1INTRODUÇÃO: Primeiramente, cabe registrar que o tema a ser desenvolvido nesta monografia surgiu a partir da descoberta de um periódico que chamou a atenção pelo seu título: O Anarchista fluminense. O que instiga à investigação é a data que ele foi produzido, o ano de 1835, que nos remete a um tempo no qual ainda não se havia formulado o que hoje em dia conhecemos como Anarquismo: Uma linha doutrinária que se tornou motivo de diversos ensaios filosóficos, gerando adeptos. Entre as temáticas a serem abordadas, o presente trabalho tem como tarefa, adentrar nos meandros da política Fluminense durante o período Regencial, e investigar os atores políticos e suas ações no cenário da Imprensa. Outra tarefa é a de: rastrear as representações do Termo Anarquia e as práticas do Anarquismo, tanto no Brasil como em países europeus, pois, os escritos dos intelectuais desses países inspiravam os intelectuais brasileiros. O presente trabalho se propõe a analisar o conceito de Anarquia, e de suas derivações, presente no discurso do periódico O Anarchista Fluminense. Este é o problema que aqui será debatido. Esse jornal se encontra arquivado entre os periódicos raros da Biblioteca Nacional, e está em ótimo estado de conservação, sendo, portanto, de fácil consulta nas máquinas de microfilmes. Porém, se é tão fácil consultar a folha, não podemos dizer o mesmo quanto à tentativa de encontrar estudos sobre ele em Manuais de História da Imprensa brasileira e carioca. Maiores detalhes acerca desse jornal não ficaram bem evidenciados pela Historiografia. A dificuldade para a presente pesquisa consiste no total desconhecimento, uma vez que não há registro do referido jornal, nos mais diversos “manuais” da história da imprensa. Nada sobre ele encontramos nas obras de Grandes estudiosos da Imprensa como as de Helio Vianna1, Nelson Werneck Sodré2, Juarez Bahia3 etc. Esses clássicos que compilaram uma grande diversidade de periódicos, e os comentaram e classificaram, em seus trabalhos, não incluíram O Anarchista Fluminense. Do periódico em questão aparece apenas o nome, sem nenhum comentário, no livro de Godofredo Tinoco4, importante historiador da Imprensa Fluminense, assim como no de 1 VIANNA, Helio, Contribuição para a história da Imprensa brasileira (1812-1869. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945. 2 SODRÉ, Nelson Werneck de, Historia da Imprensa no Brasil. São Pulo: Martins Fontes, 1983. (3ª ed.) 3 BAHIA, Juarez, Jornal: História e Técnica, a História da Imprensa Brasileira. São Paulo: Ática, 1990. 4 TINOCO, Godofredo, Imprensa Fluminense. Rio de Janeiro: liv. São José, 1965. 2 Gondim da Fonseca5. Em ambas as obras, são feitas a mesma referência que Moreira de Azevedo fez em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Nacional intitulado: “Origem e desenvolvimento da Imprensa no Rio de Janeiro”6. Foi possível encontrar nos textos de Marcello e Cybelle Ipanema a notificação da existência desse jornal, e nada mais. Sem muitos comentários, registra apenas uma informação contraditória, dizendo que o autor seria o mesmo do jornal O Exaltado, o que acarreta uma confusão maior ainda acerca do Jornal, que tem como uma das propostas centrais perseguir ferozmente o Padre Marcelino Pinto Ribeiro Duarte, Redator de O Exaltado. Certamente essa confusão se deu porque seu nome aparece demasiadamente nos periódicos que transcrevem alguns artigos seus, publicados em outros periódicos. No “Catálogo de periódicos de Niterói”7, que Marcello e Cybelle Ipanema escreveram, não aparecem comentários críticos sobre as questões do Jornal. De qualquer maneira, sem esse manual seria difícil o entendimento de vários dos periódicos locais que dialogam com as mesmas questões que O Anarchista Fluminense. O trabalho realizado por Marcello e Cybelle Ipanema é muito válido para a compreensão do cenário dos periódicos desta cidade ao longo do tempo. Mas, ainda assim, para continuar o desenvolvimento da presente pesquisa, podia deixar de registrar essas informações. Tomando como ponto de partida da presente pesquisa a originalidade do título do periódico8,que apresentava a palavra Anarquista pela primeira vez, compondo o título de um periódico, com o lançamento de “O Anarchista Fluminense”, em 1835, o primeiro ponto a ser abordado versaria sobre o motivo da escolha do termo para a apresentação de um periódico político. A resposta não poderia fugir a uma leitura da forma como essa palavra era utilizada no tempo em que o periódico foi produzido, desviando-se dos anacronismos, adentrando o contexto a que se refere, assim, decodificando a rede de significados que compõem o vocábulo em questão. Esta folha política possuía artigos que funcionavam como discursos. Estes expunham suas idéias usando principalmente a forma retórica comumente utilizada em periódicos, folhetos e nos pasquins que circulavam nos anos 30 do séc. XIX. Desta forma esse periódico 5 FONSECA, Gondim da, Biografia do Jornalismo Carioca (1808-1908). Rio de Janeiro: Livraria Quaresma, 1941. 6 AZEVEDO, Moreira de, “Origem e desenvolvimento da Imprensa no Rio de Janeiro.” in: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. # 28. 1865. 7 IPANEMA, Marcelo e Cybelle, Catálogo de periódicos de Niterói. Rio de Janeiro:Instituto de Comunicação Ipanema, 1988. 8 É unânime entre pesquisadores da historia do Anarquismo, que este é o primeiro periódico que traz este termo em seu título. Vide: FERRUA, Pietro – “Foi fluminense o primeiro jornal anarquista da História mundial?” in: Revista Verve – #9, São Paulo: Nu-Sol (PUC – SP), 2004. 3 empregava um padrão de escrita que pretendia persuadir o público leitor de uma idéia. É a construção dos significados produzidos no discurso desse jornal que serão abordados nesta análise. Tomando por base a perspectiva da história das idéias, utilizarei neste trabalho o discurso do periódico como objeto decodificador de uma expressão da cultura política, segundo as análises de J. G. A. Pocock, e de Quentin Skinner9, em seus estudos acerca da história das idéias políticas, que tomam por base as análises lingüísticas, focadas e embasadas nos textos como objeto de análise. O método aqui utilizado propõe então uma leitura minuciosa da retórica que esse periódico produziu para perceber as conotações políticas embutidas na retórica predominante10, sendo esse tipo de publicação (pasquins), sugestivo para tal perspectiva de análise. Para desenvolver este estudo, temos que adentrar as particularidades do período Regencial e seu contexto político, discutindo as principais questões que caracterizavam essa época como singular, os meandros desta experiência inusitada da política brasileira, e seus desdobramentos no decorrer do ano de 1835. Além de uma bibliografia atualizada sobre o período Regencial, utilizaremos dados estatísticos sobre o anos de 1835, e a legislação da época, assim como dados compilados em coleções e leis locais de niterói e da antiga província do Rio de Janeiro. (Capítulo 1). Prosseguiremos com uma análise da imprensa do período Regencial, suas preocupações políticas, sua forma de atuação, utilizando-se de uma nova linguagem política radical, e de como ela se reproduziu em Niterói, localidade em que este trabalho deve se debruçar, observando a singularidade de sua imprensa periódica (principalmente os pasquins), no ano de 1835. (Capítulo 2) Em outra parte deste estudo, há a análise do termo Anarquia e seus derivados, onde se faz o histórico dos significados desta palavra ao longo do tempo, sondando seus sentidos no Brasil Independente, principalmente no período após a Abdicação de D. Pedro I, assim como nos países europeus de onde provinham os escritos e as idéias que mais influenciavam os intelectuais brasileiros. Nesta parte, será apresentada a definição do termo tal qual esboçada nas linhas dos principais dicionários, assim como serão analisados os significados e as 9 Como uma das principais obras desses autores nesse sentido, podem-se destacar as duas principais obras consultadas para este trabalho: POCOCK, J.G.A., Politics Language and Time – Essays on political thoght and History. Chicago: University of Chicago press, 1989. e, SKINER, Quentin, The Foundation of Modern Political Thought. Cambridge: Univ. Press, 1980. (2v.) 10 CARVALHO, José Murilo de, “História Intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura”, in: Topoi: revista de História, #1. Rio de Janeiro, Setembro de 2000. p.146. 4 utilizações da palavra Anarquia pelos jornais do período regencial, contemporâneos do Anarchista Fluminense. (Capítulo 3) Para finalizar, faremos uma análise das questões que o jornal traz à tona, fazendo uma crítica mais apurada das suas propostas, através das escolhas das temáticas contempladas pelo Anarchista Fluminense, comparando sua proposta ideológica com os demais movimentos políticos existentes no Rio de Janeiro. O respaldo dos textos impressos em periódicos da cidade de Niterói, e do Rio de Janeiro que tinham o mesmo formato de “pasquim” é essencial para essa análise, que tentará delimitar sua especificidade, assim como compreender qual o conceito de anarquia e as devidas apropriações desses significados pela publicação em questão. A última etapa pretende comparar essas propostas com ideais do Anarquismo, tal qual hoje em dia ele se reconhece, traçando um paralelo entre os objetos do jornal e os do Anarquismo. (Capítulo 4) 5 CAPÍTULO 1: A POLÍTICA NO PERÍODO REGENCIAL, E AS PARTICULARIDADES DO ANO DE 1835. 1.1 Os Rumos da política: Liberalismo com Moderação. No ano de 1831, ao dia 7 de abril, D. Pedro I abdica do trono brasileiro, em nome de seu filho D. Pedro (que tinha apenas cinco anos de idade, e que, portanto, era incapaz de assumir tais poderes). O fato se deu como resultado de uma crise política que se estendeu desde o fim da década de 20, quando D. Pedro I perdeu muita popularidade, sobretudo por conflitos com adeptos de posturas liberais. O cenário político no Brasil se agita com o momento de “Vacância Régia” e, assim, as diferentes propostas políticas passam a compor o foco das atenções, tanto dos políticos, quanto dos demais habitantes do Império brasileiro. Já era de longa data a crescente controvérsia quanto às diretrizes do governo de D. Pedro I, que a cada dia perdia apoio entre boa parte da população. A forma como O Imperador conduziu seu governo, com atitudes despóticas como o caso da dissolução da Assembléia (1823) e a repressão aos jornalistas que publicavam artigos com opiniões contrárias ao seu governo, (culminada com o famoso episódio da morte do jornalista Líbero Badaró), consolidou sua impopularidade, transformando a sua imagem em um símbolo da opressão e da falta de liberdade11. A identificação desses fatos com a derrubada de Carlos X na França 12 aguçou os sentimentos daqueles que eram contrários ao absolutismo, ao despotismo, e aos portugueses. De certa forma, nesse momento de incertezas, podemos considerar que se incrementa a participação do povo13 debatendo temas da política. Aqueles que ainda não estavam inseridos diretamente na participação política empenham-se nesse tipo de discussão pública de temas políticos, de maneira menos formal. Esse processo de politização ficou mais evidente por causa dos debates gerados nas ruas, das manifestações das sociedades políticas, com comentários dos fatos e a circulação de idéias políticas expostas pelos jornalistas.14 11 MOREL, Marco, O Período das Regências (1831-1840). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 16 Na França, Carlos X, Representante da Monarquia dos Bourbons, tentou Restaurar o Antigo Regime, o que lhe trouxe enorme impopularidade. Em março de 1830, entrou em conflito com a Assembléia Francesa e e, 25 de julho deste ano, dissolveu a Câmara, modificando a Carta e suprimindo a liberdade de Imprensa. Com essas atitudes, provocou os ânimos gerando a Revolução de 1830, e a sua derrubada. Para maiores informações sobre os episódios, ver: MOREL, Marco – As Transformações dos espaços públicos Imprensa, Atores políticos e Sociabilidades na cidade Imperial (1820 – 1840) – São Paulo, Hucitec 2005. p. 99 13 Entender aqui povo como aqueles inseridos nas Camadas populares em geral. Libertos pobres brancos, mas não escravos. 14 Ver: BASILE, Marcello Otávio Néri de Campos, Anarquistas Rusguentos e Demagogos: Os Liberais Exaltados e a formação da esfera pública na crte Imperial 1829-1834) - Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: I.F.C.S.- U.F.R.J., 2000. 12 6 Apesar da insatisfação da população brasileira, a abdicação de D. Pedro I não se deu somente por razões relacionadas à política no Brasil, ela foi gerada pela tomada de posse indevida do trono de Portugal, feita por seu irmão Dom Miguel. Por isso foi considerável a surpresa da população e dos burocratas, que de certa forma não esperavam o acesso ao poder nestas circunstâncias, mas passaram a cogitar esta possibilidade. 15 De maneira inesperada, com a abdicação do Imperador, estava feita uma “Revolução” que alteraria a vida dos brasileiros. Mas o termo “Revolução” é algo discutível se formos pensar nas diversas formas como cada facção política reagiu ao acontecimento. Quanto à formação de facções partidárias que se estabelecem nesse momento, podemos ressaltar a divisão que comumente é atribuída ao que seriam os “partidos políticos” desse período: os liberais moderados, liberais exaltados16, e os “Caramurus” (ou restauradores). De fato, nesse momento, no Brasil, ainda não há uma formação de partidos políticos. Como no período anterior à Independência, as organizações políticas eram do tipo sociedade secreta, a maioria sob influência maçônica. Após a abdicação, formam-se sociedades mais abertas (...)17 De qualquer maneira, a constituição desses tipos de sociedades ainda não pode ser caracterizada como de partidos políticos (tal qual hoje conhecemos). Essas sociedades consistiam em reuniões de indivíduos com afinidades intelectuais, econômicas, culturais etc, que se expressavam pela imprensa ou em reuniões, eventos públicos e outras formas de associação. Nesse período, essas facções eram vistas como ameaças de ruptura da ordem.18 Uma reunião dos deputados, senadores e ministros nomeados dois dias antes da abdicação por D. Pedro I elege a Regência Trina Provisória, composta pelo General Francisco de Lima e Silva, o Senador Nicolau Vergueiro e José Joaquim Carneiro de Campos, que governariam em nome de Dom Pedro II. Essa Regência Trina Provisória durou três meses até que, na Câmara dos deputados, se organizasse a Regência Trina Permanente. Formada pelo mesmo General Francisco de Lima e Silva e pelos deputados, José da Costa Carvalho e José Bráulio Muniz. Essa Regência se mantém no poder até o ano 1835, quando por decisão dos próprios deputados elegeu-se um único Regente. 15 CALMON, Pedro, História do Brasil – Século XIX. Rio de Janeiro:José Olympio Livraria Ed., 1959, Capítulo XIX: “A Regência” p. 1620. 16 No momento da abdicação, com a agitação política que alvoroçou os membros dos três poderes, passou a existir um racha, que dividiu a facção dos liberais em duas: exaltados e moderados Para maiores informações ver: WERNET, Augustin, O Período Regencial (1831-1840). São Paulo: Sp Global, Capítulo III: A luta pelo poder. p. 25. 17 Podemos destacar como forma de ação política desse momento as sociedades Militar, a Federal ou a Defensora CARVALHO, José Murilo de, A Construção da Ordem: Elite política Imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006 (2ª ed.), capítulo 8: Os partidos políticos Imperiais. p. 204. 18 MOREL, Ob. Cit. 7 A tomada do poder pelos liberais moderados, na Regência Trina Permanente, foi uma consolidação desta movimentação que tinha por base ser “um partido de centro que ao mesmo tempo continuava a dar combate aos anarquistas e farroupilhas, num extremo, ao mesmo tempo em que entrava em choque com os restauradores ou caramurus, no extremo oposto.”19 Assim, a ordem que assume tenta se organizar em um justo meio, é motivo de ataques diversos de todos os lados dos que ficaram excluídos do poder, ou dos que foram obrigados a aceitar as novas diretrizes políticas que iriam regrar o País. O avanço das medidas liberais foi feito com certo cuidado cerceando-se algumas liberdades consideradas excessivas. Como resultado os moderados tiveram que agir em uma política ambígua. Uma política que se propunha “racional” entre os excessos passionais extremistas. De fato, o Brasil vinha adotando uma política econômica mais comprometida com os ideais “liberais” desde a abertura dos portos em 1808. Logo depois da independência, em 1827, com a renovação do tratado de comércio, o Brasil passou a ter relações estreitas com a Inglaterra, acirrando a já empregada política econômica liberal. De certa forma, havia uma tendência dos rumos políticos do Brasil se guiarem por alguns dos direcionamentos que convinham à Inglaterra20. Um dos maiores expoentes deste alinhamento teria sido a lei de 07 de novembro de 1831, que proibia o tráfico transoceânico de escravos a serem vendidos no Brasil. As conseqüências da aplicação dessa lei foram drásticas. Os conflitos policiais e judiciários gerados foram graves e constantes. Apregoava-se a liberdade mas, na prática, essa lei gerou muita repressão, corrupção e conflitos nas diversas camadas da sociedade. As primeiras medidas tomadas pelo governo da Regência Trina Provisória tinham o claro intuito de afastar qualquer possibilidade de ruptura política ou rebelião. Assim como existia o medo de que parte da elite política passasse a não reconhecer o poder de D. Pedro II como Imperador, 21por um lado, incrementou-se o temor das autoridades do perigo que estava nas ruas: escravos, “vadios”, capoeiras, elementos marginalizados que representaram motivo de medo social daqueles que temiam insuflações dessas “massas”, como o caso das revoltas de escravos, temidas essencialmente após a revolta ocorrida no Haiti, em 1804, em que os escravos depuseram o governo francês e tomaram o poder.22 19 CASTRO, Paulo Pereira de,“A experiência republicana”, in: HOLLANDA, Sérgio Buarque de (dir.) e CAMPOS, Pedro Moacyr (assist.), História Geral da Civilização Brasileira, t. II - o Brasil monárquico, 2º v. dispersão e unidade. São Paulo: Difel, 1985 (5ª ed), p. 25. 20 WERNET, op. cit. p. 21. 21 CALMON, op. cit. p. 1621. 22 MATTOS, Ilmar Rohloff de, e GONÇALVES, Maria de Almeida, O Império da Boa Sociedade: A Consolidação do Estado Imperial Brasileiro. São Paulo: Atual, 1991. 8 Nos primeiros instantes da implantação da Regência, com o ambiente acalorado da política, houve uma série de revoltas que, nesse primeiro momento se manifestaram traduzindo: a inquietação da população urbana nas principais capitais e teve como protagonistas a tropa e o povo23 a exemplo do levante da Ilha das Cobras, em 1831 ou o da Sociedade Militar em 183324. Na verdade, esses foram apenas os primeiros levantamentos, de uma série de revoltas, ocorridas entre 1831 e 1848 que indicaram as dificuldades de se estabelecer um sistema nacional de dominação com base na solução monárquica (...)25 É importante lembrar que os motivadores, os condutores, os grupos envolvidos, os locais e os tempos de duração dessas revoltas foram bem diversas entre si. Esta “nova ordem” que se organizou teve a sua lógica voltada para atender anseios “liberalizantes26” também no âmbito da política, dando continuidade às conquistas de cunho liberal iniciadas ainda no tempo de D Pedro I, na chamada década liberal (1820). Desde que foi aclamada a constituição de 182427, o Brasil ia renovando seu aparato burocrático. A Criação do cargo de Juiz de Paz em 182728, e a Criação do Código Criminal em 1830 foram os principais feitos nesse sentido. O primeiro, criando uma nova instância de juízes eletivos, atendia a preocupações filosóficas dos adeptos de práticas democráticas e descentralizadoras do poder. A criação do código criminal suprimindo o livro V das Ordenações Filipinas 29 representou uma renovação jurídica, que teve por fim uma justiça menos severa, e mais de acordo com os preceitos da declaração dos direitos do Homem e do Cidadão30. Mantendo o direcionamento liberal, os Liberais Moderados, detentores do poder, com votações na Câmara e no Senado, projetaram e instituíram uma série de reformas (formuladas e aprovadas por representantes das três principais correntes políticas) que reordenariam o 23 CARVALHO, José Murilo de, Teatro de Sombras: Política Imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006 (2ª ed.), p. 251. 24 Maiores informações sobre cada uma dessas Revoltas, ver as análises de Moreira de Azevedo, expostas em algumas edições da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 25 CARVALHO, ibidem p. 250 26 Medidas que alterassem o aparato burocrático no sentido da política liberal, adotando reformas que rompessem com determinados preceitos antigos, ainda vigentes nas leis. 27 Considerada em seu tempo uma constituição bastante liberal, se destacava pelas garantias às liberdades individuais, consubstanciadas no artigo 179, que tratava dos direitos civis e políticos. Ver: GRINBERG, Keila. Autora do verbete Constituição in:VAINFAS, Ronaldo (org.), Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. 28 Eram juízes leigos, eleitos pela população local, exerciam funções conciliadoras. A criação do cargo de juiz de paz foi uma medida que ampliou os mecanismos de coerção na esfera local. Maiores detalhes ver FLORY , Thomas, El Juez de paz y el jurado en el Brasil Imperial, (1808 – 1871) .Control social y estabilidad política em el nuevo Estado. México: Fondo de Cultura Econômica, 1986. Capítulo IV El Juez de paz Imperial p. 81. 29 Conjunto de leis vigentes no Brasil desde 1603, figurava como uma a justiça colonial, herança portuguesa aplicava penas severas e cruéis, assim como torturas. Seus preceitos eram vistos como vergonhosos pelos políticos liberais brasileiros. Maiores informações ver: GARCIA, R. Ensaio sobre a história política e administrativa do Brasil (1500 – 1810). Rio de Janeiro: José Olympio, 1956. 30 FLORY, Ibidem p.77 9 Estado Brasileiro. Essas mudanças de ordem jurídica se operariam no Brasil, em decorrência de uma série de medidas cujo conjunto de aplicações conferiu a alcunha de “Avanço Liberal”. Este termo é utilizado por boa parte da historiografia que trata do período em que o Brasil foi governado pela Regência Trina Provisória. Como parte dessas medidas, podemos então citar: a criação da Guarda Nacional, A criação do Código do Processo Criminal (1832), e o Ato Adicional à constituição de 1824, feito em 1834. Dessas três mudanças, certamente o resultado prático consistiu em uma política dúbia com relação à liberdade da população, porque assim como atendeu aos ideais liberais, ela criou também mecanismos de controle mais eficientes na esfera de poder local, possibilitando uma maior eficiência na repressão 31. *** A GUARDA NACIONAL Da Guarda Nacional, podemos destacar a forma como se compuseram seus corpos nas diversas províncias: Os membros da Guarda eram recrutados entre os cidadãos brasileiros que podiam ser eleitores (idade entre 21 e 60 anos, com renda anual superior a 200 mil réis, nas grandes cidades, e 100 mil réis nas demais regiões.) Era vista por seus idealizadores como o instrumento apto para a garantia da segurança e da ordem, realizados em âmbito local. Tinha como finalidade defender a Constituição, a liberdade, a independência e a integridade do Império, mantendo a obediência às leis, conservando a ordem e a tranqüilidade pública.32 A Guarda Nacional tinha forte base municipal e a sua organização se baseava nas elites políticas locais, pois eram elas que formavam ou dirigiam o Corpo de Guardas; ao mesmo tempo, demonstrava a falta de confiança do governo na fidelidade do Exército33, que teve uma debandada considerável após a abdicação de D. Pedro I, também vindo deste setor, muitas das revoltas ocorridas no período. A principal atuação da Guarda Nacional foi a de combater qualquer grupo ou facção de caráter contestatório das autoridades Imperiais, sendo esta Guarda o seu novo monopólio de repressão legítima. 31 32 FLORY, Ibidem. p. 84. BRASIL, Coleção de Leis do Império do Brasil (Ano de 1831). Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1875. 33 MOREL, Marco, O período das regências. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003 p. 29. 10 O NOVO CÓDIGO DO PROCESSO CRIMINAL A Criação de um novo Código do Processo Criminal foi uma das medidas “liberalizantes”, considerada uma das mais avançadas nesse sentido. Este fato gerou implicações expressivas na prática jurídica brasileira, assim como nas atribuições das instâncias do jurado brasileiro. O Código de processo oferecia muitas garantias de defesa aos acusados de crimes, e teve como um dos maiores expoentes desta reforma a criação do habeas corpus. Com este feito: Acabavam-se as devassas presididas pela justiça ferrenha, o excesso de autoridade.34 Este código conferia novos poderes aos juízes de paz. Estas autoridades subalternas, passaram a ter autoridade para prender criminosos procurados pela justiça e a julgar delitos cujo castigo máximo não excedesse 100 mil réis e seis meses de cárcere. Esperava-se que ao fortalecer as autoridades locais, se evitaria a falta de autoridade ou controle efetivo do governo fora das capitais. A estes juízes, de acordo com o novo código, agregaram-se poderes policiais, sendo concedida a eles a gerência de inspetores de quarteirões, assim como a gerência de investigação de crimes e criminosos, tornando-se a maior representação da vigilância e da repressão, e da presença do Estado, nas localidades mais longínquas do Império. Ao juiz de paz, após a instauração do Código do Processo, ficou o encargo de representante direto das leis centrais, e autoridade de legitimidade com maior interação com as questões locais, suprimindo-se em importância aos juízes municipais, por exemplo.35 O ATO ADICIONAL DE 1834 O Ato adicional à Constituição, decretado pela Câmara dos Deputados e aprovado no ano de 1834, teve por essencial preocupação, conceder mais autonomia às províncias, sem que se adotasse uma monarquia federativa. As medidas do Ato iam de encontro à organização Centralista classicamente adotada pelo Estado Brasileiro, cujo modelo era de inspiração portuguesa, se mantinha com a mesma postura de concentrar as decisões do Império na Corte. 34 35 CALMON, Pedro, ob. cit. p. 1631. FLORY , Thomas, ob. cit. p. 104. 11 O processo de aprovação das medidas desse ato, enquanto ainda na Câmara dos deputados, foi muito disputado e, por fim resultou essencialmente na aproximação entre Moderados e Exaltados, assim como em concessões aos do grupo Restaurador.36 Essas medidas, porém, mantiveram certas precauções na concessão de autonomias aos poderes regionais. Após o Ato, a concentração do poder ficaria delegada às assembléias provinciais, que decidiriam as deliberações dos municípios. Esta reforma consumada com o Ato Adicional de 1834, instituiu as Assembléias Legislativas Provinciais com considerável autonomia, mas não chegou, como era desejo dos seus mais ardorosos defensores, a suprimir o Poder Moderador ou a implementar um Estado Federativo, mesmo se evidenciando as aspirações progressistas. Às Assembléias provinciais foi atribuída competência para elaborar o seu próprio regimento, e, desde que em harmonia com as imposições gerais do Estado, legislar sobre: a divisão civil, judiciária e eclesiástica local, assim como a instrução pública. (não compreendendo as faculdades de medicina e os cursos jurídicos). Suas atribuições envolveriam: casos de desapropriação, fixação de despesas e impostos; criação de cargos e empregos; construção de estradas, penitenciárias e outras obras públicas. Porém, mesmo com a profunda alteração nas competências dos chefes das províncias, houve, num primeiro momento, uma relativa falta de recursos das províncias, que entravou, de certo modo, a plena capacidade dessa autonomia.37 Outra medida importante entre as que compunham esse Ato, foi: a convocação da eleição de um regente “Uno” para o Império do Brasil. Estas aspirações somadas à eleição de um novo Regente, medida tendenciosamente progressista, dava início a um novo modelo de Estado que a historiografia chega a denominar de uma “Experiência Republicana”. Outro ponto importante desse Ato Adicional seria a lei Preparatória decretada pela Assembléia Geral Legislativa, cujo texto conferia aos deputados que seriam eleitos para a legislatura seguinte a faculdade de reformar determinados artigos da Constituição do Império. 1.2 A criação da Província do Rio de Janeiro e da sua Capital. No conjunto das concessões às províncias, vinha a criação de uma nova província para compor o Império Brasileiro: A província do Rio de Janeiro (nomeação esta feita pelos deputados da Regência), que é criada para ser a administração local das cidades e vilas que 36 37 MATTOS, Ilmar Rohloff de, e GONÇALVES, Maria de Almeida, ob. cit. p. 32. CASTRO, Paulo Pereira – “A Experiência Republicana” in: HOLLANDA, Sergio Buarque de, e CAMPOS, Pedro Moacyr, ob. cit. p. 37. 12 antes tinham a sua administração sujeita diretamente ao ministério do Império, ligadas à Corte. A lei de 12 de agosto de 1834 (Ato adicional) separou o território da cidade do Rio de Janeiro da jurisdição do restante do que se tornou a Província do Rio de Janeiro. Com a criação dessa província, há o fortalecimento de uma elite local, consubstanciada na formação de novos empregos públicos os quais seriam ocupados pelos fluminenses que outrora não tinham Presidente nem Conselho Geral como as demais províncias. Suprimindo os conselhos em todas as províncias, substituindo-as por assembléias legislativas locais, o Ato Adicional, que era direcionado para uma maior autonomia das províncias do Império, deu à província do Rio de Janeiro, uma organização que até então não possuía e a igualou à das outras. Com essa medida, restringiu, porém, a jurisdição provincial, determinando que a Assembléia Legislativa em que estivesse a Corte não compreenderia nem esta nem o seu município. Desta forma, a cidade do Rio de Janeiro onde tinha sede a corte do Império, continuando a pertencer territorialmente à província do Rio de Janeiro, escapava à jurisdição de sua Assembléia Administrativa.38 O Território da Corte passaria a ser chamado de Município Neutro. No dia 20 de agosto de 1834, Joaquim José Rodrigues Torres foi nomeado para presidente da nova Província do Rio de Janeiro. Como primeira medida de seu mandato, deveria ser feita a escolha, através de uma votação, da cidade que seria sede da capital. Essa nova província teria como possível Capital, a Vila da Praia Grande 39, que assumiu esse papel temporariamente, até que se decidisse qual o logradouro que assumiria a capital definitivamente. Também concorreu com esta Vila, na votação, a Vila de Itaboraí e a Vila de Campos dos Goytacazes, cada uma apoiada e defendida com afinco por suas elites locais, como bem lembra Thalita Casadei, pesquisadora da história de Niterói40. No dia 27 de fevereiro de 1835, foi realizada a votação para se escolher qual cidade se tornaria a capital da província. Vence na assembléia, a Villa da Praia Grande, que passa a se chamar cidade de Niterói41, ou a “Imperial Cidade de Niterói” como ficou registrado no 38 FORTE, José Mattoso Maia, O Município de Niterói – Corografia, História e Estatística. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Commercio, 1941. p. 69. 39 A Villa Real da Praia Grande foi criada pelo Alvará, com força da lei de 10 de Maio de 1819, que erigiu em villa o Sítio e povoação de São Domingos da Praia Grande, com a denominação de Vila Real da Praia Grande. Esta vila, em 1833, separa-se da Villa de Santa Maria de Maricá, Formando um poder local mais centralizado por uma elite mais homogênea. Esse feito se fortaleceu com a criação das “Posturas Policiais para a vila da praia Grande”, Conjunto de leis locais que consolidou suas particularidades. Para maiores informações sobre a História da Villa da Praia Grande, ver Legislação sobre municípios, Comarcas e Distritos abrangendo o período de 09 de março de 1835 – 31 de dezembro de 1925. Organizado por Desidério Luiz de Oliveira Júnior. Rio de Janeiro, Tipografia do Jornal do Commercio. 1925. 40 CASADEI, Talita, Da Villa Real da Praia Grande a Imperial Cidade de Niterói. Niterói/RJ: Funiarte, 1988. 41 O Nome da cidade foi criado pelos índios Temiminós, habitantes da região. Seu significado é “Água Escondida”, referencia a sua localização geográfica. Informações em: PIMENTEL, Luiz Antônio, Topônimos Tupis de Niterói. Niterói/RJ: Funiarte, Prefeitura Municipal de Niterói. 