40572397 Liberdade Natural Da Mente

March 20, 2018 | Author: LuckyCoffee | Category: Vajrayana, Dzogchen, Mind, Cognitive Science, Psychology & Cognitive Science


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A Liberdade Natural da Mente no Dzogchen ou “Grande Perfeição” Paulo A. E.Borges (Universidade de Lisboa) “Abandonai pois a mente que imagina alvos E, sem nada conceber, permanecei sem corrigir nem alterar o que se manifesta. Sem distinguir o sujeito do objecto, ficai na grande liberdade natural” - Longchenpa Pretende este estudo apresentar alguns aspectos fundamentais dos ensinamentos e prática do Dzogchen ou “Grande Perfeição”, a partir da trilogia A liberdade natural da mente, de Longchenpa (1308-1363), um dos mestres mais eminentes da primeira tradição do budismo tibetano, a dos Antigos, ou Nyingmapa. Considerado, na classificação da mesma escola, e na perspectiva da via gradual (lam rim), como o último e supremo dos nove veículos 1 para o reconhecimento da natureza primordial da mente e de todos os fenómenos - a natureza de Buda, designação não de uma figura histórica, mas da realidade Os nove veículos incluem-se dentro da classificação mais geral em três veículos, correspondentes aos três níveis de ensinamento do Buda: Pequeno Veículo ou Veículo de Base, Hinayana, que inclui os shravakas, ou auditores, e os pratyekabuddhas; Grande Veículo, Mahayana, o dos bodhisattvas; e, também referido como uma extensão do mesmo Grande Veículo, o Vajrayana ou Mantrayana secreto, igualmente chamado Tantrayana, subdividido nos Tantras externos – Kriyatantra, Ubhayatantra e Yogatantra – e nos Tantras internos – Mahayoga, Anuyoga e Atiyoga, a Grande Perfeição ou Dzogchen (abreviação do tibetano rdzogschen shin-tu rnal-‘byor). Estes veículos devem considerar-se como as diferentes formas que uma mesma via de realização do Estado de Buda assume segundo as qualidades e tendências dos indivíduos. É assim que os nove veículos se podem subsumir numa única viagem para um estado além de todo o conceito de veículo ou de viajante. Como diz o Rei que tudo realiza (kun-byed rgyal-po, T 828): “Realmente só há um / Mas empiricamente existem nove veículos”; e o Lankavatara Sutra: “Quando a mente se transforma / Não há nem veículo nem quem se mova” – cf. Gyurme Dorje, “Introdução do Tradutor”, in S. S. Dudjom Rinpoché (Jikdrel Yeshe Dorje), The Nyingma School of Tibetan Buddhism. Its Fundamentals and History, Vol. I: The Translations, traduzido e editado por Gyurme Dorje com a colaboração de Matthew Kapstein, Boston, Wisdom Publications, 1991, pp.17-18. Registe-se que outra classificação refere um distinto primeiro veículo, “o veículo mundano dos deuses e dos homens”, e agrupa no segundo veículo os shravakas e os pratyekabuddhas – cf. Adriano Clemente, “Introdução” a Namkhaï Norbu Rinpoché, Dzogchen. L’État d’Auto-Perfection, traduzido por Arnaud Pozin, Paris, Les Deux Océans, 1994, p.10. 1 consideram que o Dzogchen foi primeiro ensinado por Shenrab Miwoché. apesar de aí se haver desenvolvido e preservado. Éditions du Seuil. traduzido e apresentado por John Reynolds para a edição americana. Kailash 1. From Reductionism to Creativity: rDzogs Chen and the New Sciences of Mind. vol. A Cultural History of Tibet. New York. editado por Richard Dixey. D. texto essencial sobre a prática do Dzogchen estabelecido. John Whitney Petit. 2001. Mañjushrimitra. Dudjom Lingpa. Dzogchen Practice of the Bön Tradition. introdução e comentários por John Myrdhin Reynolds. Guenther. cf. 1972. The Treasury of Good Sayings. em colaboração com Barrie Simmons. 1988. traduzido do tibetano e anotado por Herbert V. London Oriental Series. Franz Steiner. Stuggart. Snellgrove e H. Longchenpa. together with a commentary by Dza Patrul Rinpoche entitled “The Special Teaching of the Wise and Glorious King”. Namkhaï Norbu Rinpoché. 2 . mas surgir também na tradição Bön. 1994. the first teacher of Dzogchen. prefácio de Namkhai Norbu Rinpoche. texto principal Le Cycle du Jour et de la Nuit traduzido do tibetano por Patrick Carré. cf. religião ou escola específicas 2. Matrix of Mystery: Scientific and Humanistic Aspects of rDzogs Chen Thought. Shambhala. prefácio de S.2 plenamente iluminada . em si mesmo. The Golden Letters.. 3 Sobre a tradição Bön. The Three Statements of Garab Dorje. 1984. 2000. Wisdom Publications. o Dalai Lama. Boston. L. L’essence du Dzogchen. Ithaca. vol.4 (1973) : pp. traduzido por Namkhai Norbu e Kennard Lipman. S. Buddahood Without Meditation. tradução e comentário por Lopon Tenzin Namdak. não propriamente uma via ou um veículo. Shambhala. Snellgrove.. Samten Gyaltsen Karmay. L’essence du Dzogchen dans la tradition Bön originelle du Tibet. por exemplo. Kindly Bent to Ease Us. Dharma Publishing. The Akrid System of Meditation”. 