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March 26, 2018 | Author: Josué Santana | Category: Socrates, Thought, Science, Experiment, Learning


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ISSN 1982 - 0283FILOSOFIA: ENSINO E EDUCAÇÃO Ano XXI Boletim 10 - Setembro 2011 SUMÁRIO FilosoFia: ensino e educação Apresentação da série ................................................................................................. Rosa Helena Mendonça 3 Introdução ......................... ...................................................................................... Walter Omar Kohan Texto 1: Filosofia e educação Filosofia e educação: pensamento e experiência ......................... .............................. Sílvio Gallo Texto 2: Filosofia e Infância............. .............................................. ............ ................ Walter Omar Kohan Texto 3: Filosofia no Ensino Médio Filosofia no Ensino Médio: possibilidade de uma educação filosófica ....................... Ingrid Xavier 4 13 20 25 FilosoFia: ensino e educação APRESENTAÇÃO DA SÉRIE A relação entre filosofia e educação – tal como abordada nos textos que compõem esta publicação e nos programas de TV da série Filosofia: ensino e educação – mostra-se uma relação complexa e polissêmica. A gênese dessa relação pode estar em Sócrates, ou nos pré-socráticos, mas pode também ser percebida como uma questão primordial do ser humano, na busca por entender sua existência no mundo e por transmitir essa experiência aos outros seres. Com relação à filosofia no currículo escolar, a Lei n. 1.684/2008 torna obrigatório o ensino da disciplina em todas as séries do Ensino Médio. Estão em curso, ainda, em muitos países, inclusive no Brasil, experiências de filosofia prática para crianças. Ensino Médio, tendo em vista contribuir para o debate entre professores e gestores da Educação Básica. As palavras extraídas de O abecedário de Gilles Deleuze1 são estimulantes no sentido de intensificar as práticas filosóficas na escola e em outros espaços sociais: Suponho que muita gente ache que a Filosofia é uma coisa muito abstrata e só para os “entendidos”. Tenho tão viva em mim a ideia de que a Filosofia não tem nada a ver com “entendidos”, de que não é uma especialidade, ou o é, mas só na medida em que a pintura ou a música também o são, que procuro ver esta questão de outra forma. Esperamos que elas possam servir de estí- 3 A série que o programa Salto para o Futuro, da TV Escola, ora apresenta conta com a consultoria de Walter Kohan (UERJ) e tem como objetivo a discussão sobre filosofia e educação, filosofia e infância e filosofia no mulo para a interação com os textos e os programas da série Filosofia: ensino e educação. Rosa Helena Mendonça2 1 O abecedário de Gilles Deleuze. Realização Sodeperaga, França, 1995/1998. Disponível no catálogo da TV Escola (MEC). 2 Supervisora pedagógica do programa Salto para o Futuro/TV ESCOLA (MEC). dessa forma. com pós-doutorado na Universidade de Paris VIII (França). O caso de Sócrates é singular porque. dentre as quais algumas das mais significativas são: filosofia para crianças. nele. universidades populares de filoso- 4 1 Professor Titular de Filosofia da Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. existe um campo usualmente chamado de filosofia prática que envolve toda uma série de experiências com a filosofia. o sentido desses textos é pensar a educação de outra maneira. filosofia clínica. Cientista de Nosso Estado (FAPERJ) e pesquisador do CNPq e do Prociência (UERJ/FAPERJ). de longa história. café filosófico. filosofia no Ensino Médio. Com Platão. merecem ser diferenciados: o ensino de filosofia e a filosofia da educação. A filosofia pode ser exercida como prática de pensamento com pretensões educacionais ou como reflexão teórica sobre questões educacionais. como Pitágoras ou Thales. complexa. Platão inspira-se em Sócrates numa ideia particular: que a filosofia educa ou que a transformação política da sociedade exige passar por uma educação na filosofia. Por um lado. a filosofia e a educação se confundem: sua vida foi ao mesmo tempo filosófica e educacional. philodrama. Essas duas alternativas dão lugar a dois campos de saber na contemporaneidade que. filosofia e cinema. . tanto que morreu em nome da filosofia por uma acusação relacionada com sua atividade pedagógica: corromper aos jovens. Assim. embora estejam muito relacionados. filosofia nas prisões.FilosoFia: ensino e educação INTRODUÇÃO Walter Omar Kohan A relação entre filosofia e educação é rica. Consultor da série. Doutor em Filosofia – Universidad Iberoamericana (México). ou em Sócrates – a filosofia teve pretensões educacionais: os filósofos fizeram “escolas de pensamento” ou se ocuparam de transmitir seu pensamento. um número significativo dos seus diálogos parte de um mesmo problema: a educação dos atenienses é deficitária e. a filosofia passa a fazer da educação não apenas uma prática mas também um objeto de reflexão teórica. A área de ensino de filosofia reconhece um crescimento exponencial tanto no campo acadêmico como fora dele. desde seu nascimento – que pode ser situado nos denominados pré-socráticos. nos últimos anos. filosofia na terceira idade. bioética. De fato. Pensemos em contextos em que a filosofia ainda não era enciclopédica. porque ele. ou o de Diógenes. contestável e polêmica. É ainda mais significativo porque o que Sócrates instaura é um modo de entender o ensino de filosofia e a posição de quem ocupa o lugar de ensinar (e de aprender). com seu saber de ignorância. que pode ser expresso tanto num sentido discursivo quanto num modo de viver uma vida filosófica. De alguma forma. algumas distinções podem nos ajudar a estender o alcance das 5 . O que significaria. Assim.fia. cada filósofo a responde de maneira diferente. que produz aquele saber consagrado na tradição da história da filosofia. na medida em que atravessam diversas maneiras de compreender o que é a filosofia. Pensemos. Mas o que seria “pensar filosoficamente”? Parecemos estar num círculo sem saída. sentido e possibilidades. as escolas ou tradições de pensamento inauguram um modo de entender a filosofia e de afirmar uma prática filosófica que pode querer significar coisas muito diferentes. Isso vale ainda para aqueles casos em que a filosofia está longe de ser um saber enciclopédico. instaurou uma tradição ainda presente entre nós. A pergunta “o que é a filosofia?” é aberta. Seria possível afirmar que atualmente existe. no sentido de promover saberes. bem como elementos que permitam pensar seu alcance. O caso de Sócrates é ilustrativo e também interessante. o que significa um modo de responder à pergunta “o que é a filosofia?”. de certo modo. Em todos esses casos. afirmações anteriores. não poderíamos responder o que significa ensinar filosofia a não ser desde uma concepção de filosofia. por exemplo. na distinção entre a filosofia como exercício. por exemplo. com suas práticas contestatórias. há uma filosofia que emerge de uma prática. uma vez que responder à pergunta sobre a especificidade do pensar filosófico exigiria alguns pressupostos sobre o que é a filosofia. ou ainda a ‘douta ignorância’ de Nicolau de Cusa. Contudo. O objetivo deste programa é apresentar experiências nesse campo. consideremos o caso de Sócrates. o que se faz em nome da filosofia? Muitas coisas. então. tanto no Brasil quanto em muitos outros países. prática ou experiência e a filosofia como saber. uma explosão de práticas realizadas em nome da filosofia. na forma de perguntas ou respostas. conteúdo ou teoria. Assim. Sócrates é um exemplo de que exercer a fi- UM POUCO DE HISTÓRIA Aliás. É notório que todas as filosofias produzem filosofia. Olimpíadas de Filosofia. ensinar filosofia? Uma primeira resposta poderia ser: “ensinar a pensar filosoficamente”. ao mesmo tempo. de Platão. Ela aparece justamente acusada de ensinar de maneira tal que corromperia os jovens. dito em outras palavras. Com efeito. na Apologia de Sócrates. b) não prometeu nem jamais ensinou a ninguém conhecimento algum (máthema. Sócrates diz. Pelo menos. afirma que não foi mestre de ninguém. literalmente. que ninguém pode dizer que aprendeu com ele algo diferente em público ou em privado. Nesse texto. ao contrário. o filósofo e o professor de filosofia se confundem. A própria filosofia está em risco: a pena pedida é a sua morte. c) se alguém diz que aprendeu (matheîn. nem discrimina seus eventuais interlocutores por sua idade ou por suas riquezas. É curioso: a filosofia se apresenta publicamente. examina e confuta. A política a acusa e a filosofia deve se defender. abrem-se outras possibilidades para pensar e viver de outra maneira. 