A Casa Dos Budas Ditosos_16

March 28, 2018 | Author: Juliana Antunes Barreto | Category: Lilith, Sexual Intercourse, Image, Feminism, Ethnicity, Race & Gender


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O RECURSO IMAGÉTICO DO EROTISMO E DA BUSCA PELO PRAZER NA OBRA ACASA DOS BUDAS DITOSOS, DE JOÃO UBALDO RIBEIRO Juliana Antunes Barreto1 RESUMO O sentido visual está extremamente ligado à arte literária, de forma a construir no leitor uma descrição mais “concreta” do que se lê. Assim, este trabalho objetiva investigar a maneira como João Ubaldo Ribeiro explora os seios e as coxas, numa fragmentação do corpo da protagonista CLB na obra A casa dos budas ditosos, utilizando-se de pesquisa bibliográfica, principalmente as reflexões teórico-críticas de Alves (2012), Branco (1985) e Brandão (2006); e os conceitos simbólicos de Chevalier & Gheerbrant (2009). Pôde-se concluir que tal recurso imagético traduz erotismo e a busca pelo prazer dessa personagem feminina emancipada do séc. XX. Palavras-chave: Recurso Imagético. Erotismo Feminino. A casa dos budas ditosos. ABSTRACT The visual sense is extremely attached to literary art, in order to show to the reader a more "concrete" reading. This study aims to investigate how João Ubaldo Ribeiro explores the breasts and thighs, a body's fragmentation of the protagonist CLB in the book The House of Fortunate Buddhas, using research literature, mainly, theoretical and critical reflections of Alves (2012), Branco (1985) and Brandão (2006), and the concepts of symbolisms by Gheerbrant & Chevalier (2009). It was concluded that this feature imagery translates eroticism and pleasure seeking for this female character emancipated in century XX. Keywords: Imaging Resource. Female eroticism. The House of Fortunate Buddhas. Durante muitos séculos, conforme já sabemos, a mulher ocidental foi vítima do jugo de uma sociedade machista, para a qual atribuímos o nome de patriarcal, de modo que os anseios femininos jamais eram considerados. Se adentrarmos a história da humanidade, perceberemos que a sociedade teve um auge de domínio masculino na Idade Média, período em que as inquisições se voltaram principalmente às mulheres, tidas como bruxas, e desprovidas de qualquer meio de manifestarem sua opinião ou seu Página 294 prazer. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários, linha de pesquisa Tradição e Modernidade, na Universidade Estadual de Montes Claros/MG – UNIMONTES, e Bolsista da CAPES. E-mail: [email protected] 1 Revista de Letras Dom Alberto, v. 1, n. 4, jul./dez. 2013 mesmo com vestígios de um pensamento falocêntrico. este trabalho se divide em três partes: primeiramente. começando do . vejamos uma breve abordagem dessa construção paulatina da Escolheu-se a Idade Média como momento a ser demonstrado como ícone do patriarcalismo.Em contrapartida. Para isso. com ênfase nos seios e nas coxas. principalmente. de João Ubaldo Ribeiro. valorizando o recurso imagético trabalhado pelo autor. ora de subjugação. e a análise de simbolismos por Chevalier & Gheerbrant (2009). veremos que a mulher acompanha um simulacro da realidade. Brandão (2006). apresentando autor e obra a ser analisada. Vale ressaltar que a metodologia utilizada findou-se em pesquisa bibliográfica e análise textual. abordando um breve histórico da figura feminina na sociedade (em paralelo com a arte literária) do patriarcado à libertação das “amarras” machistas. a figura feminina foi ganhando espaço paulatinamente na sociedade. Breve histórico da emancipação feminina Tomando como base o fato de a mulher ter passado por fases ora de dominação. e. em segundo lugar. ora como sujeito ativo da sua própria história. 