A CONSTRUÇÃO DO REAL PIAGET

March 27, 2018 | Author: Marjorie Aline | Category: Causality, Time, Outer Space, Perception, Universe


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A CONSTRUÇÃO DO REAL: a passagem do caos ao cosmos organizando do mundo a partir da própria organizaçãoTexto elaborado por Regina Xavier 1. INTRODUÇÃO É bem possível que a grande maioria das pessoas, antes de conhecer a teoria de Piaget sobre o início do desenvolvimento cognitivo, não seja capaz de perceber no bebê tanta atividade intelectual! É impressionante como o autor conseguiu ver o que estava “além das condutas”, isto é, o que as motivava. Piaget, ao escrever a trilogia “O Nascimento da Inteligência na Criança” em 1936, “A Construção do Real na Criança” em 1937 e “A Formação do Símbolo a criança” em 1945, tinha o objetivo de descrever e compreender as primeiras bases psicológicas do desenvolvimento da racionalidade humana e de sua capacidade de produzir conhecimentos (p. 6). Algumas teses orientaram seu trabalho, entre elas, Piaget defendia que existe uma inteligência genuína antes da linguagem e que essa inteligência existente nesse período não é resultante de montagens hereditárias, mas decorrente de processos ativos de adaptação ao meio. Outra tese defendida por Piaget – talvez a mais polêmica de todas – diz que a inteligência sensório-motora é o fundamento da inteligência lógico-formal adulta, colocando, assim, tanto a linguagem quanto o pensamento como dependentes da estruturação dessa inteligência dos primeiros tempos do bebê. Concluindo que a elaboração do objeto é solidária à do universo e que é apenas quando a criança consegue atingir a crença da permanência do objeto que ela se torna capaz de ordenar o tempo, o espaço e a causalidade, Piaget iniciou sua obra “A Construção do Real na Criança” procurando explicar como se constitui a noção de objeto e, conseqüentemente, como a inteligência constrói o mundo exterior. 2. 2.1 O DESENVOLVIMENTO DA NOÇÃO DE OBJETO OS DOIS PRIMEIROS ESTÁGIOS: Durante os dois primeiros estágios pode-se perceber claramente - a partir das emoções que o bebê manifesta – que ele tem consciência do desaparecimento de algum objeto de seu interesse, como a saída da mãe de seu campo visual ou a retirado do seio ou da mamadeira enquanto mama. Porém, a única ação que o bebê esboça nessa fase, no sentido de encontrar o objeto perdido, consiste . 2. Nestes primeiros tempos. o bebê fica olhando para o local onde sua mãe sumiu como se o ato de olhar – sua ação – fosse capaz de trazê-la de volta ou no caso do seio ou da mamadeira que lhe é retirada enquanto sugava.3 O QUARTO ESTÁGIO: A partir desse estágio a criança é capaz de procurar um objeto mesmo que este esteja fora do seu campo perceptivo.2 O TERCEIRO ESTÁGIO: Nessa fase. as quais Piaget denominou reações circulares diferidas demonstrando uma solidificação bem maior dos quadros percebidos e um início de permanência do objeto uma vez que ela é capaz de voltar por si mesma à posição e aos gestos necessários para que se reconstitua o resultado que a agradou. isto é. Embora ainda não tenha a noção de objeto constituída em sua totalidade. Piaget nos relata que para o bebê é como se o mundo fosse uma sucessão de quadros possíveis de serem reconhecidos mas que desaparecem e aparecem magicamente. Outras ações características desse período são aquelas que a criança repete para reproduzir resultados interessantes. É nesse período que o bebê já se torna capaz de acomodar-se a movimentos rápidos e de acompanhar com os olhos ou com a mão a trajetória de um objeto embora ainda pareça considerar a permanência do objeto como relativa a sua própria ação. a criança começa a compreender os deslocamentos dos corpos embora se confunda se houver deslocamentos sucessivos voltando a procurá-lo no local onde desapareceu pela primeira vez. É ainda nessa fase que a criança começa a ser capaz de “reconstituições de um todo invisível a partir de uma fração visível” e de “supressão dos obstáculos que impedem a percepção” demonstrando o surgimento de uma procura ativa de um objeto desaparecido. 