1988. p. 77. 13 memorável discurso proferido por Manoel Antônio publicado na coleção de Leis da Província do Rio de Janeiro, ao dia 6 de março de 1835 42. No conjunto destas novas medidas, as Vilas de Campos dos Goytacazes e de Angra dos Reis passaram também à condição de cidade. Nessa mesma coleção de leis, lê-se que a Assembléia votou a aprovação das verbas que se destinariam à criação das estruturas básicas necessárias, tanto para a cidade de Niterói abrigar o seu aparato burocrático, quanto para que pudesse haver estruturas de comunicação entre as vilas e cidades que compunham esta província. Propunha, assim, melhorias urbanas, a criação das pontes e estradas, assim como os canais, e demais obras demasiado dispendiosas, que deveriam operar para o sucesso da província. Os problemas iniciais da província foram expostos por Artur Cezar Ferreira Reis em seu artigo sobre a província do Rio de Janeiro43. Este autor destaca a fala inicial de Joaquim José Rodrigues Torres, que esclarece os problemas a serem solucionados, e traça o quadro de angústias que sentia em face da exigüidade de recursos para a manutenção da máquina administrativa e da carência de dados positivos a respeito do que poderia ser utilizado confessando uma inexatidão dessas despesas44. A tributação e as demais obrigações são revistas nesse momento. Logo após a primeira reunião da assembléia provincial fluminense, que se deu no dia 1º de fevereiro de 1835, na Praia Grande, decidiu-se a imperiosa necessidade de mudanças estruturais que deveriam ser operadas na província. Os custos destas inovações são publicados nos principais periódicos diários e discutidos, assim como o dispêndio de sua manutenção. Em contrapartida, aqui processou-se a defesa desses progressos como de extrema necessidade ao novo momento que atrairia empreendimentos diversos à cidade. No Jornal do Commercio, trechos do relatório final, que aprovou as novidades. Na seção “Relatório desta Província” liase: CONTINUAÇÃO DO RELATORIO DO PRESIDENTE DESTA PROVÍNCIA (...) ILLUMINAÇÃO A Vila da Praia Grande, não só pela sua extensão e crescida população, mas ainda pela circunstancia de ser continuamente freqüentada por grande número de pessoas nacionais e estrangeiras de todas as classes, exige que suas ruas sejão á noite, illuminadas. Dahi resultará, não só comodidade para os 42 LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO RIO DE JANEIRO. Coleção de Leis, Decretos e regulamentos da província do Rio de Janeiro. De 1835 – 1850. Seguida de um Repertório da Mesma legislação organizado por: “Luiz Honório Vieira Souto” – Parte I: Leis e decretos. Nictheroy, Typografia Fluminense de Lopes. 43 REIS, Arthur César Ferreira, “A Província do Ro de Janeiro e o Município Neutro”. in: HOLLANDA, Sérgio Buarque de, e CAMPOS, Pedro Moacyr, ob. cit. p. 342. 44 REIS, loc. cit. 14 habitantes e pessoas que as transitam, mas ainda facilidade para a manutenção da tranqüillidade e polícia da povoação. Segundo informações que pude obter, são precisos para esta iluminação, 50 a 60 reverberos que podem custar de 21 a 25 contos, faráõ pouco mais ou menos a despesa anual de dois contos e quatrocentos mil réis (...) a razão está na população grande e commercio da Villa(...) ESTRADAS, PONTES E CANAIS (...) Necessidade da abertura e conservação de meios que facilitem o transporte dos produtos da nossa agricultura (...) Ninguém há aí que hoje desconheça quanto a riqueza e a civilização de um país, cresce na razão direta de seus meios de comunicação.(...)45 Comumente apareciam nos periódicos dessa época, comentários notas e artigos sobre esta debilidade, e os problemas que esta nova província apresentava. As chuvas também causavam danos sérios para a comunicação das vilas e cidades. Os gastos excessivos nesse momento também se tornam parte das insatisfações que são expostas em artigos de diversos jornais. No caso do Jornal do Commercio, temos uma visão otimista de que os novos acontecimentos trariam o progresso à cidade, mais estruturada para a movimentação comercial. Essas melhorias foram executadas à custa dos cofres provinciais: instalação de repartições e criação de escolas, iluminação pública, abastecimento de água e policiamento. Tais gastos foram pagos com um incremento em alguns impostos. Niterói não possuía os aparatos para abrigar um aparelho burocrático do tipo de sede da presidência da província. Isso ficou marcado em registros da época que, constantemente denunciavam essa carência juntamente com a carência da província do Rio de Janeiro, de boas estradas, pontes e canais, incremento na comunicação entre as diferentes cidades em todas as regiões da província do Rio de Janeiro. 46 Tornando-se a capital, iniciava-se todo um novo momento para sua história. Niterói ganha hospital, correio, e até mesmo a primeira escola de ensino Normal47 do Brasil, que foi construída junto com outras que ao longo do tempo foram aparecendo de acordo com as necessidades de uma nova capital. No dia 14 de abril de 1835, foi fundada a “Guarda Policial” 45 46 Jornal do Commercio - 05/02/1835, p. 3. REIS, Arthur César Ferreira, “A Província do Rio de Janeiro e o Município Neutro” in: HOLLANDA, Sérgio Buarque de, e CAMPOS, Pedro Moacyr, op. cit. p. 343. 47 Esta escola se chama Instituo Educacional Professor Ismael Coutinho (IEPIC), e foi a primeira Escola de ensino normal do Brasil. Funciona até os dias de hoje. 15 de Niterói, com efetivo de 241 homens, nas armas de cavalaria e infantaria, inicialmente sob o comando do Capitão João Nepomuceno Castrioto.48 Outro pioneirismo marcou essa nova etapa, a inauguração da primeira linha de vapores, fazendo viagens a cada hora, cruzando a baía da Guanabara. O principal objetivo, seria atender aos burocratas que tiveram os endereços de seus trabalhos alterados para a margem direita da baía da Guanabara. Um aspecto populacional de Niterói não pode deixar de ser comentado nessa apresentação: a grande quantidade de escravos que ali habitavam. Na Villa da Praia Grande, a população escrava era parelha à Corte, somando aproximadamente dois terços do total da população. Segundo José Mattoso Maia Forte, dois anos antes de ser elevada à condição de cidade, contava o distrito da vila, neste e nas freguesias de São Gonçalo, de São Sebastião de Itaipu e de São Lourenço, 1915 fogos, 7500 habitantes livres e 22000 escravos.49 Niterói, nesse tempo, principalmente antes de se tornar a Capital e de se organizar o corpo de polícia, era um grande porto para a entrada de negros que eram traficados da África, e aportavam ilegalmente nas praias de Niterói, alguns para serem vendidos no interior, e outros, na Corte. Muitos conflitos foram gerados em virtude desse tipo de situação. A falta de iluminação artificial colaborava para esta realidade da cidade, sendo um dos principais portos de desembarque de africanos traficados ilegalmente para abastecer a necessidade do mercado da Província do Rio de Janeiro, essencialmente no interior, onde havia um incremento contínuo na produção da lavoura de café (produto que estava em franco desenvolvimento nesse período). 1.3 O ano de 1835: Repressão versus Liberdade. Pra finalizar este primeiro capítulo, que tenta adentrar um pouco o ambiente político e social da Regência, devemos considerar alguns fatores, que nos podem fazer pensar o ano de 1835 como um ano em que se viveu um clima de revoltas muito grande em todo o Império Brasileiro. Podemos pensar isso por conta das revoltas eclodidas nesse ano, e da série de medidas repressivas que a Regência empregara com o intuito de manter a ordem. 48 Estas informações se encontram na obra de WHERS, Carlos, Cidade sorriso. Ro de Janeiro: 1984. Também nesta obra, muitas informações sobre João Nepomuceno e outros personagens importantes que compunham o aparato burocrático no momento de elevação da vila à Cidade de Niterói. p. 69. 49 Esses dados estão contidos em: FORTE, José Mattoso Maia, Notas para a História de Niterói, Niterói/RJ: INDC Prefeitura Municipal de Niterói. 1935. (2ª ed.). p. 98. 16 Logo no primeiro mês do ano, ocorre, em Salvador, o que foi chamada pela historiografia de “Levante Malê”50, uma revolta escrava, cujos princípios se fundavam na Religião Islâmica, mas que muitas preocupações trouxe aos governantes, assim como aos proprietários de escravos. O “Levante Malê” teve como característica singular dentre as revoltas do período regência, ter sido uma revolta com liderança escrava. Esta revolta de 1835 seria última revolta do primeiro dos dois grandes grupos de revoltas ocorridas desde 1831 até 184851, cuja principal conseqüência foi a profusão do “Haitianismo.” O termo “Haitianismo”, que é uma referência à Revolução ocorrida no Haiti em 1804, foi largamente empregado para denominar o grande medo de que ocorressem novas revoltas escravas, gerado após o “Levante Malê”. Os políticos da moderação foram os que mais se preocuparam em conter as possibilidades de revoltas. Suas ações para tal fim permeavam desde a formação de uma onda de boatos em todo o Império de que novas “Rusgas” estariam sendo planejadas pelos escravos, até a adoção de leis que prevenissem essas possíveis Revoltas. O motivo principal dessa “onda de boatos” seria convencer a população de que a repressão era realmente necessária. Esses boatos foram constantemente publicados nos periódicos desse ano, e também contestados por políticos entre outros partidários de que o tal perigo não seria tão alarmente quanto se propagava, e que o Governo exagerava em seus mecanismos de repressão popular. Em jornais de orientação moderada, liam-se vários “comunicados” como o seguinte, publicado no periódico o Sete d `abril52: COMUNICADO Parece hum sonho o que se tem passado e vai sucedendo entre nós! Crê-se que terríveis planos de insurreição se têm concertado e que agentes secretos (...) por trazer ao Brazil todo a maior das desgraças públicas com o já tivemos o pano de amostra na cidade da Bahia: clama-se que cada hum africano que desembarca em nossas praias é um novo barril de pólvora lançado à mina: inculca-se, como necessidade, promover a importação de homens livres, artistas e agrícolas, por meios de contratos &c. &c.: diz-se que é mesmo um absurdo esperar prosperidade em uma nação aonde se aumenta o número de escravos e se apoquentam e perseguem os homens livres; tudo isso se tem dito e espalhado nas folhas públicas (...) Sr setembro Mais Barris de pólvora lançados à mina! Acaba de entrar neste porto o patacho Minerva, vindo da Bahia, Trazendo 132 negros, a maior parte da nação mina, que dizem pertencer ao senhor S. de S. Lima! Serão estes escravos do número daqueles que tomaram parte na revolta de 24 de janeiro naquela cidade?! E haverá aqui quem compre tais inimigos já experimentados? E consentirão as autoridades no seu desembarque? Valha-nos 50 Para maiores detalhes deste levante ver: SILVA, Eduardo, e REIS, João José Reis, Negociação e Conflito – A Resistência Negra no Brasil Escravista. São Paulo: Companhia das letras, 1999. 51 CARVALHO, José Murilo de, Teatro de Sombras: A política Imperial. op. cit. p. 251. 52 Periódico de orientação moderada, que tinha como Mentor/ Redator, Bernardo Pereira de Vasconcellos. 17 deus com tanto desarranjo... ! As famílias estão assustadas, e o mesmo acontece com o seu leitor: O medroso.53 Sendo assim, com um cenário aterrorizante de medo54 constante, durante o ano em que o maior temor das autoridades brasileiras seriam as revoltas escravas, como causa principal desta realidade, viveu-se uma grande perseguição aos escravos. Mas, consequentemente, essa repressão se operou sobre os negros livres também. De fato, entre os anos de 1830 a 1835, o número de libertos aumentou muito, gerando uma grande população de negros libertos, principalmente nas grandes cidades do litoral (Salvador, Rio de Janeiro e Recife), e demais cidades, com grande concentração populacional e movimentação comercial. Um dos fatores colaboradores desse acréscimo seria o aumento de escravos nas atividades de ganho, atuando como profissionais liberais, conseguindo assim, renda para comprar sua alforria55. A proibição do Jogo do Entrudo, neste ano, ganhou mais um motivador para seus adeptos: evitar ajuntamentos de negros, possíveis fomentadores de rusgas. Na província do Rio de Janeiro, um agravante na política repressiva empregada nesse ano, se deu depois de ser aprovada na Assembléia Legislativa Provincial do Rio de Janeiro a suspensão dos incisos 7, 8 e 9 do artigo 179 da Constituição de 1824. O Artigo 179 da Constituição consiste na liberdade do indivíduo, e se encontra no TITULO 8º, que trata das Disposições Gerais, e Garantias dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros. A parte que seria suspensa tratava: Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. (...) VII. Todo o Cidadão tem em sua casa um asilo inviolável. De noite não se poderá entrar nella, senão por seu consentimento, ou para o defender de incêndio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a Lei determinar. VIII. Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em Cidades, Villas, ou outras Povoações próximas aos lugares da residência do Juiz; e nos lugares remotos dentro de um prazo razoável, que a Lei marcará, atenta a extensão do território, o Juiz por uma Nota, por ele assinada, 53 54 O Sete d’Abril - 21/03/1835. p. 2. Para maiores informações sobre o “Grande Medo” vivido nesse período: GONÇALVES, Márcia de Almeida, Ânimos Temoratos: uma análise dos medos sociais na Corte no tempo das regências. Dissertação de Mestrado em História Social das Idéias. Niterói/RJ: I.F.C.H, U.F.F., 1995. 55 REIS, João José, op. cit. 18 fará constar ao Réu o motivo da prisão, os nomes do seu acusador, e os das testermunhas, havendo-as. IX. Ainda com culpa formada, ninguém será conduzido á prisão, ou nela conservado estando já preso, se prestar fiança idônea, nos casos, que a Lei a admite: e em geral nos crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis meses de prisão, ou desterro para fora da Comarca, poderá o Réu livrar-se solto.56 A ausência de algumas das garantias dava uma maior agilidade no aparato repressivo. A perda dessas garantias dava plenos direitos às autoridades de interferir no lar das pessoas, assim como de conduzir suspeitos e indiciados diretamente para a prisão, sem julgamentos prévios e, sendo também, autorizados a desterrar esses acusados. Essa medida gerou repressão abusiva direta da população. Ainda que se suspendessem as garantias dos cidadãos57 (Brancos, Ingênuos e Libertos), e não dos que eram considerados os possíveis fomentadores de rusgas (a população escrava), a perseguição se operou efetivamente sobre escravos e negros livres, ambos figurando como ameaças à ordem, uma vez que poderiam insurgir-se no Rio de Janeiro, tal qual fizeram em Salvador. Complementando a revogação, cria-se então uma emenda à Constituição, válida para a província do Rio de Janeiro, com o intuito de criar mecanismos para viabilizar a revogação dos outros incisos. Incluíram-se à suspensão, cláusulas que direcionavam a repressão diretamente às sociedades secretas e aos periódicos, censurados nos atos considerados “crimes de insurreição”. Estes direitos que seriam invioláveis, no ano de 1835, são revogados (ainda que temporariamente) pela Assembléia Legislativa da Província do Rio de Janeiro, com a seguinte postura datada de 27 de março de 1835: Art. 1º - Ficão suspensas em toda a Província do Rio de Janeiro até a primeira reunião ordinária ou extraordinária da A. L. Provincial as formalidades do Artigo 179 §§ 7, 8 e 9 da Const. Do Império; a fim de poder proceder-se sem as garantias dos referidos paraphos, contra todos os individuos sobre quem recahirem indicios vehementes de que tentão perpretar o crime de insurreição; e por este crime somente. Os que escreverem, e os que publicarem, proclamações, e quaesquer outros papeis assim impressos como manuscriptos, ou proferirem discursos, directamente tendentes á promover insurreição, seráõ punidos como cumplices deste crime. Art. 2º Se as cadêas dos lugares onde por crimes de insurreição se fizerem prisões, não forem seguras, as authoridades respectivas remetteráõ os prezos a dispozição do presidente da Provincia, empregando-se na sua conducção, todos os meios de segurança, que aparecem necessários, a fim de que não se evadão. 56 “Constituição Política Do Império Do Brasil” in: CAMPANHOLE, Adriano, e CAMPANHOLE, Hilton Lobo (org.), Constituições do Brasil: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969. São Paulo: Atlas, 1981. (5ª ed.) 57 Sobre os inclusos na categoria de cidadãos, ver o título 2º da “Constituição Política do Império do Brasil” (1824). 19 Art. 3º - O Presidente da Província, e mais authoridades por intermédio do mesmo, remetteráõ á Assembléia Legislativa Provincial, logo que reunida for, relação motivada das prizoenss a que procederem, e das medidas de prevenção tomadas em virtude da dispozição do Artigo 1º. Art. 4º - Fica authorizado o presidente da Província, Sahir para fóra desta, todos os Estrangeiros de côr de um e de outro sexo; comprehendendo nesta classe os Africanos libertos: e com especialidade aquelles que divagão pela mesma provincia, entretido no tráfico de mascates, e pombeiros. Para este fim os Juizes de Paz, e mais authoridades judiciárias farão prender os indivíduos sobreditos, onde quer que forem encontrados; e remetteráõ com segurança à dispozição do Presidente da Província. Art. 5º - Todos os officiaes inferiores da Guarda Nacional, ou d`outro qualquer corpo de força armada que se negarem á prestação de auxílio que por alguma authoridade lhes for requerido, nos cazos da prezente ley, serão presos antes de culpa formada e punidos com as penas impostas no artigo 128 do Código Criminal58. Art 6º - Fica prohibido ás associações secretas, permitidas pelo art. 282 do Código Criminal, celebrar suas reunioens denoite; pena de serem concideradas criminozas, e de se proceder contra ellas nos termos dos artigos 282e 28459 do mesmo Código; ainda que tenhão feito communicação , em forma legal, ao juiz de paz respectivo. Art. 7º - Todas as associaçoens secretas, onde fôr encontrado algum estrangeiro de côr, entrando nesta classe os Africanos libertos, ou algum escravo, ficão declaradas criminosas; e todos os indivíduos que nella foram apreendidos, serão reputados como achados em acto de tentativa de insurreição: ainda que a reunião se verifique de dia, e não exista alguma prova que o simple facto da reunião em forma de associação, provada pelo auto legal do corpo de delicto de aprehensão. Art. 8º - O Presidente da província he authorizado para fazer todas as despezas necessarias para a execução da prezente lei: e para manter uma vigilante policia de inspecção em todos os lugares da Província onde o julgar conveniente, dando conta de tudo quanto por este meio houver chegado ao seu conhecimento, e dispendido, á Assembléa Legislativa Provincial na sua primeira reunião; em ofício reservado. Art. 9º - Ficão suspensas todas as leis e disposições em contrário. Paço da Assembléia Legislativa Provincial 21 de Março de 1835. Tais medidas transformaram as posturas do aparato repressivo, tanto o policial como o da Guarda Nacional, desta vez cobrados a assumir uma postura bem rígida. Cabe aqui lembrar, que, ainda nesse ano, ao dia 10 de junho, aprova-se a lei que regulamenta a aplicação da pena de morte aos escravos. Sendo esse um dos pontos máximos da concretização da 58 Ver CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO DO BRASIL, Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1831.: Art. 128 Desobedecer ao empregado Público em ato do exercício das suas funções, ou não cumprir as suas ordens legais. Penas de prisão por seis dias, a dois meses. 59 Ver Ibidem, encontra-se na PARTE QUARTA, referente aos crimes Policiais CAPÍTULO 2º Sociedades Secretas. Art. 282.A reunião de mais de dez pessoas em uma casa em certos, e determinados dias, somente se julgará criminosa, quando for para fim de, de que se exija segredo dos associados, e quando neste último caso não se comunicar em forma legal ao juiz de Paz do distrito, em que se fizer a reunião Penas: de prisão por cinco à quinze dias ao chefe, dono, morador, ou administrador da casa, e pelo dobro no caso de reincidência Art. 284.Se forem falsas as declarações que se fizerem, e as reuniões tiverem fins opostos a ordem social, o Juiz de Paz além de dispensar a sociedade, formará culpa aos associados. 20 política repressora, que vingou por conta da tentativa de conter qualquer possibilidade de insurreição60. Nesse ano, o Estado Brasileiro também foi ameaçado por revoltas de cunho separatista. Há uma grande repressão policial e militar necessária para que não houvesse nenhuma ruptura em nenhuma das províncias que projetam revoltas separatistas. As autoridades estavam atentas, e investindo na desarticulação desses movimentos. O Federalismo, que ganhou força com as medidas do Ato adicional, foi, além de uma ruptura com o aparato centralista imperial, herdado dos portugueses, se consubstanciado na defesa de uma política que atendesse às necessidades locais das províncias. Justamente nesse ano, viveram-se os momentos mais críticos da Cabanagem61. Nesse ano, motivada por estancieiros, eclode a Farroupilha62, no sul do Brasil. Todos os movimentos sociais e as agitações que constantemente surgiram desde 1831, já anunciavam a “vigorosidade” desse tipo de reivindicação de caráter regionalista e descentralizador dentro do Império, entre os diversos segmentos da população. “Mas, indiscutivelmente, a pura presença, as inúmeras revoltas provocaram um medo contínuo nas classes dominantes e influenciaram muito no peso político”63. Esta frase de Wernet pode corroborar a idéia de que, no ano de 1835, o medo aumentou, e a política repressiva incrementou-se gerando enormes incongruências do aparato de leis vigentes com os anseios e necessidades da população que sob elas se estabeleciam. *** Ainda seguindo a linha de raciocínio da repressão contínua e severa, outro grande conflito intensificado nesse ano foi que ocorreu entre os Traficantes de escravos e as autoridades. Este conflito foi intensificado justamente pelo Haitianismo, que apregoando que o aporte de negros no Brasil, também seria condenável frente às ameaças que estes representavam, como revoltosos em potencial, sendo comparados constantemente a barris de pólvora. Os partidários do fim do Tráfico ganharam mais motivos para sustentar suas idéias. 60 Para maiores detalhes ver: RIBEIRO, João Luís de Araújo, Entre Galinhas, baratas não tem razão: Escravos e a pena de Morte no Império Dissertação de Mestrado em História Social. Rio de Janeiro, I.F.C.S. U.F.R.J., 2000. 61 Para maiores informações, ver: CHIAVENATO, Julio José, Cabanagem: O Povo no Poder. São Paulo: Editora Brasiliense. 1984. ver também: DI PAOLO, Pasquale, Cabanagem: A Revolução popular na Amazônia. Belém: Edições CEJUP. 1986. (2ª ed.). 62 Para maiores detalhes sobre a Farroupilha, ver: PESAVENTO, Sandra Jatahy, A Revolução Farroupilha São Paulo: Brasiliense, 1986. 63 WERNET, Augustin – Ob cit. p.43. 21 No primeiro semestre de 1835, o tráfico ilegal é o tema mais recorrente na imprensa, que está constantemente debatendo a proibição ou não do tráfico transoceânico de escravos e conseqüentemente, a forma como se processavam os crimes e criminosos. A lei polêmica dividia a população brasileira. Em geral, a população se manifestava contrária à lei de 07 de novembro de 1831. Entre os partidários da manutenção do Tráfico Negreiro, havia muitos conflitos e tentativas de burlar a lei. No ano de 1835, ao fim do 4º mês, já se registrava um “recorde” de apreensões de navios negreiros. A não aceitação da lei foi largamente expressada pelos jornais, como vemos no Artigo a seguir: Considerações sobre os crimes. Uma análise bastante estatística. Tráfico de Africanos É certamente doloroza a necessidade de declarar ao corpo legislativo, que, apesar das mais eficazes medidas contra os contrabandistas de africanos, o tráfico continua; as providências dos tratados tem sido illudidas; os rigores da lei em completo desprezo: prova para uns de que as leis, e os Tratados estão em plena desarmonia com as necessidades do nosso povo; e para outros de que uma profunda corrupção tem ganhado de tal maneira os nossos hábitos, que a todos é indiferente o sacrificar os deveres mais sagrados a seus peculiares interesses. Senhores, o furor deste bárbaro tráfico parece progredir de dia em dia com uma força constantemente crescente. Desde 1830, o de 34 e 35 são os que mais apresentaram tal crime. “em 1835, antes do meio do ano, se acham apreendidos 3 navios Bergantim, Rio da Prata, Brigue Amizade feliz, e escuna angélica.64 Outro detalhe importante sobre a realidade do tráfico ilegal é que, por conta dele, surgem grupos organizados, que atuam tal qual uma “quadrilha”, praticando esse crime. Esses grupos de criminosos, muitas vezes, tinham ligações com membros do Governo tanto central, quanto provincial. Membros dos três poderes (em maioria membros do Judiciário) compunham ou colaboravam com essa rede de traficantes, que não cessava suas atividades mesmo sendo muito perseguidos. Diversas devassas são empreendidas nesse momento, para combater essa prática. Mas certamente uma facilitação se dava por parte de alguns magistrados que tinham comprometimento com traficantes de escravos.65 Sob essa realidade, surge uma série de assassinatos e ameaças de morte. Esse tipo de chantagem e coação foi comum à realidade dos membros do Judiciário em vários pontos da província do Rio de Janeiro. Para ilustrar com um bom exemplo, no ano de 1835, temos o caso de Augusto Moreira Guerra, então Juiz de Paz da Vila da Ilha Grande (outro grande atracadouro de escravos traficados da África), que se demite do cargo por não agüentar as 64 65 Correio Official do Rio de Janeiro, 20/05/1835. p. 1. BARRETO FILHO, Mello, História da polícia no Rio de Janeiro Aspectos da cidade e da vida carioca (1831 – 1870). Rio de Janeiro: Editor a Noite, 1943. p. 42 22 pressões dos traficantes de escravos, e por não ter aparato policial suficiente para conter este crime.66 -Illmo e Exc. Senhor. – Acuso a recepção dos avisos de V. Ex., datados de 20 e 25 de novembro proximo passado, relativamente ao contrabando de Africanos, sobre o que passo de novamente a asseverar a V. Ex., que não tenho ao meu alcance providencias algumas a dar a semelhante respeito, pois que o contrabando continua da mesma maneira, e uma guerra se tem declarado contra as leis que o prohibem e contra as autoridades que pretendem vedar semelhante tráfico, em conseqüência do que não podendo eu ser testemunha de atos tão revoltosos, e aviltantes de autoridades de que me acho revestido, e não podendo por mais tempo soffrer com o meu espírito tranqüilo, insultos que todos os dias se reproduzem, contra a minha pessoa e autoridade, vou apresentar, por meio desta, a V. Ex. a minha demissão, confiado em que talvez, o que me succeda desempenhe melhor as funções do que a lei me tem encarregado, e assim, viverei tranquilo, convencido que estou, que bons serviços prestei em crises arriscadas, a benefício de meu País. E esta é, justamente a recompensa que eu espero de todos os meus serviços, terminando assim, a minha carreira de magistratura, por não saber capitular contra os crimes, e contra os criminosos, restando-me, o sentimento único de não poder acompanhar a V. Ex. na ardua tarefa que lhe foi confiada, prestando-me com a minha pequena quota para conseguir os fins a que se tem proposto. Deus guarde a v. ex. Ilha grande 12 de dezembro de 1834. – Illlmo e Ex. sr. J J R Torres Presidente da província do Rio de Janeiro – o Juiz de Direito Agostinho Moreira Guerra.67 *** CAPÍTULO 2: A “POLITIZAÇÃO” E A IMPRENSA. 2.1 Animação política e os Pasquins. O ambiente político do período regencial mostrava-se propício ao contágio de idéias formuladas na Europa, especialmente francesas. As idéias de liberdade individual e independência política, de que o Iluminismo se fez porta-voz, foram debatidas em sociedades literárias, e difundidas nas páginas de diversos jornais, representando, ou não, facções 66 Este caso foi muito comentado pela imprensa no começo do ano de 1835, é dedicada toda a primeira página do Jornal do Commercio do dia 12 /01/1835. 67 Jornal do Commercio, 12/01/1835. p. 2. 23 políticas específicas. Neles discutiam-se os direitos naturais do homem, entre outras diversas questões que faziam parte do bojo do ideal iluminista. Nesse momento, o povo68 também passou a ter uma participação maior em movimentos políticos. Isso se operou de maneira direta nas elites letradas, contudo, se estendeu às camadas médias e mais pobres urbanas; ambas participavam do debate nas ruas, algo bastante impulsionado pelo incremento da Imprensa (em momento de extrema liberdade), assim como dos debates realizados em salões de chá e em outros espaços de reunião nos quais os indivíduos debatiam política. Esse aumento se dá no conturbado período das Regências. A ampliação dessa “esfera pública”69 colaborou para a difusão de ideais iluministas, incrementando assim uma parcela da população adepta de mudanças radicais70 Pensando nessas possibilidades para a condução do Estado Brasileiro é que se operou um acréscimo no número de publicações circulantes com intuito de se fazer uma “pedagogia política”; os pasquins71 surgiam dia a dia, como resposta às diversas leituras que foram feitas de uma literatura política que era consumida no Brasil. Um destaque ficaria por conta da facção dos liberais exaltados, que trouxe à tona projetos políticos alternativos, distintos de propostas que, se implementadas, resultariam em profundas transformações na sociedade brasileira72, a exemplo do federalismo, da implantação da República, do fim da escravidão, da expansão dos direitos eleitorais entre outros que envolviam uma soberania do povo antes que da nação.73 De qualquer maneira, esses projetos diferenciados nem sempre compunham um mesmo “bloco” de idéias. De fato nem todos os membros de uma das três facções políticas compartilhavam dos mesmos projetos. Havia congruências e incongruências entre os diversos membros das facções. O historiador Marco Morel, ao explicar como se apresentava o quadro das manifestações políticas no período Regencial, utilizou o termo “miríade”. A expressão 68 Aqui o Termo povo é empregado para dar ênfase às camadas ainda desligadas da política, sem necessariamente constituir-se em Cidadãos com poderes políticos diretos, que ganham maior voz debatendo e também ganhando expressão nos discursos dos políticos mais liberais e humanistas. 69 Como bem caracterizado por: HABERMAS, Jürgen, Mudança Estrutural da Esfera Pública: Investigações Quanto a uma categoria da Sociedade Burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1984. 70 BASILE, Marcello, Anarquistas Rusguentos e Demagogos. Os liberais Exaltados e a Formação da esfera pública na corte imperial (1829-1834) Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: I.F.C.S., U.F.R.J., 2000. 71 Na denominação de Nelson Werneck de Sodré, um tipo de periódico violento e de sátira, preocupados em fazer a oposição, com “ardor” político. Ver: SODRÉ, História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1983. (3ª ed.) 72 IDEM, O Império em Construção: Projetos de Brasil e ação política na corte regencial. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: I.F.C.S., U.F.R.J. 2004. 73 A dicotomia representa respectivamente projetos ligados a ideais dos filósofos Rousseau e Locke, e também podem se transpor para as apropriações de liberais Exaltados e Moderados. Ver: BASILE, Marcello, Anarquistas Rusguentos e Demagogos. Os liberais Exaltados e a Formação da esfera pública na corte imperial (1829-1834) Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: I.F.C.S., U.F.R.J., 2000. 24 “miríade” de opiniões, provavelmente é a que melhor representa a real variedade das propostas. Muitos conseguiam se enquadrar como partidários; outros não. De um modo geral, alguns periódicos faziam política por outros meios que não necessariamente os mais ortodoxos. Para esse autor, nesse período diversos ideários políticos se formulavam e reformulavam. A diversidade de assuntos políticos, debatidos nos diversos espaços públicos, tornaram o período regencial um grande laboratório de formulações e de práticas políticas e sociais, como ocorreu em poucos momentos na história do Brasil. Nesse período, foram colocados em discussão (ou pelo menos trazidos à tona): monarquia constitucional, absolutismo, republicanismo, separatismo, federalismo, liberalismos em várias vertentes, democracia, militarismo, catolicismo...