A dogmática juridica e a indispensável mediação

March 17, 2018 | Author: Jose Passos | Category: Mediation, State (Polity), Sociology, Science, Interdisciplinarity


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A dogmática jurídica e a indispensável mediaçãoSumário: 1 - A Crise do Direito Positivo e do Modelo Judicial de Julgamento: 2 Dogmática Jurídica: Simplificação e Complexidade; 3 – Os Conflitos Jurídicos: Entre o Fato e o Artefato; 4 - A Mediação e a Transdisciplinaridade; 5 – Relações Possíveis e Necessárias Entre Dogmática Jurídica e Mediação; 6 - Conclusão. 1 - A Crise do Direito Positivo e do Modelo Judicial de Julgamento É lugar comum, entre os juristas e a opinião pública, afirmar que o Direito está em crise; que o Direito não acompanha as transformações sociais com a velocidade necessária; que o Direito atrapalha, frequentemente, o funcionamento da atividade econômica; que o Poder Judiciário precisa ser reformado para ser mais rápido; que a legislação penal é branda para reprimir os crimes e outras reclamações similares. A resposta genérica a tudo isso tem sido, principalmente, de um lado normatizar mais e mais, como se novas leis pudessem resolver, por si mesmas, os problemas sociais e individuais e, de outro lado fazer reformas e mais reformas nas instituições judiciárias para modernizá-las, informatizálas e torná-las mais técnicas, mais rápidas, menos burocráticas. Vivemos, assim, uma dupla ilusão: a ilusão do normativismo e a do reformismo. Geralmente, costumamos combater os efeitos e esquecemos as causas dos problemas jurídicos e sociais. O senso comum teórico dos operadores do direito parece estar, fundamentalmente, restrito aos aspectos práticos do funcionamento do sistema jurídico, visando a segurança e estabilidade da sociedade. Os problemas da consciência humana, da educação mental, do inconsciente coletivo social, das causas da violência, da pobreza, da desigualdade social, da falta de desenvolvimento econômico, da ecologia social e outros, têm sido, de certa forma, olvidados ou colocados em segundo plano, como se o mundo do Direito fosse um mundo diferente do nosso único mundo real, complexo e global. Isso vem acontecendo, sobretudo a partir do século XIX, quando o "... Direito passou a ser marcado pelo fenômeno da positivação, o qual se caracteriza pela importância crescente da legislação escrita em relação à costumeira, pelo aparecimento das grandes codificações, pela idéia de que as normas jurídicas têm validade quando postas por decisão de autoridade competente, por elas podendo ser mudadas no âmbito da mesma competência. Essa idéia representou uma transformação importante no Direito Ocidental. Antes do século XIX, o Direito era, sobretudo, ditado por princípios que a tradição consagrava. O que sempre fora direito era visto como pedra angular do que devia continuar sendo o Direito. Se alguém queria propor uma mudança, tinha de se justificar, pois a própria mudança era vista como inferior à permanência. Vivia-se assim, numa sociedade relativamente estável, com valores estáveis, capazes de controlar, no seu grau de abstração, a pequena complexidade social" (Ferraz, 80). Um dos efeitos relevantes da positivação do Direito é a contínua modificação das normas jurídicas e seu distanciamento dos costumes e valores éticos do povo. Dessa forma. assim. a idéia de um Estado todo poderoso. mas a sentença judicial é soberana. O Estado passou a ter o monopólio da produção das leis e da jurisdição. eliminar da decisão os fatores subjetivos. A especialização do Direito tem levado a um maior isolamento do sistema jurídico.Agora a complexidade social aumentou e as mudanças no Direito são vistas como superiores á permanência. de modo que as partes obedeçam ao resultado porque emanado de uma autoridade legítima. mas tão somente na interação com os demais sistemas. tendo como fonte primária a lei escrita e não mais o costume ou a tradição. ou outro fundamento existencial. por sua vez. no entanto. de uma mínima intervenção do Estado. Tanto o Direito quanto o Estado são instituições transitórias e culturais. O sistema jurídico positivo moderno privilegia a . sacrificadas no altar da pretensa autosuficiência do Direito Positivo. criando assim um sistema jurídico diferenciado dentro do sistema sóciopolítico-econômico. uma visão isolada e parcial do Direito Positivo. O direito é reduzido. ao direito estatal. assim. deve ser obedecida obrigatoriamente. para ficar com os elementos objetivos da decisão. Se isso possibilita