2. a criança começa a coordenar o universo visual com o tátil. Isto se deve ao fato de a criança perceber o objeto como se fosse um prolongamento de sua ação.em repetir os movimentos que estava fazendo. mas ainda não procura pegar algo que desaparece de seu campo visual sem ter estado em suas mãos logo antes demonstrando que ainda percebe a realidade como estando à disposição de sua ação. sem permanência substancial ou organização espacial. permanece sugando como se a sua ação de sugar fosse capaz de fazer retornar o objeto que se foi. Nos casos citados. onde não há diferenciação entre o eu e o não eu e onde tudo é centrado na atividade própria. O universo é visto como um mundo sem objetos. É justamente a repetição de tais condutas que levará a criança à crença na permanência do mundo exterior. mas ainda não possui a noção de objeto permanente a qual só ocorrerá cerca de seis meses mais tarde. intervenha para que a criança volte às mesmas dificuldades que já havia vencido quando se tratava de deslocamentos visíveis. que a criança ainda não adquiriu a consciência da relações de posição e de deslocamento dos objetos e que a realidade ainda lhe parece como algo à disposição de suas ações. Percebe-se.4 O QUINTO ESTÁGIO: Nesse estágio acontece uma conquista progressiva das relações entre os objetos porque a criança passa a considerar as trajetórias percorridas pelos objetos. Assim. permitem que a criança se perceba como um objeto entre os objetos situado num espaço e num tempo.que a criança consegue considerar os deslocamentos invisíveis na sua procura por objetos desaparecidos. Outra conseqüência do desenvolvimento da representação é a concepção do próprio corpo como um objeto. 91) 2. o tempo e a causalidade apenas quando atinge a crença na permanência do objeto. o grupo de deslocamentos que se constituíra. e possiblitam a existência de uma coordenação de esquemas: . tem de ser constituído de novo assim que é transferido para o plano da representação dessas mesmas relações: basta. se os deslocamentos forem invisíveis. a criança não consegue compreendê-los e voltam as reações relativas ao estágio precedente. Cabe ressaltar que a criança torna-se capaz de ordenar o espaço. (p. o desenvolvimento da representação. juntamente com o início das representações espaciais. aos poucos. no plano da percepção direta das relações de posição. a qual só acontece quando os esquemas tornam-se móveis. causais e temporais.As reações do bebê ainda parecem inspiradas por uma mistura de fenomenismo e de dinamismo. cedendo lugar para a consciência das relações entre objeto e seus deslocamentos. isto é uma mudança do objeto (mudança esta que necessita ser representada. por suas ações. bem como permite que ela construa um sistema de relações para compreender as relações existentes entre os objetos e entre suas próprias ações e os objetos. O fenomenismo vai. No caso particular. podendo combinar-se entre si de diversos modos. que o deslocamento invisível. quando não percebida diretamente). 2.5 O SEXTO ESTÁGIO: É só a partir do sexto estágio – com o auxílio da função de representação . As funções de representação e de dedução permitem a percepção dos objetos como passíveis de deslocamentos independentes do eu. Porém. no início deste quinto estágio. com efeito. uma vez que o bebê ainda não é capaz de situar-se em um campo espacial concebido como exterior ao seu corpo e independente de sua ação. O universo não é percebido como sólido. o desenvolvimento das relações espaciais e a constituição dos principais grupos se mostrarão paralelos à constituição do objeto.é esse processo de dissociação e reagrupamento complementares que. dos tamanhos. de uma noção de mundo constituída de quadros sensoriais à disposição de seus atos onde o objeto não existia fora de sua ação para uma noção de objeto permanente independente da atividade do eu. das distâncias e das posições só serão elaboradas pouco a pouco. já estão ordenados em grupos de deslocamentos. Assim. Assim. engendrando os primeiros os primeiros atos de inteligência propriamente dita. Quando nasce. a criança não sabe se é ela que se desloca ou se são as coisas que estão se deslocando. Como não há consciência de deslocamento. o auditivo. A criança dessa fase não é capaz de perceber as relações espaciais como independentes de seus atos. podendo-se dizer que são tantos espaços práticos quanto supõem as diversas atividades do bebê. o cinestésico e o tátil só são percebidos em função dos grupos práticos. então. o espaço visual. 121). No início existem somente espaços práticos. O CAMPO ESPACIAL E A ELABORAÇÃO DOS GRUPOS DE DESLOCMENTOS 3. Na medida em que começa a existir coordenação dos esquemas sensório-motores é que esses espaços passam a ficar mais ligados entre si até virem a constituírem-se num espaço único. 