1 -Fundamentos de História do Direito

March 17, 2018 | Author: shaladynno | Category: Roman Law, Inquisition, Roman Empire, Criminal Law, Slavery


Comments



Description

Fundamentos de História do DireitoCapítulo 1 O DIREITO NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS Antônio Carlos Wolkmer Toda cultura possui um aspecto normativo, que engloba os padrões, regras e valores que caracterizam modelos de conduta. Este aspecto demonstra a tentativa de cada sociedade a fim de assegurar uma determinada ordem social, utilizando como instrumentos normas de regulamentação essenciais, que sirvam de maneira eficaz para o controle social. Pode-se notar a carência de uma explicação cientificamente correta com relação às origens de uma grande parte das instituições jurídicas do período pré-histórico, uma vez que, sem o conhecimento da escrita, não se considera a existência de um direito entre os povos que possuíam modos de organização social primitiva. ³Falar, portanto, de um direito arcaico ou primitivo implica ter presente não só uma diferenciação da pré-história e da história do direito, como, sobretudo, nos horizontes de diversas civilizações, precisar o surgimento dos primeiros textos jurídicos com o aparecimento da escrita(...) Autores como John Gillisen questionam a própria expressão µdireito primitivo¶, aludindo que o termo µdireito arcaico¶ tem um alcance mais abrangente para contemplar múltiplas sociedades que passaram por uma evolução social, política e jurídica bem avançada, mas que não chegaram a dominar a técnica da escrita´ Direito arcaico é denominado para os sistemas legais que regeram as populações sem escrita. Realizando um paralelo com muitas populações existentes na segunda metade do século XX, vê-se que muitas delas ainda hoje vivem de acordo com esse direito primitivo. O processo contemporâneo de colonização acarretou u surto de pluralismo jurídico, havendo m a presença de um direito europeu para os não indígenas e um direito arcaico para as populações autóctones. A família deu as bases para o direito primitivo, que nasceu nos antigos princípios que nortearam a sua constituição, tendo sido derivado das crenças religiosas universalmente admitidas na idade primitiva desses povos, exercendo seu domínio sobre as inteligências e vontades. Vê-se a fundamentação em revelações divinas e sagradas, no período anterior às legislações escritas e os códigos formais. A transmissão das práticas primárias de controle era feita oralmente. O medo de uma vingança divina, pelo desrespeito aos seus ditames, fez com que o direito passasse a ser respeitado religiosamente. Portanto, as sanções leg ais estavam profundamente associadas às sanções rituais. Na evolução do direito, o autor identifica três estágios: ³o direito que provém dos deuses, o direito confundido com os costumes e, finalmente, o direito identificado com a lei´. Inicialmente, o direito era considerado sagrado, como expressão das divindade Tal prática s. desenvolve-se na direção da prática normativa consuetudinária, sendo a expressão de um conjunto disperso de usos, práticas e costumes. No direito antigo pode ser identificada uma mescla de prescrições civis, religiosas e morais, sendo que, neste cenário, o povo romano foi o que mais avançou para uma autonomia diante da religião e da moral. A tradição conservava a regulamentação no chamado direito arcaico, que não era passível de legislação. Além disso, cada uma das organizações sócias possuí um direito único, sendo a este direito profundamente influenciado pelas crenças dos antepassados, pelo ritualismo C. enquanto a aristocracia manteve apenas o poder político. dentro do qual se demarcam estas ações obrigatórias. socialmente completo em si mesmo. as regras de direito civil compreendiam um conjunto de obrigações impositivas consideradas como justas por uns e reconhecidas como um dever pelos outros. o direito matriarcal definia o parentesco. O direito matrimonial possui destaque em todos os sistemas legais das sociedades primitivas. mas assum um e caráter positivo através da recompensa para os que cumprem e respeitam as regras de convivência´. portanto.C. que as sociedades foram apresentando até os dias atuais. O direito é parte integrante da dinâmica de uma estrutura. A antropologia tradicional criou a falsa afirmação de que inexiste um direito civil. De acordo com Wolkmer. é essencial realizar uma retrospectiva histórica das instituições jurídicas nas sociedades primitivas para compreender a evolução dos sistemas legais. moral e jurídico. havendo no religioso um sincretismo entre as regras de cunho social. preceitos verbais. resumindo -se aos costumes.. A época arcaica foi cenário de várias transformações e inovações. Retirar da aristocracia o poder foi papel dos . pergunta qual seria a motivação -se capaz de fazer os homens cumprirem as regras de direito civil. meados do