295 liberdade feminina. de maneira fragmentada. evidenciando o erotismo e a busca pelo prazer. Branco (1985). Na literatura. como base crítico-teórica: Alves (2012). fala-se em emancipação feminina e se vê isso de forma mais efetiva. É com esta concepção temporal da emancipação feminina que este trabalho se propõe a tratar da protagonista da obra A casa dos budas ditosos. de tal forma que hoje. até a contemporaneidade. uma vez que foi nesse período que a figura feminina foi não só subjugada Página momento patriarcal da Idade Média. citando. principalmente no tocante à sua sexualidade. mostrando as imagens utilizadas pelo autor para justificar o erotismo e a busca pelo prazer conquistados por essa personagem que foge do estereótipo de “donzela romântica” para se encaixar na liberdade sexual contemporânea. por fim analisando a personagem CLB da obra A casa dos budas ditosos. ora sendo apresentada como mero objeto de prazer masculino. ) Na Idade Média.pelas instituições de força da época.. humilhantes e doídos castigos físicos e psicológicos. 2011. trazendo consigo o gérmen pecador. Em segundo. . a não ser com outras mulheres tão camponesas e tão pobres quanto elas. Em primeiro lugar. consequentemente. seu saber se intensifica e aprofunda.) Mais tarde elas vieram a representar uma ameaça. ao se juntarem. As mulheres camponesas pobres não tinham como cuidar da saúde. eternamente manchado por esse deslize original. e eram também as melhores anatomistas do seu tempo. p. detinham saber próprio. ao poder médico. as parteiras. e as justificativas para considerar suas atitudes como crimes dignos de punições. bem como a imagem da mulher ligada ao Mal. 1985. Elas (as curadoras) eram as cultivadoras ancestrais das ervas que devolviam a saúde. (KRAMER.. p. SPRENGER. pelos inquisidores Heinrich Kramer e James Sprenger. 2 296 Desde a mais remota antiguidade. obra escrita em 1484. (KRAMER. na qual se explicam os atos considerados como hereges pela Igreja. Herdeira do pecado original cometido por Eva e. as mulheres eram as curadoras populares. que a história do erotismo no mundo cristão se escreva como a história de sua repressão. 14). que vinha tomando corpo através das universidades no interior do sistema feudal. A possibilidade da transgressão sexual tem. O que se deve notar é que tais normas foram deturpadas. portanto. no Prefácio.. p. a mulher da era medieval não tinha direito ao prazer. enfim. repleto de serpentes tentadoras. Adão mordeu a maçã e o homem. formavam vastas confrarias. a condenação a essa terrível sanção bíblica. É compreensível. como a “Bíblia do inquisidor”. baseando-se em fatos contraditórios e pouco eficazes. sendo consideradas bruxas e hereges quaisquer mulheres que transgredissem as normas ditadas naquele período. assim. 19-41). explica o Martelo das Feiticeiras – Malleus Maleficarum –. perdeu o direito ao paraíso para cair num mundo imperfeito.. Vem Lúcia Castello Branco afirmar: A história da sexualidade no mundo ocidental desenvolveu-se estritamente vinculada à noção cristã de pecado. porque formavam organizações pontuais (comunidades) que. recebedora de punições. (. (. É o que percebemos na leitura da introdução histórica feita por Rose Marie Muraro no livro O martelo das feiticeiras2: Página Byington. como resposta imediata. (BRANCO. as quais trocavam entre si os segredos da cura do corpo e muitas vezes da alma. 22). a destacar a Igreja Católica. SPRENGER. 2011. que lhes era transmitido de geração em geração. como também sofreu os mais tristes. E a literatura em geral. conquista. podendo viver cada vez mais intensamente seus desejos sexuais. O que quer uma mulher? Trad. p. 1987 apud BRANDÃO. essas mulheres eram ainda privadas do sentimento do prazer sexual. 1985. muitas vezes. à falta de ter o falo. Apenas com o passar dos séculos e com a incansável luta das mulheres por sua libertação na sociedade que estas passaram a ocupar um lugar de atitude e vontade própria. daí a existência de "posturas moralistas e ‘anti-eróticas’3 assumidas muitas vezes pelas religiões em geral”. 