(...) Ainda que com a peculiaridade de seu tempo, estavam em jogo: formas de associação até então inexistentes, vigorosas retóricas impressas ou faladas táticas de lutas as mais ousadas...A lista seria interminável.74 Essa lista de termos que Morel apresenta são termos que tendem a ganhar novos significados com o tempo, essencialmente no momento pós-revolução Francesa. No Brasil, esses termos têm significados no imaginário do povo que, nesse momento “revolucionário” do Brasil (Período das Regências), seriam utilizados pelo mesmo. Os títulos dos jornais tendenciosamente apresentavam termos que consistiam diretamente em suas propostas políticas, ou utilizavam um título metafórico referente a seu ideal principal. De fato, uma característica que marcava a maioria desses novos escritos era a de demonstrarem-se, de alguma forma, políticos. Feições diversas apresentaram os pasquins: uns permaneceram no campo doutrinário, imitando as folhas estáveis do tempo e discutindo os problemas em voga, os políticos evidentemente, pois o noticiário era praticamente nulo 75. A forma como os pasquins debatiam entre si também deve ser ressaltada, pois os temas sobre os quais versavam eram discutidos de pontos de vista mais do que partidários, porque personalíssimos e por vezes extremadíssimos, consideradas as condições da época, tornandose verdadeiros órgãos de xingamento, destinados a expor ao ridículo ou atemorizar personagens do outro lado.76 Juntamente com a feição de um periódico político, que doutrina e demonstra suas paixões e ódios, os pasquins também se assumiam como num tipo de publicação que se proliferou como “conseqüência da violência das lutas políticas do período regencial. Serviam para ferir seus contrários e diminuí-los no conceito do público, como expôs Moreira de 74 75 MOREL, Marco, O Período das Regências. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p.9 SODRÉ, Nelson Werneck de, op.cit. p. 164. 76 Idem, p. 165. 25 Azevedo, em sua pesquisa sobre os desdobramentos da imprensa carioca.77 Para esse autor, nesse período o jornalismo aberrou da sua instituição, esqueceu os deveres.78 Uma característica essencial de um pasquim seria o fato de esse tipo de publicação não ter por objetivo conferir lucros aos redatores. Difundiram-se nesse momento propício, num tempo em que houve o incremento do debate político “apaixonado,” e que possibilitou esse tipo de publicação. A difusão de pensamentos escondidos, represados era o que movia os escritores periodistas. 79 Outra característica dessas publicações (pasquins) é que, costumeiramente, tinham durações efêmeras e se propunham a existir somente durante o tempo em que se necessitava para passar determinada mensagem ou idéia ou ainda, demonstrar a convicção política, não apenas de questões amplas, mas de pequenos casos da política local, casos esses, muitas vezes, caracterizados por acontecimentos efêmeros, os quais motivavam a publicação. Por essas características é que os pasquins tiveram as durações mais diversas, alguns duravam apenas um mês, outros mais, outros menos. Havia, também, escritos característicos de uma determinada ocasião, que reapareciam em outros momentos; ou os escritos propriamente ditos ou, até mesmo seus redatores, que surgiam com periódicos de nomes diferentes, mas que, muitas vezes, continham as mesmas idéias anteriores. 2.2 A Imprensa Periódica no ano de 1835. Como o presente trabalho deve focalizar os aspectos da Imprensa essencialmente no ano de 1835, devemos delimitar as particularidades da Imprensa periódica nesse ano, tanto na Corte como na Vila da Praia Grande. Entre algumas circunstâncias que envolvem este estudo, devemos primeiramente ressaltar, a deficiência das coleções dos periódicos desse ano fato que impede resultados mais apurados nesta pesquisa. Para pesquisar os periódicos desse ano, esbarramos não apenas na falha considerável das coleções, mas também no fato de que aparentemente as publicações dessa época, em grande maioria, eram bastante efêmeras, e, no caso de alguns jornais, com edições esporádicas ao longo do ano. Há também muito pouca congruência entre os períodos do ano em que esses periódicos iniciaram e finalizaram suas 77 AZEVEDO, Moreira de, “Origem e desenvolvimento da imprensa no Rio de Janeiro. in: Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, tomo 28 Rio de Janeiro, 1865. p. 194/195. 78 AZEVEDO, loc cit. 79 SODRÉ, Nelson Werneck, op. cit. p.167 26 publicações, dificultando o estabelecimento de um diálogo entre os jornais, que debatiam as mesmas questões. Como referencial estatístico para este ano, podemos tomar os dados compilados por Marcello e Cybelle Ipanema, que registram que nesse ano, em todo o Império, circularam 61 periódicos sendo que desses, apenas 19 circulavam também no ano anterior80. Na província do Rio de Janeiro, e na Corte, o número de periódicos inéditos surgidos em 1835, foi de 29. Seriam eles: Rusga da Carioca, Pão de Assucar, Mala de Cartas, O Ladrão, O Anarchista Fluminense, Estafeta Monárquico, O Cuyabano, O Fluminense81, Çapateiro Político , O Eleitor, Dois Pimpões, Justo meio da política Verdadeira, Justiceiro Constitucional, Compadre de Itu, Capadócio, Diário de Saúde ou Efemérides das Ciências Naturais e Médicas, Revista Médica Fluminense, Miscelânea Científica, Simplício velho, O Defensor da Legalidade, O Novo Caramuru, O Café da Tarde (que muda de nome para: O Café Reformado) A novidade Extraordinária, O Amigo do Brasil, O Juvenil, O Sorvete de Bom Gosto, A nova Caramurada.82 Dentre os periódicos que circulavam anteriormente, devemos destacar três, que eram os principais noticiários diários, mais lidos nesse período: o Jornal do Commercio, o Diário do Rio de Janeiro, e o Correio Official do Rio de Janeiro. Nesse ano, os novos periódicos mantêm, na grande maioria, a linha política. Os temas são em grande parte os mesmos entre eles: A Eleição do Regente do Império Brasileiro, As Revoltas das Províncias, o polêmico Tráfico Ilegal de Escravos, as conseqüências posteriores ao Levante Malê, que gerou diversas medidas repressivas como, por exemplo, a suspensão dos parágrafos 7, 8 e 9 do artigo 179 da Constituição e a lei de 10 de junho desse ano, que instaurava a pena de morte aos escravos. Percebemos também que um dos principais motivadores da existência deles mantém o debate político que tinha como principal alvo, criticar a política adotada pelos Moderados. 80 IPANEMA, Marcelo, e IPANEMA, Cybelle , “Imprensa na Regência: observações estátísticas e de opinião pública” in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro v. 307. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional 1975.p.94. 81 Não é o jornal O Fluminense, conhecido nos dias de hoje. Este foi fundado em 1878. É um outro, homônimo, que circulou nos anos de 1835-36. 82 Estas Informações são um somatório das informações de 4 importantes obras de pesquisadores da Imprensa Fluminense: AZEVEDO, Moreira de, “Origem e desenvolvimento da Imprensa no Rio de Janeiro”. in op. cit. (Que sonda 18 periódicos que haviam sido compilados no “Dicionário Topográfico do Império do Brasil”, de José Saturnino da Costa Pereira.) e IPANEMA, Cybelle, Catálogo de periódicos de Niterói. Rio de Janeiro: Instituto de Comunicação Ipanema. 1988; VIANNA, Helio, Contribuição à História da Imprensa Brasileira (1812 – 1869) Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945; e FONSECA, Gondim da, Biografia do Jornalismo Carioca. (1808 – 1908) Rio de Janeiro: Livraria Quaresma, 1941. (Este compilou 24 periódicos para o ano de 1835) . Pode haver publicações que não foram catalogadas em nenhum desses registros. 27 De qualquer maneira, o fato de terem surgido 29 novos periódicos na corte e na província do Rio de Janeiro, não faz desse ano, um ano profícuo em termos de publicações. Nesse ano, se operou uma retração na “esfera pública”, gerando uma diferença grande do número de periódicos que surgiram, comparativamente com os que surgiram ao longo dos anos de1831 a 1834. Essa retração se manifestou a partir da retração da ação dos dois partidos políticos de oposição: Exaltados e Caramurus. Na esfera da política os ataques ao governo via debate político na Imprensa, nesse ano, perderam o impulso, e começavam a se reconfigurar. Há também, entre esses grupos, mudanças estruturais em suas plataformas de ação. Reduziu-se o engajamento na política realizada nos espaços públicos, impulsionada pela imprensa, entre os grupos da oposição ao governo. Operou-se uma retração da “esfera pública” em 1835, foi um ano em que se reduz o número de periódicos políticos circulantes. Em suma, os dois fatores que levaram a essa retração e reestruturação foram os sucessos do ato adicional de 1834 e a morte de D. Pedro I, ocorrida em 1834. Esses dois acontecimentos contribuíram para que se estabelecesse uma certa falta de direcionamento dos componentes das duas alas da grande oposição ao governo vigente. Essa situação colaborou para o reordenamento das correntes políticas, gerando, por exemplo, união de elementos das facções Exaltada e Caramuru, contra um inimigo comum, que seriam os moderados. No Brasil, depois da morte de D. Pedro I, em 1834 houve uma união das facções e a emergência de partidos políticos genuínos83. Neste ano começa a se esboçar um novo arranjo político orientado pela dicotomia: Progresso e Regresso. Tanto os membros da Imprensa como os membros da Assembléia geral administrativa, se viram um tanto perplexos. A razão de ser dos restauracionistas tinha passado, obviamente e pelos fins de 1834, os grupos liberais exaltados e moderados, se estavam desintegrando. E, no início de 1835, na sessão da assembléia geral, não havia grupos organizados restantes mas, somente confusão84 Assim como houve uma diminuição nas atividades das sociedades (secretas ou publicas), a imprensa Exaltada e Republicana da Corte e do Rio de Janeiro nesse ano não produz mais como anteriormente. Entre os periódicos cariocas e fluminenses do ano de 1835, 83 Como na análise de: CARVALHO, José Murilo de, Teatro de Sombras: Política Imperial Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. 84 IPANEMA, Cybelle e Marcelo de – “Imprensa na Regência: observações estatísticas e de opinião pública” in: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro v. 307. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional 1975 p.95. 28 não há quase nenhum dos tradicionais periódicos de linha Exaltada85, ou da linha Republicana86. *** 2.3 A Imprensa Periódica na Villa da Praia Grande (Niterói). Desde o ano de 1808, quando se instaura oficialmente a prática da Imprensa no Brasil, a Cidade do Rio de Janeiro pôde contar com publicações periódicas87, que, ao longo do tempo, cresciam numericamente, ocupando um espaço de divulgação de informações e de diversos tipos de discussões, muitas delas políticas, que se tornavam públicas, e começavam a incitar intelectuais, e populares, a debater as informações lidas nesses periódicos. Os habitantes da então Villa Real da Praia Grande, por conta de sua proximidade com a Corte Imperial, puderam consumir esses periódicos sem que se gerasse uma necessidade imediata do desenvolvimento de publicações feitas na Praia Grande. A fácil travessia dos periódicos e livros, assim como a freqüência dos praiagrandenses na Corte, colaborou muito para a interação destes, com o que se lia na Corte. Isso ocorria principalmente no tocante aos periódicos políticos.88 Após 21 anos do início da Imprensa no Rio de Janeiro, ao ano de 1829, surge a primeira publicação impressa na Villa da Praia Grande: o Eco na Villa real da Praia Grande. Essa publicação ocupava suas páginas com informações de acontecimentos de outros logradouros (do Império e do Mundo), escritos por periodistas das localidades nas quais aconteceram os fatos. Daí seu nome ser “Eco”, pois repetia as notícias diversas, sendo um panorama geral tanto das notícias, como de assuntos de curiosidades científicas. Desse 85 Há ainda os periódicos O Exaltado ou os Cabanos da Praia Grande e o A Mulher do Simplicio ou A Fluminense Exaltada, o primeiro neste ano bem menos engajado, e esboçando aproximações com políticos da linha Caramuru.Da coleção do Exaltado deste ano, apenas resta na coleção da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro a edição do dia 16 de abril, mas sabe-se por meio de outros periódicos, que o Exaltado inda circulava neste ano. O mesmo acontece com A Mulher do Simplício, cujo único exemplar deste ano existente na coleção é o número 46, que data de 12 de dezembro de 1835. 86 Como é o caso do jornal O Republico, publicado por Borges da Fonseca. O jornal O Pão d `assucar se apresenta com a proposta política da Monarquia Representativa. 87 Somente em 1808 é que surgem, quase simultaneamente, os dois primeiros jornais brasileiros: o Correio Braziliense, editado e impresso em Londres pelo exiladoHipólito da costa; e a Gazeta do Rio de Janeiro, publicação oficial editada pela Imprensa Régia instalada no Rio de Janeiro com a transferência da Corte portuguesa. 88 IPANEMA, Marcello e IPANEMA, Cybelle, Catálogo de periódicos de Niterói. Rio de Janeiro: Instituto de Comunicação Ipanema. 1988. p. 6. 29 periódico, apenas se conhece o nº 12, de 14 de agosto de 1829, que tinha as aspirações de seu subtítulo: Periódico de correspondências cópias, repetições e traduções de outros periódicos e obras, tanto nacionais como estrangeiras, ciências, anúncios, compra e venda, poesias, agricultura etc.89 A tipografia que o imprimiu foi a Tipografia do Eco. Dessa Tipografia, sabese, apenas, que ficava localizada na Rua do Valonguinho nº 1190, e seu escritório ficava “na esquina da rua do Vasco com a rua da Praia”. 91 Essa foi a primeira tipografia da Vila da Praia Grande, inaugurando a produção Tipográfica da Vila. O outro filão dessa publicação, o dos anúncios, seriam voltados para transações comerciais dos praiagrandenses, que ganhavam esse serviço que, ao longo do tempo, passou a atender aos interesses locais, não estritamente comerciais, dando início, com esse espaço, a uma espécie de “noticiário local”, inaugurando assim a comunicação local impressa em Niterói, que depois foi continuada por outros órgãos que gradativamente vão se instalando na Vila da Praia Grande. Um aspecto desse tipo de publicação, que não se pode deixar de mencionar, é o fato de ser feito no interior da Província. Godofredo Tinoco, importante estudioso da história da imprensa fluminense, ressalta o diferencial da imprensa interiorana, sendo esta: mais fiel e ligada a paixões, raramente ligada à idéia de atender a um “mercado”. A imprensa interiorana fluminense, teria crescido de maneira livre para apresentar seus programas, menos presos à demanda de um público que exige determinados quesitos das publicações que lê.92 Muitos dos jornalistas que publicaram em Niterói, na década de 30 do século XIX, já haviam publicado na Corte algum periódico. Algumas tipografias não eram novas; eram já conhecidas na Corte, e apenas tinham seus endereços modificados para lá. Destacamos entre estas, a mudança da Tipografia de Paraguaçu que imprimiu dois importantes periódicos políticos do Rio de Janeiro: O Caramuru e O Exaltado. O primeiro, começou a ser impresso na Praia Grande, desde 19 de setembro de 1832, e lá foi impresso até abril de 1833. Já o segundo, imprimiu-se na Vila desde janeiro de 1833 até abril de 1835.93 Até o ano de 1835, as tipografias que haviam se instalado em Niterói foram: A Do Eco, a de Paraguaçu (Paraguassu), A tipografia de Rego & Cia, também chamada de Tipografia Nictheroy (às vezes surge tipografia Nictheroyense), e a Tipografia de P. Gueffier. 89 90 O Eco Da Villa Real Da Praia Grande 14 de agosto de 1829. IPANEMA , op. cit. p. 39. 91 Na primeira página de O Eco da Villa Real da Praia Grande. 92 TINOCO, Godofredo, A Imprensa fluminense (1826 – 1963). Rio de Janeiro: Livraria São José. p.126. 93 Esta informação é imprecisa pois é um dado a partir das coleções pertencentes a biblioteca nacional, que conta com falhas entre os números destes periódicos, podendo também haver imprecisão quanto a data dos términos das publicações. 30 A do Eco, no ano de 1835, não existia mais. A de Paraguassu não imprimia mais O Caramuru, já extinto, e nem mais O Exaltado, que foi impresso temporariamente na Corte, pela Tipografia Fluminense de Brito. Somente no ano de 1835, é que O Exaltado retorna às prensas niteroienses, sendo impresso numa das mais populares da época: a de Rego e Cia. Na Tipografia de Rego, se imprimia o periódico Mensageiro da Praia Grande, desde sua existência, e ela foi uma das responsáveis pela impressão de noticiários similares de Niterói até a década de 50 do século XIX, se consolidando como uma das principais tipografias do começo da Imprensa Niteroiense.94 No ano de 1835, apenas uma nova tipografia surge na Praia Grande: A de P. Gueffier, com tradição na Corte, que se mudou para Niterói e conseguiu um aval do novo governo da Província do Rio de Janeiro, para substituir o papel outrora realizado pela Imprensa Nacional, de imprimir as atas oficiais do Governo da Província do Rio de Janeiro. Tarefa essa desempenhada sob a condição de que não excedesse nunca o seu preço ao que leva a Tipografia Nacional.95. O motivo da escolha da Tipografia de P. Gueffier seria o fato de estar mais próxima aos prédios públicos do Governo Provincial, que, recentemente, também havia se mudado para a Praia Grande. Deste modo, por comodidade, o Governo abriria mão de publicar suas atas na tradicional e oficial Imprensa Nacional já que o tempo e o dinheiro, poupados com o transporte marítimo cruzando a baía de Guanabara, foram os definidores desta decisão, que convinha à boa ordem e rapidez dos trabalhos. Nessa tipografia de P. Gueffier, ao ano de 1835, impriram-se os periódicos: O Anarchista Fluminense, de 28 de fevereiro a 30 de abril, e o Defensor da legalidade, que passa a ser impresso em Niterói apenas em 20 de junho, e segue até 02 de setembro. Nesse mesmo ano, foram impressos em Niterói dois outros periódicos, ambos da Tipografia de Rego e Cia: O Sorvete de Bom Gosto e, A nova Caramurada. As duas publicações são impressas no mês de dezembro desse ano. *** Terminada a exposição das tipografias que se haviam instalado na Vila até o ano de 1835, percebemos que, até esse ano, há apenas um cenário pouco expressivo de periódicos 94 Nesta Tipografia, imprimiu-se os principais periódicos “utilitários locais”: Mensageiro da Praia Grande (1834), Mensageiro Nitheroyense (1835), Correio de Nictheroy ( 1836), Correio Oficial Nictheroyense,(1837) O Omnibus de Nictheroy (1840), Correio oficial da Província do Rio de Janeiro (1844). Entre uma diversidade de outros periódicos políticos. Informação em: IPANEMA, Cybelle, Catálogo de Periódicos de Niterói. Rio de Janeiro: Instituto de comunicação Ipanema, 1988. 95 Informação do Mensageiro Niteroiense do dia 27 de fevereiro de 1835, na publicação das atas da Câmara da Província, em reunião realizada no dia 13 de fevereiro de 1835. 31 políticos em Niterói. Também não há ainda um desenvolvimento de uma imprensa local engajada diretamente com as questões da cidade. Poucos são os periódicos niteroienses nesse momento, mas é exatamente nesse ano de 1835 que essa realidade começou a se alterar. A elevação a capital e a própria criação da província certamente foram os impulsionadores de debates mais acalorados via Imprensa. No primeiro momento da Imprensa niteroiense, (1829 a 1834) as publicações feitas na Praia Grande apenas se relacionavam com a Vila, por serem feitas nela, e, não pelos que glosavam. Esses jornais eram em maioria enviados para a Corte e tratavam mais de assuntos dos moradores da Corte do que da Praia Grande. Mas, ao fim do ano de 1834, surge um jornal que veio a se consolidar como o principal meio de comunicação da Vila da Praia Grande. O Mensageiro da Praia Grande foi um jornal que inaugurou a função de noticiário local daquele logradouro, publicando anúncios dos moradores, assim como agregando a função de publicar atas das juntas de paz e de outras movimentações do judiciário e legislativo. Torna-se o primeiro noticiário regular da Vila da Praia Grande. Esse periódico poderia ser considerado também um jornal com uma função similar à do Diário do Rio de Janeiro ou do Jornal do Commercio, ter um papel de noticiário e utilitário local, informativo e comercial.96 Difere-se destes por não ter sido diário, circulava apenas duas vezes por semana. Também se pode destacar desse periódico, o fato de não ser essencialmente porta-voz de apelos políticos. Não versava diretamente sobre temáticas políticas e nem assumia uma “cara” própria. Em algumas edições, publicava artigos pessoais que atacavam terceiros, mas não o faziam em seu nome. O jornal compunha um filão de periódicos do período regencial que não tinham as mesmas características do pasquim.97 O seu editor foi Manuel Gaspar de Siqueira Rego, que se consagrou como o primeiro grande jornalista de Niterói, exatamente por ter mantido publicações de interesses similares até o ano de 184798. De fato, o periódico Mensageiro da Praia Grande, que depois se torna Mensageiro Nictheroyense (Ao fim de abril de 1835), poderia ser considerado o mais ideal para o conhecimento das questões particulares da vila. Nele, encontramos publicadas leis locais, informações oficiais sobre a organização das jurisdições de Niterói, informações sobre o espaço urbano, coletas de impostos, atas das juntas de paz e do corpo da Guarda Nacional. 96 97 IPANEMA, Cybelle e Marcelo – “Imprensa na Regência” in: op. cit. p.93. SOUZA, José Antônio Soares de, Villa da Praia Grande à Imperial Cidade de Niterói. Niterói/RJ: Funiarte 1993. Capítulo 17: Jornais. p.382. 98 Ibidem. p. 383 32 Utilizando se da epígrafe: Jornal curioso e instrutivo e liberal, distanciava-se um pouco de um jornal dedicado a paixões políticas, e também assumia uma certa neutralidade neste sentido. Atendia a uma imprensa mais informativa, mas abria espaço para o debate político. Era uma folha que certamente era muito consumida por comerciantes, ou pelos interessados em conferir o que se anunciava, na Villa da Praia Grande. É um espaço de publicação comercial, e noticiário de atas jurídicas, que nos ajudam a trilhar alguns dos casos policiais mais comentados. Esse periódico, que foi o principal veículo de comunicação interna da Vila da Praia Grande, convidava o público anunciando aos interessados pela folha: a esta folha subscrevese Tipografia Niterói de Rego e Cia. e na Botica do Sr. Eleutério, após anunciar o local em que o público poderia pagar as assinaturas e colaborar com artigos, anunciou: vendem-se os números avulsos na mesma tipografia, e na loge de ferragem do Sr. Jordão, Rua da Conceição a sair na Praia; e na cidade em casa de Seignot Plancher e Cia. Sairá por hora às terças e sextas feiras. Esse jornal era o grande noticiário local que, por vezes, estendia o seu repertório de notícias, publicando também algumas do interior da província fluminense. Comumente transcreviam em suas páginas, artigos de Campos, Macaé, Itaboraí etc. Publicava atas dos juízes de paz da Praia Grande, entre outras notificações oficiais, e novas leis, que deveriam ser submetidas ao consentimento do público. Também focou-se em anúncios da cidade, e artigos de moradores que constantemente faziam referencia ao cotidiano local. Uma rica fonte para os estudos dos fatos locais e das opiniões que os habitantes da Praia Grande publicavam. *** Terminada a exposição das primeiras tipografias e da consolidação de uma imprensa local que retratou o cotidiano da Vila da Praia Grande, nesta próxima parte, daremos um breve enfoque na imprensa política da Vila da Praia Grande. Tentaremos formar o cenário dos pasquins que existiram lá, durante a década de 30 do século XIX e no ano de 1835. O Caramuru foi o primeiro periódico político a se instalar na Vila da Praia Grande. No ano de 1832, com a mudança da Tipografia Paraguaçu, instalou-se na Vila, esse periódico que representava a facção dos Restauradores do Governo de D. Pedro I. Este pode ser considerado um dos três periódicos mais representativos da atuação Caramuru em periódicos, bem como O Carijó e A Trombeta.99 99 Segundo a análise feita no Capítulo XI da tese de BASILE, Marcello, O Império em Construção: Projetos de Brasil e ação política na corte Imperial. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: I.F.C.S., U.F.R.J., 2004. 33 Esse periódico circulou de 02 de março de 1832 até o dia 10 de abril de 1833; foi impresso por David da Fonseca Pinto100. Nesse jornal, não há impresso o preço do exemplar por unidade, mas admitiam-se assinaturas semestrais a 6$000 réis Tinha por Epígrafe: Eu não fallo senão verdades puras, uma frase de Luís de Camões. A partir do nº 23, adota duas epígrafes agregando a segunda: Fallai, em tudo, verdades a quem, em tudo, as deveis, de Sá de Miranda. Também agregou o subtítulo: O Imperador Pedro II, e a constituição jurada, a partir do nº3. Esse periódico versava sobre questões pertinentes às diversas sociedades identificadas com o ideal Caramuru. Ia de encontro aos defensores das reformas que se operavam na legislação brasileira, sendo extremos defensores de que a Carta de 1824 não deveria ser alterada em nada101. Outro periódico político que se havia instalado na Vila, foi O Exaltado. Essa folha foi publicada muito irregularmente entre 4 de agosto de 1831, e 15 de abril de 1835, em um total de 56 números (Na Biblioteca nacional faltam os números 18, 42, e 50-55). Saía ao público sem dias fixos, variando de uma a duas vezes por semana. Cada edição tinha 4 páginas, custando, até o número 22, 60$ Réis, depois, 80 $ Réis. A assinatura trimestral custava 2$000 Réis. Era impresso na tipografia de P. Gueffier, quando ainda se situava na Rua da Quitanda nº 74. De dezembro de 1831 a dezembro de 1832, foi impresso na tipografia de R. Ogier, na rua da Cadeia nº142. No dia 02 de janeiro de 1833, apareceu o número 37, impresso na tipografia de Paraguaçu. A epígrafe escolhida, de apelo revolucionário, embasada no parágrafo VIII, Artigo 145 da Constituição dizia: “Todos os Brazileiros são obrigados a pegar em Armas para sustentar a Independência e a Integridade do Império e defende-lo dos seus inimigos Externos e Internos.” Esse periódico entre os anos de 1831 e 1833 foi um grande representante dos ideais exaltados, assumindo o nome que muitos repudiavam, defendia uma Monarquia Eletiva, e apregoava os direitos do cidadão, entre outros preceitos de apelo popular. O redator dessa folha foi o Padre Marcelino Pinto Ribeiro Duarte102, um Padre capixaba que já figurava na política desde a década de 20, e que, por sua crença política e atuação na Imprensa, foi perseguido e ameaçado de morte, o qual o obrigou a mudar-se da 100 Ver BLAKE, Augusto Alves Victorino Sacramento, Diccionário Bibliográphico brasileiro. Rio de Janeiro: Conselho federal de Cultura, 1970 (Edição Fac- similar da original de 1883-1902) 101 Maiores informações ver: BASILE, Marcello, op.cit. 102 Padre Exaltado que teve uma vida política atuante, foi extremamente perseguido pelos adversários. Informações gerais sobre a sua Biografia, ver BLAKE, Augusto Vitorino Alves Sacramento, .Sobre a sua atuação como um dos principais partidários da Exaltação na Corte ver: BASILE, Marcello, Anarquistas Rusguentos e demagogos: Os Liberais exaltados e a formação da esfera pública na Corte Imperial. (1829 – 1834) Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: I.F.C.S U.F.R.J., 2000. 34 cidade do Rio de Janeiro. Outros periodistas comumente sofriam ameaças de morte por causa de seus escritos, como foi o caso de Ezequiel Correia dos Santos, redator do Nova luz Brasileira103. No ano de 1833, com a mudança de endereço do Padre Mestre, e da sua Escola para Niterói, é que também se transfere a publicação do periódico O Exaltado. Esse periódico mudou de nome, agregando o termo os Cabanos104 na Praia Grande. O Padre Marcelino, no ano de 1835, ocupa o Cargo de Juiz de Paz na Vila da freguesia de São Gonçalo de Ipihiba, e, no começo desse ano é transferido para a freguesia de São João Batista de Icarahy, mantendo-se controverso e polêmico entre a população. No ano de 1835, esse pasquim estava um pouco menos preocupado em atacar, e muito mais em defender-se de ataques de outros periódicos políticos, que tão comumente criticavam o jornal e seu redator, Padre Marcelino Pinto Ribeiro Duarte, que foi um partidário da exaltação, continuamente perseguido, e criticado nos escritos de outros periódicos, desde o ano de 1831. O Padre Mestre foi extremamente perseguido por diversos políticos, tanto moderados como caramurus. Foi uma figura polêmica, e essa informação se baseia no conteúdo dos artigos que combatem sua atuação como padre, como professor, como jornalista e como juiz de paz. A diversidade de periódicos105 que criticam o Padre Mestre demonstram isso muito bem, sempre com críticas severas ao fato de ele ser professor de jovens e aos seus ideais exaltados, sendo visto como um “aliciador” desses jovens. As críticas iam além de ideologia e comumente, O Padre era criticado em periódicos rivais que o acusavam de incompetente nas suas funções de professor de gramática e latim. O Exaltado ou os Cabanos na Praia Grande foi um dos mais atuantes periódicos políticos na Vila. Assumia a denominação de exaltado embora, em algumas edições, elogiasse certos Caramurus, fato, que pode acarretar uma certa confusão no que se refere às suas identidades políticas, mas convém lembrar que se tratava de um momento de alianças entre os contrários da Regência, em prol de seus objetivos comuns. *** 2.4 Periódicos políticos impressos em Niterói no ano de 1835. 103 Maiores informações sobre o Ezequiel Correa dos Santos ver: BASILE, Marcello, Ezequiel Correa dos Santos: Um Jacobino na Corte Imperial. Rio de Janeiro: FGV, 2001. 104 Referencia direta feita aos cabanos da Região de alagoas. 105 Entre eles, podemos citar: A Aurora, O Sete d`Abril,entre outros de orientação moderada. 35 No ano de 1835, surgem quatro publicações impressas em Niterói. Seguindo a ordem cronológica em que foram impressos na cidade, seriam eles: O Anarchista Fluminense, O Defensor da Legalidade, O Sorvete de Bom Gosto106 e A nova Caramurada. Certamente, essas quatro publicações vêm no bojo da movimentação intelectual que desenvolveu essa Vila, recém-aclamada cidade e capital da Província do Rio de Janeiro. Com muitos burocratas mudando seus domicílios para Niterói, surge uma nova demanda de folhas políticas impressas. Podemos considerar esse ano como o ano de uma “virada histórica”, em que se iniciam publicações políticas sobre a vila, e sobre os interesses dos niteroienses, algo até então inédito, e que só se consolida a partir do referido ano. Concomitantemente a esses periódicos, nesse ano O Mensageiro da Praia Grande, se consolida, como já explicitado. É importante frisar que periódicos como: Jornal do Commercio, o Diário do Rio de Janeiro, e o Correio Official, estão nesse ano, com suas atenções voltadas para a Capital da Província do Rio de Janeiro, publicando artigos diversos sobre a nova Capital da Nova Província. O jornal O Exaltado ou os Cabanos na Praia Grande, como já explicitado, também teve grande representação política durante o ano de 1835, mas, na coleção da biblioteca, relacionada a esse ano, consta apenas o exemplar do dia 15 de abril. Sabemos que os outros números existiram, pois são mencionados nas seções de “Obras publicadas”, contidas nos periódicos comerciais (Jornal do Commercio, O Mensageiro, e o Diário do Rio de Janeiro). A impossibilidade dessa consulta atravanca muito o diálogo entre os periódicos políticos daquela Vila. Desses quatro novos jornais, percebemos que há três que possuem títulos muito expressivos para o debate político: O Anarchista Fluminense, O Defensor da Legalidade e A nova Caramurada. Destes, há dois jornais que têm títulos que expressam idéias muito fortes, assim como antagônicas, mas que mostram o grande conflito que há entre a dicotomia: Legalidade e Ordem vs. Anarquia e Desordem. Mas a atuação de ambos os jornais em Niterói não foi totalmente concomitante. O defensor da Legalidade é publicado no Rio de Janeiro até o mês de fevereiro e depois, ressurge impresso em Niterói, já no mês de junho e aparentemente, acaba em 12 de setembro de 1835. O que não pode ser deixado de lado é que divergiam em dois aspectos: os seus ideais 106 O Título Remete ao fato deste ano ter sido introduzido o sorvete no Brasil 36 (claramente expressos nos significados de seus títulos) e a forma como faziam política (o defensor é mais comedido em sua linguagem; O Anarchista Fluminense, mais violento.) Os outros dois O Sorvete de bom gosto e A nova Caramurada foram impressos na tipografia de Rego & Cia, a Tipografia Niterói. O SORVETE DE BOM GOSTO Esse periódico não se encontra na Biblioteca Nacional, e sobre ele apenas conhecemos os comentários registrados na obra de Helio Vianna, Contribuição para a História da Imprensa. 