século VIII a.simbólico e pela força das divindades. e vai até o seu desaparecimento e surgimento dos reinos helenísticos no século III a. a utilização da moeda. obedecidos automaticamente por pura inércia. surgiram os plutocratas. por exemplo. transmitido através das mulheres e pelo qual advinham todos os privilégios sociais. e. estimulando de maneira ímpar o comércio e a indústria. Enfim. Nas sociedades aborígines. Tal força procederia de uma tendência psicológica natural pelo interesse pessoal. subsistiam outros tipos diferenciados de normas tradicionais gerados por motivos psicológicos. às decisões pela tradição etc. O autor tenta desmistificar a lei criminal entendida como núcleo exclusivo de todo e qualquer direito primitivo. através da reforma dos legisladores e tiranos. a lei é expressão dos próprios costumes autóctones. ³a lei civil primitiva não tem apenas um aspecto negativo no sentido de que todo o descumprimento resulta num castigo. se não há sanção religiosa ou castigo penal. a colonização permitiu que os gregos se espalhassem pelo Mediterrâneo. além das regras jurídicas sancionadas por um aparato social com poderosa força cogente.´ Antes que tais reinos helenísticos se formassem. Este poder também foi retirado das mãos dos aristocratas. Com o advento de tais mudanças. Para Malinowski. As fontes do direito das sociedades primitivas são poucas. No entanto. Capitulo 3 O DIREITO GREGO ANTIGO Raquel de Souza ³Para o estudo do direito grego é particularmente interessante o período que se inicia com o aparecimento da polis. como. Neste sentido. caracterizando um sistema independente. dessa forma. Capítulo 5 DIREITO ROMANO CLÁSSICO: SEUS INSTITUTOS E SEU LEGADO Francisco Quintanilha Véras Neto . Atuando como legislador. As leis passaram a ser inscritas nos muros das cidades e o monopólio da justiça foi retirado da aristocracia. Atenas conheceu o seu primeiro código de leis. o Conselho. na maioria. junto com as inscrições democráticas que passaram a contar com a participação do povo. Os gregos preferiam falar a escrever. Por sua vez. a escrita ainda não vivia o seu auge. o direito grego é considerado um direito retórico. como a Assembléia do Povo. introduziu importantes princípios do direito penal.legisladores. A participação de um advogado não era considerada manifestação profissional. fato que explica por que o Direito grego não influenciou muito outras civilizações. como a diferenciação dos tipos de homicídio e a gradação das penas de acordo com a gravidade dos delitos. a sociedade grega negava a profissionalização do direito. Deste modo. Dessa forma. com participação popular. os aristocratas perdem também o monopólio da justiça´. a Assembléia do Povo era a principal instituição grega. O governo estava dividido em instituições políticas. Diante disso. provocando a inexistência de juízes. A parte processual era formada por logógrafos (considerados os primeiros advogados da história). possibilitado o acesso de todos à legislação. a escrita foi utilizada para escrever e publicar leis. Somente a partir da primeira olimpíada ocorreu a adoção do alfabeto fonético. ele realizou uma reforma que transformou o sistema legal da época. constata-se que a sociedade grega deixou importantes legados na área jurídica. sendo que eles não recebiam pagamento. oradores e professores de retórica. Sólon realizou uma reforma institucional. onde as decisões eram tomadas. considerado o pai da democracia grega. permitindo a codificação de leis e sua divulgação através de inscrições nos muros das cidades. A retórica predominava. Os escritores eram. social e econômica. De qualquer modo. O direito ateniense criou o tribunal popular. que era uma versão do alfabeto semítico usado pelos fenícios. Entretanto. sob o comando de Dracó que n. Uma nova Constituição foi instalada por Clístenes. que compilaram a tradição e os costumes e os modificaram a fim de apresentar uma estrutura legal em forma de leis codificadas. Além disso. com o estabelecimento de instituições democráticas. Tal codificação das leis só foi possível com o surgimento da escrita. promotores e advogados nos termos atuais. a Comissão Permanente do Conselho e magistrados. que forneciam os discursos para os litigantes que recitavam como de sua autoria. ³A escrita surge como nova tecnologia. principalmente no que concerne ao direito de propriedade e ao direito das obrigações. Eram inexistentes as sanções. clientes e dos escravos´. teorias subjetivas sobre a posse e conceito de pessoa jurídica. Apesar de respeitar as instituições públicas em Roma. nas províncias imperiais agia como um déspota. Essa relevância decorria tanto da parte econô mica como da religiosa. Nas instituições liberais individualistas. as terras e as ferramentas necessárias ao trabalho agrícola. A república. pode-se identificar o direito romano. o rei era magistrado único e o Senado