2006. se comporta com o exibicionismo fálico. Por terem sido valores deturpados pelos poderes institucionais da época. “A espiritualidade ocidental foi construída sobre a negação do prazer. ela tem um corpo feminino’4. evidenciando um . Dulce Duque Estrada. p. Esse corpo.” (ALVES. culturais. As feridas e lacerações que a espiritualidade católica elegeu como objetos de adoração são expressões plásticas desse fato. Como se não bastasse a titulação de “bruxas”. ao contrário. especialmente a partir do séc. 169). vai Optou-se nesta e nas demais citações diretas a prevalência da Ortografia original da obra em questão. a mulher cuida particularmente de sua imagem corporal de tal sorte que esta chega a adquirir o valor de falo: à falta de ter um signo identificatório do pênis. É através deste que atrai. p. políticas. ANDRÉ. (BRANDÃO. 83). (BRANCO.Pôde-se perceber que o julgamento a essas mulheres medievais não era algo desinteressado e gratuito. Serge. p. 169. observamos a figura feminina mais solta das “amarras” do patriarcalismo. 3 4 Página avanço histórico no que diz respeito à sua sexualidade. característica de uma beleza que se erige toda para ser olhada e admirada. a mulher erige seu próprio corpo como uma imagem fálica: ‘Assim. e até mesmo científicas. 2012. Rio de Janeiro: Zahar. como também sociais. 2006. A mulher. 109). manipula. Fato que se estendeu ao longo de muitos séculos. o erotismo e o prazer femininos foram completamente esvaziados. partia de raízes não apenas religiosas. erotiza. 297 acompanhar as manifestações eróticas ligadas à figura feminina. passa a usar do corpo como forma de sedução. então. como um todo. XIX. Na literatura. A personagem clb como mulher emancipada do século XX João Ubaldo Ribeiro possui vasta obra: romances. consagrados durante tantos séculos na sociedade ocidental. adaptações para televisão. ela sente prazer pelo ato de seduzir. a receber o insuficiente. ensaios. desobedecendo às normas do Criador e do companheiro. ganhou versão para o teatro e foi alvo de diversificadas críticas. SICUTERI. de João Ubaldo Ribeiro. crônicas.cit. escolhendo com quem Cf. em A casa dos budas ditosos. literatura infanto-juvenil. CLB é a protagonista que assina os relatos apresentados em A casa dos budas ditosos. teatro e cinema. por exemplo. Lilith é expulsa do Éden e Deus cria Eva. É plena e busca realizações sexuais igualmente plenas. rebelou-se. muitas vezes. da Editora Objetiva. a doar-se menos. nunca se privando dos seus mais . 89) nos mostra: “O lugar do feminino no imaginário masculino tem de ser caracterizado pelo mais. como. conquistados através de vários artifícios de erotização. pela plenitude que nega a castração”. exigindo direitos iguais. na sua sexualidade exacerbada. É uma personagem que se recusa a ser metade. Lilith passa. além do recebimento de prêmios na área da literatura. CLB captura seus objetos de desejo. a lua negra. mostra-se tão fatal na conquista que chega a nos fazer inferir que. Cabe ressaltar que se trata de um autor baiano que ocupa a 34ª cadeira da Academia Brasileira de Letras. traduções de obras para diversas línguas. p. de 1999. foi a primeira mulher de Adão. segundo Roberto Sicuteri (1998). mais do que com o objeto em si. então.É neste contexto que veremos despertar a sexualidade da personagem CLB. 5 Página profundos – mesmo que excêntricos – desejos. e. 298 quer ter relações e como estas devem acontecer. À maneira de Lilith5. pelo excesso. Pertencente à coleção Plenos Pecados. na ânsia de dominação. a ser pouco. Lilith. Uma mulher de 68 anos que muito se aproxima do que Brandão (op. a qual. participações em coletâneas. O livro A casa dos budas ditosos. Lilith. a ser símbolo de sedução e emancipação feminina. Por não atender ao que o Criador pretendia ao criá-la do barro para Adão. inclusive querendo superioridade na posição sexual. contos.. antologias. o livro recebeu de João Ubaldo Ribeiro o subtítulo de Luxúria. Percebemos na personagem o desprendimento de pensamentos e atitudes moralizantes. XIX. homem ou mulher. primeiro porque achei que não estava pronta ainda.. p. sem preconceitos e sem moralismos. (RIBEIRO. a