107 Sabe-se que o seu primeiro número datou de 18 de dezembro de 1835 e que teve por missão combater os moderados, criticando o governo, depreciando o Regente Feijó, criticando seu ministério. Também sabe-se que nesse jornal criticavam-se os acontecimentos do Pará, que ainda vivia um clima de incertezas, durante a Cabanagem. Há um artigo que critica a atuação do oficial John Taylor, sendo este considerado pior que Francisco Pedro Vinagre. A NOVA CARAMURADA Esse periódico também não se encontra entre os periódicos Raros da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; sabemos de sua existência graças ao trabalho de Helio Vianna108. Seu primeiro número datava de 24 de dezembro de 1835, e o principal assunto de sua primeira edição tratava de um boato de revolta escrava que aconteceria na Vila de Maricá, no dia do Natal. O Motim estaria planejado para acontecer concomitantemente em logradouros vizinhos a essa vila. Critica essencialmente os empregos públicos e os postos na Guarda Nacional, concedidos entre comparsas políticos, independentemente de seus méritos. O DEFENSOR DA LEGALIDADE Esse periódico custava 80 rs., era publicado às 3ªs e 6ªs e vendido nas lojas do costume. Em sua epígrafe lia-se: Liberdade e ordem. Esses dois conceitos são muito utilizados no debate político dessa época, cada um deles agregando significados diferentes, dependendo de quem o utiliza e sobre qual questão tratava. Esse periódico pode ser considerado de orientação moderada, tinha por objetivo defender os princípios dessa corrente política. Quanto às temáticas desses jornais, podemos dizer que eram similares. Permeavam a situação das polêmicas leis elaboradas durante a Regência, e suas implicações no cotidiano. 107 O Periódico faz parte originalmente da Coleção de Francisco Marques dos Santos. Sua descrição é feita em:VIANNA, Helio – ob. Cit. p. 312. 108 Ibidem p. 314. 37 Seriam estas: A proibição do tráfico de escravos, o poder conferido aos juízes de paz depois da criação do código do processo e do Ato adicional de 1834, a criação da província do Rio de Janeiro. Também estava em pauta: a revogação dos parágrafos 7, 8 e 9, do artigo 179 da constituição, e o “Grande medo” gerado pós Levante Malê, entre outros “grandes temas” cujos debates ocupam diversas páginas dos periódicos politizados desse tempo. Mesmo assim, não se preocupava estritamente com as questões da Praia Grande. As notícias do Império, da administração da Regência, assim como algumas notícias internacionais, eram os principais temas comentados por essa folha política, que representou uma nova voz dos moderados nesse momento. O ANARCHISTA FLUMINENSE Esse periódico tem sua primeira edição datada do dia 28 de fevereiro de 1835. A data corresponde ao dia seguinte àquele em que se aclamou a Vila da Praia Grande como Capital da província do Rio de Janeiro. Termina em 30 de abril do mesmo ano. Esse periódico custava de 40 a 60 réis, variando seu preço de acordo com o número de páginas (de 4 a 6). Não admitia assinaturas e era impresso na Tipografia de P. Gueffier, que, como sabemos, era a responsável pela publicação da movimentação burocrática da Vila da Praia Grande. Quanto às epígrafes que esse jornal traz, temos duas sugestivas frases:“Esta folha publica-se em dias indeterminados, quando for da vontade de seus redatores” que já mostra desde o número 1, que não seguiria nenhuma periodicidade. A outra epígrafe dizia:“Un pás hors du devoir nous peut mener bien loin.” que significa: “Um passo fora do dever[obrigação] pode nos levar bem longe” Essa segunda frase, certamente era o principal “lema” que o jornal propunha, caracterizando bem, a “cara do Jornal”. A frase, é do teatrólogo que viveu no século XVII, Pierre Corneille109. Não havia além dessa folha, com exceção do Mensageiro da Praia Grande, uma publicação que se preocupasse em publicar artigos concernentes às questões da Vila. Também podemos considerá-lo, verdadeiramente, o primeiro pasquim de Niterói. Foi o primeiro a fazer críticas ferozes, voltadas a questões locais da recém aclamada cidade, o primeiro a comentar sobre as posturas dos moradores de Niterói, sobre as figuras locais, como, por exemplo, o oficial dos Correios, o dono das terras que circundam a lagoa de Itaipu, e o redator do Mensageiro da Praia Grande, Siqueira Rego. Faz críticas acres ao momento de criação da 109 Teatrólogo Francês que atuou durante o século XVII, formou-se em direito, trabalhou para Richelieu, ganhou fama em toda a Europa com suas obras traduzidas para diversas línguas. Foi um grande poeta, teve força criadora, elevação de pensamentos, técnica apurada e tendências moralizadoras em suas obras. Maiores informações ver: SAINZ DE ROBLES, Carlos Federico, Diccionário de la literatura Madrid: Aguilar, 1950. Tomo III. 38 província do Rio de Janeiro, as votações para escolha da capital, e aos respectivos festejos desse fato. Compõe um registro único desses acontecimentos, com uma ótica crítica e menos idealizada desse momento histórico da cidade de Niterói. Algo de extrema importância, e que não pode ficar de fora dos comentários sobre esse jornal, é que tinha preocupação em atacar diretamente o já referido Padre Marcelino, Redator do O Exaltado ou os cabanos na Praia Grande. Um dos objetivos principais dessa folha é depreciar a figura do padre mestre, fazendo críticas severas, desrespeitando-o de maneira extremada, com discursos de ataque direto e desmoralizadores, presentes em quase todos os artigos do jornal, havendo mesmo alguns artigos totalmente voltados a criticá-lo. As críticas de depreciação moral que fazia do Padre Marcelino envolvem sua atuação como Mestre, Juiz de Paz, Periodista. Critica seus hábitos pessoais, acusa-o de chupista, e censura seus cabelos longos (Algo comum entre políticos de orientação Exaltada) chamando-o de gadelhudo110 Após vasta pesquisa, foi encontrado apenas um periódico que publicou comentários sobre um artigo do Anarchista Fluminense. O Mensageiro Niteroiense, que publica um artigo do Padre Marcelino Ribeiro Duarte, em resposta a um dos Artigos (da 7ª edição), por sinal o único assinado111, e totalmente direcionado ao Padre Marcelino. No 2º número do Anarchista Fluminense, temos notícia de que na edição nº 54 de O Exaltado, inexistente na Biblioteca Nacional, se tem notícia de que o nº 1 do Anarchista Fluminense foi acusado de perturbador da ordem, com claras concitações a rebelião, chamamento dos povos a desordem112. Infelizmente não há como desenvolver esta crítica. Vários dos periódicos que circularam no ano de 1835 têm suas coleções incompletas, e as edições que teriam sido publicadas paralelamente às edições do Anarchista Fluminense, não existem nas suas respectivas coleções. O fato de não se ter acesso ao Exaltado pode ser considerado o fator mais prejudicial à pesquisa, pois é o que certamente mais dialogava com o Anarchista Fluminense. Percebemos que ao longo dos artigos desse jornal, as insatisfações são múltiplas, sendo os redatores desligados das causas dos três principais partidos políticos das regências, como veremos mais adiante. 110 CHUPISTA = pessoa dada ao vício de beber ;GUEDELHA= franja, madeixa”Os homens galantes ou nobres, em ser liberais tinham a sua guedelha, com isto tão sois.GADELHUDO = GUEDELHUDO : De cabelo longo, crescido. Informação em: SILVA, Antonio e Moraes, Dicionário da Língua Portuguesa. Lisboa: Impressão Régia, 1831. 111 1 poesia é assinada Francisco Borges Mendes, e um outro artigo é assinado por Ovídio Saraiva de Carvalho, nenhum deles se assume como redator principal, apenas como correspondentes que publicaram seus escritos nesta folha. 112 Informações no Anarchista Fluminense nº 2 do dia 05/03/1835. 39 *** CAPÍTULO 3: SOBRE A PALAVRA ANARQUIA E SEUS DERIVADOS: O CONCEITO EM 1835. Neste Capítulo, tentaremos entender os significados da palavra Anarquia, no ano de 1835. Os eixos da análise aqui são essencialmente dois: Os dicionários e A imprensa periódica. Traçaremos aqui um breve histórico do termo, numa tarefa de resgate etimológico, para que se faça uma comparação destes significados, e as variantes nos léxicos que compunham de maneira bastante atualizada com seu tempo, o vocabulário e as expressões mais recorrentemente utilizadas. Os dicionários são objetos discursivos que estabelecem a relação entre a rede de memória diante da língua. Dessa maneira, ao ler-se a definição lexográfica, podemos perceber o momento sócio-histórico e ideológico de conceber a língua113, são chave para uma compreensão mais apurada das nuances dos significados consolidados em um dado tempo. 113 ORLANDI, Eni. Pulcinaille, Língua e conhecimento lingüístico para uma história das idéias no Brasil.Campinas: editora Cortez, 2002. p.103. 40 Para complementar tal análise, seria ideal, também, conferir os significados desta palavra consolidados nos léxicos da Europa, (principalmente Portugal, França e Inglaterra) e comparar com as formas que assumiu no Brasil, na década de 30 do século XIX. Com o intuito de aprofundar a análise, não podemos deixar de agregar ao presente trabalho alguns dicionários estrangeiros, e esta tarefa deve ser feita pelo fato de esses países serem irradiadores de doutrinas políticas com um vocabulário novo que continha inúmeros novos termos em construção, frente a uma nova realidade. Os focos irradiadores de novas “Teorias Políticas”, movimentadas acima de tudo pelos efeitos da Revolução Francesa, começavam a ajudar a compor os verbetes dos novos dicionários, livros que também serviam de referência aos letrados brasileiros nesse tempo. Esta tarefa é extremamente necessária ao trabalho, pois há que traçar os limites desses significados, para uma melhor compreensão das semelhanças e diferenças de sua aplicação nos escritos brasileiros. Mencionaremos os grandes léxicos dessas línguas, bem como outros dicionários que nos servirão na comparação de prioridades de significados dados a palavra, e de sua evolução semântica. Por isso utilizaremos alguns dicionários de bolso, bilíngües e trilíngües para verificar a “fluidez” das significâncias do termo, num esforço que serve para tentar balizar e comparar as nuances possíveis, nesses diversos discursos que de certa maneira, continham uma mesma proposta. Os Dicionários Etimológicos e Históricos também colaborarão para esta análise, uma vez que também se propuseram a tarefa de compreender o termo, apresentando a evolução de seus significados em determinada língua. Em um outro momento, ainda neste capítulo, veremos as principais nuances do conceito de Anarquia e seus derivados, tal qual era concebido pelos jornais do período Regencial. Se tomarmos por base a sua aplicação nos artigos dos pasquins políticos, podemos compreender melhor os significados dados a esta palavra pois, em seus artigos, veremos que a forma utilizada pelos redatores desses jornais se diferenciava das demais encontradas nas referências lingüísticas da época. A parte final deste estudo tratará da palavra no jornal O Anarchista Fluminense, tarefa essencial a ser realizada, para adentrarmos num exame do conteúdo da Retórica desse Jornal (tarefa realizada no Capítulo 4). 3.1 O Conceito nos léxicos: A Anarquia nos principais dicionários da Língua Portuguesa: 41 Como a contextualização deste conceito é o primeiro passo da análise, foi feita uma pesquisa nos dicionários existentes e em circulação até o ano de 1835, com data de publicação mais aproximada a esse ano, para se verificar os significados consolidados, e ter uma idéia mais precisa da forma pela qual este termo era concebido nessa época, a ponto de compor um possível “senso comum” ao termo em questão. No Brasil, as duas referências mais apropriadas à nossa tarefa são: o Dicionário da Língua Portuguesa, de Antônio de Morais e Silva, e o Dicionário da Língua Brasileira de Luís Maria da Silva Pinto. Estas duas, na década de 30 do século XIX, foram as mais atualizadas referências lexográficas utilizadas no Brasil. Comparando as duas referências, de maneira bem simplificada, podemos chegar à conclusão de que o Dicionário da Língua Portuguesa de Antônio de Moraes e Silva teve mais credibilidade em seu tempo. Este é reconhecido como um dicionário que contribuiu para a elaboração de outros dicionários, diferentemente do Dicionário da Língua Brasileira, que compõe sua obra copiando algumas obras para redigir seu conteúdo. Ainda que este dicionário brasileiro não fosse tão apurado em seus significados, sendo bem menos pretensioso, de alguma forma: esse dicionário surge como algo que desestabiliza um discurso vigente, que rompe com o discurso da herança de Portugal ao Brasil, diferentemente do Dicionário da Língua Portuguesa, que, embora elaborado por um brasileiro, mostra-se fortemente relacionado com o discurso da Metrópole.114 O objetivo da existência deste dicionário brasileiro, seria muito mais de demonstrar esse rompimento, criando-se um dicionário genuinamente brasileiro, do que de criar um dicionário com “brasileirismos”, e com referências das línguas dos “aborígenes brasílicos.”115 O dicionário era pequeno, tendo o formato dos dicionários de bolso da época. O dicionário editado por Luís Maria Silva Pinto116, no ano de 1832, explica-se em relação às eventuais omissões deste dicionário, em seu prefácio, onde lê-se:“restringi o meu plano, levando ao prelo o presente dicionário portátil, que modificará a penúria ocorrente e servirá de base a outra edição mais ampla e regular, se este esforço patriótico merecer 114 GARCIA, Dantielli Assumpção, “Discurso lexográfico: Os dicionários no século XIX”.in Anais do SETA #1, Campinas, 2007. 115 Idem. 116 Nascido em Villa Rica (Ouro Preto), no ano de 1773, Luís Maria da Silva Pinto atuou como conselheiro do governo de Ouro Preto, secretário do Governo da Província de Minas Gerais e diretor da instrução pública e procurador fiscal da província. Tornou-se sócio do IHGB, realizando uma diversidade de mapas estatísticos da Província de Minas Gerais de 1821 até 1847. Faleceu em 1869. Informações em SILVA, Inocêncio Francisco da. Dicionário Bibliográfico Portuguêz Lisboa: Imprensa Nacional, 1860. 42 acolhimento, e os srs. amantes da literatura nacional se dignarem enviar quaisquer notas sobre os vocábulos omissos, e definições inexatas, ao “Editor no Ouro Preto”117 Quanto ao Dicionário de Antonio de Moraes Silva118, podemos concluir que este tornara-se um dicionário muito popular, no Brasil, desde sua primeira edição que data de 1789119. Ganhou credibilidade e sua popularidade foi tamanha, que sustentou várias reedições durante todo o século XIX. Destas edições, certamente a mais apropriada a presente pesquisa é a do ano de 1831, sendo, então, a mais atualizada em relação ao ano de 1835. A diferença que este dicionário fez em relação às três edições anteriores, foi enorme. Nele, agregou-se um grande número de novos verbetes e novos significados aos verbetes antigos, quantidade que não é revelada pelos autores, mas cujo grande volume de novos vocábulos120 é perceptível a um simples manuseio. Na introdução da edição de 1831, era explicada a necessidade imperiosa das alterações que se observavam na Língua Portuguesa com o passar do tempo: Muitos crêem que só Bluteau é fonte limpa. Muito lhe devemos, mas, (...)querer limitar a língua clássica pura e correta ao ano de 1700 e tantos, é estreitar as raias de uma linguagem viva formada sim, e assas rica em eloqüência e poesia, mas capaz de enriquecer nesses mesmos gêneros e nas artes e ciências.121 Cabe aqui destacar que o Dicionário de Moraes e Silva foi elaborado com base no Vocabulário Portuguez-Latino, de Rafael Bluteau, numa tentativa de atualizá-lo, como vimos na crítica que foi esboçada na Introdução do Dicionário da Língua Portugueza. Com definições mais concisas, sem os extensos comentários122 que o Vocabulário de Bluteau apresentava, percebemos que, mesmo sendo um dicionário mais antigo, a maior referência do século XVIII, o Vocabulário Portuguez-Latino de Raphael Bluteau merece ser contemplado nesta pesquisa, grande parte por conta exatamente de seus ”extensos comentários”, mas 117 118 PINTO, Luís Maria da Silva. Dicionário da Língua brasileira. Ouro Preto: 1832. Antonio de Morais Silva nascido no Rio de Janeiro em 1757, Foi Magistrado com estudos em Coimbra, também foi Senhor de engenho. Sua principal obra foi o dicionário (1789) mas também escreveu uma História de Portugal e uma Gramática. Faleceu em 1824. Informações em: SILVA, Inocêncio Francisco Idem. Volume I. 119 De acordo com Dantielli Garcia, o Dicionário da Língua Portuguesa de Morais e Silva, constitui o primeiro monolíngüe, sendo mais utilizado durante o século XIX, que teve sua primeira edição em 1789 e contou com oito reedições (1813, 1823, 1831, 1844, 1858, 1877, 1889, 1913). GARCIA, Dantielli, Idem. 120 É bem fácil notar quais são os novos vocábulos desta edição, simplesmente manuseando-a. Surge nesta edição, Asteriscos (*) que aparecem anteriormente às novas palavras agregadas nesta 4ª edição, ao texto da 3ª edição, datada de 1823. O item novo aparece na tabela dos caracteres que compõem as abreviaturas e legendas que constituem as siglas explicativas das classes gramaticais dos termos e as definições que o dicionário apresenta. 121 Esta declaração é feita no Prefácio do Da obra de: SILVA, Antônio de Moraes e, Diccionario da língua Portuguesa. Reformada, emendada e muito acrescentada pelo mesmo Autor. Posta em ordem, correta e enriquecida de grande números de artigos novos, e dos sinônimos por Theotônio José de Oliveira Velho. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1831. 122 Introdução do Dicionário da língua Portugueza in: SILVA, Antonio de Moraes e. idem. 43 também para que possamos compreender se houve ou não uma diferenciação no conceito de Anarquia concebido nos séculos XVIII e XIX. Sendo assim, incluiremos na pesquisa o Vocabulário Portuguez-latino do Padre Raphael Bluteau123. Vamos conferir os significados atribuídos ao termo Anarquia e seus derivados, nestes três dicionários, expostos aqui em ordem cronológica: ANARCHIA OU ANARQUIA – He palavra grega, composta do a (privativo), & de archi. val. o mesmo que sem príncipe. Anarquia he o estado de huma cidade, ou república, sem cabeça ou sem príncipe legitimo que a governe. Multitudinis principe, & magistratus carentis, licentia, & ou com os gregos anarchia. feminino. Só aquelles que no meyo das perturbações da república, querem melhorar com dano alheio, a sua fortuna. Sáo amigos da Anarquia Solutam omni Império et disciplina publicam rem nemo amat, nifi, qui, damno publico rem sua augere turbidis rebus civitatis concupierit. Esteve o Império vinte anos em Anarchia. RIBEIRO, Juízo Histórico Fol. 22 Desejão uma licenciosa Anarquia para encaminhar todos os golpes à mina das monarquias. Escola das Verdades. Pág. 127124 ANARCHIA (ch como k; neste e deriv.) s.f. (do Grego anarchia do prefixo priv. a. e de arché, governo, comando) Desordem em um estado, que consiste em que ninguém tem nele autoridade suficiente para governar, e para fazer respeitar as leis, e onde por conseqüência, o povo faz o que quer, sem subordinação e sem polícia. Escol. Das verdades 5.4 ANARCHICO Que tem relação com anarchia ; onde há anarchia v. g. estado anarchico *ANARCHISTA s. 2 g Partidário da Anarchia. Fautor de desordens125 ANARCHIA: s. f. (ch como q) Falta de chefe que governe. Desordem civil que della procede ANARCHICO adj. De Anarchia; em que há Anarchia126 Todos estes dicionários trazem a definição original do termo, cuja origem se dá na Grécia através da agregação de dois radicais: o primeiro, an, significa negação, privação, e o segundo, arché, archi ou archos, significa governo, e pode se estender às diversas esferas dos poderes. O resultado direto desta aglutinação é a privação ou a negação da existência de 123 Nascido em Londres 1638, foi clérigo regular, sábio e erudito, versado em todo o gênero de estudos, teve predileção pelo estudo das línguas mortas e vivas (Francês, Inglês, Italiano, Português, castelhano, latim, grego) tendo conhecimento aprofundado de todas as respectivas gramáticas, tendo vivido mais de 5 anos em cada um dos países em que estudou suas respectivas línguas. informações no SILVA, Inocêncio Francisco, op cit. Volume VII. 124 BLUTEAU, Padre D. Raphael. Vocabulário Portuguez – Latino Autorizado com exemplos dos melhores escritos portugueses e latinos. Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712. 125 SILVA, Antônio de Moraes e. op. cit. 126 PINTO, Luis Maria, op. cit. 44 Governo. Vemos que, nos dicionários, esta falta de governo é mais diretamente associada ao “Príncipe”, o principal governante, mas admite-se qualquer esfera do aparato governativo que mantenha a “ordem” proposta por esse aparato: governantes, polícia, magistrados e as demais autoridades de uma determinada organização governativa. Há uma semelhança também no que concerne às fontes do significado, que aparece tanto no dicionário de Moraes e Silva, como no de Bluteau, se inspiram no mesmo texto que fora publicado na Escola das Verdades127, referência de peso do século XVII. O início do texto do verbete Anarquia, no dicionário de Moraes Silva, é nada mais que uma tradução do inicio do mesmo verbete na Enciclopédia de D`Alembert,128 Com a leitura dos três dicionários, percebemos que os dois dicionários do século XIX seguem uma mesma linha de raciocínio, denominando a Anarchia como desordem em um estado. A associação pode ser feita diretamente à falta de legitimidade dos governantes, sendo estes não reconhecidos pelos governados, ou simplesmente o fato de não haver meios de um Estado vigiar, e cobrar que se cumpram as leis. O povo faz o que quer sem subordinação e sem polícia é um texto que se incluiu entre os significados da falta de governo, a liberdade de agir sem ser cerceado ou reprimido pelo governo. Não chega a especificar como algo tão caótico, como o significado que se observa no dicionário de Silva Pinto, significado este mais simplificado e mais “seco” qualificando o termo apenas como desordem civil. De maneira bastante adversa aos autores do século XIX, O dicionário de Bluteau é o que sugere uma variedade de exemplos que demonstram uma maior diversidade das possibilidades de significados, a que o termo Anarchia podia aludir. Um dos significados que esse autor expõe para o termo Anarquia, deve ser ressaltado, especificamente: licentia. Este termo latino é uma derivação do termo licens, que significa lícito. A partir desses termos podemos chegar a uma outra esfera de significância para o termo Anarquia. Licentia significava: LICENS, ENTIS. adj. Part. Caes. C. que lança em almoeda. LICENS, ENTIS. adj. C. que he licita, permitida. Val. Max. C. dissoluta licenciosa. LICENTIOUR. Comp. Cic 127 O livro de autoria de CUNHA, Antonio Alvarez da, Escola Das Verdades. Aberta Aos Princepes Na Lingua Italiana. Por O P. Luis Iuglaris Da Companhia De Iesu. E Patente A Todos Na Portugueza Por … Secretario Da Academia Dos Generosos De Lisboa. E Entregue Á Protecção Do Excellentissimo Senhor D. Ioam Da Sylva Marqvez De Govea. Mordomo Mòr Da Casa Real De Portugal. Lisboa: Por Antonio Creaesbeeck De Mello, Impressor Do Princepe, 1671. 128 Este livro trata dos inúmeros desdobramentos da obra científica e filosófica de Jean Le Rond d’Alembert (1717-1783), conhecido por haver dirigido a Enciclopédia com Diderot, tornando-se uma figura-chave do século do Iluminismo. A influência de sua obra científica, assim como da filosófica, ainda será fortemente sentida ao longo do século XIX. Ver: D`ALEMBERT, Encyclopédie ou Dictonnaire Raisonée dês sciences dês Arts et dês Métiers – nouvelle impression em fac símile de la première édition de 1751-1780. Stuttgart-Bad: Cannstatt, 1966. 45 LICENTER adj. Cic. Licenciosamente, sem recato, com demasiada liberdade. LICENTIÙS comp. Cic. LICENTIA, ae- f. Cic. a licença, ou demasiada liberdade, falta de moderação. Cic. A licença, a liberdade, permissão para o bem. A. ad Her. Huma figura de Rhetorica. * LICENTIOR, IUS. Cic. e LICENTIOSUS, A, UM. Quint. C. licenciosa, sem moderação, que abusa da liberdade. Vita licentior: Val. Maxim. Costumes desregrados, depravados. Licentiosior. comp. Sen.129 LICENTIA –ae, subs. F. 1 – Sent. Próprio: 1) Liberdade de, Permissão, poder, faculdade (Cic. Of. 1, 103). II – Daí: 2) Liberdade excessiva, licença, indisciplina (Cic. Rep. 3, 23), 3) Arrebatamento exagerado (Do orador ou do estilo). (Hor. O. 3, 24, 29). Como subst. próprio : Licença (deusa) (Cic. Leg. 2, 42)130 Depois dessa explanação do termo Licentia, extraída do dicionário de latim, percebemos uma outra vertente significativa para o termo que é tido como um sinônimo de Anarquia, no Vocabulário de Bluteau. A Licenciosa liberdade pode transformar-se em outros termos que fogem às conceituações mais corriqueiras do Termo Anarquia. Há um significado positivo de Licentia, sendo a permissão para o bem, não apenas uma liberdade demasiada, abusiva e desrespeitosa (Como foram desenvolvidas as outras variantes do licens.). A licentia, que em português é licença, existia no dicionário de Moraes Silva com este significado: Permissão do Superior, com que se faz lícito, o que sem ela fora ilícito e não se houvera de fazer. Nesse dicionário, o significado se estendia também para: Vida licenciosa, abuso da liberdade, excesso do direito, quebra da lei, da disciplina131. O termo licentia, foi também projetado de modo a denominar uma figura de retórica que tem por proposta um Arrebatamento exagerado tanto por parte do autor, como do estilo que este escreveu, é uma licença para se exaltar por uma “boa causa”, a própria liberdade de dizer o que pensa, “com licença”. Conclui-se, pois, que o termo Anarquia, para a língua portuguesa, mais comumente significava desordem, ou afronta à ordem. Porém, percebemos que, anteriormente, haviam se consolidado outros significados como os que Bluteau trouxe à tona, principalmente aproximando-o do termo licentia e apresentando uma outra vertente do termo, ligada à liberdade de ação e de pensamento. E de fato, na sua significação compartilhada no século XVIII em léxicos multilingües que vislumbram uma concepção latina, o termo Anarquia é mais ligado à liberdade e à vontade. Isso pode ser corroborado, por exemplo, pela definição 129 CABRALII, RR. PP. MM. Emmanuelis Pinii ,et RAMALII, Josephi Antonii, Magnum Lexicon Novissimum Latinum et Lusitanum, ad Plenissimam Scriptorum Latinorum Interpretationem accommodatum Parisiis, Prostat Venalis apud J – P Aillaud. Rio de Janeiro: Apud Souza et Cª. 1835. 130 FARIA, Ernesto, Dicionário Escolar latino-português: Revisão de Ruth Junqueira de Faria. Rio de Janeiro: FENAME. 1975. (5ª ed) 131 SILVA, ob. cit. 46 de um outro dicionário que seria o Diccionário Portuguez, Francês, Latino que não enfatiza desordem civil nem destruição mas apenas: cada um vive como lhe parece. ANARCHIA ou ANARQUIA: Estado sem cabeça que o governe, onde cada um vive como lhe parece. Anarchie, Etat ois, n`y a nul gouvernement, ni Prince, ni magistrat,& ou Chacun vit à la fantaisie. (Anarchia, populus sibi rex et lex.) ANARCHICO, ANARQUICO: adj. M. CA. F. Que está sem governo e na Anarquia. Anarchique qui est sans gouvernment et dans l`anarchie. Qui caret a Príncipe.) 132 Aqui, curiosamente, a tradução do francês utiliza o termo à la fantasie que significa de acordo com a opinião, o desejo, a vontade, a imaginação133, que de certa maneira, apontava para a outra tendência do termo Anarquia, menos ligada a idéia de caos. A privação do governo podia ser sinônimo da liberdade de ação. Para terminar esta parte, temos dois dicionários que apresentaram dados a mais aos significados libertários de Anarquia. O “dicionário Latino-Gálico” que apresenta um novo sentido ligado ao fato de ninguém governar, que seria todo mundo governa. Essa colocação de certa forma aproxima anarchia da democracia: ANARCHIA (privatif+commandement) ANARCHIE, État ou persone ne gouverne, ou bien ou gouverne tout le monde.134 Dentre os significados dos derivados do termo Licentis, percebemos que Licentia, é o único que traz um conteúdo tendenciosamente positivo que diverge e se opõe a Licentious e Licenter, que carregam significados mais aproximados dos atribuídos a anarquia como os destrutivos e desordeiros, significados negativos: sem recato, ofensivo, sem respeito, demasiada liberdade. No fim, o Licentiosus seria alguém de costumes desregrados, hábitos depravados, que abusa da liberdade de maneira negativa e depreciativa. O Licencioso no dicionário de Moraes Silva seria: o que excede o que é lícito, que se licencia das leis e usa das liberdades que elas não dão. Nesse dicionário também há o destaque para a “penna 132 SÁ, Joaquim da Costa e. Diccionario portuguez-francez-e-latino novamente compilado, que á augustíssima senhora d. carlota joaquina, princeza do brasil, oferece e consagra Joaquim José da Costa e Sá, Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1794. 133 Segundo o dicionário de FONSECA, José da, Novo diccionário francez-portuguez composto sobre os melhores e mais modernos diccionários das duas nações, e particularmente sobre os novíssimos de Boiste, Laveaux, Raymond. Paris: J. P. Aillaud. 1836. 134 NOEL, Fr, Dictionarum Latino-Gallicum Dictionaire Latin Français Composé sur le plan de l´ouvrage intitulé: Magnum Totilis Latinitatis Lexicon, de Facciolazi. Nouvelle edition – Revue et Argumentèe. Paris: Ve le normant. Libr, 1833. 47 licenciosa, que seria: o Estilo que excede às leis; por ex. da história da oratória, etc.Freyre, Prol. It. Que falla, que escreve imoralmente, que ensina a imoralidade, indecóros, etc135. Cabe aqui lembrar que, nesses dois dicionários de Latim aqui citados, não se encontra a palavra anarquia. Com uma outra afirmação de Bluteau: Aqueles que no meio das perturbações da república querem melhorar com dano alheio a sua fortuna, há a sugestão de uma outra “vertente” para a palavra Anarquia. Aqui temos a desordem significando a corrupção na política e o crime. Constrói-se um significado que demonstra que apenas os malintencionados, trapaceiros, corruptos e enganadores são adeptos da inexistência de ordem superior para regrar e cercear. A anarquia também aparece como licenciosa pelos desejosos de mudanças políticas drásticas, como, por exemplo, derrubar uma Monarquia. A anarquia é admissível na transição de um governo. Neste caso não é corrupta nem desordeira, também é apenas a condição transitória daqueles que desejam um novo governo, ou uma nova forma de governo, como, por exemplo, uma República. O Termo anárquico, que só aparece nos léxicos monolíngües da língua portuguesa no século XIX, não dizia muito mais do que ter relação com a anarquia ou, aonde há anarquia, geralmente, em um Estado. Como parte dos novos vocábulos agregados na 4ª edição do dicionário de Moraes Silva, encontramos Anarchista, um substantivo para designar Partidários da anarchia, ou simplesmente: Fautor de desordens. A Novidade do termo Anarchista que aparece nesse dicionário marcado com um asterisco, certamente atende a necessidade imperiosa de que se inclua este termo já muito utilizado no Brasil, principalmente nos anos 20 do século XIX, quando se sucedeu a independência brasileira, no debate da imprensa. A edição de 1831 é a primeira das edições dos dicionários da Língua Portuguesa a apresentar o termo. Em seu significado, o termo fautor, parece muito amplo. No mesmo dicionário, o termo fautor aparece como: agente, que promove, auxilia, favorece alguma coisa. Sendo assim, deduzimos que o termo Anarchista significa: aquele que faz, aquele que induz, o que colabora, e compactua com a desordem. Não há uma extensão do termo anarquista, além da relação com a desordem. O Dicionário de Silva Pinto não apresenta o termo Anarquista. Vemos que esse dicionário, realmente, não se propunha ser um grande compêndio da Língua Portuguesa, era apenas uma referência sem grandes pretensões, pois é um dicionário portátil. De fato, a 135 SILVA, op.cit. 48 notificação que o autor dá no prefácio do dicionário, pode ser percebida no vocábulo Anarquia. Não inclui nenhum significado, senão definições bem menos apuradas do que as encontradas no dicionário de Morais e Silva, e do Vocabulário do Padre Raphael Bluteau. Tendo feito esta análise, na próxima etapa, iremos analisar estes significados nos dicionários de Língua Inglesa e de Língua Francesa, pela necessidade de comparação com os dicionários de língua Portuguesa e para a sondagem de novos significados. A Anarquia nos dicionários da Língua Francesa: Dentre os principais dicionários da língua francesa publicados durante o século XIX, certamente o que mais se destacou foi O Dicionário da Língua Francesa editado pela Academie Française. A popularidade desse dicionário pode ser medida pela quantidade de reedições que foram feitas dele. As oito edições datam respectivamente dos anos de: 1694, 1718, 1740, 1762, 1798, 1835, 1878, e 1935. A Academie Française passou formalmente a ser a responsável pela regulamentação da gramática francesa, a ortografia e literatura, desde a década de 30 do século XVII136. Esse dicionário foi feito por uma comissão de membros da Academia. Mas, na presente análise, incluiremos à pesquisa dicionários etimológicos e históricos da Língua Francesa, que também trabalharam no sentido de sondar as raízes semânticas dos termos, e de datar as aparições dos termos em textos de importantes autores da Língua Francesa e da evolução dos significados contribuindo ricamente com a presente pesquisa. No Dictionaire de l`Academie Française de 1835, temos Anarchie como: ANARCHIE s. f. Etát d´um peuple qui n`a plus ni chef, ni autorité à laquelle on obéisse, ni lois auxquelles on soit soumis. Tomber dans l`anarquie. Sortir de l`anarquie. Un etát en proie à l`anarquie. Reprimer,dompter l`anarchie, L`anarchie feodale. La democratie pure dégenerère facilement en anarchie. Fauteur d`anarchie. ANARCHIQUE s. dês deux genres. Qui tient dé l`anarchie. Un État anarchique. II signifie aussi, Favorable a l`anarchie. Opinion Anarchique. Principes anarchiques. Systeme anarchique. ANARCHISTE s. dês deux genres. Partisan de l`anarchie, fauteur de troubles. 