5 - Bases Sócio-Antropológicas Dos Afro-Descendentes - 5

May 9, 2018 | Author: Cleber Almeida de Oliveira | Category: Anthropology, Racism, Ethnicity, Race & Gender, Sociology, Science


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CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELAPORTARIA Nº 2.861 DO DIA 13/09/2004 MATERIAL DIDÁTICO BASES SOCIOANTROPOLÓGICAS DOS AFRODESCENDENTES 0800 283 8380 www.portalprominas.com.br 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 3 UNIDADE 1 – ENTENDENDO A ANTROPOLOGIA .................................................. 5 1.1 Conceitos e ramificações ...................................................................................... 5 1.2 Dos primórdios da Antropologia ao século XIX ..................................................... 8 UNIDADE 2 – FORMAÇÃO DO SUJEITO BRASILEIRO – AS NOSSAS RAÍZES . 11 2.1 A nossa formação étnico-racial ........................................................................... 17 UNIDADE 3 – MIGRAÇÕES - FOCO NO BRASIL ................................................... 24 3.1 Movimentos migratórios e a xenofobia ................................................................ 26 3.2 Imigrantes............................................................................................................ 28 3.3 Migrantes brasileiros ........................................................................................... 35 UNIDADE 4 – ETNIA, RAÇA E MULTICULTURALISMO ........................................ 38 4.1 Classificação de cor e raça do IBGE ................................................................... 38 4.2 Etnia e raça ......................................................................................................... 41 4.3 Multiculturalismo: definições e surgimento .......................................................... 43 4.4 Currículo, etnia e diversidade cultural ................................................................. 47 UNIDADE 5 – QUILOMBOLAS ................................................................................ 51 5.1 As comunidade quilombolas................................................................................ 51 5.2 Como identificar uma pessoa de origem quilombola ........................................... 52 5.3 Identificando a terra e localizando comunidades quilombolas............................. 52 5.4 As dificuldades encontradas pelos municípios para cadastrar famílias quilombolas ............................................................................................................... 53 5.5 O Programa Brasil Quilombola (PBQ) ................................................................. 53 UNIDADE 6 – POPULAÇÕES INDÍGENAS ............................................................. 56 6.1 A realidade, os direitos dos povos indígenas no Brasil e as Terras Indígenas (TIs) ........................................................................................................................... 56 6.2 Proteção social – direito dos povos indígenas .................................................... 59 6.3 O Cadastramento das famílias indígenas............................................................ 59 UNIDADE 7 – REVISITANDO A HISTÓRIA DAS RELIGIÕES AFRICANAS .......... 63 7.1 A religião na África .............................................................................................. 63 7.2 As religiões afro-brasileiras ................................................................................. 66 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 70 3 INTRODUÇÃO Não faz muito tempo que a Antropologia encontrou seu espaço e lugar nas ciências. Já passou como parte da história natural e até mesmo física do homem e, por conseguinte, do seu processo evolutivo. Como diz Buzzi (1988), na antropologia se expõe os conhecimentos de filosofia a respeito do ser humano e assim ela, a filosofia, mostra o conhecimento que o homem faz do ser, tanto que ela traduz uma antropologia. Estudar o homem como ser biológico, social e cultural são os principais objetivos da Antropologia e em cada uma dessas dimensões encontramos os mais variados desdobramentos, portanto, podemos dizer que o conhecimento antropológico geralmente é organizado em áreas que indicam uma escolha prévia de certos aspectos a serem privilegiados como: • a “Antropologia Física ou Biológica” (aspectos genéticos e biológicos do homem); • a “Antropologia Social” (organização social e política, parentesco, instituições sociais); • a “Antropologia Cultural” (sistemas simbólicos, religião, comportamento); e, • a “Arqueologia” (condições de existência dos grupos humanos desaparecidos). Além disso, podemos utilizar termos como Antropologia, Etnologia e Etnografia para distinguir diferentes níveis de análise ou tradições acadêmicas. Claude Lévi-Strauss (1970, p. 377) explica que: • a etnografia corresponde aos primeiros estágios da pesquisa – observação e descrição, trabalho de campo; • a etnologia, com relação à etnografia, seria um primeiro passo em direção à síntese; • a antropologia, uma segunda e última etapa da síntese, tomando por base as conclusões da etnografia e da etnologia. ou seja. deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores. mas não menos científicos. Pedimos licença para fugir um pouco às regras com o objetivo de nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva. portanto. povos estes que somados aos europeus dão a ‘forma’ à nossa população. de uma redação original. incluindo aqueles que consideramos clássicos. centraremos nossos estudos neste módulo. justamente nas bases antropológicas dos descendentes africanos e povos indígenas. além da lista de referências básicas. ora somente consultadas e que podem servir para sanar lacunas que por ventura surgirem ao longo dos estudos. 4 Apoiando-nos nesses breves conceitos. não se tratando. sabemos que a escrita acadêmica tem como premissa ser científica. baseada em normas e padrões da academia. . Duas observações se fazem necessárias: Em primeiro lugar. Ao final do módulo. encontram-se muitas outras que foram ora utilizadas. Em segundo lugar. além da Antropologia Biológica. 5 UNIDADE 1 – ENTENDENDO A ANTROPOLOGIA Ao prefaciar o livro “Aprender Antropologia” de François Laplantine (2003). o termo Antropologia refere-se ao estudo da história natural da espécie humana. feito com a intenção de produzir conhecimento fiável sobre as populações humanas e o seu comportamento. Não é. particularmente adotado nos Estados Unidos da América (Spencer. Já no seu sentido lato.1 Conceitos e ramificações Etimologicamente. isto é. a Antropologia no Brasil tem seguido um rumo diverso. portanto. a definição mais simples e completa de Antropologia é a de Haviland. Queiroz nos mostra que uma das maneiras mais proveitosas de se dar a conhecer uma área do conhecimento é traçar-lhe a história. a Arqueologia e a Linguística. os Departamentos de Antropologia. tendo. a palavra tem um âmbito mais abrangente. que inclui a Antropologia Cultural ou Social. 1997 apud SALZANO. No entendimento de Batalha (2005). Por essa decomposição podemos inferir que Antropologia é a ciência que estuda ou se preocupa com o ser humano e suas relações. Para Salzano (2009). Este é o chamado enfoque dos quatro campos. e logos – razão ou pensamento. Tradicionalmente. o da história. 2009). A participação de linguistas e antropólogos biológicos nessas unidades é praticamente nula. como deitou ramificações novas que alteraram seu tema de base ampliando-o. com grupos geralmente menores de arqueólogos. no seu sentido estrito. que a define como o estudo da humanidade em toda a parte e através do tempo. Fazemos dessas nossas palavras e para início de conversa seguiremos esse viés. mesmo que sejamos breves. mostrando como foi variado o seu colorido através dos tempos. 1. tendo em conta o que as torna simultaneamente iguais e diferentes. pois. uma ciência exata e se liga emaranhadamente a outras ciências sociais. Antropologia vem de antrhopos – homem ou pessoa. concentrando primariamente cultores da Antropologia Cultural. um campo de atuação muito vasto. . da Antropologia Física ou Biológica. crenças. teremos de ter em conta que existem. estatura. cor da pele. No início do século XX. 6 Santos (2008) explica que para podermos analisar as sociedades globais como super-sistemas. p. subsistemas próprios e seus respectivos grupos elementares (parentesco. povos). direta ou indiretamente. temos que ela estuda o modo de vida (forma de trabalhar. religião) de um conjunto de indivíduos que fazem parte de um determinado grupo ou sociedade . fazendo uma divisão principal entre: • Antropologia física – estuda o homem sob o seu aspecto puramente biológico. 2005. seus pensamentos e sentimentos. como e onde surgiram as populações humanas e como e porque variam entre si física e culturalmente. em forma de cadeia. adivinhas. para identificar e distinguir os grupos étnicos (raças. a distinção entre Antropologia social e Antropologia cultural constituía uma diferenciação epistemológica que. Ao procurar saber quando. 48). dentro delas. entre outras) tanto no espaço como no tempo. sexo. hábitos. com o objetivo de compreender a cultura de sociedades já desaparecidas. ao longo dos últimos anos. • Antropologia social e cultural – tem relações estreitas com a etnologia e com a sociologia (COLLEYN. ou seja. costumes. tem vindo a perder fundamento. Ainda falando sobre a Antropologia Social e Cultural. Procura compreender a relação entre o meio geográfico e os aspectos físicos do homem e como esses aspectos podem influenciar a sua cultura. a Antropologia acabou por se especializar em áreas científicas. Vejamos outras ramificações: • Antropologia Linguística – procura entender a vida do homem. cantigas. canções. estuda as características físicas do homem (fisionomia. • Antropologia Psicológica – estuda os comportamentos conscientes de cada indivíduo para compreender o homem no geral. • Antropologia Pré-histórica – estuda o homem a partir dos vestígios materiais e outros testemunhos da sua atividade passada. entre outras). língua. através do estudo da literatura escrita e da tradição oral (provérbios. criando a sua própria unidade e originalidade social. idade) que interagem entre si e com o resto da sociedade. fisiologia. também. Antropologia Social estuda um grupo ou uma sociedade como um conjunto. utensílios. Ao partilhar com outras Ciências Humanas as formas e modos de organização social do ser humano. percursos históricos. como um repositório de saberes que emerge de diversas disciplinas acadêmicas. no seu trabalho “de campo”. escolas de pensamento diferenciadas e sociedade e cultura de origem dos próprios antropólogos. artefatos (ferramentas. corroboram a ciência antropológica (SANTOS. nomeadamente a Sociologia. . enquanto a Antropologia Cultural estuda o comportamento individual das pessoas de uma determinada comunidade. Apesar de interligados. 2008). na sua totalidade. essa ciência caracteriza-se. obras artísticas). de agir. de manifestar sentimentos. embora elas existam ao nível dos: métodos e técnicas utilizados. Analisa todos os aspectos que fazem parte da cultura do Homem Enfim. objetos científicos específicos. Desta forma. Este comportamento de mudança observou-se. Analisa a forma como cada indivíduo vive numa sociedade. A Antropologia Cultural estuda a cultura das sociedades humanas: língua. forma de pensar. normas de conduta. com outras ciências sociais. as duas disciplinas cruzam-se inevitavelmente. utiliza os fatos históricos identificáveis que ao serem analisados pelo arqueólogo. crenças. hábitos. em determinado solo geográfico. Ao recorrer à observação participante (métodos menos diretos). As semelhanças entre essas Ciências são mais evidentes do que as suas diferenças. religião. a Antropologia está também elencada ao campo científico histórico. convencionou-se que a Sociologia estudava as sociedades industriais e a Etnologia estudava as sociedades ditas “primitivas”. entre outros. apoiando-se nos dados que lhe eram fornecidos pela Etnografia. Inicialmente. dada a sua necessidade de compreender como funciona uma sociedade no presente e as relações sincrônicas entre os seus respectivos elementos. 7 e analisa a forma como esses indivíduos se relacionam com indivíduos de outros ou sociedades. assim. a Antropologia Social pode ser distinguida da Antropologia Cultural. O Homem era compreendido a partir da cosmovisão. E mais: acontece livre indagação da natureza física pelo homem. pela razão e pela linguagem. enquanto corpo e mente formam uma unidade única. não mais se fundamentando a dignidade humana na “imagem e semelhança de Deus”. mas a pesquisa da constituição corpórea. suas condições naturais e sua formação histórico natural. Enquanto a antropologia física busca as origens e a natureza biológica do homem na . No século XIX e começo do século XX. Vejamos: • não mais interessava a questão da autorreflexão sobre a essência humana. Ocorre a afirmação do valor e da dignidade da pessoa humana. Os filósofos foram aprimorando seus entendimentos e em Aristóteles (384- 322 a.2 Dos primórdios da Antropologia ao século XIX Desde Sócrates.) encontramos o homem como um ser social que. o homem passa a ser visto como um ser que participa tanto do mundo espiritual como do material. mas derivando sua especificidade da própria natureza humana. Embora o termo antropologia como “ciência do homem” esteja em uso desde o século XVI. • separação entre antropologia física e antropologia filosófica-teológica. em princípios éticos para manter justiça e ordem no Estado. Sua busca é pela felicidade. A partir do Humanismo e Renascimento. sem os limites impostos pela autoridade. somente depois do Iluminismo desenvolveu-se uma antropologia filosófica e teológica no sentido restrito. na convivência com os outros. é capaz de orientar-se. • as atitudes passam a ser antifilosófica e antirreligiosa. 8 1. mudando o objeto. a pesquisa antropológica voltou-se para o estudo das condições físicas. No século XX é instituída a antropologia como disciplina científica. o conhecimento de si mesmo é a mais alta meta da indagação filosófica “conhece-te a ti mesmo”. • concentrava-se na pesquisa da Physis humana.C. onde o isolamento cultural é quase impossível e onde os contatos são inevitáveis e se multiplicam. procurando minimizar os desequilíbrios e tensões culturais e tentando fazer com que as culturas atingidas sejam menos molestadas e seus valores e padrões respeitados. 2011. foi basicamente interdisciplinar e integradora. que se torna um problema para si mesmo. Como diz Salzano (2009). Com o acúmulo de novas informações. 2003). de todo modo. em seus primórdios. • sua conduta é marcada profundamente por tradições e instituições culturais e menos por instintos herdados. migrou para a filosofia e a teologia. • os animais estão vinculados ao seu ambiente enquanto o homem é aberto ao mundo. de caráter diverso. sendo seu grande mérito mostrar que a antropologia transcende os limites do método científico: • a questão da antropologia extrapola as ciências singulares e. Assim. REALE. a Antropologia. tem havido uma tendência cada vez maior para a especialização em determinada subárea. • antropologia biológica seria o homem = animal. • com inteligência o homem compensa suas carências biológicas. 9 perspectiva da ciência empírica. levando muitas vezes a situações conflitantes. e na antropologia filosófica: homem ≠ animal. • o homem é o único vivente que indaga sobre sua própria natureza. físicos e culturais na busca de soluções para os . ela vem adquirindo importância cada vez maior no mundo moderno. A antropologia empenha-se na solução dessas situações. Max Scheler (1874-1928) nos oferece grandes contribuições. por isso. • somente ele é consciente de si (ZILLES. no século XX nasce uma antropologia da relação transformadora da filosofia para com as outras ciências. a antropologia filosófica e teológica buscam o consenso – deve-se buscar o diálogo com as antropologias do momento para estabelecer uma relação entre elas. Aplica conhecimentos antropológicos. 