26. 1987). introdução de Per Kvaerne. I. 1996. 2002. Não sendo sequer procedente do Tibete. London Oriental Series. Karl Erhard. Londres. 1980). 1976 e 1976. 1967 (reedição: Boulder. A Philosophical and Meditative Teaching in Tibetan Buddhism. Tibetan and Indi-Tibetan Studies 3. Mipham’s Beacon of Certainty. apresentação e comentários traduzidos do americano por Madeleine Carré. independente dos métodos e práticas que o podem preparar e mesmo de qualquer tradição. além das obras de Namkhaï Norbu Rinpoché citadas. Per Kvaerne. Excerpts from the gZi-brjid edited and translated. Les prodiges de l’esprit naturel. Litterar und ideengeschtliche Bemerkungen zu einer Liedersammlung des rDzogs-chen. A Visionary Account Known as Refining Apparent Phenomena (Nang-Jang). Illuminating the View of Dzogchen. “Bönpo Studies. the Great Perfection. Atesta-o o facto do Dzogchen não ser exclusivo do budismo. JC Lattès. II e III. Emeryville. Tenzin Wangyal. Shambhala. 1975. Londres. e entre várias outras. Primordial Experience. Richardson. a anterior religião do Tibete 3. Guenther. traduzido do americano por Horacio e Margo Sanchez. com linhagens próprias que ainda hoje o veiculam 4. Samten Gyaltsen Karmay. 1999.18. The Nine Ways of Bön. mas o próprio estado de experiência imediata da perfeição natural e absoluta de todas as coisas. 247-332. A Tibetan History of Bön. Padma Publishing. traduzido do tibetano sob a direcção de Ghagdud Tulku Rinpoché por Richard Barron. Heart Drops of Dharmakaya. New York. que os adeptos do Bön sustentam ser o primeiro Buda a manifestar-se no Sobre o Dzogchen. Idem. Londres. The Great Perfection. 1. “Flügelschläge des garuda”. Le Cycle du Jour et de la Nuit. Snow Lion. 1968 (reimpressão: Boulder. An Introduction to rDzogs-chen Meditation. 1989. Shardza Tashi Gyaltsen. 19-50. e mestres budistas como Namkhaï Norbu Rinpoché. a tradição Bön. L. Junction City. Boston. 1990. o Dzogchen é todavia. 4 Cf. Brill. 1 (1973) : pp. Boston & London. tradução. 1987. Snow Lion. D. Boston. Herbert V. Leiden. L’État d’Auto-Perfection. 5 . Paris. “Appendix 2 – A Short History of Bön”. podendo ser utilizado como uma chave para a sua compreensão global 12. no plano do Dharmakaya ou Corpo Absoluto. Heart Drops of Dharmakaya. o Dzogchen é considerado por Namkhaï Norbu. Dzogchen et Tantra. Deu and Bön. o Buda primordial.51. 6 Cf. procedeu de Samantabhadra ou Kuntuzangpo. que alguns relacionam com o Monte Kailash e outros com a Pérsia e o Médio-Oriente. não pertencendo propriamente ao budismo nem ao Bön.XV-XX. é todavia a essência de toda a espiritualidade e logo da cultura tibetana. 1995. Namkhaï Norbu Rinpoché. Narrations. Para uma apresentação geral dos vários tipos de Bön. “Prefácio” a The Twelve Deeds. segundo a tradição budista tibetana. Id. Todavia. e por este a Garab Dorjé. A Brief Life Story of Tonpa Shenrab. Namkhaï Norbu Rinpoché. Library of Tibetan Works and Archives. verificando-se aí o miraculoso nascimento de Padmasambhava. Dzogchen Practice of the Bön Tradition. no Noroeste da Índia 11 . 11 Cf. apenas em 1856 6. p. na sua forma actual e mais desenvolvida...43. Id. pp.49. As primeiras escrituras Bön terão sido trazidas para o reino de Zhang-Zhung. Rikey. Ibid. p. 10 Cf. p. Library of Tibetan Works & Archives. Namkhaï Norbu Rinpoché. sob forma humana 10. 8 ). Dharamsala. C. p. traduzido do tibetano para o italiano. é porque nada disso é. Les prodiges de l’esprit naturel. ou Nirmanakaya. 1995. editado por Richard Guard.35-50. Albin Michel. Cf. cerca do ano 184 A. 1995. III. Cf. como algo que. Tenzin Wangyal. em 16016 A. 8 Cf. 7 Cf. editado e anotado por Adriano Clemente. C. L’essence du Dzogchen dans la tradition Bön originelle du Tibet. De Oddiyana procederam também muitas linhagens de mestres dos Tantras superiores. Drung. Nova Deli. Symbolic languages and the Bön tradition in ancient Tibet. a sul do monte Yungdrung. no nível intermédio e subtil do Sambhogakaya ou Corpo de Fruição. pp. Dzogchen et Tantra. a-histórico. na região semi-mítica. Drung. p. no reino de Oddiyana. mas antes a experiência concreta de descoberta e fruição do estado primordial de si e de todas as coisas. traduzido por Sangye Tandar. o Dzogchen. 12 Cf. Ibid. p. religião e cultura. 43. semi-geográfica de Olmo Lungring. situado a Oeste do actual Tibete e a ele mais tarde anexado pelo rei Songtsen Gampo 9. pp. um dos seus maiores representantes actuais. 1857 7 ou 1917 A. 5 (segundo outras fontes. C. the founder of the Bom Religion. Não tendo uma origem tibetana. também Namkhaï Norbu Rinpoché.58. Symbolic languages and the Bön tradition in ancient Tibet. textos coligidos por John Shane. igualmente mestre Dzogchen e futuro introdutor do budismo tântrico no Tibete. cf. traduzidos do inglês por Bruno Espaze. La Voie de la Lumiére du bouddhisme tibétain.3 planeta. um Buda que manifestou um Corpo de Emanação.. La Voie de la Lumiére du bouddhisme tibétain. Narrations. Thupten K.. p.158. 