33a). Sócrates é condenado à morte. A filosofia fracassa em se defender. Justifica esta negação com três razões: a) não recebe dinheiro de quem deseja escutá-lo. mas que muitos aprenderam com ele. ele não transmite um saber. os que cobram por ensinar e afirmam ensinar um conhecimento que os aprendizes não sabem. tensões e conflitos entre filosofia e política. mas os que andam com ele em seu caminho aprendem uma relação com o saber. Sócrates quer se diferenciar dos profissionais do ensino. como outros fazem. 6 . acusada de ser uma pedagogia corrosiva: são os jovens espíritos da cidade que ela mal formaria. mas possibilita problematizar uma relação com o saber (e com a ignorância). o professor de filosofia.losofia significa ensiná-la ou. através de uma palavra que interroga. O professor de filosofia não ensina como aquele professor que transmite um saber que o aluno ignora. Ao se defender. Atenção: Sócrates afirma que ele não foi mestre de ninguém e. ou seja. já que Sócrates afirma se comportar da mesma maneira – narra que fala o mesmo – em conversas pessoais e em público. pela primeira vez. Sócrates outorga uma especificidade para o professor de filosofia: ele não transmite um saber. A partir disso. Sócrates. 33b) dele em privado algo diferente daquilo que afirma diante de todos os outros não diz a verdade. Talvez esse “fracasso” não deva ser visto de tal forma e mostre os limites. “nunca fui mestre de ninguém” (Apologia de Sócrates. é extremamente forte a imagem que Sócrates oferece na sua defesa. ele precisa não ensinar dessa forma para que outro possa aprender. 33b). temos as primeiras aparições da palavra filosofia e a primeira oportunidade em que a filosofia se descreve a si mesma. mas possibilita aprendizagens. Assim. não ensina um conhecimento ou saber. é que não há o que ensinar. A única coisa que lhe interessa transmitir não é um saber. J. consigo mesmo. uma atenção. não merece ser vivida para Sócrates (Apologia 38a). Em outras palavras. . com certa maneira de se olhar a si mesmo e aos outros. Derrida explorou as tensões ou antinomias constitutivas da posição da filosofia na instituição escolar. a não ser uma certa sensibilidade. sim. cuida de que os outros cuidem de si. não cria nenhuma escola. Sócrates literalmente nunca transmitiu nenhum saber (“ninguém jamais aprendeu qualquer coisa de mim. Curioso é que filosofia e educação nascem muito próximas: uma vida sem filosofia. ou pelo menos questiona com sua negativa a se considerar um mestre. com Sócrates nasce uma filosofia e uma educação. a filosofia não tem sentido sem sua projeção educacional. para ele. uma relação com a ignorância. desejável ou ainda possível formar alguém pela mera transmissão dos conhecimentos que o mestre domina. Talvez o que Sócrates esteja querendo dizer é que educar através da filosofia não tenha a ver com transmitir conhecimentos mas.”. com o mais valioso de cada um. em primeiro lugar. Mas o exame não se limita a si próprio e o que Sócrates continuamente examina é que os outros devem se examinar a si mesmos. Hegel..Mesmo inútil como defesa. Seu ensinamento primeiro. Jacques. Grandes nomes como Kant. a educação tem sido fonte de práticas e preocupações para os mais diversos filósofos. uma forma de sensibilidade. a inquietude sobre si. fundador. Derrida militou teórica e praticamente no campo do ensino de filosofia. Uma antinomia é uma norma contraditória. Dessa maneira. dentre outros. não monta qualquer instituição. O que Sócrates nega. com o próprio pensamento. exerceram a docência e escreveram textos sobre educação. um mandato impossível de 7 2 DERRIDA. Paris: Galilée. instrumento. não tem nenhum conhecimento a transmitir. é que seja necessário. diz no Teeteto 150d). sem exame. Le droit a la philosophie. Nietzsche. o que se aprende com ele é certa sensibilidade. Sócrates não dá palestras.. Fundou um Grupo de pesquisa e atuação na área de ensino de filosofia (GREPH) e fez diversas intervenções teóricas e práticas reunidas num extenso volume: Du droit a la philosophie2. Por exemplo. igualmente sem interesse. de uma maneira mais geral. a não ser que cada um deve dar atenção ao que não costuma dar. 1990. Muitos filósofos contemporâneos também. um cuidado. mas uma inquietude. a intervenção de Sócrates ajuda a pensar a relação entre educação e filosofia. assim como uma educação sem o exame e o cuidado filosóficos torna-se mera técnica. com a próprio saber e o pensamento e. Através de toda sua história. de modo que. a do saber. Em alguns municípios o projeto faz parte da grade curricular. Longe de essas antinomias gerarem ceticismo. são poucos os países – talvez o Uruguai permaneça como espaço de maior resistência a essa tendência – onde essa presença permanece significativa e obrigatória. elas são uma oportunidade para fortalecer o caráter filosófico de seu ensino e da relação do professor de filosofia com sua prática. pode-se ler A SITUAÇÃO NO BRASIL No Brasil. A questão não se restringe apenas ao Brasil. mais uma vez precisa defender suas credenciais para tal fim. tendo em vista que comporta uma dupla exigência. o ensino de filosofia só pode ser ele mesmo filosófico e. Depois da sanção da lei. Com frequência. elas nada querem com a filosofia ou então mantêm seu nome na grade curricular.ser seguido. assistimos a uma explosão de práticas filosóficas em diversos contextos e instituições. A questão é inicialmente política. já são mais de três décadas desenvolvendo-se experiências de filosofia com crianças em escolas públicas e privadas de todas as regiões do país. nessa medida. Boa parte desses argumentos costuma cair sobre os professores. inclusive se olharmos para outras latitudes. Por exemplo. ela briga para estar dentro e. a da unidade. A recente aprovação de uma lei que dispõe a obrigatoriedade do ensino de filosofia nas três séries do Ensino Médio brasileiro deu uma atenção singular à presença da filosofia nesta etapa da Educação Básica. não há unanimidade a esse respeito. sempre submetido à exigência de se problematizar a si próprio. Quando a filosofia é ameaçada de ficar como optativa ou ficar de fora. questiona-se sua presença e ela deve defender sua legitimidade. a da autonomia. Embora à primeira vista possam parecer óbvios os benefícios da presença da filosofia na escola. para isso. tornando-se um dos sistemas educacionais do mundo com maior presença da filosofia. sendo que a realização de uma supõe a negação da outra. a do trabalho com outros. a mídia tem divulgado novos e velhos argumentos contra o ensino obrigatório de filosofia. Em outras palavras. a da lógica. a situação atual do Ensino Médio no Brasil é excepcional. as democracias parecem mais sensíveis às pressões do mercado e também não têm sido muito propícias a introduzir a filosofia nos currículos. Na América Latina toda. Por sua vez. a do universal. mas a colocam sob condições voltadas para fazer coisas nada filosóficas. A tese de Derrida é de que o ensino institucionalizado da filosofia é antinômico: ele padece de exigências contraditórias. Se olharmos para as ditaduras. 