10 modernos problemas sociais. dos grupos simples e das sociedades civilizadas. Guarde.. políticos e econômicos. . A finalidade da antropologia é o fornecimento do maior número possível de estudos sobre grupos humanos.. uma vez que cada um deles é o produto de uma experiência cultural particular. faz-se necessário compreender. das multiracialidade que nos significa e difere de tantos países mundo afora. é construído sobre uma admirável metodologia dos contrários. O autor aproveita o critério tipológico da dialética weberiana. tendo em vista que somos um país de extremas desigualdades e multiculturalidades. traçando uma genealogia do assunto com o ponto de partida da constituição de nossa sociedade brasileira embasado na obra de BUARQUE DE HOLANDA (1995) e também abarcando outras leituras da sociologia clássica. principalmente. ressaltando. a sua interação no processo histórico. na medida dinâmica. que alarga e aprofunda a velha dicotomia da reflexão latino-americana. Partindo do ponto de que Buarque de Holanda (1995) está embasado na exploração dos conceitos polares. ainda há uma massa densa. ultimamente vivemos em paisagens de instabilidades quando vemos o levante de vários grupos tidos como minoritários perante os modelos vigentes e dominantes de nossa sociedade indo para as ruas. porém. 11 UNIDADE 2 – FORMAÇÃO DO SUJEITO BRASILEIRO – AS NOSSAS RAÍZES Esta unidade tem o objetivo de adentrar especificamente no âmbito da discussão sobre a formação do sujeito brasileiro. A nossa sociedade está calcada sobre bases rígidas. a dança do hibridismo existe com muita força em nossa forma de ser. do que propriamente material. o que fundamentaria uma dialética do conflito. um concreto duro. não que não haja esta segunda. porém cremos ser mais uma dialética ideológica. deste modo. fazendo barulho. datado de anos de construção e endurecido pela ação do tempo e do sol forte que brilha e ilumina a pele negra de uma significativa parcela que forma este Brasil da multiculturalidade. reivindicando e fazendo os seus direitos. um pouco desta formação de sociedade. seu livro Raízes do Brasil. até porque o que caracteriza nossa desigualdade é justamente a espoliação material da qual sofremos até hoje enquanto Estado precarizado. mas ele modifica-o. . pensar e agir no dia a dia. Pensar nesta constituição de sociedade é importante. Mas nem por isso há uma concordância a respeito dos elementos de dualidade. se bem que. mesmo que brevemente. mas com o intuito de reivindicação e gozação da vulgaridade que a elite comete com seus excessos por parte daqueles sujeitos que não obtêm o mesmo privilégio. e desejam poder alcançar este status. É importante lembrarmos que este uso de linguajar nem sempre é apropriado para fins pacíficos numa alienação massificada. ou qualquer papel hierárquico que estenda seu cordialismo tendencioso no intuito da eterna submissão. em pleno século XXI. Numa relação de provir onde o trabalhador servirá sempre aos propósitos da ostentação do patrão. porém. onde o trabalhador é passível de cooptação pelo chefe. incipiente da diluição de concentração da renda. porém maior no discurso disseminado de mobilidade social. desde o começo a hierarquia lusa. 12 principalmente por resquícios da colonização e cultura dual que cristalizou a estrutura de benefícios e regalias desta colonização. bem como o alcance econômico que hoje. Buarque de Holanda (1995) mostra a sociedade brasileira como sendo marcada pelo apreço e diferença. que soa melhor com a colônia dos trópicos onde. tornando essa prática de usurpação de linguagem e bordões condenada e criticada pela elite. são os equívocos de uma elite perdida entre a cordialidade e modernidade. se fez firmar pela divisão social. Ora consciente dessa submissão ou completamente alienado através da cooptação. Onde o sujeito seja ele proveniente de qualquer classe “pertencente” pode apropriar-se do discurso da elite para também dominar dentro do seu ciclo de “iguais”. talvez menos no campo material. O catolicismo veio como instrumento de unidade territorial que os lusos ibéricos lançaram sobre o . na qual o apreço pela diferença se enraíza em como ser uma pessoa de classe. com sua moral cristã. a cordialidade de Buarque de Holanda veio num amálgama como uma marca a abrandar essa dialética de conflito material. O que podemos perceber. tendo em vista a ascensão mais perceptível do brasileiro fazendo com que a questão de classe seja mais transitável. no entanto. enfatizando apenas uma ponta dos extremos. Desta forma então. Esta submissão está casada com o imaginário social como mecanismo da aceitação e esta vem por meio do catolicismo. que infere como vulgaridade a assimilação “indevida” de determinado linguajar. o brasileiro tem podido alcançar com o começo. e esta imitação e endeusamento é tanto existente pela nossa elite. ou seja. ora. mas sim que nos foi imputada por um mecanismo ideológico capitalista? Parece-nos que a força deste modelo cultural. por habitus coletivo que muitos ainda não percebem de tão forte que é essa construção ideológica que é histórica. como explicar que sejamos mais propensos a valorizar uma cultura que nem é a nossa de origem. mas ora. ou numa nomenclatura condizente com a modernidade brasileira. o Brasil já preza por uma sociedade fundamentada por essa moral religiosa. Embora. somos submissos numa colonização ideológica. Este talvez seja a explicação do porque na troca de “favores” internacionais somos quem oferece mais e em detrimento ao que nos é oferecido. bem como também nos põe em total sentimento antifraterno com nossas raízes latino-americanas. como ocorreu com a Família Real Portuguesa. é através desta valorização exacerbada que deixamos de lado de valorizar nossos antepassados. os “emergentes”. individualista pelo fato de nunca falarmos/nos considerarmos como latino- americanos. quanto pelos marginalizados alienados. bolivianos. desse consumo cultural nos coloca em uma situação de alienação dentro do nosso país pelas nossas raízes. chilenos. como continente de novos ricos. pelo sonho americano. Pela incrível propensão da imitação do que é externo a nós. Não é raro ouvirmos de nossos vizinhos argentinos. nossa raiz imigrante e africana. neste caso dos nossos primos ricos do norte e por incrível que pareça a qual damos mais valor do que a nossa própria cultura. 13 recente achado Brasil e que tão significativamente “amarrou” a unidade brasileira de norte a sul. a configuração por uma não existência da moral religiosa na esquematização de práticas modernas. Na América. paraguaios. . Aliás. pois na falta da estrutura legalizada no sentido de um novo Estado regimentado por redes físicas. ser brasileiro é ser latino-americano não? Nosso habitus marginalizado ainda tende a submeter-se ao norte. ocorre uma divergência na modernidade. Somos brasileiros. que somos uma sociedade que se acha diferente. entre outros. existia uma estrutura que se perpetuou na colônia pela figura do sacerdote / Padre. Entretanto. existe uma cooptação do nosso imaginário social pelo atrativo norte americano. que talvez este nem mesmo entenda do porque o crime. mesmo que de uma forma fictícia. moderna e banal. no caso somos hoje sujeitos pseudo inseridos numa modernidade nacional na qual tudo indica que ainda ocorre uma diminuição de um cordialismo para as relações mais individuais inclusive um “depender por si mesmo”. 14 Caracterizamo-nos como uma sociedade exógena da modernidade e as promessas ficaram ou ainda são prometidas enquanto a vulgaridade ficou para nos indignarmos com os exageros da nossa elite. nem mesmo compreende os motivos de ser tão marginalizado. A nossa cordialidade de povo tropical se transforma em violência. tornando-se o crime do pobre uma conotação ordinária. a configuração de povo e burguesia advém da nossa colonização. mas ainda não fundidas na sociedade moderna. este é o ônus de viver num país de tamanha desigualdade social. mas num viés de violência cordial. pois com o avanço da democracia a cordialidade tende a diminuir aguçando os conflitos entre classes. sem explicação que a única saída fica entre a resignação de continuar a ser a base explorada e injustiçada desta pirâmide social. que as relações de hierarquia e lógica cultural se diluíram. Logo. É uma forma de revoltar-se com suas mazelas. comida para seus filhos (as). em sua grande maioria negra no Brasil. o motivo de tanto ódio contra a cor negra. pelo contrário. dominadas. . veremos que não é devido à chegada da família Imperial e independência do Brasil. de corpo a corpo. o que sinaliza essa cordialidade no aspecto do revoltar-se. E a aproximação entre as extremidades pobreza e riqueza tem por vezes se estreitado. ou a criminalização de uma cor. não apenas perpetuou-se no tempo como por vez tornou-se implícita sob a camuflagem da camaradagem de forma a iludir o povo através de uma cordialidade muito mais apropriada pela elite numa modernidade favorável a perpetuação da elite brasileira. Se pensarmos bem. é só pensarmos no quesito da economia que fomos e que ainda continuamos sendo uma empresa de colonos brancos acionada pelo braço de raças estranhas. O pobre. por meio deste marco histórico. ou seja. de apontamento de causas. de uma marginalidade que de tão incoerente chega a ser alienante. crime cordial que ocorre muitas das vezes pela necessidade da elite em se gabar ostentando o luxo perante a quem não têm o que por na mesa. No Brasil. monopolizantes da vida midiática brasileira. A preocupação. que. Este aspecto. não podemos esquecer-nos das inúmeras batalhas que nós pessoas “cordiais” estivemos envolvidos e massacrando milhares de vidas latinas. no comando de grandes tradições como as militares e até mesmo educacionais. pois. ela possibilita a insurgência de problemáticas. nunca inferiu o termo cordialidade como sendo algo próprio de bondoso. em detrimento a racionalidade do povo anglo-saxão. 15 A tônica da cordialidade acabou se constituindo de forma dúbia. estão no comando dos bancos. através dos confrontos internos. estas só servem para sustentá-los no poder enquanto massa de manobra e mão de obra para as ainda suspensas famílias elitistas deste país. Pois à medida que a modernidade vai diluindo a dialética cristalizada de elite x povo. é a distinção de posições e classe como uma ameaça a “legitimidade” de quem sempre se pautou pelo direito de ordenar. homofóbica. espreitando os movimentos da massa. . burguesa e totalmente indiferente com as diferenças. traço dúbio. Não são poucas as famílias nem mesmo são invisíveis como se creem muitos desavisados em nosso país. Eles estão aí. e neste sentido não é absurdo pensar batalhas e lutas onde no jogo de interesse político e de “soberania” o Brasil sim mostrou sua verdadeira face de gigante hierárquico. e gentil. os índios. batalhas nas quais o pobre negro. no comando das grandes empresas. bem como dentro do próprio Brasil. com seus canais de televisão antidemocráticos. aliás. ou complexidade que hoje a elite brasileira sente em relação à mutualidade e permeabilidade que se configura no Brasil. ativistas e militantes diversos tiveram suas vidas ceifadas pela intolerância fomentada por uma elite racista. incoerente de nós brasileiros é apontado por Buarque de Holanda (1995). pois ao mesmo tempo em que Buarque de Holanda (1995) pautado na dialética Weberiana afirma essa característica como sendo própria de nós habitantes dos trópicos. longe disso. incômodos e fissuras que até então ficavam exposta apenas no âmbito das dualidades de luta histórica sendo que há outros aspectos que gritam por espaço na sociedade como da luta pela conquista de direitos devassados da hibridização do sujeito. o termo foi cunhado por ele mais no sentido de denotar uma qualidade de esperteza e malícia do brasileiro no jogo de corpo a corpo dos trópicos. ele estaria então a mercê de uma cultura externa que lhe foi compulsoriamente imposta. coletivamente orquestradas sem ser o produto da ação organizadora de um maestro (BOURDIEU. ou seja. indolente. configurou-se como o sujeito nobre de pertença por excelência. se busca sanar as especificidades de lutas como de homossexuais. Um ponto que julgamos importante pontuar também nesta análise é a maneira como o sujeito negro(a) se constituiu em nosso país. ou seja. entre outros. principalmente. A constituição do Brasil ocorreu e ainda ocorre sob o crivo de uma subcidadania no que diz respeito a um patamar de espoliação que o país acabou se constituindo. branca. não se trata de uma submissão herdada de geração para geração. ou seja. sendo o negro arrancado de sua pátria mãe para servir a esta ordem. 16 Hoje não se reivindica apenas direito de classe. patriarcal. e nesta situação é fácil a proliferação cultural da inveja. estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes. preguiçoso. entre outras. mantida através de uma esfera política e cultural (Imperial. uma guinada forçada. como um sujeito dotado de desqualificações como vagabundo. enterrando este sujeito negro num habitus1 de total submissão que o branco impôs a este através. mas sim vários outros direitos que fazem parte de um mundo híbrido do sujeito. O indivíduo de uma família abastarda. e ostentação 1 Os condicionamentos associados a uma classe particular de condições de existência produzem habitus. 87). burguesa e monogâmica) que veio enraizado no Brasil desde o momento em que fomos “descobertos”. p. sendo tudo isso. 2009. este é um discurso que favorece uma dominação de um sujeito sobre o outro. mas sim de uma guinada de uma vida de liberdade e tradição local. então. para a submissão de trabalho compulsório. Ora. as raças em seu devido local sociais. das mulheres. E. negros (as). do cristianismo que muitas das vezes veio de encontro a crença tribal que muitos possuíam em sua terra natal. Neste caso. como princípios geradores e organizadores de práticas e de representações que podem ser objetivamente adaptadas ao seu objetivo sem supor a intenção consciente de fins e o domínio expresso das operações necessárias para alcançá-los. objetivamente “reguladas” e “regulares” sem em nada ser o produto da obediência a algumas regras e. a utilização deste tipo de discurso desfavorável ajuda a manter as coisas no lugar. ele não necessariamente teria como hipótese elaborada por um discurso dominante um habitus constituído desde a sua origem para poder “vencer na vida”. neste caso. . sistemas de disposições duráveis e transponíveis. um habitus forçado. Neste sentido. 44): Existe uma ética do trabalho. Como aponta Buarque de Holanda (1995. a cultura negra. no caso ao negro. p. “O Brasil é um inferno para os negros. a ordem valorativa máxima. As práticas discriminatórias ocorrem de modo a imputar ao outro. o grande problema que ocorria em território brasileiro. terá por imorais e detestáveis. A falta de condição de vida que marca nossa sociedade é responsável pela baixa alta estima desses sujeitos. e sua condição híbrida de ser sujeito. 2. irresponsabilidade. dois tipos de sujeitos: o aventureiro e o trabalhador. o indivíduo do tipo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente ânimo de praticar e. inversamente. 