funcionava como uma espécie de Conselho do Rei. dominavam as c lasses pobres e livres dos plebeus. surgiram conceitos de co-propriedade. conceitos de ato e fato jurídico e também na questão da irretroatividade das leis civis. ³O Império Romano e suas várias etapas históricas estariam fixadas cronologicamente no modo de produção escravagista. Os romanos foram pioneiros na construção dos conceitos jurídicos de direito objet e ivo subjetivo. provocando uma desigualdade que refletiu nas instituições políticas e jurídicas. A elaboração da Lei das XII Tábuas representou o auge da revolta dos plebeus e possibilitou algumas melhorias para a classe. a propriedade era perpétua das famílias. A ciência jurídica conheceu a sua autonomia. através do povo romano. Devido ao seu caráter sagrado. Apenas um contrato de dote selava a união matrimonial. primeiramente. A propriedade era considerada perpétua e impassível de contestação dos outros. Os patrícios dominavam as classes inferiores. foi caracterizada pelo poder dos dois cônsules. . por sua vez. merecendo grande importância para os romanos. No campo da propriedade. Nesse período destacam-se alguns jurisconsultos e criadores de conceitos tópicos da ciência jurídica romana. foi marcado pela sua cristianização e pela decadência política e cultural. mediante o qual o casamento era realizado de maneira informal e oral. Na seqüência. O direito era costumeiro e a jurisprudência estava nas mãos dos pontífices. uma vez que cultuavam os ancestrais enterrados em tais áreas.O sistema baseado no trabalho escravo caracterizou o império Romano e suas etapas históricas. surgiram os censores e aos poucos os plebeus vão ganhando espaço dentro do governo. O Corpus Júris Civilis representou a sistematização do direito romano. controlando os meios de produção. que. As fontes do direito na República são o costume. Durante a realeza. a lei e os editos dos magistrados. realizada a mando do imperador Justiniano. a coerção pública e a autoridade para as decisões judiciais. do ponto de vista jurídico. o império centralizou todos os poderes nas mãos de Augusto. que inicialmente são as magistraturas únicas. Posteriormente. que era disciplinada pelo direito privado. Já o baixo Império. A cultura romana atribuiu a esse universo escravagista uma forma material ao direito romano. Como exemplo pode ser citada a instituição matrimonial. mas o poder dos proprietários não era ilimitado. sendo que as instituições apresentavam um caráter teocrático. em que o motor do desenvolvimento econômico estava nas grandes propriedades apropriadas pela aristocracia patrícia. beneficiando os mais fortes com poderes econômicos e militares. O primeiro deixava os homens livres sem trabalho. veio como uma junção das características do regime escravocrata e do regime comunitário primitivo das tribos nórdicas. Capítulo 8 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA DOGMÁTICA JURÍDICO -CANÔNICA MEDIEVAL Rogério Dultra dos Santos Este capítulo busca identificar no período medieval a evolução do direito canônico como construção dogmática.Entretanto. ³Objetiva-se perceber. a institucionalização dogmática será encarada como elemento de construção. uma vez que não são obrigatórios e arbitrários os deveres de tal relação. levando em conta que os dois máximos legados da Igreja Católica para a construção do direito ocidental moderno foram a dogmática e o inquérito. essencialmen mediante o sistema te jurídico. o Direito Romano foi incorporado pelo Ocidente por satisfazer os burgueses em relação às praticas capitalistas. como o direito canônico medieval. Deste modo. a Igreja era a única instituição centralizada. notavelmente com o advento do sistema romano-germânico. no seu estado de topos privilegiado. Roma se sustentava politicamente em três pilares: a proteção militar da população. Fundamentalmente. o incentivo ao comércio e a facilidade de comunicação com os outros lugares. ele passou a se r cautelosamente estudado e aplicado mais concretamente. que legitimou a postura autoritária imposta pela Igreja Católica na Idade Média. ³De forma condensada. enquanto o segundo fazia aparecer seitas heréticas que traduziam o descontentamento da plebe. Tal trama encontrava-se abalada pelo modo de produção escravocrata e o cristianismo como religião oficial. bilaterais e obrigatórios. serviu de µceleiro¶ para a instituição da dogmática como elemento discursivo de controle e manipulação social. A relação feudal traz um caráter ambíguo na questão da fidelidade. Com o passar do tempo. que constituíram o antigo feudalismo. No entanto. O direito derivado da Igreja serviu para sedimentar o poder institucional através de fundamentações ³racionais´ na interpretação da verdade. Como ápice do declínio desses pilares tem-se a invasão dos bárbaros. poder-se-ia dizer que dois foram os institutos máximos legados pela Igreja Católica para