9 Cf. Dzogchen. Todavia. foi transmitido a Vajrasattva. Deu and Bön. traduzido do italiano para o inglês por Andrew Lukianowicz. se o Dzogchen é fonte de filosofia. Shardza Tashi Gyaltsen.139-141 e 144. não há budismo nem sequer Buda. de ter alguma vez havido e de poder alguma vez haver.58-59. que se designa como Natureza de Buda. “Parce qu’aucun être animé n’a jamais été libéré para le Tathâgata. etc. tibetano. 14 Cf. entre uma via súbita. japonês. Bienheureux. Dzogchen and Zen. in Soûtra du Diamant et autre soûtras de la Voie médiane. à l’être animé. É esse estado primordial. mas porque deixa de haver a ideia de haver. Namkhaï Norbu Rinpoché. mas que integra. ilusões e artifícios. na experiência do Despertar da ilusão de todos os pressupostos. Et s’il advenait. mas ainda aos seus paradigmas culturais. um budismo indiano. à la vie. entre outras: “Le Bienheureux demanda encore: “Qu’en penses-tu. traduzido do tibetano por Philippe Cornu. Oakland. Esta a diferença. Dzogchen.33. a transmissão da experiência de reconhecimento e fruição desse estado.. um budismo chinês. ou seja. mesmo a conceptual e emocional. editado com prefácio e notas por Kennard Lipman. 2001. em termos de método e de “resultado”.. filosófica ou religiosa. de todos os seres e coisas. qu’un seul être soit libéré par le Tathâgata. sem procurar corrigir o que quer que seja. Todavia. à l’individu”. adapta-se naturalmente. recorrendo à palavra e ao intelecto 14 . Zhang Zhung Editions.. XXV e XXVII. como o Zen. não porque deixe de haver um sujeito que antes realmente exista. em termos exteriores. 15 Não havendo origem nem realidade do eu e dos fenómenos. ou. imagens e parábolas. referências e conceitos. um sujeito intrínseca e absolutamente existente. mediante o espírito. mitokpa). numa perspectiva já exterior. du chinês e do sânscrito por Patrick Carré. não há também cessação ou irrealidade dos mesmos. não só às diferentes capacidades e disposições dos indivíduos. É assim que. “[. e uma não via. na experiência búdica. Na verdade. que pode ser directa. e para as necessidades de classificação intelectual. como o Sutra do Diamante 13 15 ou o Sutra do Cf. Fayard. L’État d’Auto-Perfection. dentro deste. toda a energia que é a sua manifestação contínua.4 uma plenitude livre de todas as elaborações. pp. cela trahirait de la part du Tathâgata une croyance au soi. a qual é alheia à representação habitual do budismo como doutrina ética. tal como na abordagem tântrica. estas passagens. traduções do tibetano por Philippe Cornu. surge um budismo e. parce qu’il n’y a personne de réel qui puisse mériter cette qualification de Sans retour”. mediante a mera ausência de conceitos (em tibetano. por objectos. Subhûti: appartient-il à un Sans retour de penser: “J’ai atteint le fruit du sans retour” ? . Subhûti. 1984. simbólica. em todas as suas esferas.Certainement pas. 63 . Cf.] car les êtres réellement engagés dans la voie des bodhisattvas n’ont jamais proclamé la moindre destruction ni l’anéantissement de quelque phénoméne que ce soit” . Id. pp. Uma plenitude que não se reduz à experiência da vacuidade. ou oral e escrita.Sutra do Diamante. como o indicam os textos onde se expõe a verdade absoluta. não dual e sempre presente da mente e dos fenómenos. como o Dzogchen 13. e logo de poder cessar. e o segundo lhe acrescenta a de todos os fenómenos. traduzido do tibetano por Philippe Cornu. o Dzogchen. mas de todos os fenómenos. de tudo o que aparece. verbo/energia e corpo físico (usamos a palavra “mente” em vez de “espírito” para evitar conotações substancialistas ou religiosas). in Soûtra du Diamant et autre soûtras de la Voie médiane. A nossa intimidade é o mundo e somos a intimidade do mundo. 16 “[.] todos os fenómenos são vacuidade: desprovidos de características essenciais. não nascem nem cessam” – Sutra do Coração do Conhecimento Transcendente. cuja experiência e ensinamento não é senão a da auto-perfeição eterna e imediata de tudo. vista como um objectivo a alcançar ou um potencial a realizar. o que apenas designa aquele que se ocupa do interior ou um cuidar do interior. que designa a luz única de tudo o que se manifesta. a partir da experiência da vacuidade e da compaixão. . Todos estes veículos são condicionados pelos “três e 66. e ao Dharmakaya. bem como a compaixão universal. Segundo a experiência e doutrina dos três corpos (kayas) de Buda. vista em função do sujeito não iluminado e da sua percepção distorcida da realidade e de si mesmo. corpo