37). é ele quem é colocado no limbo da valorização humana na nossa sociedade. o racismo se afirma pela negação. instabilidade. enfim. como existe uma ética da aventura. vagabundagem – tudo. embora saibamos que existe muito do suor e sangue negro na constituição de nossas cidades. é negando a cor da pele. e isto era visto com bastante horror para eles era o processo de miscigenação que aqui se dava.1 A nossa formação étnico-racial Como bem apontou DaMatta (1986. Para as teorias racistas europeias. de vagabundo. de nossas construções arquiteturais. característica desse tipo. 17 de sujeito para sujeito no intuito de esmagar. lembrando a fala de Antonil no século VXIII. Este pensamento de ordem hierárquico racial pode ser percebido na obra do antropólogo quando este cita as ideias do Conde de Gobineau . E quem é a ralé que acaba sendo a camada enfocada dessa humilhação? O pobre branco e negro. quanto se relacione com a concepção espaçosa do mundo. um purgatório para os brancos e um paraíso para os mulatos”. Assim. existia um escalonamento entre raças e obviamente que a raça branca se situava no patamar mais alto. características vistas pela nossa sociedade como sendo algo ruim. que é marcado por essas duas características. ocioso. as características de um sujeito de baixa moral. tanto materialmente quanto simbolicamente. no topo da hierarquia social vigente. esta característica no nosso país diz muito do homem brasileiro. as raízes que ajudaram a constituir a sociedade brasileira. É importante salientar que no Brasil. p. Para eles. conforme sabe (mas não expressa) todo racista. compreender o significado das palavras como mulato. De acordo com DaMatta (1986. já que ela importa contato (e contato íntimo. e que talvez não era tão diferente de outros olhares estrangeiros no Brasil. provavelmente fomos o grande celeiro de observações e interesses estrangeiros pelo exótico país que se constituía. entretanto. são os negros. no sentido de dizer que a “raça” branca era superior em tudo. via nossa miscigenação como algo totalmente revoltante. o verdadeiro genitor de um dos valores mais caros ao preconceito racial de qualquer sociedade hierarquizada. posto que sexual) entre pessoas que. se as orgias e misturas insanas como ele percebia ficasse entre a mesma raça. 38-39): Gobineu. brancos e amarelos no que diz respeito às suas “propensões animais”. 39) diz que: Gobineau. não realiza um exercício simplista. aquele que é incapaz de reproduzir-se enquanto tal. Deste modo. DaMatta (1995. Há muita inteligência nos preconceitos e nos autoritarismos. como infelizmente acontece até hoje na nossa sociedade. o animal ambíguo e híbrido por excelência. ele situa os primeiros abaixo dos segundos. p. sempre e em tudo situados abaixo de brancos e amarelos. conforme supunha a diversidade humana no que diz respeito aos seus traços biológicos. e. Daí a palavra “mulato”. O conde. pois é o resultado de um cruzamento entre tipos genéticos altamente diferenciados. daí não haveria nenhum problema. E mais. ao comparar. é um modo de vermos como o racismo se encarna nas palavras. foi o pai. p. segundo o antropólogo. na teoria racista. escrevia para sua terra natal contando os horrores que era a mistura no Brasil. Logo. Muito ao contrário. por exemplo. Quem não se salva. que vem de mulo. era a mistura entre diferentes raças. E é precisamente isso. mas foi terminantemente contrário ao contato social íntimo entre elas. como se vê. se pensarmos que o Brasil é um país marcado por esta intensa miscigenação. ou melhor. O grande problema visto pelo conde. 18 que viveu na cidade do Rio de Janeiro e pensou de modo racista e hierárquico a divisão das raças em três critérios. Referimos-nos ao fato de que ele não se colocou contra a hierarquia que governava. . pois. que implica a ideia de miscigenação. são vistas e classificadas como pertencendo a espécies diferentes. porém. termos usados no modo de tratamento do negro e pessoas oriundas de relações mestiças em nosso país. tais traços não são apenas roteiro de filmes e sim realidade que se percebe quem observa a realidade norte-americana. em outras palavras. o nosso preconceito é muito mais refinado. que a concepção de um sujeito por diferentes raças só poderia desdobrar em fracasso. que Antonil não fala de branco. ou seja. civilidade e modernidade. negro e mulato numa equação biológica. no caso de nossa sociedade. que nós brasileiros consideramos brutal porque no nosso caso tudo se passa conforme Antonil maravilhosamente intuiu. Isto é. 40-41) diz o seguinte: Noto. Acreditavam que do resultado da miscigenação. casos do tipo: poucos negros cursando uma universidade. Ao contrário. Esses e mais tantos outros tinham em suas observações que era pavorosa a miscigenação. Ou seja. sustento. A constituição do racismo brasileiro. do certo ou errado. pois é algo que ultrapassa a binaridade branco-negro. Couty e Agassiz. a segregação ainda permanece de alguma forma existindo mesmo em um país que se considera modelo de economia. país que possui as marcas de um período de apartheid muito latente em sua população. DaMatta (1995. nós termos um conjunto infinito e variado de categorias intermediárias em que o mulato representa uma cristalização perfeita. do homem ou mulher. ocorreu de modo muito diferente de outros tipos de racismos pelo mundo afora. o negro com o inferno e o mulato com o paraíso. é significativo e importante. De acordo com DaMatta (1995). estes morando em bairros afastados do grande centro. do casado ou separado. com eles constrói uma associação social ou normal. É comum encontrarmos nos Estados Unidos da América. pois que relaciona o branco com o purgatório. Significativo porque eu mesmo tenho repetido seguidamente que o Brasil não é um país dual onde se opera somente com uma lógica do dentro ou fora. sobre esta comparação extremamente importante. não poderia sair nada de bom. primeiramente. Creio ser a primeira vez que se estabelece um triângulo para o entendimento da sociedade brasileira e isso. Ao contrário. p. que é no caso a binaridade existente em países como os Estados Unidos. . a dificuldade parece ser justamente a de aplicar esse dualismo de caráter exclusivo. Aliás. do preto ou branco. entre o preto e o branco (que nos sistemas anglo-saxão e sul-africano são termos exclusivos). temos Buckle. de Deus ou Diabo. local onde moram os brancos. apontado por DaMatta (1995). 19 Dentre os vários teóricos do racismo. como é comum no racismo americano ou sul-africano. nada de positivo ou de melhor. uma oposição que determina a inclusão de um termo e a automática exclusão do outro. e. Aliás. o racismo se alimenta é justamente por essa veia cômica que existe nas relações sociais. sobretudo as brasileiras que incorpora bordões. fazemos uso desses discursos sem maiores embaraços ou preocupações. ele indicava a presença objetiva de uma relação entre camadas que não podiam comunicar-se sexual ou afetivamente. pela intimidade que se cria. não podemos negar que a relação de distinção social e de raça ainda é o grande motivo de comparação por estrangeiros. O intermediário representa tudo que deve ser excluído da sociedade. em nome da amizade se exclui tudo utilizando piadas racistas. o intermediário. p. pois. negros e índios. aquelas que podiam ser aplicadas ou não. p. aquelas piadas que se faz e que se naturaliza. 46). pois. Se nos Estados Unidos o negativo é o que está entre as pessoas. até hoje ainda é visto. sociabilidade. De acordo com Antonil dito por Buarque de Holanda (1995): em sociedades protestantes como os Estados Unidos. então é preciso que se aceite. de um parente. que podiam ser lembradas ou não. Em nome do parentesco se exclui. torna-se careta ou radical demais o repúdio a tal brincadeira. O motivo de esta sociedade protestante olhar de forma horrorizada para uma sociedade em que a miscigenação acontece é descrita por Buarque de Holanda (1995. segue um modelo de hierarquia de raças para brancos. no Brasil. 43-44): Dentro de uma sociedade que tentou eliminar a tradição imemorial das leis implícitas. tudo que é intermediário é fadado ao extermínio. só aí. caso contrário. o “racismo a brasileira” como aponta DaMatta (1986. o mulato. 20 O preconceito no Brasil é algo muito mais sofisticado. Como aponta o autor: O fato contundente de nossa história é que somos um país feito por portugueses brancos e . E. percebemos como a miscigenação é vista como um verdadeiro horror pelos primeiros europeus que aqui estiveram. representava a negação viva de tudo aquilo que a lei estabelecia positivamente. pois existem discursos velados sobre as raças encobertos pelo manto das relações de intimidade. Ora. que se vê nos programas de comédia ou novelas e que pouco paramos para pensar no real significado daquelas piadas carregadas de um histórico racista. frases e piadas de modo muito passivo. Ele mostrava o pecado e o perigo da intimidade entre camadas sociais que deveriam permanecer diferenciadas. mas que por se tratar de um amigo. mesmo que fossem teoricamente consideradas iguais. Além disso. nos muitos usuários de drogas que superpovoam as grandes cidades e são cada vez mais o chamariz para as reportagens midiáticas e sensacionalistas com o cunho higienista.br/elza-soares/281242/ . não está na senzala. não parece que há aí algo de errado? Como assim. Os portugueses já tinham uma legislação discriminatória contra judeus. superpovoando os sistemas carcerários. Não é a toa que a música/letra de Elza Soares exemplifica muito bem a nossa sociedade brasileira. Carne Negra2 A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra Que vai de graça pro presídio E para debaixo do plástico Que vai de graça pro subemprego E pros hospitais psiquiátricos A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra Que fez e faz história Segurando esse país no braço O cabra aqui não se sente revoltado 2 Disponível em: http://letras. mas está nos campos de obras das construções.mus. lugares de negros. quem os colocou lá? Quem senão uma sociedade racista que enxerga o negro como carne barata. nas favelas. uma sociedade hierarquizada e que foi formada dentro de um quadro rígido de valores discriminatórios. No Brasil. como uma mão de obra natural para servidão. estão na periferia. apenas ampliaram essas formas de preconceito. muito antes de terem chegado ao Brasil. a escravidão tomou uma roupagem econômica e racial que se fez desde a época do país colônia e que hoje não é difícil você leitor. mouros e negros. perceber onde se encontra a negritude em nosso país. e quando aqui chegaram. estão nas empregadas domésticas. bem como estão nas prisões. Ora. 21 aristocráticos. pois. conforme sabemos. Como se tudo pudesse ser transcrito no plano do biológico e do racial. Mas ela. terá que estar fundada primeiro numa positividade jurídica que assegure a todos os brasileiros o direito básico de toda a igualdade: o direito de ser igual perante a lei! Enquanto isso não for descoberto. ele diz de um paradoxo em que vivemos já que: Como podemos apostar. brigar A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra Neste sentido. ficaremos sempre usando a nossa mulataria e os nossos mestiços como modo de falar de um processo social marcado pela desigualdade. 22 Porque o revólver já está engatilhado E o vingador é lento Mas muito bem intencionado E esse país Vai deixando todo mundo preto E o cabelo esticado Mas mesmo assim Ainda guardo o direito De algum antepassado da cor Brigar sutilmente por respeito Brigar bravamente por respeito Brigar por justiça e por respeito De algum antepassado da cor Brigar. DaMatta (1986) nos coloca uma problemática social. . que tipo de democracia é esta? Certamente não é um país que respeita a miscigenação da qual nossas raças se constituíram e muito menos respeita os aspectos étnicos e raciais de nossa sociedade. como forma de camuflar a “vergonha” de sermos um país hierarquizado por racialmente. credibilizando com nossas ações cotidianas de preconceito e racismos uma sociedade de desigualdades sociais e raciais e ao mesmo tempo querermos ser vistos como um país que agrega a todos? Ora. é o grande legado da “união” das três raças. é mais fácil dizer que somos um país democrático onde a mistura de raças que nos faz este país democrático. Como ele diz: É claro que podemos ter uma democracia racial no Brasil. brigar. e a diferença. numa cápsula. 23 Na nossa ideologia nacional. o segredo da fábula das três raças. Eis. uma questão de tempo e amor. torna a injustiça algo tolerável. Assim. hierarquizada e dividida entre múltiplas possibilidades de classificação. Mas o que se pode indicar é que o mito é precisamente isso: uma forma sutil de esconder uma sociedade que ainda não se sabe. . Não se pode negar o mito. paradoxalmente. Racismo e desinformação caminham sempre de mãos dadas e não há lugar social em que este dueto maléfico não apresente sua faceta cruel e discriminatória. o “racismo à brasileira”. temos um mito de três raças formadoras. como é o caso das regiões nordeste e sudeste. b) Os portugueses. uma vez que vieram como escravos para atuar primeiramente na produção do açúcar e mais tarde na cultura do café. . A região sul abriga grande parte dos brancos da população brasileira. holandeses. Tentaremos. Freitas (2014) também ressalta que dificilmente existe uma nação com tão complexa e variada composição étnica de sua população. No período colonial vieram para o Brasil: espanhóis. b) Negros: essa etnia foi forçada a migrar para o Brasil. os negros se concentram principalmente em áreas nas quais a exploração foi mais intensa. ser um pouco mais suaves nas discussões acerca da formação populacional brasileira que advém de basicamente cinco distintas fontes migratórias. que foram trazidos pelos europeus para trabalhar nos engenhos na produção do açúcar a partir do século XVI. Hoje. sobretudo no sul do país. que se encontravam no território antes da chegada dos portugueses. Esses povos eram descendentes de homens que chegaram às Américas através do Estreito de Bering. neste momento. franceses. pois esses imigrantes ocuparam tal área. além de italianos e eslavos. a população brasileira ficou com a seguinte composição étnica: a) Brancos: a grande maioria da população branca tem origem europeia (ou são descendentes desses). especialmente vindos da Ásia e Oriente Médio. que vieram para o Brasil a fim de explorar as riquezas da colônia. são elas: a) Os nativos. Com base nessas considerações. c) Os negros africanos. 24 UNIDADE 3 – MIGRAÇÕES . d) A intensa imigração europeia no Brasil. e) A entrada de imigrantes oriundos de várias origens. O Brasil é um dos países que mais utilizou a mão de obra escrava no mundo.FOCO NO BRASIL Além de DaMatta (1995). É encontrado com maior frequência na Amazônia. 2004). negros e indígenas. É verdade. Centro-Oeste e Nordeste. e) Mulatos: correspondem à união entre brancos e negros. como já vimos nas falas de DaMatta. atualmente existem 170 mil na região Norte e no Centro-Oeste 100 mil. No país respondem por 16% da população nacional. além das questões de choque cultural e dificuldade de preservação étnico-racial no país (ZALUAR. e que o entendimento de raça pode variar em diferentes sociedades. esse grupo representa 24% da população e ocorre com maior predominância no Nordeste e Sudeste. restaram somente 350 mil índios. Desde os séculos XIX e XX. a cultura brasileira vem promovendo uma integração e miscigenação racial. g) Cafuzos: esse grupo é oriundo da união entre negros e índios. essa etnia é restrita e corresponde a 3% da população. as relações raciais no Brasil não têm sido harmônicas. 25 c) Indígenas: grupo étnico que habitava o território brasileiro antes da chegada dos portugueses. grupos fortemente explorados no período colonial do país. os índios somavam cinco milhões de pessoas. Nesse período. formando três grupos de miscigenação. que tendem a ocupar posições menos prestigiadas na sociedade brasileira moderna. f) Caboclos: representa a descendência entre brancos e indígenas. É o básico que precisamos saber para mais adiante entendermos as relações étnico-raciais e suas implicações. Os índios foram quase disseminados. O Brasil pode ser apontado como um exemplo de que o conceito de raça é uma construção social. Esse grupo se encontra nas áreas mais longínquas do país. . No entanto. d) Pardos: etnia formada a partir da junção de três origens: brancos. especialmente em relação ao papel de desvantagem dos negros brasileiros e indígenas. tudo isso aprendemos em História do Brasil lá na educação básica. 