EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES, RELATOR DO RE635.659 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA TRAVESTIS E DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS – ABGLT, pessoa jurídica de direito privado, CNPJ 00.442.235/0001-33, sede no endereço constante do rodapé da página, presidida por CARLOS MAGNO DA SILVA FONSECA, brasileiro, solteiro, RG 19122645 SSP/MG, CPF 129.462.388-57, vem pelo advogado signatário, procuração com poderes específicos anexa e endereço profissional no Setor de Autarquias Sul, quadra 4, bloco A, Edifício Victoria Office Tower, sala 1122, Brasília/DF, CEP 70.070-938, com fundamento no art. 103, inciso VIII, da Constituição Federal, art. 7º, § 2º, da Lei n. 9.868/1999, art. 543-A, § 6º, do CPC, e art. 323, § 3º, do RISTF, requerer ingresso como AMICUS CURIAE no Recurso Extraordinário n. 635.659 interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que pede a declaração de inconstitucionalidade do art. 28 da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, repercussão geral reconhecida em decisão plenária de 8.12.2011, o que faz pelas razões a seguir expostas. Avenida Afonso Pena, n. 867, sala 2207 - Belo Horizonte/MG | CEP 30.130-905 Fone: (31) 3075-5724 | e-mail:
[email protected] I. DA LEGITIMIDADE DO INGRESSO a) Da habilitação de amicus curiae em processo de controle difuso de constitucionalidade 1. Nos termos do art. 7º, § 2º, da Lei n. 9.868/1999, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ante a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderão ser admitidas entidades alheias à relação processual para contribuírem com os trabalhos da Corte e democratizar o debate constitucional. Com efeito, como asseverou o Ministro Celso de Mello na ADI 2130 A admissão de terceiro, na condição de amicus curiae, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de participação formal de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais.1 2. Contudo, nos termos do art. 543-A, § 6º, do CPC, e art. 323, § 3º, do RISTF, também em recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida podem terceiros se manifestarem a fim de qualificar a discussão. É com tais fundamentos que a ABGLT requer seu ingresso no feito. 1 ADI n° 2.130-3 SC. Relator: Min. Celso de Mello. Informativo STF, n. 215, DJ 02 fev. 2001. Avenida Afonso Pena, n. 867, sala 2207 - Belo Horizonte/MG | CEP 30.130-905 Fone: (31) 3075-5724 | e-mail:
[email protected] b) Da relevância da matéria 3. A relevância da matéria é evidente. Como asseverou Vossa Excelência no voto em que entendeu configurada a repercussão geral no presente feito, a inconstitucionalidade da criminalização do porte de drogas para consumo pessoal é discussão que alcança grande número de interessados, com manifesta relevância social e jurídica. 4. É certo que a criminalização das condutas relacionadas aos usuários de drogas é tema com relevância que ultrapassa mesmo as fronteiras nacionais, inserindo-se no contexto de discussão da política de drogas hoje travada em âmbito mundial. 5. A Global Comission on Drug Policy, que reúne líderes mundiais como os ex-Presidentes Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Ernesto Zedillo (México), César Gaviria (Colômbia) e Ruth Dreifuss (Suíça) e o ex-Secretário Geral das Nações Unidas Kofi Annan, recomendou em relatório de 2011 que governos experimentassem “modelos de regulamentação legal de drogas com o objetivo de enfraquecer o poder do crime organizado e preservar a saúde e a segurança de seus cidadãos”2. Já em 2014 o Expert Group on the Economics of Drug Policy da London School of Economics, composto por cinco ganhadores do Prêmio Nobel, defendeu no relatório Ending the War on Drugs iniciativas de legalização de cannabis sem fins lucrativos para refrear os problemas advindos da proibição3. 2 GLOBAL COMISSION ON DRUG POLICY. Guerra às drogas. Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: <goo.gl/Q1ze6e>. Acesso em 20 ago. 2014. 3 EXPERT GROUP ON THE ECONOMICS OF DRUG POLICY. Ending the war on drugs. Londres: LSE Ideas, 2014. Disponível em: <goo.gl/lYEzuZ>. Acesso em 20 ago. 2014. Avenida Afonso Pena, n. 867, sala 2207 - Belo Horizonte/MG | CEP 30.130-905 Fone: (31) 3075-5724 | e-mail:
[email protected] 6. De modo semelhante, em 2013 a Organização dos Estados Americanos apontou em relatório apresentado pelo seu Secretário-Geral José Miguel Insulza a descriminalização do uso de drogas e a regulamentação de distribuição e consumo de cannabis como estratégias de garantia à saúde de usuários e redução do poder do crime4. 7. Até mesmo instâncias da Organização das Nações Unidas começam a esboçar uma nova perspectiva, mais atenta ao que a realidade coloca. Em março de 2015 o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento publicou o documento intitulado Perspectives on the development dimensions of drug control policy5 como contribuição para a UNGASS 2016, apontando que a atual política têm tido pouquíssimo efeito na erradicação da produção ou no uso problemático dessas substâncias, tendo, ao mesmo tempo, acarretado danosas consequências colaterais, como a criação de um mercado criminal; o aumento da corrupção, da violência e da instabilidade; ameaça à saúde e à segurança públicas; violações a direitos humanos em larga escala, aí incluídas punições abusivas e desumanas; discriminação e marginalização de pessoas. Voltando-se para a consideração dos impactos danosos da atual política de proibição às selecionadas drogas tornadas ilícitas sobre sua específica área de atuação, o documento do PNUD aponta que crescentes evidências demonstram os efeitos negativos dessa política sobre o desenvolvimento humano, especialmente em seus aspectos relacionados à superação da pobreza e à promoção da sobrevivência sustentável; o estado de direito; os direitos humanos; a igualdade de gêneros; o ambiente; os povos indígenas e as práticas tradicionais e religiosas.6 4 OEA. Scenarios for the drug problem in the Americas: 2013-2025. Disponível em: <http://goo.gl/nSQ7fP>. Disponível em: <http://goo.gl/rW9oj8>. Acesso em 24. abr. 2015. 6 LEAP Brasil. Agência da ONU aponta os danos provocados pela proibição. Disponível em: <http://goo.gl/GTfZhW>. Acesso em 24. abr. 2015. 5 Avenida Afonso Pena, n. 867, sala 2207 - Belo Horizonte/MG | CEP 30.130-905 Fone: (31) 3075-5724 | e-mail:
[email protected] 8. Também no mês de março de 2015, durante sua 28ª sessão, o Conselho de Direitos Humanos da ONU editou resolução da qual consta, entre outras determinações, que o Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos prepare um estudo sobre o impacto da política de repressão às drogas também como contribuição para a Sessão Especial que ocorrerá em 2016.7 9. Aliás, tão relevante a matéria que as Supremas Cortes da Argentina e da Colômbia sobre ela já se debruçaram, declarando inconstitucional a criminalização da conduta, em termos gerais, descrita no art. 28 da Lei n. 11.343/2006. 10. Demonstrado o requisito da relevância da matéria cumpre, portanto, demonstrar a representatividade da peticionária. c) Da representatividade adequada 11. A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais foi criada em 31 de janeiro de 1995, com 31 grupos fundadores. Hoje a ABGLT congrega nacionalmente quase 400 organizações, sendo a maior rede LGBT na América Latina. 12. Sua missão é promover ações que garantam a cidadania e os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, contribuindo para a construção de uma sociedade democrática, na qual 7 ACNUDH. Contribution of the Human Rights Council to the United Nations General Assembly Special Seccional on the World Drug Problem of 2016. Disponível em: <http://goo.gl/4PBXJJ>. Acesso em: 24. abr. 2015. Avenida Afonso Pena, n. 867, sala 2207 - Belo Horizonte/MG | CEP 30.130-905 Fone: (31) 3075-5724 | e-mail:
[email protected] nenhuma pessoa seja submetida a quaisquer formas de discriminação, coerção e violência, em razão de suas orientações sexuais e identidades de gênero (art. 4º, do estatuto). 13. Nessa esteira, a postulante identifica na atual política de drogas fonte de violação de direitos da comunidade LGBT. Em seu V Congresso Nacional realizado entre os dias 22 e 25 de maio de 2014 em Niterói/RJ promoveu a roda de debate “Consumo de drogas entre a população LGBT: a redução de danos como estratégia eficaz de garantia de direitos sociais e a saúde”, onde discutiu-se como os contextos de consumo substâncias psicoativas tem contribuído para marginalizar ainda mais esta população e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde e assistência social em razão dos efeitos perversos da estigmatização, inserindo definitivamente em sua agenda política a mudança da Lei de Drogas e pautando o tema em todos os espaços políticos que ocupa. 