certa dose de segurança jurídica. nenhum sistema tem sentido fechado dentro de si mesmo. ou seja. o direito tivesse autonomia de produzir suas regras próprias. se produziu um verdadeiro e satisfatório consenso entre as partes. representa um modo de neutralizar o dissenso. de servir para alguma finalidade. Vivemos. providencial e protetor como se fosse uma instituição eterna. produzido ou não pela decisão. outro modo de ser que não dependa. "o direito moderno. Contudo. está indiscutivelmente em crise não devido à sobreutilização (comparada com que?) que o Estado fez do direito moderno. o Direito Positivo moderno acaba sendo um direito formal e racional. Interessa a eficácia do decidido. pois ao neutralizar o dissenso procura-se apenas uma certa pacificação do conflito. enquanto conceito muito mais amplo do que o direito estatal moderno. parece prevalecer no campo do conhecimento jurídico. Desconhecemos. ao mesmo tempo ocasiona uma crise causada pelo reducionismo artificial da complexidade social e pela sujeição obrigatória do povo ás normas jurídicas. O Estado. através da jurisdição estatal.frutos da evolução da racionalidade da civilização humana. a satisfação psicológica e emocional. Porém. de se reproduzir sem contato com o mundo circundante. O ato de resolver conflitos. pelo menos. Para o Estado as decisões judiciais podem ser recebidas pelas partes como injustas. Essa diferença é básica. isso não é essencial para quem decide. e não a efetividade do consenso. Se a solução eliminou as causas do conflito. Consequentemente. descolando o Direito Positivo de sua função eminentemente social. de seu caráter mediático e teleológico. mais do que de produzir o consenso. mas não pode ter o monopólio do ideal da Justiça. independentemente da justiça ou não dessas normas. Procura-se. mas devido à redução de sua autonomia e de sua eficácia à autonomia e eficácia do Estado" (Boaventura. A produção da alteridade e a transdisciplinaridade ficam prejudicadas. cuja fonte primeira vem do Estado. contemporaneamente. fruto da delegação do poder popular. 2000. 161). com se fosse autopoiético. ou seja. é uma criação histórica. Isso implica numa retomada dos princípios e valores universais da ética. também sem a necessária preocupação com a ética. A globalização econômica obriga o Direito Positivo a enfrentar novos problemas. abstratamente. comum a todos os povos. por exemplo. O moderno Direito Econômico. que declarou explicitamente: "Por vivência. e. dinamicamente. com a Ética e com a Justiça para poder superar a crise atual. à sua ambição infinita. não tem sido objeto da necessária valorização pelo do nosso sistema jurídico. a mediação e outros. a economia. É na sociedade moderna que "se perde a noção. Fátima Nancy Andrighi. sobretudo através da Mediação. pág. Os MESCs visam resolver os conflitos através de abordagens mais amplas. de crise do Direito e do Estado. 71) Tudo leva a acreditar que será fora dos parâmetros estritos do Direito Positivo. é imprescindível cuidar também dos valores éticos. por isso. Não raro." (Comparato. na atual conjuntura. como limites essenciais ao superamento da crise. observa-se que a mediação é a que mais de destaca pelos benefícios que pode proporcionar e. Prof. a sociologia. a psicanálise. Estou convencido de que sem finalidades morais a economia contemporânea não readquire seu necessário equilíbrio. como será explicado mais adiante. Miguel Reale: ". a negociação. para obter um consenso autêntico e não meramente a neutralização do dissenso. (Reale. Os próprios magistrados estão. Dra. a conciliação. pois a economia acaba influenciando a vida das nações. sob a direção dos princípios virtuosos da Justiça.. muitas vezes. na análise e solução dos conflitos. Assim. as questões econômicas são tratadas pelo Judiciário com muita superficialidade e. deve receber nosso maciço investimento" (Revista AASP. em nome de todos. Há uma dimensão histórica na experiência jurídica que varia. aos poucos. Ao se examinar as formas alternativas de resolução de conflitos. para qualquer tempo e lugar. . que a idade moderna passou a desprezar no campo do Direito. 2006. setembro/2006. como forma de superar as insatisfações provocadas pela jurisdição estatal. Nesse contexto. o grande jusfilósofo. a antropologia e afins. o Direito não pode desconhecer a evolução do sistema sócio-econômico. recentemente. portanto. a estabilidade social e política. mais do que a busca de soluções satisfatórias para os conflitos. 