26 3.1 Movimentos migratórios e a xenofobia Migrações internacionais são movimentos de saída e chegada de pessoas entre países que podem ser subdivididas em emigração (refere-se a pessoas que saem do país) e imigração (refere-se a pessoas que entram no país). Os impulsos migratórios são, geralmente, motivados por questões econômicas: de um lado, ligados a fatores de repulsão de emigrantes (crises econômicas, guerras, conflitos em geral, fome, entre outros); e, de outro, a fatores de atração (oportunidades de emprego, sonhos de enriquecimento rápido, melhoria na qualidade de vida, entre outros) (SILVA, 2009). Evidentemente que o processo migratório na atualidade forma um elo com a globalização por vários motivos, dentre eles a eficácia dos meios de transporte, as desigualdades sociais e econômicas entre os países e muitos outros. Igualmente como algumas consequências são positivas, temos outras negativas como é o caso da xenofobia (palavra derivada do grego xénos – estrangeiro e phóbos – medo) (ALMEIDA, 2013). As migrações geram vários encontros de povos de diferentes culturas, raças, credos e religiões. No geral, é algo positivo. O Brasil, por exemplo, é um país rico em diversidade cultural e étnica. Entretanto, quando os nativos passam a não aceitar os imigrantes há um grave problema social. A história recente da humanidade nos dá vários exemplos de como a xenofobia é algo grave. No Holocausto, ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial, na Alemanha, os nazistas exterminaram aproximadamente 6 milhões de judeus. Isso porque acreditavam que os judeus eram uma raça inferior e manchavam o nome da Alemanha de Hitler, e, logo, deveriam ser exterminados. Ainda na atualidade, até barreiras físicas alguns países adotaram como medidas para conter a imigração. A xenofobia ocorre frequentemente nos países mais ricos e desenvolvidos, principalmente na Europa. Os nativos acreditam que os imigrantes são responsáveis pelo desemprego, criminalidade e todos os problemas sociais do país. Na Europa, alguns grupos xenófobos são conhecidos entre nós, como os Skinheads, na Inglaterra, e os Neonazistas, na Alemanha. Outros grupos não são tão conhecidos 27 assim, como os Bloc Identitaire (França), CasaPound (Itália) e English Defence League (Reino Unido) (ALMEIDA, 2013). A xenofobia pode ocorrer também dentro de um mesmo país, como acontece no Brasil e nos Estados Unidos, por terem dimensões territoriais enormes. Nos Estados Unidos há uma discriminação histórica contra negros, considerados como “lixos” e inferiores aos brancos. No caso do Brasil, tem-se o exemplo das discriminações sofridas pelos nordestinos no sudeste brasileiro. Geralmente, são atribuídos estereótipos de forma pejorativa, tais como “cabeça chata”, “baianos”, “paraíbas”, entre outros. Essas pessoas preconceituosas são, no mínimo, desinformadas a respeito da constituição do território, da história e da economia brasileira. A xenofobia, portanto, trata-se de um racismo, um preconceito cultural, uma discriminação racial, econômica e social ao estrangeiro. O encontro de diversos povos, religiões, sotaques, classes econômicas e sociais, no geral, é positivo. Contribuem para a riqueza cultural e econômica de uma nação (ALMEIDA, 2013). O grande desafio entre os países ricos e pobres, mais do que construir muros e elaborar leis que impeçam a entrada de migrantes, talvez seja a construção de um mundo mais justo e igualitário no século XXI, pois, como dizia o geógrafo Milton Santos (1978), apenas o acontecer próprio a um lugar não é indiferente ao acontecer próprio a um outro lugar, exatamente pelo fato de que qualquer que seja o acontecer é um produto do movimento da sociedade total. Meados do século XIX e início do século XX, como veremos adiante, foram os períodos que mais tivemos chegada de europeus ao Brasil. Nessa época, a Europa passava por uma explosão demográfica (devido ao desenvolvimento de técnicas médico-sanitárias e o consequente aumento da natalidade) que, aliada à crise na produção agrícola e à fome (motivadas por sucessivas guerras), impulsionaram a saída de muitos europeus em direção a países do continente americano, movidos pelos sonhos do acesso à terra e do enriquecimento rápido. Foi justamente com esses e outros tantos sonhos que, entre 1884 e 1933, quase 4 milhões de imigrantes desembarcaram no Brasil (alemães, espanhóis, portugueses, italianos, japoneses, turcos, sírios, entre outros), com destaque para os italianos, que somavam algo em torno de 1,5 milhão de pessoas (SILVA, 2009). 28 Embora pareça fugir um pouco aos propósitos de base da apostila, vamos falar dos principais grupos de imigrantes que por aqui aportaram ao longo de nossa história. 3.2 Imigrantes O sítio na internet do Museu da Imigração do Estado de São Paulo nos conta de forma clara, rápida e plausível a história da imigração de cidadãos de diversos países. Abaixo estão algumas destas histórias: Movimentos migratórios para o Brasil a) Japão O processo de modernização do Japão iniciou-se a partir da Restauração Meiji, em 1868, e se estendeu até as primeiras décadas do século XX. Durante esse processo, muitos trabalhadores foram enviados para diferentes partes do mundo, como Ásia e Oceania, e, mais tarde, para as Américas, por uma política adotada pelo governo japonês, a fim de minimizar a pressão populacional no território. O deslocamento, a princípio interno e posteriormente para outros países, se deu principalmente devido à questão do acesso à terra, visto que, grande parte da população nesse período era composta por trabalhadores rurais. O desenvolvimento acelerado das grandes cidades provocou disparidades entre os novos núcleos urbanos e as cidades do interior que conservavam os modos de vida tradicional. A imigração dos japoneses para o Brasil foi amparada desde o início por ambos os países, recebendo orientações e ajuda dos representantes do governo japonês para que a fixação desses imigrantes fosse bem-sucedida. os navios sairiam também dos portos de Yokohama e Nagasaki. Posteriormente. mas contínuo. Somente a partir dessa data. a Alemanha passou a ser uma nação como conhecemos hoje. Nesse mesmo período. Todos os imigrantes oriundos desses estados. em 1908. Hokkaido. O fluxo imigratório de japoneses ganhou relevo em 1930. Em 1819. foi fundada a colônia de São Leopoldo. a princípio. posteriormente. cem famílias de suíços foram instaladas em Nova Friburgo. Rússia e suas Províncias Bálticas. após a imigração de italianos e espanhóis reduzir significativamente. isto é. Kochi. Áustria. Hungria. Ipiranga. seguida de Kumamoto. Em 1824. Romênia. a bordo do navio ‘Kasato Maru’. Na cidade de São Paulo. todos que falavam a língua alemã. no Rio de Janeiro. que teve seu momento de maior intensidade em 1920. no Rio Grande do Sul. Suíça. A maior parte era proveniente do sul. b) Alemanha A unificação dos Estados Alemães. esses imigrantes fixaram-se. regiões interioranas e tradicionalmente agrícolas. A província de Okinawa contribuiu com o maior grupo de imigrantes. Jabaquara e Vila Carrão. na Aclimação. ocorreu em 1891. 29 Por meio dessa política de incentivo. destacando-se como o grupo de imigrantes que permaneceu por maior período nas atividades rurais e na produção dos hortifrutigranjeiros. Ao longo de mais de um século. que incluía a Alsácia-Lorena. no bairro da Liberdade e. Saúde. Entre 1908 e 1975. Polônia. A primeira colônia agrícola foi fundada na Bahia por volta de 1818 e recebeu o nome de Leopoldina. Luxemburgo. Fukuoka. estima-se que tenham entrado no Brasil cerca de 250 mil japoneses. Embora não tenha sido . saindo dos portos de Bremen e Hamburgo. nordeste e noroeste do Japão. o primeiro grupo de japoneses partiu do porto de Kobe e chegou ao Brasil. eram chamados de “alemães” pelos brasileiros. que era de origem austríaca. Fukushima. por conta da crise econômica relacionada ao fim da Primeira Guerra Mundial. em homenagem à imperatriz brasileira. os japoneses se dirigiram ao interior do estado de São Paulo para trabalhar na lavoura de café. entre outras. Os imigrantes de língua alemã chegaram ao Brasil na primeira metade do século XIX. entraram no Brasil cerca de 250 mil imigrantes num fluxo anual pequeno. Kagoshima. No Sul do país. principalmente nos estados de São Paulo. foram fundadas inúmeras colônias nos estados do Paraná. concentraram-se na região da rua 25 de Março. Em algumas cidades da região. Embora de países diferentes. nas primeiras décadas do século XX. Pari e Belenzinho. nos bairros do Brás. nos hábitos e costumes. compartilhavam traços de uma mesma cultura. Assim. contrariando as expectativas dos governos. Na capital paulista. O contexto imigratório favorável do Brasil naquele momento propiciou a vinda dessa importante leva populacional. em virtude das ofertas de trabalho na produção e exportação de café e pelo crescimento da indústria decorrente dessa atividade. São Paulo figura entre os estados com maior número de imigrantes alemães. Negociantes de objetos domésticos e tecidos a café e outros produtos agrícolas. desenvolviam suas atividades como caixeiros ou como proprietários de lojas de importantes centros urbanos. espanhola e portuguesa. a presença da população oriunda dos Estados Alemães foi intensa. de que a vinda de trabalhadores estrangeiros suprisse a falta de mão de obra na agricultura. Santa Catariana e Rio Grande do Sul pelos alemães e seus descendentes. Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Palestina e Líbano. sendo os libaneses o grupo mais expressivo em terras brasileiras. a língua alemã era mais falada que a portuguesa. Além disso. a principal colônia de imigrantes alemães foi fundada em 1829. os árabes dedicaram-se principalmente ao comércio. . Na cidade. tradições e a língua árabe. como hábitos alimentares. Uma característica importante da história dessa imigração é que. c) Árabe Conflitos políticos e sociais decorrentes das dominações dos Impérios Turco-Otomano e Britânico e crises econômicas levaram milhares de pessoas a saírem de países do Oriente Médio a partir do fim do século XIX. A maioria era proveniente da Síria. 30 tão expressiva quanto a italiana. Os imigrantes de língua alemã fixaram residência nas regiões Sudeste e Sul do país. no bairro de Santo Amaro. brasileiro e paulista. a imigração alemã influenciou a composição étnica do país. Os habitantes da região de Cantão. entre a segunda metade do século XIX até o início dos anos 1970. sujeitando-os condições análogas as dos africanos. por conta de sua economia agrária ser insuficiente para suprir as demandas internas. Valência. Navarra e das cidades de Sevilha. o número de chineses e descendentes no Brasil é estimado em cerca de 200 mil. La Coruña. onde se dedicam principalmente ao comércio. Cadiz. optaram pela contratação de trabalhadores desse país. Nesse sentido. Valência. quando fazendeiros e produtores agrícolas. gerou desemprego e fome. Almeria. Sevilha. à mineração e à construção civil. ao plantio de chá. Há . tendo em vista que o interesse dos proprietários de terras pela mão de obra chinesa era pagar o valor mais baixo possível pelo serviço. vivendo um momento de pujança e com políticas de fomento populacional foi. Espanhóis das províncias da Galícia. Córdoba. sendo que a maioria está localizada no estado de São Paulo. foram os primeiros a chegar e a dedicar-se basicamente às atividades agrícolas. Esse movimento é considerado a terceira maior leva que imigrou para o Brasil. Nos últimos anos. Catalunha. O Brasil. Partiam dos portos espanhóis de Vigo. em busca de mão de obra. que ia ao encontro do projeto político brasileiro de europeizar a população. Cadiz. É importante ressaltar que a chegada dos chineses provocou diversas discussões. então. e) Espanha A difícil situação que a Espanha vivia no fim do século XIX. Granada e Málaga formam o principal grupo de imigrantes que se dirigiram ao Brasil. Sul da China. depois dos italianos e portugueses. Malaga e Gibraltar. O outro ponto relevante diz respeito às fortes diferenças culturais entre os dois países. o destino de milhares de famílias espanholas. dois temas se tornaram centrais: a denúncia dos abolicionistas sobre a continuidade do regime de escravidão. Atualmente. 31 d) China A imigração chinesa no Brasil data do século XIX. Barcelona. um grande número de imigrantes chineses chegou ao Brasil. A conjuntura desse período levou o governo a implementar políticas de fomento à emigração. de espanhóis em movimentos operários é bastante significativo: foram participantes ativos nas greves de 1917. Na capital paulista. os portos de Palermo e Messina partilham com os demais o grande fenômeno emigratório. os italianos desembarcaram no Brasil e formaram a maior colônia de imigrantes no país. A primeira e mais numerosa leva de imigrantes espanhóis. que levou milhares de famílias a abandonar suas pequenas propriedades rurais em direção às cidades. Vêneto. dirigiu-se principalmente para o campo. Lazio e Umbria são as principais regiões de origem das populações que escolheram o Brasil como destino. Cambuci e Brás. Molise. Diversos fatores impulsionaram esse deslocamento. . Basilicata. até os anos 1930. O maior e mais importante porto marítimo da Itália. vale frisar. Sicília. Outro fator é de ordem econômica. atraídos pelas oportunidades de trabalho nas lavouras de café. Municípios como São Bernardo. Concentraram-se principalmente no estado de São Paulo. tendo como principais motivos os conflitos armados supracitados e a crise agrária. Abruzzo. que levou a conflitos armados e culminou na unificação das então províncias independentes. f) Itália Durante mais de um século. Entre 1901 e 1905. Campania. Ipiranga. dando origem ao que conhecemos hoje como Itália. os espanhóis fixaram-se principalmente nos bairros da Mooca. de onde partiam os navios com os emigrados. em São Paulo. Calábria. mas os que vieram depois da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) encontraram nas cidades e nas indústrias as maiores oportunidades para refazer sua vida. Mais de 750 mil espanhóis entraram no Brasil a partir do fim do século XIX até os anos 1960. em Portugal. O envolvimento. 32 também muitos registros de espanhóis que partiram do porto de Leixões. a partir de 1905. e. o porto de Nápoles passou a transportar a maioria dos emigrantes. entre 1876 a 1901. Lombardia. que encontraram no contexto imigratório favorável do Brasil um importante ponto de convergência. foi o porto de Gênova. na cidade do Porto. como a grave crise política das décadas de 1860 e 1870. São Caetano e Santos também possuem importantes núcleos de imigrantes dessa nacionalidade. Entre o fim do século XIX e o início do XX. Vila Real. migravam à procura de melhores perspectivas de ganho. o país recebeu imigrantes de outras províncias. partiam dos portos da cidade de Lisboa. . 33 É importante destacar que esse processo migratório iniciou-se concomitante à unificação da Itália. Na capital. em 1871. milhares de homens. como Trás dos Montes. Beira Litoral. Alguns portugueses vieram diretamente para a cidade e outros após passarem pela lavoura. a imigração portuguesa teve uma característica predominantemente urbana. e o diálogo cultural entre os dois países se tornou determinante para a formação histórica e social de ambos. Os estados de São Paulo. no Brasil. Viana do Castelo. Rio Grande do Sul e Minas Gerais foram os principais destinos dos italianos. Nas cidades paulistas. Braga. razão pela qual uma identidade nacional desses imigrantes se forjou. Brás e Mooca são tradicionalmente relacionados à colônia italiana. de Leixões. a maioria dos imigrantes portugueses que migrou para o Brasil era da província do Minho. na região norte de Portugal. Rio de Janeiro. Aveiro e Coimbra. assim como na indústria. em grande medida. trabalharam também em outras atividades. Em geral. Vizeu. Bragança. desempenhando um importante papel nos pequenos e grandes comércios. Recife e Salvador. No período de 1880 a 1970. dos distritos do Porto. Douro. grande parte ingressou no país pelo estado de São Paulo. Leiria. a imigração lusitana tomou força. Posteriormente. novas oportunidades abertas pelo intenso florescimento da capital paulista. na Ilha da Madeira. g) Portugal As relações entre Brasil e Portugal tiveram início no período colonial. no distrito do Porto e de Funchal. atraídos pela possibilidade de trabalho nas fazendas de café. mulheres e crianças chegaram ao Brasil devido às dificuldades econômicas no país de origem e atraídos pelas afinidades linguísticas. com maior concentração principalmente nas cidades de São Paulo. Embora muitos imigrantes portugueses tenham sido encaminhados para o trabalho nas lavouras de café e para a agricultura em geral. No início. bairros como Bixiga. principalmente como operários da construção e da indústria têxtil. Beira Alta. período em que ocorreu a Guerra da Coreia. Estônia e da Letônia. Diante dessas condições. especialmente no setor atacadista dos bairros do Bom Retiro e Brás. quando o ministro da saúde da Coreia começou a traçar a política de emigração e a embaixada coreana iniciou as negociações para formalizar a imigração no Brasil. já que a Lituânia fez parte do Império Czarista. vinda de territórios ocupados pela Polônia ou de outras regiões da Europa. muitos imigrantes fugiram das fazendas procurando melhores oportunidades junto às indústrias da capital paulista. sobretudo. onde as condições de trabalho eram precárias. no Rio Grande do Sul. Teve início com a chegada ao Brasil de pequenos grupos de coreanos entre 1923 e 1926. zona leste da capital paulista. Em São Paulo. em relação à europeia. 