a constituição do direito ocidental moderno: a dogmática e o inquérito´. vê-se que a dogmática foi utilizada como mecanismo de controle e manipulação social. de forma evidentemente introdutória. principalmente através do sistema jurídico´. então. Sendo assim. os deveres contratuais entre senhor e vassalos são fixos. As invasões germânicas originaram numerosos sistemas de governo menores e autônomos. o Império Romano foi substituído pela fragmentação da Europa ocidental em unidades de produção descentralizadas. . Neste período. O responsável político por essa junção foi a Igreja Católica Romana. manutenção e manipulação da verdade. organizados através dos vínculos de subordinação. O chamado regime feudal. Segundo a tipologia de Max Weber. os casos envolvendo o . Para o autor. Os cânones eram como ve rdades reveladas por um ser superior. A Igreja se consolidou. O direito germânico trouxe uma característica ao feudalismo: uma autoridade baseada no carisma de um líder guerreiro. o sistema penal foi modificado sob a influência da Igreja. A fim de combater eficazmente esses ³males´ e caracterizá -los como crimes. . e. Toda a Europa ocidental e as suas colônias presenciaram o desenvolvimento dessa operação judicial. marcado pela ausência de um poder judicial organizado. o processo penal consistia numa ³forma ritual de guerra´ entre o ofendido e o acusado. direito de família e os casos relativos ao casamento. proprietário de muitas terras e do poder espiritual e temporal em toda Europa. tem-se a descentralização da justiça. Utilizando esses mecanismos. associadas aos aspectos políticos e ao contexto social nos quais a inquisição encontrou potenciais aliados para atingir seu apogeu´. censurando a realidade. apresenta -se a Inquisição Medieval. Implantou -se um sistema onde dificilmente o acusado escapava sem condenação. POL ÍTICOS E LEGAIS DA INQUISIÇÃO Samyra Haydêe Naspolini Um dos fatos históricos mais controvertidos de todos os tempos. Em um aspecto superior ao da legitimidade. como única instituição sólida da época medieval. Ela despontou como se fosse um grande senhor feudal. mediante os tribunais canônicos principalmente. Nesse período. As regras jurídico-sagradas que determinavam a maneira correta de interpretação e resolução dos litígios eram representadas pelos cânones. essa a cruzada religiosa da Igreja Católica contra os hereges. realizada nos séculos XII e XIII. até os reis recebiam o seu poder dela e estavam sujeitos a serem excomungados. o direito canônico se levanta como um objeto de amor daqueles que estão subordinados às suas regras. Do ponto de vista jurídico. tal carisma estava ligado à qualidade de uma personalidade e apresentava um certo caráter ³mágico´. Capítulo 9 ASPECTOS HISTÓRICOS. Em princípio. como precondição neces sária para o acontecimento desse fato histórico. ³o fundamento de toda dominação. a Igreja passou a monopolizar a produção intelectual judiciária. o direito germânico foi usado para resolver conflitos. Desse modo. é uma crença: crença no prestígio do que manda e dos que mandam´.Na Idade Média. sendo que o poder da Igreja atingiu seu apogeu na Baixa Idade Média. e a sua desobediência. ³Enfoca principalmente as mudanças no direito penal. Diante disso. vê-se que o texto sistematizado na Idade Média se apresenta como discurso dogmático que busca construir a verdade. por conseguinte de toda obediência. certamente. era uma caça às bruxas e hereges. maior latifundiário. um pecado. A jurisdição eclesiástica passou a julgar. cunhada de Inquisição. o condenado era levado a uma praça pública. a ação penal era desencadeada por uma pessoa privada e o juiz decidiria contra o acusado. O poder da Igreja refletiu sobre os princípios e na lógica de ordenação do direito laico. A tortura foi constantemente empregada pelos juizes e inquisidores. inclusive nas colônias. As mudanças no sistema penal e o processo da Inquisição demonstram a efetiva participação da Igreja Católica na construção do direito penal moderno.É evidente que a Inquisição foi criada para combater qualquer contestação aos dogmas da Igreja Católica. No início da Idade Moderna. Capítulo 11 DA ³INVASÃO´ DA AMÉRICA AOS SISTEMAS PENAIS DE HOJE: O DISCURSO DA ³INFERIORIDADE´ LATINO-AMERICANA José Carlos Moreira da Silva Filho ³O sistema teórico latino-americano na área penal é de um sincretismo assombroso. Assim foi feito. a Europa vivia um momento de tensão e miséria. interrogavam-nas.. sendo que. onde seria executado na fogueira. Portanto. prisão e confisco dos bens. Antes. no sistema acusatório. com muita violência. Ela foi utilizada pela nobreza. no que concerne às provas. que levou ao acirramento da Inquisição. via-se obrigado a confessar sua culpa e o seu arrependimento. A Igreja teve um papel fundamental nesta transformação. . em caso de dúvida. esconde um discurso extremamente racista. na medida em que proibiu