489) Ao lado da existência de princípios éticos Universais. entregue a si mesmas. de que existe uma legislação mundial. que poderá ser viabilizado esse encontro possível e necessário do Direito com outros saberes. Sem uma limitação ética nos planos dos lucros desmedidos -que a globalização financeira não reduz. a ilustre Ministra do Superior Tribunal de Justiça.reconhecido pela primeira vez na nossa Constituição Federal de 1988. não haverá meio de superar a sempre crescente exclusão social". podendo ser citado. I. já temos a prova de que o sistema oficial do Estado de resolução de conflitos perdeu significativamente a sua efetividade. e está muito interligada com a economia e a sociologia. o Direito cada vez mais dialogará com a filosofia. reiteradamente afirmada pelos pensadores antigos e medievais. 2006.136). 87.segurança. reconhecendo a insuficiência da atuação do Estado para resolver conflitos. surgem os chamados Meios Extrajudiciais de Solução de Conflitos (MESCs). como observou. como se as leis fossem válidas. a busca do sistema paralelo para colaborar com o modelo oficial é não só oportuna como fundamental. artigo 24. mudar as leis penais. Só que esse dogma da maioria é expressão de uma racionalidade formal que não convence a minoria. Dogma. de prazo para recorrer. ou não. simplificando a complexidade. etimologicamente. familiares. ou seja.. Produz é certo. de crença. Se a lei estabelece não se questiona. contrafaticamente. assim. Exemplos bem simples e corriqueiros são os prazos processuais (10. dar estabilidade a um sistema de pensamento. Se o conteúdo do dogma é verdadeiro. a fim de viabilizar certos comportamentos e conceitos. como faz a Mediação. diminuir prazos. A função do dogma é pacificar uma questão.. enquanto o prazo for aquele da lei. ensinar. vários tipos de dogmas: dogmas religiosos. 2 . que é o modelo hegemônico na nossa sociedade e.15 dias. Existem. Mas. os que têm opinião contrária devem se conformar com a decisão da maioria. agilizar a execução de sentenças. com os pressupostos e premissas inquestionáveis colocados pelas normas jurídicas positivadas. Ou seja. impõe soluções coletivas a contragosto. quando estabelecido por lei acaba com a discussão: o que a maioria decide é válido. A racionalidade do dogma cria insatisfações nos contrários. dogma é algo que não mais se questiona. isto é um dogma. como iremos expor a seguir. diminuindo o questionamento social e estabilizando a sociedade. que vai contra os desejos da minoria. o efeito de estabilização do sistema. sua obediência é dogma. Quando há muito descontentamento são feitas novas leis. Outro dogma é a validade da sentença transitada em julgado. e por extensão de qualquer doutrina ou sistema" (cf. políticos. e a maioria. econômicos e outros. isso é uma questão secundária. sociais. tentar superar a deficiência da Dogmática Jurídica. por exemplo. A decisão neutraliza o dissenso. e do latim docere. jurídicos.. É necessário discutir e enfrentar o problema do sistema binário de julgamento estatal. pois não respeita as diferenças de cada um. Nova Fronteira). Etimológico.. Assim: "O Direito positivo . A Dogmática Jurídica é justamente a parte do Direito que lida com as certezas. entrar na raiz do problema. mas à custa do artifício da solução racional. sem os quais não há possibilidade do sistema operar. criar controle externo ao Judiciário. que está aceito como verdadeiro. "julgar. significando "ponto fundamental e indiscutível de uma doutrina religiosa. por si só. nomear mais juizes etc. não tem força de eliminar o ressentimento dos dissidentes. assim.Já não basta mais mudar o Código de Processo Civil. Antonio Geraldo da Cunha. O que poderia ser questionado é se o prazo é razoável ou não e aí mudarse-ia à lei.Dogmática Jurídica: Simplificação e Complexidade Dogma significa algo que não se coloca em dúvida. científicos. Não é disso que se trata! É preciso mudar o paradigma de solução de conflitos. que é sempre tida como verdadeira. tem sua raiz no grego dokéo. O princípio da maioria. no Dicionário. para contestar) e o prazo de prescrição das ações. são estabelecidos novos dogmas. aparentar". A Dogmática Jurídica é um modo de viabilizar decisões. 