136 Durante a Revolução francesa, a Convenção Nacional suprimiu todas as academias reais, inclusive a Académie française fundada no sécuo XVII. Em 1793, foram completamente abolidas. As academias foram reunidas numa única entidade, em 1795, chamado de Institut de France. Napoleão, quando era Primeiro Cônsul, decidiu restabelecer as antigas academias, mas como "classes", ou divisões, do Instituto. A segunda classe do Instituto equivalia à antiga Académie. Quando assumiu o trono o rei Luís XVIII em 1816, cada classe recuperou o título de Academia. Desde este ano, portanto, a Académie française funciona ininterruptamente. 49 Complementando este dicionário, ao ano de 1836 surge uma novidade que seria o Suplemento ao dicionário da Academia Francesa “Supplement au Dictionnaire de L ´Academie Française” Sixième et Dernière Edition, publiée en 1835. Na introdução da obra, esse dicionário se propunha ser um complemento a todos os dicionários franceses: Antigos e Modernos. A Compilação é autoria de F. Raymond. Na edição suplementar de 1836, lemos duas derivações de Anarchie que são deveras inovadoras: ANARCHISER v. a. Livrer a l´Anarchie ANARCHISE, ÉE participe (Boiste) ANARCHISME. S. m. systeme, opinions anarchists (Boiste)137 A diferença dos significados apresentados no Dictionnaire de L`Academie Française é muito inovadora. O que percebemos é que o termo Anarchie começava a ser compreendido com outras nuances, novos direcionamentos que escapam à pura desordem. Nesse momento, pode ser vista com a qualidade de: Systeme, opnions, e Príncipes. Vamos a uma breve análise desses termos para uma melhor compreensão dos desdobramentos desse significado carregado pela palavra Anarchie: OPINION s. f. (opinion) aviso, opinião, parecer, sentimento, voto, - crençaprovável – estimação – ideia, pensamento – imaginação, phantasia – conceito, juízo – nome, reputação Ex: dar sua opinião, não querer desistir da suas opiniões, acceder a sua opinião, pautar suas opiniões. PRINCIPE: Prima causa, princípio, (phys.) causa, começo, exórdio, fonte, nascedio, origem, elemento,- máxima – motivo – sentimento – impressão. SYSTÈME, s. m. (cistéme) systema – arranjo, disposição, nexo, ordem-metódica – hipótese, supposição – philos. Constituição, estado, situação.138 É impressionante encontrar este tipo de definição já no ano de 1835. A admissão desses significados comprovam que, nesse período, já se esboçava um “sistema ou opiniões anárquicas” sendo uma forma de agir, de pensar, uma vertente própria de pensamento, diversos argumentos compondo uma doutrina, um dogma; sendo assim, o termo é desligado do caos e da desordem, propriamente, e passa a ser visto como: opinar por não haver governo, (ou mesmo pela desordem) ter isso como um sentimento, um motivo para pautar suas opiniões. Os significados inéditos, comparativamente aos dicionário da língua portuguesa, são 137 RAYMOND, F, Suplement au dictionaire de L´Academie Française Sexiéme et dernière edition. publié en 1835. Paris: Gustave Barba Libraire, 1836. 138 FONSECA, José da, op.cit. 50 um indicativo de que o termo em construção tendia a modificar-se agregando denotações que o transformavam num sentido diferenciado da simples desordem. O Termo Principes, talvez seja mais forte pela possibilidade de carregar consigo a idéia de uma “Máxima”, um ideal. *** A Anarquia nos dicionários da língua Inglesa: Na Língua Inglesa, um dos dicionários mais consagrados durante o século XIX foi o de Noah Webster; o autor tornou-se muito popular após publicar o seu primeiro diconário, A Compendious Dictionary of the English Language, em 1806. Nele, introduziu as formas americanas das palavras inglesas, o que caracterizou uma inovação nesse tempo. Também incluiu termos técnicos das artes e ciências, e trabalhou mais duas décadas para a expansão desse dicionário, até que em 1828, Webster publicou seu American Dictionary of the English Language, contendo 70.000 palavras. Ao ano de 1829, Joseph Emerson Worcester publicou um suplemento a esse dicionário, que apenas foi alterado no ano de 1840, quando surge a Revised edition. Até esse ano, a edição de 1829 foi reeditada várias vezes, sinal de sua aceitação e popularidade. A edição que utilizaremos será a décima quinta, feita em 1836139. Nesse dicionário da língua inglesa, temos os seguintes significados para palavra Anarquia: ANARCH n. The Author of Confusion, one who excite revolt. MILTON ANARCHIC / ANARCHICAL: a. Without rule or government; in a State of confusion; applied to a state or society “Fielding uses anarchial” +ANARCHISM n. Confusion 139 Apesar de não ser exatamente do ano de1835, faz parte de uma revisão à edição de 1835, apropriada ao presente trabalho por apresentar a novidade do termo Anarchism, demonstrando bem o momento em que o termo passa a compor os principais léxicos em diversas línguas. 51 ANARCHIST n. An ANARCH; one who excites revolt, or promotes disorder in a State.. ANARCHY n. Want of Government; a State of Society when there is no Law or Supreme power or when the laws are not efficient; confusion140 Esses significados registrados pelo dicionário Americano, em muito têm a colaborar para que sondemos as novas nuances que o termo assume. anarquia também se refere a leis ineficientes, um diferencial que pode ser chave para uma compreensão do termo, dentro de um novo contexto, em que há a anarquia proporcionada pelo próprio aparato de leis, que não dê conta das necessidades dos subordinados a ela. Não apenas o indivíduo que não cumpre as leis e agem com insubordinação (como nos léxicos da língua portuguesa), mas as leis que não se adaptam aos indivíduos, não suprem suas necessidades, gerando assim, a anarquia. Esta, certamente, é uma nova idéia para o termo, visto por uma outra perspectiva, não o ligando diretamente ao povo. Já o termo Anarquista, nesse dicionário, segue a mesma idéia de aquele que incita e promove revoltas e desordens. Para terminar esta análise do termo na língua inglesa, faremos uma última observação, a fim de demonstrar que havia uma certa estabilidade na evolução desses significados ao longo do tempo. Quanto aos conceitos consolidados no dicionário Americano de 1836, percebemos que este não se difere muito de um importante dicionário Inglês de 1795, excetuando-se a definição de leis ineficientes: ANARCH s. an author of confusion ANARCHIAL a. without rule, confused ANARCHY s. Confusion, Irregularity141 O Termo Anarchial (Forma rara, sinônima à Anarchical,) aparece no General dictonary of the English Language, de 1795.142A novidade do termo Anarchism (Anarquismo) presente no dicionário americano de 1836 como uma inovação, não é de grande relevância uma vez que significa apenas Confusão, sendo igual a Anarquia, bem diferente do que vimos nos Vocabulários Franceses, que invocavam o Anarquismo como uma referencia aos que opinavam pelo não governo. 140 WEBSTER, Noah, An American Dictionary of the English Language. New York, Sanderson Printer, 1836. 15th Edition. 141 PERRY, William, A General dictionary of the English Language. London: Printed for :John Stockdale Picadilly, 1795. 142 Este dicionário selecionou mais de duas mil palavras, utilizadas pelos mais clássicos escritores, mais do que pode se achar em qualquer outro dicionário de Bolso, agregando uma extensão considerável de palavras de outros dicionários da língua inglesa, com a maior precisão possível. Informações Constam no prefácio da obra. 52 CONCLUSÃO: A primeira constatação da leitura desses dicionários que foram apresentados é que, nesse período, o que estava mais consolidado para o termo era sua significação na origem grega. Por conseqüência, o que na sua raiz significa sem governo, se estendeu a desordem de qualquer tipo. Seja a baderna, o desrespeito, o caos, isto é uma unanimidade dos dicionários que circulavam no Brasil, Portugal, França e Inglaterra: Desordem é a primeira grande idéia que o termo Anarquia carregava nos léxicos. Como prova da consolidação deste conceito, temos, no dicionário de sinônimos do idioma Francês, que data de 1767, como primeira opção de significado sinônimo de anarquia, o termo Bouleversement. Este, por sua vez, carrega os significados transtorno, atrapalhação, confusão, ruína, desconcerto, grande agitação, desordem.143 A colaboração do dicionário Americano no contexto da desordem, estaria na apresentação de um novo sujeito para a Anarquia que seriam as leis ineficientes, desviando o foco da desordem do povo, focando-a nas leis. Mas, indo um pouco mais além, o dicionário da Academie Française já registrava a nova vertente do que apenas era desordem Esse dicionário indica que o termo ganhara uma outra esfera de significância, sendo também agregado à formas de pensamento, hábitos, opiniões e, por que não, o esboço da existência de uma Máxima anárquica. Alguns dicionários etimológicos, produzidos no século XX, tanto da língua inglesa, como da língua francesa, demonstram que o termo Anarquia já era utilizados na Europa, muito antes do que quando se consolida e torna-se um verbete na Língua Portuguesa, presente nos dicionários do Brasil. O mesmo acontece para seus derivados: anárquico, anarquicamente, anarquismo, até mesmo duas formas raríssimas que seriam: anarquial (Anarquico) e anarquiar144 (Anarquizar). Para termos de conclusão dos resultados obtidos com esta pesquisa, vale traçar um paralelo comparativo com os dicionários históricos e dicionários etimológicos, para sondar um pouco do que já se estudou sobre esta palavra, de modo que se possa comparar as conclusões às quais chegamos. 143 144 DICTIONAIRE DES SYNONIMES FRANÇOIS, Paris: Livoy Thimoteo,1767. Esta forma surge no dicionário Francês – Português de José da Fonseca. op. cit. 53 Fazendo-se uma pesquisa minuciosa, em dicionários desse tipo, percebemos que o mais completo e atualizado é o Dictionaire historique de la language française, publicado em 1992. Nesse dicionário, as palavras da língua francesa incluídas são de aparição e uso após o ano de 842, até nossos dias, sua história convenientemente detalhada, compreendendo as expressões e locuções as mais notáveis, assim como as considerações sobre as idéias e as coisas representadas; as evoluções e as revoluções das formas e dos conteúdos. Aqui também são tratadas as mudanças e os parentescos entre as línguas européias, assim como artigos enciclopédicos, uma cronologia dos principais textos da língua francesa que utilizaram o termo, ilustrando a trajetória e os arranjos dos signos e das idéias, compendiadas145. -ANARCHIE n. f. Est emprunté par Oresme (v. 1372) au latin Anarchia, employé dans les traductions d´Aristotel pour renare le Grec Anarkia, de an privative + arkhê commandement -Le mot appraît avec une values antique et technique pour “état politique où les affranchise peuvent jouer un role das le government” -Ilne se rèpand qu´a la fin du XVI (1596) avec la valeur generale de “ Désorde politique faute d´autorité – de ce sens general péjoratif, absense de gouvernment: Désordre qui em résulte” , on est passe à confusion désordre” (1742) Et, pendant la Révolution, à doctrine politique basée sur la suppression du povoir de l´Etat “ Valour qui se dèveloppe au XIXe. S (1840 Proudhon). À la fin du siecle le concept est em relation et en opposition avec le socialisme et le syndicalisme. (Les composés “Anarcho Syndicalisme et syndicaliste) -De la même periode date l ´abreviation populaire de anarchiste ANAR (Cidessous) qui manifeste la vitalité du mouvement -Des mots concurrents, comme libertaire, puis gauchiste, marquent lê recul du concept, dans des contextes plus récents. -ANARCHIQUE adj. (1594) A suivi l´évolution semantique du substantif II Signifie par extension “ Desordeneé confus” 1866 et se détach alors de tout allusion politique (un devélopment anarchique etc.) -II a pour derive anarchiquement adv. ,1834 -ANARCHISTE n. est un mot de la revolución (1791) devenue usuel au milieu du XIXe s. avec le développement de anarchie et qui prend des connotations nouvelles à la fin du XIXe siécle ANARCHISME n. m. designe la doctrine politique des anarchistes (1834) et, comme anarchiste, a pris une valeur extensive pour “refus de l´autorité, en géneral” (1917) -ANARCHO n. m. (Fin XIXe. S.) Formation argotique sur ANARCHISTE a été remplacé par anar n. m. (1901) aussi employeé comme adjectif, et, rarements, au feminin Enfin anarcho-sert d´élément de composition dans anarchosyndicalisme n. m. et. Anarchosyndicaliste adj. Et n. probablement (1900) .146 145 Informações no prefácio da obra: REY, Alain (Direction), dictionaire historique dela langue française. Paris: Dictionaires Lê Robert, 1992. 146 REY , op. cit. 54 O dicionário histórico da Língua Francesa, organizado por Alain Rey, em 1992, nos dá a informação de que a palavra “Anarchie” apenas surge na língua francesa, depois das traduções feitas dos textos de Aristóteles, realizadas por monges no século XIV. Apresenta também a grande evolução que esta vai sofrer ao longo do século XIX. Segundo esse autor, o termo assumiu três momentos: O primeiro, mais ligado à origem grega, significava sem governo; depois, o termo se liga a desordem, de maneira a representála em todas as esferas possíveis, como um sinônimo. O terceiro momento é o que se refere ao pensamento e doutrina política, e se desenvolve ao longo do século XIX. O Anarquista seria: uma “criação” da Revolução Francesa. É nesse momento de alterações severas de ordem política, que se consolidou o termo no imaginário popular. A citação dos escritos de Mirabeau é considerado “marco” da utilização desse termo. Esta informação é senso comum em diversos dicionários etimológicos, como no de Albert Dauzat: ANARCHIE: (XVIe s. Oresme) empl. au Grec “Anarchia” (de a[n] privatif et arkhê, commandment), Latinisé dans les traductions latines d´Aristote. Dér: ANARCHIQUE (1594, MENIPÉE) ; ANARCHISTE (1791) creation de la revolution, à côte d´anarchiser (Mirabeau), peu usité.147 Quanto ao termo Anarquismo, percebemos que há um grande distanciamento de sua utilização tanto na imprensa como nos dicionários da língua portuguesa. O termo apenas surge no Moraes Silva, em sua 8ª edição datada do ano de 1889. Porém, como já vimos, sua utilização na Europa se dava bem antes. No momento em que surge no Moraes e Silva, já agrega significados ligados ao “Movimento” Anarquista, já consolidado: ANARCHISMO s. m. Systema político que admite a sociedade sem governo estabelecido, ou só com governo local. § opinião dos anarchistas. ANARCHISTA s. 2 g. Partidário do Anarchismo. § Perturbador da ordem; fautor de motins. § desordeiro ANARCHIZÁR verbo transitivo: Excitar à Anarchia.148 O dicionário histórico da língua francesa mostra que a palavra Anarquismo já era usada ao ano de 1834, designando as doutrinas anárquicas. De qualquer maneira, o termo ainda não era tão popular assim. Nesse mesmo ano, não é registrada a palavra Anarquismo num dicionário de bolso da língua francesa, por exemplo. 147 148 DAUZAT, Albert, Dictionaire Etymologique de la Language Français. Paris: Librarie Larrousse, 1938. MORAES SILVA, Antônio de, Dicionário da Língua Portugueza Edição Revista e Melhorada. Rio de Janeiro: Empreza Litteraria Fluminense de A. A. da Silva Lobo, 1889. 55 O Termo anarquismo, aqui, não aparece com nenhuma referência a nenhuma obra ou a algum autor que a teria utilizado em determinada data. O ano de 1834 que parece precoce para esse termo, pode ser corroborado pela sua existência na Revisão do Dicionário da Academia Francesa, de 1836, ou o dicionário de Webster, que também só inclui o termo em 1836. Também há um dicionário do ano de 1837 que já inclui este termo, traduzido à língua portuguesa. Um dicionário das línguas Inglesa e Portuguesa, um pequeno dicionário de Bolso para viajantes em que se lia: ANARCHIC OU ANARCHICAL, adj. anar ANARCHISM OU ANARCHY s. Anarchia, anarchismo No Prefácio dessa obra, o autor explica aos leitores os motivos pelos quais intitula de “Um novo dicionário” em vez de intitulá-la como segunda edição, mesmo sendo a continuidade atualizada da mesma que havia sido publicada em 1800. Sua utilidade, segundo o próprio prefácio, seria muito mais para os viajantes do que para os mercadores. “É um dicionário de bolso, utilitário, porém com as debilidades que um dicionário deste tipo pode ter”.149 Esse dicionário de bolso talvez tenha sido o primeiro a trazer para a língua portuguesa o termo Anarquismo. Já o verbo Anarquizar teve sua primeira tradução para o português no já citado dicionário Francês - Português de José da Fonseca, em que aparece traduzido como Anarquiar *** Mas os significados de todos esses dicionários não são suficientes para uma total compreensão dos sentidos pretendidos pelos redatores de jornais do período regencial, para tecer seus artigos. Nesses periódicos, o termo anarquista agrega outros significados que já faziam parte da linguagem dos políticos e dos politizados. O dicionário de Silva Pinto, de fato, não incluiu o termo “Anarquista” que, nesse tempo, era tão recorrente na imprensa periódica, como veremos mais adiante. O termo já 149 AILLAUD, J. P., A New pocket dictionary of the Portuguese and English in two parts, viz Portuguese and English and English Portuguese, abridged from Vyeira´s dictionary. A new edition considerably enlarged and corrected by J. P. Aillaud. English and Portuguese, V II. Paris: printed for J. P. Aillaud, Bookseller, 1837. 56 existia como parte do cotidiano dos brasileiros, especialmente os mais interessados em política, mas, ainda assim, não aparece num dicionário editado em Ouro Preto, cidade de forte movimentação política desde o período colonial. Uma omissão que deveras desperta curiosidade. Veremos na próxima etapa, então, como o termo era utilizado pela imprensa periódica carioca na década de 30 do século XIX, em especial, no ano de 1835. CAPÍTULO 3.2: O CONCEITO DE ANARQUIA NOS JORNAIS DA DÉCADA DE 30 DO SÉCULO XIX Nesta parte, iremos confrontar os significados da palavra Anarquia tal qual vimos nos principais dicionários, com os que eram utilizados pela Imprensa periódica. Aqui faremos uma análise da conceituação que este termo assumia no espaço das publicações periódicas que circularam na década de 30 do século XIX, e que se consolidaram logo após a abdicação de Pedro I. Desde o período em que se concretizou a independência brasileira (1820 a 1823), os termos Anarquia e Anarquista surgiram em periódicos políticos em grande profusão. O termo Anarquista foi, nesse período, utilizado em debates políticos para depreciar os adversários. É um termo extremamente negativo, e que foi comum em debates políticos durante a Revolução Francesa, como já visto na primeira parte deste capítulo. É o grande xingamento entre discordantes de matérias políticas. Esta perspectiva foi salientada pela historiadora Lucia Maria Bastos Pereira das Neves no tocante ao debate político do período da independência do Brasil. Em suas análises sobre um novo vocabulário político que surgiu nesse período, Lucia Neves traçou um amplo panorama das palavras que derivavam das idéias da ilustração 57 portuguesa e ganhavam significado mais amplo através das práticas e das ações políticas dos grupos diversos que compunham a elite portuguesa e brasileira150. Nesse estudo, percebeu, através dos periódicos da década de 20, como que o termo Anarquia, que se ligava a guerra civil, desordem, paixões, e a demagogia151, foi largamente utilizado como: um alarme dirigido a opinião pública contra qualquer perigo que ameaçasse a nação ou, simplesmente: a modificação da ordem vigente. A anarquia seria o avesso da ordem. A ordem, tal qual invocada nos textos liberais, traduzia a idéia de tranqüilidade pública, servia de pretexto para respeitar o regime político constitucional, a lei, a autoridade constituída, o cidadão152. Percebemos, então, que anarquia, na década de 20, era sempre um termo de conotação negativa, e independentemente de quem a invocasse. Na década de 30, havia um novo significado, presente nos escritos, panfletos e periódicos, que demonstrava uma nova conceituação no imaginário popular, e que divergia, em alguns pontos, dos significados apresentados nos Dicionários, e nos periódicos da década de 20, que seria o que ficou consolidado no periódico: Nova Luz Brasileira153, periódico que se propôs a fazer uma espécie de dicionário político, que tratasse das novas conceituações agregadas a termos políticos radicais inspirados nos ideais do Iluminismo. Esse periódico trouxe novos significados agregados a termos, conhecidos ou não, sob a ótica de uma linguagem radical de sua época, considerando as novas posturas políticas que despontaram, no momento posterior à Revolução Francesa, e relidos pelos liberais brasileiros.154 Do Dicionário Cívico e doutrinário, impresso nas edições do Nova Luz Brasileira, temos: Difinição 17ª O que é =Licença= É huma Liberdade excessiva do Povo que rompendo os limites da boa ordem, não obedece ás Leis como deve, e faz algumas dezordens. É o primeiro gráo da Anarchia. 150 NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das, Corcundas e constitucionais - A Cultura política da Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: FAPERJ 2003, p. 188. 151 Neste estudo, a autora destaca que o termo demagogo, que originalmente significaria: “aquele que conduz o povo”, é diretamente associado ao termo Anarquista, sendo o demagogo, aquele que adula o povo, que agita as massas. O vocábulo foi utilizado como alusão a partidários de governos democráticos, com participação popular. No Brasil, também foi utilizado num prisma inverso, para qualificar os portugueses,que se manifestavam contrários aos liberais. 152 NEVES – Ibidem. 153 Este periódico Circulou na Corte Imperial entre os anos de 1829-1831. Foi o maior e mais estável periódico exaltado, tanto em número de edições como em abordagem de diferentes temáticas. Seu principal redator foi Ezequiel Correia dos Santos, para maiores informações sobre sua atuação, ver: BASILE, Marcello, Ezequiel Correia dos Santos: um jacobino na corte Imperial. Rio de Janeiro: FGV, 2001 154 BASILE, Marcello, Anarquistas Rusguentos e Demagogos. Os liberais Exaltados e a Formação da esfera pública na corte imperial (1829-1834) Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: I.F.C.S., U.F.R.J., 2000. 58 Reflexões = Quando as authoridades prevaricão e se corrompem, são ellas as primeiras em desobedecer ás Leis; então o Povo dezesperado de lhe faltarem ao que se lhe deve, toma demaziada Liberdade e dahi nasce a dezordem; por isso todos os males da sociedade nascem do governo.155 Definição 18ª O que é Anarchia: É a falta de governo bem regulado: é a pública dezobediência ás leis, tanto da parte do Povo, como dos seus Magistrados em geral com perturbação e dezordem. A anarchia dos que governão, produz a tyrania do governo: desta nascem grandes malles á sociedade. Difinição 19ª O que é Tyrannia: É a Anarchia dos que governão, pois nella não há Leis, só ha vontade para querer, e crueldade para obrigar. A tyrania anda unida com a uzurpação do Poder, e com o desprezo dos direitos do homem; por isso é sempre sanguinolenta.156 Destacamos aqui, além da definição 18ª, que concernia propriamente a Anarquia, as definições 17ª e 19ª, por serem elas explicativas dos dois pontos principais aos quais era relacionado o termo anarquia. Anarquia, nesta definição, pode assumir uma significação a princípio dúbia. Admite-se aqui, além da desordem popular, a desordem proporcionada pelos próprios magistrados da ordem. A desordem civil passa a ser justificada no termo Licença que, segundo o autor do Nova Luz Brasileira, é o primeiro grau da anarquia. A reflexão justifica a desordem, desde que seja para combater irregularidades dos governantes. O justo levantamento do povo contra a opressão, que aqui ficou consubstanciado na idéia de que todos os males da sociedade provêm do governo justifica a desordem do povo, que deve se libertar de qualquer opressão. Na definição 19ª, temos a acusação de que um governante que age em prol de seus interesses, utilizando-se do seu poder para beneficiar-se, ou que impõe leis não adequadas, não legitimadas pelo público, seria um Anarquista. Esse questionamento relativo às autoridades, que são colocadas como tiranas, agindo de forma “criminosa” para com os cidadãos, demonstra que, assim como no debate da independência, em que já se esboçava essa inversão de sentido (como no caso do vocábulo demagogo), no período regencial, o termo Anarquia foi muito utilizado para designar qualquer atitude autoritária e deslegitimada, por parte dos burocratas. Qualquer ato de Tirania, nesse tempo, era invocado como sinônimo de Anarquia. 155 156 Nova Luz Brasileira, 09/09/1830. Nova luz Brasileira, edição do dia: 12/02/1830 59 Podemos perceber que Anarchia significando Tirania de certa forma, se aproxima ao que Bluteau inclui no seu Vocabulário: Só aqueles que no meio das perturbações da república, querem melhorar com dano alheio, a sua fortuna. São amigos da Anarquia. A palavra Anarquia, significando Tirania, se torna muito corriqueira em periódicos do período regencial. É onde mais comumente encontramos a palavra com esse significado, além, é claro, da expressão desordem civil. O Conceito do Nova Luz Brasileira, de fato, se tornou um “senso comum” entre os outros jornalistas, que escreviam para defender suas idéias políticas; o significado era compartilhado. Provindo de qualquer facção política, este termo era comum em pasquins para designar seus adversários políticos. As reflexões feitas pelo redator de um periódico chamado O Ypiranga157 podem servir como um bom exemplo ilustrativo dessa realidade de um termo que servia essencialmente para ataques políticos de dois extremos: Tiranos e desordeiros. (....) resposta ao artigo publicado no diário do governo do dia 17 do corrente., intitulado “Resposta aos periódicos da facção anarquista. (...) Se são anarquistas pois os escritores da oposição, e que assim obram, porque não será também anarquista o governo quando calunia as ações e intenções dos que lhe não querem submeter, e censuram sua administração? Porque não será anarquista igualmente o governo, quando negando a verdade, desfigurando manhosamente os fatos, ou sustentando como constitucionais, medidas opressivas e tirânicas, as proclama justas as defende. ( ...) A crítica feroz ao governo aqui aparece com a palavra anarquista, exatamente a mesma acusação que os governantes fazem aos seus opositores. Os que escrevem suas idéias, contrárias ao governo, na Imprensa, são constantemente chamados de Anarquistas. Que se entende por Anarquista? É aquele que promove a desordem civil, ou política do estado. Ora vejamos qual dos dois mostra a história, e a experiência tem mais promovido a desordem= o Governo ou a oposição? = Suponhamos o pior, isto é, que a oposição calunia: mas sobre que ordem de fatos?: da vida pública ou privada? A primeira é conhecida de todos; todo o cidadão pode por conseqüência avaliar a veracidade da asserção. Diz o escritor: o governo praticou tal; mas o povo sabe que tal nunca tivera lugar: como acreditará; e a ponto de se deixar arrastar até a fazer uma comoção civil, a ser vítima o autor da desordem da anarquia? É da vida privada que se trata? Bem, e que tem esta com o sofrimento necessário do povo para que este decida a insingir-se à lançar mão da resistência e opor-se ao governo, e motivar a desordem e a anarquia? Dissemos = sofrimento necessário = porque sem este, e em um grau mui elevado é impossível, moral e físico, que nenhum povo, por mais ignorante e louco, possa abandonar a paz pública, para a subverter e de vontade entrar em todos os (ilegível) 157 Jornal que não se encontra em manuais da História da Imprensa Brasileira ou Carioca, apenas em FONSECA, Gondim da, op.cit. indicando o nome, nada mais. 60 Ninguém mais (ilegível) mas o que dizemos é somente com o fim de provar ao governo a impropriedade com que insulta e calunia a oposição, dando-lhe o horroroso título de Anarquistas? Ora, agora examinemos o caso da censura acre, feita pela oposição, dos atos administrativos pouco ou nada conformes à lei e a constituição (...) Aqui vemos que realmente a acusação segue duas vertentes: Os atos governativos, por serem inconformes com a constituição, e o povo respondendo a isso. Quem é que negará que é este o primeiro e único fim da liberdade de imprensa? Quem dirá que não é isto um direito inerente ao nobre título de cidadão? Que povo deixará de ser escravo, e mui atropelado em seus interesses mais sagrados e vitais, uma vez que não exerça este direito de censura sobre a administração de seu país? E que desordem e anarquia pode resultar de tal? A única que encontramos é forçar o governo que pretende saltar por todas as leis, abusar de todos os direitos e sacrificar todos os interesses, à mudar de rumo; à ser nacional e livre. Um governo justo e moral, por conseqüência, não pode se irritar com uma tal censura, não descobre nela essa anarquia, que tanto amedronta os nossos homens constitucionais e amigos da ordem. Ela só ofende, e faz mal aos governos arbitrários e que não respeitam a lei; por quanto sendo lhes de mister o segredo em tudo que obram, a censura, denunciando-os, os desmascara, os irrita e os pune. (...) Hoje, acrescentaremos àquelas reflexões, que o verdadeiro anarquista é quem viola a lei; é quem toma medidas que oprimem o cidadão; é quem interrompendo-a segue sempre a pior parte...