sua vida sexual. que não se circunscrevem aos moldes do casamento e não atendem a finalidades procriadoras. estão os “amores desvairados”. opõem-se a essas normas e as desafiam em sua busca irrefreável do prazer pelo prazer”. virgens. sempre fatal. misturadamente. uma vez que escancara. p. E por que eu não deixei que ele me comesse na frente também? Bem. Nesse fragmento. mas o falo era de madeira de lei e fixado pela base num eixo. quando se puxava uma cordinha por trás. todo ano. faziam uma procissão com essa imagem de São Gonçalo e as mulheres disputavam quem ia repintar o falo. ele subia e ficava ali em riste. fenda ou rachadura. O corpo era de barro. para cuspir morte ou vida antes de retornar ao invisível. por não poder dar tudo o que era meu e de mais ninguém. 16-17). podemos . Ou então abandona os ímpetos masculinos para fazer-se feminina: Página compará-la a uma mulher-serpente: 299 o ser desejado. é que eu tinha uma fantasia do meu desvirginamento.) Segundo. “as sexualidades periféricas. ao contrário. mostrando um lado feminino nada compatível com as personagens religiosas. Eu nunca vi. maior que o próprio corpo dele. ora entregando-se parcialmente. e mais relevante. para não falar que a felizarda ficaria muito bem assistida nos seguintes 364 dias.. de maneira que. à sua maneira. embora me sentisse profundamente lesada em meus direitos elementares. das relações ilícitas da literatura do séc. 1999. 49). 1999. captando Rápida como o relâmpago. p. podemos ver os “jogos sexuais” que CLB fazia com suas “vítimas”. Nisso. tradicionalmente românticas: No arraial junto à fazenda da ilha. sem máscaras. a serpente visível sempre surge de uma abertura escura.CLB convida o leitor a adentrar à sua mais profunda particularidade. havia uma imagem de São Gonçalo com um falo de madeira descomunal. partindo de memórias antigas e recentes. descritos por Branco (1985. Ao lado dos amores escondidos. (. (RIBEIRO. com linguagem muitas vezes até mesmo ofensiva. era sucesso garantido no mundo das artes. permitindo sexo oral ou anal – nos momentos anteriores ao seu desvirginamento – ora entregando-se por inteiro. segundo até meu avô contava. 57-58). mas as negras velhas da fazenda garantiam que antigamente. Os relatos dessa narradora libertária possuem descrições e ações de maneira despojada. beija. Com esse panorama. É claro que não estão sendo levados aqui em consideração os contextos justificavam. revelando que a escrita não é apenas um meio de transcrição da fala. portanto. adotada e conquistada. Ela é enigmática. engole. de um olhar a partir das bordas. entre o traço do desenho e o traço da escrita. em La jeune née. é impossível prever-lhe as decisões. Ainda em relação a esta postura feminina. Análise do recurso imagético dos seios e das coxas em A casa dos budas ditosos Quando falamos em recurso imagético na literatura. mas com consequências visíveis hoje em nossa literatura. indubitavelmente longo e sofrido. Esta serpente fêmea é a invisível serpente-princípio que mora nas profundas camadas da consciência e nas profundas camadas da terra. em relação à mulher.. Brandão (op. É nesse lugar limítrofe. recursos e formas de estruturação. dos momentos de cruzamento em que uma arte apreende. Mas pensamos ser de extrema importância ao leitor que visualize o crescimento da libertação feminina do jugo patriarcal. GHEERBRANT. portanto. sufoca. com a outra.enrosca-se. desprendida de qualquer impedimento à sua sexualidade. antigos vínculos existentes entre a palavra e a imagem. (CHEVALIER. presos. liberta. dotada de uma parte visual. uma imposta (como citado. nessa margem em que a escrita e as artes plásticas confluem. ao citar Catherine Clément. p. digere e dorme. que são tão súbitas quanto as suas metamorfoses. como percebemos no excerto: . que se encontra um espaço privilegiado para se pensar as relações entre imagem e palavra. outra. Deixam de ser moças ou mulheres. podemos analisar a diferença de postura. no seu sentido mais concreto. são soltos na presença demoníaca. mas uma realidade dupla. 