subtil de fruição. corresponde Vajradhara e o ensinamento dos Tantras.5 Coração do Conhecimento Transcendente 16. pela renúncia exterior ou interior aos actos negativos e a adopção dos positivos como antídotos. Como o sugere a língua tibetana. Enquanto ao Nirmanakaya.. ou seja. externa ou internamente. sendo que o primeiro visa o reconhecimento da ausência de entidade intrínseca. procurando. p. corresponde nesta era o Buda Shakyamuni e o ensinamento das vias comuns dos Sutras. ou vacuidade. Sem interior nem exterior. o Buda primordial. como sugere o vocábulo próximo snang wa. ou seja.88. preconizam uma prática particularmente ligada ao corpo. cujo termo para o que designamos como budista é nang pa. Os veículos fundados nos Sutras. do eu. ao Samboghakaya. a realidade primordial plenamente iluminada manifesta-se em três níveis: mente. Corpo absoluto da realidade em si. Os veículos assentes nos Tantras propõem uma prática fundamentalmente ao nível do verbo/energia. corresponde Samantabhadra. Em todos eles há portanto a ideia de algo a praticar por alguém que tem um dado caminho a percorrer até à Iluminação. mas a transformação das emoções negativas na sua dimensão primordial de consciência pura. Aquele que habita uma intimidade não apenas ou propriamente sua. como o Hinayana e o Mahayana. corpo de aparição física. não a renúncia.. mas um simples residir no que é. no caso o acto de “atrelar” os cavalos . oposição e esforço 17 . É um exercício fundamentalmente contemplativo. e como tal perfeição espontânea e pura. ao menos no budismo. e normalmente. onde todo o fenómeno emergente é o “jogo” ou dinamismo da natureza e liberdade primordiais da presença/consciência nãoduais. objecto ou objectivo. A Tibetan-English Dictionary with sanskrit synonyms. mas o seu sentido é o da palavra equivalente em 18 tibetano: rnal ´byor. Jean Varenne. a renunciar. princípio e fim. objecto e acção. em termos de adopção ou rejeição. ou “Yoga Primordial”. praticar não visa evitar ou realizar algo. muito mais árduo do que abandonar-se às objectivações da mente e às distracções do re-agir que geram e reproduzem o ilusório mundo convencional. o Atiyoga ou Dzogchen consiste no simples e imediato reconhecimento e permanência no estado natural e não-dual de Iluminação. um vínculo e um domínio. No Atiyoga. a palavra “yoga” não denota. o que remete ainda para uma experiência de dualidade. p. como em sânscrito. 19 Namkhaï Norbu Rinpoché. positivo e negativo. na natural harmonia. Menos uma via do que uma não-via. p.6 círculos” (‘khor gsum) da mente conceptual (sems): sujeito. p.47. experienciado desde o início como a verdade e realidade única de tudo. Sarat Chandra Das. Paris. praticar não é uma “prática”. em que primeiro se renuncia ao Cf. Éditions Jacqueline Renard. ou seja. como perfeição absoluta na qual nada há nem jamais houve a obter ou a rejeitar.79. 1973. para mentes habituadas ao esforço para fazer ou evitar algo. pelo menos no início. 17 18 .763. reside exactamente em manter uma consciência impecavelmente atenta sem tensão. Cf. puro e impuro. L’État d’Auto-Perfection. enquanto simultaneamente se vai vivendo a vida quotidiana e pensando. o unir-se ou fundir-se no “estado fundamental” ou o fruir a “condição autêntica” 19. Dzogchen. mas onde a dificuldade. Aux Sources du Yoga. Deli / Patna / Varanasi. rigpa. mais ou menos longa segundo as qualidades e aplicação dos discípulos. sem nada fazer. no sentido de que tudo o que se manifesta é livre de qualquer limite conceptual: ser e não ser. os ensinamentos Dzogchen não se comunicam senão como corolário da via gradual. a partir da raiz –yuj. nesse autoreconhecimento imediato e constante do real. O que pode ser. criatividade e compaixão da não-dualidade. etc. 1989. Motilal Banarsidass. a prática não supõe aqui um método e um caminho em direcção a um qualquer objectivo ou resultado. dizendo e fazendo tudo o que espontaneamente brota do fundo do ser. a corrigir ou a transformar. Ao contrário. Tradicionalmente. 5455. Cf. traduzido pelo grupo de tradução Padmakara. sem nada rejeitar ou adoptar. com um prefácio de S. S. editado pelo grupo de tradução Padmakara. e como tal pode irromper subitamente. sobretudo recentemente. shiné. Tulku Pema Wangyal Rinpoché. que remete a compreensão disto para a visão da vacuidade exposta no Sutra do Coração do Conhecimento Transcendente. aludindo ainda ao perigo de alguém. além do karma 21. 