(...) A liberdade de Imprensa não pode ser suprimida. A crítica ao governo, sendo encarada como depreciativa e desordeira (Anarquia) denuncia, sua fragilidade, que, segundo o autor, age de maneira mais desordeira que os periodistas. Vê-se, adiante, o direito de resistência reivindicado pelos redatores deste periódico. São estes os anarquistas. A História nos mostra, a cada página, e a experiência o confirma todos os dias, que os povos são sempre mais inclinados à sofrer e a submeter-se, do que a se revolucionarem e resistirem (...) Os que seguem da continuação do Governo que os definha e oprime, são maiores e muito maiores do que os inerentes ao exercício imprescritível do direito de resistência (...) Em seguida, questiona o Estado, a Legitimidade da sua existência. Aqui se pode perceber que se está adentrando o debate da finalidade do Estado, da aplicabilidade das leis. 61 Se o governo era despótico, inimigo da lei, arbitrário, é diferente a nossa situação? E com tais atos, com tal proceder; pode o governo agradar ao povo? Pode merecer dele confiança e respeito?158 Esta atitude do jornal O Ypiranga não pode deixar de ser contextualizada com o governo vigente. A Moderação, com o seu justo meio, desagradava aos extremos. Esse tipo de reflexão, que vimos aqui, foi comum tanto por parte dos Restauradores, como dos Exaltados. O que percebemos é que os insatisfeitos com o governo vigente demonstram sua resistência. Acusam o governo, da mesma forma que o governo a eles. De maneira semelhante, os moderados, enquanto “situação”, repelem a oposição Anarquista. Comumente, em alguns periódicos Republicanos e Exaltados, a palavra anarquia se associava a uma idéia de “justa causa”, se fosse para derrubar um governo tirano. No Artigo de Silvia Carla Fonseca, em que sugere apontamentos para o estudo da linguagem republicana na conformação de identidades políticas na Imprensa Regencial fluminense159, ela também destaca uma comparação entre o conceito de Anarquia e o de Insurreição, tal qual este vocábulo fora designado pelo dicionário do: Nova Luz Brasileira, destacando a forma como aparecia em jornais republicanos do período Regencial como, por exemplo, O Republico e A Matraca dos Farroupilhas160. Esses periódicos, publicados chegaram a admitir um significado que já criavam um sentido positivo para a Anarquia, desde que esta viesse do povo, quando este tivesse suas liberdades e seus direitos ameaçados pelas autoridades. A anarquia Popular, deveria combater a anarquia dos governantes: Na Matraca dos Farroupilhas lia-se: (...) E para que haja acôrdo sobre a significação da palavra anarquista, nos serviremos do curso de direito público do Sr. Silvestre Pinheiro161. Quando a confusão dos poderes políticos que é uma situação mais viciosa do que a Monarquia absoluta, não se vê regra fixa de conduta, acha-se o estado entregue 158 159 O Ypiranga, 28/01/1832. nº. 15. FONSECA, Silvia Carla pereira de Brito – “Apontamentos para o estudo da Linguagem Republicana na conformação de Identidades Políticas na Imprensa Regencial Fluminense”. in: NEVES, Lúcia Maria Bastos P., História e Imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: DP&A, Faperj, 2006. p. 108. 160 O Termo farroupilha, utilizado para representar a população mais pobre, surgiu como uma apropriação do termo Francês Miserábles, feita pelos Políticos Brasileiros. Ver: MOREL, Marco – As transformações dos Espaços públicos. op.cit. p. 116. 161 O livro: Curso de Direito Público Interno e Externo (1830), publicado por Silvestre Pinheiro Ferreira, foi reeditado em 1834 com o nome de Manual do Cidadão em um governo Representativo. Esta obra foi uma das obras de Silvestre Pinheiro destinadas a consolidar, no plano legal, a Transição da Monarquia Absoluta para a Constitucional,em Portugal e no Brasil. Silvestre Pinheiro comentou exaustivamente as constituições do Brasil e Portugal. Destinava-se a expor a Teoria do Governo Representativo, a doutrina Liberal, que então se denominava Direito Constitucional. Informações em: PAIM, Antônio – “Introdução” in: FERREIRA, Silvestre Pinheiro, Manual do Cidadão em um governo Representativo. (edição fac-similar). Brasília: Senado Federal, 1998. 62 aos horrores da anarquia. Situação que causa horror, diz o hábil publicista a pág 126. mas que é preferível à Tyrania, porque ao menos não pode ser longa a duração da Anarquia (a do povo) e muitas vezes della nasce uma melhor ordem de cousas . Cedo ou tarde o despotismo vem a ser tirania, a qual sempre produz anarquia. Toda vez que ao arbitrário na conduta, sobrevem ataques aos direitos civis dos cidadãos, existe a tyrania que se a não fazem cahir logo, dura séculos, forma sistema adquire forças e perde às nações em tudo (...)162 E no jornal O Republico, lia-se reflexões similares: “Quando o governo é opressor e injusto, só se pode salvar o povo resistindo-lhe. A RESISTÊNCIA à opressão é DIREITO natural.163 Essa postura dos Republicanos da época pode ser encarada como uma resposta dos insatisfeitos com o governo. A idéia de revolução toma, neste caso, significado de mudança política violenta, como direito natural pelo “povo”, tendo como causa a opressão de governos despóticos.164A definição de Bluteau, mais uma vez é satisfatória, pois esse autor destaca a anarquia como um meio necessário para minar as monarquias. Entre os republicanos, o termo anarquia desponta com esse significado. Percebemos que o termo anarquia está sofrendo o mesmo processo que um outro termo: Insurreição. Passa a ser um justo levantamento de um povo contra os que atacam o contrato social. Então, que, de fato, estes dois termos “negativos” passam a ser justificados, ganhando conotações “positivadas”. O conceito de insurreição do Nova Luz Brasileira dizia: Definição 89ª INSUREIÇÃO – É o avesso da Rebelião ; nesta os tyrannos são os que se rebelão contra a liberdade Geral; na insurreição os patriotas são os que atacão para destruir os tyrannos e a tyrannia e restabelecer a boa ordem; porisso a insurreição é o justo levantamento do Povo contra os que atacão o contracto Social e uzurpão os direitos do mesmo Povo ou da Nação, a palavra insureição em sentido proprio significa o mesmo que a justa revolução para destruir a Tyirania de hum país, reformar ou mudar o governo, se é vicioso ou perverso.165 A partir da idéia do direito de resistência, é que o termo insurreição se desprende das conotações que o ligavam a rebelião, revolução e sedição. 162 163 A Matraca dos Farroupilhas 06 de dezembro de 1831. O Republico, nº 48 de 21 de março de 1831. 164 MOREL, Marco – “As transformações dos espaços públicos – Imprensa, Atores Políticos e Sociabilidades na Cidade Imperial (1820-1840)” Hucitec São Paulo 2005. 165 Nova Luz Brasileira nº 52 11/06/1830. 63 No dicionário de Política, lemos que o termo Insurreição, após a Revolução Francesa assumiu nova conotação e o sentido moderno de movimento contra a opressão e em prol do povo e em prol da libertação geral, conduzida de baixo para cima, visando derrubar o governo existente (insurreição com fins políticos166). Nesse dicionário, o autor explica que o termo Insurreição modificou-se durante o processo revolucionário francês, se alterou com base no pensamento de Locke. Nesse momento, houve um esforço para a legalização do direito de Insurreição. Para isso, o autor traz à tona o artigo 35 da declaração dos direitos do Homem e do Cidadão aprovada pela Convenção Nacional francesa do ato constitucional de 24 de junho de 1793 na qual afirmou-se: Quando o governo viola os direitos do povo a insurreição se torna, quer para o povo quer para os indivíduos, “o mais sagrado dos direitos e o mais indispensável dos deveres. CAPÍTULO 4: O ANARCHISTA FLUMINENSE E O ANARQUISMO. 4.1 O Anarchista Fluminense e a Imprensa de seu tempo. O ano de 1835, já não faz mais parte do momento de explosão dos pasquins. Em verdade, 1835 é um ano cuja produção de escritos políticos, diminui consideravelmente, comparando-se com os anos de 1831, 32 e 33167. Como vimos no capítulo 2, os periódicos neste ano não foram tão duradouros nem debatiam questões tão “intensas” em matéria políticas como os que circularam nos demais anos da Regência Trina Permanente. Neste ano há uma retração na “esfera pública” diminuindo-se os debates políticos e a ação das sociedades secretas, impulsionados em grande parte, pelos acontecimentos do ano de 1834, que deram novos rumos à ação política dos dois partidos de oposição aos Moderados: A morte de D Pedro I e as reformas do Ato adicional. A primeira por afastar as possibilidades de Restauração do poder do monarca, e a segunda pelo cunho liberalizante, sendo considerada um dos motivos do fim da atuação dos Liberais Exaltados no Rio de Janeiro 168. Por outro lado, o que motivava os escritos em 1835 seriam o choque entre os governados e as medidas drásticas que vinham tomando os governantes gerando grande insatisfação assim como 166 BRAVO, Gian Mario. Autor do verbete Insurreição In: BOBBIO, MATEUCCI, PASQUINO, Dicionário de Política. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004. (4ª ed.) 167 BASILE, Marcello – “Projetos de Brasil e Construção nacional na Imprensa Fluminense (1831-1835)” in: NEVES, Lúcia Maria Bastos P. História e Imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro DP&A Faperj, 2006. 168 Idem. 64 conflitos entre a população e estes, fomentado pela grande repressão que se operava, como vimos no Capítulo 1. Nesta parte, realizaremos uma análise comparativa entre os discursos iniciais dos periódicos políticos que surgiram no ano de 1835, sendo parte de um mesmo cenário político, próprio deste ano, e das mudanças radicais que se operavam na política brasileira. Para tal apuração, a realização de uma leitura dos periódicos políticos que circularam no ano de 1835, e na mesma área de distribuição do Anarquista Fluminense: Município Neutro (a Corte) e Niterói, para que tenhamos uma comparação dos discursos que também estavam sendo produzidos para responder a mesmas condições da política e a mesmos temas. Comumente entre os periódicos desse período, o primeiro artigo tinha a função de trazer à tona, em resumo, o que seria discutido ao longo da publicação, além das propostas centrais que estas folhas defenderiam. Seria o que Isabel Lustosa denominou como: “Carta de intenções”169, ou seja: discursos que tipicamente apareciam nas primeiras edições destes jornais. Essas “cartas de intenções”, que são os principais discursos destes periódicos, serão aqui comparadas, em seus temas, linguagens utilizadas, e na forma como se apresentavam ao público, para compararmos com o Anarchista Fluminense. A tarefa aqui proposta nos serve pois não podemos deixar de classificar estes periódicos como veículos retóricos, que também assumem as características deste tipo de publicação politizada, que se propunha a propagar suas idéias, e convencer o público leitor. Aqui iremos traçar as diferenças e semelhanças desses discursos. Outro item essencial para percebermos os ideais de um pasquim seria a Epígrafe. As Epigrafes foram quase que unanimemente presentes nesses periódicos, e certamente eram uma das coisas que mais chamavam a atenção dos leitores desses periódicos, e não apenas por se encontrar o topo da primeira página, mas, por, corroborar com os principais ideais da publicação e ser a cara do jornal. Dentro do contexto de uma imprensa periódica que se propõe a fazer política, que quer se utilizar do espaço público para ensinar seus preceitos e suas convicções políticas170. Quanto às epígrafes que O Anarchista Fluminense traz, temos duas sugestivas frases:“Esta folha publica-se em dias indeterminados, quando for da vontade de seus redatores” que já mostra desde o número 1, que não seguiria nenhuma periodicidade. A outra epígrafe dizia:Un pas hors du devoir nous peut mener bien loin que significa: “Um passo fora do dever[obrigação] pode nos levar bem longe” Essa segunda frase, certamente era o principal 169 170 LUSTOSA, Isabel, Insultos impressos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. SODRÉ, Nelson Werneck de, op. Cit. p. 133. 65 “lema” que o jornal se propunha, sendo a “cara do Jornal”. Esta segunda frase é do Teatrólogo Francês que viveu no século XVII, Pierre Corneille171. A escolha desta frase deste Dramaturgo de opinião política “Conservadora e Moralizante”, pode ser apenas a o início para uma das discussões que levantaremos nesse capítulo, pois a posição dita “conservadora” é uma das percebidas em alguns dos artigos do Anarchista Fluminense, que se propõem a exaltar uma moralidade, defendida pelos redatores, de maneira bastante Radical, tendo por base a destruição da ordem.172 Para iniciarmos este capítulo vale Lembrar um pouco da notoriedade que ganhou O Anarchista Fluminense. Como a maioria dos artigos publicados, são exclusivamente sobre Niterói, sobre autoridades e funcionários públicos que atuavam lá, podemos concluir que o público principal do jornal, seriam os habitantes daquela cidade. Porém, suas edições foram anunciadas no Diário do Rio de Janeiro, e no Jornal do Commercio, e, a partir desses anúncios sabe-se que este periódico circulava na corte também. O recém criado município Neutro recebia o jornal, e o divulgava nas mesmas lojas em que circulavam os outros periódicos, políticos do Rio de Janeiro. Três dias após 28 de fevereiro, a data impressa no topo do primeiro exemplar, lia-se no Diário do Rio de Janeiro, o anúncio da primeira edição do Anarchista Fluminense: Saiu à luz o 1ºn. do Anarchista Fluminense, que se publica na Villa da Praia-Grande, e vende-se também nesta Corte em casa dos Srs. Laemmert, rua da Quitanda, João B. dos Santos, Rua da Cadeia, e Albino, Praça da Constituição, à 40 rs. Os redactores declarão, que não aceitão correspondências, ou outros artigos que não sejão assinados com o nome por inteiro de seus authores, como quando requerem alguma pensão, tença, pexinxa, rabos de cavalla, postas de badejo, cabeças de garôpas, &c.173 A popularidade deste jornal em seu tempo, não pode ser medida ao certo. Tampouco a aceitação desta folha e seu principal público consumidor. Mas, este anúncio no Diário do Rio de Janeiro, pode nos revelar, que, os responsáveis pelo jornal investiram na divulgação, de maneira costumeira, mas, claramente com a preocupação de que circulasse na corte, sendo vendido nos principais pontos de venda de jornais do Município Neutro. De fato, as outras seis edições aparecem anunciadas no Diário do Rio de Janeiro e apenas algumas, no Jornal do Commercio, onde surgiam notas menores anunciando o jornal. 171 Teatrólogo Francês que atuou durante o século XVII, formou-se em direito, trabalhou para Richelieu, ganhou fama em toda a Europa com suas obras traduzidas para diversas línguas. Foi um grande poeta, teve força criadora, elevação de pensamentos, técnica apurada e tendências moralizadoras em suas obras. Maiores informações ver: SAINZ DE ROBLES, Carlos Federico, Diccionário de la literatura. Madrid: Aguilar, 1950. Tomo III 172 Este parágrafo contém repetições de informações citadas no capítulo 2 desta monografia. 173 Diário do Rio de Janeiro, 03/03/1835. p.03. Obras Publicadas. 66 O primeiro artigo do Anarchista Fluminense teve um papel, acima de tudo, de esclarecer o leitor as propostas que sustentaria nos artigos do jornal. Vamos ao primeiro artigo: O Que sou eu? Contra factos ninguem deve argumentar. E os factos a que me refiro, quaes são? Ei-los em resumo. Sábios de primeira ordem como os Redactores da Aurora, da “Verdade, do Brasileiro, do Independente, Diário da Manteiga, et Reliqua, tomarão spontaneamente sobre seus hombros o Brasil, para o arrastarem contra os tramas de seus inimigos pelo caminho da paz, da tranquilidade, e da legalidade, a fim de dotar com o gôzo das prosperidades e das bem-a venturanças todas. E que têm eles conseguido para o Brasil? ... NADA. Outros cidadãos tanto ou mais sábios, do que esses, por amor.... da Patria, abandonarão a doce e apetecivel paz e tranquillidade do gabinete, renegarão tudo sómente para dirigir os negócios.... do Brasil, tomando sobre si o pezado encargo de ministros de estado, prometendo fazer mais e melhor do que fizerão seus antecessores; abarrotar de dinheiro os Cofres Nacionaes; promover a prosperidade nacional, o desenvolvimento da industria, a abertura de canaes de navegação, e de estradas melhores que as da Inglaterra; estabelecimento de ponte;, finamente sustentar vigorosamente as leis postergadas por seus antecessores, e por consequente imitação postergadas também, e com insolente despejo, pisadas á pés pelas authoridades subalternas: e que fructo tirarão esses sabios, probos, honrados e eminentemente dezinteressados Cidadãos, do pesado sacrifício de ser ministro de Estado? Nenhum. E quanto colhêo o Brasil em benefícios por elles feitos? NADA. Massa enorme de cidadãos de todas as côres, e nações, votaram-se a sustentar os ministérios todos, bons e máos que subião ao eminente poleiro; nada pouparão para fazendo guerra aos seus inimigos, darem a paz e a tranqüillidade aos Tatús, á esses indiferentes, á tudo quanto não é quietismo: tudo puseram em movimento, em ação combinada, para cantar victória completa. E que resultado tirarão eles: o serem appelidados, uns de Ximangos, outros de Marrecos, aqueles de Mamados, estes deModerados. E o Brasil que lucrou?Algumas dúzias de criminosos e outras tantas de novos empregados publicos, tão máos, ignorantes, e indignos como aquelles a quem substituirão em remuneração forçada de seus relevantes serviços. E a paz, a tranquilidade, a prosperidade, o respeito das leis, a abundância dos cofres...? Meros entes de razão. Nulos tem sido, pois os esforços empregados para fazer a nossa Patria prospera e respeitada. Contra factos ninguém deve argumentar. E se a experiencia mostra que a adopção de taes meios nada tem produzido que proveitoso seja; parece que não é conclusão forçada o dizer-se que a vereda absolutamente opposta nos deve guiar ao gozo de todas essas bem-aventuranças. Perturbe-se pois a tranqüilidade pública, destrua-se tudo quanto he ordem, lei, moral, anarchize-se completamente o Brasil, principiando-se pela província do Rio de Janeiro, e a prosperidade da pátria florecerá, e teremos quanto apetecemos. E, se para redigir auroras, verdades, etc. etc., necessário he ser sábio consumado como são seus Redactores sapientíssimos; tanto saber, tanta perícia são excusadas quando se escreve para anarchizar: elles querem solidificar sabiamente, e habeis operarios devem ser; nós queremos destruir completamente, e para isto é bastante uma picareta e alavanca, saber, e capacidade de servente : eles necessitam de adoptar conta, methodo, peso : nós de nada disso carecemos. Eis a tarefa a que se propõe seguir sem desalentar, teimoso, constante, e embirrador, O Anarchista Fluminense. 67 Este primeiro artigo, intitulado: Quem sou eu? se inicia com a afirmação de que contra fatos ninguém deve argumentar para propor o convencimento dos leitores através de alguns aspectos da realidade política brasileira para justificar suas propostas políticas. O questionamento acerca de si próprio, acerca das propostas que vai carregar, tem por princípio uma crítica aos outros periódicos também movidos pelo afã da pedagogia política, que divulgavam suas opiniões. Estes periódicos citados eram todos de orientação Moderada,174 e alguns deles, já não existiam mais ao ano de 1835. Os periódicos selecionados para a crítica eram as vozes representantes dos ideais governistas, e que defendiam sua atuação: A Aurora Fluminense,175 A Verdade176, O Brasileiro177, O Independente,178 Diário da Manteiga (Que seria o Diário do Rio de Janeiro). Aqui, apresenta-se a querela do jornal com os outros jornais, periódicos políticos que se propuseram a escrever artigos em defesa do Governo, e a não criticar atos governamentais defendendo a Ordem vigente, a Regência. O ressentimento que fica claro nesse manifesto seria quanto ao debate na Imprensa ou em qualquer outro espaço público aonde se discutisse política. A frase: os indiferentes a tudo quanto não é quietismo, demonstra um pouco da forma como os escritos contrários ao governo eram vistos por esse como perniciosos e combatidos com ardor, gerando uma verdadeira guerra entre periódicos de oposição, e os governistas nos quais constantemente se perseguiam os políticos e periodistas que combatiam o governo. Estão expostos os principais alvos da diatribe: Ministro da fazenda, Chefe da Guarda Nacional, Presidente da Província, e os legisladores “situacionistas”, perpetradores do “Avanço Liberal” . 174 Com excessão dos noticiosos, neste primeiro momento apenas aparecem críticas a periódicos com essa orientação. Nas outras edições, critica periódicos de orientação Exaltada, a exemplo do Exaltado ou os Cabanos na Praia Grande. Há ainda o Et Retiqua, que hoje em dia é totalmente desconhecido. 175 A Aurora Fluminense foi o principal jornal moderado que circulou ininterruptamente, 3 vezes por semana, entre 21/12/1827 até 30/12/1835. A assinatura trimestral custava 2$000 réis, e fora impresso nas tipografias de Gueffier, I. P. da Costa e a de Orgier . Sua epígrafe dizia: “Pelo Brasil dar a vida./Manter a Constituição,/ Sustentar a independência: / é a nossa obrigação.” Seu redator foi Evaristo da Veiga, um dos principais líderes moderados, um dos fundadores da sociedade Defensora. Até o anode 1835 fora deputado2 vezes por Minas Gerais e uma pelo Rio de Janeiro. 176 A Verdade foi editado por Saturnino de Souza e Oliveira,, assumiu os cargos de Juiz de Paz, atuando como chefe da Guarda Nacional na freguesia do Sacramento(na Corte), atuando na perseguição de distúrbios nas Ruas, e combatendo os periódicos exaltados e Caramurus. 177 O Independente circulou entre 3/5/1831 e 22/04/1833, saindo 2 vezes por semana com assinatura trimestral a 2$000 reís. A epígrafe dizia Il n `ya pás de vraie liberte sans paix, comme il n `y a pás de paix sans liberte. Seus principais redatores foram: Joaquim José Rodrigues Torres (deputado pelo Rio de Janeiro em várias legislaturas, foi o primeiro presidente da província do Rio de Janeiro) e Apolinário Torres Homem (Membro da Sociedade Defensora, foi redator do jornal que representava a sociedade: O Homem e a América. 178 O Brasileiro circulou de 1832-33, tendo por redator Bernardo Pereira de Vasconcellos, importante político, foi Ministro da Fazenda, e vice presidente de Minas Gerais. autor de projetos como o Código Criminal e o Ato Adicional. 68 Nesse sentido, há uma crítica aos funcionários que compunham o gabinete ministerial da Regência, sendo estes os detentores dos empregos cujas atribuições eram de tomar as decisões das deliberações e os direcionamentos do Estado Brasileiro. A censura feita a essas autoridades é de que não modificaram em nada, a situação ao qual o Estado Brasileiro se encontrava anteriormente às suas administrações, sem terem figurado como os grandes empreendedores que prometiam ao assumir o poder, sustentando um discurso político cujo conteúdo frisava progressos materiais do Brasil, algo que não foi cumprido ao longo do período em que governou a Regência Trina Permanente, com sua política Liberal Moderada. Um ponto que chama a atenção seria o trato que este artigo dá aos funcionários públicos empregados na burocracia. São chamados de cidadãos desinteressados, maus e indignos. Assim como, acusados de serem ignorantes e criminosos, o que aponta para a corrupção existente no aparato burocrático brasileiro, e que revela sua consideração a esses funcionários públicos que em sua atribuições, nada colaboram com o Brasil, sendo apenas interessados em possuírem esses cargos, e em desfrutar das remunerações. Há também uma critica às autoridades subalternas, pode-se entender por uma crítica diretamente a atuação dos Juízes de Paz, possuidores desde 1832 da capacidade de legislar sob suas jurisdições, e de assumirem a chefia das rondas policiais, figurando como uma personificação da repressão do Estado. Depois de dar os motivos de sua indignação, este manifesto passa para a sua proposta principal, que seria a de ir no caminho contrário aos caminhos que tomaram os representantes da Ordem. O que está em questão são as bemventuranças, já citadas no início do artigo, e a sugestão de que se siga um caminho oposto, então, é o da destruição total da ordem. A proposta seria a própria destruição da ordem, sem que se sobreponha a esta uma outra ordem ideal. A única ordem ideal seria a de que não houvesse ordem, aqui personificada nas leis, e nos governantes. A forma como se propõe a combater os males do governo é que é bem interessante se pensarmos que de fato, o termo anarquia era constantemente empregado com esse sentido de destruição e de confusão. Aqui, neste manifesto, se inverte essa idéia. A desordem é o ideal, frente à ordem corrompida. Neste artigo, é apresentada uma figura interessante representando a destruição. Aqui foi apresentada uma representação curiosa, da forma de desordenar que seria a figura da alavanca e da picareta.179. Ao propor a destruição não deixa de lado aqueles que idealizam a 179 Segundo Pietro Ferrua, esta figura é um símbolo do desmantelamento do Estado e das leis, extremamente opressoras, algo que coincide com algumas obras de pintores anarquistas como é o caso de Courbet, Signac, Pissarro, Steinlen, entre tantos, que o fizeram. Estes pintores não são contemporâneos ao Anarchista Fluminense, mas atuaram no século XX. Ver: FERRUA, Pietro: “Foi Fluminense o primeiro jornal Anarquista?” in:Revista Verve. São Paulo: Nu-sol (PUC-SP), 2004. 69 construção de uma ordem ideal, qualquer que fosse ela, com as diversas propostas que se apresentavam nesse sentido. Ataca os partidários de propostas políticas no intuito de moldar o Estado. De certa forma, com esta afirmação, podemos perceber uma ironia dedicada aos preceitos da maçonaria, que era reconhecida pela alcunha de pedreiros livres. O Anarchista Fluminense, neste trecho, demonstra-se desligado a qualquer sociedade desse tipo, e parece propor uma nova sociedade, a sociedade dos Anarquistas. Para finalizar, devemos ressaltar um dado curioso: Principiar-se pela província do Rio de Janeiro. A província do Rio de Janeiro, recém criada, nem completara um ano do decreto de sua existência e nem mesmo havendo a primeira reunião da Assembléia provincial, mas já tendo sido feitas as nomeações dos ocupantes dos cargos públicos, assim como da aprovação de verbas para sanar as debilidades da nova província. O Último artigo da primeira edição é intitulado: “Declaraçam” e nele, temos algo que pode ser considerado uma continuidade da “Carta de Intenções” do Anarchista Fluminense. Nesta continuidade da elucidação das propostas, é aonde deixa claro que não aceitaria correspondências, senão as assinadas. Mantendo o anonimato se contradiz completamente: O Anarchista Fluminense, que só tem em vistas desempenhar a tarefa expressada no seu título, declara que não receberá correspondencias de nenhuma qualidade; a empresa he ardua, arriscada, e aterradora, exige coragem em sumo gráo; sem ella não ha Anarchista que preste nem atture... e para que solicitar Ceryneos que sob a capa do Anonymo, do côxo, do cambeta, do carenguejo, etc, pretendem assim disfarçados escapar ás perseguições á que se vai expor o Anarchista Fluminense? Venhão meus Senhores, mas com seus nomes por inteiro taes quaes os escrevem quando requerem pitanças, pexioxas, e postas de cavalla. Quem tem o denodo de se expôr aos terriveis perigos de pretendente de empregos públicos, porque ha-de occultar seu nome quando anarchisando, pondo tudo em confusão, e desordem, espera salvar a Patria esmagada debaixo do peso enorme da ordem, mais ordem, muita ordem e amor de ordem com que a tem desordenado os galinhas d´Angola, que por promoção deixão de ser marrecos? Espertalhões emboscados para ganhar com a primeira das duas!! ... babau!! Ficareis mamados!... O ponto central deste artigo é a classificação da ordem como opressora, sendo assim, a própria desordenadora. Se governo é quem opera os males da sociedade, este deve ser destruído. Critica diretamente os legisladores e as leis que criaram e que são: a marca da Regência e da ordem liberal moderada, com suas reformas. Os funcionários públicos representariam os maiores beneficiados do governo, os únicos felizes com a condição vigente. O Apelido de mamados, comum em outros periódicos desse tempo, refere-se à remuneração 70 deles prover das arrecadações do Estado. As acusações sempre lembram que a atitude destes é perniciosa, como se em suas ações houvesse maldade, e egoísmo. Os redatores deste artigo tomam o termo ordem, que na verdade é bem abrangente, nas diversas instâncias que ela se apresenta regrando os indivíduos. Mas é exatamente a ordem que é a grande malfeitora. Na próxima parte, em que analisaremos os artigos do jornal, perceberemos quais as situações que indignam o Anarquista Fluminense, e quais as instâncias da ordem que estão sendo criticadas. Comparando Retóricas: Outras Cartas de Intenções. Aqui faremos uma breve comparação do artigo introdutório do Anarchista Fluminense, com outros artigos similares de periódicos que surgiram neste ano, para comparar suas preocupações e suas intenções. Sendo assim, os periódicos mais interessantes para termos de comparação, seriam: O Novo Caramuru, O Defensor da legalidade, O Ladrão, O Pão d`assucar e o Çapateiro político. Há outros periódicos políticos que poderiam ser interessantes não serão inclusos por não existirem em nenhuma coleção de nenhuma biblioteca pública. Destes periódicos, alguns chamam atenção por seus títulos. O primeiro aqui citado, assume a alcunha de Caramuru, se torna interessante para sondarmos quais os preceitos que assumiam aqueles que se denominavam Caramurus, mesmo depois da Morte de D Pedro I, e o segundo por defender a legalidade, uma representação da ordem num contexto em que os debates políticos giram em torno da lexia Ordem/ Desordem180sendo o Defensor da legalidade representante da ordem e o Anarchista Fluminense a desordem. No Defensor da Legalidade, a carta de intenções tem elementos parecidos com os elementos escolhidos pelo Anarchista Fluminense, Mas, suas escolhas apontam no sentido inverso a alguns preceitos do Anarchista Fluminense. Assumindo-se um partidário da Moderação, também tentava concentrar os Caramurus a sustentar os princípios da Moderação. Em sua apresentação dizia: PROSPECTO 180 CONTIER, Arnaldo Daraya, Imprensa e Ideologia em São Paulo. (1822-1842): matizes do vocabulário político e social.. Petrópolis: Vozes, 1979. 71 A revolução que parece ter se operado nos espiritos, e opiniões dos Moderados, principalmente depois da notícia da morte do Duque de Bragança, a necessidade de sustentar os verdadeiros principios de moderação, que não são senão os da legalidade, e que parecem esquecidos por um grande número daqueles que até agora tanto sacrifício hão feito para os sustentar com decidida vantagem para o País, e credito de suas instituições, nos moveram a escrever este periódico: desligado de qualquer obrigação defenderemos o que nos parece justo, e censuraremos o que nos parecer mau, seja do governo, seja de authoridades subalternas, e aqueles a quem censurarmos admitiremos defesa em nossa folha, estando nos termos legaes; bem como admitiremos correspondências com responsabilidade, que poderão ser dirigidas a rua do Sr. Passos Nº 108 ao Redator do Defensor da Legalidade181 É interessante como este jornal se apresenta como um partidário da moderação, porém que eventualmente criticaria aspectos negativos da administração do governo, inclui as autoridades subalternas, tal qual O Anarchista Fluminense. O destaque para essa escolha se dava exatamente pelo peso político que na prática essas autoridades passaram a representar no dia a dia das pessoas. A admissão de respostas aos artigos seria um outro contraponto, como vimos ao que o Anarchista Fluminense pregava. O que vemos aqui é que não apenas divergia no título, mas na proposta de censurar o governo, as correspondências recebidas como respostas aos artigos publicados. Já O Novo Caramuru atacava os moderados diretamente na sua epígrafe, na qual também deixava bem clara a sua defesa da Religião e o amor às leis, assim como o ódio a Moderação. O Novo Caramuru contrapõe ao Anarchista Fluminense, que prega a destruição da ordem, lei e moral. Aqui vemos que O Novo Caramuru faz críticas similares às do Anarchista Fluminense, depreciando a atuação dos empregados públicos do governo acusados de corrupção, e de não serem suficientemente bons nas suas atribuições de ministros de estado, e na arma que a imprensa representava na critica a esses. Sou novo Caramuru; Adoro a Religião; Amo as leis, defendo a Pátria, Detesto a Moderação Jornal da oposição INTRODUÇÃO: “Somos Brasileiros e testemunha ocular das atrocidades da infernal moderação: empreendemos o espinhoso trabalho de redigir O Novo Caramuru com o único fim de, pela imprensa, esta arma tão temida pelos tiranos, publicarmos minuciosamente todos os fatos de barbaridade praticados pela gente patriótica, que enchendo a boca com a legalidade, tem excedido em crueza a quantos Verres, Silas e Catilinas hão produzido os infernos. Tomamos o título de Caramuru por este 181 O Defensor da Legalidade 16/01/1835. p. 01. 