52). num processo sem fim". A simplificação dogmática corresponde ao empobrecimento da função jurídica. mas. O que interessa mais é o conjunto das provas que são trazidas para o mundo jurídico. . serão revogados e de novo restabelecidos. Pôr um fim não quer dizer eliminar a incompatibilidade primitiva. dominado pela organização constitucional do Estado. o sociológico. "Complexus significa o que foi tecido junto.institucionaliza a mudança. mas sim. A verdade corresponderá. a decisão do Juiz etc. É esse modelo que está em crise e precisa ser superado por um modelo holístico. a Justiça da decisão é secundária. assim. basicamente. o mitológico) e há um tecido interdependente. mas o soluciona pondo-lhe um fim. Ela não o termina através de uma solução. sem fundamentos filosóficos permanentes. sem valores religiosos. Porém. mas trazê-la para uma situação onde ela não pode mais ser retornada ou levada adiante". 183). posteriormente." È uma visão em que todo indivíduo. 2000. a norma consuetudinária. pois o "que não está nos autos não está no mundo". as partes entre si (Morin. mas ressalta como fundamental a versão da verdade (e da falsidade). O conflito pode não desaparecer entre as partes. vivemos num mundo complexo. apesar de tudo. termina. 1980. É uma visão na qual. 1980. Ora. juridicamente. a verdade passa a ser secundária e a verossimilhança passa a ser essencial. Dessa forma se restabelece o contexto do conhecimento complexo. "A verdade é que a decisão jurídica." Quanto mais poderosa é a inteligência geral. o todo e as partes. e as penadas do legislador começam a produzir códigos e regulamentos que. reduzindo-se. cujo reducionismo mutila o todo. impedir que um conflito continue é um modo artificial de lidar com o conflito. A frustração das partes não é levada em conta. É uma simplificação da complexidade. paradoxalmente. 1991. interativo e inter-retroativo entre o objeto do conhecimento e seu contexto. impede a continuação de um conflito. juridicamente. a sociedade e a natureza formam um todo indissociável. sem ideologia definida. obrigando os litigantes a se conformarem com a decisão. 2000. a legitimidade racional das decisões. carismática. que no dizer de Pierre Weil. tradicional. Não mais interessa ao Direito a legitimidade histórica. morais e éticos estáveis. (Ferraz." (Ferraz. 167). sem a preocupação essencial com o conteúdo verdadeiro ou não do decidido. 200). à prova dos autos. em nome da decidibilidade.39). o psicológico. a redução da virtude da Justiça ao legalismo positivista. de fato há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico. em contraposição á simplificação. isto é. maior é a sua faculdade de tratar problemas especiais "(Morin. mas a recíproca não parece ser verdadeira. Encarar a complexidade melhora a análise das particularidades. (Ferraz. Esse é o efeito da Dogmática Jurídica: limitar os conflitos a regras e princípios formais. o afetivo. para o devido processo legal.38). não só as partes de cada sistema se encontram no todo. a questão controversa ao que for decidido. as partes e o todo. que passa a ser entendida como superior à permanência. o político. interdependente em constante movimento. Num mundo moderno leigo. pois ele é reprimido. a lei. não exclui a verdade. fechando as questões dentro da redoma da Dogmática e se esquecendo que o problema real continua. 1980. Dessa forma "a Dogmática põe a verdade entre parênteses e se preocupa mais com o verossimilhante. Só que a Ciência e o Direito estão optando pela especialização. Quem analisa um pedaço do todo nem sempre acaba tendo uma visão do todo. mas em que os princípios e leis que rege o todo se encontram em toda parte "(Weil. no seu sentido etimológico.Os Conflitos Jurídicos: Entre o Fato e o Artefato. precisaria ser encarado como um fato. no sistema jurídico. parece existir um potencial positivo no conflito. em especial com a obra de Freud sobre "A interpretação dos Sonhos" (1900) passou a se ocupar da análise e solução dos conflitos. O conflito como uma forma de inclusão do outro na produção do novo: o conflito como outridade que permita administrar. étnicas. não é só um mal. cognitivas. racionais. até da pessoa consigo mesma. políticos e de outros profissionais. Assim. sem reduzi-los ao mundo do processo. entre nações?O que espanta num conflito é seu potencial destrutivo da convivência social. para ser bem examinado. O conflito exibe um lado externo. uma ameaça à ordem. e hoje se sabe. mas tem também seu lado oculto. Uma controvérsia que por outro lado. luta. que precisa ser descoberto. Ao invés de fatos o . por representar incompatibilidades pouco saudáveis. colisão. aparente. O conflito se desenvolve por diversos motivos: pelas incompatibilidades sentimentais. No entanto: "O conceito jurídico do conflito. precisa ser resolvido. Na história social da humanidade parece prevalecer mais o conflito do que o consenso. Eles o redefinem. nem bom nem ruim.