1996 (edição portuguesa: Diamantes de Sabedoria. Todavia. a via gradual. um obstáculo à. Segundo alguns textos. compreensão e fruição imediata da “Grande Perfeição”. cf. É nesse sentido que é apresentado como um ensinamento além da lei de causa e efeito. proporciona a calma mental. Para uma síntese. exterior ou interior. o acesso à prática do Dzogchen é como começar a construir uma casa pelo telhado. Padmakara. cf. Saint-Léon-sur-Vézère. palavra e mente. Daí. 21 . Words of My Perfect Teacher. pp. ou um desvio da. e depois se transmutam progressivamente todos os conceitos e emoções na experiência da vacuidade última de si e de todos os fenómenos. Lisboa. numa consciência panorâmica e não-dual 20. Namkhaï Norbu Rinpoché. presa ainda da consciência egológica. e em si mesma. considerando que. AltaMira Press. exteriores e interiores. em que a concentração unidireccionada na respiração ou num objecto. pode tornar-se. que o Dzogchen seja mais divulgado e. em que todos os fenómenos. actual e natural da mente e de todos os fenómenos. os dez actos negativos de corpo. directamente ensinado. atrás citado. que apontam o risco do prejuízo de muitos pelo benefício de alguns. tendo-se depois emancipado dos suportes meditativos na experiência da visão profunda. sem uma prévia purificação da mente. Âncora Editora. são acolhidos com equanimidade. em função da maior ou menor intensidade dos seus obscurecimentos conceptuais e emocionais. pois consiste na introdução directa ao incondicionado. Walnut Creek. necessária para os seres comuns. se presumir um 20 Para uma exposição clássica e detalhada dos preliminares ao Dzogchen. depois se transforma o egocentrismo pelo cultivo do Bodhicitta. independentemente de quaisquer métodos ou exercícios preparatórios.7 sofrimento e às suas causas. Patrul Rinpoché. 2002). tradução de Filipe Valente Rocha. La Voie de la Lumiére du bouddhisme tibétain. por vezes. lhaktong. para outros. antes do acesso ao Dzogchen é suposto que a mente se haja estabilizado na prática da meditação com suporte. Dzogchen et Tantra. além do pensamento e da acção dualista. o espírito de Iluminação. 1998. Diamants de Sagesse. tendo em vista atingir o estado de Buda para libertar todos os seres do sofrimento da existência condicionada. embora com fortes reservas dos mestres mais tradicionais. o Dalai Lama. a experiência do Dzogchen é a da perfeição e iluminação eterna. Nesta perspectiva. ou seja. a meditação e o fruto. sem que. p. e pela afirmação de que “o estado da Grande Perfeição” a tudo engloba.8 ser plenamente realizado. Começando pela homenagem ao Buda primordial. Longchenpa esclarece que. simbólica ou directa.. seja por introdução directa.. ou estados intermédios. que se sucedem ao momento da morte. para ser uma experiência integral. sendo o segundo um döntri. fundindo-os num só. 1994. de iniciação ou esclarecimento filo-sóficos. Considera-se que a obra que nos ocupa. esta visão reclama-se da expressão intemporal de “uma doutrina que não se realiza nem pelo esforço. igualando todos os fenómenos num puro e eterno despertar. seriam grandes e graves os riscos de extravio e queda. ou não-via. sendo cada uma das suas partes composta por dois textos. Rangdröl Khorsum. O primeiro é um longo poema em verso em três capítulos. em tibetano. “em verdade. texto que o tradutor e apresentador. Samantabhadra. intitulada “A Liberdade natural da igualdade segundo a Grande Perfeição”. pois “todas as coisas Philippe Cornu in Longchenpa. a “série da mente”. considera “o mais radical e [. dita mais apropriada para os intelectuais. Actualmente os comentários a respeito da presente obra perderam-se. Éditions du Seuil. É uma trilogia. que expõem a visão. a experiência do sono e do sonho e a dos vários bardo. rigpa. Philippe Cornu. / nem idas nem vindas. Em qualquer dos casos. que indica o modo de nela se integrar a vida quotidiana. Embora considerando os nove veículos budistas como adequados às capacidades dos seres. apresentado e traduzido do tibetano por Philippe Cornu. que possa efectuar a indispensável apresentação da natureza da presença/consciência pura. La Liberté Naturelle de l’Esprit. seja por via gradual. (. de espírito a espírito. nem pela adopção ou rejeição”. a qual pode ser oral. uma “instrução essencial” sobre a prática. não se considera que o acesso ao Dzogchen possa residir numa mera relação intelectual com os textos. pertence a uma das três séries de ensinamentos Dzogchen: semdé. 22 .197. aqueles que carecem de raciocínios para compreender. não entendendo que a Iluminação jamais pode ser uma realização subjectiva.) / não há nem veículos nem renúncia. ao discípulo. Da trilogia elegemos a terceira parte. dispense uma relação pessoal com um mestre realizado. nem antídotos nem obtenções”.] abrupto dos três” 22.. De qualquer modo. Esta pode ser válida como instância preparatória ou posterior.. algo a ser cultivado. começando por ser um bodhicitta relativo.9 são o estado de realidade absoluta.desejoapego. contrariamente à perspectiva do Mahayana. Chögyam Trungpa. sem conceptualizar nem moralizar. ignorância.são desde o início reconhecidos como “os budas das cinco famílias”. Tudo o que emerge de rigpa. do mesmo modo que os cinco elementos cósmicos . corrigido ou transformado.ou. Bardo. na terminologia do Dzogchen. a presença/consciência pura. não é pois.61-99. Assim. Chögyam Trungpa.49-50. 