72 epíteto o que mais cavaco faz dar à Moderação, e na nossa mente ser sinônimo de inimigo dos déspotas e mandões laranjeiras, que só tem cuidado em engordar as algibeiras.” (...) “Fizemos a presente epígrafe por estarmos convencidos pelos fatos que temos visto praticados no Ceará, Pará, Pernambuco, etc. , que só adorando-se a Religião, Amando-se as leis e defendendo-se a Pátria é que se pode recorrer para a felicidade e segurança do trono Constitucional do Senhor D. Pedro II, nosso adorado Monarca.”182 Nessa mesma lógica de crítica ao governo, só que focando-se mais na corrupção deste, surgiu em junho o jornal: O Ladrão, que, sem epígrafe, mas com um título que suficientemente mostrava a que veio esta folha: Colocar ao público as acusações de corrupção do governo, chamando seus membros de ladrões. O Título é escrachado, e talvez tão negativo, quanto O Anarchista Fluminense. Nesta folha lia-se: Quando vemos formigarem por aí todos os cantos centenas de ladrões de todos os gêneros, e espécies que parece mesmo praga que caiu nesse malfadado império sem que a polícia, por mais ativa que queira ser possa estorvá-lo nas suas correrias e extorções, ou entrar com eles de queixo, por que são estes, meus senhores, ladrões astutos ladrões espertos ladrões cadinhos que sabem furtar-se com o corpo ao encontro dos esbirros e escapulir-se com as gambias ao alcance dos beleguins, podendo roubar o muito a seu salvo, sem receio de irem dar com seus ossos na cadeia, nem de morrerem em uma forca que muito he que depois de mui numerosa quadrilha apareça o ladrão , não desalmado como alguns se apresenta com arcabuz e cara de viandante para lhe sacar a bolsa,(...) mas com doces palavras nos lábios, tem a magia de iludirem ao povo e de fazerem circular para as suas algibeiras os dinheiros da nação(...)183 O Autor desse artigo faz uma das críticas mais acres ao desvio de verbas e eventuais utilizações do dinheiro público em benefício próprio. O fato das autoridades não estarem sujeitas à uma polícia que cerceasse suas ações, nos mostra como os redatores do Ladrão faziam o mesmo tipo de crítica que o Anarchista Fluminense, cobrando atitudes mais éticas por parte dos governantes, que agem anarquicamente sem terem um aparato cerceador que os puna quando agem de maneira corrupta e abusiva. As autoridades Anarquistas (Tiranas), são os principais alvos desse periódico, que se intitulava com a alcunha da principal crítica que se propunha. Por fim, um outro periódico que criticava de maneira similar aos demais já citados foi O Pão d`Assucar, que também lembra dos empregos públicos como concorridos, e de como os possuidores desses cargos prevaricavam em suas atribuições. Ao menos, este periódico defende um projeto: o da Monarquia Representativa. 182 183 O Novo Caramuru,18/08/1835 nº 1. p.01. O Ladrão, 04/06/1835. nº 1, p.01. 73 Quão triste nos parece o futuro que nos espera! A quatro anos que as atuais influências ingeridas em nossos Destinos, nada mais tem feito que minar os alicerces do Grande Edifício Social. A partilha, e a sobre partilha dos Empregos Públicos, e, os altos cargos do Estado tendo sido os desejados Pomos d`ouro, são os causais que nos tem hoje envolvidos no grande labirinto, donde só poderíamos sair com a dissolução. (...) Pouco era de prever, desde tempo anterior, que as coisas chegariam a uma tal latitude; por quanto, não tendo sido o amor da Pátria o fim dos Esforços da moderação, mas sim a sede do mando, e todas as ingerências nos negócios públicos(...) (...) Em outro tempo, quando uma oposição legal pugnando pela virtual execução da lei, bradava contra o método pelo qual se havia a direção dos negócios públicos; quando essa mesma oposição antevendo futuros males, se esforçava por salvar a pátria dos horrores da anarquia, e buscava firmar a Liberdade brasileira de um medo durador e sereno, era então que o furor do partido moderado (receando que a presa lhe caísse nas mãos) subindo a todos os delírios da cólera, seminava a mais forte intriga e distribuía todos os elementos da subversão, para d’est’arte enfraquecer o partido, que lhe era contrário em suas paixões danosas. Mas, não sendo da natureza das coisas, que homens de tal sorte injustos, e ambiciosos se possam manter por longo tempo em doce paz, eis que chega a época da ruína; a essa moderação tão pomposa, já vacilante e assustada, nem ao menos se lembra a que abrigo deve recorrer. (...) Portanto, oh brasileiros, se é possível salvar-se ainda a pátria, ela só pode ser salva, pela união geral de todos os seus filhos em um credo comum; só pode ser o sistema da Monarquia Representativa.184 Este artigo também expõe sua antipatia com os passados 4 anos da Regência Trina Permanente, e critica sua atuação. Utiliza-sede um argumento similar ao do Anarchista Fluminense, que seria o de salvar a pátria com o diferencial de que neste jornal, a salvação seria: A monarquia representativa. Sem possuir epígrafes mas com um título que visava demonstrar-se uma voz popular, o Çapaterio Político, reivindicava a participação dos excluídos nas eleições, tanto como votantes assim como possíveis candidatos aos elevados cargos públicos de ingerência do Estado. Utiliza-se das atribuições dos sapateiros para criticar os Empregados públicos que segundo o jornal, eram indignos e incompetentes. Ainda que esta folha tivesse um discurso diferenciado dos demais, se igualava em focar-se na incompetência dos funcionários públicos. O Çapateiro político Çapateiro como sou, e VV. Mercês estão vendo, eu não quero andar no mundo á matroca, e feito um pedaço d`asno, como alguns da minha profissão. Assento de mim para mim, que devo trabalhar tanto com a bola, como trabalhando com a sovela, e com as encospas. Estou assentado de dia na minha tripeça, cuidando dos 184 O Pão d’assucar, 13/01/1835.p.01. 74 pés dos fregueszes, ; e de noite dou voltas ao miolo e me entranho pelo labyrinto da política. Não se persuadão, que um çapateiro, por isso que é çapateiro, não se deva meter com a política , por que isso seria o mesmo que pensar que um çapateiro não é gente, ou não sente, como qualquer outro cidadão, os bens e males da pátria. Com isso mais de vagar: a nossa Constituição não faz exepção aos çapateiros , e quer sim, que todos os cidadãos se distingão por seus talentos, e virtudes. Ora que há çapateiros que são uns anjos, e que teem um talento particular para amanharumas botas, e uns çapatos, isso ninguém o pode duvidar; por tanto não estão elles privados pela nossa constituição de ocuparem os grandes cargos da nação. E tão convencido está o povo todo d`esta verdade, ou é ella já tão sediça, que temos visto escolherem-se para os empregos publicos, não só a çapateiros, mas mesmo a remendoens; e remendoens que mal sabem botar uma tomba, ou fazer uma costura: isto é uma (...)185 *** Concluímos então que neste ano, a maior preocupação dos jornais se focava na acusação de prevaricação por parte do governo vigente. Constantemente todos os periódicos apontavam o despreparo das autoridades, a má ingerência dos negócios, e a acusação de corrupção e do abuso do dinheiro público. Alguns iam um pouco mais além das críticas e se propunham a uma solução. O Novo Caramuru mais inclinado a se demonstrar um verdadeiro amante do Antigo Regime, O Defensor da legalidade seria o órgão governista, porém, crítico as incongruências deste, O Pão d`Assucar como uma voz da Monarquia Representativa. Por fim, temos O Anarchista Fluminense, se propõe a total destruição, de tudo aquilo que o incomodava: O Estado (Ao menos tal qual existia nesse momento), sem sugestões, sem preferências além da desordem. A maioria dos periódicos políticos surgidos nesse ano faz uma oposição ao governo mais pelos seus atos arbitrários do que necessariamente, apresentando uma proposta política concisa e que expressasse uma identidade. Percebemos que há uma semelhança entre essas “cartas de intenções”, demonstrando que as reivindicações do Anarchista Fluminense não foram isoladas de um contexto político típico deste ano, e que constantemente no ano de 1835 os periódicos novos se movimentavam no mesmo sentido crítico, denunciando as mazelas do Governo Vigente. Em O Anarchista Fluminense, há uma crítica ferrenha ao governo, com 185 O Çapateiro Político, 4/11/1835. nº 1 p.01.Essa é a única lauda que se tem registro dessa publicação. Cópia do Fac-símile inserido Em: VIANNA, Helio, Contribuição para a História da Imprensa no Brasil(1812-1869). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945. 75 uma ode a destruição da ordem, sendo assim já indica parte das idéias principais que ele defenderá em seus artigos. *** Capítulo 4.2 As questões motivadoras do Anarchista Fluminense. Nesta parte, tentaremos compreender um pouco mais das questões que moveram os redatores deste jornal. Quais seriam os principais pontos debatidos para sondar o que gerou a vontade de seus redatores de escrever os artigos e, quais são os principais objetivos que esta publicação pretendia atingir, frente ao cenário político do ano de 1835. Aqui não caberia uma análise demasiadamente minuciosa de todos os artigos produzidos pelos redatores do jornal. Selecionaremos alguns que podem ser os mais interessantes a nossa pesquisa. Os outros artigos que ficaram excluídos desta análise, assim ficaram por desviarem do foco principal da proposta desta monografia, ou por fatores de pouca identificação de seus contextos. Dividiremos aqui os motivadores do jornal de acordo com as principais questões apontadas em alguns artigos do Jornal. Cada artigo, em sua individualidade, tende a um fim, específico, porém, alguns artigos corroboram os ideais expressos em outros, de outras edições. Um dos principais pontos ao qual o Anarchista fluminense questiona é o da legitimidade de algumas leis, essencialmente as criadas durante o Governo da Regência Trina. Uma boa reflexão acerca da maneira como o jornal se impõe em seus anseios seria: (...) Se as leis não forem bem cumpridas, se á todo o instante forem infringidas pelos Cidadãos quem será o culpado, nós, ou as authoridades que em seus despachos, em todos os seus actos como taes, por patronato, por vingança, por desleixo, ou ultrapassão as suas attribuições, ou postergão as mesmas Lleis Decretos e Ordens?Quem concita os povos, quem os chama á desordem, quem os anarchisa realmente, nós, O Anarchista Fluminense, com os nossos innocentes artigos, ou vós, Authoridades constituidas, com as vossas deliberações, vossos despachos, vossos feitos?186 186 O Anarchista Fluminense nº 2 dia 5/03/1835. p.02. 76 A proibição do Trafico de Africanos. Uma das leis que o Jornal se demonstrou contrário e assim se assumiu durante todo o período da publicação seria: a lei de proibição do tráfico de escravos, vigente desde novembro de 1831. O jornal trata desta questão sendo totalmente contrário à lei, que segundo este, estaria totalmente incompatível com a sociedade brasileira desse momento. Chega a tratar o uso dessa prática como algo de costume imemorial.187 Um ponto que este jornal frisava no sentido de atacar a vigência desta lei seria: a série de novos criminosos que surgiram exatamente pelo fato de ter sido aprovada. A reflexão quanto esta questão seria o fato desta da dita lei não se manter cumprida, gerando a corrupção do aparato judicial, com eventuais favorecimentos aos traficantes criminosos, e as ameaças à integridade de alguns juízes que perseguiam os traficantes. Essa lei, na prática era “viciosa” e gerava males maiores como o conflito entre as autoridades e os traficantes. As críticas em outros jornais, inclusive moderados e noticiosos, são semelhantes. Raramente surgem artigos favoráveis à lei, e quando surgem, se preocupam mais com o argumento da desumanidade que representaria a escravidão. Desmoralizão-se os Povos com o pernicioso exemplo de acintemente infringir as leis: Corrompem-se empregados pagos pelas rendas nacionaes para velar e promover a execução das leis: Acumulão-se na cratera do volcão que se hia extinguindo novas matérias que de proposito se excitão para promover a explosão pela qual almejão corações de Satanaz, irreconciliaveis inimigos do Brasil. Isto se sabe, nisto de falla descaradamente: sabe-se em que mocambos se celebrão os criminosos ajuntamentos: seus chefes, seus agentes passeão livre, e, desimpedidamente : ameaça-se oBrasil com males irremediaveis; dão passos mais avante, promove-se a aparição desses males!...E o governo do Brasil? O que faz em tão crítica posição? Que providências tem tomado para evitar o mal iminente? Que faz? Onde existe ele? IGNORA-SE E he criminoso o Anarchista por emittir algumas considerações justificadas pelos factos, justificadas pelo clamor da opinião geral?E se outros são os fautores da anarchia que procura mudar a face do Brasil, por que razão negar o facto, e fugir da confraria anarchica a que se deo tão vigoroso impulso? Contradição, Injustiça.188 O ponto principal dessa reivindicação seria a rede de corrupção e o grande número de criminosos que essa lei gerou. Estes são os males da sociedade, gerados por uma postura incongruente com a forma como a sociedade é organizada. A sociedade brasileira nesse 187 188 O Anarchista Fluminense nº 2 dia 5/03/1835. p.04. O Anarchista Fluminense nº 4 dia 18/03/1835. página 4. 77 momento tinha sua economia organizada no regime escravista, sendo ainda incipiente o debate abolicionista. A proibição do tráfico foi uma lei considerada intrusiva, a aplicação das penas e a condenação dos criminosos geraram uma rede de corrupções e ameaças a juízes, assim como assassinatos de testemunhas de alguns desses crimes, entre outras práticas criminosas que amparavam a primeira. Essa realidade “caótica” foi combatida pelo Anarchista Fluminense. Pregava que o tráfico se tornasse lícito. A Suspensão das Garantias do artigo 179 da constituição do Império do Brasil. O primeiro artigo da 5ª edição do Anarchista Fluminense intitulado: Consorcio Inaudito, é importantíssimo para a compreensão da forma como os Redatores se posicionavam politicamente frente a questões concernentes à liberdade do indivíduo, e aos direitos civis e políticos do cidadão. Neste caso, a questão é a revogação do artigo 179 da constituição do Império do Brasil, tão criticado, pela forma como foi imposta, e considera as conseqüências desta medida para os Fluminenses. Antes de tudo, o que devemos analisar nesta lei (Artigo 179) seria quanto a sua espécie. A lei está inclusa na seção de garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos. Em seu texto o artigo 179 defendia: A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade 189 . Como vimos no Capítulo 1, o problema que queria se combater seria a eventual fomentação de rusgas, uma ameaça que era presente na realidade desse tempo, em que surgiam ações em combate ao Haitianismo. Porém, as clausulas dessa proibição não serviam para os negros e sim para os brancos, estes sim, protegidos pelas garantias dos direitos civis. Além do mais, se estendiam de uma tal maneira que atingia às sociedades secretas, impedidas de se reunir à noite, e principalmente as publicações que proferissem discursos diretamente tendentes a promover insurreição. A suspensão desse tipo de garantias, seria a própria autorização do Estado de intervir de maneira bastante opressora na vida dos indivíduos, gerando também uma repressão que se consubstanciou em conflitos gerados por esse tipo de inspeção feita pelas autoridades, temerosas de não serem eficientes. A crítica feita pelo Anarchista Fluminense se foca principalmente na pena de desterro. 189 “Constituição Política Do Império Do Brasil” in: CAMPANHOLE, Adriano, e CAMPANHOLE, Hilton Lobo (org.) – Constituições do Brasil: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969. São Paulo: Atlas, 1981. (5ª ed.) 78 O Consorcio Inaudito (...) Considerando quão internecedor he para coraçoens brasileiros o quadro lastimozo que offerece a vista de tantos cidadãos Brasileiros arrancados ao gôzo dos fóros da Pátria, tantas familias desoladas, tantas esposas afflictas , tantos filhos sem pais!!E isto por que? Por erros políticos, por ideias extremas que levarão aquelles ao precipicio de attentarem contra a ordem e tranqüilidade pública, contra o governo estabelecido, contra as ordens deste (...)190 Corroborando com as afirmações do artigo Consorcio Inaudito, temos, mais um artigo que demonstra a forma como O Anarchista Fluminense criticava os legisladores e defendia os implicados na perseguição ferrenha, tal qual se operava: Os pretinhos da Bahia projectarão seu S. Bartholomeu; e este exemplo de Anarchia negra não foi tão profícuo como desejavam seus authores. E o Gov. Sup. estrebuchou de raiva; deu ordens, expedio Portarias e Decretos: Quis mostrar que não era governo negro: mas tratava-se da Bahia!! Oh!!... E os pretinhos e coloraus do Rio de Janeiro tentão tambem o seu zongú: a Assembléia Legislativa da P. dirige....(Oh petulância desmedida e indecente de súbditos dezattenciosos! mandar) uma mensagem ao Governo Central !! Embalançar tão descomedidamente com o berço onde dormitavão tão docemente os Excelentíssimos!! Privá-los de arredoçar-se cada um deles ao seu bel prazer; perturbá-los no exercício do gozo do direito adquirido a tão innocente entretenimento, tirar-lhes o tempo sempre escasso e diminuto para dar cevo a ociosidade governativa!! Quem póde perdoar os espantadiços jacus e jacutingas tanta arrogância! E porque motivo!! Pelos sustos e receios que de súbito assaltarão a Assembléia Legislativa Provincial do Rio de Janeiro, de que os coloraos premeditão e planisão também sua rusguinha! Da-se desproposito mais fora de sazão? Tudo Sonhos, tudo visões de marujinhos de primeira viagem. E os fatos da Bahia? Foram meros folguedos: Folias innocentes de pobres homens que não sabem o que fazem... E no entanto Anarchia vai medrando, propagando, alastrando, crescendo, encorpando, e a final anarchisando...Oh delícias da minha alma! Oh Pátria querida! Agora sim he que tua prosperidade não encontrará escolhos. E vós, meus leitores, notando o talento genial com que todas as classes de Governantes e dos Desgovernadores promovem no Brasil o Império da Anarchia, sempre debaixo do decorozo aspecto da legalidade; a vista do esboço históricoanarquico que acabei de fazer-vos, ainda censurareis as minhas interrogações??? As minhas admirações!!! As minhas reticências assíduas ..., ..., ...; o uso e jogo constante com as omnipotentes expressivas interjeições! (...)191 No dia 7 de abril, o jornal O Pão d`Assucar fez um manifesto sobre esta lei, com as mesmas preocupações em demonstrar a indignação com a incongruência entre os objetivos da lei e a realidade vivida: Forão suspensas as garantias pela assembleia Provincial do Rio de Janeiro em virtude da existência do Haitianismo que, segundo a mensagem da mesma 190 191 O Anarchista Fluminense, 31/03/1835. p.01. O Anarchista Fluminense nº 6. p.01,02 e 03.04/04/1835. 79 assembléia consta a todos (Menos a nós) que as doutrinas haitianas são aqui apregoadas com impunidade; que há na Corte Sociedades Secretas neste sentido; e que tem cofres para os quaes contribui grande numero de sócios de cor, livres e cativos; e que os membros dessas sociedades nacionaes e estrangeiros são indigitados pela voz pública etc. (...) Consta a todos e ninguém, apesar perigo, se apresenta mostrando de que modo lhe tem constado que existem tais sociedades que possuem cofres &c. (...) Tantas medidas de cautela tomadas como que ao toque de sino; suspenções de garantias,etc. dão a perceber muito receio! Não julgamos isto bom: Quizeramos medidas de prevenção: Quizeramos vigilancia à respeito; mas não com tanta bulha. Protestamos a devida submissão à assembléia provincial, porém não podemos esquivar-nos a esta censura que a lei permite. A susensão das garantias só pode ter lugar em ocasião de risco iminente: ora, não existindo um só facto que o comprove, cremos não apropriada a suspensão das garantias públicas; porquanto: não podendo militar esta medida em questão com os escravos, por isso que eles não fruitivam os gozos de cidadãos brasileiros, segue-se que semelhante medida só pode ser tomada para com os mesmos cidadãos brasileiros, a respeito dos quaes nenhum facto de haitianismo depõe contra eles (...) Se existem fatos so podem ser aqueles dos africanos na província da bahia: e para africanos não releva a suspensão das garantias. Eis o que nos parece, salvo o melhor juízo(...) (...) Haitianos são unicamente esses moderados que tem apregoado a licença em vez da liberdade, a discórdia em lugar de patriotismo, e um sistema efêmero em vez de uma Monarquia representativa sólida e duradoura que faça a felicidade dos povos. Estes são os verdadeiros haitianos que indiretamente conduzem as coisas ao termo do haitianismo. É já tempo de parar no vórtice obstinado das perseguições. Moderação insensata! Voltai a vossa razão. Dizei-nos, moderados, pretendeis debelar o haitianismo,e buscais dilacerar os da vossa cor? É isto compatível com os meios de defesa para uma tal crise? Homens inconseqüentes e cruéis, cessa um dia de mortificar a desgraçada pátria(...) Vê-se que vós não escapareis a vossa catástrofe: Tremei por vós mesmos!192 *** Uma das principais preocupações do Anarchista Fluminense seria a de denunciar os abusos dos governantes, que utilizavam se de seus poderes de maneira indevida, para se beneficiar. Aqui apresentaremos dois casos, que tem em comum o fato de serem partilhados apenas pelos locais de Niterói. O Anarchista Fluminense pugnava pelas causas políticas locais, algo raro de ser visto nesse período, em que os jornais denunciavam abusos do governo Supremo ou Provincial, sem adentrar em questões locais. O Caso da Lagoa de Itaipu: Quando o Anarchista Fluminense defende a lei para censurar os abusos do Governo. 192 O Pão d`Assucar, nº 27. 07/04/1835. p.01. 80 O Anarchista Fluminense que se apresentava como um destruidor das leis, da ordem e da moral, assumiu a função de cobrar que leis fossem cumpridas, e a moral exaltada. Porém, mantém a sua crítica quanto à ordem, vista como auxiliadora da corrupção, e, causadora de grandes males. O caso que apresentaremos a seguir se refere ao dono das terras próximas a lagoa de Itaipu, que não escoando as águas da lagoa, causava prejuízos a seus vizinhos. Anarchia Aquatica Muitos forão os dias em que successivamente chovêo; e bem que immensa fosse a sede dos agricultores, parece que alguns se darião por mais felizes, se menos dóze d´água houvesse cahido em torno delles. Nas estradas da vizinhança da Capital da Provincia, e em outros lugares garbozamente se ostentou a poderosa ação desta aquatica Anarchia, á ponto de ser arriscado passar por aquellas, encomodo e perigozo o residir nestes: e tantos males que pezam sobre este malfadado Município, ressurgem cada vez mais numerosos, e agravados, e por tal modo que a interminada, ferrenha e reiterada permanência das Sessoens da câmara M. . a actividade com que seus assiduos Vereadores a elas concorrem sempre ocupados em mui relevantes e ponderozas discussoens sobre materia de tamanha transcendencia, faz um bizarro contraste com o nada que vemos feito em benefício do Municipio, com o descaramento com que se infringem as Posturas, e o ár de súcia e convivencia com que os mesmos Juizes de Paz, em menosprezo das leis vigentes até por editais com mui criminosa petulância aconselham aos povos as infracções destas posturas que pelas Leis são obrigados a guardar e fazer guardar. Os povos gemem, suportam toda casta de vexames, muitos dos quaes seriam logo destruidos pela paternal vigilância das authoridades Municipais, se estas menos desleixadas, omissas, ou coniventes curassem mais de seus deveres do que de seus interesses, patronato e nepotismo.Mas esta anarchia que notamos no zôro de disparates com que os funccionários públicos prehenchem as attribuições de seus empregos, he tão paternal, tão prenhe de futuros acontecimentos ainda mais disparatados, que lagrimas de prazer nos caem pelas faces, ao considerarmos o progresso que fazem na anarchia ainda mesmo aqueles que só pelo título censuram acremente nosso pequenito Anarchista. Nada ha neste mundo de meo Deos tão capaz de arrebatar um coração anarchiseiro como ver um homem só porque possui algum terreno a margem da lagôa de Itaipu, chamar-se senhor e possuidor da lagôa toda; prohibir que nella se pesquem os seus Ceris, (estes não são escrivaens) conservar obstruída a abertura por onde se deve fazer o esgoto das mui copiozas aguas que se acumulam naquela baixura do terreno: e dest`arte por effeito de uma louvável anarchia alagar sobremaneira, por interesse particular as propriedades dos vizinhos que habitam em derredor da mesma alagoa; destruindo-lhes suas plantações, seos pastos e arvoredos; privando os gados de se alimentarem; promovendo com taes enxarcamentos a peste assoladora das ruinozas intermitentes: e só depois que elle houver ganhado muito á custa do muito mais que seus vizinhos tiverem perdido, então excitada a malvada filantropia, mandará rasgar o comoro das arcas, e dar esgoto às águas superabundantes. Ora, porque maldita contradicção este homem proprietário tendo encetado tão bem o exercicio da anarchia, de repente se tornará mamado, metendo-se lhe em cabeça dezafogar seus vizinhos, que ele podia eternamente assim ter sempre flagellados, innundando a estrada, privando por oito ou mais dias a passagem no lugar do rio de João Mendes! Maldita Inconseqüência! Maldita boa ordem que tudo sabes enredar! Homem do diabo! Por ventura receias tu que algum fiscal, Inspetor de Quarteirão, ou Juiz de Paz, te tome contas da garboza anarchia com que abuzas de tudo, com que tens até agora tudo atropelado, perseguido e flagellado á tantos? Não tiveste tu mesmo arte para fazer condenar nas custas um fiscal que promovêo a 81 execução das posturas à cerca do dessecamento dos pântanos? Donde herdaste no último quartel de vida tanta pusilanimidade? Não tens na Camara quem por idênticos interesses há- de apoiar o teo anarchico direito de flagellar á seos visinhos promovendo contra elles tudo quanto ha de pior? Indigno de Honra de permanecer à mui sublime sociedade dos Anarchistas, vai te, que lá te espera a dos grandes Papais avós. 193 Nesse artigo, a defesa do cumprimento da postura municipal, é feito primeiramente por ser uma postura moralmente correta. A postura mencionada no artigo, era assegurada por um pequeno código local intitulado: “Posturas Policiais da Villa da Praia Grande”, que, como já mencionamos no capítulo 1, foi o código de leis locais que serviam para regrar conflitos corriqueiros do convívio entre cidadãos do município. Em seu artigo 11º: Artigo XI Todo proprietário ou foreiro que tiver dentro das suas larguezas águas estagnadas, será obrigado a esgotá-las no prazo de seis meses contados do dia em que obrigarem as presentes posturas, podendo o executor destas, prorrogar o tempo, conforme a extensão do pântano.194 Porém, além de criticar a imoralidade do dono das terras em que ficava localizada a lagoa, que danificava seus vizinhos, criticava a imoralidade pela qual tal impostura estava sendo velada pelas autoridades. O causador desse flagelo tem ao seu lado a conivência das autoridades que não cobram que este cumpra a devida postura, por ser ligado a um deputado, que o protegia, coibindo a polícia de obrigá-lo a realizar a devida postura do dessecamento dos pântanos. A Imoralidade nesse caso, estava na conivência do governo que sustentou a impostura, mesmo sendo tão escandalosa aos habitantes de Niterói. Mais uma anarquia, censurada pelo Anarquista. O não cumprimento foi o primeiro motivo do artigo. Porém, as críticas a forma como essa impostura foi sustentada, é o principal ponto abordado. Esse tipo de corrupção, é parte das críticas que O Anarchista Fluminense trouxe á tona. De fato, defende a lei, e acusa os que não a cumprem, denunciando os que sustentam essa impostura imoral: o próprio Governo. O principal ponto da crítica nesse artigo seria o fato da impunidade do proprietário ser conseqüência da relação que este tem com um governante, que por amizade a esse dono, não permite que as autoridades intervenham, reprimindo seu ato criminoso. A impunidade desse 193 194 O Anarchista Fluminense nº 5. 31/03/1835. p. 02 e 03. Posturas Policiais da Câmara Municipal da Villa da Praia Grande, Praia Grande: Tipografia de Rodrigues & Cia,1833. 82 indivíduo era mantida pelos próprios agentes do governo que faziam “vista grossa”, por interesses particulares. A condenação do ato é corroborada pelas posturas policiais da cidade de Niterói, e pela imoralidade reconhecida publicamente como um ato autoritário do proprietário que impede o desenvolvimento de seus vizinhos, por conta de seu egoísmo, por conta de sua falta de preocupação com os demais moradores da região, tão afetada pela omissão do proprietário de cuidar devidamente de sua propriedade, que em verdade, afetava os proprietários vizinhos. Neste caso, o Anarchista Fluminense, denuncia, acima de tudo, a postura imoral e desumana, tendo por respaldo, a lei local. Defende a lei, neste caso em que seu desrespeito trazia uma condição imoral. A Impunidade escandalosa se mantinha por causa da relação de amizade deste proprietário com as autoridades competentes que, faziam “vista grossa” à impostura do dono da lagoa. O Abuso é censurado e o infrator é exposto a sociedade, condenado publicamente pelo Anarchista Fluminense. Censurando o governo: má utilização do dinheiro público, patronato e nepotismo: Em um artigo da segunda edição intitulado A Taberna, vemos um dos exemplos de uma figura que para os redatores seria execrável, e que personifica, por suas características, uma figura odiável àquele que se propõe como anarquista: O Funcionário público despreparado, contratado por nomeação. Neste momento, não havia sido institucionalizado o sistema de mérito, e as nomeações e promoções eram muitas vezes feitas à base do apadrinhamento ou, como se dizia na época, do empenho e do patronato, e não da competência técnica195. Comumente, o funcionalismo público tinha suas vagas preenchidas pelos parentes e por demais pessoa indicadas pelos que possuíam os cargos mais altos. E, no caso deste artigo, os redatores do Anarchista Fluminense destacaramm o Nepotismo no momento de suas contratações, e falta de serviço de determinados empregados. Aqui motivos principais da diatribe são os altos ordenados, a pouca utilidade que teriam, e a forma como o nepotismo atuaria nessas nomeações. Eis o Trecho: A creação de desnecessarios empregos públicos a que se marcão avultados ordenados, he contra todos os principios da economia política, e quaze nunca se faz 195 CARVALHO, José Murilo de, A construção da Ordem: Elite política Imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Capítulo 6: Burocracia: Vocação de todos. 83 algum fim que não seja o de acommodar algum afilhado, ao qual, muitas vezes o emprego está já conferido, antes de ter sido creado; pondo-se assim, debaixo da protecção dos cofres nacionaes, algum menino bonito, umas vezes porque canta bem, outras porque dança, e, geralmente, porque obteve carta de empenho de PAPAI. Logo após, mais uma das considerações irônicas, em tom de chacota, descreve uma dessas figuras “improvisadas”, que seria o novo administrador dos correios em Niterói, “menino plebeu taberneiro, grosseiramente polido”. O despreparo foi comentado juntamente com as particularidades dos hábitos detestáveis do dito administrador do correio possuía. Algo muito divertido e engraçado de ser lido, com certeza foi motivo de vergonha para este homem, em um círculo social consideravelmente pequeno. Desta, podemos perceber uma tentativa “justiceira” de ao menos dar esta resposta ao incomodo que aquela figura detestável por seu despreparo e pela forma como este se tornou um funcionário público. Em um microcosmo, o Anarquista, que é um reivindicador da moralidade, tenta deixar em situação muito vexatória o funcionário dos correios. No caso da Vila da Praia Grande, cidade que neste momento tinha cerca de 30 000 habitantes (destes 2/3 escravos) 196, e, com certeza, a divulgação deste artigo, na sua comunidade, gerou algo além de muita diversão. Os concidadãos, os leitores do jornal, associavam diretamente ao dito rapaz, insultos que aparentemente não eram inventados. Era uma exposição da imagem deste indivíduo. Sua honra é colocada em jogo, frente a todos da cidade. Um artigo como este certamente foi escrito, com seus fatos corroborados pelo conhecimento do público, que, de certo, compartilharia da mesma opinião, dando sentido ao conteúdo cômico que se atribuiu aos comentários. Este artigo também representa uma das maiores insatisfações dos redatores do Anarchista Fluminense: Os novos empregos públicos, frutos da criação da Província do Rio de Janeiro. Então, o Anarchista Fluminense publica o seu clamor público para que as autoridades parem de agir desta forma, tirando proveitos das suas condições de autoridades: Já he tempo, meus patricios, de deixarmos de dar importância á pequenas bagatelas. A nossa civilização progrede á passos gigantescos á colocarmos á par das naçoens mais cultas: os homens que tudo censurão, e que em tudo acham necessidade de reformas, (os taes amigos) são pela maior parte, dominados pelos interesses particulares, taes como aquelles que pouco se importam com as despezas da Provincia augmentem em cem, ou duzentos contos de réis, contanto que possam lucrar para si, ou para algum amigo, um ou mais empregos, furor que domina hoje 196 FORTE, José Mattoso Maia, Notas para a História de Niterói. Niterói: INDC Prefeitura Municipal de Niterói. 