34 h) Coreia A imigração coreana é considerada recente pela historiografia. fugidos da repressão japonesa sobre a Coreia ou na qualidade de japoneses naturalizados. A maioria reside nos bairros da Liberdade. desenvolvem atividade econômica ligada ao comércio de confecção de roupas. . a segunda maior colônia lituana do mundo localiza-se no bairro da Vila Zelina. em busca de trabalho no campo e na indústria. Foi estabelecido então um acordo de aquisição de terras e colonização agrícola para os coreanos que chegavam ao país. como Bom Retiro. i) Lituânia O primeiro registro da entrada de imigrantes lituanos no Brasil é do fim do século XIX. Durante os anos 1950. Cerca de 90% dos imigrantes coreanos que vivem em São Paulo. uma grande leva migrou para o país. Por outro lado. pois era comum entrarem com passaporte russo. direta ou indiretamente. É difícil saber exatamente o número de imigrantes lituanos que entraram no país. Depois disso. Hoje. grupos que haviam sido presos no conflito também chegaram ao país. A corrente migratória coreana se intensificou no Brasil no fim da década de 1960. entre os anos de 1920 e 1939. Vila Anastácio e Mooca. A maioria dos imigrantes lituanos foi encaminhada para as fazendas de café e cana no estado de São Paulo. muitos lituanos que portavam visto para o Brasil eram procedentes de diferentes regiões da Rússia. Aclimação e Higienópolis. concentravam-se nos bairros industriais. início dos anos 1970. na grande São Paulo. Bolivianos e Haitianos Oriundos desses países vizinhos afetados por fatores ambientais. Segundo Oliveira e Moreira (2013). o que ainda é agravada pelos índices positivos de estabilidade política e econômica do país. Há registros de entrada desses migrantes na Hospedaria de Imigrantes do Brás já em 1888. 3. Santa Catarina e Rio Grande do Sul. k) Colombianos. Bolívia e Colômbia. em regiões de construção de ferrovias e principalmente na lavoura. No fim do século XIX e início do XX. sobretudo do nordeste do país para São Paulo foi contemporânea à entrada de imigrantes europeus. Eram. Na cidade de São Paulo. Vila Prudente. camponeses que decidiram emigrar por motivos econômicos. . Pedreira. incluindo ucranianos e bielo-russos. que somados a uma natureza geográfica que reduz a possibilidade de tragédias naturais. além de São Caetano do Sul e Osasco. esses imigrantes ajudaram a compor a mão de obra nos centros industriais. essa condição de imigração ilegal acarretou a criação de toda uma rede facilitadora de entrada no Brasil. religiosos. em sua maioria.3 Migrantes brasileiros A migração de brasileiros de outros estados. foram direcionados principalmente para os estados do Paraná. que mesclam diferentes fatores e geram emigrações cada vez mais difíceis de serem impedidas em cada um dos âmbitos nacionais. Vila Zelina. observa- se grande contingente populacional oriundo de países como Haiti. humanitários e sociopolíticos. no Brasil. até mesmo. principalmente no Caribe e na América do Sul. econômicos. 35 j) Rússia Os primeiros grupos de imigrantes russos começaram a chegar ao Brasil no início da década de 1870. tornam-se mais instáveis. as comunidades russa e ucraniana estão presentes de forma significativa nos bairros da Vila Alpina. Ipiranga e Moema. a entrada desses imigrantes ilegais no país vem aumentando conforme alguns regimes políticos. faz com que o país seja chamariz para seus vizinhos. além da região Sudeste. Os imigrantes russos. políticos ou. Por esse aspecto. 36 Tratava-se de um grupo de cearenses enviado para uma fazenda de café no interior do Estado de São Paulo. Ceará. Muitos trabalhadores também se deslocavam em caminhões conhecidos como ‘pau de arara’. Recife (PE). A inserção dos trabalhadores nacionais em São Paulo não foi mais fácil que a dos imigrantes oriundos de outros países. Piauí. foram recebidos como .br/geografia/pratica-pedagogica/gente-chega-gente-sai- 488822. estações ferroviárias de outras cidades. Sergipe. Vejamos a ilustração a seguir: Fonte: http://revistaescola. Salvador (BA). milhares de nordestinos embarcavam rumo aos portos do Rio de Janeiro e Santos. como Montes Claros e Pirapora. o movimento de trabalhadores das regiões Norte e Nordeste para o Sul era feito por navios conhecidos como vapores Ita. por exemplo.abril.com. Bahia. entre outras. Maranhão. com destino à estação Roosevelt. em Minas Gerais. Paraíba.shtml Desde o fim do século XIX até os anos 1930. Natal (RN) e Maceió (AL). Havia ainda aqueles que tinham como ponto de partida. embora falassem a mesma língua e compartilhassem aspectos da cultura da sua nova terra. Dos portos de Cabedelo (PB). em São Paulo. como a religião. Esses trabalhadores vindos de regiões como Pernambuco. Alagoas. Igualmente aos milhares de imigrantes que vieram para a região sul. numa realidade que procurava negar seus laços com o próprio país. também foram utilizados como mão de obra na cafeicultura nas fazendas no interior do Estado e também auxiliaram no desenvolvimento econômico da cidade de São Paulo. 37 estrangeiros. . 2006) que acontece de acordo com cor ou raça e encontra-se dividido nas seguintes categorias: brancos.72% apontou origem italiana. embora a maior concentração esteja no Sul e Sudeste do Brasil. A composição por cor ou raça é verificada pela autodeclaração.32% outras origens. 14. 5.1 Classificação de cor e raça do IBGE Antes de discutirmos a questão do multiculturalismo e promover algumas relações entre currículo e diversidade cultural. Consideram-se brancos os descendentes diretos ou predominantes de europeus e de outros povos de cor branca. mas sendo de origem inglesa. pretos. fato que muitos brasileiros brancos desconhecem tais origens por já terem suas famílias enraizadas no Brasil há séculos. indígena.50% portuguesa.9% da mesma. somando cerca de 93 milhões de indivíduos. Os negros correspondem ao somatório das populações pardas e pretas. amarelos e indígenas. remontando mais de quinhentos anos. Uma pesquisa realizada com mais de 32 milhões de brasileiros. O IBGE verifica a composição brasileira através de um Censo realizado a cada 10 anos.51% alemã e 12.53%). perguntou a origem étnica dos participantes de cor ou raça branca. pardos. Os números condizem fortemente com o passado imigratório no Brasil como vimos anteriormente. dos quais quase vinte milhões se declaram brancos. vamos apresentar a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE. Deve ser salientado que as classificações raciais no Brasil são fluídas e influenciadas por diversos fatores. É explicável pelo fato de a imigração portuguesa no Brasil ser bastante antiga. 38 UNIDADE 4 – ETNIA. porém. 15. por exemplo. A maioria apontou origem brasileira (45. RAÇA E MULTICULTURALISMO 4. É notório. a) Brancos Os brancos autodeclarados compõem cerca de 45. 6. judaica e árabe.42% espanhola. que quase metade dos brancos pesquisados declararam ser de origem brasileira. Estão espalhados por todo o território brasileiro. assim como. que incluem africana. Existe uma histórica tendência ao . muitos estadunidenses se declaram americanos. Atualmente. b) Pardos Estados de acordo com a percentagem de Pardos em 2009 Segundo a definição do IBGE. cafuzas. caboclas. com o intuito único de contabilizar de forma separada os negros (não importando se puros ou miscigenados) ainda cativos. Ao contrário do que muitos pensam. . relações de família ou talentos pessoais podem fazer com que pessoas “de cor” sejam classificadas como brancas. 43. mamelucas ou mestiças de negro com pessoa de outra raça. No censo de 2010.1% da população nacional se autodeclarou como sendo parda. a quantidade de brasileiros que se dizem brancos está em rápido declínio. o termo pardo não foi criado censitariamente como uma categoria de cunho “étnico-racial” distinto ou como sinônimo de miscigenado: o termo passou a ser utilizado no censo do ano de 1872. e os negros (não importando se puros ou miscigenados) nascidos livres ou forros. Dessa forma. riqueza. pardos são pessoas que se declaram mulata (canção)s. 39 “branqueamento” na hora de ser classificado racialmente. 3% da população brasileira. somando cerca de 519 mil indivíduos.3% da população brasileira. embora mais da metade esteja concentrada na Região . d) Povos indígenas Os índios autodeclarados compõem 0. embora a maior proporcionalidade esteja na Bahia e no Rio de Janeiro. com a crescente imigração de haitianos. Atualmente. 40 c) Negros Estados de acordo com a percentagem de negros em 2009 Os negros autodeclarados compõem 6. somando cerca de 11 milhões de indivíduos. mas foram confessados que seus limites de confiança são amplos e foram feitos por extrapolação: “Obviamente estas estimativas foram feitas por extrapolação de resultados experimentais com amostras relativamente pequenas e. A escravidão no Brasil durou cerca de 350 anos e trouxe para o país cerca de 4 milhões de africanos – 37% de todos os escravos trazidos às Américas. Populações indígenas podem ser encontradas por todo o território brasileiro. a porcentagem de brasileiros pretos e negros sobe rapidamente. BORTOLINI. Estão espalhados por todo o território brasileiro. já de alguns anos atrás. sugeriram que a grande maioria dos brasileiros teria mais de 10% de marcadores genéticos africanos. têm limites de confiança bastante amplos” (PENA. Consideram- se pretos todos os descendentes dos povos africanos trazidos para o Brasil e que têm o fenótipo característico africano. Pesquisas genéticas. 2004). consequentemente. eram cerca de 300 mil. fez uma distinção não apenas entre raça e etnia. Os brasileiros que carregam esta carga genética de forma majoritária são predominantes no norte do Brasil. O desaparecimento da população nativa brasileira se deve principalmente a quatro fatores: a dizimação promovida pelos colonizadores. e) Amarelos – de origem asiática. pertencer a uma raça era ter a mesma origem (biológica ou cultural). de modo a diferenciar esse conceito do de raça (que estava associado a características físicas). No final do século XX. o conceito de etnia vem ganhando espaço cada vez maior nas ciências sociais a partir das crescentes críticas ao conceito de raça e. ao conceito de tribo. por sua vez. como a língua e os costumes. antropólogo que acreditava que a raça era o fator determinante na história.2 Etnia e raça Segundo Silva e Silva (2006). ao passo que pertencer a uma etnia era . a perda dos valores e da identidade indígenas ao longo dos séculos. Para ele. é ainda considerado por muitos uma noção pouco definida. 41 amazônica do Norte e Centro-Oeste. principalmente. Recentes estudos genéticos comprovaram que muitos brasileiros possuem ascendência de povos indígenas extintos há séculos. Elaborou então o conceito de etnia para se referir às características não abarcadas pela raça. Consideram-se índios todos os descendentes puros dos povos autóctones do Brasil e/ou que vivem no ambiente cultural tradicional dos mesmos. a população indígena girava em torno de 3 a 5 milhões de indivíduos. Quando os primeiros portugueses chegaram ao Brasil. Foi criado por Vancher de Lapouge. a miscigenação racial e. 4. as doenças europeias que se espalharam como epidemias. a raça era entendida como as características hereditárias comuns a um grupo de indivíduos. Para ele. em alguns casos. O termo etnia surgiu no início do século XIX para designar as características culturais próprias de um grupo. Já Max Weber (1994). em 1500. Apesar disso. definindo etnia como um agrupamento humano baseado em laços culturais compartilhados. mas também entre etnia e Nação. mas ao se instalarem em lugares como a França e a Inglaterra. a construção artificial desse conceito é mais nítida. mas acrescentava uma reivindicação de poder político. essas duas disciplinas multiplicaram as conceituações sobre o termo. uma etnia se sente parte de uma mesma comunidade que possui religião. a etnia é uma construção artificial do grupo. 2006). o fato de elas acreditarem fazer parte de um mesmo grupo. Durante o século XX. ciência que se propõe a estudar diferentes grupos étnicos. costumes – logo. Notemos que nesse conceito não importa somente o fato de as pessoas que compõem uma etnia compartilharem os mesmos costumes. A etnia é um objeto de estudo da Antropologia. língua. e se caracterizou desde cedo como tema principal da Etnologia. Assim. não importa se o grupo realmente descende de uma mesma comunidade original: o que importa é que os indivíduos compartilhem essa crença em uma origem comum. considerando-se diferente de outros grupos. em geral. Autores como Nadel e Meyers Fontes afirmam que uma etnia é um grupo cuja coesão vem de seus membros acreditarem possuir um antepassado comum. pois quase sempre oriundos de migrações recentes para a Europa. sobretudo. uma cultura – em comum. Nesse sentido. e baseia sua identidade em uma religião e rituais específicos. e sua existência depende de seus integrantes quererem e acreditarem fazer parte dela (SILVA. baseada em Weber. 42 acreditar em uma origem cultural comum. Uma crença confirmada. Assim. No caso dos muçulmanos. além de compartilharem uma mesma linguagem. SILVA. mas. constituindo-se em torno da própria noção de etnia. distinguindo-se. de outros grupos culturais (SILVA. assim. uma etnia seria um conjunto de indivíduos que afirma ter traços culturais comuns. pelos costumes semelhantes. Toda etnia se identifica como um grupo distinto. 2006). se identificam como . por se identificarem como grupos distintos e reivindicarem identidades próprias baseadas em religiões e costumes diferentes das sociedades em que estão inseridos. cada um por seu lado. Para essa definição. os judeus e muçulmanos dentro das atuais Nações europeias são. Nesse sentido. etnias. seus integrantes são originários de diferentes países e culturas distintas. A Nação também possuía tal crença. a seu ver. SILVA. Consequência de múltiplas misturas raciais e culturais provocadas pelo incremento das migrações em escala planetária. conformação facial e cranial. Essas comunidades geralmente reclamam para si uma estrutura social.3 Multiculturalismo: definições e surgimento Segundo Chiappini (2001). é um termo que foi utilizado historicamente para identificar categorias humanas socialmente definidas. ancestralidade e genética. com relação aos descendentes dos primeiros imigrantes. Portanto. ocorridas na segunda metade do século XX. 2010). referindo-se a seres humanos. política e um território (SANTOS et al. 43 uma mesma etnia. Tal situação pode ser percebida. do próprio direito e da linguística. antes de qualquer coisa. uma ideologia. um grupo étnico é uma comunidade humana definida por afinidades linguísticas. no mundo todo pós-segunda guerra mundial.. pelo desenvolvimento dos estudos antropológicos. com esta. independentemente do país de origem. Raça e etnia são dois conceitos relativos a âmbitos distintos. a cor da pele. amplamente utilizada como característica racial. e a construção de uma identidade comum “árabe” ou “muçulmana” vem tanto do fato de possuírem uma mesma religião quanto do fato de a sociedade os tratar em geral como um grupo homogêneo. As diferenças mais comuns referem-se à cor de pele. sobretudo. culturais e semelhanças genéticas. principalmente da monoculturalidade e. além das outras ciências sociais e humanas. a do politicamente correto. tipo de cabelo. Ele pode ser visto como: um sintoma de transformações sociais básicas. 