25 vacuidade. água. o “espírito de iluminação”. traduzido do tibetano e comentado por Philippe Cornu. as cinco sabedoria e outras correspondências. pp. Não há senão que permanecer. 1995. primeiro em intenção e depois em aplicação. Au-delà de la folie. cf.são as suas respectivas consortes. cf. essência. da sua “perfeição espontânea”.103-115. percepção. Éditions du Seuil.. consoante a Sobre os seis mundos ou “seis modos de ser”. “completamente à vontade”. Para uma apresentação mais existencial e cosmológica. cf. sem captar objectos na conceptualização discriminatória e predicativa. in Le Miroir du Coeur de Vajrasattva. Tantra du Dzogchen. Voyage sans fin. adoptar ou rejeitar o quer que seja”. 232-328. sem as rejeitar nem a elas aderir. manifestados nas cinco famílias de Budas 24 . Namkhaï Norbu Rinpoché. luminosidade e criatividade indissociáveis . Dzogchen. não carecendo de ser rejeitado. Assim as manifestações mais comuns e elementares do estado primordial se reconhecem como a mandala. Patrul Rinpoché. Lief. prefácio de Judith L.125-129. orgulho e ciúme . pp. concepção-impulsão e consciência dualista . afirmar. Words of My Perfect Teacher. Éditions du Seuil. 23 . num repouso sem artifícios. as cinco emoções procedentes da mente obscurecida pela dualidade. sem procurar ou modificar. 25 Cf. “negar. a global estrutura simbólica. ódio-aversão. L’État d’Auto-Perfection. nele imediatamente se auto-liberta. pp. Os cinco agregados (skandhas) componentes da experiência do eu-sujeito forma. ar e éter-espaço . 24 Sobre as cinco famílias de Budas. pp. o bodhicitta absoluto. numa vertente mais psicológica.terra. pp. mas antes “um estado espontaneamente presente e luminoso desde sempre”. desde que surgem espontaneamente se convertem nos cinco respectivos aspectos da Sabedoria primordial. fogo. cf. imóvel e imutável”.23. Éditions du Seuil. nesse “estado natural” de si e de tudo. 1992. Philippe Cornu. Para uma apresentação esquemática da sua relação com as cinco emoções. traduzido do americano por Stéphane Bédard. natureza e energia . La Sagesse Tantrique du Bouddha. o que marca toda a diferença do Atiyoga a respeito dos Sutras e dos Tantras. O bodhicitta. 1995. responsáveis pela sua errância nos seis mundos psicocosmológicos do samsara . sensação. Borges. alheia a qualquer noção de identidade e diferença. Lisboa. Metafísica e Teologia da Origem em Teixeira de Pascoaes.. livres “de todo o artifício corruptor”. Imprensa Nacional-Casa da Moeda (no prelo). Nada sendo estranho à natureza imaculada e imaculável do Real. 28 Cf. “a existência fenomenal é absolutamente pura”. entre nós. são o próprio estado natural e primordial de iluminação. é visto como o seu “prodígio mágico” ou “jogo” ilusório 27 . E. Não sendo a realidade interpretada em termos de seres.301-304. fundamento. do que para aquele outro. todas as coisas são o esplendoroso e espontâneo desdobramento e cumprimento da “realidade absoluta”. de todas as “vaidades” .que “se esgotam a querer corrigir o céu”. dominante na ontognosiologia ocidental.304-305 e 312. a luz primordial e sempre instante. Cf. o que mostra o vazio de “todas as designações intelectuais”. La Liberté Naturelle de l’Esprit. tudo o que na perspectiva das consciências dualistas emerge como puro e impuro. universo. afim à il-lusio. omni-envolvente como o “espaço”. “de todas as veleidades” – poderíamos dizer. de ironia e diversão lúdica. da errância especulativa. toda a fenomenalidade. mantido no castelhano e plenamente assumido. Paulo A. causa ou fim. no pensamento poético de Teixeira de Pascoaes 28 . Vista na luz que é a sua. O que não impede que seja na mesma realidade única. todas as percepções. glosando o Eclesiastes (1. mais. Livres da parcialidade do “intelecto discriminante”. samsara e nirvana. origem. Longchenpa. livres. 2). ser e nãoser. uno e múltiplo. união e cisão. emergentes na interdependência com todas as demais e com a própria percepção. como diz Longchenpa. nada em verdade existe independentemente desse incriado jogo criador que é simultaneamente repouso e movimento. ou. de impulso criador. todas as formas da experiência mental e sensível do mundo. A manifestação é assim radicalmente irrepresentável. consistentes no tomar como existente o que o não é. pp. enquanto formas que. Ou seja. seres e Budas. transcendem toda a característica conceptual e não possuem substancial existência própria. sem substância. da normatividade moral acerca do que há a fazer e a evitar e da ascese que supõe “níveis de progressão” ou vias por renúncia e adesão. mas de fenómenos igualmente vazios e aparentes. Ibid. pp. não havendo em si ou fora de si algo de fixo e categorizável. 