2009. tampouco se pretende comparar épocas históricas tão diferenciadas. reforça a ideia dos corpos femininos que. ao mesmo tempo em que a escrita dialoga com a visualidade. 115). Esse cruzamento entre a arte e a escrita se dá. de certa maneira. p. momentos em que a imagem busca a letra e a letra busca a imagem. no século XX. E é desta forma que vemos a personagem CLB: solta. pretendemos associar a imagem. através da apropriação de elementos textuais pela produção plástica e também 300 na arte literária. reata.cit. abraça. ou pelo menos serviam que como base para o patriarcado. Tal recurso nem sempre foi utilizado Página Esse diálogo que a arte do século XX estabelece com a escrita. 815). na Idade Média). secreta. e passam a ser feras. Trata-se. à palavra. por meio da apropriação de elementos plásticos pela produção textual. no momento da lembrança narrada pela protagonista. eu vou morrer.ufmg. uma vez que. havia por parte da personagem uma fantasia sobre este momento de sua vida. não dava mais para agüentar aquela lentidão – dei um beijo nele. Em muitas passagens de A casa dos budas ditosos. 148). são utilizadas imagens dos seios da protagonista CLB. gozava apertando as coxas. O interessante é observar que o toque da mão do homem no seio dela é apenas um dos artifícios de sedução usados por ela. muitos foram os atos em que protagonizaram os seios: falsa inocência para conquistar um professor. e que 6 Disponível em: http://www. gozava até quando chupavam meus peitos bem chupados. sendo uma delas ao receber o contato da boca em seus seios: Mas. 71).6 A respeito desse diálogo entre imagem e a arte literária. gozava no dedo. 1999. p. conforme foi demonstrado anteriormente neste trabalho. que. p. não sentia. 2006. tinha de lançar mão de outros recursos até que o momento do desvirginamento chegasse. . mas ele não se segurou e. para grande surpresa minha. ela aprendeu a ter orgasmo de todas as maneiras possíveis. 1999. ela ainda era virgem. 57-58). E aí – tenha a santa impaciência. opta por utilizar o vocábulo “peitos”. procuramos mostrar na obra A casa dos budas ditosos como João Ubaldo Ribeiro usa das imagens dos seios e das coxas para demonstrar o erotismo feminino em sua busca pelo prazer. para consolar. p. ficava muito nervosa e botei a mão dele no meu coração outra vez. disse eu. me devolveu o beijo. inclusive.letras. Como. no meu peito. já desfrutava tomar na bunda e nas coxas com grande competência. quer dizer. enfim. Na busca desenfreada pelo prazer. um beijinho só. já gozava chupando. falta de muita coisa (RIBEIRO. é claro. (RIBEIRO. eu já tinha me desenvolvido extraordinariamente em outras áreas. Desta forma. (VENEROSO. e desta vez dois dos dedos dele passaram da blusa e roçaram na borda de meu sutiã – veja como meu coração está palpitando.br/poslit Página No fragmento acima fica evidente o caráter sedutor da personagem que usa de 301 Aí acrescentei que não podia falar aquelas coisas. Nós não. eu tirava um peito. p. mesmo ele sendo mais velho do que eu. Sobre esta relação. A personagem assume com naturalidade sua relação incestuosa com Rodolfo. 2012. Assim. só que a reprime em recalques medonhos. nós começamos a brincar de mamãe e neném. meu irmão mais velho. a maior parte das pessoas passa pelo menos uma fase de tesão no irmão ou na irmã. é a fecundação. p. (ALVES. Página Há quem pense que o objetivo dos jogos amorosos é o orgasmo. conforme Rubem Alves (2012.) é o prazer de estar indo. Norma Lúcia também não. Eu me sentava.. 53). é compreensível que a protagonista passasse longos momentos em busca desse prazer. mostra-se muito mais passivo que ativo. podemos concordar com Rubem Se “o prazer tem vida curta”.ele. 86). Entretanto. 