a participação dos clérigos nos ordálios. Se não bastasse. chamado de auto-de-fé. a pretexto de custear o processo. constata-se que o direito recebeu uma enorme influencia da Igreja. que. demonstrando o seu caráter político. No momento em que o acusado era torturado. O termo heresia foi utilizado para qualquer manifestação contrária às definições da Igreja. principalmente. As condenações englobavam a execução pelo fogo. e dificilmente os familiares escapavam dos processos. No início da Idade Moderna já havia a divisao entre Tribunais Eclesiásticos e Tribunais Seculares. os bens do condenado eram confiscados. de natureza psicobiológica e de exclusão. Para melhor entendimento dessa situação faz-se necessário ter conhecimento do processo histórico-social que nos conduziu até o presente momento´. fazendo o possível para que elas confessassem e em seguida eram levadas à condenação. a fim de se obter confissões ou informações. recorria -se à intervenção divina (o ordálio). O instrumento mais utilizado era o strappado. no fundo. banimento. O julgamento intensivo dos hereges proporcionou uma mudança no sistema penal. quando se passou para um sistema racional do direito. Depois. Os tribunais aprisionavam as pessoas.. O direito canônico era o único escrito e formalizado durante grande parte do período Medieval. Já no processo por inquérito era atribuído ao juízo humano um papel essencial com regras racionais do direito. trabalho nas galeras dos navios. pois o novo sistema se mostrava muito mais eficiente em relação ao combate às heresias e o acusador não tinha responsabilidade alguma em caso de inocência do réu. através dos padres. com a chegada dos navegadores. do que hoje se chama de ³direitos humanos´. os infiéis eram os espanhóis que realizavam as guerras. Logo. o sistema penal vem adquirindo um caráter extremamente cruel. o religioso deu lugar à matriz cientificista naturalista. Os índios acreditaram. Desde essa época fundou-se um saber antropológico adotando. certamente. uma vez que os espanhóis não reconheceram a condição dos índios de sujeitos. não por defender a natureza humana dos índios. os índios foram vencidos. entende-se que todos os avanços da modernidade são o resultado de um desenvolvimento natural do próprio europeu. e os nativos passaram a ser rotulados de ³naturalmente inferiores´. onde os índios eram considerados criaturas ³p uras e infantis´. mas. Segundo ele. os ameríndios perceberam que estavam diante de homens. o ultimo representava o deus Quetzalcóatl. Quando Cristóvão Colombo chegou ao ³Novo Mundo". a pretexto de ³converte-los´. preponderantemente. A terceira modalidade era a transmissão inconsciente de doenças. ele foi considerado o primeiro defensor. como a simulação de que estavam adotando a cultura estrangeira. para os astecas. apesar do esforço dos europeus para que não sobrassem vestígios da cultura americana. Essa ³constatação´ justificou o uso da violência e da escravidão. mesmo apresentando uma resistência acirrada. uma forma teológica. na verdade. O contato de Montezuma com Cortez demonstrou que. Somente com os acontecimentos posteriores. Bartolomé de Las Casas debateu a questão indígena. na América Latina. Eles utilizavam alguns artifícios. Por acreditar que estava na Ásia. sendo obedientes e pacíficos. Nesse estagio. A quarta foi a ³conquista espiritual´. que eles fossem deuses. que esconde um caráter racista.Nesse tipo de sociedade. Algumas vezes. A primeira estratégia utilizada para exterminar a população residente nas terras ³descobertas´ foram os massacres e as guerras. O sistema penal latino-americano detém um absurdo sincretismo. Desde o início a civilização encontrada naquelas terras e a sua cultura foram desprezadas. de natureza psicobiológica e de exclusão. Durante este domínio. A segunda foi a escravidão. Na visão do Eurocentrismo. primeiramente. Ele defendia a obtenção de um consenso indígena. provocando uma ocupação desordenada e uma matança generalizada. Outros navegadores chegaram a região. e o começo da domesticação. que implica ³uma prática de extermínio em massa e de segregação social sem precedentes´. já existiam relatos de contato com as novas terras. . provêm do primeiro mundo. o navegador chamou os habitantes nativos de índios. quando marcaram a futura América Latina à cruz e espada. foram nascendo os bastardos e os crioulos. Assim. quando na verdade estavam preservando a sua vida e a sua cultura. Tais pensamentos. Formou-se na América Latina uma cultura popular bastante peculiar. foram considerados inferiores. É imprescindível entender o que levou a ³invasão´ da América a se transformar em sua ³descoberta´. e não de soldados. Todo o processo de conquista estava envolvido com o mercantilismo e com a evangelização. Bartolomé caracterizou os índios como dotados naturalmente de virtudes cristãs. sendo que a religião indígena era totalmente