26 27 .10 iconografia tântrica 26. onis latina.note-se que a ilusão remete aqui menos para o sentido de erro ou engano. que se manifestem os múltiplos Cf. já segundo o Prajna-paramita sutra 33. transcendente da própria noção de haver sabedoria e sua realização de um sujeito. no caso do Atiyoga. no apego ao “inconcebível” 31. p. Sendo “a natureza da mente (.. Todos os desvios e obscurecimentos. traduzido do tibetano por Philippe Cornu. cessa a ficção do Dharma como uma via e da Budeidade como algo a ser realizado ou atingido por alguém.) pura desde sempre”.. externos e internos. sem “nada a criar nem Cf. A libertação das etiquetas mentais. Ibid. velando-se ilusoriamente a luz própria. se denuncia como todos afinal “embaraçam” a “mente imaculada” “no esforço. dos quais resulta a ideia de progresso espiritual. É que. ou seja. se obstina em “olhar aí onde não há nada a ver”.. no abandono. Ibid. da sua inerência aos mesmos. do Tantrayana. na adopção” ou ainda. sugerindo que.. os dois níveis do Hinayana e o Mahayana. 31 Cf.305. se “o espírito de despertar é a própria essência do espaço”. desde os “três veículos da causa”. pas de fruit à atteindre ou à ne pas atteindre” – Sutra do Coração do Conhecimento Transcendente. La Liberté Naturelle de l’Esprit. 32 Cf. pp.309. como todas as coisas.11 “sistemas filosóficos” procedentes do “intelecto discriminante”. na súbita assunção e reconhecimento.89. pp. procedem do intelecto que. 33 “Il n’y a pas de sagesse. p. Contemplação que é a essência mesma da sabedoria transcendente. Assim. igualmente se “reunificam” e libertam no “espírito de despertar da Grande Perfeição” filosofias”. Ibid. 29 . pela mente que julga progredir em direcção ao real e à verdade. reconhecendo-se a insubstancialidade das “alegrias e penas” ou dos “altos e baixos” da existência 30. Longchenpa. não abdicando da apreensão objectivante.305-306. na realização. A experiência da Grande Perfeição de tudo.. “Onde se encontra então aquele que percorre a via do despertar ?” 32 . tanto mais quanto assim porfia na zelosa busca da virtude e do conhecimento. p. não há sequer lugar para que alteridade alguma se lhe acrescente ou a diminua.interroga Longchenpa. Cf. desde o início e desde sempre.307-308. aos seis veículos da “fruição”. a evasão da “gaiola das diferentes acompanha-se da dos estados psicológicos. in Soûtra du Diamant et autre soûtras de la Voie médiane. cumpre o fito dos vários níveis de ascese budista na exacta medida em que mostra a sua ilusão constitutiva. se a Iluminação é natural e omni-englobante. os quais. incluindo o próprio Atiyoga onde o Dzogchen emerge. 29 30 . o desvelamento de todos os fenómenos como a própria natureza de Buda. Na conclusão deste primeiro capítulo d’ “A Liberdade natural da igualdade segundo a Grande Perfeição”. ela é o “tal qual”. p. métodos e técnicas meditativas. quebram-se as cadeias da “visão”. reconhecido como a própria “mente natural”. desguarnecido das armas com que se defende de ser o que é.309-310. sem nada afirmar ou negar.12 a dissipar”. inacessível por qualquer via que o seja. pelo sucedâneo desejo-aversão.313. ou seja. pp. Sem noções de ganho ou de perda. o que é primordial.. toda a via pela qual se busque a si mesma é afinal um artifício e um extravio onde não pode deixar de se iludir . inacessível por qualquer via que não o seu reconhecimento e fruição imediatos. sujeito ou objecto.iludir agora no sentido do fundamental engano que leva a procurar pela reflexão e pelo conhecimento objectivante e conceptual. Longchenpa. Buda primordial e Iluminação universal. de bem ou de mal. La Liberté Naturelle de l’Esprit. Livre do agir e do fazer o quer que seja.310-311. sem dualidade. sem dicotomias. pura e espontânea presença. as três instâncias da realização espiritual nos anteriores veículos. Sem distracção nem nãodistracção cessam as crispações da “concentração” que porfia em unificar o fluxo lúdico das manifestações do Corpo absoluto. 36 Cf. Ibid. sem limites nem centro. que diz tratar “da libertação dos seres de capacidade superior pelo Cf. “sem esperança nem temor”. é a cada instante o incondicionado e espontâneo “jogo” de rigpa 36. Ibid. Exercícios ascéticos. 