É necessário encarar a complexidade dos conflitos como totalidades sociais. Normalmente. conflitos interiores. ideológicas. ou seja. sem interferência de pré-julgamentos ou valores. nem os cidadãos. No Direito o conflito tem sido tratado como algo a ser eliminado pois representa. o que antes era objeto da preocupação de filósofos. emocionais. 2001. como controvérsia. É preciso reconhecer a insuficiência da Dogmática Jurídica para resolver os conflitos através de uma simplificação procedimental artificial que não mais satisfaz nem o Estado.82). desde que o conflito não seja encarado de forma apenas lógica e racional. Todo conflito tem componentes oriundos das mais diferentes causas e circunstâncias e merece ser avaliado como um todo. 81. Falta no direito uma teoria do conflito que nos mostre como o conflito pode ser entendido como uma forma de produzir com o outro. familiares e afins. O conflito tem também uma carga positiva. quase sempre. O conflito. se reduz as questões de direito ou patrimônio. mas pode também funcionar como fator de transformação das relações humanas. econômicas e afins. A vida sempre gerou conflitos entre as pessoas. como litígio. 3 . representa uma visão negativa do mesmo. Os juristas pensam que o conflito é algo que tem de ser evitado. caso a caso. discussão. com o outro. a diferença. pensando-o como litígio. comprovadamente. Jamais os juristas pensam o conflito em termos de satisfação. o que é o conflito? Conflito significa. Nenhum conflito é simples. o diferente para produzir a diferença" (Warat. sociológicas. a partir do século XIX. religiosas. Afinal o que é a guerra senão um conflito armado de grandes proporções entre grupos. os conflitos são vistos através das normas e nunca em estado puro. combate. Acontece que. nem a sociedade. para culpar ou inocentar os litigantes. Mas. Sobretudo a psicanálise. inscrever a diferença no tempo como produção do novo. uma distinção entre fato e norma. Não são quaisquer fatos que entram para o sistema jurídico. A relevância é dada por abstração. mas o fato que o direito aceita como tal. como resultado e às vezes como ponto de partida para certas operações jurídicas e com vistas a lograr certos efeitos jurídicos. dou-te o direito). para que o sistema possa funcionar com segurança a partir de fatos escolhidos objetivamente. Portanto. mas apenas aqueles que são relevantes para a decisão de um conflito. De qualquer modo. de Miguel Reale (Reale. Tanto que o sistema jurídico distingue questões de fato e questões de direito.direito positivo acaba trabalhando com artefatos. portanto. variável. de caráter binário. 1980). mas apenas auxilia as partes na busca de uma solução. procurando trazer a experiência concreta para dentro do sistema. que justamente ressalta o caráter ternário do Direito (Fato. não dá sentença. várias concepções na Teoria Geral e na Filosofia do Direito. os fatos jurídicos são avaliados dentro de um sistema pré-existente. 4 . A Dogmática Jurídica exige que assim seja. É preciso ir além do sistema jurídico. axiologicamente. diferentemente do árbitro não decide. uma simplificação de antemão posta. portanto. Trata-se de um verdadeiro não-poder. o que resulta num conflito entre os fatos e as normas. Para o tridimensionalismo o Direito há de pesar. O mediador diferentemente do Juiz. (Garcia. sem que se possa usar todo o instrumental transdisciplinar que os fatos possam exigir. flexível. há uma seletividade e a própria norma jurídica indica como escolher certos fatos. mas algo a que se atribui existência (real ou hipotética. assim. A Mediação é uma forma de autocomposição dos conflitos. Os fatos são valorados pelo sistema. mas sim um artefato". fatos trazidos para dentro do sistema de forma pré-determinada. As decisões agradam uns e desagradam outros. que nada decide. Valor e Norma) em contraposição ao binário (Fato-Norma) cristalizado no axioma latino "da mihi factum dabo tibi jus" (dá-me o fato. resolvidos limitadamente. esse tipo de análise está limitado pela norma positiva e. O fato em direito não é um fato. com o auxílio de um terceiro imparcial. procurando respeitar mais a realidade e não a versão processual da realidade. A avaliação é ato de interpretação que impõe não uma lógica linear. tanto faz). 48). sofre uma limitação. selecionados de acordo com sua relevância diante da norma jurídica. Ante a insuficiência desse modelo binário de solucionar conflitos. 