desprezada. e tem inicio em 1492. mas sim defender a sua natureza cristã. os índios foram considerados ³iguais´. A classe operária disponibilizou mão-de-obra barata. durante a época colonial da América Latina. Os crioulos (filho branco de europeu nas Índias).Os nativos apresentavam um modo de vida totalmente contrário ao liberalismo do século XIX. devido à existência de um grande ³exercito´ de reservas em busca de trabalho. vê-se que. vem enfrentando violentos processos d e domínio. os camponeses fixados no campo foram explorado e s oprimidos pelas oligarquias rurais que dominaram o poder político e econômico até metade do século XX. Em seguida. por sua vez. Os ³rostos do Brasil´ eram compostos pelos índios. como o colonialismo mercantil. Toda essa ideologia da defesa social desconsidera a existência de diferenças culturais..) . Essas origens criaram uma ³sociedade às avessas´. de um povo oprimido. o princípio do bem e do mal. forçando a continuidade de um cenário de mão-de-obra explorada e oprimida. O uso comunitário da terra era oposto aos aspectos liberais. Dando continuidade à história. o que caracteriza uma evidente cultura de ³marginalização´. são princípios presentes na base teórica do nosso sistema penal. Os operários. facilitou as relações de domínio. não havia verdadeiramente um direito na América latina. O princípio da legitimidade.. onde a ciência jurídica está conectada à concepção geral da sociedade. no concernente às terras. mas também acabaram sendo alvos de racismo. presentes no Brasil colonial. Os mestiços não detinham uma personalidade racial e cultural definida. o estudo dos elementos culturais e econômicos. desde o início. o neocolonialismo industrial e o atual tecnocolonialismo. Capítulo 12 O DIREITO NO BRASIL COLONIAL Cláudio Valentim Cristiani ³O enfoque procurará privilegiar. uma vez que ³escondeu´ os interesses de determinadas classes. onde a maioria da população vive à margem do poder e da violência do sistema penal. o princípio da culpabilidade. foram oprimidos pelo capitalismo. por sua vez. A escravização nunca havia ocorrido em número tão elevado e. muito marcantes na formação histórica do nosso país. Os quatro ³rostos´ acima citados formavam um ³bloco social´. uma vez que a obediência perante o poder espanhol foi imposta pela força. o princípio da finalidade ou da prevenção. em especial. os marginais oferecem seu trabalho a preços desumanos. brancos. serão analisados os fatores e influências trazidos pelas diversas etnias. num primeiro momento.. mestiços e crioulos. a resistência dos escravos também foi contínua. como resposta. o princípio da igualdade.. o princípio do interesse social e do delito natural. A mistura racial também foi vitima das práticas jurídicas da época. como a propriedade privada. e a influência no campo específico da formação do direito. Tendo em vista o conteúdo exposto.. mas eram dominados por outras classes na Espanha. geralmente. O direito penal. foram os únicos que tiveram uma ³consciência feliz´ da América. Não é de se espantar que hoje existam os problemas com as reservas indígenas. O povo latino-americano. Por fim. e não foram tão oprimidos como os índios e os negros. O Quilombo dos Palmares é o grande exemplo dessa luta contra o domínio. Outro ponto a ser destacado será o da formação da legislação no Brasil colonial(.. nunca foi levada a serio no Brasil a construção de uma cultura e identidades nacionais. cabia aos donatários a função de legislar e julgar. Nada foi feito no sentido de formar uma vontade local que representasse as vontades da colônia. As Manuelinas visaram um melhor entendimento das leis vigentes. foram enviados inúmeros agentes públicos de Portugal para o Brasil. Foi dessa maneira que surgiu ³o mito da imparcialidade´ nas praticas jurídicas brasileiras. O sistema não funcionou para Portugal e. Eram consideradas vigentes no Brasil-Colônia a aglutinação de três grandes ordenações. No entanto. que só estava subordinado à Casa da Suplicação em Lisboa. ou dos negros e índios. no Rio de Janeiro. Para os negros. Pode-se analisar o surgimento do direito sob o ponto de vista de três etnias distintas. Em 1751 foi implantado no Brasil. sendo que predominava a aplicação dos forais. serão expostas algumas sugestões sobre a formação do direito nacional´. as Ordenações Afonsinas. a elite local tratou de se aproximar dos magistrados que desembarcavam por aqui.. Ordenações Manuelinas e Ordenações Filipinas.. Vê-se que o direito nacional não representa os interesses do bem comum da coletividade. um Tribunal de Relação. A colonização tinha como objetivos ocupar o novo chão. que venham a dirimir tais desigualdades. a situação era muito mais de objeto do que de sujeitos de direto. No momento em que a Colônia foi dividida em capitânias hereditárias. Finalmente.Posteriormente. gerando um cenário de troca de favores entre os agentes da