8 . Elas são: a do método. Nesse contexto. Existem diversos projetos de formação de professores de Ensino Fundamental. Quando entra na instituição escolar. repassar uma tradição de história de pensamento. etc. 9 TEXTOS DA SÉRIE FILOSOFIA: ENSINO E EDUCAÇÃO3 A série tem como proposta pensar como a Filosofia. como transformação e busca do que se é. não é claro que a filosofia. identifica-se a doutrina que eles repassariam com um marxismo que. mas a atual conjuntura no Brasil possibilita um espaço onde temos a oportunidade de testá-lo. como a pressão por um ensino técnico. formar para a cidadania. De certo modo. e é tão grosseiro e histérico o ataque. Essas duas alternativas dão lugar a dois campos de saber na contemporaneidade que. temos o compromisso de não deixar passar a oportunidade em vão. Geralmente. transmitir valores. Ou seja. Se assim for. profissional. enquanto prática de pensamento. por um lado. na medida em que ela pressupõe uma maneira de entender a filosofia.que não haveria professores suficientes de filosofia. parece tão insignificante o número de professores de filosofia que defendem que a filosofia deva servir a qualquer tipo de formação ideológica. Entretanto. Os sentidos da filosofia na escola podem ser múltiplos: ensinar a pensar. que mal merece consideração. pode ser exercida com pretensões educacionais. ou que seriam doutrinadores. a pergunta pelo sentido da filosofia na escola não é tão fácil de responder. Por outro lado. com veiculação no programa Salto para o Futuro/TV Escola. argumenta-se contra a formação dos professores de filosofia. exclusivamente sensível às demandas do “mercado de trabalho”. ou como reflexão teórica sobre questões educacionais. português e outras áreas fosse uma maravilha. voltamos aqui à questão inicial. como se a formação dos professores de matemática. Numa tradição que remonta a Sócrates. . de 12/09/2011 a 16/09/2011. continua a ser um fantasma preocupante para certos setores da intelectualidade nacional. Em todo o caso. possa ser aprendida (muito menos ensinada) num instituição como a escola. embora 3 Estes textos são complementares à série Filosofia: ensino e educação. então. E nós que acreditamos na filosofia como potência para transformar o que somos e o modo como vivemos. chama a atenção que se exija da filosofia o que não se exige de outras áreas. não se percebem as outras formas atuais de doutrinar na escola. que eles não estariam preparados para ensinar a disciplina como deveriam. Ou. poder-seia afirmar que esse sentido diz respeito a transformar os modos dominantes de saber e pensar ou a relação que se tem com eles. O sentido de tudo isso seria poder transformar os modos de vida mais mecânicos e poder tornar-se “o que se é”. a despeito de sua escassa adesão internacional atual. Filosofia e vestibular. TEXTO 3: FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO Filosofia no Ensino Médio. Os textos 1. Nos programas da série. 10 . A formação do professor de filosofia. serão discutidas questões que envolvem a prática filosófica no mundo contemporâneo. filosofia nas prisões. merecem ser diferenciados: o ensino de Filosofia e a Filosofia da educação. A formação do jovem. TEXTO 2: FILOSOFIA E INFÂNCIA Filosofia para ou com crianças. café filosófico. Filosofia e cidadania: relações perigosas. no Ensino Fundamental e no Ensino Médio e a formação de professores de Filosofia. Há uma idade para filosofar? Infância e filosofia. É possível ensinar filosofia ou ensinar a filosofar? Como aprender filosofia ou a filosofar? A prática filosófica no mundo contemporâneo: olimpíadas. entre outros temas. Filosofia e outros saberes. 2 e 3 também são referenciais para as entrevistas e debates do PGM 4: Outros olhares sobre Filosofia e Educação e do PGM 5: Filosofia e Educação em debate. a Filosofia na Educação Infantil. Experiências com crianças. A formação dos professores de Educação Infantil e Ensino Fundamental. A voz da infância.estejam muito relacionados. O que é a filosofia. Filósofo e professor de filosofia. TEXTO 1: FILOSOFIA E EDUCAÇÃO Filosofia e Educação. Belo Horizonte: Autêntica. A. A criança e a educação filosófica. Apoio ao ensino de filosofia nas séries iniciais. M. Nilton.filoeduc. PA: UEL. São Paulo: Cortez. 2008. 2ª ed. H. DANIEL. (org. CUNHA. São Paulo: Nova Alexandria. M. Filosofia para a Criança: orientação pedagógica para a educação infantil e ensino fundamental. Leoni Maria Padilla (org. A filosofia vai à escola. Auri (org. Tradução de Maria Elice de B. LIPMAN. Fundamentos e métodos. JAPIASSU. ARANTES. de. F. LEAL. Walter O. ed.). 2. 1999. LIPMAN. Filosofia. 2003. 2008. KOHAN. A filosofia e as crianças. 2000. 2004a. 1999. Ensino de filosofia. Campinas: Alínea.). Petrópolis: Vozes. Maringá: Dental Press. www. M. HENNING. 2002. São Paulo: Terceira Margem. OBIOLS.. 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Uma introdução ao ensino de filosofia. SHARP. R. Tradução de Ana Luíza Fernandes Falcone. A filosofia e seu ensino. Filosofia para crianças. 1997. destacamos algumas e recomendamos consultar banco de dados bibliográfico com mais de 2. Editora da UNIJUÍ: Série “Filosofia e Ensino”.Grupo de Trabalho “Filosofar e ensinar a filosofar”. Brasília.free.IAPC www.org .pratiquesphilo. 5-6. SILVEIRA.olimpiadadefilosofia. ANPOF: www.Núcleo de Estudos Filosóficos da Infância. René José Trentin.icpic.montclair. Sérgio. SP: Autores Associados. A filosofia vai à Escola? Campinas.Banco de Dados sobre ensino de filosofia: www.. Editora Vozes: Séries “Filosofia na Escola” e “Textos para começar a filosofar”. 1998.org/gt .filoeduc. Para filosofar com crianças.ICPIC www. Editora DP&A: Coleção “Sócrates”.Nouvelles Pratiques Philosophiques: www.com .edu/iapc .forumfilosofia.org UERJ: www. Páginas de Interesse .filoeduc.SARDI.org/nefi .org/base . 2002. Editora Loyola: Série “Filosofar é preciso”.Fórum de Filosofia e Ensino do Rio de Janeiro: www.net 12 . 31-37. p.filoeduc.forumsulfilosofia.Fórum Sul de Filosofia: www.Olimpíada de Filosofia: www. Linhas Críticas.. v.Institute for the Advancement of Philosophy for Children .fr .International Council for Philosophical Inquiry with Children . Coleções editoriais sobre ensino de filosofia . Filosofia como pensamento e experiência. um pensamento que sirva de base para a práxis educativa. como busca do novo e da criatividade. ainda que brevemente: a potência 13 Pretendo aqui exercitar uma experiência de pensamento. assim como se nega à filosofia a dimensão da experiência. a experiência é sempre a segurança de experimentar com redes de segurança. educação como experiência e pensamento. como prática da liberdade. de segurança. . Somos testemunhas. libertários. de uma nova guinada do mundo rumo ao fundamentalismo. experimentar. que ganharam voz e se fizeram práxis nos anos 1960. pensar uma filosofia e uma educação que sejam. O pensamento é sempre a segurança do já pensado. um experimentar sem. ambas e a um só tempo. para depois se tornarem sua alma mesma. isto é. um pensamento sobre a ação pedagógica. que buscava e produzia novos agenciamentos. passando a ser eles mesmos parte do sistema. de experimentar sem redes de um pensamento e de uma práxis criativos. *** Explico. ou seja. que começou a se espa- 1 Mestre e Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. foram primeiro cooptados pelo capitalismo. Ainda nesta perspectiva. em geral pensamos a filosofia como um dos fundamentos da educação. Professor associado (MS-5) da Universidade Estadual de Campinas. com isso. ou então pensamos a filosofia como uma reflexão sobre a educação. Em um ou em outro caso. pensamento e experiência. quando falamos em relações da filosofia com a educação. neste tempo que nos foi dado viver. Uma abertura ao risco. um experimentar o já posto. Uma experiência de pensar o não pensado. nega-se à educação a dimensão do pensamento. de fato. a filosofia é colocada do lado do pensamento (teoria) e a educação é colocada do lado da experiência (práxis). Os projetos libertários e criativos. como se sempre tivessem feito parte dele. E.TEXTO 1 FilosoFia e educação FilosoFia e educação: Pensamento e exPeriência Sílvio Gallo 1 Desde uma perspectiva da tradição. 3 Se olharmos com as lentes de Nietzsche. nas quais temos absoluto controle sobre o processo de educação de nossas crianças. diremos que o fundamentalismo nada mais é do que a outra face do niilismo. foi sendo incorporado por ele. 1980). vemos leituras fundamentalistas cada vez mais presentes. . em nome da segurança de nosso mundo. Impossível não lembrar aqui do belo filme de M. O fundamentalismo é manchete na mídia. Não é com fundamentalismo cristão que os “ocidentais” respondem a cada novo atentado terrorista? O fundamentalismo não está restrito ao campo religioso. Construímos nossas escolas como se fossem ilhas de segurança. A criatividade passou a ser norma na própria produção industrial. Máquina de guerra é o modo de operação dos povos nômades. portanto. mas sim como uma forma de luta subversiva.lhar por todos os campos do pensamento e da vida. com deputados e mesmo ocupantes de cargos no Executivo de muitas cidades. De forma geral. ‘cadê’ o desejo? A máquina de guerra torna-se máquina de Estado. Não queremos experiências. ao menos em sua vertente religiosa. Night Shyamalan. ou. queremos fundamentos sólidos nos quais ancorar nossos projetos educativos. Queremos certezas para educar. ao menos no Brasil. Experiências em educação? Nem pensar. criticada justamente por sua rigidez3? No âmbito da educação. quanto mais negamos. foi sendo aos poucos absorvida pelo Estado. para falar com Pink