107) A criança passou. ao mesmo tempo que os próprios objetos (p. Piaget recorre a noção de “grupo” definindo-o como qualquer sistema de operações suscetível de possibilitar uma volta ao ponto de partida (p. e sim como passível de se desfazer e se refazer continuamente a partir da ação do indivíduo. permite à criança construir um mundo espaço-temporal de objetos dotados de causalidade própria. não percebe a relação entre as coisas.112). O primeiro espaço percebido pela criança é o espaço bucal que se constitui a partir dos deslocamentos da boca em relação aos objetivos a serem chupados. conseqüentemente. durante esses seis estágios descritos.115) ou ainda como “qualquer conjunto coordenado de deslocamentos suscetíveis de voltar ao seu ponto de partida de tal modo que o estado final não depende do caminho percorrido” (p.1 OS DOIS PRIMEIROS ESTÁGIOS: Para explicar como se constitui a noção de espaço. Também não concebe as coisas como objetos permanentes e. Movimentos como os de acomodação da boca ao seio e as coordenações da boca e das mãos. (p. a criança só percebe a luz: a percepção das formas. . 3. 2 O TERCEIRO ESTÁGIO: Nesse estágio inicia-se a coordenação dos diferentes grupos práticos entre si. 3. 128). mas desde que tal grupo permaneça relativo ao ponto de vista da ação própria. No início desse estágio. Ao compreender a relação entre os objetos. Assim sendo. É a partir da preensão que a criança começa a perceber a relação entre as coisas e ultrapassa o nível de simples grupo prático para os chamados grupos subjetivos que implicam um início de objetivação mas somente nos limites da atividade momentânea (p. 135) O espaço também ainda não contém a criança por inteiro. isto é. e não relativamente a deslocamentos reais dos objetos situados em um espaço comum e objetivo.3. (p. Assim sendo. e não chegue a situar-se em conjuntos mais amplos que compreenderiam o próprio indivíduo a título de elemento e coordenariam os deslocamentos do ponto de vista dos objetivos. a criança não concebe os deslocamentos do objeto como independentes de sua ação. O grupo subjetivo é a percepção de um conjunto de movimentos que voltam a seu ponto de partida. uma vez que os grupos percebidos pela criança se ordenam do ponto de vista do indivíduo e não ainda do ponto de vista dos objetos. por exemplo. as posições dos objetos ainda são concebidas como relativas a uma ação própria que começa a tomar consciência de si mesma do ponto vista espacial. objetos distantes. A criança ainda não consegue. a criança descobre as operações . (p. Os progressos da preensão são os principais responsáveis por essa coordenação. a criança coordena a preensão com a visão e só pouco a pouco essa conduta se generaliza passando a criança a pegar.3 O QUARTO ESTÁGIO: Nesse estágio inicia-se um processo de relacionamento entre as coisas levando a criança a ultrapassar o nível dos grupos puramente práticos mas permanecendo ainda no grupo subjetivos. Os esquemas se adaptam entre si e deixam de funcionar de modo isolado permitindo que a criança combine os deslocamentos dos objetos. 162) O espaço para a criança dessa fase é um agregado relações centradas nela própria e ainda não se constitui em um sistema de relações entre os objetos. coordenar seus movimentos manuais com os movimentos da cabeça e dos olhos. a criança desse estágio ainda não possui os critérios necessários para diferenciar os deslocamentos do próprio corpo dos deslocamentos dos corpos exteriores mas o espaço já começa a objetivar-se na medida em que se exterioriza. inclusive. a criança já é capaz de representar os deslocamentos invisíveis podendo então representar-se a si mesma e os seus deslocamentos. O espaço é. o tamanho constante dos sólidos e. nessa fase. principalmente. As .1 OS DOIS PRIMEIROS ESTÁGIOS: Nesses dois primeiros estágios a criança desenvolve hábitos elementares relativos. Ainda não é capaz de situar-se a si mesma em relação aos outros corpos num sistema de relações recíprocas pois devido a falta de representação mais elaborada. O DESENVOLVIMENTO DA CAUSALIDADE 4.5 O SEXTO ESTÁGIO: Nesse estágio. isto é. mas ainda não há ligação entre esses universos (bucal. O espaço é concebido como um todo homogêneo o que pode ser constatado em ações que demonstram compreensão das relações complexas entre os próprios objetos que foram generalizadas para a construção de grupos mais complexos. A partir de agora. a perspectiva das relações de profundidade. ao estabelecer relações de posições e de deslocamentos entre os objetos. à preensão e à visão. pode falar de grupos objetivos. a criança começa a tomar consciência dos próprios movimentos a título de deslocamentos de conjunto (p. Porém a criança já vai fazendo uma série de relações decorrentes dos hábitos adquiridos. tátil. Assim. que se encontra ainda limitado às relações elementares do sujeito com o objeto. a criança é capaz de perceber as mudanças de estado e de posição do objeto que já se tornou permanente e com forma constante. então. 