Metrópole e a elite local dominantes. Os tabus e o misticismo representavam os mecanismos de resoluções jurídicas para os índios. produziu-se uma modificação profissional e burocrática no poder judiciário. as Filipinas tiveram aplicabilidade por um longo período de tempo. explorar os seus bens e submeter os nativos ao imperativo da força. para os colonizadores a intenção era acabar com as bases da formação jurídica nacional brasileira e impor os seus próprios meios de coerção. através do governador -geral e da centralização administrativa. a atenção voltará para uma leitura de quem eram os operadores (juristas) que ocupavam os cargos mais importantes do Poder Judiciário. ³os magistrados partiam de Portugal a fim de ocuparem os postos do Poder Judiciário local. No Brasil Colônia. A herança trazida pelos portugueses influenciou o modelo jurídico atual. Conseqüentemente. RETÓRICA E O BACHARELISMO NO BRASIL José Wanderley Kozima . conservam-se as esperanças de mudança no cenário jurídico. Capítulo 13 INSTITUIÇÕES. por outro lado. Ao final. Prontamente. As Afonsinas representaram a primeira grande compilação das leis em vigor. Sendo assim. e sim de uma minoria dominante. tinham por finalidade representar os interesses da Metrópole e não as aspirações locais´. Para a composição do tribunal. que realizava intervenção somente em casos excepcionais. Burocratas que eram. que detinham os meios de produção que movimentavam a economia. Por fim. o direito surgiu de maneira imposta pela ação dos colonizadores. como Aristóteles e Tomás de Aquino. percebese a participação constante dos bacharéis. influenciaram as idéias da elite dirigente. cursos jurídicos no Brasil. que foram imprescindíveis para a consolidação do projeto de Estado Nacional. que não sintetizavam a visão capitalista. no Rio de Janeiro. Até a fuga da família real ao Brasil. mostra-se marcante a ênfase na retórica. e não a originalidade das fontes. Das práticas do Estado patrimonialista surgiram a administração privada da justiça. para os filhos da elite colonial. que é associado à produção técnico -filosófica. que evidencia a burocracia. os vastos latifúndios e a economia baseada no modo de produção escravista. só a Universidade de Coimbra em Portugal disponibilizava o ensino superior. somente para os filhos da elite colonial. sendo resultado da herança portuguesa. Entretanto. No cenário político. não houve a preocupação com a formação de bacharéis nas primeiras faculdades brasileiras. revelados os fatos históricos. o liberalismo democrático ainda não esta presente na realidade brasileira. Até então. As experiências jesuíticas da Companhia de Jesus resumiam o desenvolvimento do ensino superior brasileiro. na Bahia. em contradição ao jurisdicismo. Além disso. Após o estabelecimento da família real portuguesa no Brasil. Ainda verifica-se uma intervenção do Estado na economia. Tais cursos. nos cursos de direito oferecidos no Brasil prevalece o recurso à fonte indireta e apenas em alguns casos à fonte direta. Costuma-se tipificar o Estado brasileiro como patrimonialista. só a Universidade de Coimbra em Portugal disponibilizava o ensino superior. e um ótimo mecanismo de controle ideológico era a formação na universidade de Coimbra. oferecidos na faculdade de São Paulo e do Recife. mas a relevância das faculdades de direito estava no status que elas proporcionavam. pois nos falta um Estado racional e despersonalizado. propiciasse realizar uma releitura crítica e desmistificadora dessas instituições´. Analisando os acontecimentos políticos que desenharam a história brasileira. em 1827. Ele encontra-se associado à atividade política. Com a maioria dos professores portugueses. O bacharelismo é um fenômeno político-social. necessário à ocupação de cargos públicos. finalmente foram implantados. O mais importante é o fato registrado. que eram norteados pelas idéias do iluminismo francês. Em especial. Os estudantes de direito tiveram uma formação preponderantemente autodidata. Capítulo 14 O ESCRAVO ANTE A LEI CIVIL E A LEI PENAL NO IMPÉRIO (1822 -1871) Arno Wehling . e a Faculdade de Medicina. Diante desta necessidade. a metrópole precisava manter a dependência da colônia.