1992. Um exemplo importante é a Teoria Tridimensional do Direito. como comentaremos a seguir. num interminável jogo de ganhar/perder. O fato jurídico não é o fato histórico. No Direito Positivo os conflitos são. Não se transita dos fatos ao Direito. Por mais que se dê importância aos fatos. mas uma prudência.A Mediação e a Transdisciplinaridade. automaticamente. desenvolveram-se. os fatos. supera a Dogmática Jurídica.Essas limitações não existem na Mediação que ultrapassa e. o acontecimento em si. "Para o Direito um fato não tem que ser algo existente. diferentemente do conciliador não sugere . Cria-se. como faz a Mediação. caso a caso. a indicar que existe uma dicotomia. o mal estar do julgamento jurídico. Por isto é preciso procurar acordos interiorizados. Essa é uma das bases da Mediação: trabalhar a subjetividade do conflito. "non omne. 1990. o conflito precisamos senti-lo ao invés de pensar nele. separando o direito. uma terceira parte. pela primeira vez ameaçada de morte. obter a normalidade comportamental. a partir de suas diferenças. pode ser o aspecto legal o mais relevante fator a ser analisado. profundos.Num recente estudo patrocinado pela UNESCO. pois está. honestum est". Não é apenas o lado objetivo do conflito que é analisado na mediação. que. É um terceiro mesmo. mas nem sempre isso acontece. sobretudo. o lado subjetivo. Edgar Morin.. ou seja. doravante. o não verbal. O positivismo acabou com essa preocupação secular. Uma sociedade para ser justa precisa. Na Mediação é essencial a percepção do conflito como um todo. no interior das pessoas. com o potencial transformador dos desvios para integrá-los na formulação de uma nova solução. sem dúvida. daqui em diante. Muitas vezes. para que as partes sintam e respeitem suas diferenças. que podem mesmo não estar delimitadas pelo conflito. 35). tratando-se na verdade de três ecologias: a ecologia ambiental. investigando os pressupostos implícitos do conflito. 2000. A Mediação encara o poder emancipatório. 25). e. vitais.soluções para o conflito. sobretudo uma noção ética: é o que deve ser realizado por todos em cada um" (Morin."(Warat. porém precisa da indispensável internalização subjetiva dos valores éticos e morais. "Mais do que nunca a natureza não pode ser separada da cultura e precisamos aprender a pensar "transversalmente" as interações entre ecossistemas. como observou Paulus. empregando a linguagem da racionalidade lógica. Os romanos já haviam percebido. O sistema de Mediação é aberto a qualquer aspecto que possa estar causando o conflito. penalizar os culpados. A Mediação procura ir além das aparências explícitas. mas também mentais e sociais. tornou-se uma comunidade de vida. que podem ser criadas pelas partes. a ecologia mental e a ecologia social. Busca livremente soluções. eliminar os desvios. quebrando o sistema binário do conflito jurídico tradicional. A Mediação trabalha. O mediador fica no meio. em termos de conflito sê-lo para conhecê-lo. a Humanidade é. frequentemente. quod licet. é diferente do conteúdo manifesto do conflito. não só físicas. não está nem de um lado e nem de outro.. mecanosfera e Universos de referências sociais e individuais" (Guattari. nem tudo que é lícito é também honesto. de um mínimo de leis. Os conflitos reais. não adere a nenhuma das partes. a Humanidade deixou de constituir uma noção somente ideal. mas também. A Mediação é um dos campos privilegiados para o cultivo da Ética. O lado emocional e sensorial é extremamente importante na Mediação: "Não é possível abordar um processo de mediação por meio de conceitos empíricos. precisamos. o lado oculto que todo conflito apresenta. o que se esconde no conteúdo latente do conflito. 114). O sistema jurídico positivo procura mais estabelecer a uniformidade. que existe em todo sistema jurídico. como fator mais importante do que o poder normativo. Além da Ética não há mais como ignorar as implicações ecológicas da atividade humana. também. encontram-se no coração. A mediação é um processo do coração. da moral e da ética. afirmou sobre a necessidade da ética: "A Humanidade deixou de constituir uma noção abstrata: é realidade vital. . 2001. uma forma mais eficiente de resolver os conflitos. A Mediação deveria ser uma atividade estimulada porque pode ajudar na implantação de uma sociedade subjetivamente mais saudável. as ciências humanas. na Espanha. buscando o que há de comum em todos os ramos dos saberes. A Mediação é um novo paradigma para se resolver conflitos considerando que "o conflito é também uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento. por exemplo. ou mesmo com psicanalistas. 