4. podemos entender o multiculturalismo de várias maneiras. Raça refere-se ao âmbito biológico.. constitui apenas uma das características que compõem uma raça. Guarde. Etnia refere-se ao âmbito cultural. de um .. com vários olhares. uma aspiração. o multiculturalismo é. um questionamento de fronteiras de todo o tipo. desejo coletivo de uma sociedade mais justa e igualitária no respeito às diferenças. pelo menos resignação universais. Sem entrar nos méritos da questão e noutras histórias de horror. e estender ao conjunto do mundo o modelo econômico e cultural mais favorável a essas potências. com maior ou menor repressão. [. sociais e econômicas.. 90). resultado não de uma fatalidade econômica. p. cada vez mais. Contextualizando histórica e temporalmente. o neoliberalismo parece não ter soluções a oferecer. em grande parte artificial (CHIAPPINI. 44 conceito de nação nela baseado. em 11 de setembro de 2001. Mas não há como negar que.. o multiculturalismo implica em reivindicações e conquistas por parte das chamadas minorias. o desaparecimento progressivo de universos autônomos de produção cultural pela imposição de valores comerciais. Reivindicações e conquistas muito concretas: legais. como afirma Bourdieu (2001. de modo a obter adesão ou. grupos ou indivíduos que não conseguem administrar a diferença e aceitá-la como constitutiva da nacionalidade. 2001). porque é considerada um risco à identidade e à unidade nacionais. em guetos. Para a maior parte dos governos. Visto como militância. o desemprego crescente. políticas. em tempos de crise. sobretudo os Estados Unidos. Moreira (2001) pondera que vivemos já desde os anos 2000 em um mundo marcado pelas nefastas consequências de um processo de globalização excludente. mostraram os conflitos que essa máquina pode causar e tornaram claro que. Esse processo constitui. o processo de globalização . destino universal. Entre as consequências imediatamente visíveis da globalização podem-se mencionar: o aumento das desigualdades econômicas entre os países e no interior de cada um deles.] a máscara justificadora de uma política que visa universalizar os interesses e a tradição particulares das potências econômicas e politicamente dominantes. as identidades são plurais e as nações sempre se compuseram na diferença. mais ou menos escamoteada por uma homogeneização forçada. apresentando-o ao mesmo tempo como norma. mas de uma política consciente e proposital que busca liberar os determinismos econômicos de todo controle e submeter governos e cidadãos às forças assim liberadas. ela tem de estar contida no espaço privado. Os atos terroristas nos Estados Unidos. um tem-que ser e um fatalismo. assim como a destruição das instâncias coletivas capazes de fazer frente aos efeitos do que Bourdieu (1998) denomina de máquina infernal. todavia. a dignidade humana. com muito mais seriedade. Multiculturalismo representa. o racismo e a xenofobia. há que se atentar para as desigualdades econômicas e se distribuir os frutos da globalização com mais justiça. Há também que se reconhecer a pluralidade cultural que cada vez mais se expressa no mundo de riscos globais em que vivemos. d) Corpo teórico de conhecimentos que buscam entender a realidade cultural contemporânea. cultura e religião. as diferenças derivadas de dinâmicas sociais como classe social. b) Meta a ser alcançada em um determinado espaço social. O termo multiculturalismo. a perseguição. MOREIRA. Nossas sociedades contemporâneas são inegavelmente multiculturais. Nelas. mas não se pode ignorar. Entretanto. como bem afirmou Beck (2001). adotada por Kincheloe e Steinberg (1997). Multiculturalismo refere-se à natureza dessa . gênero. c) Estratégia política referente ao reconhecimento da pluralidade cultural. É essa última perspectiva. etnia. a identidade cultural e a diferença. 45 nessa sua faceta cruel e negativa. serão muito pouco eficazes se. que venham a ser tomadas. orientação sexual. uma condição inescapável do mundo ocidental. mais ou menos violentas. 2001). Para este autor. à qual se pode responder de diferentes formas. tanto nos setores beneficiados pela globalização como nos que ela tem ajudado a marginalizar. não forem levadas em conta. além de provocarem desastrosos efeitos na economia mundial e de intensificarem o arbítrio. pode indicar diversas ênfases: a) Atitude a ser desenvolvida em relação à pluralidade cultural. expressam-se nas distintas esferas sociais. em última análise. os acontecimentos de setembro levaram países do Primeiro Mundo a se articularem para evitar novos atentados. que Moreira (2001) vê como mais apropriada para expressar os complexos fenômenos culturais contemporâneos. represálias e outras medidas. garantir a segurança no mundo ocidental e preservar os atuais arranjos sociais e econômicos. e) Caráter atual das sociedades ocidentais (CANEN. para integrar grupos que contestem valores e práticas dominantes. ainda. Moreira (2001) concebe diferença como o conjunto de princípios organizadores de seleção. Educação multicultural. bem como evitar que a compreensão da constituição das diferenças questione hierarquias estabelecidas. 4). Como acentuou Beck (2001. Segundo Canen (1998): pode-se promover a educação multicultural. portanto. visando-se garantir a pluralidade cultural. em outro enfoque. inclusão e exclusão que informam o modo como mulheres e homens marginalizados são posicionados e constituídos em teorias sociais dominantes. a essa condição. não sem certo tom de cinismo. celebrar manifestações culturais dominantes. pode-se. No âmbito da . A decisão relativa à resposta a ser dada demanda a explicitação do que está sendo chamado de diferença. p. com o auxílio da educação multicultural. pode-se. garantir a homogeneidade e tentar apagar (ou esmaecer) as diferenças. pode-se também empregá-la para resgatar valores culturais ameaçados. decorrente do maior intercâmbio cultural no interior de cada sociedade e entre diferentes sociedades. 46 resposta. enfatizando-se que elas não são naturais e que. Com o apoio da educação multicultural pode-se. destacar a responsabilidade de todos no esforço por tornar o mundo menos opressivo e injusto. Com base em McCarthy (1998). “ajudar os que foram excluídos não é mais uma tarefa humanitária. propiciar a contextualização e a compreensão do processo de construção das diferenças e das desigualdades. políticas sociais e agendas políticas. para desenvolver sensibilidade para a pluralidade de valores e universos culturais. É do próprio interesse do Ocidente: a chave de sua segurança”. por fim. A educação multicultural pode também ser usada. refere-se à resposta que se dá. consequentemente. buscar reduzir os preconceitos e as discriminações. em ambientes educacionais. resistências são possíveis. são ambientes nos quais manifestações de racismo e as várias discriminações.4 Currículo. temos a intenção de fazer alguns comentários iniciais e pontuais sobre o currículo. Diferença refere-se. . refere-se a curso). A lei convida o currículo para a discussão. o Estado brasileiro institui. contudo. então. na busca de uma educação antirracista. o ensino da história e cultura afro- brasileira e africana. a Lei Federal nº 10. que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB. e torna obrigatório em estabelecimentos de ensino público e privado. os atos que têm classificado e oprimido indivíduos e grupos. 47 diferença incluem-se. Neste. 2001): as pessoas têm direito a ser iguais sempre que a diferença as tornar inferiores. a produção da diferença é um processo social. o currículo é um curso a ser seguido.639/03. no âmbito de todo o currículo. sejam elas escolas da educação básica e/ou instituições de ensino superior. ao afirmar que dentre as formas através das quais o racismo aflora em nossa sociedade. Currículo é uma palavra originada do latim Scurrere (correr. nº 9.a humana. têm também direito a ser diferentes sempre que a igualdade colocar em risco suas identidades. etnia e diversidade cultural Concordamos com Silva (2011). Essa lei será discutida em outro momento. as instituições de ensino. etnia e diversidade cultural. mais à distribuição desigual de pessoas na organização social. portanto. Logo. desautorizando e silenciando suas vozes e histórias. decorrente de aspectos que “centralmente” as distinguem. do que à ideia de grupos e indivíduos distintos partilhando aspectos comuns a uma única raça . que fazem parte da cultura da sociedade brasileira acontecem. Nessa perspectiva. em movimento que vise promover a aceitação do imperativo transcultural proposto por Santos (1997 apud MOREIRA. 4. não algo natural ou inevitável. reconhecendo que as ideologias raciais colaboram para a manutenção de situações de privilégio de um grupo sobre o outro. direcionando-nos a pensá-lo como importante ferramenta para o enfrentamento de questões étnico-raciais.394/96). em 9 de janeiro de 2003. A diferença pode e deve ser desafiada. 2011). porquanto. são unânimes em afirmar que o currículo vai para além da seleção de conhecimentos e informações retiradas do “estoque” da nossa cultura. estruturação de conteúdos de uma forma particular. 2008. . contexto e construções sociais não constituem problema. a escola. O currículo é o centro da ação educativa. De acordo com Sacristán (2000. metafísico e opressor de currículo. 2011). Sua função inclui delimitar atividades. Isso significa que além da aplicação dos conteúdos. Tendo como bases. que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha configurada. entre outros. 173) diz ainda que o currículo é muitas coisas ao mesmo tempo: ideias pedagógicas. 36). a definição de currículo se apresenta da seguinte forma: um projeto seletivo de cultura. por implicações etimológicas o poder de ‘definição da realidade’ é posto firmemente na mão daqueles que ‘esboçam’ e definem o curso (GOODSON. cultural. p. suas histórias de vida. p. estímulo de habilidades nos alunos. social. detalhamento dos mesmos. o professor e o aluno (FREITAS. O currículo que desconsidera a multiplicidade de referências identitárias. estudiosos do currículo. entre outras. e insiste em uma identidade hegemônica transforma-se em um “dos artefatos educacionais dos mais iluministas. 15) que. Sacristán (2000. autoritários e excludentes” (MACEDO. funciona para manter e naturalizar relações sociais desiguais e hierarquizantes. as políticas. que a lei 10. o contexto social no qual esse currículo está inserido e transitando. perpassado por relações ideologicamente organizadas. sobretudo aqueles filiados às teorias críticas e pós-críticas. E é justamente esse formato estruturalista. 48 nesta visão. referências culturais. p. p. política e administrativamente condicionado. é importante considerar as pessoas. a sociedade. reflexo de aspirações educativas mais difíceis de moldar em termos concretos. bem como os conteúdos a serem desenvolvidos pela escola somando as experiências transmitidas pelos discentes e docentes envolvidos. pois irá influenciar diretamente a qualidade do ensino. Essa definição sobreviveu e se fortaleceu por muito tempo. 1995.639/03 ajuda-nos a problematizar (SILVA. Na atualidade. 31). como a construção histórica. p. ela deve entender a educação como um direito social e o respeito à diversidade no interior de um campo político. Ao falar da diversidade étnica. a escola deve assumir a diversidade e posicionar-se contra as diversas formas de dominação. das vivências no processo sociocultural. Sendo a diversidade do ponto de vista cultural. o desafio da escola e dos projetos educativos que orientam nossa prática está no fato de que. as mudanças advindas da obrigatoriedade do ensino de História da África e das culturas afro-brasileiras nos currículos das escolas da educação básica só poderão ser consideradas como um dos passos no processo de ruptura epistemológica e cultural na educação brasileira . Levando em consideração que o processo educativo é complexo e marcado por variáveis pedagógicas e sociais. com aquele que é diferente de nós. é necessário olhar a sociedade onde o grupo ou o indivíduo estão e vivem. Como diz Gomes (2007. estamos dando visibilidade às diferenças dos sujeitos desse espaço. 49 Ela faz o currículo ser pensando na perspectiva da diversidade e. Incluir as questões étnico-raciais no currículo é reconhecer a diferença. esse processo não pode ser analisado fora da interação dialógica entre escola e vida. MOREIRA. para compreender a cultura de um grupo ou de um indivíduo que dela faz parte. É aqui que as diferenças ganham sentido e expressão como realidade e definem o papel da alteridade nas relações entre os homens. Enfim. portanto. da construção de processos identitários que. essa construção ultrapassa as características biológicas e leva a escola a se desafiar! Em outras palavras. 2013). exclusão e discriminação. mais que isso. Em se tratando da questão racial no currículo. considerando o conhecimento e a cultura (SANTANA. 41). ocorrem na convivência e negociação com o outro. a dimensão cultural coloca-se como fator que não pode ser desconsiderada ao tentarmos avançar na garantia da educação escolar como um direito social e na compreensão da sua relação com o universo simbólico e com o mundo do trabalho. cultural e social das diferenças. cultural e escolar. reconhecer que somos nós quem fabricamos identidades e diferenças no contexto de relações culturais e sociais. por sua vez. Nesse sentido. SANTANA. conceitual. na realidade. Trata-se. de uma mudança estrutural. 2012). epistemológica e política (GOMES. . 50 se esses não forem confundidos com “novos conteúdos escolares a serem inseridos” ou como mais uma disciplina. No âmbito do PBQ. no entanto. A gestão da ASQ é estruturada a partir do Comitê Gestor Interministerial e tem caráter deliberativo e executivo composto por Ministérios e Secretarias Especiais.1 As comunidade quilombolas As comunidades quilombolas são grupos com identidade cultural própria e se formaram por meio de um processo histórico que começou nos tempos da escravidão no Brasil. infraestrutura e qualidade de vida. 2014). que estimam cerca de 5 mil comunidades. Maranhão. dotados de relações territoriais específicas e com ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. 3 Explicado ao final da unidade. por meio do Programa Brasil Quilombola3 (PBQ). conforme Decreto nº 4887/03. Minas Gerais. O MDS também desenvolve projetos-piloto de Cozinhas Comunitárias em comunidades quilombolas. Há outras fontes. Essas comunidades possuem direito de propriedade de suas terras consagrado desde a Constituição Federal de 1988 (MDS. O projeto irá beneficiar os estados da Bahia. foi criada a Agenda Social Quilombola (ASQ). . com trajetória histórica própria. no que se refere às políticas universais de segurança alimentar e nutricional. Também nessas localidades estão sendo realizadas capacitações do PAA para que as comunidades que receberem as Cozinhas apresentem projetos ao programa.524 comunidades quilombolas no Brasil. Partindo dessa perspectiva. As comunidades quilombolas são grupos étnico-raciais. Pará e Pernambuco. Um levantamento da Fundação Cultural Palmares (FCP) mapeou 3. O objetivo é atender mais de 6 mil famílias. o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) estabeleceu metas de atendimento aos quilombolas no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e no Programa Cisternas. segundo critérios de auto-atribuição. A ASQ atua em eixos relacionados ao acesso a terra. 