1935. (2ª ed.) 84 muitos homens de gravata lavada, tão cheios de ambição e egoísmo, quanto tem de ignorancia e falta de probidade. (...) Nada de ordem; confunda-se tudo, tudo se desordene o mais possível! (...) Este tipo de postura do funcionalismo público seria totalmente censurável segundo o jornal, é matéria suficiente para reivindicar a desordem. A ordem corrupta é o impulso à instauração da desordem. É a mesma idéia sustentada no primeiro número: Se esta ordem instaurada não proporciona benefícios, para ter estes, apenas na desordem a pátria florescerá. A Revolta no Pará: Um direito de resistência Atacando a falta de legitimidade do Governo Supremo em atitudes despóticas nas províncias, O Anarchista Fluminense, em sua sexta edição, faz um Histórico Anárquico, para demonstrar sua indignação com os atos considerados despóticos, do governo nessas províncias. No caso das questões ocorridas no Pará durante a “Cabanagem” deprecia as nulidades que seriam os atos forçados da tentativa de se impor um governo não legitimado, escolhido incompativelmente com os anseios dos paraenses: (...) No Pará, o Presidente mandado pelo Gov. Sup. Anarchisou soffrivelmente, e com elle, co-anarquisarão o commandante das armas e o da Estação Naval: entorna-se um tonel de Vinagre sobre todos. Toca-se o máximo da Anarchia. Assassina-se o Presidente e mais Autoridades. A anarquia popular empoleira um Vinagrista: e este manda proceder uma vasta Anarchia judicial, processando tudo á torto e á direito: mas não permite que a cidade seja abandonada ao saque. E o bom homem principia a beber vinagre e talvez agora já não exista: e terríveis scenas se terão desenvolvido, e por meio delas, prosperando a Anarchia popular, coadjuvada pelos anarchisadores actos dos governantes. E que faz o Governo Central? Desencova notáveis nulidades militares para mandá-las plenamente authorizadas, fazer tudo que um bom Portuguez poderá praticar de profícuo contra brasileiros!! Oh que dor!! Oh! Que pena !! que imprevidência!!... quase depois de 7 de abril; tão tarde; já tão fora de tempo; mandar tão notáveis nullidades, gratas e agradecidas para irem ao Pará... Fazer o quê? Restabelecer a boa ordem! de quê? das elleições? E a favor de quem? De notáveis nullidades ainda maiores? Oh dor! Oh pena! Que imprevidência!! (...) O que podemos perceber é que há uma justificação para os fatos ocorridos no Pará. A revolta popular foi justificada pelo Anarchista Fluminense já que as autoridades eram “nulidades”, inúteis e ilegítimas. A justa insurreição foi defendida nesse artigo. A Eleição para Regente 85 A real falta de sugestões acerca da legitimidade dos governantes, se consubstanciou no Apartidarismo quando o jornal escreveu sobre as eleições para Regente. Restando apenas três dias para se realizar a eleição para Regente uno, o Anarchista Fluminense se manifesta, posicionando-se frente às opções de candidatos do pleito. Um aspecto importante não pode ficar de fora quando lê-se os artigos do Jornal seria: a forma como este estava despreocupado com seguir uma política mais ortodoxa e ligada aos “partidos” políticos e às sociedades políticas de seu tempo. Um bom exemplo, seria o artigo em que comenta a eleição para regente. O artigo seguinte se chama: A grande cartada! Sete é ponto! Neste artigo, que tem por objetivo comentar as eleições para Regente, que esta por vir, é muito importante para o esclarecimento de que O Anarchista Fluminense, em verdade, não é partidário de nenhum dos três “partidos” do período Regencial. Definitivamente se assume contra Caramurus, Exaltados e Moderados, e seus respectivos candidatos. Eis o trecho: Rápido vem correndo para nós, cheio de Carantonhas e arreganhado o dia 7 de Abril de 1835, empunhando um tremendo baralho de cartas destramente embaralhadas, juvioso convidando os patáos ao jogo, e a individarem seus desejos, pretensões, e projetos de empolgar a GRANDE PASTA! (...) E não Farão muito maior injustiça os Srs. Moderados, Marrecos, Mamados, Rusguentos, Caramurus, ex-Retrógados, a imensidade dos sectários de todas essas tribos políticas se votando em um “Pateta”, um “Careta” um “Padrescas” tencioneiro, deixarem no abandono o meu INCLITO, o gadelhudo confrade, cujo útero cerebral concebeu a inconcebível concepção das centenas e das vintenas das grandes famílias, cujo Adão Moderno será o supremo grande Papai-Avô, representando ele de Caim e o Brasil de Abel? (...)197 (...) (...) o Anarchista sente-se em paz com a sua consciência por não ter sido omisso no emprego de seus meios para empoleirar o seu coryphêo certo de que não terá o Anarchista de que se arrepender como há de acontecer com os que granizão, brigão, seduzem aos eleitores para votar em pessoas, que nenhum paralelo correm com o nosso INCLITO. Demonstra-se neutro frente aos candidatos. Anula-se frente às opções. Apenas tem o anseio de depreciar a todos os candidatos, sem sugerir nem acreditar em um candidato que pudesse se destacar dos demais, todos são péssimos e na eleição do Regente. Não se preocupa em considerar um deles melhor ou pior, simplesmente se mantém imparcialmente contra todos, indicando para eleição o seu maior inimigo, o Padre Marcelino. De fato, o Padre Marcelino, que aparece como motivo de piada e como espelho do ódio que o Anarchista Fluminense tem pelas eleições que ocorreriam em breve, foi votado. Chegou a receber votos para Regente na província do Espírito Santo (Sua província Natal) 197 O Anarchista Fluminense, nº 6. 04/04/1835 p.03. 86 como vemos na apuração publicada no Mensageiro da Praia Grande do dia 28 de Abril de 1835: No Colégio da Cidade de Vitória: D. A. Feijó: 26; Hollanda Cavalcanti:24; Senador Santos Pinto: 16; P d`Araújo Lima: 15 Padre Marcelino Pinto Ribeiro Duarte:13; M de C P. Andrade: 1. 198 A Ordem do “eu princípio”. Assim como Apartidário, o Jornal (que muitas vezes se apresenta na primeira pessoa) se reconhece como um verdadeiro individualista, desprovido da necessidade de se associar para fazer sua política. Agir conforme seus princípios é o que propõe. Se situa na ordem, admitindo que tem preceitos únicos. Vós fallareis quando e onde quizerdes: eu, como dono da caza onde estou escrevendo, e da tinta de papel em que rabisco, sem mais tira-te, nem guarda-te, e mesmo sem pedir palavra, nem licença, vou desde já sahindo á campo: e bem vêdes que perdido será todo o tempo gasto em chamar-me a ordem; porque vos digo mui afincadamente que estou dentro da ordem e bem na ordem... oh! Maldita que seja a tal ordem, que por toda parte me persegue tyranicamente!!... Estou fóra da ordem, dizeis vós? Ergo estou na desordem? Estou pois no meu Elemento: Eu principio199 Sem dúvidas esta consideração final é essencial para a compreensão do aspecto individualista que sustenta suas idéias. O fato de não conseguir se enquadrar nas vertentes políticas de sua época e agir de maneira independente das opiniões ou das diretrizes de qualquer vertente política, cria a sua própria forma de agir. Uma das conclusões essenciais do discurso do Anarchista Fluminense, seria, a percepção neste autor (ou nestes) de uma porção enorme de individualismo, expresso de maneira significativa na forma como se enxergava único, e, pregando o agir de acordo com a sua vontade, com a sua opinião. *** 198 199 O Mensageiro Da Praia Grande, 28/04/1835. p.03. O Anarchista Fluminense nº 7, 30/04/1835. p.05. 87 4.3 A anarquia no discurso do Anarchista Fluminense. Tendo aqui já traçado o quadro de Angústias que moveram o Anarchista Fluminense. Vamos apresentar quais os significados dados ao termo anarquia pelo Anarchista Fluminense. A palavra anarquia vai ser o grande catalisador do ódio que os redatores do jornal sentem frente à realidade da administração do governo brasileiro. Quando o jornal pregava a destruição, propõe então, o inverso da ordem, a desordem, a destruição total. Destruição esta, que surge como a própria solução, uma vez que a situação vigente era demasiadamente incompetente e corrupta. A destruição é negativa, porém destruir algo ruim torna a destruição positiva. Podemos perceber que o Redator do Anarchista Fluminense se utilizou da definição do Nova Luz Brasileira, e certamente, este, utilizava o significado de Tirania, para expressar a sua insatisfação com uma série de posturas dos governantes assim como a insatisfação perante leis que por ele eram vistas como “imorais” e “tirânicas”. Dessa afirmativa temos constantemente no periódico a crítica a legisladores, e representantes da lei como Anarquistas. Esta atitude, de certo modo, não se difere do que já aparecia em outros periódicos, que se utilizam do mesmo artifício. Porém, o termo: Anarquista, no decorrer da leitura do periódico, apresenta-se como um termo dúbio, utilizado de maneira antagônica, e que pode significar os dois extremos: o Bem, e o Mal, ambos personificados nesta mesma palavra. Se for para não cumprir uma lei, interpretada pelo autor, como injusta, ser anarquista seria um dever. A negação da existência do governo seria professada pelos autores do jornal, por conta dos males que este proporciona a sociedade, prevaricando em sua função, e agindo de maneira imoral (nos princípios básicos do contrato com o povo), além de ser demasiadamente repressivo e intrusivo. Percebemos então, que este jornal trazia ao termo anarquia, um significante apropriado por um outro termo do dicionário do Nova Luz Brasileira, que foi publicado inclusive, na mesma data em que a definição de anarquia. O termo seria: Licença. Como já vimos, este termo se referia às desordens que o povo comete quando as autoridades prevaricam. Uma reivindicação justificada, uma anarquia positivada, um direito de resistência. A liberdade excessiva do povo, aqui é justificada, da mesma maneira que paralelamente ocorria, tal qual vimos no capítulo 3, com a palavra insurreição. Cabe aqui 88 lembrar que no Vocabulário Portuguez Latino do Padre Raphael Bluteau, este toma por sinônimos os termos Anarchia e Licentia, e, como já vimos, trazia uma idéia menos ligada à destruição e relacionada com a permissão para o bem, a falta de moderação e a liberdade de crítica. Outro ponto que esse jornal frisava seria a liberdade de agir de acordo com a vontade de cada indivíduo, corroborando com o significado encontrado em léxicos do século XVIII. A Diferenciação feita pelo Anarchista Fluminense estaria nesse sentido. A Anarquia passou a assumir essa denotação seria que este: “Conquanto se regozije com a perturbação geral, censura os injustos200” O Anarchista fluminense se propõe a destruição da ordem injusta, da ordem que prevarica, que age injustamente. O grande diferencial que percebemos nos significados que os autores do Anarchista Fluminense dão à palavra frente a outros periodistas, seria a utilização do termo, para designar algo positivo, algo que nada tem com os significados desordeiros que comummente se usava, porque é a desordem justificada. O Termo negativo, combatendo os fatos negativos, conferem ao primeiro a denotação positiva. Outra grande importância que devemos frisar, é que neste periódico o termo anarquia é invocado em nome de um “chamamento partidário”, tal qual se o termo Anarquista fosse o nome de uma “sociedade”. Traz a tona uma possibilidade para o termo, desta vez, revestido de um ideal, uma opinião. O Anarchista Fluminense chama os seus leitores a participarem de uma oposição ao governo, através do direito de resistência que este tem, e devem exercê-lo. Aqui, talvez seja importante frisar que há um apontamento para essa esfera de significância do termo, registrada pelos dicionários franceses que incluíam a possibilidade da anarquia ser tomada como um ideal, uma máxima. Em resumo, um partidário da Anarquia para O Anarchista Fluminense seria aquele que censura os injustos.201 *** 200 201 O Anarchista Fluminense nº 7. 30/04/1835. O Anarchista Fluminense nº 7 .30/04/1835. p.06. 89 4.4 O Anarquismo Nesse momento, será feita uma comparação com os significados dados por dicionários políticos e filosóficos ao conceito de Anarquia, e eventualmente de Anarquista, ou Anarquismo, que podem demonstrar, além de uma conceituação “geral”, um perfil histórico destes conceitos. Estes dicionários se destinam a traçar os limites da definição de Anarquismo, assim como mostrar um pouco das obras literárias produzidas, que se dedicaram ao tema. Estas literaturas têm muito a colaborar para elucidar quais os valores que se consolidaram dentro do ideal Anarquista e os escritos que colaboraram para o pensar da filosofia do Anarquismo. A outra importância do recurso dos dicionários políticos e filosóficos é que estes tratam do tema de modo a teorizá-lo e “esmiuçá-lo” de forma a separar as diversas idéias que este conceito pode carregar. Assim, podemos fazer uma comparação destas referências, com as idéias que o discurso do Anarchista Fluminense se propôs a sustentar. O objetivo de traçarmos estes limites da conceituação de Anarquismo seria: comparar o discurso do jornal, as idéias defendidas, e os pontos cruciais de seu agir político, com os preceitos do Anarquismo, tal qual é enxergado hoje em dia pela Filosofia e a Ciência Política, com o intuito de verificar até que ponto estes dois conceitos apresentam congruências. Faremos um levantamento Geral dessas principais premissas da doutrina anarquista para tentar comparar com as idéias expressadas nos textos do Jornal. Tendo em vista elaborar um histórico do Anarquismo, tentativas foram feitas pelos estudiosos do Anarquismo, para traçar as origens deste seu ponto de vista, nas sociedades primitivas, que não possuíam governo. Há também uma tendência de se detectar os pioneiros anarquistas entre uma enorme variedade de professores e escritores, que por várias razões, religiosas ou filosóficas, criticaram a instituição do governo, que rejeitaram a atividade política, ou, que deram um grande valor a liberdade individual. Nesse sentido, há uma grande variedade de “ancestrais” encontrados assim como: LaoTsé, Zenão de Eléia, Spartacus, Etienne de la boétié, Thomas Münzer, Rabelais, Fénelon, Diderot, e Swift. As inclinações anarquistas também foram detectadas em muitos grupos religiosos desejando uma ordem “comunalistica” assim como à essências dos cristianismo 90 primitivo dos apóstolos, os anabatistas e os doukhobors.202 Contudo, assim como é verdade que algumas das idéias centrais libertárias são encontradas em diversos graus nesses homens e movimentos, as primeiras formas do Anarquismo, enquanto uma filosofia social desenvolvida, surgem no começo da era moderna, quando a ordem medieval se desintegrava, e as rudimentares formas da política moderna e organização econômica começaram a surgir. Em outras palavras: A emergência do estado moderno e do capitalismo é paralela à emergência da filosofia que em várias formas, têm se oposto a eles mais fundamentalmente.203 Historicamente, a palavra anarquista que deriva do grego “an” “archos”, significando: sem governo, surge inicialmente usada de maneira pejorativa significando aquele que nega todas as leis e deseja promover o caos. Foi utilizada neste sentido contra os “levelers” na Guerra Civil Inglesa e durante a Revolução Francesa pela maioria dos partidos, na crítica daqueles que se mantinham à esquerda deles no espectro político. A primeira utilização da palavra com uma descrição aprovatória de uma filosofia positiva, parece ter sido por Pierre Joseph Proudhon, em seu O que é a propriedade? Publicado em Paris ao ano de 1840. Ele se descrevia como anarquista, por acreditar que a organização política baseada na autoridade, devia ser substituída pela organização social e econômica baseada num acordo contratual voluntário204. Segundo Gian Mario Bravo, é com a Revolução Francesa e com o desenvolvimento industrial, nasce e se afirma um tipo de Anarquismo a que pode ser dado o nome de “moderno” e que permanece ainda no debate político de nossa época. Tomando por base essa premissa de que há uma nova conceituação do Anarquismo, este autor ressalta que: o primeiro índice dessa mudança é a consagração do termo “Anarquia” em sentido positivo. Outro aspecto crucial dessa virada histórica seria a tomada do termo positivado acompanhado de uma negação absoluta do presente social, apontando para uma ruptura revolucionária, (A negação pura seria talvez, o único componente a ser colocado em evidência) A partir dessas duas premissas essenciais, da negação positiva, é que então: a anarquia recebe novas formas de elaboração teórica e de aplicação prática, que vão se reelaborando ao longo do século XIX205. Todavia, os dois usos da palavra sobreviveram juntos e causa uma confusão na discussão do que seria o Anarquismo, que para alguns, parece uma doutrina de destruição e 202 WOODCOCK , Georges, Autor do Verbete: Anarchism in: Edwards, Paul, The Encyclopedia of philosophy. New York: MacMillan Reference, 1996. V. 1. 203 WOODCOCK , Georges, Autor do Verbete Anarchism in: op.cit 204 PROUDHON, Pierre Joseph, A propriedade é um roubo. Porto Alegre: LP&M, 1998. 205 BRAVO, Gian Mario, Autor do verbete: Anarquismo. In: BOBBIO, MATEUCI PASQUINO, Dicionário de Política. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004. (4ª ed.) 91 para outros, uma benevolente doutrina baseada na fé inata da bondade humana. Há também uma confusão posterior entre o que seria Anarquismo, Nihilismo, e Terrorismo. De fato, o Anarquismo, que é baseado na lei natural e na justiça, se mantém no pólo oposto ao Nihilismo que nega todas as leis morais206. Similarmente, não há uma conexão necessária entre o Anarquismo, que é uma filosofia social, e o Terrorismo, que é um meio político ocasionalmente utilizado por anarquistas individualistas, mas por ativistas pertencentes a grande variedade de movimentos que nada tem em comum com o Anarquismo.207 A filosofia Anarquista tomou muitas formas, nenhuma a qual pode ser definida como uma ortodoxia. E em seus expoentes, deliberadamente cultiva a idéia de que é uma doutrina aberta e mutável. De qualquer maneira, todas as suas variantes combinam uma crítica a existência de sociedades governamentais, uma visão de uma futura sociedade libertária, que deve repor as governamentais.208 Na Enciclopédia internacional das Ciências Sociais no verbete Anarquismo. encontramos que o Anarquismo é uma soma de suas muitas partes. Aqueles que se rebelam contra a autoridade pode ser atraído por uma das partes do Anarquismo. Ele destaca um outro aspecto, que sem dúvidas é o que mais se aproxima com os objetivos de análise desta pesquisa: o fato da Anarquia, ser uma atitude espontânea da mente, muito mais que uma teoria rigorosa, acaba apresentando que há uma diversidade nas formas como ela é entendida e expressada.209 Um outro dicionário, “Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia” também admite as variedades enormes que podem assumir esta idéia com a seguinte colocação: Doutrina Política (comportando variedades notáveis) e cujo ponto comum consiste em rejeitar toda organização do Estado que se imponha acima do indivíduo210. No “Dicionário de Política” de Bobbio, Mateucci e Pasquino, quando faz primeiramente uma “Definição geral” do Anarquismo, caracteriza como: libertação de todo poder superior, de ordem ideológica, política, econômica, social, e jurídica a estes motivos se junta o impulso geral para a liberdade. Daí provém o rótulo de libertarismo. Neste texto há o destaque de uma premissa essencial para o trabalho: “liberdade de agir sem ser oprimido por qualquer tipo de autoridade, admitindo unicamente os obstáculos da natureza de opinião, do senso comum”. 206 207 Ver Verbetes: Nihilismo Terrorismoin:BOBBIO, NICOLA, PASQUINO, op. cit. Idem. 208 WOODCOCK., Georges. Autor do Verbete: Anarchism in: EDWARDS, Paul, op. cit. 209 HACKER, Andrew, autor do Verbete: Anarchism in: STILLS, David (org.), International Encyclopedia of the Social Sciences. New York: Macmillan Company & The free Press. 1982. 210 LALANDE, André, Vocabulário técnco e crítico de Filosofia. São Paulo: Martins fontes,1999. 92 No campo doutrinal, A primeira obra publicada nesse sentido, foi o livro de William Godwin, o Enquiry Concerning political justice. Esta obra foi baseada na idéia principal de que: as leis humanas são falíveis, e os homens deveriam usar seus entendimentos para determinar o que é justo, e deveriam agir de acordo com sua própria razão, ao invés de em obediência a autoridade das “instituições positivas” que sempre formam barreiras ao progresso iluminado. Godwin rejeitava todas as instituições estabelecidas e todas as relações sociais que sugeriam desigualdade ou o poder de um homem sobre outro. Neste estudo, Godwin propõe a organização social em pequenos grupos de homens procurando a verdade e a justiça; em uma sociedade de indivíduos livres, organizados localmente em paróquias (freguesias), e ligados de maneira frouxa em uma sociedade sem fronteiras, e com o mínimo de organizações. Em seu trabalho, há ênfase nas condições dos artesãos e os camponeses.211 A Completude da lógica do Political Justice, é sua surpreendente antecipação dos posteriores argumentos libertários, faz dela, assim como o Sir Alexander Gray disse : “o resumo e a essência do Anarquismo”. Corroborando com isso, temos, na seqüência, uma “Evolução Histórica do Anarquismo” aonde insere-se a obra de William Godwin “Enquiry concerning political justice” o momento de um verdadeiro desenvolvimento Anárquico. A recusa de autoridades governantes e da lei, são inseridos numa dinâmica dominada pela razão e por um justo equilíbrio sobre necessidade e vontade. Neste verbete, entre os “objetivos, meios e táticas” do Anarquismo, temos uma das explicações mais satisfatórias a nossa análise: O Anarquismo condena a lei, ou seja, toda a forma de legislação que, na prática, seja a expressão de repressão por parte da máquina do Estado.212 Termina sua definição geral com a frase também utilizada por outros dicionários, atribuída a Sebastien Faure na Encyclopedie Anarchiste: “A Doutrina anárquica se resume a apenas uma palavra: liberdade”. Godwin questionou a Justiça e as leis criadas pelo homem. A primeira (diz ele) baseada em verdades éticas imutáveis; a segunda, nas decisões falíveis de instituições políticas. É preciso que o homem chegue ao que é certo através de sua própria compreensão e, aqui serão as evidências e não a autoridade que deverão guiá-lo.213 Ao fazer sua análise, cita Godwin com sua frase: Com que júbilo deve cada amigo bem informado da humanidade esperar pela dissolução do governo político! Essa máquina Brutal, a única e eterna causa de todos os erros da humanidade, tem males de vários tipos 211 WOODCOCK, Georges, Historiadas idéias e movimentos anarquistas. V.1: A idéia. Porto Alegre: LP&M, 2007. 212 BRAVO, Gian Mario, Verbete: Anarquismo in: op. cit. 213 Woodcock, Georges, op. cit. 93 incorporados à sua substância, os quais não poderão ser removidos senão com a sua total destruição214. *** CONCLUSÃO 214 GODWIN, William, Enquiry concerning political justice”, 1793, citado em WOODCOCK, Georges, Autor do verbete: Anarchism in: op.cit. 94 O Anarchista Fluminense foi um periódico contrário aos ideais dos moderados e da política do “justo meio”. Este, considerava os meios pelos quais os liberais moderados conduziam sua política, injustos. O ano de 1835, sendo um ano em que a repressão do governo se fez mais presente, foi também um ano que deu margem às críticas mais ferozes dos insatisfeitos com o governo, ainda que não o fizessem em nome de um ideal político específico. O Ambiente do Anarchista Fluminense foi propício, pois, no Brasil, o ano de 1835 foi um ano tenso, no qual o Império Governado pela Regência, passava por momentos de incertezas, assim como as províncias, muitas delas, se encontravam em guerra contra o governo central. Um dado importante para compreendermos o jornal consiste nos artifícios de linguagem utilizados pelos redatores, como a ironia, a violência verbal e de recursos de autoridade para atingir seus fins políticos. Desta maneira, sua retórica surgiu com a forma comum às outras que, nesse período, passam a compor os jornais e demais panfletos políticos215. Porém, há uma unicidade no seu discurso auto-intitulado Anarquista. Igualmente importante, é frisar que esse jornal se propôs a criticar acremente posturas locais. Fez um tipo de política voltada para o reconhecimento daqueles que compartilhavam de sua comunidade, cujas críticas focalizavam acontecimentos locais; se preocupava com a esfera municipal, primava pela moralidade, criticando as injustiças de sua comunidade, envergonhando os “infratores” perante sua comunidade. Esses ressentimentos se estendem à figura do Juiz de Paz, o Padre Marcelino Pinto Ribeiro Duarte, uma das autoridades subalternas desprezadas pelo Anarchista Fluminense despreza, pois ele simboliza a ordem, ainda que em nível local, mas é exatamente essa figura que, na prática, mais cerceava os indivíduos. Algo que revela uma preocupação bem pouco explorada em seu tempo, quando os periódicos ainda não davam tanta ênfase a esse tipo de conteúdo. Por volta do ano de 1835, a apalavra anarquia passa a carregar o significado de systeme, opinions nos dicionários franceses. É nas cercanias desse momento que se constrói o termo Anarquismo como uma doutrina política. É um momento de rupturas com significados anteriores, sempre com apelos destrutivos, e sem admitir-se como um sistema de regras próprias, uma opinião, uma construção. Esse direcionamento do termo, esse fenômeno que se operava atingiu a completude, se concretizando de maneira mais apurada com o escrito de Proudhon no ano de 1840. O fenômeno da transformação da palavra, estava acontecendo 215 Tomando por base o texto de José Murilo de Carvalho, que demonstra a forma como se apresentavam os discursos panfletários do período que se seguiu às reformulações da sociedade brasileira, a partir de seu processo de independência, e, no período das Regências. 95 durante a década de 30 do século XIX, e era compartilhado na rede de significados dessa maneira. Paralelo à transição das formas de utilização do termo anarquia, há o momento de construção do Anarquismo moderno216. Juntamente com esse conceito de Anarquismo moderno, temos a consolidação da palavra anarquia com características de uma doutrina. O Anarchista Fluminense teve sua proposta ligada ao ideal da justa licença de agir como convém ao indivíduo, principalmente nos casos em que o que lhe convém está de acordo com os preceitos de sua liberdade, como possuidor de direitos naturais irrevogáveis, e da consciência de que um bom governo deve ser ético, e de que o aparato governamental assume papéis que deveriam manter-se incorruptíveis, mas, que na prática, colaboram para a geração de diversos males em diferentes esferas da sociedade. O Caso do Anarchista Fluminense, nos parece ser o de um jornal dividido entre duas formas de Anarquismo, o antigo, que estaria bem representado nos anseios a que se propunha, sempre no sentido de criticar as leis, sobretudo, as que se sobrepõem ao direito natural, indiscutivelmente adquirido aos indivíduos. Este jornal não propõe a privação da existência do governo na prática. Faz suas críticas utilizando-se dessa “meta ideal”, mas na forma de uma crítica às novas leis que alteram a vida dos indivíduos, que os privam de agirem conforme seus costumes, e aos governantes imorais. Uma forma de Anarquismo Antigo. Porém, assume os meios do Anarquismo moderno como a escrita de periódicos, enquanto difusores de ideais, além de utilizar o termo Anarquista, como título com um significado positivado, tendência do termo que justamente nesse momento se constrói com esse significado. A “forma” da anarquia Moderna foi esboçada pelo Anarchista Fluminense, no tipo de crítica que aponta para a sugestão do desejo da privação da existência do governo por si só. Anarquista é um termo que pode assumir um sentido destrutivo quando utilizado para acusar. Nesse sentido, considera-se que o Estado assumia uma postura anarquista, já que seus governantes não eram cerceados por ninguém, e por isso agiam a seu bel-prazer; Desse modo o jornal se utilizado termo para se contrapor de forma irônica aos desmandos do Estado – no qual grassava a corrupção, em função da falta de controle no trato da coisa pública – e propõe uma outra concepção para o referido termo. Logo o jornal desenvolve sua política propondo um novo significado para a palavra Anarquista propondo a destruição do governo. 216 BRAVO, Gian Mario: Autor do Verbete Anarquismo in: BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, Dicionário de Política. São Paulo: UnB, 2002. 96 A conclusão a que se chega é de que duas assertivas negativas produzem uma positiva. Uma negação que se siga a outra, gera um conceito “positivado”. Cria-se um novo significado para o termo Anarquista, desta vez, ultrapassando para um novo campo, distanciando-se da negatividade que usualmente carregava, para seguir um novo sentido, que indica uma tendência do termo que adquire novas nuances que partem desse sentido. O Anarquismo é uma filosofia política radical, que percebe na autoridade estatal o maior obstáculo à liberdade de vontades, e por isso quer sua abolição. Anarquistas se dividem entre as diversas formas de alcançar este objetivo. Nesse sentido, destacamos, a título de ilustração, o “anarquismo individualista” de Max Stirner já no 3º quartel do século XIX.217 O posicionamento político desse periódico, acima de qualquer outro termo, deve ser avaliado como oposição à tirania e às leis que oprimem os cidadãos. A falta de proposta ou sugestão nas críticas feitas pelo jornal à sociedade civil, e a forma com que se conduzia a política Regencial, são, marcantemente, os principais objetivos dos artigos. O desejo de que não haja governo é o discurso proferido para o fim oposicionista a que o periódico se propõe. Demonstra a necessidade que o moveu a escrever os artigos: imoralidade e injustiça política. O próprio jornal na 7ª edição define o Anarquista como aquele que censura os injustos, esta é sua finalidade: destruir a ordem é destruir as injustiças geradas pela existência dela. Isso por si só já demonstra não apenas um novo significado mas também o novo apontamento deste termo, no sentido do que se conhece como Anarquismo. O que o jornal julga ser injusto é exatamente a corrupção existente no governo, e as leis que interferem diretamente no âmbito privado dos indivíduos. Concluímos que este periódico pode ser considerado, a sua maneira, um defensor desses ideais do Anarquismo. Ainda que não seja um Anarquista Completo (como no caso de Proudhon), focando-se em questões jurídicas e assumindo posturas conservadoras, apontava também sua política para esse sentido. 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Legislação sobre municípios, Comarcas e Distritos abrangendo o período de 09 de março de 1835 – 31 de dezembro de 1925. Organizado por Desidério Luiz de Oliveira Júnior. Rio de Janeiro, Tipografia do Jornal do Commercio. 1925. Posturas Policiais da Câmara Municipal da Villa da Praia Grande, Praia Grande: Tipografia de Rodrigues & Cia,1833. 2. PERIÓDICOS: Anarchista Fluminense (O). Niterói. Aurora Fluminense. Rio de Janeiro. Brasileiro (O). Rio de Janeiro. Caramuru (O) Rio de Janeiro/ Niterói Correio Official do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Çapateiro Político (O). Rio de Janeiro. Defensor da Legalidade (O). Rio de Janeiro/ Niterói. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Eco Da Villa Real Da Praia Grande (O). Niterói Exaltado ou Os cabanos na Villa da Praia Grande (O). Niterói Independente (O). Rio de Janeiro. Jornal do Commercio. Rio de Janeiro. 103 Ladrão (O). Rio de Janeiro. Matraca dos Farroupilhas (A). Rio de Janeiro. Mensageiro da Praia Grande (O). Niterói. Mensageiro Nictheroyense (O). Niterói Nova Caramurada (A). Niterói. Nova Luz Brasileira. Rio de Janeiro. Novo Caramuru (O). Rio de Janeiro. Pão d’assucar (O). Rio de Jeneiro. Republico (O). Rio de Janeiro. Sete d`Abril (O). Rio de Janeiro. Sorvete de bom gosto (O). Niterói. Verdade (A). Rio de Janeiro. Ypiranga (O). Rio de Janeiro.