20). essas práticas se interessam pelas possibilidades criativas que brindam as diferenças. Na Argentina. pode ser muito mais difícil mediar um conflito do que obter uma decisão judicial. O conhecimento deve ser transdisciplinar. poderia nos aproximar melhor do real e nos permitir enfrentar de forma adequada os diferentes desafios de nossa época" A Mediação é transdisciplinar.A ciência evoluiu muito na tecnologia objetiva e pouco no entendimento da subjetividade humana.A Mediação rompe com o isolamento das disciplinas que não mais respondem às necessidades do conhecimento. tentando assim solucionar o problema fora do litígio judicial. a arte e a tradição. bem resumiu: "Ao mesmo tempo em que recusamos todo e qualquer projeto globalizante. O conflito não é só um fato objetivo. tardiamente. toda espécie de nova utopia. na França e em outros países já existe uma legislação e uma prática de mediação há muitos anos. através da Mediação. Superando lógicas binárias. mas também subjetivo. possui seu funcionamento regulado por estímulos nervosos. livremente. enquanto as decisões objetivas. mais duradouros e mais profundos quando as partes resolverem seus conflitos. são ineficazes para corrigir os . Às vezes. As transformações subjetivas permanecem. não raro. do universo e do homem. esse enfoque transdisciplinar está inscrito em nosso próprio cérebro através da dinâmica entre os seus dois hemisférios. o Governo paga sessões de Mediação para casais em vias de separação. vai muito além da junção de disciplinas. É chegada à hora de desenvolver a Mediação. com maior amplitude e maior potencial de produção de felicidade para todos. econômicos e afins. O Brasil está ainda se iniciando nessa matéria. O estudo da natureza e do imaginário. objetivamente. só pela regulamentação jurídica. Hoje se sabe que a mente humana. No Canadá. de acordo com pesquisas da moderna Neurociência. ou sociólogos e afins. reconhecemos a urgência de uma pesquisa verdadeiramente transdisciplinar em um intercâmbio dinâmico entre as ciências exatas. como a Declaração de Veneza da UNESCO. 1999. de 1987. ou seja. É difícil aceitar que após tanto tempo de normativismo os Estados continuem alimentando a pretensão de resolver os problemas sociais. de fazer pontes entre vários tipos de abordagem. um modo de construir um conhecimento unificado. que não podem ser controlados só pela razão. certamente. Num certo sentido.Os programas de saúde mental deveriam fazer parte do sistema social como um meio de educação dos cidadãos. toda espécie de sistema fechado de pensamento. Mas os resultados serão. a diversidade e a complexidade" (Schnitman. Exige a apreensão do fenômeno conflitivo como um todo indissociável. ambientais. Por isso exige dos mediadores muito mais do que simples especialização como juristas. que. nem sempre. . Por isso mesmo. A Mediação não trabalha com preceitos pré-estabelecidos. Para a Mediação a verdade. 5 . também. A Mediação é mais parecida com um procedimento artesanal. acreditamos. às necessidades do mundo atual. nem com a hegemonia de um fato ou de outro. latente e manifesto. São conhecimentos regulação. cedeu terreno às soluções da eficiência social e econômica. O Direito. Principalmente a Psicanálise vem tentando resolver a frustração dos desejos reprimidos. com a totalidade dos fatos. O Direito acompanha tudo. ecologia para se constatar como a Ciência está presente em todos os debates. são primordiais. isso pode ser usado da mesma forma. Na Dogmática a norma jurídica é a referência principal e necessária. num acordo escrito. bioética. Embora não ignore a Dogmática Jurídica. Basta ver a discussão sobre aborto. nem com simplificações. principalmente. coloca-a em plano secundário. Para a Dogmática esses valores existem mas são trazidos ao sistema jurídico como informadores das decisões e não como fatores determinantes da solução do conflito. transplantes. com o Direito e. praticamente. no campo dos desejos. mas com a produção das diferenças. deve obedecer. A Dogmática Jurídica exige certezas. É preciso tentar desenvolver a experiência da Mediação como uma possibilidade de superar a Dogmática Jurídica que não responde. 