Floyd. Mas não é apenas no islamismo que ele está presente: também nas religiões ocidentais. Também na política ele finca suas raízes. cada vez mais parece que também buscamos a segurança do fundamentalismo. O diretor hindo-americano mostra-nos uma vila rural na qual se vive. que se torna norma? Quando a potência do pensamento é instrumentalizada pelo marketing. produzido às margens do sistema. “mais um tijolo na parede”. quando os fluxos de desejo são uma vez mais capturados pela máquina de produção. com o exercício da guerra por uma sociedade instituída como Estado. pela indústria cultural e pela produção de forma geral. The Village (2004). E tudo isso em nome de quê? Ora. Fiquemos com a segurança e os fundamentos sólidos daquilo que sabemos dar certo. Mais uma engrenagem. não é também com fundamentalismo político que os “ocidentais” respondem a uma visão de mundo islâmica. que age contra o instituído. em nome da segurança de nossas crianças. mais buscamos princípios sólidos nos quais confiar. E aí precisamos questionar: que criatividade é esta. cada vez tem mais força o braço político das igrejas fundamentalistas. ajustado às suas regras. no cristianismo. Não devemos confundir máquina de guerra. com um exército institucionalizado. não queremos riscos. Aquilo que era como que uma “máquina de guerra”2. que não têm instituída a máquina de Estado. corrosiva. percebemos pelas 14 2 Gilles Deleuze e Félix Guattari trabalham com o conceito de “máquina de guerra” em Mille Plateaux – capitalisme et schizophrènie (Paris: Minuit. Mas me parece também uma bela metáfora para o crescimento do fundamentalismo na educação. que tem crescido após os atentados de 11 de setembro de 2001. enfim. pois isso influenciaria negativamente os costumes da vila. pela história. se a retiramos do rol dos fundamentos da educação. A partir dos fundamentos da educação. podemos definir nossos objetivos para com o processo educativo. neste registro. contribui com suas ferramentas para a análise deste objeto. O que a educação traz para estas ciências é um objeto: o fenômeno educativo. as assim chamadas “ciências da educação”. a educação nada é sem tais fundamentos. Pois. Podemos saber exatamente o que ensinar. pode-se. pela sociologia. A “cidade” – isto é. algo que deve nos deixar atentos. habitadas por estranhas e violentas criaturas. afirmo que essa visão fundacionista. Pois só pensamos a educação pela filosofia. *** Quando relacionamos filosofia e educação na perspectiva do fundacionismo. Os costumes são rígidos e os mais velhos governam a vila com pulso firme. de modo a garantir a manutenção de seus valores e de seus costumes. avaliar os resultados e fazer as correções de rota necessárias. Com base nesses conhecimentos objetivos. tiramos toda a potência de pensamento. tira toda a potência da educação. 15 . O filme de Shyamalan é uma clara crítica ao fundamentalismo norte-americano. afirmamos que o pensamento não é possível em educação. E significa também instrumentalizar a filosofia. pela psicologia. A ideia presente é a de que são os fundamentos. o mundo exterior – é vista como lugar de corrupção e violência. fundamentalista. Os habitantes da vila só estão seguros se não ultrapassarem o seu perímetro. que não deve ser visitada. admitimos que a educação precisa de bases sólidas nas quais se apoie. construir métodos pedagógicos eficazes e seguros. No entanto. por exemplo. por sua vez. como ensinar. Se compreendemos a educação nesta dimensão metafísica (um equivalente ao que tenho chamado de fundacionismo ou fundamentalismo). quando ensinar.roupas. Isso significa tirar toda a potência da educação. cada ciência. paralisamos o pensamento. Tais bases são fornecidas pela filosofia. planejar as ações pedagógicas. com toda a segurança. No caso específico da filosofia. Se colocamos a filosofia no lado do pensamento e a educação no lado da experiência. O que garante a coesão social da vila é o fato de ela ser rodeada por florestas. sem o recurso da filosofia. as bases que garantem o sucesso e a potência da educação. em algum momento do século dezenove. E com isso garantir o aprendizado de cada criança. para que ensinar. de reflexão sobre a educação. Assim. fora do risco. Aprendemos com Deleuze e Guattari que vivemos sempre à beira do caos. e cada uma delas tem um produto distinto. e a educação do lado da experiência. Se esta é colocada como um dos fundamentos daquela. Segundo estes autores. 16 perder-se no não pensamento. mas também de filosofia. uma tal perspectiva também é despotencializadora para a própria filosofia. Tenhamos a coragem de lançar-nos ao risco de enfrentar um percurso sem saber qual nosso ponto de chegada. Apostemos numa filosofia que invista no risco da diferença. afirmam os filósofos franceses. não há criatividade ou pensamento possíveis4. 34. pois é impossível vencer o caos. do controle. importa o que já foi pensado. que ousam mergulhar no caos. ao seu modo. cada uma delas cria de forma diferente. não fundamentalista de educação. Cada uma destas três potências age de modo próprio. A opinião promete nos manter afastados do caos.a educação seria incapaz de pensar-se por si mesma. Aquilo que a opinião oferece é uma falsa saída. que ameaça nos tragar. para nele enconcomo sem trar a criatividade. Cair no caos é ceder ao não pen4 Ver O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. Nesta dimensão fundacionista. há três potências do pensamento. o que já foi produzido. pois a falsa sensação de segurança nos impede de arriscar e. 1992. a filosofia fica do lado do pensamento. Tenhamos a coragem de lançar-nos ao risco de enfrentar um percurso sem saber qual nosso ponto de chegada. na segurança de sempre saber que decisão tomar. É também. e não o que está ainda por pensar. mas da experiência da segurança. Em seu mergulho . a Ciência e a Filosofia. Mas a promessa da opinião é um canto de sereia. em lugar de investir na segurança do mesmo. As três potências do pensamento são a Arte. sendo completamente distintas. retornando vencedores. elas são complementares: cada uma nos oferece sua contribuição específica. mas do já pensado. No entanto. Há uma promessa de segurança: a opinião nos oferece proteção contra o caos. Ensaiemos a ideia de uma perspectiva não fundacionista. *** Experimentemos uma outra forma de pensar. uma forma de não pensamento. samento. na segurança do pensamento correto. por produzir. as considerações sobre educação aparecem em obras destinadas à política. de prática. As três potências do pensamento são a Arte. e desejou constituir-se como ciência. mas nos convidam a pensar. como função e como afeto. novos acontecimentos. isto é. Pensar por perceptos. Em Platão e em Aristóteles. como quase tudo o era). podemos fazer a experiência de pensá-la como uma intersecção destas três áreas. de uma suposta fuga do caos. portanto. pensar por conceitos: são as três modalidades do pensamento criativo. ora identificando-se com outra. que não cede aos apelos da opinião. traça um plano de referência e cria funções. Na modernidade. produtivo. 17 . também a educação foi contaminada com a “vontade de verdade”. poderemos ter a educação como conceito. Ora servia à educação a potência do conceito. ela era tomada como um capítulo da filosofia (aliás. por exemplo. a buscar novos caminhos. no entanto. A educação já foi pensada exclusivamente no âmbito da filosofia. Estão em constante luta contra a opinião. a educação valia-se de uma potência específica. Como relacionar a educação com as três potências do pensamento? Se ousarmos sair da opinião do já pensado. Se. que não apenas repete o já pensado. Ciência e Filosofia nada nos prometem. através das ciências da educação. Parece-me suficiente claro. ora a potência das funções. mas ora identificando-se com uma. ao mesmo tempo. Já a Filosofia traça um plano de imanência e cria conceitos. do já pensado. A Ciência. Mas em momento algum a educação considerou-se mestiça. que historicamente a educação tem transitado por entre as três áreas que Deleuze e Guattari identificam como as potências do pensamento. a Ciência e a Filosofia. A educação já se compreendeu como uma espécie de arte. a experimentar. com a emergência do método científico. a Arte traça um plano de composição e cria perceptos e afetos. já tomou as ciências como fundamentos.no caos. ora a potência dos perceptos e afetos. pensar por funções. na confluência destas três áreas. mas perdia as demais. por sua vez. pensarmos