1999. pelo menos com o orgasmo os jogos amorosos chegam ao fim. (RIBEIRO. até ele morrer a gente se comia. eu comi muito Rodolfo. relações sexuais: Desde que meus peitos cresceram. Muita gente também não. na cena narrada. p. posso dar meu testemunho pessoal. Mas os corpos dos amantes têm outras ideias.. a delonga do ato: CLB se delicia do ato de fingir que amamenta o irmão Rodolfo a ponto de permanecer por muito tempo dessa maneira. 1999. relembremos um trecho da obra: Em relação a irmão. além do orgasmo. 28). sempre achamos isso muito natural. com o tempo. ele deitava a cabeça no meu colo. A caminho dos picos há vistas fascinantes. e ficávamos assim um tempão. descrevendo minuciosamente como aconteciam as trocas de carinho que se tornaram. Duas observações devem ser feitas do excerto lido. a imagem do seio aparece de maneira especial nas narrativas das relações amorosas/ sexuais/ incestuosas de CLB com seu irmão Rodolfo. punha os dois dedos perto dos mamilos. O objetivo do jogo amoroso é estar brincando. não se vê forte o suficiente para livrar-se das investidas da moça desinibida. ele mamava de olhos fechados e mais ou menos gemendo. p. Primeiramente. 97). Outros pensam que o fim. (. 302 Alves: . Evidente que é natural. (RIBEIRO. p. Com estas considerações. e eu senti uma cócega funda me subindo das coxas para a barriga. Página certa importância no acontecimento narrado: “Em todo caso. 703). Outra questão é a imagem do seio. mas também de suavidade. 1999. imageticamente. o recurso imagético à palavra. mas nunca como nesse dia”. na obra em estudo. Senti muitas outras vezes essa cócega. Igualmente ao que vimos a respeito dos seios. O que evoluiu. o seio é símbolo não só de maternidade. estava ciente do prazer que causava o oferecimento do seio ao irmão. depois de marchar parado 303 encontro às escondidas. com um negrinho da fazenda. e o Conhecimento supremo. embora mais velho. da inversão de papéis: do patriarcado ao matriarcado. quando CLB conta a sua experiência sexual. Quando CLB impõe o seio ao irmão. tornando-se relações sexuais frequentes e que exploravam todas as partes do corpo de CLB e de Rodolfo. GHEERBRANT. usasse da visão erotizada da cena para chegar ao ápice do gozo. mesmo que limitada. p. De acordo ainda com os autores (p. torna-se detentora. (ALVES. Trata-se. o amante acaricia o seio da amada”. A palavra “seio” “faz lembrar amor e prazer: a criancinha suga o seio da mãe. foi a forma como o ato passou a ser encarado. portanto. “o desnudamento do peito foi muitas vezes considerado uma provocação sexual: um símbolo de sensualidade ou do dote físico de uma mulher”. 2012. ele respondeu que ia. 543) validam que se pode relacionar o leite à “vida primordial. 2009. fingindo amamentá-lo. principalmente. 809). do sinal de adoção. mesmo ainda jovem. segurança. para o qual é dada a impetuosa ordem de um e esfregar as orelhas novamente. (CHEVALIER. já temos a imagem das coxas da protagonista evidenciando . p. É através da imagem dos seus seios que a protagonista se impõe como uma mulher de domínio. na narrativa. como um bebê subjugado. e portanto eterna. (RIBEIRO. emancipada e agente diante do irmão. o sinal do conhecimento supremo. não podemos descartar a inferência de que a personagem CLB. recursos. Chevalier & Gheerbrant (2009. 98). p.renovando-o a cada instante e. e portanto potencial”. 28). até hoje sinto. também as coxas são representadas de forma tão descritiva e simbólica que podemos atribuir. Da mesma forma. Desde o início da narrativa. Página “Tomar nas coxas. à coluna. para ser desfrutado 304 suas coxas protagonizam experiências sexuais análogas às do órgão sexual feminino: . p. uma vez que. Chevalier & Gheerbrant (2009. a firmeza. a situações de erotismo e busca pelo prazer sexual. p. exige know-how. ou quase isso. mesmo que temporária. sexualizada.Com um certo tom profético. p. Pertencente a um período em que ainda havia extremas limitações socioculturais quanto à sexualidade das mulheres. (RIBEIRO. podemos revelar na obra estudada uma análise erotizada. grifo do autor). havia realmente um certo virtuosismo hoje perdido. havia recurso para