51 UNIDADE 5 – QUILOMBOLAS 5. O objetivo é articular as ações no âmbito do Governo Federal. inclusão produtiva e desenvolvimento local e direitos de cidadania. Pernambuco. açaí. sendo um processo de reflexão da pessoa que pertence a um grupo historicamente constituído e que reivindica sua identidade como membro do grupo. Esses APLs são direcionados aos estados da Bahia. Além das ações de segurança alimentar e nutricional. Os produtos apoiados são piaçava.2 Como identificar uma pessoa de origem quilombola As famílias quilombolas têm o direito de serem corretamente identificadas no Formulário Principal do Cadastro Único. É considerada quilombola aquela pessoa que se autodetermina pertencente a esse grupo. Bahia. nos cinco estados brasileiros com maior concentração de quilombolas (Minas Gerais. terra de santo e comunidades negras rurais. por meio de campo específico e isso é muito importante porque pela identificação se possibilita sua seleção para programas sociais. é reconhecido pelos Decretos nº 4887/03 e 6040/07 e por tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil. o MDS compôs o grupo de órgãos federais que organizou os Seminários Integrados de Políticas para Comunidades Quilombolas. castanha. temos: quilombo. 5.3 Identificando a terra e localizando comunidades quilombolas A estes grupos é garantido o direito à terra. O termo quilombola além de garantido pela Constituição Federal – CF/88. andiroba e frutos do cerrado. Compreende as seguintes etapas: identificação. babaçu. demarcação e titulação. uma vez que elas têm forte ligação com seu território. o que significa garantir a existência das comunidades e de sua cultura. mocambos. A posse desse território é coletiva e isso quer dizer que qualquer título de posse emitido por órgão competente é em nome da comunidade. reconhecimento. terra de preto. 5. O processo é longo e a responsabilidade de organizar e . O objetivo foi fortalecer a implementação do PBQ. 52 Apoia-se ainda a consolidação de Arranjos Produtivos Locais (APL) das cadeias de produtos da sociobiodiversidade. com ênfase para o controle social (BRASIL. 2011). Maranhão. delimitação. Maranhão e Pará). Minas Gerais e Pará por possuírem maior concentração de famílias quilombolas. Dentre as denominações dadas às áreas onde residem estes grupos. A estimativa atual do MDS aponta a existência de aproximadamente 100 mil famílias quilombolas vivendo em cerca de 3 mil comunidades distribuídas em todas as regiões do Brasil. dificuldade de acesso às comunidades devido a distância destas das sedes dos municípios e às características geográficas da região. a existência de comunidades quilombolas no seu município. Porque falamos tanto da questão do cadastro das comunidades quilombolas.342 são certificadas pela Fundação. O gestor municipal pode contribuir com o mapa brasileiro. que mapeou 3. constatando por meio de visitas domiciliares. conflitos fundiários que podem interferir no contato com as comunidades.4 As dificuldades encontradas pelos municípios para cadastrar famílias quilombolas Dentre as dificuldades encontradas temos: desconhecimento a respeito do que são comunidades quilombolas. 53 fiscalizar os procedimentos para titulação do território quilombola está a cargo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). 5. para fins de aplicação do PBQ. A SEPPIR. desconhecimento sobre a localização das comunidades quilombolas. alguns devem estar se perguntando? A resposta é simples: é por meio desse programa (PBQ) que as metas e recursos envolvendo 23 ministérios e órgãos federais poderão ser atingidas. Elas são: . considera o levantamento da Fundação Cultural Palmares. falta de documentação civil básica por parte das famílias quilombolas. do Ministério da Cultura.5 O Programa Brasil Quilombola (PBQ) O Programa Brasil Quilombola (PBQ) reúne ações do Governo Federal para as comunidades remanescentes de quilombos.524 dessas comunidades – dentre as quais 1. órgão pertencente ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). 5. Petrobrás. investindo R$ 99 milhões no período entre 2004 e 2008.625 famílias quilombolas. o Ministério do Desenvolvimento Agrário destinou em 2008 R$ 82 milhões para . eletrificação.821 domicílios atendidos em áreas quilombolas. pleno atendimento das famílias quilombolas pelos programas sociais.342 comunidades foram certificadas como remanescentes de quilombos pela Fundação Cultural Palmares. 81 Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTDIs) foram publicados. totalizando 216 mil hectares reconhecidos. e) Desenvolvimento local – projetos de desenvolvimento local. f) Desenvolvimento agrário – através do Programa Territórios da Cidadania. incentivo ao desenvolvimento local. 1. totalizando uma área de 516 mil hectares e beneficiando 10. e. Eletrobrás. 54 garantia do acesso à terra. b) Certificação – entre 2004 e 2008. Fundação Universidade de Brasília e MDS destinaram R$ 13 milhões a projetos de desenvolvimento econômico sustentável em comunidades quilombolas de oito estados brasileiros. alcançou 19 mil famílias quilombolas ao final de 2008. O Programa já realizou as seguintes ações: a) Regularização fundiária – desde 2005. ações de saúde e educação.755 famílias foram beneficiadas por meio da publicação de 40 portarias de reconhecimento. como o Bolsa Família. Caixa Econômica Federal. d) Bolsa Família – o programa de renda mínima. medidas de preservação e promoção das manifestações culturais quilombolas. recuperação ambiental. No mesmo período outras 3. c) Luz para Todos – o programa de eletrificação coordenado pelo Ministério das Minas e Energia chegou à marca de 19. construção de moradias. sob a responsabilidade do MDS. fruto de parcerias entre SEPPIR. sabemos e os quilombolas sabem melhor que nós. uma vez que considera ser fundamental valorizar os saberes apreendidos com a família. finalizou.br/acoes/pbq). Na Primeira Conferência Estadual de Educação para as relações Étnico- Raciais – debate gestão democrática e desafios de escolas para indígenas e quilombolas (2013). encontram nos programas governamentais um caminho para a promoção de sua cultura.. 2011). Luiz Marcos de França Dias. os avanços e os limites do direito dos quilombolas na legislação brasileira. O Parecer do CNE/CEB nº 7/2010 define a Educação Escolar Quilombola como modalidade da educação escolar e institui que deve ser desenvolvida em [. no Vale do Ribeira. observados os princípios constitucionais. Também em 2008. em casa..seppir.] unidades educacionais inscritas em suas terras e cultura.9 milhão. mas o ‘e’ de enxada. professor da comunidade quilombola de São Pedro. 55 ações específicas de desenvolvimento regional e garantia de direitos sociais em comunidades quilombolas. instrumento que seu pai utiliza todo dia para trabalhar na roça”. p. “O aluno precisa manter seu idioma. 2011. “O ‘e’ que deve ser ensinado na escola quilombola não é o ‘e’ de elefante. a articulação entre terra e território. requerendo pedagogia própria em respeito à especificidade étnico-cultural de cada comunidade e formação específica de seu quadro docente. a oralidade. A Educação Escolar Quilombola. deverá incluir em seus currículos a conceituação de quilombo. a base nacional comum e os princípios que orientam a Educação Básica brasileira. outros 12 projetos de desenvolvimento agrário foram apoiados com R$ 1. seu dialeto. que eles enquanto grupos excluídos que nunca tiveram seus valores culturais e socioambientais ressaltados. . Na estruturação e no funcionamento das escolas quilombolas. a memória. Não se trata de esquecer física. o trabalho e a cultura (BRASIL. 8). deve ser reconhecida e valorizada sua diversidade cultural (BRASIL. química ou inglês”. salientou a importância da educação familiar no contexto da educação quilombola. pontuou. além de contar com os aspectos normativos que regem a educação brasileira. Quanto às questões educacionais.gov. beneficiando 59 comunidades em nove estados (http://www. crenças e tradições. artigos 231 e 232) e legislações complementares. 2010. sem. línguas. significa também compartilhar uma condição comum: a de povos indígenas (BRASIL. b) FUNASA – Fundação Nacional de Saúde – responsável pela saúde dos povos indígenas. dentre outros instrumentos importantes para a garantia dos direitos indígenas temos a Convenção nº 169/89 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). contudo. pois implica participar de culturas distintas. vários órgãos executam ações junto aos povos indígenas: a) FUNAI – Fundação Nacional do Índio – responsável por coordenar a política indigenista do Estado Brasileiro. Porém. . 8). Foi um nome atribuído pelos colonizadores e não existia nenhum povo com essa autodenominação habitando o território que viria a se chamar Brasil. 6. Para garantir tais direitos. 56 UNIDADE 6 – POPULAÇÕES INDÍGENAS O termo “índio” foi usado como designação genérica para as populações que habitavam a América quando os europeus chegaram. promoção e proteção social e desenvolvimento comunitário. Hoje esses povos têm consciência de que compartilham uma história comum e vêm se organizando e atuando de forma conjunta. bem como são reconhecidos seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Tapeba ou Makuxi tem significado concreto diferente. Elas reconhecem que esses povos possuem organização social. desenvolvendo ações referentes à demarcação de terras indígenas. deixarem de lado suas especificidades étnicas. costumes.1 A realidade. Tikuna. p. Além da legislação nacional. os direitos dos povos indígenas no Brasil e as Terras Indígenas (TIs) Os povos indígenas têm direitos específicos garantidos pela CF/88 (Capítulo VIII – Dos Índios. Ser Kaingang. Expressam-se em suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. cultura e antepassados. averiguando o pertencimento étnico e introduzindo critérios de identificação internacionalmente reconhecidos.2% em área urbana e 63. cujo processo de identificação teve a parceria da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) no aperfeiçoamento da cartografia. no Amazonas e em Roraima. Apenas seis terras tinham mais de 10 mil indígenas. A terra com maior população indígena é Yanomami. costumes.7 milhões de hectares).4 mil indígenas (57. 67. Porém. Essas terras representam 12. O total inclui os 817. em regime de colaboração com os estados e municípios.9 mil indígenas declarados no quesito cor ou raça do Censo 2010 (e que servem de base de comparações com os Censos de 1991 e 2000) e também as 78. 107 tinham entre mais de mil e 10 mil.8% na área rural.7% do total). Ao todo. No Censo 2010. o IBGE aprimorou a investigação sobre a população indígena no país. onde residiam 517. com 25. 57 c) MEC – Ministério da Educação e Cultura – coordenador da política de educação escolar voltada aos povos indígenas.9 mil indígenas.7 mil indígenas. como a língua falada no domicílio e a localização geográfica.5 homens para cada 100 mulheres).9 mil pessoas que residiam em terras indígenas e se declararam de outra cor ou raça (principalmente pardos. 291 tinham entre mais de cem e mil e em 83 residiam até cem indígenas. Foi observado equilíbrio entre os sexos para o total de indígenas (100. Foram coletadas informações tanto da população residente nas terras indígenas (fossem indígenas declarados ou não) quanto indígenas declarados fora delas.5%). d) MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – desenvolve ações visando à superação de situações de insegurança alimentar e nutricional e vulnerabilidade social da população brasileira em geral e promove ações específicas junto aos povos indígenas. foram registrados 896. 36. com mais mulheres nas áreas urbanas e mais homens nas rurais. percebe-se um declínio no predomínio masculino nas . mas se consideravam “indígenas” de acordo com aspectos como tradições.5% do território brasileiro (106. Também foram identificadas 505 terras indígenas. encontrando 305 etnias. mas 67. a população indígena ainda tem nível educacional mais baixo que o da população não indígena. ambas acima dos 90%. todos os domicílios eram desse tipo e.2% nas terras indígenas. Mesmo com uma taxa de alfabetização mais alta que em 2000. com 6. Em 2010. nos grupos etários acima dos 50 anos. Somente 12. predominava o tipo “casa”.9% falavam português.9% deles não tinham qualquer tipo de rendimento. lazer e trabalho não são facilmente separáveis e a relação com a terra tem enorme significado. enquanto que. Em todo o país. especialmente na área rural.6% dos domicílios eram do tipo “oca ou maloca”. 83. porém. 58 áreas rurais entre 1991 e 2010.4).2 para 108. A análise de rendimentos comprovou a necessidade de se ter um olhar diferenciado sobre os indígenas: 52. no restante.9% das terras. .7%). onde 25. culturais e sociais).9% eram sem rendimento.6%).8% da população indígena. sem a noção de propriedade privada. Dos indígenas com 5 anos ou mais de idade 37.9) Norte (de 113.0% das pessoas indígenas de 10 anos ou mais de idade recebiam até um salário mínimo ou não tinham rendimentos. Mesmo nas terras indígenas.5% da população indígena com 10 anos ou mais de idade ganhava mais de cinco salários mínimos.4% falavam uma língua indígena e 76. Entre os indígenas. Nas terras indígenas.4 para 103. sendo o maior percentual encontrado na região Norte (92.2% não tinham nenhum tipo de registro de nascimento.1) e Centro-Oeste (de 107. as taxas são próximas às da população em geral. Também foram identificadas 274 línguas indígenas. 6. vários fatores dificultam a obtenção de informações sobre o rendimento dos trabalhadores indígenas: muitos trabalhos são feitos coletivamente. 1. percentual que caía para 0. proporção ainda maior nas áreas rurais (65.5 para 106. O Censo 2010 investigou pela primeira vez o número de etnias indígenas (comunidades definidas por afinidades linguísticas. ocas e malocas não eram muito comuns: em apenas 2.7% das terras. a taxa de analfabetismo é superior à de alfabetização. Entre as crianças indígenas nas áreas urbanas. elas não foram observadas (IBGE. das quais a maior é a Tikúna. especialmente no Sudeste (de 117. 2012). em 58.8% eram registrados em cartório.7% ganhavam até um salário mínimo e 66. jovens e crianças. estaduais e federal para obter um perfil socioeconômico das famílias cadastradas. o fato de muitas passarem por situações de insegurança alimentar e nutricional e vulnerabilidade social que tem suas origens no passado colonial da sociedade brasileira. 59 6. Isso não quer dizer que todas as famílias devam ser cadastradas. sendo que suas informações podem ser usadas pelos governos municipais. Ele é usado para seleção de beneficiários e integração de programas sociais do Governo Federal. Seus direitos são de natureza coletiva. mas de forma diferenciada. por meio da colaboração entre Governo Federal. A questão do cadastramento das famílias indígenas não é privilégio. Assim. como estão organizados. somente aquelas que possam pelas dificuldades faladas acima. municipais e sociedade civil organizada. inclusive lideranças tradicionais e comunitárias. mas sim. homens. Para tanto é preciso conhecer a realidade desses povos. . qualquer decisão que tenha impacto na comunidade deve ser tomada com a participação de todos.3 O Cadastramento das famílias indígenas O Cadastro Único é uma ferramenta de identificação e caracterização das famílias brasileiras de baixa renda que: tenham rendimento mensal de até meio salário mínimo por pessoa. O maior desafio para o atendimento às famílias indígenas é garantir os seus direitos por meio de ações que respeitam as diferenças e especificidades culturais de cada povo. Superar esse quadro exige participação direta do Estado Brasileiro.2 Proteção social – direito dos povos indígenas Os povos indígenas devem ser atendidos por meio de políticas de proteção social. quais suas atividades produtivas e como estão inseridos no mercado de consumo. 6. estaduais. ou. Constitui-se de uma base de dados. toda família receba até três salários mínimos. formulários. procedimentos e sistemas eletrônicos. mulheres. divididos os grupos familiares. é importante saber como vivem e quais seus projetos de futuro antes do cadastramento de inclusão. Impossibilidade de desenvolver atividades autossustentáveis e/ou de desenvolvimento comunitário local. 2. Conhecendo a quantidade. a localização e as necessidades socioeconômicas dessas famílias. 5. Apresentar altos índices de problemas de saúde entre jovens. Grupo em situação de insegurança alimentar e nutricional. Apresentar altos índices de desnutrição e mortalidade infantil. não ter a alimentação diária garantida. adultos e idosos. 2010). Adesão espontânea do povo indígena a programas sociais e avaliação positiva do grupo quanto às condições para recebimento dos benefícios sociais. 