14. Assim é que no âmbito do Grupo de Trabalho “Políticas sobre Drogas” do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve)8, onde ocupa a cadeira LGBT que cabe à sociedade civil, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais tem promovido franco debate sobre a transversalidade da política de drogas, destacando o impacto da abordagem proibicionista especificamente sobre a população LGBT. 15. Fruto desse engajamento foi o seminário “Autonomia, Cidadania e Direitos Humanos para a Juventude: A reinvenção 8 O Conselho Nacional de Juventude, criado pela Lei n. 11.129/2005, é órgão consultivo vinculado à Secretaria de Juventude da Presidência da República que tem entre suas atribuições formular e propor diretrizes voltadas para as políticas públicas de juventude, desenvolver estudos e pesquisas sobre a realidade socioeconômica dos jovens e promover o intercâmbio entre as organizações juvenis nacionais e internacionais. Avenida Afonso Pena, n. 867, sala 2207 - Belo Horizonte/MG | CEP 30.130-905 Fone: (31) 3075-5724 | e-mail:
[email protected] necessária das Políticas sobre Drogas”9 realizado em agosto de 2014 pelo Conjuve, cujos resultados foram reunidos em carta de mesmo título10. 16. Além disso, consciente da importância do debate público qualificado e da atuação política organizada a ABGLT se uniu a outras organizações da sociedade civil – entre elas Instituto Sou da Paz, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos, Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, Pastoral Carcerária, Conectas Direitos Humanos, todas habilitadas como amici curiae no presente feito – na construção da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, lançada no dia 28 de maio da Faculdade de Direito da USP, rede que tem por objetivo a “atuação conjunta de organizações não governamentais, coletivos e especialistas de diversos campos de atuação que busca debater e promover políticas de drogas fundamentadas na garantia dos direitos humanos e na redução dos danos produzidos pelo uso problemático de drogas e pela violência associada à ilegalidade de sua circulação”11. 17. É evidente, assim, que aqui não se trata de mero interesse no deslinde do feito – a abrangência do debate que a postulante tem promovido demonstra que ela possui representatividade suficiente para atuar como amicus curiae e “pluralizar o debate constitucional, permitindo que o Supremo Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à resolução da controvérsia”12, trazendo a perspectiva 9 CONJUVE. Conselho Nacional de Juventude debate política de drogas. Notícia de 1º de setembro de 2014 disponível em: <http://goo.gl/yUd2Mm>. 10 Disponível em: <http://goo.gl/RhwnFC>. Cópia anexa. 11 Plataforma Brasileira de Política de Drogas. Missão. Disponível em: <http://pbpd.org.br/wordpress/?page_id=2714>. 12 Decisão do ministro Celso de Mello de 9 de dezembro de 2013 no RE 659.424. Avenida Afonso Pena, n. 867, sala 2207 - Belo Horizonte/MG | CEP 30.130-905 Fone: (31) 3075-5724 | e-mail:
[email protected] da comunidade LGBT para a discussão, que ganha em intensidade democrática. 18. Pode-se, todavia, questionar se é adequada a representatividade da ABGLT para o presente pedido. O impacto concreto da política de drogas criminalizadora especificamente sobre a população LGBT – e aqui se antecipa parcialmente a contribuição da postulante para o debate – responderá de modo afirmativo. 19. Como apontado acima, é missão da ABGLT promover ações que garantam a cidadania e os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Todavia a guerra às drogas se apresenta hoje como uma das maiores causas de violação de direitos, em especial na América Latina. 20. Atentas a isso, em janeiro de 2014 dezessete organizações do continente convocaram aquela que viria a ser a primeira audiência temática sobre política de drogas da história da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, realizada em 25 de março daquele ano13. 21. As entidades apontavam como principais consequências dessa política os elevados níveis de violência resultantes da estratégia militarizada de luta contra o narcotráfico, o impacto das campanhas de erradicação de cultivos ilegais, em particular nos direitos humanos econômicos, sociais e culturais das populações campesinas e em situação de deslocamento forçado, a criminalização de usuários, práticas policiais arbitrárias com fundamento nas leis de drogas, desproporcionalidade das sentenças condenatórias, o 13 Conferir notícia do site da Conectas Direitos Humanos intitulada Audiência histórica - pela primeira vez, CIDH discute falência da ‘guerra às drogas’ na América Latina. Disponível em: <http://goo.gl/kWyklL>. Acesso em 10 mai 2015. Avenida Afonso Pena, n. 867, sala 2207 - Belo Horizonte/MG | CEP 30.130-905 Fone: (31) 3075-5724 | e-mail:
[email protected] agravamento da situação carcerária, e políticas de reabilitação contrárias aos direitos humanos de usuários problemáticos. 22. Com relação a este último ponto o documento indica a estreita ligação entre a estigmatização provocada pela atual política de drogas e a violação de direitos de usuários que eventualmente precisem se socorrer de cuidados médicos: Entre otro de los efectos de la criminalización del consumo de drogas se distingue la estigmatización que sufren las personas que consumen drogas. Por su parte, la estigmatización y la criminalización son una de las más evidentes barreras al acceso a la atención en salud. En este sentido, el relator de la ONU contra la tortura y otros tratos crueles y degradantes, Juan Méndez señala que “al recibir atención médica esta se considera una experiencia humillante, punitiva y cruel”. 23. No mesmo sentido observou o Ministro Eugenio Raúl Zaffaroni em seu voto no caso Arriola, Sebastián y otros, no qual a Suprema Corte Argentina declarou a inconstitucionalidade da criminalização do porte de drogas para consumo pessoal. Para ele a criminalização do usuário de drogas é, em verdade, um obstáculo para sua própria recuperação, pois el procesamiento de usuario [...] se convierte en un obstáculo para la recuperación de los pocos que son dependientes, pues no hace más que estigmatizarlos y reforzar su identificación mediante el uso del tóxico, con claro perjuicio del avance de cualquier terapia de desintoxicación y modificación de conducta que, precisamente, se propone el objetivo inverso, esto es, la remoción de Avenida Afonso Pena, n. 867, sala 2207 - Belo Horizonte/MG | CEP 30.130-905 Fone: (31) 3075-5724 | e-mail:
[email protected] esa identificación en procura de su autoestima sobre la base de otros valores.14 24. Os efeitos da estigmatização do usuário não são mera suspeita. Em estudo publicado em 2011 sobre as consequências da descriminalização promovida por Portugal no ano de 2001 Artur Domosławski aponta que naquele país a criminalização fazia com que alguns consumidores de drogas sentissem medo de pedir ajuda médica com receio de punição, ou com medo de um registro criminal que lhes traria dificuldades em termos laborais e de inserção na sociedade.15 25. No Brasil a realidade não é diferente, como mostra o Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos16 publicado em 2011 pelo Conselho Federal de Psicologia como resultado de inspeções em unidades de acolhimento de usuários de álcool e outras drogas promovidas após inúmeras denúncias feitas ao Observatório de Saúde Mental e Direitos Humanos da autarquia. 26. Foram visitadas 68 instituições de internação de dependentes químicos em 24 estados e no Distrito Federal e constatadas as mais variadas violações de direitos – “de forma acintosa ou sutil”, de acordo com as 14 ARGENTINA. Corte Suprema de Justicia de la Nación. Recurso de hecho A. 891.XLIV. Recorrentes: Fares, Acedo, Villareal, Medina e Cortejarena. Buenos Aires, 25 de agosto de 2009. Disponível em: <http://goo.gl/zw5rIs>. Acesso em: 9. abr. 2015. 15 DOMOSŁAWSKI, Artur. Política da droga em Portugal: os benefícios da descriminalização do consumo de drogas. Varsóvia: Open Society Foundations: 2011, p. 24. Disponível em: <http://goo.gl/TS2zR7>. Acesso em: 7 abr. 2015. 16 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos: locais de internação para usuários de drogas. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2011. Disponível em: <http://goo.gl/pXOTLf>. Acesso em: 8 jun. 2015. Avenida Afonso Pena, n. 867, sala 2207 - Belo Horizonte/MG | CEP 30.130-905 Fone: (31) 3075-5724 | e-mail:
[email protected] conclusões do relatório – como interceptação e violação de correspondências, violência física, castigos, torturas, exposição a situações de humilhação, imposição de credo, exigência, intimidações, revista vexatória de familiares e violação de privacidade. 27. O documento faz especial menção ao “constrangimento a que são submetidos os homossexuais, travestis, lésbicas, entre outros, considerados, todos, como portadores de uma sexualidade desviante”. Em pelo menos 19 das comunidades terapêuticas inspecionadas foi registrado desrespeito à orientação sexual ou à identidade de gênero de internos, sendo possível ler das conclusões dos avaliadores notas como “indícios de situações de constrangimento e vexatórias: homossexual saiu da instituição por pressão do pastor responsável”, “a doutrina religiosa ensina que a homossexualidade é errada”, “a instituição não permite nem a manifestação e nem a prática da homossexualidade e realiza todo um trabalho religioso para converter o interno”, “desrespeito à livre orientação sexual e à identidade de gênero”, “não aceita o ingresso de homossexuais”, “internos homossexuais são evitados, mas, quando aceitos, recebem um trabalho para alterar sua orientação sexual”. 28. As práticas dessas instituições – de forma imprópria chamadas comunidades e de absolutamente contestável terapêutica – configuram inegáveis violações à dignidade das pessoas LGBT afirmada por esta Corte inúmeras vezes, sendo marcante em sua história o julgamento da ADPF 132 e da ADI 4277 em que se reconheceram as uniões homoafetivas e nas quais a postulante interviu como amicus curiae; violações estas decorrência inegável de uma política de drogas que aprisiona e mortifica modos singulares de Avenida Afonso Pena, n. 867, sala 2207 - Belo Horizonte/MG | CEP 30.130-905 Fone: (31) 3075-5724 | e-mail:
[email protected] existência, que foram denunciadas pela postulante ao Ministério Público Federal17. 29. É assim que a criminalização de usuários de drogas – para além de configurar por si mesma uma negação da dignidade da pessoa, o que será tratado mais profundamente em manifestação específica quanto à inconstitucionalidade da norma incriminadora impugnada no presente recurso extraordinário, caso deferido o pedido de ingresso como amicus curiae – tem por consequência violações de direito ainda mais insuportáveis quando recai sobre usuários LGBT. 30. Fazendo-se um paralelo com a teoria do impacto desproporcional18, numa situação de constitucionalidade da criminalização do porte de drogas para consumo pessoal haveria violação ao princípio constitucional da igualdade material em consequência da incidência especialmente desproporcional e nociva da norma sobre a população LGBT, que seria apenada pelo cometimento de infração penal e, além disso, pela sua orientação sexual ou identidade e gênero, elementos constitutivos de sua própria dignidade. 31. É essa, com efeito, a situação experimentada hoje pelas pessoas LGBT que eventualmente necessitem buscar tratamento por conta de uso problemático de drogas: encontram serviços públicos (ou suportados pelo Poder Público) condicionados por uma política que não respeita suas especificidades, agravando mais ainda sua vulnerabilidade social. 17 Revista Lado A. ABGLT denuncia casas de internações para viciados em drogas que aplicam “cura gay” no Brasil e violam direitos humanos. Disponível em: <http://goo.gl/JJ9awN>. Acesso em: 9 jun. 2015. 18 Conferir BARBOSA, Joaquim. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. Avenida Afonso Pena, n. 867, sala 2207 - Belo Horizonte/MG | CEP 30.130-905 Fone: (31) 3075-5724 | e-mail:
[email protected] 32. Assim, o impacto desproporcional sobre a população LGBT decorrente da criminalização do uso de drogas – que em nada se aproxima de qualquer ilação mesquinha que se possa fazer sobre maior ocorrência de consumo de drogas nessa população – demonstra que a justificativa de ingresso da ABGLT como amicus curiae vai além de mero interesse no deslinde da causa e se escora mesmo na representatividade adequada que detém para debater matéria com evidentes reflexos sobre a cidadania e os direitos humanos de gays, lésbicas, travestis e transexuais, cuja promoção e defesa constituem sua missão institucional. II. DO PEDIDO Ante sua expressividade nacional bem assim a relação do objeto do presente recurso especial com suas finalidades institucionais a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS – ABGLT requer seja admitida como amicus curiae e lhe seja oportunizada a apresentação de razões escritas e sustentação oral quando do julgamento do feito. Espera deferimento. Brasília/DF, 9 de junho de 2015. RODRIGO MELO MESQUITA OAB/DF 41.509 Avenida Afonso Pena, n. 867, sala 2207 - Belo Horizonte/MG | CEP 30.130-905 Fone: (31) 3075-5724 | e-mail:
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