tudo. as coxas da personagem se concretizam na mente do leitor como um órgão sexual feminino. de qualquer forma. conseguimos transformar o limão em diversas limonadas. transformamos o limão em laranja doce. para estar segura de que vai atingir um orgasmo”. assim como vemos na narrativa de João Ubaldo Ribeiro: pela função que possui no corpo. Através de sua linguagem sempre despojada. inclusive. em muitos outros momentos da sua vida. Enfim. porém. ganhando um ar cada vez mais obsceno nas palavras proferidas por CLB. CLB narra ao leitor: Antigamente era muito mais comum a mulher gozar apenas apertando as coxas uma contra a outra. (RIBEIRO. comparável. ou substituem-no. desde bem jovem. A mulher tem que treinar a postura. Desta forma. 296-297) apresentam a imagem das coxas de uma forma muito imagética. 1999. por exemplo. a coxa é a força. pela falta de exploração plena de nossas potencialidades. utiliza as coxas para sentir orgasmo e provocar prazer em seus parceiros. CLB é a representação da mulher que rompe com todos os estereótipos. Imageticamente. CLB nos mostra que essa “cócega” vinda das coxas poderia vir a ser algo que a conduziria. melhor dizendo. A narradora de A casa dos budas ditosos revela muitos momentos em que decentemente. 1999. 55. causando um erotismo que exala das palavras narradas e do descritivismo minucioso. 54). em que CLB se faz detentora de uma grande força erótica. de que eu já falei tanto. a ponto de a sociedade querer privá-las do sentimento de orgasmo. fosse atrás. não se deixa dominar. que não passava nunca. Pois é. e. É claro que CLB venceu suas experiências desastrosas com a ajuda das lições da amiga. eu me preparei toda ansiosa e. mesmo ciente das dificuldades e interditos de sua época. p. quase palpável. (RIBEIRO. Algo quase sempre mente. embora adorasse me agarrar com esse rapaz. encostada no pára-lama do carro do pai dele. experiências humilhantes e acabrunhantes. uma dor funda e lacerante. mesmo assim. grande farol da Barra. Observemos que não só na linguagem. sempre acreditando na essência do prazer feminino. Algo me disse que não desse. passei anos traumatizada e decidida a tornar aquilo território perpetuamente proibido e mesmo execrado. mas também no conteúdo narrado. No momento do desvirginamento de CLB. quando ele enfiou. Com isso. fosse na frente. Três coisas. e a gente fica mais ou menos reclinada de bruços. que. encostada no muro do farol da Barra. Explorou todo o seu corpo e de todas as formas que ela considerava possíveis. Não. Até que Norma Lúcia me ensinou uma coisa. aliás. as suas coxas também protagonizam parte da cena: “Eu abri. a primeira vez em pé. com isso. É possível perceber como João Ubaldo utiliza de riqueza de detalhes em suas sexo vivenciadas pela protagonista do livro. não consigo imaginar dor pior do que aquela. a ousadia das palavras chama a atenção. afastou minhas coxas ainda Página consegue fazer com que o leitor consiga visualizar e imaginar as cenas de erotismo e 305 descrições a fim de tornar a “cena” mais imagética. exceto deixar que ele metesse. E as tentativas posteriores foram todas desastrosíssimas. Ele passou cuspe. é meio inclinadinho. De uma forma ou de outra. novas aprendizagens: Tive até vontade de dar para um deles. e. ele curvou meus joelhos para cima. 1999. Atrás. Ficava ralado de tanto botar nas minhas coxas e eu fazia tudo com ele.A personagem. Era preciso explorar todo o restante do corpo. me arrepio até hoje. 56). uma dor como se tivessem me dado dezenas de punhaladas. nem nesse dia nem nos subseqüentes. usava das suas coxas para sentir prazer enquanto ainda era virgem. livre de qualquer preconceito ou limitação sexual. A imagem das coxas abriu caminho para que a protagonista ganhasse outras experiências. É preciso lembrar que se trata de uma personagem que vive essa sexualidade no início do século XX. Mas algo me disse que não. “tomar nas coxas” começou a fazer parte de um passado para a personagem. Duas