37 Cf. doutrinas. a constituição kármica das existências condicionadas pelo ilusório auto-condicionamento da mente que ignora a sua perfeição inata e. Cessando todo o “esforço” e “zelo”. da “meditação” e da “acção”. da forma e do sem forma 37. atributos ou características 34. a mente repousa na frescura desse reconhecimento de que todo o fenómeno emergente. exterior ou interior. sem “alto” nem “baixo”. disso que é 35 . palavras e acções são ultimamente obstáculos se não se dissolverem na experiência. se extravia no bem e no mal. pp. símbolos. Ibid. ou pela própria meditação e prática “espiritual”. tanto nos mundos inferiores como nos ditos superiores do plano do desejo. cessam “as causas e os futuros frutos do samsara”. 34 35 .. diferindo-a como objecto-objectivo a alcançar. Natureza última da mente e de todas as coisas. nas “absorções meditativas” e no apego à vacuidade.. Ela é a “quinta-essência” de todos os ensinamentos e de todos os Budas. pp. visões. Cf.311-312. em si. Cf. 1948.. não reagirmos reproduzindo o problema continuando a 38 Cf. Paris. ou seja. seja ela qual for. “ela é o supremo segredo” e reconhecê-la é “a proclamação (. III. Nietzsche. Bianquis. II. diríamos que o Dzogchen corresponde ao último. do próprio ensinamento. Além do secreto não por ser. entre outras passagens. ao ponto de se fazer com que o mais evidente surja como o mais hermético. La Volonté de Puissance. 52 (Diels-Kranz). Mente e aparências.. sem lhe reagir. tão desprovida de “esforço” e “elaboração” como elas mesmas.13 meio da realização da base”. portanto. a questão é permanecer na frescura e intensidade originária da experiência. porque a sua extrema simplicidade e naturalidade se tornam o mais difícil de transmitir e de experienciar numa época onde se confunde profundidade com complexidade ou complicação das elaborações conceptuais e dos estados emocionais. rejeitando-a ou sendo-lhe indiferente. das “aparências”.. naturalmente. incessantes e individualizadas”.314-315. os quais. sem qualquer reacção. “única realidade absoluta imutável” onde inseparavelmente “as coisas aparecem como formas variadas. simples e natural. às próprias formas de a ela reagirmos. oral ou escrito exterior. tal o infantil jogo de Heraclito 39 . quando imaginarmos que há problemas.) do oceano dos mistérios” 38. O que se estende. F. em impregnações e impulsos kármicos latentes. Heraclito.. Nesta devolução da consciência e da vida à inocência do devir universal. frag. liv. Como diz Chögyam Trungpa: “Deixemos pois os fenómenos brincarem. ao desejo-apego. da consciência e. Gallimard. sincopando o processo da sua intérmina reprodução. a mais oculta e sigilosa das doutrinas e práticas. desejando-a com apego. Deixemo-los ridicularizarem-se por si mesmos” 41. sem lhe apor o quer que seja. impedindo que se convertam em tendências habituais e inconscientes. exactamente ao contrário. Longchenpa apresenta uma visão absolutamente pura.. isto é. Cf. interior.143. tradução de G. se forem plenamente contemplados. mas. 458. Se não imaginarmos que há problemas. Segundo a classificação budista dos quatro níveis da realidade. são “o próprio estado da Grande Perfeição natural”. secreto e além do secreto . Ibid. à aversão e à indiferença. 39 40 . mente-aparências e aparências-mente. naturalmente se auto-libertam na única base e fonte universal. pp. se. aversão e indiferença. ambiguamente retomado por Nietzsche 40 . se não forem por sua vez objecto de desejo-apego. não dual. a realidade absoluta. p. Sabedoria incriada e omnipenetrante. É assim que. de se mover.55. Dzogchen. traduzido do americano por Zéno Bianu. sem nos refugiarmos do que é como o que instantaneamente advem. à l’instant où il se met en colère. seguido de “Casse Dogme”. Chögyam Trungpa. o problema é a sua própria auto-dis-solução. aos fenómenos emocionais: “Mais un pratiquant Dzogchen. este sentido negativo da sua errância parece ser inerente ao facto de se imaginarem mét-odos. por Zéno Bianu e Patrick Carré. sem nos adiarmos mais. seja por medo ou por esperança. tudo é Grande Perfeição. sentidos e objectivos quando tudo é desde sempre e para sempre livre dos nossos conceitos de origem. que designa o acto de ir. fim. lugar. mas também os seres arrastados pelas ilusões nos seis mundos samsáricos. sem nos reproduzirmos como “cadáveres adiados” na memória do passado ou em projectos de futuro. do homem. sentido ou rumo. mais l’observe sans la juger. Folle Sagesse. de existir. L’État d’Auto-Perfection. Como se diz: tudo é como uma serpente cujos nós se desatam por si mesmos 42. Mas.56-57. pp. Tudo é Grande Perfeição. p. 42 Aplicando isto. ne tente ni de bloquer ni de transformer la passion. 41 . como já referido. Que alívio ! Cf. vias. seja em nome da moral.14 imaginar que há soluções. Ainsi la passion se dissoudra d’elle-même dans sa condition naturelle” – Namkhaï Norbu Rinpoché. de Deus ou do Buda. Éditions du Seuil. 1993. conforme sugere a palavra tibetana ‘agro-wa. da filosofia ou da religião.
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