³Impunha-se efetivar uma análise em que restasse privilegiado o estudo das raízes históricas das instituições jurídicas e que. fundou-se a cadeira de Artes Militares. O ensino jesuítico privilegiava autores. que ocasionou um problema de direito público. onde estuda-se do período pré- . predominante ideologicamente desde a independência. Em caso de dano delituoso praticado pelo escravo em usufruto. conviveu em geral com a escravidão como uma situação de fato. Civilmente. políticos e também não podia atuar em atos como testemunhar em juízo. percebe-se a existência de um conflito constante entre o fato histórico concreto e a concepção de justiça predominante. Além dessas medidas repressivas. Ele podia ser sujeito ativo ou agente do crime. através dos preceitos constitucionais que determinavam o sufrágio censitário. O processo de independência e organização institucional do país teve como marca essencial o controle do poder central pela elite de proprietários rurais reunida em torno do programa político do µpartido regressista¶. Surgiram vários atos legislativos sobre o tem entre 1840 e 1860. coisa e pessoa simultaneamente. percebe-se que a obra consiste em uma explanação detalhada e objetiva sobre os assuntos mais relevantes do Direito ao longo da história. por exemplo. a exclusão de escravos do processo político. Não possuíam direito civis. e não o usufrutuário até o seu valor. No entanto. testar. não participando da vida da civitas. o escravo era considerado res. o instituto jurídico ditava que o nu-proprietário deveria repara-lo. Ain da. não constituía. na lei penal. fica evidente a contradição filosófica e jurídica entre os preceitos constitucionais advindos da tradição iluminista e a realidade escravocrata brasileira. Neste intuito. constitucional e infraconstitucional. como imputável. Para finalizar. A Assembléia Geral era a única maneira pela qual o Estado poderia alfor iar os r escravos gratuitamente. uma vez que poderia ceder o escravo como maneira de indenização. respondia por seus atos. privado de toda a capacidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a leitura do livro Fundamentos de História do Direito. entretanto apenas uniões de fato. o escravo era considerado pessoa e não coisa. O dano causado ao sujeito passivo era considerado ofensa física. ele não participava da vida da civitas. contratar ou exercer tutela. nem políticos e também não poderia atuar em atos como testemunhar em juízo. o escravo não detinha direitos civis. A lei de 10 de junho de 1835. Destarte. pois era considerado incapaz. família. analisando o direito brasileiro em relação à escravidão. e. o Código de Processo Criminal restringiu a locomoção de escravos e criou inúmeras a fim de facilitar a prevenção ou a repressão das insurreições dos escravos. Mesmo apontando para o fim inexorável da escravidão. outras leis tinham o fim de combater a insurreição. sendo que o executivo podia faze-lo a titulo oneroso. ainda. portanto.Do ponto de vista civil o escravo era considerado simultaneamente coisa e pessoa. de direito. de acordo com o dispositivo do artigo 201 do Código Criminal do Império. ampliou os casos de penas de morte previstos pelo Código de 1830. É feita uma viagem ao longo da história. Os efeitos civis no casamento eram mínimos. Sendo assim. Contraditoriamente. A corrente liberal. o discurso liberal garantia. por combater apenas as conseqüências e não as causas de seus problemas. Visto a posição de destaque que o Direito toma na sociedade. haverá maneiras de julgar entre legal e ilegal. E é justamente isso o que incrementa ainda mais o valor da obra. por tornar-se tendenciosa e condescendente. não única. incorrerão ao erro. tanto a justiça. O grande problema da atualidade é que a sociedade deposita na justiça. O quão primitivo for. a Inquisição. Em cada período da história humana houve características próprias do direito. com algumas mesclas naturais de quem estuda o passado para progredir no futuro. inclusive. A didática apresentada no livro fornece ao leitor uma simplicidade e facilidade de leitura. Onde existe uma sociedade. possui também um carát r crítico. o projetam no cidadão a tarefa de poder cobrar de seus governantes atitudes sérias em relação às políticas públicas. pois nos remete a épocas remotas interessantíssimas e fomenta a curiosidade da população frente à história. impondo o sistema judiciário como parte. haverá uma espécie de direito. o direito na sociedade atual. A quantidade de informações depositadas na obra leva o leitor a refletir sobre as diversas épocas e sociedades e. é muito importante para a evolução do direito atual. passando por importantes e relevantes fases da sociedade como Roma e Grécia Antiga. O resultado disso é que. Apesar de simples. mas para qualquer pessoa. este debate nunca deve ser inibido. Este tipo de leitura é de extrema importância. os pilares para que uma sociedade mais justa possa existir. no passado. a sua esperança para resolução de problemas estruturais. frutos das mazelas de um sistema injusto e imperfeito. Assim sendo. é profunda. sociedades indígenas. quanto a sociedade civil. da resolução de tais mazelas. Portanto. . obras que permitem uma reflexão d diferente. Além de ser um estudo romântico. estudar a história do direito torna-se essencial para o progresso de um povo. não só para quem vive e trabalha com o direito. observando. justo e injusto. Uma reflexão que busca identificar no passado o que funciona ou não.histórico até o direito cotidiano. que e busca o aperfeiçoamento da sociedade.
Copyright © 2024 DOKUMEN.SITE Inc.