a educação na confluência das três potências do pensamento. E. já tomou a filosofia como fundamento. e ela era considerada como tekné. ao assumir-se ora uma coisa ora outra. Na antiguidade. de uma perspectiva fundacionista da educação. Arte. que nos promete a segurança do mesmo. como uma forma de arte. ao modo da filosofia. as criações são constantes. com nossas crianças.Não esteve sempre presente na educação a potência do afeto? Enquanto relação humana. o animal que carrega todo o peso da tradição. conceitos. ao modo da ciência. na medida em que os desafios postos pela educação a fazem seguir em busca do ainda não pensado. mas em diálogo criativo com as artes. que se produz no cotidiano de nossas salas de aula. está do lado do pensamento. e sobre o qual não temos nenhum controle. as filosofias. torna-se criança. também personagens centrais nesta produção. sem fundamentos. E a filosofia. mas também está do lado do pensamento (da teoria). aquele que nega o peso do dever e afirma seu desejo. que é inocência e esquecimento. No âmbito desta mestiçagem. Afirma o filósofo alemão que o espírito torna-se camelo. Na mestiçagem. buscando novas alternativas criativas. pelo conhecimento. levamos à filosofia a potência da experiência no pensamento. funções. também. Na intersecção das três potências do pensamento. Finalizo lembrando de Nietzsche e das três metamorfoses do espírito. torna-se leão. a potência da função? Não procuramos sempre compreender os processos. apenas ela 18 . produzindo. na necessidade de criar novos conceitos para pensar os problemas educacionais. instituindo acontecimentos? Educação mestiça. a cada dia. mas também da expe- riência. fazendo-a sair da falsa segurança do fundamentalismo para. mas o leão. na qual as experiências são constantes. experimentar o novo. por fim. o camelo. não é a educação um processo de sedução. pelas pessoas? Não esteve sempre presente. podemos ver a educação como esta zona de indiscernibilidade. as ciências. no deserto. por sua vez. numa relação de causa-efeito. pelo mundo. Este é o desafio que nos coloco. não se vale a educação das relações afetivas? Em grande medida. pensar e repensar suas experiências. para. nas relações pedagógicas. para nós que trabalhamos em e com educação: na busca de antídoto contra o fundamentalismo que invade nosso mundo: valermo-nos das potências do pensamento. mas somos personagens ativos na sua produção coletiva. Experimentar a educação como acontecimento. ao modo da arte. a educação está do lado da experiência (da práxis). fazendo-a abrir-se ao risco do caos. produzir nas relações pedagógicas os efeitos desejados? E não esteve sempre ali a potência do conceito? Não vemos também na educação esse pensamento que ilumina os problemas de uma forma completamente nova. uma vez mais. afetos e perceptos. das potências de criação para. E levamos à educação a potência do pensamento. o sim necessário à criação5. p. é preciso um devircriança. império do dever-ser.capaz de dizer que sim. 28-30. de brincar com o mundo e de criar. FILOSOFIA 19 ARTE CIÊNCIA EDUCAÇÃO 5 Ver Assim Falava Zaratustra. 1998. do mundo dos adultos. Para uma educação que se quer antídoto ao fundamentalismo. . Lisboa: Relógio D’Água Editores. a chance de recomeçar. experiência original e originária a ser recuperada (em A criança. crianças e adultos são termos relativos e opostos: toda criança para ser adulta precisa abandonar a infância e todo adulto é adulto porque deixou de ser criança. etc. mais evidente. de J. há duas formas principais de se compreender a infância. condição da experiência.) e ela tem se mantido como a forma dominante de pensar a educação das crianças ao longo da história das 20 1 Professor Titular de Filosofia da Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Na segunda forma de pensar a infância. bloco. de G. Agamben). ausência de fala. da história e da linguagem (em Infância e história. Basta ter um número de anos que se está na infância. A primeira pensa a educação como formação e a infância como objeto dessa formação. Nietzsche). No campo da educação. figura da transformação minoritária (em Mil Platôs. a infância pode ser entendida de diversas maneiras. Essa ausência foi entendida. Lyotard). o brinquedo. Nesta lógica. Aristóteles. tradicionalmente. Consultor da série.TEXTO 2 FILOSOFIA E INFÂNCIA Walter Omar Kohan 1 Infância quer dizer. Cientista de Nosso Estado (FAPERJ) e pesquisador do CNPq e do Prociência (UERJ/FAPERJ). como incapacidade de falar. e a infância como o primeiro tempo cronológico de vida transcorrido. F. Benjamin). como: figu- ra do começo e da afirmação (em Assim falou Zaratustra. Guattari). Doutor em Filosofia – Universidad Iberoamericana (México). etimologicamente. como a etapa inicial da vida. Neste sentido. por exemplo. Enquanto condição. a educação de W. Os antecedentes desta possibilidade na chamada tradição ocidental são tão antigos quanto os gregos (Platão. podem ser percebidas duas tendências claramente diferenciadas a partir dessas duas possibilidades de pensar a infância. mas uma condição do humano que está presente (ou pode estar presente) em diversas idades. a vida é entendida como processo em desenvolvimento. o que significa que já foi antes criança e também que já não é mais criança. de G. Deleuze e F. . ela não é uma etapa da vida. A partir desse sentido etimológico. uma dívida do humano com o inumano (em Memórias da infância. com pós-doutorado na Universidade de Paris VIII (França). A primeira. devir. de F. ou uma forma de aprender a perceber e atender o mundo. mas a certa condição da experiência da subjetividade. com o filósofo francês H. Merleau-Ponty. nos Estados Unidos de América. cuidar. podem ser propostas práticas muito diferentes. que a filosofia é uma forma de estender. incluindo novelas filosóficas para crianças e manuais para professores de educação básica. mas uma forma de investigação coletiva que desenvolve o pensamento crítico. criativo e ético de seus participantes. De fato. A infância deixa de ser o informe. ou. a possibilidade. como sugerido anteriormente. que já foi traduzido e praticado no Brasil nos últimos trinta anos. Entre os que promovem as práticas filosóficas na infância. elas teriam uma educação mais consistente. nesse sentido. muitos recusam a ideia de que se possa fazer filosofia com crianças justamente a partir de concepções da filosofia muito fechadas e atreladas a imagens também debilitadas da infância. Em outro sentido. Contudo. Em outro. bem como uma fundamentação teórica com numerosos livros e artigos. deixa de ser algo que uma boa educação permitiria abandonar para passar a ser o que ela tenta alimentar. então. Lipman é o iniciador – junto a Ann Margaret Sharp (1942-2010) – de um movimento que se estendeu por mais de cinquenta países de todos os continentes para ajudar as crianças a pensar de forma crítica. Lipman morreu recentemente. a depender do que se entende por filosofia. então resulta evidente que qualquer ser humano de qualquer idade está em condições de praticar a filosofia e negar seu acesso é também negar um direito por viver uma vida mais significativa e humana.ideias pedagógicas dessa mesma tradição. que “a filosofia é reaprender a ver o mundo”. A infância. 21 . chamado philosophy for children. Fez um programa completo. a proposta de Lipman é só uma possibilidade entre muitas: há diversas maneiras de pensar e fazer a filosofia com crianças. Bergson. a estrangeiridade de uma língua que não fala a língua da condição adulta. significativa e democrática. ela é um estado – pelo menos em potência – tanto dos educandos quanto dos educadores. atender. com outro filósofo francês. A segunda parte da ideia de que a infância é uma condição e. a prática filosófica pode ampliar-se se o conceito de infância diz respeito não apenas às crianças. criativa e cuidadosa sobre si mesmas e o mundo que as rodeia. aprofundar e intensificar a visão de uma pessoa. com 87 anos. M. as pessoas e nós mesmos. Lipman considerava que. Matthew Lipman criou o programa filosofia para crianças. Em um sentido. dentre eles A filosofia vai à escola e O pensar na educação. incluindo a filosofia na formação das crianças. se afirmarmos. e passa a ser o enigma da alteridade. Não considerava a filosofia um conteúdo. Mais do que um programa ou uma teoria. a DIFERENÇA. letras de músicas e outras formas textuais que propiciem a irrupção do filosófico. Afirmam-se algumas pautas de trabalho: em todas as aulas de filosofia se compartilha um texto. o TRABALHO COLABORATIVO. a INVESTIGAÇÃO CRIATIVA. aberto e fundamentado na inter-relação com os outros. Utilizam-se textos de filósofos. Sendo assim. o DIÁLOGO PARTICIPATIVO. afeta a relação que temos conosco e com o mundo. como modo de se abrir ao novo e se relacionar com o próprio pensamento. para tornar mais COMPLEXO o mundo e explorar outras dimensões da existência. Este projeto não aplica qualquer programa em particular e também não propõe técnicas definidas. mas que se exerce. a filosofia. sobre as ideias com as quais nos lemos e lemos o mundo. “o que se constitui em um texto adequado para um debate filosófico?”