3. a criança não consegue considerar os deslocamentos que ocorrem fora do seu campo de percepção.reversíveis. visual). 4. 206). No final desse estágio. principalmente. à sucção. a criança – pela descoberta das operações reversíveis ultrapassa o nível dos grupos subjetivos e elabora um primeiro tipo de grupo objetivo que ainda não dissocia os deslocamentos do próprio indivíduo dos deslocamentos dos objetos. 3. a criança considera os deslocamentos sucessivos dos objetos sendo capaz de levar em conta a ordem em que estes aconteceram.4 O QUINTO ESTÁGIO: No quinto estágio. a permanência do objeto. percebido como um espaço único que engloba tanto os objetos como o próprio indivíduo. Por isso. gustativas. pode constituir-se num ponto de partida para a causalidade. a partir de agora. Uma vez que não existe ainda diferenciação entre o eu e o mundo exterior. então. as relações entre sensações oriundas da atividade dos reflexos e sensações produzidas em decorrência dessa atividade. o que ainda não acontece no presente estágio.5 O SEXTO ESTÁGIO: . 4. a criança começa a perceber as relações entre as coisas como pertencentes a um sistema de causa independente dela mesma. embora só se referiam ainda ao próprio corpo. de esforço e de expectativa. a criança já começa a atribuir ao outro um conjunto de poderes particulares e para de considerar sua ações como únicas fontes de causalidade. 4.3 O QUARTO ESTÁGIO: Nesse estágio. sonoras e visuais dão origem ao que Piaget denomina de causalidade primitiva.impressões de prazer. de dificuldade. a existir maior objetivação e uma espacialização da causalidade. Piaget conclui que. a criança torna-se incapaz de perceber o que é causa e o que é efeito.4 O QUINTO ESTÁGIO: No quinto estágio. 4. um processo de distinção entre causa e efeito. quando uma ação leva a um sentimento de eficácia. apesar de causa e efeito parecerem estar condensados em um único bloco. então. 4. Passa.2 O TERCEIRO ESTÁGIO: É somente a partir desse estágio que se pode estabelecer com certeza a existência de um interesse por parte do bebê em relacionar cada um de seus gestos com a conseqüência correspondente. 281). Inicia-se. de êxito e de decepção. Porém uma causalidade realmente objetivada e espacializada supõe a existência de objetos permanentes e independentes da atividade do eu. No entanto. Isso leva à constituição de um universo no qual a ação da criança se situa entre as outras causas e obedece às mesmas leis (p. a criança já é capaz de perceber o outro como uma fonte inteiramente autônoma de ações e não mais dependente de suas próprias ações. etc. aliadas às sensações táteis. Assim é que. o tempo passa a aplicar-se a uma série de fenômenos. embora não tenha. a criança consegue elaborar o campo temporal.2 O TERCEIRO ESTÁGIO: Durante o terceiro estágio. ainda.3 O QUARTO ESTÁGIO: A criança desse estágio já demonstra ser capaz de reter uma seqüência de acontecimentos da qual não participa. 5. fazendo uso da função de representação. mas todos os acontecimentos ainda são entendidos como decorrentes da própria ação da criança. Piaget denomina de tempo primitivo esse período em que a duração de um ato determina a sua percepção no tempo. com a função de representação já bastante desenvolvida. CONCLUSÃO . 5. as noções de antes e depois aplicam-se aos próprios fenômenos e não às suas próprias atividades.1 OS DOIS PRIMEIROS ESTÁGIOS: A compreensão da elaboração do campo temporal nos leva a questão da ordem dos acontecimentos. 6.5 O SEXTO ESTÁGIO: A partir do sexto estágio. O CAMPO TEMPORAL 5. O bebê é capaz de ordenar no tempo os próprios acontecimentos exteriores 5. já na criança recém-nascida. consciência dessa ordenação. Para tanto. ela já não se utiliza apenas da percepção. consegue distinguir causas de efeitos. já começa a existir um início de compreensão entre o “antes” e o “depois”. a ordenação dos movimentos da boca de tal forma que consiga sugar o alimento. Percebe-se.4 O QUINTO ESTÁGIO: Para a criança desse estágio. 5. 5.A criança do sexto estágio. mas também de dedução mental. espaço.na mesma medida em que o próprio indivíduo também se organiza – até chegar. A construção do real na criança. causalidade e tempo e a construção da noção de universo. 2002. 3a edição. no final do período sensório-motor em um espaço no qual o eu se situa como um objeto entre os objetos. REFERÊNCIAS BIBLIORÁFICAS PIAGET.Viu-se que. um espaço percebido como caótico e totalmente dependente da própria criança. Jean. é a partir da inteligência sensório-motora. que acontece a elaboração das noções de objeto. vai aos poucos se organizando . . São Paulo: Editora Ática. De início.
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