrado. Esse antagonismo se reflete. embora esse fosse seu desejo há muito tempo. em algumas .justamente de adotar uma criança sem história ou. E. o que dificulta seus relacionamentos interpessoais. não se quer saber. 2005: 63). As mães que abandonam ou entregam seus filhos para adoção podem viver um luto sem fim e passar a vida procurando rostos na multidão que poderiam ser do seu filho perdido. uma dualidade . e essa distância vem do mito do amor materno como universal e incondicional. muitos filhos só iniciam a busca pela família biológica tardiamente. São Paulo: Globo. Recife: Bagaço.). (s. & Schettini. [ Links ] Eldridge. São Paulo: Casa do Psicólogo. M. a cada sujeito. Romances familiares. tanto para pais como para filhos. Rio de Janeiro: Imago. [ Links ] Bettelheim. depende das condições de desejo dos pais. Fadas no divã: psicanálise nas histórias infantis. IX. 1976. uma vez que esta não se caracteriza pela função genética. [ Links ] Chemama. Adoção: os vários lados dessa história. 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Nosso papel clínico geralmente é solicitado quando algo nesse processo de inscrição está dificultado pela fantasmática dos personagens ou da trama envolvida.CONSIDERAÇÕES FINAIS A nosso ver. A fantasmática da família adotiva. rompendo com uma história que parecia já estar escrita. Diante do exposto. em uma narratividade peculiar a cada caso. [ Links ] . R. 1995. às constelações de fantasias. A tessitura inconsciente da adoção. S. Porto Alegre: Artes Médicas. Porto Alegre: Artmed. (2004). S. 2003: 54). É aqui que reiteramos o papel das histórias literárias como via de acesso ao inconsciente infantil. São Paulo: Companhia das Letrinhas. L. da possibilidade de estes inscreverem seus filhos na amarragem simbólica familiar. (2006). (2003).). D.). H. S. 1986. 2008. (1919). Harry Potter e a Pedra Filosofal.edição comentada e ilustrada.. J. (2005). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. M. 100-111. São Paulo: Melhoramentos.. K. nº 4. (2004). (org. C. (2003). 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