. Os princípios norteadores desse projeto são: a PROBLEMATIZAÇÃO. literatura brasileira. como maneira de abrir os espaços onde habitualmente não há perguntas. como um trabalho sobre o sentido: sobre o sentido do que somos e do que nos acontece. Desde a perspectiva experiencial. a partir de diversos pressupostos. de re-configurá-los e fazê-los proliferar. ou melhor.filoeduc. existem no mundo diversos projetos trabalhando. Os próprios métodos são objeto de investigação junto a professores. a IGUALDADE das inteligências dos participantes como seres capazes de pensar sem distinção de idade. O filosofar é visto aqui como uma experiência. como afirmação da irredutível singularidade da vida. o EXERCÍCIO permanente sobre o próprio pensamento. a RESISTÊNCIA frente a toda imposição. a EXPERIÊNCIA. crianças e adultos. mas como a possibilidade de abrir nela um espaço para o filosofar como verbo.Atualmente.. A proposta de levar a filosofia à escola não é considerada no projeto como o transporte para a escola de um conteúdo que poderia ser considerado filosófico. “o que significa ler?”. etc. o ENRIQUECIMENTO da vida. que é problematizado e debatido. cor de pele. podemos apresentar o projeto “Em Caxias a filosofia en-caixa?” da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (www. filmes. como modo de compor e recompor o pensar e o sentir. Periodicamente são planejadas as atividades de filosofia segundo os projetos do(a)s professore(a)s. enquanto forma de se envolver nas práticas educacionais.org/caxias). o filosofar é inconciliável com 22 . própria de uma prática que não se transmite. O que nos acontece nos afeta particularmente. opção sexual. para se entregar a esse particular exercício de pensar. lugar institucional. “qual é o sentido da leitura em uma aula de filosofia?” são perguntas que atravessam a prática do projeto. É propiciada ao(à)s professore(a)s e crianças uma atitude ativa frente à filosofia. na educação filosófica da infância. Dentre eles. Também é uma forma de “dis-tensão”. a ideia tradicional de “formar” como um “moldar” a outro para garantir essa experiência deve ser repensada. tem a ver com a possibilidade de tornar-se sensível à complexidade do mundo. Não é possível formar a infância segundo a lógica da experiência do pensar. a partir de qual perspectiva abordamos o tra- balho de convite ao outro do pensar como atividade. Ensinar é atender. Ali começa o pensamento. A possibilidade de aprender. . Se o exercício de pensar não responde à lógica da transmissão de um conteúdo. à sua essência complicada. No final. De modo que o que fazemos é estar atentos e propiciar a atenção. Filosofar é se surpreender com o mundo. a atenção propicia uma particular forma de sermos afetados pelo mundo. à complexidade do mundo. é um trabalho para des-aprender hábitos incorporados como típicos ou naturais que inibem a experiência do pensar. de uma forma previamente determinada à qual haveria que se ajustar. como exercício? Sobre qual dimensão dessa tarefa concentrar nosso trabalho? Como acompanhar alguém que está disposto a embarcar nessa experiência? De que maneira gerar confiança e oferecer os elementos que o outro precisa para percorrer seu próprio caminho? Como tornar essa possibilidade aberta? Se não temos conteúdo e não temos método a transmitir.a ideia de um modelo. Pensamos quando nos deparamos com essa multiplicidade complicada que é o mundo. A atenção é uma forma de rela- 23 ção com algo que demanda certo esforço e que parece criar um âmbito de intimidade. Pensar é atender. Esse movimento se opõe àquele que se ocupa de se ajustar a um padrão unívoco predeterminado. Aprender Filosofar é se surpreender com o mundo. Se a experiência de pensar não é nem um conteúdo nem um mecanismo. Não há método que assegure seu acontecimento. é atender. A experiência não pode ser garantida. estar sensíveis e propiciar a sensibilidade. se faz presente sem prévio aviso. Irrompe. como dar consistência a um espaço de “formação”? Eis algumas notas para pensar essas perguntas difíceis: o trabalho em filosofia é um trabalho de e sobre a atenção. ao tornar-nos sensíveis ao movimento. de relaxamento da tensão que nos liga a interesses práticos e utilitários. não temos como garantir o que nos afetará e de que modo nos afetará e re-configurará ou não nosso sentido do mundo. Não só é intransferível e pessoal: também é imprevisível. diz Deleuze (em Proust e os signos). (Petrópolis: Vozes. a formação de cidadãos críticos. Oscanyan). abre os sentidos. Os interesses e funcionalidades externos nos abrumam. criativos. A filosofia e a infância são formas de alteridade.. Escrevi alguns livros sobre a matéria: dentre eles. Entre educação e filosofia (Belo Horizonte: Autêntica. nos distraem. 1990) e Philosophy in the classroom (A Filosofia na Sala de Aula. A filosofia tem sentido. em colaboração com Ann M. ainda inédita em português). a partir da qual ganha forças nosso pensamento. 24 . Petrópolis. ainda que não consigamos entendê-lo. NOTA BIBLIOGRÁFICA Filosofia para crianças é apresentada por M. bem sucedidos. 2000). a valorizar as incompletudes. O caminho da filosofia transitado pela infância é um caminho inacabado e inacabável no pensamento. 1995) que teve uma segunda edição recente. abarrotam nossa atenção. nos distraem. ou qualquer outra coisa. nos tornam desatentos. a desconfiar das certezas fáceis.A filosofia não é útil ou instrumental. supõe reduzir nossa capacidade de ser afetados pelo movimento desse mundo que está ali. Sua fundamentação teórica mais forte está em Thinking in Education (Pensar na Educação. 2004. ed. São Paulo: Summus. ao estabelecimento de médios e etapas para conseguir alcançar objetivos previamente traçados. A filosofia e a infância ajudam a manter o ritmo. expande a sensibilidade.). Infância. Os interesses e funcionalidades externos nos abrumam. São Paulo: Nova Alexandria. 2. Entrar nessa lógica implica restringir nossa capacidade de percepção. a não se fixar exageradamente nas comodidades encontradas. Filosofar é uma maneira de acompanhar desde dentro o enigma do pensamento. Filosofia com crianças (Rio de Janeiro: Lamparina. 2009. nos tornam desatentos. abarrotam nossa atenção. com mudanças significativas (Cambridge University Press. 2004). 2ª ed. Filosofar na infân- cia significa convidar todos que habitam a condição da infância a participar desse caminhar e desse enigma e estar dispostos a ouvir o que as diversas infâncias nos podem ajudar a pensar. Sharp e F. Ela não é “instrumento para” a democracia. 1994. a deixar-se surpreender pelas sendas não transitadas. Lipman em dois livros traduzidos ao português: Philosophy Goes to School (A Filosofia vai à Escola. A utilidade e a instrumentalidade respondem à lógica da produção. RJ: Vozes. 118. Antes de tudo era o desejo que sustentava a relação entre um que se dispunha a ensinar e outro que se propunha a aprender. Nada mais distante do filosofar que a mera repetição. p. espremida entre uma aula de física e outra de história. F.UERJ. 2000. livros didáticos e vestibulares. 1 25 1 Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. De um lado. De outro. a salvo de programas. Dispersa entre várias disciplinas. 