60 Como possuem hábitos alimentares e formas de viver diferentes do restante da população brasileira. ou seja. Pode-se concluir que o cadastramento é recomendável para famílias indígenas que necessitam de políticas públicas para sua sobrevivência física e cultural. como os de transferência de renda. As situações em que devem ser cadastradas são: 1. . é possível contribuir para a elaboração de políticas públicas e programas sociais específicos (BRASIL. 3. 4. Fonte: IBGE. . Censo Demográfico 2010. 61 Vejamos os quadros do IBGE. . 62 Reservas Indígenas UF MUNICÍPIO RESERVA INDÍGENA AC Mancio Lima Reserva Indígena Payanawa Barão Ipiranga AP Oiapoque Reserva Indígena do Uaçá GO Aruanã Reserva Indígena de Buridina MG Bertópolis Reserva Indígena Maxakali MG São João das Missões Reserva Indígena Xacriaba Barreiro Preto MS Caarapó Reserva Indígena Te Ýikue MS Dourados Reserva Indígena Dourados MS Ponta Porã Reserva Indígena Kokuey MT Água Boa Reserva Indígena Areões MT Barra do Garça Reserva Indígena São Marcos MT Paranatinga Reserva Indígena Bakairi MT Peixoto de Azevedo Reserva Indígena do Xingu MT Porto Espiridião Reserva Indígena Chiquitano MT Bom Jesus do Tocantins Reserva Indígena Mãe Maria BR222Km25 PA Pau D`Arco Reserva Indígena Kayapó PA São Félix do Xingu Reserva Indígena Kayapó Aldeia Moxkarakô PA Tomé-Açu Reserva Indígena Tembé Mariquita PR Diamante D`Oeste Reserva Indígena Itamara PR Mangueirinha Reserva Indígena RO Porto Velho Reserva Indígena Kaxarari Aldeia Pedreira RS Planalto Reserva Indígena de Pinhalzinho SC Ipuaçu Reserva Indígena Xapecó SC José Boiteux Reserva Indígena Bugiu SC José Boiteux Reserva Indígena Aldeia Toldo Fonte: MEC – EducaCenso (2009). a estrutura tradicional baseada na aldeia está desaparecendo e.1 A religião na África De acordo com Gaarder. relatos de observações europeus que são tanto os colonizadores como missionários. Cada uma tem seu próprio nome para Deus. isolada. no caso à europeia. não existem registros a respeito dos ritos e manifestações. As religiões primais. O centro do islã fica na África setentrional árabe. assim como todas as outras. que era a vida familiar e tribal. dos contatos . deve-se ter em mente que seu número equivale ao de povos existentes na África. ou tradicionais. mas também se deve considerar que o conteúdo das histórias contadas pode ter se alterado ao longo das gerações. ou tribais. as religiões africanas tradicionais são pouco conhecidas. as mais difundidas antes da invasão cultural ocidental e árabe. 63 UNIDADE 7 – REVISITANDO A HISTÓRIA DAS RELIGIÕES AFRICANAS 7. juntamente com ela. são três as religiões que dominam a África moderna: o cristianismo que se encontra. Hellern e Notaker (2005. são influenciadas por fatores externos. sobretudo no sul e ao longo dos litorais leste e oeste. por fim. Logo. uma fonte de conhecimento sobre as religiões africanas são os mitos que sobreviveram por meio da tradição oral. estrangeiro. Há. apenas. o fundamento das antigas religiões. Por outro lado. Ao agrupar as religiões africanas sob um só rótulo. 97). elas apresentam também muitos traços em comum. pois os africanos não viveram uma existência estática. mas historicamente essa religião sempre teve penetração também ao sul do Saara. seus próprios rituais de culto. De acordo com os autores. p. é um conhecimento que vem de fora. Segundo os autores acima. suas idiossincrasias. Uma característica das religiões africanas mais recentes são os milhares de movimentos sincretistas que surgiram em torno das missões cristãs. Sua história fala de diversas migrações. a religião é conhecida por um olhar de fora. Mesmo com o passar do tempo. e muitas adotaram elementos do islã ou do cristianismo. antropólogos e etnólogos passaram a fazer os registros. também da mesma maneira. que está vendo através de outra cultura como pano de fundo. porém. pois. Na África moderna. as religiões primais. isto pelo fato de que tribo ou clã é a família do africano. O chefe tribal é uma pessoa mítica e responsável por várias decisões importantes que devem ser tomadas à frente de seu grupo. religião. existe a crença num deus supremo. De modo geral. com as observações feitas. este é associado ao céu e a ele são convertidos os rituais a fim de pedir pela fertilidade da terra. Nas religiões africanas. acima de tudo. mas sim recorrem no seu cotidiano a deuses e espíritos menores. as pessoas não recorrem a este deus. Assim. logo. segundo os autores. lei e moral. No caso. fazendo sacrifícios aos espíritos dos ancestrais (GAARDER. Há apenas alguns grupos de caçadores-coletores. o maior infortúnio que pode ocorrer com um indivíduo pertencente ao grupo é o fato desta pessoa não poder gerar um descendente. embora haja muitos nomes para este deus. Nessas tribos africanas. que. o chefe ou o rei é um guardião. p. 100) dizem que esses outros deuses. NOTAKER. Como apontam os autores: o dever dos vivos é assegurar a preservação dessa organização da sociedade. os descendentes. Cada uma dessas formas é parte do princípio – o costume – sobre o qual aquela sociedade tribal está construída. e. nas planícies e nas . O termo tribo. o respeito por este coletivo é mais importante do que pelo indivíduo. forças e espíritos se encontram nas florestas. o que se consegue obedecendo cuidadosamente a todas as regras e. HELLERN. enfim. pois. apenas em último caso. lhe cabem vários comandos e. a família também é composta por aqueles ainda não nascidos. é de suma importância para entendimento da religião entre os povos africanos. as crianças aprendem os costumes e seguem como uma nova geração para perpetuar as tradições da tribo – clã. É necessário notar ainda que a maioria dos africanos não urbanos são agricultores e criadores de gado. Os descendentes aprendem desde tenra idade a respeitar e honrar o espírito do ancestral. 2005). Hellern e Notaker (2005. um líder da justiça. assim. 64 que cruzaram as divisões tribais e da formação de grandes Estados. Gaarder. como apontam os autores: o motivo pelo qual o rei acumula todas essas diferentes funções é que não há uma demarcação clara entre política. É importante dizer que os africanos em sua concepção de religião. irão “morrer”. A religião ganda. Segundo os autores: o culto aos antepassados é uma expressão que implica interação entre os vivos e os mortos. p. o qual governa a fertilidade e a saúde. adivinhos. trata-se de algo aparentemente simples como levar um prato de comida. o culto aos antepassados é um dos aspectos mais típicos da religião africana. não possuem divisão entre corpo e alma. segundo eles. fazer um sacrifício a um ancestral não seja uma tarefa difícil. São intimamente associados a fenômenos naturais distintos: o raio e o trovão. isto é. no caso. de Uganda. Se não receberem oferendas. Embora. HELLERN. Há ainda o deus da guerra. Assim como é o chefe da família que faz as oferendas coletivas. cessar completamente de existir (GAARDER. 65 montanhas. oráculos. alguma árvore enorme ou uma rocha com formato estranho. existem outros especialistas religiosos como curandeiros. é o chefe da família que costuma fazer oferendas a nível maior no sentido de oferenda coletiva como algo para o bem de sua família. Mukasa. as grandes cachoeiras. tem um deus supremo chamado Katonda. os mortos são capazes de estar em vários lugares ao mesmo tempo: no túmulo. praticada pelo povo Baganda. . NOTAKER. ao mesmo tempo. Os vivos obtêm força e socorro de seus ancestrais. Apesar de haver a figura do chefe ou rei que inclui as funções de um sacerdote no grupo em que ele está inserido. é uma honra pra este homem de família poder fazer o ritual de homenagem aos velhos chefes da tribo – família. flores ao túmulo como oferendas.101). profetas e magos fazedores de chuva. 2005. no mundo dos mortos ou em fenômenos próximos ao homem. uma primavera quente. nos rios e nos lagos. o que significa que não acreditam que a alma sobreviva. muito pelo contrário. Kibuka. porém o culto mais importante se dirige a uma constelação de divindades menores. é ele o responsável também por fazer as homenagens aos chefes já falecidos. que no passado exigia sacrifícios humanos. os mortos dependem das oferendas de seus descendentes: é por meio desses sacrifícios que adquirem sua força e potência. Uma delas é o deus da água. Também é costumeiro tratar os espíritos dos mortos com respeito. a invocação das potências divinas e os sacrifícios oferecidos às diferentes divindades. ao menos suficiente para se organizarem em grupos e vivenciarem suas crenças conjuntamente. os cultos afro-brasileiros são assim chamados por causa da origem de seus principais portadores. mais ainda. mediante a manipulação de forças sagradas. os chamados orixás. O candomblé não é uma religião ética. não há espaço para a negação deste mundo terreno em prol da busca necessária de um “outro mundo”. HELLERN. 2005). as mais conhecidas: Candomblé e a Umbanda. de uma vida eterna no Além. autênticas expressões culturais da negritude. não é uma religião que se aproxima do cristianismo. 66 7. mas também porque até meados do século XX funcionavam exclusivamente como ritos de preservação do estoque cultural dos diferentes grupos étnicos negros que compunham a população dos antigos escravos e seus descendentes. NOTAKER. foram assentados nas cidades. O Candomblé. isto devido a ela possuir diferenças que a afasta dos princípios básicos da primeira. De acordo com os autores. à umbanda. É uma religião mágica e ritual. Como não é o intuito aqui aprofundar na discussão das várias religiões negras. Até hoje essas religiões são reconhecidas pelas lideranças do Movimento Negro como religiões negras. e até mesmo de descendentes de japoneses e coreanos. como todas as outras religiões afro-brasileiras. os escravos traficados da África para o Brasil. embora seja cada vez maior o número de brancos. Ainda segundo os autores. como o cristianismo. Nas religiões mágicas não há ideia de salvação de corrupção do pecado. nas quais eles puderam vivenciar uma “pseudo” liberdade. acredita na existência de uma . vamos nos deter a apenas duas. No candomblé o que se busca é a interferência concreta do sobrenatural “neste mundo” presente. existe no Brasil ainda um grupo que se destaca pela posição que ocupa da cultura brasileira que é o grupo das religiões afro-brasileiras (GAARDER. portanto. O candomblé. os negros escravos com o final da escravidão. que estão aderindo ao candomblé e.2 As religiões afro-brasileiras Além de um grupo de matriz cristã como o catolicismo e protestantismo. permite que seus deuses sejam totalmente desprovidos de moralidade. este talvez seja um dos maiores atrativos destas religiões africanas brasileiras. Só que. Como no Candomblé. com diferentes poderes e diferentes funções na vida humana. Neste sentido. que exigem e recompensam que é bom. 67 pluralidade de deuses. a ênfase do candomblé é ritual (GAARDER. isto permite que não haja um julgamento por parte dessas religiões de cunho punitivo. A cada orixá cabe reger e controlar as forças da natureza assim como certos aspectos da vida humana e social. NOTAKER. além de diferentes exigências a seus adeptos. O que para um é pecado para outro já não é. 2005. não há uma relação de pecado até porque o pecado não é como em outras religiões onde existe uma regra. o que estabelece uma relação de pessoalidade na qual. cada um é responsável pela ligação com seu deus pessoal. censura ou mesmo de controle do sujeito. Hellern e Notaker (2005. HELLERN. Diferentemente das grandes religiões mundiais surgidas da palavra e da ação extraordinária de grandes personalidades proféticas. O mais interessante das religiões afro-brasileiras é o caráter não ético como o existe no cristianismo. Os orixás não são divindades moralistas. Logo. p. norma de conduta da carne para servir para um coletivo. 312-313). enquanto na África há registro de culto a cerca de quatrocentos orixás. com a sua noção de pecado individual e seu ideal de uma vida santificada no arrependimento sincero dos pecados. religiões moralizadoras cuja mensagem visa regulamentar princípios éticos gerais e sanções morais bem definidas a conduta cotidiana dos seguidores. (GAARDER. ou condenam e castigam quem faz o mal. De acordo com Gaarder. já que para cada orixá essa noção é relativa. a relação é de cada sujeito com seu orixá. NOTAKER. e diferentemente sobretudo do cristianismo. os orixás vieram da África com os escravos. apenas uns vinte deles sobreviveram no Brasil. HELLERN. 2005. p. . p. 313). 314). o próprio indivíduo vai descobrindo o que é pecado ou não. são estereotipados e são atacados pelo fato de existir um mercado religioso.com/watch?v=vOjlM_qkUvk acesso em 12 out de 2014. com desconfiança e. 4 Um debate interessante sobre a intolerância religiosa pode ser visto e ouvido no programa Sala Debate do canal futura. ela se considera uma religião brasileira por excelência e não é para menos já que ela se configura como uma religião totalmente sincrética. se trata de uma intolerância religiosa 4para com outro povo. outra cultura. logo. Como ela é uma religião nascida no Brasil. segundo os autores. no qual. Mas a umbanda também pode ser dita “religião brasileira” porque é a resultante de um encontro histórico único. por achar que se trata de macumba. 68 A pessoa que segue um orixá costuma se identificar e tentar ser o mais próximo possível de sua representação. tanto em vestimenta quanto em personalidade e traços. disponível em: http://www. desde logo se propagando no tecido urbano do Brasil. especialmente na cidade mais visível do Brasil – o Rio de Janeiro. a umbanda se comportou como uma “religião universal”.com/watch?v=9IQvxqvJzjM e http://www. as religiões de matriz africanas não possuem apoio. o Sudeste. e os que praticam as religiões são vistos com desdém. a umbanda pode ser chamada de religião brasileira primeiro por esse fato. é que ela prefere pensar suas raízes como sendo “brasileiras” e não “africanas”. nas décadas de 30 e 40. surgiu na década de 1920. mais o sincretismo hindu-cristão trazido pelo espiritismo kardecista de origem europeia. um sincretismo religioso originalmente brasileiro. E quando em seguida começou a aparecer aqui e ali. invisibilizadas sendo alvos de críticas e exclusão pelas pessoas por desconhecimento. Eis aí a umbanda. logo. no Rio de Janeiro. No Brasil. que só se deu no Brasil: o encontro cultural de diversas crenças e tradições religiosas africanas com as formas populares de catolicismo. A umbanda. pelas cidades mais desenvolvidas da região mais desenvolvida. um afro-brasileira. Nascida no Brasil. Um dado interessante a ser falado a respeito desta religião. Ela é afro. porém.youtube. como estas religiões são em muitas das vezes. então Capital Federal –.youtube. Conhecer um pouco da cultura religiosa africana nos ajuda a compreender também muito das religiões africanas no Brasil e. . uma falta de investimento em parques. parece valer os ataques infundados sobre as religiões brasileiras de matriz africana. periferias. muito devido a uma falta de planejamento do espaço público. Tampouco respeitando qualquer outra crença que venha a coexistir no mesmo território. . museus. Não é novidade que a expansão das religiões evangélicas no Brasil. fazendo com que as igrejas evangélicas se espalhem desenfreadamente e se transformem em entretenimentos muitas das vezes. A disputa religiosa no Brasil vem por parte de grandes religiões institucionalizadas no país. 69 cada liderança tenta angariar novos fieis para suas igrejas e neste contexto. entre outros. ocupando todos os cantos vagos em bairros. do cristianismo no começo e agora mais fortemente ainda com os evangélicos. e outros espaços públicos para entretenimento. únicos espaços como encontro de fiéis. cooptados pelo discurso de salvação em detrimento de qualquer outra relação de cuidado com o público existente naquele espaço. de forma inclusive desenfreada. e dá outras providências. Caderno Mais!.gov. Brasília: SECAD. 1998. BRASIL. 70 REFERÊNCIAS AÇÃO EDUCATIVA. Brasília.4.gov. Disponível em: http://www. 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