coisas. ele devia ter uns feromônios extraordinários. manda a boa paranóia sadia que se dê atenção a ele. bem que eu tentei. CLB vai sempre procurando o seu próprio prazer. Não. mas. cheguei a começar a abrir as pernas. a narrativa . preconceito ou limitação. a imagem do afastamento das coxas. seduzindo. É possível. Através do recurso da imagem. enfim. Assim. principalmente. Funcionam ambos como representações imagéticas do órgão . a personagem usou. p. Mas o que está em questão neste trabalho é que. Ora. ato que precede a penetração. dos seios e das coxas. de João Ubaldo Ribeiro. leitores. que momento lindo!” (RIBEIRO. ou das “donzelas” do período romântico. envolvendo. 1999. por intermédio de formas que podem ser consideradas tão excêntricas (ex-cêntricas). em vários momentos da narrativa. parentes. de tanto que há um enfoque especificamente descritivo e despojado para esses atos. CLB explorou sua sexualidade através de experiências com homens. ousada e emancipada. este trabalho nos permitiu concluir que tanto os seios quanto as coxas da personagem são apenas microcosmos que representam todo o seu corpo e toda a sua na busca desenfreada pelo prazer. ao fazer a leitura da obra.mais . Página sexual feminino. mesmo após o rompimento do tabu do hímen. mesmo em pleno século XXI. casais. 78). Neste fragmento. erotizando. 306 capacidade de sedução. em especial quando o que está em questão são seus seios ou suas coxas. a protagonista da obra A casa dos budas ditosos. facilitando a interpretação das cenas e aguçando a imaginação de nós. quase “ver” as cenas de sexo ou de erotismo. narra suas aventuras sexuais de maneira livre de qualquer “amarra”.ai. Considerações finais Diferentemente da mulher subjugada na Idade Média. com uma maneira peculiar de erotizar. E. ou mesmo de todo o seu corpo feminino em riste à maneira de um falo. mulheres. é um recurso imagético bastante passível de vir à mente do leitor. já que se trata de uma maneira bem comum de posição de desvirginamento. CLB capta a atenção do leitor com seu erotismo nas narrações e descrições minuciosas dos atos sexuais. capturando suas “vítimas” tal como uma serpente. a personagem não se limitou. letras. 2012. a Lua Negra./ 2006. Belo Horizonte: Editora UFMG. SICUTERI. 2006. Tradução de Paulo Fróes. São Paulo: Editora Planeta do Brasil Ltda. Objetiva. figuras. 1999. Revista Aletria. 1998. A casa dos budas ditosos. Alain. 2011. 5. UFMG. O original está em: http://api. Lúcia Castello. RJ: Ed. 2013. Lilith. números. gestos. 1985.br/poslit.147-161. sem compromissos com tabus ou princípios pré-estabelecidos pela sociedade. Prefácio de Carlos Amadeu B. Jean. costumes.com/files/i*tFWQTF2R*30NikG8sWI6EGKsI2*SBYphuzBdWtBwBU HLzCLLRxKrKkVhRoursQtPA4eCpMbW9V51zWGuZlmKIF9q45UrEz/SeoLivreArti go3. ed. BRANDÃO. cores. CHEVALIER. 2009. Rubem. 2. Marx e Babette. KRAMER./ dez. Variações sobre o prazer: Santo Agostinho. SPRENGER. Introdução histórica de Rose Marie Muraro. RIBEIRO. GHEERBRANT. Byington. João Ubaldo.Tudo isso faz dela uma mulher emancipada. Dicionário de símbolos: mitos. Heinrich.pdf Página Artigo aceito em dezembro/2013 307 VENEROSO. O diálogo imagem-palavra na arte do século xx: as colagens cubistas de Pablo Picasso e sua relação intertextual com os caligramas de Guillaume Apollinaire. Maria do Carmo de Freitas. Nietzsche. nas suas próprias palavras. até “Deus está rindo” das suas aventuras sexuais. 22. Rio de Janeiro. sonhos. tendo essa mulher a certeza de que. Eros Travestido. . O martelo das feiticeiras. Rio de Janeiro: José Olympio. Rio de Janeiro: Paz e Terra.ning. REFERÊNCIAS ALVES. Disponível em: http://www. BRANCO. Belo Horizonte: Editora UFMG. ed. ed. James. Tradução de Vera da Costa e Silva et al. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos. Roberto. jun. Ruth Silviano.ufmg. Acesso em: 14 nov. Mulher ao pé da letra: a personagem feminina na literatura. 24. formas. ed. p.
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