2 NIETZSCHE. pequeno o desafio do professor de filosofia. Por muito tempo. eis o lugar da filosofia.TEXTO 3 FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO FilosoFia no ensino médio: Possibilidade de uma educação FilosóFica Ingrid Xavier O filósofo sempre se achou e teve de se achar em contradição com seu hoje: seu inimigo sempre foi o ideal de hoje2. seu público alvo. muitos dos quais avessos à escola. atenção flutuante em meio à febril agitação e. Não é. tudo a ver quando se trata de ensinar e aprender. Pelo menos desde Sócrates a filosofia mostrou-se ligada à educação. Barcelona: Tusquets. Doutora em Educação pelo PROPED. Sobre el porvenir de nuestras escuelas. essa antiga aliança floresceu à margem da institucionalização e da escolarização e. sem que se saiba muito bem para que e como praticá-la – ainda que os documentos oficiais atrelem-na a uma cidadania pretendida. Bem diferente é o cenário atual em que a filosofia entra na sala de aula no Ensino Médio pelas mãos da lei. Professora e Coordenadora Pedagógica do Colégio Pedro II e Coordenador do Estágio em Prática de Ensino no CPII da Licenciatura em Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. na medida em que seu trabalho consiste em apresentar e inserir os jovens na cultura já existente. currículos. o professor com a ocupação de como e qual conteúdo ministrar e a preocupação de como instaurar um ambiente minimamente propício para filosofar. Talvez para enfrentá-lo seja de ajuda ter sempre presente a philía. há que considerar que a instituição educativa visa à formação e se sustenta essencialmente na repetição. mais ainda quando o que se ensina e o que se aprende traz em seu nome um afeto: a philía. portanto. . diante deles. alunos em plena adolescência. pois. outrora praticada em campo aberto. que estreia a racionalidade constituinte da filosofia. e em franco embate com a palavra poética transpassada pelo mito oriundo do campo do sagrado. aonde se quer chegar e nossas boas intenções formativas não se cansam de repetir e proclamar modelos preestabelecidos capazes de educar para um mundo melhor. embora muitas vezes digamos que educamos para a liberdade. nenhuma delas cabal. tampouco há um método que garanta que alguém possa aprender a filosofar. e. Através da problematização do impossível nasce também a necessidade impostergável para cada um que ocupa a posição de professor de filosofia de se pensar desde um novo lugar. Ser professor de filosofia requer problematizar. por último. o sentido de fazê-lo: para que levar a filosofia à escola? A filosofia. na teoria e na prática. de algum modo em nossos esforços para formar ressoa um já saber. É mesmo desconcertante que a filosofia ocupe um lugar na escola. onde a princípio nada parece possível. de antemão. ela é uma atitude. Trata-se. instaura um campo de problemas que se organiza em torno de pelo menos duas instâncias: a dificuldade de pôr em acordo as diversas concepções do que seja isto. pois afinal pelo menos três pontos a tornam de certo modo estranha à escolarização: mais do que propriamente um saber. Um dever ser está na raiz do gesto de dar forma: ajustar cada um ao que deve ser. filha da cidade. bem como encontrar concordância quanto ao que seja ensiná-la e. a filosofia. Subjaz desde a origem da filosofia esta tensão entre a palavra-poética produtora de efeitos e a palavraverdade. de colocar em questão os discursos mais otimistas e pessimistas sobre a posição da filosofia na escola. nasceu enraizada no político. principalmente. A educação é um espaço de incessantes conflitos.A lógica da educação pautada no ideal de formação tem por pressuposto teleológico uma forma ideal prévia e normativa à qual o aprendiz deve adequar-se. a filosofia não tem um objeto delimitado. Transgredir a naturalização dos saberes e exercitar-se como máquina de guerra frente ao aparelho de Estado são estratégias a serem tentadas por aqueles que pensam ser interessante problematizar o lugar e o sentido do ensino de filosofia em direção a uma educação filosófica. O fato de que haja diversas tentativas de justificar a filosofia na escola. em certo modo. Esse estatuto ambíguo da filosofia mostra uma oposição essencial en- 26 . de percorrer outros caminhos no pensamento em nome da filosofia e de seu ensino. E. o ensinar e aprender filosofia. o que parece colocar um ponto final desencorajador. na discussão racional das ordens cósmica e humana. fazendo dialogar a teoria e a prática na instituição escolar. ao tornar rotina a “novidade” de seus produtos. a filosofia afirma que o mundo poderia ser diferente. O “para que”. Entendemos que uma educação filosófica pode contribuir para pensar possibilidades de transformar o modo como nos pensamos no mundo. esse sentido apareça como particularmente significativo quando a filosofia adentra o espaço de educação dos jovens. empoderado como nunca para efetuar velozmente destinações. A sociedade de consumo. uma função. capaz de produzir efeitos. então que hoje é este que. Não é de maneira alguma recente a demanda de que a filosofia declare sua utilidade. Mais do que perguntar que filosofia ensinar nos interessa problematizar para que filosofar na escola. busca na resposta uma utilidade. comumente seguido de serve. tais como Intempestiva. Contudo. promove uma imobilidade de fundo agenciando a formação de subjetividades adestradas às vitrines do shopping. Talvez por isso. uma compreensão epistêmica do logos que se organiza como dispositiva para melhor conhecer o real e pretender a verdade. os sentidos clássicos outorgados à filosofia. identificado com o pensar e assumido como phármakon. Se partilhamos o suposto de que uma das possibilidades da filosofia é dar-se conta do nosso presente. e à pergunta “o que se pode fazer com a filosofia?” cabe como resposta a afirmação de que a filosofia pode fazer algo com aquele que pergunta. Diante disso. É inegável a força que esta última compreensão de logos vem tendo para afirmar-se como o viés mais próprio da filosofia. extemporânea. avança desabalado e pouco tempo se dá para pensar as forças que o orientam. pela obstinação e voracidade do modo de vida dominante da chamada sociedade pósmoderna para negar ou combater os modos de vida verdadeiramente alternativos. uma vez que se deixe afetar por ela. no terreno da filosofia. para forçar o pensamento a se pensar. Sempre. apoderado pela ciência da técnica. associado ao conhecer. 27 . o logos como instaurador de sentido. por outro.tre dois modos de experimentar o logos. é uma das maneiras de expressar um possível sentido para filosofar na escola hoje. Por um lado. Mas a utilidade da filosofia não se confunde com as exigências de funcionalidade exigidas pelo pragmatismo reinante. tem no mercantil a significação a priori capaz de informar as redes simbólicas e conceituais da convivência? Pensar este tempo que. a tensão inicial ressoa: produzir efeitos desde o pensar versus conhecer. Filosofia como convocação à resistência. de modo geral. Assim. Com este mundo. “desenvolver o pensamento crítico” entre tantos outros que há tanto vêm sido reiterados. mas resistir consiste.“ensinar a pensar”. A filosofia nasce de certo inconformismo com o mundo. outros modelos de No pensar têm lugar também o imaginar. para compartilhar junto com os jovens o incômodo com a besteira e desacomodar e desinstalar os que dela se aproximam. muitas vezes empobrecidos e anódinos nos quais. não é a simples negação passiva do que há – o que no caso aproximaria a resistência do niilismo –. Sempre. não é somente rechaçar. em afirmar possibilidades e sentidos que permitam inventar e experimentar coletivamente outras formas de vida. comprometido com a razão e a lógica em seu empenho . “promover a cidadania”. sua força de impulsionar os jovens à desacomodação. efeito que pode ser conquistado pela resistência à platitude dos modos de vida. Nunca há um só mundo. ao ‘salve-se quem puder do cada um por si’ que vem solapando o interesse pela vida política. tendo os jovens como seus intercessores. contudo. ao hedonismo disfarçado em carpe diem. à acomodação dissimulada em conforto. sobretudo. O que parece mais próprio e fecundo para a filosofia no Ensino Médio é sua potência de educar filosoficamente. sobrevivemos desencantados e incrédulos. convivialidade passíveis de migrar do espaço construído através de uma educação filosófica na escola para outros 28 espaços. a filosofia afirma que o mundo poderia ser diferente. O conhecer está. É confrontando-se ao incômodo com o presente que a filosofia pode encontrar um sentido que justifique sua prática e seu lugar na escola. contemporaneamente. talvez não sejam os mais significativos ou pelo menos suficientes para promover uma educação filosófica comprometida com a construção de subjetividades preocupadas em inaugurar outros modos de vida. extemporânea. com outros mundos. Uma educação filosófica pode ser extremamente fértil no terreno da escola como instauradora de um espaço de resistência ca- paz de incentivar o rechaço aos imperativos hodiernos que