245). do conflito. prevalecendo sobre a justiça ou não da decisão. mais do que voltados a emancipar a sociedade (Boaventura. numa situação específica. e com isso criou uma insatisfação nos cidadãos. A Mediação. a Psicanálise vem dialogando. Cada caso exige um procedimento diferente. adequadamente. a Justiça. uma abordagem específica. com a complexidade. só os especialistas conseguem entender. dentro de uma crescente racionalidade e abstração.nem com uniformidades. sob a égide do Estado. genoma. enquanto busca entender e decifrar todo conteúdo. como arte do bom e do justo. profundamente. o ordenamento jurídico. é um modo privilegiado para resolver as insatisfações subjetivas. a moral e as virtudes de um modo geral. para que a sociedade possa funcionar com estabilidade. no campo emocional. No entanto quando a Mediação termina numa transação legal. necessariamente. formalmente. pois seria nula. poderá chegar um momento em que será possível psicanalisar o sistema jurídico. a ética. no campo da subjetividade. pontos de partida inquestionáveis. mas nem sempre a principal. dos traumas causados por uma sociedade moderna cada vez mais positivista e tecnológica. 2000. e cada vez menos sensitiva e harmoniosa. inválida ou ineficaz. Na Mediação a norma jurídica é uma referência. O Direito Positivo e a Ciência têm sido usados pelo Estado como dois saberes que produzem respostas. A Dogmática Jurídica avançou muito. Embora existam conceitos comuns a muitos casos.Relações Possíveis e Necessárias entre Dogmática Jurídica e Mediação. conforme o caso. células troncos.problemas que tentam resolver. deixando o poder de decisão para cada um. que todos os conflitos possam ser resolvidos pela Mediação. é um procedimento contínuo. Mais Mediação. como virtudes centrais da sociedade humana. Dessa forma produz um devir de subjetividade que indicam uma possibilidade de fuga da alienação. no entanto. A Mediação não é incompatível com o sistema jurídico positivo.A Mediação parece ser uma resposta mais completa à problemática dos complexos conflitos atuais da sociedade pós-moderna. dos direitos humanos e da democracia. mas produzidas consensualmente. de tempos em tempos. pois não há soluções impostas. da sociedade da nova era. Pouco importa se é difícil definir os valores justos e éticos. A Mediação é dinâmica. O que hoje na Ciência é certo. Parece utópico. com maior liberdade. um outro modo de abordar os problemas. há várias soluções que precisam ser elaboradas pelos interessados e até podem ser transformadas. apenas. A Ciência e o Direito são mutáveis. Interage com todos os fatores sociais e pessoais. e a própria Ciência poder ser encarada como a retificação constante do saber. um modo não dogmático de estar no mundo. A estabilidade social e individual acabará acontecendo. e menos Dogmatismo Jurídico parece. em novas soluções. 88. de modo mais espontâneo. neste começo de século XXI. que podem ser revistas e melhoradas. da sociedade do espetáculo. a forma de encontrar novos paradigmas de solução de ." (Warat. Ela é. da sociedade da informática. "A mediação ultrapassa a dimensão de resolução não adversarial de disputas jurídicas. o que importa é não deixar de lado a preocupação com esses valores. A Dogmática parece ser inevitável e necessária para a sociedade atual. A Mediação é indispensável no direito atual. a cultura da paz. Convivemos com um tipo de Direito excessivamente dogmático e pouco mediático. sem dogmas. Certezas mudam. em virtude das próprias limitações do Direito Positivo 6 . como a realização política da cidadania. Para a Mediação não há solução única. desenvolvendo no seu caminho. no momento. mas sua dosagem deve ser muito menor do que tem sido. É um caminho mais criativo e abrangente do que a Dogmática Jurídica. A Mediação procura retirar de cada caso conflitivo o que de mais criativo e transformativo possa existir. A Mediação deve ser encarada como uma atitude geral diante da vida. Recolocam a Justiça e a Ética. da sociedade das comunicações de massa e outras denominações que se possam dar ao momento em que vivemos.Conclusão A Mediação vai muito além da Dogmática Jurídica e valoriza a dimensão subjetiva do conflito. 2001. como a estratégia educativa. como decorrência do procedimento de Mediação. como uma visão do mundo. A Mediação é fundamental para resolver os conflitos que a Dogmática Jurídica não tem solucionado. e não a cultura adversarial. 89) Na relação mediada todos ganham. Ela possui incidências que são ecologicamente exitosas. amanhã é retificado. A Mediação é indispensável para superar a simplificação da Dogmática Jurídica.conflitos. uma relação possível e necessária. nesse difícil caminho da realização da sempre tão desejada virtude da Justiça. . embora com ela mantenha. no contexto atual.
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