convocam incessantemente ao apetite consumista. o desejar. com todos os mundos. para espantar a besteira. pensar as possibilidades da filosofia no Ensino Médio pressupõe ocupar-se também dos mesmos incômodos que indicam hoje sentidos que a própria filosofia sinaliza para o filosofar. Intempestiva. o sentir. Resistir. mas sim quando as condições de seu aparecimento são provocadas. o sentir. o desejar. ao resgatar o que Sócrates nos ensina na Apologia “interrogar. No pensar têm lugar também o imaginar. dar as costas às certezas. Cabe um esclarecimento: colocar em questão a primazia da razão no filosofar está muito distante de defender qualquer espécie de “irracionalismo”. a lógica não é o real. O gosto por pensar juntos pode emergir na O pensamento não aparece quando queremos. uma educação filosófica não é somente tarefa do pensamento. mas abrir mais espaço para o pensamento ampliando sua extensão. propiciar uma sensibilidade atenta para acontecer o pensamento. o conhecimento é tão somente uma das possibilidades do pensamento. Em especial. Antes de ocupar-nos do conteúdo disciplinar – quais temas. Mas o conhecer não esgota as possibilidades do pensar. de modo que o conceito de pensamento contenha a razão e não esta aquele. A filosofia na escola. Pensar permite instituir possíveis. mas a aspírar uma dimensão de educação filosófica capaz de ressoar na maneira de viver dos estudantes. instaurar uma atmosfera. Desaprender no sentido de desvestir alguns hábitos. mas talvez e.de apropriação do real. No entanto. ou uma educação filosófica. Sem pretender verdades. E. sobretudo. não se trata de desconfiar da razão e a ela simplesmente opor o que estaria fora do pensamento. a arte de pensar pode contribuir para a arte de viver concentrada no lema de Píndaro “vir a ser o que se é”. a imaginação a partir de experiências singulares abre o pensamento aos possíveis. textos ou problemas que iremos trazer para explorar com os alunos – pensamos ser condição de possibilidade para ensinar a filosofar com adolescentes a preocupação em construir uma atmosfera propícia ao desaprender. é a partir da relação que o professor tem com a filosofia e com os filósofos pelos quais se interessa que essa possibilidade pode ser atualizada. em si mesma. 29 . Isto é decisivo e convoca a praticar uma fi- losofia na escola não tanto preocupada em ministrar conteúdos. trabalho do sentimento. pode ser um convite a criar um ambiente. desconstruir alguns supostos. examinar e confutar” a própria vida. Uma filosofia deve ser capaz de fazer com que se experimente viver de acordo com ela. nem sequer o possível. mas apenas um dos dispositivos capazes de articular o possível com o real de modo a estabelecer uma intersubjetividade objetiva. E isso passa necessariamente pelo afeto. desde logo. de uma composição de forças afetivas. pois a filosofia. a confiança e a hospitalidade. Vir a ser o que se é não indica a transição de um ser em potência a um ser em ato. Também não se trata de 30 . A philía da filosofia é uma paixão. O estrangeiro. do desdobramento da philía que investe a filosofia. Contudo. mas forças involuntárias que obrigam o pensamento a se pôr em marcha. mas sim quando as condições de seu aparecimento são provocadas. amizade e desejo e chamar também para ela o cuidado. preocupação com o outro. Não é de uma boa vontade que o pensamento depende. e como é difícil desaprender o hábito escolar de responder corretamente.instauração de um clima. mas como resistência à desconfiança imperante. Confiança não no sentido moral de uma passividade ingênua acomodada. afinal. dizer o certo. experiência do puro dom. Provocar essas condições está ligado a criar uma atmosfera que expulse o medo de errar. como bate o coração. nem toda provocação tem uma resposta. abertura a novos devires. uma ambiência de espera atenta ao inesperado e ao aparentemente sem sentido: philía. O pensamento não aparece quando queremos. A criação desta “ambiência pática” parece ser uma das condições para provocar o pensamento. é uma relação baseada em um afeto e não um afeto baseado em uma relação. mas das forças que atuam na sua instauração. Abertura para o que está fora. uma relação que não se sustenta nos vínculos parentais. provocar não significa produzir. pois. Autoexigência de transformação. é uma reação operada por algo que nos força a pensar. Não é um eu voluntário que produz o pensamento. do imprevisto. por certo. Hospitalidade como acolhimento do estrangeiro. Talvez seja possível desenvolver o sentido de philía em suas acepções como amor. falar o oportuno. como o pâncreas produz insulina. Esse páthos deriva. Uma educação filosófica comprometida com a vida de cada um e com o hoje comum a todos está em sintonia com o imperativo pindárico antes anunciado: Vir a ser o que se é. de ensaiar a pensar em voz alta. de uma correlação de forças cuja resultante intensiva seja a atenção. do terreno em que está posta a vida em que o pensamento acontece. O que constitui propriamente esse terreno para filosofar na escola é a instauração de um páthos. pois não pensamos espontaneamente. Cuidado como disposição interessada. pensar é um esforço e decorre de um incômodo. não fala a língua do anfitrião e essa condição de estrangeiridade está quase sempre presente no ensino de filosofia: a língua do ensinante é a língua da filosofia. língua desconhecida pelos aprendizes convidados a habitar uma educação filosófica. Antes que um método ou um caminho há que oferecer um terreno propício ao pensamento. reconfigurações. Walter Omar. Vir a ser o que se é abriga um lindo paradoxo: aquilo que somos e que podemos vir a ser. Vir a ser como tarefa de criação contínua. Vol. São Paulo: Loyola. 1988. 138-222. Barcelona: Tusquets. 2003. Deste modo. Dits et Écrits. IV. 2009. Buenos Aires: Biblos. 2000. Quem sabe.trazer à luz uma identidade oculta. relacionando-se com a filosofia de maneira vital e comprometida. Sobre los tiempos que corren. Filosofia no ensino médio. O que o lema sugere são ressignificações do que se é. É nos perdendo que nos encontramos. KOHAN. Walter Omar. Michel. Encontros no pensamento em si e nos outros. Lembrar escrever esquecer. 2001. BIBLIOGRAFIA DELEUZE. FOUCAULT. GAGNEBIN. In: Escritos sobre educação. __________Sobre el porvenir de nuestras escuelas. o movimento de ensinar filosofia com vistas a uma educação filosófica implica fazer do aprender próprio e alheio uma experiência de abertura e de encontro no pensamento. Paris: Albin Michel. In: CERLETTI. Rio de Janeiro: Graal. Sócrates: el enigma de enseñar. pois não há um ser. Pierre. 1999. NIETZSCHE. desfigurando-se a cada vez para efetivar-se em outra nova figura também sempre transitória. Jeanne Marie. HADOT. Paris: Gallimard. das sucessões e encontros que constituem o instável e mutante efeito do que chamamos “eu”. Brasília: UNB. deslocamentos. rearranjos de forças que não podem ser separadas das afecções e agenciamentos. um substrato substantivo subjacente ao devir. p. Fazer do ensinar e aprender filosofia uma oportunidade para virmos a ser aqueles que aprendemos a ser. III Consideração intempestiva: Schopenhauer educador. invenção de si que depende de desaprender-se e esquecer constantemente o que se é para inaugurar-se em outras configurações. Jorge. um si mesmo. La philosophie commme manière de vivre. devires. numa educação filosófica encontremos essa força para aprender e o aprender dessa força que dê outra intensidade a nossas vidas. DOTTI. São Paulo: Editora 34. Alejandro. 1994. 31 . Diferença e Repetição. aquilo que mais nos fortalece como indivíduos é saber o quão pouco somos como indivíduos. Friedrich. Gilles. então. KOHAN. 2009. tvbrasil.br Home page: www. 4o andar – Centro.gov. 18. CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ) Setembro 2011 32 .Presidência da República Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO Coordenação-geral da TV Escola Érico da Silveira Coordenação Pedagógica Maria Carolina Mello de Sousa Supervisão Pedagógica Rosa Helena Mendonça Acompanhamento Pedagógico Luís Paulo Borges Coordenação de Utilização e Avaliação Mônica Mufarrej Fernanda Braga Copidesque e Revisão Magda Frediani Martins Diagramação e Editoração Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa – TV Brasil Gerência de Criação e Produção de Arte Consultor especialmente convidado Walter Omar Kohan E-mail: [email protected]/salto Rua da Relação.org.
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